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17/02/23, 19:31 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


Processo: 448/09.5TCFUN.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MARTINS DE SOUSA
Descritores: AQUISIÇÃO DE DIREITOS
TRANSMISSÃO DE DIREITO REAL
REGISTO PREDIAL
JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO
AÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
USUCAPIÃO
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
Data do Acordão: 09-07-2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA REVISTA COM REENVIO
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO
JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS
OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS - DIREITOS REAIS /
POSSE / DIREITO DE PROPRIEDADE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PRINCÍPIOS GERAIS / PROCESSO / ACTOS
PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ) / CITAÇÕES E NOTIFICAÇÕES / REVELIA
DO RÉU / EFEITOS DA REVELIA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
DIREITO DOS REGISTOS E NOTARIADO - REGISTO PREDIAL - ESCRITURA DE
JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, 2014, p. 375.
- Antunes Varela, anotação ao Acórdão do STJ, de 4 de Março de 1982, Revista de Legislação
e Jurisprudência, ano 118.º, p. 315 (cf. pp. 282-288 e 307-316). anotação ao Acórdão do STJ,
de 16-06-1983, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 120.º, p. 208 e segs..
- Borges de Araújo, Prática Notarial, 2001, p. 339.
- Henrique Mesquita, anotação ao Acórdão do STJ, de 29-04-1992, Revista de Legislação e
Jurisprudência, Ano 125.º, p. 86 e segs..
- José Alberto Vieira, “Registo de usucapião titulada por escritura de justificação notarial e
presunção de titularidade do direito – Anotação ao AUJ n.º 1/2008, de 04-12-2007”, Cadernos
de Direito Privado, n.º 24, Outubro/Dezembro de 2008, p. 37 (pp. 21 a 42).
- Luís Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 1997, p. 119.
- Mouteira Guerreiro, Temas de Registos e de Notariado, 2010, págs. 117/118.
- Paulo Videira Henriques, Terceiros para efeitos do artigo 5.º do Código do Registo Predial,
“Boletim da Faculdade de Direito – Universidade de Coimbra”, 2003, pp. 399/400.
- Santos Justo, Direitos Reais, 4.ª edição, 2012, pp. 67 e ss., 80-84.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 291.º, 343.º, N.º1, 363.º, N.º 2, 371.º, N.º 1, 372.º, N.º1, 408.º,
1251.º, 1252.º, N.ºS 1 E 2, 1257.º, N.º2, 1258.º, 1259.º, 1263.º, 1287.º, 1288.º, 1311.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 5.º, N.º 3, 10.º, N.ºS 2 E 3, AL. A),
21.º, N.º1, 225.º, N.ºS 1 E 6, 240.º, 567.º, N.º 1, E 568.º, AL. B), 665.º, N.ºS 2 E 3, 679.º.
CÓDIGO DO NOTARIADO (CN): - ARTIGOS 70.º, 71.º, 89.º, 96.º, N.º 1, 101.º.
CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL (CRGP): - ARTIGOS 5.º, 7.º, 17.º, N.º2, 34.º, 43.º, N.º1,
116.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 20-20-2009, PROC. N.º 1433/07.7TBBRG.S1.


-DE 27-01-2010, PROC. N.º 2319/04.2TBGDM.P1.S1, DE 07-04-2011, PROC. N.º
569/04.0TCSNT.L1.S1, DE 13-09-2011, PROC. N.º 1027/06.4TBSTR.E1.S1, E DE 19-02-2013,
PROC. N.º 367/2002.P1.S1, TODOS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 08-02-2011, PROC. N.º 2565/07.7TBMTS.P1.S1, E DE 06-10-2011, PROC. N.º
399/1999.E1.S1 (AMBOS INÉDITOS).
-DE 17-12-2014, PROC. N.º 5169/11.6TBSXL.L1.S1.

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AUJ N.º 3/2001, DE 23-01-2001, PUBLICADO NO DR I SÉRIE A, DE 09-02-2001.
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AUJ N.º 1/2008, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, 1.ª SÉRIE, N.º 63, DE 31-03-
2008, PP. 1871-1879.
Sumário :
I - As acções reais não se podem fundar, por norma e exclusivamente,
na invocação de um título de aquisição derivada, uma vez que as formas
de aquisição derivada não geram, por si só, o direito de propriedade,
sendo apenas translativas dele, operando a sua modificação subjectiva.

II - O registo predial, cujo objecto são factos jurídicos, tem por escopo
principal dar a conhecer aos interessados a situação jurídica do bem,
garantindo a segurança e genuinidade das relações jurídicas que sobre
ele incidam, assegurando que, em regra, a pessoa que se encontra
inscrita adquiriu validamente esse direito e com esse direito
permanecerá para os seus futuros adquirentes.

III - A escritura de justificação notarial, documento autêntico, constitui


um dos modos necessários para o estabelecimento do trato sucessivo no
registo predial, permitindo aos interessados titular factos jurídicos
relativos a imóveis que não possam ser provados pela forma original ou
cuja eficácia se desencadeia legalmente sem necessidade de forma
escrita, como a usucapião ou a acessão.

IV - Impugnada judicialmente a escritura de justificação notarial,


impende sobre o justificante, na qualidade de réu, o ónus da prova da
aquisição do direito de propriedade e da validade desse direito, nos
termos do art. 343.º, n.º 1, do CC, sem que possa beneficiar da
presunção registal emergente do art. 7.º do CRgP.
V - Em caso de invocação de aquisição por usucapião, o justificante
tem de provar as características da posse imprescindíveis à verificação
daquele modo de aquisição originária do direito de propriedade,
devendo indicar, logo na escritura, as circunstâncias de facto que
determinam o seu início e que consubstanciam e caracterizam essa
posse, não sendo suficiente a mera alusão a conceitos jurídicos
abstractos para atribui à posse as qualidades para usucapir.

VI - Na falta dessa prova, e mesmo que não se possa concluir pela


falsidade das declarações vertidas na escritura de justificação, a acção
de impugnação deverá proceder, atendendo à insuficiência probatória de
factos que permitam suportar a usucapião (ou outro modo de aquisição
originária), devendo, a final, ser declarada não a nulidade, mas sim a
ineficácia da escritura de justificação notarial.

VII - Procedendo a revista quanto à impugnação judicial da escritura de


justificação notarial e tendo sido omitida pronúncia quanto às demais
questões suscitadas na apelação, deverá ser ordenada a baixa do
processo ao tribunal recorrido, para exame das questões cuja análise
ficara prejudicada, tal como decorre da norma do art. 679.º do NCPC
(2013), assim se assegurando plenamente, aliás, o duplo grau de
jurisdição.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


