Você está na página 1de 31

08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


Processo: 2886/12.7TBBCL.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TAVARES DE PAIVA
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
PRAZO DE CADUCIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
CONTAGEM DO PRAZO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
DIREITO À IDENTIDADE PESSOAL
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
AMBIGUIDADE
OBSCURIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04-05-2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / TEMPO E SUA
REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS
- DIREITO DA FAMÍLIA / FILIAÇÃO / ESTABELECIMENTO DA FILIAÇÃO /
RECONHECIMENTO JUDICIAL / ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS FUNDAMENTAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE
REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA.
Doutrina:
- Alberto Amorim Pereira, «A preclusão do direito de accionar nas acções de investigação de paternidade
– Alguns problemas», in R.O.A., Lisboa, Ano 48, 1988, 143 e ss..
- Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, 282.
- Cristina M. A. Dias, «Investigação da paternidade e abuso do direito. Das consequências jurídicas do
reconhecimento da paternidade», in Cadernos de Direito Privado, n.º 45, Janeiro/Março 2014.
- J. P. Remédio Marques, «Caducidade de Acção de Investigação da Paternidade, O problema da
aplicação imediata da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, às acções pendentes», in B.F.D.U.C., vol. LXXXV,
Coimbra, 2009.
- João Cura Mariano, «O Direito da Família na Jurisprudência do Tribunal Constitucional Português,
Uma breve crónica», in Julgar, n.º 21, Coimbra Editora, 2013, 36 e ss..
- Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, 4.ª Edição, p. 162 e ss.;
«Inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil», in Cadernos de Direito Privado, n.º 15,
Julho/Setembro 2006.
- Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa” Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005,
121.
- Luís Menezes Leitão, «Anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-04-2013», disponível
em www.oa.pt .
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, vol. V, 1995, 83.
- Rosenberg, citado por Antunes Varela, in R.L.J, ano 117.º, 30.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 297.º, N.º 1, 329.º, 342.º, N.º 2, 343.º, N.º 2, 1817.º, N.ºS 1 E 3, AL. B).
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 1/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 674.º, N.º 3.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º, 13.º, 18.º, N.º 3, 282.º, N.º
1.
Jurisprudência
Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 08-06-2010, PROC. N.º 1847/08.5TVLSB-A.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT


-DE 21-09-2010, PROC. N.º 4/07.2TBEPS.G1.S1, E DE 24-05-2012, PROC. N.º 37/07.9TBVNG.P1.S1,
DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT
-DE 27-01-2011, PROC. N.º 123/08.8TBMDR.P1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT
-DE 29-11-2012, PROC. N.º 367/10.2TBCBC-A.G1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT
-DE 24-02-2015, PROC. N.º 692/11.5TBPTG.E1.S1, DISPONÍVEL EM
HTTP://WWW.STJ.PT/FICHEIROS/JURISP-SUMARIOS/CIVEL/SUMARIOS-CIVEL-2015.PDF
-DE 12-03-2015, PROC. N.º 1261/12.8TBSTS.P1.S1, DISPONÍVEL EM
HTTP://WWW.STJ.PT/FICHEIROS/JURISP-SUMARIOS/CIVEL/SUMARIOS-CIVEL-2015.PDF
-DE 05-05-2015, PROC. N.º 932/13.6TBLSD.P1.S1, DISPONÍVEL EM
HTTP://WWW.STJ.PT/FICHEIROS/JURISP-SUMARIOS/CIVEL/SUMARIOS-CIVEL-2015.PDF
-DE 28-05-2015, PROC. N.º 2615/11.2TBBCL.G2.S1, DE 22-10-2015, PROC. N.º
1292/09.5TBVVD.G1.S1, E DE 02-02-2017, PROC. N.º 1339/14.3.TBPTM.E1.S1, DISPONÍVEIS EM
WWW.DGSI.PT
-DE 17-11-2015, PROC. N.º 30/14.5TBVCD.P1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT
-DE 21-04-2016, PROC. N.º 1974/13.7TBFAF.G1.S1, DISPONÍVEL EM
HTTP://WWW.STJ.PT/FICHEIROS/JURISP-SUMARIOS/CIVEL/MENSAIS/CVEL_2016_04.PDF
-DE 23-06-2016, PROC. N.º 1937/15.8T8BCL.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT
-DE 14-12-2016, PROC. N.º 2302/13.7TBBCL.G1.S1, DISPONÍVEL EM
HTTP://WWW.STJ.PT/FICHEIROS/JURISPSUMARIOS/CIVEL/MENSAIS/CVEL_2016_12.PDF
-DE 02-02-2017, PROC. N.º 200/11.8TBFVN, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT
-DE 09-03-2017, PROC. N.º 759/14.8TBSTB.E1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT

-*-

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-N.ºS 99/88, 413/89, 451/89, 311/95 E 506/99.


-N.º 456/03, DE 14 DE OUTUBRO.
-N.º 23/2006, DE 10 DE JANEIRO, PUBLICADO NO D.R., I SÉRIE-A, DE 08-02-2006.
-N.ºS 401/2011, 445/2011, 446/2011, 476/2011, 545/2011, 77/2012, 106/2012, 231/2012, 247/2012, 515/2012,
166/2013, 350/2013, 750/2013, 373/2014, 383/2014, 529/2014, 547/2014, 704/2014, 302/2015, 594/2015,
626/2015 E 424/2016.
-N.º486/2004.
-N.º 164/2011, DE 24 DE MARÇO, N.º 24/2012, DE 17 DE JANEIRO, E N.º 323/2013, DE 31 DE MAIO.
-DECISÃO SUMÁRIA N.º 252/2016 E NO ACÓRDÃO N.º 151/2017.
*
TODOS DISPONÍVEIS EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT
Sumário :
I - Salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do art. 674.º do CPC, não cabe ao
STJ sindicar a matéria de facto.
II - A contradição determinante da nulidade do acórdão recorrido ocorre sempre
que os fundamentos invocados pelo julgador conduzam a uma decisão oposta
àquela que veio a ser tomada. É, por sua vez, obscura a decisão quando seja
ininteligível o seu sentido, verificando-se a sua ambiguidade quando a mesma se
preste a interpretações diferentes.
III - O erro de julgamento não se confunde com a omissão de pronúncia, não
sendo de acolher esta arguição sempre que o acórdão recorrido, ainda que com
parca fundamentação, haja tomado posição sobre uma das questões colocadas na
apelação.
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 2/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

IV - Deve-se desatender o entendimento que pugna pela inconstitucionalidade


do n.º 1 do art. 1817.º do CC – na redacção emergente da Lei n.º 14/2009, de 01-
04 –, porquanto o interesse da segurança jurídica não pode ser posto em causa
por uma atitude desinteressada do investigante, revelando-se aquele normativo
conforme ao princípio da proporcionalidade, posto que o prazo ali assinalado
assegura que o pretenso filho disporá, 10 anos após adquirir a maioridade ou ser
emancipado, de suficiente maturidade e autonomia para intentar a acção.
Ademais, os n.os 2 e 3 do mesmo preceito prevêem prazos durante os quais,
mesmo após ter decorrido o prazo de 10 anos após a maioridade ou a
emancipação, pode ainda ser proposta a acção, conquanto se aleguem e provem
os pertinentes factos.
V - A regra da impescritibilidade da acção de investigação da paternidade não
foi acolhida no direito civil português, sendo que, por si só, o estabelecimento de
prazos de caducidade não é violador da CEDH, importando antes averiguar se as
respectivas características traduzem um justo equilíbrio entre os interesses em
jogo – o direito à identidade pessoal, o direito à reserva da vida privada e o
interesse na estabilidade das relações familiares.
VI - Tendo a acção sido intentada após a entrada em vigor da Lei n.º 14/2009, de
01-04, é irrelevante que o art. 3.º deste diploma haja sido declarado
inconstitucional com força obrigatória geral, já que não são equiparáveis a
situação de quem vê uma norma aplicada num processo pendente à data da sua
entrada em vigor e a situação de quem vê a mesma norma aplicada num
processo que, nessa data, ainda não se iniciara.
VII - O prazo de 10 anos a que alude o n.º 1 do art. 1817.º do CC inicia o seu
curso a partir da data em que o investigante atingiu a maioridade, não tendo
cabimento convocar o disposto no n.º 1 do art. 297.º do CC porquanto o
legislador tomou posição expressa sobre a matéria e porque resulta dos trabalhos
preparatórios da Lei n.º 14/2009 que a intenção legislativa era reportar o início
do cômputo de tal prazo ao momento anterior à entrada em vigor desse diploma.
VIII - Seria contraditório com a ratio do estabelecimento de prazos de
caducidade (a estabilização das relações sociais e a pacificação social) para a
propositura da acção de investigação de paternidade e com a intenção do
legislador entender que a respectiva contagem apenas se iniciaria a partir da
entrada em vigor da Lei n.º 14/2009.
IX - Tendo a autora atingido a maioridade em 14-10-1980 e não se
demonstrando que, desde então, esteve impedida de propor a acção de
investigação da paternidade contra o seu pretenso pai, é de concluir que o
entendimento exposto em VII não padece de inconstitucionalidade, posto que a
recorrente teve inúmeras possibilidades para o fazer – inclusive apoiando-se na
jurisprudência do TC sobre esta matéria –, não sendo expectável que o legislador
abdicasse do estabelecimento de prazos.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 3/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

X - O entendimento mencionado em VII não contende com o princípio da


igualdade na medida em que a situação da recorrente não apresenta qualquer
paralelismo com as pessoas que, à data da entrada em vigor da Lei n.º 14/2009,
ainda não tinham atingido maioridade ou sido emancipadas.

