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08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


Processo: 2344/15.8T8BCL.G1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
PATERNIDADE BIOLÓGICA
DIREITO À IDENTIDADE PESSOAL
DIREITOS FUNDAMENTAIS
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
PRAZO DE PROPOSITURA DA AÇÃO
PRAZO DE CADUCIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 15-02-2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DA FAMÍLIA / FILIAÇÃO / ESTABELECIMENTO DA
FILIAÇÃO / RECONHECIMENTO JUDICIAL / ESTABELECIMENTO DA PATERNIDADE
/ RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA /
RECURSOS.
DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / DIREITOS,
LIBERDADES E GARANTIAS.
Doutrina:
-Guilherme de Oliveira, - Guilherme de Oliveira, “Caducidade das acções de investigação”, Lex
Familiae, 2004, p. 10;
-Paulo Mota Pinto, O direito ao livre desenvolvimento da personalidade, Portugal-Brasil, Ano
2000, Coimbra, 2000, p. 149 a 249;
-Vaz Serra, BMJ 107, p. 191.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1817.º, N.ºS 1 E 3, ALÍNEA C) E 1869.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 635.º, N.º 4 E 639.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 16.º, N.º1, 18.º, N.º 2
E 26.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 15-05-2013, PROCESSO N.º 787/06.7MAI.P1.S1;


- DE 05-05-2015, PROCESSO N.º 932/13;
- DE 08-03-2016, PROCESSO N.º 352/11;
- DE 21-04-2016, PROCESSO N.º 1974/13;
- DE 04-05-2016, PROCESSO N.º 2886/12;
- DE 08-11-2016, PROCESSO N.º 4704/14;
- DE 08-06-2017, PROCESSO N.º 513/16.

-*-

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 99/88;


- ACÓRDÃO N.º 451/89;
- ACÓRDÃO N.º 370/91;
- ACÓRDÃO N.º 311/95;
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- ACÓRDÃO N.º 506/99;
- ACÓRDÃO N.º 486/2004;
- ACÓRDÃO N.º 23/2006, IN DR, I.ªSÉRIE-A, N.º 28, DE 08/02/2006;
- ACÓRDÃO N.º 401/2011;
- ACÓRDÃO N.º 750/2013;
- ACÓRDÃO N.º 373/2014;
- ACÓRDÃO N.º 383/2014;
- ACÓRDÃO N.º 529/2014;
- ACÓRDÃO N.º 547/2014;
- ACÓRDÃO N.º 704/2014.
Sumário : I - O direito ao conhecimento da paternidade biológica (direito de
conhecer e ver reconhecida a ascendência biológica e a marca genética de
cada pessoa), decorrência dos direitos de identidade pessoal e ao
desenvolvimento da personalidade, assume a natureza de direito
fundamental.
II – Enquanto direito fundamental impõe que os meios legais se mostrem
adequados à sua plena concretização por forma a lograr obter,
eficazmente, a coincidência entre o vínculo jurídico e o biológico.
III – A existência de limitação temporal ao exercício deste direito, ainda
que assente num princípio de proporcionalidade de direitos/interesses
conflituantes, faz desmerecer a sua essência (direito pessoalíssimo e, por
natureza, imprescritível) e põe em causa o equilíbrio que pretende
instituir colocando em patamar equivalente interesses/valores (focalizados
na segurança jurídica do investigado e das suas relações familiares
protegendo a estabilidade da mesma) que, sem poderem ser desprezados,
não poderão ser equacionados e tutelados de igual forma.
IV - Qualquer limitação temporal neste âmbito, ainda que se considere de
prazo razoável, constitui uma compressão da revelação da verdade
biológica, que é o princípio alicerçante do regime da filiação.

V - Consequentemente, a limitação temporal ínsita no n.º1 do artigo


1817.º do CC, viola, de forma desproporcionada, os direitos fundamentais
à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade e, nessa
medida, mostra-se materialmente inconstitucional (violando, entre outros,
dos arts.16.º, n.º1, 18.º, n.º 2 e 26.º, n.º 1, da CRP).
Decisão Texto Integral:

Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,


I – relatório
Recorrente: AA
Recorridos: BB, CC, DD e EE
1. AA, em 31 de Outubro de 2015, propôs a presente acção declarativa
para investigação da paternidade contra BB, CC, DD e EE pedindo:

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a) que seja reconhecido e decretado que o Autor é filho de FF;


b) que seja ordenado o averbamento de tal paternidade e da avoenga daí
resultante ao assento de nascimento do Autor;
c) serem os réus condenados a reconhecer o Autor como filho de FF.
Alegou para o efeito e essencialmente:
- ter nascido a …/…/1959, e que, por assento lavrado em …/…/1959, ter
sido registado como sendo filho de GG, sendo tal assento omisso na
menção da sua paternidade;
- serem os réus os únicos herdeiros de FF, sendo a primeira Ré viúva
sobreviva do finado FF e o segundo, terceiro e quarto réus filhos e
herdeiros daquele FF.
- ter a sua mãe e o falecido FF travado conhecimento por aquela ser
empregada doméstica na casa dos pais deste e onde aquele residia à data;
- ter o falecido FF seduzido sua mãe, iniciando-se entre ambos um
relacionamento íntimo, desde pelo menos meados de 1955, que perdurou
até pelo menos de Julho de 1958, altura em que sua mãe foi despedida por
os pais do falecido CC terem descoberto que se encontrava grávida;
- ter a sua mãe confessado a familiares que tinha mantido relações de
cópula completa com FF, não tendo tomado especiais cuidados para evitar
uma eventual gravidez, relações que se situaram temporalmente no
período compreendido dentro dos primeiros cento e vinte dias dos
trezentos que precederam o seu nascimento;
- não ter a sua mãe mantido, desde que iniciou as funções de doméstica na
casa dos pais do CC e até ter sido despedida, qualquer outro contacto de
índole sexual para além da relação com CC;
- ser do conhecimento geral entre vizinhos, familiares e amigos que FF,
era seu pretenso pai.
2. Após citação, os Réus apresentaram contestação excepcionando o caso
julgado e a caducidade do direito de propor a presente acção. Deduziram
ainda defesa por impugnação alegando essencialmente que, durante o
período de concepção, a mãe do Autor manteve relações sexuais com
vários homens, podendo qualquer um deles, ser o pai do Autor, negando
que a mãe deste tivesse trabalhado para os pais de FF e que com este
tenha estabelecido relações de amizade, de intimidade ou namoro,
designadamente no período legal de concepção.
Quanto ao caso julgado alegam que na década de 60 a mãe do
Autor, em representação deste, intentou acção de investigação da
paternidade contra o falecido FF, tendo sido proferida sentença, transitada

