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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO RELATOR DO COLENDO TRIBUNAL

S U P E R I O R E L E I T O R A L – L U Í S R OB ER T O B A R R OS O

C O N T ES T A Ç Ã O
( R E G I S T R O D E C A N D I D A T U R A N º 0600903-50.2018.6.00.0000 )

AÇÕES DE IMPUGNAÇÃO AO REGISTRO DE CANDIDATURA (A I R C’ S ) :


1 . P R O C U R A D O R I A -G E R A L E L E I T O R A L (ID Nº 300458)
2. JAIR MESSIAS BOLSONARO E OUTRO (ID Nº 300602)
3. PARTIDO NOVO (ID Nº 300969)
4. KIM PATROCA KATAGUIRI (ID Nº 305096)
5. ALEXANDRE FROTA DE ANDRADE (ID Nº 305095)
6. WELLINGTON CORSINO DO NASCIMENTO (ID Nº 305088)
7. MARCOS AURÉLIO PASCHOALIN (ID Nº 304846)
8. PEDRO GERALDO CANCIAN LAGOMARCINO GOMES (ID Nº 305166)
9. MARCOS VINÍCIUS PEREIRA DE CARVALHO E OUTRO (ID Nº 305166)
10. ERNANI KOPPER (ID Nº 301546)

NOTÍCIAS DE INELEGIBI LIDADE:


1. FERNANDO AGUIAR DOS SANTOS (ID Nº 301543)
2. MARCELO FELIZ ARTILHEIRO (ID Nº 301545)
3. ARI CHAMULERA (ID Nº 304014)
4. GUILHERME HENRIQUE MORAES (ID Nº 301547)
5. DIEGO MESQUITA JAQUES (ID Nº 305123)

AÇÕES DE IMPUGNAÇÃO AO MANDATO ELETIVO ( AI ME ’ S ) :


1. A A EER J ( I D ’ S Nº 305093 E 305094)

L U I Z I NÁ C I O L U L A D A S I LV A , já qualificado, de ora em diante apenas


I M P U G NA D O , vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, por intermédio
de seus procuradores adiante assinados 1, em cumprimento à intimação
recebida 2 e com fundamento no artigo 3º, §4º , da Lei Complementar nº 64/1990
cumulado com o artigo 39 da R esolução nº 23.548/2017 do TSE, apresentar,
tempestivamente 3, contestação , em face de todas as demandas relacionadas
acima, pelas razões de fato e de direito a seguir deduzidas.

1 Instrumentos de mandato – id’s nº 300472 e 300473.

2 ID nº 305381.

3 Publicado em mural eletrônico no dia 23.08.2018 (7 dias após terminado o prazo para impugnação – art.
4º, LC 64/90 c.c art. 39, Res. nº 23.548/2017, TSE).

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C O L E ND O T R I B U NA L S U P ER I OR E L EI T OR A L
E M I NE N T E M I NI S T R O R EL A T OR

SUMÁRIO

01. NOTA PRÉVIA. FAIR PLAY PROCESSUAL. UMA DEFESA ESTRITAMENTE TÉCNICA 3
02. PRELIMINARES AO JULGAMENTO DO MÉRITO DAS NOTÍCIAS E IMPUGNAÇÕES 5
03. DELIMITAÇÃO OBJETIVA DA DEMANDA 7
04. UMA INELEGIBILIDADE PROVISÓRIA TRATADA COMO DEFINITIVA. O PAPEL DO TRF4 NA
ALOCAÇÃO DA INELEGIBILIDADE NO TEMPO DA ELEIÇÃO 8
05. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE TUTELA DE EVIDÊNCIA 13
06. TAMBÉM NÃO CABE TUTELA DE EVIDÊNCIA OU URGÊNCIA PORQUE HÁ UM PECULIAR
SISTEMA DE REGISTRO DE CANDIDATURAS VIGENTE NO BRASIL. O RESULTADO DO DIÁLOGO
ENTRE OS ART. 16-A E ART. 11, § 10º DA LEI ELEITORAL E ART. 26 DA LC 64/90 21
6.1 Análise jurimétrica da realidade imposta por um regime instável de registro de candidatura no Brasil.
Alguns casos concretos similares 28
07. EXCEÇÕES PROCESSUAIS E SUBSTANCIAIS 33
7.1A suspensão superveniente de inelegibilidade. A interim measure do Comitê de Direitos Humanos da ONU
33
7.2 Uma síntese da representação individual. Nos dois anos de tramitação, há três manifestações do Estado
brasileiro reconhecendo a submissão às decisões do Comitê 34

7.3 Pacto internacional sobre direitos civis e políticos – marco civilizatório de consagração da democracia e dos
direitos de cidadania. 46

7.4 Relevância do comitê de direitos humanos da ONU no contexto do pacto internacional sobre direitos civis e
políticos 53

7.5 Adesão, pelo brasil, ao protocolo facultativo do pacto internacional sobre direitos civis e políticos – medida
procedimental ao pacto. 59

7.6 Força vinculante, ao brasil, do protocolo facultativo ao pacto internacional sobre direitos civis e políticos –
irrelevância, para fins de vinculação internacional e doméstica, de decreto presidencial publicado em diário
oficial. 65

7.7 Competência para analisar os requisitos procedimentais. Incompetência da Justiça Eleitoral. Óbice da
Súmula 41 do TSE 79

7.8 Poder geral de cautela do comitê de direitos humanos da ONU – da obrigatoriedade no cumprimento de
todas as decisões. Entendimento do STF e da PGR 84

7.9 A decisão em favor de Lula não é inédita. Eficácia vinculante perante a justiça Eleitoral 97

7.10 Países com Estado Democrático de Direito consolidado cumprem as decisões do Comitê 102

7.11 A decisão do Comitê afasta a inelegibilidade de Lula


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8. A NECESSÁRIA APLICAÇÃO DA RECENTE LEITURA CONSTITUCIONAL SOBRE A
CULPABILIDADE PARA A AFERIÇÃO DOS LIMITES DA APLICABILIDADE DO ART. 1º, I, “E” DA LEI
COMPLEMENTAR Nº 64/90 119
9. PREJUDICIALIDADE 134
9.1 A plausibilidade da suspensão e reforma da decisão. Prejudicialidade e sindicabilidade excepcionais 134

9.2 Prejudicialidade excepcionalíssima. Ausência de oportunidade para a apreciação dos pedidos de suspensão
de inelegibilidade deduzidas no RESP e RE. Suspensão 148

10. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS DE IMPUGNAÇÃO ORIENTADOS POR OUTRAS CAUSAS DE


PEDIR 154
10.1 Impugnação do Partido Novo 155

10.2 Os direitos políticos de Lula seguem hígidos a despeito da condenação criminal por órgão colegiado 168

10.4 Lula não ocupou cargo de direção em estabelecimento de crédito que tenha sido objeto de liquidação 170

10.5. O candidato não precisa estar presente para ser escolhido em convenção 171

11. NECESSIDADE DE DAR OPORTUNIDADE PARA QUE AS PARTES SE PRONUNCIEM SOBRE A


DEFESA E DOCUMENTOS, ALEGAÇÕES FINAIS E MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO 173
12. PEDIDOS FINAIS 178

RAZÕES DE DEFESA

01. N OT A P R É V I A . F A I R P L A Y P R OC ES S U A L . U M A D EF ES A ES T R I T A M E N T E

TÉCNICA

Desde antes da formalizaç ão do pedido de registro do ex -Presidente

L U L A , há especulações – algumas sutis, outras nem tanto – sugerindo uma

atuação tumultuária dos advogados da defesa. A ideia seria atrasar a decisão

final do processo de registro, a partir de chicanas processuais .

Não houve e não haverá chicana alguma por parte da defesa.

Naquilo que pode ser considerado o único incidente no processo de

registro, a intimação para complementar uma certidão, h ouve atendimento no

mesmo dia pela defesa ( a Secretaria deste Tribunal havia concedido o prazo de

três dias).

Aqui, em contestação, a defesa não articula nenhum pedido de produção

de prova (faculdade do art. 5º da Lei 64/90). Também não se cogita qualquer

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exceção processual dil atória para distender o processo – como uma suspeição, por

exemplo. Não houve e não haverá requerimento de diligências, previstas no §

2º do mesmo art. 5º da Lei das Inelegibilidades.

A propósito, foram os impugnantes que requereram a produção de prova

e diligências. A L E X A N D R E F R O T A D E A N D R A D E requereu, gener icamente, a

produção de prova documental. M A R C O S A U R É L I O P A S C HO A L I N q uer ouvir o

ex-Ministro Palocci como testemunha. E R N A N I K O P P E R q uer expedição de

ofício ao TRF4, depoimento pessoal e ouvir testemunhas. A defesa entende que

todas as provas requeridas sã o in úteis, protelariam injustificadamente a

decisão e, por boa medida de profilaxia processual , devem ser indeferidas . 4

Não há necessidade de dilação probatória (apenas a juntada dos

documentos que acompanham a defesa e servem para demonstrar a exceção

substancial indireta ). A única providência que se cogita é a manifestação das

partes sobre a exceção substancial indireta e documentos que a acompanham –

para observância mínima do contraditório.

Foram apresentadas dezessete impugnações/notícias de inelegibil idade

contra o ex-Presidente L U L A . É verdade que há um espaço de interseção nas

causas de pedir, mas há temas inéditos – como na impugn ação do Partido

Novo, por exemplo. O número de impugnações poderia autorizar, portanto,

um eventual pedido para dilatar o prazo de contestação (art. 139, VI, CPC). A

defesa abdica do pedido em atenção à celeridade necessária. Contesta as

dezessete impugnações rigorosamente no prazo.

A defesa, enfim, comportou-se de acordo com a boa -fé (art. 5º do CPC) e

cooperou para que a decisão de mérito seja proferida em prazo razoável (art. 6º do

4“O magistrado é o destinatário da prova, cumprindo-lhe valorar sua necessidade. Em regra, tal procedimento não
configura cerceamento de defesa, pois cumpre ao juiz, no exercício do seu poder-dever de condução do processo, a
determinação das provas necessárias à instrução deste e o indeferimento das diligências inúteis ou meramente
protelatórias” (TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 4612, Relator Min. Tarcísio Vieira De Carvalho Neto,
07/08/2017).

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4
CPC). Houve fair pl ay processual, como desde o início foi assegurado, em

audiências, aos Ministros do TSE.

Os únicos documentos acostados com a defesa agora apresentada, como

registrado, dizem r espeito à exceção subst ancial indireta deduzida: a suspensão

da inelegibilidade provocada pela interim measure concedida pelo Comitê de

Direitos Humanos da ONU. Os documentos são instrumentais para demonstrar

que houve uma al teração jurídi ca superveniente ao registro que afastou a

inelegibilidade (art. 11, § 10º, da Lei Eleitoral; art. 493 do CPC). A corroborar a

exceção e outros pon tos da defesa, são acostados também par eceres jurídicos.

O diagnóstico do comportamento da defesa até aqui desarticula a

injustificada insinuação de chicana e aponta para um prognóstico seguro: a

defesa do ex-Presidente, apesar de algumas injustas insinuações iniciais, será

sempre estritamente técnica.

A nota prévia era necessária.

02. PRELIMINARES AO J U L GA M E N T O DO M ÉR I T O DAS NOTÍCIAS E

IMPUGNAÇÕES

Há impugnações que não podem ser conhecidas por ausência de

legitimidade ativa.

O art. 3º da LC 64/90 delimita os legitimados ativos para a AIRC:

“qualquer candidato, partido político, col igação ou ao Minist ério Público ”. A

interpretação literal dos dispositivos despreza que a legitimidade é oferecida

apenas aos candidatos da mesma circunscrição. 5 Não por outra razão há segura

5Código Eleitoral: “Art. 86. Nas eleições presidenciais, a circunscrição será o país; nas eleições federais
e estaduais, o estado; e, nas municipais, o respectivo município.”

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5
orientação na jurisprudência , segundo a qual diretórios municipais não possuem

legitimidade para impugnar candi datos a cargos estaduais e federais . 6

Por idêntica racionalidade, candidatos a cargos estaduais não possuem

legitimidade ativa para impugnar can didaturas federais. 7 É o caso da

impugnação id nº 301636, apresentada por PEDRO GERALDO CANCIAN

L A G O M A R C I N O G O M E S . Trata-se de candidato a deputado estadual. Esta

impugnação tem uma causa de pedir não deduzida em qualq uer outra (uma

suposta suspensão dos direitos políticos) .

Além de todos estes, E R N A N I K O P P E R (id nº 301546), que sequer

candidato é, também apresentou impugn ação ao registro. 8

Há causas de pedir que ficariam órfãs com o reconhecimento da ausência

de legitimidade ativa destes dois “impugnantes” . O Ministério Público

Eleitoral deveria ser intimado para avaliar se encampa as teses. De uma forma

ou de outra, estas impugnações devem ter as iniciais indeferidas porque as

partes são manifestamente ilegítimas (art. 300, II, CPC).

Nas demandas reunidas, constam ainda duas ações de impugnação de

mandato eletivo (id nº 305093 e id nº 305094) propostas pela A S S O C I A Ç Ã O D O S

6 TSE, REspe nº 26861, de 20.9.2006.


7 “Para nós, como a legitimação do filiado para atuar no processo eleitoral, manejando diversas ações coletivas,
decorre de um processo no qual a lei exige a participação partidária, legitimando socialmente (...) o futuro
candidato, não se pode estender a legitimidade para propor as ações eleitorais que escapem ao âmbito partidário de
onde recebeu a autorização para agir e na qual, se eleito, estará autorizado a atuar. Dessa forma, como a escolha
de candidatos a vereadores e prefeitos se dá em âmbito dos diretórios municipais tais candidatos
jamais poderão impugnar o registro de candidatos a presidente da república caso ocorra eleições
simultâneas”. (Jorge; Liberato; Rodrigues. Curso de Direito Eleitoral, p. 530. TSE: “Diretório Municipal de
partido político não tem legitimidade para impugnar pedido de registro de candidato em eleição estadual e federal
(art. 3º da LC nº 64/90 c.c. o art. 11, parágrafo único, da Lei nº 9.096/95). Precedentes”. (TSE, Respe nº 26861,
Rel. Min. José Gerardo Grossi, Publicado em Sessão, Data 20/09/2006).
8Bem se sabe que ao eleitor é dada a oportunidade de oferecer mera notícia de inelegibilidade, sem dispor
de legitimidade para o oferecimento de AIRC (Ac.-TSE, de 19.12.2016, no AgR-REspe nº 26234 e, de
16.11.2016, no AgR-REspe nº 28954).

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A D V O G A D O S E E S T A G I Á R I O S D O E S T A D O D O R I O D E J A N E I R O (AAEERJ) – pessoa

jurídica de direito privado. É certo que não tem le gitimidade e,

cumulativamente, falta -lhe interesse de agir por inadequação da via eleita.

Quanto às cinco notícias de inelegibil idade oferecidas, duas delas

(F E R N A N D O A G U I A R D O S S A N T O S – id nº 301543 e M A R C E L O F E L I Z A R T I L H E I R O –

id nº 301545) não vieram acompanhadas de prova do pleno gozo dos direitos

políticos exigida pelo artigo 42 da Resolução nº 23.548/2017 do TSE. Embora

não seja o caso de rejeição sumária das notícias por esse motivo, necessário que

os N O T I C I A N T E S sejam instados a sanar o vício ( art. 317, CPC), ainda q ue em

sede de alegações finais (evitando a postergação do j ulgamento).

03. D E L I M I T A Ç Ã O OB J E T I V A D A D E M A N D A

As impugnações foram todas reunidas e anexadas ao pedido de registro

de candidatura. A defesa tem por compromisso con testar todos os

fundamentos que pr etendem conduzir a decisão ao indeferimento do registro.

Bem analisadas as de zessete arguições de inelegib ilidade – entre notícias

e impugnações –, são seis as causas de pedir apresentadas. A reunião dos

processos revelou causas de pedir dinâmicas , plurifactuais. 9 Aqui, a tarefa é

delimitar objetivamente a demanda.

A mais recorrente causa de pedir é inelegibil idade decorrente da ( i)

condenação por órgão colegiado (art. 1º, I, “e”, 1 e 6, LC 64/90) . As demais: ( ii)

art. 8º da Lei 9.504/97 (ausência de L U L A na Convenção); ( i ii) improbidade

administrativa; ( iv) art. 14, § 3º, II, CF ( suspensão dos direitos polític os); (v)

art. 1º, I, “i”, LC 64/90; ( vi) art. 1º, I, “l”, LC 64/90.

9 É como explica Eduardo TALAMINI: “Quando há uma pluralidade de fundamentos fático-jurídicos


constitutivos de diferentes causas de pedir para um mesmo pedido, ocorre o chamado ‘concurso objetivo (próprio)
de direito (ou de ‘ações’)”. TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005, p. 77.

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É claro que a defesa mais vertical dirá com a alegada inelegibilidade

decorrente da condenação criminal por órgão colegiado (art. 1º, I, “e”, 1 e 6,

LC 64/90), mas todas as causas de pedir das dezessete impugnações/notícias

serão devidamente respondidas. Especialmente porque são seis causas de pedir

autônomas que merecem julgamento devidamente fundamentado (art. 489, IV,

CPC).

04. U M A I N E L E G I B I L I D A D E P R O V I S ÓR I A T R A T A D A C O M O D EF I N I T I V A . O P A P E L

DO TRF4 N A A L O C A Ç Ã O D A I N E L E GI B I L I D A D E N O T EM P O D A EL EI Ç Ã O

A inelegibilidade do ex -Presidente L U L A foi suspensa pela decisão do

Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações U nidas, como será

demonstrado. Não tivesse sido, poderia ser suspensa a qualquer momento –

conforme expressa previsão do art. 26 - C da (assim chamada) Lei d a Ficha

Limpa.

Como houve a decisão do Comitê da ONU, dois dias depois do pedido

de registro, não havia (e ainda não há) interesse de agir (por ausência de

necessidade da tutela jurisdicional) para buscar a suspensão.

Não obstante, ao ex -Presidente L U L A se atribui uma inelegibilidade

chapada, aritmética; incontornável, enfim. E precisamente porque seria uma

inelegibilidade inequívoca, o processo de registro de candidatura foi rotulado

como uma mera artimanha do ex-Presidente. Há um enorme equívoco neste

raciocínio, com todo o respeito. A inelegibilidade do ex -Presidente, quando

muito, sempre foi provisória (de eficácia provisória). E por que provisória,

passível de suspensão a qualquer momento.

Outro equívoco na n arrativa que tem por intenção mal rotular o registro

da candidatura é desconsiderar que a legislação eleitoral admite o registro do

candidato inelegível , autorizando q ue a suspensão da inelegibilidade possa

se dar mesmo depois da eleição (desde que antes da diplomação). É possível

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criticar o sistema – e os advogados signatários desta petição o criticam –, mas

não se pode desconsiderar o que está vigente. Para todos – inclusive para o ex -

Presidente L U L A .

Tudo isso ser á demonstrado em tópico próprio. Aqui o importante é

demonstrar como o TRF da 4ª Região, consciente ou inconscientemente – pouco

importa –, acabou escolhendo o momento de liberação da eficácia da

inelegibilidade do ex -Presidente, em estranha coincidência c om o calendário

eleitoral.

É público e notório que a apelação crimin al do ex -Presidente foi acelerada

no TRF da 4ª Região. Houve nítida desatenção à ordem cronológica. Furaram a

fila, na linguagem da Folha de S. Paulo. 10 Não obstante, não há como reclamar

da celeridade do Judiciário, ainda q ue eventualmente seletiva.

Fato é que a confirmação da condenação por órgão judi cial colegiado teria

atraído, em tese, a inelegibilidade da alínea “e”, inciso I, art. 1º da LC 64/90.

A eficácia da inelegibilidade, porém, fica subordinada ao julgamento dos

recursos cabíveis contra a condenação criminal. Se houver provimento de

qualquer dos recursos, a eficácia da inelegibilidade, porque provisória, cessa

imediatamente.

A defesa do ex-Presidente, com o fim do julgamento da fase de embargos

de declaração – em abril de 2018 –, interpôs recurso especial e extraordinário.

A ideia era que o recurso especial fosse julgado o quanto antes, restabelecendo

a elegibilidade do ex -Presidente e, mais importante ainda, a própria liberdade.

O problema é que depois do julgamento dos embargos, o caso do ex -Presidente

nitidamente perdeu ritmo no TRF da 4ª Região. Admitido, o r ecurso especial

ainda não foi remetido ao STJ. Quase em setembro e os recursos seguem lá no

10 https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/01/1948737-caso-lula-passa-a-frente-de-7-acoes-da-lava-
jato-em-tribunal.shtml

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TRF4, impedindo a decisão de mérito que reverteria (no tema que interessa à

defesa eleitoral) a inelegibilidade.

Não se está a sustentar que tenha havido alguma artimanha do TRF4, mas

fato é que os recursos de L U L A ainda não subiram. Só para intimar o Ministério

Público para apresent ar contrarrazões (o que deveria ser imediato) o TRF4

demorou 45 dias. E o Ministério Público usou o prazo integral – o que é

legítimo, claro. O tempo morto integral, pós -condenação colegiada (pós -

inelegibilidade, portanto) é de 75 dias. Quem sabe tenha sid o o tempo q ue

faltou para o STJ ter julgado, no mérito, o recurso especial.

A distribuição no tempo da eficácia da in elegibilidade de L U L A não pode

ser desconsiderada. Uma decisão apontada como frágil em inúmeros pontos,

por dezenas de juristas, pode ter g erado uma inelegibilidade que vai durar

apenas o tempo necessário para impedir o registro da candidatura do ex -

Presidente. Um candidato com 40% das intenções de votos para Presidente da

República, segundo as últimas pesquisas.

Não se desconsidera que a ine legibilidade poderia ter sido suspensa

antes do julgamento do mérito (art. 26 -C da LC 64/90). Bastaria demonstrar a

plausibilidade do recurso. A suspensão, no entanto, veio apenas dois dias

depois da formalização do pedido de registro, pelo Comitê da ONU. E o pedido

havia sido feito ainda em julho. Poderia ter sido concedido a q ualquer

momento.

Não havia sentido, é importante insistir, em buscar a suspensão aqui

antes da resposta do Comitê – que viria, como veio, a qualquer momento.

Também não se pode ria i mpor ao ex-Presidente, desnecessariamente, o teste de

plausibilidade dos recursos aqui do Brasil. Seria, em boa medida, reduzir a

chance de posterior decisão favorável de mérito. As razões são singelas.

Ninguém pode desconsiderar a enorme repercussão de um a decisão q ue

suspenda a inelegibilidade do ex -Presidente. Especialmente às vésperas do

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10
processo eleitoral. Negada a liminar (por conta da pressão nada desprezível),

tendo que haver manifestação expressa sobre a plausibilidade de todas as teses

de defesa (por expressa exigência do art. 26 -C), o chamado vi és de confirmação

retiraria a imparcialidade integral do julgamento de mérito do recurso.

Qual Ministro, depois de impedir a candidatura de L U L A afirmando

inexistir plausibilidade no recurso, criada a irrev ersibilidade pela eleição sem

o ex-Presidente, reconheceria posteriormente, quando do julgamento de

mérito, que o recurso deveria ser provido?

Para dizer de outra forma, o eventual indeferimento da politicamente

delicada liminar do art. 26 -C provocaria a d imin uição das chances de L U L A no

julgamento de mérito. A primeira impressão tem peso desproporcional e gera viés

de confirmação , o que mitigaria a imparcialidade do julgamento de L U L A no STJ.

A relação do viés de confirmação com a parcialidade é inegável, reconhecida pela

melhor doutrina – inclusive de direito comparado. Há forte tendência de

confirmação de juízos sumários. 11

Ainda assim, mesmo com as inevitáveis externalidades negativas, o

pedido de suspensão de inelegibilidade seria sim deduzido. Em moment o

próprio, às vésperas do pedido de registro. A escolha do momento integra a

estratégia lícita da defesa técnica, é desnecessário dizer.

E porque o senso de oportunidade da dedução dos pedidos liminares é

tema exclusivo da defesa, não se deixou q ue o pedid o de suspensão da

inelegibilidade fosse analisado de ofício no STF (daí a conhecida desistência

da medida q ue sequer veiculava pedido do art. 26 - C). Ou pelo STJ, provocado

pelo TRF4 também de ofício.

11 Sobre o tema, conferir o exaustivo trabalho multidisciplinar de Eduardo José da Fonseca Costa, em
seu recém lançado “Levando a imparcialidade a sério” (Juspodivm, 2018, p. 155 seguintes). Noutra ótica,
Bruno Bodart, em “Tutela de Evidência” (RT, 2014, p. 89) também aborda o tema.

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11
A verdade é que o (involuntário, q uem sabe) acelera e freia do TRF4 legou

algo gravíssimo a L U L A : impor uma inelegibilidade que só seria suspensa com

sérios prejuízos ao julgamento do mérito do recurso. E tudo que L U L A queria

era ter o recurso julgado no mérito nos tribunais superiores antes da eleição.

Foi exatamente o que TRF4 tirou de Lula, ainda que involuntar iamente, repise -

se.

O pedido de suspensão da inelegibilidade perante o Comitê da ONU

havia sido solicitado em 27 de julho de 2018. A expectativa era que a concessão

viesse antes mesmo do prazo de formal ização do pedido de registro, em 15 de

agosto. A decisão veio apenas dois dias depois, em 17 de agosto. E

evidentemente ainda em tempo, pois a Lei expressamente admite a alteração

jurídica superveniente ao registro que afasta a inelegibilidade (art. 11, § 10º, da Lei

Eleitoral; art. 493 do CPC). À luz da atual jurisprudência, L U L A teria até a

diplomação para suspender a inelegibilidade. 12

Se o TSE não reconhecer a força vinculante da decisão do Comitê da ONU

– o que sinceramente não se espera –, ainda caberá à defesa do ex-Presidente

(sem prejuízo dos de mais argumentos da contestação) buscar no STJ e no STF

a suspensão da inelegibilidade com fundamento no art. 26 -C, sem prejuízo de

insistir na tese da força vinculante da decisão do Comitê (e outras aqui

deduzidas) perante o STF.

Independentemente destas considerações, não se pode deixar de lado

que o TRF4, por tudo isso, deve ser chamado a compartilhar, em alguma

medida, a culpa pela instabilidade político -jurídica deste julgamento. O resto

da instabilidade es tá na conta de um péssimo sistema de registro de

candidaturas do Brasil – o que será visto em tópico próprio.

12TSE, Embargos de Declaração no Recurso Especial Eleitoral nº 294-62, Rel. Min. Gilmar Mendes –
11.12.2014.

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05. I M P OS S I B I L I D A D E D E C O N C ES S Ã O D E T U T E LA D E E V I D ÊN C I A

“O Direito tem seu tempo, institutos, ri tos e formas em

prol basicamente da segurança j u rídica, essencial ”

(Ministra Rosa Weber, ao indeferir liminarmente uma

arguição de inelegibilidade proposta contra o ex -

Presidente Lula).

O P A R T I D O N O V O sustenta que é caso de tutela de evidência. Concebe

uma tese criativa, vislumbrando consequências proc essuais em uma nova

forma de impedimento de candidatura de índole constitucional ( contestada mais

à frente). Por mais defensável que seja a tese no N O V O (refutada em tópico

próprio) não há como reconhecer a evidência (grau máximo de verossimilhança)

exigida para a concessão de um j uízo sumário.

Por outro lado, a nova tese do N O V O é um dado neutro sob a perspectiva

processual. O impedi mento não existe até que o TSE reconheça a causa de pedir

da impugnação e indefira o registro. Como se lê nesta defesa,

independentemente à decisão do Conselho da ONU, L U L A n ão se reconhece

impedido. Há exceções diretas e indiretas. O status de impedido nasceria – se

viesse a nascer – com a decisão do TSE ao julgar e indeferir o registro.

O impedimento constitucional vislumbrado pelo N O V O , na perspectiva

processual, é uma in elegibilidade transversa. O TSE precisaria reconhecê -lo.

Antes disso é apenas um direito postulado . Assim como a in elegibilidade, o

impedimento não atrai uma irregistrabilidade automática – na barreira do

protocolo. Exige -se atividade jurisdicional.

A AIRC do N O V O também argumenta, em paralelo, que a plausibilidade

do deferimento do r egistro do ex -Presidente se sustentaria em um pedido de

suspensão da inelegibilidade sequer ajuizado . Ora, o pedido foi ajuizado em

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julho e deferido em 17 de agosto pelo Comitê da ONU. A conferir o que o N O V O

tem a dizer sobre a força vinculante da decisão do Comitê.

De qualquer forma, é preciso dizer que o art. 16 -A não está a exigir

plausibilidade. É a e ntrega automática de um status de candidato a todos que

requereram o registro. Status inerente ao sistema de registro de candidaturas

que tem início concomitantemente à campanha. A verdade é que basta o

protocolo.

De qualquer forma, há sim plausibilidade na perspectiva de êxito do

registro (e, consequentemente, no indeferimento da impugnação). Além de

outros fundamentos autossuficientes há, especialmente, a suspensão da

inelegibilidade operada pela decisão do Comitê da ONU. E mais: ao contrário

do que consta na petição do N O V O , a suspensão da inelegibilidade está sim

ajuizada. E desde abril de 2018. Só não foi analisada porque o TRF4, como

demonstrado aqui, n ão fez subir os recursos.

Apesar de sustentar que o ex -Presidente ainda não havia ajuizado

pedido de suspensão da inelegibilidad e (o que não é verdade), mais à frente,

contraditoriamente, sustenta que os pe didos de suspensão da condenação

teriam sido negados (pelo STJ e STF). Se não foram ajuizados, não podem ter

sido negados – q uer parecer. A incongruência é fruto de um equívoco f actual

(certamente involuntário).

Como determina expressamente o art. 26 -C, a providência ( pedido de

suspensão da inelegibilidade) deve ser requerida por ocasião da interposição do

recurso. Basta ler o recurso especial e o extraordinário para constatar que há

sim pedido expresso de suspensão da inelegibilidade. A ausência de

apreciação se deve ao já mencionado ritmo lento imposto pelo TRF4. O que o

STJ já analisou e o STF estava para analisar nada tem a ver com a suspensão

da inelegibilidade. Eram cautelare s que tratavam da suspensão integral dos

efeitos do título condenatório.

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14
O pedido do art. 26 -C, portanto, está sim posto. É claro que o ex -

Presidente poderia ter antecipado o debate por intermédio de cautelares. Em

um primeiro momento não o fez por ter a j usta expectativa de julgamento do

próprio mérito do recurso especial. Depois porque esperava, a q ualquer

momento, a concessão da interim measure pelo Comitê da ONU – o que de fato

aconteceu em tempo.

Batizar a espera de uma interim measure , já pleiteada de sde j ulho, como

abuso de direito – como faz o N O V O – é, em si, um abuso retórico .

Mais especificamente em relação ao pedido de tutela provisória

(gênero), a inicial do N O V O não indica em qual dispositivo se fundamenta o

pedido de concessão da tutela de evi dência (espécie). É necessário extrair da

argumentação um f undamento possível, eliminando os incogitáveis. Não se

pode supor que o pedido da tutela de evidência invoque tese firmada em

julgamento de casos repetitivos ou em súm ula vinculante (inciso II). A tese do

N O V O é inédita. Também não se trata, por óbvio, de pedi do reipersecutório

(inciso III).

Restam os incisos I e IV, em relação aos quais é vedada a concessão

inaudita. 13 Quem sabe por isso não tenham até aqui, corretamente, sido

analisados.

De qualque r forma, e mbora em tese aplicáveis à hipótese, no presente

caso não se pode falar de tutela de evidência também com fundamento nos

incisos I e IV (I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto

propósito protelatório da parte ”; “IV - a petição ini cial for inst ruída com prova

documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não

oponha prova capaz de gerar dúvida razoável ).

13 “Pedido de concessão de tutela de evidência. Impossibilidade de concessão inaudita altera parte. Exigência de
formação do contraditório. Inteligência do parágrafo único do art. 311 do CPC. Precedentes” (TJ-SP
22011224020178260000, Relator: Azuma Nishi, 25ª Câmara de Direito Privado, 23/11/2017).

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15
A leitura clássica do “inciso I” requer “ uma conduta que denote intuito

procrastinatór io, como, por exemplo, requerer diligências inúteis ou a produção de

provas desnecessárias ”. 14 Ora, a postura da defesa se deu de forma oposta à

moldura do “inciso I”. Como já demonstrado na “nota prévia” que abre a

defesa, nenhuma diligência foi requerida. Não houve pedido de diligências ou

produção de prova. Pelo contrário: pugnou -se pelo indeferimento profilático

das provas requeridas pelos impugnantes.

Até aqui o único ato do ex -Presidente foi a apresentação da defesa –

desta defesa. Incogitável que a sua mera apresentação seja classificada como

abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório . Bem lembra Bruno

BODART, “ não se pode abusar daquilo que sequer se exerceu ”. 15

Há quem também entenda que no inciso primeiro está contemplada uma

regra aberta. Bastaria a demonstração de robustez dos argumentos do autor e,

cumulativamente, uma defesa inconsistente . 16 A defesa do ex-Presidente L U L A ,

definitivamente, inconsistente não é. De lado outros consiste ntes argumentos

aqui apresentados, h á três par eceres, assinados por especialistas respeitados,

a demonstrar que a decisão do Comitê da ONU tem caráter vinculante. E que,

por isso, é suficiente para suspender a inelegibilidade.

A propósito, basta conferir em tópico próprio o amplo de bate que a

decisão do Comitê provocou no mundo jurídico para constatar que há uma

enorme controvérsia em torno da decisão. Não se pode falar em defesa

inconsistente . Pode -se discordar de todos os pareceristas; de todos os

14AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2016, p. 416. No mesmo sentido, MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo
civil comentado. São Paulo: RT, 2015, p. 501.
15 BODART, Bruno. Tutela de Evidência. São Paulo: RT, 2014, p. 116.
16MITIDIERO, Daniel. Antecipação da tutela: da tutela cautelar à técnica antecipatória. São Paulo: RT,
2017. p. 153.

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16
professores que se pronunciaram publicamente. Não ser ia honesto, no entanto,

sugerir inconsistência .

O inciso IV, por fim, orienta -se por uma lógica similar. O fato

constitutivo do direito do impugnante (a condenação de L U L A por órgão

colegiado) está documentalmente provado. Não há dúvida. O problema é que

o ex-Presidente L U L A opôs prova capaz de gerar dúvida razoável : a decisão

do Comitê da ONU. Aqui seria eventualmente o caso de tutela de evidência,

explica a doutrina, se a exceção substancial indireta , como neste caso, não viesse

acompanhada de prova docum ental. Se houvesse necessidade de produção de

prova da exceção sub stancial indireta , aí sim poderia ser cogitada a tutela de

evidência. 17 No entanto, a prova documental (a decisão do Comitê) acompanha

a defesa.

Todos estes argumentos são apresentados em hom enagem ao pedido de

tutela de evidência apresentado pelo N O V O e à própria discussão em torno do

cabimento, em tese, da medida. 18 Não obstante, é importante dizer – aqui na

defesa técnica do ex -Presidente – que toda a doutrina do Direito Eleitoral

refuta a possibilidade. No mesmo sentido caminha a jurisprudência.

José Jairo GOMES, tr atando de tutela antecipada, é muito clar o: “ Apesar

de seu reconhecido val or para a efetividade do processo, não tem cabimento em sede

de AIRC”. O autor r econhece um direito de fa zer campanha até a decisão final –

17Neste sentido, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo;
DANTAS, Bruno (coords.), Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: RT, 2015, p. 797.
18 Um dos advogados signatários desta petição, Luiz Fernando Casagrande Pereira, reconhece o
cabimento, em tese, de tutela de evidência e urgência em ação de impugnação de registro de
candidatura, em texto publicado e referido algumas vezes na petição do NOVO. Não seria necessário
consignar, mas a advocacia não provocou alteração da posição acadêmica já manifestada. Para o autor
cabe, em tese, tutela de evidência. Em posição que defendeu isolado na doutrina. A análise, no entanto,
é sempre casuística. Neste caso não se pode falar, pelos motivos expostos, em tutela de evidência ou
mesmo em fumus a autorizar juízos sumários.

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17
que seria incompatível com j uízos sumários em ação de impugnação de

registro de candidatura. 19

Para toda a doutrina e jurisprudência, o art. 16 -A entrega, na boa

expressão de SOARES DA COSTA, uma i munidade processual . 20

O Tribunal Superior Eleitoral não admi te a tutel a de evidência nem

mesmo quando já houve jul gamento em duas instâncias indeferindo o

registro. Em certo caso, pendente agravo contra decisão denegatória de

recurso especial, o Ministério Público Eleitoral requer eu tutela de evidência

para dar eficácia imediata à decisão. O Ministro Admar Gonzaga, em maio de

2018, negou a tut ela de evidência . 21

Noutro caso, o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, em outubro de

2016, negou tutela de evidência para dar eficácia imediat a à decisão de

indeferimento de registro, no ambiente do recurso especial. 22

Certo é que o TSE nunca admitiu juízos sumários (não apenas tutela de

evidência) em ações de impugnação de registro de candidatura . E é

importante observar que neste caso o TSE es tá a julgar em instância originária.

Não se trata de def ender – embora defensável na interpretação literal – o

19 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 400.
20Portanto, quando se tratar de questões tendentes ao afastamento de modo antecipado – ou mesmo quando se
visa impedir candidato de participar do pleito -, regra geral, não se aplicam os regramentos previstos
pelo direito processual civil a respeito das medidas antecipatórias, entendimento que deve ser mantido
mesmo com a vigência da novel codificação. (...) Como afirmado, o entendimento veiculado, que restou sufragado
na vigência do CPC de 1973, deverá ser mantido mesmo com o NCPC, porquanto se trata de medida que, em regra,
nenhum prejuízo trará ao processo eleitoral: viabiliza-se o registro do candidato e a sua participação no certame,
sendo que em caso de posterior reconhecimento da impossibilidade da sua participação, bastará ser alijado; por
outro lado, uma vez reconhecida a lisura de seu registro, não será ele prejudicado pela sua precoce
retirada do pleito (FISCHER, Roger. SILVA, Jaqueline Mielke. A (in)compatibilidade da tutela
provisória prevista no NCPC no âmbito do direito processual eleitoral. In: AGRA, Walber de Moura.
PEREIRA, Luiz Fernando. TAVARES, André Ramos (coord.). O Direito Eleitoral e o Novo Código de
Processo Civil. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 261-262).
21 TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 27840, Decisão monocrática de 21/05/2018.
22 TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 8144, Decisão monocrática de 24/10/2016.

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18
direito de interpor o eventual recurso ao Supremo com a garantia do efeito

suspensivo, tal qual assegura o art. 16 -A. A ideia, neste momento proc essual,

é pelo menos ter o direito ao esgotamento da instância originária.

A propósito, a inicial do N O V O cita dois casos de impugnação de

candidaturas em eleições presidenciais (RCPR 125 e RCPR 137) . Nos dois casos

os candidatos, impugnados e mesmo depois de terem os registros indeferidos

pelo TSE, seguiram em campanha. Em um dos casos ( RCPR 125, de Rui Costa

Pimenta do PCO), houve recurso ao Supremo, não j ulgado antes da eleição.

Ainda assim, o candidato seguiu em campanha, no horário eleitoral, e teve se u

nome mantido na urna eletrônica.

Apesar da força persuasiva dos dois precedentes, o N O V O sustenta que

não teria havido debate sobre a possibilidade de seguirem em campanha. De

fato, não houve. Não fazia sentido q ue houvesse. O TSE, sem nenhuma

controvérsia, apenas aplicou o então vigente art. 58 da Resolução 22.156/2006:

“O candidato que tiver seu registro indeferido poderá recorrer da decisão e, enquanto

estiver sub judice, prosseguir em sua campanha e ter seu nome mantido na urna

eletrônica”. É a regra predecessora do vigente art. 16 -A.

Como in claris non fit interpretatio , os dois candidatos seguiram em

campanha. Ninguém cogitou negar vigência à regra tão clara. Foi por isso que

não houve debate.

Embora não tenha havido controvérsia propriamente, no caso da RCPR

nº 137 houve decisão do Ministro Cezar P eluso, em 24 de agosto de 2006, para

que, nos termos da Resolução do TSE , a então candidata impugnada, que

estava sub judice, pudesse realizar todos os atos da sua campanha eleitoral,

inclusive as propagand as no horário elei toral gratuito . Nenhuma dúvida.

A propósito, Bolson aro e Alckmin – também impugnados nesta eleição

de 2018, tal qual L U L A – seguem em campanha, amparados pelo mesmo art. 16 -

A.

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19
Por dever de lealdade, é verdade que agor a, na eleição de 2018 , surgiram

três decisões isoladas, em milhares e milhares de pedido s de registro,

concedendo liminares em ações de impugnação de registro de candidatura. São

três casos até aqui – que em nada se assemelham ao caso de L U L A . Em dois

casos havia condenação cr iminal com trânsito em j ulgado, sem nenhuma tese

de suspensão da in elegibilidade. L U L A tem a decisão do Comitê da ONU,

argumenta com a ausência de trânsito e julgado e ainda pode tentar as

liminares do art. 26 - C da LC 64/90. Outro caso, ainda mais exótico, trata de

candidato que sequer eleitor seria (sem inscrição eleitoral).

Os exemplos isolados, concedidos em casos surreais, reforçam o

descabimento da tutela de evidência ou qualquer medida sumária neste caso

concreto do ex-Presidente.

A propósito de decis ões recentes, confirmando duas décadas de

inadmissão de medidas sumárias em ações de impugnação de registro de

candidatura, há uma muito didática do TRE -DF, de 28 de agosto de 2018:

“ Pri m ei r am e nte, ce rti f i ca - se a a usê n cia de ba se le ga l pa ra o

de fe ri me nt o d o ple it o p r ovi só ri o . A a ç ão de i m pu g n aç ão d e

regi s tro de c a ndi d at u ra e nco nt r a di sci pl i n a e ri to p ro ce ss u al

pró pri o no s ar t s. 3 º e se gui nte s d a LC n º 6 4 / 9 0 e no s a rt s. 3 8 e

se gui nte s d a R eso l u ç ão do TS E n º 2 3 .5 4 8 / 1 8 . Em m ome nt o

a l gum da no r ma p r oce ssua l de re gê ncia c ons ta o ca bi me nt o de

t ut e l a pr o vis ór ia , muit o me n os, pe rm ite limina r pa ra

suspe n de r a re a liz a ç ã o de a to s de ca mp a nha e i mpe di r o

re ce bi me nt o de fun d os e le ito ra i s pe l os ca ndida t os . I ne xi ste

pre vi s ão l eg al p a r a t ai s i n te nto s. ”

A mesma decisão ainda chama a atenção para outro fator

importantíssimo: a ir reversibilidade:

“ Fri se - se q ue a l egi s l aç ão pro c es su al ve d a a co n ce ss ão de

l i mi n are s q ue i mpo s si bi l i te a re ver si bi l i dad e d a m edi d a. ( ...)

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20
com a re du çã o d o p ra z o de ca mp a nha , ca da dia pe rdid o p ode

i nfl u e nci a r e p re ju dica r o de se mpe nh o do ca ndida t o e

de se qui l i bra r a disp u ta e le ito ra l .”

O Comitê da ONU vedou o impedimento da candidatura de L U L A . Se a

decisão vincula ou n ão – tema de fundo da defesa – é algo para se decidir em

plenário. O que não parece faz er sentido é arrancar o candidato da disputa,

com óbvios efeitos irreversíveis, em decisão contra toda a j urisprudência do

TSE, a poucos dias do julgament o em plenário .

A defesa não fez rigorosamente nada para atrasar o julgamento. Pelo

contrário. Quer ape nas que o plenário, competente para decidir o mérito,

avalie os argumentos apresentados. Não é pedir muito.

Por fim, também não é o caso de rejeição liminar de mérito, do art. 332

do CPC, como também requer o N O V O . Em relação à inelegibilidade, também

é nova a discussão em torno dos reflexos da decisão do Comitê da ONU. O

dispositivo exige or ientação conformada nos tribunais superiores. 23 Ora, o

próprio N O V O reconhece que a tese é nova. Não há como in vocar orientação

segura em tese inédita.

06. T A M B É M NÃ O C A B E T U T E L A D E E V I D Ê NC I A O U U R G ÊN C I A P OR Q U E HÁ U M

P E C U L I A R S I S T E M A D E R E GI S T R O D E C A ND I D A T U R A S V I G E N T E N O BRASIL. O

R E S U L T A D O D O D I Á L O GO E N T R E OS A R T . 16-A E A R T . 11, § 10 º D A L E I E L EI T OR A L

E ART. 26 D A LC 64/90

23 “Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu,
julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar: I - enunciado de súmula do Supremo
Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal
Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; III - entendimento
firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV -
enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.”

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21
O sistema de registro de candidatur as no B rasil é repleto de

particularidades. É incontroverso na doutrina. Foi o pedido de registro da

candidatura de Lula que despertou o país para o tema.

Em vários países an alisados, a campanh a eleitoral só tem início depois

de definida a fase de registro, como no Equador e na Espan ha, por exemplo.

Em Portugal, de igual forma, não se inicia a fase de campanh a sem terminar a

fase de registro. É a ideia da cascata. 24

A Alemanha estabelece como data limite para decisão final sobre

registro de candidatura o prazo de 4 8 dias antes da eleição. 25 Aqui no Brasil

também há prazo limite para a definição (vinte dias antes da eleição – art. 16,

§ 1º), mas é um prazo processual impróprio, frequentemente descumprido. 26

Na França, eventual descumprimento do prazo limite resulta em deferimento

automático da candidatura ( Si le tribunal ne s'est pas prononcé dans le délai

imparti, la candidature est enregistrée ) 27.

Aqui no Brasil o pedido de registro de candidaturas só pode ser

formalizado no primeiro dia da campanha eleitoral. Assim, a aferição das

24MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da constituição. 4ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense,
2015. BARROS, Manuel Freire. Conceito e natureza jurídica do recurso contencioso eleitoral. 4 Coimbra:
Almedina, 1998. PORTUGAL. Tribunal Constitucional. Acórdão nº 322/85. Publicação: Diário da
República, II série, n. 88, de 16/04/1986. PORTUGAL. Tribunal Constitucional. Acórdão nº 35/86.
Publicação: Diário da República, II série, n. 109, de 15/05/1986. Apud: FRASCATI, Jacqueline Sophie
Perioto Guhur. Notas para a compreensão do contencioso da apresentação ou registro das candidaturas
das eleições políticas, sob o enfoque dos ordenamentos jurídicos português e brasileiro. Revista de Direito
Constitucional e Internacional, v. 58, p. 174, jan. 2007.
MIRANDA, Jorge. Leis eleitorais para os parlamentos dos países da União Europeia. Lisboa: Imprensa
25

Nacional: 1998. p. 29-31.


26Sobre a dificuldade de se cumprir este prazo, conferir VALENTE, Luiz Ismaelino; SALES, José
Edvaldo Pereira. O registro de candidatos (artigos 10 ao 16-B). In: PINHEIRO, Célia Regina de Lima;
SALES, José Edvaldo Pereira; FREITAS, Juliana Rodrigues. Comentários à lei das eleições. Belo Horizonte:
Fórum, 2016. p. 62.
27 “Se o tribunal não tiver se pronunciado dentro do prazo estabelecido, a candidatura é registrada” (tradução
livre).

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22
condições de elegibilidade e eventuais inelegibilidades só podem ser

examinadas em processo que tramita em paralelo à campanh a eleitoral. Esta

concomitância é incompreendida por muitos, mas é o sistema vigente.

O tema ganhou maior relevância com a redução do período de campanha

eleitoral pela Lei 13.165/2015. Se a J ustiça Eleitoral tinha 70 dias para julgar

todos os processos de registro (20 dias antes da eleição), agora passou a ter

apenas 25 dias. Não por acaso, o TSE divulgou q ue 145 prefei tos se elegeram

com registros sub judice em 2016. E a eleição sub judice é outra manifestação do

sistema.

Ao candidato, no entanto, não se pode impor qualq uer ônus q ue decorre

do sistema escolhido pelo Congresso Nacional. Se não há como pedir o registro

antes, o ônus da demora do j ulgamento do processo de registro não pode recair

sobre o candidato. É com esta lógica subjacente que foi concebido o art. 16 -A

da Lei Eleitoral: “ O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar

todos os atos relativos à campanha eleitoral (...) ”. Nem poderia ser diferente.

Ora, o ex-Presidente L U L A requereu o registro de candidatura no prazo

do calendário eleitoral. Sofreu dezessete impugnações. No prazo legal,

apresenta defesa. Uma defesa consistente, com uma exceção processual

(prejudicialidade), duas exceções substanciais direta s (filtragem constitucional

da inelegibilidade antecipada e sindicabilidade do título condenatório) e uma

exceção substancial i ndireta (a suspensão da inelegibilidade pel o Comitê da

ONU). E ainda pode requerer a suspensão da suposta inelegibilidade (que é

provisória) ao STJ e STF.

Não houve pedido de produção de pr ova. O ex -Presidente quer o

julgamento – q ue pode demorar alguns dias. Se perder, pode recorrer ao

Supremo (há temas de índole const itucional). Exatamente porque a Justiça

Eleitoral leva tempo (um tempo q ue o candidato não deu causa) é que o art.

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23
16-A garante a realização de todos os atos de campanha até o julgamento do

processo, com todas as garantias inerentes aos status de candidato .

É o que explica Rodr igo Lopes ZILIO: “ A preocupação da Corte Superior é

permitir que o candidato, enquanto estiver postulando judicialmente o seu registro

para a disputa do pleito, mantenha o seu direito de prosseguir praticando, de modo

pleno, todos os atos i nerentes à campanha eleitoral ”. 28 Como poderia ser diferente?