XI - Pretendendo a autora prevalecer-se do prazo alargado previsto na al. b) do


n.º 3 do art. 1817.º do CC, impende sobre aquela o ónus de alegar e provar os
pertinentes factos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório
AA intentou em Setembro de 2012 acção de investigação de paternidade contra
BB pedindo que se declare que o Réu é seu pai e consequentemente o
reconhecimento da respectiva paternidade.
O R contestou e no que ora releva, o réu excepcionou a caducidade do direito
que a autora pretende fazer valer através da presente acção.
A Autora apresentou réplica, pugnando pela improcedência da invocada
excepção de caducidade, invocando a inconstitucionalidade das normas que
seriam aplicáveis ao caso.
O Réu treplicou, reiterando a alegada caducidade e sustentando que, tendo a
acção sido instaurada em Setembro de 2012, ao caso se aplica a lei nº 14/2009
de 01.04, que entrou em vigor em 2.04.2009.
Procedeu-se ao saneamento e à condensação do processo, com a selecção da
matéria de facto assente e controvertida, e, após a realização da audiência de
julgamento, foi proferida sentença na qual se julgou a acção improcedente, com
a consequente absolvição do réu do pedido.
De tal decisão apelou a autora, tendo, porém, o Tribunal da Relação de
Guimarães confirmado a decisão recorrida.
Inconformada, interpôs recurso a autora recurso de revista ao abrigo do art.
672 nºs 1 e 2, alínea b) do CPC, invocando, para tanto, que o acórdão recorrido
está em oposição como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.05.2008,
cuja cópia juntou aos autos.
Por acórdão de 2.06.2016, este Supremo Tribunal, considerando ter ocorrido
omissão de pronúncia que não era susceptível de ser suprida e concedendo,
assim, a revista, anulou a decisão recorrida e ordenou que os autos voltassem à
Relação a fim de que procedesse à reforma daquela no que toca à matéria de
facto que a apelante havia impugnado- em concreto, a referente ao facto de a
mãe da autor lhe ter dito, um ano antes de ter sido intentada a acção, que o réu
era o seu pai- já que estando tal matéria relacionada com a caducidade, atento o
condicionalismo previsto no art. 1817 nº3 do C. Civil, o seu conhecimento não
era inútil.
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 4/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Em cumprimento do decidido, foi proferido no acórdão no qual o Tribunal


da Relação de Guimarães, mantendo a matéria de facto que havia sido fixada
pela 1ª instância, confirmou a decisão recorrida.
Novamente inconformada, interpôs agora a autora recurso de revista
excecpional, que foi admitido, por decisão da formação de apreciação
preliminar, com fundamento na previsão contida na alínea a) do9 nº1 do art. 672
do CPC.
II - Fundamentação:
Questões que cumpre conhecer:
a) Erro de julgamento no que toca à matéria de facto impugnada pela
recorrente que foi reapreciada pela Relação (pontos 1. a 3. das conclusões);
b) Nulidade do acórdão recorrido por insuficiência ou por omissão de
pronúncia (ponto 4. das conclusões);
c) Inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil na redacção
dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 14/2009, de 01-04 (pontos 5. a 15. das
conclusões);
d) Interpretação do artigo 1817.º, n.º 3, do Código Civil no que concerne à
repartição do ónus da prova dos factos contidos nesta previsão normativa
(pontos 16. a 18. das conclusões).
1. Do erro de julgamento no que concerne à matéria de facto impugnada
pela apelante que foi reapreciada pela Relação (pontos 1. a 3. das
conclusões):
Sustenta a recorrente, nas conclusões da sua alegação recursória, que, tendo
impugnado a decisão da matéria de facto no que concerne à matéria contida no
artigo 4.º da base instrutória – “A mãe da autora, um ano antes de ter sido
intentada a presente acção, disse-lhe que o réu era o pai dela” –, matéria essa que
o tribunal de 1.ª instância deu como não provada, a Relação incorreu em erro de
julgamento ao ter mantido essa resposta negativa já que a prova documental
constante dos autos e a prova testemunhal produzida impunham que tal matéria
tivesse sido dada como provada.
Vejamos:
Dispõe o artigo o artigo 682.º, n.º 1, do referido diploma legal que aos factos
materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica
definitivamente o regime jurídico que julgue adequado; acrescentando o n.º 2 do
mesmo normativo que A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à
matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 3
do artigo 674.º.
Preceitua, por sua vez, este último normativo que o erro na apreciação das
provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 5/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que
exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de
determinado meio de prova.
Vê-se, assim, claramente destes preceitos que o Supremo Tribunal de Justiça,
enquanto tribunal de revista, em regra, apenas conhece de matéria de direito, não
lhe cabendo sindicar a matéria de facto apurada pelas instâncias, a não ser que se
verifique algum dos casos excepcionais expressamente previstos na lei.
Com efeito, tal como refere, a este propósito, Teixeira de Sousa (Estudos sobre o
Processo Civil, 2.ª edição, p. 398), a actividade do Supremo não se preocupa
com as possíveis alternativas sobre o julgamento dos factos relevantes, mas
exclusivamente com a determinação da solução jurídica adequada para os factos
apurados pelas instâncias, já que na função atribuída ao Supremo prevalecem os
interesses gerais de harmonização na aplicação do direito sobre a averiguação
dos factos relativos ao caso concreto e a concentração dos seus esforços na
determinação da norma aplicável e no controlo da sua interpretação e aplicação
pelas instâncias.
Também Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição,
p. 270) afirma, em sentido coincidente, que, em regra, o Supremo não se
pronuncia sobre a verdade dos factos em que se baseia a invocada infracção à
lei. Compete-lhe antes apurar se foi exacta a aplicação da lei, no pressuposto de
que os factos aos quais a aplicou o tribunal a quo são verdadeiros tal como ele os
considerou provados.
Ou seja, ainda que, face ao disposto no artigo 674º, n.º 3, do Código de Processo
Civil, o Supremo não fique totalmente paralisado no que concerne ao controlo
da decisão da matéria de facto, a verdade é que a sua intervenção se circunscreve
a aspectos em que se tenha verificado a violação de normas de direito probatório
material (por, nessa hipótese, estarem em causa verdadeiros erros de direito), já
não abrangendo, porém, questões inerentes à decisão da matéria de facto quando
esta foi precedida da formulação de um juízo assente na livre apreciação da
prova formulado pela 1.ª instância ou até pela Relação (vide, neste sentido,
Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição,
2014, p. 337 e ss.).
Trata-se, de resto, de orientação que é igualmente pacífica na jurisprudência do
Supremo Tribunal de Justiça, podendo ver-se, a título exemplificativo, as
seguintes decisões:
Acórdão de 15-01-2015 (proc. 266/10.8TBBRG.G1.S1, Relator Tavares de
Paiva, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-
sumarios/civel/Cvel2015.pdf)
- Acórdão de 22-01-2015 (proc. 24/09.2TBMDA.C2.S1, Relatora Maria dos
Prazeres Beleza, disponível em www.dgsi.pt):

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 6/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

- Acórdão de 19-01-2016 (proc. 871/07.0TCSNT-A.L1.S1, Relator Gregório


Silva Jesus, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-
sumarios/civel/Civel2016.pdf):
- Acórdão de 05-04-2016 (proc. 415/07.3TBMMV.C1.S1, Relator João Camilo,
disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Civel2016.pdf):
- Acórdão de 07-04-2016 (proc. 397/09.7TBPVL.G1.S1, Relator Orlando
Afonso, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-
sumarios/civel/Civel2016.pdf):
- Acórdão de 19-04-2016 (proc. 5654/13.5TBMTS-A.P1.S1, Relator Garcia
Calejo, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-
sumarios/civel/Civel2016.pdf):
- Acórdão de 19-10-2016 (proc. 3285/05.2TVPRT.P1.S1, Relator Olindo
Geraldes, disponível em www.dgsi.pt):
2. Da nulidade do acórdão recorrido por insuficiência ou por omissão de
pronúncia (ponto 4. das conclusões):
Invoca a recorrente, ademais, que o acórdão recorrido é nulo, nos termos das
alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, por o
Tribunal da Relação não ter apreciado ou julgado como é que se conta o prazo
ou qual foi o prazo concedido pelo artigo 1.º da Lei n.º 14/2009 aos investigantes
que, tal como a autora, à data da sua entrada em vigor, já tinham mais de 18 ou
mais de 28 anos de idade.
Afigura-se, porém, que não lhe assiste razão.
Dispõe, no que ora releva, o artigo 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil
(aplicável aos acórdãos ex vi do disposto no artigo 666.º do mesmo diploma
legal) que É nula a sentença quando: (…) c) Os fundamentos estejam em
oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que
torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que
devesse apreciar (…).
Conforme se colhe dos ensinamentos de Alberto dos Reis (Código de
Processo Civil Anotado, volume V, 3ª edição, 1952, reimpressão, Coimbra
Editora, 2007, p. 141), que mantêm inteira actualidade, ocorrerá o vício de
oposição entre os fundamentos e a decisão quando os fundamentos invocados
pelo juiz conduziriam, logicamente, a um resultado, mas o resultado expresso na
decisão é exactamente o oposto.
Por sua vez, a sentença será obscura quando contém algum passo cujo sentido
seja ininteligível e será ambígua quando alguma passagem se preste a
interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro
hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos (cf. Alberto dos
Reis, ob cit., p. 151).

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 7/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Já no que concerne à omissão de pronúncia, trata-se de nulidade que está em


correspondência directa com o dever imposto ao juiz, ínsito no artigo 608.º, n.º
2, do Código de Processo Civil, no sentido de o mesmo ter de resolver todas as
questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas
cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra.
Tal não significa, porém, que o juiz se tenha de ocupar de todas as
considerações feitas pelas partes já que são coisas diferentes deixar de conhecer
de questão de que devia conhecer; e deixar de apreciar qualquer consideração,
argumento ou razão produzida pela parte, posto que conforme bem observa
Alberto dos Reis (ob. cit., p. 142 e 143) Quando as partes põem ao tribunal
determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou
fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal
decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou
razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.
Com base nestes ensinamentos, é este o entendimento corrente que, nesta
matéria, tem sido adoptado pelo Supremo Tribunal de Justiça, de que são
exemplo as seguintes decisões:
- Acórdão de 22-01-2015 (proc. 24/09.2TBMDA.C2.S1, Relatora Maria dos
Prazeres Beleza, disponível em www.dgsi.pt) em que conclui:
A nulidade por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o tribunal
deixa de apreciar questões que tinha de conhecer, mas já não quando, no
entender do recorrente, as razões da decisão resultam pouco explicitadas ou não
se conhecem de argumentos invocados.
- Acórdão de 05-01-2016 (proc. 1898/13.8TYLSB.S1, Relator Júlio Gomes,
disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-
sumarios/civel/Mensais/Cvel%202016_01.pdf) que considerou:
O emprego de argumentação diversa daquela que é usada pelas partes (e que
pode acarretar que não sejam relevantes os elementos por elas trazidos) não
implica que se haja incorrido em omissão de pronúncia.
Acórdão de 28-04-2016 (proc. 1723/06.6TVPRT.P3.S1, Relator Abrantes
Geraldes, disponível
http://www.stj.pt/ficheiros/jurispsumarios/civel/Mensais/Cvel_2016_04.pdf) que
também concluiu:
A nulidade por omissão de pronúncia não se confunde com situações que,
porventura, correspondam a uma deficiente ou insuficiente fundamentação da
resposta dada a alguma questão suscitada.
Tendo presentes estas considerações, dir-se-á, desde logo, no que se refere ao
apontado vício de nulidade previsto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código
de Processo Civil, que a recorrente não invocou qual a contradição de que,
alegadamente, padeceria o acórdão recorrido e também não concretizou em que
é que se traduziriam as invocadas ambiguidade ou obscuridade, omissões estas
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 8/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