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em julgado, que julgou a acção improcedente, absolvendo o FF do


pedido.
Relativamente à excepção da caducidade invocam o decurso do prazo
previsto no artigo 1817.º, n.º1, do Código Civil.
Concluem pela improcedência da acção e a condenação do Autor como
litigante de má-fé.
3. No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de caso
julgado e relegado para sentença o conhecimento da caducidade do direito
do Autor. Após realização de exame pericial e de audiência de julgamento
foi proferida sentença (em 10 de Fevereiro de 2017), que julgou
procedente a excepção de caducidade do direito de acção, absolvendo
os Réus do pedido.
4. Inconformado o Autor apelou impugnando a matéria de facto fixada
pela 1ª instância.
5. O Tribunal da Relação de Guimarães (por acórdão de 14 de Junho de
2017) julgou improcedente o recurso.
6. 5. Interpôs o Autor recurso de revista excepcional ao abrigo do
disposto no artigo 672.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo
Civil (doravante CPC), considerando estar em causa questão de
relevância jurídica e de particular interesse e relevância social. Formulou
as seguintes conclusões:
“I O Tribunal a quo considerou apenas os interesses dos recorridos.
II . Por ser inconstitucional o previsto no nº l do art.º 1817º e no art.º
1873º do Código Civil não deveria ter o Tribunal a que ter aplicado as
referidas normas e em consequência 1ulgado procedente a exceção
perentória da caducidade.
III Assim, o artigo 1917º, n1, do CC. na redacção emergente da
Lei nº 14/2009. de 01-04, ao estabelecer o prazo de caducidade de 10
anos após a maioridade (ou emancipação) do investigante para a
propositura da acção de investigação de paternidade (cf. artigo1873º) é
inconstitucional, por violação dos artº s, 18º nºs 2 e 3, 26º, nº 1 e 36º nº 1
da CRP.
IV. Pelo que, deverá tal normativo ser declarado Inconstitucional,
por violação dos artigos 26º nº 1, 36º, nº 1 e 18º, nº 2 do CRP, uma vez
que, independentemente da proporcionalidade ou desproporcionalidade
da consagração de um prazo de caducidade, o artigo 1817º, nº 1 do
Código Civil, na sua nova redação, é uma lei restritiva de direitos,
liberdades e garantias.

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V. Ao decidir como decidiu o Tribunal a que violou o disposto nos


artigos 13º nº 1 e 218º nºs 1e 2, 26º, nºs 1 e 3 e 36º nº1 1 e 4 da
Constituição da República portuguesa”
7. Os Réus pugnaram pela improcedência do recurso.
8. Por decisão da Formação a que alude o artigo 672.º, n.º 3, do CPC, a
revista excepcional foi admitida.
II – APRECIAÇÃO DO RECURSO
De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o
âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de
conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do
Código de Processo Civil, doravante CPC), impõe-se conhecer a seguinte
questão:
ð Da caducidade do direito de acção
1. 1 Os factos provados
1. O Autor nasceu no dia …/…/1959, na freguesia ..., concelho de ...
[artigo 1º da petição inicial].
2. Por assento lavrado em …/…/1959, foi o Autor registado como sendo
filho de GG, residente no Lugar ..., freguesia ..., concelho de ... [artigo 2º
da petição inicial].
3. O assento de nascimento do Autor é omisso na menção da sua
paternidade [artigo 3º da petição inicial].
4. A mãe do Autor, GG, vivia no lugar ..., freguesia ..., concelho de ...,
local onde residiu desde sempre e onde ainda actualmente se encontra
[artigos 4º e 5º da petição inicial].
5. Os Réus são os únicos herdeiros de FF, residente que foi na freguesia
..., concretamente, na Av. …, lugar de ..., na citada freguesia e falecido na
mesma freguesia em …/…/1987 [artigos 6º, 7º, 8º e 11º da petição
inicial].
6. A primeira Ré é a viúva sobreviva de FF, com quem contraiu
matrimónio [artigo 9º da petição inicial].
7. O segundo, terceiro e quartos Réus são filhos de FF [artigo10º da
petição inicial].
8. A mãe do Autor, GG, e FF travaram conhecimento por aquela ser
empregada doméstica na casa dos pais deste e onde aquele residia à data
[artigos 12º e 15º da petição inicial].
9. Entre ambos se iniciou um relacionamento amoroso que perdurou até
pelo menos desde data não concretamente apurada do ano de 1957 até
Julho de 1958, altura, em que os pais do FF descobriram que a mãe do
Autor estava grávida tendo esta deixado de ali trabalhar [artigos 18º, 19º,
21º, 22º, 30º e 31º da petição inicial].
10. Tal relação amorosa foi por muita gente conhecida [artigo20º da
petição inicial].
11. Entre meados de 1957 e pelo menos Julho de 1958 GG e FF
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mantiveram entre si relações sexuais de cópula completa não tendo


tomado especiais cuidados para evitar uma eventual gravidez [artigos 24º
e 27º da petição inicial].
12. Tendo a sua mãe, confessado a familiares que tinha mantido relações
com o FF [artigos 26º e 29º da petição inicial].
13. Desse relacionamento sexual de cópula completa nasceu o Autor
[artigos 32º, 34º e 41º da petição inicial].
14. Era do conhecimento geral entre vizinhos, familiares e amigos, que o
Autor era filho de FF e ninguém atribuía ou atribui ao Autor outro pai
[artigos 35º e 36º da petição inicial].
15. A presente acção foi intentada no dia 31 de Outubro de 2015 [artigo
9º da contestação].
16. O Autor pelo menos desde Janeiro de 2005 tem conhecimento que FF
pode ser seu pai [artigo10º da contestação].
17. O Autor casou em … de … de 1979 [artigo19º da contestação].
18. Foram realizados no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências
Forenses, IP, exames ao sangue colhido aos Autor e 2º, 3º e 4º Réus do
que resultou a elaboração do respectivo laudo pericial, segundo o qual FF
não pode ser excluído como pai biológico do Autor e a análise estatística
da probabilidade de FF ser pai do Autor quando comparado ao acaso com
um indivíduo da mesma população, conduziu a uma probabilidade de
w=99,8%, considerando uma probabilidade a priori de 0,5.

