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AUJ N.º 3/2001, DE 23-01-2001, PUBLICADO NO DR I SÉRIE A, DE 09-02-2001.
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17/02/23, 19:31 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
AUJ N.º 1/2008, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, 1.ª SÉRIE, N.º 63, DE 31-03-
2008, PP. 1871-1879.
Sumário :
I - As acções reais não se podem fundar, por norma e exclusivamente,
na invocação de um título de aquisição derivada, uma vez que as formas
de aquisição derivada não geram, por si só, o direito de propriedade,
sendo apenas translativas dele, operando a sua modificação subjectiva.
II - O registo predial, cujo objecto são factos jurídicos, tem por escopo
principal dar a conhecer aos interessados a situação jurídica do bem,
garantindo a segurança e genuinidade das relações jurídicas que sobre
ele incidam, assegurando que, em regra, a pessoa que se encontra
inscrita adquiriu validamente esse direito e com esse direito
permanecerá para os seus futuros adquirentes.
I.
AA, casada com BB, intentou contra CC e mulher, DD, EE, solteiro, FF
e mulher, GG, todos identificados no processo, esta acção declarativa de
condenação com processo comum, sob a forma ordinária, pedindo:
a declaração de nulidade e invalidade da escritura pública de
justificação notarial, celebrada em 30-12-2008, exarada de fls. 38 a 39
v, do Livro n.° … do Cartório Notarial Privado do Dr. HH, e,
consequentemente, nulo o respectivo registo predial efectuado, com o
seu respectivo cancelamento;
a declaração de nulidade das compras e vendas tituladas em actos
contínuos no mesmo Cartório, pelas escrituras exaradas de fls. 40 a 41 e
42 a 43 do Livro n.º ..., com todos os efeitos legais, e consequentemente
nulo o respectivo registo, com o consequente cancelamento do registo
predial do prédio misto, localizado ao sítio do ..., freguesia de ...,
concelho do ..., com a área de 320 m2, dos quais 35 m2 são de
superfície coberta, inscrito na matriz predial respectiva a parte rústica
sob o artigo 7.°, da secção “AD” e a parte urbana sob o artigo 39.°, e
actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º
…, da freguesia de ..., e registado a favor dos réus FF e mulher GG,
pela Apresentação 3329 de 10-02-2009, com todas as demais
consequências legais;
a declaração de que a autora é dona e legítima possuidora do prédio
misto, com a área de 320 m2, dos quais 45 m2 são de superfície
coberta, localizado ao Caminho do ..., n.º … de polícia, no sítio do ...,
freguesia de ..., concelho do ..., inscrito na matriz predial respectiva, a
parte rústica sob o artigo 77.° da Secção “AD” e a parte urbana sob o
artigo ….°, como tal não descrito na Conservatória do Registo Predial
do ...;
a condenação dos réus a reconhecerem a favor da autora o direito de
propriedade desta sobre o prédio acima referido, com todas as
consequências legais.
Para tanto, alegou, em síntese: é proprietária do prédio identificado
supra, por o ter adquirido por usucapião, após aquele lhe ter sido doado
verbalmente pela anterior proprietária; os primeiros réus, faltando à
verdade, outorgaram escritura de justificação notarial, onde se
declararam proprietários do referido prédio; nessa mesma data, aqueles
primeiros réus venderam o prédio ao réu EE, cunhado e irmão dos 1.° e
2.° réus, respectivamente; por sua vez, o réu EE vendeu o prédio ao réu
FF; os réus FF e mulher conheciam os restantes réus, de quem são
amigos, e sabiam que estes não eram proprietários do prédio.