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I.
AA, casada com BB, intentou contra CC e mulher, DD, EE, solteiro, FF
e mulher, GG, todos identificados no processo, esta acção declarativa de
condenação com processo comum, sob a forma ordinária, pedindo:
a declaração de nulidade e invalidade da escritura pública de
justificação notarial, celebrada em 30-12-2008, exarada de fls. 38 a 39
v, do Livro n.° … do Cartório Notarial Privado do Dr. HH, e,
consequentemente, nulo o respectivo registo predial efectuado, com o
seu respectivo cancelamento;
a declaração de nulidade das compras e vendas tituladas em actos
contínuos no mesmo Cartório, pelas escrituras exaradas de fls. 40 a 41 e
42 a 43 do Livro n.º ..., com todos os efeitos legais, e consequentemente
nulo o respectivo registo, com o consequente cancelamento do registo
predial do prédio misto, localizado ao sítio do ..., freguesia de ...,
concelho do ..., com a área de 320 m2, dos quais 35 m2 são de
superfície coberta, inscrito na matriz predial respectiva a parte rústica
sob o artigo 7.°, da secção “AD” e a parte urbana sob o artigo 39.°, e
actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º
…, da freguesia de ..., e registado a favor dos réus FF e mulher GG,
pela Apresentação 3329 de 10-02-2009, com todas as demais
consequências legais;
a declaração de que a autora é dona e legítima possuidora do prédio
misto, com a área de 320 m2, dos quais 45 m2 são de superfície
coberta, localizado ao Caminho do ..., n.º … de polícia, no sítio do ...,
freguesia de ..., concelho do ..., inscrito na matriz predial respectiva, a
parte rústica sob o artigo 77.° da Secção “AD” e a parte urbana sob o
artigo ….°, como tal não descrito na Conservatória do Registo Predial
do ...;
a condenação dos réus a reconhecerem a favor da autora o direito de
propriedade desta sobre o prédio acima referido, com todas as
consequências legais.
Para tanto, alegou, em síntese: é proprietária do prédio identificado
supra, por o ter adquirido por usucapião, após aquele lhe ter sido doado
verbalmente pela anterior proprietária; os primeiros réus, faltando à
verdade, outorgaram escritura de justificação notarial, onde se
declararam proprietários do referido prédio; nessa mesma data, aqueles
primeiros réus venderam o prédio ao réu EE, cunhado e irmão dos 1.° e
2.° réus, respectivamente; por sua vez, o réu EE vendeu o prédio ao réu
FF; os réus FF e mulher conheciam os restantes réus, de quem são
amigos, e sabiam que estes não eram proprietários do prédio.
Feitas as legais citações - sendo as dos réus CC e DD por éditos –,
contestou apenas o réu FF, alegando que desconhecia os factos alegados
pela autora quanto à sua propriedade; adquiriu o prédio com base nos
documentos que lhe foram exibidos e por escritura de 23-07-2009,

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vendeu o prédio a II e JJ, requerendo a intervenção destes adquirentes


como associados do réu.
Nessa sequência, foi requerida a intervenção processual destes últimos e
a ampliação, quanto a estes, dos pedidos constantes da petição inicial,
por forma a abranger a nulidade da compra e venda titulada pela
referida escritura celebrada a 23-07-2009, exarada a fls. 28 a 31 do
Livro …, do Cartório Notarial de KK.
Deferida essa intervenção e citados os intervenientes vieram os mesmos
contestar, aduzindo, em síntese: a ineptidão da petição inicial, pelo facto
de a autora não ter alegado factos referentes à partilha dos bens por
morte da anterior proprietária do prédio; a nulidade da doação invocada
pela autora, por ter sido feita verbalmente; o desconhecimento dos
factos alegados pela autora quanto à posse do prédio; e a aquisição do
prédio dos autos de boa-fé, com base na documentação que lhes foi
exibida e com recurso a crédito bancário.
A autora replicou, respondendo às excepções invocadas por II e JJ,
pugnando pela sua improcedência.
Após convite do tribunal, a autora requereu, ainda, a intervenção na lide
do LL ..., S.A., por ser titular de hipoteca registada sobre o prédio dos
autos, pedindo a ampliação quanto a este interveniente dos pedidos de
nulidade de hipoteca voluntária, constituída a seu favor pela
apresentação 2057, de 27-07-2009, sobre o prédio objecto da presente
acção, descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.° …,
da freguesia de ....
Citado, o LL, S.A. contestou alegando que desconhece os factos
alegados pela autora; financiou a aquisição do prédio pelos réus II e JJ,
que, para tanto, constituíram hipoteca sobre o prédio adquirido,
registada a 27-07-2009 e a presente acção apenas foi registada no dia
10-05-2012, pelo que, estando de boa-fé, não lhe é oponível a eventual
nulidade de contratos anteriores, nos termos do art. 291.º do Código
Civil.
Efectuada audiência preliminar, foi proferido despacho saneador,
julgando improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial,
tendo-se seleccionado a matéria de facto assente e controvertida;
prosseguiu o processo para julgamento, no qual foi ampliada aquela
mesma matéria de facto e no seu têrmo, após ter sido respondida a
matéria de facto controvertida, seguiu-se a prolação de sentença, com a
seguinte decisão:
Pelo exposto, decido julgar a acção parcialmente procedente e, em
conformidade:
declaro nula e ineficaz a escritura pública de justificação notarial,
celebrada a 30 de Dezembro de 2008, pelos Réus CC e mulher, DD,
exarada de fls. 38 a 39 v, do Livro n.º ... do Cartório Notarial Privado
do Dr. HH, referida na al. A) dos factos provados.

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declaro nula a compra e venda, titulada pela escritura pública de


compra e venda celebrada a 30 de Dezembro de 2008, entre os Réus
CC e mulher, DD, como vendedores, e o Réu EE, como comprador,
exarada de fls. 40 e 41 v, do Livro de notas n.° ... do Cartório Notarial
Privado do Dr. HH, referida na al. E) dos factos provados.
declaro nula a compra e venda, titulada pela escritura pública de
compra e venda celebrada a 30 de Dezembro de 2008, entre o Réu EE,
como vendedor, e o Réu FF, como comprador, exarada de fls. 41 e 42,
do Livro de notas n.° ... do Cartório Notarial Privado do Dr. HH,
referida na al. F) dos factos provados.
ordeno o cancelamento do registo de propriedade inscrito a favor do
Réu FF e mulher, GG, efectuado na Conservatória do Registo ...
relativamente ao prédio aí descrito sob o n.° … da freguesia de ....
declaro nula a compra e venda e a hipoteca, tituladas pela escritura
pública de compra e venda e de mútuo com hipoteca e fiança,
celebrada a 23 de Julho de 2009, entre os Réus FF e mulher, GG, como
vendedores, e os Réus II e JJ, como compradores, e entre estes como
mutuários, e o LL, Banco LL ..., S.A. como mutuante, e MM e NN, como
fiadores, exarada de fls. 28 a …, do Livro de notas para escrituras
diversas n.° … do Cartório Notarial Privado da Dra. KK, referida na
al. I) dos factos provados.
ordeno o cancelamento do registo de propriedade inscrito a favor dos
Réus II e JJ efectuado na Conservatória do Registo ... relativamente ao
prédio aí descrito sob o n.° … da freguesia de ....
ordeno o cancelamento do registo da hipoteca inscrito a favor do Réu
LL, Banco LL..., S.A. efectuado na Conservatória do Registo ...
relativamente ao prédio aí descrito sob o n.º … da freguesia de ....
absolvo os Réus dos demais pedidos contra si formulados pela Autora.
Custas a cargo da Autora e dos Réus, na proporção do respectivo
decaimento, que se fixa em 2/8 para a primeira e 6/8 para os segundos,
sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido à Autora.
Inconformados, os intervenientes II e JJ apelaram e a Relação de
Lisboa, por Acórdão do pretérito dia 08-05-2014 decidiu “…julgar
procedente a apelação revogando a decisão recorrida e em julgar
inteiramente improcedente a acção, absolvendo os réus dos pedidos
formulados.”
Agora insatisfeita, a autora AA veio interpor recurso de revista daquele
acórdão, para o STJ, concluindo, assim, a minuta de recurso:
“1) Os presentes autos tratam de uma ação de impugnação de escritura
de justificação notarial;
2) Este tipo de ação declarativa é uma ação de simples apreciação
negativa - art. 10°, n.º 2 e n.º 3, alínea a) do novo CPC (antes art. 4.°,
n.º 2, alínea a) do CPC);
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3) Nas ações de simples apreciação negativa, compete aos réus