O art. 16-A apenas garante que o candidato não seja penalizado pelo tempo do

julgamento que não lhe pode ser imposto.

Logo depois da edição da Lei d a Ficha Limpa, responsável pela

antecipação do momento da eficácia da inelegibilidade, houve quem

defendesse que a garantia da prática dos atos de campanha, prevista no art.

16-A, só seria assegurada até decisão colegiada em torno do registro. O TSE

refutou a ideia. E reafirmou que a imunidade pr ocessual (expressão de Adriano

SOARES DA COSTA ) valia enquanto o registro estivesse sub judice . 29 Neste

julgamento, unânime, o TSE consignou:

A ssi m, a di sc u ss ão s o bre a vi a bi l i d ade de c an di da t ur a d e ve

o bser va r o de vi do p ro ces so l eg al , nã o s e pode nd o a d ota r

sol u çõe s d rá sti ca s q ue impli que m a f r on ta a di re ito d os

ca ndi da t os, pa rtid os e coli ga ç õe s .(...)

O q ue n ão se po de é ne g ar - l he o di rei to de pro ss eg ui r n a

ca m p a nh a el ei to r al , cu ja e ve n tua l me dida p r oibiti va impli ca rá

fl a gra nt e e i r re pa rá ve l pre j uíz o .

28ZILIO, Rodrigo López. Nulidade dos votos no sistema proporcional: eficácia e efeitos da decisão
judicial. Revista Brasileira de Direito Eleitoral – RBDE. Belo Horizonte, ano 5, n. 8, jan./jun. 2013.
Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/PDI0006.aspx?pdiCntd=96272>. Acesso em: 20 out. 2017.
29“não se pode - com base na nova redação do art. 15 da Lei Complementar nº 64/90, dada pela Lei Complementar
nº 135/2010 - concluir pela possibilidade de cancelamento imediato da candidatura, com a proibição de realização
de todos os atos de propaganda eleitoral, em virtude de decisão por órgão colegiado no processo de registro”. (TSE,
Agravo Regimental em Reclamação nº 87629, Relator(a) Min. ARNALDO VERSIANI, 4/10/2012).

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24
Como impor a L U L A uma solução drástica, proibitiva de fazer campanha,

implicando flagrante e irreparável prej uízo , se não é possível lhe atribuir

nenhum atraso no julgamento do seu pedido de registro ? Seria esvaziar todo

o conteúdo normativo do art. 16 -A.

Há outro elemento de instabilização do sistema de registro de

candidaturas no Brasil que também não é atribuível a L U L A ou a qualquer outro

candidato. Os requisitos negativos e positivos não necessariamente devem

estar presentes no momento do pedido de registro de candidatura. Isso porque

o § 10º do art. 11 da Lei das Eleições prevê que “[...] as causas de inelegibilidade

devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidat ura,

ressalvadas as alterações, fáticas ou jurí dicas, supervenie ntes ao registro que

afastem a inelegi bilidade ”.

L U L A , como qualq uer outro candidato, pode pedir o r egistro de

candidatura e buscar, concomitantemente, a suspensão da inelegibilidade.

Pode buscar a alteração jurídica superveniente que afaste a inelegi bili dade. Dos 145

candidatos que se elegeram em 2016 com o registro indeferido, 98 conseguiram

uma alteração fática ou j urídica superveniente após a eleição, apenas antes da

diplomação. Reverteram o indeferimento do registro, for am diplomados,

tomaram posse e exercem o mandato.

O TSE não apenas sempre aplicou o §10º do art. 11, como gradativamente

passou a aceitar alterações cada vez mais tardias para restabelecer a

elegibilidade. Atualmente a alteração pode se dar até a diplomação. O

enunciado jurispr udencial que orienta a admissão desta alteração tardia é

enfático: “Negar o f ato superveniente que af asta a inelegibilidade constitui

grave vi olação à soberania popul ar ” (ED em RO n° 29432).

Condenado por decisão colegiada, L U L A requereu a suspensão da

inelegibilidade tanto no recurso especial quanto no recurso extraordinário ,

como manda o art. 26 -C, dispositivo a seguir analisado. Os recursos

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25
demoraram a subir aos tribunais superiores. Diante disso, em julho de 2018, o

ex-Presidente foi ao Comitê de Direitos H uma nos da ONU, relatou o

impedimento a sua candidatura e obteve uma interim measure . O pedido de

registro foi formalizado no dia 15 de agosto; a decisão do Comitê é do dia 17

do mesmo mês, dois dias depois.

Para os pareceristas do caso ( PEREGRINO e MEZZAROBA ), “a decisão

(...) pode, em uma interpretação harmônica com o ordenamento interno, ser

considerada como deci são do art. 26 -C, da Lei Complementar 64,como alteração fática

e jurídica para suspender a inelegibilidade (a rt. 11, § 10, Lei n. 9.504/97), porquant o

seu caráter cautelar é idêntico ao efeito suspensivo alinhavado na l ei nacional ”.

É dizer: L U L A obteve uma alteração superveniente que deve repercutir no

registro. Desprezar esta alteração, na posição firme do TSE, constituiria “grave

violação à soberan ia popular ” (ED em RO n° 29432) .

O TSE pode reputar não vinculante a decisão do Comitê, o que não se

espera – é claro (isso será tratado em ponto específico). Até porque a recusa

ao cumprimento “ gerará responsabilidade internacional do estado brasileiro ”,

dizem os pareceristas. Agora, se a decisão não repercutir aqui no TSE na forma

como deveria repercutir – segundo os pareceristas –, renasce o interesse de

agir de L U L A em requerer medidas cautelares do art. 26 -C da LC 64/90. E ainda

em tempo, pois o TSE ma nda esperar a diplomação.

Foi a partir das eleições de 2014 que o Tribunal Superior Eleitoral firmou

este entendimento , segundo o qual “ as circunstâncias fáticas e jurídicas

supervenientes ao registro de candidatura que afastem a inel egibilidade , (...)

podem ser conhecidas em qual quer grau de jurisdição , incl usive nas instâncias

extraordinárias, até a data da diplomação ” 30. Pela orientação prevalente do TSE,

30Recurso Especial Eleitoral nº 12206, Acórdão, Relator(a) Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE
- Diário de justiça eletrônico, Data 15/08/2017, e Recurso Especial Eleitoral nº 7277, Acórdão, Relator(a)
Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 15/08/2017 e Recurso

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26
portanto, L U L A tem até a diplomação (em 19 de dezembro) para reverter a

inelegibilidade (se assim já n ão entender o TSE pela decisão do Comitê). Basta

que demonstre a plausibilidade dos recursos interpostos ao STJ/STF.

É bom que haja esta indefinição? Parece óbvio que não. No entanto, a

instabilidade não pode ser atribuída a L U L A . O ex-Presidente foi conde nado

rapidamente pelo TRF4. Recorreu e pediu a suspensão da inelegibilidade. Os

recursos não subiram. Requereu, então, a suspensão da in elegibilidade no

Comitê do ONU. Obteve a medida dois dias depois do registro.

L U L A atuou rigorosamente no trilho do sist ema vigente. E vigente para

todos.

O problema, em verdade, está com a disfuncionalidade da própria Lei d a

Ficha Limpa. Há um descompasso entre o momento da liberação da eficácia da

inelegibilidade e o julgamento final. Neste intervalo entra em cena o art. 26-C

– responsável por suspender ou não a inelegibilidade por intermédio da régua

imprecisa da plausib ilidade , do cálculo de probabilidade , na expressão de

Calamandrei. 31

A inelegibilidade, no Brasil, é decidida pelo aleatório momento da

condenação provisór ia do colegiado (no caso de L U L A a definição temporal ficou

com o TRF4) e a posterior análise subjetiva e sumária do grau de verossimilhança

de um recurso . É um critério quase lotérico; algorítmico. É ruim para a

democracia.

O Ministro Fux, comentando o ar t. 26- C em livro de Direito Eleitoral,

explica q ue “a ratio essendi do preceito é precisamente permitir que o pretenso

Especial Eleitoral nº 27017, Acórdão, Relator(a) Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE - Diário de
justiça eletrônico, Data 15/08/2017.
31 CALAMANDREI, Piero. Introducción al estudio sistematico de las providencias cautelares, p. 36.

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27
candidato, sempre que houver fumus boni iuris, prossiga na corrida eleitoral ”. 32

Sempre que houver fumus boni iuris ; é a senha do registro de candidatura no

Brasil.

O recurso especial do ex -Presidente L U L A está admitido. Já é sinal claro

de plausibilidade, dado o exíguo número de recursos especiais admitidos. E

também foi considerado plausível por dezenas de juristas que trataram do

tema, inclusive em dois livros publicados sobre as decisões (de primeira e

segunda instâncias). 33

No mesmo sentido, os pareceristas da área penal identificaram

plausibilidade em pelo menos três teses: atipicidade dos crimes de corrupção

e lavagem e prescrição tamb ém em relação aos dois tipos. Até aqui não houve

pronunciamento do STJ e do STF sobre a plausibilidade exigida pela dicção do

art. 26-C, pelas razões já explicitadas.

6.1 Análise jurimétrica da realidade impost a por um regime i nstável de

registro de candi dat ura no Brasil. Alguns casos concretos si milares

Milhares de candidatos de 2010 para cá (Lei da Ficha Limpa) disputaram

a eleição antes da decisão final sobre o registro. Todos eles tiveram o direito

de fazer campanha inclusive no horário eleitoral grat uito, além de constar em

urna eletrônica. É o que manda o art. 16 - A e o § 10º do art. 11 da Lei Eleitoral,

32FRAZÃO, Carlos Eduardo; FUX, Luiz. Novos paradigmas do Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum,
2016. p. 257-258. Também sobre o tema, conferir, CHEIM JORGE, Flávio; SANTOS, Ludgero Ferreira
Liberato dos. A suspensão da inelegibilidade advinda das decisões judiciais e atribuição de efeito suspensivo aos
recursos. Revista de Processo. vol. 215. p. 13. Jan/2013DTR\2013\367.
33 Vale conferir os dois livros publicados sobre o tema, em versão digital.
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servico
s_produtos/BibliotecaDigital/BibDigitalLivros/TodosOsLivros/Comentarios-a-uma-Sentenca-
Anunciada.pdf
https://www.alainet.org/pt/articulo/194715

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28
combinado com o art. 26 -C da LC 64/90, nos termos expostos no tópico

anterior.

2016

DADOS: Dos 145 candidatos que foram eleitos nas urnas estando com o

registro indeferido na Justiça Eleitoral, 98 candidatos reverteram o

indeferimento do registro, ou seja, cerca de 70% obtiveram sucesso em decisões

judiciais após o pleito.

Eleições de 2012, 2014 e 2016 no Estado de São Paulo

DADOS: 109 candidatos a prefeit o e vereador disputaram o pleito com o

registro indeferido, recorrendo aos tribunais superiores. Deste número, 60

candidatos, ou seja, 55% do total dos indeferidos, reverteram, em âmbito

recursal, o indeferimento de registro de suas candidaturas durante o processo

eleitoral.

De 2010 até o momento , f oram encontradas cerca de 70 decisões do TSE (entre

monocráticas e colegiadas) em que o r egistro de candidato supostamente

inelegível foi primeiramente indeferido, mas que, no decorrer da disputa

eleitoral, sobr eveio uma suspensão j udicial da inelegibilidade, seja fundada

no poder geral de cautela, seja no art. 26- C.

Alguns casos aleatoriamente escolhi dos

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29
2010 – O candidato ao Senado pelo Estado de Rondônia, Ivo Cassol teve sua

condenação suspensa pelo TSE em 19/11/2008 (antes da diplomação)

possibilitando o deferimento do registro (AgR em RO nº 91145).

2014 – O candidato ao Governo do Estado do Tocantins, At aídes de Oliveira

obteve liminar deferida pelo TSE em 31/07/2014 , suspendendo todos os efeitos

da condenação e possibilitando o deferimento de seu registro ( Recurso

Ordinário n.º 26810).

2016 – Galileu Teixeira Machado ( PMDB) disputou toda a eleição de 2016 em

Divinópolis/MG com o registro indeferido por condenação em segunda

instância. Em 06/12/2016 (antes de diplomação) obteve liminar do STJ

suspendendo sua inelegibilidade, levando o TSE a permitir que fosse

empossado prefeito daquele município como candidato mais votado (Recurso

Especial Eleitoral n° 28462).

2016 – Claudio Linhares (PMDB) disputou todo o pl eito com o registro

indeferido em função de condenação em segunda instância, obtendo liminar

no STJ para suspender os efeitos da inelegibilidade em 14/12/2016 (antes da

diplomação). O TSE reverteu o indeferimento de seu registro e possibilitou

que assumisse o cargo para prefeito de Conceição de Macabu/RJ (Recurso

Especial Eleitoral n° 6288).

2016 – O candidato Zé Roberto (PSC) disputou toda a eleição de 2016 em

Leopoldina/MG com o registro indeferido, sendo que em 06/12/2016 (antes da

diplomação) obteve de cisão no STJ que reconheceu a extinção da punibilidade

e permitiu a posse como prefeito (Recurso Especial Eleitoral nº 51342).

2016 - José Salim H aggi Neto (PMDB) disputou todo o pleito com o registro

indeferido em função de condenação em segunda instânc ia, obtendo efeito

suspensivo para afastar os efeitos inerentes à condenação criminal no TJ/P R

em 17/11/2016 (antes da diplomação). O TSE reverteu o indeferimento de seu

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30
registro e possibilitou que assumisse o cargo (Recurso Especial Eleitoral nº

6338).

2018 – O Deputado Federal José Rodri gues (PSD) , que cumpria pena em

regime semiaberto, obteve liminar do STJ em 14/08/2018 (um dia antes de

encerrar os registros de candidatura) par a suspender todos os efeitos de sua

condenação, permitindo sua candidatura à reeleição. (AgR no HC 454.580)

Outros três casos ai nda mais emblemáticos

Caso 01

Em 2012, Romário Vieira da Rocha foi can didato à reeleição ao cargo de

Prefeito pela cidade de Corumbaíba/GO. Estava condenado criminalmente por

órgão colegiado e, por isso , supostamente incurso na mesma inelegibilidade

da alínea “e”. Contra tal decisão, Romário interpôs recurso especial. Sustentou

a necessidade de suspensão cautelar da inelegibilidade, diante da

plausibilidade das teses do recurso. O registro foi indeferido pelo Juiz

eleitoral.

O TRE de Goiás manteve o indeferimento. Com f undamento no art. 16 -

A, seguiu em campanha. Em 06 de setembro de 2012, faltando um mês para a

eleição, o Ministro Jorge Mussi , atualmente no TSE, reconheceu a

plausibilidade do recurso espe cial interposto ao STJ e deferiu a suspensão da

inelegibilidade com fundamento no art. 26 -C. A tese reputada plausível pelo

Ministro Mussi dizia com a eventual prescrição.

O recuso especial de L U L A , entre outros fundamentos, requer o

reconhecimento da pres crição. O parecer dos criminalistas defende a

plausibilidade da tese da prescrição à luz da jurisprudência do próprio STJ.

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31
Com a decisão liminar do ministro Mussi, o então candidato deu a

notícia ao TRE – que apreciava os embargos de declaração – e teve o registro

deferido (art. 11, §10º da Lei n.º 9.504/97). Venceu a eleição, foi diplomado e

exerceu o mandato.

Caso 2

Em 2010, Maria Isaura Lemos era candidata a deputada estadual pelo

estado de Goiás. Dias antes do pedido de registro estava condenada em

improbidade administrativa, por órgão colegiado. Inelegível, portanto. A

acusação era de se apropriar de salário de funcionários fantasmas.

Contra a decisão do TJ -GO, havia um recurso extraordinário inadmitido

– como inadmitido e stá o RE de Lula. Na pendência do agravo em RE, foi ao

Supremo e pediu a suspensão da inelegibilidade ( AI 709634) . Avaliando

plausíveis as teses do RE, o Mi nistro Dias Toffoli concedeu a liminar. O

registro da candidata foi deferido, ganh ou a eleição, exerceu o mandato e se

reelegeu na eleição seguinte.

Caso 3

Carlos Alberto Pereira, então prefeito do Município de Lavras, foi

acusado de desvio de recursos do FUNDEF. Foi condenado em primeira

instância, decisão confirmada pelo Tribunal de Justiça mineiro. Interpôs

recurso especial – inadmitido. O recurso especial de Lula está admitido.

Houve a interposição de agravo em RESP. O pedido de registro se deu

com a inelegibilidade eficaz. Em nove de agosto, o Ministro Luiz Fux , então

no STJ, reconheceu a plausibilidade da tese veiculada no rec urso especial

(mesmo inadmitido) e suspendeu a inelegibilidade do então candidato a

deputado federal. Fez toda a campanha e ficou na primeira suplência.

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32
07. E X C E Ç Õ E S P R OC E S S U A I S E S U B S T A N C I A I S

7.1 A suspensão superveniente de i nelegibi lidade. A interim me asure do

Comitê de Direitos Humanos da ONU

O Co mi tê é o ó rg ão c uj a j uri s di ç ão fo i e xpr es s am e nte pre vi s t a

pel o pró p ri o p ac to de di rei to s ci vi s e po l í ti co s, s u bscri to pel o

br asi l ( d ecre to l e gi sl a ti vo n º 2 2 6 / 9 1 ) – g ar a nti a i ns ti t uci o n al

f i xad a pel o pró pri o tr at a do – co r po res po n s á vel pel a

f i sc al i z aç ão do cu m pri me n to , p el o s p aí s es ad ere nt es , do s

di rei to s p re vi sto s no pa cto – “ tre a ty bo d y” q ue, ao l ado d a s

“ i nter n a ti o n al co u rt s ” , co m põ e o si s te m a i nter n a ci o n al de

pro te ç ão do s di rei to s hu m a no s – i m peri o s a apl i c aç ão , ao c aso ,

apó s a o i ti va de to do s o s au to re s, d a s no r m a s do ar t. 1 1 , § 1 0 º

da l ei n º 9 .5 0 4 / 9 7 e do ar t. 2 6 - c d a LC n º 6 4 / 9 0 – da su s pe ns ão

da i n el egi bi l i dad e e d o defe ri me n to do re gi s tro d e c an di d at ur a

do re qu ere nt e.

Antes de impugnar, em termos fundados , a suposta inelegibilidade

atribuída a este candidato a Presidente da República, cumpre registrar, por

relevante, a existência de uma exceção substancial indireta, consistente no

advento de fato superveniente , suficiente e eficiente para afastar qualq uer

óbice à candidatura do ex -Presidente (art. 11, § 10º da Lei nº 9.504/97, c/c art.

26-C da LC nº 64/90) , em especial o óbice decorrente da condenação criminal

em segundo instância.

Trata-se do excepci onalíssimo deferimento de providência acautelatória

(interim measure) pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU, q ue requisitou ao

Brasil, formalmente, que libere a candidatura de L U L A , até que os recursos já

interpostos contra sua condenação criminal sejam julgados ( em um processo

justo).

Tal medida excepcionalíss ima – que por nenhum modo é banalizada ou

vulgarizada pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU e que apenas é adotada

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33
em situações revestidas de inquestionável gravidade – foi proferida na

perspectiva de procedimento ainda em curso perante aquele Comitê (e n o qual

são veiculadas diversas violações, pelo Brasil, ao Pacto Internacional de

Direitos Civis e Políticos). E precisamente em razão da plausibilidade das

alegações lá apresentadas.

7.2 Uma síntese da representação individual. Nos dois anos de t ramitaçã o,

há três manifestações do Estado brasileiro reconhecendo a submissão às

decisões do Comitê

Em julho de 2016 , h á 02 anos, L U L A , por seus advogados, f ormalizou

representação individual perante o Comitê de Direitos Humanos na ONU,

corpo responsável pela imp lementação do Pacto Internacional de Direitos

Civis e Políticos.

Sustentou-se, em síntese, que a condução da Ação Penal nº 5046512-

94.2016.4.04.7000/PR, processo criminal contra si instaurado e em curso

perante a 13ª Vara Federal de Curitiba e que desembo cou na suposta causa de

inelegibilidade invocada pelos impugnantes, estava a ofender o art. 9 º (1)

(proteção contra prisão ou detenção arbitrária); o art. 14 (1) (direito a um

julgamento independente e imparcial); o art. 14 (2) (direito à presunção de

inocência) e o art. 17 (proteção contra indevida invasão da privacidade e contra

indevidos ataques à honra e reputação) 34, todos do PIDCP.

34 ARTIGO 14
1. Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça. Toda pessoa terá o direito de
ser ouvida publicamente e com devidas garantias por um tribunal competente, independente e
imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela
ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser
excluídos de parte da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, de ordem pública
ou de segurança nacional em uma sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das
Partes o exija, que na medida em que isso seja estritamente necessário na opinião da justiça, em
circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto,
qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá torna-se pública, a menos que o interesse

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34
Dessa representação, foi formalmente comunicado o Estado Brasileiro

que, em janeiro de 2017, apresentou extensa peça de manif estação, em cuj as

57 laudas defendeu que a representação individual movida por este ex-

Presidente não poderia ser conhecida, por não ter ele esgotado todas as vias

de irresignação previstas no âmbito j udicial doméstico, o q ue violaria os art.

2 e 5 (2)(b) do Protocolo Adicional ao Pacto 35, a estabelecer verdadeira regra

de subsidiariedade da jurisdição internacional do Comitê.

Superado o óbice da subsidiariedade, o Estado Brasileiro, desde logo,

manifestou-se sobre o mérito de cada uma das quatro violações a o Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Políticos apontadas por este candidat o ,

concluindo seu arrazoado nos seguintes termos (tradução livre) 36:

de menores exija procedimento oposto, ou processo diga respeito à controvérsia matrimoniais ou à


tutela de menores.
2. Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for
legalmente comprovada sua culpa (....).
ARTIGO 17
1. Ninguém poderá ser objetivo de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua
família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação.
2. Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas.
35 ARTIGO 2º
Ressalvado o disposto no artigo 1º os indivíduos que se considerem vítimas da violação de qualquer
dos direitos enunciados no Pacto e que tenham esgotado todos os recursos internos disponíveis podem
apresentar uma comunicação escrita ao Comitê para que este a examine (...).
ARTIGO 5º (...)
2. O Comitê não examinará nenhuma comunicação de um indivíduo sem se assegurar de que:
a) A mesma questão não esteja sendo examinada por outra instância internacional de inquérito ou de
decisão;
b) O indivíduo esgotou os recursos internos disponíveis. Esta regra não se aplica se a aplicação desses
recursos é injustificadamente prolongada.
36Todos os documentos em língua estrangeira anexados à presente defesa estarão acompanhados, nos
termos do art. 192 parágrafo único do CPC, da respectiva tradução juramentada. No entanto,
considerada a exiguidade do prazo defensivo e a confecção deste arrazoado em momento ainda
ANTERIOR ao recebimento da tradução oficial, serão utilizadas, ao longo do corpo do texto, traduções

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35
“ Por t od a s as r azõ e s acim a, o E stad o B ra si l ei ro r e q u er a e st e

h ono ráv e l Co m it ê d e D i r eito s H um a no s r eco nh e ça a im p o ss i bi lid ad e

d e an al is ar o m ér ito d o s p ed id o s d o ap l ica nt e, t end o em v i sta o n ão

ex a u rim e nt o d e tod os o s r ecu r so s i nt er no s d i sp o n ib il iz ad o s a el e p e lo

Est ad o B ra s il ei r o, em cl ara v i ola ção ao P roto col o Ad ici on al ao Pac to

I nt er na cio na l s ob r e D i r e ito s C iv i s e Po lít ico s, a r tig o s 2 e 5 (2 )( b) c/ c

art ig o 9 6 ( f) d a s R eg r as d e Pr oc ed im e nto d o Com itê d e D i r eit os

H um a no s.

( ...)

O E st ad o B ra si le i ro a p rov eit a a op o rt u nid ad e p a r a re it e ra r s eu

co mp r o mi ss o c om o Si ste m a de D i rei t os H u ma n os d as N aç ões

U ni da s e co m es te h o no r á vel Co mi tê de D i r eit os H u m an os e m

pa r ti c ul a r ” .

Interessante registrar, por oportuno, que, em tal substanciosa

manifestação defensiva, o Estado Br asileiro não apenas reiterou “seu

compromisso com o Sistema de Direitos Humanos das Nações Unidas ” e com o

“honorável Comitê de Direitos Humanos, em particular ”.

Mais do que isso, em tal arrazoado, o Brasil expressamente reconheceu

não apenas a força vinculativa do Pacto Internacional (Decreto Legislativo nº

226), mas, por igual, do Protocolo Opcional (aprovado pelo Decreto

Legislativo nº 311), por meio do qual os países aderentes passaram a

reconhecer a legitimidade do Comitê não apenas para o recebimento de

reclamações entre Estados membros, mas, por igual, para o recebimento de

reclamações indivi duais formuladas por cidadãos dos Estados aderentes ao

Pacto.

livres, que poderão, ao final, em caso de dúvida por parte deste E. Tribunal Superior, ser cotejadas com
o laudo final.

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36
Eis o que corretamente consignou o Estado Brasileiro, na primeira de

suas 03 intervenções no procedimento (tradução livre):

“ A co m u ni caçã o d e L uiz Iná cio L u la d a S ilv a c o nt ra o B ra si l p e ra nt e

o Com it ê é b as ead a no Prot oco lo O p ci o nal ao Pacto In te r nac io na l

so b r e D i r eit o s Civ is e P olít ico s ( PID CP), p r om u lg ad o no Br a si l p e lo

D ec r et o 3 1 1 d e 1 6 d e j u nh o d e 2 0 0 9 . M u ito em b ora o P roto col o ai nd a

não t e nh a fo rç a i nt e rn a, is so não a fe ta s ua v ali da de

i n te rn aci o n a l e m rel aç ão a o B r asil . I nte r e ss ant e, a v al id ad e

int e rn a d o Pr otoc olo ai n d a nã o oc o rr e u em raz ão d a fa lta d e D ec r eto

Pr e sid en ci al, q u e d ev e r i a s e r p u bl icad o n o D i á ri o O f ici al ( ...).

( ...) .

O fat o é qu e q ua l qu e r cid ad ã o p od e e ncam i nh a r um a com un ica ção

ind i v id ua l p e ra nt e e st e Com it ê. Ess e é u m i m p o r ta n te di re it o p a ra

q ua l q u er u m no s E st a do s pa r tes . Com o co n s e qu ê nc ia, o s Est ad o s

d ev em p r ov id en cia r um a r esp os ta a q u al q ue r c om u ni caçã o, qu e é o

q ue o B ra s il e stá a f az e r (...).”

Após essa primeira manifestação do Estado Brasileiro, de j aneiro de

2017, foram apresentadas novas manifestações por este ex-Presidente da

República: uma primeira, de maio de 2017, em que foram replicados os pontos

“defensivos” constantes da peça brasileira; um segundo arrazoado, de outubr o

de 2017 , com novas atualizações sobre o desenrolar do feito criminal, com o

reforço das violaçõe s ao Pacto inicialmente denunciadas.

É dizer, oito meses após sua primeira int ervenção , o Estado Brasileiro,

comunicado de todas as peças deste candidato, enc aminhou ao Comitê de

Direitos Humanos da ONU, por meio de sua Missão Permanente junt o ao

Escritório da ONU, “observações adicionais ”, nas quais, em 34 laudas, voltou

a impugnar as alegações deste requerente.

Nesse segundo arrazoado, a Missão Permanente do Brasil junto ao

Escritório da ONU voltou a reafirmar “ o comprometimento da República

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37
Federativa do Brasil com o Sistema de Direitos Humanos da ONU e com o honrado

Comitê”. E novamente destacou a submissão integral do Estado Brasileir o, não

apenas aos direit os assegurados no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e

Políticos, mas, por igual , ao Protocol o Facultativo ao Pacto e à possibilidade

de acionamento do Comitê via representações individuais, t al como no caso

(tradução livre):

N os t er m os d o P r o to c olo Op cio n al a o P ac t o, p ro m ulg ad o n o

B ra si l pe l o D e cr et o 3 1 1 /2 0 0 9 , a Re p úb lic a F e de ra ti v a d o B r asil

‘r ec on he ce a c o m pe tê nci a d o C om it ê p ar a rec eb e r e a n alis a r

co mu ni ca çõ es d e i n d iví du os s ujei t os à s ua j u ris diç ão q ue

al eg ue m se r ví tim as de viol aç ã o a q u al q ue r d os di rei t os

g ar a n ti d os pel o P ac to po r p a r te de de te r min a do E st a do

me mb ro .’ ”

A essa altura, cumpre registrar que a representação individual movida

por L U L A já havia sido objeto de denso escrutínio por parte do Estado

Brasileiro e que, passados um ano e dois meses desde sua apresentação,

nenhum pronunciamento havia sido expedido pelo Comitê de Direitos

Humanos.

Em abril de 2018 , a Missão Permanente do Brasil no Escritório das

Nações Unidas em Genebra apresentou novas “ observações adicionais ”, nas

quais se apr esenta impugnação a cada uma das alegações deste ex-Presidente

e, uma vez mais, reafirma -se que “em razão do Protocolo Opcional ao Pacto sobre

Direitos Civis e Políticos, promulgado pel o Brasil pelo Decreto nº 311/2009, a

República Federativa do Brasil ‘re conhece a competência do Comitê para receber e

considerar comuni cações de indivíduos submetidos à sua jurisdi ção que reclamem ser

vítimas de violação, por Estado membro, a qualquer dos direitos garantidos pelo

Pacto” (tradução livr e).

Nesse mesmo mês de ab ril de 2018, ou seja, transcorridos um ano e nove

meses desde o protocolo da representação individual, sem que nenhuma

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38
decisão tivesse sido proferida pelo Comitê, este ex-Presidente , pela primeira

vez, estando na iminência de ser recolhido ao cárcere, apre sentou

requerimento de medida de urgência (interim measure) . Invocou, com base no art.

25 do PIDCP, o direito de ser candidato nas eleições de outubro de 2018 , sem

que lhe fossem impostas indevidas r estrições, extraídas de condenação

criminal proferida em processo repleto de vícios e violações.

Em tal arrazoado, após terem sido destacados os vícios inerentes à sua

condenação criminal, o ora defendente registrou que o risco de “ ser barrado de

disputar as elei ções presidenciais de 2018, o que demonstra que a medida (liminar)

deve ser tomada urgentemente”. Daí o pedido de medida de urgência, redigido

nos seguintes termos (tradução livre):

“ A s it uaçã o ev id en tem en te r ev ela a n ec e s sid a d e d e o Com it ê d e

D ir e it o s H um an o s ev it a r q u e L ula so fr a q ua l qu e r r est r içã o r el a tiv a

ao s eu d i r eit o à l i be rd a d e e ao s s eu s d i re ito s p olít ico s, at é q u e e ste

Com it ê d ecid a s o br e a ad m is s i bi lid ad e e ( s e o j u íz o d e ad m i s si b il id ad e

v ie r a s e r p o s itiv o) so b r e o m é rit o d e su as al e g açõ es , re lat iv a s a

ev id e nt es v iol açõ e s d e sua s g a ra nt ia s i nd i v i d ua is r elat ad a s n a

Com u nic açã o Ind iv id ua l e, p os te r io rm ent e, r eit e rad a s p e la s o ut ra s

p et i çõ es e ev id ênc ia s”

Apenas um mês e meio depois desse pedi do de urgência, em 22 de maio

de 2018, sobreveio manifestação do Comitê de Direitos Humanos da ONU, na

qual aquele importante corpo integrante do Sistema Internacional de Proteção

dos Direitos H uman os registrou o seguin te (tradução livre):

1. Que “o pedido havia sido transmitido ao Estado membro, a título de

informação”;

2. Que, “nos termos da regra 92 das Regras de P rocedimento do Comitê, o

Comitê pode requerer ao Estado membro que adote medidas de urgência

para evitar dano irreparável à vítima da alegada viola ção. Que isso

inclui medidas para assegurar que a efetividade das deliberações do

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39
Comitê não seja frustrada, caso venha a ser encontrada qualquer

violação ao Pacto”;

3. Que o “Comitê tomou conhecimento das alegações do autor. E que

também tem conhecimento do legítimo interesse do Estado membro em

efetivamente combater atos de corrupção, assegurando que os

responsáve is sejam levados à Justiça e adequadamente sancionados em

processos judiciais j ustos”;

4. Que o “Comitê também tomou conhecimento do pedido de medida de

urgência apresentado pelo autor e da ale gação de que sua prisão poderia

evitar sua participação na campanh a política das eleições presidenciais

de 2018 (...)”.

A despeito de todas essas considerações, o Comitê, nesse mesmo

pronunciamento de 22/05/2018, indeferiu o pedido de medida de urgência

veiculado por este ex-Presidente , o que fez com base nas seguintes

ponderações (tradução livre):

“ O Com it ê co n sid e ra q ue a s i nf orm açõ e s fo r ne cid a s no p ed id o não

aut o r izam o Co m it ê a c onc lu i r, ne s s e m o m e nto , no q u e se r e fe r e ao

p ed id o d e i n teri m me a su res , q u e os fato s r e l atad o s co loca r iam o

aut o r e m sit ua ção d e ri s co d e d an o ir r ep a ráv e l, o u q u e el e s ev ita ri am

ou f ru st ra r iam os ef eit os d e um a fut u ra d e li b er açã o d o Com itê .

As s im , o Co m it ê, at r av é s d o se u S peci al R a p po rte ur s o n Ne w

Co m m uni c a ti o n s an d In teri m M e as ur es d e cid i u n ão ac olh e r o

p ed id o d e i nt eri m me a su re , f und ad o no a rt. 9 2 d a s R eg ra s d e

Pro ced im en t o d o C om it ê ” .

Nesse mesmo pronunciamento, a despeito do inicial indeferimento do

pedido de urgência, o Comitê expressamente “rememorou o Estado membro que é

incompatível com as obrigações firmadas no Protocolo Opcional que u m Estado

membro tome qualquer iniciativa que impeça ou frustre posteri or consideração

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40
do Comitê sobre um a comuni cação em que se alega violação ao Pacto, ou que

interprete suas consi derações de forma f útil e desvestida de valor”.

Por fim, o Comitê optou por reunir a admissibilidade da representação

individual e suas alegações de mérito par a uma análise conjun ta, tendo, ainda,

intimado o Estado Brasileiro para nova manifestação, no prazo de 06 meses.

De se ver, portanto, que não houve qualquer atuação que pos sa ser

indevidamente tachada como açodada por parte do Comitê de Direitos

Humanos da ONU, q ue apenas emitiu pronunciamento sobre as manifestações

deste ex-Presidente quase dois anos após o ajuizamento de sua reclamação

individual e após três manifestações do Estado Brasileiro.

Ainda assim, o primeiro pedido de tutela de urgência (pedido

excepcionalíssimo n a prática jurisprudencial do Comitê) foi indeferido, não

sem que antes o Estado Brasileiro fosse alertado da t otal il egitimidade de

qualquer comportamento voltado a esvaziar futuras deliberações do Comitê

ou a vulgarizar e di minuir sua importância.

Pois bem, em 22 de julho de 2018 a defesa de L U L A , considerada a

proximidade do pleito eleitoral, a persistente indefinição de sua situação

jurídica, as limitaçõ es a seu direito f undamental de participação política e o

risco sua “desqualif icação” pela Justiça Eleitoral, veiculou novo pedi do de

tutela de urgência , o que fez nos seguintes termos (tradução livre):

“Por essas razões, pede -se a este honorável Comitê,

respeitosamente, a título de ‘ interim measure’ , uma

determinação ao Estado membro, para que, até que as apelações

de Lula sejam decidias pela Suprema Corte e pelo Superior

Tribunal de Justi ça:

a) Ele seja libertado e permitido a fazer campanha para as

eleições Presidenciais de 07 de outubro;

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41
b) Não seja o autor desab ilitado como candidato, até que sua

condenação seja confirmada pela Suprema Corte e pelo Superior

Tribunal de Justi ça”.

Tais pedidos de urgência, insista -se, fundavam-se na plausibilidade das

alegações levadas ao Comitê – no sentido de que a condenação imposta a este

ex-Presidente é inválida, porque derivada de um processo com múltiplas

violações ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos – e no risco de

perecimento do direito deste defendente , com o esvaziame nto de eventual

futura decisão do Comitê nesse sentido.

E apenas então, em caráter absolutamente excepcional, considerada a

gravidade da situação que vinha sendo narrada há mais de dois anos (desde

julho de 2016), além do risco de dano irr eparável, após a apr esentação de 03

manifestações pelo Estado Brasileiro, o Comitê de Direitos Humanos

ACOLHEU a pretensão deste defendente e deferiu -lhe a tutela de urgência, o

que fez nos termos do seguinte comunicado (tradução livre):

“O C om i t ê, at rav é s de s eu ‘ Sp eci al R ap p ort e ur s on N ew

Com m u ni cat io ns and I nt er im M ea su r e s, tom o u co nh eci m e nto d as

al eg açõ e s d e 2 7 d e j ulh o d e 2 0 1 8 e c on cl ui u q u e o s fat os a li n ar rad o s

ind icam a ex i st ê nci a d e p os sív el d a no ir r ep a rá v el a os d ir e ito s d o

aut o r p r ot eg id o s p e lo a r tig o 2 5 d o Pac to. A s sim , e st and o o ca s o d o

aut o r so b co ns id er açã o d o Com it ê, no s t er m o s d a reg r a 9 2 d a s s ua s

r eg r as d e p ro ced im e nto, o C om it ê requereu ao Brasil a adoção

de todas as medidas necessárias para assegurar que o autor

desfrute e exercite seus di reitos políticos enquanto preso,

na condição de candidato nas eleições presidenciais de

2018, até que os recursos pendentes que buscam a revisão

da condenação sejam julgados em um processo justo e a

condenação se torne final”.

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42
Tal decisão, frise -se, não foi tomada n um contexto de açodamento: ela

foi adotada dois anos depois do in ício do processo, após in úmeras

manifestações de ambas as partes e, ainda, após um inicial in deferimento de

pedido assemelhado, formulado um pouco antes.

Tal decisão, ainda, não foi tomada sem prévia oitiva do Estado

Brasileiro. Muito antes pelo contrário, foram 03 longas prévias manifestações ,

02 delas provenientes da própria Missão Permanente do Brasil junto ao

Escritório da ONU e outras Organizações Internacionais em Genebra.

Em todas essas manifestações formais, o Estado Brasileiro

expressamente reconheceu sua submissão à jurisdição do Comitê, tendo

ainda expressamente reconhecido que o Decreto nº 311/09 já tornava o Brasil,

por ato de soberania, obri gado e vinculado também ao Pro tocolo Facultativo

ao Pact o. Até porque “ qualquer cidadão pode formalizar uma com unicação perante

o Comitê. Esse é um importante direito para todos os cidadãos dos Estados membro.

Como consequência, os Estados devem providenciar uma resposta a tais comuni c ações,

que é o que o Brasil está a fazer agora” (texto da primeira manifestação brasileira).

Finalmente, todo esse relato fático demonstra que a medida de urgência

exarada pelo Comitê ( interim measure ) apenas foi adotada n um momento em

que a possibilidade de acolhimento da r epresentação individual movida por

este ex-Presidente justificava a suspensão de um único efeito derivado de uma

condenação ainda não definitiva, mas possivelmente prolatada no contexto de

um processo conduzido com fortes violações ao Pa cto: a proibição de

participação nas eleições presidenciais de 2018 e a possibilidade de praticar

atos de campanha.

O Comitê, portanto, não determinou a soltura de L U L A (muito embora

houvesse pedido também nesse sentido). Limitou -se, apenas, em decisão em

tudo equiparável, juridicamente, àquelas a que se refere o art. 26 -C da LC nº

64/90, a suspender os efeitos de inelegibilidade derivados da condenação penal

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43
ainda provisória e objeto de questionamentos perante o Comitê; verdade

equivalente funcional . O que fez sob a claríssima perspectiva da plausibilidade

jurídica das teses do requerente, do risco de perecimento de seu direito e da

imperiosidade em se conferir efetividade e proteção ao art. 25 do Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Políticos 37.

Feito esse relato, a ser acompanhado dos documentos respectivos, não

pode deixar este candidato de registrar sua mais absoluta perplexidade com a

surpreendente nota à imprensa veiculada pelo Ministério das Relações

Exteriores, em 17 de agosto de 2018 38.

Como se pode ver dos documentos ora anexados a esta defesa, não é

verdadeira a afirmação de que a Delegação Permanente do Brasil em Genebra

“tomou conhecimento, sem qualquer aviso ou pedido de informações prévios ”, da

decisão do Comitê. A Delegação Brasileira em G enebra, por 02 vezes, já havia

previamente se manifestado nos autos, que tramitavam há 02 anos, por 02

37 ARTIGO 25
Todo cidadão terá o direito e a possibilidade, sem qualquer das formas de discriminação mencionadas
no artigo 2 e sem restrições infundadas:
a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes
livremente escolhidos;
b) de votar e de ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e
igualitário e por voto secreto, que garantam a manifestação da vontade dos eleitores;
c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.
38 Nota à imprensa.
A Delegação Permanente do Brasil em Genebra tomou conhecimento, sem qualquer aviso ou pedido de
informação prévios, de deliberação do Comitê de Direitos Humanos relativa a candidatura nas próximas eleições.
O Comitê, órgão de supervisão do Pacto de Direitos Civis e Políticos, é integrado não por países, mas por peritos
que exercem a função em sua capacidade pessoal.
As conclusões do Comitê têm caráter de recomendação e não possuem efeito juridicamente vinculante.
O teor da deliberação do Comitê será encaminhado ao Poder Judiciário.O Brasil é fiel cumpridor do Pacto de
Direitos Civis e Políticos. Os princípios nele inscritos de igualdade diante da lei, de respeito ao devido processo
legal e de direito à ampla defesa e ao contraditório são também princípios constitucionais brasileiros,
implementados com zelo e absoluta independência pelo Poder Judiciário.

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44
vezes, sem falar na primeira defesa dirigi da à ONU pela República Brasileira

(foram 03 manifest ações prévias, portanto) 39.

Igualmente surpreendente a clar íssima pretensão, constante da nota, de

esvaziamento da força decisória, da gravidade e da importância da

excepcionalíssima providência de urgência determinada pelo Comitê de

Direitos Humanos da ONU.

Tal comportamento f alece no cumprimento da advertência q ue já havia

sido expedida pelo Comitê, quando indeferiu, num primeiro momento,

antecedente pedido de urgência formulado por este candidato. Na ocasião,

aquele relevante “ treaty body” , parte essencial do Sistema Internacional de

Proteção dos Direitos Humano s, expressamente “recalled the State party that it

is incompatible with the obligations under the Optional Protocol for a State

party to take any acti on that would prevent or frustrate consideration by the

Committe of a communication alleging a violation o f the Convenant , or to render

the expression of its Views nugatory and futile”. 40

Essa, portanto, a RE AL cronologia do procedimento internacional que

desembocou na grave, na excepcional, na respeitabilíssima “ i nterim measure”,

que, proveniente do Comitê de Direitos Humanos da ONU, determinou ao

Brasil a adoção de todas as providências necessárias à participação de L U L A

nas eleições presidenciais de 2018, sob pe na de flagrante violação ao art. 25 do

Pacto, norma q ue, como se sabe, possui f orça supralegal.

39Muito embora não seja competência da Justiça Eleitoral discutir se o Estado brasileiro tomou ou não
conhecimento prévio da comunicação enviado pelo ex-Presidente, utiliza-se a informação como reforço
da tese defensiva.
40 “Advertiu ao Estado Parte que é incompatível com as obrigações decorrentes do Protocolo Facultativo que um
Estado Parte tome qualquer medida que impeça ou frustre a consideração pelo Comité de uma comunicação em que
alegada uma violação do pacto, ou que torne sua decisão inócua e fútil ”.

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45
7.3 Pacto i nternacional sobre direitos ci vis e políticos – marco civilizatório

de consagração da democracia e dos direitos de cidadania.

A histórica adoção do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos

pela Assembleia Geral da ONU realizada em Nova York, no dia 16 de dezembro

de 1966, remete à própria Declaração U niversal dos Direitos Humanos e à

imperiosidade de maior densificação, concretização e força normativa aos

altíssimos valores ali consagrados.

Adotada anteriormente pela Assembleia Geral da ONU em 1948, a

Declaração Universal dos Direitos Humanos, verdadeiro ato de civilidade no

contexto pós Segunda Guerra, consagrou e positivou em nível internacional e

de forma universal os direitos human os básicos dos cidadãos, tais como

direitos pessoais, liberdades civis, direitos de subsistência, direitos

econômicos, direitos políticos e direitos sociais, elevando-os à condição de

uma questão de princípio .

No entanto, o forte conteúdo principiológico e a contundente natureza

declaratória desse histórico documento de proclamação de direitos tornaram

impositiva a edição de dois tratados internacionais, voltados à concretização,

de forma impositiva, dos valores e das declarações ali constan tes.

Em 1952 41, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas tomou

a importante decisão histórica de elaboração de dois tratados internacionais,

a densificarem as cláusulas proclamatórias da Declaração Universal dos

Direitos Humanos: um, a versar os direit os civis e políticos , e outro, a tratar

dos direitos econômic os, sociais e culturais .

Assim, conferiu-se a “forma jurídica de diploma internacional ” à

Declaração Universal dos Direitos H umanos, com o claro objetivo de

“transformar os direitos humanos em instrumento efetivamente a reger a vida

41 TOMUSCHAT, Christian. International Covenant on Civil and Political Rights. Disponível em:
<http://legal.un.org/avl/pdf/ha/iccpr/iccpr_e.pdf>. Acesso em 23 de agosto de 2018.

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46
dos ci dadãos e das naç ões” 42, com a efetiva convergência da comunidade

internacional em torno de valores básicos.

Daí a gênese do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos . A o lado da

Declaração Univers al dos Direitos Humanos, tais tratados compõem a Carta

Internacional dos Direitos Humanos, verdadeiras expressões da preocupação

da comunidade internacional com a promoção e preservação da dignidade da

pessoa humana de forma universal.

Nesse sentido, os en sinamentos do Ilustre Ministro Luís Roberto

Barroso, a sintetizarem muitíssimo be m a articulação entre os Tratados

Internacionais do Sistema da Organização das Nações Unidas de proteção aos

direitos humanos: competiu a ambos os Pactos pormenorizar direitos ,

viabilizar seu exercício e garantir sua implementação , pelo que f oram revestidos

de juridicidade.

Daí, portanto, ainda nos termos da doutrina do Ministro Luís Roberto

Barroso, a “indiscutí vel ” força vi nculant e do Pacto Internacional de Direitos

Civis e P olíticos 43:

Trat a - se [ A D ecl a r aç ã o U ni ver s al de Di rei to s Hu m a no s] d e

d ocum e nt o ap r ov ad o p el a A ss em b lé ia Ge r al d a s N açõ e s U n id a s, em

1 0 .1 2 .1 9 4 8 , p o r 4 8 v o tos a z e ro, com oit o ab st e nçõ e s. N el a s e

cond e ns a o qu e p a s so u a se r co n sid e rad o com o o m ín im o étic o a s e r

as s eg u rad o p ar a a p r e se rv aç ão d a d ig nid ad e h u m ana . Se u c on te ú do

f oi de nsi f ic ad o em o u tr os at os in te r na ci on ais ,

i nd i sc u ti v el me nt e vin cul an t es d o p o n to d e vis t a j urí di co – a o

42 TOMUSCHAT, Christian. International Covenant on Civil and Political Rights. Disponível em:
<http://legal.un.org/avl/pdf/ha/iccpr/iccpr_e.pdf>. Acesso em 23 de agosto de 2018.
43BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: natureza
jurídica, conteúdos mínimos e critérios de aplicação. Disponível em: <
https://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2010/12/Dignidade_texto-
base_11dez2010.pdf>. Acesso em 24 de agosto de 2018. (Grifo nosso)

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47
co nt r á ri o da DUDH, t r adi cio n al me nt e vis t a c om o um

do cu me n t o me r a me nt e pr og ra m á ti c o, s oft La w – , co m o o P ac t o

In t er n aci on al do s D irei t os Ci vi s e Polí tic os e o Pa c to

In t er n aci on al d os D ir eit os Ec on ô mic os, S o ciai s e Cu lt u rai s,

am b o s d e 1 6 .1 2 .1 9 6 6 .

No Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos estão

devidamente albergados os “direitos de primeira geração ” – para utilizar a

denominação tornada clássica por Norberto Bobbio ao referir -se aos direitos

de liberdade, que impõem ao Estado o dever de não agir em face do

indivíduo 44.

Trata-se de documento que resgata a tradição iluminista das dez

primeiras Emendas à Constituição dos Estados Unidos e da Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, nesse sentido,

consagra o direito à autodeterminação (art. 1º), a proibição de di scriminação

(arts. 2º e 26), o direito à vida (art. 6º), a proibição de tortura e ao tratamento

e punição cruel, desumana e degradante (art. 7º), a vedação da escravidão e do

trabalho forçado (art. 8º), o direito à liberdade e à segurança (art. 9º), o

tratamento digno das pessoas encarceradas (art. 10) e, ainda, a vedação à

prisão por inadimplemento contratual (ar t. 11).