1.2. Os factos não provados:


a. Que a mãe do Autor não tivesse qualquer conhecimento da vida quando
trabalhou na casa dos pais de FF [artigo 16º da petição inicial].
b. Que o FF tivesse seduzido a mãe do Autor e que esta fosse despedida
pelos pais do CC [artigo19º da petição inicial].
c. A mãe do Autor, desde que iniciou as funções de doméstica na casa dos
pais de CC até ter dali saído, não mais manteve qualquer contacto de
índole sexual com quem quer que seja [artigo 23º da petição inicial].
d. Até ao nascimento do investigante Autor, a mãe deste não teve relações
sexuais com nenhum outro homem [artigo 25º da petição inicial].
e. As linhas fisionómicas do rosto do Autor realçam inequívoca
semelhança com os traços do semblante do CC [artigo 37º da petição
inicial].
2. O direito
O acórdão recorrido, na sequência do decidido na sentença, concluiu no
sentido da caducidade do direito do Autor accionar os Réus por decurso
do prazo de 10 anos previsto no artigo 1817.º, n.º1, do Código Civil[1].
Este entendimento mostra-se alicerçado nas seguintes premissas:
- decorrer dos factos provados que o Autor desde, pelo menos,
Janeiro de 2005, se encontrava em condições de propor a presente acção;

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- não se mostrarem provadas quaisquer circunstâncias que


justificassem ou impossibilitassem a investigação por parte do Autor;
- não padecer de inconstitucionalidade a norma do artigo 1817.º,
n.º1, do CC, na redacção da Lei 14/2009, de 01-04, ao estabelecer um
prazo de 10 anos para a propositura da acção de investigação da
paternidade contado da maioridade ou da emancipação do investigante.
Estriba-se a decisão recorrida no acórdão n.º 401/2011, do plenário
do Tribunal Constitucional, que não julgou inconstitucional a referida
norma, fazendo ainda referência a alguns dos posteriores arestos que, no
mesmo sentido e quanto à mesma questão, vêm sendo proferidos pelo
Tribunal Constitucional.
A esta decisão contrapõe o Recorrente defendendo a
inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º1 e n.º3, alínea c), do CC[2],
concluindo que a decisão recorrida é violadora de vários direitos
constitucionais (direito à identidade e historicidade do filho, direito ao
desenvolvimento da personalidade e à biografia pessoal e ao
conhecimento das suas origens e ao direito a constituir família por forma
a ser-lhe reconhecida a relação de parentesco).
Os posicionamentos em confronto prendem-se, assim e apenas,
com a questão da (in)constitucionalidade da norma aplicada pelo tribunal
recorrido (artigo 1817.º, n.º1, do CC), que constituiu o fundamento
jurídico da decisão que declarou a caducidade do direito de acção do
Autor.
Partilhamos o entendimento que defende que a acção de
investigação de paternidade ou maternidade não deve ser limitada no
tempo porquanto, atenta a essência do direito em causa, não se vislumbra
justificação para a fixação de um condicionamento temporal (ainda que
tido por razoável) ao seu exercício por parte do pretenso filho
(inaplicabilidade do prazo fixado no n.º 1 do artigo 1817.º do CC).
Vejamos.
1. De acordo com o regime legal instituído, o direito de investigar a
paternidade é um direito eminentemente pessoal do filho[3] (artigo 1869.º
do CC), que não pode ser exercido a todo o tempo, estabelecendo o actual
n.º1 do artigo 1817.º do CC (ex vi do artigo 1868.º, do CC), o limite de
dez anos, após a maioridade do filho, para instauração da respectiva
acção.
Trata-se de prazo de caducidade (cfr. artigo 298.º, n.º2, do CC), pelo que
o seu decurso faz extinguir o direito de propor a acção[4]. E porque se
encontra estabelecido em matéria excluída da disponibilidade das partes
(porquanto o objecto da relação jurídica substancial é do domínio das
relações indisponíveis), é de conhecimento oficioso e pode ser alegada
em qualquer fase do processo – artigo 333.º, n.º1, do CC.

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Nas acções de investigação da paternidade a causa de pedir é a procriação


biológica ou natural do filho, pelo réu, a quem a paternidade é imputada.
A prova da procriação para efeitos de estabelecimento da paternidade
biológica pode ser feita em tribunal por recurso a exames periciais (meios
de prova científicos e cada vez mais rigorosos em certeza, destacando-se
os testes de ADN com uma fiabilidade próxima da certeza e que torna
possível estabelecer, com grande segurança, o vínculo da paternidade).
A problemática da (não) aceitação da limitação temporal ao exercício do
direito ao reconhecimento de um estado pessoal, por envolver a satisfação
de interesses inalienáveis, tornou-se premente com a entrada em vigor da
Constituição de 1976 atenta as exigências constitucionais em matéria de
direitos de personalidade e de direito da família.
As valorações constitucionais estiveram inicialmente confinadas aos
direitos da igualdade, de constituir família e da não discriminação dos
filhos fora do casamento (artigo 36, n.º4)[5]; posteriormente, ao âmbito
do direito à identidade pessoal (artigo 26.º) e à integridade pessoal
(artigo 25.º), sendo o direito (fundamental) ao conhecimento da
paternidade biológica uma sua decorrência.
Passou igualmente a consagrar-se (com a revisão constitucional de 1997)
um direito ao desenvolvimento da personalidade, consagrado no artigo
26.º da Constituição, comportando dimensões como a liberdade geral de
acção e uma cláusula de tutela geral da personalidade[6].
A incursão histórica sobre o artigo 1817.º, n.º1, do CC, evidencia que o
controlo concreto da constitucionalidade funcionou, no caso específico do
prazo de caducidade das acções de investigação (para além da sua
finalidade enquanto expediente processual para aferir da
constitucionalidade das normas de direito privado), como instrumento
fulcral na função normativa consubstanciada na alteração do artigo
1817.º, do CC, pela Lei 14/2009, de 1 de Abril[7].
O acórdão n.º 23/2006 (publicado em 08 de Fevereiro de 2006, no Diário
da República, I.ªSérie-A, n.º 28), que declarou a inconstitucionalidade,
com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do artigo 1817.º
do Código Civil, que previa o prazo de caducidade de dois anos a partir
da maioridade do investigante, entendeu-o violador das disposições
conjugadas dos artigos 16.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição.
No referido acórdão foi dado relevo à existência de um direito
fundamental ao conhecimento e reconhecimento da maternidade e da
paternidade, invocando a verificação de “uma progressiva, mas segura e
significativa, alteração dos dados do problema, constitucionalmente
relevantes, a favor do filho e da imprescritibilidade da acção –
designadamente, com o impulso científico e social para o conhecimento
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das origens, os desenvolvimentos da genética, e a generalização de testes


