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08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
I - Relatório
AA intentou em Setembro de 2012 acção de investigação de paternidade contra
BB pedindo que se declare que o Réu é seu pai e consequentemente o
reconhecimento da respectiva paternidade.
O R contestou e no que ora releva, o réu excepcionou a caducidade do direito
que a autora pretende fazer valer através da presente acção.
A Autora apresentou réplica, pugnando pela improcedência da invocada
excepção de caducidade, invocando a inconstitucionalidade das normas que
seriam aplicáveis ao caso.
O Réu treplicou, reiterando a alegada caducidade e sustentando que, tendo a
acção sido instaurada em Setembro de 2012, ao caso se aplica a lei nº 14/2009
de 01.04, que entrou em vigor em 2.04.2009.
Procedeu-se ao saneamento e à condensação do processo, com a selecção da
matéria de facto assente e controvertida, e, após a realização da audiência de
julgamento, foi proferida sentença na qual se julgou a acção improcedente, com
a consequente absolvição do réu do pedido.
De tal decisão apelou a autora, tendo, porém, o Tribunal da Relação de
Guimarães confirmado a decisão recorrida.
Inconformada, interpôs recurso a autora recurso de revista ao abrigo do art.
672 nºs 1 e 2, alínea b) do CPC, invocando, para tanto, que o acórdão recorrido
está em oposição como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.05.2008,
cuja cópia juntou aos autos.
Por acórdão de 2.06.2016, este Supremo Tribunal, considerando ter ocorrido
omissão de pronúncia que não era susceptível de ser suprida e concedendo,
assim, a revista, anulou a decisão recorrida e ordenou que os autos voltassem à
Relação a fim de que procedesse à reforma daquela no que toca à matéria de
facto que a apelante havia impugnado- em concreto, a referente ao facto de a
mãe da autor lhe ter dito, um ano antes de ter sido intentada a acção, que o réu
era o seu pai- já que estando tal matéria relacionada com a caducidade, atento o
condicionalismo previsto no art. 1817 nº3 do C. Civil, o seu conhecimento não
era inútil.
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recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que
exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de
determinado meio de prova.
Vê-se, assim, claramente destes preceitos que o Supremo Tribunal de Justiça,
enquanto tribunal de revista, em regra, apenas conhece de matéria de direito, não
lhe cabendo sindicar a matéria de facto apurada pelas instâncias, a não ser que se
verifique algum dos casos excepcionais expressamente previstos na lei.
Com efeito, tal como refere, a este propósito, Teixeira de Sousa (Estudos sobre o
Processo Civil, 2.ª edição, p. 398), a actividade do Supremo não se preocupa
com as possíveis alternativas sobre o julgamento dos factos relevantes, mas
exclusivamente com a determinação da solução jurídica adequada para os factos
apurados pelas instâncias, já que na função atribuída ao Supremo prevalecem os
interesses gerais de harmonização na aplicação do direito sobre a averiguação
dos factos relativos ao caso concreto e a concentração dos seus esforços na
determinação da norma aplicável e no controlo da sua interpretação e aplicação
pelas instâncias.
Também Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição,
p. 270) afirma, em sentido coincidente, que, em regra, o Supremo não se
pronuncia sobre a verdade dos factos em que se baseia a invocada infracção à
lei. Compete-lhe antes apurar se foi exacta a aplicação da lei, no pressuposto de
que os factos aos quais a aplicou o tribunal a quo são verdadeiros tal como ele os
considerou provados.
Ou seja, ainda que, face ao disposto no artigo 674º, n.º 3, do Código de Processo
Civil, o Supremo não fique totalmente paralisado no que concerne ao controlo
da decisão da matéria de facto, a verdade é que a sua intervenção se circunscreve
a aspectos em que se tenha verificado a violação de normas de direito probatório
material (por, nessa hipótese, estarem em causa verdadeiros erros de direito), já
não abrangendo, porém, questões inerentes à decisão da matéria de facto quando
esta foi precedida da formulação de um juízo assente na livre apreciação da
prova formulado pela 1.ª instância ou até pela Relação (vide, neste sentido,
Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição,
2014, p. 337 e ss.).
