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<i%'-Eenlio de I. Illecre i
de ísliidcs e P~spulsarn PslcoIi~a~lrs 6 1 6 , @ 9 5 1'
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? Composto por
PAULO CORDEIRO DA SILVA LJNOTiPiA -
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JOSE FAGUNDES DO AMARAL CiA. LTDA.
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1%esso no Brasil
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NOTA PRELIMINAR . . . . . . . . . .: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
PRIMEIRA PARTE
DO PICTOGRAMA AO ENUNCIADO
I. CAPITULO -A ATIVIDADE DE REPRESENTA- .
ÇAO, SEUS OBJETOS E SUA FINA-
LIDADE ........................ 27
1- Considerações gerais . . . .. . . . . . . . ; ... . . . . . . . . 27
2- O estado de encontro e o conceito de violência .. 33
11 CAPITUL.~- O PROCESSO ORIGINARIO E O PIC-
TOGRAMA .. . . . . . . . . . . .. . . . . . ; 41
1 - O postulado do auto-engendramento . . . . . . . . . . 41
2 ,- As condiçõesnecessárias para a representabilidade
do encontro . :. . . . . ;. . . . . . : . . . . . . . . . . .. . . . 43
3 -'O "ernpr6stirno" feito pela atividade do originhrio
ao modelo sensorial . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . 47
4 - Piclograma e especularização . . . . ;.. . . . . . . . .. 50
5 - Pictograma e prazer etógeno . . .,. .. . . . . . . . . . . 52
6 - A re-produção do mesmo . . . . . . . . . . . . . . . .. . . 55
7 - A propósito da atividade de pensar . . . . . . . . . . . . 59
8 - O conceito do originário: conclusões . . . . . . . . . . 61.
111. CAPITULO -A REPRESENTAÇAO FANTASMA-
TICA DO PROCESSO PRIMARIO:
IMAGEM D E COISA E IMAGEM DA
-
1 -A representação fantasrnitica e o inconsciente . 71 .
2 -O postulado do primário e o princípio econarnico
dele resultante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72 .
3 - O s protótipos -do secundário ..................
11 - A APA'RIÇAO.DA IMAGEM DA PALAVRA E
AS MODIFICACOES QUE BLA IMPOE A ATI-
VIDADE. DO PRIMARIO ...................
1 - O sistema de significações primárias ..........
2 - O prazer de ouvir .........................
3 - Do desejo de escutar ao desejo de entender ....
4 - A propósito do objeto persecutório ............
5 - Os signos e a linguagem do primário .........
6 - Os signos e d discurso dos outros ............
~vCAPITULO - O ESPAÇONO QUAL O EU:P-E
.. CONSTITUIR-SE ........ : .........
...
1 - A organização do espaço no qual o Eu deve eons-
tituir-se .................................
2 - 0 porta-voz ................. :.............
.. + -
-. 3
-4
A violéncia da antecipação (a sombra falada) ..
O efeito da !epressão e sua transmissão .......
--5 - Conjugação e sintaxe dp desejo ............. I .
- 6 - A violência da interpretação: o riscodo excesso ..
7 - O reforço da violêhcia: ,a linguagem fundamental
8 -
O que-se segiie nominação do afeto . . . . :......
- 9 - .
O desejo do pai (de ter filho, por esta criança) .
- 10 - O encontro com o pai ..........:.... ; .......
BO CONTRATO NARCISISTA ...................
O E U E A CONJUGAÇAO DO FUTURO: S O B R E O
PROJETO 1DENTIFICATÕRIO E A CLIVAGEM
D O EU ..................................... 154
ANEXO: O QUE ENTENDEMOS PELOS CONCEI-
TOS DE SIMBÕLICO E DE IMAGINÁRIO 161
.SEGUNDA PARTE
pensamento.' I
. '@
k~
surpreendente em pessoas porro ingênuas por natureza.^ Conhdera-
mos trqiar-se aqui de uma clivage~n,cujo nmnifestação é a adesão
do analista a duas proposiçôes contraditdriBs:
- No'campo da experiência freudiana, qualquer conhecimen-
to d e um fenômeno psíquico deve nos permitir uma qüo sobre este
fenômeno. ~. ..
- ~ x i s t eum conhecim&to d o fenômeno psicótico c& ação
é inoperante no campo d a erperiéizcia.
E necessdrio; então, interrogar contra que risco se estabeleceli
essa clivagem: trota-se de não vei o que? N ã o que
todo sintoma neiirólico desapareça u m a vez que o sujeito aceita a
experiência analítica. Tal pretenção equivaleria a atribuir um poder
Trágico d experirtientação e a pretender p presença de um saber
absoluto, finaltnente possuído; além ddp mois, com raras ,exceções,
os advérbios "sempre" e "jamais" deveriam ser banidos de nossa
disciplina. NO entanto. pode-sedizer 'que no registro da neurose, o'
modelo é capaz, num b o m ndmero rle casos, de explicaras razões
do fracasso ou. da recuso que o$e o sujeilo. Alem disso, a expe-
riência parece confirmar que, analista e paciente confrontadoY à
irredutibilidade de um tipo de resistência, pode111 compreender o que
está em jogo:. mesmo se esta compreensão é insuficiente para re-
mover esta resistência, é raro que a experiência se conclua deixando
intacto o "statuo quol inicial. Com razoo, o d e 1 0 freudianopode
reivindicar o dominio do campo de conhecimentos dos fenómenos
neuróticos; que haja fracasso quando de sua aplicação não L m a
anomalia, nias uma possibilidade e;rplicável pela mesma teorio e
modelo. Outra L. a situaçcio no que se refere à psicose, se é verdade
que a ordem de grandeza se inverte. Paro uma análise bem sucedi-
da, quanta foram abandonadas no meio? Quantas confronlarani o
an<ilista d ineficácia dos seus esforços? Recorrer ao .conceito de
transferéncia e fazer de sua impossibilidade no psicólico a explica-
ção do fracasso, não nos parecesatisfatório. Esta "impossibilidade"
deveria nos confrontar d necessidade de redetinir o conceito, o
que permitiria uma melhor compreensão de porque o transferência,
tal qrial o mostro o relação neurótica, -exige nüo apenas o invesli-
mento libidinal de uma imagem projetado sobre o analista - coisa
em que o psicótico é ~iieslre- mas a transferência para a sil~raçóo
experimental de uma demanda feita ao sober d o Outro, demanda
que tem sua f o n e no encontro inaugural sujeitodiscurso. Esta
"transjerêncid', o psicótico vai realizá-la e, paradoxalmente, k aí
que reside a causa fundamental do que obstaculiza o projeto analí-
ttco. Com efeito, o psicdlico vai transferir, nà sitrraçóo analítico, o
gire eie continua a repetir na sua relação ao disciirso do Outro,
e portanlo. a nosso discurso; Esta relação, quer seja entendida
cdmo consequéncia de uma mio progressóo ou de uma repressão
- pouco importa - não confronta o a~lalisraa nenhuma transpa-
n
-
rência do inconsciente, a nenhuma simples.repetição do qrie seria o
funciommenlo n o r w l . d e uma, primeira fase d e alividade psíquica:
esie é um miio r 9 0 fdm quantp resislenle. ProducBes pslqriicas alta-
* menle elaboradis são propostas a nossa escuta, mas essas produções
têm utn outro ponfo deparlida, diferenle d o dos neurd~icos,res
i
pondem a outras exigdncias,. visam irm objetivo diferente.
A relaçh Eu-discurso, ou sujeilmrober, na bcepç@ que &mos
a esle lernro. tem um fundamenlo- id8nfico para lodo sujello, en-
guanlo permanecemos fora do campo da psicose. Tal relação per-
nrile uma definição que considermiws conto verdadeira, nras ela sd
I se constilui a partir dum certo nlvel de elaboração da psique e à
.. condi& que, n o cursa desta etapa. o sufello lenha podido evilar
certas dificuldades. A partir desle "nível" funciona o Eu d o analisia
$ i pensando e exercendo sua fun~ão:existe, entrelanto, uni "mler"
q u e n o s obriga a lenlar resolver o paradoxo que consi$e em pensar.
i com base na nossa relaf" a o 'iaber, o que Jó xeria pem61d se
I modificássemos esta relação. Tal passo P necessário se. prerendemos
i reconsliluir o nrodelo iie uma etapa preexistente na &ial, p o deli-.
i nição, era não pensiível a relaçãb Eu-discurso, devido ,I?' não cons-
t i l u i p i ~da instdncia E u e à não aquisipio, pelo p!iqrie, do manejo
da linguagem .Duas soluções sáo. então. possíveis: . '
- Nada modificar no modelo, n h &terrogar o "anle~"e ana-
lisar tudo o que não se enquadra no modelo como excefão. A rela-
ção d o psicdtico ao discurso serií, dentro desta dtica. definida por uma
série de "a menos", em referência a o mo-lo que se pretende defi- :
O nir o que deveria ser a relaçóo srijeilo-saber. Ora, se esta definipio
pelo "4 menos" explica, efetivamente. unra parle da problenrática
psicdlica, ela nada diz sobre o "a nrais" q u e restemrinha a cria~ão
psicdiica. Ela pode aplicar certos fendmenos de "'regressão", . mas
silericia o prodigioso trabalho de reinterprélação que opera a psi-
. cose. Acrescentemos que, assim procedendo. eguecemos a anoma-
lia essencial que, a nosso ver, encoritra o aplicação do modelo:
deixar sem.resposta wna parte do fenônreno q u e o .discurso p<c&
rico suscita na psique daquele que não se pensa tal - o arialisla.
- A soluçãd que escolhenros é reconhecer que aq~rilajue o nro-
delo deixa de lado, concernente às nossas prdprias respostas, exige
e que sejam reelaboradas as diferentes consIruções 'explica~ivasdn
cottsliluição do E u e da fun@o d o discurso,:para que se posso en-
trever esie irrrperuável "antes", partilhado por todos nds.
E necessário apoiarmo-nos sobre o que nosso pensamento expe-
rirrienb. quando obrig~doa se confronlar com u m discr~rsoque não ~ .
'
deixa mais nada ao abrigo da dilvida, que opõe a certeza d o delirio
d Idgica do nossa razão e lhe sugere que houve um iempo longín-
quo no qual ela iambPm encontrou um discurso. que se impunha ,
c m i o derentor exclusivo da verdade. Discurso a serviço de uma vi* :
I Iência tão radical quanto gecessária, única a permitir o acesso ao
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a ~.
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-- ---_I-----
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patrin~ônio.partilliado que é a linguagem. Nossa construçüo nüo Se
pretende um novo rtrodelo da psiqire, porém tem a ambição de
ampliá-lo, O que não é tnenos arriscado. Ela nada tem de definitivo,
o p e seria incompatível cotn nossa prdpria concepção do saber,
qualqrder que seja ele, mas privilegia ~vol~rntariamente (com a cons-
ciência dos inconvenienles qire comporta todo privilégio) o que, no
processo psíquico, m t é m utna relaçüo particular com o problemá-
tica do saber, isto é, o que concerne, de maneiro específica, a relo-
ção do E u ao registro da signilicaçao.
Nosso concepção' dessa relação foi fortemente abalada pelo
que, lentamente, se revflou d nossa reflexão corno o fator específico
d e nosso experiêncio subjetiva; frente ao discurso .psicótico.
Independentemente d o .sentido !nanifesto de seus enunciados. .
nds recebíamos este discurso como uma "palavra-coisa-açüo" (que
nos seja desculpado a falta. de clareza desse' trindmio, que poste-
riormente será esclorecido) que, irron~pendono nosso espaço psí-
quico,. nos-induzia muitas vezes. a posteriori, a "re-pensar" rrtn modo
de resposta que n o s parecia anocranico e geraliriente reduzido a o
silêncio. Daí decorre nossa .hipótese sobre este n~odod e representar
que será definido pelo conceito de originário: tesiernurtho da pere-
nidade de u m atividade de representação que usa utn piciograma,
que ignora a imagem de palavra e tem corno material exclusivo a
imagem da coisa corporal.
Foi o discurso psicótico que. nos induziu a postular rrtna forma
de atividade psíquica forcluida d o conhecimenlo e, n o entanto, sem-
pre operante,. "fundo representativo" que persiste paraldarnente a
dois ~ u t r o stipos d e produção psíquica: o qwe é própria ao processo
primário e a que é própria ao processo secundário.
Se o originário define uma forma -de atividade comiitr -a todo
sujeito, é necessário sublinhar que a. eficiência do conceito só pode
ser bem compreendido seele for: posto ò provo na prótica da aná-
lise, no registro da psicose. O mesmo ocorre no que se relere ao
lugar que atribuímos ao corpo e d orgunização 'sensorial, qiiq for-
necem os mod~lqssomáticos que o processo originário repete nas
suas - represeniações. ..
Se o enigma que conslilui a psicose não é parte integrante dos
interesses do leitor, é pouco provável que esta obra o interesse, ainda
que a parte deste trabalho a ela dedicada tenha sido reduzida. T o -
mamos, entretanto. a liberdade de acrescentar que um tal desinte-
resse é, a nosso ver, incompatlvel .com nossa profissüo. A insistên-
cia sobre a motivação essencial desse trabalho - o interesse pela
psicose- não éhreiteradaapenas como u m consolo diante do fato
de termos, em pcirie. renirnciado a ela. Portm, esta renhncia se
justifica na medida e m que nos foi impossível deixar clara, em cadn
pdgina, a presença da mestna questão que nos inquieta. Assitn sendo,
preferimos nos confetitar com as contribuições extraídas da expe-
@ .
. .
_______.____._;-_____-.______.~
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-
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I
riência clínica que forjou e induziu, nossas formulações, ao invés
d e nos aventurarmos no domínio duvidoso d o que se consliluía
4 como uma intuição do inefável,
Sem oferecer ao leitor um resunu ou u m guia para seguir u m
percurso que. somos os primeiros a reconhecer. não possui a c&- . .
I
I
reza desejada. parece-nos iitil designar, de imediaio, os poslulados
:. . sobre os quais se baseará nossa conshuçãoóo. Esses postulodos se re-
i:L' ferem d nossa concepção do cvrpo, dos úrgãos-funções senroriais,
d a informação e da'metabolização que a psique Ihes impõe; eles
1 definem não uma problemdlica, mas uma "opção preliminar", per-
I rnitlndo- se o leitor aceita provisorimnte a hipótese -
leitura deste livro que possa justificar e provocar seu interesse.
umo
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~.~
.. 1 - O corpo - A o lado d o corpo bioldgico da ciência e das
definições am1jtic;zr de corpo erdgeno, wna outra imagem se impõe
a nosso oihac a de u m &njunro de f w ç d e s smoriais, elas mes-
irtas veiculos de uma informnçáo conrlnua que não pode faltar, náo
somente porque esta i n f o r ~ á oé uma condição para a .sobrevi-
vência somdtica, mar também porque elo é condiç? necessária para
uma oiivid&, psíquica, que exige que sejam libidinalmente inve3-
tidos. informadose informante. Mostraremos a identidade entre ali-
vidadesensorial e erogeneiwçáo das zonas, sede de seus drgaos. o
que permitirá uma outra concey>Fão do objeto parcinl e uma. melhor
compreensão dn angústia de muh'lação, no psicdllco, como equiva-
lente de angústia de cartraçúo no neurdtic~.A relaçõo psique-corpo
B tem sua origem no empréstimo que a primeira faz do nwdelo de
atividade própriu ao segundo: este modelo vai ser metabolizado
n u m rnaierial totalmente heterogêneo, que ficard como a~estrutura
imutdvel de um cenáric originário que se repete indefinidamente.
Esta repetição de uma cena imutável define o tuncionamen~o e a
produção do que nds chomarnos d e originário.
A pslcose se caracteriza pela fmça de atr+ exercido pelo
originário, atra& d qual ele impóe este "a mais" representado pela
criação de . uma interpretação "'delirantd'. tornando "diúveid' os
efeitos de* violência.
B 2- A siiua$ão do encontro - O próprio do ser vivo é-irra
situa& de encontro continuo c o m o meio físic*psíqiiico que o
cerca. Este encontro estd M base de Ir& produções, que delimitam
trts ."espaços-funções", de acordo com o lugar de inscrição e o pro-
cesso que as caracteriza:
a) O originário e a produção pictográ/ica.
b) O p r i e i o e a representação cênica (fantasia).
C) O secunddrio e a representapio ideotiva. ou seja. a atribui-
ção d e sentido (miseen-sens) como obra do Eu.
@ Desde o primeiro momento d e sua existência, o sujeito é con-
formado a uma série de encontros, dos quais .uma das caracterlsti-
cas serd a de antecipar sempre suas possibilidades de resposta ou
..-
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~.
..
porianio, eonfrontado com um paradoxo do qual; ele não foi o
único responsáveli '% ele proclamava o retomo a Freud e a seus
textos,. não percebeu que a maioi parte dos seus adeptos achava
mais confortável aceitar q m o definitiva a sua interpretação. de-
sembaraçandose, assim, da obrigação de reinterrogs-10s eles mes-
mos. A partir dai, criou-se um estado de induçáo .recíproca: em
lugar dos textos, seus alunos preferiram colocar a palavra de Lacan,
atribuindo-lhe valor de lei. O que eles esqueceram é que ao fazê-lo,
renunciavam à "singularidade", exigência fundamental do agir do
analista e a única capaz de permiti-lhe experimentar-se enquanto
analista. Ao reproduzirem a palavra. do "Mestre", os alunos abdi-
:caram da experiência da exuta singular, colocada. à prova na dinâ-
mica viva da anhlise, para se converterem em "a~alisados", ou seja,
em testemunhas d o ~ a l o r d . ~ ~ g + c du ot aseu analisia.
'Diante desta siiuaGo d e fato; e em função de seu desejo radi-
cal de preservar a escutã singular, depurada e renovada pelo ques-
tionamento permanente dos modelos 'dos puais se serve o analista
- forma de manter viva a experiência an-tica enquanto lugar no
qual deve emergir a palavra nova. - Mme. Aul'agnier se desligou
da bole Freudienne para fundar, juntamente com outros, o Qua-
trième Groupe, o qual 6 responshvel pela publicacão da revista
Topique, da qual ela 6 a diretora.
Ao demarcar esta ruptura, Mme. ~ulagnie;'nâo abandonou a .
herança lacaniana que, como ela mesma afinn.a~,C decisiva e cuja-
influência t evidente em seu próprio texto. 'Ao fazê-lo. ela visou,
sobretudo, preservar uma "reflexão sobre a formação", enquanto
interrogaçáo incessante a respeito d o conjunto - d e regras, sugestóes
e pesquisas que toda sociedade freudiana, a partir da .'teoria d a
cura", deve propor como o mais apto a impedir que a didática não.
ultrapasse' o s parâmetros próprios d e uma cura analítica.
O objeto desta "teoria da didática" 6 o "resto",o"nãr!-ana-
lisado", produto da interação imaginhrioreal, inevitável numa an6-
lise de formação, uma vez que há uma demanda s a l do candidato
de tomar-se analista e uma investidura real pelasociedade, objeto
d a demanda. Este ",resto". escapando à operação transferencial e à
sua elucidação, se converterá num "nã~a~lisáivel",colocando 'em
perigo- o essencial d o agir analítico, ou seja, o questionamento per-
manente da relação saber-poder. Assim, ela p ~ o p õ cque o perigo
representado por este "resto". por este"'inanalisáMI", se iome a
preocupasão primeira de todo analista que se dedica ao problema
d a formação. .
Nota Preliminar
. .
Porque reinterrogar o :modelo metapsicológico?
A resposta se liga diretamente à finalidade a que nossa cons-
trução se propõe: encontrar uni..aceiso-d análise da ielafáo que
mantém - o psicótico COM 8 discurso, que perhita d experiência
analítica uma ação mais próxima- da ambição do seu projeto. ~ v a n - '
çando n o caminho que nos -separava deste objetivo, vimos de ma-
neira moitas vezes inesperada, certas questõm que pensdvarnos re-
solvidas se tornarem obscuras. certas referências conceituais, que
acreditávamos Sem probiemas, perderem a aparente clareza. A psi-
cose nos obriga a repensar a psique e nossos rndelos, o que não
nos surpreende. O que devia ser, no nosso projetu inicial, apenas
unia introdução explicitando os conceitos aos quais esse trabalho
i : recorre, ocupou uma grande parte desse livro: a realização do nosso
i1 -
rado o pano de fundo sobre o qual se elaboram nvsas proposi-
ções. Esquecê-lo, tornaria poiro compreenrlvel a perspectivu esco-
Ihida, assim como o eventual valor de nossas hipóteses e do modelo
proposto.
E claro que a finalidade de urna.pesquisa determina a ma-
neira de conduzi-la, )o rndtodo que ela privilegia e o tipo de ques-
tões que ela se coloca.
Se nesta etapa d o nosso trabalho. .qão pudenios condrrzii tão
longe quanto esperávarnos nossa reflexão sobre u psicose, isso não :
impede que ele seja, n a sua totalidade,~.urn questionamento que a
concerne.
Através do nosso qrresfionomento sobre a psique, esperamos
enconirar outra via que nos permita abordar diferentemente o pro-
bl8ma 4 psicose.
A dívida por nós contraída, há muito, com o discurso do psi-
cdtico. está longe de ser saldada.
Graças a esse discurso, tantas vezes escutado e nem sempre
compreendido, perdemos definitivan[enie qualqiier ilusáo sobre a
presença de um modelo, cujo aplicaçáo não encontraria mais "ano-
malias": a partir desta constatação. salutar, esperBmos que nossa
consfrirção perrnita uma escuta mais sensível e mais atento do fe-
nômeho.
PRIMEIRA PARTE
A atividade de
, representação,
-
1) Considerações gerais
. ~
28 . ~~
~ . . ~.~ ..
se forja. Existe uma homologia enire o tratamento imposto pelos
trés processos.aos objetos pertencentes realidade física e os obje;
tos pertencentes h realidade psíquica: cada objeto s6 pode ter uma
Única representação em cada sistema. Esta representação é o pm-
duto da metabolização sofrida pelo objeto e. a partir dessa opera-
ção. a estrutura do objeto. se torna idêntica à estrutura da instância
representante (originhrio, primário e secundário). A nossa acep-
ção d o termo estrutura depende da que é dada ao objeto ao qual
116s aplicamos a representação. Toda representação implica numa
Cupla conformidadè: conformidade da relaçáo imposta aos ele-
mentos constitutivos do objeto representado- aqui a metáfora do
trabalho celular d e meiabolização ainda é perfeitamente adaptada
a nossa concepção - e conformidade da relação presente entre o
representante e o representado. Esta. última é o corolário da pre- :
cedente: cabe a cada sistema representar -o objetò, de maneira a
que sua "estrutura molecular" se torne idêntica do representante.
Esta identidade estmtural t assegura- pela imbtabilidade d o ,
esquema relacional pr6prio a cada sistema, e tem como primei!o
resultado que toda representação t indissociavelmente representa-
ção do objeto e representação da instância que o representa, e toda
wpresentação na qual a instância se reconhee, representação de
seu modo de perceber o objeto. Se transpusennos o que dissemos
para a esfera do proeesso secundário e d o Eu, que é sua inslância.~
podemos fazer uma analogia entre atividade de representação e
atividade cognitiva.
& :
- A finalidade do trabalho d o E u C a de forjar uma imagem da
realidade do mundo que o cerca e d a existência do qual ele é
info~mado.que Seja coerente com sua própria estNtura. Conhecer
o niundo, equivale para o E u representá-lo de maneira que a rela-
' ção entre os elementos que ocupam a cena lhe seja inteligível, isto
,
i
acrescentando que se tal não fosse o caso,, faltaria a primeira con-
diçáo necessaria para que exista a vida, isto 6, o investimento da
atividade de representação. Pode-se dizer que este é o "prazer mí:
nimo" necesssrio para que existam uma alrvidade de representação
e representant-es psíquicos do mundo, inclusive o próprio mundo
psíquico. Prazer mínimo indispensável para que haja vida: uma tal
L-.. ...