que, por si só, bastariam para que improcedesse a arguida nulidade. Acrescente-
se, em todo o caso, que a decisão sob censura é perfeitamente coerente e
inteligível, não se vislumbrando nela qualquer contradição ou sequer passagem
que se preste a interpretações equívocas ou dúbias.
Já no que toca ao vício de nulidade por omissão de pronúncia que a recorrente
imputa ao acórdão recorrido e que se prende com a alegada falta de
conhecimento do modo de contagem do prazo a que se refere o artigo 1.º da Lei
n.º 14/2009, de 01-04, se dirá que também não lhe assiste razão.
Na verdade, a questão que a recorrente verdadeiramente colocou ao tribunal
recorrido e cuja decisão a este se impunha foi a de saber se o artigo 1.º da citada
Lei n.º 14/2009, que deu nova redacção ao artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil,
é inconstitucional.
Ora, tal questão foi expressamente enunciada na decisão que se analisa, tendo o
tribunal recorrido entendido que a mesma comportava uma dupla vertente: por
um lado, saber se tal normativo, ao estabelecer um prazo de dez anos, contado
da maioridade ou da emancipação do investigante, era inconstitucional e, por
outro, se esse prazo se contava desses factos para todos os investigantes, em
concreto, para aqueles que, tal como a autora, à data da entrada em vigor da lei,
já tivessem mais de 28 anos de idade.
Partindo desse pressuposto, o tribunal recorrido apreciou a questão, decidindo
que não se verificava a invocada inconstitucionalidade, louvando-se, para tanto,
nos argumentos vertidos em decisões do Tribunal Constitucional, que
transcreveu e aos quais aderiu, resultando patente do acórdão recorrido que
aquele considerou que tais argumentos eram suficientes para concluir dessa
forma. Ou seja, independentemente de ter decidido mal ou bem – questão que se
prende já com o mérito da decisão e não com a invocada nulidade – e de ter
fundamentado pior ou melhor a decisão nessa parte, o certo é que se vê do
acórdão sob escrutínio, que o tribunal recorrido considerou que as decisões que
citou e que transcreveu parcialmente (ou mais rigorosamente, os argumentos
nelas vertidos), versavam sobre a questão da não inconstitucionalidade na dupla
vertente que enunciou por aí se ter concluído que o prazo de dez anos contado a
partir dos eventos previstos na lei (maioridade ou emancipação) não era
desproporcional, sobretudo, por não funcionar como um prazo cego cujo decurso
determinasse inexoravelmente a perda do direito ao estabelecimento da
paternidade.
Não pode, por isso, afirmar-se que o acórdão recorrido padeça da alegada
nulidade por omissão de pronúncia.
Com efeito, ainda que se reconheça que a questão da inconstitucionalidade
do mencionado normativo, na específica vertente atinente ao modo de contagem
do prazo em apreço, teria merecido uma fundamentação mais substancial e mais
desenvolvida, a verdade é a parca (mas não inexistente) fundamentação contida
no acórdão recorrido não determina a sua nulidade, precisamente por esta não se

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 9/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

confundir com situações que, porventura, correspondam a uma deficiente ou


insuficiente fundamentação da resposta dada a alguma questão suscitada (veja-
se, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a que acima se fez
referência, de 28-04-2016, proferido no proc. 1723/06.6TVPRT.P3.S1, de que
foi relator Abrantes Geraldes).
Tudo para concluir que as arguidas nulidades têm, necessariamente, de
improceder.
3. Da inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil na
redacção dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 14/2009, de 01-04 (pontos 5. a 15.
das conclusões):
Sustenta a recorrente, neste particular, que a fixação de prazos para a instauração
da acção de investigação de paternidade constitui uma restrição não justificada,
desproporcionada e não admissível do direito do filho saber de quem descende e
que, por isso, o artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil (aplicável às acções de
investigação de paternidade por força do artigo 1873.º do mesmo diploma legal),
na redacção dada pela Lei n.º 14/2009, de 01-04, é materialmente
inconstitucional, pelo que, ao ter decidido em sentido contrário – julgando
caducado o direito da autora – o tribunal recorrido incorreu em erro de
julgamento.
Vejamos:
As decisões das instâncias convergiram no que toca à aplicação ao caso do prazo
previsto no citado artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil – que consideraram não
ser inconstitucional – tendo, por isso, ambas declarado a caducidade do direito
que a autora pretende fazer valer por, à data da propositura da acção, já ter
decorrido o prazo de dez anos aí estabelecido, contado da maioridade daquela,
com a consequente improcedência da acção e a absolvição do réu do pedido.
É, pois, com essa decisão que a autora não se conforma, insistindo pela
inconstitucionalidade do referido normativo.
E, de facto, a questão de saber se as acções de investigação de paternidade
devem ou não ser limitadas no tempo – e se tal limitação é ou não constitucional
– não tem merecido uma resposta unívoca, nem na doutrina, nem na
jurisprudência, estando tal discussão, ainda hoje, longe de ser pacífica.
São fundamentalmente duas as posições que sustentam a controvérsia que, há
muito, se vem desenhando a este propósito:
- Uma no sentido da imprescritibilidade do direito de estabelecimento da
paternidade, por este se inserir no acervo de direitos pessoalíssimos, como seja o
direito à identidade pessoal (no qual se inclui o direito de conhecer e ver
reconhecida a ascendência biológica) e o direito ao desenvolvimento da
personalidade e, como tal, o estabelecimento de um prazo para a instauração da
acção de investigação de paternidade, seja ele qual for, constituir uma restrição
desproporcionada aos referidos direitos, sendo, portanto, inconstitucional por
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 10/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

violação dos artigos 18.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, da Constituição da
República Portuguesa; e
- Outra que, estribando-se nos princípios da certeza e da segurança jurídicas dos
pretensos pais e dos seus herdeiros, no progressivo “envelhecimento” e
aleatoriedade das provas, na prevenção da “caça às fortunas”, no direito à
intimidade e reserva da vida provada do investigado e na paz da sua família
conjugal, tem defendido que o estabelecimento de tais prazos, para o
mencionado efeito, se afigura razoável, não constituindo uma restrição
desproporcionada ao direito à identidade pessoal, mas antes um mero
condicionamento do seu exercício, que é ditado pelos referidos valores também
em jogo, com consagração constitucional, que têm de ser compatibilizados com
o direito à identidade pessoal do investigante.
Foi, pois, esta última posição que, contrariamente ao que sucedia no Código de
Seabra (no qual não se previa qualquer limite temporal), veio a ser acolhida no
Código Civil de 1966, quando aí se determinou que a acção de investigação de
maternidade/paternidade só poderia ser proposta durante a menoridade do
investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou
emancipação - solução que, nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela
(Código Civil Anotado, vol. V, 1995, p. 83), foi determinada pela consideração
ético-pragmática de combate à investigação como puro instrumento de caça à
herança paterna e de estímulo à determinação da paternidade em tempo
socialmente útil.
Tal consagração legislativa não evitou, contudo, que o tema continuasse a gerar
controvérsia, designadamente no que concerne à conformidade ou não
conformidade constitucional do estabelecimento de prazos para instauração das
acções de investigação de paternidade e a verdade é que, não obstante, numa
primeira fase, o Tribunal Constitucional ter decidido sempre no sentido da
compatibilidade das normas que previam os referidos prazos com os princípios
constitucionais, em atenção aos interesses acima descritos (cf. Acórdãos n.ºs
99/88, 413/89, 451/89, 311/95 e 506/99, todos disponíveis em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos), a consolidação e a aplicação
das novas técnicas laboratoriais de determinação científica da paternidade
vieram a revelar-se decisivas para uma mudança de rumo da jurisprudência
constitucional. Com efeito, perante o fim do receio do envelhecimento e
aleatoriedade da prova, face aos avanços científicos que permitiram o emprego
de testes de ADN com uma fiabilidade próxima da certeza, os interesses da
segurança jurídica do pretenso progenitor, da prevenção da “caça às fortunas” e
o da reserva da vida privada do investigado e a paz da sua família conjugal
diminuíram de importância e começaram a ser olhados como minudências, face
ao superior interesse do investigado conhecer as origens da sua existência (cf.
João Cura Mariano, O Direito da Família na Jurisprudência do Tribunal
Constitucional Português, Uma breve crónica, in Julgar, n.º 21, Coimbra Editora,
2013, p. 36 e ss.).

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 11/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Em consequência, após a prolação do Acórdão n.º 456/03, de 14 de Outubro


(disponível em www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional passou
a julgar inconstitucionais os prazos de caducidade estabelecidos no artigo 1817.
º do Código Civil, sendo que tal viragem jurisprudencial veio, inclusive, a
culminar com a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral,
da norma do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, aplicável por força do artigo
1873.º do mesmo Código, na medida em que previa para a caducidade do direito
de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do
investigante, por violação das disposições conjugadas dos artigos 16.º, n.º 1,
36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (cf. Acórdão
n.º 23/2006, de 10 de Janeiro, publicado no D.R., I Série-A, de 08-02-2006).
Importa, porém, reter que, nesse acórdão, o Tribunal Constitucional fez questão
de deixar bem vincado que o que estava em causa não era qualquer imposição
constitucional de uma ilimitada averiguação da verdade biológica da filiação,
mas antes tão só e apenas o concreto limite temporal previsto no artigo 1817.º,
n.º 1, do Código Civil, de dois anos a contar da maioridade ou emancipação
(portanto, no máximo, os 20 anos de idade do investigante), que, pelas razões
expendidas na decisão, foi considerado exíguo.
A Lei n.º 14/2009, de 01-04 visou, precisamente, dar resposta à
inconstitucionalidade assim declarada, alterando o artigo 1817.º do Código
Civil, que passou a ter a seguinte redacção:
1. A acção de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a
menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou
emancipação.
(…)
3. A acção pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de
algum dos seguintes factos:
a) Ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante;
b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo
previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação,
designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe;
c) Em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante
tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que
possibilitem ou justifiquem a investigação.
4. No caso referido na alínea b) do número anterior, incumbe ao réu a prova da
cessação voluntária do tratamento nos três anos anteriores à propositura da
acção.
Não obstante essa consagração legislativa e bem assim o desiderato que lhe
esteve subjacente, o certo é que a controvérsia, a este propósito, persistiu, tendo
parte da doutrina e da jurisprudência, incluindo no seio do Supremo Tribunal de
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 12/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Justiça, continuado a defender a tese da inconstitucionalidade de todo e qualquer