Vale registrar a redação do art. 2º do PICD, em razão de sua importância

ao presente caso:

A di a nt e, o P ac to In ter n aci o n al so bre Di rei to s Ci vi s e Po l í ti co s

co n s ag r a o di rei to à l i berd ade d e l o co mo ç ão ( ar t. 1 2 ), a g ar a nti a

do est r an gei ro ao de v i do pro ces so l eg al du ra n te pro ces so de

e xp ul s ão ( ar t. 1 3 ), o de vid o p r oce s so le ga l , co m a s ga ra nti a s

i ne re nt e s à a mp la de f e sa e a o co nt ra dit ór io ( a rt s. 1 4 e 1 5 ) , a

44 Cf. BOBBIO, Norberto. A Era dos direitos. 7 reimp. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

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48
i nvi ol a bi l i da de da h on ra e intimida de , do do mi cí l i o e da

co rre spo ndê nci a ( a rt. 1 7 ), a l i berd ad e d e pe ns a me n to , de

co n sci ê nci a e rel i gi ão (ar t s. 1 8 e 2 7 ), a l i be r dad e de reu ni ão e

a sso ci aç ão ( a rt. 2 1 ).

Indo além, o art. 25 do Pacto Internacion al de Direitos Civis e Políticos

reconhece, como típico direito fundamental de cidadania, vinculado à própria

ideia de democracia e de eleições livres, justas e autênticas, o direito

inalienável de todo e qualquer cidadão de participar da condução dos

negócios públicos, seja passivamente, elegendo -se, seja at ivamente, como

eleitor, SEM RESTRIÇÕES INFUNDADAS:

AR TI GO 2 5

Tod o cid ad ão t e rá o d i r ei to e a p o ss i bi lid ad e, s em q ual q u e r d as f o rm a s

d e d i sc rim i naçã o m e n cio nad a s no a rtig o 2 e se m re st ri çõ es

i nf un d ad as :

a) d e p a rt i cip a r d a co nd uçã o d o s a s s unt o s p ú b li cos, d i r etam e nt e o u

p or m e io d e r ep r e s ent an te s l iv rem e nt e es co lh id o s;

b) d e v ot a r e de se r el eit o em elei çõ es pe ri ó dic as, a u tê n tic as,

re al i z ad as po r s uf rág io u ni ve rs al e ig u ali tá ri o e p o r v ot o

sec re t o, q ue g a r a n ta m a ma nife s ta çã o da v o n ta de d os elei t o res;

c) d e t e r ac e s so, em co nd i çõe s g er ai s d e ig u ald ad e, às f un çõ es p ú bl ica s

d e se u p aí s.

Ao promover o Governo do povo, pelo povo e para o povo, o art. 25

compreende “direitos que estão no cerne da sociedade democ rática” 45, a partir da

premissa essencial de que o próprio usuf ruto dos direitos humanos depende,

como pressuposto indispensável, da existência de um governo democrático

legitimado pela vontade popular .

CONTE, Alex; BURCHILL, Richard. Defining civil and political rights: the jurisprudence of the
45

United Nations Human Rights Committee. 2 ed. London and New York: Routledge, 2016. p. 97.

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49
Já sob a perspectiva brasileira, o significado históri co, diplomático e

jurídico da adesão ao Pacto Internacional sobre Direitos Ci vis e Políticos e

ao Pacto Internaci onal sobre Direitos Econômicos, Sociai s e Culturais é

incontestável, sobretudo q uando se considera que Estado nacional optou livre

e soberanamente pela adesão aos diplomas especificament e na transição de

um regime de exceção para um regime de direito.

Nesse sentido, é elucidativa a lição de José Augusto LINDGREN ALVES ,

diplomata de carreira e membro do Comitê da ONU para a Eliminação da

Discriminação Racional 46:

Com a ad e sã o a os d oi s P acto s I nt er na cio na i s d a O N U , a s sim com o ao

Pact o d e São Jo s é, n o âm b ito d a O E A, e m 1 9 9 2 , e h av e nd o

ant e rio rm e nt e rat if ica d o tod os os i n st r um ent os ju r íd ic os

int e rn ac io nai s sig n if ica tiv o s s o br e a m at é ri a , o B ra sil j á c u mp ri u

pr a ti c a me n te to d as as fo rm ali d ad es ex te r n a s ne ces sá ri as à s u a

i n teg ra çã o ao sis te m a in te rn ac io n al d e pr o teç ã o ao s di r eit os

hu m an os . I nt e rn am ent e, p o r out ro l ad o, a s g ara nt ia s ao s am p l os

d ir e it o s e nt ro n izad os n a C on st itu içã o d e 1 9 8 8 , nã o p a ss ív ei s d e

em end as e, a i nd a, ex t en siv as a o u tr os d ec or r e nt es de tr a ta d os de

q ue o p aí s s ej a pa r te , a s seg u ram a d i sp o si ção d o Es tad o d e m oc rát ico

b ra si l ei ro de c on fo r ma r -se ple n am en t e às ob rig aç õe s

i n te rn aci o na is po r ele co nt r aí da s.

O esforço diplomático pela devida i ntegração do Estado br asileiro ao

sistema ONU e também ao sistema americano de tutela dos direitos humanos

foi consequência das novas diretrizes de agenda externa impostas pela

Constituição Federal de 1988, cujo art. 4º determina:

Art . 4 º A R ep ú b lic a F e d e r ativ a d o B ra s il reg e - s e na s s ua s r e laç õe s

int e rn ac io nai s p e lo s seg ui nt es p r i ncíp io s:

46ALVES, J.A. Lindgren. Os direitos humanos como tema global. São Paulo: Perspectiva, Fundação
Alexandre de Gusmão, 1994. p. 108.

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50
I - i nd ep e nd ên cia n aci on al;

I I - p re v al ê nci a do s di rei t os hu m a no s (...)

Assim, a prevalência dos direitos humanos, alçada de forma inédita pela

Constituição Federal de 198 8 à condição de princípio norteador das relações

exteriores, coloca ao Estado brasileiro o dever de atuação internacional

adequada ao marco j urídico da transição democrática e de institucionalização

dos direitos humanos , cujo parâmetro a nortear a interpre tação do sistema

constitucional é o pr incípio da digni dade da pessoa humana .

Essa circunstância f oi acertadamente delineada pelo Presidente José

Sarney, quando do encaminhamento da Mensagem nº 620, de 1985, ao

Congresso Nacional, submetendo o texto de ambo s os Pactos para deliberação

(Doc. 011), veja-se:

“ A ad e s ão d o B ra si l à q u el e s i n str um e nto s i nt er nac io na is d e g r a nd e

r el ev â nc ia c on st it ui r á um a da s m a nifes t aç õe s ex t er n as – e da s

ma i s ex pr essi v as – d o pr oc ess o de m o dific aç ão i n te rn a po r q ue

pa ss a o B r asil, n o c u rs o d o q u al, pr oc u r an do re o rg aniz a r -se

soci al , ec on ô mic a e p oli tic am en t e, i na ug ur a n o va fa se de s u a

hi s t óri a;

A ad e sã o d o s Pact os d o Bra s il t er ia ex c el e nt e r e p e rcu s sã o ta nto n o

pl a n o ex te r n o q u a n to no in te r n o e co ns ti t uir ia c o mp r o miss o o u

g ar a n ti a adi cio n al d a efe tiv a p r ot eç ão do s di rei t os h u ma n os em

no ss o paí s ” .

Projetando no cenário internacional as transformaçõe s internas,

surgidas do processo de redemocratização, o Brasil ratificou, desde a

promulgação da Carta de 1988:

1. A Convenção Interamericana p ara Prevenir e Punir a Tortura (jul.

1989);

2. A Convenção sobre os Direitos da Cri ança (set. 1990);

3. Pacto Internacional dos Direit os Civis e Políticos (jan. 1992);

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51
4. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

(jan. 1992);

5. Convenção Intera mericana para Prevenir, Punir e Erradicar a

Violência contra a Mulher (nov. 1995 );

6. Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com

Deficiências e seu Protocolo Facultativo (ago. 2009).

Esse um ponto absolutamente relevante e que é extraível da pr ópria

experiência histórica brasileira: em momentos de reafirmação e valorização

da democracia, valorizam -se, de igual modo, os compromissos internacionais

de defesa dos direit os humanos .

Erro histórico grave, que certamente não será cometido, seria o desprezo

aos compromissos internacionais, a desconsi deração de organismos

integrantes do sistema ONU, a violação de direit os fixados em tratados,

justamente sob a fal sa premissa de preservar e proteger a democracia, pois,

justamente onde se descumprem direitos humanos, é onde menos se encontra

a democracia.

Pois bem, o Pacto Internacional sobre Direito Civis e Políticos foi

aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 226/91.

Considerados a promulgação da Constituição Federal de 1988, as n ovas

diretrizes das internacionais brasileiras e o rito de promulgação do Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, é inadmissível relativizar a

importância da adesão do Estado br asileiro a esse importante tratado

internacional dos direitos hu manos, que, em conjunto com a Declaração

Universal dos Direitos Humanos de 1949 e o Pacto Internacional sobre

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, forma o núcleo duro do direito

internacional dos di reitos humanos .

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52
7.4 Relevância do comitê de direitos humanos da ONU no contexto do

pacto internacional sobre direit os civis e políticos

A criação do Comitê de Direitos Human os confunde -se com a própria

adoção do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e m 1988, porque o

órgão “é o principal ator a nível i nternacional responsável por implementar os

direitos enunciados no PICD ” 47.

Nos arts. 28 a 45, de pois de estabelecer liberdades e de fixar garantias,

o Pacto traçou os con tornos do Comitê: composição, funcionamento, estrutura,

competência e procedim ento.

O Comitê de Direitos Humanos é instituição pertencente ao conjunto de

entidades de monitoramento de tratados de direitos humanos da Organização

das Nações Unidas ( “ treaty bodies”) – especificamente, do Pacto Internacional

sobre Direitos Civis e Polít icos. Exercem igual papel, cada q ual em relação ao

respectivo tratado, o Comitê das Nações Unidas sobre o Direito das Pessoas

com Deficiência e o Comitê para Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação contr a a Mulher, entre outros.

Tal qual preveem os arts. 28 e 29 do Pacto internacional, o Comitê de

Direitos Humanos é formado por 18 integrantes a serem indicados e

sufragados em votação secreta entre os Estados -parte.

Serão eleitos para um mandato de 04 anos, passível de ser renovado uma

única vez, indivíduos de “elevada reputação moral e reconhecia competência

em matéria de direitos humanos, levando-se em consideração a utilidade da

participação de algum as pessoas com experiências jurídi cas”.

Nos termos dos arts. 40 e 41 do PIDCP, o Comitê de Direitos Humanos

da ONU é o corpo competente para análise dos relatórios submetidos por

47 TOMUSCHAT, Christian. International Covenant on Civil and Political Rights. Disponível em: <
http://legal.un.org/avl/pdf/ha/iccpr/iccpr_e.pdf>. Acesso em 23 de agosto de 2018.

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53
Estados-parte sobre as medidas adotadas para concretizar os direitos

reconhecidos convencionalmente e os resultados obtidos pela garantia desses

direitos, bem como a análise e j ulgamento das comunicações enviadas por um

Estado-parte sobre o eventual descumprimento das obrigações convencionais

por um outro Estado -parte.

O Comitê, portanto, instituído e previsto no corpo do próprio Pacto

Internacional de Direitos Civis e Pol íticos como uma de suas partes

indissociáveis e como pressuposto para sua eficácia, é a instância por

excelência de fiscal ização e análise sobre o cumprimento do Pact o pelos

Estados a ele aderentes .

O Estado que aderi u ao Pact o, anuiu, por igual, em at o de sober ania,

com o exercício da jurisdição do Comitê, expressamente ali i nstituído.

E a razão de ser da previsão, pelo próprio Pacto Internacional sobre

Direitos Civis e Políticos, de um órgão internacional com competência e

jurisdição últimas para fiscalizar o c umprimento de seus enunciados é muito

clara: evita-se, com isso, que interpretações casuísticas de governos

temporários culminem por esvaziar os compromissos perenes firmados pelos

Estados no campo das relações internacionais, ao mesmo tempo em que se evit a

uma indevida “ fragmentariedade ” dos direitos internacionalmente

reconhecidos, através de uma interpretação particular e regional dos seus

enunciados por cada um dos países aderentes.

Em resumo: a jurisdição do Comitê é requisito necessário à própria

eficácia do Pacto. Daí sua previsão no próprio corpo do PIDCP, como uma de

suas partes essenciais.

Irretocáveis, sob tal aspecto, as ponderações do Professor André Ramos

TAVARES, em parecer oferecido precisamente na perspectiva do presente

processo:

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54
A qu e st ã o d o cu m p r im e nto r ea l d o Pact o é, p o is, e s s en cia l a est e

Par ec e r. E p a ra f in s d e con fe r i r se a s P a rte s cu m p r em as cl áu s ul as

d o Pact o, h á um o rg a n ism o d e f i sca li zaçã o: o Com it ê d e D ir e ito s

H um a no s. A f u nçã o s o b e ra na d es s e Com it ê, no tem a r el aci on ad o a o

cum p ri m e nt o , e st á r eg i st rad a no a rtig o 4 1 d o p róp ri o PID C P e ,

ain d a, c la ro, n o P rot oco lo Fac ult ativ o ao Pac to.

O C o mi tê po ss ui, po r ta n t o, leg i ti mi da de a ufe ri da n o p r ó pri o

P ac to , p o rq ue é o rg a nis m o a ele i ne re n te . U m a leg i ti mi da de,

poi s, ex p res sa, n ão ap en as i m p líci t a. Uma p r ev is ão com

fu nc io nal id ad e s p r óp ria s, p o is s e rv e o o rg a n ism o p a ra fi ns d e

“ ex am in a r” o c um p r im e nto r eal e ef etiv o d o s te r m os d o Pact o ao q ual

ad e ri ra m o s E stad o s - p a r te.

M as não se ri a suf icie nt e q ue o p r óp ri o Es ta d o - p ar t e

i n te res sa d o f isc aliz a s se o cu m pri m en t o d o P ID C P ? C r ei o qu e,

aq ui , s ej a im p o rta nt e o b se rv ar q ue um m od el o fis cal iz ató ri o q u e

env olv e s se ap e na s o s r e s p ect iv o s E st ad o s g e ra o elev a dís sim o ri sc o

de f r ag i l i z a çã o pel a f rag me n ta çã o do P ID C P, co m a

mu l ti pl i ca çã o de sig ni fica d os e m t an t os p aí ses q u an t os s ej am

os Es t ad os - pa r te s sig n at á ri os. Po rt ant o, nã o s e tr ata d e s usp e ita r

d os p aí s es e d e s ua s d ec la raçõ e s d e v o ntad e liv r e s e s ob e ra na s d e s e

su b m et e r em a o Pa cto.

Ad em ai s, ai nd a q u e se sup e ra s s e es s e a rg um en to, o E s ta d o- p ar t e

nã o se r á o ú nic o a fis caliz a r o c um p ri me nt o d o P ac t o p orq ue ,

sob re t ud o, d eci di u - se, t a mb é m n o P ac t o, q u e o m od elo é o de

f i sc al i z a çã o p or o rg an ism os i n te r na cio n ais.

Se r ia c e rt a m e nt e m u it o co nv en i ent e a c e rta v i são na ci on ali st a

ex t re m ad a q u e o E sta d o d e sti na tá rio d as o b rig açõ e s e d ec i sõ es

int e rn ac io nai s p ud e ss e av al ia r, em cad a ca so, a n ec es s id ad e d e s eu

cum p rim e nt o .

O ri sc o, p o rt a nt o, é o de t ra nsf o r ma r o P ac to e m u m a p eç a

re t óri ca ( ...) . As s im é q ue e s sa am ea ça d e d et u rp ação o u us o r et ór ico

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55
é ev it ad a p el a ad o ção i n t e rn aci on al d e d iv e r so s m eca n is m o s, no q u e

se de ve i nse ri r o p ró p r io C o mi tê a nt eri o r me n te ref e rid o .

Em idêntico sentido, Augusto Cançado TRINDADE 48:

O s a t o s i nt e rn os d o s E s tad o s p od em v ir a s e r o bj et o d e ex am e p o r

p art e d o s órg ão s d e sup e rv i são i nt er na cio na i s q ua n do se t r at a de

ve ri f i c a r s ua c o nf or m ida de co m as ob rig aç ões i n te rn ac io n ais

do s Es t a do s e m m at é r ia de di rei t os h um a no s . [...] I ss o se ap l ica

à l eg i s laçã o nac io na l a s sim com o à s d ec is õe s int e rn a s j ud i ci ai s e

ad m i ni st rat iv a s. P or ex e m p lo, um a d e ci sã o j ud i c ial i nte r na p od e d a r

um a i nt e rp r et ação i nc or r eta d e um a n or m a d e u m t ratad o d e d i r eit os

h um a no s; o u q ual q u e r out ro ó rg ão est ata l p od e d e ix a r d e c um p ri r

um a o b rig açã o i nt er na cio na l d o E stad o n est e d om ín io . Em t ais

hi p ó te ses po de -s e c onf ig u ra r a re sp o ns a b ili d ad e in te r n aci on al

do Es ta d o , po rq u an t o seu s trib u n ais ou o u tr os ó rg ã os n ão sã o

os i n t ér p re tes fi n ais d e su as ob rig a çõ es in te rn aci o na is e m

ma t éri a de di rei t os h u ma n os.

As decisões do Comitê, enquanto órgão institucionalizado pelo

próprio Pacto para a fiscalização de seu cumprimento, constituem, assim,

“interpretações autorizadas ” 49 do Pacto e impõem ao Estado a adoção das

soluções cabíveis para evitar, impedir ou reparar a violação detectada.

Para além disso, cumpre asseverar que o j uízo de admissibili dade, pelo

Comitê de Direitos Humanos da ONU, das inúmeras representações que lhe

são encaminhadas, é altamente restritivo e nem de longe sua jurisdição é de

ser tida como banal ou vulgar.

48TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. v. 1.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997. p. 429-430.
49UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS OFFICE OF THE HIGH COMISSIONER. Reporting to the
United Nations Human Rights Treaty Bodies Training Guide. Part 1. New York and Genova: UN, 2017. p.
11.

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56
De acordo com o Relatório do Comitê sobre as 117ª, 118ª e 119ª

Sessões ( Doc. 012), foram recebi das 2.970 comunicações desde 1977. Deste

total, apenas 1.200 foram admitidas.

No entanto, de acordo com o relatório de 2017, entre as 1.200 denúncias

conhecidas e examinadas desde 1977, foram encontrados abusos em 994

ocasiões – ou seja, em 82% dos casos foi detectada uma grave violação aos

direitos humanos previstos no Pacto.

Isso significa, portan to, q ue, uma vez admitida a comunicação, em filtro

de admissibilidade altamente rigoroso, a prática do Comitê tem revelado ser

altíssima a probabilidade de se detectar, ao final, uma efetiva e concreta

vulneração aos Direitos Civis e Políticos pelo Estado-parte.

Cumpre mencionar, ainda, q ue o Comitê possui um procedimento

especial para monitorar a implementação de suas decisões pelos Estados-parte,

o que reforça sua força vinculativa e impositiva, bem assim sua relevância

no contexto da proteção internacional dos direitos civis e pol íticos previstos

no Pact o.

Em realidade, cuida -se do primeiro órgão de tratado (“ treaty b ody” ) da

organização das Nações Unidas a desenvolver e adotar um sistema complexo

para “dar seguimento e acompanhar o nível de implementação ” 50 das decisões que

os Estados, porque soberanamente aderentes aos termos do Pacto, estão

compelidos a cumprir ( follow-up acti vit ies – art. 101 das regras de

procedimento).

O procedimento de acompanhamento fica sob a responsabilidade do

Relator Especial para o Acompanhamento de Opiniões , que pode se comunicar

com as partes, Estados e indivíduos, no esforço de alcançar uma solução

50PLOTON, Vincent. A implementação das recomendações dos órgãos de tratados da ONU. Uma avaliação
dos últimos acontecimentos e como melhorar um mecanismo chave na proteção dos direitos humanos.
SUR – Revista Internacional de direitos humanos, v. 25, n. 25, 2017. p. 221.

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57
satisfatória para o caso, à luz do posicionamento do Comitê de Direitos

Humanos.

Sobre o impacto dos órgãos de monitoramento e implementação de

tratados internacionais de direitos humanos, são precisas as palavras de

Augusto Cançado TRINDADE 51:

( ...) um a d a s p r in cip ai s fu nçõ e s d a op e ra ç ão d o s t ratad os e

in st ru m e nt o s d e p r ot eçã o i nt er na cio na l d os d i r e ito s h um a no s r es id e

p r eci sa m e nt e e m s e us ef eit os no d i r e ito i nt e rn o. Ain d a q u e v ol ta d a

à s ol uç ão d e c as os i ndi vid u ais d e dir ei to s hu ma n os, a a plic aç ã o

des ses t r a t a d os e ins t ru m en t os te m t ra ns ce ndi d o as

ci r cu ns t ân ci a s de ss es ca so s, p or v ez es a ca r re t an d o

mo di f i ca çõ es n as p r á tic as a d mi nis tr a ti va s e l eis n aci o nai s .

M e sm o qu e se a rg um en te q u e a ta r efa d os órg ão s de s u pe r vis ão

i n te rn aci o na l é an t es a de re me di ar vi ol aç ões in di vid u ais de

di rei to s hu m an os d o q ue im p ug na r l e is i nt er n as ( ...), nã o h á com o

neg a r qu e p or v ez es a p ró p ria r ep a r aç ão d as vi ol aç ões

i nd i vi d uai s req ue r m ud a nç as n as p rá ti ca s a dmi ni st r a tiv as e

l ei s n aci on ai s . A p rát ic a i nt e rn aci on al (...) es tá r ep let a d e ca so s em

q ue t ai s m ud a nça s ef et iv am e nt e oc or r e ram , co ns o ant e a s d eci sõ e s d o s

órg ã o s d e s up e rv i sã o i nt e rn aci on ai s no s c as os i n d iv id uai s” .

Em resumo: são absolutamente inequívocas a relevância e a

centralidade do Comitê de Direitos Humanos da ONU, porque int egrante e

inerente ao próprio Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, que

previu sua jurisdi ção como forma de assegurar que os direitos ali

proclamados não se convertam em t ext os meramente retóri cos e promessas

vãs.

51TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. p. 429-
430.

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58
Diminuir a importância, a figura e a f orça do Comitê de Direitos

Humanos significa diminuir e vulgarizar o próprio conteúdo do Pacto

Internacional que o previu. É algo com o qual o Estado Brasileiro em geral, e

o Poder Judiciário em particular, instância máxima de concretização e

efetivação dos direitos humanos no plan o doméstico, jamais concordarão.

7.5 Adesão, pelo Brasil, ao prot ocolo facul tativo do pacto internacional

sobre direit os civis e políticos – medida procedimental ao pacto.

Posteriormente à aprovação, pelo Congresso Nacional, mediante Decreto

Legislativo nº 226, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, em

cujo contexto já se fixou a jurisdição sobrenada do Comitê de Direitos

Humanos, o Brasil, por ato de soberania , também aderiu, voluntariamente, ao

Protocolo Facultativo do Pacto.

Mais de 30 anos após sua adoção pela Assembleia Geral da Organização

das Nações Unidas, na data de 16 de dezembro de 1966, o Congresso Nacional

aprovou o texto do Protocolo Facultativo, o q ue fez por meio do Decreto

Legislativo nº 311/09 :

Art . 1 º Fic a ap r ov ad o o t ex to d o P rot oco lo F acu ltat iv o ao P acto

I nt er na cio na l so b r e D i r eito s C iv i s e P ol ític os , ad otad o em N ov a

I or q u e, em 1 6 d e d e z em b ro d e 1 9 6 6 , e d o S eg und o P r otoc olo

Fac ult at iv o a o P acto I n te rn aci on al s o br e D i r eit os C iv i s e Po lí tic os

com v ist a s à A bo li ção d a P en a d e M ort e, ad o tad o e p roc lam ad o p el a

R es ol uç ão nº 4 4 / 1 2 8 , d e 1 5 d e d e ze m br o d e 1 9 8 9 , com a r e se rv a

ex p re s sa no a rt. 2 º.

Par ág r af o ú ni co. Fic am su j eit os à ap rov a ção d o Co ng re s so N aci on al

q uai s q u er at o s q u e p os sam r es u lta r em r e v is ão d o s r ef e rid o s

Prot oco lo s, b em co m o q uai s q u er a ju st e s com p l em ent a re s qu e, n os

t e rm o s d o i nc i so I d o cap ut d o ar t. 4 9 d a C on stit u ição Fed e ra l,

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59
aca rr et em e nca rg o s ou com p ro m i s so s g r av o so s ao p at rim ôn io

nac io na l.

Art . 2 º E st e D ec r eto L eg i s l ativ o ent r a e m v ig or na d ata d e s ua

p u bl icaç ão” .

O mérito deste Protocolo Facultativo é estender a compet ência do

Comitê de Direitos Humanos da ONU ( cuja jurisdição foi estabelecida pelo

próprio PIDCP) para receber e examinar não apenas comunicações entre os

Estados membros, mas, por igual , comunicações recebi das por i ndivíduos,

cidadãos que se considerem vulnerado s pelos Estados - partes nos direitos

protegidos pelo Pacto Internacional.

É exatamente esta a dicção do art. 1º do Protocolo Facultativo:

O s E st a d o s P art e s d o Pacto qu e s e to rn em p art e s d o p r e s ent e

Prot oco lo re co nh e cem q ue o Co m it ê te m c om p et ên cia p ar a r eceb e r e

ex a mi na r c o mu nic aç õe s p ro ve nie n te s d e in di víd u os s uje it os à

su a j uri sd i ç ão q ue al eg ue m se r v íti m as de um a vi ola çã o, p o r

esse s E st a do s P ar t e s, de q u alq ue r do s di rei t os en u nci a do s no

P ac to . O C om it ê n ão r eceb e r á n en h um a c om u nic aç ão rel a ti va a

Est a do P a r te n o Pa ct o q ue n ão sej a n o p r ese nt e P ro t oc ol o.

O Protocolo Facultativo, portanto, qualifica -se como “medida

procedimental de implementação do Pacto” 52. A adesão ao Protocolo Facultativo,

assim, q ualifica -se como verdadeira “condição de procedibilidade”, para q ue o

Comitê de Direitos Humanos da ONU possa receber comunicações individuais

relativas a Estados membros (“ o Comitê não receberá nenhuma comunicação

relativa a estado Parte no Pacto que não seja no presente Protocolo ”).

Cabe referir que a aprovação do Protocolo Facultativo do Pacto

Internacional é reflexo da superação do inadequado entendimento de que o

52MOSE, Erik; OPSAHL, Torkel. The Optional Protocol to the International Covenant on Civil and
Political Rights. Santa Clara Law Review, v. 21, 1991. p. 272,

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60
reconhecimento do direito de petição s ignificaria interferência sobre os

negócios internos do Estado 53.

A afinidade do Protocolo Facultativo com os princípios a regerem as

relações internacionais da República Fe derativa do Brasil, especialmente os

constantes dos incisos I, II, V e IX, do ar t. 4 º da Constituição Federal de 1988,

é indiscutível. E sua importância para o aperfeiçoamento da sistemática

brasileira de proteção dos direitos humanos foi muito bem sintetizada pelo

Parecer da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara dos

Deputados, aprovado à unanimidade de seus integrantes, durante os trabalhos

de internalização do Protocolo que levaram à edição do Decreto Legislativo nº

311/09 (Doc. 013). Confira-se:

‘Q u ant o à co ns tit uc io na lid ad e m at er ia l, p o r s ua v ez, os p r o to col os

assi n a d os p elo G o ve r no B r asil eir o n ão af ro nt a m a s up re m aci a

co ns ti tu ci o n al ; ao c o n t rá ri o, h a r mo niz a m - se co m os p ri ncí pio s

q ue r eg e m as rel aç õe s in te r na cio n ais d a Re púb lic a Fe de ra ti v a

do B ra si l ( A rt. 4 º, i nc i so s I, I I, V e IX, d a Co ns tit ui ção F ed e ra l),

p oi s p r om o v em a p ro t e çã o d a dig n id a de da p ess oa h um a na se m

dei x a r de r esg ua r d ar a i n de pe nd ên cia na cio nal e a ig u ald a de

en t re os E s ta d os (. ..).

A ad e são ao p r es e nt e p r otoco lo s e h a rm on iza co m a p o lít ica ad otad a

p el o B ra si l em su a s r e laç õe s ex t er na s. O Pa í s j á a d m it e a c om p etê nc ia

d e im p o rt ant e s ó rg ão s i nt er na cio na i s d e d i r eit os h um a no s, n o s

âm b it o s g lo ba l e reg io na l, p a ra o ex am e d e c as o s ind iv id ua is , com o a

Com i ss ão e a Co rt e I nt e ram e ri ca na s d e D i r eit os H u m a no s, o C om it ê

p ara a El im in ação d a D i sc ri m i naç ão r aci al e o Com it ê p ar a a

Elim i naçã o da D i sc r i m in açã o co ntr a as M ulh e re s. Ass im, a

ap r o va çã o d a co m pe tê nci a d o C omi t ê da s N aç ões U ni da s

re p res en t a mai s u m a v an ço d a p olí tic a b r asi leir a n a defe sa d os

53MOSE, Erik; OPSAHL, Torkel. The Optional Protocol to the International Covenant on Civil and
Political Rights. p. 275.

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di rei to s h um a no s e no r ec on he cim en t o do in di ví du o, em

al g u m as si tu aç õ e s, c o mo s ujei t o d e dir ei to i nt e rn aci o nal .

O Parecer da Comissão de Direitos Humanos e Minorias foi em igual

sentido (Doc. 014):

A ad e s ão ao p r es e nt e p r o tocol o s e c oad un a com a p olít ica s eg u id a p el o

Bra s il em s ua s r ela çõ es ex t er na s, q u e, d e m an e ir a ex em p la r, d ef e nd e

a p rot eçã o i nt e rn ac io na l d o s e r h um an o. N ess a li n ha , o P aís já

ad mi te a c o mp et ên cia de i mp o r ta n tes ó rg ã os int e rn aci o nai s d e

di rei to s hu m a no s, n os âm b it os g l ob al e r eg io nal , pa r a ex a me d e

cas os i ndi vi d uai s , c om o o C o mi tê p a ra a Eli mi na ç ão d a

D i sc ri mi n aç ã o R aci a l, o C o mi tê pa r a a Eli mi na çã o da

D i sc ri mi n aç ã o c o n tr a M ul he re s e a Co r te In t er a me ric a na d e

D i rei t os H u m an os .

A ap r ov aç ã o d a c o m pe tê nci a d o Co mi tê d as N a çõ es U ni d as

re p res en t a ma is um a va nç o da p olí ti ca b r asil ei ra no

rec o nh eci me n to d o i ndi ví d uo, e m alg u ma s sit u aç õe s, c om o

suj e i t o de di rei t o i nt e rn ac io n al .

No Senado Federal, não foi outro o entendimento da Comissão de

Relações Exteriores e Defesa Nacional, cujo Parecer assim consignou (Doc.

015):

A ap r eci açã o co ng r es s i ona l d o s P roto col os F a cult ativ os ao Pa cto

I nt er na cio na l s o br e D i r eito s Civ i s e P olí tic os d á - s e com d em o ra

in ju st if icad a. H á m ui t o q ue a a mb iê nci a p o lític a e o c o nse ns o

j u rí di co pe r mit iri a m a ad es ão b r asile ir a a e ss es t r at a do s. M uit o

em bo ra a p r át i ca na ci on al nã o lh es v enh a a c on tra d iz e r d e m a ne i ra

ost e ns iv a, é se m p re co nv eni en t e e op o r tu na a ad es ão a os

i ns t ru me n t os in t er n aci on ai s de p ro m o çã o d os di rei to s

hu m an os , c o m o f o rm a de r ev ig o r am en t o do s co m pr o mis so s

na ci o n ai s c o m os di rei t os fu n da m en t ais e de ex e m pl o a os

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reg i me s q ue se ob s ti na m em nã o a de ri r a os si ste m as r eg i on ais e

i n te rn aci o na is de di re it os hu m a no s.

Faz ec oa r, a i nd a, no s i s tem a on u si an o a a cei t a çã o b ra silei r a da

l eg i ti mi d ad e d o di r ei to à j us tici ab ili d ad e int e rn aci o nal d os

di rei to s hu m a no s , c u j o m a rc o f oi o r eco nh ec i m e nto, h á m e no s d e

um a d é cad a , no s i st em a int e ram e ri ca no, d a com p et ên cia o b rig ató ri a

d a Co rt e I nt er am er ic an a d e D ir e ito s H um an o s. A ex ig ib ili d ad e

i n te rn aci o na l de n or ma s c on ve nci o na is, a q u e o B ra sil se

ob ri g o u a dar c u m pr im en t o, co ns ti t ui - s e a e ssê nci a da

j u ri s di ç ão c on s tit uc io nal i nt er n aci o nal , or a re co n hec id a pel o

or de n a me nt o b r asil eir o , em n ec es s ár io im p ul so d e in ov aç ão, nã o

alh eio à o rd em c on st i tuci on al, tod av i a, g raç as à s ua a b ert u ra

no rm at iv a e p r inc ip i ol ó g ica.

As manifestações do Poder Legislativo quanto à exigibilidade

internacional de normas convencionais convergiram com a mensagem de

exposição de motivos encaminhada pela Presidência da República ao

Congresso Nacional (Doc. 016):

2 . O B ra si l, não o bs ta nt e, ao ad er i r ao Pac to Int e rn aci on al so b r e

D ir e it o s Ci v i s e Po lít ico s, não ad e ri u a s e us d oi s p ro toco lo s

fac ult at iv os . A ad es ão do B ra sil a os d ois ci t ad os pr o to co lo s f oi

i ncl uí da e nt r e as r eco me n da çõ es do Co mi tê de D i rei t os

H u ma n os d as N aç õe s U ni da s ap ós o ex am e d o Rel at ó ri o Ini ci al

do Es t ad o b r asilei r o, em 1 9 9 6 . À l uz da p ol ític a b r asile ir a de

di rei to s hu m an os , o rie n ta d a pa r a o a p ro fu n da me n to da

i n teg ra çã o a os me c ani s mo s i nt e rn aci o n ais de p r o teç ã o,

pa re ce ri a r ec om en d áv el a a de sã o ao s re fe r ido s in st r u me nt os

i n te rn aci o na is, me di a nt e s olici t aç ã o d a nec e ssá ri a au t o riz a çã o

do C ong re ss o N aci o na l.

3 . O ( P r im ei ro) P roto co lo Fac u ltat iv o ao P acto Int er na cio na l so b r e

D ir e it o s Civ i s e Po lít ic os, ad ot ad o em 1 6 d e d e zem b ro d e 1 9 6 6 , a o

pr ev e r a c o mp et ên cia do C o mi tê d e D ir ei t os H um a no s p a ra

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rec eb e r e ex a min a r pe tiç õe s i ndi vi du ai s, ha r mo niz a - se co m o

rec o nh eci me n to p elo B ra sil da leg i ti mi da d e d a p re oc up aç ã o

i n te rn aci o na l c om os di rei to s h u m an os e d o in te res se s u pe rio r

da pr o te çã o d as p os sí veis ví tim as , q ue pa ss ar ia m a dis po r d e

mec a ni s m o a di cio n al de t ut ela c on t r a e ve n t uai s vi ol aç õ es.

4 . O B r asi l j á rec o nh e ce a co m pe tê nci a pa r a o ex am e d e c as os

i nd i vi d uai s p o r pa r te de i mp o r ta n tes ó rg ão s int e rn aci o na is d e

di rei to s h u ma n os, n o s â mb i to s g lob al e reg i o nal, co m o a

Co mi s sã o e a C or te I nt e ra me ric a n as d e D i rei t os H um a no s, o

Co mi tê p a r a a E limi n a çã o d a D i sc ri min aç ã o Ra cial e o Co mi tê

pa r a a El i mi n aç ão d a D i sc ri min aç ã o c o nt ra a s M ul he res . O

rec o nh eci me n to da c o mp e tê nci a d o Co mi tê d e D i rei t os H um a no s

pa r a ex a mi n a r pe tiç õe s de in di víd u os q ue al eg ue m s e r ví ti m as

de vi ol a çõ es d os di sp osi ti vo s do P ac t o I nt e rn aci o nal d e

D i rei t os Ci vis e P ol ític os r ep re se nt a ri a o ap r of un d am en t o

des sa v er te n te d a polí tic a b r asilei r a de di rei to s hu m an os .

A internalização da sistemática da representação individual ao Comitê,

levada a efeito com a coordenação dos P o deres Executivo e Legislativo que

desembocou na edição do Decreto Legislativo nº 311/09 e na ratificação do

Protocolo junto à O NU , representa o reconhecimento do ci dadão como ator

processual no plano internacional , “constituindo um mecanismo de proteção de

marcante significação, além de conquista de transcendência histórica ” 54. É, sem

dúvida, etapa fundamental à democratização dos instrument os internacionais

de proteção dos direitos humanos .

Não por outro motivo, tal como já relatado, o próprio Estado Brasil eiro,

ao não se opor, em nenhum momento, à legitimidade ativa de L U L A , para

apresentar represent ação individual perante o Comitê de Di reitos Humanos

da ONU, expressamente registrou que, por ato de soberania, estava obrigado

54TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos: fundamentos
jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Editora Saraiva, 1991. p. 8.

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e vinculado também ao Protocolo Facultativo ao Pacto. A té porque “qualquer

cidadão pode formalizar uma comunicação perante o Comitê. Esse é um importante

direito para todos os cidadãos dos Estados m embro. Como consequência, os Estados

devem providenciar uma resposta a tais comunicações, que é o q ue o Brasil está a

fazer agora” (texto da primeira manifestação brasileira).

7.6 Força vinculante, ao brasil, do protocolo facultativo ao pact o

internacional sobre direitos civis e polí ticos – irrelevância, para fi ns de

vinculação internaci onal e doméstica, de decreto presidenci al publicado

em diário oficial.

Além da edição do ato legislativo ( Decreto Legislativo nº 311/09) cujos

efeitos passaram a surtir a partir de sua publicação no Diário Oficial da União

em 17 de junho de 2009 , o Estado Brasil eiro também depositou junto às Nações

Unidas o instrument o de ratificação do Protocolo Facultativo imediatamente,

em 25 de setembro de 2009, conforme acusa o próprio sítio eletrônico da

Organização 55, a igualmente registrar a formal adesão e o compromisso d o

Brasil com o Protocolo.

Foram cumpridas, portanto, as duas etapas do sistema de aprovação de

tratados internacionais, que foi assim resumido por Vladimir ARAS 56:

I nic ia lm ent e, rep r e s ent ant e s do Po d e r Ex ec utiv o – em g e ral

d ip lom at a s e e q uip e s té cni ca s d e o ut ro s m in is t é rio s e i ns tit ui çõ es

nac io na is – neg oc ia m o s t er m o s d o t ratad o, a cord o, p roto col o o u

conv e nçã o. S eg u e - s e a assi n a tu r a d o tex to p el o p r es id ent e, u m

m in i st r o o u o ut ro p l en ip ote nc iá rio .

55Informação disponível em: <https://treaties.un.org/Pages/ViewDetails.aspx?src=IND&mtdsg_no=IV-


5&chapter=4&clang=_en>.
56 ARAS, Vladimir. Tratados em dois tempos. Disponível em:
<https://vladimiraras.blog/2015/08/09/tratados-em-dois-tempos/>. Acesso em 28 de agosto de 2018.

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O t r at ad o é env iad o p e la p r es id ên cia d a R ep ú bl ica ao Co ng r e s s o

N aci on al. A t ram ita çã o s e in ic ia p e la Câm a ra d o s D e p ut ad o s.

Pro ced e - s e a v ot ação na s d u as ca sa s e p u bl ica - s e o d ec re to

l eg i sl ati v o , q u e a ut en tica o t ex to q u e p a s sa rá a v a le r ap ó s a

rat if icaç ão, ou a ad es ão , s e fo r o ca so.

Ent ã o, o Ch ef e de E st ad o, o ch a n cel e r ou o ut ro

p le nip ot en ciá r io r atif ic a o t ratad o ou co nv en ção, m ed ia nte o

d ep ó sit o d o i n st rum e nto d e r ati fic açã o p e ra nt e o Estad o o u o rg a ni sm o

d ep o sit á rio . Co m is to s e conc l ui o p roc ed im e nto bi fá fic o d e f or m açã o

d o v í nc ulo co nv enc io na l . Pact a s u nt s erv an d a.

Nesse contexto de sistema bifásico de aprovação, o Decreto Presidencial

tem por finalidade determinante dar publicidade e conhecimento a

compromisso já aprovado pelo Congresso Nacional e ratificado pelo

Presidente da República junto ao organismo intern acional, daí resultando , a

partir desse consórcio de vontades soberanas , a pronta vinculação do país

seja no plano externo, seja no âmbito doméstico, aos termos de tratados,

pactos e protocolos por si celebrados.

É dizer: a falta exclusiva de Decreto Presi dencial publicado no Diário

Oficial não compromete, não prejudica e nem interfere na compulsoriedade e

na vinculação do país aos termos de tratado assinado pelo Estado Brasileiro,

promulgado internamente pelo Congresso Nacional e já ratificado

internacionalmente pela Presidência da República.

Nesse sentido, por exemplo, o entendimento do Ministro Edson

FACHIN 57, para quem:

57 FACHIN, Luiz Edson; GODOY, Miguel Gualano de; FILHO, Roberto Dalledone Machado Filho;
FORTES, Luiz Henrique Krassuski. O Caráter materialmente constitucional dos tratados e convenções
internacionais sobre Direitos Humanos. In: NOVELINO, Marcelo; FELLET, André. Separação de Poderes:
aspectos contemporâneos da relação entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Salvador: Juspodivm:
2018. p. 294. (Grifo nosso).

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“ ( ...) ap ó s a n eg oc iaç ão e as si nat u ra p el o P re s id e nt e d a Rep ú b lic a, d a

ap rov açã o p e lo Co ng r es s o N aci on al e d e s ua ce l e b raç ão d ef in itiv a n o

âm b it o i nt er na cio na l, d e um tr atad o d e d i r eit os h um a no s, o E st a do

a el e se vi nc ul a e se co mp r o me te co m o s eu c um p ri me n to.”

Registre -se também a lição de Heleno Taveira TÔRRES 58:

Par ec e n ão s e r a ce itáv el q ue u m t rat ad o, e la bo ra d o p ela s a uto rid ad e s

com p e t e nt e s, s eg u nd o a d e sig na ção co n stit uc io nal e a a q ui e sc ênc ia

int e rn ac io nal , d ev id am e nt e a ut ent icad o e a s si na d o, r ec onh ec id o p e lo

Pod e r L eg i sl at iv o, p elo r ef e r end o at ri b uíd o p elo D ec r eto L eg i sl ativ o,

com u lt e r io r p u b lic açã o d est e, e r ati fic ad o, g er and o o c om p rom is so

d a R ep úb li ca F ed e rat iv a d o Bra s il na o rd em i nt e rn aci on al, p e ra nte

out ra o u v á ri as naç õ es sig nat ár ia s, ap e na s d e t ud o i s so, t e nh a qu e

fic ar à m e rc ê d e um at o ad m in i st rati v o, o D ec r eto d o P r e sid e nt e d a

R ep ú b lic a. A p re v alec er e sse cri t éri o, o t ra t a do , a pó s s ua

ra ti f i ca çã o, vig o r a ria ap en as no pla n o in te r n aci on al, s em g e r a r

ef ei to s no pl an o i n te r no, o q ue c olo ca ri a o B r asil na

pr i vi l eg i a d a po siç ão d e p o de r ex ig i r a ob se r v ân cia d o pa c tu a do

pel as ou t r as p a r tes co nt r a ta n tes , s e m fic a r s ujei t o à ob rig a çã o

rec í p r oc a , at rib ui nd o os re sp ec tiv os di re it o s a os de sti n a tá ri os

de se u c on te ú d o, ou re aliz an d o o s de ve res al i es tab ele cid os.

É mediante o decreto legislativo que o tratado internacional é

devidament e incorporado ao ordenamento jurídico doméstico, nos termo s do

art. 49, inciso I, da Constituição Federal . Por ser manifestação de competência

exclusiva do Poder l egislativo, Pontes de Miranda designa enquadra o decreto

58TÔRRES, Heleno Taveira. Aplicação dos tratados e convenções internacionais em matéria tributária no direito
brasileiro. In: AMARAL, Antônio Carlos Rodrigues do (org.). Tratados internacionais na ordem jurídica
brasileira. São Paulo: Lex Editora, Aduaneira, 2005. p. 150.

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legislativo como uma “lei sem sanção”, porque se completa no âmbito do

Congresso Nacional prescindindo da sanção da Presidência da República 59.

José Carlos de MAGALHÃES alcança a mesma conclusão a partir de uma

leitura conjugada dos arts. 59 e 84 da Constituição Federal de 1988 60:

A C o nst it uiç ão, no e nt anto , n ão d isp õe em q u al qu e r a rt ig o q ue o s

t rat ad o s, p a ra t e re m v ig ên cia no p aí s, d ep e nd em d es s a p rov id ên cia –

p rom ulg açã o p or m e io d e d ec r eto d o P r e sid e nte d a R ep ú b li ca – q u e a

p rax e c on s ag r ou , m a s q ue não e nc ont ra sup ort e co nst it uci on al qu e a

t or n e o b r ig at ó r ia. S eg u nd o o art . 5 9 d a Co n s titu içã o F ed e r a l, o

p roc e s so l eg is lat iv o co m p r ee nd e: I) a el a bo r ação d e e m e nd a s à

Co n st it u ição ; II) le i s c o m p le m e nta r e s; III) l ei s ord in ár ia s; IV) l ei s

d el eg ad as ; V ) m ed id as p rov is ór ia s; VI) d e cr et os l eg i s lativ o s; e VII)

r es ol uçõ e s. N ã o h á r e fe r ênc ia a lg um a a t rat ad o e m uit o m e no s a

d ec r et o d o Ex ec utiv o, q u e é o m ei o p e lo qu al es s e Pod e r r eg ul am e nt a

le i s o u ex p ed e ord e n s q u e v in cu lam a ad m in i str a ção f ed e r al, com o s e

v e ri fic a n o a rt . 8 4 , IV, d a C on st it uiç ão. O Co n g res so , ao r a tific a r

o tr a t ad o, o f az p or mei o de de cr e to l eg isl at iv o, p on d o - o em

vi g o r no p aís , n ão h a ve nd o n eces si da d e do d ec re t o de

pr o m ul g a çã o p el o Ex ecu ti v o, p r ovi dê nci a nã o p re vis t a n a

Co ns ti tu i ç ão.

Valério MAZZUOLI filia-se à mesma interpretação do ar t. 59 da

Constituição Federal de 1988 61:

Ad em ai s, não é c o rr eto d iz er q ue a f alt a d e p r o m ulg açã o ex ec utiv a

v iol a o p ri ncíp io d a p u b lic id ad e, p o is , um a v e z rat if icad o o t ratad o

int e rn ac io nal , d ev e o m e sm o co n sid e ra r - s e p ú b l ico d esd e a d ata em

59PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1,


de 1969. t. 3, 2 ed. São Paulo: RT, 1970. p. 142.
MAGALHÃES, José Carlos de. O Supremo Tribunal Federal e o direito internacional – uma análise crítica.
60

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 73.


MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 2 ed. rev. atual. amp. São Paulo:
61

Revista dos Tribunais.

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68
q ue o Co ng r es so N aci ona l o r e fe r e nd o u, p o r m e io d e d ec r eto

leg i slat iv o, e st e si m , p re v ist o no ro l d a s e sp é ci e s no rm a tiv a s d o a rt.

5 9 d a Co n st it u içã o. E nt end em os q u e o s j uí ze s e os t ri b un ai s, t e nd o

conh ec im ent o d o t ra ta d o já ra ti fic ad o e j á em v ig o r n o p l an o

int e rn ac io nal , p od em d e sd e log o ap lic a r o t rat a d o no ca so co nc ret o,

ain d a q ue t al i n str um e nto nã o t enh a sid o p r o m ulg ad o e p u bl icad o

int e rn am ent e.

Ou seja, tanto é dispensável o decreto presidencial para revestir com

eficácia o tratado ou a convenção q ue sequer é exigido pela Constituição. A

suposta necessidade nada mais é do que, segundo Francisco REZEK 62, “produto

de uma praxe tão antiga quanto a Independência e os primeiros exercí cios

convencionais do Império. Cuida -se de decreto, unicamente porque os atos do Chefe

do Estado costumam ter este nome ”.

Não se pode ler a Constit uição Federal de 1988 sob as lentes da

Constituição Imperi al de 1824.

Também entende pela imediata eficácia do tratado internacional,

dispensando o decreto da Presidência da República , o professor Ives Gandra

da Silva MARTINS 63:

A m e u v e r, a m e sm a ef ic ácia p r ecá r ia, m as r ea l, oco rr e na c e le b ra ção

d os t rat ad o s i nt er na cio n ai s, co nv en çõ es ou a to s, na m ed id a em q u e o

at o d e c e le b ra r é p r iv at i v o d o Pr e sid e nt e, em bo r a s u je ito a r ef e r end o

d o Co ng r es s o, qu e o c o nv a lid a rá ou nã o. E ntr e su a a ss i nat ur a e o

r ef e re nd o , t od av ia, em m inh a m a n ei ra d e in te r p r eta r o t ex t o, t em

ef icá cia p r ov i só ri a, m as r eal (...).

62REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
p. 103.
63MARTINS, Ives Gandra da Silva. Eficácia provisória e definitiva dos tratados internacionais. Revista do
Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Brasília, v. 13, n. 3, mar. 2001. p. 23-24.

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Tal “ ef i cá ci a p rec á ria ” , to d av ia, g a nh a d efi ni tivi d ad e q u a nd o

ex p res sa m en te ap r o va da , pel o C o ng r ess o N a cio na l, vi a d ec re t o

l eg i sl ati v o, ac o rd o i n t er na ci on al celeb r a do pel o P resi de n te d a

Re púb l i ca .