Trata-se, de resto, de orientação que é igualmente pacífica na jurisprudência do
Supremo Tribunal de Justiça, podendo ver-se, a título exemplificativo, as
seguintes decisões:
Acórdão de 15-01-2015 (proc. 266/10.8TBBRG.G1.S1, Relator Tavares de
Paiva, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-
sumarios/civel/Cvel2015.pdf)
- Acórdão de 22-01-2015 (proc. 24/09.2TBMDA.C2.S1, Relatora Maria dos
Prazeres Beleza, disponível em www.dgsi.pt):
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que, por si só, bastariam para que improcedesse a arguida nulidade. Acrescente-
se, em todo o caso, que a decisão sob censura é perfeitamente coerente e
inteligível, não se vislumbrando nela qualquer contradição ou sequer passagem
que se preste a interpretações equívocas ou dúbias.
Já no que toca ao vício de nulidade por omissão de pronúncia que a recorrente
imputa ao acórdão recorrido e que se prende com a alegada falta de
conhecimento do modo de contagem do prazo a que se refere o artigo 1.º da Lei
n.º 14/2009, de 01-04, se dirá que também não lhe assiste razão.
Na verdade, a questão que a recorrente verdadeiramente colocou ao tribunal
recorrido e cuja decisão a este se impunha foi a de saber se o artigo 1.º da citada
Lei n.º 14/2009, que deu nova redacção ao artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil,
é inconstitucional.
Ora, tal questão foi expressamente enunciada na decisão que se analisa, tendo o
tribunal recorrido entendido que a mesma comportava uma dupla vertente: por
um lado, saber se tal normativo, ao estabelecer um prazo de dez anos, contado
da maioridade ou da emancipação do investigante, era inconstitucional e, por
outro, se esse prazo se contava desses factos para todos os investigantes, em
concreto, para aqueles que, tal como a autora, à data da entrada em vigor da lei,
já tivessem mais de 28 anos de idade.
Partindo desse pressuposto, o tribunal recorrido apreciou a questão, decidindo
que não se verificava a invocada inconstitucionalidade, louvando-se, para tanto,
nos argumentos vertidos em decisões do Tribunal Constitucional, que
transcreveu e aos quais aderiu, resultando patente do acórdão recorrido que
aquele considerou que tais argumentos eram suficientes para concluir dessa
forma. Ou seja, independentemente de ter decidido mal ou bem – questão que se
prende já com o mérito da decisão e não com a invocada nulidade – e de ter
fundamentado pior ou melhor a decisão nessa parte, o certo é que se vê do
acórdão sob escrutínio, que o tribunal recorrido considerou que as decisões que
citou e que transcreveu parcialmente (ou mais rigorosamente, os argumentos
nelas vertidos), versavam sobre a questão da não inconstitucionalidade na dupla
vertente que enunciou por aí se ter concluído que o prazo de dez anos contado a
partir dos eventos previstos na lei (maioridade ou emancipação) não era
desproporcional, sobretudo, por não funcionar como um prazo cego cujo decurso
determinasse inexoravelmente a perda do direito ao estabelecimento da
paternidade.
Não pode, por isso, afirmar-se que o acórdão recorrido padeça da alegada
nulidade por omissão de pronúncia.