justificantes a prova dos factos constitutivos do direito que se arrogam
– art. 343.°, n.º 1 do C.C.;
4) No caso sub judice, está em questão apenas o pedido da autora
relativo à impugnação da escritura de justificação, único sobre o qual o
douto Acórdão da Relação de Lisboa se pronunciou e do qual foi
interposto o presente recurso, sobre o qual se deve exclusivamente
atentar;
5) Os Réus CC e mulher DD, por escritura de justificação notarial
celebrada a 30 de dezembro de 2008, exarada de fls. 38 a 39 v. do L. ...
do Cartório Notarial Provado do Dr. HH, declararam serem os donos e
legítimos possuidores do prédio misto em questão nos presentes autos,
o qual veio à sua posse por compra verbal feita no ano de mil
novecentos e setenta e sete, a OO e mulher PP, e a QQ;
6) Mais declararam os mesmos réus que “entraram na posse e fruição
do aludido imóvel, posse que mantiveram sem interrupção até hoje,
habitando a casa, usufruindo de todas as suas utilidades, cultivando e
colhendo os frutos da parte rústica e suportando os respectivos
impostos e encargos...”;
7) Cabia aos Réus CC e DD, e só a estes, virem aos autos provarem
aquelas suas declarações, nos termos do imposto pelo artigo 343.°, n.°
1 do C.C., onde está claramente estabelecida a inversão do ónus da
prova;
8) Os Réus justificantes CC e DD foram citados;
9) Os Réus justificantes CC e DD, não apresentaram qualquer tipo de
Contestação nos presentes autos;
10) Só aos Réus justificantes, no caso concreto, os RR. CC e DD,
competia fazer prova daquelas suas declarações proferidas na escritura
pública de justificação notarial;
11) Simplesmente pelo facto dos RR. justificantes CC e DD não terem
apresentado Contestação importa, automaticamente, a procedência do
pedido de impugnação da escritura de justificação notarial,
declarando-se impugnado o facto justificativo e ineficaz tal escritura,
declarando-se que não produz quaisquer efeitos, com todas as demais
consequências legais;
12) Sem prejuízo do acima alegado e sem prescindir, também os outros
réus não conseguiram fazer qualquer prova sobre a veracidade das
declarações dos RR. CC e DD proferidas na escritura de justificação
notarial;
13) Antes pelo contrário. Resulta dos autos prova suficiente da
falsidade daquelas declarações.
Vejamos: Da alínea P) dos factos provados, consta que sobre a parte
rústica do prédio justificado existe um prédio urbano inscrito na matriz
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predial respectiva sob o artigo ….°, com a composição aí descrita, que


é totalmente diverso do declarado na escritura de justificação que é um
outro inscrito sob o artigo 39.° e com uma composição diversa;
Da alínea Q) dos factos assentes resulta que a autora, antes e depois da
morte da RR, ocorrida em 23-04-1992, cultivou parte do prédio
justificado pelos RR. CC e DD, recolhendo os seus frutos à frente e com
conhecimento de toda a gente.
Aditada oficiosamente as declarações dos RR. CC e DD à Base
Instrutória, foram julgadas não provadas.
Resulta ainda do documento autêntico junto à p.i. sob o n.º 12 que a
casa era habitada pela RR à data da sua morte em 23 de abril de 1992;
14) Os factos constantes do número anterior estão em perfeita e
completa contradição com as declarações dos RR. CC e DD proferidas
na escritura de justificação notarial;
15) Andou mal o Acórdão recorrido ao dizer “… não se vê que tenha
sido julgada provada a falsidade dos fundamentos da justificação
notarial.”:
16) Conforme já acima alegado, não era à autora que competia provar
a falsidade das declarações ou fundamentos da justificação notarial;
17) É precisamente o contrário. Era aos RR. CC e DD, os justificantes,
e a estes e só a estes, que competia fazer a prova nos presentes autos da
veracidade das suas declarações proferidas na escritura de justificação
notarial;
18) É absoluta a falta de prova nos presentes autos dos RR. CC e DD
sobre a veracidade das suas declarações na escritura de justificação,
pelo que não podem adquirir por usucapião;
19) Está assente na nossa jurisprudência judicial, que os réus não
podem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7.° do
CRP – por todos o Ac. de Uniformização de Jurisprudência do STJ de
04-12-2007, Proc. 07A2464, in www.dgsi.pt – pois o registo que
usufruíam a seu favor foi com base na escritura de justificação ora
impugnada;
20) Claramente andou mal o Acórdão ora recorrido ao julgar que “....
segundo se julga, não ficou provado qualquer facto incompatível com
qualquer dos fundamentos alegados na escritura de justificação e que,
por isso, permitisse afirmar essa falsidade.”;
21) Apesar de desnecessário para a procedência da impugnação, os
factos acima alegados no ponto 13 e provados nos presentes autos,
estão em clara contradição com as declarações dos RR. CC e DD na
escritura de justificação;
22) O Acórdão recorrido foge para a razão da A. quando afirma que
“Parecendo ... que a posse do prédio tinha sido transmitida, no ano de
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1977 ou antes, para a referida RR ... “, pois foi isso que a A. alegou e
que está em clara contradição ou é incompatível com as declarações
dos RR. CC e DD na escritura de justificação, em que declararam que
tinham comprado verbalmente o imóvel no ano de 1977 a OO e mulher
PP, e a QQ;
23) O Acórdão recorrido continua no mesmo erro ou equívoco ao
julgar que ”.... julga-se que a matéria de facto assente não permite
conduzir que as declarações que integram a escritura de justificação
sejam falsas, não estando, assim verificado o fundamento pelo qual foi
declarada a nulidade dessa justificação .... a decisão está limitada pela
matéria de facto fixada, e esta não permite afirmar que a justificação
notarial assentou em declarações falsas.”, acabando por julgar com
estes fundamentos errados a apelação procedente, revogando a decisão
da 1ª Instância e julgando inteiramente improcedente a ação,
absolvendo os réus dos pedidos formulados;
24) Toda a fundamentação do Acórdão ora recorrido encontra-se
invertida, errada, partindo do princípio errado de que era à Autora que
competia fazer a prova da falsidade das declarações dos réus CC e DD
proferidas na escritura de justificação, constitutiva do direito destes;
25) Esta interpretação está errada e viola o estabelecido nos artigos
10.°, n.º 2 e n.º 3, alínea a) do CPC (antes art. 4.°, n.º 2, alínea a)),
343.°, n.º 1 do Código Cível e o Acórdão de Uniformização de
Jurisprudência do STJ de 04-12-2007, Proc. 07A2464, in www.dgsi.pt.
que estabelece o seguinte:
“ - Na acção de impugnação de escritura de justificação notarial
prevista nos arts. 116.º, n.° 1 do Código do Registo Predial e 89.° e
101.° do Código do Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram a
aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel,
inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa
escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito,
sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo
7.º do Código do Registo Predial.”;
26) O Acórdão ora recorrido, por falência absoluta de prova quanto
aos corpus da posse e ao animus dos réus CC e DD sobre o imóvel
justificado - competia a estes réus o ónus da prova de todos os
caracteres da posse, designadamente se foi de boa ou má-fé, pacífica
ou violenta, pública ou oculta, titulada ou não e invocação e prova do
respectivo prazo prescritivo - violou, nomeadamente, o artigo 10.°, n.º 2
e n.º 3, alínea a) do CPC (antes art. 4°, n.º 2, alínea a)) e artigos 343.°,
n.º 1, 1258.°, 1259.°, 1260.°, 1261.°, 1262.°, 1287.° e 1296.° do C.C.,
não podendo aqueles réus terem adquirido, por usucapião, o imóvel em
apreço, identificado na escritura de justificação;
27) Tudo bastante e mais que suficiente para conduzir à procedência do
pedido da A. ora em questão, constante da alínea a) da sua p.i.,
devendo ser declarada a escritura de justificação ineficaz, não

