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Susanna Vickers, nº 4036

A distinção entre providências cautelares antecipatórias e conservatórias.


Antes de distinguir entre providências cautelares antecipatórias e conservatórias,
devemos abordar a noção de providências cautelares em geral.
As providências cautelares são referidas no artigo 2º do CPC como sendo “os
procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação.” De acordo com Antunes
Varela, visam impedir que, durante a pendência de qualquer ação declarativa ou
executiva, a situação de facto se altere de modo que a sentença nela proferida, se for
favorável, perca toda ou parte da sua eficácia.1
As providências cautelares são instrumentais relativamente à decisão do conflito
principal, e servem para assegurar a eficácia do resultado de determinada ação,
proposta ou a propor, destinada a proteger certo direito. Em princípio, não substituem
a decisão da ação principal (embora seja possível através da inversão do contencioso),
e, sendo apenas instrumentais, devem ser instaurados como preliminar ou incidente de
ação declarativa ou executiva, como decorre do artigo 364º CPC.
Para decretar uma providência cautelar, será necessário demonstrar que o direito que
se procura salvaguardar poderá sofrer danos se se esperar pela decisão da ação
principal, ou seja, que haveria periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do
processo). Assim, as providências cautelares têm caráter urgente, para impedir que o
direito que a providência procura salvaguardar sofra danos pela demora. Devido a esta
urgência, o juíz faz a sua decisão apenas com base numa análise sumária dos factos
apresentados, bastando haver fumus boni iuris, ou seja, basta verificar uma
probabilidade séria da existência do direito do requerente para decretar a providência
cautelar (artigo 368º/1 CPC). Porém, se o tribunal considerar que o prejuízo resultante
da providência cautelar para o requerido excede consideravelmente o dano que com ela
o requerente pretende evitar, pode não conceder a providência cautelar (artigo 368º/2
CPC). Devido à já mencionada urgência das providências cautelares, estas têm uma
estrutura simplificada, que é, contudo, contrabalançada pela responsabilização do
requerente caso a providência seja considerada injustificada ou vier a caducar por fato
imputável a este. Isto desincentiva a utilização excessiva ou abusiva das providências
cautelares. De acordo com Rita Lobo Xavier2, são estas as características comuns a todas
as providências cautelares.
As providências cautelares podem ser antecipatórias ou conservatórias. As providências
cautelares conservatórias destinam-se a conservar a situação jurídica ou direito que é
objeto da ação até à decisão. Visam acautelar o efeito útil da ação principal, assegurando
a permanência da situação existente quando se despoletou o litígio ou aquando da
verificação de periculum in mora. Carlos Lopes do Rego3 define a finalidade das
providências cautelares conservatórias como visando “manter inalterada a situação que

1
Manual de Processo Civil - Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, 2ª edição, p. 23
2
Elementos de Direito Processual Civil, Teoria geral. Princípios. Pressupostos - Rita Lobo Xavier, Gonçalo
Andrade e Castro e Inês Folhadela, p. 49
3
Comentário ao Código de Processo Civil - Carlos Lopes do Rego, p. 275
Susanna Vickers, nº 4036

preexiste à ação tornando-a imune à possível ocorrência de eventos prejudiciais”. As


providências cautelares antecipatórias destinam-se a conceder ao requerente os efeitos
práticos que resultariam da procedência da ação. Visam a antecipação da realização do
direito que, previsivelmente, será reconhecido na ação principal.
O CPC especifica sete tipos de providências cautelares (artigo 377º e seguintes do CPC),
mas admite a possibilidade de providências cautelares para além das tipificadas, sendo
estas as providências cautelares comuns, ou não especificadas, reguladas nos artigos
362º e seguintes do CPC. As providências cautelares especificadas são: a restituição
provisória da posse (377º e seguintes CPC e 1279ºCC); a suspensão de deliberações
sociais (380º e seguintes CPC); os alimentos provisórios (384º e seguintes CPC); o
arbitramento de reparação provisória (388º e seguintes CPC); o arresto (391 e seguintes
CPC e 601º, 619º CC); o embargo de obra nova (397º e seguintes CPC); e o arrolamento,
que pode ser comum (403º e seguintes CPC) ou especial (409º CPC). Destas, são
conservatórias a suspensão das deliberações sociais, o arresto, o embargo de obra nova
e o arrolamento. São antecipatórias a restituição provisória da posse, os alimentos
provisórios e o arbitramento de reparação provisória.4 As providências cautelares
comuns, ou não especificadas, reguladas nos artigos 362º e seguintes do CPC podem ser
também antecipatórias ou conservatórias, dependendo da sua finalidade (como refere
o artigo 362º/1 CPC).
Assim, e para concluir, a grande distinção entre as providências cautelares
antecipatórias e conservatórias prende-se com a sua finalidade: se visam manter um
direito intocado, manter o statu quo, serão conservatórias; se visam antecipar a situação
que (previsivelmente) decorrerá da decisão da ação principal, alterando o statu quo,
serão antecipatórias.

4
Procedimentos Cautelares: Noção e Requisitos Um Olhar Possível com a Reforma Processual Civil de
2013. António Alfredo Mendes & Carlos Proença - JURISMAT, Portimão, n.º 4, 2014, pp. 339-367, p. 344

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