Com efeito, ainda que se reconheça que a questão da inconstitucionalidade
do mencionado normativo, na específica vertente atinente ao modo de contagem
do prazo em apreço, teria merecido uma fundamentação mais substancial e mais
desenvolvida, a verdade é a parca (mas não inexistente) fundamentação contida
no acórdão recorrido não determina a sua nulidade, precisamente por esta não se
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violação dos artigos 18.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, da Constituição da
República Portuguesa; e
- Outra que, estribando-se nos princípios da certeza e da segurança jurídicas dos
pretensos pais e dos seus herdeiros, no progressivo “envelhecimento” e
aleatoriedade das provas, na prevenção da “caça às fortunas”, no direito à
intimidade e reserva da vida provada do investigado e na paz da sua família
conjugal, tem defendido que o estabelecimento de tais prazos, para o
mencionado efeito, se afigura razoável, não constituindo uma restrição
desproporcionada ao direito à identidade pessoal, mas antes um mero
condicionamento do seu exercício, que é ditado pelos referidos valores também
em jogo, com consagração constitucional, que têm de ser compatibilizados com
o direito à identidade pessoal do investigante.
Foi, pois, esta última posição que, contrariamente ao que sucedia no Código de
Seabra (no qual não se previa qualquer limite temporal), veio a ser acolhida no
Código Civil de 1966, quando aí se determinou que a acção de investigação de
maternidade/paternidade só poderia ser proposta durante a menoridade do
investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou
emancipação - solução que, nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela
(Código Civil Anotado, vol. V, 1995, p. 83), foi determinada pela consideração
ético-pragmática de combate à investigação como puro instrumento de caça à
herança paterna e de estímulo à determinação da paternidade em tempo
socialmente útil.
Tal consagração legislativa não evitou, contudo, que o tema continuasse a gerar
controvérsia, designadamente no que concerne à conformidade ou não
conformidade constitucional do estabelecimento de prazos para instauração das
acções de investigação de paternidade e a verdade é que, não obstante, numa
primeira fase, o Tribunal Constitucional ter decidido sempre no sentido da
compatibilidade das normas que previam os referidos prazos com os princípios
constitucionais, em atenção aos interesses acima descritos (cf. Acórdãos n.ºs
99/88, 413/89, 451/89, 311/95 e 506/99, todos disponíveis em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos), a consolidação e a aplicação
das novas técnicas laboratoriais de determinação científica da paternidade
vieram a revelar-se decisivas para uma mudança de rumo da jurisprudência
constitucional. Com efeito, perante o fim do receio do envelhecimento e
aleatoriedade da prova, face aos avanços científicos que permitiram o emprego
de testes de ADN com uma fiabilidade próxima da certeza, os interesses da
segurança jurídica do pretenso progenitor, da prevenção da “caça às fortunas” e
o da reserva da vida privada do investigado e a paz da sua família conjugal
diminuíram de importância e começaram a ser olhados como minudências, face
ao superior interesse do investigado conhecer as origens da sua existência (cf.
João Cura Mariano, O Direito da Família na Jurisprudência do Tribunal
Constitucional Português, Uma breve crónica, in Julgar, n.º 21, Coimbra Editora,
2013, p. 36 e ss.).
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ultrapassagem destes prazos não obsta à instauração da acção, se ainda não tiver
decorrido o prazo geral contado a partir da maioridade ou emancipação.
Do confronto do regime anterior com o actual, sobressai a inovadora previsão de
um fundamento genérico de abertura de prazos específicos para a proposição da
acção de investigação, não contando apenas, para esse efeito, o conhecimento do
escrito onde seja declarada a maternidade/paternidade e a cessação do
tratamento como filho. Onde anteriormente se previam, de forma fechada e
taxativa, duas causas de concessão de prazos que, excepcionalmente, poderiam
legitimar o exercício da acção para lá dos dois anos posteriores à maioridade ou
emancipação, passou a acolher-se, através de autênticas cláusulas gerais, como
dies a quo, a data em que se verifique “o conhecimento de factos ou
circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação” (cfr. o recente
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-02-2017, proc. 200/11.8TBFVN,
relator António Joaquim Piçarra, disponível em www.dgsi.pt, no qual se
transcrevem os argumentos supra expostos).