Com e f eit o , re za o a rt. 4 9 , i nci so I, d a L ei S up re m a br as il e ir a q ue:

Art . 4 9 . É d a c om p e tê nc ia ex cl u siv a d o C ong r e ss o N ac io na l:

I. r es olv e r d ef in itiv a m e nte so b r e t ratad o s, aco rd o s ou ato s

int e rn ac io nai s qu e aca r r et em e nca rg o s o u com p r om i s so s g rav os os a o

p at r im ô ni o nac io nal .

O tex t o co n tin u a, a me u ve r, se n do d e cla rez a me ri di an a. O

co ns ti tui n te faz me nç ão a s e r da c o mp e tê n cia d o C ong re ss o

na ci o n al re sol ve r d ef ini tiv a me n te, o q u e v ale diz er, d ecl a ra

ni ti d a me n te s er d efi nit ivo o c om p ro m eti me n t o i nt e rn aci o nal d o

P aí s e a t r a nsf or m aç ã o da “ efic áci a p rec á ri a e p r ovi só ri a” d o

ac or d o pel o pr esi de n te em “ efic áci a defi ni ti v a” (... ).

A “ def i ni ti vi d ad e” do t ra t ad o, a co r do ou co n ve nç ã o

i n te rn aci o na l a o q u e me p a rec e, é ob ti d a co m a edi çã o de

dec re t o l eg i sla ti v o d o Co ng r ess o N aci o nal , emb o ra a efi cá cia

ob te nh a -se, de f or m a ain da p rec á ria e p r ovi só ri a, c o m su a

assi n a tu r a” .

Não por outro motivo, o próprio Relatório do Comitê de Direitos

Humanos da ONU sobre a 97ª, 98ª e 99ª Sessões faz menção expressa à adesão

do Brasil ao Protocolo Facultativo e ao Segundo Protocolo Facultativo do Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Doc. 017) :

O p r e s ent e r el ató ri o a n ual co m p r e e nd e o p e rí od o d e 1 º d e Ag o sto d e

2 0 0 9 a 3 1 d e j u lh o d e 2 0 1 0 e a 9 7 ª, 9 8 ª e 9 9 ª s e ss õe s d o Com it ê d e

D ir e it o s H um a no s. D e sd e a ad o ção d o ú ltim o r e la tór io, P a qu is tão e a

R ep ú b lic a D em oc rát ica d o Lao s r ati fic ar am o P r ot ocol o I nt e rn aci on al

so b r e D i r eit o s C iv i s e Po lít ico s. B ra sil to rn o u -se pa r te do

P ro t oc ol o F ac ul t ati v o e d o Seg un d o P ro t oc o lo Fa cul t a tiv o . N o

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t ot al, são 1 6 5 Est ad o s - p art e d o P acto , 1 1 3 d o P rot oco lo Fa cu ltat iv o

e 7 2 d o S eg und o P rot oco lo Fac ult ativ o.

Por idêntica razão, insista -se, o Estado Brasileiro, nas três manifestações

que dirigiu ao Comitê de Direitos Huma nos da ONU , EM NENHUM

MOMENTO QUESTIONOU SUA ADESÃO AO PROTOCOLO

FACULTATIVO, tendo, ao contrário disso, reconhecido expressamente sua

vinculação ao mesmo e a plena possibili dade de conhecimento, pelo Comitê

de Direitos Humanos da ONU, de representações in dividuai s a ele dirigidas

por cidadãos brasil eiros , com base em violações a direitos protegidos pelo

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos:

Estranho seria, com todo o respeito, fosse o Poder Judiciário justamente

o ator a “negar” as declarações e os compromissos formais reafirmados pelo

Estado Brasileiro em suas comunicações oficiais com os órgãos integrantes

do Sistema ONU , e a pretender esvaziar meios reconhecidos de

democratização de acesso aos Mecanismos Internacionais de Proteção dos

Direitos Humanos.

Nesse contexto, portanto, e tal como o reconhece o própr io Estado

brasileiro nas manifestações que encaminhou ao Comitê de Direitos Humanos

da ONU, com a celebração do Protocolo Facultativo ao Pacto e com a

ratificação interna de tal comprom isso pelo consórcio soberano de vontade

pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo nº 311/2009), ultimou -se o ciclo

de formação do ví nculo convencional necessário à atribuição de força

normativa e exigibilidade, tanto no âmbito int ernacional, como no âmb ito

doméstico, do Protocolo Facultativo ao Pacto Internaci onal de Direitos Ci vis

e Políticos.

Marcelo PEREGRINO FERREIRA e Orides MEZZAROBA , em parecer

elaborado especificamente para o caso em questão, afastam didaticamente o

requisito do decreto presidenc ial como necessária à atribuição de força

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vinculante aos tratados e convenções internacionais – em par ticular, ao Pact o

Internacional de Direitos Civis e Políticos , veja-se (Grifo nosso):

Ad em ai s, co nt e r os ef eit os d e u ma ob rig a çã o i n te r na cio n al

ass u mi da p el o Es t ad o, co m fu n da me n to n um at o s ub o rdi n ad o –

ex i s te nt e, ex clu siv a me nt e, pa r a a fiel ex ec u çã o d a l ei – s eri a

ol v i d a r a p r om ulg a çã o de um de cr et o leg isl ati v o pel o

P arl a me n to , a ra tifi c aç ão d o Ch efe do Ex ecu ti v o, o acei te

def i ni ti v o e a p al av r a pr ó pri a do paí s d a da , sole ne me n te, no

cen á ri o d os org a nis m o s in te r na cio n ais. Ma i s d o q u e i ss o. A f ro nta

su a n at ur ez a d e e le m e nt o n ec es s ár io p a r a a boa e x ec uçã o d a s l ei s, no

p roc e s so d e p o rm en or iz ação d a l eg i sl açã o e d e s ua s u bo rd in ad a, a

p os si b il id ad e d e s e t e r o d ec re to co m o el em ent o i nd i sp en sáv e l p a ra a

inc orp o raçã o d e um t rat ad o i nt e rn aci on al no o rd en am ent o nac io na l.

A fa cu ld ad e r eg u lam e nt ar, no ca so, d ev e ta m bé m s e r r ep ud i ad a p o r

cau sa r a d is s int on ia e ntr e o s m om e nto s em qu e o s tratad o s p r om ov em

s eu s e f eit os . Pe la t es e v enc ed o r a d o S up r em o, n est e p a rt icu la r

ju lg am e nt o [ A DI n º 1 .4 8 0 ] , – com o in ex i s te p ra zo p a ra e s sa

int eg raç ão – , o E stad o b ra si l ei ro p od e e st ar i n ad im p l e nt e, v io la nd o

d isp os içõ e s d as co nv e nç õe s p or si r ati fic ad a s, p a ra s e u em ba ra ço, at é

q ue o Ex ec utiv o d e cid a d ar a p u bl icid ad e e , p or co ns eg ui nt e,

ef et iv id ad e a os t rat ad o s na o rd em d om és tic a, af ro nta nd o a bo a - f é

v ig e nt e no D ir e ito I nte r nac io na l 64. E um i nco nv e ni e nte a f ro nto so, a

m ai s, à l óg ic a: p od er á o Es ta d o B ra silei r o s e v ale r d o tr a t ad o n o

pl a n o ex te r n o, e m se u b ene fíci o o u p ar a ex ig ir de ou t r o Es ta d o

o c u m pri me n t o, no mes mo p a ss o e m q ue se e nc on t r a des ob rig ad o

no pl a no d o més ti co pe la au sê nci a de u m dec r et o? A an o m alia é

evi de n te.

64 Flávia Piovesan, ao mencionar a boa-fé e a sistemática inadequada do regime nacional sobre os


tratados (“lacunosa, falha e imperfeita”), traz o exemplo muito pertinente do longo prazo de ratificação
da Convenção de Viena assinada pelo Estado brasileiro em 1969, tendo, o depósito do instrumento de
ratificação, sido realizado em 25 de setembro de 2009. (PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito
Constitucional Internacional. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2.013, p. 112).

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Por i s so m e sm o, a Co n v en ção d e V ie na e a Co rt e I nt er am er ica na 65

r ep ud iam o d es cum p r im en to d o tr atad o r ea liz ad o p or co nta d e n or m a

d o ord e nam e nto i nt e rn o e ex ig em o ad im p l e m e nto d o s E stad o s

sig nat ár io s em s eu s A r tig o s 2 6 e 2 7 66, a fa sta nd o - s e, i nc lu siv e, d e

el em e nt o s e st ra nh o s p a r a d et erm i naç ão d e v a lid ad e e v ig ê nc ia 67 d o s

t rat ad o s in t e r nac io na is . Im pe r a m, no di re it o i n te rn a cio n al

púb l i c o, o pa ct a su n t se rv a nd a e a b oa -fé e a in t er p re t aç ão

j u ri s pr u de nci al n ão p od e ig n or a r os c om p r omi ss os

i n te rn aci o na is as su mi do s pel o Es ta d o. É, em s u m a, a

cre di b i l i d a de do Es t ad o b ra silei r o e m j og o.

A m e sm a C onv e nçã o p r e v ê v á ri as fo rm a s d e m a ni fe sta ção d o co ns e n so

e d e s u bm i s sã o à v i nc u lativ id ad e co nv e nci on al d o Est ad o co m o a

as si nat u ra, t roc a dos i nst r um en to s c on st it utiv os do tr atad o ,

rat if icaç ão, ac eit ação , a p rov a ção ou ad es ão, ou p or q ua is q u e r o ut r o s

m ei o s, s e a s si m a co rd ad o (a rt. 1 1 ) , r ep e li nd o , d e m an ei r a i n ex o ráv e l,

a s ol uçã o d o S up r em o T r ib u na l F ed e ra l.

65 Veja-se a seguinte Opinião Consultiva na qual consta, expressamente, a posição da Corte


Interamericana e do Direito internacional de exclusão de responsabilidade do descumprimento de
obrigação com fundo em dispositivo do direito interno: “35.Una cosa diferente ocurre respecto a las
obligaciones internacionales y a las responsabilidades que se derivan de su incumplimiento. Según el derecho
internacional las obligaciones que éste impone deben ser cumplidas de buena fe y no puede invocarse para su
incumplimiento el derecho interno. Estas reglas pueden ser consideradas como principios generales del derecho y
han sido aplicadas, aún tratándose de disposiciones de carácter constitucional, por la Corte Permanente de Justicia
Internacional y la Corte Internacional de Justicia [Caso de las Comunidades Greco-Búlgaras (1930), Serie B, n.
17, p. 32; Caso de Nacionales Polacos de Danzig (1931), Series A/B, n. 44, p. 24; Caso de las Zonas Libres (1932),
Series A/B, n. 46, p. 167; Aplicabilidad de la obligación a arbitrar bajo el Convenio de Sede de las Naciones Unidas
(Caso de la Misión del PLO) (1988), p. 12 a 31-2, §47]. Asimismo estas reglas han sido codificadas en los artículos
26 y 27 de la Convención de Viena sobre el Derecho de los Tratados de 1969” (Pinión consultiva oc-14/94 del 9 de
diciembre de 1994, responsabilidad internacional por expedición y aplicación de leyes violatorias de la convención
[arts. 1 y 2 Convención Americana Sobre Derechos Humanos]).
66“Art. 26. Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé. Art. 27. Uma
parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um
tratado. Esta regra não prejudica o artigo 46”.
67“Art. 42. §1. A validade de um tratado ou do consentimento de um Estado em obrigar-se por um
tratado só pode ser contestada mediante a aplicação da presente Convenção”.

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Por op o rt u no , co rr o bo r a H ild e b ra nd o A cci oly , em 1 9 8 6 , ao t rat ar

so b r e a rat if ica ção qu e “ d ur an te m uit o t em p o, os a uto r es em g e ra l,

con sid e ra ra m q u e o q ue d á fo rça o b r ig ató r i a aos t rat ad o s é a

rat if icaç ão. Ant e s d e st a, o ac ord o f ir m ad o e ra t id o co m o m e ra

p rom e s sa c ond ic io nal . H oj e em d ia, p o ré m , e s sa fo rm a lid ad e, em

m uit o s ca so s, j á nã o é tid a com o i nd i sp e ns áv e l , tant o as s im qu e a

Co nv en ção d e Vi e n a d e 1 9 6 9 p rev ê q ue o co n se nt i m e nto d e um Est ad o

em o br ig a r - s e p o r u m t rat ad o p od e m a n if e sta r - s e p el a a s si na tu ra,

t roc a dos in st r um e nt o s co n sti tut iv o s do tr atad o, ra tif ic ação ,

ace it aç ão, ap rov a ção o u ad e s ão, ou p o r q ua is q u e r o ut ro s m e io s, s e

as si m ac ord ad o ( art . 1 1 ) ” 68.

No mesmo sentido, confira -se trecho do parecer do Professor André

Ramos TA VARES (grifo nosso):

U m a d úv id a q u e d ev e s e r afa st ad a é a d a s up o st a não v i nc ul ação a o

Com it ê d e D ir e ito s H um ano s, p el a au s ê nci a no rm ativ a d e um D ec r eto

Pr e sid en ci al p o s te r io r ao D e cr eto L eg i slat i v o n. 311/09, que

h om ol og o u no B ra s il o P rot oco lo Fac ul tativ o a o Pacto Int e r nac io nal

so b r e D i r eit o s Civ is e P olít ico s.

So b re o t e m a, o S up r em o T ri b u nal F ed e ra l p o s i cio no u - se n a Ca rt a

Rog at ó ri a n . 8 .2 7 2 , ju lg ad a p elo Pl e ná ri o e m 1 7 . 0 6 .1 9 9 8 (R e l. C E L S O

DE M E L L O ) no s e ntid o c ont rá ri o à v a lid ad e i nt er na d e tr atad o s an te s

d a ex is t ê nc ia d o r e fe r i d o D e cr et o P re s id e nc ia l 69. E s sa p o s ição m e

68 ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 126.
69 Cf. o referido julgado: “A Constituição brasileira não consagrou, em tema de convenções
internacionais ou de tratados de integração, nem o princípio do efeito direto, nem o postulado da
aplicabilidade imediata. Isso significa, de jure constituto, que, enquanto não se concluir o ciclo de
sua transposição, para o direito interno, os tratados internacionais e os acordos de integração, além
de não poderem ser invocados, desde logo, pelos particulares, no que se refere aos direitos e
obrigações neles fundados (princípio do efeito direto), também não poderão ser aplicados,
imediatamente, no âmbito doméstico do Estado brasileiro (postulado da aplicabilidade imediata)”.

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p ar ec e ba st a nt e co nh ecid a na d o ut ri na e j u ri sp r u d ên cia 70 na cio na i s e,

p oi s, d i sp e ns a m a io r es d ig r e s sõ es .

N o e n t an t o, t ra t a - se de ve t us ta p osi çã o d o S up re m o T rib u nal

Fe de ra l , q ue nã o s e d e ve apl ic ar p ar a os t ra ta d os de D i r eit os

H u ma n os . H á, in clu sive , de cis ão mai s r ece n te, ta mb ém

pr of eri d a e m se de d e ex t ra diç ã o, c uja te s e é a nt ag ôni ca à

deci sã o ref e rid a ac i m a. N a m ais re ce nt e E x t ra diç ã o n. 9 8 6 ,

j ul g ad a p el o Ple n á rio em 1 5 .0 8 .2 0 0 7 (R el. Mi n E R O S G R A U ), c om

b ase n o c i t a do § 1 o do a r tig o 5 o da C on s ti tui çã o d o B ra sil,

sus te n t a a a plic ab ili d ad e i me di a ta da s “ n or ma s de defi ni do r as

di rei to s e g a ra n ti as f u nd a me nt ai s” , ag o r a si m um

po si ci o na me n to q ue r evig o ra a ju ris p ru dê nci a m ais an tig a,

al i nh a nd o -a à C o ns ti t uiç ão de 1 9 8 8 e à p re va lênc ia do s d ir eit os

hu m an os aq ui j á a na lisa d o in ici alm en t e. N e ss e s e ntid o , v a le

con fe r i r a em e nta d es s e acórd ão d e 2 0 0 7 , em l i ção lap id a r so b re a

p os ição d o B ra s il na s s u as r el açõ e s i nt e rn aci on a is:

“[...] Obrigação do Supremo Tribunal Federal de manter e observar os

parâmetros do devido processo legal, do estado de direito e dos direitos

humanos. 2. Informações veiculadas na mídia sobre a suspensão de nomeação

de ministros da Corte Suprema de Justiça da Bolívia e possível interferência

do Poder Executivo no Poder Judiciário daquele País. 3. Necessidade de se

assegurar direitos fundamentais básicos ao extraditando. 4. Direitos e

garantias fundamentais devem ter eficácia imediata (cf. art. 5º, § 1º); a

vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos deve obrigar o estado a

guardar-lhes estrita observância. 5. Direitos fundamentais são elementos

integrantes da identidade e da continuidade da constituição (art. 60, § 4º). 6.

Direitos de caráter penal, processual e processual-penal cumprem papel

fundamental na concretização do moderno estado democrático de direito. 7.

A proteção judicial efetiva permite distinguir o estado de direito do estado

policial e a boa aplicação dessas garantias configura elemento essencial de

70 No mesmo sentido cf. ADI (MC) 1.480, rel. min. Celso de Mello, j. 4-9-1997.

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realização do princípio da dignidade humana na ordem jurídica. 8.

Necessidade de que seja assegurada, nos pleitos extradicionais, a aplicação

do princípio do devido processo legal, que exige o fair trial não apenas entre

aqueles que fazem parte da relação processual, mas de todo o aparato

jurisdicional”.

Ai nd a q u e no ca so d o a córd ão citad o, as no rm a s em an ál i se t enh am

p as sad o p e la s fo rm a lid a d e s d e i nt eg r açã o à ord e m ju r íd ic a nac i o na l,

não h av e nd o n ec e s sid ad e d e sup e raç ão d e ev e n tua is p ro bl em as d e

int e rn al iza ção, o com a nd o d e im ed iata ap l ica ção d a s no rm a s d e

d ir e it o s f u nd am e ntai s, p r es e nt e n e s se m ai s r ec en te j ulg a m e nto d o

ST F, im p õ e a ex ig i b ili da de i r re st ri t a d o s d i r eito s h um a no s n a

ord em in t e r na, j us tam e nt e p elo fa to d e q u e “ [a] id e ia d e q ue o s

d ir e it o s e g a ra nti as f un d am e nta i s d ev em te r e fi cáci a im ed iata (a rt.

5 o , § 1 o , d a CB) re s sa lt a, ta m bém , a v inc u laç ã o d i r eta d o s ó rg ão s

e st at a i s a es s e s d i r eit os e o se u d ev er d e g ua rd a r - lh e s es tr ita

ob s e rv â nci a” (v oto d o Mi n. G I L M A R M E N D E S no c itad o acó rd ã o d a

Ex t . 9 8 6 ) .

Esc la r eço e s s e p o nto p a r a o ca so co nc ret o. Co n si d e ra nd o os d i r eit os

h um a no s do Pac to I n te rn aci on al em an ál i s e, c on s id e ra nd o a

int e rn al iza ção d o C om i tê com o i n stâ nc ia d ec i só ri a d e ss e Pac to e

con sid e ra nd o , ai nd a, q u e a i nt e rn al iza ção no B r as il d es s e s e l em ent os

no rm at iv o s e stá tot alm e nt e ac im a d e q ual q u e r p o lêm ica , n ão h av e nd o

d iv e rg ên ci a a es s e r e sp e ito, o e nt end im ent o m ai s c on s e ntâ n eo com a

Co n st it u ição d e 1 9 8 8 é o d e qu e se r ia co m e l a in com p at ív el q ue r

r ee st a b e le ce r o v elh o d is cu rs o d a fa lta d e ap l ica b i lid ad e im ed iata p a ra

os i nd iv íd uo s (n aci on ai s), por i nex i stê nc ia de um D ec re to

Pr e sid en ci al, qu e r d iz e r, p o r falt a d e um ato no r m ativ o i nt e rm ed iá r io

q ue c on fi ra ef icác ia à no rm a s de D ir e ito co n stit uc io na l. O

ob so l et i sm o d e te or ia s q ue s e im ag in av am s ep ult ad a s n o p a s sad o

r et o rn a p ar a no s a ss om b ra r e im ola r a s l eg ít i m as p er sp ect iv a s d a

soc i ed ad e b ra s il ei ra e d a com u n id ad e i nte r na cio na l d e d i r eit os

h um a no s.

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N e ss e se nt id o, Ce l so Ba sto s , e m s eu s co m e ntá r i os, a s sim ap r e se nta

e ss a qu e st ã o:

“ [ ...] o t ex t o co n sti tu cio na l e stá a p e rm iti r a in ov açã o, p elo s

int e r es sad o s, a p a rti r d os t rata d o s i nte r nac io nai s, o q u e n ão s e

ad m it ia, e nt ão , n o B ra si l. [... ]

“ N ão s er á m ai s p o s sív e l a te s e d ua li sta , é d iz er , a d e qu e os t ratad os

ob rig am d ir et am e nt e o s Estad o s, m a s nã o g e r am d ir e ito s su b j etiv os

p ara os p a rt ic ul ar e s, qu e f ic am na d ep e nd ê nc ia da r ef e rid a

int e rm ed i ação l eg i s lat iv a. D o rav ant e s e rá, p oi s, p os sív e l a i nv oca ção

d os t r at ad o s co nv en çõ e s d a s q ua i s o B ra si l s ej a s ig natá r io, s em a

ne ce s sid ad e d e ed içã o p e lo Leg i sl ativ o d e ato co m fo rça d e L e i” 71.

Re al m en te , p re te n de r desq u alific a r o C o m itê e ig n or a r s ua s

deci sõ es n ão d es to a da s po st u r as oc o rri d as ne sse c on tex t o

hi s t óri co i n te r no re t r óg r a d o q u e p o r m ui t o se fez vit o ri os o n o

B ra si l , es pe cial me n te du r a nt e o reg im e mili t ar di ta t ori al, ma s

ta mb ém , p or vez es, s ob a C o ns ti tu iç ão d e 1 9 8 8 . A te s e d e

p rog ram at ic id ad e d e ce r tas n orm a s cog e nt es , t r an sf or m a nd o - a s em

con s elh os o u p ret e n sõ e s in co ns e q u ent e s, d e sa b il ita nd o - a s, é cu lt ur a

ain d a não t ot a lm e nte s u p e rad a. É p r eci so e nv id ar t od o s e sfo rç os n o

s ent id o d e im p ed i r a r ep rod uçã o d es s e m od e lo d e p e ns am ent o 72.

A l ei tu r a d a C o ns ti tu i çã o d e 1 9 8 8 n ã o p od e s er a m es ma l ei tu r a

q ue s e p r a ti c av a n a co ns ti tui çã o do I m pé r i o b r as ilei ro , p o r

71BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição Brasileira (promulgada em 5 de outubro de 1988). São
Paulo: Saraiva,1989, v. 2, p. 396.
72 Pela efetividade dos direitos sociais, que sofrem esse tipo de bloqueio doutrinário e jurisprudencial,
já me posicionei da seguinte forma: a “efetivação dos direitos sociais deve necessariamente integrar essa
abordagem própria de transformação da realidade socioeconômica trazida pela Constituição
econômica. [...]
Essas questões tradicionalmente [...] sofreram [...] forte resistência de todos os setores, inclusive de
segmentos do próprio Poder Judiciário, quanto a assumir abertamente essa responsabilidade pelo
Estado social” (André Ramos Tavares, CNJ como Instância de Suporte aos Magistrados na Complexidade
Decisória: o caso dos direitos sociais e econômicos, In: Fabrício Bittencourt da Cruz (org.), CNJ: 10 anos.
Brasília: CNJ, 2015, p. 49-50, ref. p. 46-64).

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oc asi ão de n os sa in de pe n dê nci a 73. F a z er d ep en de r a

apl i c ab i l i da de do P ro t oc ol o a dici o nal de um D ec r et o

pr esi de nci al é si tu aç ão es dr úx ul a. Em últ im a a ná li s e é um a

int e rp ret açã o qu e f az p a rt e d a Co n stit u ição d ep e nd e r d e um D ec r eto

Pr e sid en c i al, ap e s ar d a d eci s ão d o C o ng r e s so N a cio na l.

Ad argumentandum tantum , caso entenda -se pela necessidade do decreto

presidencial para atribuir eficácia doméstica ao Pacto Internacional de Direitos

Civis e Políticos, faz -se inafastável a incidência do art. 4 6 da Convenção de

Viena ao presente caso:

Art ig o 4 6

D isp o siç õe s d o D i r ei to Int e rn o so b re C om p et ên cia p a ra C onc l ui r

Trat ad o s

1 . U m E st a do nã o p od e in v oc ar o f a to d e q ue seu c on se n tim en t o

em o b ri g a r -se po r u m t ra t ad o fo i ex p re ss o e m vi ol aç ão de u m a

di s po si ç ã o de se u d i rei t o i n te r no s ob re co mp e tê nci a p ar a

co ncl ui r t r at a do s, a n ão s er q ue e ss a vi ol aç ão f oss e m a nifes t a

e di s ses se r es pei t o a um a n o r ma de s eu di rei to i n te r no de

i m po r tâ nc i a f u n da me n ta l.

2 . U m a v io laç ão é m a ni fe st a se f or o b jet iv a m e nte ev id e nte p a ra

q ual q u e r Est ad o qu e p r oced a, n a m at ér ia, d e c onf o rm id ad e c om a

p rát ica no rm al e d e bo a fé.

Como visto, inexiste norma constitucional a exigir decreto da

Presidência da República para conferir força vinculante a tratado

internacional, robusta corrente do utrinária advoga o entendimento de que é o

decreto legislativo q ue reveste de eficácia o diploma na orde m doméstica e o

73De acordo com Celso D. de Albuquerque Mello “[a] promulgação vem sendo utilizada, entre nós,
desde 1826” (MELLO, Celso D. de Albuquerque de. Curso de Direito Internacional Público, 10a ed, Rio de
Janeiro: Renovar, 1994, v. 1, p. 240).

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Estado Brasileiro já reconheceu ao longo de suas diversas comunicações a

competência do Comitê de Direitos Humanos.

Nesse contexto, na r emota hipótese de julgar indispensável o decreto

presidencial, a aplicação do art. 46 da Convenção de Viena é fundamental para

concretizar o espírito da constituição de estimular a participação internacional

no Brasil em favor da prevalência dos direitos h umanos.

7.7 Competência para analisar os requisitos procedimentais.

Incompetência da Justiça Eleitoral. Óbice da Súmula 41 do TSE 74

Todas as observações acima lançadas, associadas ao consolidado

entendimento doutrinário nesse mesmo sentido, bem assim ao co mportamento

do próprio Estado Brasileiro, que expressamente reconheceu, em todas suas

manifestações, a sua vinculação, a partir do Decreto Legislativo nº 311/09, ao

Protocolo Facultativo ao Pacto, já depositado perante a ONU, apontam no

sentido da cogência das decisões emandas pelo Comitê.

São, assim, incompreensívei s, com todo respeito, quaisquer declarações

no sentido de que a excepcional e grave providência acautelatória expedida

pela ONU não teria f orça impositiva e vinculativa, considerada a ausência de

Decreto Presidencial a publicizar pacto já celebrado no âmbito internacional e

aprovado pelo Congresso Nacional.

Isso porque, como dito, o que fez o Protocolo Facultativo ao Pacto foi

simplesmente prever a possibilidade de conhecimento, pelo Comitê de D ireitos

Humanos, também de representações individuais dirigidas por cidadãos,

contra Estados membros, por violação aos direitos fixados n o PIDCP.

Muito embora não seja competência da Justiça Eleitoral discutir se as competências do Relator Especial
74

no Comitê de Direitos Humanos da ONU, utiliza-se a informação como reforço da tese defensiva.

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79
A jurisdição em si do Comitê não vem do Protocolo Facult ativo, mas,

ao contrário disso, como já dito, foi prev ista pelo próprio Pacto Internacional

de Direitos Civis e Políticos, como corpo a ele inerente e indispensável, porque

responsável por sua correta execução e cumprimento. Aderir ao Pacto

Internacional significa, portanto, submeter -se à jurisdição do órgão previsto

pelo próprio Pacto como o responsável pelo control e de sua execução.

O Brasil, portanto, se submete à juri sdição do Comitê de Direitos

Humanos, na condição de país aderente ao Pacto Internacional de Direitos

Civis e Políticos.

Já o protocolo facul tativo, ao contrário disso e como já dito, se limita a

prever mais uma hipótese de representação a ser dirigida ao Comitê de

Direitos Humanos (representação individual), fixando, ainda, uma condição

interna de procedibilidade para tanto (art. 1º):

“ ( ...) . O Co mi tê n ão re ceb e r á ne n hu m a c o mu nic aç ão re la ti va a

Est a do P a r te n o Pa ct o q ue n ão sej a n o p r ese nt e P ro t oc ol o.

Isso significa, portanto, que compete ao Comitê, e ao Comit ê apenas ,

aferir se todas as condições para recebimento de uma comunicação relativa a

um Estado-Parte estão presentes.

Caso o país membro contra quem se dirige determinada comunicação

individual entenda lhe falecer condições de recebimento ou procedibilidade,

competirá a ele alegar tal óbice junto ao Comitê, que, assim, irá proceder ao

juízo de admissibilidade que lhe é privativo e que, como j á mencionado, é

altamente restritivo e rigoroso: o percentual médio de representações que

ultrapassam o crivo de admissibilidade é de 40% 75.

75Entre as 2.970 comunicações recebidas pelo Comitê, apenas 1.200 foram apreciadas no mérito, de
acordo com o Relatório do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas para as 117ª, 118ª e 119ª
Sessões.

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80
E, como dito, não f oi esse o comportamento do Estado Brasileir o, que,

em todas as peças que dirigiu ao Comitê de Direitos Humanos da ONU,

precisamente no caso concreto movido pelo ex-Presi dente , reconheceu a

legitimidade ativa e a submissão do paí s ao Protocolo Facultativo desde o

Decreto Legislativo nº 311/09.

Entendesse o Brasil que algum requisito de procedibilidade estava

ausente (tal como a possibilidade de um cidadão, individualmente, buscar o

respeito a seus direitos humanos mediante representação individual), deveria

ter apresentado tal óbice ao Comitê, único com competência e jurisdição para

a análise dos casos que lhe são dirigidos.

O Brasil, no entanto, não apenas não arguiu tal questão – de análise

privativa do Comitê – como, pelo contrário, reafirmou sua plena submissão

também a representações individuais movidas por seus cidadãos ,

considerada a f orça vinculativa ao Protocolo Facultativo derivada do Decreto

Legislativo nº 311/09, o que impede que o tema seja discutido na jurisdição

doméstica, f oro impr óprio para tanto.

Nesse sentido, irretocável o seguinte trecho do parecer oferecido para

este processo pelo Professor André Ramos TAVARES:

R et o r na nd o, a ind a, a o tem a d a te cn ica lid ad e f ra ud at ór ia, m u ito a

g ost o d o fo rm a li sm o j u r íd ic o ex ac e r bad o, r eg is t ro q u e, c e rtam e nt e,

q ual q u e r sup ost o e qu ív o co o u e rr o na d ec i são m e nci on ad a, s e ja so b r e

a p róp ria co m p et ê nc ia d o Com it ê, s ej a so b r e o c ont e úd o d o PI D CP,

p ara o c as o co nc r eto (d e cis ão es sa d ir ig id a ex p r e ss am ent e ao E st ad o

b ra si l ei ro) d ev e se r en f re nt ad a p e lo s m e ca ni sm o s p róp rio s e

ad e q uad o s, ev it and o - se o ri sc o d e i ng re s sa rm os no cl u b e d a s na çõ es

su b s e rv i e nt e s a o s e u v o lu nta r ism o, qu e suc um b em ao at ra s o ou a

ap e lo s a ut o r it á ri os q u e d e sp r ez am o PID CP.

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81
É dizer: não compete, à jurisdição doméstica, pretender exercer um crivo

sobre o preenchimento de requisitos formais d e representações dirigidas aos

corpos integrantes do Sistema Internacional de Proteção de Direitos Humanos.

Esclarecedoras as palavras de André Ramos TAVARES sobre o eventual,

mas certamente improvável, descumprimento da decisão cautelar do Comitê

de Dire itos Humanos da ONU por este E. Tribunal:

O C om it ê é órg ão p r ev i s to n o Pa cto. S ua s d ec is õ e s são cog ent e s. S e

h ouv e r a lg um asp ect o q ue m e re ça r ef or m a ou r ep a ra ção em s ua s

d eci s õe s, a fó rm ul a co r r eta n ão e stá em ig no r ar, d e s qu al if ica r o u

d e sl eg it im a r o ó rg ão . P ara t ant o h á a p e rsp ec tiv a d e ap re s en ta r,

d en t r o d e um p roc e s so a d e qu ad o, a s raz õe s j ur íd ica s p el as qu ai s d ev e

h av e r “ r ef or m a” ou r ev i são d e d eci s õe s. A co r re ç ão int e r na ( co ntr ol e

h et er ôn om o d o PID C P) , q u e r d i ze r, p o r ó rg ã os na cio na i s, não é

ap e na s um s im p l e s ata lh o p a ra ac e ss a r m a i s rap i d am e nt e o q ue se r ia

o D i r eit o c e rt o . É u m ca mi nh o p ar a a vi ol aç ã o sele ti v a do Pa c to .

Permitir que o J udiciário local se imiscua nas atribuições que, por força

de Tratado de Direitos Humanos (supralegal, portanto), são ex clusivas de um

treaty body, e analise a viabilidade formal de representações a eles dirigidas

ou mesmo rejulgue a validade de decisões adotadas no âmbito internacional

significa, simplesmente, esvaziar por completo a jurisdição de tais importantes

órgãos de fiscalização. Com claro risco de comprometimento dos direitos

humanos básicos internacionalmente consagrados e com a fragmentariedade

de sua implementação pelas nações.

Um retrocesso, com todo respeito.

Para além disso, em se tratando de debate sobre reg istro de candidatura

travado no context o da Justiça Eleitoral, invocável, por sua evidente

similaridade, o óbice da Súmula nº 41 deste TSE, clara no sentido de que “ não

cabe à Justi ça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas po r

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outros órgãos do J udi ciário ou dos tribunais de contas que conf igurem causa de

inelegibilidade ”.

É dizer: defrontando -se, a Justiça Eleitoral, com decisões provenientes

de outros órgãos de j urisdição que repercutam em situação de inelegibilidade,

compete a ela apenas dar -lhes cumprimento e efetividade no pedido de

registro de candidatura, já que eventual acerto ou erro de tais decisões deve

ser debatido e questionado nas vias próprias respectivas.

É o caso na espécie.

Assim como não compete à Justiça Elei toral negar cumprimento à

decisão proveniente da Justiça Comum, sob a suposta falta de competência da

autoridade prolatora (Cf. EDcl no RESPE nº 9707, Rel. Min. J orge Mussi, DJe

15/05/2018 e AgRg n o RESPE nº 16689, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 05/12/2017) ,

igualmente não cabe, no presente caso, a este Tribunal Superior Eleitoral,

desconsiderar pronunciamento proveniente de um treaty body integrante do

Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos, sob o (equivocado)

fundamento da alegada incompetência d o responsável pelo decisum ou da

ilegitimidade ativa do autor da comun icação que desembocou na medida

suspensiva.

Caso o Estado Brasileiro entenda que o Protocolo Facultativo ainda não

é vinculativo, em razão da ausência de Decreto Presidencial, e que, por isso

mesmo, representações individuais não podem ser movidas contra o Brasil,

então imperioso seria que essa irresignação fosse dirigida ao próprio Comitê

de Direitos Humanos, o único com competência para análise de tal questão

prévia.

Tal irresignação, no entanto, não foi manifestada pel o estado

brasileiro, que, pelo contrário, reconheceu expressamente sua submissão à

jurisdição do Comitê no caso específico da representação individual

apresentada de L U L A , bem assim a plena possibilidade de que cidadãos

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83
brasileiros movam, individualmente, queixas por descumprimentos aos

direitos previstos no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

Assim, descabida qualquer indevida indagação, no foro i mpróprio e

sobretudo pelo poder judiciário (cujas interpretaçõ es e atuações devem se

pautar na máxima efetivação dos documentos de preservação dos direitos

humanos), a respeito de uma vinculação e submissão ao Protocolo Facultativo

que o próprio Estado Brasileiro reconhece existir em suas comunicações

formais com a O NU.

7.8 Poder geral de cautela do comitê de direitos humanos da ONU – da

obrigatoriedade no cumprimento de todas as decisões. Entendimento do

STF e da PGR

As medidas cautelares eventualmente pleiteadas pelos comunicantes

(“interim measures” ) são decididas com f undamento na natureza da violação

alegada e no risco de dano irreparável ao direito protegido pelo Pacto

Internacional de Direitos Civis e Políticos.

Como toda e qualquer decisão proveniente do Comitê de Direitos

Humanos da ONU, portanto, as interim measures, adotadas para evitar

perecimento de direitos em situação de grave violação são igualmente

mandatórias a todos os Estados que subscreveram ao PIDCP, em especial ao

Brasil.

Aderindo livre e espontaneamente, por ato de soberania, ao Pacto

Internacional de Direitos Civis e Políticos no ano de 1999 e depois ao seu

Protocolo Facultativo em 2009, emitindo sua vontade soberana no plano

jurídico internacional para ingressar nos dois tratados, o Estado Brasileiro

obrigou-se a cumprir seus termos na integralidade.

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Não é outra a redação do art. 3 do Pacto Internacional de Direitos Civis

e Políticos:

3 . O s Es t ad o s P ar te s d o p r es e nt e Pa cto c om p rom et em - se a:

a) G ar ant i r q ue tod a p es soa , c uj os d i r eit os e l i b e rd ad e s r eco nh ecid os

no p r e se nt e Pact o t e nh a m s id o v io l ad o s, p o s sa d e um r ec u rs o ef et iv o,

m e sm o q u e a v iol ê nc ia t enh a sid o p e rp e tr a p o r p e ss oa s q ue ag iam n o

ex er cíc io d e fu nç õe s of ic iai s;

b) Ga r ant i r q ue tod a p e ss oa q u e i nt erp u se r ta l r ec ur so t e rá s e u

d ir e it o d et er m i nad o p el a com p et e nt e auto r id ad e j ud ici al,

ad m i ni st rat iv a ou l eg i sl ativ a o u p o r q ua l qu e r o ut ra aut o rid ad e

com p e t e nt e p r ev i st a no ord e nam en to j ur íd i co d o Es tad o e m q ue st ão;

e a d e s env olv e r a s p os s i bi lid ad e s d e r ec u rs o j ud i cia l;

c) Ga ra nt i r o c um p ri m e nto, p ela s a uto r id ad e s com p et ent e s, d e

q ual q u e r d e ci sã o qu e ju l g ar p ro ced e nt e ta l re cu r so.

Reforça a necessidade de o Estado -parte atender as determinações do

Comitê da ONU o ar t. 1º do Protocolo Facultativo do Pacto:

AR TI GO 1 º

O s E st ad o s P art e s d o Pacto qu e s e to rn em p art e s d o p r e s ent e

Prot oco lo re co n hec em q ue o C o mit ê te m co mp e tê nci a p a ra

rec eb e r e ex a mi n ar c o mu ni ca çõ es p r ov eni en tes de in di víd u os

su j eit os à s ua j u ri sd içã o qu e al eg u em s e r v í tim as d e u m a v io laç ão,

p or es s e s E st ad o s Pa rt e s, d e q ual q u e r d o s d i r e ito s e nu nc iad o s no

Pact o. O Com it ê n ão r e ce b er á n e nh um a com u ni cação r el ativ a a um

Est ad o Pa rt e no Pact o q ue n ão s eja n o p re s e nte Prot oco lo.

Como se afirmar, ante a dicção do art. 3, c, do PICD e do art. 1º do

Protocolo Facultativo , que a decisão do Comitê não é vinculante ou não se

reveste de carga impos itiva?

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85
Como anota Vladimir ARAS, que f oi membro i ntegrante das

investigações transnacionais da Força Tarefa da Lava Jato 76, não há falar em

intromissão do Comitê nos assuntos internos: “ Ao contrário, o ingresso nos dois

tratados decorreu de um ato de sobera nia da República Federativa do Brasil” 77.

Em tema de cumprimento às obrigações assumidas no plano

internacional, mostra -se indispensável agir de boa -fé, sendo inválidas

eventuais invocaçõe s a disposições do direito interno para justificar o

descumprimento de um diploma internacional, tal como determinam os arts.

26 e 27 da Convenção de Viena de Direito dos Tratados, i ncorporado ao

ordenamento doméstico com a edição do Decreto nº 7.030/09:

Art ig o 2 6

Pact a s u nt se rv a nd a

Tod o t r at ad o em v ig o r o b rig a a s p a rte s e d ev e s e r c um p r id o p or el as

d e boa - f é.

Art ig o 2 7

D ir e it o I nt e rn o e O b se r v ânc ia d e T r atad o s

U m a p a rt e não p od e i nv o car a s d i sp o s içõ e s d e s eu d ir e ito int e r no p a r a

ju st ifi ca r o i nad i m p l em e nto d e um t ratad o. Es ta r eg r a nã o p r ej ud i ca

o a rt ig o 4 6 .

Para o próprio Comitê de Direitos Humanos da ONU, suas decisões –

inclusive as de natureza cautelar – são obrigatórias por força do princípio do

pacta sunt servanda . 78

Biografia de Vladimir Aras disponível em: <https://vladimiraras.blog/curriculum-do-autor/>. Acesso


76

em 28 de agosto de 2018.
77Aras, Vladimir. O caso Lula vs. Brasil. Disponível em: < https://vladimiraras.blog/2018/08/18/o-caso-
lula-vs-brasil/>. Acesso em 22 de agosto de 2018.
786.2 The Committee recalls that by adhering to the Optional Protocol, a State party to the Covenant
recognizes the competence of the Committee to receive and consider communications from individuals
claiming to be victims of violations of any of the rights set forth in the Covenant (Preamble and article

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86
Para que não restasse qualquer dúvida sobre a força vinculativa de suas

decisões, o Comitê ainda di vulgou o General Comment Nº 33: “The O bligations

1). Implicit in a State's adherence to the Protocol is an undertaking to cooperate with the Committee
in good faith, so as to enable it to consider such communications, and after examination to forward its
Views to the State party and to the individual (article 5, paragraphs 1 and 4). It is incompatible with
these obligations for a State party to take any action that would prevent or frustrate the Committee in
its consideration and examination of the communication, and in the expression of its Views.
6.3 Apart from any violation of the Covenant found against a State party in a communication, a State party
commits a grave breach of its obligations under the Optional Protocol if it acts to prevent or to
frustrate consideration by the Committee of a communication alleging a violation of the Covenant, or
to render examination by the Committee moot and the expression of its Views nugatory and futile. In
the present communication, both authors allege that their sons were denied rights under articles 6, 7, 10, 14, 15,
and 16, of the Covenant. Having been notified of the communications, the State party breached its obligations
under the Protocol by executing the alleged victims before the Committee concluded consideration and examination
of the case, and the formulation and communication of its Views. It is particularly inexcusable for the State to have
done so after the Committee acted under rule 92 of its Rules of Procedure.
6.4 The Committee recalls that interim measures pursuant to rule 92 of the Committee's Rules of Procedure
adopted in conformity with article 39 of the Covenant, are essential to the Committee's role under the Protocol.
Flouting of the Rule, especially by carrying out irreversible measures such as, as in the present case, the executions
of Mr. Maxim Strakhov and Mr. Nigmatulla Fayzullaev, undermines the protection of Covenant rights through
the Optional Protocol.
(CCPR/C/90/D/1017/2001&1066/2002)
6.1 Apart from any violation of the Covenant found against a State party in a communication, a State party
commits grave breaches of its obligations under the Optional Protocol if it acts to prevent or to frustrate
consideration by the Committee of a communication alleging a violation of the Covenant, or to render examination
by the Committee moot and the expression of its Views nugatory and futile. In the present communication, the
author alleges that her husband was denied rights under articles 6, 7, 9, 10 and 14 of the Covenant. Having been
notified of the communication, the State party breached its obligations under the Protocol by executing
the alleged victims before the Committee concluded consideration and examination of the case, and the
formulation and communication of its Views. It is particularly inexcusable for the State to have done
so after the Committee acted under rule 92 of its Rules of Procedure, and in spite of several reminders
addressed to the State party to this effect.
6.2 The Committee recalls that interim measures pursuant to rule 92 of the Committee’s Rules of Procedure
adopted in conformity with article 39 of the Covenant, are essential to the Committee's role under the Protocol.
Flouting of the Rule, especially by irreversible measures such as, as in the present case, the execution of
Dovud and Sherali Nazriev, undermines the protection of Covenant rights through the Optional
Protocol.
(CCPR/C/86/D/1044/2002)

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of States Parties under the Optional Protocol to the International Covenant

on Civil and Political Rights” (Doc. 018).

Assim como as decisões do Poder Judiciário, as views são alcançadas a

partir de um comportamento judicial e são interpretações autorizadas do

texto do Pacto, detentoras de caráter impositivo .

1 3 . Th e vi e ws of t he Co m mit t ee un de r t he Op ti o nal Pr o to co l

re p res en t an a ut h o r it ati ve de te r mi na ti o n by t he o rg a n

est ab l i sh ed un de r th e Co ve n an t i tself c ha rg e d wit h th e

i n te rp re t a ti o n of th a t i ns tr u me n t . Th e s e v ie w s d e r iv e th e i r

ch ar act e r, a nd th e i m p ort anc e wh i ch atta ch e s to th e m , f r om th e

int eg ra l ro l e of th e C o m m itt e e u nd e r both th e C ov en ant a nd t h e

O p t io na l P rot o co l (… ).

1 5 . Th e c h ar ac t er of th e vie ws of t he C o m mit te e is f ur t he r

de te r mi n ed b y th e ob l ig a tio n of S t at es pa r t ies t o ac t in g o od

f ai th, b ot h i n t hei r p ar ti cip a ti on in th e pr oce d ur es u n de r th e

Op ti o nal P ro t oc ol a n d i n rel a ti on to t he Co ve na n t i t self. A

du t y to c oo pe r a te wi th th e C om mi t tee ari ses f ro m an

ap pl i ca ti on of th e p ri nci ple of g o o d fai t h t o t he ob s er v an ce of

al l t re at y ob lig a tio ns .

O caráter impositivo das decisões do Comitê de Direitos Humanos da

ONU, portanto, também deriva da obrigação dos Estados em agir de boa -fé no

âmbito internacio nal e, sobretudo, cumprimento do Pacto e do Protocolo.

Nesse exato sentido, a E. Procuradori a-Geral da República exarou

parecer contundente na ADPF nº 320/DF ( Doc. 019), que versa justamente sobre

o reiterado descumprimento das decisões da Corte Interameri cana de Direitos

Humanos pelo Estado brasileiro.

Para a Procuradoria Geral da República, a única forma de o Brasil negar

eficácia a tratado internacional ao qual aderi u de forma soberana e

juridicamente válida seria com a declaração de inconstitucionalida de do ato

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de incorporação do i nstrumento ao ordenamento interno , do que resultaria a

denúncia do tratado em sua íntegra.

Fora de tal excepcional situação, a obrigatoriedade no cumpri mento aos

tratados internacionais, sobretudo de direitos humanos, tal com o o é o

PIDCP, é inquestionável. Esse o posicionamento da Procuradoria Geral da

República:

A R ep ú bl ica F ed e ra ti v a do B ra si l, de m an ei ra so b e ra na e

ju rid ica m e nt e v ál id a, s u bm ete u - s e à j u ri sd ição da C or te

I nt er am er ica na de D i r eito s H u m a no s ( Co rt e ID H ), m ed ia nte

conv e rg ênc ia d o s P od e r e s L eg i sl ativ o e Ex ec ut iv o. A s d ec i sõ e s d es ta

são v in cu la nt e s p ar a to d os o s ó rg ã os e p od e r es d o p aí s. O B ra si l

p rom ulg ou a Co nv e nção Am er ica na s o br e D i r eit os H um an os (Pac to

d e São J o s é d a Co sta R ica) p o r m ei o d o D ec re t o 6 7 8 / 1 9 9 2 . C om o

D ec r et o 4 .4 6 3 / 2 0 0 2 , r e conh ec e u d e m a n ei ra e x p r es sa e i rr e st rit a

com o ob r ig at ó r ia, d e p le no d i re ito e p o r p raz o i nd e te rm in ad o, a

com p e t ê nc ia d a Co rt e ID H em tod os os c a so s r e lat iv o s à i nt erp r eta ção

e ap lic açã o d a c onv e nçã o . O a rtig o 6 8 (1 ) d a co nv en ção e sta b e le ce q u e

os Est ad o s - p a rt e s s e co m p rom et em a c um p ri r a d ec i são d a Co rt e em

t od o c a so no qu al f or e m p a rt es . D ev er id ê nti c o re s ult a d a p róp ri a

Co n st it u ição b ra s il ei r a, à l uz d o ar t. 7 o d o Ato d a s D i sp o siç õe s

Co n st it uc io na is T ra n si tór ia s d e 1 9 8 8 . P a r a n eg a r efic ác ia à

Co nv en çã o A m eri ca n a sob re D i rei t os H um a no s o u à s de cis õe s

da Co r te ID H , se ri a n eces sá ri o d ecl a ra r i nc on st it uci o na lid a de

do a to de i n c or p or aç ã o de sse i ns t ru m en t o a o D ir ei to i n te rn o.