genéticos de muito elevada fiabilidade. Esta alteração não deixa
incólume o equilíbrio de interesses e direitos, constitucionalmente
protegidos, alcançado há décadas, e sancionado também pela
jurisprudência, empurrando-o claramente em favor do direito de
conhecer a paternidade.”.
Os argumentos do aresto reconduziram-se ao desajuste na ponderação das
razões subjacentes ao estabelecimento de um prazo para propositura da
acção (segurança pessoal, familiar[8] e patrimonial do investigado) face à
diminuição do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à identidade
pessoal e a constituir família[9], que incluem o direito ao conhecimento
da paternidade ou da maternidade.
Por outro lado, o acórdão chamou à atenção para o âmago da questão
subjacente à imposição de um prazo limite para o exercício do direito de
accionar o pretenso progenitor: “a segurança para sujeitos ou pessoas
concretas – designadamente, o interesse do pretenso progenitor, que
poderia ser investigado, em não ver indefinida ou excessivamente
protelada uma situação de incerteza quanto à sua paternidade, bem como
o interesse, sendo o caso, da paz e harmonia da família conjugal
constituída pelo pretenso pai, a que se junta o argumento de que as
acções de investigação visam frequentemente fins tão-só
patrimoniais”[10].
A orientação por que optou mostra-se sustentada nas posições
doutrinárias de Guilherme de Oliveira, Rafael Valle Reis e Jorge Duarte
Pinheiro, que defendiam o direito ao conhecimento da
paternidade/maternidade como um direito pessoalíssimo e imprescritível,
em reforço do princípio da verdade biológica por forma a assumir
princípio absoluto e conformador de todo o regime de estabelecimento da
filiação.
Todavia, conforme constitui a delimitação do objecto do acórdão, o
mesmo restringiu a sua pronúncia ao limite temporal de “dois anos
posteriores à maioridade ou emancipação, e não a possibilidade de um
qualquer outro limite (…) só sobre aquele específico limite temporal,
previsto actualmente no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, se poderá
projectar o juízo de (in)constitucionalidade a proferir”, não querendo
comprometer-se com a defesa de um regime de imprescritibilidade
enquanto “a única alternativa pensável ao regime do artigo 1817.º, n.º 1,
do actual Código Civil.”
A opção do legislador de 2009 foi, antes, a de manter um prazo de
caducidade nas acções de investigação da paternidade.
Assim, com a publicação da Lei 14/2009, de 1 de Abril, frustradas que
foram as expectativas de ver consagrada na lei o direito de propor acção
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de investigação sem condicionamentos temporais[11] (que assim se


tornariam cognoscíveis a qualquer tempo), reacendeu-se a discussão
quanto à questão da constitucionalidade do prazo de caducidade neste tipo
de acções, discussão que o acórdão n.º 401/2011, do Plenário[12],
conseguiu aplacar.
Neste aresto concluiu-se pela não inconstitucionalidade do artigo 1817.º,
n.º 1 do CC, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, aplicável às
acções de investigação de paternidade por força do artigo 1873.º, do
mesmo Código. Foi entendido que tal prazo não se mostrava
desproporcional, não violando os direitos constitucionais ao
conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do
respectivo vínculo jurídico, abrangidos pelo direitos fundamentais à
identidade pessoal, previsto no artigo 26.º, n.º 1, e o direito a constituir
família, previsto no artigo 36.º, n.º 1, ambos da Constituição.
Na sua fundamentação o acórdão reconhece que os progressos científicos
no domínio da determinação da filiação biológica, conjugados com a
evolução verificada nos valores dominantes no âmbito da filiação,
determinaram significativa desvalorização dos interesses que presidiam
ao estabelecimento de prazos de caducidade para a propositura das
acções de investigação da paternidade, todavia, faz referência a situações
em que ainda fará sentido o estabelecimento de prazos de caducidade
enquanto meio ao dispor do legislador para atingir certos objectivos:
a ) evitar a valorização de provas pouco fiáveis devido ao seu
envelhecimento, e dá como exemplo situações em que apenas resta a
utilização dos meios tradicionais de prova por não se mostrar possível a
determinação científica da filiação: inexistência de um registo universal
de ADN, quando não é conhecido o paradeiro do investigado ou este já
faleceu e o seu cadáver não está acessível (porque foi cremado), não
existindo familiares directos do suposto pai necessários à realização dos
exames periciais.
b) o interesse de ordem pública na determinação integral do vínculo de
filiação (indicando o tema dos impedimentos matrimoniais - dirimentes
relativos)[13], aconselhando que tal determinação seja alcançada o mais
rápido possível, numa fase ainda precoce da vida do filho, evitando-se um
prolongamento injustificado de uma situação de indefinição na
constituição jurídica da relação de filiação (segurança do investigante).
c) a segurança, agora numa dimensão subjectiva do investigado e sua
família atenta as inerentes perturbações e afectações sérias do direito à
reserva da via privada.
E, nessa medida, conclui-se no acórdão que “o meio, por excelência, para
tutelar estes interesses atendíveis públicos e privados ligados à
segurança jurídica, é precisamente a consagração de prazos de
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caducidade para o exercício do direito em causa. Esses prazos funcionam


