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08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


Processo: 175/05.2TBPSR.E2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANO PATRIMONIAL FUTURO
DANO BIOLÓGICO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 10-11-2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL À REVISTA DO AUTOR E NEGADA
PROVIMENTO AO RECURSO DO RÉU
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES /
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / DANOS FUTUROS.
Doutrina:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 564.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 4/12/2007, P. N.º 07A3836, EM WWW.DGSI.PT .


Sumário :
I. Ao avaliar e quantificar o dano patrimonial futuro, pode e deve o
tribunal reflectir também na indemnização arbitrada a perda de
oportunidades profissionais futuras que decorra do grau de incapacidade
fixado ao lesado, ponderando e reflectindo por esta via na indemnização,
não apenas as perdas salariais prováveis, mas também o dano patrimonial
decorrente da inevitável perda de chance ou oportunidades profissionais
por parte do lesado.

II. A indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em


relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, perspectivado
na óptica de uma capitis deminutio na vertente profissional, deverá
compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida em perdas salariais
imediatas ou na privação de uma específica capacidade profissional, quer
da relevante e substancial restrição às possibilidades de obtenção,
mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades
profissionais à sua disposição, quer da acrescida penosidade e esforço no
exercício da sua actividade profissional corrente, de modo a compensar as
deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas – em
adição ou complemento da indemnização fixada pelas perdas salariais
prováveis, decorrentes dio grau de incapacidade fixado ao lesado
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. O Centro Hospitalar AA, S.A.. intentou, em 01.03.2005, acção


declarativa sumária contra o Fundo de Garantia Automóvel, pedindo a
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condenação deste no pagamento da quantia de € 10.178,63, a título de


serviços de assistência médica por si prestados a BB.
Na acção declarativa ordinária nº 455/05.7TBPSR, entretanto mandada
apensar, intentada pela referida BB contra o mesmo réu, Fundo de
Garantia Automóvel, que versa sobre o mesmo acidente, pediu aquela a
condenação deste no pagamento da quantia de € 22.885,62 (€ 12.885,62
por danos patrimoniais e € 10.000,00 por danos não patrimoniais) e da
quantia que se vier a liquidar a título de indemnização por danos
patrimoniais futuros, quantias essas acrescidas de juros legais, desde a
citação e até integral pagamento.
Alegou para o efeito e em resumo que em resultado do acidente já supra
referido, que ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo não
identificado, sofreu lesões corporais, para as quais necessitou de cuidados
médicos e que determinaram, para além de sofrimento e tristeza, uma
incapacidade física de grau indeterminado, tendo ficado impossibilitada
de exercer a sua anterior actividade laboral, bem como concluir a
escolaridade obrigatória e outras actividades, o que lhe provoca angústia e
tristeza.
Citado, contestou o réu, defendendo-se por impugnação.
Entretanto, veio o autor Centro Hospitalar AA, S.A., requerer a ampliação
do pedido para o montante de € 13.293,47, o que foi deferido.
Finda a audiência, foi proferida sentença, nos termos da qual a acção foi
julgada parcialmente procedente, condenando-se o réu Fundo de
Garantia Automóvel a pagar:
a) Ao autor, Centro Hospitalar AA, S.A., a quantia de € 13.293,47 (treze
mil e duzentos e noventa e três euros e quarenta e sete cêntimos),
acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação
até efectivo e integral pagamento;
b) À Autora, BB, a quantia global de € 47.000,00 (quarenta e sete mil
euros), sendo € 40.000,00, a título de dano patrimonial futuro e €
7.000,00, a título de dano não patrimonial, acrescida de juros de mora à
taxa legal de 4% desde a data da prolação da decisão até efectivo e
integral pagamento.

2. Inconformados, apelaram o réu Fundo de Garantia Automóvel e, bem


assim, a autora BB.
Por acórdão que conheceu de tais recursos, julgando- os parcialmente
procedentes, foi decidido alterar de € 7.000,00 para € 15.000,00 o valor
da indemnização relativa aos danos não patrimoniais, anulando-se o
decidido na sentença relativamente ao dano patrimonial futuro,
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determinando-se que a indemnização a pagar à autora BB, relativa a tal


dano, seria liquidada em execução de sentença, com juros de mora a
fixar oportunamente.
A autora BB deduziu incidente de liquidação, no qual pediu que o valor
do dano patrimonial futuro fosse liquidado em € 160.000,0, com juros
legais desde a data da citação até integral pagamento.
Admitido o incidente e notificado o réu Fundo de Garantia Automóvel,
veio este deduzir oposição ao incidente, no qual tomou posição no sentido
de, no limite ser apenas de aceitar a quantia indemnizatória, de €
40.000,00, que havia sido anteriormente fixada na 1ª instância.
A final, foi proferida sentença, nos termos da qual se fixou em €
55.000,00 o valor do dano patrimonial futuro, condenando-se o réu
Fundo de Garantia Automóvel a pagar à autora BB tal quantia,
acrescida de juros de mora calculados à taxa legal e contabilizados
desde a data da citação para a acção, até integral pagamento.