Feitas as legais citações - sendo as dos réus CC e DD por éditos –,
contestou apenas o réu FF, alegando que desconhecia os factos alegados
pela autora quanto à sua propriedade; adquiriu o prédio com base nos
documentos que lhe foram exibidos e por escritura de 23-07-2009,
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17/02/23, 19:31 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
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1977 ou antes, para a referida RR ... “, pois foi isso que a A. alegou e
que está em clara contradição ou é incompatível com as declarações
dos RR. CC e DD na escritura de justificação, em que declararam que
tinham comprado verbalmente o imóvel no ano de 1977 a OO e mulher
PP, e a QQ;
23) O Acórdão recorrido continua no mesmo erro ou equívoco ao
julgar que ”.... julga-se que a matéria de facto assente não permite
conduzir que as declarações que integram a escritura de justificação
sejam falsas, não estando, assim verificado o fundamento pelo qual foi
declarada a nulidade dessa justificação .... a decisão está limitada pela
matéria de facto fixada, e esta não permite afirmar que a justificação
notarial assentou em declarações falsas.”, acabando por julgar com
estes fundamentos errados a apelação procedente, revogando a decisão
da 1ª Instância e julgando inteiramente improcedente a ação,
absolvendo os réus dos pedidos formulados;
24) Toda a fundamentação do Acórdão ora recorrido encontra-se
invertida, errada, partindo do princípio errado de que era à Autora que
competia fazer a prova da falsidade das declarações dos réus CC e DD
proferidas na escritura de justificação, constitutiva do direito destes;
25) Esta interpretação está errada e viola o estabelecido nos artigos
10.°, n.º 2 e n.º 3, alínea a) do CPC (antes art. 4.°, n.º 2, alínea a)),
343.°, n.º 1 do Código Cível e o Acórdão de Uniformização de
Jurisprudência do STJ de 04-12-2007, Proc. 07A2464, in www.dgsi.pt.
que estabelece o seguinte:
“ - Na acção de impugnação de escritura de justificação notarial
prevista nos arts. 116.º, n.° 1 do Código do Registo Predial e 89.° e
101.° do Código do Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram a
aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel,
inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa
escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito,
sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo
7.º do Código do Registo Predial.”;
26) O Acórdão ora recorrido, por falência absoluta de prova quanto
aos corpus da posse e ao animus dos réus CC e DD sobre o imóvel
justificado - competia a estes réus o ónus da prova de todos os
caracteres da posse, designadamente se foi de boa ou má-fé, pacífica
ou violenta, pública ou oculta, titulada ou não e invocação e prova do
respectivo prazo prescritivo - violou, nomeadamente, o artigo 10.°, n.º 2
e n.º 3, alínea a) do CPC (antes art. 4°, n.º 2, alínea a)) e artigos 343.°,
n.º 1, 1258.°, 1259.°, 1260.°, 1261.°, 1262.°, 1287.° e 1296.° do C.C.,
não podendo aqueles réus terem adquirido, por usucapião, o imóvel em
apreço, identificado na escritura de justificação;
27) Tudo bastante e mais que suficiente para conduzir à procedência do
pedido da A. ora em questão, constante da alínea a) da sua p.i.,
devendo ser declarada a escritura de justificação ineficaz, não
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boa-fé, que dura há mais de vinte anos, pelo que o adquiriram por
usucapião, não tendo, dado o modo de aquisição, documento que titule
o seu direito de propriedade” – al. C) dos factos assentes.
4. Com origem na identificada escritura de justificação, abriu-se uma
nova descrição na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º …
da freguesia de ... – al. D) dos factos assentes.
5. Ainda, no mesmo dia, no mesmo Cartório Notarial e em acto
contínuo, por escritura pública exarada de fls. 40 a 41 do mesmo Livro
..., os justificantes CC e mulher DD, venderam a seu cunhado e irmão, o
réu EE, o prédio justificado – al. E) dos factos assentes.
6. Ainda, em outro acto contínuo, no mesmo dia e no mesmo Cartório
Notarial, por escritura pública exarada de fls. 42 a 43 do mesmo Livro
..., o identificado réu EE vendeu ao réu FF, o prédio em apreço – al. F)
dos factos assentes.
7. A aquisição da propriedade do prédio referido em A) a favor dos réus
FF e mulher foi registada a 10-02-2009 – cf. certidão do registo predial
a fls. 473 a 477 dos autos.
8. A RR faleceu no dia 23-04-1992 – cf. certidão de óbito a fls. 51 dos
autos – al. G) dos factos assentes.
9. Por escritura pública de compra e venda, outorgada no dia 23-07-
2009, no Cartório Notarial da Dra. A. KK, exarada a fls. 28 a fls. 31 do
livro de notas para escrituras diversas, número …, os réus II e JJ
adquiriram a FF e mulher GG, o prédio misto, sito ao Caminho do ... n.º
…, inscrito a parte rústica na matriz cadastral sob o art. 77 da secção
AD e a parte urbana sob o art. 39 e descrito na conservatória do Registo
Predial do ... sob o nº … – al. H) dos factos assentes.