- ~
~ -- .- ..... - ~.
definição prova a onipotência do prazer na economia psíquica. Ela
,
não deve velar Q problema colocado pela dualidade pulional, pela
experiência do desprazer e pelo paradoxo que representa, para a
lógica- do Eu, o ter que-postular a presença de um desprazer que
poderia, no entanto, ser objeto de d e ~ e j o O
. ~ Eu não pode deixar
de recusara contradição presente num enunciado que pretende que
o prazer possa resultar de uma experiência de desprazer. Contradi-
çáo solucionada pela twria, que postula a presença de duas metas
conlraditórias, clivando o própria desejo. Dualidade inicialmente
presenie na energia oeerante no espaço pslquico, e que 6 respon-
shvel pelo que definimos como desejo do não desejo: desejo de
não ler que deseiar --tal 6 a outra meta pr6pria .a todo desejo.
Daí resulla que desde o originário, a atividade psfquica forjará
.~-.- iepresentaçóes an!inÔmicas d a relação presente e n t r e o repre-
duas
se+n,Up o representado, cada uma conforme à realização d e uma
das metas do desejo. Uma primeira, -na qual a realização do desejo
comportará-um estado de reunificaçáo. entre o representante e o .
objeto representado e será esta união que .aparecer& como causa
do prazer vivido. Uma segunda, na qual a meta do desejo será q
desaparecimento de iodo objeto que possa suscitá-lo, o q u e faz
com que toda representação do objeto apareça como causa d o des-
prazer do representante. Esta dualidade inerente 3s metas d o pr6-
prio desejo pode ser ilustrada pelos dois wnceilos de amor e ódio.
O prirneiro (o amor ou Eras) definir6 o movimento que leva o
psiquismo a se tinir ao objeto; o segundo, o movimento q u e o leva
a rejeitá-lo ou destruí-10. Diremos então, que prazer e desprazer se
relerem, nesse contexto, aos dois representanles do afeto q u e p6-
dem ter lugar no espaço psíquico: o prinieiro designa o afeto pre-
sente cada vez que a representação formaliza uma relação d e p ~ a -
zer entre os elementos do representado e, por isto, representa uma
relação de prazer entre o representante e a representação. O despia-
zer designará o estado presente, cada vez que a representação for;
nializa Qma relação de rejeição entre estes mcsmos elementos e,
portanto, unia mesma relação entre o representante e a representa-
ção. Estas defiiiições aforísticas serão retomadas e discutidas quan-
do analisarmos o que disso resulta, para o funcio~amento.d e cada
sistema. Este parêntese a respeito do prazer tinha como finalidade
explicitar a relação presente entre o funcionamento de um sistema
e o que nós designamos como o elenienlo que o informa de uma
qualidade própria ao objeto. A nosso ver, existe uma relação entre
os modos sucessivos de atividade pslquiea e a evoluç8o d o sistema
perceptivo; esta relação 6 uma conseqüência da condiçáo própria a
toda vida. Viver;.é experimentar de maneira contínua uma riluação
de encontro. Consideramos que a psique est8, desde o início, mer-
33
~ ~. ~ ..
c q que a relação entre os elementos que oeupam o espaço exterior
6 definida pela relafão entre as signifieaçóes que o discurso confere
a esses elementos. Esta informação não metabolizável pelo processo
primário exigirá a entrada em atividade do processo secundário,
graças ao qual se operará uma atribuição de sentido ao mundo, que
respeitará um esquema relacional id'èntico ao esquema que consti-
tui a estrutura do representante que, neste último caso é o Eu. O
encontro se opera, portanto, entre a atividade psíquica e os ele-
mentos por ela metabolizáveis e que a informam das "qualidades"
do objeto causa d o afeto. No que se refere ao originário, esta qua-
lidade \c reduz à representabilidade própria de determinados obje-
tos. A partir do que dissemos, 6 evidente que o termo de repiesen-
. . .
:..-=:~:.;?~
tabdidade, qualquer que seja o sistema considerado, designa-a pos-
sibilidade que terão certos objetos de serem incluídos no esquema
relacional próprio ao postulado do sistema: a especificidade d o es-
quema próprio ao sistema decidirá quais o s objetos que 'poderão ser
conhecidos pela psique. Esta definiçao esclarece a interação pre-
sente entre o que, metaforieamente, poder-se-ia chamar o poder dos
objetos e os limites da autonomia da atividade de representação. O
poder d o qual dispõe a psique (mais do que de poder, deverlarnos
falar aqui das condições inerentes ao seu funcionamento) copcerne
i remodelagemque ela impõe a todos existentes, inserindo-o num
csquema relacional preestabelecido. Inversamente, para que a ati-
vidade psíquica.seja possível, é necessário que ela possa se apro-
. . priar, ou incorporar uma matéria exógena. Ora, esta matéria não 6
matéria amorfa: trata-se de informações emitidas pelos objetos, su-
portes de investimento, objetos cuja existência e, portanto, a irre-
dutibilidade de algumas de suas propriedades deve ser reconhecida
pela psique. Eis porque a experiência de todo encontro confronta
a atividadepsíqiiica a um excesso de informação que ela vai igno-
rar, at6 o momento em que este excesso a obriga a reconhecer que
o que não é incluído na representação pr6pria ao sistema, volta à
psique sob a forma de um desmentido, iefercnte a sua representa-
ção d e sua relação ao mundo. Um exemplo deste .desmentido nos
é dado pela experiência que pode fazer a psique d o inians, no mo-
mento em que ela alucina a presença d o seio: ela forja uma repre-
sentação da função bocaseio mas pode, sub%amente, experimentar
um estado de privação. O que é verdade para esta fase inaugural
'da atividade psíquica 6 valido para a totalidade de suas experiên-
cias. Terminaremos este eapítulo com algumas ~consideraçBesgerais
sobre o estado d o encontro.
S e devêssemos defini1 o farum ao homem por uma Única ca-
racterística, recorreríamos ao efeito de antecipação, pois o pr6prio
d a seu destino 6 de co'nhontar-se a uma cxperiSncia, um discurso,
uma realidadc-que, na maioria das vezes, seantecipam às suas pos-
sihilidades de resposta e ao que ele pode sabes e prever quanto as
. .. .
34
~.~~
~~ ~ ~
~ ~- ~
. ..
.. .
de fazê-lo supor que ela. espera dele umaresposta que ele ainda
náo..pode dar, a qual será; portanto, (qualquer que seja ela) ne-
cessariamente decepcionante, assim como todo pedido da. mãe -6
. por ele v@?~,:;$omo prova de uma frustração que ela quer lhe
impor. O d i z e r e o fazer matemos antecipam sempíe o conhcci- ,
mento que pode ter o i n f m . Se, como escrevemosnqm texto ante-
. .
rior,' a oferta precede a demanda, se o seio é dado antes que a
boca o deseje, esta defasagem é ainda maior no domínio do sentido. . '
35
.-- \ :
~
~~~~
--
que a mãe será. chamada porta-voz, termo que indica adequada-
:
mente o que 6 o fundamento de sua relação com a criança. A mãe
se forja uma representação ideativa do infans, atrav6s do discurso @
que mantém com ele, representaçüo que ela começa por identificar
como sendo o "ser" do infans, inevitavelmente forcluído d o seu
conhecimento. A ordem que rege os enunciados da voz materna . .
nada tem de aleatório, e revela a sujeição do Eu que fala a três .. :
39.
~. . .~
Esta enumera@ bastaria iara'demonstrar a complexidade,.a
superdetenninação ,e a heterogeneidade das forças em açZo a paiiir~
do primeiro encontro que o piópno originário terá a função de
representar: no momento. em que a boca encontra o seio, ela eu-
contra e absome um primeiro gole do mundo. Afeto, sentido. cul-
tura estão eo-presentes e são responsáveis pelo gosto das primeiras
gotas de leite que o infans toma. A oferta alimentar-se acompanha
sempre da absorção de um alimento psíquico, que a mãe interpre-
tará como absorção de uma ofeerta'de sentido. Assistiremos perple
xos à metamorfose quesobre ela operara o originário.
Encerramos aqui nossas considerações gerais sobre a represen-
tação e sobre o estado de encontro. Elas confirmam o que assina-
lamos nas primeiras paginas, isto é, a arbitrariedade da separação
. eptre dois espaçospsíqukos - -
o d o infms e o d a mãe espaços
nos quais um mesmo objeto, uma mesma experiência de encontro,
vão se inscrever, utilizando duas escritase dois esquemas relaciw
. nais heterogêneos. A cada etapa, a reflexãa analítica encontra a
mesma dificuldade: a de ter que separar o inseparfiyel. Trata-se de
uma metoddogia imposta pelo discurso, por€m sua presença deve
ser conscientemente recordada como uma advertencia quanto ao
preço que devemos pagar, no momento em que coriamos arbitra-
riamente o cordão umbilical que liga esses dois psiquismos, para
nos ocuparmos particularmente do infans e da primeira obra do psi-
quisnio: a representação pictográfica.
CAPÍTULO II
t
O processo originário e o pictograma
42
. ~
~. ~ .~
-- ~~~
sal e irredutível como a q u e decide das condiçtks de audihilidade
ou visibilidade de um objeto. As ondas sonoras e as ondas lumino-
C sas ultrapassam o espectro próprio B sensibilidade dos Cirgãos hu-
manos. entrctanto. fora deste espectro, elas nio cxistem para o
homem. Da mesma maneira, .o origiwário. só pode "conhecer" os
fenômenos que respondem à s suas condiqões de representabilidade.
Só podemos reconstruir, a posieriori. a partir dos seus derivados,
as condições de repreientabilidade que devcm possuir os objetos e
que são usados como material pelo originário.
. -.
,:y~~prkentasáo.
. . ,. impedindo-lhe de preservar um estado de fixação;
- enfim, a ambivalência de todo investimento que se refeie
ao corpo. Fornecedor de um niodelo do. qual o pictogrania, se apro-
pria, o c o r p o aparecerá, simultaneamente, coma conjunto de zonas
erogeneizadas e por isto. como espaço investido pela. libido narci-
. ~
sica-e como este "outro espaço", deteslado, cada vez que ele denun-
cia os limites do poder da psique e desmente alegenda da alucina-
ç i o q b r ea não-existência de um "extra-psique".
.. .. . Concluída esta primeira exposição sobre os fatores q u e orga-
nizam a atividade e a eeonomia do processo originzírio, 'considera-
remos, sobre 'um oufro ângulo, a relaçb psique-corpo, explicitando
p que entendemos por "empr6stimo" feito ao modelo corporal.
B
3) O "eniprkstimo" feito pela atividaúe do -originário ao modelo
sensorial
Partimos da hipótese de que a vida do organismo 'tem como - ~
~ - ...
formar em excitação, fonte de dor1. O termo informação, que in-
tmhizimos desde as p i e e i r a s piginas, k m p o r finalidade privile-
giar o papel desempenhado pelas funfies sensoriais. Falando de in-
formação, não pretendemoi cair numa nova forma de organicismo
inspirado na cibernética, mas ao contrário, esperamos colocar em
primeiro plano uniconjunto de funções que têm o papel d e infor-
mar a psique e o mundo d e sua reciproca interdependéncb, num
registro bem particular e bem "psíquico": o registro d o . prazer e
:- de sua relação a o discurso. O "vis!on, o "escutado", o "degustado",
o "tocado". s e encontram, desde que há ac?,so A linguagem, sob a
égide de um e n u n c i a d ~que determina~il a mensagem afeiiva, que
i: informado e voz informante esperam e recebem um do outro. A
relação enlre o objetoe a experiência sensorial e o,.p\q?er e despra-
zer,. o licito e o interdito, sei6 determinada pela minsagem enun-
; ciada sobre o oDjeto. Acrescentemos que as experiências recentes
de privação sensorial 'parecem provar que paralelamente aos ali-
mentos, o ar, o calor são neces5rios durante a fase de vi&ia. para
uma soma d e informações sensoriais contínuas, .'sem o que o func'io-
nameuto da psique pareça ficar comprometido, por- não poder alu-
cinar a informação que lhe falta. Em termos psicanalíticos, o "apro-
priar-se" e o "rejeitar", podem ser traduzidos por um outro binômio:
o investimento ou o desinvestimento da informaçi0.e do objetodc
excitação responsável por esta informação. E importante sublinhar
que a representação pictográfica-dos conceitos do "apropriar-se" e
do "rejeitar" 6, nesta fase, a Única representação possível de toda
experiência sensorial; "visto", "entendido", "experimentado", se-
rio percebidos pela psique como uma fonte de prazer auto-engen-
drado por ela, e, porlanto, fazendo parte do que é "apropriado"
no interior de si mesmo, o u como fonte de sofrimento a rejeitar;
nestecaso, a rejeição implica que a psique se auromutile daquilo
que, na sua própria representação; põe e m cena o órgão e a wna,
fonte e sede da excitação.
Falando d o duplo modelo do "ap~opriar-se" e do "rejeitar".
abordamos as representações que lêm a psique de suas vivências de
prazer ou de desprazer. Os termos "modelo. sensorial ou -corpo:al"
e "de empr6stimo", se referem ao material utilizado na represen-
tação pictográfica, pela qual a psj~uese. auto-informa de um estado
afetivo que c,oncerne exclusivamente a ela. Seria inútil, neste regis-
tro, colocar uma ordem de prerrogativa entre o afeto e sua repre-
sentação, tanto quanto entre o vivido e a informação que dele tem
a psique; da mesma maneira, seria insensato fazer da representação
a fonte de um afetb que sua aparição .provocaria, ou de ver no
48
.~.
afeto um estado preexistente, que a atividade de representação p o ,
ria em cena:
B necessário postular a coalescência de uma representafão do
9 afeto que 6 indivisível d o a f e t o da representafão que o acompa-
nha. Eles são t ã o inseparáveis quanto o olhar d o visto: ver é o
encontro de um órgão sensorial com um fenômeno dotado d e visi-
bilidade, no qual nenhuma hierarquização temporal é possível. Se
estivéssemos falando d o E u , se aceitaria facilmente a incongruência
que é pretender decidir se u m sentimento de alegria, de desprezo,
de inveja, precede ou' não sua nominaçáo'pelo Eu; não h á senti-'
mento dissociável de possibilidade de exprimi-lo, por um enunciado.>! I
A expressão interior ou eomunicada, explícita ou implícita d o sen-!
~.>:;
.~
~~~~.
.,.
~
(b
timento, é. correlativa ao enunciado que o expressa, sem. o que
ele não existiria para o Eu. Compreenderkmos melhor a indissocia-
bilidade dos dois -temos deste segundo bindmio se chamarmos de
1:
sentimento os d e t o s presentes e que se manifestam na esfera d o Eu, 1
formulafão equivalente a representação e afeto.
Aqui se coloca a questão da relação existente entre o termo
"empréstimo" (emprul), q u e propomos, e o d e "apoio" (61ayage)
uiilizado por Freud, pois, embora semelhantes. se diferenciam em
u m aspecto. O apoio, na acepção que lhe dá Freud, se aproxima
mais de' uma "astúcia da psique"', que .aproveitaria o caminho que
abre a percepção da nccessidade, ou o estado d e satisfoçáo, para
permitir A pulsão de informar a psique de. suas exigências vitais a
D fim de, como escreveu Freud, "obrigar osistema nervoso a elaborar
atividades mais interdependentes e mais complexas, capazes d e pro-
duzir modiiicaçáes no mundo exterior, com a. finalidade d e satis-
~
... .
. .
Analisaremos, "i'parte resèrvada ao Eu, o conceito do esta-
gio do espelho, tal qual -o de#&ei;@gques Laran. Entre nto, antes
deste estagio, ou- seja, desde origem da atividade psfq 'ca, Fns-
tata-se a presença e a pregnâacia de um fenômeno de es cularizn-
çüo; toda criação daatividade psíquica se dá à psique como reflexo
de sua própria imagem, força que engendra a imagem d e eoisa na
5 ' ..
qual ela se reflete; reflexo que ela contempla como sua criação,
"imagem" qiic é conjuntaniente para a psique, apresentação do agen-
t e piodutor c' da atividade produtora. S e admitimos que nesta fase
o mundo - "o extra-psique" - náo tem existência senão através
d a rep~esentaçãopictográfica que o originário se forja, conclulmos
q u e a psique encontra o mundo como um fragmento d e superficie
especular, na qual ela mira seu pr6prio reflexo. Do "não-eu", a
psique começa por conhecer apenas o que pode se apresentar como
imagem de si, e o si mesmo ,se apresenta a si próprio como fruto
desta aiividade e deste poder que engendraram o fragmento do
"não-eu". que se apresenta como espelho d e si'. O t e m o especulari-
zaçáo, ria -acepção que Ihe.damos, é muito próximo d o d e comple-
mentariedade. Se 'nesta problemática só consideramos o q u e se refere
à atividade d e representaçãp, consiatamos queiepresentante e repre-
sentação do mundo são co~plementareS,u m sendo para ' o outro
condisão de existência. E s t e trabalho de reflexáo contínya é a pul-
sação mesma da vida psíquica, seu modo e sua forma d e ser,exi:
gência tão categórica quanto a de poder respirar, para a sobrevi-
vência do organismo. ,-
Esta complementariedade especular entre a psique e o espaço
d o mundo encontra seu modelo de representação no empréstimo
feito pela psique à experiência sensível. E sobre o "vetor sensod"
que se apóia opulsional, e . a percepção da necessidade se.introdu:
napsique, graças a uma representação que f i g u r a a ausência-.de
um objeto sendvel, fonte de prazer para o órgão correspondente.
Escolhemos como ponto d e partida de nossa constNçã0 -a expe
riência inaugural de uma vivência de prazer, devida à funçáo que^
51
-.- .. .
A partir destas constatações, pode-se definir o que especifica,
a representação pictográfica: a figuração de uma percepção pela '
qual se apreseniam, n o originário e para ooriginzírio, os afetos que
ali se localizam de forma sucessiva, atividade inaugural da psique,
para a qual, como sabemou, toda representaçáo é-sempre auto-refe-
rente e indizível, nãb podendo responder a nenhuma das leis a que
d,eve obedecer o dizível, ,por mais elementar que ele.seja. Esta es-
piicularização "si mesmo-rhundo" (sobmonde) demonstra a ambigui-~
dzde da acepção dada correntemente ao conceito de narcisismo primá-
rio. Se o representante 6 o niundo, inversamenle, esta representa-
ção "louca" do mundo pelo representante. faz com que este último
se apresente a si niesmo como reflexo d o "todo" ou d o "nada". .
' E i o s e Thanath&$$l!dam suas auto-apresentaçóes que compõem . -
a totalidade &,exislente. A o lado de uma apr&ntação narcisista
de um "si mesmo-mondo" (soi-monde) é nec&&rio si apresentação
(narcisista?) de um "si mesmo-nada" (soi-nkant). Evidentemente, é
pcjsível se qualificar de narcisista a redução do mundo a um "nada"
que remete, de fato, a um esiado da psique. Neste caso, entretanto, 'I
cri por terra a idtia d e uma' etapa originale paradisíaca. na qual a
psique s6 percebia o muido enquanto uma totalidade plena, se
ofcrecendo como prova de sua onipotência sobre o prazr.
-a satisfação da necessidade;
-a absorção de um objeto (apropriado); . ,
-o encontro de objetos pela organiztiçáo sensorial, fonte de i
excitação '.e causa de p r a z o . i
.I
6 ) A re-produ$ão d o mesmo
57
~~. . ~
~~~~~-~~ ~
çáo imutável de uma representação que só pode recorrer. a estes
signos. O prazer a o desprazer vividos pelo Eu e a relação d o EU
ao "pensamento",'concebido como sua produção e atravéCd6 qual
o Eu conhece sua experikncia e a remodela através de sua nomi-
nação, se representará; na cena d a originário, por um pictograma
ilustrando, de maneira adequada ao seu postulado, a relação do
pensante e, portanto, do Eu à idéia produzida. A heterogeneidade
radical que separa arepresentação ideativa do Eu d o representante
pictográfico deste mesmo Eu, comporta uma decalagem entre a in-
tensidade dos afetos coextensivosà representação pictográfica da.
relação Eu-pensamento, e os sentimentos presentes enlre o Eu e as
representações conformes ao seu postulado. Se no segundo caso há
posiibilidade de uma gradação, de'uma relativizaçao,,da coexistên-
cia de sentimentos diversos,, o oriP;inário eslá .sempre sob o doml-
nio da lei do "tudoou nada", d o amor ou do Ódio. Isto implica
no risco de uma irrupção repentina e desestmturante no espaço d o
Eu, por mais defendido que ele seja (e ele o é), de um afeto
incontrolável, que tanto poderá preeipitar o sujeito no abismo da
fusao ou no da morte (de si próprio, ou d o outro). E esta possi-
bilidade que justifica a impo~t$ncia que damos 21 noaahip6tese.
para a compreensão de certos fenô-menos clínicos pr6prios da psi-
cose,' e que abordaremos na parte que lhe será consagrada.
Podemos, desde já, assinalar que um dos traços específico$ da
psicose é de permitir a reatualização, entre espaço originario e o
espaço do não-eu. d e um estado'.de especularização. Possibilidade
que. mesmo n a psicose, só apaieee nestes momentos pontuais e
dramáticos que o observador chama acfing out ou impulsão. En-
quanto tal, o pietograma não tem lugar na figuração fantasmática,
que impliea na presença de um terceiro pólo representado por um
olhar exterior à cena, e sobretudo, não tem lugar no registro do
dizivel.. Em contraposição, a cena da realidade pode se prestar a
sua projeção, cada vez que o Eu pode perceber na cena do real
:uma imagem de si próprio, próxima de sua própria representação
píctográfica. Neste caso o E u , ao invés de encontrar no exterior as^
referências identificat6rias que coisolidam seu -poder de forclusão
de toda produção do originario,. contempla siderado uma imagem
de si próprio irreconhecível, mas que encontra ressonância na repre-
sentação pietográfica do Eu, no e pelo originário. Dois reflexos
idênticos remetem um ao outro; para onde quer que o E u s e vire,
ele se defronta com um mesmo incognoscível, porque indizível,
Surgindo nas duas fronteiras d o seu espaço psíquico. A relação
Eu-originário e Eu-mundo não é mais diferenciAvel. Resulta então
uma suspensão da função do observador, a anulação momentânea
58
de toda distância separando aquele que vê do que é visto, o fading
do E u e dos resíduos que o representam na psicose. Assistiremos
então, n5o a um "istofala", mas a u m "isto reage", ou a um
"isto age": no espaço d o real, será projetado o bdio radical ou o
desejo de fusão que caracterizam o pictograma. Que seu próprio
corpo ou o corpo do outro tornem-se o cspaço a destruir ou aquele
com o qual se fundir,. mostra que eles reencontram uma inditeren-
ciação primária. Evidentemente, o pictograma não é específico da
psicose, mas este permite a compreensão do porque esla última
conserva a possibilidade d e agir um impensado, que 6 t a m b h ,
para o s outros sujeitos,.um impensável. . ' ..
Antes de concluir, este capítulo sobre o originario,. com um
resumo. das caiacterísticas que sobre ele postulamos, e a fim de '
justificar a importância q u e atribuímos à representação que este
processo faz d o Eu e d e suas produções, faremos um parênteses,
n o qual forneceremos um primeiro e s b s o do q u e entendemos por
atividade de p e n s a r e por representação ídeativa, duas formulaçóes
sin6nimas do próprio Eu, e m nossa concepçáo, e cuja análise será
feita n o quarto capítulo.
presentável e de certa maneira não pensável, quanto podem ser es- . ' .
tranhas ao sujeito<. as... fóni~ulasflsicas que tratam iias ondas- lumi-
11
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pendentes do enconrío sujeito-existente, experiencias que. a psique
s e representa como eleitos do seu .poder de engendrar o s objetos
. fonte de excitação e de engendrar o que 6 causa de prazer ouse
desprazer. ~.
8 ) Esta metabolização, operada pela atividade de represen-
taçZo, persiste durante toda avida: A atividade intelectual e a"id6iaW
que ela produz, se acompanham, na eena d o originario, d e uma
mesma representação: o E u se apresenta para o originário e é por
ele representado como uma "função pensante". que vem ocupar
um lugar ao lado das Òutra? funções pareiais e a "idéia", eomo
objetc adequado à função pensante e produzido por ela. E m ou-
tros termos, o espaw e as produções da psique que não são o . . ..
@ originario, são representados ..pr este último como os equivalentes
de um objeto-zona caniplemm&^g~&~ctfja atividade pode ser fonte de
prazer ou de desprazer.
9) E isto que chamamos "fundo representativo" forcluído do
poder do conKecimento d o Eu. Os,seus efeitos se manifestam, fora.