3. Inconformada, apelou a autora, BB, tendo a Relação começado por


fixar o seguinte quadro factual subjacente ao litígio:
l) BB nasceu no dia 14 de Fevereiro de 1985.
2) O acidente de viação ocorreu no dia 25 de Janeiro de 2004.
3) A autora, em virtude da colisão e como sua consequência directa e
necessária, sofreu as lesões descritas nos relatórios clínicos que constam
dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos,
nomeadamente, fractura da diáfise do fémur esquerdo, fractura da diáfise
dos ossos da perna esquerda e lesão do nervo ciático popliteu externo,
tendo sido transportada para o Centro de Saúde de …, onde foi operada,
ainda no dia 25 de Janeiro de 2004, à perna esquerda, tendo ficado
internada até ao dia 7 de Fevereiro. A partir dessa data começou a ser
assistida em regime ambulatório e a efectuar tratamentos de fisioterapia,
três vezes por semana.
4) No dia 2 de Dezembro de 2004, a autora voltou a ser operada à perna
esquerda.
5) Como consequência directa e necessária das lesões sofridas, esteve a
autora afectada de Incapacidade Temporária Geral Total, desde 25 de
Janeiro de 2004 a 8 de Fevereiro de 2004; de 2 de Dezembro de 2004 a 7
de Dezembro de 2004; e de 6 de Outubro de 2008 a 14 de Outubro de
2008, num total de trinta e dois dias, conforme conclusões do Relatório
de Perícia de Avaliação ao Dano Corporal, que aqui se dá por
integralmente reproduzido.

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6) Como consequência directa e necessária das lesões sofridas, esteve a


autora afectada de Incapacidade Temporária Geral Parcial, por 2065
dias, conforme conclusões do Relatório de Perícia de Avaliação ao Dano
Corporal, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
7)- Como consequência directa e necessária das lesões sofridas, esteve a
autora afectada de Incapacidade Temporária Profissional Total, por 32
dias, conforme conclusões do Relatório de Perícia de Avaliação ao Dano
Corporal, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
8) Como consequência directa e necessária das lesões sofridas, esteve a
autora afectada de Incapacidade Temporária Profissional Parcial, por
2065 dias, conforme conclusões do Relatório de Perícia de Avaliação ao
Dano Corporal, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
9) A Incapacidade Permanente Geral Parcial que lhe sobreveio em
consequência do acidente foi avaliada em 31,20 pontos de acordo com a
Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil
(aprovada pelo DL n° 352/2007, de 23 de Outubro), com possibilidade de
agravamento.
10) A autora é trabalhadora indiferenciada, encontrando-se
desempregada à data do acidente.
11) Até ao dia 31 de Dezembro de 2003, data em que terminou o seu
contrato, a autora trabalhou na Câmara Municipal de …, como auxiliar
de serviços gerais, auferindo o rendimento mensal líquido de € 390,00.
12) A autora encontrava-se a frequentar o 9° ano de escolaridade, em
regime pós- laboral, à altura do acidente, tendo que, em virtude deste,
interromper os seus estudos.
13) Em consequência do acidente e desde a data da sua ocorrência, a
autora encontra-se impedida de exercer a sua actividade profissional
habitual.
14) A autora não pode mais carregar com pesos ou executar
determinadas tarefas como fazer as limpezas aos gabinetes, casas de
banho e cozinha.
15) Subsistem e restam sequelas em consequência do acidente.
16) Em consequência do acidente, sobreveio para a autora o
encurtamento da perna esquerda - em 3 cm -, para além do que só
consegue assentar a ponta do pé esquerdo no chão, o que provoca uma
marcha claudicante franca.
17) No sector agrícola, onde a autora teria facilidade em arranjar
trabalho ao longo de todo o ano, poderia ganhar, em média, € 40,00
(quarenta euros) por dia (valor bruto).

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18) Poderia ainda fazer limpezas a casas particulares, empresas ou


serviços públicos, mediante valor diário não concretamente apurado.
19) A autora pode exercer qualquer tipo de profissão que não lhe exija
esforços com a perna esquerda, nomeadamente, em que permaneça
sentada, como funções de telefonista, balconista, ...
20) A sua limitação física não a impede de estudar e vir a ter profissões
como contabilista, professora, advogada...