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produzindo quaisquer efeitos, por os RR. CC e DD não terem adquirido


o imóvel por usucapião;
28) Em face do exposto e mais dos autos, deve ser concedida a revista e
revogar-se o Acórdão recorrido, mantendo-se a sentença da primeira
instância”.
Foram apresentadas contra-alegações pelos intervenientes II e JJ, e pelo
LL, S.A., pugnando pela improcedência da revista.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II.
A. Das Instâncias vem considerada provada a seguinte matéria de facto:
1. Por escritura de justificação notarial celebrada em 30-12-2008,
exarada de fls. 38 a 39 v. do livro ... do Cartório Notarial Privado do Dr.
HH, os réus CC e mulher DD, na qualidade de justificantes, declararam
que “são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, de
um prédio misto (rústico, terreno agrícola e urbano habitacional), com a
área global de trezentos e vinte metros quadrados, tendo a parte urbana
trinta e cinco metros quadrados de superfície coberta, sito ao Caminho
Novo do ..., 33, ..., freguesia de ..., concelho do ..., inscrito na matriz
predial, em nome do justificante, a parte rústica sob o artigo cadastral
77.º da Secção “AD” (antes, artigo 361), com o valor patrimonial e
atribuído de oito euros e sessenta cêntimos (€ 8,60) e a parte urbana sob
o artigo 39, com o valor patrimonial e atribuído de quatrocentos e dois
euros e cinquenta e dois cêntimos (€ 402,52), não descrito na
Conservatória do Registo Predial do ... – al. A) dos factos assentes.
2. Mais declararam os réus justificantes que “nos termos do n.º 4 do
artigo 112.º do Código do Registo Predial, que não obstante o prédio
identificado e objecto desta escritura, oferecer semelhanças com o
descrito naquela mesma Conservatória, sob o número cento e vinte e
nove, a folhas duzentos e sessenta e um verso do Livro B Primeiro da
Extinta Conservatória do Concelho do ..., não existe qualquer relação
entre os mesmos” – al. B) dos factos assentes.
3. Declararam ainda os mesmos réus “que o identificado prédio, veio à
posse dos justificantes, no estado de casados, por compra verbal feita no
ano de mil novecentos e sessenta e sete, a OO e mulher PP, residentes
que foram ao sítio dos ..., ..., ..., e a QQ, viúva, residente que foi à Rua
..., ..., ..., todos já falecidos.
Assim, naquele ano, os justificantes entraram na posse e fruição do
aludido imóvel, posse que mantiveram sem interrupção até hoje,
habitando a casa, usufruindo de todas as suas utilidades, cultivando e
colhendo os frutos da parte rústica e suportando os respectivos impostos
e encargos, tendo adquirido e mantido a sua posse sem oposição de
quem quer que fosse e com conhecimento de toda a gente, agindo
sempre por forma correspondente ao exercício do direito de
propriedade, sendo por isso uma posse pública, pacífica, contínua e de
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boa-fé, que dura há mais de vinte anos, pelo que o adquiriram por
usucapião, não tendo, dado o modo de aquisição, documento que titule
o seu direito de propriedade” – al. C) dos factos assentes.
4. Com origem na identificada escritura de justificação, abriu-se uma
nova descrição na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º …
da freguesia de ... – al. D) dos factos assentes.
5. Ainda, no mesmo dia, no mesmo Cartório Notarial e em acto
contínuo, por escritura pública exarada de fls. 40 a 41 do mesmo Livro
..., os justificantes CC e mulher DD, venderam a seu cunhado e irmão, o
réu EE, o prédio justificado – al. E) dos factos assentes.
6. Ainda, em outro acto contínuo, no mesmo dia e no mesmo Cartório
Notarial, por escritura pública exarada de fls. 42 a 43 do mesmo Livro
..., o identificado réu EE vendeu ao réu FF, o prédio em apreço – al. F)
dos factos assentes.
7. A aquisição da propriedade do prédio referido em A) a favor dos réus
FF e mulher foi registada a 10-02-2009 – cf. certidão do registo predial
a fls. 473 a 477 dos autos.
8. A RR faleceu no dia 23-04-1992 – cf. certidão de óbito a fls. 51 dos
autos – al. G) dos factos assentes.
9. Por escritura pública de compra e venda, outorgada no dia 23-07-
2009, no Cartório Notarial da Dra. A. KK, exarada a fls. 28 a fls. 31 do
livro de notas para escrituras diversas, número …, os réus II e JJ
adquiriram a FF e mulher GG, o prédio misto, sito ao Caminho do ... n.º
…, inscrito a parte rústica na matriz cadastral sob o art. 77 da secção
AD e a parte urbana sob o art. 39 e descrito na conservatória do Registo
Predial do ... sob o nº … – al. H) dos factos assentes.
10. Para poderem adquirir o supra aludido imóvel, os réus II e JJ
contraíram um empréstimo bancário junto da instituição bancária LL,
Banco LL ..., S.A., no montante de € 75 000 (setenta e cinco mil euros),
valor que foi utilizado para proceder ao pagamento acordado pela
compra e venda – al. I) dos factos assentes.
11. Para garantia do empréstimo, foram seus fiadores MM e NN – al. J)
dos factos assentes.
12. A aquisição da propriedade do prédio referido em A) a favor dos
réus II e JJ foi registada a 27-07-2009 – cf. certidão do registo predial a
fls. 473 a 477 dos autos.
13. A hipoteca para garantia do empréstimo referido em I) foi registada
a 27-07-2009 – cf. certidão do registo predial a fls. 473 a 477 dos autos.
14. Após a realização da escritura de compra e venda, os intervenientes
procederam ao registo da sua aquisição – al. L) dos factos assentes.
15. Sobre a referida parcela de terreno rústica do prédio referido em A)
existe um prédio urbano, coberto parte por telha e parte por folhas
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plásticas, de um só pavimento, composto por 4 divisões, 2 casas de


banho, hall e 1 arrecadação, com a superfície coberta de 45 m2 e
inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ….º – resposta ao
artigo 1.º da base instrutória.
16. A autora, antes e depois da morte da RR, cultivou parte do referido
prédio, recolhendo os seus frutos à frente e com conhecimento de toda a
gente – resposta aos artigos 7.º a 9.º da base instrutória.
17. A SS foi procuradora dos réus CC e DD na compra e venda referida
em E) – resposta ao artigo 10.º da base instrutória.
18. Em 2009, II e JJ decidiram adquirir um imóvel – resposta ao artigo
15.º da base instrutória.
19. Para tanto, deslocaram-se a várias agências imobiliárias e, sondaram
no “terreno” alguns imóveis que estivessem para venda – resposta ao
artigo 16.º da base instrutória.
20. Já depois de terem visto vários imóveis e em meados de 2009, o réu
II estava num café no ... e, em conversa com algumas pessoas naquele
café, foi-lhe dito que o imóvel sito ao do ..., n.º 33 estava à venda e que
o proprietário era o Sr. FF – resposta ao artigo 17.º da base instrutória.
21. Uma das pessoas que estava no café conhecia pessoalmente o Sr. FF
e forneceu o seu contacto ao II – resposta ao artigo 18.º da base
instrutória.
22. Na posse do contacto do Sr. FF, o II contactou-o com o intuito de
adquirir o imóvel – resposta ao artigo 19.º da base instrutória.
23. Os réus II e JJ deslocaram-se ao imóvel com o Sr. FF, negociaram o
preço e decidiram adquirir o imóvel – resposta ao artigo 20.º da base
instrutória.
24. Os réus II e JJ adquiriram o supra aludido imóvel com o intuito de
ali construírem a sua casa de morada de família – resposta ao artigo 21.º
da base instrutória.
25. Aquisição essa que foi feita já com um projecto aprovado na
Câmara Municipal do ... para a sua reconstrução – resposta ao artigo
22.º da base instrutória.
26. Após adquirirem o imóvel, os réus II e JJ alteraram o titular do
projecto de licenciamento junto do Município do ... e pediram uma
prorrogação de prazo, para a conclusão das obras – resposta ao artigo
23.º da base instrutória.
27. Os réus II e JJ adquiriram o imóvel em ruínas e sem estar cultivado
– resposta ao artigo 24.º da base instrutória.
28. O imóvel adquirido não possuía qualquer ligação de água potável –
resposta ao artigo 25.º da base instrutória.