- d o campo d a psicopatologia, atrav6s destes sentimentos indefiní-
veis que a linguagem traduz por metsforas, cujo sentimento pr*
fundo foi banalizado pelo uso: "sentir-sebem na própria pele", "es-
tar em forma", "estar mal", "carregar. o mundo nas costas", "sen-
tir o corpo e m p e d a ~ s "e outros mai;.
10) No campo d a psicose, este. fundo representativo pode,
por momentos, ocupar o principal lugar da cena: não porque o
pictograma, como tal, invada - a cena do consciente, mas porque,
de certo modo, a tarefa d o processo secundário, que a sua ma-
neira, continua a luta e tenta se defender contra esta invasão, será
invertida. Náo se trata mais de uma atribuição de sentido a o mun-
d o e aos sentimentos, mas traia-se de tqlativa desesperada de tor-
nar dizíveis e dar sentido a vivênciar que encontram sua fonte numa
representação, na qual O mundo é apenar o reflexo de um corpo que
se autodevora, se automutila, se autorejeita.
11) Fora d o registro da psicosk, existem momentos d e fqding
d o Eu, os quais, segundo a filosofia adotada, serão qualificados de -
@ lucidez ou d e cegueira e nos quais.vacila a construção,obra do Eu,
que d á sentido ao mundo e o toma adequado a um princípio de
inteligibilidade. O Eu descobre que a conformidade entre o mun-
d o e a.idtia que o toma cognoscível 6 indeterminável. Toda. vez
que a idéia d o mundo iende. a vacilar, de maneira imprevista e in-
controlável. o funcionamento psíquico corre. o risco d e s 6 poder
encontrar uma imagem do' mundo pr6xima do originário. S e Q olhar
desinvestisse a cena eqterioi, .para se voltar unicamente para a cena
originária, ele s 6 piodbia contemplar, siderado, as imagens d a coisa ~ 1
65
. .
nou reflexo de um espaço corporal dilacerado por afetos que;.sãLoc~. ~ .
a todo instante e totalmente, amor ou.Ódio, acão fusional ou,.a$ãoer,:
~.
d e s t ~ i d o r a . ,. . . . ~. . ;. ;.
1 2 ) Estes momentos raramente estão ausentes da vivênia ps,i-
cótica: manifestam-se atravbs d o que o discurso chama acring oul,'
sideração, e certas formas catasir6ficas de angiistia. Esquecemos,
muitas vezes, que estes termos (que preferimos considerar como
patognômicos da psicose) pontuam fugitivamentenossa própria exis-
tência. A diferença n o não-psicótico é a possibilidade que possui o
. . Eu de retomar, embora a posreriori, posse de seu espaço e de seu
modo d e funcionamento, de esquecer o s momentos d e aflição, Ira-
tando-os como. "corpos estranhos", "sintomas passageiros", cuja
. . causa será atribuída a este ou aquele acontecimento.
.. 13) Enfim, o originário é, para 116s. um "reservatório" pic-
tográfico, no qual continuam ativas e para sempre fixadas as r e
preentaçóes, que em Última análise são aquilo p e l o que s e repre- '
66
..~ .~ . . ~
..., .
. ..~<>.
..
der wmetido pelo porta-voz, abuso tão absoluto quanto necessário. . ~.:';.[.
A partir deste momento o "objeto-saber" se encontra na origem . :~';..~~
da problemática identificatória e torna-se o "bem" cuja "apropria- ':
e ção" será imposta ao infmrs. O modo segundo o qual será feita esta :
apropriação decidirá o lugar. 6 a função que onipará,na psique, a
instância chamada Eu.
CAPITULO 111
A representação fantasmática do
processo primário: imagem de coisa
e imagem de palavra
. .
Nossa concepção d o processo primário e de sua representação
fantasmática da rr:lação psique-mundo, 15, essencialmente, a mesma
que nos legou Freud. Limitar-nos-emos, portanto, a analisar os f a - ~
tores que diferenciam radicalmente estas produções psíquicas d a s
que são próprias a o originário, insistindo particularmente nos três
conceitos que a entrada em função deste processo nos obriga a
considerar: a hnagem de coisa. o masoquismo primário, a imagem
d e palavra:
A possibilidade que tem oprimário d e usar, nas suas figura-
ções, a imagem de palavra- não é imediata; ela só 'apareceri numa
segunda fase e dará lugar a produções mistas, que s ã o obra d o
q u e definiremos pelo t e m o d e primário-sedundário. Este con-
ceito será analisado na segunda parle dcste capítulo.
A entrada em f u n ç ã o d o primário é a conseqüência do reco-
nheeimento, imposto à psique, d a presença de um outro corpo e.
portanto, de um outro espaço separado d o seu próprio. Este reco-
nhecimevto não é compatível com o postulado do auto-engendra-
mento próprio a o originário, auto-engendramento no qual não pode
haver lugar para a representação de uma separação (qualquer que
seja ela), entre engendrante e engendrado. E o reconhecimento. da
separação entre dois cspaços corporais, e portanto. cntre dois es-
paços psíquicos, reconhecimento imposto pela experiência d a au-
sência e d a retorno, que deverá ser representada pela figuração d e
u m a relação que une o separado. Esta representação é, conjun-
tamente, reconhecimento e negação da separação. ..
.~ ~~~. - ~ ~ ~
~ . ~
. . . .
tasmatiiação se manifestará, explicilêmente ou como pano de fun-
do, a representação fantasmática d o próprio espaço corporal, per- , ,
' ~ '
~
~ ~ .~~
.
experimentará prazer ou desprazer, é a .wnsequ@nciado postulado
segundo o qual funciona o primário: pbstulado que exige que, en-
tre a vivência do prazer bu desprazer, e a onipotência d o desejo
do Outro, -exista sempre uma relação de causa e eleito, Nossa afir-
mação de que a entrada em funçao do primrlrio implica no re-
conhecimento da presença de um seio separado do próprio corpo;
fez-nos deixar de lado o que a ela se segue: o reconhecimento d o
"outro espaço sem seio", investido pelo- primeiro representante do
Outro na cena do real, "outro espaço" através do qual a existên-
c i a do pai e o reconhecimento do casal parental se preanunciam.
A psique. Antes que este "outro espaço" seja ocupado pelos a f r i ; . -
buios que provam a presença paterna, ele aponta para a existên-
..,."..
>*%<~ r '
,12~ys!~.,be um objeto ou lugar enigmático que. permite ao Outro rea-
lizar um desejo, que não i e r e f e r e mais Aquele que contempla a
cena. Assim se organizará a infra-estrutura de três elementos, que
é a infra-estmtura de toda organização fantasmfitica. Ela-C cons-
titulda pelo representante .'do Outro, pelo "outro espaço"' e pelo
olhar que percebe um afeto de prazer, cuja causa é atribuída à
relaç8o existente entre os dois primeiros. Esta infra-estrutura é que
permitirá os fenômenos de inversão, substituição e mudança de fi-
nalidade, que definem o jogo pulsional.. Pode-se acrescentar que
a relação fantasiada entre os dois objetos da cena que o olhar con-
templa dependerá do predomfnio de uma ou outra pulsb parcial;
a qual ser6 revelada pela forma da ação-que une estes dois objetos.
Porém,no registro da fantasia inconsciente, a imagem do objeto
será sempre o substituto .da. imagem de uma coisa corporal, isto
C, de uma parte erógena de um corpo,
A an&e da represe'ntação fantasmf~tica,concebida como re-
presentação da relação d o "fantasiante" ao desejo e ao. prazer, será
retomada ao estudam.os a psicose.
Antes de examinarmos o que implica para a atividade do pri-
mário a entrada em cena da imagem de palavra, mostraremos como,
desde a primeira fase de sua atividade, o primário estabelece 6s
protdtipos d o secundário, sem os quais a psique não poderia ter
acesso ao que se tornará a terceira representação de sua relação
ao mundo. Estes protótipos se referem à realidade, ao Eu, à cas-
tração e ao complexo de ãdipo.
. para
.
isto, 6 necessarir, qW~WiI;iã*zona-função, sede de percenão,
seja erogeneizável. A pariiild&'$e momento constata-se que é en-
quanto fonte de prazer que o objeto pode ter acesso ao espaço
pslquico. O campo d o p~imárioobedece à mesma lei: a fantasma-
tizagão d a experiência deve ser acompanhada d e seu investimento:
nada 6 fantasiado gratuitamente. Atravbs desta atividade, procura-
se a representasão d e um estado d e prazer cuja fonte f o i uma
primena experiêneia, com a diferensa de que a fantasia remodela
um fragmento do m u n d o reconhecido como exterior, mas t.ornado
adequado às metas d o desejo. A atividade primária parte d a cons-
tatasão da existência'de fragmentos do mundo q u e ela pode co-
Sa nhecei, porque ocupados por objetos investidos. Mas ceies obje-
tos, como o espaço. q u e eles ocupam, exigem, para serem inves-
tidos, que a causa d e sua exisiência e de sua ordem seja iluslrada
e m termos de desejo. A existência d o desejo d o Outro é, para a
psique, o que o'conceito de Deus é para o sistema teológico: pon-
to moda1 e postulado a partir d o quai podese construir o conjun-
t.0 do sistema, seja ele fantasmático. ou metafísico. A certeza d a
exislência e do podei dos desejos é, para a atividade fantasmática,
uma necessidade 16gica e o único caminho que lhe. permite situar
a existência d e um Outro e, mais 'tarde, outros e, consequentemen-
te, a existência de u m a realidade. A partir daí poderá se elaborar
& uina reciprocidade entre dois desejos, que permitem à p s i q u e se
76
~. ~~
.
prova da presensa d o Outro e como manifestação de seu desejo
. de- dar o u de recusar o prazer. Esta interpretação &,'por u m lado,^
a projeção sobre um fragmento do exterior. d e u m Outro desejãn.
f& t e - e , poroutro lado, a inirojeção n a c e n a psíquica, de um desejo
deste Outro e ao qual a criança responde-G a . relação entre estes
dois desejos que 6 projetada-inirojetada, pois se o sujeito do
inconsciente surge no lugar mesmo onde se inscreve a. resposta, 6
tamb6m deste mesmo lugar que parte, para o Outm, sua resposta
a resposta: t%
77
I ) O ato de ,okrecer será interpretado com* sinal do desejo
d o seio d e "dar prazer".
2) O prazer que dai resulia será representado como causa des-
te desejo: o afeto vivenciado será representado como efeito do de-
sejo do Outro.
3) 0 "fantasiante" contempla, na sua apresentação, o efeito
de um deseio de prazer que faz dele aquele cujo prazer é desejado.
4) A partir daí, ele vai enviar ao Outro um mesmo desejo
de ser fonte de seu prazer.
5 ) Assim, o q u e ele representa como resposta será a refupe-
ração de sua própria resposta: ser fonte de prazer.
Estas considerações permitem uma melhor compreensão de .
'
quem s q u e f#it@o representam o protótipo d o Eu; não uma uni- ~ .
... d a d e qualquer, mas uma seqU8ncia de cenários nos quais são-figu'
radas os r e i a ç s que a psique vivencia, n o seu encontro com os
objetos por ela investidos; relaç&s atravts das quais ela se repre-
senta as situaees que d o , para ela, fonte de'prazer ou d e despra-
zer. E.à organizaçáo destas figuraçües relacionais que se deve o . .
estabelecimento do primeiro modelo, sobre o qual se estrutura, se-
cundariamenie, a problemhtica ediplana stricto sensu. E preciso
acrescentar que, apesar de nesta fase da atividade d o primario já
s e observar o precursor do Eu, será a entrada em cena da imagem
da palavra que vai dotá-los dos atributos que permitirão ao seu
sucessor responder as exigências d o funcionamento d o secundário
e constituir seu o projeto identificatório, que define de maneira es-
pecífica a estrutura d o Eu.
!
i b) O protdiipo do Edipo
Dissemos que 'toda fantasia comporta uma cena com três ele-
mentos: o olhar contemplando um cenário, no qual dois objetos
estão presentes. As relafies entre aquele que olha e o que 6 visto,
e a relação presente entre os dois objetos d o cenário são comple-
mentares. A .paytir d o momento em que a criança coloca '<r desejo
d a m L como diferente do seu, ela deverá figurar um outro objeto,
i&
i
q u e n i o C ela própria, para este desejo. Enquanto a friança acre-
dita ser o objeto exclusivo do desejo da mãe e que a mãe a deseja
como. objeto Único de seu prazer, ela continua a desejar o que a
mãe deseja., A'criariça deverá renunciar a esta identidade, no mo-
nientoem que ela,intui a possibilidade de u m desejo d o Outro por
um "outro espaço",. que lhe tira da posiçáo d e objeto exclusivo do
prazer. A partir deste -momento, a triangulaçzo da fantasia mostra
que um lugar C dado a este "outro espaco", ocupado p o r um "x",~
que designa o objeto enigmático do desejo d a mãe. Por mais con-
fusa que seja para a criança es- primeira indicação. ela obriga o
78
. .
. . ~ .. . ~
. ~ ~ ~ ~~.
~ ~ ~ ..,. ~ . .,
~ ~ . ~~
V-
~ ~ .-.-
~ ~.~ ~
olhar da criança a se voltar para uma cena na qual. ação pulsional,
que ela fantasia presentk entre os dois objetos, permite que, um
dos objetos continue a ser o representante d o desejo atriiiuldo
g. mãe, cnquanto o outro objeto (o objeto x) tomar-se-4". o repre-
sentante de um atributo paterno. Chamamos atributo paterno, todo
objeto corporal que pode ter uma relação com o corpo erogeneiza-
d o da mãe, objeto que não 6 mais fantasiado como um apêndice
deste mesmo corpo, mas como um objeto que vem de "um outro
lugar", para completar este corpo, agredi-lo, dar-lhe ou tirar-lhe um
. ' pedaço.
A esta figuração cêniea acrescenta-se a qualidade "edipiana"
d o que se passa na cena exterior, qualidade que a psique infantil
começa a perceber. Perto da mãe. se .encontra, geralmenle, este ou-
@ ~ ,,
~~
, t;o sujeito ao qual ela 6 ljgada por uma relação privilegiada, e que
,
A angíísti? de castração, cuj'a sombra n á s desaparecerá. jamais.
@' qualquer que seja a fase psíquica considerada. tem como primeira
forma uma angúSLia de mutilação. Cabera ao sccundario fazcr com
q u e esta angústia não se represente mais (salvo em mohentos par-
ticulares, sempre possíveis) como u medo d a mutilação'do corpo,
mas se transforme num ferrpr de ser privado d e um "bem" - a rea-
lização do projeto identificfirio, o amado, a criança, a saúde, a
beleza, o prazer sexu?i, - cuja ausência torna-se obstficulo ao pra-
zer. Em outros termos. depois do gdipo, poderá sempre ressurgir
o medo de que, de reppnte. perca-se o objeto d o prazer, porem este
medo - como renúncia ao gozo, antecipa um risco que 6 preferível
s e auto-impor d o que se deparar com ele, sob a f o m a de um trau-
m%tisnio iaesperado para o qual não se tem defesa - a ã o 6 mais
vivido como uiiia muiilaçáo mortífera, nem como umá fragmentasão
d o próprio corpo. Pode-se dizer que o neurótico se autoriza a viver.
como corpo unificado pela sua rcnúncia ao gozo; o que ele sacri-
fica é seu sexo, como lugar. e insrri~meniode prazer, a fim d e con-
servar uma imagem do corpó não mutilada. Ele resguarda, assim,.
uma forma unificada do seu espa$o corporal, condição necessária.
para que ele possa preservar a imagem de seu próprio espaço psí-
quico como a de uma superfície da -qual um fragmento não foi ar-
rancado ecaptado pela psique de um outro.
No registro do primário, a psique paga um pesado tributo por
8 Sua dependencia a uma figuraçáp que se serve das-imágens d a coisa
corporal, para representar sua relação ao prazerSe$geno e ao de-
sejo do Outro. A conseqüência deste tributo é que todo aconteci-
mento, no mundo, será identificado, por aquele que olha,' a um aci-
d e n t e no seu próprio eorpo ou no corpo d o Outro, já que o afeto
vivenciado pela psique só pode sei. rcpresentado pelas imagens das
zonas erógenas, do corpo materno ou, do próprio corpo, ou seja,
por uma relação que une os representantes doespaço corporal. Não
jmporta que se trate do corpo materno ou d o seu pr6prio. uma vez
'que a contemplaçã~da agressão do corpo materno ou,. inversamen-
te, sua plenitude, coloca aqucle quwolha numa posisão de mutilado
&4 ou unificado, conseqüência d o degejo imputado aos atores d o te:
nário. A reipeito do originário, dissemos que o representante não
pode anular- o visto, fonte de desprazer, sem mutilar a funçáo do
olhar e do seu Óeão. Na, atividade do primário, a psique náo pode
. agir ou perceber um acontecimenlo sem representá-lo como causa
do desejo e, conseqüentemente, como açáo que vise o prazer de seu
próprio espaço corporal.
A psique se encontrará, portanto, face. a dois tipos d e ,expe-
@ . riência: ,.
- ~.,
- Aquelas que têm um efeito integrador sobre as diferentes
zonas parciais. Toda experiência de prazer, qualquer que seja a zo- 1: {
na-objeto privilegiada, s6 o t graças h irradiação totalizantedo pia- /~
0. seu futuro.
e< A importanciada mutilação como protótipo da castração con-
firma que o primário é, efetivamente, 6 criador de protótipos que
o secundário herda e transforma, sem ter jamais a certeza de que
eles náo poderão regressar à sua primeira forma. Molde da con-
figuração edipiana e .$recursor da fantasia de castração, o p r i m á ;
rio já d instaurador de uma .lógica do desejo, que se relaciona com
a atividade secundária da psique materna e que preanuncia à psi-
que o acesso ao tipo de representação que ela deverá fazer sua.
A imagem de coisa d a precursora necessária que permitirá a in-
clusão da imagem de palavra: o primário cê~licosucede .o picto-
Q8 gráfico e preporo o dirlvel, q u e vai sucedê-10. Ele d ponte. pai-
sagem entre um "antes", d o qual o sujeito não terá jamais conhe-
cimento e que guardará a sua mesmidade e sua clausura, e um
8'
depois", que se constituirá e m se apoiando nele (primário) e que
dele se separará, reprimindo este primeiro material que foi parte
essencial de sua própria carne. Esta é a iazáo pela qual as pro-
duções resultante da atividade do processo primário wmpreen-
dem dois conjunios não homog8neos:
1'
/I
pré-consciente de uma forma distinta da de suas relaçóes à consciên-
cia. A questão:, "&mo é que algo se toma consciente?" pode ser
vantajosamente substituída pela seguinte: "como é que algo se torna
pré-conseiente?". Resposta: graças à sua associação com as repre- :
S.F ~ E U DEmais
, dl. pryclionalyre, Le Mo1 e1 le Soi, Payot, pág. 113.
Ver capilulo seguinte - "O conlmlo morcislo"
85
.~~ . ~~ ~
-~ ~~~~~ ~ ~ ~ .~
"0 homem encontra linguagem como m a tosaiidade que
possui em si mesma sua própria essência e suas prõprias relações,
as quais escapam a toda arbitrariedade individual."
Afirmado incontestAvel, mas que só d enunciáuel por um su-
jeito capaz de se servir da totalidade d o sistema lingüístico para re-
fletir sobre a linguagem. Assim, uma outra definição, concernente
ao primeiro momento deste encontro, s e impõe:
a.
O infans eneontra a linguagem como uma série~defragmen-
tos sonoros, atributos~de um s e i o que ele dota d e um poder de
palavra; a primeira atribuição de sentido que se deve a estes frag
mentos s e encontra sob a kgide absoluta e arbitrária da economia
psíquica d o injans."
A distânciã temporal que separa estes dois momintos coinci-
de com o tempo, necesstirio à para passar d a significação
primária a uma atividade ideativa, obra do Eu, que leva em consi-
deração as significações secundárias e o sistema interpretativo por
elas organizado.
Para se compreender qual é a primeira forma q u e toma o "es-
cutado" n o originário, 6 necessário ,rever-se aqui o papel que -de-
sempenha o empréstimo feito pelo originário à organização senso-~
ria1 e o papel por nós atribuído às zonas-funçõesierógenas. O pic-
tograma testemunha a presença d e uma capacidade de ouvir, pois
a atividade vila1 manifesta. desde o princípio, um poder de excitação
da zona auditiva. Sons puros, sem sentido, serão fonte de prazer.
o u d e despraier, mas somente em funçáo do momento em que apa-
recem, que pode coincidi~.com um estado de prazer ou de des-
prazer e, evidentemente, CMa condição de que sua intensidade
não ultrapasse um determinado limiar, a parlir d o qual a excita-
çBo se torna fonte de dor. No registro do originário a zona audi-.
tiva obedece ao mesmo modo de funcionamento psíquico que qual-
quer ouira zona erógena; Se, como afirmamos,. existe uma necessi-
dade de informação sensorial, cujo concomitante psíquico é o de-
sejo de encontrar o prazer ligado à excitação das zonas correspon-
dentes, é necessário, eniáo, admitir a presença de um prazer de
ouvir que não tem, nesta fase, nenhuma relação com a qualidade
significativa dos rufdos emiiidos pelo meio ambiente, reinindo-se
apenas à qualidade sensorial do audível. Esta hipótese deveria nos
induzir a refletir sobre as experiências da privação sensorial audi-
. tiva. 'Porém, como vimos. a presença m u s i v a , na cena psíquica,
da atividade do originário só pode ser de uma duração extrema-
mente breve, mais próxima do conceito de momentos que do de
fase.
A partir da entrada em atividade do primário, o ruído (e
acrescentaríamos, todo ruído) torna-se sinônimo, para este pro-
cesso, de um elemento que o informa d a presença o u ausência do
primeiro objdo que o priniirio rcconhece como adequado à espera
..
da zona-função auditiva: a voz materna, enquanto atributo sonoro ,:~'
d o seio, voz cujapresença sera para "o "fantasiante", sinal dode-
B sejo materno. quer a zona auditiva experimente prazer ou dei-
prazer.
Veremos as conseqüências que podem resultar da presença de
uma voz que 6, freqüentemente, fonte de desprazer. E necessáiio
insistir sobre a primeira função que o primário atribuirá ao conjun-
-' to de percepções acústicas: elas serão metabolizadas numa sequên-
cia sonora que testemunha a presença ou a ausência do objeteseio
e o desejo de prazer ou de desprazer que este seio, representante
metonímico d a mãe expenmenia face a o "fantasiante". Se o seio 6
' @~ o representante, melonlmico da mãe e, pbrtanto, de todos os obje-
tos diSw6fdores' de, prazer, todo prazer parcial, é. por sua vezi r e
presentante metonímico d ~ ' . ~ r s z edor sujeito enquanto objeto do
desejo matemo. Que o.desejoda mãe sejbo prazer desta ou daque-
la zona erógena da criança. significa para . o "fantasiante" que ela
deseja -o seu prazer total. Eis porque dislemos que a presença ou
ausência do seio ser& concebida pelo primario como intenção do
objeto de oferecer ou de recusar o prazer. Acrescentemos que, nes-
ta fase, a presença de um seio, fonte de despraier e a ausência
do seio, fonte de prazer, provavelmente, não podem sei distinguidas.
Como corolário teremos que a presença de uma voz como fonte. de
desprazer, Ou do silêncio, tamb6.m vivido como desprazer, não po-
8 derão -ser, da mcsma forma, diferenciáveis. Uma das conseqütn-
cias que, secundariamente, pode daí resultar é a de converter lodo
silêncio no equivalente de uma palavradestrutiva e, por isso,.inte - .
lerável'.
. ~ . .
A significação primeira e pnrnána de um desejo de desprazer
atribuído ao seio, enquanto representante metonímico do mundo,
assimila este mundo a um espaço vazio, na medida em que ele se
'
recusa a ser investido pelo sujeito, recusa que se .manifesta pelo
desaparecimento de sua cena do único suporte que poderia manter
a libido: o objeto do prazer.
E3 A intenção projetada sobre o seio de interditar o estado de
prazer equivale A projeção sobre este seio-mundo, ocupante global
d o espaço exterior, de uma recusa de prazer para a psique, recusa
de prazer que equivale, para ela, a uma recusa de sua existência.