como um meio de induzir o titular do direito inerte ou relutante a exercê-
lo com brevidade, não permitindo um prolongamento injustificado duma
situação de indefinição, tendo deste modo uma função compulsória, pelo
que são adequados à protecção dos apontados interesses, os quais
também se fazem sentir nas relações de conteúdo pessoal, as quais, aliás,
têm muitas vezes, como sucede na relação de filiação, importantes efeitos
patrimoniais.”.
No que toca à conciliação destes direitos/interesses com a Lei
Fundamental, o acórdão em referência põe a tónica na necessidade de se
avaliar as características do prazo por forma a que não impossibilite ou
dificulte excessivamente o exercício maduro e ponderado do direito ao
estabelecimento da paternidade biológica. Nesse sentido refere: “(…) o
direito ao estabelecimento do vínculo da filiação não é um direito
absoluto que não possa ser harmonizado com outros valores
conflituantes, incumbindo ao legislador a escolha das formas de
concretização do direito que, dentro das que se apresentem como
respeitadoras da Constituição, se afigure mais adequada ao seu
programa legislativo. Assim o impõe a margem de liberdade que a
actividade do legislador democrático reclama. Caberá, assim, nessa
margem de liberdade do legislador determinar se pretende atingir esse
maximalismo, protegendo em absoluto o referido direito, ou se opta por
conceder protecção simultânea a outros valores constitucionalmente
relevantes, diminuindo proporcionalmente a protecção conferida aos
direitos à identidade pessoal e da constituição da família. Ao ter optado
por proteger simultaneamente outros valores relevantes da vida jurídica
através da consagração de prazos de caducidade, o legislador não
desrespeitou, as fronteiras da suficiência da tutela, uma vez que essa
limitação não impede o titular do direito de o exercer, impondo-lhe
apenas o ónus de o exercer num determinado prazo. É legítimo que o
legislador estabeleça prazos para a propositura da respectiva acção de
investigação da paternidade, de modo a que o interesse da segurança
jurídica não possa ser posto em causa por uma atitude desinteressada do
investigante, não sendo injustificado nem excessivo fazer recair sobre o
titular do direito um ónus de diligência quanto à iniciativa processual
para apuramento definitivo da filiação, não fazendo prolongar, através de
um regime de imprescritibilidade, uma situação de incerteza indesejável”.
Na avaliação da potencialidade do prazo de 10 anos, em termos de
consubstanciar limitação desajustada ao exercício do respectivo direito,
ao optar pela sua adequação, o acórdão considerou que tal prazo teria de
ser compaginado com o conjunto de prazos de caducidade estabelecidos
nos diversos números do artigo 1817.º, do Código Civil.
Entendeu, pois, que “Os efeitos da aplicação deste prazo, só podem ser
medidos, na sua devida extensão, se ponderarmos também a latitude com

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que são admitidas, no regime envolvente daquela norma, causas que


obstem à preclusão total da acção de investigação, por força do decurso
do prazo geral de dez anos, após a maioridade”.
E porque os prazos (de três anos) previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 1817.º
do CC, se contam para além do prazo fixado no seu n.º 1 (dez anos),
considerou que “não funciona como um prazo cego, cujo decurso
determine inexoravelmente a perda do direito ao estabelecimento da
paternidade, mas sim como um marco terminal de um período durante o
qual não opera qualquer prazo de caducidade”.
Quanto à respectiva natureza, entendeu o acórdão não estar em causa um
autêntico prazo de caducidade, antes a demarcação de um período de
tempo que impede que operem os verdadeiros prazos de caducidade
consagrados nos n.º 2 e 3, do mesmo artigo.
Na justificação do prazo invoca-se ainda o melindre e as implicações que
a decisão de instaurar a acção de investigação da paternidade reveste,
entendendo que num período inicial, após se atingir a maioridade ou a
emancipação, em regra, não existe ainda um grau de maturidade,
experiência de vida e autonomia que permita uma opção ponderada e
suficientemente consolidada.
A configuração feita no acórdão sobre o juízo de conciliação entre a
limitação temporal do exercício do direito de investigar a paternidade por
parte do filho e a Constituição não pode, considerar-se pacífica[14], não
obstante o posicionamento que o Tribunal Constitucional tem vindo a
sedimentar quanto à constitucionalidade do preceito.
Na verdade, não podemos deixar de ser sensíveis às críticas tecidas pelo
Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro na sua declaração de voto de
vencido ao juízo de constitucionalidade proferido no acórdão apontando
ao posicionamento que fez maioria fragilidades que assentam numa
incorrecta ponderação dos valores/interesses em contraposição (tutela do
interesse ao preenchimento completo dos dados de identificação pessoal e
tutela de um interesse de segurança e estabilidade familiar e patrimonial
do investigado) e que se mostra traduzida, essencialmente, quer na
inconsideração da natureza dos direitos titulados pelo investigante (que
não se compadece com qualquer limitação temporal para exercer a
respectiva tutela dos mesmos), quer na sobrevalorização dos interesses
alegadamente justificadores da temporalidade do direito, atribuindo-lhes
um valor constitucional que não têm (o acórdão falha rotundamente a
operação de ponderação em que a decisão assenta. É assim porque
sobrevaloriza indevidamente as razões de segurança jurídica, atribuindo-
lhes um peso que elas constitucionalmente não têm).
No que toca à natureza do direito e à questão da oportunidade de accionar
dentro de um prazo razoável (ligado à ideia de “sanção” pela inércia ou
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pouca diligência do investigante), tendo por subjacente o apelo à auto-


responsabilização do interessado/investigante, faz notar o ilustre
Conselheiro que a faculdade de formação e de expressão da vontade
daquilo que se é ou se quer ser, no presente, sem constrições limitativas
decorrentes da vivência passada, apenas pode depender do critério
subjectivo do filho investigante - «apreciação da conveniência em
determinar a identidade do seu progenitor, como elemento da sua
identidade pessoal, corresponde a uma faculdade eminentemente pessoal,
em que apenas pode imperar o critério do próprio filho»[15].
Está-se, por isso, perante um critério de decisão que, dada a essência
humana, é necessariamente mutável (o homem é um ser em devir) perante
os quadros relacionais e situacionais que podem influenciar uma tomada
de decisão (que apenas pode ser sentida e interpretada pelo pretenso
filho).
Em reforço desta ideia de intemporalidade do direito fundamental e da
consequente decisão do pretenso filho de restabelecer, por via de acção, o
vínculo biológico de paternidade, importa encarar o direito numa
dimensão mais abrangente que o conhecimento da proveniência
biológica, que assume repercussão na constituição de uma relação jurídica
correspondente e decorrente do estatuto de pai e filho, vinculados,
juridicamente, por um conjunto de direitos e deveres: “Nesta matéria,
tratando-se de bens atinentes ao núcleo da personalidade, uma atitude
pretérita não deve prevalecer sobre a vontade actual, por respeito àquele
direito fundamental. Nem mesmo quando há uma vinculação
negocialmente assumida a uma forma de conduta que contenda agora (no
momento do cumprimento) com a auto-apresentação do obrigado. É isso
mesmo que justifica que a limitação voluntária dos direitos de
personalidade, quando legal, seja sempre revogável (artigo 81.º, n.º 2, do
Código Civil). Por maioria de razão, a simples inércia ou passividade,
durante certo período temporal, em tomar a iniciativa de investigação de
paternidade não deve ser destrutiva da legitimidade para o fazer quando,
no critério actual do próprio, tal corresponde ao seu interesse na
constituição plena da sua identidade pessoal. Tanto mais que o querer
exercer, apenas numa fase mais tardia da vida, um direito de investigação
que anteriormente foi negligenciado não é susceptível de censura por
uma valoração externa, segundo padrões de conduta normalizada, tão
complexa e singularizada é a teia de determinantes da decisão e forte a
carga emocional que, muitas vezes, a caracteriza. Sem esquecer, no
mesmo sentido, que a afirmação desse interesse, numa fase etária mais
avançada, pode ser legitimamente influenciada pela consideração (só
então possível) do interesse de outros (e, eventualmente, por pressão
destes), igualmente afectados pelo desconhecimento da ascendência do
investigante (os seus descendentes, muito em particular). (…) Mas este
meio processual, para além de ser o único consagrado para obter o
reconhecimento daquele factor da identidade pessoal, encontra também
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sólido arrimo no direito fundamental a constituir família (artigo 36.º, n.º