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29. Nem tinha fornecimento de electricidade – resposta ao artigo 26.º da


base instrutória.
30. Os réus II e JJ nunca suspeitaram que existisse algum problema com
o registo da casa, ou até mesmo que existisse outro proprietário, tanto
que antes de adquirirem o imóvel deslocaram-se várias vezes ao imóvel
e quem tinha a chave que permitia aceder ao local era o Sr. FF –
resposta ao artigo 27.º da base instrutória.
31. Já depois de adquirirem o imóvel, os réus II e JJ realizaram algumas
obras no local e nunca foram importunados por ninguém a assumir-se
como proprietário daquele imóvel – resposta ao artigo 28.º da base
instrutória.
32. A presente acção foi registada a 10-05-2012 – cf. certidão do registo
predial a fls. 473 a 477 dos autos.
B. As conclusões da recorrente, delimitando o objecto do recurso – cf.
art. 635.º, n.º 4, do Novo Código de Processo Civil, suscitam o exame e
decisão das seguintes questões:
i. Análise da escritura de justificação notarial, sua impugnação judicial e
respectivo ónus da prova.
ii. Erro de julgamento do Acórdão recorrido e suas consequências.
B1. Em traços muito largos, revela-se nos autos a seguinte situação:
uma escritura de justificação notarial sobre determinado bem imóvel,
outorgada num cartório privado no ..., Madeira, no dia 30-12-2008, a
que se sucederam, nesse mesmo dia, duas alienações consecutivas e
onerosas do imóvel justificado, a favor de pessoas diversas; os últimos
adquirentes, por seu turno, procederam à sua venda a terceiros, no dia
27-07-2009 que o hipotecaram à instituição bancária mutuante; a
presente acção deu entrada em juízo em 23-09-2009 e foi registada em
10-05-2012.
A acção move-se, ostensivamente, no campo dos direitos reais, tendo a
autora gizado o pleito sob duas perspectivas: pretende, em primeiro
lugar, impugnar a escritura de justificação notarial, e, por arrasto, as
sucessivas alienações efectuadas, incluindo a hipoteca; em segundo
lugar, procura ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre o
imóvel objecto do litígio, com a respectiva condenação dos réus a
acatarem esse direito.
As acções reais, por norma, não se poderão fundar, exclusivamente, na
invocação de um título de aquisição derivada que só por si não gera o
direito de propriedade, sendo apenas translativo dele, operando
simplesmente a sua modificação subjectiva.[1]
In casu, mais do que obter a mera declaração da inexistência do direito
justificado, a autora visa obter o reconhecimento do seu direito de
propriedade sobre o prédio identificado, não assumindo o pedido de
declaração de nulidade da escritura de justificação relevo autónomo,
antes integrando a causa de pedir complexa em que se integra o pedido
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de reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio a seu favor,


e a condenação dos réus a reconhecerem aquele direito, com todas as
legais consequências.
Não é ousado afirmar, nesta óptica, que estão reunidos – a par dos
pressupostos da acção de impugnação judicial de escritura notarial – os
requisitos da acção de reivindicação do art. 1311.º do CC, enquanto
manifestação típica do direito de sequela, em que se pretende firmar o
direito de propriedade do autor e pôr fim à situação ou actos que o
violem, tendo como primeiro desiderato a declaração de existência do
direito e, como escopo ulterior, a sua realização, nela concorrendo dois
pedidos: o de reconhecimento do direito e o de restituição da coisa,
objecto desse direito.
As instâncias, como se narrou anteriormente, decidiram em sentidos
diametralmente opostos, tendo a 1.ª instância enveredado pela solução
de declaração de nulidade das várias escrituras outorgadas, sem contudo
dar guarida ao pedido da autora, ao passo que a Relação acabou por
julgar improcedente a acção.
A situação bule, manifestamente, com as regras civilísticas, em matéria
de direitos reais, tal como com as normas registais previstas no Código
do Registo Predial, sendo de recordar que nem sempre as estatuições do
registo predial estão em sintonia directa com as do Código Civil,
devendo proceder-se à sua concatenação, atenta a necessidade de
procurar a unidade do sistema jurídico.[2]
Na verdade, enquanto que do art. 408.º do CC deflui que “a
constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada
dá-se por mero efeito de contrato”, com ressalva das “excepções
previstas na lei”, o art. 5.º do CRP dispõe que “os factos sujeitos a
registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do
respectivo registo”.
Acresce que, ao passo que a lei civil substantiva considera que os
direitos adquiridos por terceiro, a título oneroso e de boa-fé, não são
prejudicados pela declaração de nulidade e anulação registada depois do
registo da aquisição – por esse terceiro –, embora não reconheça esses
direitos enquanto não transcorrerem 3 anos sobre a conclusão do
negócio viciado – cf. art. 291.º do CC –, já o CRP dispensa aquele prazo
na declaração de nulidade registal, em relação aos direitos adquiridos a
título oneroso por terceiro de boa-fé, bastando que o registo da
aquisição seja anterior ao registo da acção de nulidade – cf. art. 17.º, n.º
2.
Na inter-relação dos arts. 408.º do CC e 5.º do CRP, pode dizer-se que o
regime consagrado no CRP se enquadra na área das excepções previstas
no art. 408.º: ou seja, “a constituição ou transferência do direito real
opera-se por mero efeito de contrato, salvo quando se trate de coisas
imóveis ou de móveis sujeitos a registo”, porquanto, nessa
eventualidade, essa “constituição ou transferência dá-se por mero efeito