A psique neste caso, encontraa recusa do mundo e se descobre wn-
frontada a um afastamento da totalidade do existente. Comp~een-
de-se a intensidade dramática de uma tal experiência através do e w
que podemos escutar do sentimento de fim de mundo que se ma-
nifesta, com freqüência, no inlcio da psicose. Inversamente, a pre- ~ ,
I
c3 sença de um seio-mundo, fonte de piazer, se manifesta pelo en-
87
- ~ ~~. . ~.
contro com ~nia"~1enitude"que concerne todas as zonas se?so-
riais, inclusive esta que.privilegiamos neste parágrafo: a zona audi-
tiva. Seria ilusório quercr estabelecer uma hierarquia de valor ou
uma ordem temporal entre o ver e o escutar. Se é verdade que o
primario tem como primeiro material a imagem de coisa, é neces-
sáiio acrescentar que. a representação fantasmática que daí resulta
é a figuração de uin estado da psique, que acompanha qualquei
excitação sensorial erógena. E porque o ouvido começa por "ver"
o escutado, que a imagem de coisa e imagem de palavra poderão
fundir-se; e o resultado é que o sujeito s6 poderá ver enquanto ele
pode se "pensar".como- aquele que v&'. O 'registro do escutado e
da voz merecem uma atenção 'particular, devido ao lugar prepon-
deránte que ocuparão' na organização do sistema' sem2ntico que
constitui o Eu. Esta insiância se caraeleriza pelo fato de traduzir
todo visto, todo percebido, todo experimentado num sentimento,
condi$áo. necessária para que a percepção exista para esta instân-
cia; por outro lado, a tonalidade deste sentimento depender& não
da objetividade da percepção, mas da significação projetada sobre
ela e interpretada como a causa de sua aparição ou de sua dispa-
riçlo. O fato de a linguagem ser, inicialmente, recebida comouma
seqüência sonora não deve fazer-nos esquecer que, para a voz que
fala, esta sequêneia é, ao mesmo tempo, mensagem, expressão, atri-
buição de um sentimenio ou de um desejo e que o emissor desta
voz esquece que, para o infans. os efeitos daí resultantes serao de
uma outra ordem. O representante do Outro age em função de sua
palavra, obra do secundário, operando assim esta antecipação que
projeta sobre a criança o a priori de um entendimento, para o qual
ela constitui a condição prévia indispensável. Quanto. a voz, há,
desde o inicio, emissão..de mensagens altamente significativas, ex-
pressões que transformam a resposta i3 necessidade em resposta aos
sentimentos que a mãe vjvencia e aos quáis ela adapta sua respos-
ta. Quanto a o que eseuta, o'processo primário metablizarh a per-
cepção dos elementos sonoros em sinais que o informam do de-
sejo do seio em relaçãa a ele. Estes sinais' primários são @ núcleo
a partir do qual seri elaborada e organizada a linguagem, como sis-
tema de significação. Esta oiganizqão exigirá uma série de mo-
dificasóes, que alterarão o caratq primário d o objeto-voz, enquan-
to- atributo sonoro d o seio, conferindo-ihe seu cataler último, a
partir do qual seta solicitado à voz que dê conta do seu direito
de se fazer ouvir e que forneça a o enunciado uma prova de ver-
dade. Este lento percurso, que vai da percepção de uma sononda-
d e A apropriação do campo semântico. pode ser dividido em três
2) O prazer de ouvir
3) D o desejo de escutar
eo desejo de entender
90
~~.~...-
.
-
~ ~
que lhe atribuirá o primário: o que o primário vê e escuta 6 um. ,,
signo através d o qual o Outro ihe comuniea a intcnçáo de seu,pró-
9 prio desejo e o desprazer~ou prazer que daí resultara para o "fan-
tasiante". Neste registro, o signo remete, portanto, à causa q u e o
"fantasiante" projeta sobre a razão de sua aparição, de seu desa-
parecimento ou de sua particularidade: ele remete ao sentido que o
"fantasiante" iniputa ao desejo do Outro.
Por significação primária ou por sistema d e significações pri-
márias, entendemos a atividade graças à qual o primário organi-
zará as imagens de palavra presentesnas suas figurasões, de ma-
neira queelas demonstrem a irredutibilidabede um mesmo po~iu;
lado: "O desejo do Outro t a eausa do que é figurado .e a causa
8
d o afeto que d a í resulta para o olhar que contempla a cena?, ..:
O sistema de significasão primária designa o modo segundo
o qual oprimário se apropria das imagens de palavra, submetendo-
as a uma articulação que assegura a n5o contradição entre os seus
significados e o postulado que fundamenta sua "linguagem". Nesta
"linguage.mM, o desprazer pode continuar a ter sentido por ser um
objeto visado pelo desejo do Outro. Para a lógica da fantasia, não
constitui problema o falo de o Outro desejar o desprazer d o sujeito.
Desta forma. o paradoxo que o primario consegue anular C o de
não poder desconhecer a possibilidade de uma vivència d e des-
prazer suportada e de preservar, ao mesmo tempo, a certeza de
@ que toda vivência tem coino causa um desejo. Já analisamos as
~onscquênciasdesta solusão própria ao primário.
-
Nesta solução a voz tem grande importãncia; pois a proeea
econtmica que o primário efetua ao transforniar odesprazer no .
que pode ser a 'meta de um desejo exigirá. em. troca, a instaura-
~
92
.~.. ~ .. . ~ ~~. . .
___ll_^______l_-__
plica numa, ameaça;na medida em que a realização de qualquer
experiência de prazer não pode ser vivenciada, quando ,au>m- *;r
panbada de temor. Da1 resulta q u e toda espera. de prazer parcial i
93
na sua função de porla-voz. A lógica do primário admite .que este - . .
signo possa ser fonte de um'aleto de desprazer, mas. o fato de .
que o que aparece' no espaço extra-psique possa não %r signo'de
um desejo é um enunciado informulável pela linguagem do pri-
mário. Disto resulta que neste espaço-tudo o que n5o pode ser
niodelado de maneira a confirmar seu postulado é inexistente para
o primário.
99
que; segundo a ordw'temporal, podem -r enumeradas da se-
guinte maneira: ': . .
~.. . . .
-a diferença entre 'dois espaços psíquicos;
- a diferença entre os dois representantes d o casal parental;.
- a diferença desejo-demanda;
- a diferença dos sexos; -
-a diferença entre significação primária e secundA&.'
E m cada caso, a diferença reconhecida implica que a psique
reorganize o lugar a partir d o qual ela se apresenta 'como agente
deste reconhecimento e , .conscquentemente.- implieari a reorganiza:'
çáo da representação que ela forja de sua .'relação a o mundo.
pode-se ilustrar a. dualidade priq&ípio,de prazer e princípio' de
realidade - considerando:a relação entre estes princípios e o con-
ceito d e diferença - dizendese que. o princlpio d e realidade está
intrinsecamente unido à categoria da diferença, enquanto o princí-
pio de prazer tende a ignorá-la. @primeiro exige que todo elemento
possa se diferenciar, que- poss'a ser situado em relação ao antes e
ao depois, ao mcsnio e ? alteridade,
i à' unidade e a o coriiunto. In-
venamente, o princlpio d e prazer organiza um campo no qual a
diferença. tende a se anular, o depois a s e apresentar w m o o r e t o r
no do-antes, a alteridade comoidentidade, o' todo 'como amplifica-
ção da :unidade. No ,entanto, é' importante assinalar um fato que,
em nossa opinião, tem grande importância: se o r'econhecimento de
um "não-eu" precede, como afirmamos, o começo d a atividade d o
wundário, deduz-se que o principio d e prazer e o princlpio de rea-
lidade estão presentes no' priniario desde o infLo. Q secundário
deverá colocar o princípio d e realidade a serviço de uni prazer
que a inslgncia &nstituída por este princípio - o E u -, vivencia-
rá, sempre q u e s u a constyçáo for adequada a um postulado que
se diferencia do postulado que fundamenta a 16gica da fantasia. O
vivenciado impõe a o primário o reconhecimento d e um "outro es-
paço", razão pela qual dizíamos que ele já supõe um julgamento
da realidade;. a ação do principio do prazer será $e remodelar este
''outro espaço" para tomá-lo adequada à representação do mundo
forjada pelo primário,.que poder& assim, ignorar o q u e deternii-
nou sua entrada em atividade.
A fantasmatização própria a o primário opera a 'partir de uma
negação1 mas a,razão de ser desta 6 a existência d a admissão fugi-
tiva e pr6via de algo sentido, visto e escutado, que se remodela.
1O0
Como fundamento do processo primário encontramos, por:
tanto, o trabalho de dois mecaaismos fundamentais do funciona-
8i mento psíquico: a negação e a clivagem. Negação da autonomia
irredutível do "nãc-eu'! e clivagem entre o que a experiência pre-
anuncia e reveja e o que a figuração representa, nega e oculta.
Estes dois mecanismos, que operam desde a entrada em alivi-
dade do processoprimário, confirmam a mestiçagem que Ihes impõe
o reconhecimento da imagem de palavra. Em conseqüência disto,
dever-se-ia falar, desde sua entrada em cena, de um pmmesso pri-
mário-secirndário, designando assim o conjunto de representa-
~ õ e ideativas
s ou .de pensamentos que têm a qualidade do dizível e
, d o consciente, ao mesmo tempo que podem continuar submetidos
8 a uma lógica regida pelo postulado d o primário.
Entre primário e secundário deve-se postular a possibilidad
d e um compromisso avalizado, numa primeira etapa, por uma ins-
tância ao mesmo tempo capaz de entender uma significação ade-
,quada à lógica d o discurso e de responder a um sentido adequada
a o postulado que confere todo poder ao dcsejo. Poder-se-ia consi-
' derar tal manobra como uma "doença infantil" d o Eu, da qual ele
~ ~
I---
--
do qual os outros gu'afdam a lembrança, discurso que eles impõem:, ~
103
. . .~..
-
tavelmente, encontra. Estas modificaçóes, que devemos ao trabalho
d e airibuiçáo de sentido do Eu, são tanto mais essenciais quanto
permitem a esta instância de se distanciar de seus precursores e à
atividade secundária d e rcduzir a s pr&+ do primfinq que se
introdmem entre as produ@es d o secundArio. Entretanto, redução
não quer dizer anulaçSo: constata-se a persirlência da aiividade do
pnmhrio no secundário e a impossibilidade destes dois processos
de evitarem um e f e i t ~de hteração. O que se modifica& será o
lugar cada vez mais reduzido que outorgar6 o secundano a uma
representação do mundo adequada a um posmlado heterogêneo ao
seu. sem poder, entretanto, jamais exclul-Ia de forma deíinitiva.
; CAPfTULO IV
O espaço no ¶ual o eu
pode constituir-se
. .
.. .
e4
..,.
1) A organização do espaço no quaT-+-~Eu
..~. deve consli~uir-se
-,. .. .
i
I
I
uma fase extremamente precoce d o primário. A o alucinar o seio, é . .
evidente;a psique lhe impõe uma metamorfose radica1;:porém é di- '
ferente, ainda ,que verdadeiro, d i i r que 6 metamorfoSeado o. que
o seio representa para a mãe. Neste segundo caso, a metamorfose
se refere a uma representação, obra do princípio da realidade,.p&-
cípio que, ao opor sua própria resisttncia is produpões d o primá-
no, vai qbrit caminho a alguns d e seus precursorks.. Por ma$ bg-
mentários e dksorganuados que estes sejam, eles vão, entretanto;
contrabalançar a onipotência exclusiva e aut8noma reinvindicada,
em vão, pelo primário.
A função de prótese da psique materna permite à psique en-
contrar. uma iealidade já remodelada pela atividade psíquica m b
tema. e tomada, graps a ela, representável: o real sem sentido,
inacessível à psique, Q substituído por uma realidade humana; põr-
que investida pela libido tuatema, realidade a qua1.d é remodelá-
vel pdo originário e pelo primáno, graças a este trabalho prévio.
O que o pnmátio ou, muiaiis mulandis, a psicose remodela..ntio 6
o real, se por real consideramos o ineognoscívelde uma coisaem
..
~
I
demanda libidinal, inserindese. assim, n o domínio de uma dialé-
tica d o desejo.
114
rística da repreuáo; considerada como repressão secundária. A
anáiise das posições- que a proposição: "desejo d e ter um:filho"
C)
ocupará sucessivamente numa cadeia sintáxica, coincidindo 'ponto
por ponto com a evoluçáo .das posições proto-identificat6rias e
identilicatórias próprias ao "fantasiante" (merteur-en-scPne) e ao
"enunciante" (merreur-en-sem). mostrará como se elabora uma.
dialética d o ser e d o ter e como se organiza a passagem de uma
legenda escrita pelo, primário, aos enunciados forjados pelo secun-
dário.
Tomaremos como ponto de partida, não o originário, mas o
enunciado pelo qual pode traduzir-se a finalidade presente na figu-
b ração do primário: ser o objeto d o ~ d $ s e j o - ~ ~(do
ã e desejo do.
Outro). Focalizando-se apenas apfo61emática materna, este enun-
ciado mostra, no decurso da evolução pslquica, a s6ne de tránsfor-
mações seguintes:
+
ter um filho da mãe '
ser objeto do desejo da mãe +
tomar o objeto do desejo da mãe -)
. ~
. ,..<,:~-.
~
~'
118
- . ~ - - ~ ~ ...-
~~
%r e ter, no regisiro do originário, confirmam esta relação de~.espe;, . * ,
.eularidade que é, para nós, característica desta fase.
O termo "uma criança", não- dito de um primeiro desejo de
ter, tem uma origem no info~ulável"ter-se", o único que poderia
permitir que a posição d o desejad~ (de si próprio e depois da
.pie) fosse concomitante à certeza da onipotência do desejo; ter
e -ser participam de um mesmo desejo impossivel.. Se, como diz
Freud, "ler um filho da mãe" é a forma primeira do desejo de ter
f i o , t porque este ,desejo é, ele-mesmo, a translação inaugural ao
registro do primário, do que se referia ao originário. Esta "uma
cria.nçaW, aqui em questão, permanece muito próxima de um si-
mesmo, do qual poderíamos nos reapropriar como um desejado
ze,k,23i#uto-engendr.ado, que permitiria que' não fôssemos jamais despe
..&~,jados
.: :~.~~. do :que desejamos ter. A proximidade entre as fórmulas
"querer-se a si mesmo', "autopossuir-se" e a fórmula que fala de
um desejo se desejando, 6 evidente. .
O que obrigará o sujeito a ultrapassar -a loucura de uma tal
demanda 6 o ter que reconhecer que a ã q se pode ler o que se é,
mas que w, pode, inversamente, demandar e ler objetos substihiti-
vos, os quais se tomarão os sinais q u e provam que se é, para a.
mãe, o que ela queria ter: o objeto de seu desejo.
Os primeiros ,objetos, suportes das representaqQes fantasmati-
cas sob a 6gide do primário, tem como atributo essencial assegurar
Aquele que demanda e h instância que fantasia, que eles são o que
a-mãe deseja ter: u m n r i a n ç a cujo prazer--s e r e q u e deseja seu
deseio. -
- - a t a n d o a o enunciado matemo, podemos dizer que "desejar
. ~ .u.ma"criança
. para possui-la" é um enunciado apoiado num desejo
e que este desejo vem certificar ao infans que ele não 6 o simples
resultado de iim acidente biológico. Acrescentamos que o. desejo,
do qual ele t a aiualiiçáo desconhgida, deve persistir, ao mesmo
'
tempo que deve ser preservada a distância que separa o "desejo
@.um filho" d o "desejo desta e por esta criança". Assim opera-se
uma clivagem entre um "ter uma criança", finalidade de um desejo
irredutível e a criança que, uma vez lá, não pode mais pretender
permanecer como o objeto de um desejo de. ter (uma criança)
iealizado. Aparecem a persistência do desejo "ter uma criança" e a
impossibilidade de ser, justamente porque se 6, a criança ter. O
reconhecimento desta clivagem, por parte da criança, pressupõe
aquela operada pela própria mãe a propósito da criança, condição
que permite a esta última percorrer o caminho que a conduzirá ao
desejo de "uma criança" como objeto d o desejo edipiano: que a
figura parenta1 dê a esta criança o dom. de ter um filho que ela r
não pôde ser. mas que ela poder$ ter. Esta fórmula prova que o
sujeito teve acesso ao registro que s e p a r a o ser. do 'ter, mas en-
quanto pennaneiemos no que precede a dissolução do Êdipo, esta
separação não 6 suficiente para diferenciar aquele. a quem se pede
e sobre quem se -conhece um poder concernente ao ter, daquele
a quem atribui-se um p o d e r de designasão concemente ao
lugar identificatório indicado por seu desejo. A criança pedida ao
pai o u à mãe testemunha. sem dúvida. a renúncia ao impossivel
"ter-se", mas mostra que a criança continua a esperar ocupar; no
sistema de parentesco, o lugar reservado A figura darentai do sexo
oposto. Veremos, mais tarde, como a criança poder6 substituir o
pai e a mãe por outm sujeito, do qual ela terá o direito, fulura-
mente, de ter uma criança, apropriando-se de um dexjo,postergado.
Concluiremos dizendo que o desejo "ter uma criansa", 6 her-
deiro de um passado que faz desie enunciado a fomulaçáo do
desejo humanq mas que este desejo,. tal qual a mãe o pronuncia e
tal como ela o .imputa A criança é, parg&_loiente, o quepermite
à .mãe de se colocar como u m doador interditado.' A clínica 'nos
mostra o que acontece quando este desejo está ausente, quando
não é antecipada a possibilidade deste futuro para a criança. E
através deste desejo que a mãe instituiu a criança como herdeira,
de um saber sobre a diferença que separa o objeto que atualiza um
desejo, do objeto ,que permite ao desejo de persistir. Objeto sempre
projetado no futuro,. no tempo mitico de um enc6ntio definitivo
entre o desejo e sua finalidade. No momento mesmo em que ela
recusa-lhe ser o objeto d e seu desejo, ela t r a n s f h a esta recusa
no sucessor de um. desejo'que persiste e cireula e pelo qual será im-
possível ao sujeito uma conjugação do ter e d o ser, que permite
que o indizível s e fasa dizível e que o enunciado que fala o corpo
e o corpo falante não- se encontrem numa posição de heterogenei-
dade absoluta..
Terminaremos .estas considerações sobre a ' iransmissão d o re-
primido com uma úllims observação:. a justo titulo nossa teoria
nos previne contra. toda tentativa de generalização abusiva. Entre-
tanto, o analista aciedita no fundameuto de uma interpretação apli-
cável a uma série de experiências fundamentais que transcendem
toda singularidade: assim é para o que concerne i repressão, a ero-
geneidade das zonas-funsões e o "mito" pulsional. Mas podemos
dar um passo adiantc de fato, a teoria pmpóe um modelo da evo-
lução normal da psique, tendo comoreferência a sing'ularidade do
caminho a ser seguido pelo sujeito. de seu naseimento a dissoluçiio
do complexa de Bdipo. Se- é verdade que no campo do consciente,
do agir, da reflexão, do prazer e; 'mais amplamente, no campo do
Eu, nada nos autoriza a privilegiar esta ou aquela escolha, este ou
aquele discurso, <.se é preciso renunciarmos a um Eu "modelo" e
- ..
i podemos d&r. também. que ela vem ocupar o lugar deum-doador
de desejo. dom essencial A eslruiup psíquica. recusando-se. entreianto. a
ser o doador do objeto. recusa absoluiarnenie necessária.
a um "modelo d o Eu'', definitivamente estabelecidos, por ouko
lado possuímos e utilizamos um saber sobre o. que só pode apare-
63 cer iio Eu como sinal de uma falha, porque testemunha da intro-
missão. em seu campo, do que deveria ter permaneeido fora de seu
.
espaço.
~
-
conjunto das máiiíleeStaçóes do vivenciado pelo infans 8, porianlo;
~
. . ~ ~ . ~ -.-.
~
~~..
.
.
-
necessiiria; e l e 6 a ilustrasão paradigmática da definicão de violên-.
tia primaria por n6s proposta.
Seu agerite 6 um desejo heterogêneo: o desejo da mãe, d e s e :
jando poder ser esta oferta contínua, necessária à vida do infons e
o desejo de ser par ele reconhecida como esta única imagem dispen-
sadora de amor. Tal desejo se instmmenta a partir d o que é, para
o infanr. objeto duplamente necessario, que náo pode faltar, pu-e
haja sobrevivência tanto corporal quanto
~
-
.-
psíquica.
is porqiie o q u e a mãe deseja se torna o que a psique do
infag demanda e espera:\ para ambos permanece desconhecida a
violência operada por uma resposta que predeterrnina. para sempre,
o que ser6 demandado, assim como o modo e a forma que adqui-
rira a demanda. %@7~pecemos nesta fase, constataremos uma
. . invariante dependefit "das leis da estrutura pslquica, podm a seu
lado aparece um outro fator, igualmente importante para ,o destino
,' do sujeito: o risco 'do excesso, risco que, d verdade, não se atualiza.
mas cuja tentaçso esrá sempre presente na psique materna. Na atua-
! lização da yiolência operada -pelo.discurso materno, infiltra-se, ine-
i vitavelmente, um .desejo que, na maioria dos casos, permanece des-
r conhecido e incorifessado.e que pode ser formulado como' o dese-
, jo d e preseivar o .'fstaius quo" .desta primeira relasão, ou melhor;
. desejo de preservar o que, durante uma fase da existência (e somen-
'\.te durante uma fase), d legítimo e necessiirio.
O. que d desejado é a não-modifica$ão do alual. mas este d e
sejo de não-modificação, se a mãe não consegue renunciar a ele,
é suficiente para mudar radicalmente o sentido e a extcnsão do que
I era IíUto. Da mesma forma, a formulação específica que ele adquire,.
"que nadamude", facilita, para a máe e para os outros, o desconhe-
, cimento do abuso de violência que tentará se impor através de sua
voz. Quantas mães. "tendo sempre s e sacrificado pelo bep de seus
filhos", serão c6nsidcradas pelos outros como mãesmodelos, quan-
:. do o futuro da criança testemunhara - sem conseguir fazer-se ou-
i
-
: vir o abuso de poder por ela sofrido. A tentação deste abuso é
'constante, donde a importância. de se compreepder o que a mãe.
não gostaria de pérder, mesmo se eia aceita renunciar a isto, e o
perigo que está na base desta tentação do excesso.
A d e t q á o do que ela não gostaria de perder d relativamente
fAcil, se nos .limitamos a analisar apenas a superfície do. fenbmeno:
um lugar que ninguém mais pode conceder, o lugar de um doador
de vida, detentor dos objetos de necessidade e dispensador de tudo
o que é suposto sefi~parao outro fonte de prazer, de quietude e de
alegria. Dissemos que, num primeiro . momento, é no bom funcio-
namento do corpo que a mãe procura, e enconira, a resposla que
confirma seu direito a reavidicar este triplo poder para sua fun-
ção. Mas rapidamente aparecer& uma nova função que, também
-d -
preciso não esquecê-lo era esperada desde sempre e pre-
anunciada pelo discurso materno: a otividaile de pensor.
e A "boa" ou "bela inteligência", mens sana in corpore sono, tor-
na-se o último frirlo esperado deste corpo cuidado, alimentado, aca-
'
lentado, educado, na esperança d e que ele oferqa à atividade de
pensar o seu suporte optimum. A saúde e a beleza n ã o perdem,
entretanto, seu valor, mas elas s6 podem conserva-lo na medida
em que e se a mãe -tem a garantia de que a "capacidade de pen-
sar" da criança, a n~ínima,responde à n o r m a e, se possivel, a ul-
trapassa. A primeira conseqüência sera que a mãe espera d o poder
d e inlelecção da criança que ele lhe confirme. o sucesso ou o fracasso
de sua função materna. Eis porque -o- conjunto dos objetos-funções ;
e parciais, q u e serviram de garantia na relasão pré-genilal mãe-çrian-
ça, vão encontrar seu status definitivo na significaçãq bue Ihes atri-
buirá esie poder que, a posteriori, decide a respeito de'um sentido
retroativo a eles referente. A segunda consequêneia será que o tem-
p o que precede As manifestações da atividade d e pensar não d ja-
. niais vivido d e uma forma neutra: não apenas um número de si-
nais variados serão, antecipadamenle, interpretados pela mãe como
prova de que ele pensa. mas as primeiras manifestações efetivas des-
ta atividade, a aprendizagem d a s primeiras palavras,, o pragmatis-
inci das primeiras respostas, serão observados .como a garantia d o
evitamento d o riwo maior: o d e que ele ou ela poderiam não saber
pensar.