D i ss o h av er i a de r es u lt ar de nú nc ia i nt eg ral da c o nv en çã o, n a

f o rm a de se u a r t. 7 5 e do a r t. 4 4 (1 ) da C o nv e nç ão d e Vie n a sob re

o D i rei t o do s T ra t a do s (D ec re t o 7 .0 3 0 /2 0 0 9 ).

Adiante, sobre a força vinculativa das decisões da Corte Interamericana,

cuja competência foi reconhecida pelo Brasil tão validamente quanto a

competência do Comitê da ONU, já que ambos, Cortes Internacionais e Treaty

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Bodies, f ormam o corpo indivisível consubstanciador do Sistema Internacional

de Proteção dos Direitos Humanos, a Procuradoria Geral da República volta a

discorrer:

Os a to s de r at ifi c aç ão d a C o nv en çã o A me ric an a sob re D i rei t os

H u ma n os e de r ec on h ecim en t o d a j u ris diç ã o da C o rt e de S ã o

Jo sé d a C os ta R ic a nã o p o de m, p o rt a nt o, se r in te r p re ta d os

co mo se f oss em me r a s edi çõ es d e n o rm as or di n ári as , m ui to

me no s c o mo sim ple s e x or t aç õe s g r aci os as a o Est a do b r asil ei ro.

Bem ao co nt rá r io, ta i s p rov id ên cia s n o rm at iv a s in s e re m - s e n o

cont ex t o d o ad im p l em e nto d o d ev e r co n stit uc ion al d o B ra si l d e

p rot eç ão a os d i r eit os h um a no s e de i nte g raç ão ao si st em a

int e rn ac io nal d e ju r isd iç ão e r ec lam am co m p r e e n são q u e lh e s g a ra nt a

a m ai s p l e na ef ic áci a, n o s t er m o s d o a rt. 5 o , § 1 o , e d o a rt. 4 o , i nc i so

I I , d a l e i f u nd am e nta l br as il ei ra .

N ã o po de o mag is tr ad o r ec us ar o c u mp r ime n to d e n or m a

i nc o rp o ra d a ao di rei t o i nt e rn o ( n o c as o, o ar tig o 6 8 (1 ) d a

Co nv en çã o Am er ic a n a ), se m o p or -l he de m an eir a f un d am en t a da

ví ci o d e c on sti t uci o nal id a de. Em o ut ra s p alav ra s, p a ra q u e

q ual q u e r ó rg ã o p ú bl ico p os sa r ec u sa r ap l icaç ão ao p r ec e ito d o art .

6 8 ( 1 ) d a C onv e nçã o Am e ric an a so b r e D ir e ito s H um a no s, h av e ria d e

ex i st ir v íc io co n stit uc i o nal f or m al o u m at er ia l no s a to s p rat icad os

p el as aut or id ad e s br as i le i ra s q u e ex e rc e ram , e m nom e d o p aí s, a

d eci s ão so b e ra ni a d e rat ifi ca r a co nv e nção e, d e p oi s, d e r eco nh ec e r a

aut o r id ad e d a C or te d e São Jo sé (...).

Port an t o, p a ra d e sco n s id e ra r o d ev e r d e cu m p ri r d e boa f é a

cond e naç ão d a Co rt e I D H , a p r ov id ê nci a p ol í tica e j ur íd i ca p a s sa

ne ce s sa r iam en te p e la sa íd a d o Br a si l d o Si st em a Int e ram e ri ca no d e

D ir e it o s H um a no s, p o is in ex i st e so luç ão d e r e n ú nci a p a rci al à fo rça

no rm at iv a d o t ratad o.

O entendiment o da P rocuradoria Geral da República do Brasil, portanto,

é no sentido de que o Judiciário doméstico, ao ser provocado concretamente a

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cumprir deliberações provenientes dos corpos integrantes do Sistema

Internacional de Proteção e derivadas do descumprimen to, pelo país, de

Tratados Internacionais de Direitos Humanos, tem apenas duas opções: ou dar

plena concreção e efetividade à determinação internacional e, como

consequência, aos direitos garantidos no Tratado; ou decretar a

inconstitucionalidade do instru mento interno de ratificação do Documento

Internacional tido como descumprido.

Esse, certamente, deverá ser o entendimento da Procuradoria Geral da

República, ao ser instada a se pronunciar sobre a presente peça defensiva e

sobre o fato superveniente aqui invocado, consistente no advento de decisão

de urgência proferida pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU.

Não apenas por coerência, mas, sobretudo, pelo histórico compromisso

sempre demonstrado pelo Ministério P úblico nacional com o respeito aos

direitos h umanos e com o cumprimento, pelo Brasil, dos compromissos por ele

assumidos no âmbito internacional.

O dever de agir de boa -fé dos Estados -Partes foi recentemente destacado

por Sarah Cleveland , Relatora Especial do Comitê de Direitos Humanos da

ONU, uma da s subscritoras da interim measure deferida em favor do ora

defendente 79:

As m ed id as i nt e ri na s ex p ed id a s p el o C om i tê sã o l eg al m en te

vi n cu l a n tes , e im p õem um a o b rig açã o leg al i nt e rn aci o nal p a ra q ue o

Bra s il as c um p r a. O Com itê d e D i r eit os H u m a no s é um ó rg ã o f o rm ad o

p or e sp eci al i sta s e sta b el ec id o p e lo Pact o p ara m o ni to ra r a

im p l em e nt açã o d a s o br ig açõ es d o B ra s il so b o P ac to. O B ra s il t am b ém

é s ig nat á r io d o P rot oc olo Fac ult ativ o ao P ac to. Es te t ra tad o d á

aut o r id ad e ao C om it ê p ara q u e o uça ind iv íd uo s com o L u la so b re a

v iol açã o p e lo Br as il d o s s eu s d i re ito s as s eg ur ad o s p el o Pa cto, e o b r ig a

79 Entrevista disponível em: <https://www.jota.info/eleicoes-2018/nao-temos-interesse-resultado-


apenas-participacao-todos-21082018> Acesso em 26 de agosto de 2018.

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91
o Br a si l a c on s id e r ar d e bo a - f é o p a re ce r q u e o C om it ê ex p ed i rá so b r e

o c as o d o ex - P r e sid e nte no d ev id o t em p o. Qu alq ue r f al h a d o B r asil

na i m pl em en t aç ão d as me di da s i n te rin as se r ia , p o r ta n t o,

i nc o mp a tí v el c o m a su a ob rig aç ã o de re s pei t ar de b o a -fé o

pr oc ed i m en t o d o Co mi tê ao co nsi de r a r cas os i n di vid u ais,

est ab el eci d o s ob o P ro to co lo F ac ul ta ti v o.

( ...) A in o bs e rv â nc ia d a s m ed id as i nte r in as s ig n ifi ca ri a qu e o Br a si l

t e rá v io lad o s ua s o b rig açõ es leg ai s i nt er na ci on ai s so b o P rot oco lo

Fac ult at iv o.

O Conselho Nacional de Direitos Humanos também destacou a boa -fé

que deve orientar os Países no cumprimento de suas obrigações internacionais

(Doc. 020):

O Co n s elh o N aci on al d os D ir e ito s H um a n os ( CN D H ), ó rg ão

aut ô no m o c ri ad o p el a L ei n ° 1 2 .9 8 6 / 2 0 1 4 , v em , atr av é s d e sta N o ta

Pú bl ica , ex p r e ss ar s eu r eco nh eci m e nt o à l eg it im id ad e d o Com itê d e

D ir e it o s H um an os d a s N açõ e s U nid as (O N U ), e n qu an to órg ão d e

m on it o ram e nt o d o Pact o Int er na cio na l d e D i r eit os C iv i s e Po lít ico s,

d e c on f er i r int e rp re taçã o a ut ênt ica d o t ratad o i nt er na cio na l e, n e s se

s ent id o, r ea fi rm a o r e sp e ito à s s ua s d ec is õe s.

N e ss e s e nt id o, es tá em con so nâ nc ia com o Pa c to Int e r nac io na l d e

D ir e it o s Civ is e Po lít ic os a d ec is ão d o Com it ê d e q u e L ul a p o ss a

ex er ce r s e us d i r eit os p olít ico s, i nc lu siv e com ace s so ap rop riad o à

m íd ia e a m em b ro s d o s eu p art id o p o lít ico , e n q ua nto ca nd id ato à s

el e içõ e s p r e sid e nci ai s d e 2 0 1 8 . O CN D H en te nd e, a ssi m, q ue as

me di da s i n te ri n as ad o ta d as pel o C o mi tê de ve m se r cu m pr id as

pel o Es t a do b r asil ei ro , in de pe n de n te me nt e de se u c a rá te r

vi n cu l a n te, co m o ex p r ess ão de su a b o a -f é n o c u mp ri me n to de

ob ri g a çõ es in te r n ac ion al me n te a ss umi da s q u an t o à

i m pl e me nt aç ã o de di re it os hu m a no s n o p aís.

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A norma do art. 27 da Convenção de Viena , ainda, sobre a

impossibilidade de dispositivo de direito interno fundamentar a recusa em

adimplir com o tratado, torna -se ainda mais imperativa às instituições

brasileiras diante do pacífico entendimento do Supremo Tribunal Federal de

que os tratados in t ernacionais de direitos human os possuem hierarquia

“supralegal”, consoante o precedente firmado no julgamento do RE nº

349.703/SP :

D e sd e a ad e sã o do Bra s il, s em q ua l qu e r r es e rv a, ao Pact o

I nt er na cio na l d o s D i re it os Civ is e P ol íti co s ( ar t . 1 1 ) e à Co nv e nç ão

Am e r ica na s o br e D i r eit o s H um a no s - P acto d e Sa n Jo s é d a Co st a Ri ca

( art . 7 º , 7 ) , a m bo s no a n o d e 1 9 9 2 , n ão h á m a is b as e l eg a l p ar a p r i são

civ i l d o d ep o sit ár io i n fi e l, p oi s o c ar á te r es pe ci al d ess es d ipl o ma s

i n te rn aci o na is sob re di rei t os h u ma n os l hes res er v a l ug ar

esp ecí f i co no o r de n am en t o j u rídi co , es ta n d o ab aix o da

Co ns ti tu i ç ão, p o ré m aci m a da leg is la çã o in te rn a. O stat u s

no rm at iv o sup r al eg a l d os t rat ad o s i nt er na ci ona i s de d ir e ito s

h um a no s s u b sc rit os p e lo Br as il to r na i nap li cáv e l a l eg i sl ação

in fr aco n st it uc io na l c om el e co nf lit ant e, se ja e la a nt er io r ou p o st e rio r

ao at o d e ad e são . A ss im oco rr e u com o a rt. 1 .2 8 7 d o C ód ig o C iv i l d e

1 9 1 6 e com o D ec r eto - L ei n ° 9 1 1 / 6 9 , a s sim com o e m re la ção ao a rt.

6 5 2 d o N ov o Cód ig o Civ il ( L ei n ° 1 0 .4 0 6 / 2 0 0 2 ) ( ...).

( RE n º 3 4 9 .7 0 3 / RS , Rel . p/ A có r d ão M i n. Gi l m ar M e nd es, DJe 0 5 -

06-2009)

Os tratados internacionais de direitos humanos, entre os quais o

Supremo Tribunal Federal já incluiu expressamente o Pacto Internacional dos

Direitos Civis e Polí ticos 80, possuem status diferenciado, sobrepondo -se às leis

ordinárias.

80 RE nº 603.616/RO-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 10/05/2016.

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Nem se fale, ainda, da natureza materialmente constitucional dos

tratados e das convenções internacionais de direitos humanos 81, consoante o

art. 5º, §2º, da Con stituição Federal: “ os direitos e garantia expressos nes ta

Constituição não excl uem outros decorrent es do regime e dos princípios por ela

adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa o Brasil seja

parte”.

Direitos convencionais integram o bloco de constitucionalidade do

ordenamento jurídico brasileiro.

Nada j ustifica, portanto, qualq uer pretendida negativa de eficácia à

decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU, assentada em dispositivos

do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e do Protocolo

Facultativo.

Nem mesmo uma suposta incompatibilidade com a Lei Complementar

nº 64/90 autorizaria tal incompreensível posição, até porque, como já dito, o

Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, tido como ofendido pela

interim measure deferida em favor deste ex-Presidente, possui eficácia

supralegal, tal como já deliberou a Suprema Corte.

À semelhança do ocorrido no caso do depositário i nfiel , no qual o

Supremo Tribunal Federal estabeleceu que o dispositivo da Convenção

Americana de Direitos Humanos q ue vedava a prisão po r dívida (art. 7º, §7º)

possuía o condão de “paralisar” a legislação infraconstitucional q ue

disciplinava a matéria de forma diferente, no caso concreto, a decisão liminar

proferida pelo Comitê de Direitos Humanos deve ter o condão de obstar a

eficácia das decisões judiciais em sentido contrário, ou seja, que insistam no

desrespeito dos direitos previstos no PIDCP.

81Cf. FACHIN, Luiz Edson; GODOY, Miguel Gualano de; FILHO, Roberto Dalledone Machado Filho;
FORTES, Luiz Henrique Krassuski. O Caráter materialmente constitucional dos tratados e convenções
internacionais sobre Direitos Humanos.

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94
Cumpre mencionar, neste ponto, q ue o E. Supremo Tribunal Federal já

chancelou o entendimento pela irrestrita aplicabilidade do Pacto Internacio nal

de Direitos Civis e Políticos no j ulgamento da ADPF nº 347/DF -MC, de

relatoria do Ministro Marco Aurélio.

Nessa ocasião, o I. Ministro Edson Fachin proferiu voto l ouvável, n o

sentido de romper com a cultura jurídica nacional de relativizar a

importância dos tratados internacionais de direitos humanos, uma vez que

direitos convencionais possuem status supralegal:

Em b or a l ouv áv e l e p ert i ne nt e a açã o d o Co n s elh o N aci on al d e J u stiç a,

o Pa ct o d e S ão J o sé d a C ost a Ri ca p os s ui stat u s s up r al eg a l, co nf orm e

en t e nd i m e nt o f i rm ad o p or e sta Co rt e, e, n os t er m os d o ar t. 5 º, § 1 º,

d a Co n st it ui ção F ed e ra l , s ua s n or m as t êm apl icaç ã o i me di a ta e,

po r t an t o, n ã o p o de te r s ua i m ple me n ta çã o dife ri da a o fim d a

assi n a tu r a d os re sp ec ti vo s c on vê ni os de c o op er aç ã o téc nic a.

I n ex i st e m m otiv o s para p r or r og a r a ap l ica b ilid ad e da no rm a

conv e nci on ad a i nt e rn ac ion alm e nt e, s e jam p o r raz õe s d e ord em

t éc nic a o u f in an ce i ra, ou a ind a d e n ec e ss id ad e d e ad eq ua ção . A

cul t ur a j u rí dic a pr ec isa d a r ef eti vi d ad e ao s c o mp r o miss os

f i r ma d os p el a Re p úb l ica Fe de ra ti v a d o B r asil e às n o r ma s

po si ti v a da s de m oc ra t ica me n te deb a ti da s n o âm b it o d o P o de r

Leg i sl a ti v o e s an cio n a da s pel o Po de r Ex ec u t ivo ( Gri fo no s so ).

O I. Magistrado, em palestra realizada em 07 de junho deste ano,

abordou novamente a matéria no II Cong resso Internacional de Ciência

Jurídica, ao palestrar sobre “O Supremo Tribunal Federal, Jurisdição

Constitucional e Pactos Internacionais de Defesa de Direitos” 82:

Port an t o, q ua nd o um m ag i str ad o c ita o s d en om ina d o s p rotoc ol os d e

h oj e, a c art a, a c onv e n ção i nte ra m e r ica na d e d ir e ito s h um a no s, o

82Palestra disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=t14WZAtcEQc>. Acesso em 26 de


agosto de 2018.

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pa ct o de di r ei to s ci vi s e p olí tic os , nó s não e stam o s a faz e r um

cim ent o r et ó ric o a rg u m e ntat iv o. N ó s e stam o s a f u nd am e nta r na

ord em n orm at iv a c on st it uci on al i nt e rn a e ao m e s m o t em p o ch a m a r a

cola ção e s sa s no rm a tiv a s i nt e rn aci on ai s q u e, a lu z da

t ra n st e r r it o ria lid ad e, q ue é um a ca r act er í stic a d a ord em no rm at iv a

cont em p or ân ea , r es ta r a m in t r od uz i da s n o B r asil e as q u ais o

B ra si l se co m pr o me te u a c u m pri r e, evi de n t eme n te, a ssi m de ve

f az ê -l o.

Essa também é a posição do Minis tro Celso de Mello, decano da

Suprema Corte, no RE nº 466.343/SP:

V ê- s e, d aí, co n sid e rad o e ss e qu ad r o no rm ativ o e m qu e p rep ond e ram

d ecl a raçõ e s c on st itu cio nai s e int e r nac io na is d e d i r eit o s, qu e o

Sup r em o Tr i b un al Fed e ral s e d ef ro nta com um g ra nd e d e sa fi o,

co nsi s t en te em ex t rai r, d ess as m es ma s decl a r aç ões

i n te rn aci o na is e d as p ro cl am aç õe s co ns ti t uc ion ai s de dir ei to, a

su a máx i m a efi cá cia , e m or de m de t o rn a r p os síve l o ac ess o d os

i nd i ví d uo s e d os g r up os so ciai s a si st em as i ns ti tu cio n aliz ad os

de p ro t eç ão a os di r eit os f u nd a me n tai s d a p ess oa h u ma n a, sob

pe na d e a l i b e r da de , a tol e râ nci a e o r es p eit o à alt e rid a de

hu m an a t o rn a re m -se p ala v r as v ã s ( ...).

É d ev e r d o s ó rg ã o s d o P od e r Pú b lic o – e n o ta d a me n te d os juíz es e

Tri b u nai s – r es p e ita r e p rom ov e r a ef et iv açã o d o s d ir e ito s g a ra nt id o s

p el as d ecl ar açõ e s in te r n acio na i s, em o rd em d e p e rm it i r a p ráti ca d e

um co n st i t uc io na li sm o a be rt o ao p ro ce s so de c re sc e nt e

int e rn ac io nal iza ção d o s d ir e ito s bá si co s d a p e s so a h um an a.

É chegada a hora de levar a sério os direitos dos trata dos internacionais

de direitos humanos e as decisões dos órgãos internacionais responsáveis pela

sua implementação.

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Inquestionável, portanto, a força vi nculante do Pacto Internacional

sobre Direitos Civis e Políticos e do Protocolo Facultativo do Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Políticos no plano estrangeiro e doméstico.

Inquestionável, por igual, o reconhecimento, pelo Estado Brasileiro, da

jurisdição do Comitê de Direitos Humanos da ONU, treaty body previsto no

corpo do próprio P IDCP como um d e seus elementos integrantes e como

pressuposto de eficácia de suas proclamações.

Desconsi derar uma decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU

ou recusar-lhe eficácia, significa compact uar com violações aos direitos civis

e políticos por ela detectados, o que significa desconsi derar o próprio Pacto.

Certamente não haverá de ser essa a postura do Judiciário brasileiro.

7.9 A decisão em favor de Lula não é inédita. Eficácia vinculante perante

a justiça Eleitoral 83

Também chamou a atenção da defesa, dentre d eclarações ou

manifestações difundidas pela imprensa sobre o caso do ora candidato, a

afirmação de que “ pela primeira vez, o comitê opinou sobre eleições, confundindo

direitos humanos ( uni versais) e direitos políticos (que dependem da legislação de cada

país)”. 84

Essa afirmação não é verdadeira.

Em verdade, foi justamente para coibir que a “ legislação de cada país ” ou

que a interpretação dos ordenamentos domésticos quanto ao exercício dos

direitos políticos violasse o núcleo dos valores essenciais a qualquer

83Muito embora não seja competência da Justiça Eleitoral discutir se o Comitê de Direitos Humanos da
ONU já se pronunciou antes sobre processo eleitoral, utiliza-se a informação como reforço da tese
defensiva.
84 Folha de São Paulo, 27 de agosto de 2018, “Tendências e Debates”.

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democracia que o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos estabeleceu

um “core” axiológico, sem o q ual não se pode falar em democracia e em

liberdade.

Afirmar genericamente que “ direitos políticos dependem da legislação de

cada país” e que não de veriam ser matéria e objeto de proteção internacional

significa legitimar e placitar regimes autoritários.

Não é para isso q ue se serve o Sistema Internacional de Proteção dos

Direitos Humanos, do qual o Comitê de Direitos Humanos da ONU é parte

essencial.

Também é errada a afirmação de que esta é a primeira vez que o Comitê

de Direitos Humanos opina sobre eleições.

Em verdade, a j urisprudência do Comitê registra vários outros casos

precedentes, todos eles atinentes à necessidade de se assegurar a

autenticidade, a legitimidade e a veracidade de eleições nos países

subscritores do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

Infelizmente, na grande maioria dos casos, as intervenções do Comitê de

Direitos Humanos da ONU em processos eleitorais se deram e m países de baixa

qualidade democrática, aos quais se espera que o Brasil não se equipare.

Um exemplo em que a intervenção da O NU se deu com muit o sucesso ,

em processo eleitoral de país com democracia consolidada, é o caso do México ,

possivelmente desconhe cido daqueles que afirmaram que o Comitê jamais

tinha opinado sobre eleições.

No caso Castañeda vs. México , Rafael Rodríguez Casteñeda,

individualmente, levou à análise do Comitê suposta violação ao seu direito de

acesso à informação pelo Estado mexican o , cujo Poder Judiciário se recusava

a franquear -lhe as cédulas de votação da contestada eleição presidencial de

2006. Para os Tribunais mexicanos, as cédulas deveriam ser imediatamente

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incineradas após a contagem dos votos e a proclamação do resultado, par a

evitar a quebra de seu sigilo.

No dia 31 de outubr o de 2012, o Relator Especial do Comitê de Direitos

Humanos na ONU, tal como no presente caso, deferi u medida cautelar

(“interim measure” ) para que o Estado Mexicano não levasse adiante a

destruição das c édulas, o que já estava pr ogramado para ocorrer entre os dias

12 e 26 de novembro de 2012.

O dilema instaurado perante os Tribunais eleitorais mexicanos não era

em nada diferente daquele agora submetido à apreciação deste Tribunal

Superior Eleitoral: insi stir com o entendimento da jurisdição doméstica ou dar

cumprimento ao órgão responsável por dar a última palavra sobre o correto

cumprimento do Tratado Internacional de Direitos Civis e Políticos.

Eis então que o México, no dia 14 de novembro, honrando o

compromisso assumido com a adesão ao Pacto Internacional e se recusando

a persistir num comportamento tido como ofensivo aos direitos enunciados

no Pacto, deu plena efetividade à interim measure e suspendeu a incineração

das cédulas, enquanto o Comitê da ON U apreciasse a comunicação enviada por

Castañeda.

O Conselho Federal do Institut o Federal Eleitoral do México decidiu,

POR UNANIMIDADE, pelo atendimento da decisão do Comitê de Direitos

Humanos da ONU (Doc. 021) . É imprescindível transcrever os fundamentos do

CG714/2012, por meio do qual FOI DADO AMPLO CUMPRIMENTO à ordem

exarada do Comitê:

2 3 . Q u e d e co n fo rm id a d con e l Pa cto I nt er na cio na l d e D e r ech o s

Civ il e s y P ol íti co s, s e r eco noc e qu e l os d e r ech os s e d er iv a n d e l a

d ig n id ad d e la p e rs on a h um a na d e co nfo rm id a d con e l a rt ícu lo 2 ,

ap ar t ad o 2 , qu e e sta b l ec e q ue " c ad a E s ta d o Pa r te s e c o m pr o me te

a ad o pt a r, c o n ar reg lo a s us p r oce di mie n to s co ns ti tu cio n ale s y

a l a s di sp osi cio ne s d e l pr ese n te P ac to , la s me di da s o po r t un as

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99
pa r a ad o pt a r l as dis p osic io ne s leg is la ti va s o de ot r o c a rá c te r

q ue f u e re n ne ces ar ia s p ar a h ac er efe ct iv os l os

de rec h os re co n oci d os en el pr ese n te P ac t o y q ue n o e s tu vie se n

ya g ar a n ti z a d os por di sp osi ci on es leg isl at iv as o de o t ro

ca rá c te r " , d e lo q u e s e ad v i ert e l a n ec e sid ad d e ad op ta r m edi d as d e

cu mp l i mi en t o a la s di sp osi cio ne s de lo s org a nis m os

i n te rn aci o na les de de re ch os h u ma n os co n ar re g lo al

de rec h o i nt e rn o, máx ime si es te e m an a de la no r m a

f un d a me nt al , es d ec ir, de la C on st it uc ión P olí tic a de

l os Es ta d os U ni do s M ex ica n os.

2 4 . Q ue al tr a ta r se de u na me did a c au tel a r, en ap a rie nci a " de

un a p osi b l e vi ol aci ó n a de re ch os h u ma n os" de c onf o r mid a d co n

l os a r tí c ul os 1 y 1 3 3 d e l a Co ns ti t uci ón Po lí tic a de l os Es t ad os

U ni do s Mex i ca n os, el In s tit u t o F ed e ral Ele c to r al deb er á t o ma r

l as a cci on es c on d uce n tes pa r a el c u mp limi e nt o d e l as me di da s

ca ut el ar es e miti d as p o r l a O rg aniz ac ió n de l a N aci o nes U nid as

( ON U ) , es t o e s, dej a r po r el m o me nt o, si n e fec to s el A cu er d o

CG 6 6 0 /2 0 1 2 , e mi ti do po r el C on sej o G en er a l de es te In st it u to ,

h ast a e n t ant o d i ch o o r g an ism o i nt e rn ac i on al s e p ro nu nc i e s o br e la

ad m i si b il id ad o i nad m i s ib il id ad d e la d e n un cia p r es e ntad a p o r e l C .

RA F AE L RO D RIG U E Z CA ST AÑ ED A, lo a n te rio r, s ig u i end o l o

e st a bl ec id o e n el t e rc e r p ár ra fo d el a rtíc u lo 1 d e l a Co n stit uc ió n

Fed e ra l, en el q u e s e e s tab l ec e q u e to d as l as au t o rid a des en el

ám b i t o de su s c o mp et e nci as, ti en en la ob lig a ció n de p ro m ov er ,

res pe t a r, p ro t eg e r y g a r an tiz a r l os de re ch os h u ma n os d e

co nf o r mi da d con los pri nci pi os de u ni ve rs ali d a d,

i n te rd ep en de nci a, i ndi vi sib ili da d y pr og re sivi d ad , en

con s ec ue nc ia, e st e O rg ano C on st it uci on al A u tóno m o, ti en e la

ob l i g aci ón d e t o m ar l as me di da s n ece sa ri a s p a ra evi t a r u n a

po si b l e t r an sg r esi ó n a d er ec ho s h u m an os, ha st a e n t an t o se

deci d a po r el ó rg a n o i nt e rn aci o nal co m pe te nt e, l a

ad mi si b i l i da d o no d e la de nu nci a .

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100
2 5 . Q u e m ed i an te d ec r eto p u bl icad o en e l D ia rio O f ici al d e la

Fed e ra ció n e l 1 0 d e j u ni o d e 2 0 1 1 , v ig e nte a p a r tir d el d ía sig ui e nt e

d e s u p u b lic aci ón , s e r efo rm ó y ad ici on ó e l artí cu lo 1 o. d e la

Co n st it uc ió n P olí tic a de lo s E st ad o s U nid os M ex ica no s, p a ra

e st a bl ec e r d iv e r sa s o bl i g acio n e s a la s aut or id a d e s, ent r e el la s, q u e

l as n o rm as rel at iv as a d er ec ho s hu m a no s se in te r p re ta r á n

co nf o r me a l a Co ns ti t uci ón y a l os t r a ta d os in te r n aci on ale s en

l a ma te ri a, f a vo r ecie nd o en t od o tie m p o a l as pe rs o na s la

pr o te cci ón m á s a m pli a, e s dec ir, q ue l os d er ech os h u ma n os so n

l os r ec on oci d os por la Le y F un d am en t a l y l os t r at a do s

i n te rn aci o na les s us cr i to s p o r Méx ic o, y q u e la in te r p re ta ció n

de aq uél l a y de l as dis p osici o nes de d ere ch os h u ma n os

co nt en i d as e n in s tr u me n to s in te r na cio n al es y e n la s le yes ,

si em p re de b e s er e n l a s m ejo re s c o ndi cio ne s pa r a l as pe rs o na s.

2 6 . Q u e l a S up re m a C ort e d e Ju st ic ia d e la N aci ón, h a e m it id o

d iv e r so s c r it e r io s re la cio nad o s co n la i nt erp r etac ió n d el ord e n

ju ríd ico c on fo rm e a l os d e r ech os h um a no s r ec o n ocid os en la

Co n st it uc ió n P olí tic a d e l os Est ad o s U nid o s M ex ic an o s y e n l o s

Trat ad o s I nt e rn aci on al e s e n l os c ua le s e l E stad o M ex i ca no s ea p a rte ,

fav o r eci e nd o en t od o t i em p o a la s p er so na s c o n la p rot ec ció n m á s

am p li a.

Em suma, o Poder Judiciário do México reconheceu a força vinculante

da decisão cautelar do Comitê de Direitos a ONU, o dever do Estado de dar

ampla efetividade aos compromissos assumidos nos Tratados, dando

cumprimento às decisões expedidas pelos órgãos internacionais com

competência para a f iscalização do cumprimento das garantias

internacionalmente asseguradas e, em atendimento à determinação de

suspender a incineração das cédulas, tornou sem efeito deci são anterior que

já ordenava a destruição do material.

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101
Tal precedente, no entanto, também não é isolado, existindo outros casos

de decisões tomadas pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU, relativamente

a processos eleitorais de outros Estados membros.

Consoante se verá abaixo, a qualidade de mocrática do país contra quem

a ONU encaminha suas de cisões é determinante para seu cumprimento, ou não.

7.10 Países com Estado Democrático de Direito consolidado cumprem as

decisões do Comitê

Nas denúncias apr eciadas em definitivo 85 e em cujo contexto foi

expedida, tal como no presente caso, uma interim measure, as medidas

cautelares exaradas pelo Comitê foram devidament e acatadas por países de

forte tradição democrática e de renomada cooperação i nternacional – a

exemplo de Austrália e Canadá, países que são considerados como

“democracias plenas” no Economist Int elligence Unit’s Democracy Index 86 de

2017, alcançando as respectivas notas de 9,09 e 9,15.

Veja-se a tabela a seguir, elaborada a partir do repositório

jurisprudencial do Comitê 87:

85 Neste capítulo faz-se referência não apenas aos julgamentos que se relacionam com o processo
eleitoral dos países membros, mas a todos os casos submetidos ao Comitê de Direitos Humanos da
ONU, que expediu uma ordem liminar contra o Estado membro.
O Democracy Index é publicação da Unidade de Inteligência da Revista The Economist que mede a força
86

da democracia pelo mundo, valendo-se de sessenta diferentes indicadores de cinco distintas categorias:
processo eleitoral e pluralismo, funcionamento do governo, participação política, cultura política
democrática e liberdades civis. As classificações variam de acordo com a nota, sendo “regime
autoritário” entre 0 e 4, “regime híbrido” de 4 a 6, “democracia com vícios” de 6 a 8, e “democracia
plena” de 8 a 10. O Brasil recebeu a preocupante nota 6,86, sendo considerada uma democracia ainda
com vício. Informação disponível em: <https://www.economist.com/graphic-
detail/2018/01/31/democracy-continues-its-disturbing-retreat>. Acesso em 27 de agosto de 2018.
87O presente gráfico foi construído a partir de uma análise de todos os 93 casos disponíveis na categoria
“interim measures” junto ao Repositório disponibilizado pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU.
Decisões tomadas em processos ainda não concluídos, tal como no caso de Lula, ainda não são lançadas
no referido repositório, que se limita a relatar casos já concluídos, onde teria sido deferida a providência

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102
MEDIDAS CAUTELARES OBEDECIDAS

PAÍS QUANTIDADE CASOS

Austrália 02 706/1996 e 692/1996

Canadá 09 *486/1992; 558/1993;

538/1993; 539/1993;

167/1984; 1315/2004;

1465/2006; 1544/2007 e

1959/2010

Dinamarca 01 2204/2012

Finlândia 01 431/1990

Jamaica 19 256/1978; 227/1981;

210/1986; 225/1987;

250/1987; 226/1987;

254/1987; 251/1 987;

252/1987; 259/2087;

246/1987; 258/1987;

233/1987; 231/1987;

278/1988; 298/1988;

315/1988; 281/1988 e

276/1988

Quirguitão 01 1338/2005

de urgência. Os dados disponibilizados pelo Comitê, ainda, revelam uma amostragem, e não
informação exaustiva. Disponível em: <http://juris.ohchr.org/>. Acesso em 23 de agosto de 2018.

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103
São Vicente e 01 806/1998

Granadinas

Suécia 01 1416/2005

Tadjiquistão 01 1042/2001

Trindade e Tobago 03 302/1988; 576/1994 e

575/1994

Uzbequistão 03 907/2000; 1206/2003 e

1449/2006

Zâmbia 01 1132/2002

País que mais respeitou medidas cautelares do Comitê, a Jamaica não

pode ser subestimada em seu compromisso com a democracia.

O Democracy Index de 2017 coloca o pa ís caribenho em patamar superior

ao brasileiro: 7,29 e m face de 6,86.

Em outros termos, a Jamaica está muito mais próxima de uma

democracia plena, cujo piso é de 8,0, do que o Brasil, o q ue se reflete de

maneira muito clar a na forma com que executa, concr etamente, no plano

doméstico, os compr omissos assumidos pelo país n o âmbito internacional, no

que concerne ao respeito aos direitos h umanos.

O Canadá, segundo País q ue mais respeita as medidas cautelares

impostas pelo Comitê, assim o fez recentemente em ca so de deportação de

cidadão saudita cujo pedido de asilo já h avia sido negado Estado.

Na iminência de executar a decisão administrativa da Agência de

Serviços Fronteiriços, já confirmada em grau de recurso, o Estado respeitou a

decisão do Comitê para susp ender a expulsão enquanto apreciada a

comunicação (Doc. 022).

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104
Não se espera postura diferente de Estados com sólido compromisso e

histórico de proteção dos direitos humanos internacionais.

Desde a instituição do Relator Especial, com poder de deferimento de

medidas cautelares, os Estados demonstram um nível alto de acatamento das

ordens necessárias a evitar o pereci mento dos direitos convenci onais,

justamente em razão da excepcionalidade de tais decisões 88.

Neste sentido, merece a maior consideração o prece dente do Tribunal

Supremo da Espanha que, no processo de cassação nº 1002/2017, determinou

que as decisões dos órgãos da ONU de monitoramento de tratados human os –

tal qual o Comitê de Direitos Humanos – em casos individuais, possuem força

vinculante em fa ce do Estado, q ue deverá adotar as medidas para promover

suas determinações (Doc. 023).

No caso, o Poder Judiciário entendeu que o Estado deveria cumprir a

decisão do Comitê para a Eliminaç ão de todas as Formas de Discriminação

contra a Mul her , órgão respo nsável pelo monitoramento da Convenção para a

Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.

Para tanto, o Tribun al valeu -se do art. 24 da Convenção, que prevê: “ Os

Estados-Partes comprometem -se a adotar todas as medidas necessárias em âm bito

nacional para alcançar a plena realização dos direitos reconhecidos nesta Convenção ”,

e do art. 96 do texto constitucional de 1978, que prevê: “ Los tratados

internacionales válidamente celebrados, una vez publicados oficial mente en España,

formarán parte del ordenamiento interno (...) .”

O art. 24 da Convenção possui redação idêntica à art. 3º do Pacto

Internacional de Direitos Civis e Políticos e é inegável a similaridade entre o

88BUERGENTHAL, Thomas. The UN Human Rights Committee. In: FROWEIN, J.A.; WOLFRUM, R.
(eds.). Max Planck Yearbook of United Nations Law, v. 5, 2001. p. 370.

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105
art. 96 da Carta Espanhola e o art. 5º, §§ 2º e 3º da Constituição Federa l de

1988.

Confirma-se, então, o diagnóstico de que nações com forte tradição

democrática respeitam e cumprem as decisões dos órgãos integrantes do

Sistema Internacional de Proteção de Direitos, no qual se insere o Comitê de

Direitos Humanos.

Por outro lado, os países que mais descumpriram decisões cautelares

exaradas pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU são países que estão longe

de servir de exemplo a qualquer nação que aspire ser democrática.

O Uzbequistão, por exemplo, é o país q ue mais desrespeita as decisões

liminares do Comitê: dez. A tensão étnica que veio à superfície após a

independência da U nião Soviética levou à saída de mais de dois milhões de

pessoas, hoje apátridas. Ainda grassam pelo país conflitos r eligiosos, que em

2005 – por exemplo – reclamaram a vida de 700 indivíduos, no mínimo 89.

Segundo o Democracy Index, o Uzbequistão vive sob um regime autoritário,

não chegando a marcar dois pontos numa escala que vai até dez.

O mesmo padrão constatado pela análise das medidas cautelares é

encontrado na análise das decisões terminativas. Entre as 318 denúncias

conhecidas e examinadas em seu mérito de março de 2010 a agosto de 2017 ,

foram encontrados abusos em 263 casos 90 – ou seja, em 82% dos casos houve

violação a direit o convenci onal! Logo, uma vez admitida da comunicação, a

89MIROLEV, Mansun. Uzbekistan: 10 years after the Andijan massacre. Al-Jazeera. Disponível em: <
https://www.aljazeera.com/indepth/features/2015/05/150511123115026.html>. Acesso em 23 de agosto
de 2018.
90Para chegar a estes dados em particular, foram subtraídos dos números constantes do Relatório da
119ª Sessão os números constantes do Relatório da 110ª Sessão. Todos os Relatórios de atividades da
Comissão estão disponíveis em:
<https://tbinternet.ohchr.org/_layouts/treatybodyexternal/TBSearch.aspx?Lang=en&amp;TreatyID=8&
amp;DocTypeID=27&gt>. Acesso em 26 de agosto de 2018.

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106
probabilidade de o Comitê de Direitos Humanos entender que o denunciante

foi vulnerado no seu direito pelo Estado é muito elevada.

Os Estados-Partes que mais desrespeitaram os direitos do Pacto 91, de acordo

com estatísticas do Com itê de Direitos Humanos até maio de 2016 92, foram:

1. Argélia: 39 con denações de 39 comunicações admitidas;

2. Belarus: 96 condenações de 98 comunicações admitidas

3. Cazaquistão: 17 condenações de 17 comunicações

admitidas;

4. Congo: 17 condenações de 17 comunicações admitidas;

5. Líbia: 20 condenações de 20 comunicaçõe s admitidas;

6. Uzbequistão: 34 con denações de 37 condenações admitidas.

Como visto, Belarus e Uzbequistão vivem sob modelos autoritários.

Nesse grupo, acrescente -se ainda Algéria (3,56), Cazaquistão (3,06), Congo

(1,61) e Líbia (2,32). Ou seja, todos os grandes descumpridores das decisões

do Comitê são países e baixa qualidade democrática.

Diversas foram as condenações sofridas por países de baixo quociente

democrático em virtude de violação ao art. 25 do Pact o Internacional .

Ao menos 03 foram as condenações sofridas por Belarus em questões

eleitorais.

91A Coreia do Sul conta com 100 casos de violação ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos,
dos quais 95% envolvem objeção de consciência a serviço militar. A controvérsia foi parcialmente
resolvida após decisão da Suprema Corte que determinou a substituição da prisão por penas
alternativas a desertores. República Tcheca e Austrália possuem número razoável de condenações,
respectivamente 20 e 39, ambas por questões imigratórias.
92Para chegar a essa conclusão, comparou-se o número de casos em que foi constatada violação em face
do número de casos admitidos pelo Comitê, o que corresponde a casos em que houve e a casos em que
não houve violação. Informação disponível em:
<https://www.ohchr.org/EN/HRBodies/CCPR/Pages/AnalysisCommitteesCaseLaw.aspx>. Acesso em
22 de agosto de 2018.

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107
Na Comunicação nº 1392/2005, o Comitê foi chamado a e xaminar a

conformidade frente ao art. 25 do Pacto da decisão de Comissão Eleitoral que

negou o registro de V alery LUKYANCHIK a mandat o eletivo no Poder

Legislativo porque dois dos indivíduos que subscreveram o registro

alegaram não tê -lo feito.

Nessa ocasião (CCPR/C/97/D/1392/2005) , o entendimento do Comitê foi

no sentido de que a negativa de conceder o registr o de candi datura viol ou o

direito do Autor .

Em março de 2015, o País foi novamente condenado por desrespeitar os

direitos políticos de seus cidadãos ( CCPR/C/113/D/1992/2010), no caso

Sudalenko vs. Belarus . O Comitê assentou q ue limitar inj ust ificadamente a

realização de reuniões públicas a um único lugar, mormente quando distante

do centro da cidade e a pedido de candidato para reunir -se com os eleitores

em potencial, constitui violação aos arts. 21 e 25 do Pacto Internacional.

Depois, em outubro de 2015, u ma comunicação individual levou à

apreciação da Organização das Nações Unidas o “ desaparecimento ” de

assinaturas colhidas para inscrever Leonid Georgievich na eleição presidencial

de Belarus em 2001, o que levou ao indeferimento do seu registro pela

Comiss ão Central Eleitoral de Belarus, em decisão que foi sucessivamente

mantida nos Tribunais domésticos.

Na interpretação do Comitê (CCPR/C/88/D/1047/2002), a decisão da

Comissão Eleitoral por negar a candidatura sem oferecer justificativa e a falta

de remédios jurí dicos efetivos para questionar esse indeferimento infringem

o art. 25 do Pacto .

Nessas três decisões, o Comitê frisou que a adesão do Estado -Parte ao

Pacto implica n o reconheciment o da competência do Comit ê em determinar

se houve, ou não, a violação dos direitos nele assegurados.

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108
Precedente da maior importância a este caso, cuja discussão gira em

torno da vulneração ao art. 25 do PICD, foi firmado pelo Comitê de Direitos

Humanos no recente julgamento do caso Nasheed v. Republic of Maldives

(CCPR/C/122/D/2851/2016).

Após trinta anos sob regime de partido único, com Maumoon Gayoon

eleito seis vezes consecutivas Presidente, as Maldivas deram início à abertura

democrática, com a aprovação do novo texto constitucional e a convocação de

eleições presidencia is. Em outubro de 2008, Mohamed nasheed foi o primeiro

Presidente democrat icamente eleito pelos cidadãos para um mandato q ue, a

início, deveria estender -se até 2012. Nasheed, contudo, viu -se obrigado a

renunciar em fevereiro de 2012.

Não fosse o suficiente perder a Presidência, Nasshed foi posteriormente

detido sob acusação de abuso de poder em março de 2013, durante campanha

para as eleições presidenciais de 2013, que viria a perder por estreita margem

de votos. Arquivada a denúncia por abuso em 16 de feve reiro de 2015, Nasheed

foi preso seis dias depois por suposta atividade terrorista, sendo depois

condenado a 13 anos de prisão e proibido de ocupar cargos políticos. Em maio

de 2016, Nasheed foi ao Reino Unido par a tratamento de saúde.

Na Comunicação nº 28 51/2016, Mohamed Nasheed levou à apr eciação do

Comitê de Direitos Humanos da ONU acusações de violação ao art. 14 do

Pacto, por não ter sido julgado por um órgão imparcial e isento , ao art. 22,

por ter sido banido da direção do seu partido político, e ao art. 25, por ter

sido impedi do de concorrer nas eleições presidenciais de 2016 e, devi do à

injusta condenação, ter sido declarado i nelegível por 16 anos.

As alegações foram julgadas procedentes pelo Comitê, cujo

entendimento foi o de que o País negou vigênc ia aos arts. 14 e 25 do Pacto

Internacional de Direitos Civis e Políticos. A respeito da afronta ao direito de

participação política, o Comitê assim pronunciou -se:

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109
8 .6 Th e C om m itt e e r eca l ls th at a rti cl e 2 5 o f th e Cov e na nt re cog niz e s

and p rot ect s t h e r ig h t of ev e ry c iti ze n to ta k e p a rt i n th e co nd uc t of

p u bl ic a ffa i rs , th e r ig h t to v ot e a nd to sta nd f o r be e le ct ed , a nd th e

rig h t t o p u b lic s e rv ic e. Wh at ev e r fo rm of c on st it uti on o r g o v e r nm ent

is in fo rc e, t h e ex e rci s e of th e s e r ig h t s by ci tiz en s m ay not b e

su sp e nd ed or ex c l ud ed ex c ep t o n g r ou nd s wh ic h ar e e st a bl ish ed by

law s t h at a r e o b j ectiv e and r ea so na b le . P er s on s wh o ar e oth er wi s e

el ig i b le t o st a nd f or e l e ctio n sh o uld not b e ex c lud ed by r ea so n o f

p olit ica l af fi lia tio n. It a ls o r eca ll s th at if a co nv icti on f or a n of fe nc e

is a ba si s fo r su sp e nd i ng th e rig h t to v ot e o r to s tand f or o ff ic e, s uch

r est r ict i on m u st b e p ro p ort io nat e to th e o ff en ce a nd th e s en te nc e. Th e

Com m it t e e al so co n sid e rs th at wh e n th i s co nv ict io n i s cl ea r ly

ar bi t r ary o r a m o unt s t o a m a ni fe st e r ro r or a d e nia l of ju st ic e o r th e

jud ici al p ro ce ed ing s r e s ult ing i n th e co nv icti on oth e rw i se v io lat e t h e

rig h t t o fa ir t ri al, it m a y re nd e r th e re st r icti on of th e rig h t s und e r

art icl e 2 5 a r bit ra ry .

8 .7 I n t h e c a se at h a nd , th e Com m itt ee o b s e rv e s th at alt h oug h

cri m i na l p ro ce ed ing s ag ain st th e a uth o r fo r ch a r g e s u nd e r a rt icl e 8 1

of t h e P e na l Cod e w e r e s usp e nd ed i n J u ly 2 0 1 3 a nd h e w as u lti m at ely

ab le t o ru n fo r p re s id e n cy in th e N ov em be r 2 0 1 3 el ect io n s, wh ich h e

na r row ly lo st , r ep o rt s i nd ic at e th at th es e p r oc e ed i ng s ra is ed s e ri ou s

conc e r ns r eg a rd ing th e i r f ai r ne s s, ap p e ar ed d e s ig n ed to p r ev e nt th e

aut h o r ’s p a rt ic ip at io n in th e 2 0 1 3 el ect io n s and m ay h av e be e n

p olit ica lly m otiv a ted . Th e St ate p a rty h a s n ot r ef ut ed th e a uth o r’ s

all eg at io n s t h at th e j ud ic ia l p r oc eed i ng s ag ain st h im , a nd th e

m ea s ur e s t ak e n with i n t h e p ro ce ed ing s i n 2 0 1 2 - 2 0 1 3 , c um ulat iv ely ,

we r e u s ed a s a m ea n s o f p r ev ent i ng h im fr om cam p a ig n ing fo r th e

2 0 1 3 p r e sid en tia l el ect io ns , su ch a s t wic e ar r e sti ng h i m to i nte r r up t

cam p a ig n t r ip s a nd d e n y in g h i s r e qu e st t o b e a uth o ri zed to tr av el to

ot h e r i sl and s a nd ab r oa d i n co nn ect io n wi th th e p ol itic al ca m p aig n

( s ee 3 .2 ) . Fu rth e r, th e Com m itt ee a l so o bs e rv e s th at th e j ud i cia l

p roc e ed i ng s in wh ich th e auth or w as f in al ly s en te nc ed a nd co nv ict ed

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on ch a rg e s of t er r or i sm we r e p ol itic al ly m otiv at ed , h ad s er io u s f la w s

and v i ola t ed th e rig h t to fai r t ri al ( s ee 8 .3 ). Acco rd ing ly , th e

Com m it t e e co ns id er s th a t, i n th e c i rcu m s ta nc es of th e a uth o r ’s ca s e,

t h e r e st ri ct io n s o f h i s r i g h t to sta nd f or of fic e, as re s ult of th e s aid

conv ict io n and s e nte nc e, ar e a r bit ra ry . I n l ig h t o f th e fo reg oi ng , t h e

Com m it t e e co ns id er s th a t th e auth o r’ s r ig h t s u n d e r art ic le 2 5 o f th e

Cov e na nt h av e b e en v io l ated by th e St ate p a rty .

Em razão da violação ao art. 25 do Pacto, o Comitê de Dir eitos Humanos

da ONU determinou à República das Maldivas q ue restaurasse os direitos

políticos de Mohamed Nasheed.

Confirmando a regra de que países de baixa densidade democrática

tendem a descumprir as decisões do Comitê de Direitos Humanos, o Estado

das Maldivas nada f ez para permitir que Nasheed participasse das eleições

presidenciais que já ocorreriam em 2018.

O índice de participação política das Maldivas não é inspirador. De

acordo com o relatório do Instituto Freedom House, organização sem fins

lucrativos dedicada à expansão da liberdade e da democracia, o País ostentava

em 2017 a nota 05 em direitos políticos e em liberdades civis – em uma escala

que vai de 01 a 07, sendo 07 o menos livre possível 93. Inclusive, no relatório do

ano de 2016, é feita men ção expressa ao episódio envolvendo Nasheed 94:

Th e w id e ly co nd e m n ed a rr e st of f orm e r p r e si d en t a nd op p o si tio n

le ad e r Moh a m ed N a sh e e d i n F e b ru ary a nd o ng oin g p e rs ec ut io n of

ot h e r op p o sit io n p o lit ici an s rai s ed c on ce r n s a bo ut th e d et er io rat io n

of ru l e o f l aw and th e op e nn e s s o f th e p o lit ica l a re n a. Th e fo rc ed

d is ba nd m e nt of a s e ri e s of op p o sit io n - l ed d e m on st rat io ns, d u ri ng

wh ich h u nd red s of p art icip ant s w er e ar r e s ted a nd d eta i ned ,

Informação disponível em: <https://freedomhouse.org/report/freedom-world/2017/maldives>. Acesso


93

em 27 de agosto de 2018.
Informação disponível em: <https://freedomhouse.org/report/freedom-world/2016/maldives>. Acesso
94

em 27 de agosto de 2018.