prazo para a propositura das acções de investigação da paternidade.
Veja-se, nesse sentido, na doutrina:
- Jorge Duarte Pinheiro, em O Direito da Família Contemporâneo, 4.ª Edição, p.
162 e ss. e em “Inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil” in
Cadernos de Direito Privado, n.º 15, Julho/Setembro 2006;
- Luís Menezes Leitão, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 09-04-2013, disponível em www.oa.pt; e
- Cristina M. A. Dias, em “Investigação da paternidade e abuso do direito. Das
consequências jurídicas do reconhecimento da paternidade, in Cadernos de
Direito Privado, n.º 45, Janeiro/Março 2014.
Já na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça poderão ver-se, no
enunciado sentido, as seguintes decisões:
- Acórdão de 08-06-2010 (proc. 1847/08.5TVLSB-A.L1.S1, Relator Serra
Baptista, disponível em www.dgsi.pt):
I - O direito à identidade pessoal, constitucionalmente consagrado, no art. 26.º,
n.º 1, da CRP, inclui, além do mais, os vínculos de filiação, existindo um direito
fundamental ao conhecimento e reconhecimento, desde logo, da paternidade, ou
seja, das raízes de cada um.
II - Tal direito fundamental, do conhecimento da ascendência biológica, por
banda do investigante, é um direito personalíssimo e imprescritível.
III - Configurando os prazos de caducidade – sejam eles quais forem – uma
restrição desproporcionada de tal citado direito à identidade pessoal ou à
historicidade pessoal, violadora da Constituição da República.
IV - Sendo, assim, também inconstitucional, o novo prazo de investigação
estabelecido pela actual Lei n.º 14/2009, de 01-04.
- Acórdão de 21-09-2010 (proc. 4/07.2TBEPS.G1.S1, Relator Cardoso de
Albuquerque, disponível em www.dgsi.pt):
I - O Acórdão do TC n.º 23/2006, de 10-01, declarou inconstitucional, com força
obrigatória geral, a norma do n.º 1 do art. 1817.º do CC, nos termos da qual o
direito de investigar a paternidade caducava nos dois primeiros anos posteriores
à maioridade do investigante, pelo que deixou de existir qualquer prazo para a
propositura da acção, ficando em aberto uma nova opção pelo legislador
ordinário.
(…)
V - As razões que estão subjacentes àquela declaração de inconstitucionalidade
mantêm-se inteiramente válidas, dado que, estando em causa o estabelecimento
da paternidade da autora, o prazo previsto no art. 1817.º, n.º 1, na redacção da
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 13/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

nova lei, é também materialmente inconstitucional, na medida em que é


limitador da possibilidade de investigação a todo o tempo, constituindo, o
estabelecimento do mesmo e nos tempos que correm, com o novo paradigma do
direito fundamental à identidade pessoal e de livre desenvolvimento da
personalidade, uma restrição não justificada, desproporcionada e não admissível
do direito do filho saber em vida de quem descende.

- Acórdão de 27-01-2011 (proc. 123/08.8TBMDR.P1.S1, Relator Bettencourt de


Faria, disponível em www.dgsi.pt):
I - Declarado inconstitucional o prazo de 2 anos para a caducidade do direito de
acção de investigação da paternidade do art. 1817.º, n.º 1, do CC, o novo prazo
de 10 anos, estabelecido pelo art. 3.º da Lei n.º 14/09, de 01-04, é, também,
inconstitucional.
II - Isto porque é limitador da possibilidade de investigação a todo o tempo,
constituindo uma restrição não justificada, desproporcionada e não admissível
do direito de conhecer a ascendência.

Foi, pois, nesse contexto de permanência da controvérsia que o Tribunal


Constitucional foi chamado a pronunciar-se novamente sobre a
inconstitucionalidade do preceito em análise, agora na nova redacção, tendo
decidido, em Plenário, Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º
1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em
que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo
1873.º do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da
acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante (cf. Acórdão n.º
401/2011, de 22 de Setembro, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Tal
juízo de não inconstitucionalidade tem sido, aliás, acolhido, em todos os
acórdãos que àquele se seguiram e que versaram sobre a não
inconstitucionalidade do citado normativo face aos preceitos da Lei
Fundamental (cf. Acórdãos n.ºs 445/2011, 446/2011, 476/2011, 545/2011,
77/2012, 106/2012, 231/2012, 247/2012, 515/2012, 166/2013, 350/2013,
750/2013, 373/2014, 383/2014, 529/2014, 547/2014, 704/2014, 302/2015,
594/2015, 626/2015 e 424/2016, todos disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt).
Conforme já se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-
11-2012 (proc. 367/10.2TBCBC-A.G1.S1, relator Tavares de Paiva, disponível
em www.dgsi.pt), entre os fundamentos explanados é de salientar o facto de o
Acórdão do Tribunal Constitucional considerar legítimo que o legislador
estabeleça prazos para a propositura da respectiva acção de investigação da
paternidade, de modo a que o interesse da segurança jurídica não possa ser posto
em causa por uma atitude desinteressada do investigante, não sendo injustificado
nem excessivo fazer recair sobre o titular do direito um ónus de diligência
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 14/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

quanto à iniciativa processual para apuramento definitivo da filiação, não


fazendo prolongar, através de um regime de imprescritibilidade uma situação de
incerteza indesejável.
Por seu turno e no que tange ao princípio da proporcionalidade, considerou-
se no aludido aresto que o prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação,
consagrado no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil revela-se, pois, como
suficiente para assegurar que não opera qualquer prazo de caducidade para a
instauração pelo filho duma acção de investigação de paternidade, durante a fase
da vida deste em que ele poderá ainda não ter a maturidade, a experiência de
vida e a autonomia suficientes para sobre este assunto tomar uma decisão
suficientemente consolidada, concluindo-se que, assim sendo, esse prazo não é
desproporcional e, por isso, não viola os direitos constitucionais ao
conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respectivo
vínculo jurídico, abrangidos pelos direitos fundamentais à identidade pessoal e a
constituir família (respectivamente previstos nos artigos 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1,
ambos da Constituição).
Já no que toca à salvaguarda do direito à identidade pessoal, tal como fez
notar o Tribunal Constitucional, em Plenário, no mencionado Acórdão n.º
401/2011, de 22 de Setembro, a reforma legislativa em causa não se limitou a
alongar a duração dos prazos de caducidade anteriormente estabelecidos no
artigo 1817.º do Código Civil, tendo ido mais longe ao ter posto fim ao
funcionamento autónomo de um prazo de caducidade “cego” que corria
inexorável e ininterruptamente, independentemente de poder existir qualquer
justificação ou fundamento para o exercício do direito.
Com efeito, apesar do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil (que continua
a ser aplicável às acções de investigação da paternidade ex vi do disposto no
artigo 1873.º do mesmo Código) manter que esta acção só pode ser proposta
durante a menoridade do investigante ou nos 10 anos (na nova redacção)
posteriores à sua maioridade ou emancipação, o n.º 3 estabelece que a acção
ainda pode ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos
seguintes factos: a) ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a paternidade
do investigante; b) quando o investigante tenha tido conhecimento, após o
decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a
investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pelo
pretenso pai; c) e em caso de inexistência de paternidade determinada, quando o
investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias
que possibilitem e justifiquem a investigação.
Como resulta do advérbio “ainda” introduzido no corpo do n.º 3 do artigo 1817.º
do Código Civil, é manifesto que os prazos de três anos referidos nos n.º 2 e 3 se
contam para além do prazo fixado no n.º 1, do artigo 1817.º, não caducando o
direito de proposição da acção antes de esgotados todos eles. Isto é, mesmo que
já tenham decorrido dez anos a partir da maioridade ou emancipação, a acção é
ainda exercitável dentro dos prazos previstos nos n.º 2 e 3; inversamente, a

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 15/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

ultrapassagem destes prazos não obsta à instauração da acção, se ainda não tiver
decorrido o prazo geral contado a partir da maioridade ou emancipação.
Do confronto do regime anterior com o actual, sobressai a inovadora previsão de
um fundamento genérico de abertura de prazos específicos para a proposição da
acção de investigação, não contando apenas, para esse efeito, o conhecimento do
escrito onde seja declarada a maternidade/paternidade e a cessação do
tratamento como filho. Onde anteriormente se previam, de forma fechada e
taxativa, duas causas de concessão de prazos que, excepcionalmente, poderiam
legitimar o exercício da acção para lá dos dois anos posteriores à maioridade ou
emancipação, passou a acolher-se, através de autênticas cláusulas gerais, como
dies a quo, a data em que se verifique “o conhecimento de factos ou
circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação” (cfr. o recente
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-02-2017, proc. 200/11.8TBFVN,
relator António Joaquim Piçarra, disponível em www.dgsi.pt, no qual se
transcrevem os argumentos supra expostos).
Foi, pois, o estabelecimento dos apontados prazos de caducidade subjectivos que
o Tribunal Constitucional considerou constituir a salvaguarda, sem lacunas, da
efectiva possibilidade de o interessado recorrer a juízo para ver reconhecida a
sua paternidade. E mais do que isso. Em face do teor das alíneas b) e c), do n.º 3,
mesmo quando o investigante dispõe de elementos probatórios que lhe permitem
sustentar, com viabilidade de sucesso, dentro do prazo fixado no n.º 1, a sua
pretensão de reconhecimento como filho de determinada pessoa, relevam os
factos ou circunstâncias que possam justificar que, só após o termo final de tal
prazo, ele tome essa iniciativa (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
401/2011 e ainda, em igual sentido e com fundamentos em tudo similares, o
Acórdão n.º 247/2012, de 22 de Maio, do mesmo Tribunal, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
Daqui se vê que a regra da imprescritibilidade das acções de investigação de
paternidade não foi, efectivamente, a acolhida pela nossa lei civil, continuando,
ao invés, a insistir-se na necessidade de fixação de limites temporais ao exercício
desse direito, embora agora com um novo figurino e duração.
Refira-se, de resto, que, conforme se afirmou no recente Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça de 02-02-2017 a que acima se fez referência, o Tribunal
Constitucional no seu Acórdão n.º 486/2004 (disponível no indicado sítio), já
tinha aventado a solução que veio a ser consagrada pelo legislador na Lei n.º
14/2009 – quando acolheu a tese da inconstitucionalidade do prazo “normal” de
dois anos então previsto no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil (por o mesmo
ser exíguo e ter o seu termo inicial numa época da vida em que os investigantes
não gozam ainda da normal maturidade e experiência para aquilatar da
necessidade, da oportunidade ou da conveniência em estabelecerem
juridicamente a respectiva ascendência biológica) – ao ter salientado a
possibilidade de previsão de uma cláusula geral de salvaguarda, que permitisse a
propositura da acção para além do referido prazo mínimo “normal”, contanto
que o autor cumprisse o ónus de alegar e provar factos que tornassem a
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 16/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