4. Passando a apreciar as questões suscitadas, considerou a Relação:


Conforme se alcança da sentença, para chegar ao referido valor de €
55.000,00, o tribunal “a quo”, acolhendo o entendimento seguido no
acórdão do STJ de 15.03.2012 (procº nº 4730/08.0TVLG.L1P1, in
www.dgsi.pt) teve em consideração os seguintes critérios:
a) A idade da autora à data do acidente (18 anos);
b) O tempo de esperança de vida (75 anos);
c) A circunstância de a mesma poder exercer actividade profissional
compatível com as suas competências e com a sua condição física;
d) A remuneração mensal líquida que pode em concreto auferir,
considerando as suas competências e aquela que pode almejar no futuro
e que nunca será superior ao salário mínimo nacional (sendo que no
momento, a autora poderia, no máximo, auferir um rendimento mensal
bruto a rondar os € 700,00 mensais);
e) A expectativa quanto ao aumento do salário referência - salário
mínimo nacional - que não se prevê que venha a ser significativa,
ponderada a evolução que o mesmo vem conhecendo;
f) O grau de incapacidade permanente geral parcial, as concretas
limitações que importam o acréscimo de esforço para o exercício da sua
profissão, a tendência de agravamento da incapacidade e o consequente
agravamento de esforço para o exercício de profissão;
g) A circunstância da indemnização ser paga de uma só vez,
proporcionando um rendimento global imediato;
i) E fazendo apelo às regras da equidade.
Para defender a sua posição, a apelante começa por questionar a
remuneração mensal em que o tribunal se baseou.
Diz que a avaliação da redução da capacidade de ganho deve tem em
consideração, não o valor do salário mínimo nacional mas sim uma
quantia não inferior a € 1.000,00/mês.
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E para chegar a tal valor, diz que está provado que, no sector agrícola,
teria facilidade de arranjar trabalho ao longo de todo o ano, profissão
onde auferiria, em média, 40,00€ por dia e que, decorrendo das regras da
experiência que tal trabalho é prestado durante 6 dias por semana –
nessa actividade a autora teria um rendimento mensal nunca inferior a
1.000,00€.
E diz ainda que como empregada doméstica sempre poderia auferir pelo
menos € 800,00 (5,00€ à hora x 8 horas x 22 dias) – podendo ainda
acumular serviços no sector agrícola e como empregada doméstica.
Todavia, a nosso ver sem razão.
Com efeito o que, de concreto, se apurou foi que a apelante, à data do
acidente, se encontrava desempregada e que até poucos dias antes
estivera a trabalhar (como auxiliar de serviços gerais) auferindo um
rendimento mensal líquido de € 390,00.
É certo que também se provou que no sector agrícola teria facilidade em
arranjar trabalho ao longo de todo o ano, podendo ganhar, em média, €
40,00 por dia (valor bruto – que não valor líquido) e poderia ainda fazer
limpezas a casas particulares, empresas ou serviços públicos, mediante
valor diário não concretamente apurado.
Todavia o facto de ter facilidade em arranjar trabalho no sector agrícola
“ao longo de todo o ano”, e até pelas especificidades dessa actividade
(designadamente sazonalidade da generalidade das diversas culturas
agrícolas), não significa que poderia conseguir trabalho “durante todos
os dias”, com excepção dos fins-de-semana. Com efeito uma coisa é
poder ter trabalho ao longo do ano e outra coisa é ter trabalho todos os
dias do ano.
E o mesmo se diga em relação ao trabalho de limpezas. A trabalhar a
tempo inteiro numa qualquer empresa, dificilmente auferiria
remuneração superior ao salário mínimo nacional e, a trabalhar em
casas particulares (mesmo admitindo que pudesse receber a € 5,00/hora)
dificilmente conseguiria trabalho de forma seguida e durante 8 horas por
dia.
De resto, se assim fosse, por que razão é que a autora, podendo assim
ganhar bem mais, estava desempregada e até pouco antes apenas se
sujeitara a receber um rendimento de apenas € 390,00?
Diz ainda a apelante que o tribunal “a quo” não teve em consideração o
facto de em consequência do acidente lhe ter sido fixada uma IPG de
31,20 pontos.
É certo que, conforme supra referido, o tribunal na enunciação dos
critérios a que atendeu, não faz referência específica a essa IPG que foi
atribuída à apelante.
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Todavia se não o fez de forma específica o certo é que o fez de forma