1, da CRP), de que é instrumento necessário, nas circunstâncias em que
se encontra o investigante. Como direito normativamente constituído e
normativamente dependente, uma vez que tem por objecto uma faculdade
jurídica, esse direito fundamental reclama a predisposição e
disponibilização pelo ordenamento de meios jurídicos de efectivação, no
caso, meios de estabelecimento do vínculo jurídico de filiação, com
realce para o exercitável pelo filho. A isso serve a acção de
investigação”.
Quanto à dimensão relativa da segurança para o investigado e sua família
(que acaba por se reconduzir, sobretudo, ao domínio patrimonial),
designadamente para os herdeiros, ainda que se mostrem atendíveis
razões relativas ao interesse em não se ficar ilimitadamente sujeito à
ameaça de instauração de uma acção de paternidade, mostram-se
salientados os seguintes (4) aspectos que tornam frouxos os argumentos
que pugnam no sentido da temporalidade do direito:
1. ser o interesse do investigado autotutelável (não se justificando que
seja acautelado à custa do sacrifício de um bem pessoalíssimo da
contraparte[16]);
2. a vantagem do reconhecimento da paternidade em fase precoce da vida
do filho (para que este possa beneficiar de todas as dimensões do
desempenho da responsabilidade parental) não pode constituir argumento
em favor de perda da possibilidade de saber quem é o pai, pois redundaria
numa sanção não admissível. Para além disso, ainda que no âmbito do
direito a constituir família não possa ser garantida a inserção numa
autêntica comunidade de afectos, não poderá ser desprezada a vertente do
estatuto de filho quanto à titularidade de direitos patrimoniais (o direito a
alimentos e o direito a herdar, na qualidade de herdeiro legitimário);[17]
3. mostrar-se desproporcionada a preocupação com a segurança
patrimonial dos herdeiros reconhecidos do progenitor face ao
posicionamento da legislador ínsito no artigo 2075.º, do CC, permitindo
que qualquer herdeiro preterido possa intentar acção de “petição da
herança”, a todo o tempo, com sacrifício de quem tiver recebido os
bens[18].
4. o juízo de inconstitucionalidade quanto ao prazo não traduziria a tutela
“absolutizada” da identidade pessoal (que a Constituição não exige), pois
apenas seria circunscrito à situação especial do estabelecimento da
paternidade, sem repercussão noutros casos em que estejam presentes
interesses a valorizar que se oponham ao conhecimento da paternidade
biológica[19]:
Os defensores do entendimento que não mereceu vencimento na decisão
de constitucionalidade, defendem pois a falta de sustentabilidade, em
termos de ponderação dos interesses e direitos conflituantes em presença,
para a existência de limitação temporal ao exercício do direito do
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pretenso filho investigar/estabelecer a sua paternidade, radicados na ideia


de que os imperativos constitucionais decorrentes dos direitos à
identidade pessoal e à consequente historicidade pessoal e ao de constituir
família reclamam do sistema meios jurídicos eficazes para o
estabelecimento da filiação, sendo a acção de investigação de paternidade
o meio processual de que o filho dispõe para o efeito. Por conseguinte, a
fixação de um qualquer prazo para accionar revela-se, sempre,
cerceadora do respectivo direito.
Contudo, tal como acima salientado, a orientação decidida no acórdão
401/2011 tem vindo a ser mantida em inúmeras decisões do Tribunal
Constitucional, nomeadamente nos acórdãos n.ºs 750/2013, 373/2014,
383/2014, 529/2014, 547/2014, 704/2014, evidenciando a constância da
orientação jurisprudencial em causa, que continuou a ser mantida nos
vários arestos que vêm sendo proferidos nestes últimos dois anos
relativamente à questão.
No que respeita às decisões deste Supremo Tribunal, na sequência do
caminho feito pelo Tribunal Constitucional, vem a sentir-se a propensão
para a consolidação da posição no sentido de não se mostrar questionável
a constitucionalidade do prazo de caducidade consignado na lei[20],
sendo que a discussão da questão não parece assumir contornos de se
mostrar ultrapassada, perante a sustentabilidade dos argumentos em que
se apoiam as vozes dissonantes[21].
O olhar retrospectivo da questão da limitação temporal do exercício do
direito de investigar a paternidade por parte do pretenso filho indica-nos
que as alterações legislativas ocorridas nesse âmbito foram, naturalmente,
inspiradas pelas perspectivas político-sociais dos seus promotores e a
evolução foi, sem sombra de dúvida, no sentido de representar um esforço
para protecção dos direitos e interesses das pessoas envolvidas.
Atingido que foi o patamar de consenso quanto à natureza do direito ao
conhecimento da paternidade biológica, uma vez elegido à categoria de
direito fundamental[22], a questão que se passou a colocar foi a da
adequação dos meios legais existentes à sua plena concretização.
No juízo de adequação dos meios legais para efectivação da tutela deste
direito passou a sopesar a necessidade de se lograr obter, eficazmente, a
coincidência entre o vínculo jurídico e o biológico.
Tal objectivo, embora encarado pela lei como essencial na tutela a atingir,
não foi levado até às suas últimas consequências que, necessariamente,
radicariam num princípio de imprescritibilidade do direito de cada
indivíduo investigar e conhecer as suas origens genéticas, com os efeitos
daí decorrentes em termos de estabelecimento de relação de filiação (no
caso, de paternidade).