propositura tardia da acção desculpável ou justificável (maxime, o


desconhecimento, sem culpa, da identidade do progenitor ou a existência de
reais obstáculos práticos ou sociais à proposição da acção).
Ou seja, a par do dies a quo puramente objectivo previsto no n.º 1 do
mencionado preceito legal (isto é, não dependente de quaisquer elementos
relativos à possibilidade concreta do exercício de acção), o legislador veio
estabelecer, através da Lei n.º 14/2009, nos números seguintes desse normativo,
alternativas que ligam o direito de investigar às reais e concretas possibilidades
investigatórias do pretenso filho, sem imprescritibilidade da acção, mas com a
previsão de um termo inicial que não ignora o conhecimento das circunstâncias
que fundamentam a acção (dies a quo subjectivo).
Sublinhe-se, ademais, que também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
tem entendido que a existência de um prazo limite para a instauração de uma
acção de investigação da paternidade não é, por si só, violadora da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem, frisando que o que importa verificar é se a
natureza, duração e características desse prazo se traduzem num justo equilíbrio
entre os interesses em jogo: por um lado, o interesse do investigante em ver
esclarecido um aspecto fundamental da sua identidade pessoal e, por outro lado,
o interesse do investigado e da sua família em serem protegidos de demandas
concernentes a factos da sua vida íntima ocorridos há muito, bem como o
interesse na estabilidade das relações jurídicas. No fundo, o que importa é que o
sistema de prazos consagrado nas diversas legislações assegure uma real
possibilidade dos interessados estabelecerem a sua paternidade, sem que o
mesmo crie ónus que dificultem excessivamente o estabelecimento da filiação.
Ora, como se afirmou, essa real possibilidade está perfeitamente salvaguardada
pela solução legislativa que entre nós vigora desde a entrada em vigor da Lei n.º
14/2009.
Destarte, considerando todas as razões aduzidas - que se encontram
profusamente explanadas quer no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
401/2011, quer nos Acórdãos desse mesmo Tribunal que se lhe seguiram – crê-
se que é de sufragar o entendimento aí vertido (sobretudo tendo em consideração
que aquele é a instância especialmente vocacionada para dirimir estas matérias),
havendo, portanto, que concluir que a norma do artigo 1817.º, n.º1, do Código
Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1-04, na parte em que, aplicando-se às
acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º do mesmo
Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da
maioridade ou emancipação do investigante, não é inconstitucional.
De resto, é esta a posição que, mais recentemente, tem sido adoptada pelo
Supremo Tribunal de Justiça, podendo ver-se, neste sentido, as seguintes
decisões:
- Acórdão de 24-02-2015 (proc. 692/11.5TBPTG.E1.S1, Relator Júlio Gomes,
disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/sumarios-civel-

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 17/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

2015.pdf):
I - Apesar da inegável importância do direito ao conhecimento da paternidade
biológica e ao estabelecimento do respectivo vínculo jurídico, tal direito não é
absoluto, havendo que encontrar uma solução de compromisso e de equilíbrio
com outros direitos e valores.
II - Conforme vertido no Ac. do TC n.º 247/2012, “através da conciliação do
prazo geral de dez anos com estes prazos especiais de três anos (previstos nas
várias alíneas do n.º 3 do art. 1871.º), o actual regime de prazos para a
investigação da filiação mostra-se suficientemente alargado para conceder ao
investigado uma real possibilidade de exercício do seu direito”.
- Acórdão de 12-03-2015 (proc. 1261/12.8TBSTS.P1.S1, Relator Orlando
Afonso, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-
sumarios/civel/sumarios-civel-2015.pdf):
I - Alterado o art. 1817.º, n.º 1, do CC, estabelecendo-se agora um prazo de
caducidade do direito de investigar a paternidade de 10 anos a partir da
maioridade do investigante, nem o STJ, nem o TC se têm pronunciado pela
inconstitucionalidade da norma na sua nova redacção.
II - A protecção do direito fundamental à identidade pessoal, consagrado no art.
26.º do CRP, não exige a imprescritibilidade da acção de investigação de
paternidade.
III - O que é necessário é que o prazo concedido não impossibilite ou dificulte
excessivamente o exercício ponderado do direito ao estabelecimento da
paternidade biológica, considerando que aos 28 anos, termo do prazo fixado pela
lei, o investigante já tem a maturidade e experiência de vida necessárias para
compreender a importância do estabelecimento da paternidade para a sua
identidade pessoal e, assim, decidir sobre o exercício do direito a propor a acção
de investigação de paternidade.
- Acórdão de 05-05-2015 (proc. 932/13.6TBLSD.P1.S1, Relator Paulo Sá,
disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/sumarios-civel-
2015.pdf):

I - Pese embora o TC já tenha decidido, desde o Ac. n.º 401/11, de 22-09-2011, e


em vários arestos que lhe seguiram, julgar não inconstitucional a norma do art.
1817.º, n.º 1, do CC, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 01-04, na parte em que,
aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do art. 1873.º
do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção,
contado da maioridade ou emancipação do investigante, faz jurisprudência
claramente maioritária no STJ o entendimento inverso, isto é, que aquele novo
prazo é igualmente inconstitucional, fundamentado na inserção do
estabelecimento da paternidade no acervo de direitos pessoalíssimos, como seja,

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 18/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

o direito à identidade pessoal e o direito ao desenvolvimento da personalidade,


considerando tal prazo curto e desproporcionado face aos interesses em jogo.
II - Não obstante se perfilhe o entendimento desta jurisprudência maioritária,
face à orientação jurisprudencial definida no citado Ac. n.º 401/11, afigura-se
quixotesco e inútil reafirmar tal posição – que não será acolhida em recurso de
constitucionalidade –, pelo que, verificando-se ultrapassado o prazo de dez anos
à data da instauração da acção, é de julgar verificada a excepção peremptória da
caducidade do direito, com a consequente absolvição dos réus do pedido.
- Acórdão de 28-05-2015 (proc. 2615/11.2TBBCL.G2.S1, Relator Abrantes
Geraldes, disponível em www.dgsi.pt):
II - A tutela jurisdicional do direito à identidade pessoal não é incompatível com
o estabelecimento de prazos para a propositura da acção de investigação da
paternidade, designadamente com a previsão do prazo adicional de 3 anos
previsto no art. 1817.º, n.º 3, al. c), do CC, contado a partir do conhecimento,
pelo investigante, de factos ou de circunstâncias justificativas da investigação da
sua paternidade.
- Acórdão de 17-11-2015 (proc. 30/14.5TBVCD.P1.S1, Relator João Camilo,
disponível em www.dgsi.pt):
O estabelecimento do prazo de caducidade no n.º 1 do art. 1817.º do CC, para a
investigação de paternidade – aplicável por força da remissão prevista no art.
1873.º do mesmo diploma –, na redação dada àquele pela Lei n.º 14/2009, de 01-
04, não padece de qualquer inconstitucionalidade.
- Acórdão de 21-04-2016 (proc. 1974/13.7TBFAF.G1.S1, Relator Távora Victor,
disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-
sumarios/civel/Mensais/Cvel_2016_04.pdf):
I - No apuramento da constitucionalidade da norma do art. 1817.º do CC na
redacção vigente, confluem não apenas interesses do investigante como
igualmente os ligados à segurança do tráfego jurídico e estabilidade social.
II - Procurando encontrar um ponto de equilíbrio entre os interesses em presença
estabeleceu o art. 1817.º do CC um prazo de 10 anos para a caducidade na
propositura da acção. A este prazo poderão ainda acrescer 3 anos nos casos
previstos nas alíneas do citado diploma legal.
III - Tais prazos são suficientemente alargados para contemplar os valores
subjacentes aos interesses em causa, pelo que não é inconstitucional a fixação
dos prazos de caducidade supra-apontados.
- Acórdão de 23-06-2016 (proc. 1937/15.8T8BCL.S1, Relator Abrantes
Geraldes, disponível em www.dgsi.pt):
V - A tutela constitucional do direito à identidade pessoal é compatível com o
estabelecimento de prazo para a propositura da acção de investigação da

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 19/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

