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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.759.991 - SC (2018/0205702-2)

RELATOR : MINISTRO MOURA RIBEIRO


RECORRENTE : MAURÍCIO PEREIRA - ESPÓLIO
RECORRENTE : CASTILDA ECCEL PEREIRA - ESPÓLIO
REPR. POR : ANTHUE JOSE ECCEL PEREIRA - INVENTARIANTE
ADVOGADOS : VALDIR RIGHETTO FILHO E OUTRO(S) - SC010193
MAURÍCIO FERNANDO SPILLERE - SC024788B
EDUARDO SPILLERE CORDEIRO - SC038916
RECORRIDO : BANCO DO BRASIL SA
ADVOGADOS : GUSTAVO RODRIGO GÓES NICOLADELI - SC008927
ELISIANE DE DORNELLES FRASSETTO E OUTRO(S) -
SC017458
RODRIGO FRASSETTO GOES - AL012834A
INTERES. : INDÚSTRIA DE PAPELÃO PINHEIRO PRETO LTDA
ADVOGADO : LUÍS PAULO STÁVALE JOAQUIM E OUTRO(S) - SC005693
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE.
IRRESIGNAÇÃO FUNDADA NO NCPC. MORTE DO DEVEDOR.
GARANTIA AO DIREITO DE MORADIA CONSTITUÍDA EM BENEFÍCIO
DA FAMÍLIA. PROTEÇÃO QUE NÃO CESSA AUTOMATICAMENTE
COM A MORTE DO DEVEDOR. PRECEDENTES. RECURSO
ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

DECISÃO
Consta dos autos que o BANCO DO BRASIL S.A. (BANCO) promoveu
execução de título extrajudicial contra INDÚSTRIA DE PAPELÃO PINHEIRO PRETO
LTDA. e seus avalistas MAURÍCIO PEREIRA e CASTILDA ECCEL PEREIRA (MAURÍCIO
e CASTILDA) (e-STJ, fls. 36/42).
No curso do processo, foi penhorado imóvel matriculado no 2º Ofício de
Registro de Imóveis de Blumenau-SC sob o nº 6.818, de propriedade de MAURÍCIO e
CASTILDA (e-STJ, fls. 172/175 e 183). O TJSC desconstituiu essa penhora ante o
reconhecimento de que o imóvel era bem de família (e-STJ, fls. 244/254). Referido acórdão
não foi modificado pelos recursos subsequentes (AREsp nº 1.420.732/SC e REsp nº
1.168.923/SC) (e-STJ, fls. 560/567).
Após o falecimento de MAURÍCIO e CASTILDA, o juízo da execução
deferiu a adjudicação do imóvel sob a justificativa de que ele perdera sua condição de bem
de família, passando a integrar o patrimônio do espólio e, assim, deveria ser utilizado para
saldar as obrigações contraídas pelo de cujus.
Contra essa decisão, sobrevieram embargos à adjudicação opostos pelos
ESPÓLIOS de MAURÍCIO e de CASTILDA (e-STJ, fls. 1/30) rejeitados por sentença
(e-STJ, fls. 874/881) que foi confirmada em grau de apelação por acórdão assim
ementado:

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APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À ADJUDICAÇÃO. SENTENÇA DE


IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DOS EMBARGANTES.
DIREITO TEMPORAL. DECISÃO PROFERIDA SOB À ÉGIDE DA
LEI 5.869/73. ANÁLISE RECURSAL NA ÓTICA DESTA LEI.
EXEGESE DO ARTIGO 14 DA LEI 13.105/2015. TEORIA DO
ISOLAMENTO DOS ATOS PROCESSUAIS.
"O art. 14 do Novo Código de Processo Civil deixa evidente que a
intenção do legislador foi a de adoção da teoria de isolamento dos
atos processuais, em que cada ato é identificado de forma clara e
individualizada, de modo que a aplicação da nova lei (no caso, do
NCPC) somente se dará após o término do ato processual anterior.
Em resumo, significa dizer que, tanto os atos e fatos já consumados
na vigência da lei antiga, quanto aqueles cujos efeitos estão
pendentes, devem ser respeitados, ainda que a lei nova preveja
situação diferente. [...]" (TJSC, Apelação Cível n. 2013.024806-4,
de Curitibanos, rel. Des. Francisco Oliveira Neto, j. 29-03-2016).
DIREITO DE PREFERÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO
NA INICIAL DOS EMBARGOS. PRETENSÃO EM MODIFICAR A
CAUSA DE PEDIR. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 264 DO
CPC/1973.
INVIABILIDADE DA ANÁLISE DA QUESTÃO.
IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. DIVIDA ADQUIRIDA
PELO ESPÓLIO. PROPRIEDADE PERTENCENTE AO ESPÓLIO.
CARACTERIZAÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA QUE NÃO SE ESTENDE
AOS HERDEIROS. TESE AFASTADA. SENTENÇA MANTIDA.
"PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. ÚNICO
BEM DE FAMÍLIA EM QUE RESIDE FILHO, ESPOSA E NETAS DO
DEVEDOR. ARTIGOS 1° E 5° DA LEI N. 8.009/90.
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Só deve ser
considerado como bem de família o único imóvel residencial
pertencente ao casal ou à entidade familiar, conforme artigos 1° e
5° da Lei n. 8.009/90, vigente à época dos fatos. 2. Imóvel ocupado
por filho, sua esposa e filhas, embora considerado como único bem
do devedor, não apresenta as características exigidas para ser tido
como bem de família e ser albergado como impenhorável. 3. O
objetivo do legislador, sem dúvida alguma, foi tentar oferecer à
entidade familiar o mínimo de garantia para sua mantença,
protegendo os bens primordiais da vida. Para que haja o direito de
impenhorabilidade, é imprescindível que haja prova do requisito
(art. 5°) exigido pela Lei n. 8.009/90, vale dizer, que o imóvel é o
único destinado à residência do devedor como entidade familiar. 3.
A sustentação de um regime democrático é a obediência a uma
soma de princípios, entre eles o do respeito ao ordenamento
jurídico positivado, o da dignidade humana e o dos Poderes
constituídos exercerem as suas competências de acordo com os
ditames constitucionais. Ao Judiciário não cabe legislar. A
atribuição que tem de interpretar a lei, quando é chamado a
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aplicá-la, não autoriza agir como se fosse legislador,
acrescentando ou tirando direitos nela não previstos. 4. Recurso
não provido (STJ - REsp: 967137 AL 2007/0158855-2, Relator:
Ministro g JOSÉ DELGADO, Data de Julgamento: 18/12/2007, T1 -
PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/03/2008)" (sem
grifo no original).
Recurso conhecido e desprovido (e-STJ, fls. 1.027/1.028).

Os embargos de declaração foram rejeitados (e-STJ, fls. 1.083/1.087).


Inconformados, os ESPÓLIOS de MAURÍCIO e de CASTILDA
interpuseram recurso especial, com fundamento no art. 105, III, a e c da CF, alegando,
além de divergência jurisprudencial, ofensa ao art. 1º da Lei nº 8.009/90, porque o imóvel
residencial em discussão é o único bem que restou do patrimônio dos falecidos e os
herdeiros ainda residem no mesmo local, não possuindo nenhum outro imóvel (e-STJ, fls.
1.090/1.125).
Apresentadas contrarazões, o recurso especial foi admitido na origem
(e-STJ, fls. 1.156/1.158).
É o relatório.
DECIDO.
Inicialmente, vale pontuar que as disposições do NCPC, no que se refere
aos requisitos de admissibilidade dos recursos, são aplicáveis ao caso concreto ante os
termos do Enunciado nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos
recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a
partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na
forma do novo CPC.
Na linha dos precedentes desta Corte Superior, o falecimento do devedor
não faz cessar, automaticamente, a impenhorabilidade do bem prevista na Lei nº 8.009/90,
porque essa garantia é constituída em favor da família.
Nesse sentido:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. 1.