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je op a rd iz ed a n a lr ea d y r e str ict ed sp a ce fo r civ i l soc i ety , wh i le

p olit ic iz ed act io ns by t h e S up re m e Co u rt ag a i ns t H um an R ig h ts

Com m i s sio n o f M ald iv e s (H R C M) l ed to wid e s p r ead co nc e rn a bo ut

jud ici al i nd ep e nd enc e a nd p rot ect iv e m e ch a ni s m s fo r h um a n rig h t s.

A casuística dos feitos submetidos e julgados pelo Comitê de Direitos

Humanos da ONU revela, portanto, que o apreço e o respeito aos

compromissos de direitos humanos no plano internacional guardam fortíssima

vinculação com o vigor democrático do país membro.

Daí porque não se espera nada diferente do P oder Judiciário Brasileiro,

que não a tomada de uma posição intransigente no sentido do cumprimento de

decisão expedida pelo órgão por excelência, na fiscalização do cumprimento

dos gravíssimos direitos previstos no P acto de Direitos Civis e Políticos da

ONU, que é o Comitê de Direitos Hu manos, cuja jurisdição foi prevista no

corpo do próprio Pacto, como um elemento a ele indissociável.

A implementação da interim measure do Comitê de Direitos H umanos por

este E. Tribunal Superior, a fim de garantir ao defendente o pleno exercício

dos direitos políticos, é medida indispensável para a concretude do Estado

Democrático de Direito, caput do art. 1º da Carta , e a prevalência da dignidade

humana nas relações exteriores da República Federativa, orientação no art. 4º,

II, da Constituição .

7.11 A decisão do Comitê afasta a i nelegibili dade de Lula

Feitas todas as considerações, algumas premissas e conclusões podem

ser legitimamente assentadas:

Há 02 anos, este ex-Presidente da República apresentou junto ao Comitê

de Direitos Humanos da ONU. Com o passar do tempo e com o advento de

decisões condenatórias proferidas em processo viciado, o e x-Presidente foi

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agregando novas in formações e alegações ao Comitê da ONU, todas elas

devidamente transmitidas ao Estado brasileiro.

Como está já mencionado, para acau telar o resultado útil do processo

principal, admitido para julgamento n a ONU, h ouve a concessão de uma

interim measure que determinou que a candidatura de L U L A não fosse

impedida.

Assim, inquestionável que, na espécie, a interim measure (decisão

liminar) deferida pelo Comitê de Direit os Humanos da ONU ajusta -se, com

fidelidade, ao art. 26 -C da LC nº 64/90, norma de calibragem claríssima ao

estabelecer a possi bilidade da suspensão da inelegibilidade derivada de

condenação ainda recorrível, sempre que existi r plausibilidade de êxito da

pretensão recursal.

Como é de todos sabido, a norma prevista no art. 26 - C da LC nº 135/2010

teve o evidente propósito de atenuar as consequências dramáticas derivadas

do reconhecimento legal de que um acórdão meramente recorrív el pudesse,

desde já, gerar a inelegibilidade do apenado.

Assim, para evitar a consolidação de situações teratológicas e injustas,

derivadas de condenações meramente temporárias, o próprio sistema de

inelegibilidades instituído pela Lei da Ficha Limpa est abeleceu que o

candidato condenado por acórdão ainda recorrível sempre poderá requerer a

suspensão de sua inelegibilidade, considerada a plausi bilidade de sua

pretensão recursal.

Tem-se, portanto, no art. 26 -C, típica norma de calibragem, a balancear

o sistema previsto pela LC nº 135 e evitar que decisões colegiadas

manifestamente ilegais e injustas gerassem a automática inelegibilidade do

condenado e o dramático descarte dos votos populares a ele atribuídos.

Tem-se, portanto, n o art. 26 -C, típico direito s ubjetivo do candidato ,

que tem a faculdade de requerer a suspensão de eventual inelegibilidade

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113
decorrente de acórdão ainda recorrível, considerada a plausibilidade de seu

futuro êxito recursal.

Vale frisar que a própria existência do art. 26 -C da LC nº 135 /2010,

enquanto norma de calibragem, foi absolutamente relevante para que o

Supremo Tri bunal Federal, no julgamento da ADC nº 29, assentasse a

constitucionalidade da Lei da Ficha Lima , afastando, assim, as alegadas

ofensas ao princípio da presunção de inoc ência contra ela dirigidas, verbis:

V O T O D O MI N IS T R O LU I Z FU X : “ Ad em ai s, a p róp ri a L e i

Com p l em ent ar nº 1 3 5 / 2 0 1 0 p rev i u a p o s si b il id ad e d e s usp e n são

caut e la r d a d e ci são jud ic ial c ol eg i ad a qu e oc a sio n ar a i n el eg i bi lid ad e,

ao i n s er i r n a Le i Com p l e m e nta r nº 6 4 / 9 0 o a rt. 2 6 - C” ;

V O T O D O M IN IS T R O RI CA R DO L E WA N DO WS KI : “ N ó s, a

J u st iç a El e it o ral , e st ud am o s p r of und am ent e e st a L ei. O a rg um e nto

d e qu e a i n el eg i b il id ad e s e d á a p a rti r d a co nd e n ação p or p a rte d e um

órg ã o col eg iad o não no s im p r e ss io no u, p o rq ue a ch a ma d a Le i d a

Fi c ha Li m pa , L ei C om ple me n ta r 1 3 5 , t r az u m dis p osi ti vo q ue

no s p a rece u ex t ra o r di na ri a me nt e r az oá vel e q ue po de ri a, e m

te m po háb i l , co r rig i r e ve nt u al inj us ti ça . É ex at a me n te o a rt. 2 6 -

C de st a Le i ( ...). P or t an t o (...) , a pe na s q u er ia t r az e r à col aç ã o

es t e a rg u me n t o, m os t r an d o q ue a p ró p ria le i t r az me ca ni sm os

pa r a a te nu a r ess a e ve n tu al d u rez a o u a im p re ssã o q u e s e te m d e

q ue sej a um a l ei dr ac o nia n a (.. .)” .

V O T O DA M IN IS T RA RO SA W E BE R : “ M e s m o col eg iad o s p od em

e rr ar , m as p er ce b e - s e q u e o leg i sl ad o r te ve a c a ut el a de p re ve r um

mec a ni s m o c a paz de r ep ar a r alg um a p on t ua l inj us tiç a. O a r t.

2 6 -C d a Lei C o m ple m en ta r 6 4 /1 9 9 0 p re vê a po ssib ili d a de de o

órg ã o r ec ur sal su sp e nd er , em j u ízo c aut e la r, a i n el eg i b il id ad e,

d e sd e q u e p r es e nt e a p la us i bi lid ad e d a p r ete n sã o ” .

Vale frisar, ainda, q ue até mesmo os Senhores Ministros que defenderam

a inconstitucionalidade de alguns dispositivos da Lei da Fich a Limpa também

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realçaram a situação manifestamente inconstitucional decorrente da suposta

privação, do candidato que se vê i nelegível em razão de acórdão meramente

recorrível, do acesso a alguma providência cautelar capaz de corrigir

hipóteses de manifesta ilegalidade :

V O T O D O M IN IS T R O D IA S T OF F O L I: “ A i ncid ê nc ia d a s r eg r a s

d e i n el eg i b il id ad e d ev e r ecl am a r o c a rát e r d e fi n itiv o d o j ulg am ent o

d as c au sa s q u e a ela s ant ec ed em . O im p ed i m e nto p r em at u ro à

cand id at u ra c ria i n sta b i lid ad e n o c am p o d a seg u ra nça j u ríd ica , p o i s

a ca u sa d a i n el eg i b il id a d e d e sp id a d e c ert e za p o d e p rov o ca r p r ej uí zo

ir r ev er s ív e l ao d i re ito d e c and id at u ra. Su p on do a au sê nci a de

tu t el a c a ut el a r q ue a sseg ur as se a pa r tici p aç ão no plei to ao

ca ndi d a to, c o mo s e s a na ri a ev en t u al i nj us tiç a re sul t an t e de s ua

nã o p ar ti ci p aç ã o no p leit o ? (. ..)” .

Isso significa, portanto, que a possibilidade efetiva de o candidato

condenado por acórdão recorrível fazer uso de medidas cautelares voltadas ao

afastamento de situações de visível ilegalidade foi tida como determinante

para que a Suprema Corte, nos dizeres do Ministro Lewandowski, afastasse da

LC nº 135/2010 a pecha de “ draconiana ”.

Daí porque a norma de calibragem previ sta no art. 26 -C da LC nº 64/90,

enquanto pressuposto necessário à própria constitucionali dade da Lei da

Ficha Limpa, deve ser interpretado da forma mais expansiva e generosa

possível, sob pena de burla à própria ratio subjacente ao julgamento da

Suprema Corte.

É o caso dos autos.

Todo o processo movido perante a Organização das Nações Unidas

funda-se no total vício da Ação Penal nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR ,

justamente porque conduzida com fortes violações aos dir eitos enunciados no

Pacto.

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Dois anos após o aj uizamento do feito, o Comitê de Direitos Humanos

da ONU – órgão de interpretação do Pacto –, por entender presente o risco de

perecimento de direito e por considerar que as alegações de violações ao Pacto

narradas por este ex-Presidente gozam de plausibilidade, o que pode

desembocar em decisão de mérito favorável à desconstituição da condenação

já imposta, deferiu a medida de urgência, o que fez especi ficamente para

afastar quaisquer óbices à candidatura de Lula , ou seja, afastar a situação de

inelegibilidade.

Tem-se, portanto, decisão suspensiva de inelegibilidade, prof erida por

órgão q ue ainda irá analisar a validade e legitimidade da condenação não

definitiva imposta a este ex-Presidente , mas que, considerada a plausibilidade

das alegações e o risco de perecimento de direitos, deliberou pela retirada de

qualquer óbice à candidatura deste ex-Presidente .

Nesse sentido, é esclarecedora a seguinte passagem do parecer

elaborado especialmente para esse caso por Marce lo PEREGRINO FERREIRA e

Orides MEZZA ROBA :

A d e ci são d o Com itê d a O N U rep r e se nta um a alt e raç ão f áti ca e

t am b ém j u ríd ica p o st e ri or ao t em p o d o reg i str o e q u e ex p lic itam e nt e

t rat a d o t em a d a e leg i bi l id ad e. E m p rim e i ra m ão, h á alt e raç ão fát ica

p el a int e rv en ção d e u m ó rg ão i nt e rn aci on al, o nd e o f ato em si

car r eg ad o com a i ne l eg i bi lid ad e (co nd e naçã o c r im i na l em s eg u nd o

g ra u) é o b j et o d e ex am e p e lo Com itê . Po r e sta razã o i so lad a e d a

p os si b il id ad e d a rev e r sã o d aq u el e fato g e rad o r d a in e leg i bi lid ad e , em

p roc e s so j u d ic ia l in te r n acio na l, o r eg ist ro já m e r ec er ia s e r d e f er id o,

em nom e da i nte rp r et ação m ai s b en fa ze ja ao d i r eit o p o lít ico

fu nd am e nt a l, e m ap l ica ção s im p le s d o p ri nc íp io p r o p e r so na, j á

d el in e ad o.

So b o p ri sm a j u ríd ico , h á d eci sã o q ua se - j ud ic i al e j ur íd i ca, d e um

órg ã o d a O N U , C om it ê d e D i r eit o s H um a no s, com p et e nte p a ra

m on it o ri a e f is cal iz ação d o c um p rim e nto d o Pa ct o d o s D i r eit os Civ i s

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e P ol ít ic o s, r eco nh ec end o a n ec e ss id ad e d o ac io na m e nto d o m eca n is m o

d e i nj un ct iv e r e li ef o u d e um a int e ri m m e as u r e of re li e f, s om e nt e

p r es e nt e em c as o s d e ex t r em a g rav id ad e e d e d an os i rr ep a r áv e i s p a ra

a v ít im a . P or ev id e nt e, ao p ro lata r m ed id as ta i s , o C om i tê f az um a

aná li s e d a p ro ba b il id ad e d o r eco nh ec im e nt o d o d i r eito no m om en to d a

ap r ec iaçã o d o m ér ito d a re cla m açã o, o qu e r e fo r ça a n ec e s sid ad e d e

cum p rim e nt o d a m ed id a.

Idêntico o entendimento vertido por André Ramos TAVARES em seu

parecer (Grifo nosso):

Ad em ai s, e em r ef or ço ao qu e as s in al ei ac im a, a p r óp r ia L ei F ich a

Lim p a não im p ed e d e fo rm a a bs ol uta a c a nd id atu ra , e i s q ue

ex p res sa m en te p os sib ilit a, e m n o rm a v áli da e em vig o r, a

sus pe ns ã o da in eleg ib i lid ad e “ sem p r e q u e ex i s tir p la u si b il id ad e d a

p r et e n são r ec ur sa l” (a rti g o 2 6 - C d a L C 6 4 / 1 9 9 0 , i nt rod uzid o p e la L ei

Fich a Lim p a - L C 1 3 5 / 2 0 1 0 ).

As s im , a p a rt i r d e s s e d isp os itiv o, te m o s um re g im e ju ríd ic o m ui to

p róp ri o d a i ne l eg i b ili d a d e p a ra o ca so a q ui a na li sad o . N o p r e s ent e

cas o, t em os um a sp e c to m a te r ial q ue re q u e r a s usp e n são d a

in el eg i bi lid ad e.

É so b e s sa p re m i s sa q ue o D i r eito b ra s il ei r o s e t o rn a co m p atív e l com

o PI D CP na d et e rm i na ção e sp ecí fi ca d o CD H . Es te v ed a, no ca s o

conc r et o , que a co nd ição de p o ss ív el i n el eg i b il id ad e im p eça ,

ant ec ip ad am e nt e, a p art icip ação el ei to ral co m o cand id ato . E nt r e o

d il em a d e p r e se rv a r d i re ito s p o lít ico s d u ra nt e o p roc e s so el e ito ra l o u

d e sca rt á - lo s ant ec ip ad a m e nte , c om o ri sco d e s e rem re co nh e cid o s ao

lon g o d o p e r íod o el ei to r al, a L e i F ich a L im p a , n e ste c as o, p e rm it e a

su sp e ns ão d a i n el eg i b il i d ad e.

A pl a usi b i l i d a de de u ma r ev er sã o d a d eci sã o c o nd en a tó ri a (e m

f ace de di v e rs as al e g aç ões de viol aç ã o de d ir eit os ) e o

di s t an ci a me n t o te mp o ra l de u ma d eci sã o q ue é nec ess á ri a –

po rq ue i nt eg ra n te d o s ist em a - e m se de de R ecu rs o Es pe cia l já

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ap re se n ta d o no c as o c on cr e to d a c on de n aç ã o pe n al, t or n a ra m

nec ess á ri a a im p osiç ã o d e s us pe ns ã o d a i ne leg ib ili da de, c om o

me di da de g a r a nti a d e ap lic aç ão d o di rei t o de p ar ti cip aç ã o

pol í ti ca , a f i m de g a ra nt ir u m p ro ces so j us t o ao ex - P re sid en te 95.

Es s e p on t o é cr uc ia l p a ra com p r e e nd e r o s ig n if ica d o (âm bit o m at e ria l)

d a d ec is ão d o Com itê d e D ir eit o s H um an os e, s o b re tud o, p ar a q u e o

Pact o s ej a ef et iv am en te cum p rid o.

O d i r eit o c onv e nci on al d e ac es so à s f un çõ es p úb li cas em c ond içõ e s d e

ig u ald ad e, n o s t e rm o s d o a rt. 2 5 d o PID C P, im p õ e, p ar a o c as o

conc r et o a q u i an al is ad o, a p arti cip a ção d el i ne ad a p elo CD H . O P acto

d et er m i na co nd i çõ es d e i g ua ld ad e d e ac e ss o e, co m a d et e rm in açã o d o

CD H , t em o s a i n e qu ív o ca si tu ação d e sc rit a na Le i F ich a Lim p a, d e

m an ei r a q u e é p re ci so a te nta r p a ra a f or ça d o P ID CP , a d et e rm i na r

t od o o e nc ad e am ent o no rm at iv o e d ec i só ri o a q ui d e sc rit o, e q ue d ev e

cul m i n a r, n e st e m om ent o, c om a s u sp e n são d a in el eg i bi lid ad e, p o r

d eci s ão d a J u st iça b ra s il ei ra .

N esse se n ti do , a Ju st iç a El ei to r al, a o an ali sa r o pe di do r eg is t ro

e s ua i mp ug n aç ão, de ve r efe re nd a r a c an di d at u ra do ex -

P resi de n te , p ois n ão l he c o mp e te a fu nç ã o d e re vis o r d a dec is ão

do Co mi tê de D ir ei t os H u ma n os, ne m de ve av a nç a r s ob r e

co mp e tê nci a q ue nã o é s ua, pa r a d elib e r ar s ob re o pe di do

co nt i d o no R ec ur so Es peci al ( já a te n did o pe la refe ri d a deci sã o

do Co mi tê ) . Ad em a i s, ne nh um a aut o rid ad e j ud ic iá ri a br a si le i ra

p od e rá p rof e ri r d eci sã o i ncom p atív e l c om o s d i re ito s d e p a rti cip a ção

p olít ica p r ev i sto s no Pa c to d os D ir e ito s Civ is e P olít ico s, g a r ant id o s

con fo rm e l eg ít im a d eci sã o d o Com it ê d e D i r e ito s H um a no s.

Preenchidos estão, portanto, todos os requisitos do art. 26 - C da LC nº

64/90, de sorte que o cumprimento pleno da decisão acautelatória exarada pelo

95O Ministro LUIZ FUX, pronunciando-se no julgamento da Lei Ficha Limpa, explicou que garantias de
um processo eleitoral justo visam a “garantir direito político fundamental pro eleitor e pro candidato”
(voto no RE 633.703/MG, j. 23.01.2011).

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Comitê da ONU sign ifica dar a ela, no âmbito do presente pedido de registro

de candidatura, os mesmos efeitos e consequências das decisões provenientes

de Tribunais domésticos, q ue, em idêntico juízo cognitivo, reconhecem a

plausibilidade de determinadas alegações de violações legais e, por isso,

deliberam pela suspensão dos efeitos de inelegibilidade derivados de uma

condenação ainda pr ovisória e submetida a recursos a inda pendentes.

O tema ora submetido a esta Corte, com todo respeito, longe de ser

vulgar e comum, coloca a este Tribunal Superior Eleitoral debate

constitucional e convenci onal inédit o e da mais alta envergadura , a

certamente merecer cuidadoso pronun ciame nto, que hon re as melhores

tradições democráticas do país e os compromissos históricos por ele assumidos

perante a Comunidade Internacional.

Daí, portanto, o pedido de que esta Casa, considerado o advento de

decisão liminar suspensiva da suposta inelegibil idade apontada contra este

candidato em razão de condenação criminal meramente provisória, dê

consequência e efeitos a este decisum e, portanto, nos termos do art. 26 -C da

LC 64/90, c/c o art. 11, § 10º da Lei nº 9.504/97, DEFIRA o pedido de registro

de candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, sob pena de manifesta vi olação

aos arts. 1º, caput , 4º, inciso II, 5º, §2º, da Constituição Federal de 1988.

8. A N E C E S S Á R I A A P L I C A Ç Ã O D A R EC E NT E LE I T U R A C O NS T I T U C I O NA L S OB R E A

C U L P A B I L I D A D E P A R A A A F E R I Ç Ã O D O S LI M I T ES D A A P L I C A B I L I D A D E D O A R T . 1º,

I, “ E ” D A L E I C OM P L E M E NT A R N º 64/90

Subsidiariamente, é preciso emprestar nova intepretação ao dispositivo

da Lei do Ficha Limpa q ue fundamenta a suposta inelegibilidade do ex-

Presidente .

A Lei Complementar nº 135 de 2010 teve sua constitucionalidade

colocada em debate em três ações perante o Supremo Tribunal Federal (ADCs

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29 e 30 e ADI 4578). Todas foram julgadas em voto conj unto em 2012, q uando

se entendeu pela constitucionalidade do diploma legal.

Na ocasião do julgamen to da ADI 4578 e das ADCs 29 e 30, se verificou

a construção de uma nova leitura da presunção de inocência. O relator na

oportunidade, min. Luiz Fux, afastou especificamente a incidência do

princípio da vedação ao retrocesso, diante da pretensa inexistênci a dos

pressupostos indispensáveis de radicação de dada interpretação na

“consciência jurídica geral” e da “arbitrariedade” na restrição legislativa.

Como asseverou, “ não há como sustentar, com as devidas vênias, que a extensão da

presunção de inocência par a além da esfera criminal tenha ati ngido o grau de

consenso básico a demonstrar sua radi cação na consciência jurídi ca geral ”.

Afirmou-se, então, que, neste novo cenário, passaria a ser possível

“revolver temas antes intocáveis, sem que se incorra [incorres se] na pecha de atentar

contra uma democracia que – louve-se ist o sempre e sempre – já está [estava]

solidamente instalada ”.

Essa nova leitura constitucional teve como fio condutor a dissociação

entre os conceitos de “presunção de inocência” e a “não cul p abilidade”. Já

por ocasião do julgamento, o relator dirigiu uma crítica à assimilação dos

conceitos, comumente endossada pela Corte, dizendo q ue “ sua recepção no

ordenamento jurídico brasileiro, particularmente na jurisprudência deste STF, vi nha

tratando como sinônim os as expressões presunção de inocência e não culpabilidade ” 96.

96“Já o tema da presunção de inocência merece atenção um pouco mais detida. Anota Simone Schreiber
(Presunção de Inocência. In TORRES, Ricardo Lobo et al. (org.) Dicionário de Princípios Jurídicos. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2001, p. 1004-1016) que dito princípio foi consagrado na Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão de 1789, refletindo uma concepção do processo penal como instrumento de tutela
da liberdade, em reação ao sistema persecutório do Antigo Regime francês, ‘[...] no qual a prova dos
fatos era produzida através da sujeição do acusado à prisão e tormento, com o fim de extrair dele a
confissão. [...]’. Sua recepção no ordenamento jurídico brasileiro, particularmente na jurisprudência
deste STF, vinha tratando como sinônimos as expressões presunção de inocência e não culpabilidade.”

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Em que pese as pertinentes e fundamentadas divergências trazidas à

época do j ulgamento 97, prevaleceu na Suprema Corte o movime nto de releitura

do comando constitucional, separando os conceitos de culpabilidade e

presunção de inocência, definindo, ainda, como marco para afastamento da

não culpabilidade o j ulgamento por órgão colegiado – em sede recursal ou não.

Admitiu-se, assim, que uma decisão con denatória proferida por órgão

colegiado, mesmo sem trânsito em j ulgado, pudesse produzir alguns de seus

efeitos, entre eles a incidência da inelegibilidade.

97Dentre as divergências, destaca-se aqui trecho do voto proferido pelo min. Dias Toffoli: Aqui residem,
no meu sentir, situações de afronta ao princípio da presunção de inocência. Trata-se de hipóteses
proibitivas diversas em que se veda a participação no pleito eleitoral daqueles que foram condenados
pela suposta prática de ilícitos criminais, eleitorais ou administrativos, por órgãos judicantes colegiados,
mesmo antes da atestação da definitividade do julgado. (...)
A incidência das regras de inelegibilidade deve reclamar o caráter definitivo do julgamento das
causas que a elas antecedem. O impedimento prematuro à candidatura cria instabilidade no campo
da segurança jurídica, pois a causa da inelegibilidade despida de certeza pode provocar prejuízo
irreversível ao direito de candidatura”. Também pertinente as considerações trazidas pelo min. Cezar
Peluso, presidente da Corte à época: Não é garantia estritamente penal, senão que apenas leva em
consideração a pendência do processo penal para dar ao réu uma garantia. Que garantia? A de não ser
tratado indignamente pelo ordenamento, antes de sentença condenatória definitiva, transitada em
julgado, só pelo fato de ser réu. Noutras palavras, não é por ser réu que o acusado perde sua dignidade
de pessoa, e, por isso mesmo, o ordenamento jurídico não está autorizado a impor-lhe medidas
gravosas ou lesivas de qualquer natureza, pelo só fato de estar respondendo a um processo penal que
ainda não terminou. [...]
Noutras palavras, o réu não pode sofrer nenhuma restrição pelo fato de ser réu, porque ser réu, como
tal, para o Direito, é algo transitório e neutro, pois ainda não se definiu sua eventual culpabilidade,
de modo que essa condição não pode fundamentar nenhuma limitação à sua esfera jurídica.
Por esta razão básica é que não me parece possa a lei impor, ainda que para retirar direito associado a
eleições, ao direito de concorrer, nenhuma medida restritiva que lhe retire qualquer direito pelo
simples fato de ainda ser réu de um processo criminal não terminado.” Também cabe destaque às
considerações do min. Gilmar Mendes, que reconheceu expressamente os efeitos extrapenais do
postulado: “[...] a presunção de inocência, embora historicamente vinculada ao processo penal, também
irradia os seus efeitos, sempre em favor das pessoas, contra o abuso de poder e a prepotência do
Estado, projetando-os para esferas processuais não-criminais, em ordem a impedir, dentre outras
graves consequências no plano jurídico – ressalvada a excepcionalidade de hipóteses previstas na
própria Constituição -, que se formulem, precipitadamente, contra qualquer cidadão, juízos morais
fundados em situações juridicamente ainda não definidas (e, por isso mesmo, essencialmente
instáveis) ou, então, que se imponham, ao réu, restrições a seus direitos, não obstante inexistente
condenação judicial transitada em julgado.”

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121
Portanto, foi com a análise da constitucionalidade da Lei Complementar

nº 135/10 que se realizou, de modo inédito, a dissociação entre presunção de

inocência e noção de culpabilidade, com a pretensão de antecipar a produção

de efeitos de condenações judiciais provisórias, porque ainda submetidas a

recurso.

Em visível superação de certas premissas constitucion ais então

assentadas pela Sup rema Corte, quando do julgamento da ADPF nº 144, a LC

nº 135, sob o pretexto de disciplinar a cláusula do art. 14, § 9º da Constituição

da República, deu a seguinte redação ao art. 1º, alínea e, da LC 64/90:

Art . 1 º São i ne l eg ív ei s:

I - p a ra q ua lq u e r ca rg o ( ...):

e) o s q u e f or em co nd e n ad os , e m d eci sã o t ra ns i tad a em j u lg ad o ou

pr of eri d a p o r ó rg ã o ju dici al c oleg i a do , d e sd e a cond e naç ão at é o

t ra n sc ur so d o p raz o d e 8 (oito) an o s ap ó s o cu m p ri m e nto d a p en a,

p el os c rim e s.

Quando instado pelas ADC nº 29 e nº 30, assim como pela ADI nº 4.578,

o Supremo Tribunal Federal chancelou a constitucionalidade da LC nº 135, com

o argumento de que a presunção de inocência deveria ser interpretada

literalmente, “ de modo a reconduzi -la aos efeitos próprios da condenação crimina l

(que podem incluir a perda ou a suspensão dos direitos políticos, mas não a

inelegibilidade), sob pena de frustrar o propósito moralizante do art. 14, §9º, da

Constituição Federal ”.

A possibilidade de separação dos con ceitos de culpabilidade e de

presunção inocência, especificamente para que uma condenação penal ainda

provisória pudesse começar a produzir alguns de seus efeitos (no caso, a

incidência da inelegibilidade), foi assim explorada no voto do E. Ministro

Relator, Luiz Fux:

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122
N ão ca b e d i sc uti r, n es t a s açõ e s, o s ent id o e o a l canc e d a p r e su nçã o

con st it u cio na l d e i noc ê n cia (o u a nã o c ulp a b il id a d e, co m o se p r e fe r ir)

no q u e d i z r esp e ito à es f e ra p e nal e p r oc e ss ua l p en al. Cu id a - s e a q ui

t ão so m e nt e da ap l i cab il id ad e da p r e s un ção de i no cê nc ia

e sp e ci fic am e nt e p a ra fi n s e l eit or ai s, o u s eja , d a su a i rr a dia çã o p a ra

ram o d o D ir e ito d iv e rs o d aq u el e a q u e s e r ef e r e à l ite ra lid ad e d o a rt.

5 º , LV I I , d a C on st itu içã o d e 1 9 8 8 .

A atual D. Presidente deste Tribunal Eleitoral, Ministra Rosa Weber,

discorreu com clareza sobr e o ponto:

Se , n o p r óp r io p ro ce s so p en al, ond e e stá em jog o a l i be rd ad e d e ir e

v ir, ad m it e - s e q u e s ej a m e sta b e le cid a s r e st riç õe s ao p ri nc íp i o d a

p r es u nçã o d e i noc ê nc ia, com o a im p o s içã o, ant e s d o j ulg a m e nto , d e

p ri sã o p rov i só ri a, nã o m e p a re ce , d ata v ên ia , cor r eto c onc l ui r q u e,

em o ut ro s ra m o s d o D ir e ito, s e ri a v ed ad o em a b so l uto t am bé m

e st a b el ec e r re st ri çõ es a d ir e ito s d e o ut ra nat ur e za a nt e s d e um

ju lg am e nt o.

Teve-se, portanto, de forma inaugural, a ruptura conceitual entre

inocência e culpa, de sorte que, com o esgotamento da jurisdição ordinária

(em regra, segunda i nstância), se daria, considerado o exauri mento da análise

fática do processo, a devida formação da culpa , apta a viabilizar, sem que isso

ofendesse a cláusula pétrea da presunção de inocência , que a condenação penal

pudesse começar a produzir alguns dos seus efeitos, no caso, a incidência de

hipótese de inelegibilidade.

Consequência inevitável de tal premissa jurídica, derivada de uma

releitura constitucional da norma inscrita no inciso LVII d o art. 5º da

Constituição da República, foi, poucos anos depois do julgamento da

constitucionalidade da LC 135/2010, a e xtensão do debate sobre esse novo

olhar hermenêutico para a possibilidade, ou não, de que essa mesma

dissociação entre culpa e inocência viabilizasse, agora, a produção de outros

efeitos de decisão penal condenatória já exaurida na instância ordinária, mas

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123
ainda recorrível, qual seja, a de pront o início de cumprimento de eventual

sanção restritiva da liberdade ( prisão) 98.

Nesse sentido, de f orma coerente com o novo alcance constitucional

conferido à presunção de inocência, o Supremo Tribunal Federal avançou para

aprofundar a dissociação entre inocência e culpabilidade, a fim de permitir a

execução provisória da pena privativa de liberdade, q uando a decisão

condenatória for proferida por órgão judicial colegiado.

O paradigma da ampliação do posicionamento da Corte par a que essa

nova visão sobre o princípio da presunção de inocência e da culpabilidade

pudesse estender suas raízes ao processo p enal foi o HC 126.292. Na ocasião,

o Supremo Tribunal Federal estendeu o entendimento dado ao princípio no

julgamento da con stitucionalidade da LC 135/210 para superar posição

pretérita (assentada, em âmbito penal, no HC 84.078, rel. min. Eros Grau, DJ E

de 26/02/2010), deliberando pela possibilidade de execução da pena por

decisão colegiada sem trânsito em julgado.

Naquele julgamento o relator, min. Teori Zavascki, autor do voto

condutor do julgamento, atrelou o juízo de culpabilidade ao de

responsabilidade , que demandaria análise probatória exaur ida em segunda

instância recursal, o que afastaria a legitimação das Cortes Superiores para

promover uma modificação do entendimento neste sentido 99.

98De forma interessante, esse mesmo raciocínio constitucional AINDA não se fez aplicar às sanções
penais de natureza pecuniária ou mesmo às restritivas de direitos, que seguem demandando, na linha
da jurisprudência mais recente, o trânsito em julgado do título condenatório respectivo (HC 458.501/STJ,
12/07/2018).
99“(...) A eventual condenação representa, por certo, um juízo de culpabilidade, que deve decorrer da
logicidade extraída dos elementos de prova produzidos em regime de contraditório no curso da ação
penal. Para o sentenciante de primeiro grau, fica superada a presunção de inocência por um juízo de
culpa - pressuposto inafastável da condenação -, embora não definitivo, já que sujeito, se houver
recurso, à revisão por Tribunal de hierarquia imediatamente superior. É nesse juízo de apelação que, de
ordinário, fica definitivamente exaurido o exame sobre os fatos e provas da causa, com a fixação, se for
o caso, da responsabilidade penal do acusado. É ali que se concretiza, em seu sentido genuíno, o duplo
grau de jurisdição, destinado ao reexame de decisão judicial em sua inteireza, mediante ampla

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124
Confirmou-se, com esse novo entendimento, uma abordagem do

princípio da presunção da inocência dissociada da não culpabilidade.

Assumiu-se que o afastamento da não culpabilidade não contraria o princípio

da presunção de inocência, definindo -se, ainda, que a culpabilidade se

conforma com a decisão colegiada.

A lógica con dutora dos votos que declararam a constitucionalidade da

LC nº 135/2010 e da possibilidade de prisão após a decisão de segundo grau é

o momento formador do juízo de culpabilidade, entendido, em ambas as

oportunidades, que tal fenômeno ocorre após o julgame nto colegiado.

O novo entendimento sobre a execução provisória de acórdão

condenatório proferido por instância recursal foi posteriormente confirmado

nas Medidas Cautelares nas ADC nº 43/DF e nº 44/DF e no ARE nº 964.246/SP ,

de repercussão geral reconhecid a. O enunciado da tese constitucional ao final

fixada foi assim redigido: “a execução provisória de acórdão penal condenatório

proferido em grau recursal, ainda que sujei to a recurso especial ou extraordinário,

não compromete o princípio constitucional da presunção da inocência afirmado pelo

artigo 5º, inciso LVII, da Constitui ção Federal”.

O fundamento constitucional, uma vez mais, f oi a dissociação entre o

princípio da presunção da inocência e a noção de culpabili dade. O j uízo de

apelação, ao esgotar a an álise dos fatos e das provas e concretizar o duplo grau

de jurisdição, teria o condão de substituir a presunção da inocência pela

presunção de culpabilidade. De acordo com o voto do E. Ministro Teori

Zavascki no ARE nº 964.246, “ (...) parece inteiramente j ustificável a relativização

devolutividade da matéria deduzida na ação penal, tenha ela sido apreciada ou não pelo juízo a quo.
Ao réu fica assegurado o direito de acesso, em liberdade, a esse juízo de segundo grau, respeitadas as
prisões cautelares porventura decretadas. Ressalvada a estreita via da revisão criminal, é, portanto, no
âmbito das instâncias ordinárias que se exaure a possibilidade de exame de fatos e provas e, sob esse
aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal do acusado. É dizer: os recursos de natureza
extraordinária não configuram desdobramentos do duplo grau de jurisdição, porquanto não são
recursos de ampla devolutividade, já que não se prestam ao debate da matéria fático-probatória. (...)”.

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125
e até mesmo a própria inversão para o caso concreto, do princípio da presunção da

inocência até então ob servado ”.

Como se sabe, cui da-se de controvérsia ainda a ser di rimida em

definitivo pelo E. Supremo Tri bunal Federal nos aut os das ADC nº 43/DF e

nº 44/DF, tão logo sejam incluídas em pauta.

No entanto, a aplicação concreta, por Juízes e Tribunais, das premissas

teóricas e abstratas firmadas pela Suprema Corte, sobretudo no contexto da

repercussão geral, revelou distorções e g eneralizações.

Disso veio o florescimento de um novo repensar do tema por doutos

Ministros integrantes da Suprema Corte, para q ue, ainda que preservado o

pressuposto da miti gação da presunção da inocência, considerada a gradual

formação da culpa ao longo d a tramitação processual, uma pequena

calibragem fosse concebida, evitando -se que excessos práticos tornassem a

premissa fixada incompatível com a Carta Política.

O tema, portanto, estava a merecer revisitação.

Nesse sentido, confira -se declaração da Minist ra Rosa Weber, Ministra

do Supremo Tribunal Federal e Presidente deste Tribunal Superior Eleitoral,

no julgamento do H C nº 152.752:

Se nh o r a P r e sid e nte , e nf r ent o e st e h ab e as co rp u s no s ex ato s te rm os

com o f iz t od o s o s o ut r os q ue d e sd e 2 0 1 6 m e fo ram su b m et id o s,

r eaf i rm a nd o qu e o t em a d e fu nd o, p a ra q ue m p e ns a com o e u, h á de

ser sim re visi t ad o no ex e rcíci o do c o n t rol e ab s t r at o de

co ns ti tu ci o n ali da de , v al e d i z er , na s AD Cs d a re lat or ia d o M in .

Ma rc o Au r él io, em q u e e sta S up r em a C o rte , em a te nção a o p ri nc íp i o

d a s eg ur an ça j u ríd ica , em p ro l d a soc ied ad e br a si le i ra, h á d e

ex p re s sa r, com o v oz co le tiv a, e n qu ant o g ua rd i ão d a Co ns tit ui ção, s e

o ca so, o ut r a l e itu ra d o a rt. 5 º, LVII , d a L ei F und am e nt al. Tal

p r ec eit o , com c la r eza m e rid ia na, co n sag ra o p ri ncíp io d a p r es u nçã o

d e i no cê nc ia, ni ng u ém o n eg a, s it uad a s no s eu te rm o f in al – o

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126
m om e nt o d o tr ân si to e m ju lg ad o - se nt id o e alca nc e, p o nto s d e

cand e nt es d iv e rg ê nc ia s, as d i sp ut as h e rm e nê ut ic as

Cumpre lembrar que a i. Ministra acompanhou a maioria nos

julgamentos que culmina ram na tese de que a execução provisória da pena

pode ocorrer após o julgamento condenatório em segundo grau.

Nesse mesmo julgamento, também externou sua opin ião pela

necessidade de o Supremo emitir novo juízo sobre a controvérsia o E. Ministro

Marco Aurélio Mello.

Em recentíssimo voto, prolatado em Medida Cautelar na ADC 43 (Ação

Declaratória de Constitucionalidade que questiona a extensão do art. 283 do

CPP 100) o min. Dias Toffoli denotou a tendência da Corte a reconhecer que a

formação do juízo de cul pabil idade somente se consolidaria após a

apreciação da matéri a pelo STJ :

“ ( ..) s e o t r ân sit o e m julg a do s e eq ui p ar a à co ns ti t uiç ão d a

cer t ez a a res pei t o d a c ulp a – e nq ua n t o es t ab eleci me n to de u ma

ve rd a de p ro ces su al me nt e v áli d a, p a r a al ém de q ua lq u er d úv id a

raz o á vel -, re pu t o viá ve l que a ex ec uç ão p r ovi só ri a da

co nd en aç ã o s e i nicie c om o julg a me n to d o r ecu rs o es peci al o u

do ag r a vo e m rec u rs o es peci al p el o S up e ri or T rib un al de

Ju s ti ç a.”

O julgamento da A DC –que, possivelmente, colocará fim à celeuma

instaurada sobre a possibilidade de execução provisória da pena após

julgamento colegiado – no entanto, ainda não foi pautado na Suprema Corte,

diferente de alguns recursos de natureza difusa, como o HC 152.752, impet rado

em favor deste manifestante. Na ocasião, aliás, f oi possível verificar em

“Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada
100

da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado


ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.

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127
concreto essa tendência pela calibragem do posicionamento assentado pela

Corte.

Se no julgamento do HC 126.292 quatro f oram os ministros ( Rosa Weber,

Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, então presidente da

Corte) que se manifestaram pela impossibilidade da execução provisória; n o

julgamento do HC 152.752, foram contabilizados cinco votos favoráveis à

calibragem do momento processual em que se conforma a culpabilidade e,

assim, contrários à possibilidade de execuç ão da pena por decisão

condenatória de 2ª instância (prolatados pelos min istros Ricardo

Lewandowski, Marco Aurélio, Celso de Mello, Gilmar Mendes e Dias Toffoli).

Na hipótese aderiu -se à distinção iniciada no jul gamento da ADI 4578

entre presunção de inocê ncia e não culpabilidade, entendendo -se que o

exaurimento do juízo de culpabilidade necessário à autorização da execução

provisória somente ocorreria no STJ .

Em voto do min. Marco Aurélio no HC 138.088 (ainda q ue em decisão

monocrática publicada em 07.12.2 016 e posteriormente reformada pela 1ª

Turma em 19.09.2017), também ficou evidente essa tendência de ajuste dos

limites da incidência da culpabilidade. Como ali se afirmou, “ não se pode

potencializar o decidido pelo Pleno no habeas corpus nº 126.292, por m aioria, em 17

de fevereiro de 2016. Precipitar a execução da reprimenda importa antecipação de

culpa, por serem indissociáveis ”. No mesmo sentido foi o voto do min Ricardo

Lewandowski no HC 144.908, em decisão monocrática 101.

101“No presente caso, entendo estarem presentes ambos os requisitos autorizadores para concessão da
medida liminar. Isso porque, em juízo preliminar, vislumbro que o art. 147 da Lei de Execuções Penais
determina que a pena restritiva de direitos será aplicada somente após o trânsito em julgado da sentença
penal condenatória (...) Cabe registrar que o entendimento até então esposado pelo Plenário deste
Supremo Tribunal Federal deu-se na análise de medidas cautelares nas Ações Declaratórias de
Constitucionalidade 43 e 44, carecendo, ainda, de pronunciamento quanto ao mérito. Ademais, a
decisão proferida no ARE 964.246/SP, julgado pela sistemática da repercussão geral, não tratou
especificamente de execução provisória de pena restritiva de direito, vedada pelo art. 147 da LEP, mas
sim de pena privativa de liberdade, tratando, somente, da hipótese do art. 283 do Código de Processo

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128
Em voto igualmente recente, o mi n. Gilmar Mendes, no HC nº 146.815,

também em decisão monocrática, externou seu posicionamento demonstrando

convergência com essa interpretação, ao sustentar que “ m anifestei minha

tendência em acompanhar o Ministro Dias Toffoli no sentido de que a execução da

pena com decisão de segundo grau deve aguardar o julgamento do recurso especial

pelo STJ”.

Nesse contexto, gan ha corpo, força e densidade, uma nova acomodação

na leitura constitucional feita sobre a cláusula da presunção de inocência,

originariamente desenvolvida pelo Ministro Dias Toffoli, e já agora

compartilhada por outros nobres Ministros, no sentido de que o marco

suficiente de consol idação da culpabili dade , capaz de permitir o início de

produção de efeitos de condenação criminal ainda recorrível, sem lesão à

presunção de inocência, seria o do jul gamento pel o Superior Tribunal de

Justiça, órgão último de uniformização e interpretação da legislação federal.

Eis o que registou o Ministro Dias Toffoli, ao ventilar essa solução de

compromisso pela prime ira vez, quando da apreciação da MC nas ADC nº 43

nº 44:

( ...) se o t r ân si to em j ul g ad o se eq u ip a ra à co n st itu içã o d a c ert ez a a

r esp e it o d a cu lp a – e n qu ant o e sta b el ec im en t o d e um a v e rd ad e

p roc e s su alm e nt e v ál id a, p ara a lé m d e qu al q u er d úv id a raz oáv el –

r ep u t o v i áv e l q ue a ex ec uçã o p rov i só r ia d a co nd en açã o se i nic i e co m

o ju lg am e nt o d o r ec ur s o e sp e ci al o u d o ag rav o em r ec u r so esp ec ia l

p el o S up e rio r Tr i bu n al d e J us tiç a.

O argumento para tanto é a função do Superior Tribunal de Justiça:

uniformização da aplicaç ão da lei f ederal no território. Haveria, na

interposição do recurso especial, o interesse subjetivo do recorrente em ver

Penal. Destaco, por fim, que o art. 5°, LVII, da Constituição Federal de 1988 reforça a fumaça do bom
direito que exala dos presentes autos, ao determinar que “ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

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129
aplicado corretamente ao seu caso o vasto arcabouço jurídico

infraconstitucional penal. Não obstante o recurso especial não seja apto a

reexaminar arcabouço fático -probatório, é remédio hábil a corrigir

ilegalidades na tipificação de crimes, na dosimetria da pena e na fixação do

regime.

Essa nova perspecti va de calibragem sagrou-se vencedora no recente

julgamento da Reclamação nº 30.008 na Segunda Turma da Corte, quando

concedido habeas corpus de ofício para condicionar a execução provisória da

pena ao julgamento dos recursos especial pelo Superior Tribunal de Justiça.

Com voto do relator, min. Dias Toff oli, aplicando esta nova leitura e

suspendendo a execução provisória da pena imposta até que o Superior

Tribunal de Justiça decida o recurso do Reclamante. Em seu voto registrou:

“no sentido de que a execução provisória da pena deverá ser obstada até o julgamento

colegiado no Superior Tribu nal de Justiça do recurso especial (REsp) ou do agravo

em recurso especial (AREsp) , bem como dos primeiros embargos declaratórios

eventualmente opostos contra esses julgados.” Aderiram à sua tese os D. Ministros

Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.

O Ministro Gilmar Mendes, de seu turno, j á havia externado a inclinação

pela posição do Ministro Dias Toffoli no julgamento do HC nº 142.173/SP e,

após, do HC nº 146.815. Naquela oportunidade, o Ministro publicamente

afirmou não mais comungar da tese fixada no AR E nº 964.246/SP 102, no qual

compôs a maioria.

Portanto, essa é a leitura constitucional do art. 5º, inciso LVII, da

Constituição de 1988 que, em coerência com a leitura constitucional que vem

sendo externada pela Suprema Corte, ao que parece, prevalecerá per ante o

102De relatoria do i. min. Teori Zavascki, o ARE nº 964.246 fixava entendimento no sentido de que “a
execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a
recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de
inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal”.

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130
Supremo Tribunal Federal: a condenação penal pode produzir seus efeitos

validamente – mais especificamente o de início de cumpri mento de pena

restritiva de liberdade -, sem vulneração do princípio constitucional da

presunção da inocência, uma vez fo rmada a culpa pelo esgotamento da

competência do Superior Tribunal de Justiça, com o julgamento colegiado do

Recurso Especial ou do Agravo em Recurso Especial e dos primeiros

Embargos de Declaração eventualmente opostos.

Esse nova perspectiva interpretativ a do Supremo Tribunal, quanto ao

momento em que uma condenação criminal pode passar a produzir alguns de

seus efeitos, deve, por dever de coerência e unidade de hermenêutica

jurisprudencial , ser projetada também na esfera eleitoral, já que tanto a

inelegibilidade, como eventual encarceramento, nada mais são do que

consequências nat urais de uma mesma premissa, qual seja, a de que, a partir

de um dado momento anterior à coisa julgada, a formação da culpa já

autoriza que uma condenação penal provisória projete suas consequências

para o mundo dos fatos.

Aplicar no campo eleitoral o entendimento fixado pelo Supremo

Tribunal Federal, guardião último do texto constitucional, na interpretação do

art. 5º, inciso LVII, é medida que se impõe em consideração ao princípio da

conformidade funci onal 103, incumbindo aos demais ramos integrantes do

Poder Judiciário dar consequência e efeito concreto às premissas exaradas da

Suprema Corte.

Como também abordado noutro tópico da defesa, a Corte assim o fez ao

consolidar o entendime nto de que a inelegibilidade da alínea p do inciso I do

art. 1º da LC nº 64/90, relativa à doação acima do limite legal, restará

103CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra: Almedina,
2003. p. 1225.

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131
caracterizada tão somente quando a doação afetar a normalidade e

legitimidade das eleições, veja -se:

ELEI ÇÕ ES 2 0 1 6 . A G RA VO RE GI MEN T A L. RE CU R SO ES PE CIA L.

RE GI S T RO DE CA N D ID ATU R A. A RT. 1 º, I, P, DA LEI

CO MP LE ME N TA R 64/90. EX CE SS O DE D O A ÇÃO . VA LO R

I N EXP RE S SI VO . AU S ÊN CI A DE I M PA CT O NA D I SPU T A.

D ESP RO V I MEN TO . Co ns oa nt e a j u ri sp rud ê nci a d e st e Tr i bu na l, a

in el eg i bi lid ad e p rev i sta no a rt. 1 °, I, p , d a L C 6 4 / 9 0 s om ent e se

car act er iz a qu and o o ex c e ss o d a d o açã o e nv o lv e q ua nti a cap az d e, a o

m e no s em t e se, p e rt u r ba r a no rm al id ad e e a le g it im id ad e d as e l eiç õe s.

Ag r av o r eg im e nta l a q u e s e neg a p rov i m e nto .

( RES PE n º 4 3 0 1 7 , Rel . M i n. He nri q ue N e ve s D a S i l va, PS ES S

29/11/2016)

Introduziu-se, portanto, na aplicação concreta da norma (cuja

literalidade restou preservada), o critério constitucional da proporcionalidade

(substantive due process of law ), para q ue a realização efetiva da norma no caso

concreto se aproximasse das balizas constitucionais que a legitimam, evitando -

se indevidas distor ções, tão perniciosas ao sistema, e, porque não dizer,

injustiças.

Caso fosse adotada uma interpretação literal do dispositivo, o Tribunal

Superior Eleitoral não encontraria em seu enunciado qualq uer elemento que

autorizasse a adoção do critério da proporcionalidade na aferição da

inelegibilidade por doação acima do teto. Entretanto, justamente para não

permitir, na aplicação concreta da norma, que o cidadão sofres se tamanha

violência em seus direitos fundamentais num contexto de decisão desvestida

de envergadura para tanto, o Tribunal interpretou a expressão normativa “ tida

por ilegais” como “ti da por apta a quebrar a isonomia entre os candidatos, pôr em

risco a normalidade e a legitimidade do pleit o ou que se aproxime de abuso do poder

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132
econômico” (RESPE nº 43017, Rel. Min. Henrique Neves Da Silva, P SESS

29/11/2016).