paternidade, não sendo inconstitucional a norma do art. 1817.º, n.º 1, do CC, que
fixou para o efeito o prazo-regra de 10 anos a contar da maioridade do
investigante.
- Acórdão de 14-12-2016 (proc. 2302/13.7TBBCL.G1.S1, Relator João
Trindade, disponível
emhttp://www.stj.pt/ficheiros/jurispsumarios/civel/Mensais/Cvel_2016_12.pdf)):
I - A tendência maioritária actual, após alguma controvérsia e divergência
inicial, é no sentido de que o prazo de caducidade a que alude o art. 1817.º, n.º 1,
do CC – na redacção conferida pela Lei n.º 14/2009, de 01-04 – não é
inconstitucional.
II - A declaração de inconstitucionalidade plasmada no Acórdão do TC n.º
23/2006 não criou fundadas e legítimas expectativas de ver reconhecida a
paternidade a todo o tempo.
A conclusão a que se chegou não é afastada, contrariamente ao que sustenta
a recorrente, pela circunstância de o Tribunal Constitucional ter, entretanto,
julgado inconstitucional o artigo 3.º da Lei que se vem analisando, tanto mais
que tal norma nem sequer tem aplicação ao caso sub judice.
Repare-se que se é certo que o Tribunal Constitucional declarou
inconstitucional o artigo 3.º da Lei n.º 14/2009, de 01-04, por violação do n.º 3
do artigo 18.º da Constituição, na medida em que manda aplicar aos processos
pendentes à data da sua entrada em vigor o prazo previsto na nova redacção do
artigo 1817.º do Código Civil, aplicável às acções de investigação de
paternidade por força do artigo 1873.º do mesmo Código (cf. Acórdãos do
Tribunal Constitucional n.º 164/2011, de 24 de Março, n.º 24/2012, de 17 de
Janeiro, e n.º 323/2013, de 31 de Maio, todos disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt); não é menos certo que, tendo a presente acção
sido instaurada em Setembro de 2012 – e, portanto, quando já estava em vigor o
novo regime que se vem analisando (posto que a Lei n.º 14/2009, de 01-04
entrou em vigor em 02-04-2009, cf. artigo 2.º) –, a doutrina emergente dos
citados arestos não é aqui aplicável.
Com efeito e contrariamente ao que parece sustentar a recorrente – ao invocar,
em abono da sua pretensão, a inconstitucionalidade do artigo 3.º da mencionada
Lei – a declaração que nesse sentido foi emitida pelo Tribunal Constitucional em
nada releva para a decisão do pleito, uma vez que, como se disse e se reitera, a
presente acção foi instaurada na vigência da Lei nova, sendo, portanto, espúrio o
argumento da recorrente ao ter chamado à colação o disposto no citado
normativo que apenas rege para as acções que se encontravam pendentes à data
da entrada em vigor da Lei n.º 14/2009.
Por outro lado, os argumentos que levaram o Tribunal Constitucional a decidir
nesse sentido também não são transponíveis para o caso vertente, sendo que para
se chegar a esta conclusão basta atentar no contexto em que tal pronúncia foi
emitida.
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 20/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Vejamos:
A declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do artigo
1817.º, n.º 1, do Código Civil (na anterior redacção) suscitou inúmeras dúvidas,
na doutrina e na jurisprudência, no que concerne aos seus efeitos, passando a
principal por saber se, a partir daí, as acções de investigação de paternidade
continuavam a estar dependentes de algum prazo para a sua propositura ou se, ao
invés, tinha deixado de existir qualquer prazo para esse efeito.
Sendo o efeito da declaração de inconstitucionalidade de uma norma, tal como
prescreve o n.º 1 do artigo 282.º da Constituição da República Portuguesa, a
repristinação da norma ou das normas que aquela outra declarada
inconstitucional, entretanto, tenha revogado, colocou-se a questão de saber se,
tendo o legislador do Código, em 1966 – ao ter instituído o prazo de dois anos
para a propositura da acção de investigação de paternidade –, revogado as
normas constantes do Decreto n.º 2 de 1910, seria esse o regime aplicável no que
toca ao tempo do exercício do direito de investigar ou se, ao invés, tal acção
tinha deixado de estar dependente de qualquer prazo (vide, neste sentido, o
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 164/2011, disponível no sítio já
indicado).
Prevaleceu na jurisprudência o entendimento, alicerçado na falta de
conformidade constitucional do regime pretérito, de não dar como repristinado o
regime de 1910, considerando-se, por conseguinte, que as acções de
investigação de paternidade tinham passado a ser imprescritíveis (i.e.,
cognoscíveis a todo o tempo). Ora, foi a esse mesmo entendimento maioritário
que o legislador pretendeu por cobro através da Lei n.º 14/2009, de 01-04,
fixando, para tanto, no artigo 1817.º do Código Civil, novos prazos de
caducidade para a propositura da acção.
Contudo, nem por isso se dissiparam as dúvidas quanto à questão de saber qual o
regime que seria aplicável às acções que se encontravam pendentes, bem como
às acções instauradas no aludido período intercalar (isto é, entre a declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral e a entrada em vigor da Lei n.º
14/2009) e daí que várias acções de investigação de paternidade que se
encontravam pendentes à data da entrada em vigor da mencionada Lei tenham
sido decididas sem dependência de qualquer prazo (podendo ver-se, nesse
sentido, a título exemplificativo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de
21-09-2010, proc. 4/07.2TBEPS.G1.S1, Relator Cardoso de Albuquerque e de
24-05-2012, proc. 37/07.9TBVNG.P1.S1, Relator Granja da Fonseca,
disponíveis em www.dgsi.pt).
Para tanto, contribuiu, essencialmente, o facto de se ter entendido que a norma
transitória em questão, prevendo a aplicação retroactiva do regime (às acções
que, então, estavam pendentes), era violadora das legítimas expectativas que os
cidadãos tinham criado face ao entendimento que passou a ser seguido pelos
tribunais superiores na sequência da declaração de inconstitucionalidade a que já

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 21/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

se fez referência (artigos 2.º, e 18.º, n.º 3, da Constituição da República


Portuguesa).
E, na verdade, compreende-se que assim se tenha decidido, já que, nos casos
analisados, estando em causa acções que tinham sido instauradas na sequência
da dita declaração de inconstitucionalidade e do entendimento que passou a ser
seguido nos tribunais superiores, num período de “vazio legislativo”, os
investigantes teriam confiado legitimamente que as acções não estavam sujeita a
qualquer prazo, sendo, por conseguinte, inquestionável que a aplicação
retroactiva daquele novo regime seria violadora do princípio da confiança, bem
como do princípio da proibição da retroactividade consagrado na Constituição.
Sucede, porém, que, no caso sub judice, quando a recorrente intentou a presente
acção – em Setembro de 2012 – já há muito que a nova Lei vigorava, não
havendo, portanto, qualquer violação dos ditos princípios constitucionais e
muito menos do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da
Constituição da República Portuguesa, já que, não estando a mesma em situação
igual, ou sequer equiparada, àquela em que estavam os investigantes que
intentaram a acção no dito período temporal, não se pode dizer que esteja a
merecer um tratamento desigual.
É que, conforme já foi afirmado pelo Tribunal Constitucional, na decisão
sumária n.º 252/2016 e no Acórdão n.º 151/2017 desse mesmo Tribunal que se
lhe seguiu (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), não são equiparáveis
as situações jurídicas de quem vê a norma aplicada a um processo pendente e de
quem a vê aplicada a um processo futuro. No mesmo sentido se pronunciou
igualmente o Supremo Tribunal de Justiça:
- Acórdão de 28-05-2015 (proc. 2615/11.2TBBCL.G2.S1, Relator Abrantes
Geraldes, disponível em www.dgsi.pt):
III - O facto de em certas acções de investigação da paternidade que se
encontravam pendentes na data em que, com força obrigatória geral, foi
declarada a inconstitucionalidade do preceituado no n.º 1 do art. 1817.º do CC
(pelo acórdão do TC publicado no DR, I Série, de 08-02-2006) e em acções
instauradas entre a referida data e aquela em que entrou em vigor a Lei n.º 14/09,
de 01-04, ter sido reconhecido o direito de investigação da paternidade sem
interferência de qualquer prazo de caducidade previsto em legislação ordinária
não determina a inconstitucionalidade do regime legal contido na actual
redacção do art. 1817.º, designadamente do seu n.º 3, quando aplicado às acções
de investigação da paternidade instauradas depois da entrada em vigor da Lei n.º
14/09, por tal não importar violação do princípio da igualdade.
Destarte, afigura-se que a tese da recorrente não merece, neste particular,
acolhimento.
E o que dizer quanto ao pretendido modo de contagem do prazo de dez anos
previsto no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009,
de 01-04? Será que assiste razão à recorrente quando sustenta que, ainda que se
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 22/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

considere que o prazo de dez anos previsto no artigo 1817.º, n.º 1, do Código
Civil, na redacção introduzida pela Lei n.º 14/2009, de 01-04, é constitucional,
será inconstitucional interpretar tal normativo, tal como fez o tribunal recorrido,
no sentido de que esse prazo se conta da maioridade para todos os investigantes,
maxime para aqueles que, tal como sucede consigo, à data da entrada em vigor
da mencionada Lei, já tinham mais de 18 ou mais de 28 anos de idade? E que,
portanto, nesses casos, o aludido prazo deve antes ser contado da entrada em
vigor da lei nova, sob pena de a primeira interpretação ser violadora dos
princípios constitucionais da proporcionalidade, da confiança e da igualdade?
Crê-se ser manifesto que não.
Com efeito, embora não se ignore que a interpretação do supra citado normativo
pela qual a recorrente pugna foi defendida por parte da doutrina
(designadamente por J.P. Remédio Marques, Caducidade de Acção de
Investigação da Paternidade, O problema da aplicação imediata da Lei n.º
14/2009, de 1 de Abril, às acções pendentes, in BFDUC, vol. LXXXV, Coimbra,
2009), a verdade é que a questão já foi alvo de apreciação pelo Supremo
Tribunal de Justiça, pelo menos, em três decisões, tendo-se aí concluído, ao
invés, que o prazo de 10 anos para a instauração da acção de investigação de
paternidade previsto no n.º 1 do artigo 1817.º, na sua actual redacção
(introduzida pela Lei n.º 14/2009, de 01-04), é contado a partir da data em que o
investigante atingiu a maioridade.
Mais se concluiu nos mencionados arestos que essa norma não era
inconstitucional na interpretação segundo a qual tal prazo é também de aplicar
aos casos em que o investigante já tinha atingido a maioridade na data em que a
alteração legal entrou em vigor (cf. Acórdãos de 28-05-2015, proc.
2615/11.2TBBCL.G2.S1, Relator Abrantes Geraldes, de 22-10-2015, proc.
1292/09.5TBVVD.G1.S1, Relator Abrantes Geraldes e de 02-02-2017, proc.
1339/14.3.TBPTM.E1.S1, Relator Álvaro Rodrigues, disponíveis em
www.dgsi.pt).
Ora, não se encontrando razões para dissentir do entendimento plasmado nas
mencionadas decisões, afigura-se que é esse que é aqui de sufragar.
Com efeito, tal como se afirmou nos ditos Acórdãos (que aqui se seguem de
perto), decorrendo expressamente do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil (na
redacção da Lei n.º 14/2009, de 01-04) que o prazo de dez anos aí previsto se
conta a partir da data em que o investigante atingiu a maioridade, não tem
cabimento convocar para o caso o disposto no artigo 297.º, n.º 1, do Código
Civil, quer porque o legislador tomou posição expressa sobre essa matéria, quer
porque resulta dos trabalhos preparatórios que conduziram à citada Lei a clara
intenção daquele em reportar o início do prazo em questão a um momento
anterior ao da entrada em vigor da Lei, em consonância com a regra geral do
artigo 329.º do Código Civil.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 23/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Por outro lado e conforme acima se deixou dito, o Tribunal Constitucional