Foi, pois, o estabelecimento dos apontados prazos de caducidade subjectivos que
o Tribunal Constitucional considerou constituir a salvaguarda, sem lacunas, da
efectiva possibilidade de o interessado recorrer a juízo para ver reconhecida a
sua paternidade. E mais do que isso. Em face do teor das alíneas b) e c), do n.º 3,
mesmo quando o investigante dispõe de elementos probatórios que lhe permitem
sustentar, com viabilidade de sucesso, dentro do prazo fixado no n.º 1, a sua
pretensão de reconhecimento como filho de determinada pessoa, relevam os
factos ou circunstâncias que possam justificar que, só após o termo final de tal
prazo, ele tome essa iniciativa (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
401/2011 e ainda, em igual sentido e com fundamentos em tudo similares, o
Acórdão n.º 247/2012, de 22 de Maio, do mesmo Tribunal, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
Daqui se vê que a regra da imprescritibilidade das acções de investigação de
paternidade não foi, efectivamente, a acolhida pela nossa lei civil, continuando,
ao invés, a insistir-se na necessidade de fixação de limites temporais ao exercício
desse direito, embora agora com um novo figurino e duração.
Refira-se, de resto, que, conforme se afirmou no recente Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça de 02-02-2017 a que acima se fez referência, o Tribunal
Constitucional no seu Acórdão n.º 486/2004 (disponível no indicado sítio), já
tinha aventado a solução que veio a ser consagrada pelo legislador na Lei n.º
14/2009 – quando acolheu a tese da inconstitucionalidade do prazo “normal” de
dois anos então previsto no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil (por o mesmo
ser exíguo e ter o seu termo inicial numa época da vida em que os investigantes
não gozam ainda da normal maturidade e experiência para aquilatar da
necessidade, da oportunidade ou da conveniência em estabelecerem
juridicamente a respectiva ascendência biológica) – ao ter salientado a
possibilidade de previsão de uma cláusula geral de salvaguarda, que permitisse a
propositura da acção para além do referido prazo mínimo “normal”, contanto
que o autor cumprisse o ónus de alegar e provar factos que tornassem a
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2015.pdf):
I - Apesar da inegável importância do direito ao conhecimento da paternidade
biológica e ao estabelecimento do respectivo vínculo jurídico, tal direito não é
absoluto, havendo que encontrar uma solução de compromisso e de equilíbrio
com outros direitos e valores.
II - Conforme vertido no Ac. do TC n.º 247/2012, “através da conciliação do
prazo geral de dez anos com estes prazos especiais de três anos (previstos nas
várias alíneas do n.º 3 do art. 1871.º), o actual regime de prazos para a
investigação da filiação mostra-se suficientemente alargado para conceder ao
investigado uma real possibilidade de exercício do seu direito”.
- Acórdão de 12-03-2015 (proc. 1261/12.8TBSTS.P1.S1, Relator Orlando
Afonso, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-
sumarios/civel/sumarios-civel-2015.pdf):
I - Alterado o art. 1817.º, n.º 1, do CC, estabelecendo-se agora um prazo de
caducidade do direito de investigar a paternidade de 10 anos a partir da
maioridade do investigante, nem o STJ, nem o TC se têm pronunciado pela
inconstitucionalidade da norma na sua nova redacção.
II - A protecção do direito fundamental à identidade pessoal, consagrado no art.
26.º do CRP, não exige a imprescritibilidade da acção de investigação de
paternidade.
III - O que é necessário é que o prazo concedido não impossibilite ou dificulte
excessivamente o exercício ponderado do direito ao estabelecimento da
paternidade biológica, considerando que aos 28 anos, termo do prazo fixado pela
lei, o investigante já tem a maturidade e experiência de vida necessárias para
compreender a importância do estabelecimento da paternidade para a sua
identidade pessoal e, assim, decidir sobre o exercício do direito a propor a acção
de investigação de paternidade.