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de contrato entre as partes ou seus herdeiros”, mas “em face de


terceiros, apenas se verifica a partir da data do registo”.[3]
Já quanto à questão do encadeamento dos regimes plasmados nos arts.
291.º do CC e 17.º, n.º 2, do CRP, maiores têm sido as dúvidas
doutrinais, importando salientar – acompanhando Santos Justo – que:
“1) a lei civil considera o registo uma excepção ao regime geral da
invalidade e, por isso, não se pode afastar a sua aplicação do âmbito que
especificamente contempla; 2) a lei registal prevê situações de nulidade
do registo”.[4]
Isto dito, enfatiza-se que o principal escopo do registo predial é dar a
conhecer a terceiros – eventuais adquirentes – a situação do bem,
garantindo a segurança e a genuinidade das relações jurídicas que sobre
ele incidam – o registo assegura, em princípio, que a pessoa que se
encontra inscrita adquiriu validamente esse direito e com esse direito
permanecerá para os seus futuros adquirentes (enquanto constar do
registo que o direito ainda não foi alienado ou sujeito a alguma
oneração).
Um dos princípios primordiais do registo predial, que sobreleva no caso
em apreço, é o do trato sucessivo, contemplado no respectivo art. 34.º
do CRP.
Como observa Borges de Araújo “na génese do sistema em que assenta
a justificação notarial está o princípio do trato sucessivo./ Partindo da
ideia de que, respeitando este princípio se poderia criar um documento
que substituísse, para efeitos de registo, títulos faltosos, criou-se um
sistema em que nos aparece a nova escritura, de natureza excepcional,
para apoiar e servir as necessidades do registo obrigatório, que se
pretendia estabelecer./ O novo título foi buscar ao princípio do trato
sucessivo a sua razão de ser, servindo não só o registo obrigatório como
o registo predial em geral, ao possibilitar registos que de outro modo
seriam impossíveis”.[5]
A escritura de justificação notarial, enquanto um dos modos necessários
para o estabelecimento do trato sucessivo no registo predial, está
prevista no art. 116.º, n.º 1, do CRP, bem como nos arts. 89.º, 96.º, n.º 1,
e 101.º do Código do Notariado (CN).
Ao aludir-se ao registo predial tem-se em vista, primacialmente, o acto
de inscrição predial que tem por objecto factos jurídicos e não situações
jurídicas: os factos são inscritos no registo predial a fim de dar a
conhecer aos interessados a situação jurídica dos bens.
Porque a prova da aquisição originária, mormente a da usucapião, é
muitas vezes extremamente difícil de conseguir - prova diabólica -, a lei
estabelece presunções legais do direito de propriedade, como resulta,
designadamente, do art. 7.º do CRP: “O registo definitivo constitui
presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos
precisos termos em que o registo o define”.
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O registo predial está, deste modo, indelevelmente ligado à fé pública


registal que se implementa com a atribuição de valor presuntivo à
respectiva inscrição: ou seja, quem beneficia da inscrição registal de um
facto aquisitivo presume-se titular do respectivo direito. Dito de outro
modo, quem tem a seu favor a presunção registal escusa de provar o
facto respectivo, de harmonia com a regra do efeito presuntivo do
registo predial – que promana do citado art. 7.º do CRP –, sendo o valor
de tal presunção iuris tantum, ou seja elidível mediante prova em
contrário.
As presunções derivadas do referido art. 7.º do CRP são, assim, de
dupla ordem: 1.ª presunção – o direito pertence a quem está inscrito
como seu titular; 2.ª presunção – o direito existe tal como o registo o
revela.[6]
Tal como salienta Paulo Videira Henriques: “Por um lado, presume-se
que o direito pertence a quem está inscrito como seu titular; este sujeito
não precisa de se preocupar com a prova dos factos demonstrativos da
existência, validade e eficácia do seu direito sobre o imóvel. Por outro
lado, presume-se que o direito existe tal como o registo o revela; o
beneficiário da presunção não carece de provar os factos pertinentes à
qualificação, existência e amplitude do direito registado. Trata-se de
presunções iuris tantum com um grande alcance prático: quem quiser
demonstrar o contrário é que tem o ónus da prova; o que, ressalvado o
caso de haver posse mais antiga, será difícil visto estas presunções
estarem associadas a documentos autênticos”.[7]
Centremo-nos, especificamente, na problemática da escritura de
justificação notarial. Acompanhado, pari passu, José Alberto Vieira, em
anotação ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) n.º
1/2008, de 04-12-2007, “quando o interessado pretende promover o
registo de qualquer um destes factos [v.g., usucapião] está obrigado a
providenciar um título escrito para ele (art. 43.º, n.º 1, do CRgP). Ora,
dentro dos meios dispostos pela ordem jurídica portuguesa para este
efeito, das três uma: - Recorre a juízo para obter a declaração judicial
do facto a registar; - Promove a celebração de uma escritura pública de
justificação notarial; - Instaura processo de justificação registal, nos
termos do Código do Registo Predial (arts. 116.º e segs.)”.[8]
Concretamente, a escritura de justificação notarial “tem por escopo
providenciar aos interessados um meio de titulação de factos jurídicos
relativos a imóveis que ou não possam ser provados pela forma original
ou cuja eficácia se desencadeia legalmente sem necessidade de
observância de forma escrita, como a usucapião ou a acessão”.[9]
A justificação notarial associa-se, pois, à dinâmica do registo predial –
art. 116.º, n.º 1, do CRP –, mormente à prova documental do facto
jurídico a registar, imprescindível para o registo – cf. art. 43.º, n.º 1, do
mesmo diploma.

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Em rigor, a justificação é uma solução pensada para resolver problemas


de falta de título, por extravio ou destruição do mesmo ou para permitir
a inscrição com base numa aquisição originária da propriedade, por
usucapião ou acessão – cf. Acórdão do STJ, de 17-12-2014, Proc. n.º
5169/11.6TBSXL.L1.S1.[10] Reduzida a escritura pública, constitui,
por conseguinte, um documento autêntico que faz prova plena do facto
jurídico que titula – cf. arts. 363.º, n.º 2, e 371.º, n.º 1, ambos do CC.
Evidentemente, como qualquer outro acto jurídico, também a escritura
de justificação notarial é passível de ser impugnada judicialmente, por
parte de quem tenha legitimidade, tendo-se discutido na jurisprudência,
nessa eventualidade, se os justificantes, cuja aquisição é contestada,
beneficiariam da presunção de titularidade do direito de propriedade
prevista no art. 7.º do CRP.
Nessa sequência, o STJ uniformizou jurisprudência, no AUJ n.º 1/2008,
no sentido que: “Na acção de impugnação de escritura de justificação
notarial prevista nos arts. 116.º, n.º 1, do CRP e 89.º e 101.º do CNot,
tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do
direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no
registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos
factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da
presunção do registo decorrente do art. 7.º do CRP”.[11]
Ou seja, em face da jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal,
o titular inscrito com base em facto aquisitivo – v.g., situação de
usucapião – titulado por escritura de justificação notarial tem o encargo
probatório de demonstrar a aquisição e validade do seu direito, não
beneficiando da presunção de titularidade registal emergente do art. 7.º
do CRP.
Com efeito, consubstanciando a impugnação da escritura de justificação
uma acção de simples apreciação negativa – cf. art. 10.º, n.ºs 2 e 3, al.
a), do NCPC (2013) –, deve salientar-se a regra probatória civilística,
vertida no n.º 1 do art. 343.º do CC, segundo a qual: “Nas acções de
simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova
dos factos constitutivos do direito que se arroga”.
Indo ao caso em litígio, era sobre os réus CC e DD que impendia o ónus
de revelarem probatoriamente os factos necessários à demonstração do
seu direito.
Diga-se que são desfasadas as conclusões da recorrente que pretendiam
retirar do silêncio daqueles réus um resultado processual em termos de
efeito cominatório/confessório; na realidade, pelo facto dos réus CC e
DD estarem ausentes em parte incerta e ter sido desencadeada a sua
citação edital – cf. fls. 127 e segs. –, permanecendo os mesmos em
revelia absoluta, tal revelia revela-se totalmente inoperante ex vi da al.
b) do art. 485.º do CPC (vigente aquando da propositura da acção), e
actualmente do art. 568.º, al. b), do NCPC (2013), assim precludindo o
efeito cominatório semipleno da revelia.
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17/02/23, 19:31 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Rigorosamente, a revelia é inoperante porque tendo havido citação