Nesse sentido, por questão de unidade e coerência, insista -se, imperioso

que esta Corte Eleitoral aj uste sua orientação, calibrando-a em conformidade

com o novo entendimento do STF, e condicione a incidência da hipótese de

inelegibilidade do art. 1º, inciso I, alínea e, da LC nº 64/90 ao julgamento do

recurso especial, e dos eventuais embargos de declara ção opostos, no Superior

Tribunal de Justiça.

Do contrário, se consolidaria a injustificável situação na q ual Tribunais

diferentes elegem momentos diferentes, a partir dos quais é de se ter como

formada a presunção da culpa, a ponto de quebrantar a presunç ão de

inocência, com a permissão de que um decreto condenatório ainda recorrível

e provisório comece a produzir os seus efeitos, sejam eles secundários, sejam

eles principais.

Importa reforçar que não se está aqui a sustentar a

inconstitucionalidade da lei complementar nº 135/10, cuja adequação ao texto

da Carta Magna já foi assentada pelo Supremo Tribunal Federal nos autos das

ADCs nº 29 e nº 30, bem como nos da A DI nº 4.578.

O que se pede, para fins de unidade de hermenêutica constitucional e de

coerência judiciária, é que este Tribunal Superior, em atenção ao novo

parâmetro jurisprudencial do Supremo, interprete o art. 1º, inciso I, alínea e

da LC nº 64/90 da forma mais adequada possível com o art. 5º, inciso LVII, da

Constituição Federal de 1988, q ue ag or a se “estende” até o julgamento de

recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça.

Uma exegese nessa linha teria o condão de introduzir um mecanismo de

calibragem no arcabouço do direito eleitoral, evitando que decisões colegiadas

em matéria criminal (temática integralmente regida por lei federal), ainda

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133
que ilegais, gerassem a automática i nelegibilidade do condenado e o

dramático descarte dos votos populares a ele atribuídos.

Os pressupostos levantados pel o min. Dias Toffoli, em sua posição

intermediária que agora parece preval ecer no corpo do Supremo Tribunal

Federal, são integral mente aplicáveis ao tema da inelegi bilidade derivada de

condenação criminal ainda provisória.

Introdução de semelhante mecanismo de calibragem, como se viu, não

seria medida estranha a este E. Tribunal.

O entendimento adotado na análise da inelegibilidade prevista na alínea

p do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90, sem sombra de dúvidas, introduziu

relevante mecanismo de justiça no processo eleitoral, o que deve ser

igualme nte transplantado para o contexto da inelegibilidade penal prevista no

art. 1º, I, “e” da LC 64/90, para que não exista, num mesmo sistema justiça,

marcos diferentes de reconhecimento de formação da cul pa, pressuposto

necessário para que um decreto penal c ondenatório ainda precatório surta

seus efeitos, sem ofensa à Constituição da República .

9. P R E J U D I C I A L I D A D E

9.1 A plausibilidade da suspensão e reforma da decisão. Prej udicialidade

e sindicabilidade excepcionais

Além de todos os argumentos acima, que ex plicitam a superveniência de

decisão vinculante do Comitê de Direitos Humanos da ONU que afasta

integralmente a inelegibilidade de L U L A , o TSE deve, excepcionalmente,

sindicar o título responsável por gerar, em tese, a inelegibilidade do ex-

Presidente : o acórdão na Apelação Criminal n.º 5046512 -94.2016.4.04.7000/PR

do TRF4.

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134
Com a Lei do Ficha Limpa, de lado as críticas manifestadas e tópico

próprio, a J ustiça tem buscado dar máxima concreção aos pressupostos de

moralidade e probidade postos na Constituição Federal. É in egável também

que a Lei, ao ampliar o sistema de inelegibilidades, promoveu uma clara

transferência de com petência a outros ór gãos (judiciários e administrativos)

para, ainda q ue reflexamente, obstar uma candidatura.

A análise da elegibilidad e de qualquer candidato depende, assim, de um

devido processo (judicial, administrativo, disciplinar ou político) próprio e de

uma decisão condenatória prévia proveniente da justiça comum, das Casas

Legislativas, dos tribunais de contas até mesmo de consel hos de classe. Daí

surgem, reflexa e i ncidentalmente , as inelegibilidades.

Nessas situações, um ponto central dos debates acerca da aplicação da

Lei da Ficha Limpa foi em torno de quais os limites da sindicabilidade das

inelegibilidades pela Justiça Eleito ral em face das balizas decisórias dos

demais órgãos? Poderia a Justiça Eleitoral ir além do quadro fático ou legal

traçado pelas demais instâncias para fazer incidir ou afastar os efeitos da

condenação de uma candidatura?

Em tal aspecto, a J ustiça Eleitor al tem uma jurisprudência em evolução,

com espaços próprios de atuação a depender da fonte (administrativa ou

judicial) da inelegibilidade. A conferir:

a) A R T . 1 º , I, A L Í N E A l 104: A jurisprudência dessa Corte consolidou- se

primeiramente no sentido de que “nos processos de registro de candidat ura não

cabe a esta Justi ça Especializada aferir o acerto ou o desacerto de decisões proferidas

104“Art. 1º. São inelegíveis: I – para todos os cargos: (...) l) os que forem condenados à suspensão dos
direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato
doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento
ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o
cumprimento da pena;”

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135
em outros processos, tampouco rediscutir q uestões de mérito a eles afetas” 105. No

julgamento no RESP E n.º 15444, concluiu -se que “não cabe à Justiça Eleitoral

proceder a novo enq uadramento dos fatos e provas veiculados na ação de improbidade

para concluir pela presença de dano ao erário e enriquecimento ilícito, sendo

necessária a observância dos termos em que realizada a tipifi cação legal pelo

órgão competente para o julgamento da referida ação ” 106. O entendimento foi,

inclusive, sumulado por este C. TSE. 107

Posteriormente, a jurisprudência da Corte evoluiu.

No Recurso Ordinário nº 38023, por exemplo, de relatoria do Min. João

Otávio de Noronha, a Corte manifestou o entendimento segun do o q ual “deve

ser indeferido o registro se, a partir da análise das condenações, for possível constatar

que a Justiça Comum reconheceu a presença cumulativa de prejuízo ao erário e

enriquecimento ilícito d ecorrentes de ato doloso de improbidade administrativa,

ainda que não conste expressamente na parte dispositiva da decisão

condenatória”. 108

Essa orientação ainda foi reafirmada em diversas outras

oportunidades 109. Pacificou-se que pode a Justiça Eleitoral sindicar as razões

de mérito da decisão condenatória do at o de improbidade , com o objetivo de

TSE, Recurso Ordinário nº 113797, Relator Ministro João Otávio de Noronha, Publicado em Sessão,
105

Data: 30/09/2014.
106TSE, Recurso Especial Eleitoral n.º 154144, Relator Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio,
Publicação: DJE Data 03/09/2013. Igualmente, Mais recentemente, o TSE sedimentou que a incidência
na causa de inelegibilidade da alínea “l” “pressupõe análise vinculada da condenação colegiada imposta
em ação de improbidade administrativa, não competindo à Justiça Eleitoral, em processo de registro de
candidatura, chegar a conclusão não reconhecida pela Justiça Comum competente” (TSE, Recurso
Ordinário n.º 44853, Relator Ministro Gilmar Ferreira Mendes, Publicado em Sessão, Data 27/11/2014).
107Súmula TSE n.º 41: “Não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas
por outros órgãos do Judiciário ou dos tribunais de contas que configurem causa de inelegibilidade”.
108 TSE, Recurso Ordinário nº 38023. Relator Min. João Otávio de Noronha. Publicado em 12/09/2014.
RO nº 140804, Rel. Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, J. 22/10/2014; AgReg no RO nº 22344,
109

Relator Min. Luiz Fux, J. 17/12/2014; AgReg em AI nº 189769, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJE Data
21/10/2015.

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136
verificar a presença dos elementos necessário à subsunção da decisão à

inelegibilidade da alínea “l”.

b) A R T . 1 º , I, A L Í N E A G 110: Tradicionalmente, o TSE tem imposto

limites à profundidade da cognição da J ustiça Eleitoral, consolidando q ue não

cabe ao juiz eleitoral perquirir o acerto ou desacerto das decisões das decisões

dos Tribunais de Contas, mas somente “proceder ao enq uadramento das

irregularidades como i nsanáveis ou não e verificar se constituem ou não ato doloso

de improbidade admini strativa” 111. A defesa, é claro, não desconhece o conteúdo

da Súmula n.º 41 do TSE.

Em j ulgado recente, todavia, o min. Luiz Fux trouxe um entendimento

mais consentâneo com uma leitura restritiva da Lei de Inelegibilidades,

concluindo q ue a inelegibilidade da alínea “g” “ não se revela quando a conduta

configure, apenas em t ese, o ato de improbidade administrativa ”, sendo “imperioso

demonstrar que a conduta revele minimamente o dolo, a má -fé em dilapidar a coisa

pública ou a ilegalidade qualificada em descumprir as normas de gestão ” 112.

Essa concepção vem sendo confirmada e m outros julgados 113 e, com essa

viragem, é possível dizer que o TSE tem se atribuído um maior poder de

110“Art. 1º. São inelegíveis: I – para todos os cargos: (...) g) os que tiverem suas contas relativas ao
exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso
de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver
sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos
seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da
Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem
agido nessa condição;”.
111 TSE, Recurso Ordinário n.º 72569, Rel. Min. Maria Thereza Assis Moura, DJ 27.03.2015.
112 TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 9229, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 30.10.2017.
113“A jurisprudência deste Tribunal Superior orienta-se na linha de que não é qualquer vício apontado pela Corte
de Contas que atrai a incidência da inelegibilidade prevista no art. 1o, I, g, da LC 64/90, mas tão somente aqueles
que digam respeito a atos desonestos, que denotem a má-fé do agente público” (TSE, Recurso Especial Eleitoral
n.º 13527, Rel. Min. Rosa Weber, DJ 02.04.2018). No mesmo sentido: TSE, Recurso Especial Eleitoral n.º
28-69/PE, Rel. Min. Luciana Lóssio, publicado na sessão de 1º.12.2016.

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137
sindicabilidade da s decisões que rejeitam as contas. A Justiça Eleitoral passou

a ser o locus apropriado para a identificação de um dolo específico na conduta

do responsável pela “ irregularidade insanável ”.

Noutro exemplo da ampliação do espaço de atuação da Justiça eleitor al,

ainda na mesma alín ea, tem o tema da competência. Em razão da orientação

firmada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento conjunto dos RE nos

848.826/DF e 729.744/MG, a Justiça Eleitoral passou a analisar a competência do

órgão que julga as contas d e prefeitos, afastando a inelegibilidade das

rejeições de contas de gestão pelos tribun ais de contas, sem decisão final pela

Câmara Municipal 114.

Entendeu essa Corte por tal possibilidade em devido “cumprimento do

due process of law constitucional, que const itui pressuposto procedimental de

validade dos títulos normativos e administrativos (decretos legislat ivos e acórdão de

contas, respectivament e), sob pena de afronta ao art. 31, §§ 1º e 2º, da CF” 115.

Por fim, em momento no mesmo sentido, o TSE também sedime ntou

que “a revogação do decreto que rejeitou as contas do recorrente sem que se tenha

indicado qualquer ví cio no j ulgamento ant erior não tem o condão de afastar a

inelegibilidade decorrente da rejeição de cont as ” 116. Ou seja, reconheceu jurisdição -

competência para an alisar, em sede de registro de candidatur a, a motivação do

ato de anulação ou r evogação do julgamento das contas a fim de verificar sua

validade e a projeção dos efeitos reflexos da inelegibilidade 117.

114TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 50784, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, DJE Data
02/02/2018.
115 Precedente: REspe nº 39-14/AM, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 27.6.2017.
TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 21246, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicado em Sessão,
116

Data 19/12/2016.
Precedentes: Respe nº 16389, Rel. Min. Rosa Weber; nº 3914, Rel Min. Luiz Fux; RO 1731-70, Rel. Min.
117

Hamilton Carvalhido, CTA 540-93, Respe 295-40, Rel. Min. Fernando Gonçalves.

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138
A simples rejeição das contas não possui, por tanto, efeitos automáticos

sobre a elegibilidade. Pela atual posição do TSE, como se viu, é possível à

Justiça Eleitoral, no julgamento do registro, analisar com relativa

profundidade de cognição (i) a presença do dolo específico do candidato nos

motivos de rejeição das contas; (ii) a competência do órgão que julgou as

contas e, por fim (iii) a motivação legítima do ato que promove novo

julgamento das contas.

c) A R T . 1 º , I, A L Í N E A O 118: nessa hipótese de inelegibilidade, ainda que o

dispositivo da Lei de Ine legibilidade estabeleça expressamente a reserva de

jurisdição ( “salvo se o ato houver sido suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário” )

para o provimento suspensivo ou anulatório do ato de demissão, esta Corte já

decidiu sindicar o ato gerador da inelegibil idade (com importantes

considerações acerca da teleologi a do sistema de aferição de

inelegibilidades ). 119

d) A R T . 1 º , I, A L Í NE A P 120: O caso que melhor ilustra essa evolução

jurisprudencial 121 e que confirma o raciocínio aqui desenvolvido, todavia, é o

caso da alínea ‘p’ do art. 1º, I, da LC n.º 64/90, q ue estabelece a inelegibilidade

de todos aq ueles “ responsáveis por doações eleitorais tidas por i legais por decisão

118“Art. 1º. São inelegíveis: I – para qualquer cargo: (...) o) os que forem demitidos do serviço público
em decorrência de processo administrativo ou judicial, pelo prazo de 8 (oito) anos, contado da decisão,
salvo se o ato houver sido suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário;”
119TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 38812, Relator Min. Luiz Fux, Publicado em Sessão, Data
06/12/2016.
120“Art. 1º. São inelegíveis: I – para todos os cargos: (...) p) a pessoa física e os dirigentes de pessoas
jurídicas responsáveis por doações eleitorais tidas por ilegais por decisão transitada em julgado ou
proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão,
observando-se o procedimento previsto no art. 22;”
121Antes, era pacífica nesta Corte a seguinte posição: “(...) 3. Na espécie, o agravante foi demitido do serviço
público em decorrência de processo administrativo disciplinar, não havendo decisão judicial que tenha
suspendido ou anulado o ato demissório. Desse modo, o indeferimento do seu pedido de registro de
candidatura deve ser mantido por incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, o, da LC 64/90. (...)”.
(TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 13189, Relatora Min. Fátima Nancy Andrighi, Publicado em Sessão,
Data 04/10/2012)

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139
transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral” . Isso

levou à impugnação de in úmeros can didatos q ue realizaram doações em

excesso, acima dos limites dos artigos 23 122 e 81 123 da Lei n.º 9.504/97, mesmo

que em quantias irrisórias.

Em um primeiro momento, a jurisprudência entendia que, para a

incidência dessa inelegibilidade, bastava “tão somente que a doação irregular

tenha sido reconhecida por meio de decisão transitada em julgado ou proferida por

órgão colegiado” 124. Da mesma forma, entendia que “doação aci ma do limite é

doação ilegal”, sendo que a LC n.º 64/90 “descreve fatos objeti vos, os quais se

presumem lesivos à probidade administrativa, à moralidade para exercício de

mandato, bem como à normali dade e legitimidade das eleições , valores tutelados

pelo art. 14, § 9º, da Constituição Federal” 125.

Diante de tal fato, essa Corte evoluiu e passou a entender que "nem toda

doação eleitoral tida como ilegal é capaz de atrair a inelegibilidade da alínea p” , mas

somente aquelas que impliquem em “quebra da isonomia entre os candidatos, risco

à normalidade e à legitimidade do pleito ou q ue se aproximem do abuso do poder

econômico é que poderão ser qualificadas para efeito de aferição da referida

122 “Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para
campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei. § 1 o As doações e contribuições de que trata este
artigo ficam limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano
anterior à eleição.”
123“Art. 81. As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas
a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações: § 1º As doações e contribuições
de que trata este artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição.”
(Revogado pela Lei nº 13.165, de 2015)
124TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 40669, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, DJETSE Data
07/05/2013.
125 TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 94681, Acórdão, Relator Min. José Antônio Dias Toffoli, J.
19/02/2013. No mesmo sentido: “o comando normativo previsto no art. 1º, I, p, da LC 64/90 exige apenas que
haja "decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral", não se cogitando, em
registro de candidatura, de juízo quanto ao eventual dolo do dirigente da empresa, notório responsável por doação
irregular à própria candidatura” (TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 26124, Relatora Min. Fátima Nancy
Andrighi, Publicado em Sessão, Data 13/11/2012).

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140
inelegibilidade” (TSE, RO 534-30/PB, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe

16.9.2014) 126.

Em tese, uma inelegibilidade ‘aritmética’, da qual a le i presumia a lesão

aos bens jurídicos do art. 14, §9º, da CF, o TSE fixou, a partir das eleições de

2014, que não é qualquer declaração de ilegalidade da doação que afeta a

normalidade do pleito e, portanto, implique na inelegibilidade da alínea “p”.

O requisito da lesão à probidade, à normalidade e à legitimidade do pleito

deve agora ser extraído no j ulgamento incidental do processo de registro.

Novamente, a Justiça Eleitoral reconheceu seu poder de analisar em

relativa profundidade a decisão q ue declarou a doação como ilícita para

afastar a inelegibilidade daquelas que não afetem a normalidade do pleito.

É visível, portanto, em todas essas hipóteses, um processo de evolução

hermenêutica para aumentar o espaço próprio de sindicabilidade da Justiça

Eleitoral. É plenamente possível essa evolução t ambém em relação à alínea

‘e’ aqui em discussão. É o que está a se defender no ponto.

É somente mediante os processos de registro de candidatura (art. 3º e

seguintes da LC n.º 64/90) e do Recurso Contra a Expedição de Diploma (art.

262, CE) que a elegibilidade pode ser analisada. Em ambos os procedimentos,

os prazos são céleres e os procedimentos são sumários. Não há espaço para

uma cognição ple na e exauriente desta Justiça para a aferição das

inelegibilidades prevista s na LC n.º 64/90 quando reflexas a decisões de outros

órgãos ou entidades: a cognição aqui é apenas incidental .

Ainda assim, dentro dessa cognição incidental, é reconhecido espaço de

relativa sindicabilidade . Não se pretende aqui negar vigência à Súmula n .º 41

126No mesmo sentido: “(...) 1. As condenações por doação acima do limite legal atraem a inelegibilidade da alínea
p do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90 quando o montante excedido possa, ao menos em tese, vulnerar os bens
jurídicos tutelados pelo art. 14, §9º, da Constituição Federal. Precedentes. (...)”. (TSE, Recurso Especial
Eleitoral nº 46557, Relatora Min. Rosa Maria Pires Weber, DJE Data 17/03/2017).

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141
deste TSE ou mesmo às regras de competência absoluta previstas na CF.

Todavia, o respeito à autoridade da justiça comum e dos demais órgãos aos

quais caiba os j ulgamentos que, reflexamente, implicarão na inelegibilidade

dos candidatos, a Justiça não só pode, mas deve se atribuir certa

sindicabilidade par a proteger a capacidade eleitoral passiva de qualquer

cidadão.

Essa ampliação do espaço de sindicabilidade já se manifestou na

apreciação incidental das inelegibilidades pela J ustiça Eleitoral: na anál ise dos

elementos subjetivos (dolo) e objetivos (enquadramento típico) das condutas

apuradas em condenações por improbidade administrativa; n o afastamento do

elemento subjetivo doloso na rejeição das contas por gestor es públicos; na

incompetência dos órgão s para o j ulgamento das contas; na consideração da

autotutela administrativa na anulação de atos demissionais para afastar a

inelegibilidade; na profundidade e lesividade das doações declaradas ilícitas

para fins de cognição da inelegibilidade.

É dizer: não há impedimento algum para que as matérias suscitadas

acima, que evi denci am a ilegalidade e o arbítrio da condenação de L U L A ,

sejam por esta Cort e conhecidas de maneira inci dental, a fim de resguardar

seus direitos políticos .

Condenações criminais proferi das por juízo incompetente; em manifesta

parcialidade e perseguição judicial e dos membros do Ministério Público;

eivadas por diversas violações ao devido processo legal e à ampla defesa do

réu; em atropelo às formalidades processuais; manifestamente contr árias à

prova dos autos; e m desrespeito à tipicidade penal dos delitos em tese

reconhecidos; com evidentes vícios na individualização e na dosimetria das

penas etc. não podem ser reconhecidas como suporte fático válido para fins de

inelegibilidade, em prej uízo de um réu ( seja quem for) .

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142
Como bem reconhece Michele Pimentel DUARTE, desse dever de

proteção é que o processo não pode ser visto como “mera técnica ou ferramenta

destinada a revelar a vontade da lei, m as direito fundamental” . Assim, “a

constituciona lização da inafastabilidade da jurisdição, inclusa no rol de direitos

fundamentais, significa tutela jurisdicional adequada ao direito material ” 127. É

isso o que tem paulatinamente reconhecido o TSE.

Não foi por outra razão que o TSE, pela autorizada voz do min. Luiz

Fux, avaliando um caso de alínea “g”, consignou que o due process of law

constitucional “const itui pressuposto procedimental de validade dos títulos

normativos e administrativos (decretos legislativos e acórdão de contas,

respectivamente), sob pe na de afronta ao art. 31, §§ 1º e 2º , da CF” 128.

Outra vez o min. Luiz Fux, agora no tema relativo à alínea ‘o’ ( supra),

voltou a defender que “o Tribunal Superior Eleitoral desempenha, por

determinação magna, a prerrogativa precípua de instânci a protetora d os

direitos políticos fundamentais e do regi me democrático , razão pela qual se deve

repudiar, no afã de tut elar valores tão caros à ordem constitucional pátria, a adoção

de filigranas estéreis, elevando -as a um patamar de importância maior que o próprio

direito material”.

Não se sustenta aqui tese irrazoável. O caso do ex-Presidente L U L A é

excepcional. É evidente a ausência de pressupostos de validade para a projeção

dos efeitos eleitorais de sua condenação. Está claro no parecer dos

criminalistas.

Para Néviton GUEDES, “a capacidade de votar e a de ser candidato

correspondem a direi tos fundamentais dos mais prestigiados em todo mundo

DUARTE, Michelle Pimentel. O processo jurisdicional eleitoral e seus fundamentos: direitos políticos,
127

inelegibilidades e o devido processo legal. In: Direito Processual Eleitoral. FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz
Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo Peccinin (Org.).
Belo Horizonte: Fórum, 2018 (Tratado de Direito Eleitoral, v.6), p. 95-124.
128 Precedente: REspe nº 39-14/AM, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 27.6.2017.

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143
civilizado e democrático” 129. O princípio democrático e a soberania popular (art.

1º, parágrafo único, CF) projetam -se sobre todo o ordenamento jurídico

processual pátrio, com especial relevância sobre o Direito Eleitoral. Como

ensina Clèmerson Merlin CLÈVE, “representação, democracia indireta, povo,

cidadania” são f undamentos da legitimação do poder e, por sua vez, o Direito

Eleitoral “não é outra coisa senão a regulação do método ou procedimento

democrático de legiti mação do poder político” . E arremata: “falhando o direito

eleitoral, falha o procedimento legitimador, esmorecem os canais de comunicação

entre a ação do Estado e a vo ntade popular, aparecem as ‘crises políticas’” 130.

Nesse caso, a análise em profundidade da validade da condenação de

L U L A para que se evidencie a impossibilidade de projeção de seus efeitos

eleitorais sobre sua elegibilidade é, não somente possível, como

indispensável.

Em conjunto com as garantias da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º,

XXXV, CF), além do próprio princípio democrático e da soberania popular (art.

1º, CF), é dever da jurisdição eleitoral garantir efetiva proteção aos direitos

políticos fundamentais quando diante de ilegalidades evidentes.

A condenação de Lula é flagrantemente ilegal. Os pressupostos de

validade para fins da inelegibilidade do art. 1º, I, ‘e’, da LC n.º 64/90 não

existem.

129“Em resumo qualquer restrição ao sufrágio, seja no que diga respeito à capacidade política ativa, seja no que
respeite à capacidade política passiva, deve submeter-se ao que a teoria constitucional, contemporaneamente,
designa como “limites dos limites”, entre os quais sobressaem o princípio da proporcionalidade e a garantia do
conteúdo essencial do direito fundamental. No caso do sufrágio, tenho séria e honesta dúvida se a
legislação do chamado “ficha-limpismo” no Brasil alcançou respeitar esses limites”. GUEDES,
Néviton Oliveira Batista. A democracia e a restrição aos direitos políticos. In: Direito Constitucional
Eleitoral. FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.);
PECCININ, Luiz Eduardo Peccinin (Org.). Belo Horizonte: Fórum, 2018 (Tratado de Direito Eleitoral,
v.1), p. 111-120.
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Temas de direito constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 210-
130

211.

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144
O ex-Presidente teve sua condenação de primeiro gr au confirmada pelo

Tribunal Regional Federal da 4ª Região na Apelação Criminal n.º 5046512 -

94.2016.4.04.7000/PR. Como já mencionado, há Recurso Especial admitido – até

hoje inexplicavelmente não enviado ao STJ. Admitido que está, o RESP passa

a ter devolutividade ampla (RESP 1484415/DF, Rel. Min. Rogerio Schietti,

lendo as súmulas 292 e 528 do STF).

Há inúmeros vícios flagrantes na decisão, apontados por dezenas de

juristas sem nenhuma ligação com a causa. A primeira nulidade diz com a

competência de quem condenou e confirmou uma condenação pelos crimes de

corrupção (art. 317, CP) e lavagem de dinheiro (art. 1º, Lei 9.613/98).

No TRF4, em excepcional convergência dos três julgadores (reputada

esquisita por quem acompanha o tema), a pena foi aumentada para d e nove

anos e seis meses para doze anos e um mês. Há q uem diga q ue este “e um mês”

não está ali apenas por mero capricho da dosimetria, mas para subir um

patamar na contagem da regra de prescrição. Trata -se, no e ntanto, de mera

especulação.

De qualquer for ma, o q ue se quer reforçar aqui é que há enorme

plausibilidade de reforma da decisão pelo STJ (pelo menos). Não fossem as

dezenas de trabalhos acadêmicos publicados sobre o tema – já aqui referidos –

a defesa faz referência ao exaustivo par ecer dos dois em inentes professores

ALAMIRO VELLUDO SALVADOR NETTO e JULIANO BREDA.

Há inúmeras teses que apontam para a plausibilidade. Aqui, no espaço

limitado e excepcional da sindicabilidade autorizada à justiça eleitoral, devem

merecer análise apenas as teses destaca das no parecer os criminalistas. Todas

as demais merecerão tratamento próprio nos tribunais superiores, ao momento

do julgamento:

a) Atipicidade da conduta: L U L A foi condenado por “sua capacidade de

influência” e “sem que se mostre necessário sua conduta ativ a nos contratos” ,

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145
sem qualquer ato de ofício determinado que implique na tipicidade do

crime de corrupção passiva.

b) Atipicidade do crime de lavagem de dinheiro: o acórdão contrariou o

art. 1º da Lei n.º 9.613/98 porque considerou prescindível perquirir a

origem dos recursos que Léo Pinheiro teria empregado no triplex,

supostamente em benefício do recorrente, ou seja, se a quantia de fato

tinha origem criminosa. Ainda porque reputou crime consumado, ainda

que reconheça que nunca existiu posse ou propriedade d o imóvel.

c) Ilegalidade na dosi metria da pena e na aplicação da mult a: houve

majoração da pena em afronta ao art. 59, 60 e 317, §1º , do Código Penal

e, consequência disso, flagrante prescrição da pretensão punitiva

(flagrada especialmente pelo equívoco de in dicação do momento

consumativo).

Quem pensa assim, como também já mencionado, não é apenas a defesa

do ex-Presidente ou os ilustres signatários do parecer agora acostado (entre

outros pareceres já postos no processo criminal). Importante citar aqui alguns

exaustivos trabalhos apontando vários pe cados graves do título condenatório:

• Prof. Dr. J U A R E Z C I R I N O D O S S A N T O S (professor aposentado de

Direito Penal da UFPR) 131;

• Prof. PEDRO STEVAM SERRANO (Professor de Direito

Constitucional da P UC -SP);

• Prof. Dr. A F R Â N I O S I L V A J A R D I M ( professor de Direito Penal da

UFRJ) 132;

131 A condenação de Lula: um erro judiciário histórico. Disponível em:


http://justificando.cartacapital.com.br/2018/01/23/condenacao-de-lula-um-erro-judiciario-historico/
132Jurista afirma que a condenação de Lula por Moro fere todos os princípios do direito. Disponível
em: http://cartacampinas.com.br/2017/07/jurista-afirma-que-condenacao-de-lula-por-moro-fere-todos-
os-principios-do-direito/

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146
• Prof. Dr. M A U R I C I O D I E T E R (Professor de Direito Penal da USP) 133;

• Prof. Dr. C E L S O A N T Ô N I O B A N D E I R A D E M E L L O (professor de

Direito Administrativo da PUC -SP) 134 ;

• Prof. Dr. C L A U D I O L E M B O (professor de Direito C onstitucional da

Mackenzie) 135;

• Prof. Dr. B R U N O G A L I N D O ( professor associado da UFPE) 136;

• W I L L I A M B O U R D O N , da França, B A L T A S A R G A R Z Ó N , da Espan ha,

L U I G I F E R R A J O L I , da Itália, e E M Í L I O G A R C Í A M E N D E Z , presidente

da Fundação Sul Argentina.

Aqui não se discute o processo do Comitê de Direitos Humanos da ONU,

orientado por outras razões. A repercussão da decisão do Comitê está noutra

parte da defesa.

O importante é: o acatamento qualquer das teses aq ui indicadas importa

no reconhecimento da necessidade de reforma ( ainda que par cial) do acórdão

condenatório e, consequência da decisão, na eliminação do suporte da

inelegibilidade arguida pelos impugnantes.

A partir desta introdução, no ambiente do julgamento do processo de

registro, são dois os possíveis (porque defens áveis) desdobramentos: (i) sua

suspensão em razão da prejudicialidade dos pedidos de suspensão da

inelegibilidade já deduzidos e ainda não analisadas pelo STJ e STF ou (ii) o

133 Maurício Dieter analisa a condenação de Lula por Sérgio Moro. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=hY6Lxfw9JeA
134Juristas gravam vídeo repudiando processo do tríplex que condenou Lula. Disponível em:
https://www.revistaforum.com.br/juristas-gravam-video-repudiando-processo-do-triplex-que-
condenou-lula/
135Ex-governador de SP Cláudio Lembro classifica prisão de Lula como ‘equivocada’. Disponível em:
https://istoe.com.br/ex-governador-de-sp-claudio-lembo-classifica-prisao-de-lula-como-equivocada/
136 Comunidade jurídica critica condenação de Lula por Sérgio Moro. Disponível em:
http://justificando.cartacapital.com.br/2017/07/12/comunidade-juridica-critica-condenacao-de-lula-
por-sergio-moro/

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147
reconhecimento, desde já, pelo plenário desta Corte, da ilegalidade -nulidade

(plausibilidade da ilegalidade -nulidade) do título e, consequentemente,

impossibilidade de reconhecimento da inelegibilidade reflexa que subsidia

múltiplas impugnações.

A condenação de L U L A está longe de ser ‘chapada’ ou incontroversa. As

ilegalidades (formais e materiais) são escandalosas, pendentes (por

morosidade processual) de julgamento pelas instâncias superiores. Podem ser

revistas a qualquer momento pelo Supremo Tribunal.

Assim, afastadas os f undamentos anteriores, subsidiariamente, requer -

se a análise dos argumentos de ilegalidade apontados acima e com base nas

peças e nos documentos trazidos em anexo à presente defesa, a fim de

reconhecer a inexistência da inelegibilidade do art. 1º, I, ‘e’, da LC n.º 64/90

decorrente da condenação na A pelação Crimina l n.º 5046512-

94.2016.4.04.7000/PR , e, por consequência, o deferimento do registro pleiteado.

9.2 Prejudicialidade excepcionalíssima. Ausência de oportunidade para a

apreciação dos pedi dos de suspensão de inelegibilidade deduzi das no

RESP e RE. Suspensão

Como já está amplamente demonstrado, a aleatória (ou não) distribuição

no tempo das decisões que dizem respeito com a inelegibilidade do ex-

Presidente Lula teve alguns capri chos. O TRF4 j ulgou rapidamente o recurso e

demorou na análise da admissibilidade. Paralelamente, a decisão do Comitê

da ONU – requerida em julho e que poderia sair a qualquer momento –, saiu

dois dias depois o pedido do registro.

Quer porque, em um primeiro momento, o TRF4 não mandou a

julgamento os recursos extraordinários; quer porque , noutro momento, estava

para ser deferida (como de fato foi) a interim measure pelo Comitê da ONU, até

aqui não houve análise do art. 26 -C por STF e STF. Com a decisão do Comitê,

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148
para reiterar aqui, retirou o interesse de agir ( por ausência de utilidade) do

pedido de suspensão da inelegibilidade.

A conjugação de fatores excepcionalíssimos aponta para a n ecessidade

do reconhecimento de uma prejudicialidade também em caráter excepcional.

Uma prejudicialidade com prazo limitado , como está em importante

precedente da Justiça Eleitoral.

Se no julgamento das impugnações o TSE inadmitir a aptidão da decisão

do Comitê para afastar a inelegibilidade, indeferirá o registro sem que o ex-

Presidente tenha tido a oportunidade de buscar a suspensão da inelegibilidade

no STJ /STF, deixando de testar a plausibilidade apontada por parcela relevante

da comunidade jurídica brasileira. E o ex-Presidente será prematuramente

arrancado da disputa, com inegáveis efeitos irreversíveis.

Aqui está a racionalidade que exige um e xcepcion al reconhecimento de

prejudicialidade. É a primeira vez que o J udiciário brasileiro avalia a aptidão

que a decisão do Comitê tem para afastar uma inelegibilidade. A defesa,

amparada em múltiplos pareceres, apresenta e sustenta a tese. E é a tese que

retira interesse de agir em buscar decisão de idêntica aptidão no Judiciário.

Refutada a tese, o ex-Presidente tem o direito de, pelo menos, ver avaliada as

liminares do art. 26 - C, expressamente previstas na Lei do Ficha Limpa – antes

de sofrer os efeitos deleté rios e irreversíveis do indeferimento.

A prejudicialidade que aqui se requer, portanto, é apenas em relação aos

pedidos sumários do art. 26 -C. Até que STJ e STF se pronunciem (em juízos

sumários, para insistir). Pronunciamento que está trancado pela ausênc ia de

interesse até que o TSE, eventualmente, não reconheça que já havia uma

suspensão de inelegibilidade eficaz.

Dois fatos – o involuntário acelera-segura do TRF4 e a decisão do Comitê

– criaram um espaço de aplicação excepcional da prejudicialidade. Ina dmitida

a aptidão da decisão do Comitê, STJ e STF devem avaliar “a probabilidade de

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149
reforma do acórdão recorrido” 137 sem a irreversibilidade do in deferimento do

registro. Irreversibilidade que está na lógica f undante do art. 16 -A da Lei

9.504/97.

A propósito , não se pode deixar de reconhecer que já há uma regra de

prejudicialidade implícita na aplicação combinada dos arts. 16 -A, 11, § 10 e 26-

C, como demonstrado, por outra ótima, em tópico próprio. Embora implícita,

parece óbvia.

O art. 26-C estabelece a poss ibilidade de suspensão da inelegibilidade.

O TSE, lendo o art. 11, § 10, define que a suspensão pode se dar até a

diplomação. E o art. 16 -A, por sua vez, estabelece que o candidato fica na

disputa enquanto estiver sub j udice – o que, como regra – segue até a

diplomação. Há quem possa não concordar, mas é assim como estão as regras

de registro de candidatura no Brasil. É o que se espera que seja cumprido.

Agora, se o sub judi ce for calibrado pelo TSE, o que se requer aqui é uma

prejudicialidade em grau menor : até a apreciação dos juízos sumário do art.

26-C. No prazo máxi mo de cinco dias . É pedir menos do q ue a interpretação

literal dos três dispositivos – até aqui prevalente no TSE – entregaria ao ex-

Presidente L U L A . É pedir o mínimo.

Certo é que o pedido do art. 26-C da LC 64/90 deve ser, nos limites

indicados, uma questão prej udicial do mérito do pedido de registro. Explica

o Min. Luiz Fux: “uma relação diversa daquela que compõe a causa de pedir” que

“não obstante esteja fora da órbita da decisão da causa , precisa ser apreciada como

premissa lógica i ntegrante do itinerári o do raci ocínio do juiz, antecedente

necessário ao julgamento . Saltar sobre ela significaria deixar sem justificativa a

conclusão sobre o pedi do ”. 138

137JORGE, Flávio Cheim. LIBERATO, Ludgero. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Curso de Direito
Eleitoral. Salvador: Ed. Juspodivm, 2017. p. 507.
138 FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 434

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150
É a lógica do art. 313 do CPC: suspende -se o processo (...) IV –quando a

sentença de mérito: a) “ depender do julgamento de outra causa ou da declaração de

existência ou de inexi stência de relação jurí dica que constitua o objeto principal de

outro processo pendente ”. É precisamente o caso, em esp ecial em razão das

particularidades aqui reveladas.

Na j urisdição comum, a jurispr udência do Superior Tribunal de Justiça

entende de modo consolidado que a relação de prejudicialidade entre duas

ações se dá “quando o julgamento de uma delas tiver o condão de potencialmente

influir no conteúdo substancial do julgament o da outra” . Assim, “a relação jurídi ca

fundamental objeto da ação prejudi cial constitui pressuposto lógico do julgamento da

ação prejudi cada, circunstância que justifica a suspensão desta úl tim a”. 139

Na ideia clássica e prejudicialidade (adotada pelo STJ) , Barbosa

MOREIRA enfatizava que a distinção fundamental entre questão preliminar e

questão prejudicial r eside na natureza da influência q ue uma ou outra exerce

sobre a questão subordinada, ou s eja, “se a solução da subordinante influi no teor

da resolução da subordinada, deparamo -nos com uma questão prejudi cial ”. 140

Essencialmente, a prejudicialidade é uma relação de influência entre dois

juízos, em que o primeiro, logicamente anterior, vincula o teor do segundo.

Clarisse FRECHIANI, em monografia sobre o tema, explica que causas

prejudiciais são aq uelas dotadas de vin culação jurídica, “é o juízo que tem

aptidão a vincular um outro juízo processual em virtude da eficáci a das decisões ou

139 STJ, 3ª Turma, REsp 1230174/PR, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe 13/12/2012. No mesmo
sentido: “(...) 1.- O art. 265, § 5º, do Cód. de Proc. Civil autoriza a suspensão do processo até um ano, quando o
julgamento da causa estiver subordinado ao resultado de outro processo conexo, retomando-se, em seguida, ao
andamento regular do feito. 2.- Essa regra somente pode ser excepcionada quando o Juízo, avaliando segundo sua
livre convicção, a razão da demora do processo conexo e a situação do processo "sub judice", se convença de que
deve ele permanecer suspenso. (...)”. (STJ, 3ª Turma, REsp 1374371/RJ, Rel. Ministro Sidnei Beneti, DJe
10/03/2014).
Diferentemente da questão preliminar, na qual o juízo sobre acondicionante predetermina a existência
140

do julgamento da condicionada. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Questões prejudiciais e coisa julgada.
Rio de Janeiro: Borsoi, 1967, p. 54.

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151
da exigência de coerência interna no processo” . Decorrem tanto ( a) da “subsunção

do juízo prejudicial na hipótese fática de uma norma que preveja como consequência

o juízo prejudi cado” , quanto (b) da “autoridade do pronunciamento prejudicial

sobre o julgador que resol ve a questão prejudicada” . 141

O espaço das matérias prejudiciais é amplíssimo, para Luiz Guilherme

Marinoni: “todo fato que pode ser associ ado a um efeito jurí dico (...) é capaz

de dar ori gem a uma questão prejudicial ”. Os fatos sobre os q uais podem recair

a prejudicialidade podem ser todos aqueles eventualmente colocados em

controvérsia pela parte, não apenas os f atos constitutivos do afirmado pelo

autor, mas [também] aqueles impeditivos , modificativos e extintivos da

demanda 142.

Aqui a prejudicialidade está c om potencial influência de fato impeditivo

à causa de inelegibilidade (a suspensão da inelegibilidade na perspectiva dos

juízos sumários do art. 26 -C).

A concessão da tutela do art. 26 -C, por quaisquer dos motivos lá

arguidos, faz surgir fato extintivo – se concedido após as eleições e antes da

diplomação – ou fato impeditivo – se antes – das eleições. É fato superveniente

que afasta de forma plena a inelegibilidade, como reconhece o TSE.

Se não for reconhecida a aptidão da decisão do Comitê para afastar a

inelegibilidade, é indispensável que o processo de registro seja sobrest ado

até a apreciação dos pedidos sumários de suspensão de i nel egibilidade pelo

STJ e pelo STF. Tais pedidos, não custa repetir, já estão deduzidos desde abril.

141 LEITE, Clarisse Frechiani Lara. Prejudicialidade no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 89-92
142Neste ponto, o processualista cita como exemplo da atribuição de culpa a um réu ser prejudicial à
discussão civil dos danos emergentes de um acidente automobilístico. MARINONI, Luiz Guilherme.
Coisa julgada sobre questão, inclusive em benefício de terceiro. In: Revista de Processo. vol. 259/2016, p.
97 – 116, Set/2016.

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152
A suspensão, portan to, p or força do artigo acima mencionado, se torna

imperiosa quando a questão prejudicial é externa e a conexão das causas é

impossível 143, exatamente como ocorre no presente caso. Eventual suspensão

da inelegibilidade em momento posterior ao julgamento definitiv o do registro

trará efeitos irreversíveis.

Daí porque, em caráter subsidiário, se não for reconhecida a aptidão da

decisão do Comitê da ONU para suspender a inelegibilidade e, além disso, não

for garantido o direito de o candidato seguir em campanha enqua nto o registro

estiver sub judice (art. 16-A), requer -se o reconhecimento da prejudicialidade.

Uma prejudicialidade mitigada : apenas até que haja a análise dos juízos sumários

do art. 26-C.

O presente pedido está em consonância com a garantia constituciona l da

inafastabilidade da jurisdição e da proteção judicial efetiva quando há

projeção em relação ao processo eleitoral ( latu sensu; STF, RE n° 633.703).

Como está para o TSE, “ negar o fato superveniente que afasta a

inelegibilidade constitui grave violação à soberania popular ” (TSE, EDs em

RO nº 29462) . O Ex-Presidente Lula quer apenas o direito de buscar a

suspensão da inelegibilidade (e a decisão do Comitê da ONU não for

reconhecida como apta, é claro).

Há um precedente do TRE -SC que merece ser citado:

“ Impe t ra çã o de ha be a s co rpu s n o Supe ri or T ribun a l de J usti ça

vi sa n do à a nula çã o d e tod o o p r oce ss o c ri mina l c onde na t ó ri o

po r n ul i da de a bs olu ta (inc om pe tê ncia a bsol uta d o Ju íz o

cri mi na l ) . ( . ..). Q ue stã o da ine le gibilida de a inda nã o de fin ida

no Juí z o pr óp ri o, ma s na iminê nc ia de sê - l o. I nc on ve niê n cia

da ca ssa çã o i me dia t a . Q ue st ão de o rde m aco l hi da p ar a

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito processual civil. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: RT,
143

2003. 2 v. p. 479.

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153
dete rmi n ar a s us pe n s ã o do pro ce s so at é o j ul g a me nto do h a be a s

co rpu s pe nd e nte o u a c a ss a ç ão d a l i mi n a r, po r, no m á xi mo ,

q u are nt a e ci nco di as” . (TR E/ S C n. º 8 1 , R el . O sni C a rdo so Fi l ho ,

Rel . d es . M árci o L ui z Fo g a ç a Vi c ari , DJE S C D at a 1 2 / 1 2 / 2 0 0 5 )

O TRE de Santa Catarina deu 45 dias para resolver a prejudi cial . O ex-

Presidente L U L A aqui requer apenas 05 dias para ver apreciadas as liminares

do art. 26-C, até aq ui não apresentadas pelo atraso do TRF4 e, depois, pela

superveniência da decisão do Comitê da ONU. Não é pedir muito, pois a

prejudicial só se justifica se não for respeitada a interpretação literal do art.

26-C que até aqui se mpre prevaleceu no TSE.

Assim, nos termos do art. 313 do CPC, concreta a possibilidade de

concessão de medida suspensiva ou reformatória da condenação criminal e de

superveniente ineficácia ou extinção do suporte fático ao reconhecimento da

inelegibilidade, é de se sobrestar a tramitação d este registro por 05 dias, até a

apreciação dos pedidos sumários de suspensão da inelegibilidade pelo STJ e

pelo STF.

10. I M P R O C E D Ê NC I A DOS P ED I D OS DE IMPUGNAÇÃO O R I EN T A D O S POR

OU T R A S C A U S A S D E P E D I R

Quase todas as impugnações/notícias oferecidas indicam como causa de

pedir a inelegibilidade do artigo 1º, I, “e”, 1 e 6 da Lei Complementar nº 64/90.

Algumas, porém, trazem matérias distintas que devem, ainda q ue

sucintamente, ser aqui enfrentadas:

(i) art. 14, §3º, II, CF (suspensão dos direitos políticos);

(ii) art. 1º, I, “l”, LC 64/90 (improbidade administrativa);

(iii) art. 1º, I, “i”, LC 64/90 (sem correlação com a fundamentação da

peça);

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154
(iv) art. 8º, Lei nº 9.504/97 (ausência do I M P U G N A D O na convenção

partidária que deliberou pela sua escolh a); e

(v) art. 11, §1º, VIII, Lei nº 9.504/97 (ausência de juntada de certidão

do Tribunal Regional Federal da 4ª Região).

10.1 Impugnação do Partido Novo

a. Do esboço fático t raçado na impugnação

Num primeiro momento, cumpre esclarecer que a tese levantada na

impugnação do Partido No vo assenta-se em descrição equivocada dos fatos

que sucederam a condenação do impugnado na ação penal.

Para sustentar a tese de inexistência da verossimilhança necessária à

incidência do art. 16 -A da Lei nº 9.504/97 144, aduz o requerente (i) que este

manife stante não teria formulado no bojo de nenhum dos recursos interpostos

contra a decisão condenatória do TRF4 na Apelação Criminal nº 5046512 -

94.2016.4.04.7000 (constituinte da inelegibilidade) o pedido de suspensão da

inelegibilidade dela decorrente com bas e no art. 26 -C da Lei Complementar nº

64/90; e (ii) que os pedidos formulados n as ações cautelares ajuizadas para a

concessão de efeito suspensivo aos recursos especial e extraordinário

interpostos (junto ao STJ e STF, respectivamente), abrangeriam o pedid o

específico de suspensão da inelegibilidade fundada no art. 26 - C, e que, diante

do juízo de improcedência (STJ) e da desistência (STF) das ações, não caberia

nova tentativa de for mulação.

As premissas, todavia, não condizem com a realidade dos fatos.

144 Posto que o perigo da demora, no caso, pelas próprias palavras do impugnante, seria presumível:
“(...) não se desconsidera que o art. 16-A da Lei Eleitoral presume o perigo da demora, tendo em vista que a ausência
de campanha e do nome do candidato na urna eletrônica criam situação irreversível” (fl. 22).

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155
Em primeiro lugar e antes de tudo, o ex-P residente L U L A não precisa de

nenhuma decisão de suspensão de inelegibilidade. A suspensão de

inelegibilidade já está dada pela decisão do Comitê da ONU, como

exaustivamente demonstrado na defesa.

Não h ouvesse a de cisão do Comitê da ONU, como também já está

devidamente esclarecido, até aqui o STJ e o STF não analisaram os pedidos de

liminares do art. 26 - C deduzidos pela defesa. O q ue foi indeferida no STJ foi

uma cautelar que não analisou a plausibilidade de todas as tes es de defesa.

Simplesmente não era o escopo daquela cautelar. A desistência no STF já foi

também explicada.

A plausibilidade da pretensão recursal necessária à suspensão da

inelegibilidade (art. 26 -C) revela-se como requisito menos contundente. O

Professor Titular de Direito Penal da Universidade de São Paulo Alamiro

Velludo Salvador Netto e o Dr. Juliano Br eda, em parecer elaborado a pedido

dos patronos deste manifestante, elucidaram, didaticamente, a distinção entre

os requisitos necessários à concessão das medidas.

No caso vertente, o pedido de reconhecimento da suspensão da

inelegibilidade pelo 26 -C foi expressamente formul ado por este

manifestante em ambos os recursos interpostos contra a decisão condenatória

do órgão colegiado .

O recurso especial in te rposto f oi admitido pela presidência do E. TRF4.

Todavia, não foi sequer remetido ao STJ até o presente momento, diante do

(tantas vezes mencionado) movimento processual in voluntariamente

assimétrico do TRF (acelera para condenar; freia para liberar os rec ursos).

Contra a decisão do Tribunal Regional q ue negou admissibilidade ao recurso

extraordinário foi in terposto agravo, também pendente de remessa ao C. STF.

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156
Nenhum dos pedi dos de suspensão da inelegibilidade decorrente da

condenação, assim, nestes proces sos, foi apreciado 145.