- Acórdão de 05-05-2015 (proc. 932/13.6TBLSD.P1.S1, Relator Paulo Sá,
disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/sumarios-civel-
2015.pdf):
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paternidade, não sendo inconstitucional a norma do art. 1817.º, n.º 1, do CC, que
fixou para o efeito o prazo-regra de 10 anos a contar da maioridade do
investigante.
- Acórdão de 14-12-2016 (proc. 2302/13.7TBBCL.G1.S1, Relator João
Trindade, disponível
emhttp://www.stj.pt/ficheiros/jurispsumarios/civel/Mensais/Cvel_2016_12.pdf)):
I - A tendência maioritária actual, após alguma controvérsia e divergência
inicial, é no sentido de que o prazo de caducidade a que alude o art. 1817.º, n.º 1,
do CC – na redacção conferida pela Lei n.º 14/2009, de 01-04 – não é
inconstitucional.
II - A declaração de inconstitucionalidade plasmada no Acórdão do TC n.º
23/2006 não criou fundadas e legítimas expectativas de ver reconhecida a
paternidade a todo o tempo.
A conclusão a que se chegou não é afastada, contrariamente ao que sustenta
a recorrente, pela circunstância de o Tribunal Constitucional ter, entretanto,
julgado inconstitucional o artigo 3.º da Lei que se vem analisando, tanto mais
que tal norma nem sequer tem aplicação ao caso sub judice.
Repare-se que se é certo que o Tribunal Constitucional declarou
inconstitucional o artigo 3.º da Lei n.º 14/2009, de 01-04, por violação do n.º 3
do artigo 18.º da Constituição, na medida em que manda aplicar aos processos
pendentes à data da sua entrada em vigor o prazo previsto na nova redacção do
artigo 1817.º do Código Civil, aplicável às acções de investigação de
paternidade por força do artigo 1873.º do mesmo Código (cf. Acórdãos do
Tribunal Constitucional n.º 164/2011, de 24 de Março, n.º 24/2012, de 17 de
Janeiro, e n.º 323/2013, de 31 de Maio, todos disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt); não é menos certo que, tendo a presente acção
sido instaurada em Setembro de 2012 – e, portanto, quando já estava em vigor o
novo regime que se vem analisando (posto que a Lei n.º 14/2009, de 01-04
entrou em vigor em 02-04-2009, cf. artigo 2.º) –, a doutrina emergente dos
citados arestos não é aqui aplicável.
Com efeito e contrariamente ao que parece sustentar a recorrente – ao invocar,
em abono da sua pretensão, a inconstitucionalidade do artigo 3.º da mencionada
Lei – a declaração que nesse sentido foi emitida pelo Tribunal Constitucional em
nada releva para a decisão do pleito, uma vez que, como se disse e se reitera, a
presente acção foi instaurada na vigência da Lei nova, sendo, portanto, espúrio o
argumento da recorrente ao ter chamado à colação o disposto no citado
normativo que apenas rege para as acções que se encontravam pendentes à data
da entrada em vigor da Lei n.º 14/2009.
Por outro lado, os argumentos que levaram o Tribunal Constitucional a decidir
nesse sentido também não são transponíveis para o caso vertente, sendo que para
se chegar a esta conclusão basta atentar no contexto em que tal pronúncia foi
emitida.
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Vejamos:
A declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do artigo
1817.º, n.º 1, do Código Civil (na anterior redacção) suscitou inúmeras dúvidas,
na doutrina e na jurisprudência, no que concerne aos seus efeitos, passando a
principal por saber se, a partir daí, as acções de investigação de paternidade
continuavam a estar dependentes de algum prazo para a sua propositura ou se, ao
invés, tinha deixado de existir qualquer prazo para esse efeito.