indirecta, quando, sob a al. f) faz referência ao “grau de incapacidade
permanente geral parcial”.
Isto para além de fazer referência à “concretas limitações que importam
o acréscimo de esforço para o exercício da sua profissão, a tendência de
agravamento da incapacidade e o consequente agravamento de esforço
para o exercício de profissão”.
O que se verifica é que na sentença, apenas se faz referência aos diversos
critérios, que supra reproduzimos, sem se explicitar de que forma é que
se chegou ao valor atribuído ao dano patrimonial futuro (€ 55.000,00).
E desde já se diga que, a nosso ver, este valor se mostra desajustado à
realidade factual que foi dada como provada.
Conforme tem vindo a ser entendido na jurisprudência, na indemnização
relativa ao dano patrimonial futuro deve-se atender ao capital resultante
do rendimento que o lesado deixou de receber durante a sua expectável
vida, devendo esse capital ser calculado, ainda que com recurso a tabelas
matemáticas, com base na equidade (vide acórdãos do STJ de
03.12.2007, em que é relator Mário Cruz e de 10.10.2012, em que é
relator Lopes do Rego, ambos in www.dgsi.pt).
Com efeito, conforme se salienta no acórdão do STJ de 15.03.2012 supra
referido (em que o tribunal “a quo” se baseou) “os critérios matemáticos
de cálculo do capital correspondente à indemnização por danos
patrimoniais futuros são apenas um instrumento ao serviço do juízo de
equidade, devendo os resultados alcançados funcionar como valores de
referência que devem ser ponderados com outros elementos objectivos
cuja relevância emerge e se impõe naturalmente ao julgador (como são o
percebimento de uma só vez e em antecipação da indemnização
correspondente a danos que se prolongam no futuro por vários anos, a
evolução provável da sua carreira profissional, da taxa de juro, etc).
Tratando-se de danos patrimoniais futuros e dada a impossibilidade de
averiguar exactamente este tipo de danos futuros, nomeadamente, por
incapacidade de prever o tempo exacto de duração da capacidade
profissional do lesado, por impossibilidade de prever a evolução do
montante salarial, ou da sua eventual e hipotética mobilidade laboral,
além da impossibilidade de quantificar exactamente o acréscimo de
esforço que a incapacidade gera para o lesado desempenhar a sua
função profissional, há que fazer intervir a equidade, nos termos do art.
566.º, n.ºs 2 e 3, do CC.”
Tendo-se em consideração que a apelante tinha apenas 18 anos à data do
acidente e que actualmente a expectativa média de vida se situa nos 75
anos (conforme se considerou na sentença e tem vindo a ser entendido na
jurisprudência – vide acórdãos supra citados), verificamos que a

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expectativa de vida da apelante condicionada pelas sequelas do acidente


se cifra em 57 anos (75-18).
Tendo por base o referido rendimento (bruto) mensal de € 700,00, que foi
considerado na sentença, (e que como vimos não deve ser posto em
causa) verificamos que, durante esses 57 anos era previsível que a
apelante recebesse mais cerca de € 550.000,00.
Ficando provado que “a autora ficou com uma Incapacidade Permanente
Geral de 31,20 pontos (de acordo com a Tabela de Avaliação de
Incapacidades Permanentes em Direito Civil, aprovada pelo DL n°
352/2007, de 23 de Outubro), com possibilidade de agravamento e que
ficou impedida de exercer a sua actividade profissional habitual (ou seja
de trabalhadora indiferenciada, que havia trabalhado como auxiliar de
serviços gerais)”, verifica-se que, a priori, essa percentagem percentual
de incapacidade, sobre aquele valor, corresponderia a cerca de €
170.000,00.
Isto, sem se deixar de atender à necessária redução resultante da
aplicação da taxa de juro, face ao recebimento imediato da
indemnização, taxa essa que, conforme tem vindo a ser aceite na
jurisprudência, se situa na ordem dos 3% (vide designadamente o
acórdão do STJ em que a sentença se baseia).
Todavia, não poderá olvidar-se que o referido grau de incapacidade se
reflecte apenas, em termos de redução da capacidade de ganho (estando
aqui fora de causa o seu reflexo no âmbito dos danos não patrimoniais e
do dano biológico – danos estes que não estão ora em causa), nas
actividades em que se lhe exija algum esforço, sendo certo que resultou
ainda provado que “pode exercer qualquer tipo de profissão que não lhe
exija esforços com a perna esquerda, nomeadamente, em que permaneça
sentada, como funções de telefonista, balconista”, e que a “a sua
limitação física não a impede de estudar e vir a ter profissões como
contabilista, professora, advogada”.
Isto, sendo certo que a autora apelante, à data do acidente, até estava
desempregada, tinha apenas 18 anos e estava a frequentar o 9° ano de
escolaridade – havendo assim expectativa de poder vir a conseguir
trabalho compatível com as suas limitações ou a expectativa de conseguir
habilitações necessárias a tal.
Assim, ponderados todos os referidos elementos, afigura-se-nos que, com
recurso à equidade, o valor do dano patrimonial futuro se deve situar em
metade daquele último valor: € 85.000,00
Procedem assim, parcialmente e nesta conformidade, as conclusões do
recurso.
Em síntese
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Na indemnização relativa ao dano patrimonial futuro deve-se atender ao


capital resultante do rendimento que o lesado deixou de receber durante
a sua expectável vida, devendo esse capital ser calculado, ainda que com
recurso a tabelas matemáticas, com base na equidade.
Termos em que, julgando-se parcialmente procedente a apelação, se
acorda:
a) Em revogar parcialmente a sentença recorrida na parte em que nela
se fixou (e condenou o réu, ora apelado a pagar à autora apelante), em
€ 55.000,00) o valor dos danos patrimoniais futuros;
b) E em alterar esse valor para € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros),
condenando-se o réu apelado a pagar à autora apelante tal quantia;
c) No mais se confirmando a sentença, na parte respeitante aos juros de
mora.