Q
Se nos limitássemos a esta análise, compreenderíamos melhor
uma das formas privilegiadas d a ansiedade materna e o superinves-
timento que pode gozar o saber-pensar. Entretanto, u m fato essen-
'
cial permaneceria na sombra: a mãe sabe, por sua própria experiên- . ~ ,~ , ,
autonómo, . . ~ --
.~~ . . ~ . ~ . .--~ ~ -
A linguagem fundamental
(OS limites impostos aos enunciados identificatórios)
A nom'tqáo do afeto
e a referência identificatdria posterior
@
-Tobiis da Silva, a04
mesma língua, a significados que, a pariir deste momento, só terão
como referentes outros significantes (o significante "amante" só
poderá designar seu referente, recorrendo a outros significantes que
:
.,.
i33
- ~ ~~. ~. ~ ~
~. . ~ .
- ~
~. ~
.,
@ Seria mais exalo falar da retacio enire o signo lingüistico e seu re-
ferente. tsnlo "esta passagcm do t e r i o quanto no r e m do nosso trabilho. . . .:
Mar e x i s t e n ~hábitos de pensar doa qiiais. dificilmenle nos dcrfarcmos!
saber que o E u pode ter sobre o Eu: se nossa fórmula é exata, ela
implica também que o E u , é formado pelo conjunto dos enunciados
que tornam dizível a relação da psique com os objetos do mundo
por ela investidos e que ganham valor de referências identificat6
rias, de emblemas reconhecfveis pelos ouiros "Eus" que cercam o
sujeito. Retoinaremos a este aspecto da problemática d o Eu; só
queríamos esclarecer. aqui, o papel que tem, no espaço do "não-
eu", o ato de linguagem enquanto operaçrío idenlificatória, tendo
o estranho poder de criar um nomeado que não pode t e i existência
para o Eu fora do campo desta nominação.
9) O desejo do pai .
(de ter um lilho. por esta criança)
. ~
- a interpreiação que a mãe se deu a propósito da função
d e seu 'próprio pai;
- a função que a criança
. .
atribui a seu pai e a função que a~ ;
mãe atribui a ele;
- o q u e a mãe deseja transmitir desta função e o que ela
pode querer interditar a seu respeito.
137
~ ~ ~~. . ~.
~
. .
O desejo matemo. d o qual a criança 6 herdeira. condenfa,
duas relaçües libidinais: a que a mãe tinha estabelecido c o m a
imagem paterna e a que ela vive com aquele a quem ela, efetiva-
mente. deuum-filho. O fato de a crianca poder tornar-se pai pode
referir-se tanto à esperança, de que se repita a função de seu pai
(da mãe), quanto à esperança de que a criança retome a função
de seu próprio pai ( d a c r i a n ç a ) . N a realidade, há uma interação
entre estes dois desejos. i2 pouco frequente que uma relação ne-
gativa com o pai permita uma rela'ção positiva w m o homem. Mas,
como é d o pai q u e falamosagora, faremos a seo respeito a mesma
hipóRse -otimista que 'fizemos em relação h mãe: trata-se de. um
sujeiio.que ouviu es!e voto, que o assumiu e que. desejou realizá-lo
eom uma mulher q u ~ a c e i t ereconhecer
. sua funsão, n o que se re-
féÍe a o seu desejo ~ e a d ' - f i l h ode ambos. ...
S e situamos este casal em nossa cultura,' constatamos q u e se
a mãe, segundo a expressão de Lacan, é o primeiro representante
do Outro, na c e n a do real, o pai é o primeiro representante dos
outros ou do discurso dos outros ( d o discurso d o meio).
Nossa cultura propõe um modelo d a função materna, u m a lei
que decide em. q u e condições o homem pode ou n ã o dar seu nome,
regras e préstimos exigidos pelo sistema de parentesco: este con-
junto d e prescrições determina um modelo de relasão do casal pa-
rental e de sua relaçLío à eriança, n o qual o pai herda um poder
de jurisdisão, exemplifieado pelo direito romano que, numa primei-
ra fase. atribuía-lhe até u m direito d e vida e d e morte sobre a
criança. Este poder perdeu grande parte de seus atributos, m a s ele
preservou sua função n o registro d a transmissão do nome, com
tudo o que isto comporta. N a estnihtrafamiliar d a nossa cultura,
o pai repres'enta aquele que permite à mãe designar para'a criança,
na cena do. real, um referente garantindo que seu discurso, suas
exigências e 'suas interdições escapam a o arbitrário e se justificam
por sua conformidade a u m discurso cultural, o qual lhe delega o
direito e o dever de transmiti-los. Se a kferência a o pai é a mais
apta para tistemunhar à criança que se trata de uma delegasão e '
ik) Este encontro foi por nós abordado quando falamos da aná-
lise d a passagemdo casal originário a o easal parental. Insistiremos
no fato d e q u e o q u e s e oferece, inicialmente. a o olhar d o i n f a n s
e 2 sua Iíbido, é este "Outro-sem-seio' que pode ser fonte de ,um
prazer e, maisgeralmente, fonte d e afeto. O que marca seu traço
especifico e diferencial, por oposição ao encontro com a mãe, 8
que o encontro paterno n ã o se faz n o registro danecessidade, sendo
esta a razão pela qual o pai é. indubitavelmente, quem induz a
primeira brecha n a colusáo original que tornava, indissociáveis a
satisfação das necessidades do corpo e a satisfação da "necessi-
dade" libidinal.Esta brecha vai 'induzir a psique do infarir a reco-
@ nhecer que, se esta presenqa í. desejada pela mãe, ela permanece
totalmente estranha ao campo d a necessidade.'
E s t e "não-conhecido" desejado pela mãe, s e nos situainos n o
momento precoce da vida ~síquicano qual o olhar do infans o des-
cobie, é.. inicialmente colocado n a s u a relaçêo com a mãe, numa
posição inversa à que ele adqtiirirá numa fase ulterior. Dissemos
que é a ele que a mãe fará referência para demonstrar a legali-
dade de seus modelos; inversamente, nesta primeira fase, é do lado
..
O discurso do meio .
147
~~ ~ . .- ... ~ . .
~~ . -
função, t preciso q u e eles scjam recebidos como palavras de c e r f q g :
se este atributo Ihes falta. eles serão abandonados e subs'tituídos
por ama nova série; de qualquer maneira. a função não ficari ja-
mais sem titular.
Diseurso sagrado e discurso ideológico (profano) são obiiga-
dos a propor estas certezas q u e podem ser diferentes na b r m a , mas
que serão idènticas no seu papel de fundamento do campo sócio-
linguístico. Acrescentemos q u e qualquer que seja o grupo que de-
fende, propóe ou impõe um modelo-do social, este último será sem-
pre um modelo adequado aos ideais daqueles q u e o defendem. Cha-
maremos de ideológico. na ausência de outro termo, o discurso fun-
dado por e a partir dos ideais d o enunciante, para lembrar q u e o
sujeito está, necessariamente. incluído numa certa teoria sobre os
-'-i#idalhentos d o social: ele avalia a realidade d o mundo tal qual ela
lhe aparece, a partir d a imagem ideal favorecida por sua teoria.
Daí. resulta que todo subgrupo e m conflito com o modelo dominan-
te vai se constituir em torno d o seu próprio modelo. Insistimos
neste ponto, pois ele terá uma ação direta sobre o efeito antecipa-
tório d o discursodos outros s o b r e o in/ans.
Nestas reflexóes sobre o c a m p o social. ilustraremos as funções
do discurso do mito, da ciência e d o sagrado. tomando como exem-
plo e considerando apenas algirnias carncleríilicas que süo exlrapo-
Iáveis aos oiilros dois. Uma primeíra'característica deste discurso é
a de que ele comporta sempre enunciados que falam a origem d o
modelo. Tal origem, por sua vez, implica numa definição do q u e
deveria ser a finalidade para a qual tende o modelo. O modelo d a
origem implicitamente leva e m s i o m o d e l o da finalidade i qual ele
se propõe: daí decorre que toda ni"dança. quanto i finalidade vi-
sada. comporta u m a mudança do, primeiro.
Durante um longo período d e nossa cultura. colocou-se-a voz
divina w m o enuneiadora originária do modelo. Voz. eni certo sen-
tido exterior ao gmpo, mas s e n d o dele a fundadora: o antes do gru-
po. ao invés de remeter à horda, remete a o sagrado. A partir d o
momento em que a crença e m u m fundador mítico desapareceu.
emergiu o que Leroy-Gourhan c h a m a "o mito do h o v e m macaca3*
Apesar da.grande diferença. encontramqs dois traços comuns:
- preservar u m a c-rteza s o b r e a .origem;
- a idealização de um s a b e r científico que permitiria a pres-
são e a ação sobre o deseniolai 'possível d a evolução'.
O s enunciados d o fundamento sob a Lgide d o sagrado mos-,
tram, claramente, o que o discurso da ciência vela. para o preser-
var. As características comuns a este segundo discurso se manifes-
tam no registro d o sagrado através dos seguintes, dados:
150
. - . .~ . ~.
ria de seus clementes vejam nas exigências de seu funcionamento,
o que permitiria o alcance d o meio ideal, s e estas exigências fossem
integralmente respeitadas. A crença neste ideal será acompanhada
d a esperança na permanència e na perenidade do conjunto. Desde
então o sujeito poderá, d e forma relativa, estabelecer uma identi-
dade entre possibilidade de perenidade d o conjunto e desejo de
perenidade d o indivíduo; medido em t e r m o s d e tempo humano. o
primeiro s e apresenta c o m o realizável e é por-isto que. na base d o
investimento d o modelo ideal, descobrimos a existtnciade um de-
sejo de imortalidade, para o qual este .investimento se oferece como
substituto. Vemos quc, independentemente da função que pode de-
sempenhar o que Freud chama o líder do gmpo e o Ego Ideal. é
a. eondição mesma da existência do meio, a de ser mantida por um
.Iei_il..~.
151
A definição dada ao contrato narcisista implica na sua univer-.
salidade. Mas, se .é verdade que todo sujeito 6, efetivamento,cc--
signatário, a parte, de libido narcisista por ele investida varia d e
sujeito a sujeito, de casal a casal e entreos dois elementos d o ca-
sal. A qualidade e a intensidade do investimento presente h o con-
trato que liga o casal parenta1 ao meio, como a particularidade das
referências e emblemas q u e ele privilegiará neste registro. agirao,
no espaço no qual o Eu da criança deverá constituir-se, .de dois
modos: ,
- Os emblemas e os pap6is valorizados pelo casal,que Se as-
segura, ao fazê-lo, do acordo e frequentemente da cumplicidade dos
outros sujeitos d o meio, podem permitir aos pais e à criança disfar-
çar um .desejo que, dese modo, encontra :o complementq d e justi-
ficacão que permite sitijá-10s no registro d o b e m do'~lICE,~liottico.
- Eles impõem ao Eu da criança seu primeiro conhecimento
da relação mantida pelos dois elementos do casal com o tampo so-
cial e da relação dos outros, face à posição ocupada pelocasal.
Dentro de certos limites. as variações na relagão casal-meio.
desempenharão um papel secundário no destino do sujeito, que
poderá: estabelecer, numa segunda etapa, uma relaqão aut8noma
com estes modelos e diretamente marcada por sua própria evolução
psíquica; - suas particularidades e a singularidade das defesas. em
ação. O mesmo não ocorre quando estes limites não são-mais res-
peitadosi ou o casal recusa as cl~usulasessenciais do contrato. ou
o meio impõe um contrato já viciado, recusando-se a reconhaer
o casal enquanto autêntico representante do meio. Que a respon-
sabilidade recaia sobre o casal ou sobre o meio, o falo 6 que a
ruptura do contrato @e ter eonsequências diretas sobre o destino
psíquico da criança.Constataremos, ncste caso, dois tipos de si-
tuação:
- A situação que decorre da rccusa total da mie. do pai ou
dos dois em engajar-se no contrato, desinvestimento que por si s6
revela uma grave falha na estrutura psíquica deles e revela um núcleo
psicótico mais ou menos compensado. Durante estes hllimos anos,
insis1iu.e muito no carater fechado de certas famílias de psicó-
ticos, microcosmos que,' ao guardar seu louco, preserva u m equi-
líbrio instável que s6 se mantem com relativo sucesso enquanto é
possível se evitar todo afrontamento diieto com o discurso dos ou-
tros. -através do silêncio impost6 ao que se fala lá fora. O risco
corrido, então, pelo sujeito. é o de se ver n a impossibilidade de
encontrar, fora da. família, um suporte que lhe facilile o caminho.
até a obtenção da 'parte de autonomia necessaria às funfóes d o Eu.
Esta não é a causa da psicose, mas certamente um fator indutor,
frequentemenle presente na família d o esquizofrênico.
- Igualmente 'importante, portm mais. difícil de ser detec-
tada, é a situação que resulia de uma ruptura d o contrato, cujo
meio - e, portanto,, a realidade social - é o primeiro responsá- .:
.'
vel. Recusamos as diversas wncepções sócio-genkticas da psicose,
mas acreditamos n o papel essencial desempenhado pelo que cha-
mamos. a realidade hisiórica.No que,se refere a estãrealidade,'um
mesmo peso 4, por nós, aiiibuído aos acontecimentos que' podem .
atingir o corpo e aos acontecimentos que foram efetivamente vi- '.,
vidos pelo casal durante a infância do sujeito. ao discurso fcito
i c r i a n s a c às iiijunções que I h e f o r a m feitas. mãs iambJnr-à posi-
ção de excluído, expbrado, de vítima. que a sociedade. efetiva-
mente, impõe ao casal ou à criança.^
Vcremos na última parte desta obra que. cada-vez que h á u m a
interpenetração entre a realidsd~histórica da vida infantil e uma i
construção fantasmitica de sua -percepsão: do mundo. a colusão 1..
de ambas pode tornar impossívela substituição da fantasia por u m a
atribuis50 de sentido que a relativiza. Num certo número de anam- :
nescs de psicóticos, nos surpreendemos com - o reforço ,operado pela i'
realidade social: rejeisão. mutila~ão.,.ódio. despossess80: todas si-
tuasóis As quais nos remete a problemitica psicótica. nós. as en;
contramos realizadas e não mais simplesmente fantasiadas. na Te-
laç.:io do meio ao casal. A partir dai, n o momento c m que o E u
descobre o extra-familiar, n o momentoque seu olhar procura u m
sinal delc que lhe confira dircito de cidadania entrc seus seme-
lhantes, ele só pode encontrar um veredicto que lhe nega este di-
reito, propondo-lhe u m contrato inaceiiivel. pois respeitd-lo'{,im-
plicaria a renúncia, na realidade de seu tornar-se. a ser quaiquer
outra Coisa que não uma mera engrenagem sem valor. a ser
de uma msquina, a qualnão esconde.sua decisão de sxplorá-lo
exclui-lo. Este veredicto vem reforqar o quc. na relasão do
coin o casal. tinha sido percebido corno recusa de toda autono~mia,
como i n t e r d i ~ ã ode toda veleidade. de contíãdizer o dito: é evi-
1
dente que estes dois veredictos nüo sáo idênticos. Construir uma
identidade entre repressãp social e ,represstio psíquica, entre explõ:
racão econòinica e apropriasão pela máe do penrar da criansa élum
absurdo. Porém, devido ao fato. de:que a criansa comcsa por pro:
jetar na cena social o p4liern de 'sua problemitica em relas20 a o s
ocupantes do espaço familiar. ela pode ver inscrever-se iiesta ccna
a ratificaçào de u m a mesmi dialetica, na qual ela se encontrar;, a
partir daí, duplarqente aprisionada.
- . Estas considerações sobre a funsio e 4 onipresença do eontrn-
to narcisista concluem 'nossa análise do cspaso n o qual o Eu -devc r,
constituir-se. ,Mostramos as condi$ões que e l e deve respeitar. para
que o E u possa. habitá-lo e as condisões quc podem torná;lo incom-
patível com esia.fun(;áo. Antes de abordarmos a conseqüência mais ,
dramática desia incompatibilidade - ' y s i c o s e - e a f i m d e com-
preender a expropriação que ela efetua em relação ao Eu. considera-
~ ~
remos u m a função específica desta instância. uma vez que ela pôde^ ~.
constituir-se. tornar possível uma conjugação do tempo iuluro com-
pativel com a conjugagào d o tempo passado.
eê
O EU E A CONJUGAÇAO D O FUTURO: SOBRE O PROJETO
IDENTIFICATORIO E A CLIVAGEM D O EU
.i
Por projeto identificatório definimos a autoconstrugão contínua
do Eu elo Eu, necessária para que, esta instância possa se projetar
num movimento temporal. projegão.de que depende a própria exis-
tência d o Eu. 0-acesso à temporalidade e o acesso a uma historici-
dade são iniparáveis: a entrada em cena do. Eu é, conjuntamente,
a entrada em cena de um tempo histórico. Nós indicamos os fatores
responsáveis pela organização d o espaço ' n o qual o Eu pode cons-
tituir-se; a psicose nos pertiiitlis :ver em ação as conseqüências dra-
máticas da ausência ou do de&& destes fatores. O que já dissemos
a respeito deles e o que acrescentaremos, gragas à psicose,define
nossa concepfáo d e identificação1 e designa o ponto .até onde leva:
mos nossa reflexão: sublinharemos, simplesmente, uma característica
própria ao "Eu constituído";' caricieristica cuja ausência determina
a psicose. A psicose n2o anula o Eu, e . seria mais exato dizer que
ela é obra sua; mas ela mostra as reduçóes e as expropriafões com
as quais o Eu paga. neste caso, a sua~sobrevivência.Sua manifesta:
cão maisevidente é a relação d o E u a uma temporalidade marcada
pela desintegração de um tempo futuro, em proveito de uma mes-
midade do vivenciado, que vai condenar o Eu a uma imagem de
si mesmo, que somos tentados a qualificar d e fenecida mais d o que
passada.
O Eu não é nada mais d o que o saber do Eu sobre o Eu, e a
esta definigão dada acima, podemos acrescentar um corolário: o sa-
ber do Eu sobre o Eu tem como'condição e como finalidade, asse-
gurar ao Eu um saber sobre o Eu futuro e sobre o futuro do Eu. O
"Eu constituído" dcsigna. por definição. um Eu suposto capaz de
assumir a experiência da castração. E p o r esta razáo que a imagem
de um Eu futuro s e caracterizará pela renúncia ao atributo de cer-
teza. Ela só pode representar o que o Eu espera tornar-se: esta es-
peranga não pode faltar, a nenhum sujeito, e mais d o que isso, ela
deve poder designar seu objeto numaimagem identificatória valori-
zada pelo sujeito e pelo meio, ou por u m subgrupo cujos modelos
são .privilegiados 'pelo sujeito. A possibilidade para o E u de investir
emblemas identificatórios que dependem d o discurso do meio, e não
mais do discurso d e um único outro, é coextensiva à modificação que
sofrem a problemática identificatória e a economia libidinal, após o
8
Preservar o compromisso 6 a tarefa d o Eu constituído: o
paço por ele habitado ser8 organizado dc forma a reforçar. a e s t a -
es-
161
~~~. ~ - --- ~~ --- .
~. . .~~~ ~~
-~
~~~ ~~
não poder compteendgr o que os termos designam n o texto que lhe i.
é oferecido. Este. perigo parece-nos presente em- vários dos textos !,'
de inspiração lacaniana; e de forma aindamais evidente, quando,
se trata d o conceito de simbólico, onde é difícil distinguir se eles
se referem à função própria a toda linguagem, aos signos escritos,
à linguagem matemática ou à dimensão metafórica contida no signo.
Ao lê-los, temos frequentemente a impressão de que o termo
simbólico é usado como substantivo ou como adjetivo, definindo
conjuntamente a função da linguagem, u m a propriedade particular
dó signo, especificando uma enigmática relação ao significante fá-
lico, representando o nome d o pai como organizador d o sisienia de
parentesco, o acesso a uma lei, e muitas outras coisas;::.sendo~
que as necessidades da: demonstração privilegiam, segundo o caso,
uma ou outra das Significações. Isto prova a dificuldade, real da
utilização destes conceitos, mas o que torna tal utilização abusiva
é o fato d e transformá-la em uma espécie de "passe-partout" qye
acaba por abrir apenas as.portas escancaradas,~~, a o contrário, por
trancar o que ousa rcsisiir à chave analítica. Para tentar reduzir . ,
-
da forma pela qual ele se dá, mas o apreende como um conjunto
de reações posslveis, de relações causais e de relações possíveis, re-
gidas por leisuniversais. A Ormula da constituição química une a
totalidade destas associafies regulares c o m a expressão da singu-
laridade-que caracteriza, então, esta expressão de forma inteira-
mente -novaw.'
I
i
mesmo que o acompanha ao longo de sua existência. A relação
que todo sujeito vai manter com a imagem especular testemunha a
dimensão conflitual que recobre o campo i'dentificatório. Em pri-
meiro lugar, porque o sujeito pede h imagem o que ela não pode
lhe diz - como nos contos de fada: "que ele é o mais belo" - '
pois ele quer ocupar este lugar para o olhar d o outro, e sobre este
olhar ele não tem nenhum controle. A onipresença deste conflito
revela a ambigüidade d o vínculo que, no registro identificaiório,
une O visto d a imagem ao enunciado que decide o que deve ser
visto nela: .-
.,~~~,
. ,...
....
.~.
. .~
. .-
~
SEGUNDA
.. PARTE ,
CAPITULO V
e
A respeito da esquizofrenia:
Porencialidnde psicórica
e perisanienro delirante priiiiário
. -~.. ,
~. .,L~~ ..x ."> :-~.. réaliri débordant
' . ~ a I cause </'r<ri luil
,>;:;,
~
-~=%,r
cn surnurnbrc".~
tiOMBRO\i'ICZ-COSMOS
~. .
Esquicofreniri. ]>ai:ui~din.
peri,raiiienro deliranre l>ririiririo:
coiisiderações gerais
a 175
tafiei delirantes idênticas. mas aparentemente ausentes estes elc-
".
mentos da realidade, atribuímo-nos o direito de deduzir, não que
eles certamente existiram e que somente a lembrança deles desa-
pareceu, mas que as experiências vividas ejerivamente por tais su-
jeitos induziu-os a interpretar sua realidade histórica da mesma ma-
neira que eles o fariam se estes elementos fossem evidentes. Mos-
traremos, no fim deste-livro, o papel q u e teve o ó d i o entre o casal
parental, para um paranóieo. T a l exemplo não nos autoiiia a con-
cluir que o discurso 'maniíesto de t o d o casal, c u j o filho apresenta
traços paranóides, testemunharia, se cle fosse conhecido, um mesmo
ódio. Consideramos, entretanto, legítima a hipótese segundo a qual,
em todos os casos, a criança percebeu alguma coisa nesta relação
que l h e permiliu 'desmasearar esta componente e hipostas!ii sua
presença. Em ouiros termos, a psicose não 6 jamais re&tível A
projeção de fantasias sobre uma realidade neutra: neste sentido,
ela se. distingue da neurose. Evidentemente. a projeção fantasmá-
tica existe. mas seu'papel na eelosáo d e uma psicose 6 função da ..
interpretação, opeiada nestes casos, entre a representação fantas-
mitica e o que aparece na ccna d o real.-Aqim. podemos dizer que
o caso exemplar' só faz mostrar, de u m a forma cristalizada o que,
muito provavelmente. aconteceu tamb6m com os outros. Quando
M. R... conta-nos q u e seu pai proibiu-o de aprender a língua
falada p o r sua mãe, que desde sempre ele escutou seu pai c ~ n d e n a r
e desprezar a raça de sua mãe e que esta recusou-se a aprender a
língua d o pai, temos consciência de q u e esta é. n a penpectiva do
teórico, uma siluação privilegiada.' M a s . quando constatamos que
não s6 o discurso de M. R. . ., mas também o de diversos para-
nóicos que ouvimos. prova a necessidade que teve. o sujeito dc. se
reconhecer como fruto do ódio. de identifiear situagào d c ódio
com a situação de casal e de criar, a partir daí. u m a estiiria - ;I
sua - que continuasse a ter sentido, concluímos. e não nos parece
iibusivo, que a estória d e M . R. . . exemplifica u m a siluacão que.
de Forma mais parcial e velada, existiu para o conjunto das estórias
vividas. Acrescentamos que, n o 'que se refere à nossa experiênsia,
esta hipótese. até hoje, revelou-se verdadeira. Nossa extrema k n -
sibilidade a este t i p o de fenômeno certamente desempenhou seu
papel e esperemos que ela não nos tcnha conduzido a alucinar o
inexistente.