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O legislador de 2009, ao não seguir a tendência generalizada dos


ordenamentos jurídicos que lhe são próximos, não suprimindo os limites
temporais ao exercício do direito de investigar/conhecer a paternidade,
mantém acesa a discussão quanto à constitucionalidade dos entraves
temporais estabelecidos por desrespeito pela suficiência de tutela que tal
direito fundamental merece.
Neste sentido e no que toca ao prazo de dez anos de caducidade, não
obstante o sentido da actual jurisprudência preponderante do Tribunal
Constitucional, mostra total acuidade continuar a questionar as razões em
que se fundamenta um tal juízo de conformação constitucional.
Na verdade, a razoabilidade da limitação temporal, assentando num
princípio de proporcionalidade de direitos e interesses conflituantes,
encarada sob o prisma do investigante, faz desmerecer a natureza do seu
direito (direito pessoalíssimo e, por natureza, imprescritível)[23]/[24]e
põe em causa o equilíbrio que pretende instituir, pois coloca em patamar
equivalente interesses/valores (focalizados na segurança jurídica do
investigado e das suas relações familiares protegendo a estabilidade da
mesma) que, sem poderem ser desprezados, não poderão ser
equacionados e tutelados de igual forma.
Assim sendo, não podemos deixar de considerar que qualquer limitação
temporal neste âmbito, ainda que se considere de prazo razoável, constitui
uma compressão da revelação da verdade biológica, que é o princípio
alicerçante do regime da filiação e, nesse sentido, os direitos de
identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade (onde se inclui
o direito de conhecer e ver reconhecida a ascendência biológica e a marca
genética de cada pessoa), reconhecidos constitucionalmente enquanto
direitos fundamentais, não podem deixar de ganham uma dimensão, que
não se compagina com a fixação de qualquer prazo condicionante da
instauração de acção de paternidade ou maternidade.
Consequentemente, a limitação temporal ínsita no n.º1 do artigo 1817.º do
CC, viola, de forma desproporcionada, tais direitos fundamentais e, nessa
medida, mostra-se materialmente inconstitucional (violando, entre outros,
os arts.16.º, n.º1, 18.º, n.º 2 e 26.º, n.º 1, da CRP).
Assim sendo, reafirma-se, não descurando o entendimento que vem sendo
assumido pelo Tribunal Constitucional (decidindo sempre no sentido da
constitucionalidade da fixação do prazo de caducidade) e a competência
própria do mesmo neste domínio, entendemos que a perspectiva de não
ser acolhido por aquele Tribunal o posicionamento que consideramos por
correcto, não nos pode desautorizar de decidir pela desaplicação, ao caso
concreto, do artigo 1817.º, n.º1, do CC, porque materialmente
inconstitucional.

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Há pois que concluir pela tempestividade da instauração da acção e, como


tal, pela improcedência da excepção de caducidade ao invés do decidido
pelo tribunal a quo.
Procedem, por isso, as conclusões da revista.
III - Decisão
Nestes termos, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em
julgar a revista procedente e, em consequência, não aplicando o
artigo 1817.º, n.º1, do Código Civil, porque materialmente
inconstitucional, revogam o acórdão recorrido e julgam improcedente
a excepção de caducidade, devendo a acção prosseguir os seus
ulteriores termos.
Custas pelos Recorridos.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2018


Graça Amaral (Relatora)
Henrique Araújo
Maria Olinda Garcia

_________________
[1] Doravante sob a designação CC.
[2] Não obstante ter aludido no corpo das alegações erro de julgamento da matéria de facto
relativamente à factualidade ínsita no ponto 16 dos factos provados (matéria em que o tribunal a quo
fez assentar a sua decisão), não fez incluir tal questão das conclusões do recurso, sendo certo que,
relativamente à mesma, sempre estaria este Tribunal impedido de a conhecer por se encontrar fora do
âmbito dos seus poderes de cognição por se reportar a decisão de facto assente na livre apreciação da
prova formada pelas instâncias.
[3] A legitimidade (processual) subsidiária atribuída ao cônjuge e aos descendentes do filho
estabelecida no artigo 1818.º do CC, não decorre do direito encabeçado pelo filho transmitido aos
familiares, mas constitui um direito próprio dos mesmos – cfr. acórdão do STJ de 15-05-2013,
processo n.º 787/06.7MAI.P1.S1.
[4] O fundamento de um prazo de caducidade reporta a razões objectivas de segurança jurídica, sem
atenção à negligência ou inércia do titular, mas apenas o propósito de garantir que dentro do prazo
nela estabelecido a situação se defina – cfr. Vaz Serra, BMJ 107, p. 191.
[5] Por não poderem beneficiar da presunção de paternidade do marido, defendia-se que o
reconhecimento dos meios para estabelecer a paternidade deveria ter maior abertura por forma a não
limitar, em demasia, as possibilidades de estabelecimento da filiação dos filhos nascidos fora do
casamento (mediante a prova do vínculo biológico).
[6]Paulo Mota Pinto, “O direito ao livre desenvolvimento da personalidade”, Portugal-Brasil, ano
2000, Coimbra, 2000, p. 149 a 249.
[7] O acórdão n.º 486/2004, do Tribunal Constitucional, inverteu o sentido do entendimento deste
tribunal quanto à questão e impulsionou a declaração da inconstitucionalidade com força obrigatória
geral, e esta, a consequente alteração do preceito pela Lei 14/2009[7]. Com efeito, até à prolação
daquele acórdão a pronúncia do Tribunal Constitucional radicou em considerar constitucionalmente
incensurável a solução legislativa quanto à fixação de prazo de caducidade para a propositura deste
tipo de acção (cfr., entre outros, acórdãos n.ºs99/88, 451/89, 370/91, 311/95, 506/99).
[8] Considerando discriminatória relativamente aos filhos nascidos fora do casamento o apelo à paz e
harmonia familiar.
[9] Decorrente da fixação de um prazo curto para o desencadeamento da acção de investigação após