5. Inconformadas com tal decisão, interpuseram ambas as partes recurso


de revista, recorrendo subordinadamente a A. , propugnando o FGA
pela limitação da indemnização a €55.000, tal como fora decidido na
sentença apelada; e a lesada pelo seu aumento para €160.000, com base
na seguinte linha argumentativa, expressa nas conclusões apresentadas:
A) À data do acidente, a Autora contava apenas com 18 anos de idade e
era estudante, em regime pós-laboral, frequentando o 9º ano.
B) Decorre das regras da experiência comum que qualquer jovem com
18 anos de idade, com a escolaridade da Autora, que concilie os estudos
com o trabalho, não pode desempenhar trabalhos agrícolas, que, para
além de serem trabalhos pesados, são trabalhos que se iniciam
normalmente pelas 6H00, muitas das vezes longe do local de residência
dos trabalhadores e que obrigam os mesmos a levantarem-se pelas
4H00/5H00, o que é incompatível com a frequência da escola, em regime
pós-laboral, cujo horário se situa entre as 21H00 e as 24H00.
C) Não pode, por conseguinte, olhar-se para a situação profissional da
Autora, quando a mesma ainda tinha apenas 18 anos de idade e era
estudante, e partir do pressuposto que o futuro profissional da mesma se
limitaria aos trabalhos que realizava com essa idade e nessas
circunstâncias.
D) Acresce que está dado como provado que a Autora, no sector
agrícola, teria facilidade de arranjar trabalho ao longo de todo o ano,
profissão onde auferiria, em média, 40,00€ por dia (Facto Provado 17).
E) Sendo certo que, ao contrário do sufragado no acórdão recorrido, o
que decorre das regras da experiência comum, para quem vive no
Alentejo, é que no sector agrícola há trabalho durante todo o ano e aos
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fins-de semana, inclusive: pinhas, azeitona, cogumelos, cortiça, podas,


lenha, eucaliptos, pimentão, tomate, apanha de fruta, etc. etc.
F) O que, em média, originaria um rendimento mensal nunca inferior a
1.000,00€ (mil euros).
G) Por sua vez, uma empregada doméstica recebe, em média, valor
nunca inferior a 5,00€ à hora, o que confere um valor mensal de, pelo
menos, 880,00€ (5,00€ x 8h x 22 dias).
H) Sendo certo que, cada vez mais, com o aumento da escolaridade das
mulheres e de as mesmas exercerem profissões fora de casa, a procura de
empregadas domésticas é cada vez maior.
I) Além disso, a Autora sempre poderia cumular os serviços no sector
agrícola (Facto Provado 17) com os serviços de empregada doméstica
(Facto Provado 18).
J) Forçoso será, pois, concluir que o valor de 700,00€ constante da
sentença não é adequado a avaliar o valor patrimonial da redução da
capacidade de ganho da autora, pelo que, na base do cálculo, terá de se
ter sempre em consideração quantia não inferior a 1.000,00€/mês.
K) Por outro lado, no cálculo da indemnização o Venerando Tribunal
recorrido não valorou convenientemente o facto de, em consequência do
acidente a Autora ter ficado com uma IPG de 31,20 pontos (dano cível),
que como esclareceu no seu depoimento o Exmo. Senhor Dr. CC, ex-
Presidente do IML de …, não pode ser confundida com a percentagem
atribuída em sede de acidente de trabalho, uma vez que não são
coincidentes porque avaliam situações diferentes com base em tabelas
diferentes.
L) Tanto assim que, segundo o Exmo. Senhor Dr. CC, se estivéssemos
perante um acidente simultaneamente de viação e de trabalho, em sede
de acidente de trabalho, teria sido atribuída à Autora uma IPP de 68%,
quando, em sede de dano cível, foi atribuída uma IPG de 31,20 pontos.
M) Sendo certo que uma IPP de 68%, em sede laboral, significa
incapacidade absoluta para o trabalho, como é hoje jurisprudência
pacífica.
N) Acresce que a Autora (I) deixou de estudar aos 18 anos por causa do
acidente, quando frequentava o 9º ano, em regime pós-laboral; (II)
deixou de poder exercer a sua profissão habitual e (III) deixou de poder
exercer qualquer profissão que exija esforços com a perna esquerda,
designadamente carregar com pesos e executar tarefas de limpeza.
O) Tendo em conta as limitações físicas da Autora, a IPG de que padece,
e as qualificações/habilitações que a mesma detinha à data do acidente,