Há que se registrar ainda que, como bem demonstraram os pareceristas,

entre todas as teses levantadas nos recursos interpostos pe rante às Cortes

Superiores, ao menos três se revelam propensas, ainda que analisadas

autonomamente, par a d enotar a existência da plausibilidade da pretensão

recursal que autoriza a suspensão pelo art. 26 -C, prescindindo q ualquer

incursão em elementos fático -probatórios.

As teses plausíveis já foram mencionadas, mas merecem ser reiteradas

neste tópico.

Em prime iro lugar, o parecer mencionado revela que a análise , tanto da

sentença condenatória de primeiro grau quanto do acórdão confirmatório da

condenação, permite concluir que houve uma sublimação da “necessidade de

determinação do ato de ofício em tese negociad o” para fins de configuração

do delito de corrupção , posicionamento que não se amolda à realidade fática

brasileira (poderia, quando muito, a conduta, tipificar -se à luz de

ordenamentos estrangeiros). Elucidam os professores que “ no caso, o decreto

condenatório reconheceu expressamente que bastaria ‘para a configuração que os

pagamentos sejam realizados em razão do cargo ainda que em troca de atos de ofício

indeterminados, a serem praticados assim que as oportunidades apareçam ’”.

No âmbito do TRF4, o relato r da matéria, da mesma forma reiterou a tese

dos atos de ofício indeterminados, acrescentando, em relação ao crime de

corrupção passiva q ue “ trata-se de crime f ormal que se concretiza com a solicitação

ou o recebimento da benesse, de modo que a práti ca efe tiva de ato de ofício não

145O Juízo negativo de admissibilidade, sob nenhuma hipótese, poderia ser tomado como um
indeferimento do pedido de suspensão efetuado, somente passível de apreciação pela Corte a que
incumbe o julgamento do recurso (no caso, o próprio STF).

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157
consubstancia element ar do tipo penal, mas somente causa de aumento de pena (§ 1º

do art. 317, CP). ”

A leitura de ambos os dispositivos demonstra de maneira categórica que

a condenação, no caso, prescindiu da af erição da existênci a de ato de ofício

determinado, exigível, pela ótica do or denamento brasileiro, para fins de

configuração do delito em comento. Acerca da matéria, assim dispuseram os

pareceristas mencionados:

“ É in eg áv e l q u e a co n s u m ação d o tip o p e nal d e c or r up ção p as s iv a não

d em a nd a a p rát ica co nc r eta d o ato d e of íci o. S e a s sim , fo s s e, al iá s, a

cau sa d e aum e nto p r ev i sta no § 1 º d o a rt ig o 3 1 7 s e co nv er te r ia nu m

et er no bi s i n id em . Po r é m , is so na d a te m a v e r co m a ex ig ên cia ,

ess a si m i n ex o r áv el, da i de n tific aç ã o d o at o de of íci o q u e

ens ej o u e m o ti vo u a s o fer t as, s olici t aç ões e a cei tes. O a to po de

nã o se r eal i z a r, m as é sem p re a r az ão ex i st en cial d a co r r up çã o .

N os t e rm os ex p o sto s p el as d ec i sõ es j ud i cia i s, nã o r e sto u ev id e nc iad o

o t eo r d o “ ac e rto” e n tr e as p a rt e s, q ua l e r a o se u o bj et o. A

id e nt ifi caç ão d o at o d e ofíc io, ef et iv ad o ou ap en a s p ro m et id o, é a

ún ica fo rm a p o r m e io d a qu al s e p od e af ir m ar a ex i st ê nci a d e

cor r up çã o. Sem e la, nã o h á tip i cid ad e co rr up ta n a fo rm a d a l eg is laç ão

b ra si l ei ra” .

O tópico foi especificamente abor dado no recurso especial interposto

por L U L A , ocasião em que se questionou, como mencionado pelos pareceristas,

a “equivocada interpretação ampliativa em face do princípio da legalidade e dos arts.

317 e 333 do Código Penal ”. Vislumbrar -se-ia, assim, só po r esta razão, a

plausibilidade da pretensão recursal defensiva.

Além disso, nos recursos apresentados, há questionamento a respeito da

ocorrência da prescrição da pretensão pun itiva das duas imputações, alegações

que, de per se, também se mostram aptas a c onfigurar a plausibilidade da

pretensão recursal necessária à concessão da suspensão pelo art. 26 -C.

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158
O parecer demonstra de maneira clara como o TRF4 teria atribuído aos

crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, formais, natureza de

crimes permanentes, para fins de afastar a prescrição da pretensão punitiva.

Isso porque, tomando -se por base as datas dos fatos que con substanciam os

núcleos dos tipos, e m ambos os casos seria necessário reconhecer a prescrição.

A questão da prescrição da pretensão pu nitiva do crime de corrupção

passiva, assim, também levant ada no recurso especial, por si só, denota a

existência da plausi bilidade da pretensão recursal necessári a à concessão da

suspensão pelo art. 26 -C, e da própria probabilidade de provi mento do apelo.

Por fim, igualmente plausível, para fins de concessão da suspensão, da

tese, expressamente levantada no recurso especial, referente à prescrição da

pretensão punitiva do crime de lavagem de dinheiro - tomado como crime

instantâneo de efeitos permanentes -, cuja pena final foi fixada em 3 (três) anos

e 9 (nove) meses de reclusão. Do parecer mencionado, tem -se que:

“ O si m pl es f a t o de o au t o r seg ui r s e a p r ov e it an d o d a l a vag em

pe rp e tr a da , n ão é s ufici en te pa r a de n o t ar a pe r m an ên cia

del i ti va , p os t o q u e n ã o s ão p ra ti ca d os, di ar i am en t e, n o vo s a t os

de oc ul ta çã o e d issi m ula çã o .

“ ( ...) a su p os ta dissi m ula çã o d a p r op rie d ad e do b e m e m q ues t ã o

te ri a oc or ri d o e m o u tu b r o de 2 0 0 9 , de ac o rd o co m as afi r m aç ões

aci m a ” ( g ri fo s n o ss os ).

No caso, mostram os pareceristas que,

“ a d en ú nci a fo i r ec eb id a em 2 0 / 0 9 / 2 0 1 6 ,” m as o “ fat o t id o com o

d el it uo so o co rr e u a nt e s d a alt e raç ão d ad a p el a L e i 1 2 .2 3 4 / 2 0 1 0 ao a rt.

110 do C ód ig o P en al. D e st art e, op er o u- se a p re sc riç ã o da

pr e te ns ão p u ni tiv a p e la de co r rê nci a de i nt e rv al o su pe ri o r a 4

( q u at r o) a no s en t re a da t a d o f a t o i m pu t ad o e o r ece b im en t o d a

de nú nci a .”

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159
Também no tocante a este ponto, não só é patente a existência da

plausibilidade da pr etensão, como da própria probabilidade de provimento

do recurso especial.

Feitas tais considerações ac erca dos fatos q ue se sucederam à

condenação do TRF4 e da natureza dos pedidos efetuados em cada um dos

recursos interpostos, bem como acerca da plausibilidade da pretensão dos

pedidos formulados, cai por terra a tese do impugnante, fundada na

inexistência de “perspectiva” de reversão ou de suspensão dos efeitos da

decisão constituinte da inelegibilidade.

Isso porque:

a) a natureza do pedido formulado com base no art. 26 -C da LC 64/90

não se confunde com a natureza do pedido genérico de suspensão dos efei tos

da condenação passível de formulação por meio de ação cautelar, fundada nos

arts. 995, parágrafo único e 1.029, §5º do CPC;

b) os pressupostos para verificação da plausibilidade da pretensão

recursal (requisito da suspensão da inelegibilidade autoriza da pelo 26-C) têm

natureza distinta daqueles necessários à aferição da probabilidade de êxito

(requisito do deferimento de cautelar lato sensu): enquanto aqueles atrelam -se

diretamente à plausibilidade da argumentação (lógico -jurídica), estes

demandam uma análise, ainda que perfunctória, do contexto fático envolvido

(a verossimilhança); e

c) a apreciação de cada um dos pedidos formulados é autônoma, de

forma que a negativa da cautelar não implica na negativa da tutela do 26 -C.

No caso vertente, nenhum dos pedidos de suspensão da i nelegibilidade

pelo art . 26- C, liminares, apresentados no RESP e no RE (rei terado no ARE

interposto contra a decisão que negou admissibilidade no TRF4) , foi

apreciado, em que pese a irrefutável existência da pl ausibilidade da

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160
pretensão necessári a à concessão da suspensão. Os recursos, aliás, sequer

foram remetidos aos órgãos superi ores.

O fato, além de causar certa estranheza, refuta, de pronto, a principal

afirmação da impugn ação apresentada pelo N O V O : os pedidos de suspensão da

inelegibilidade apresentados com base no art. 26 -C não f oram negados, mas

sequer apreciados , porquanto não se confundem com os pedidos formulados

no âmbito das cautelares. A demora na remessa, aliás, demonstra,

irrefutavelmente, que a celeridade que tem se da do ao caso pelo TRF4 em

muito discrepa daq uela vista antes do j ulgamento à tramitação do processo.

Apresentados tais esclarecimentos, de natureza processual e fática,

passa-se à refutação teórica das teses encampadas na impugnação.

b. Da impropri edade da tese formulada na impugnação

Em que pese o esforço do impugnante par a tentar sustentar a existência

de uma excepcionalidade no contexto de candidatura à Presidência da

República - supostamente não equiparável ao contexto de disputa dos demais

cargos eletiv os do Executivo -, q ue justif icaria a atribuição de tratamento sui

generis aos postulantes de registro à Presidência, a fundamentação não guarda

sustentação constitucional.

Uma interpretação “sistemática” da Constituição, como pretende o

impugnante, deve se pautar pela vontade da Constituição. Para levar a efeito

tal desiderato, é necessário considerar os elementos clássicos de interpretação

– gramatical, histórico, sistemático e teleológico – de maneira conjunta. Assim,

a combinação adequada é fruto da co mbinação e do controle recíproco entre

eles 146. Como afirmou o min. Luís Roberto Barroso, “ deve-se levar em conta,

Sobre os elementos clássicos de interpretação e sua aplicação ao texto constitucional, v. Luís Roberto
146

Barroso, Curso de direito constitucional contemporâneo, 2009, p. 290 e ss.

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161
portanto, o texto da norma (interpretação gramatical ou semântica), aspectos do seu

processo de criação (i nterpretação histórica), sua conexão com outras normas do

sistema jurídico (interpretação sistemática) e sua finalidade (interpretação

teleológica)” 147.

A fundamentação do impugnante baseia -se na tentativa de promover

uma n ova interpretação do art. 77, §4º, da CF. Segun do afirma, o dispositivo

denotaria o escopo do legislador constituinte de extirpar do ordenamento

qualquer ameaça de instabilidade institucional decorrente da realização de

eleições com uma candidatura sub judice à Presidência. Nos te rmos do próprio

impugnante, “uma leitura atent a da Consti tuição revela que o incômodo instalado

pela instabilidade de uma candidatura sub judice , em especial no caso do Presidente

da República, não é apenas moral, mas sobretudo, tem foro constitucional ”.

Num primeiro momento, mister que se reconheça, aqui, que “ a

interpretação da Constituição, a despeito do caráter político do ob jeto e dos agentes

que a levam a efeito, é uma tarefa jurídica, e não política” 148. Assim, as decisões do

Poder judiciário devem agir somente dentro dos “ limites e possibilidade s abertas

pelo ordenamento” . Veja-se, aliás, que o posicionamento é encampado pelo

próprio professor Lênio STRECK no artigo mencionado na inicial da

impugnação. O autor, ao tratar da “integridade” das decisões, esclarece:

“ deci sã o í nt e g ra e c oe re nte q ue r diz e r r es pei to a o di rei t o fu n da m e nt al

do ci d a dã o f re n te ao po de r púb lic o d e n ão se r s ur p re en di do pel o

en te nd i m en t o p ess o al do j ulg a d o r (...) um d ir eit o f und am ent al a um a

r esp ost a ad e q uad a à Co ns tit ui ção, qu e é qu e, a o f im e ao ca b o, s us te n ta a

int eg rid ad e . N a f el iz co ns tr uç ão p r in cip iol óg ic a d e Gu ilh e rm e V al le B ru m ,

sem p re q ue u m a d e te rm ina d a deci sã o f o r p r ofe ri da em se n tid o f a vo r á vel

BARROSO, L. R.. Federalismo, isonomia e segurança jurídica: inconstitucionalidade das alterações


147

nas distribuições de royalties do petróleo. RDE. Revista de Direito do Estado, v. 24, 2012, p.12.
148BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.112.

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162
ou c on t r ári o a d et er m ina d o i n diví d u o, el a d eve r á nec ess a ri am en t e se r

pr of eri d a d a me sm a ma ne ir a pa r a os ou t r os i ndi ví d uo s que se

enc o nt r a re m na m es ma sit u aç ão ” 149.

O impugnante traz a questão da necessidade de utilização da técnica de

distinguishing, introduzida pelo Código de Processo Civil de 2015, no inciso VI,

§1º, do artigo 489 e no §2º do artigo 926. Embora tenha apontado a questão,

deixa de observar dois aspectos f undamentais autorizadores da utilização da

técnica: (i) demonstração de existência de distinção entre os casos; (ii)

estabilidade, integridade e coerência nas decisões.

No caso da Registro de Candidatura de P re sidente da República (RCP R)

nº 137 – aqui já citado –, houve decisão do Ministro Cezar Peluso, em 24 de

agosto de 2006, para que, nos termos do artigo 12 da Resolução nº 22.158/2006,

a então candidata i mpugnada, que estava sub j udice, pudesse realizar todo s

os atos da sua campanha eleitoral, inclusive as propagandas no horário

eleitoral gratuito . A ssim, no caso da possibilidade de realização de campanha

eleitoral de candidato que estiver sub judice, é plenamente utilizável o

precedente da RCPR137.

Não apenas valeu-se de forma equivocada do instituto do distinguishing,

mas o partido impugnante ainda tenta fazer valer um instituto do direito

inglês denominado Golden Rule - regra de ouro em tradução literal -, que

autorizaria q ue o j uiz empregue um significado que não seja o comum às

palavras usadas pelo legislador.

Tal técnica, contudo, somente pode acontecer quando a atribuição dos

significados comuns “ gere uma inconsistência semântica, ou um absurdo ou

inconveniência tão grande que convença o j uiz que a i nten ção não era usá -las em sua

<https://www.conjur.com.br/2016-abr-23/observatorio-constitucional-jurisdicao-fundamentacao-dever-
149

coerencia-integridade-cpc>

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163
significação comum, de forma a autorizar o juiz a utilizar outra acepção dos

vocábulos” 150, característica não encontrada no caso em tela.

No presente caso, uma correta interpretação da Constituição impõe que

os dispositivos mencio nados sejam interpretados à luz de vetores

constitucionais f undamentais. Uma análise assim pautada conduz à

inarredável conclusão de que o art. 77, §4º da Constituição não alcança todas

as fases do processo eleitoral como sugere o impugnante.

A interpretaç ão que pretende o impugnante não só ignora a natureza d e

concisão própria dos textos constitucionais, como viola os postulados da

Simetria e da Federaç ão, princípios nucleares da organ ização política

brasileira, rechaçando, ainda, a própria n atureza integr ativa do ordenamento

jurídico.

A forma federativa de Estado, caracterizadora da fisionomia

institucional do modelo consagrado pela Carta da República, apresenta -se

como um dos núcleos imutáveis do nosso sistema constitucional (CF, art. 60,

§4º, I). Ao se institucionalizar o modelo federal de Estado, reconheceu -se o

sistema de federalismo de equilíbrio 151, cujas bases se assentam na necessária

igualdade político -j urídica entre os entes federados. Isto é, do princípio

federativo se extrai o princípio da iguald ade constitucional das unidades

federadas 152.

150 Gary Slapper e David Kelly, O sistema jurídico inglês, p. 78.


151 O STF, ao julgar a ADI 939, assentou a importância do papel do equilíbrio federativo no modelo
federativo brasileiro: “A Constituição do Brasil, ao institucionalizar o modelo federal de Estado, perfilhou, a
partir das múltiplas tendências já positivadas na experiência constitucional comparada, o sistema do federalismo
de equilíbrio, cujas bases repousam na necessária igualdade política-jurídica entre as unidades que compõem o
Estado Federal”.
152“A Constituição Federal de 1988 promoveu a reconstrução do federalismo brasileiro, estabelecendo
a relação entre a Federação e os princípios e regras que individualizam essa forma de Estado no conjunto
das formas políticas. (...) O federalismo constitucional de 1988 exprime uma tendência de equilíbrio na
atribuição de poderes e competências à União e aos Estados. Afastou-se das soluções centralizadoras de
1967 e retomou, com mais vigor, soluções que despontaram na Constituição de 1946, para oferecer
mecanismos compensatórios, em condições de assegurar o convívio entre os poderes nacionais-federais

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164
Desse vínculo isonômico, q ue iguala as pessoas estatais dotadas de

capacidade política, deriva, como uma de suas consequências mais

expressivas, que os Entes federados são iguais do ponto de vista de sua

organização constitucional e legal, sem q ue poder ou privilégio especial sejam

conferidos a qualquer deles.

Reputar maior importância ao cargo de Presidente da República implica

não reconhecer a isonomia político -jurídica entre os entes federados, fator

indispensável à preservação institucional das próprias unidades integrantes

da Federação 153. Com e feito, a autonomia política dos entes federados, atributo

instituído pela Constituição Federal, abarca a capacidade de escolher

governantes. Dessa forma, desequiparar os entes federados no tocante ao

processo eleitoral, a fim de dar supr emacia ao cargo de Presidente da

República se revela afrontoso à isonomia federativa.

A partir do momento em que o impugnante busca instituir um regime

jurídico diferenciado ao processo el eitoral referente ao cargo de Presidência

da República, para colocá -lo em superioridade, incorre -se, necessariamente,

na hierarquização entre os entes federados, o que é vedado pelo princípio da

federação. Assim, afirmar que as eleições presidenciais estão em um patamar

distinto das demais eleições agride o postulado institucional da Federação,

preservado pela cláusula pétrea constante do art. 60, § 4º, da Constituição do

Brasil.

da União e os poderes estaduais-autônomos das unidades federadas. As bases do federalismo de


equilíbrio estão lançadas na Constituição de 1988”. HORTA, Raul Machado. Autonomia do Estado no
direito constitucional brasileiro. Direito constitucional, 5. ed., atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.pp.
413-416.
Nota-se que a igualdade aqui tratada é a jurídica, pois, axiologicamente, não existem dois seres iguais.
153

Não se quer, aqui, negar, por exemplo, que o Estado de São Paulo apresenta rendimento econômico
superior ao Estado de Roraima, o que se quer afirmar é que, apesar das diferenças, todos entes federados
devem receber o mesmo tratamento jurídico-formal isonômico, sobretudo quando se trata do exercício
da esfera política.

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165
Ignora, ademais, que a Constituição Fe deral, pela concisão que lhe é

própria, não necessita, obrigatoriamente, dispor acerca dos pormenores

aplicáveis a todos os entes federativos. P elo princípio da simetria, estende -se

aos outros entes federativos, no quanto cabível, as disposições referentes ao

Governo Federal, por espelhamento.

No caso em apreço, contudo, mesmo sendo desnecessária a repetição

para cada ent e federativo, o Constituinte optou por frisar a si metria de forma

textual. Assim é que para os Estados restou consignado:

A rt. 2 8 . A e le i çã o d o G o ve r na d or e d o V i ce - G ov e r na do r de

Est a d o , p ar a m a n d ato de qu a tro a no s, re al i z a r - se - á no pri mei ro

do mi n go de o ut u bro , em pri m ei ro tu r no , e no úl ti mo do mi n go

de o u tu bro , e m se gu nd o tur no , se ho u ver , do a no a nte ri o r ao do

tér mi no do m a nd ato d e se u s a nt ece s so re s, e a po s se o co rrer á e m

pri me i ro de j a nei ro do a no s u bse q ue nt e, obs e rva do , qua nto a o

ma i s, o di sp ost o n o a r t. 7 7 .

Dispositivo similar consta do regramento próprio dos Municípios,

estatuído no art. 29 da Constituição Federal, com a seguinte redação:

A rt. 2 9 . O M uni cí pi o r eger - se - á po r l ei o rg â n i ca, vo t ad a e m do i s

tur no s, co m o i n ter stí ci o mí ni mo d e de z di a s, e apro va d a po r

do i s terço s do s me m bro s da C â m ar a M u ni ci p al , q ue a

pro m ul g a r á, at en di d o s os pri n cí pi o s e s t a bel eci do s ne st a

Co n sti t ui ç ão ,

[ ...]

II - e l e i çã o do P re fe it o e d o V ice - P re fe it o r e a l i zad a no p ri m ei ro

do mi n go de o ut u bro d o a no a n teri o r ao tér mi no do m a nd a to do s

q ue d e va m s uce der, a plica da s a s re g ra s do a rt. 7 7 , n o ca s o de

Muni cí pi os c o m ma i s de duz e nt os mil e le it ore s ;

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166
Vê-se, fora de qualq uer dúvida, q ue o Constituinte equipar ou todos os

entes nos quais há segundo turno na eleição ao Poder Executivo, submetendo -

os ao regramento do art. 77, sem q uaisquer exceções.

Superada a questão da simetria constitucional e, portanto, sendo certo

que não há qualquer particularidade a ser obs ervada na eleição presidencial,

tampouco prospera a interpretação dada pelo partido impugnante ao art. 77,

§4º da Constituição Federal. Sugere -se na impugnação q ue as locuções “antes

de realizado o segundo turno” e “impedimento legal” deveriam ser lidas

conjuntamente e de modo extensivo.

Em que pese o esforço do impugnante, a letra da lei é clara e não há

razões para se ultrapassar a taxatividade do §4º do art. 77 da Constituição

Federal.

Ao afirmar que determinado procedimento – convocação do candidato

melhor colocado dentre aqueles que disputaram o primeiro turno, em caso de

impedimento legal de um candidato – há de ser observado “an tes de realizado

o segundo turno”, o consectário lógico é a realização de um primeiro turno em

que tenha sido possível aferir os votos dados pelo eleitorado e escalonar os

candidatos conforme tal critério.

Admite -se, deste modo, não apenas que tenha havido um primeiro turno,

mas q ue aquele candidato tenha dela participado, o q ue implica dizer que se u

nome constou da urna eletrôn ica e que a ele se permitiu realizar os atos

próprios da campanha eleitoral. O lapso temporal apresentado pel o

constituinte, deste modo, somente pode referir -se ao período após o primeiro

turno e antes do segundo turno.

Nestes termos é que se pode afirmar que em caso de “ morte, desistência

ou impedimento legal de candidato antes de realizado o segundo turno” é “convocado,

entre os remanescentes, aquele de maior votação no primeiro t urno” , de modo a

garantir “assim, que o critério da maioria absoluta seja se mpre observado para

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167
aqueles cargos em relação aos q uais foi adotado o sistema eleitoral majoritário de dois

turnos”. 154

A interpretação postulada pelo impugnante, caso adotada, acarretaria

na necessidade, por exemplo, de impedir que um partido substituísse u ma

candidatura em caso de morte do candidato antes do primeiro turno,

lamentável fato ocorrido com Eduardo Campos na eleição presidencial de 2014,

regularmente substituído por Marina Silva. Afinal, se “morte”, “desistência”

e “impedimento legal” são elenca dos sucessivamente, sem distinção quanto ao

regime jurídico aplicável a cada hipótese, a interpretação defendida pelo

impugnante, para manter a coerência, haveria de chegar a tal absurdo.

Portanto, não há espaço hermenêutico para ultrapassar a taxatividade

do §4º do art. 77 da Constituição Federal. A disposição, clara e aplicável a

todas as eleições em que haja possibilidade de realização de segundo turno,

somente pode ser lida a partir do seu próprio enunciado. Restringe -se aos

eventos ocorridos entre o p rimeiro e o segundo turnos e, por esta razão, não é

aplicável ao caso em análise.

10.2 Os direitos políticos de Lula seguem hígidos a despeito da

condenação criminal por órgão colegiado

Pedro Lagomarcino (id nº 301637, p. 9) e Ari Chamulera (id nº 304113,

p. 4-5) argumentam que a partir “ da condenação criminal da 8ª Turma do Tribunal

Federal da 4ª Região (...) o impugnado não se encontra no pleno exercício de seus

direitos políticos ”, razão pela qual o ex-Presidente careceria da condi ção de

elegibilidade prevista no art. 14, §3º, II da Constituição Federal.

154 STUART, Paulo Henrique de Mattos. Quando, afinal, há segundo turno em uma eleição?
<http://www.tse.jus.br/o-tse/escola-judiciaria-eleitoral/publicacoes/revistas-da-eje/artigos/revista-
eletronica-eje-n.-6-ano-3/quando-afinal-ha-segundo-turno-em-uma-eleicao>.

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168
O equívoco é manifesto. Ign ora -se que o artigo seguinte ao invocado na

arguição preceitua ser “ vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou

suspensão só se dará nos casos de (...) condenação cr iminal transi tada em julgado ,

enquanto durarem seus efeitos ” (art. 15, III, CF).

O início precoce do cumprimento da pena provisória – tema abordado

em tópico próprio – não implica em uma oblíqua e antecipada suspensão dos

seus direitos políticos. Também nã o se confunde com a potencial

inelegibilidade disposta no art. 1º, I, “e”, LC 64/90. 155 Os direitos políticos de

Lula permanecem hígidos até o efetivo trânsito em j ulgado da decisão

condenatória, como sempre reconheceu este E. Tribunal. 156

10.3 Lula não foi condenado por ato de improbidade administrat iva

Marcos Paschoalin (id nº 304846) argumenta que deve ser declarada a

inelegibilidade de Lula por improbidade administrativa, “ especialmente ao

anuir as ilícitas medidas provisórias 282 e 295, por não promover licitação, e fazer

revisão geral da remuneração dos servidores públicos no ano da eleição ”. Já Marcelo

Feliz Artilheiro (id nº 301545) defende a tese segundo a qual a multicitada

condenação criminal oriunda do TRF4 atrairia a inelegibilidade inserta na

alínea “l” do inciso I do artigo 1º da Lei da ‘Ficha Limpa’.

Com todo o respeito, as teses são desconexas. A atração da

inelegibilidade prevista na alínea “l”, parece óbvio, só pode advir de

condenação própria em ambiente de ação civil por at o de improbidade

155Ac.-TSE, de 3.4.2008, no REspe nº 28390: “a suspensão dos direitos políticos decorrente de condenação
criminal não se confunde com o disposto no art. 1º, I, e, da LC nº 64/1990”.
156Ac.-TSE, de 27.10.2016, no REspe nº 13273: “sendo incontroversa a pendência de embargos de divergência
admitidos perante o Superior Tribunal de Justiça, não há como reconhecer - sem que haja pronunciamento
nesse sentido proferido por aquela Corte Superior - o trânsito em julgado da decisão e o início do prazo
de suspensão dos direitos políticos do candidato.”

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169
administrativa 157 – situação que não se comprovou em relação a Lula. E não se

comprovou porque simplesmente o ex-Presidente Lula nunca foi condenado

por improbidade.

O que os impugnantes parecem pretender é que a Justiça Eleitoral

proceda a uma análise dos f atos imputados a Lula sob o ponto de vista da

improbidade administrativa, ai nda que sem a existência de uma ação na

Justiça Comum que tenha lhe imposto a condenação . A Justiça Eleitoral, no

entanto, não tem esta competência. Apenas promove a subsunção de e ventual

condenação em improbidade ao tipo próprio de inelegibilidade. 158 E aqui não

há, nem mesmo na versão dos impugnantes, condenação por improbidade.

Em síntese, como Lula não foi condenado por improbidade

administrativa por órgão colegiado, simplesmente não há que se falar em

inelegibilidade da alínea “l”.

10.4 Lula não ocupou cargo de direção em estabelecimento de crédito que

tenha sido objeto de liquidação

Em uma confusa argumentação, Ernani Kopper (id nº 301546), aventando

fatos sem qualquer correlaçã o com o tipo por ele mesmo imputado, requer o

indeferimento do registro de Lula com base na alínea “i” da Lei das

Inelegibilidades. A petição é mesmo in epta 159, mas, para todos os efeitos,

importa registrar que não há quaisquer provas de que Lula tenha ocupa do

Ac.-TSE, de 21.2.2017, no REspe nº 10049: requisitos de incidência desta alínea: a) condenação por ato
157

de improbidade administrativa que importe, simultaneamente, lesão ao patrimônio público e


enriquecimento ilícito; b) presença de dolo; c) decisão definitiva ou proferida por órgão judicial
colegiado; e d) sanção de suspensão dos direitos políticos.
158Ac.-TSE, de 13.12.2016, no REspe nº 5039: “é lícito à Justiça Eleitoral examinar por inteiro o acórdão da
Justiça Comum em que proclamada a improbidade, não podendo incluir ou suprimir nada, requalificar fatos
e provas, conceber adendos e refazer conclusões.”
CPC: “Art. 330. (...) § 1º Considera-se inepta a petição inicial quando: (...) III - da narração dos fatos
159

não decorrer logicamente a conclusão;”

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170
cargos nos estabelecimentos protegidos pelo escopo da alínea indicada 160, ônus

do qual não se desincumbiu o Impugnante.

Não é qualquer falta de consideração ao Impugnante, mas realmente não

é possível compreender como o ex-Presidente estaria inelegível po r um

dispositivo que está para administradores de estabelecimentos de crédito que

estejam em liquidação. É algo sobre o qual nunca se ouviu falar.

10.5. O candi dato não precisa estar presente para ser escolhido em

convenção

Alexandre Frota (id nº 300385, p.3) argumenta que “ resta evidenciada a

impossibilidade de participação do impugnado no pleito eleitoral até mesmo diante de

sua ausência na convenção partidária ”. Sugere -se, em suma, que a presença do

candidato na convenção que o escolheu para concorrer a o pleito seria

obrigatória.

Não há, entretanto, norma alguma a exigir a presença do pré -candidato

em convenção. O Estatuto do PT dispõe apenas que “ constituem a Convenção os

membros da Comissão Executiva do mesmo nível correspondente ” e que será ele

instalado “ com a presença de qualquer número de convencionais ” ( art. 158). 161 Com

efeito, realizou o PT regular convenção partidária, cuja lista de presença com

o quór um necessário foi transmitido (siste ma CANDex) dentro do prazo legal 162

e sem qualquer irresignação em âmbito próprio. 163

160Ac.-TSE, de 17.12.2008, no REspe nº 34115: “a inelegibilidade prevista nesta alínea se configura com a
responsabilidade do sócio causador do estado falimentar do estabelecimento de crédito, financiamento
ou seguro pelo exercício de cargo ou função de direção, administração ou representação.”
161http://www.pt.org.br/wp-content/uploads/2016/03/ESTATUTO-PT-2012-VERSAO-FINAL-alterada-
outubro-de-2015-2016mar22.pdf
162 http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-ata-de-convencao-realizada-dia-4-8-2018-pt
163 Conforme certificado nos autos do DRAP nº 0600901-80.2018.6.00.0000.

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171
Não faz sentido algum a tese da impugnação. Os convencionais podem,

inclusive, delegar poderes para que a Comissão Executiva delibere acerca de

preenchimento de vagas remanescentes e m reunião própria 164 – naturalmente

sem a presença dos candidatos escolhidos.

L U L A não precisava estar presente para ser escolhido por aclamação

pelos convencionais – como de fato f oi.

10.6. As certidões exigidas pela resol ução aplicável foram integralmente

apresentadas

Ari Chamulera (id nº 304014, p.5) argum enta que “a situação de

regularidade deve ser amplamente comprovada pelo noticiado através de documentos

que não podem ser omitidos de seu registro, sob pena de indeferimento inescusável ”.

E que, no caso, “ as certidões criminais (Inci so VII do artigo 11 da Lei nº 9.504/97),

não foram apresentadas ”.

É verdade que a Lei Eleitoral exige a apresentação de “certidões criminais

fornecidas pelos órgãos de distribuição” , mas a resolução que regulamenta o

procedimento dos registros de candidatura especifica q ue some nte são

necessárias aquelas “ na qual o candidato tenha o seu domicílio eleitoral ” (art.

28, III, Res. nº 23.548/2017, TSE), o que foi rigorosamente cumprido pelo

Impugnado (id’s nº 300479 -300487).

Rechaça-se o argumento de ter havido omissão dolosa, ao pas so que não

compete ao Impugnado promover diligências que a lei não pr evê e que estão

ao alcance do Noticiante – tanto q ue procedeu a sua juntada, conforme id nº

304144.

Código Eleitoral: “Art. 101. (...) § 5º Em caso de morte, renúncia, inelegibilidade e preenchimento de
164

vagas existentes nas respectivas chapas, tanto em eleições proporcionais quanto majoritárias, as
substituições e indicações se processarão pelas comissões executivas.”

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172
Não se tratando de documento obrigatório, assim, não há q ue se falar

em ausência de requisito de registrabilidade .

11. NECESSIDADE DE DAR OP OR T U NI D A D E PARA QU E AS P A R T ES SE

P R O NU N C I E M S OB R E A DEFESA E D OC U M E NT OS , A L E G A Ç Õ ES F I NA I S E

M A NI F E S T A Ç Ã O D O MINISTÉRIO PÚBLICO

Reitera-se aqui a ausência de qualquer pedido de produção de prova ou

diligências. O que se pretende é apenas o julgamento em plenário. A única

providência imprescindível é a oitiva dos impugnantes, intimação do

Ministério Público e alegações finais. Sempre nos estritos limites da própria

Resolução do TSE.

Apenas o mínimo necessá rio para garantir o contraditório em uma ação

de cognição exauriente.

Há quem aponte o caráter sumário das ações eleitorais. 165 A afirmação

merece ser interpretada com o máximo cuidado, sob pena de sugerir mitigação

do direito de ampla defesa e do contraditó rio. 166 Fato é que as ações eleitorais

típicas – aí incluída a ação de impugnação de registro de candidatura –

reclamam contraditório substancial . 167

165 Entre outros, ZÍLIO, Rodrigo Lopez. Direito Eleitoral. 5ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. p. 581.
166 “A consagração da ampla defesa e contraditório no mesmo dispositivo constitucional indica, de um lado, que o
legislador constituinte os concebe como princípios distintos, de outro, que guardam entre si uma relação umbilical
de interdependência que torna impossível, na dialética processual conceber um sem o outro” (SANTOS FILHO,
Orlando Venâncio dos. A dogmatização da ampla defesa: óbice à efetividade do processo. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2005. p.135).
167“O contraditório compreende, de modo geral, o direito de influir na decisão do magistrado, mediante
argumentos, contrapontos e provas. Porém, os ritos mais céleres previstos na legislação eleitoral (artigos 58 e 96,
ambos da Lei Eleitoral), indiscutivelmente suprimem tal abrangência. Todos os demais feitos eleitorais que tratem
da possibilidade, ainda que mínima no caso concreto, de cassação de registro, diploma ou mandato, ou que
continuem ou gerem na via reflexa uma inelegibilidade no acusado deveriam respeitar, em sua plenitude, o
princípio do contraditório" (PECCININ, Luiz Eduardo; GOLAMBIUK, Paulo Henrique. O impacto do
contraditório substancial no direito eleitoral à luz do novo Código de Processo Civil. In TAVARES,

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173
É verdade que há sumarização formal na AIRC. Esta sumarização se

verifica, por exemplo, com o encurtamento dos prazos e irrecorribilidade das

interlocutórias . São técnicas clássicas de sumarização formal . 168 Não há nas ações

eleitorais, no entanto, sumarização materi al . Apesar da arquitetura enxuta do

procedimento, as ações eleitorais comportam cognição exauriente, apta a

formar coisa j ulgada material. 169 Não há qualquer recorte horizontal ou vertical

na cognição. 170

Diferentemente das ações materialmente sumarizadas – que autorizam

julgamento com cognição incompleta 171 –, a cognição aqui é completa, sem

qualquer limite. É importante compreender isso. As ações eleitorais, reunidas

aqui no caso em an álise, precisamente porque sem limitação de cognição,

podem eventualmente ter dilação probatória (está expresso na LC 64/90).

Especialmente porque podem redundar na grave conseq uência do

indeferimento do registro. 172

André Ramos; AGRA, Walber de Moura; PEREIRA, Luiz Fernando. O direito eleitoral e o novo Código de
Processo Civil. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 97).
168“A sumarização formal nada mais é do que forma encurtada, simplificada e concentrada do procedimento, mas
não apresenta incompletude da cognição. Já a sumarização material caracteriza-se pela incompletude material da
causa cognitio. Na sumariedade formal há sempre cognição exauriente, o que não ocorre na sumariedade material”
(Neste sentido: OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Perfil dogmático da tutela de urgência. Revista
Forense, v. 342, Rio de Janeiro : Ed. Forense, p. 334). Sobre o tema, com ótimas referência à origem da
técnica, conferir a obra de GUILLÉN, Victor Fairen. El juicio ordinario y los plenarios rápidos. Barcelona:
Bosch, 1953.
169Para citar um autor de Direito Eleitoral, Adriano Soares da Costa fala em plena cognitio com
sumariedade prazal (Instituições, p. 448).
Sobre cognição horizontal e vertical, Watanabe, Da Cognição no Processo Civil. São Paulo: Ed. Revista
170

dos Tribunais, 1987.


171 “A instrução das causas cautelares é necessariamente sumária em razão da emergência de perigo que o
provimento procura obviar. Reduzem-se, por isso, as provas a informações sumárias, fundadas em critérios de mera
plausibilidade” (THEODORO JUNIOR, Processo Cautelar, p. 133).
172JORGE, Flávio Cheim e RODRIGUES, Marcelo Abelha. Aspectos processuais do direito eleitoral: a
ação de impugnação de registro de candidato, a ação de investigação judicial eleitoral e a representação
do art. 96 da Lei das Eleições. In Temas atuais de Direito Eleitoral. Coord. COSTA, Daniel Castro Gomes
da. Editora Pillares: São Paulo, 2009, p. 68.

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174
O caso concreto não aponta para a necessidade de produção de prova,

apesar dos pedidos articulados pelos impugnantes. Não quer isso dizer,

contudo, que o processo esteja pronto para julgamento.

Como constou da introduç ão, a defesa apresentou, além de exceção

processual e uma exceção substancial direta , uma exceção substancial indireta .

Assim, merece aplicação o art. 350 do CPC: “ Se o réu alegar fato impeditivo,

modificativo ou extintivo do direito do autor, este será ou vido no prazo de 15 (quinze)

dias, permitindo -lhe o juiz a produção de prova ”. Trata-se de uma faculdade (e não

um ônus) que deve ser oferecida aos impugnantes.

O aventado direito dos impugnantes, a inelegibilidade, ainda que pudesse

ter nascido (com a con denação de segun da instância), já estaria extinto (pela

decisão do Comitê). 173 A suspensão da inelegibilidade é hipótese típica de

exceção substancial indireta . E neste caso superveniente, como autoriza o art. 11,

§ 10º, da Lei Eleitoral ou mesmo o art. 493 do CPC. 174

Superveniente ou não, o direito do autor de falar sobre a exceção

substancial indireta “ não pode ser suprimido, sob pena de violação à garantia do

contraditório”. 175 Incogitável que fosse diferente. Como é que o plenário vai

julgar o processo à luz de um argumento sobre o qual não tiveram a

oportunidade de se pronunciar os impugnantes? Seria uma ofensa chapada e

aritmética ao princípio do contraditório. 176

173DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie;
TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (coords.), Breves comentários ao novo código de processo civil, São
Paulo: RT, 2015, p. 947.
174Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do
direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a
requerimento da parte, no momento de proferir a decisão.
175 MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: RT, 2015, p. 501.
176“Se tal exigência é relevante nas demandas comuns, mais ainda naquelas em que estão em jogo
direitos fundamentais políticos, a regularidade e normalidade da eleição, a verdade do voto,
sustentáculos da democracia pátria.” (MACEDO, Elaine Harzheim. O código de processo civil de 2015
e a legislação processual eleitoral. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber

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175
Necessidade de intimação dos impugnantes se dá também em atenção ao

art. 15 do CPC: “ Na ausência de normas que regulem processos eleitorais (...), as

disposições deste Códi go lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente ”. Também

a Resolução do TSE nº 23.478/2016, art. 2º, parágrafo único, dada a

compatibilidade sistêmica , confirma para a hipótese a aplicação do CPC. Há

compatibilidade sistêmica entre o art. 350 e o Direito Eleitoral.

Ainda que não se aplicasse o art. 350, os impugnantes teriam direito de

apresentar manifestação em relação à prova documental referente à decisão do

Comitê da ONU, ap resentada apenas com a defesa (não poderia ter sido

apresentada antes). Aí teria aplicação o art. 437 do CPC: “ o autor manifestar -se-

á na réplica sobre os documentos anexados à contestação ”, até para exercer as

faculdades previstas no art. 436 do CPC ( impu gnar a prova documental).

Citando precedentes do STJ, CRUZ e TUTTI consigna que “ a desatenção a

esta norma processual poderá acarretar inarredável nulidade por cerceamento de

defesa”. 177 Nem seria necessário invocar o CPC. Como apontam os pareceristas

Fernando e Henrique NEVES, citado precedentes do próprio TSE:

H á mui to q ue se reco n hec e qu e “ t end o sid o j unt ad o s d o cum e nto s

p el o im p ug nad o na op or tun id ad e d a ap r e s ent açã o d e su a d e f es a e m

ação d e im p ug naçã o d e r eg i st ro d e ca nd id atu ra e não co nc ed id a v i sta

ao im p ug na nte , r e sta car act er iz ad o o c e rc eam e nto de d ef e sa.

Pr ec ed ent e: Acó rd ão nº 2 1 .9 8 8 .” 178

de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Tratado de Direito Eleitoral. v. 6. Belo Horizonte:
Fórum, 2018. p. 71-92).
177 José Rogério. In DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR.,
Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (coords.), Breves comentários ao novo código de processo
civil, São Paulo: RT, 2015, p. 947.
178RESPE 22.545, rel. Min. Carlos Eduardo Caputo Bastos, PSESS de 6.10.2004; “Registro de candidatura
impugnado em face de alegada ausência de desincompatibilização de presidente de sindicato no prazo legal. O pré-
candidato impugnado juntou, na contestação, ata de afastamento do sindicato. O Juiz procedeu ao julgamento
antecipado da lide, sem abrir vista ao impugnante para que se manifestasse sobre o documento. Alegação de
cerceamento de defesa e de falsidade da ata. Hipótese na qual houve afronta ao disposto no art. 5º, LV, da

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176
No limite, o Relator do caso poderia dispensar a oitiva dos impugnantes

porque convencido da inconsistência da defesa apresentada. Ainda assim os

impugnantes devem ser intimados a apresentar manifestação. E por dois

motivos autossuficientes. Em primeiro lugar porque a atenção ao contraditório

não está apenas par a garantir o direito da parte, mas para o incremento da

qualidade da decisão j udicial . 179

E em segundo lugar – e mais importante – porque a decisão é de

competência do plenário, como alertaram os pareceristas: “ Em tese, o que pode

parecer irrelevante para o relator da causa, pode ter grande significado para

os outros jul gadores ”. 180 Portanto, sendo a decisão de compet ência do plenário

do TSE, parece temerário que o Relator pr essuponha a desnecessidade abrir ao

contraditório em tor no de uma exceção substancial indireta (acompanhada de

documentos) sobre a qual os impugnantes nunca se manifestaram. E que pode

(deve, suste nta a defesa) levar à rejeição das impugnações.

A pressa de julgar sem ouvir os impugn antes, alertam os pareceristas –

citando um conhecido precedente –, pode acabar levando a mais atraso:

D e ss e m od o, com o p o lí tica j ud ic iá ri a, r ev e la - s e m e no s g rav o sa a

ut i li zaçã o d e p ou co s d ia s p a ra g a ra nt ir o p l en o r esp e ito ao

cont rad it ó r io e à a m p la d ef e sa co m o fo rm a d e ev i tar qu e, ap ó s o i níc io

d o j ulg am e nt o , oco r ra o r etr oc es s o d o f e ito à fa s e a nte r io r p a ra q u e

Constituição Federal. Imperativo que se tivesse intimado o impugnante para se manifestar sobre o documento”
(RESPE 21.988, rel. Min. Caputo Bastos, PSESS de 26.8.2004).
179THEODORO JR, Humberto. Uma dimensão que urge reconhecer ao contraditório no direito
brasileiro: sua aplicação como garantia de influência, de não surpresa e de aproveitamento da atividade
processual. In: Revista de Processo, v. 168, p. 107-141, 2009.
180A situação mostra-se mais complexa nos julgamentos colegiados, tendo em vista que a condução do
feito, até o julgamento, fica a cargo do relator, a quem cabe decidir sobre a necessidade ou não da
produção das provas, bem como sobre a abertura da fase de alegações finais ou, ao menos, a intimação
dos impugnantes para se manifestarem sobre os documentos apresentas com a defesa oferecida. (...) A
complexidade deriva do fato que o Juiz Natural, nessas situações, é o órgão colegiado do Tribunal
composto por diversos juízes justamente para permitir que os processos não sejam julgados a partir de
uma visão isolada da causa.

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177
s eja a s seg u rad o o cu m p rim e nto d o s p ra zo s e sta b el ec id o s em l ei e a s

g ara nt ia s d a am p l a d ef e s a e d o co nt rad itó r io, c o m o já oc or r eu 181.

Não fosse por tudo isso, não custa lembrar que a Resolução n º

23.478/2016, de for ma, expressa, mandou aplicar aos processos eleitorais os

artigos 9º e 10º do CPC. 182 Os dois dispositivo s evitam a decisão surpresa. O

décimo já bastaria: “ O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base

em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se

manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva d ecidir de ofício ”. A

decisão do Comitê da ONU, para insistir, surge apenas agora.

12. P E D I D O S F I N A I S

Diante de todo o exposto, requer:

a) o recebimento da pr esente defesa, porque tempestiva, bem

como dos documentos que a acompanham;

b) a abertura de vistas às p artes contrárias para se

manifestarem acerca das teses impeditivas e extintivas suscitadas, além

da documentação acostada e das preliminares de mérito arguidas, ainda

que em sede de alegações finais;

181Registre-se, apenas como exemplo dessa possível situação, o julgamento da questão de ordem da
AIME 7-61, em que se discutia a validade da eleição da chapa Dilma-Temer, no qual se decidiu pelo
retorno do feito à fase de produção de provas, de modo a que fosse respeitado o prazo integral de cinco
dias para a apresentação das alegações finais. (DJE 29.5.2017).
182“(...) nas ações eleitorais que podem levar a consequências gravíssimas, como a cassação de registro
ou de diploma, o que pode ocorrer em ação de investigação judicial eleitoral, ação de impugnação de
registro de candidatura, ação de impugnação de mandato eletivo, recurso contra expedição de diploma
e representação que siga o rito do art. 22 da LC 64/90, não se pode cogitar o desrespeito ao disposto nos
arts. 9º e 10 do NCPC.” (PAIM, Gustavo Bohrer. O contraditório como direito de influência e de não
surpresa no novo código de processo civil e sua importância para o direito processual eleitoral. In: FUX,
Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz
Eduardo (Org.). Tratado de Direito Eleitoral. v. 6. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 259-270).

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178
c) o indeferimento de todos os pedidos de provas requeridos

pelos I M P U G N A N T E S , porque impertinentes , pugnando pelo julgamento

antecipado da lide;

d) a abertura de prazo para alegaç ões finais e, após, vistas à

Procuradoria-Geral Eleitoral para manif estação ;

e) a rejeição da tutela de evidência requerida;

f) a extinção das impugnações de id nº id nº 301636 e 301546,

sem resolução do mé rito, em razão da ile gitimidade ativa ad causam dos

IMPUGNANTES;

g) o não recebimento das notícias de inelegibilidade de id nº

301543 e 301545, por que não comprovado requisito essencial a outorgar

legitimidade aos Noticiantes;

h) o não recebimento das ações de impugnação de mandato eletivo

de id nº 305093 e 305094, por inadequação da via eleita e ileg itimidade

ativa dos Impugnantes;

i) ao final, sejam j ulgadas improcedentes as impugnações que

restarem conhecidas, bem como as notícias de inelegibilidade que restarem

recebidas e, via de consequência, seja deferido o pedido de registro de

candidatura formula do;

j) sucessivamente, sejam suspensos os presentes autos até que

formulados e apreciados os pedidos referidos no tópico 9.2.

Nestes termos,

Pede deferimento.

Brasília, 30 de agosto de 2018.

L UI Z F E RN AN D O C A S AG R AN D E P E RE I R A F E RN AN D O G A SP A R N E I S SE R
OAB/PR 22.076 OAB/SP 206.341

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179
M AR I A C L A UD I A B UC C H I A N E RI P I N H E I RO F E R N AN D O H AD D AD
OAB/DF 25.341 OAB/SP 88.022

LUIZ EDUARDO PECCININ E D U A R D O B OR G ES E. A R A Ú J O


OAB/PR 58.101 OAB/DF 41.595

P A U L A B E R NA R D E L L I P A U L O H E NR I Q U E G O LA M B I U K
OAB/SP 380.645 OAB/PR 62.051

D I O GO R A I S R EN A T A A NT O NY D E S O U Z A L I M A
OAB/SP 220.387 OAB/DF 23.600

MAITÊ MARREZ L A I S R OS A B ER T A G N O LI L O D U C A
OAB/PR 86.684 OAB/SP 372.090

RAFAELE WINCARDT L A Y S D O A M OR I M S A NT OS
OAB/PR 90.531 OAB/SE 9.749

RENATA CEZAR R OB ER T O J . N U C C I R I C ET T O J R .
OAB/SP 327.140 OAB/SP 409.382

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