jamais assumiu a posição de que o estabelecimento de prazos de caducidade em
matéria de investigação de paternidade seja ilegítimo ou inconstitucional,
decorrendo, ao invés, das decisões que têm vindo a ser proferidas e às quais já se
fez alusão, que o estabelecimento desses prazos se mostra justificado através da
ponderação que se faça dos valores que sempre estão em jogo e que têm de ser
conciliados por forma a encontrar mecanismos que permitam a estabilização das
relações familiares e que potenciem a pacificação social.
Ora, como é evidente, a interpretação do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil
quanto ao modo de contagem do prazo aí previsto no sentido defendido pela
recorrente afrontaria, de modo flagrante, contra os ditos factores já que
determinaria que se tivesse de considerar tempestiva a instauração de acções de
investigação de paternidade (em todos os casos em que não se tivesse formado
ainda caso julgado) nos 10 anos posteriores à entrada da Lei n.º 14/2009 (isto é,
até 02-04-2019), independentemente das datas de nascimento dos investigantes
ou das datas em que estes tivessem atingido a maioridade.
Tal possibilidade seria totalmente contrária à opção do legislador ao ter mantido
o estabelecimento de prazos de caducidade para o exercício do direito de
investigar a paternidade e bem assim à posição que o Tribunal Constitucional
vem assumindo nesta matéria no sentido de não encontrar qualquer impedimento
quanto à previsão desses limites temporais quando ponderados os demais
interesses, também eles com consagração constitucional, que sempre estão
envolvidos.
Destarte, crê-se que, sendo todos os elementos de interpretação da lei (literal,
histórico, de ordem sistemática e racional) contrários à argumentação
desenvolvida pela recorrente, a sua tese não pode, também quanto a este aspecto,
proceder, havendo antes que concluir que o prazo de dez anos previsto no artigo
1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 14/2009,
de 01-04, se conta a partir da maioridade da investigante (tal como decorre
literal e expressamente do preceito) e não da entrada em vigor da citada Lei.
E nem se diga que tal interpretação padece de inconstitucionalidade já que a
autora teve inúmeras possibilidades para lançar mão da acção de investigação de
paternidade, designadamente na vigência do anterior artigo 1817.º, n.º 1, do
Código Civil, acompanhando, naturalmente, o exercício do seu direito da
invocação da inconstitucionalidade do preceito, à semelhança do que fizeram
muitos outros sujeitos que estavam em situação semelhante àquela em que se
encontrava a recorrente ou até mesmo na sequência da declaração de
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do referido normativo
(publicada no Diário da República 08-02-2006) e até 02-04-2009 (data da
entrada em vigor da Lei n.º 14/200), período em que poderia ter exercido o seu
direito sem dependência de qualquer prazo.
Com efeito, importa ter presente que, decorrendo da matéria fáctica provada que
a autora nasceu em 14-10-1959 (tendo, portanto, atingido a maioridade em 14-
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 24/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

10-1980), há muito que teria adquirido a necessária maturidade e experiência de


vida e a autonomia suficiente com vista ao exercício do direito de ver
estabelecida a sua paternidade biológica – e se não fez anteriormente, tal inércia
só a si é imputável (posto que não ficou demonstrado que não o tivesse podido
fazer em momento anterior).
Acresce que tal como acima se afirmou e se reitera, não se vislumbra que tenha
sido criada à autora qualquer expectativa no sentido de o exercício do direito de
investigação sem limite temporal ser uma situação estabilizada já que nem o
Tribunal Constitucional, nem mesmo o Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem, assumiram, alguma vez, a posição no sentido de ser inconstitucional ou
desconforme com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem o
estabelecimento de prazos para esse efeito, antes os considerados justificados,
desde que sejam razoáveis, proporcionais e não constituam um ónus que
dificulte excessivamente o estabelecimento da verdade biológica.
Ou seja, dito de outro modo, face às decisões que foram sendo proferidas pelos
aludidos Tribunais, o que era expectável para qualquer cidadão que, tal como a
recorrente, pretendesse estabelecer a sua paternidade e ainda não o tivesse feito
era que o legislador, nunca tendo abdicado de limitar temporalmente esse direito
(o que já vinha fazendo desde 1966), iria manter essa opção, tendo ficado com
uma ampla margem de conformação nessa matéria, tanto mais que foi o próprio
Tribunal Constitucional que, de alguma forma, lhe apontou o caminho para o
fazer de forma a ficar a salvo da censura constitucional.
Com efeito, importa ter presente que, ao ter declarado a inconstitucionalidade,
com força obrigatória geral, da norma em questão na sua anterior redacção, o
Tribunal Constitucional não deixou de aludir à possibilidade de consagrar uma
“cláusula geral de salvaguarda” ligada às reais possibilidades dos investigantes
em estabelecer o vínculo da paternidade, tendo sido precisamente essa a
(previsível) opção que o legislador veio a adoptar através da Lei n.º 14/2009, de
01-04.
Por todas as razões aduzidas, não se vê que a interpretação do artigo 1817.º, n.º
1, do Código Civil (na actual redacção), no sentido de o prazo de dez anos aí
previsto se contar da maioridade, padeça de qualquer inconstitucionalidade por
violação dos princípios da confiança, da necessidade e da proporcionalidade.
E também não se afigura que tal interpretação seja violadora do princípio da
igualdade, plasmado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa,
pelo facto dos outros investigantes que ainda não tinham atingido a maioridade
ou ainda não eram emancipados à data da entrada em vigor da lei nova disporem
ainda do prazo de dez anos contado da sua maioridade para o fazerem por
contraposição àqueles que, tal como a recorrente, já tinham nessa data mais de
18 ou mais de 28 anos de idade.
É que, como é evidente, não pode dizer-se que os investigantes que, na data da
entrada em vigor da Lei n.º 14/2009, ainda não tivessem atingido a maioridade,

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 25/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

estivessem em situação igual à autora e que, portanto, a esta tivesse de ser


concedido um tratamento igual, sobretudo tendo em consideração que, conforme
acima se demonstrou, tendo a recorrente atingido a maioridade em 1980, dispôs
a mesma de um longo período temporal para instaurar a acção (nuns períodos de
forma mais ou menos condicionada e noutros de forma livre, isto é, sem
dependência de qualquer prazo).
Repare-se que se é verdade que o princípio da igualdade está redigido na
perspectiva de proibição das desigualdades, contendo um sentido primário
negativo que consiste na vedação de privilégios e de discriminações, não é
menos certo que nele também se encerra um sentido positivo, mais rico e
exigente, que se traduz numa imposição de tratamento igual de situações iguais
(ou tratamento semelhante de situações semelhantes) e de tratamento desigual de
situações desiguais (podendo ver-se, neste sentido e para maiores
desenvolvimentos, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa
Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 121).
Em consequência, considerando que o legislador atribuiu relevância, para efeitos
da contagem do prazo que se vem analisando, a um evento objectivo – no caso, a
maioridade ou a emancipação – forçoso é concluir que não são iguais as
situações em que o dito evento já tenha ocorrido e aquelas em que ainda não se
verificou, não se vendo, por isso, que a circunstância de os que estão nesta
última situação poderem ainda exercer o direito em questão se traduza em
qualquer desigualdade relativamente àqueles que há muito atingiram a
maioridade, tal como sucede com a autora, tanto mais que, como se disse, esta
dispôs de um largo período temporal para o fazer.
Por outro lado, sempre se dirá, na senda do que se afirmou no Acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça de 22-10-2015 (que aqui se segue de perto) que,
sendo o sistema normativo – designadamente o que regula a matéria da
investigação da paternidade –, por natureza, dinâmico (posto que vai sofrendo
modificações impulsionadas pela alteração das circunstâncias de ordem social,
por via de opções legislativas ou em função das regras de controlo da
constitucionalidade), é, naturalmente, expectável que das modificações legais
possa decorrer a modificação do resultado da resolução do conflito de interesses
ou da apreciação de interesses juridicamente relevantes, estando os Tribunais
obrigados a aplicar em cada momento as normas constitucionais e
infraconstitucionais em vigor que, de acordo com as regras, sejam aplicáveis a
cada caso (veja-se, no mesmo sentido,
Refira-se, de resto, que a situação da recorrente se reconduz, no essencial, à que
foi apreciada na generalidade das decisões proferidas pelo Tribunal
Constitucional, sem que este tenha encontrado motivos para concluir pela
inconstitucionalidade da norma em questão na redacção que lhe foi dada pela
Lei n.º 14/2009, de 01-04 – designadamente por violação dos princípios da
igualdade, da necessidade, da proporcionalidade ou da confiança – mesmo nos
casos em que os investigantes já tinham mais de 28 anos de idade quando a
mencionada Lei entrou em vigor (que, reitere-se, são a maioria dos que foram
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 26/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

apreciados por aquela entidade especialmente vocacionada para apreciar tal


matéria).
Por todas as razões aduzidas, afigura-se que as arguidas inconstitucionalidades
têm, necessariamente, de improceder.
4. Interpretação do artigo 1817.º, n.º 3, do Código Civil no que concerne à
repartição do ónus da prova dos factos contidos nesta previsão normativa
(pontos 16. a 18. das conclusões):
Defende, por último, a autora que, ao ter concluído pela caducidade da acção, o
tribunal recorrido decidiu essa questão sem sustentação fáctica uma vez que não
ficou provado qualquer facto do qual decorra que a autora soubesse há mais de
três anos que o réu era seu pai, sendo que era sobre o réu que recaía o ónus de
alegar e demonstrar esse facto extintivo.
Acrescentou, em abono da sua tese, que, na verdade, o aludido conhecimento –
de que o réu é seu pai - só foi por si adquirido após conhecer o resultado do teste
de ADN constante dos autos, sendo este o facto previsto no artigo 1817.º, n.º 3,
do Código Civil que justifica a investigação, devendo, portanto, em todo e em
qualquer caso, ser julgada procedente a acção.
Relembremos, então, o que se dispõe no mencionado normativo: A acção
pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos
seguintes factos: (…) b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o
decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a
investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela
pretensa mãe; c) Em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o
investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias
que possibilitem e justifiquem a investigação.
Cuida, assim, este normativo do conhecimento superveniente que se
verifique depois de integralmente decorrido o prazo objectivo de dez anos
previstos no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil. Contudo, a mencionada
previsão normativa não se basta com todo e qualquer facto ou circunstância,
mister se exigindo, para que a mesma se tenha por preenchida, que o dito
conhecimento se reporte a factos ou circunstâncias que justifiquem que apenas
nesse momento (e não antes, isto é, dentro do prazo geral de dez anos após a
maioridade ou emancipação) o investigante tenha lançado mão da acção com
vista a exercer o seu direito de ver estabelecida a paternidade.
No que concerne ao ónus da prova dos ditos factos e conforme sublinha
Alberto Amorim Pereira (em “A preclusão do direito de accionar nas acções de
investigação de paternidade – Alguns problemas” in R.O.A., Lisboa, Ano 48,
1988, p. 143 e ss., que aqui se segue de perto), importa reter que mesmo que
tenham sido carreados para o processo factos integradores da tempestividade e
da caducidade da acção, respectivamente pelo autor e pelo réu, a distribuição do
ónus da prova assume importância capital para o caso de non liquet acerca da
matéria de facto: o ónus da prova significará a situação da parte contra quem o
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 27/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