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constata-se que é absolutamente residual o leque de profissões que a


Autora pode, em teoria, desempenhar (telefonista e balconista).
P) Acontece que, como toda a gente sabe, empregos de balconista e
telefonista é precisamente o que escasseia no concelho de … e em todo o
distrito de Portalegre, onde, como o que é do conhecimento público, até
mesmo nas grandes superfícies (Continente, Pingo Doce e Intermarché)
ninguém é contratado para estar, exclusivamente, a atender telefones ou
a atender ao balcão, comodamente sentado.
Q) Por outro lado, no Alto Alentejo, fora das grandes superfícies, não há
oferta de emprego nas áreas de balconista e telefonista e, muito menos,
para trabalhar sentado todo o dia, tendo em conta a pequena dimensão
dos negócios, onde predominam as pequenas empresas familiares, pelo
que os poucos trabalhadores contratados têm de ser empregados para
todo o serviço.
R) Além disso, deixemo-nos de rodeios: quem é que contrata uma
deficiente com o 6º ano de escolaridade que não consegue assentar o pé
esquerdo no chão o que a impede de fazer qualquer esforço com a perna
esquerda (Factos provados 14,16 e 19)?
S) E não se diga que, em teoria, a mesma poderia ter continuado a
estudar e vir a ser advogada, contabilista ou, quiçá, até mesmo juíza,
porque é óbvio que, para se qualificar para tais profissões, a mesma
necessitaria de dinheiro (para pagar o curso, deslocações, etc), que é
coisa que a autora, em consequência do acidente, não tem, tanto assim
que é carente de apoio judiciário que hoje só é concedido, como é do
conhecimento público, quando o agregado familiar é muito pobre.
T) Conclui-se, por conseguinte, que a IPG da Autora, de 31,20 pontos,
se, por um lado, constitui, em termos profissionais, uma incapacidade
absoluta da Autora para o seu trabalho habitual, por outro lado,
constitui, na prática, um incapacidade absoluta para o exercício das
profissões para as quais a Autora tem habilitações e qualificações.
U) Na atribuição da indemnização, deve ainda ter-se em consideração os
seguintes factos: (a) a incapacidade resultante do acidente para a Autora
- 31,70 pontos de IPG é susceptível de agravamento e afecta na
totalidade a capacidade para o trabalho habitual da mesma; (b) a
relevância da lesão tem de ser avaliada, quer com referência à vida
activa provável da lesada, bem como do período posterior à normal
cessação de actividade laboral; (c) a longevidade nas mulheres cifra-se
nos 80 anos, com tendência para subir; (d) a tendência para o aumento
da vida activa para se atingir a reforma (presentemente cifa-se nos 66
anos); (e) a tendência, a médio e longo prazo, quanto à melhoria das
condições de vida do país e da sociedade e do próprio aumento da
produtividade; (f) o facto de se utilizar nos cálculos da indemnização um

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valor estanque, como se inexistisse qualquer progressão na carreira do


acidentado; (g) a tendência geral vai no sentido de aumentar o
rendimento a retirar do trabalho; (h) o facto de a Autora em nada ter
contribuído para a produção do acidente; (i) a taxa de inflacção.
V) Face ao exposto, forçoso será, pois, concluir que o montante
arbitrado pelo tribunal não repara o dano, nem é equitativo, pelo que, em
face de todos estes elementos, a indemnização a fixar por danos
patrimoniais futuros nunca poderá ser inferior a 160.000,00€, mantendo-
se no mais a douta Sentença recorrida, nomeadamente no que concerne
aos juros de mora.
W) Decidindo, como decidiu, violou o Ex.mo Juiz, designadamente, o
disposto nos artigos 562.º, 564.º, n.º2, 566.º do CC.

6. Na concreta situação litigiosa, está apenas em causa – uma vez que nos
movemos no âmbito de incidente de liquidação de anterior condenação
genérica – a quantificação do dano patrimonial futuro, conexionado
com as relevantes limitações decorrentes das sequelas das lesões sofridas,
estando, pois, situados claramente fora do perímetro deste específico
procedimento a avaliação dos danos não patrimoniais.
Poderá, todavia, considerar-se que está identicamente fora do âmbito
deste incidente de liquidação a avaliação do dano biológico sofrido pela
lesada (como expressamente se considerou no acórdão recorrido)?
Saliente-se que a sentença proferida em 1ª instância fez apelo a esta
categoria específica de danos (cfr. fls. 496 /497), representando ainda
claro apelo a tal figura a argumentação esgrimida pelo lesada no pedido
de liquidação deduzido, ao pôr o acento tónico precisamente na perda de
chance profissional emergente do tipo de limitação física de que passou a
padecer irremediavelmente, impossibilitadora da realização de tarefas que
possam implicar esforços físicos (e que seriam precisamente as mais
prováveis e adequadas às habilitações da lesada)…
Não parece efectivamente que a vertente patrimonial da figura do dano
biológico – consistente essencialmente em determinar em que medida é
que, para além da perda efectiva de rendimentos ocorre também a
perda de chance profissional como consequência das sequelas das
lesões sofridas – se possa cindir ou autonomizar totalmente da
quantificação do dano patrimonial futuro – sendo este precisamente o
resultado da adição ou soma dos prováveis rendimentos profissionais
futuros perdidos, face ao grau de incapacidade que afecta
permanentemente o lesado, e da perda inelutável de oportunidades
profissionais futuras, inviabilizadas irremediavelmente pelas limitações
físicas de que passou a padecer de modo definitivo.