Sendo o efeito da declaração de inconstitucionalidade de uma norma, tal como
prescreve o n.º 1 do artigo 282.º da Constituição da República Portuguesa, a
repristinação da norma ou das normas que aquela outra declarada
inconstitucional, entretanto, tenha revogado, colocou-se a questão de saber se,
tendo o legislador do Código, em 1966 – ao ter instituído o prazo de dois anos
para a propositura da acção de investigação de paternidade –, revogado as
normas constantes do Decreto n.º 2 de 1910, seria esse o regime aplicável no que
toca ao tempo do exercício do direito de investigar ou se, ao invés, tal acção
tinha deixado de estar dependente de qualquer prazo (vide, neste sentido, o
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 164/2011, disponível no sítio já
indicado).
Prevaleceu na jurisprudência o entendimento, alicerçado na falta de
conformidade constitucional do regime pretérito, de não dar como repristinado o
regime de 1910, considerando-se, por conseguinte, que as acções de
investigação de paternidade tinham passado a ser imprescritíveis (i.e.,
cognoscíveis a todo o tempo). Ora, foi a esse mesmo entendimento maioritário
que o legislador pretendeu por cobro através da Lei n.º 14/2009, de 01-04,
fixando, para tanto, no artigo 1817.º do Código Civil, novos prazos de
caducidade para a propositura da acção.
Contudo, nem por isso se dissiparam as dúvidas quanto à questão de saber qual o
regime que seria aplicável às acções que se encontravam pendentes, bem como
às acções instauradas no aludido período intercalar (isto é, entre a declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral e a entrada em vigor da Lei n.º
14/2009) e daí que várias acções de investigação de paternidade que se
encontravam pendentes à data da entrada em vigor da mencionada Lei tenham
sido decididas sem dependência de qualquer prazo (podendo ver-se, nesse
sentido, a título exemplificativo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de
21-09-2010, proc. 4/07.2TBEPS.G1.S1, Relator Cardoso de Albuquerque e de
24-05-2012, proc. 37/07.9TBVNG.P1.S1, Relator Granja da Fonseca,
disponíveis em www.dgsi.pt).
Para tanto, contribuiu, essencialmente, o facto de se ter entendido que a norma
transitória em questão, prevendo a aplicação retroactiva do regime (às acções
que, então, estavam pendentes), era violadora das legítimas expectativas que os
cidadãos tinham criado face ao entendimento que passou a ser seguido pelos
tribunais superiores na sequência da declaração de inconstitucionalidade a que já
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considere que o prazo de dez anos previsto no artigo 1817.º, n.º 1, do Código
Civil, na redacção introduzida pela Lei n.º 14/2009, de 01-04, é constitucional,
será inconstitucional interpretar tal normativo, tal como fez o tribunal recorrido,
no sentido de que esse prazo se conta da maioridade para todos os investigantes,
maxime para aqueles que, tal como sucede consigo, à data da entrada em vigor
da mencionada Lei, já tinham mais de 18 ou mais de 28 anos de idade? E que,
portanto, nesses casos, o aludido prazo deve antes ser contado da entrada em
vigor da lei nova, sob pena de a primeira interpretação ser violadora dos
princípios constitucionais da proporcionalidade, da confiança e da igualdade?
Crê-se ser manifesto que não.
Com efeito, embora não se ignore que a interpretação do supra citado normativo
pela qual a recorrente pugna foi defendida por parte da doutrina
(designadamente por J.P. Remédio Marques, Caducidade de Acção de
Investigação da Paternidade, O problema da aplicação imediata da Lei n.º
14/2009, de 1 de Abril, às acções pendentes, in BFDUC, vol. LXXXV, Coimbra,
2009), a verdade é que a questão já foi alvo de apreciação pelo Supremo
Tribunal de Justiça, pelo menos, em três decisões, tendo-se aí concluído, ao
invés, que o prazo de 10 anos para a instauração da acção de investigação de
paternidade previsto no n.º 1 do artigo 1817.º, na sua actual redacção
(introduzida pela Lei n.º 14/2009, de 01-04), é contado a partir da data em que o
investigante atingiu a maioridade.