tribunal dará como assente um facto, sempre que o juiz se não convença da
realidade dele.
Com efeito, no sistema português, em que o ónus da prova reveste um
carácter marcadamente objectivo, que só por via reflexa atinge a actividade
probatória das partes, a regra do ónus da prova reconduz-se a uma regra de
decisão. Na dúvida, o juiz resolverá o non liquet num liquet desfavorável à parte
que tem o ónus.
Dispõe, a este propósito, o artigo 342.º do Código Civil que:
1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do
direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito
invocado, compete àquele contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do
direito.
Ora, embora seja indubitável que a caducidade é um facto extintivo do
direito que o autor pretende fazer valer, a verdade é que, de acordo com a que se
julga ser a melhor doutrina – que, por isso, aqui se sufraga – a classificação dos
factos jurídicos como constitutivos ou extintivos não tem um valor absoluto,
antes dependendo, em cada caso concreto, da função que o facto desempenha no
mecanismo do processo, atenta a posição das partes e o efeito jurídico que cada
uma delas pretende obter (vejam-se, neste sentido, Alberto dos Reis, Comentário
ao Código de Processo Civil, vol. III, p. 282; e Rosenberg citado por Antunes
Varela in R.L.J, ano 117.º, p. 30).
Em consequência, será à luz da interpretação da norma contida nas alíneas
b) e c) do n.º 3 do artigo 1817.º do Código Civil que se deverá fixar se o
momento em que o investigante teve conhecimento dos factos ou circunstâncias
que justificam a investigação é constitutivo do seu direito ou se, pelo contrário,
representa um facto impeditivo ou extintivo do mesmo.
Neste particular, o que se vem entendendo, face à forma como está estruturado o
normativo em análise e aos efeitos deles decorrentes, é que é sobre o
investigante que recai o ónus de alegar os factos positivos que, uma vez
demonstrados, permitam aferir se foram esses mesmos factos, tardiamente
conhecidos, que possibilitaram e justificaram que a investigação apenas fosse
levada a cabo nesse momento e não antes.
No fundo, será tal alegação e prova que colocará o investigante a coberto da
previsão legal de que se pretende prevalecer com vista a exercer o seu direito
para além do prazo geral de que disporia para esse efeito.
Os ditos factos devem, assim, ser entendidos como constitutivos da contra
excepção de caducidade enunciada na previsão das alíneas b) e c) do n.º 3 do
artigo 1817.º do Código Civil precisamente por alongarem o prazo geral de dez
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 28/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

anos contado a partir da maioridade ou da emancipação previsto no n.º 1 do


referido normativo.
Dito de outro modo, competindo ao réu alegar e provar a caducidade relativa ao
escoamento do prazo-regra de dez anos para a propositura da acção (artigos
342.º, n.º 2, e 343º, n.º 2, do Código Civil), já será sobre o investigante que recai
o ónus de alegar e provar os factos da contra-excepção, isto é, de demonstrar
que, não obstante aquele prazo geral estar esgotado, beneficia de uma das
situações enunciadas no n.º 3 do citado normativo.
Crê-se, pois, que esta a solução, para além de decorrer das regras vigentes acerca
da distribuição do ónus da prova, é aquela que é consentânea com a ratio da
previsão legal que se vem analisando, que visa, como é sabido, conciliar, num
justo equilíbrio, o interesse do investigante em ver estabelecido o vínculo da
filiação e em conhecer a sua paternidade biológica enquanto emanação do
direito à sua identidade pessoal, o interesse do investigado (e da sua família mais
próxima) em ser protegido de demandas respeitantes a factos da sua vida íntima
ocorridos há já muito tempo, bem como o interesse público da certeza e da
estabilidade das relações jurídicas.
São justamente os interesses da certeza e da estabilidade das relações jurídicas
que a caducidade, enquanto figura extintiva de direitos, pelo seu não exercício
em determinado prazo, procura satisfazer, impulsionando os titulares dos direitos
em jogo a exercê-los num espaço de tempo considerado razoável, sob a
cominação da sua extinção (veja-se, neste sentido, o Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 401/2011 a que já se fez referência).
Refira-se, aliás, que, ao ter salientado a possibilidade de previsão constitucional
de uma “cláusula geral de salvaguarda”, que permitisse a propositura da acção
para além do prazo “normal”, o Tribunal Constitucional sublinhou que, para
tanto, seria necessário que o autor cumprisse o ónus de alegar e provar factos
que tornassem a propositura tardia da acção desculpável, apontando, portanto,
para a solução acima exposta no que concerne à distribuição do ónus da prova
(veja-se, neste sentido, o Acórdão n.º 486/2004 a que já se fez referência).
De resto, é também este o entendimento que tem sido, recentemente, adoptado
pelo Supremo Tribunal de Justiça, afirmando que cabe ao investigante o ónus de
alegar os factos que demonstrem que – só após ter decorrido o prazo de 10 anos
sobre a respectiva maioridade – teve conhecimento de facto ou circunstância
essencial e decisiva para desencadear a propositura da acção, já que não era
exigível que a tivesse proposto antes de ter adquirido conhecimento do facto –
subjectivamente superveniente – invocado (cf. Acórdão de 09-03-2017, proc. n.º
759/14.8TBSTB.E1.S1, Relator Lopes do Rego, disponível em www.dgsi.pt).
Em igual sentido se decidiu no Acórdão de 28-05-2015 (proc.
2615/11.2TBBCL.G2.S1, relator Abrantes Geraldes, disponível em
www.dgsi.pt), do qual se transcreve, por ser elucidativa, a seguinte passagem:

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 29/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Constitui pressuposto de aplicação daquele normativo a alegação e prova por


parte do autor da acção de investigação da paternidade de que obteve o
conhecimento superveniente (isto é, depois de transcorrido aquela prazo geral de
10 anos) de factos ou circunstâncias que possibilitam ou justificam a
investigação.
Para este efeito o A. alegou certos factos que foram objecto de instrução e de
apreciação, com especial destaque para o seguinte facto: “foi só após a morte da
mulher do R., em 1906, e nomeadamente nos 3 anos antes de ser proposta a
acção, que o A. tomou conhecimento, através da sua mãe, de que o aqui R. seria
seu pai biológico”?
Tal facto, que era imprescindível à sustentação da sua pretensão, resultou “não
provado”. Ao mesmo tempo apurou-se que “há vários anos que o A. vem
propalando que o R. pode ser seu pai e há mais de 15 anos que vem inquirindo
alguns familiares do R. sobre a possibilidade de este ser seu pai”.
Ou seja, além de não ter sido feita a prova de qualquer facto superveniente que
justificasse a extensão do período temporal para a propositura da acção, apurou-
se ainda que os factos que eventualmente seriam pertinentes para impulsionar a
acção de investigação em face do art. 1817º, nº 3, al. c), do CC, já eram
conhecidos do A. muito para além do prazo de 3 anos anterior à apresentação da
petição inicial.
Constata-se, assim, de modo evidente, a caducidade do direito potestativo de
investigação da paternidade sustentado nesse preceito do direito ordinário. (…)
Destarte, é de concluir que, contrariamente ao sustentado pela recorrente,
pretendendo esta beneficiar de um prazo mais alargado para exercer o seu
direito, era sobre si que recaía o ónus de alegar e provar os factos ou
circunstâncias que possibilitariam e justificariam a investigação para além do
prazo geral previsto no n.º 1 do mesmo normativo.
Ora, da análise que se faça da factualidade dada como provada à luz das
considerações expendidas, facilmente se conclui que a tese da recorrente, a este
propósito, também não pode proceder.
Ficou provado, no que ora releva, que:
- No dia 14 de Outubro de 1959 nasceu a autora;
- Do seu assento de nascimento consta como sendo mãe da autora CC;
- O assento de nascimento da autora é omisso quanto ao nome do pai.
- O réu e CC mantiveram, por mais de uma vez, relações sexuais de cópula
completa entre o início do ano de 1958 e o ano de 1959;
- Em consequência dessas relações sexuais, CC engravidou, tendo dessa
gestação nascido a autora;

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 30/31
08/11/2020 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

- A presente acção deu entrada em juízo em 27-09-2012.


Todavia, já não se provou que a mãe da autora, um ano antes de ter sido
intentada a presente acção, lhe tenha dito que o réu era o seu pai e nem que,
nessa sequência, a autora o tenha procurado e o mesmo a tenha chamado de
filha.
Ou seja, apesar de a autora, aqui recorrente, ter alegado factos que justificariam
a propositura tardia da acção, a verdade é que não os logrou demonstrar, pelo
que, não podendo a mesma beneficiar do prazo subjectivo, mais alargado, que
vem previsto no n.º 3 do artigo 1817.º do Código Civil, é de aplicar ao caso o n.º
1 do mesmo normativo, sendo que à luz deste e tendo em conta a factualidade
dada como provada, o direito de acção da autora há muito que caducou.
E nem se diga, como agora vem fazer a recorrente, que seria, afinal, o resultado
dos testes de ADN o facto que possibilitou e justificou que instaurasse a acção
apenas em Setembro de 2012, primeiro porque na data em que propôs a acção a
autora nem sequer conhecia esse resultado e depois porque os factos não se
confundem com os meios de prova. Acresce que, mesmo sem esse resultado, a
recorrente não deixou de alegar os factos pertinentes a demonstrar o
estabelecimento do vínculo da filiação, bem como os atinentes à circunstância
de, supostamente, apenas deles ter tomado conhecimento um ano antes da
propositura da acção – os quais, porém, não logrou provar (vide, neste sentido, o
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-03-2017 acima citado no qual foi
igualmente apreciada esta questão).
Tudo para concluir que, não tendo a recorrente sucedido na prova dos aludidos
factos, haverá que confirmar, também nesta parte (ainda que com fundamentação
não totalmente coincidente) o acórdão recorrido.
Decisão:
Nestes termos e considerando o exposto acordam os Juízes deste Supremo em
negar a revista, confirmando-se a decisão recorrida, não se tomando
conhecimento do objecto do recurso na parte concernente ao alegado erro de
julgamento da matéria de facto e julgando improcedente as invocadas nulidades.
Custas pelo recorrente.
Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 4 de Maio de 2017
Tavares de Paiva (Relator)
Abrantes Geraldes

Tomé Gomes

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70b16feb82d941d88025811700533247?OpenDocument 31/31

Você também pode gostar