?:.
relaç2o ao mundo,.construçóes que tem como traço comum o fun-
darem-se em um enunciado sobre as origens. que substitui aquele
e que C partilhado pelo conjunto dos outros sujeitos.
Por idtia delirante definimos todo enunciado, que prova que
o Eu relaciona a presença de uma "coisa" - qualquer que seja
- a uma ordem causal contraditória à lógica segundo a qual fun-
'-
ciona o discurso do meio, relaqáo que se torna, portanto, inintcli-
gível para cste discurso., ~ . .
Esta 6 a razão pela qual nós aplicamos o qualificativo de de-
lirante ao enunciado das origens em tomo do qual se elabora a
lógica do discurso &quizofrênico e - paranóico. E 'também p o r esta
,
rizáo que - segundo nossa a c e ~ ã oe numa primeira articulação
.. - da problem6tica -esquizofrênica. que s6 trata de características que
-
~
178
.~ :.*
- ~.
O problema da origem . .
. . .. . ,
Compreender.~.+-.*-,.
as conseqüências da ausência de um enunciado .
referente à o r i g e f ~ ~ . ~ ~ " ~ l e xdo
t u rdiscurso,
a o u da presença de um
enunciado que remete a criança a uma significasão inassumivel por
seu. Eu. obriga-nos a reconsiderar o papel atribuído h teoria sexual
infantil e, sobretudo, o que recobre e condensa esta pergunta, apa-
rentemente simples. feita por toda criança: "Como nascem as crian-
ças?"
Freud indicou-nos a via. ao ligar esta pergunta ao que a crian-
ça indaga sobre a sexualidade do casal parental, sobre o enigma de
Seu prazer e sobre o que poderia ser causa de seu desejo. Se con-
tinuamos por esta via, constatamos que, no momento em quq apa-
rece esta pergunta, a resposta se refere a interrogações precedentes~
e, mais precisamente. h questão que coloca ao Eu a presença, n o
seu campo, dos efeitos de produsóes psíquicas com as quais ele s 6
pode co-habitar, se ele as liga a .uma causa por ele conhecida. B a
este preço - e já vimos porque esta 6 uma exigência para o funcio-
namento d o Eu - que vai se estabelecer uma equivalência entre
conhecimento da causa suposta e reconhecimento de um efeito e
d e um -afeto dos quais ela?seria o agente. D e forma simplificada,
poderíamos dizer que, a partir do momento em que o Eu pode enun-
ciar: "Eu vivencio o prazer pu o despramr porque.. .",. ele toma o
prazer e o desprazer dependentes do conhecimento que ele tem so-
bre acausa, transformandoos, assim, em efeitos que ficam sob sua
jurisdição.
Numa primeira abordagem, diremos que a pergunta "como nas-
cem ;as crianças" equivale B "como nasce o Eu", e este último es-
pera que a resposta fomeça o texto do primeiro parágrafo da cs-
tória na qual ele poderá reconhecer-se. ji4 que ela 6 a única capaz
d e dotar de sentido a sucessão das posipes idenlificatórias q- ele
pode ocupar.
Qualquer. estória - quer se trate de uma estória singular ou
d a estória dos indivíduos - implica numa mesma exigéncia: ela náo
pode deixar. d e conhecer a sua origem. O primeiro parágrafo nnáa
pode se apresentar como uma série de linhas eni branco: Se tal fosse
.~
o caso, o conjunto dos in'dividuos estaria permanentemente amea- '
.. .
I porta-voz deseja que a criança sinta ao ouvir tal proposição.
Quando o postulado própco B lógica do secundário ocupa seu
lugar na organização psíquica. todavivência dc prazer d o E u exige'
que haja uma concordância entre o sentimento que a exprime e a
vivência que o sentimento nomeia.
Com respeito à experiência de desprazer, para que ela não
seja desestruturante para o Eu, é necessário: primeiro. que o porta-
voz reconheça que..esta vivência pode, efetivamente, estar presente
na experidncia da criança e, em seguida, que ele forneça-lhe uma
i.
significação que náo seja contraditória com a lógica do discurso, o
.'~'.
que implica que esta causa seja diferente daquela dada para o prazer.
Conseqüentemente, se a resposta dada ao sujeito sobre sua oti-
gem lhe induza entender que sua existência foi fonte de desprazer
1! para o porta-voz' e o casal, ele corre o risco de considerar como
causa d o desprazer o desejo d o Outro de impor-lhe o desprawr,
retomando assim a interpretação bntasmática e de interpretar O
prazer como o efeito de um erro, de um não-saber de uma falta
cometida: opera-se, assim, uma inversão entre as duas causas que
deveriam ter sido respectivamente atribuídas ao prazer e ao des-
182
7
. ~. ~. ~ b
I___--- - . ~~ ~ ~
~~~~~~ ~ - ~ . .~ ~ ~ ~ . . .
~ ~
~.~
p r a m r . Devido a esta inversão, o sentido atribuído a estas d u a s ex-
periências se defrontará :com o paradoxo de ter-se que atribuir dois
efeitos aniinômicos a uma única e mesma causa: nos d o i s cãsos, õ
@I p r a m r e o desprazer correm -o risco de perder todo o sentido e d e '
n ã o poderem mais ser "falados".
Esta digressáo sobre a quesião da origem mostra o q u e acon- .
tece, se o Eu não puder encontrar no discurso um "pensamento"
d o qual ele possa, apropriar-se, como postulado inicial, para sua
própria leorização sobre as origens: só lhe resta, então, cri&-10. sem
o q u e ele deverá renunciar a preservar um espaço psíquico no qual
s e u funcionamento seja possível. Cada vez q u e esle "pensamento"
. n ã o pode mais ser pensado1. encontrar-seão reunidas as condiçóes..
I responsáveis pelo dcting out, na acepção que'demos a 'este termo.
S e voltamos a falar dele ~ ~ p i õ Í u e c o n s i d e r a m oapropriado
s lembrar
contra que perigo o pensámen*6 delirante primário vem defender o
E u , depois d e termos definido qual o seu objetivo.
Para q u e não se produza o retorno a u m a situação onde "isto
atuada", é necessário que o Eu continue a poder pensar o que ele
a g e ou sofre. Enquanto existir um pensaniento que lhe permita se
autodeleoder e preservar - ainda que seja u m ridículo fragmento.
- um saber d o Eu sobre o Eu, ele poderá reservar-se u m espaço
compatível com seu modo de funcionamènto: s e lhe acontecesse de
.
n ã o ter-mais pensamentos, sena ele mesmo quem desapareceria d a ~
O ESPACO NO QUAL
A ESQU~ZOFRENIA
PODE CONSTRUIR-SE
i
ção, da agressão, do estraçalhamento, terão muito mais chanches ,
i de serem induzidas, cada vez que o desprazer do Outro, efetiva-
I mente, determina o que acontece no encontro. A satisfação da ne-
cessidade e a experiência da amamentação tornar-se-ão o que faz
calar a necessidade, mas elas. serão marcadas pela privação de um
1
i prazer libidinal que a mãe não pode, ou não qÜer-dat~Enlmrtm-
-- -----
1 mõi-ãsiiiésmas conseqüências nos caso; -oXe a mãe reconhece
não ter desejado a criança e 'nos casos nos quais este desejo apa-
I
i re&%enté -existe,--quaíiaõ, na verdade, o que é de fato ilesejado,
é o retorno do que chamamos a criança mítica de um desejo p ~ i -
mhrio.1 Ela deseja o que permanece sendo "a criaqça da (sua)
mãe", ela espera o retorno de um ela-mesma, como fonte do pra-'
i zer materno. Neste caso, a criança só pode continuar a ser o objeto
de seu desejo se ela puder mantê-la nesta posição insustentável,
i
iI na qual ela representa aquela que novamente encarna uma posiJão
fantasmática referente à mãe, graças ao que ela pode identificá-1 .
a uma imagem dela mesmg recuperada, permitindo-lhe viver d e
I! maneira invertida uma relaçao incestuosa e arcaica com sua pró-
pria mãe. A recusa da mãe quanto ao desejo do pai, ou sua im-
possibilidade de desejar este desejo e o prazer que ele poderia ofe-
d
n o pai, um desejo legítimo de ter filho, que poderia ser rèalizado
pela m e. Esta "consciência" se manifestará, na mãe, através'de um
comportamento'\ de absorção da criança e de negação d o terceiro,
e num discurso: que não pode dar ao sujeito um enunciado sobre
a origem que lidue seu nascimento ao desejo do casal. N o . grimeiro
parágrafo da estória contada pelo porta-voz e na realidade do que
a escuta da criança entenderá, a ocorrência nascimento será aber-
tamente designada como a fonte de uma situação conflitiva, 'como
o fracasso do desejo da mãe de não ser mãe, como um acidente
biológico que é preciso suportar e, sobretudo, como um aconteci-
resposta paranóica; é evidente que isto não é uma regra. e muito menos
uma lei. As conseqüências desta diferença serão retomadas na análise da
representação d a cena primária, no esquizofrênico c no paranóico.
mento no qual o desejo do pai não desempenhou um papel valo-
rizado.
A este primeiro fator, que marca a realidade encontrada pelo
injms, acrescentam-se, por um estranho acaso, numa fase precoce
d a vida, experiências que se inscrevem na vivência corporal da crian-
ça e que reforçam, para ela, a percepção da hostilidade e da, amea-
ça ambientes: espaço corporal e espaço psíquico matemos tornar-
se-ão igualmente responsáveis por uma vivência de desprazer, tor-
nando muito difícil o investimento autônomo d o próprio corpo. Daí
a importância que atribuímos ao ue se manifesta como um ataque
3
a o corpo, levando a um esta de sofrimento orgânico que a psi-
que experimentará como acentuação, algumas vezes insuportável,
d e um afeto de desp &r'-pfeexistente ou concomitante, afeto do
/=
qual é responsável a ,resposta materna.
O sofrimento do corpo desempenha um papel importante em
nossa definição das experiências da realidade histórica que, devido
ao seu efeito de reforço, transformam-se em "traumatismos psíqui-
cos". O sofrimento .impede ao infans de defender-se parcialmente
d a prova que lhe impõe a realidade do meio ambiente, através do
superinvestimento do prazer e do funcionamento das zonas senso-
i riais. A tentativa de.forclusão do "náo-eu" e de suas mensagens,
I graças a este supennvestimento, tentativa que permitiria refuar o
momento no qual eles, inevitavelmente, se introduzirão no espaço
psíquico, fracassa. O prazer de ouvir poderá tentar postergar o mo-
mento no qual será necessário escutar, mas para que'haja prazer,
é riecessário que existam sons, que a excitação do tímpano não seja
188
-- - - - - -
-
- - . -- - -
cias do encontro da representação fantasmática com o significado
q u e o discurso materno lhe atribui. A psique n ã o encontrará, oeste
discurso, enunciados a partir dos -quais ela poderá dar fé e valor
a o testemunho que ela deve à sua própria experiência e à lembran-
ça dela e, conjuntatnelrfe,dotar sua experiência de um novo sen-
tido que torne o desprazer dizível e controlável. No fim d o capítulo,
abordaremos a análise d o efeito d e reforço operado pela realidade
histórica. Este primeiro esboço d a relação mãe-criança permite-nos
afirmar que o pensamento delirante primário vem remodelar a rea-
lidade de um escutado referente às experiências' que foram, real-
mente, impostas ao sujeitò e que concernem:
- o encontro com uma mãe que-manifesta e exprime que a
origem do sujeito não pode ter c o m o causa nem o desejo
do casal que lhe deu a vida, nem o prazer de "criar o no-
. vo", que ela poderia reconhecer e valorizar;
'- o encontro com experiências corporais, fonte d e sofrimen-
to, que vêm confirmar que o sujeito que foi parido com
dor só pode encontrar o mundo c o m dor; .
-: o encontro com um escutado do discurso materno que, ou
bem recusa o reconhecimento de q u e o desprazer faz par-
te da vivência do sujeito, ou bem impõe um comehtário
q u e toma sem sentido esta experiência e igualmente sem
sentido todo sofrimento eventual.
A tarefa do pensamento delirante-primário será ' a ,de .forjar
uma interpretação que remodele o vivenciado coextensivo a estes
três encontros. Remodelagem d e três experiências, das quais é res-
ponsável n ã o mais uma ananké universal, mas, ao contrário, a sin-
gularidade d o desejo e do discurso com os quais s'e confrontou a
psique. A o "reconstruir" um jragmento do discurso materno, O pen-
samento delirante primário e o E u tentam reparar o abuso de poder,
d o qual é responsável este discurso.
Tendo designado o que, n o comportamento materno em re-
lação ao infans, é a manifestação da falta d o "desejo d e ter filho",
T abordaremos o registro do latente, para tentarmos compreender as
razões de uma tal "falta" e suas conseqüências para a atividade de
pensar da criança. Analisaremos sucessivamente:
- o fracasso d a ;epressão, do qual é testemunha o discurso
materno;
- o excesso d e violência daí resultante;
- a interdição de pensar;
- a passagem d o pensamento delirante primário à teoria de-
lirante primária sobre a origem;
- o referencial que este pensamento deve encontrar na cena
do real, a fim de que a potencialidade psicótica não d e
semboque no manifesto.
1) O fracasso da repressão
no discurso malerno
191
- tido ao que é a fonte de sua entrada neste lugar que ele tem a obri-
gação de habitar.
Vimos, a propósito da questão das origens, que o Eu s6 pode
construir o enunciado fundamental permitindo-lhe uma atribuição
dc sentido à sua concepção e Q sua relação ao mundo, se ele en-
contrar uma resposta nomeável e investida por ele, do que é causa
d e ,sua própria existência. Ora, à questão que se coloca o Eu sobre
sua origem, o enunciado materno responde por uma questão que
esconde mal o fato dela não ter resposta, pela simples razão d e
que, para ela, o Eu d a criança não é um Eu. Ela não lhe reconhe-
ce o direito a um sistema de significações que não seja a simples
retomada, e m eco, do sistema materno. Uma das consequências
mais desastrosas será que, no momento de se servir d o sistema d e
significaçõesL-a3rn de traduzir a vivência d o afeto em termos de
sentimento, para fazer dele algo conhecido e controlável pelo Eu,
estas crianças s6 terão à sua disposição o comentário da mãe sobre
uma vivência, a qual ela interpreta segundo sua problemática ou
que ela vai, frequentemente, declarar inexisfente. Resta à criança
aceita; este veredicto, que a despoja de qualquer direito a rei-
vindicar a verdade do vivido ou, então, recusá-lo e ficar diante d o
temor de um sentido atribuído a este vivido, que remete ao ódio,
a rejeição, à morte. A primeira resposta à sua questão sobre a ori-
gem é, geralmente, um comentário sobre o ato de pergudtar: "E
proibido perguntar". Por outro lado, é obrigatório aceitar uma res-
posta que precede a pergunta e que pretende torná-la inútil, impon-
do, a priori, uma significação mentirósa.' Porque a mãe não delira,
Ii ela não pode recorrer a pensamentos que falariam a verdade de
seu desejo, liberando-os do sistema de significações partilhado- pelo
discurso do meio. Ela é, então, obrigada 'a preencher um vazio de
I
seu próprio discurso sobre a razão de ser e d o ser da criança, recor-
i rendo a significafões emprestadas ao discurso dos outros. Mas ela
II sabe que faz um empréstimo forçado e abusivo. Ela sabe que ten-
ta esquecer este vazio e que tenta fazer com que ele seja esquecido,
graças a uina série de racionalizações, que justificam o veredicto
d e culpabilidade que ela pronuncia para qualquer pergunta feita
pela voz infantil e o veredicto de verdade absoluta exigido para to-
dos os seus enunciados.
i No discurso materno, a experiência da gravidade e d o encontro
i com o infans provocaram o que, metaforicamente, podemos chamar
II
uma "psicose puerperal" no setor do sistema de parentesco. En-
quanto não existiu a criança, a mãe póde ignorar que lhe faltavam
o s enunciados que dão um sentido ao conceito de função materna.
Na presença da criança, a mãe se incumbirá da tarefa de ser a
mediadora entre a função que ela encarna e o conceito ao qual ela
deveria remeter e que lhe falta. O que ela encarna, portanto. só
pode se referir à coisa encarnada: o circuito se fecha em si mesma,
num circulo vicioso, que é, algumas vezes, mortal. Quando da gra-
e3 videz e da realização de um desejo de ter filho, -a mãe experimenta
as conseqüências de uma omissão no discurso de sua própria mãe:
há o não-dito ou o não-escutado, - porque para ela incompreen-
sível - sobre a transmissão de um desejo de ter filho, o qual teria
transformado a mãe naquela que transmite um direito ao desejo,
mas também naquela de quem é proibido esperar-se o objeto do
desejo. Esta não transmissão poderá silenciar todo desejo de ma-
ternidade; estaremos, então, diante da recusa de ter filho, o que é,
,
. . sem dúvida, para estas mulheres, a condição mais econômica para.
' . . . seu próprio equilíbrio identificatório. Se esta soluçãg fracassa, se o
a desejo de maternidade se impõe, a mãe se vê confrontada ao sè-
guinte paradoxo: ela não pode reconhecer .o que é causa dest
desejo, pois é a "uma mãe" que ela quer dar prazer, e ela não
pode, também, reconhecer que a criança será a realização do quE
efetivamente, não ocupa lugar na sua problemática: o desejo de ter .
filho. Ela recorre, então, a uma racionalização que exclui o desejo'
como causa da existência das' crianças: se é mãe em nome do dever,
do. sacrifício, da ética, da religião, devido aos homens que impõem
esta prova, devido a o acaso. . . A criança se vê confrontada a um
discurso no qual nenhum enunciado dá um sentido à sua presença.
Nenhum enunciado liga-a ao desejo d o casal e a um comporta-
@ mento no qual os sinais do desejo que se manifesta - de alimen-
tá-la, guardá-la, protegê-la - se dirigem a seu Eu, negando-lhe '
todo direito à autonomia, para exigir que ela encarne alguém que
já existiu. Lá, onde dever-se-ia construir um projeto, lá, onde a
noção de futuro deveria permitir ao Eu mover-se numa tempora-
- - lidade ordenada, o retomo-do-mesmo estanca o tempo, em benefí-
cib da repetição do idêntico e inverte sua ordem, pois aquele que
deve tomar-se descobre que ele é precedido por um passado e um
antepassado, os quais lhe impL>em o lugar e o tempo aos quais ele
deve retomar.
A sombra falada não antecipa o sujeito, ela o projeta regres-
@ sivamente neste lugar que o porta-voz já ocupou num tempo pas-
sado.
Esta inversão d o efeito antecipatório do discurso materno eli-
mina-todo o sentido da resposta dada à questão da origem. Para a
mãe, o nascimento não é a origem de um sujeito, momento inau-
gural de uma nova vida, cujo destino é aberto, mas, ao contrário,
repetição de um momento e de uma vivência que já aconteceram.
Compreende-se, então, porque um dos traços característicos da vi- '
0
1 ( vência esquimWnica será o não-acesso à ordem da temporalidade,
a impossibilidade de medir e contar um "tempo', n o qual falta a
referência necessária para se fixar o ponto. de partida em função do
qual poder-se-ia organizar uma sucessão ordenada.
2 ) O excesso de violência:
a apropriação pela mãe
da atividade de pensar da criança
194
reforçar a barreira da repressão da màe. a fim de preservar o E u
materno de um reprimido, concerncnte a uma representação pri-
mária do objeto do desejo. Porém, neste tipo de relação espera-se
da criança a prova de que o não-reprimido náo deveria, efetiva-
mente, tê-lo sido, sendo portanto, legítimo pedir-lhe para dar forma a
uma imagem perdida de si mesma, de repetir uma relação libidinal
sob a égide do primário e à qual a situação confere, novamente,
todo o seu impacto. E necessário, portanto, que a criança pense o
que ela pensa, pois se ela viesse a pensar seu Eu como agente autô-
nomo de um direito de pensar, ela viria provar-lhe que o passado
não pode retomar, que o desejo do mesmo é irrealizável e impen-
sável, que no seu discurso falta um conceito. Para evitar este risco,
.. .@ diferentes vias se apresentam à mãe:
- A primeira consiste em privilegiar as outras funções par-
ciais, a superinvestir o corpo como rim conjunto de funções;corpo
que come, que defeca, que dorme, que vê, que escuta. . . de acordo
com um modelo de bom funcionamento, que ela procurará e encon-
trará na medicina, na higiene, na religião ou n a ciência, a respeito
d o corpo e de suas funções. A particularidade d o modelo corporal
proposto ao Eu será o lado fragmentário das funções, cuja ativi-
dade a mãe supervisiona: o "comer", para tomar um exemplo entre
outros, não remete a nenhum futuro crescimento, mas ela dtcide o
que deve ser comido agora e está pronta a mudar o menii, segundo
u m programa. que fixa os menus adequados para os dois, três, cinco
anos, etc.. . .
A criança responderá a esta preocupação da mãe com o bom
funcionamento, através de um superinvestimento de seu corpo como
máquina. Ela investirá a atividade "em si" dos. diferentes aparelhos,
sem investir um projeto que os transcenderia, m~dificandosua fi-
nalidade. O prazer de ver, de escutar, de defecar, de comer, será
decorrente da erotização da atividade e não mais da finalidade a
qual ela se propõe. Corpo em pedaço, antes d e ser um corpo frag-
mentado, onde cada pedaço pode ser fonte de prazer, se ele aceita
e3
n ã o s e perguntar para que serve sua ação, pois a resposta só pode-
ria ser um projeto integrador, transcendendo a finalidade e inves-
tindo a espera. Uma conseqüência frequente desta situação é a pre-
sença de preocupações hipocondríacas na criança e na mãe: basta
qué um pedaço não funcione por uma única vez e há a perda d e
todo prazer. Nestas condições, o prazer pulsional perderá, pouco 1
I 3) O saber interditado e as
iI teorias delirantes sobre a origem
1 A finalidade irrealizável do discurso materno implicaria o
I poder clivar o que não pôde sê-10, isto é, os dois componentes da
I linguagem fundamental.
L-..
- Ela lhe prol% de encontrar em outro lugar, o que seu dis-
curso não pode lhe oferecer: a significação de um termo d o sistema
de parentesco que seja adequado à função simbólica que lhe cabe.'
Interdição que ela desconhece mas que vai, sem que ela o saiba,
exprimir-se abertamente na interdição que obstaculiza toda demanda
da criança concemente à origem de sua vida, à razão d e certas
experiências p o r ela vividas, e ao "segredo", frequentemente pre-
sente nestas estórias. Segredo, ciumenta e vergonhosamente escon-
dido da criança, que diz respeito, frequentemente, a um suicídio, a
uma mentira sobre o pai real, a uma doença "vergonhosa", - na
maioria dos casos mental - a um aborto, etc. Em todos o s casos,
este segredo q u e a mãe pretende esconder, se refere à razão que
ela se dá dos problemas encontrados pela criança, ou dos proble-
mas que ela encontraria sê 'el& conhecesse este segredo e dos pro-
blemas que ela reconhece presentes nas suas próprias relações fa-
miliares. Porque o pai era louco, é que a criança teve problemas,
porque sua própria mãe suicidou-se é que seu filho poderia fazer o
mesmo, porque ela precisou abortar é que i criança poderia acre-
ditar que ela n ã o a ama. Vemos como este "segredo" vem ocupar
o lugar do que a mãe coloca como causa originária dos problemas
que lhe cria s u a relação mãe-criança. Mas vemos, também, como
ao racionalizar os motivos pelos quais esta causa não pode ser dita
à criança, ela poderá excluir toda demanda d a criança referida à
origem e justificar sua necessidade de se calar ou de mentir. Ora,
aqui acontece o mesmo que no processo analítico, para a associa-
ção livre: se o sujeito quer manter secreta uma idéia, uma lem-
brança, uma fantasia, ele se verá pouco a pouco na obrigação de
afastar todas a s associações que ameaçam se referirem a o que ele
quer esconder, e de exclusão em exclusão ele acaba sendo obrigado
a calar a totalidade do dizível ou, então, de reduzi-lo ao relato vazio
dos menores fatos da vida quotidiana. Este é o mesmo processo que
aciona a angústia materna: em todo "porquê" pronunciado pela
criança, ela vê o risco de um "porquê do porquê", que poderia
levar a uma última questão que ela não quis escutar, por não poder
respondê-la.