Mais se concluiu nos mencionados arestos que essa norma não era
inconstitucional na interpretação segundo a qual tal prazo é também de aplicar
aos casos em que o investigante já tinha atingido a maioridade na data em que a
alteração legal entrou em vigor (cf. Acórdãos de 28-05-2015, proc.
2615/11.2TBBCL.G2.S1, Relator Abrantes Geraldes, de 22-10-2015, proc.
1292/09.5TBVVD.G1.S1, Relator Abrantes Geraldes e de 02-02-2017, proc.
1339/14.3.TBPTM.E1.S1, Relator Álvaro Rodrigues, disponíveis em
www.dgsi.pt).
Ora, não se encontrando razões para dissentir do entendimento plasmado nas
mencionadas decisões, afigura-se que é esse que é aqui de sufragar.
Com efeito, tal como se afirmou nos ditos Acórdãos (que aqui se seguem de
perto), decorrendo expressamente do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil (na
redacção da Lei n.º 14/2009, de 01-04) que o prazo de dez anos aí previsto se
conta a partir da data em que o investigante atingiu a maioridade, não tem
cabimento convocar para o caso o disposto no artigo 297.º, n.º 1, do Código
Civil, quer porque o legislador tomou posição expressa sobre essa matéria, quer
porque resulta dos trabalhos preparatórios que conduziram à citada Lei a clara
intenção daquele em reportar o início do prazo em questão a um momento
anterior ao da entrada em vigor da Lei, em consonância com a regra geral do
artigo 329.º do Código Civil.
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tribunal dará como assente um facto, sempre que o juiz se não convença da
realidade dele.
Com efeito, no sistema português, em que o ónus da prova reveste um
carácter marcadamente objectivo, que só por via reflexa atinge a actividade
probatória das partes, a regra do ónus da prova reconduz-se a uma regra de
decisão. Na dúvida, o juiz resolverá o non liquet num liquet desfavorável à parte
que tem o ónus.
Dispõe, a este propósito, o artigo 342.º do Código Civil que:
1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do
direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito
invocado, compete àquele contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do
direito.
Ora, embora seja indubitável que a caducidade é um facto extintivo do
direito que o autor pretende fazer valer, a verdade é que, de acordo com a que se
julga ser a melhor doutrina – que, por isso, aqui se sufraga – a classificação dos
factos jurídicos como constitutivos ou extintivos não tem um valor absoluto,
antes dependendo, em cada caso concreto, da função que o facto desempenha no
mecanismo do processo, atenta a posição das partes e o efeito jurídico que cada
uma delas pretende obter (vejam-se, neste sentido, Alberto dos Reis, Comentário
ao Código de Processo Civil, vol. III, p. 282; e Rosenberg citado por Antunes
Varela in R.L.J, ano 117.º, p. 30).
Em consequência, será à luz da interpretação da norma contida nas alíneas
b) e c) do n.º 3 do artigo 1817.º do Código Civil que se deverá fixar se o
momento em que o investigante teve conhecimento dos factos ou circunstâncias
que justificam a investigação é constitutivo do seu direito ou se, pelo contrário,
representa um facto impeditivo ou extintivo do mesmo.
Neste particular, o que se vem entendendo, face à forma como está estruturado o
normativo em análise e aos efeitos deles decorrentes, é que é sobre o
investigante que recai o ónus de alegar os factos positivos que, uma vez
demonstrados, permitam aferir se foram esses mesmos factos, tardiamente
conhecidos, que possibilitaram e justificaram que a investigação apenas fosse
levada a cabo nesse momento e não antes.
No fundo, será tal alegação e prova que colocará o investigante a coberto da
previsão legal de que se pretende prevalecer com vista a exercer o seu direito
para além do prazo geral de que disporia para esse efeito.
Os ditos factos devem, assim, ser entendidos como constitutivos da contra
excepção de caducidade enunciada na previsão das alíneas b) e c) do n.º 3 do
artigo 1817.º do Código Civil precisamente por alongarem o prazo geral de dez
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Tomé Gomes
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