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E, assim sendo, considera-se que, ao avaliar e quantificar o dano


patrimonial futuro, pode e deve o tribunal reflectir também na
indemnização arbitrada a perda de oportunidades profissionais
futuras que decorra do grau de incapacidade fixado ao lesado,
ponderando e reflectindo por esta via na indemnização, não apenas
as perdas salariais prováveis, mas também o dano patrimonial
decorrente da inevitável perda de chance ou oportunidades
profissionais por parte do lesado.
No caso dos autos, as partes divergem substancialmente quanto à quantia
atribuível a título de ressarcimento dos danos patrimoniais futuros,
conformando-se o FGA com a quantia arbitrada na sentença - €55.000 - e
pedindo a A./recorrente a ampliação para €160.000 do valor arbitrado na
Relação (€85.000).
Saliente-se que é inquestionável a gravidade das sequelas das lesões
corporais da A., expressas:
- na fixação de uma IPG de 31,20% a lesada então com 18 anos de idade;
- com possibilidade de agravamento futuro;
- envolvendo impossibilidade absoluta para o exercício da actividade
profissional habitual e de todas as que envolvam componente
significativa de esforço físico ( e que eram as imediata e efectivamente
acessíveis às capacidades naturais e habilitações da lesada antes do
acidente);
- restando-lhe, deste modo, como condição de acesso ao mercado de
trabalho, a realização de uma substancial readaptação profissional, que
lhe permita, através da formação adequada, adquirir as capacidades
técnicas indispensáveis ao exercício das funções compatíveis com as
relevantes limitações físicas de que passou a padecer.

Sendo inquestionável que o dever de indemnizar que recai sobre o lesante


compreende os danos futuros, desde que previsíveis, quer se traduzam em
danos emergentes ou em lucros cessantes, nos termos do art. 564º do CC,
está fundamentalmente em causa o método de cálculo que deve ser
adoptado para o cômputo da respectiva indemnização, cumprindo
reconhecer que tal matéria suscita problemas particularmente delicados
nos casos, como o dos autos, em que o lesado se encontrava ainda numa
fase absolutamente inicial da sua vida profissional, seriamente afectada
pelas irremediáveis sequelas das lesões físicas sofridas – envolvendo a
necessidade de realizar previsões que abrangem muitíssimo longos
períodos temporais, lidando com dados que – nos planos social e macro
económico - são, em bom rigor, absolutamente imprevisíveis no médio e
longo prazo (por ex., evolução das taxas de inflação ou da taxa de juro,

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alterações nas relações laborais e níveis remuneratórios, possíveis ganhos


de produtividade ao longo de décadas, etc.)
Constitui entendimento jurisprudencial reiterado que a indemnização a
arbitrar por tais danos patrimoniais futuros deve corresponder a um
capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se
extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com
base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da
vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da
reforma, aos 65 anos): adere-se inteiramente a este entendimento, já que
as necessidades básicas do lesado não cessam obviamente no dia em que
deixar de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será
nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de
dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com
toda a probabilidade mais se acentuarão; além de que, como é evidente, as
limitações às capacidades laborais do lesado não deixarão de ter reflexos
negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social,
repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito.

Para evitar um total subjectivismo – que, em última análise, poderia


afectar a segurança do direito e o princípio da igualdade – o montante
indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos
objectivos, através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros,
aplicação de tabelas, com vista a calcular o referido capital produtor de
um rendimento vitalício para o lesado, recebendo aplicação frequente a
tabela descrita no Ac. de 4/12/07 (p.07A3836), assente numa taxa de juro
de3%.
Porém, e como vem sendo uniformemente reconhecido, o valor estático
alcançado através da automática aplicação de tal tabela «objectiva» - e
que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório - terá de ser
temperado através do recurso à equidade – que naturalmente desempenha
um papel corrector e de adequação do montante indemnizatório às
circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto, permitindo ainda a
ponderação de variantes dinâmicas que escapam, em absoluto, ao referido
cálculo objectivo: evolução provável na situação profissional do lesado,
aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível e
melhoria expectável das condições de vida, inflação provável ao longo do
extensíssimo período temporal a que se reporta o cômputo da
indemnização ( e que, ao menos em parte, poderão ser mitigadas ou
compensadas pelo «benefício da antecipação», decorrente do imediato
recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente
apenas seriam recebidos faseadamente ao longo de muitos anos, com a
consequente possibilidade de rentabilização imediata em termos
financeiros).