Paradoxalmente, entretanto, a aquisição d e um saber sobre a
linguagem, condição de existência para o Eu, permanece como uma
exigência frequentemente imposta pela mãe, o que confronta a
criança a uma situação paradoxal:
- .apropriar-se deste saber, aceitar a ordem de significação
própria -ao discurso, transformar o representável em um
1
1 E evidente, a partir d o que escrevemos sobre a funç5o d o sistema
i1 de parentesco, que este último só pode funcionar se o conjunto d o s termos
está presente.
i
nomeavel e um inteligível e ter, então, acesso a uma reaii-
dade conforme à definição que o discurso fornece;
- não possuir o que fundamenta realidade e linguagem, não
possuir o enunciado dos fundamentos ou o fundamento dos
enunciados necessário para que seu próprio relato histórico
lhe concerne, não possuir o ponto de partida indispensá
vel que representa o enunciado sobre sua origem. É o
mesmo que imaginar um indivíduo ao qual seria imposto
orientar-se no espaço e a quem se proíbe, ao mesmo
tempo, de recorrer a um dos quatro pontos cardiais.
4) A esttria de Mme. B . . .
e a teoria delirante primária
sobre a origem
uma vez por mês. Ela também gabava seu poder de curandeira, 'F
muito superior a o poder dos médicos. D e sua própria mãe, a mãe
de Mme. B. . . dizia que ela tinha o poder d e falar com a s mortos;
de seu pai ela nunca falava, a ponto de Mme. B. . . confessar que
ela jamais se perguntara a respeito deste personagem ausente do
discurso. Esta jovem camponesa muda-se para a aldeia e casa-se i
' 11
com o filho d o notário, marido que ela qualificará de "caturra", 8
"teimoso" e "debochado". Quando ele morre, seu nome desaparece
do discurso dela, só retomando sob a forma de uma estranha amea-
ça dirigida à filha: "você ficará igual a seu pai"; -'como", se per- ,
guntava a criança e o que quer dizer "pai"? A 'morte dele não lhe
@ será participada e tudo o que ela escuta nas conversas surpreendi-
das entre sua mãe e os outros é um relato de "explosão" (de avião),
I que para ela significa uma "explosão d o pai".
Os segredos da mãe
Mme. B.. . sempre viveu com sua irmã, mais velha oito
I anos, que ela considerava estranha, sem poder explicar melhor tal
sentimento: estranha, sua maneira de falar com o pai, estranha a
0 . relação dela com a r_m&b$s!ranho que a mãe lhe proibisse de beijar
o pai, estranho, também, o dinheiro miúdo que ela parecia ter.
Muito mais tarde, ela virá a saber, -por seu próprio marido, que
esta irmã era, na verdade, filha natural de sua mãe e que logo
soube-se que "ela fazia a vida" com a aparente cumplicidade silen-
ciosa d a mãe; e dizia-sè dela que ela era "um pouco louca".
Quanto ao pai de sua mãe (seu avô), é durante sua análise e
devido a insistência d e M. B. . ., que ela descobre que ele suici-
dou-se, provavelmente durante um episódio melancólico, depois d e
ter tentado matar sua mulher e sua filha, abrindo o gás. A mãe
falará deste pai com ódio e medo: é "o louco" mas também "o '
de "tê-la enganado".
Os segredos guardados pela mãe d e Mme. B. . . referem-se a o
pai d a primeira filha, cujo nome não será jamais revelado, e à ;
I
loucura de seu próprio pai; compreendemos que através desta .lou-
Q : cura, implicitamente se formula sua questão sobre O desejo, que
quase fez deste pai o responsável por uma dupla morte. "Loucura"
9
que aparece, ao mesmo tempo, como única justificação possível
para este desejo de 'assassinato, mas que torna impossível situar,
na origem, um desejo paterno que possa ser assumido, já que será
o desejo de um louco e um desejo d a "loucura". Perguntamo-nos
se a "loucura" não existia também no pai dasfilha mais velha, ape-
, sar d e não termos nenhum elemento a este respeito. Mas é exata- ,
!
@ mente a fascinação exercida sobre ela pela "loucura" que encontra-
remos como pivô d e sua problemática: filha de um "louco", ela
esposa um outro "louco", que temos a impressão de que ela induz
a um acidente, repetindo assim o destino d o pai. M ã e de uma pri-
meira filha sem pai, esta mulher rígida esconde seu erro, mas não
@
sabe opor-se à prostituição desta última, de quem ela dirá "ela
sempre foi louca".l Assassina potencial d a segunda filha, ela pre-
'
tenderá, contra toda evidência, que os medicamentos eram inofen-
sivos, que a lavagem de estômago foi inútil e que os médicos dra-
matizaram voluntariamente, pois "Lamère" teria arranjado tudo
'%em estórias".
Mme. B.. . a partir do momento d e sua vida em que ela
pôde compreender, ela "ouve":
207
i..-.-....
.: ,----. ..-.-----=L-.L- "
--
A" -.--- '.L.L,... ~..
.-
Num outro plano, o que separa este pensamento de uma teoria
sexual infantil é sua não-repressão: se, como para a teoria sexual
infantil, o pensamento delirante adota como modelo um escutado e
um visto fragmentários, ou modelos de funcionamento corporal nos
quais ele identificará a função de procriação, não há, neste caso,
abandono desta primeira teorização.
Considerando a teoria delirante sobre a origem de Mme. B. . .,
vemos como, a partir de um postulado fundamental - "a mulher
é a única procriadora, sendo o homem aquele que é engolido peda-
ço por pedaço" - se constitui um sistema explicativo que escla-
rece porque "nascer" é uma experiência desagradável, já que ela
exige que a mulher engula, a despeito de si própria, pedaços do pai
1- lei da natureza à qual ela não pode escapar; porque o homem,
à força de ser engolido, corre o risco de explodir, tal qual um ba-
lão d e borracha, o que, por sua vez, explica o fato de se evitar
falar deste assunto. Mas vemos também como este pensamento re-
modela um "saber entrevisto" a respeito do perigo de morte cor-
rido e como ele constrói, à sua maneira, uma transcendência pos-
sível d a "função materna*.
O risco de morte efetivamente corrido e que provocou a acusa-
ção d a mãe feita pelo médico, só pode ser, evidentemente, um erro:
confissão aceitável sobretudo quando o inverso - a presença n a
mãe, d e um desejo d e morte que a transformaria em assasdina d a
fiiha-, não pode ser aceito.,
"Lamère", dotada de um poder de adivinhação, vem assegurar
que a verdade d o que a mãe singular afirma sobre a origem é ga-
rantida por um outro discurso, substituindo precariamente o papel -
que desempenharia o discurso do meio para a criança, e antes d e
tudo, para o próprio discurso parenfal.
Não pretendemos que todo pensamento delirante primário dará .
lugar a uma mesma teorização, mas pensamos que cada vez que ele
I aparece numa situação que podemos analisar, encontraremos:
I
- Um enlunciado que, por razões diferentes daquelas próprias
ao romance familiar, tenta reconstruir a origem da estória do su-
jeito (no presente caso, tal tentativa tem por objetivo demonstrar
a verdade do postulado implícito d o discurso materno e, portanto,
i de assegurar que neste discurso não falta significação, podendo ele
I albergar uma verdade).
- A partir deste enunciado sobre a origem vai se constituir
uma teorização que tentará dar ao conceito "função materna" uma
significação que, à sua maneira, o transcende, ligando-o ao repre-
sentante onipotente, geralmente da mesma linhagem - mãe, fada,
-
feiticeira que oferece ao sujeito uma ordem aparente para a
sucessão das gerações e, portanto, para a temporalidade.
- A passagem d o representável ao dizível, e consequente-
mente, do afeto ao sentimento, poderá efetuar-se, com a exceção
dos afetos vivenciados nas experiêvcias cujo responsável é a falha
presente no desejo e no discurso maternos. Cada vez que o Eu se
vê confrontado a um vivenciado quel se liga a esta causa, ele não
poderá encontrar nenhum enunciado inteligível no discurso d o
porta-voz, pela simples razão de que o porta-voz é incapaz de reco-
nhecer que a não-transmissão de um "desejo de ter filho" se encon-
tra, efetivamente, na origem destas experiências; a melhor maneira
de ignorá-lo é a de negar que estas experiências existiram ou exis-
tem. Daí resulta que tudo o que se refere à origem do sujeito, d o
desejo, do prazer e d o desprazer é banido de um discurso que não
pode falar da origem, .a partir do momento em que o sujeito que o
fala pão pode responder à questão da origem de sua própria função.
'A téoria delirante sobre a origem se constitui em torno de um enun-
ciado que responde novamente a esta questão, substituindo um
indizível do discurso materno por um dito, por ele criado.
Antes de abordarmos a análise da condição que nos parece
necessária para que a potencialidade psicótica permaneça como tal,
uma questão se impõe: a partir do que dissemos sobre a proble-
mática daquela que vai induzir na criança a constituição do pensa-
mento delirante primário, devemos concluir que, 'já no seu caso,
estamos diante de um pensamento delirante primário? É difícil, res-
ponder de maneira unívoca.
A partir do que escutamos do discurso dos que. nos contaram
suas estórias, temos a impressão de que, num bom. número de casos,
a resposta deve ser afirmativa. Em outros casos, porém, as mulhe-
res parecem ter podido opor à não-transmissão de um "desejo d e
ter filho" da parte de suas mães, uma defesa bem adaptada, que
.lhe% permitiu constituírem referências identificatórias bastante está-
veis. Defesa que consistiu em privilegiar attividades calcadas num
modo relaciona1 de tipo mãe-criança, sem ter, para isso, que ser
mãe; pensamos na vasta gama de diferentes vocações humanitárias,
ou no superiniestimento de atividades intelectuais, graças ao que
todo desejo de maternidade pode ser desconhecido.. Mas esta reor:
ganização d a economia libidinal só se mantém se estas mulheres
permanecem ao abrigo da experiência de unia maternidade efetiva.
Quando esta se produz, elas são confrontadas à problemática que
acabamos de descrever. A partir daí, elas só poderão fazer o pos-
sível para evitar que o discurso da criança venha revelar o quanto
é insustentável a posição na qual elas se encontram, cada vez que
elas se dirigem à criança enquanto mães. Esta hipótese foi-nos con-
firmada, não pelo que reconstruímos a partir dos discursos destas
crianças, mas pelo que escutamos na análise de mulheres mjos
filhos, ou filho, apresentavam desorganizações de tipo escjuizofrê-
nico.
5) O fator necessário
para que a potencialidade psicótica
permaneça enquanto tal
i
r;
- o papel da voz e da escuta maternas;
- a cumplicidade do ambiente familiar em relação aos "pen-
samentos bizarros" de Mme. B. . .;
- a ausência de acontecimentos traumatizantes, doenças,
f lutos, que ressoariam como O retorno de um LLjá-vivido". ,
?13
único a poder assegurar-lhe que o discurso que o fundamenta é
verdadeiro. Se este papel é geralmente desempenhado pela voz de
um vivo, é porque é necessário que um mesmo e Único suporte seja,
conjuntamente, o ponto que imanta para o "não-eu" a libido nar-
císica, para que não se produza um curto-circuito fechado, e a fon-
te que assegura ao Eu seus enunciados identificatórios. Pela rea-
propriação de uma parte d o narcisismo projetado na voz idealiza-
da, o Eu poderá preservar este mínimo de auto-investimento indis-
pensável à sua existência. Acrescentemos que se a voz deve ser,
de preferência, uma voz viva, é porque seu papel de referência iden-
tificatória exclusiva exige que ele coexista ao longo do tempo do
discurso e que ela possa confirmar ao sujeito que ele diz a verda-
de, cada vez que um outro discurso, o do$ gutros, ameaça mos-
trar o contrário. O sujeito não pode se conteniar'com uma demons-
tração dada de uma vez por todas, e é preciso que ela seja reencon-
trável cada vez que um veredicto "falso" ameaça seu discurso. Ve-
]nos eni que armadilha se encontra preso o sujeito: o porta-\o/ foi
efetivamente responsável por uma ausência insustentável n a textura
do discurso; esta ausência, a criança velou-a, soldou-a, construindo .
uma interpretação que, inventando uma causa sensata para este
"buraco", preencheu o vazio. Esta interpretação, por sua vez, só
pode pretender a um poder de significação e a um poder de cpmu-
nicação procurando e encontrando no mesmo porta-voz, ou num
s~rhstituio,a resposta que lhe demonstra que a significação C com-
preensível e que ela é passível de ser recebida por ele. Seu discurso
é o que é, por causa do porta-voz; a conseqüência será a de que
o porta-voz é o único a guardar o poder de conceder uma prova
de verdade a o que ele enuncia.
O discurso e o Eu permanecem dependentes da presença no
espaço e ~ t r a - ~ s i ~ udee ,uma instância julgadora que não pôde ser
interiorkada e autonomizada. É preciso lembrar, também, que "pen-
samento -e teoria delirante primária" .têm uma finalidade bem pre-
cisa: dar sentido a uma significação' sem sentido, veiculada pelo
discurso. materno, tornar razoáveis injunções ininteligíveis, respon-
der aos enigmas de um discurso no qual o enigma recobre, não
um saber oculto e a ser advinhado, mas uma ausência ignorada, para
a qual é p. ciso inventar e criar uma interpretação.
A teorização delirante permite que esta "ausência" não leve
jamais o sujeito a descobrir que a causa de sua construção teórica
se encontra neste não-desejo de um "desejo de ter filho" presente
na mãe, o que é, por sua vez, conseqüência de uma falha ny re-
gistro simbólico. Graças a isto, o sujeito poderá, como o prova Mme.
B , . ., convencer-se de que se o pai explodiu, isto se deve a uma
lei da natureza pela qual ninguém é responsável, que se uma sonda
I foi violentamente introduzida em seu esôfago, se ela quase morreu,
foi devido a u m erro cometido: formulações muito mais aceitáveis
do que as que demonstrariam que a mãe quis sua morte e que o "
@'
Ódio materno induziu o pai à Lcerplosão".
Aqui aparece claramente a relação superdeterminada que estas
L'te~rizações"e estas "significações" mantêm com o desejo do por-
ta-voz:
- Elas são induzidas pela intuição de uma verdade sobre o
desejo do Outro, a mãe, perfeitamente entrevisto.
- Elas transformam este "entrevisto" de forma a tomá-lo acei-
tável pela psique infantil: "não foi ela quem quis me matar, fui
eu que me enganei de caixa".
- Elas permanecem conformes ao que a mãe exige que a
I .
O
criança pense: "o homem é mau por natureza" e "isto explode",
"nascer é u m erro, pois é o efeito da absorção de um pedaço do -
pai", "ser como os pais é escolher entre a loucura o u , voar pelos
ares".
Mas esta "teorização" i ó pode assumir sua função se ela pode
pretender ser verdadeira: este atributo de verdade ela s ó pode en-
contrar na confirmação que implicitamente lhe garante a escuta e o
discurso dssta, de quem o Eu continua a depender. N o que con-
cerne "os outros", não somente esta teorização está e m contradi-
ção com a deles, como ela só pode ser recebida pelo meio comq um
O questionamento radical dos fundamentos de seu discurso, a prova
da não evidência do evidente, como esta palavra "louca" que per-
turba toda a ordem e que ameaça uma definição da realidade e da
verdade que se considerava, definitivamente, aceita por todo "seme-
lhante". O conjunto dos outros vai, então, refutar violentamente tal
discurso, negando-lhe toda .possibilidade .de compromisso e impon-
do-lhe silêncio, ao recusar escutá-lo ou ao fazer o necessiirio para
que o enunciante seja excluído dos lugares de escuta. Face a esta
ameaça a potencialidade psicótica evita que se contradiga seu dis-
curso, só falando verdadeiramente a um único Outro, em cujas res-
postas o sujeito pode projetar, sem contradição patente, a s verdades
editadas em seu tempo pelo porta-voz. A primeira condição para
que a potencialidade permaneça enquanto tal, é a presença garan-
tida na cena d o mundo d e um Outro (que pode ser o primeiro, que
ainda vive, o u um substituto que possua os atributos q u e favore-
cem esta transferência) que dá provas de uma certa cumplicidade .
e proximidade aos pensamentos e às teorias do sujeito. Marido, \ ,
esposa, amigo, chefe, criança: é necessário que, ao menos um su-
jeito na cena do real aceite assumir a função e os atributos do poi-
ta-voz, fornecendo ao Eu este ponto de ancoragem e d e investi-
@ mento indispensável para que um "fora" continue a existir, onde
o Eu possa encontrar uma imagem que seja para ele aceitável. A
primeira condição que originou a potencialidade psicótica torna-
215
se a condição necessiria para que ela não ultrapasse este estágio, -,
para que o Eu apareça "como se" nada o diferenciasse aos olhos
dos outros Eus.
Não pretendemos falar aqui das particularidades que coloca e
impõe a análise de um sujeito que apresenta a potencialidade psi-
cótica o u suas formas manifestas. Entretanto, o que acabamos de
dizer mostra em que lugar será imediatamente projetado o, analista.
A partir do momento em que uma relação analítica se instaura, é
o analista que, na cena do real, deverá assumir a função desta voz
única, que garante ao sujeito a verdade de seu enunciado sobre a
origem. Função que, num determinado plano, não é diferente da-
quela na qual somos projetados pela relação transferenciai, mas
que, neste caso, faz de nós aqueles que devemos garantir a ver-
dade de um ."pensamento delirante", quando, o que .podemos ga-
rantir a o sujeito, é que este pensamento tem, efetivamente, um
sentido, mas sentido que só podem& encontrar recortendo a uma
ordem d e causalidade heterogênea à sua. A dificuldade da relação
analítica para os dois parceiros decorre da relação ambígua manti-
da pelo analista com o pensamento delirante de seu interlocutor:
pensamento para o qual ele reivindica um sentido, sem poder, en-
tretanto, partilhar a ordem causal invocada. Posição bastante di-
fícil e sempre sob a ameaça de terminar, ou com a ruptura d,a re-
lação, ou num excesso de violência, cometida pelo próprio analis-
ta; este tentará impor ao outro que ele participe de uma verdade.
que não é a sua e que nGo se espera que ele possa reconhecer como
sua, o que significa dizer que a única escolha deixada ao psicótico,
neste caso, é a de optar entre duas formas possíveis de alienação.
Dissemos que para que a potencialidade psicótica permaneça
enquanto tal, duas condições eram necessárias: a presença, na cena
do real, de uma outra voz garantindo a verdade do enunciado do
sujeito e a não repetição de situações muito próximas daquelas res-
ponsáveis pelas primeiras experiências. É esta segunda condição
quc analisaremos a seguir.
6 ) A ;.calidade hist<íricrc
'
e o efeito de reforço
219
tração e à prova da realidade. A este respeito, dois textos são mui-
to esclarecedores: "Neurose e Psicose" e "Perda da realidade na neu-
rose e na psicose", ambos escritos em 1924, dez anos após O caso
Schreber. Citaremos textualmente três passagens:
- "Normalmente o mundo exterior exerce sua dominação so-
bre o Ego de duas maneiras: l / pelas percepções atuais, continua-
mente possíveis; 2 / pelo capital mnêmico das percepções interiores
que, como "mundo interior", constituem uma posse e uma compo-
nente do Ego. Ora, na amentia, não apenas a admissãn de iiovas
percepções é recusada mas o pfóprio m u ~ d nInwior que, até aqui,
na qualidade de cópia do mundo exterior o representava, vê subtraí-
da spa significação (investimento). O Ego se cria autocraticamente
um novo mundo, ao mesmo tempo interior e exterior, e surgem dois -
,A
220
Estas citações, por mais sucintas que sejam, mostram que na
base desta tentativa de reconstrução e de "cura" da qual se incumbe
o delírio, Freud situa uma prova devida à realidade, termo com-
preendido aqui como equivalente ao princípio de realidade, que vem
se opor a uma moção do inconsciente; a força mocional vence e
recusa-se a se dobrar diante do veredicto do interdito ou do impos-
sível: só resta então ao ego obedecer a esta injunção, desinvestir
os fragmentos da realidade, para substituí-10s por uma construção
delirante, adequada às moções do inconsciente, permitindo a ilusão
de uma realização possível.
Tudo leva 'a crer, sem que seja dito explicitamente, que quan-
. ?& L-% - . comum" para o apa-
d o Freud define a frustração como a ':efiologia
,recmiefto de uma psiconeurose e de npp psicose, ele vê nesta frus-
tração o resultado normal de uma ananké, tão normal quanto nor-
mdizante. O que a torna intolerável é sua exigência da "não rea-
lização de um dos desejos infantis eternamente indomados". Te-
mos a impressão, confirmada inclusive por outros textos, que como
"estes desejos", são universais, é "alguma coisa" na constituição d o
sujeito que & toma particularmente intensos, tornando impossível
sua repressão ou sublimação. É certo que esta "alguma coisa", cons-
titucional ou não, existe, mesmo que nada possamos dizer sobre
ela. É a ela que devemos o fato d e as condições necessárias não
serem suficientes. Mas este fator desconhecido não deve escamotear
@ o papel efetivo de uma realidade vivida, papel que não é suficiente
para assegurar o aparecimento de uma resposta psicótica, mas que
tem uma responsabilidade incontestável em sua aparição. Se volta-
mos às passagens de Freud citadas, vemos que nada é dito sobre a
realidade portadora de um excesso de frustração. Inclusive3 já no
O caso Schreber, os abortos de sua mulher, aos quais Freud atri-
buía um papel importante, foram sem dúvida ocorrências penosas,
que não ultrapassam entretanto, as provas que todo homem pode
suportar.
Podemos aproveitar a alusão a o caso Schreber para confirmar
a pequena importância que tem, na análise freudiana da psicose,.a
idéia de uma cumplicidade da realidade que não é justificada por
nenhuma ananké. Os escritos do pai de Schreber eram conhecidos
por Freud ou, em todo caso, perfeitamente acessíveis. Surpreenden-
temente Freud só fará alusão a eles para observar que a importân-
cia deste pai, entre seus contemporâneos, deve ter facilitado a Pro-
jeção sobre sua pessoa de um poder divino. Ora, quando nos de-
bruçamos sobre tais escritos - e o livro, que acaba de ser traduzi-
d o em francês, merece ser lido atentamente1 - vemos a que rea-
útil ler as Memórias do filho Schreber, o que lhe teria permitido intilular
a tradução francesa corretamente de "Le meurtre d'âme (O assassinato da
"
alma).
1 Cf. op. cit., p. 50-51.
- O desejo indomado' -e indomável. que se recusa' a ser re- ' . '
rias do Eu.
Se. esta ausência de sentido e esta recusa de significação -náo
.
: . fossem preenchidas pelo -pensamento delirante primário. a 'psicose ,
. -seria . .
tudo; menos potencialidade.
'.
O meio psíquico ambiente, tal qual o infuris, nestes casos, en-
contra e percebe este espaço no qual o . originário contempla seu
@I reflexo, confronta o infans e originário a uma realidade que ''resiste"
-r.&.:7r.,
belecer uma diferença entre ambos, diríamos que a realidade é O real "hu-
manizado.', e a única da qual profano e teórico podem falar. O "real " é
esta "matéria" totalmente incognoscível, que se oferece e se impõe à meta-
bolizaç50 dos três processos. O que resiste. segundo a expressão de Lacan. I
Sobre a paranóia:
p
cena primária e d
teoria delirante primária
, O corpo falado
e o prazer daquele que o fala
2) As condições necessárias .
a reelaboraçüo fantasmática
3) A cena "escutada"
e a representação na paranóia'
Já falamos algumas vezes. em parte irónica e em parte seria-
mente, que a "mãe-do-esquizofrênico" é a única eiitidad~clínica
criada pela psicanálise, cuja exatidão ela pode provar. É verdade .
que quando encontramos estas mies, elas confirmam, em sua
grande maioria, o quadro que delas traçamos. A situação se mo- '
4) Os depoitnentos recolhidos
5 ) O "retruto de família":
a idealização fracassada
e o apelo ao perseguidor
. .