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completar a maioridade.
[10] Foi salientada a necessidade de ser ponderada sob as duas perspectivas (da família do pretenso
progenitor e do investigante) a questão da motivação da segurança patrimonial de modo a determinar
qual dos interesses mereceria maior relevo.
[11] Expectativas que vinham sendo alimentadas pela consistência do entendimento jurisprudencial ao
nível dos tribunais da Relação e do Supremo e que decorria, sobretudo, da declaração da
inconstitucionalidade com força obrigatória geral do prazo contido no n.º1 do artigo 1817.º do CC
[12]Votado com sete votos a favor e seis contra.
[13]Cfr. artigo 1602.º, alínea a) e c), do CC, sendo certo que o artigo 1603.º, do mesmo Código, regula
a questão da prova da paternidade/maternidade para tais efeitos admitindo-a sempre, ressalvando,
contudo, que o reconhecimento do parentesco assim obtido não assume qualquer relevância (nem
como começo de prova) na acção de investigação da paternidade/maternidade.
[14] Desde logo, evidenciada pela forma como este aresto foi aprovado (a tese que fez vencimento foi
obtida apenas por um voto)
[15] Acórdão n.º 486/2004.
[16]“Das duas uma: se o suposto progenitor julga que é progenitor, está nas suas mãos acabar com a
insegurança – perfilhando – e se tem dúvidas pode mesmo promover a realização de testes científicos
que as dissipem; se, pelo contrário, não tem a consciência de poder ser declarado como progenitor,
não sente a própria insegurança.” - Guilherme de Oliveira, “Caducidade das acções de investigação”,
Lex Familiae, 2004, p. 10.
[17] Refere-se na declaração de voto: “é pois descabido e constitucionalmente claudicante fazer
decorrer de eventuais motivações patrimoniais uma razão bastante para precludir a aquisição do
estado pessoal que é condição de satisfação desse interesse. No que, em particular, diz respeito ao
direito à herança, no caso de o filho estar num período da vida em que já não pode beneficiar da
acção paterna também na esfera pessoal, mormente do seu contributo educativo para a formação da
personalidade, seria um efeito perverso negar-lhe, a pretexto dessa situação impossibilitante, o
acesso ao único direito que lhe restará exercer, a ser procedente a acção de investigação. Mesmo que
uma iniciativa tardia possa ser tipicamente associada ao exclusivo desejo de aquisição do direito a
herdar – o que, aliás, é dificilmente sindicável, com objectividade – não se vê que alguém em
condições de ver reconhecida a qualidade de filho deva ser impedido de accionar o meio processual
para tanto pela razão de que só o faz para poder, em devido tempo, reclamar o que lhe é devido em
função dessa qualidade. A efectiva vivência familiar, com a constituição de laços pessoais, não é, de
acordo com o regime sucessório, condição de titularidade e de exercício dos direitos dos herdeiros
legitimários. Tanto assim que os filhos gerados em matrimónio, e salvas as situações extremas
justificativas de deserdação, não deixam de herdar, mesmo que não tenham chegado a estabelecer, ou
tenham perdido, qualquer ligação pessoal com o progenitor, ou mesmo que essa ligação tenha um
cunho litigioso. Não se compreende, neste contexto, que a procura, pelo pretenso filho, de um efeito
legal, que decorre apenas, sem mais, do vínculo jurídico de filiação, seja considerado uma causa
indigna da constituição desse vínculo, unicamente porque já não é possível dar realidade prática aos
efeitos pessoais que dele também promanam – o que frequentemente só aconteceu, diga-se de
passagem, porque o pai se furtou (ou, pelo menos, não diligenciou) a assumir, no passado, a
responsabilidade decorrente do acto de procriação. Tal significaria uma disparidade de tratamento do
nascido fora do casamento, sobrecarregando desvantajosamente a situação em que, por força dessa
condição de nascimento, ele está já está naturalmente colocado.”
[18] Nesse sentido, realça o Conselheiro Sousa Ribeiro, “não parece justificar-se que um herdeiro, que
já o era à data da abertura da herança, seja melhor tratado, em caso de preterição, do que aquele
que, naquela data, ainda não possuía essa qualidade, embora já reunisse as condições para ser
reconhecido como tal.”;
[19] Nos termos do artigo 10.º, da Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho (Lei da procriação medicamente
assistida), em caso de inseminação heteróloga, as pessoas nascidas por esse processo só podem obter
informações sobre a identidade do dador “por razões ponderosas reconhecidas por sentença judicial”
(n.º 4 do artigo 15.º), norma que obteve um juízo de não inconstitucionalidade (Acórdão n.º
101/2009).Por sua vez, no regime da adopção, o artigo 1990.º,introduzido pela Lei 143/2015, de 08-
09, sob a epígrafe Acesso ao conhecimento das origens, estabelece, aos adoptados, o direito ao
conhecimento das suas origens, direito que tem de ser compaginado no âmbito das restrições
constantes do regime jurídico do processo de adopção, designadamente do que resulta do artigo
4.ºquanto ao próprio processo de adopção (carácter secreto que poderá ser consultado pelo adoptado
após a maioridade) e do artigo 6.º (acesso do conhecimento das origens a partir dos 16 anos do
adoptado ou com Autorização dos pais adoptantes na menoridade).
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08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
[20] Cfr. entre outros, acórdão de 08-03-2016, Revista n.º 352/11, acórdão de 21-04-2016, Revista n.º
1974/13, acórdão de 08-11-2016, Revista n.º 4704/14, acórdão de 04-05-2016, Revista n.º 2886/12.
[21] Cfr. acórdãos deste Supremo Tribunal de 05-05-2015, Revista n.º 932/13 e 08-06-2017, Revista
n.º 513/16.
[22]Enquanto decorrência do direito à identidade pessoal (onde se encontra incluída a identidade
genética, que o artigo 26.º, n.º 3, da CRP, considera constitucionalmente relevante) e à integridade
pessoal (artigo 25.º), não dissociável do direito ao desenvolvimento da personalidade e do direito ao
conhecimento das próprias raízes, o direito à historicidade pessoal (quais são os antecedentes, onde
estão as raízes familiares, geográficas, culturais e genéticas de cada indivíduo).
[23] Como salienta o Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro no voto de vencido a “apreciação da
conveniência em determinar a identidade do seu progenitor, como elemento da sua identidade
pessoal, corresponde a uma faculdade eminentemente pessoal, em que apenas pode imperar o critério
do próprio filho.”
[24] Guilherme de Oliveira fala no dever jurídico de perfilhar por parte do pai biológico - “Não dou
relevância à liberdade de não ser considerado pai, só pelo facto de terem passado muitos anos sobre
a concepção, pai e filho estão inexoravelmente ligados e tanto o princípio da verdade biológica que
inspira o nosso direito da filiação quanto as noções de responsabilidade individual a que adiro não
reconhecem a faculdade de o pai biológico se eximir à responsabilidade jurídica correspondente.” –
“Caducidade das acções de investigação”, Lex Familiae, revista portuguesa de direito da família.

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