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Finalmente – e no nosso entendimento – não poderá deixar de ter-se em


consideração que tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não
na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das
particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom
rigor, a resolução de uma «questão de direito», pelo que tal juízo
prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido,
salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de
discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à
equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo
substancial, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende
deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística,
abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito,
decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais minimamente
uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade.
Valorando adequadamente os dados de facto, considera-se que não
merece censura o decidido pela Relação, no que respeita à estrita e
prudencial aplicação das tabelas financeiras correntes, baseadas na
remuneração à data do acidente e no grau de incapacidade funcional
fixado à lesada, temperada com o apelo aos indispensáveis juízos de
equidade.
Note-se ainda que, no caso dos autos, a IPG parcial, pericialmente
verificada, implicou uma impossibilidade de a A. exercer a sua
actividade profissional habitual, bem como todas as análogas actividade
indiferenciadas, na agricultura, em serviços domésticos ou de limpeza
que impliquem esforços físicos, estando assim totalmente inviabilizado o
exercício de qualquer trabalho braçal, apenas lhe restando actividades em
que permaneça sentada ou profissões que impliquem um trabalho
essencialmente técnico ou intelectual (pontos 9/20 da matéria de facto).
Ora, perante este quadro, não se vê razão para pôr em causa o critério
seguido pela Relação, ao fixar equitativamente as prováveis perdas
salariais, durante a integral vida profissional da lesada, partindo de
valores próximos do salário mínimo, nos referidos €85.000 (não havendo
elementos que tornem plausível a fixação do rendimento mensal provável
em €1.000, como pretende a recorrente, nem para repristinar o decidido
sobre esta matéria em 1ª instância, como pretendia o FGA); saliente-se
ainda que, na concreta situação dos autos, o eventual acesso da A. ao
mercado de trabalho passa inelutavelmente por uma exigente reconversão
profissional, cujos custos e demora provável (durante a qual a lesada não
poderia exercer, na prática, qualquer actividade indiferenciada que
envolvesse componente de esforço físico) teriam também de ser incluídos
no montante indemnizatório a arbitrar…
Saliente-se, porém, que a aplicação, mesmo corrigida, das referidas
tabelas financeiras não inclui, como é evidente, integral ponderação do
dano biológico sofrido pelo lesado, perspectivado como diminuição
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somático-psíquica e funcional deste, com substancial e notória


repercussão no leque de oportunidades profissionais de quem o sofre - e,
portanto, enquanto reflectido na previsível carreira profissional da lesada,
ressarcível ainda no perímetro dos danos patrimoniais futuros.

No caso dos autos, não oferece dúvida que a indemnização a arbitrar pelo
dano biológico sofrido pela lesada - consubstanciado em limitações
funcionais particularmente relevantes - deverá compensá-la – para além
da presumida perda de rendimentos, associada àquele grau de
incapacidade permanente - também da inerente perda de capacidades,
mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida e
contabilizada no nível de rendimento auferido ou auferível pelo
lesado.
A compensação do dano biológico tem como base e fundamento a
relevante e substancial restrição às possibilidades exercício de uma
profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de
emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades,
geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados
irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai
afectar: na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais –
mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos
rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira
«capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente
mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e
substancial, as possibilidades exercício profissional e de escolha e
evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira
profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades
profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte actual
de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar,
desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais; e sendo naturalmente
tais restrições e limitações particularmente relevantes em lesada com 18
anos de idade, ficando as perspectivas de evolução no campo profissional
plausivelmente afectadas pelas irremediáveis sequelas, físicas das
gravosas lesões corporais sofridas.
E, nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da
previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do
grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa
compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de
futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela
capitis deminutio de que passou a padecer a recorrente, bem como pelo
esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá
envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional –
considerando-se, em termos de equidade, que representará compensação

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adequada desse dano biológico o valor de € 15.000, que acrescerá assim


ao montante de €85.000 arbitrado pelo acórdão recorrido.

7. Nestes termos e pelos fundamentos apontados, nega-se provimento à


revista interposta pelo FGA e concede-se parcial provimento à revista
interposta pela A. , fixando consequentemente em € 100.000.00 (cem mil
euro) a indemnização àquela arbitrada como ressarcimento dos danos
patrimoniais futuros, confirmando em tudo o mais o acórdão recorrido.
Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento, sem prejuízo do
benefício de apoio judiciário

Lisboa, 10 de Novembro de 2016

Lopes do Rego (Relator)


Távora Victor

António da Silva Gonçalves

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