PENHORA. IMÓVEL RESIDENCIAL. ÚNICO BEM.
IMPENHORABILIDADE. BEM DE FAMÍLIA. LEI N. 8.009/1990. A
MORTE DO DEVEDOR NÃO FAZ CESSAR AUTOMATICAMENTE
A IMPENHORABILIDADE DO IMÓVEL CARACTERIZADO COMO
BEM DE FAMÍLIA. GARANTIA ESTENDIDA À FAMÍLIA. SÚMULA
83/STJ. 2. IMÓVEL DOS SÓCIOS DADO EM GARANTIA
HIPOTECÁRIA DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA.
IMPENHORABILIDADE. SITUAÇÃO DIVERSA DA EXCEÇÃO
PREVISTA NA LEI 8.009/1990, ART. 3º, V. SÚMULA 83/STJ. 3.
ÚNICO IMÓVEL UTILIZADO PELA ENTIDADE FAMILIAR.
NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. SÚMULA N. 7/STJ. 4.
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AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. A morte do devedor não faz cessar automaticamente a
impenhorabilidade do imóvel caracterizado como bem de família
nem o torna apto a ser penhorado para garantir pagamento futuro
de seus credores.
(AgInt no AREsp 1.130.591/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO
BELLIZZE, Terceira Turma, DJe 15/12/2017);

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA E SUCESSÕES.


EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. IMÓVEL RESIDENCIAL.
ACERVO HEREDITÁRIO. ÚNICO BEM. IMPENHORABILIDADE.
BEM DE FAMÍLIA. LEI Nº 8.009/1990. DIREITO CONSTITUCIONAL
À MORADIA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ARTS. 1º, III, E
6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. A proteção instituída pela Lei nº 8.009/1990 impede a penhora
sobre direitos hereditários no rosto do inventário do único bem de
família que compõe o acervo sucessório.
2. A garantia constitucional de moradia realiza o princípio da
dignidade da pessoa humana (arts. 1º, III, e 6º da Constituição
Federal).
3. A morte do devedor não faz cessar automaticamente a
impenhorabilidade do imóvel caracterizado como bem de família
nem o torna apto a ser penhorado para garantir pagamento futuro
de seus credores.
4. Recurso especial provido.
(REsp 1.271.277/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS
CUEVA, Terceira Turma, DJe 28/3/2016);

PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - INSOLVÊNCIA CIVIL


DE ESPÓLIO - ART. 751, II, DO CPC - FALTA DE
PREQUESTIONAMENTO - SÚMULA 356/STF - PENHORA - BEM
DE FAMÍLIA - FALECIMENTO DA VIÚVA-MEEIRA - SUPOSTA
RESIDÊNCIA DA FILHA HERDEIRA - NÃO COMPROVAÇÃO -
INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DA LEI Nº 8.009/90 -
POSSIBILIDADE DE ENTREGA DO REFERIDO IMÓVEL AO
ADMINISTRADOR DA MASSA.
1 - Não enseja interposição de Recurso Especial matéria (art. 751,
II, do Código de Processo Civil) não ventilada no v. julgado atacado
e sobre a qual a parte não opôs os embargos declaratórios
competentes, estando ausente o prequestionamento. Aplicação da
Súmula 356/STF.
2 - Conforme preceitua o art. 1º da Lei nº 8.009/90, para se
configurar bem de família, há necessidade que o imóvel seja
próprio da entidade familiar e que seus membros nele residam.
Compulsando o feito, verifico não haver qualquer comprovação de
que a filha herdeira do insolvente, juntamente com seu marido e
filhos, residam no imóvel em questão. Inaplicabilidade do referida
norma legal. Não caracterização do imóvel como bem de família.
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3 - Não há, ainda, falar-se que somente a metade do bem poderia
ser arrecadada pelo administrador da massa, sustentando
pertencer a outra metade à viúva-meeira, que não era insolvente.
Isto porque o casamento realizou-se pelo regime da comunhão
universal de bens, por meio do qual todos os bens presentes e
futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas se comunicam,
conforme o art. 262 do Código Civil de 1916.
4 - Recurso não conhecido.
(REsp 250.570/RS, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, Quarta
Turma, DJ 27/9/2004)

No caso dos autos, as instâncias de origem permitiram a adjudicação


sem esclarecer se os herdeiros moravam no imóvel, se ele gera renda aplicada no aluguel
de outra moradia ou se há outros bens imóveis (do espólio ou dos próprios herdeiros) que
possam servir-lhes de residência.
Somente a partir da análise dessas questões é que será possível verificar,
portanto, se a impenhorabilidade deve ser mantida no caso concreto ou não.
Nessas condições, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso especial,
determinando o retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição, a fim de que aprecie
novamente a questão à luz da orientação jurisprudencial fixada pela jurisprudência desta
Corte.
Publique-se. Intimem-se.

Brasília-DF, 03 de setembro de 2019.

Ministro MOURA RIBEIRO


Relator

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