edital – cf. art. 233.º, n.º 1, do CPC revogado (art. 225.º, n.º 1, do NCPC
(2013)) –, os réus ausentes não constituíram mandatário judicial no
prazo de contestação e permaneceram na situação de revelia absoluta –
cf. arts. 484.º, n.º 1, e 485.º, al. b), 2.ª parte, do CPC revogado (arts.
567.º, n.º 1, e 568.º, al. b), 2.ª parte, do NCPC) –, e porque, por outro
lado, tendo a citação edital ocorrido em virtude da ausência dos
citandos em parte incerta – cf. arts. 233.º, n.º 6, e 248.º, ambos do CPC
revogado (arts. 225.º, n.º 6, e 240.º do NCPC) –, o Ministério Público,
chamado a deduzir oposição, nos termos do art. 15.º, n.º 1, do CPC
revogado (actual art. 21.º, n.º 1, do NCPC) não contestou a acção.
Por esse motivo, foi absolutamente correcta a opção do tribunal em
levar à base instrutória os factos necessários à demonstração do direito
substantivo que suportariam a alegação vertida na escritura de
justificação notarial, isto é, os factos vertidos nos arts. 29.º a 32.º, que
foram aditados à base instrutória no decurso da audiência final – cf. fls.
453.
Deveriam, pois, os réus provar as características da posse
imprescindíveis à verificação da usucapião, sendo certo que a lei intima
o(s) justificante(s) a, logo na respectiva escritura, indicar(em) “as
circunstâncias de facto que determinam o início da posse”, bem como
as que “consubstanciam e caracterizam a posse” – art. 89.º, n.º 2, do CN
–, não sendo suficiente a menção de conceitos jurídicos abstractos para
atribuir à posse as qualidades para usucapir, devendo aludir-se às
circunstâncias e aos actos materiais caracterizadores daquela posse e
aos factos concretos que permitam ilustrar as características da mesma.
[12]
Como é sabido, a usucapião é, por excelência, o modo de aquisição de
direitos reais e tem efeitos retroactivos à data do início da posse – art.
1288.º do CC –, consistindo a posse no poder que se manifesta quando
alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de
propriedade ou de outro direito real, tanto podendo ser exercida
pessoalmente como por intermédio de outrem. Em caso de dúvida
presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo
do disposto no n.º 2 do art. 1257.º do CC – cf. arts. 1251.º e 1252.º, n.ºs
1 e 2, do CC.
Esta pode ser titulada, de boa ou de má-fé, pacífica ou violenta, pública
ou oculta – art. 1258.º do CC. Diz-se titulada, a posse fundada em
qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente quer do direito
do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico; o
título não se presume, devendo a sua existência ser provada por aquele
que o invoca – cf. art. 1259.º do CC.
Adquire-se a posse pela prática reiterada, com publicidade, dos actos
materiais correspondentes ao exercício do direito, pela tradição material
ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor, por constituto
possessório, por inversão do título de posse – cf. art. 1263.º do CC.
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Mantida a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de


gozo, por certo lapso de tempo, é facultada ao possuidor, salvo
disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício
corresponde a sua actuação. Trata-se da usucapião – art. 1287.º do C.C.
Para conduzir à usucapião, a posse tem de revestir sempre duas
características: ser pública e pacífica – a boa ou má-fé e a existência ou
não de título influem apenas no prazo para a aquisição do direito de
propriedade.
Aqui chegados, constata-se que os primeiros réus, CC e DD, que
outorgaram a escritura de justificação notarial – através da procuradora
SS – no dia 30-12-2008, não lograram provar nenhum dos factos
relevantes cujo ónus da prova lhes competia: com efeito, quedou por
ficar demonstrado que aqueles réus compraram verbalmente, no ano de
1977, o imóvel em litígio; que desde essa data os ditos réus tenham
habitado a casa existente naquele prédio, usufruindo de todas as suas
utilidades; que tenham cultivado e colhido os frutos da parte rústica e
suportado os respectivos custos e impostos; e que esses factos tenham
sido praticados sem a oposição de quem quer que seja, com
conhecimento de toda a gente e na convicção de exercerem sobre o
aludido prédio o respectivo direito de propriedade.
Salienta-se, todavia, que esta falta de prova, não permitindo concluir
pela falsidade das declarações proferidas naquele documento autêntico
– conforme se exarou (correctamente, aliás) no acórdão recorrido –, não
permite, porém, compreender e acompanhar o raciocínio aí vertido
seguidamente.
Escreveu-se, a este propósito, no aresto sob recurso: “(…) percorrida a
matéria de facto fixada, não se vê que tenha sido julgada provada a
falsidade dos fundamentos da justificação notarial. Dessa matéria
apenas resulta que tais fundamentos, aditados à base instrutória no
decurso da audiência de julgamento, foram julgados não provados, não
decorrendo daí a sua falsidade. Que também não resulta demonstrada
por qualquer outro meio, designadamente, de qualquer outro facto
julgado provado./Pois que, segundo se julga, não ficou provado
qualquer facto incompatível com qualquer dos fundamentos alegados
na escritura de justificação e que, por isso, permitisse afirmar essa
falsidade. Os factos que poderiam relevar nesse sentido eram os
alegados pela autora para fundar a aquisição, em seu favor, do direito
de propriedade sobre o prédio, por usucapião. Mas, dessa factualidade
apenas foi julgado provado, em resposta ao art. 7.º da BI, que a autora,
antes e depois do óbito de RR, ocorrido a 23 de Abril de 1992, cultivou
parte do prédio dos autos, recolhendo os seus frutos, à frente e com o
conhecimento de toda a gente. O que, segundo se julga, não é
incompatível com os fundamentos da justificação./ Parecendo, resultar
mesmo da discussão da prova produzida que a posse do prédio tinha
sido transmitida, no ano de 1977, ou antes, para a referida RR, de
quem os justificantes eram sucessores, que, assim, podiam juntar à sua
posse a posse da antecessora./ Como quer que seja, julga-se que a
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matéria de facto assente não permite concluir que as declarações que


integram a escritura de justificação sejam falsas, não estando, assim,
verificado o fundamento pelo qual foi declarada a nulidade dessa
justificação. Até pode ter resultado outra coisa da discussão da causa,
mas a decisão está limitada pela matéria de facto fixada, e esta não
permite afirmar que a justificação notarial assentou em declarações
falsas” (sic).
O trecho acima reproduzido parece inculcar a ideia de que para os
Senhores Juízes Desembargadores, subscritores do acórdão recorrido, a
impugnação da justificação notarial só procederia se os factos ali
vertidos fossem falsos, o que não resulta, minimamente, da lei.
Trata-se de uma afirmação sem suporte legal, incompreensível e que
não pode ser acompanhada.
Com efeito, recorda-se, a justificação notarial para estabelecimento de
trato sucessivo – art. 116.º, n.º 1, do CRP – consiste numa declaração,
feita pelo interessado, em que este se afirma, com exclusão de outem,
titular do direito que se arroga, especificando a causa da sua aquisição e
aludindo aos motivos que o impossibilitam de comprovar aquele direito
pelos meios normais e, quando for alegada a usucapião, devem ser
mencionados expressamente os factos que determinaram o início da
posse, bem como os que consubstanciam e caracterizam a posse
geradora da usucapião.[13]
Ora, fazendo a escritura de justificação notarial prova plena da
declaração efectuada perante o oficial público, não a faz, porém, da
verdade dessa declaração – arts. 371.º, n.º 1, e 372.º, n.º 1, do CC.
Por isso, enfatiza-se, perante a impugnação judicial do teor das
declarações escrituradas, competia aos réus provarem o conteúdo
substantivo dos factos ali vertidos, agora em sede de julgamento, tal
como se detalhou supra – cf. art. 343.º, n.º 1, do CC.
Em todo o caso, decorrendo da procedência da impugnação judicial da
justificação notarial a conclusão da desconformidade das declarações
formalizadas na escritura pública à luz da realidade constatável, forçoso
é concluir que aquela escritura, não podendo ser apodada de falsa no
seu conteúdo declaratório, é, tão só, probatoriamente insuficiente para a
demonstração dos eventos que ali se afirmaram e que suportavam a
usucapião.
Harmonicamente, acolhendo por inteiro a jurisprudência vertida no AUJ
n.º 1/2008, não tendo os réus CC e DD observado o encargo probatório
de demonstrar os requisitos da usucapião, tem de se considerar
procedente a impugnação daquela escritura, sem que contudo esteja
apontada uma qualquer situação de falsidade, o que, todavia, não
inquina a procedência do pedido impugnatório.
Daqui decorre, por fim, que tendo a autora pedido que se declarasse
nula a escritura de justificação notarial, outorgada em 30-12-2008, com
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fundamento em falsidade das afirmações justificatórias constantes da