10. Para poderem adquirir o supra aludido imóvel, os réus II e JJ
contraíram um empréstimo bancário junto da instituição bancária LL,
Banco LL ..., S.A., no montante de € 75 000 (setenta e cinco mil euros),
valor que foi utilizado para proceder ao pagamento acordado pela
compra e venda – al. I) dos factos assentes.
11. Para garantia do empréstimo, foram seus fiadores MM e NN – al. J)
dos factos assentes.
12. A aquisição da propriedade do prédio referido em A) a favor dos
réus II e JJ foi registada a 27-07-2009 – cf. certidão do registo predial a
fls. 473 a 477 dos autos.
13. A hipoteca para garantia do empréstimo referido em I) foi registada
a 27-07-2009 – cf. certidão do registo predial a fls. 473 a 477 dos autos.
14. Após a realização da escritura de compra e venda, os intervenientes
procederam ao registo da sua aquisição – al. L) dos factos assentes.
15. Sobre a referida parcela de terreno rústica do prédio referido em A)
existe um prédio urbano, coberto parte por telha e parte por folhas
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Tudo visto, e sem mais tergiversações, devem, por isso, os autos baixar
à Relação para aí serem conhecidas das demais questões omitidas,
partindo da decisão aqui fixada, em sede de revista, de que a escritura
pública de justificação notarial é ineficaz.
C - Compilam-se, assim, as seguintes conclusões:
- As acções reais não se podem fundar, por norma e exclusivamente, na
invocação de um título de aquisição derivada, uma vez que as formas de
aquisição derivada não geram, por si só, o direito de propriedade, sendo
apenas translativas dele, operando a sua modificação subjectiva.
- O registo predial, cujo objecto são factos jurídicos, tem por escopo
principal dar a conhecer aos interessados a situação jurídica do bem,
garantindo a segurança e genuinidade das relações jurídicas que sobre
ele incidam, assegurando que, em regra, a pessoa que se encontra
inscrita adquiriu validamente esse direito e com esse direito
permanecerá para os seus futuros adquirentes.
- A escritura de justificação notarial, documento autêntico, constitui um
dos modos necessários para o estabelecimento do trato sucessivo no
registo predial, permitindo aos interessados titular factos jurídicos
relativos a imóveis que não possam ser provados pela forma original ou
cuja eficácia se desencadeia legalmente sem necessidade de forma
escrita, como a usucapião ou a acessão.
- Impugnada judicialmente a escritura de justificação notarial, impende
sobre o justificante, na qualidade de réu, o ónus da prova da aquisição
do direito de propriedade e da validade desse direito, nos termos do art.
343.º, n.º 1, do CC, sem que possa beneficiar da presunção registal
emergente do art. 7.º do CRgP.
- Em caso de invocação de aquisição por usucapião, o justificante tem
de provar as características da posse imprescindíveis à verificação
daquele modo de aquisição originária do direito de propriedade,
devendo indicar, logo na escritura, as circunstâncias de facto que
determinam o seu início e que consubstanciam e caracterizam essa
posse, não sendo suficiente a mera alusão a conceitos jurídicos
abstractos para atribui à posse as qualidades para usucapir.
- Na falta dessa prova, e mesmo que não se possa concluir pela
falsidade das declarações vertidas na escritura de justificação, a acção
de impugnação deverá proceder, atendendo à insuficiência probatória de
factos que permitam suportar a usucapião (ou outro modo de aquisição
originária), devendo, a final, ser declarada não a nulidade, mas sim a
ineficácia da escritura de justificação notarial.
- Procedendo a revista quanto à impugnação judicial da escritura de
justificação notarial e tendo sido omitida pronúncia quanto às demais
questões suscitadas na apelação, deverá ser ordenada a baixa do
processo ao tribunal recorrido, para exame das questões cuja análise
ficara prejudicada, tal como decorre da norma do art. 679.º do NCPC
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17/02/23, 19:31 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Gabriel Catarino
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