I 6) O que a criança '"escuta". .
e a "teoria delirante sobre a origem"
245
. . L .
coito parenta1 que é, efetivamente, fonte de emoção intensa para
aquele que o olha, não será diferenciado de um outro "visto", se
ele comporta uma mesma reação emocional. Nas situações aqui
relatadas, deparamo-nos com três fatores particulares:
, O casal, efetivamente, erotiza a disputa conflitiva, viven-
do-a com grande intensidade afetiva, o que mostra que ela é, em
primeiro lugar para eles mesmos, o substituto de uma relação sexual.
- A intensidade desta disputa se acrescenta sua .freqüência.
- A exclusão daquele que olha adquire um sentido diferente:
seu olhar não é excluído, porém é excluída qualquer consideração
sobre a emoção que o "visto" e o "escutado" poderiam provocar
nele. Temos frequentemente o sentimento de que .seu olharir.e sua
escuta são apreciados pelos at,ores: uma testemunha é bem-vinda.
O fato de que se trata desumacriança é esqüecido, pois basta espe-
rar que esta criança se torne uma testemunha digna de fé, para
que cada um possa demonstrar - sem ouvi-la - o fundamento e
a supremacia de seus gritos, de suas ameaças e de suas exigências.
A erotização que a criança faz do "escutado" da cena na qual
se exprime e se atualiza o conflito é induzida e reforçada pela ero-
tização com a qual ela foi previamente dotada pelo casal e pelo
prazér de "mostrá-la", como prova a exibição que a acompanha.
Uma última reflexão se impõe: se o conhecimento do termo'
gozo, em seu sentido canônico, não existe para o "saber" infantil,
o mesmo não ocorre com "o ódio". Na primeira fase de sua exis-
tência, a criança o conhecerá de maneira profunda e espantosa, daí
decorrendo sua ~endência natural a amplificar para dimensão do
ódio, tudo o que mais tarde ela poderia relativizar e transformar
em cólera, zanga, rancor. Assim, as manifestações exteriores próxi-
mas do ódio serão cada vez mais identificadas com o próprio ódio,
I e esta equivalência será- cada vez mais inquestionada.
I
I Esta situação traz à criança uma mensagem què ela deve adap-
i tar às exigências da inteligibilidade e da atribuição de sentido. A
f criação d e uma significação, compatível com o bLescutado"e C m
\
i
a exigência identificatória do Eu será a tarefa do "pensamento dek
rante primário" e da "teoria delirante infantil sobre a origem",
tornando sinônimos conflito e desejo, situação de casal e situação
I de ódio, e estabelecendo como causa das origens e de sua própria
1 origem o conflito dos deseajoosO que permite ao paranóico, contra-
I riamente a o esquizofrênico, a possibilidade de fundamentar sua ori-
gem em dois desejos, e de situá-los em sua figuração d a cena pri-
mária. Este "primeiro pensamento" sobre a origem permite-lheaes-
capar do risco de só poder representar-se como o fragmento colo-
nizado pelo desejo do Outro Absoluto, porém confronta a atividade
psíquica com uma elaboração que deixará irremediavelmente sua
marca. Engendrado pelo conflito, efeito d o ódio, resultado da rea-
lização de dois desejos, dos quais um tem que ser sempre comba-
tido, o sujeito se "descobre" como produto contraditório, como
espaço estraçalhado p o r dois desejos antinômicos. A partir do mo-
mento em que o conflito e desejo se tornam sinônimos, "estar dese-
jando" e "estar em situação de conflito", desejar o desejo e desejar.
o conflito e, mais sucintamente, "vivenciar o desejo, vivenciay'o
conflito e vivenciar o ódio" tomam-se equivalentes. Se a origem da
existência, d e si próprio como d o mundo remete ao estado de ódio,
o sujeito s ó poderá s e preservar vivo e só poderá preservar a exis-
tência do mundo na medida em q u e persista algo a "odiar" e alguém
que o "odeia".
Esta é a lógica que fundamenta a relação paranóica com o
mundo, quando'se instala o delírio, isto é, quando se desm,jntclam
as defesas que. o sujeito tinha construído.
O sistema defensivo
i
I .
psíquico possa se projêtar no exterior, de forma a permitir que a s
duas metades do casal se tornem os suportes sobre os quaie projeta.
seu estraçalhamento, sua clivagem e sua "ruptura", 1 um mecanismo
projetivo que permitirá a o sujeito d e "se ver" como um espaço
unificado, de estabelecer uma diferença entre desejo e conflito, amor
e ódio. Imagem sque só poderá ser unificada ilusoriamente: os dife-
rentes'pedaços do espaço e da imagem ,do corpo só podem oferecer
um front unido na medida em que eles se pretendem engajados
num mesmo combate, defendendo a mesma causa. Porém, quando
ocorre uma derrota, eles se deslocaráo e abandonarão a partida d e
forma dispersa.
i
i 1 Termo utilizado por um de nossos pacientes.
Ora, esta terceira fase vai, frequentemente, ser obstaculizada
por um fracasso agudo: o pai revela ao olhar mais maduro da '
7 ) As reses defendidas
no processo ao perseguidor
nóico.
O herdeiro legítimo
254
tra, através de seu discurso, o poder criador de significações e de
sentidos que possui o delírio e o papel dc uma realidade histórica
que obrigou significações e sentidos a mudarem de rumo, a renun-
ciarem a participar dos postulados do meio, e que não foi capaz
de fornecer ao sujeito as peças de identidade necessárias para que
ele tivesse direito de cidadania num mundo e numa realidade que
devem "por estrutura" parecer adequadas i definição que o discurso
do meio nos fornece. Aqui terminam nossas considerações sobre a
problemática do delírio paranóico e sobre a razão de uma "teoria"
que associa desejo, ódio e conflito.
"O espaço onde a paranóia pode constituir-se": como para a
potencialidade esquizofrênica, centramos nossa análise sobre as for-
ças em ação no espaço extra-psique que o infans encontra e com
o qual ele estará, desde um primeiro momento e para sempre, em
interação. Lei da qual nenhuma psique e nenhum "mundo" esca-
pam. Esta interacão parece ter sido subestimada pela teoria psica-
nalítica. A psicose mostra frequentemente exemplificado. em estado
puro, o papel primordial que tem esta interação no nosso modo de
existência, qualquer que ele seja. A psiqu'e materna nos prova, por
sua vez, que apesar de ter percorrido as diferentes etapas que vão
d a idade infantil a esta na qual ela se torna mãe, ela acolherá o
primeiro vagido do infans. como uma mensagem cujo poder, estru-
turante ou desorganizador, não tem nada a invejar ao poder exer-
cido sobre o infans, pela mensagem do porta-voz. O lugar que atri-
buímos à realidade histórica não implica aqui nenhuma desvalori-
zação do papel que tem o originário e a fantasia inconsciente: tudo
o que escrevemos só nos faz relembrá-10:
Ao limitar nosso trabalho sobre a psicose a estes dois capítu-
los, deixamos de abordar problemas essenciais e, também, silencia-
mos o quanto nossa reflexão deve aos autores que nos precederam,
para o deciframento de um discurSo cuja tendência é muito mais a
de questionar e a de nos questionar, d o que a de responder.
Em nossa nota preliminar advertimos o leitor contra o risco
de ver, no conjunto das hipóteses propostas, uma construção mais
acabada do que na verdade ela o é.
Este risco, nós o aumentamos a o não resistirmos à tentação
que representa toda hipótese, na medida em que ela parece tornar
inteligível o que era obscuro. Se, para a maior parte das hipóteses
que propomos, temos o sentimento de que elas são justificadas pela
experiência clínica sobre a qual elas repousam, para algumas outras
sabemos que esta experiência, apesar d e presente, não é suficiente.
Deixamos ao relato de M.R.a tarefa de concluir eztes dois
capítulos: mais do que qualquer teórico, ele é portador de uma ,
palavra que conseguiu tornar dizível e inteligível o que, sem tal dis- ,
curso, seria para todos nós do registro do incompreensível e .do
indizível.
8 ) . O relato de M . R . . . '
. : . . .
M. R. . . é, como ele nos diz, "mestiço": deste quarto d e
sangue francês não há traços visíveis e ele tem um puro tipo mal-
gache. Seu tom de voz, uma extrema gentileza jamais servil e o
comportamento~gestualfalam de uma.cultura que não é a nossa.
Tivemos com ele seis. entrevistas, depois das quais ele desapareceu
de nosso horizonte. Devemos ao Dr. D. . . que o trata no dispensá-
rio, e ,que o tratou quando de um de seus internamentos, o fato d e
tê-lo encontrado. Sua estória, como ele a contou, 'poderia ser divi- .
dida em quatro capítulos intitulados:
1 . - 0 passado:
.:*:.>~~:;.-.~
i.: - a imagem do pai;
~+...:;-:a)
...,~:~.,~A~~~~;.~~.~
. .
.-=. '
3 - A viragem:
a ) a realidade mutilante;
b) a punição merecida;
C) O prazer masoquista.
4 - 0 presente:
a) o segundo casamento e o objeto decadente;
b) a s fantasias sado-masoquistas.
I
Esperamos que a leitura deste testemunho possa suscitar, pelo
! menos parcialmente, o mesmo sentimento d e verdade e de inquie-
t a ~ n eestranheza que nós experimcntarnos frente a um discurso n o
qual admiramos a clareza, a lucidez, a in\rospecção e no qual, sem
nenhuma transição ou previsão possível, irrompia uma atividade
fantasmática no hic et nunc, intensamente carregada d e afeto e que
nos fazia frequentemente temer o acfing ouf, mas, oh, quanto, "in"!
imp~evisívele incontrolável.
i
1 Este testemunho não é uma estória de caso: não tivemos nele ne-
nhum papel analítico, e nos contentamos em escutá-lo. A reprodução quase
textual de uma parte deste discurso, na primeira entrevista. permitirá ao
leitor de refletir, com um conhecimento de causa pouco inferior ao nosso,
sobre o que este testemunho revela, sobre as hipóteses que ele induz e sobre
o que ele confirma ou desconfirma das páginas que o precedem.
1 - 0 passado
257
. . - -.- .-- -..- -- -a
fazer e é p o r isso que eu o admirava, m a s eu compreendi rapi- , '
damente que eu não poderia. . .
"Sim, num dado momento eu admirei meu pai, e pequeno, eu
o admirei muito. Eu só comecei a julgá-lo p o r volta dos quatorze
anos, quando eu comecei a pensar que no final das contas, ele não
m e amava, q u e era injusto com minha mãe e a partir daí eu sem-
p r e tomei a defesa de minha mãe. A partir daí, nossa relação se
degenerou e eu me disse também que era p o r isso que sle tinha
m e colocado, desde criança, no internato, porque eu estive sempre
no internato. . .
"No fundo, eu o considerava injusto, mau, mas eu ainda .não
sabia que isto era uma doença. E u não gostava dele simplesmente .
porque ele e r a mau, porque ele não gostava d e mim, porque ele
m e seperava d e minha mãe, porque ele tinha medo de mim,' ele
n ã o admitia q u e eu dissesse à minha mãe quais eram os seus direi-
tos, que ela não devia permitir que ele lhe batesse, e coisas assim.
E u nem compreendo direito porque eu o detestava tanto, era uma
pessoa a quem não se podia falar porque ele não escutava nunca,
ele falava sempre e me desprezava a priori; cada vez que eu abria
a boca ele dizia que eu só dizia besteira e q u e era melhor eu me
calar. Aos 14 anos, quando eu vinha de férias, eu o sentia como
u m indivíduo perigoso para mim, eu sempre tive a impressão de
q u e as pessoas liam o que se passava comigo, viam os meus .pen- '
1 Somos nós que falamos de sua raça: M. R . . . fala "destes que não
63 são franceses" e temos a impressão de que ele se considera francês de raça
e não de nacionalidade. Ignoramos se ele optou ou não por esta nacionalidade.
- _ _-
este alargamento do conflito não impede que ele também se mani- , '
feste de maneira mais aguda, na relação'pessoal entre o pai e a
mãe. Esta viverá anos na angústia de que seu mando a repudie
e de que ela se veja sozinha com seus filhos e sem nenhum meio
de subsistência. Quando ela começa a conversar com seu filho, ela
falará da injustiça da qual seu marido é responsável, e das arbitra-
riedades que ele lhe impõe. Quanto ao pai, ele a trata abertamente
de "iletrada", de "ser inferior" e procurará, sem escondê-lo, aven-
turas fora do lar mais ou menos duráveis, mas sempre com mulhe-
res da mesma raça e "iletradas".
d) A imagenz da d e - O relato d e M. R. . . é muito mais
&reto n o que se refere à mãe. Apesar dele nos dizer que desde
a idade de 14 anos tomou sua defesa, temos a impressáo de que
sua relação com ela nunca foi muito investida. Com uma certa culpa,
ele assumiu o julgamento paterno: se ele está pronto a'defender
sua mãe, se ele está pronto a lutar pela "vítima" contra o ckrasco,
ele não pode se impedir de "ter vergonha" desta mãe que fala mal
o francês e que guardou traços de sua cultura de origem.'Pelo que
ele nos conta, temos a impressão de que a mãe esposou o pai para
escapar a um pai autoritário, que exigia que ela continuasse a tra-
balhar na fazenda. Entre o pai e a mãe ele jamais percebeu um
gesto afetuoso, temo ou cúmplice. Devido ao peso dos traços cul-
' turais, ele não assistiu a uma franca revolta materna, e ela se con-
tentava, quando era possível, em adverti-lo contra os riscos que ele
corria, se seu pai a repudiasse e abandonasse o domicílio conjugal.
Dos seus anos de infância e adolescência, M. R . . . guarda relati-
vamente poucas lembranças. Educado, como já dissemos, em inter-
nato, ele se sabe, entretanto, objeto da ambição paterna que espera,
para ele, um futuro glorioso na' administração francesa. As férias
passadas junto aos seus deixaram-lhe uma impressão de solidão
total, de incompreensão e, sobretudo, de medo constante da i r r u p
ção da cólera paterna. .Em tomo da idade de 14 anos, ele começa
a enfrentar seu pai e até a idade de 16 anos ele continuará a ser
por ele chicoteado, como punição. É por esta época que 'a família,
para fugir a problemas de ordem política, abandona o país para se
instalar na França. A partir deste momento, M. R . . . começa a
voar com suas próprias asas e só manterá um contato distante com
os membros de sua família.
2 - A descornpensação
261
h!-- - - -- - -- -
centemos que a emissão de cheques sem fundos vai fazer intervir a
lei e a prisão. Sua paixão pelo jogo, que não é nova pois, segundo
M. R. . ., ela data dos 18 anos, vai exacerbar-se, fazendo-o per-
der no fim de cada mês, no espaço de 24 horas, o pagamento de
'todo o mês. Quanto a esta paixão pelo jogo, um 'fato deve ser assi-
nalado: a avó de M. R.. ., a primeira mulher malgache a entrar
na família era, segundo o relato dos pais, uma jogadora invertera-
da, o que levou-o avô a repudiá-la. Segundo M . R. . ., sempre se
falou veladamente desta "vergonha" e nós acrescentaremos que n o
relato familiar, tal qual ele foi contado pelo pais a M. R . . ., pare-
cem destacar-se duas imagos femininas: de um lado a imago de
uma jovem nobre, francesa, que morre sem que se possa acusá-la
da menor falta e de outro a imagG'de uma mulher d a outra raça,
que dilapida a fortuna, que é a "vergonhaw, e que só pode ser con-
denada. Desta mulher, que é a mãe de seu pai, M. R . . . dirá que
seu próprio pai tinha vergonha, e que, por causa disto, ele não
falava jamais dela, pois isto era considerado uma espécie de "tara"
-- os termos são de M. R . . . - pela qual todos se sentiam culpa-
dos, como se se tratassem de um "mal vergonhoso". Excluindo
M . R. . ., ningutm mais na família, pelo menos que nós saibamos,
gosta de jogar. O que nos impressiona, inclusive, em seu relato, se
refere aos "traços" dos diferentes membros de sua família que
M. R. . . pareceu retomar, na tentativa sempre abortada, de poder
finalmente encontrar uma referência identificatória uniEicadora e
estruturante. Neste primeiro croquis que M. R . . . nos fornece dos
personagens de seu drama familiar, o que nos parece o mais mar-
cante é a repetição da estranha relação à mulher mantida por
M . R . . ., por seu pai e seu avo. Tudo se passa como se o pai e o
avô não tivessem perdoado jamais a rejeição que Ihes fez a família
da jovem nobre, famíiia que constituirá, para eles o clã dos inimi-
gos, e como se, inversamente, fossem eles os herdeiros legítimos de
um título ao qual, efetivamente, eles não têm o menor direito.
M. R . . . nos dirá que até estes últimos anos ele assinava R . . .
de. . . acrescentando a o sobrenome de seu pai o de sua bisavó. Ora,
I o pai e o avô esposaram mulheres malgaches e viveram na "vergo-
nha": vergonha da mulher que joga, vergonha da mulher ilettada,
!I vergonha d a mulher d e pele negra. Esta vergonha, aliada à fliaç5o
I imaginária que apaga a mãe real em proveito da bisavó legendária,
I nós a encontramos intocada no próprio M. R.. . Na admiração
I que ele sente por seu pai, ocupa um lugar importante a função
8
1 ao qual o s dois últimos pertencem e, fato mais importante,.instaura
. na ordem d e filiação u m sistema .totalmente arbitrário, que faz des-
cender o s homens d a s três últimas- 'gerações diretamente de uma
"primeira mãe"'. - a bisavó - e que exclui as duas "mães reais"
que ficam sendo aquelas de quem se tem vergonha. Quando M .
R . . . se casa com u m a jovem francesa. quando ele é. pai de duas
. crianças mestiças nas quais as duas raças são aparentes, 'ele parece
querer repetir, à s u a maneira, a escolha do bisavô. .Mas ao fazê-lo
M . R . . . se. encontra confrontado'.$ realização de u m "desejo" que
ele descobre .insust~ntável. A mulher, que vem tomar o lugar da
primeira mãe da legenda familiar, a o reinserir no circuito. uma "n~.ãe ..,
iI - angústia aparecem."
Este momento a partir do qual M. R . . . "sabe que ele é
doente e que ele não tem nada que odiar as pessoas e a sociedade",
surge num contexto bastante particular: pouco depois de sua se-
gundo saída do hospital, M. R . . ., no que parece ter sido um raptus
ansioso, faz uma tentativa d e suicídio, jogando-se debaixo de um
caminhão que passava por uma estrada, onde ele pedia carona. '
4. O presente
269
nenhum direito, o pai, o avô e 'o próprio M. R. . . vão fazer desta
herança a armadura graças à qual eles podem combater seus "não-
semelhantes". Quer se trate dos de sua própria raça, com os quais
eles pretendem nada terem a partilhar, quer se trate destes que
pertencem à família da bisavó e, portanto, a um clã que os ex-
cluiu para sempre de seu seio, M. R . . . herda um sistema d e pa-
rentesco reordenado de maneira arbitrária, pelo paterno e por suas .
próprias falhas. Sistema do qual ele se apropria a ponto de, du-
rante anos, assinar um nome que não lhe pertence e tentar se
apresentar aos outros como filho direto desta "primeira mãe",
sabendo, entretanto, que a cor de sua pele denuncia a loucura do
sistema. Nós não escutamos M.. R . . . suficientemente' para poder-
mos defender sua contribuição singular e certamente presente, na
construção da "idéia delirante primária": pensamos que, no seu
'
..
..
, [:
;
. .
- agir em si e contra si este conflito e este ódio," e será a
.tentativa suicidária - M. R . . . a fez. três vezes.
conseguir erotizar o desejo d o ódio, do qual se' é, ao
mesmo tempo, objeto e sujeito. e transformar o prazer,
: masoquista no último ba'stião que Eros pode opor aos
objetivos.de Thanatos. . .
271
como um bem a conquistar contra a mãe e seus semelhantes. B o
mesmo "objeto-saber" que M . R . . . reencontra na linguagem
médica. o mesmo "saber" do qual ele se apropria, mas desta vez
colocando-o a serviço do prazer masoquista, que lhe permite os
termos que ele extrai desta linguagem e que o possibilitam auto-
designar-se como um "indigente", um objeto a rejeitar e a destruir.
Mas este "saber" é também o que preserva a obtenção de um
prazer a scrviço da pulsão sádica.
Ao decretar que não é a si mesmo que ele odeia, mas a um
"outro doente" que ele carrega em si, M. R . . ., ao mesmo tempo
em que goza com a figuração da mutilação imposta ao outro, sc
assegura de um "saberw-sobre a razão do ódio que, implici~amente;
ele designa como tendp-sua causa na "educação contraditória" e
na contradição impósta pelos "educadores".~Sua "doença" é culpa
dos outros (no que ele tem razão) e é por isso que ele pode se
dizer "não responsável" por um "ódio" do qual\ele declara como
responsáveis os "educadores."l
Como dissemos, acreditamos ser esta uma fase- transitória da
vivência patológica de M . R . . .; como foi durante esta fase que
o encontramos, só a ela podemos referir-nos.
Para além d o caso de M . R . . ., esta fase nos mostra o que
o paranóico arrisca encontrar se o sistema delirante é colocado em
questão, a função de tela protetora que tem a pulsão sádica, ú1-
timo bastiáo que o sujeito pode opor a uma representação de si
mesmo que o confrontaria com a imagem de um espaço que foi,
efetivamente. desintegrado pelo ódio dos outros, um "objeto" que
o casal tratou como o que eles arriscavam na partida que eles jo-
gavam entre si. O perigo de se reencontrar como o objetivo de seu
próprio ódio é tanto mais forte, na medida em que ele desperta
como eco e encontra como aliado uma posição originária que
os primeiros encontros com o "não-eu" reforçaram perigosamente:
e por esta razão que o risco de passagem ao ato suicidário está
sempre presente. É contra este perigo que o paranóico consegue,
melhor que o esquizòfrénico, preservar-se, fazendo apelo a um
perseguidor que possa desviar para si um desejo de morte. d o qual
ele é, na verdade, o objeto privilegiado.
i.
7 .
a!
e5
I
IJ
*
.
2 73
L - -- ---
-A-- . .-. - . -
"
CAPfTULO 'VI1
8
1
\
A guisa de conclusão:
as três provas que o pensamento
delirante remodela'
. .
. ,,
I
275
I-...
. . .-- - _ ..
. .. . ~
gunda parte, a analise d o trabalho do Eu. à sua cri;rção e ao seu
modo de resposta. Concluiremos mostrando que a resposta psicó-
tica e o delírio através d o qual o Eu defende a sua possibilidade
de existir são o resultado de tr2s condições que só se tornam ope-
rantes devido à sua repetição, no momento dos três encontros que
inauguram as três formas segundo as quais os processos psíquicos
representam sua relação a o mundo.
@
I1 um prazer oral, limpeza não equivaleria à recusa de receber o dom
excremencial, luto não equivaleria à retaliaçiio, ausência não equi-
valeria ao desejo de não ver o sujeito, de negar sua existência.
1
I 1 Expressão utilizada por Freud n o artigo citado.
j
Abordaremos, agòra, a . te-eira . condição necessária para; .a. "
constituição, de 'uma psicose,. o que mostra a resistência com que.
.
a psique se defende contra tal risco., . . .
. . . .
. .
3) O encontro entre o Eu
e o discurso identificatdrio
281
L-. - - -
- --
I
do sofrimento por ela vivido, o que será reforçado pela proibição
imposta à filha de "lembrar-se" desta experigncia, tentando con- 0
vencê-la de que na verdade "quase nada aconteceu" e obrigando
assim a criança a desmentir uma verdade que ela percebeu cor-
retamente. (
Na estória destas crianças, quaisquer que sejam as suas sin-
gularidades, encontramos sempre o efeito dramático d e um encon-
. -. tro, no qual é apareritemente imposta ao Eu a apropriação de um
saber - sobre a linguagem, sobre si mesbmo, sobre o mundo -
ao mesmo tempo que, cada vez que ele mostra os resultados desta ..
aquisição, ele tropqa numa interdição, numa negação d o valor do 4
produto, numa contra-verdade que desmente a: significação que ele @
- .zeílti$iu- e construiu. "E proibido pensar",. é obrigado pensar "o
de.-.-.1