mesma, mas não figurando a falsidade entre as causas típicas de
nulidade dos actos notariais, previstas nos arts. 70.º e 71.º do CN, se
está em face dum caso de erro na qualificação jurídica do efeito
pretendido.
E, por conseguinte, é permitido ao tribunal corrigir oficiosamente esse
erro e declarar a ineficácia da escritura de justificação notarial,
conforme resulta do art. 664.º do CPC revogado, e actualmente do art.
5.º, n.º 3, do NCPC – cf. AUJ n.º 3/2001, de 23-01-2001, publicado no
DR I Série A, de 09-02-2001.
Aliás, neste preciso sentido e acolhendo a mesmíssima solução – a
propósito de situações de impugnação judicial de escrituras de
justificação notarial –, vide os Acórdãos do STJ, de 08-02-2011, Proc.
n.º 2565/07.7TBMTS.P1.S1, e de 06-10-2011, Proc. n.º 399/1999.E1.S1
(ambos inéditos).
Conclui-se, assim, ao contrário do que sentenciou o acórdão recorrido,
pela ineficácia da sobredita escritura de justificação notarial, o que
impõe a revogação do acórdão recorrido, procedendo, nesta parte, a
revista, com as consequências que se passam a analisar no ponto
subsequente.
B2. Do acima exposto, torna-se claro que a Relação não andou bem ao
considerar improcedente o pedido de declaração de nulidade da
escritura de justificação notarial, daí concluindo pela prejudicialidade
de análise das demais questões que foram suscitadas na apelação,
designadamente, aquelas que constam do relatório do aresto recorrido, a
fls. 575, a saber:
“- Provada a boa fé dos réus apelantes, que adquiriram com base no
registo, não podem os mesmos ser prejudicados pela declaração de
nulidade do registo da aquisição do prédio a favor do demais réus, por
força do regime estabelecido no n.º 2 do artigo 17.º do Código do
Registo Predial.
- Mesmo aplicando no caso o regime estabelecido no art. 291.º do C.
Civil, a presente acção foi registada mais de três anos depois do registo
da aquisição em favor do réu FF, pelo que, estando este adquirente de
boa fé, não lhe era oponível a declaração de nulidade da escritura de
justificação”.
Ou seja, alterado em sede de revista o entendimento do acórdão
recorrido quanto à primeira questão, atinente à nulidade, rectius,
ineficácia da escritura de justificação notarial, o que implica a
revogação da decisão recorrida, impõe-se, necessariamente, a avaliação,
interpretação e qualificação das demais questões suscitadas na apelação,
para, a final, poder decidir-se se procedem ou não os demais pedidos
formulados.

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Não se tendo a Relação pronunciado sobre as questões antes


enunciadas, surge, assim, o problema de saber se deve este Supremo
Tribunal substituir-se à Relação no conhecimento das ditas questões,
nos termos do disposto no art. 665.º, n.ºs 2 e 3, do NCPC (2013) –
equivalente, ao revogado art. 715.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, na redacção
introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24-08.
A problemática jurídica equacionada, que se afigurava duvidosa à luz
do CPC revogado, tal como dá conta, por exemplo, o Acórdão do STJ,
de 20-20-2009, Proc. n.º 1433/07.7TBBRG.S1, está hoje clarificada na
lei.
Contrariamente ao art. 726.º do CPC revogado, que ao ressalvar apenas
o n.º 1 do art. 715.º, parecia inculcar a ideia de que o STJ, se dispusesse
de todos os elementos, devia substituir-se à Relação e proferir decisão
sobre o mérito do recurso, conhecendo das questões que esta não
apreciou por as julgar prejudicadas pela solução dada ao litígio, o actual
art. 679.º do NCPC afasta da aplicação à revista a totalidade do art.
665.º (correspondente ao revogado art. 675.º).
Parafraseando Abrantes Geraldes: “No NCPC, o art. 679.º exclui a
aplicação remissiva de todo o preceituado no art. 665.º, incluindo o n.º
2 que trata das aludidas situações que no CPC anterior constavam do n.º
2 do art. 715.º./Tal significa que foi retirada a possibilidade do
Supremo Tribunal de Justiça se substituir de imediato à Relação,
devendo agir do seguinte modo: a) Detectada alguma nulidade decisória
que afecte o acórdão recorrido, o STJ, de acordo com o prescrito pelo
art. 684.º, nuns casos (als. c) e e) e 2.ª parte da al. d), do art. 615.º),
decidirá em regime de substituição, noutros casos, maxime quando a
nulidade corresponder a omissão de pronúncia, limitar-se-á a cassar a
decisão, remetendo os autos para a Relação; b) Quando o acórdão da
Relação não estiver afectado por uma nulidade, mas dele emergir que
não apreciou determinada questão, por considerá-la prejudicada pela
solução então encontrada, se tal acórdão for revogado, impõe-se a
remessa dos autos à Relação, para que nesta sejam apreciadas em
primeira mão as questões omitidas”.[14]
Aliás, só desta forma se assegurará, substancialmente, o duplo grau de
jurisdição.
Deve, assim, a Relação, em concreto e de forma detalhada, debruçar-se
sobre as várias e sucessivas transmissões do bem imóvel que foram
realizadas, em favor dos demais réus e intervenientes, na sequência da
primeira inscrição registal, bem como sobre a validade da oneração
daquele imóvel a favor da entidade bancária, tendo em atenção as
pertinentes normas civilísticas e do registo predial, designadamente os
já mencionados arts. 5.º e 17.º, n.º 2, do CRgP e 408.º e 291.º do CC,
sem prejuízo de outros normativos que se revelem pertinentes na
ponderação e subsunção jurídico-factual do litígio.

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Tudo visto, e sem mais tergiversações, devem, por isso, os autos baixar
à Relação para aí serem conhecidas das demais questões omitidas,
partindo da decisão aqui fixada, em sede de revista, de que a escritura
pública de justificação notarial é ineficaz.
C - Compilam-se, assim, as seguintes conclusões:
- As acções reais não se podem fundar, por norma e exclusivamente, na
invocação de um título de aquisição derivada, uma vez que as formas de
aquisição derivada não geram, por si só, o direito de propriedade, sendo
apenas translativas dele, operando a sua modificação subjectiva.
- O registo predial, cujo objecto são factos jurídicos, tem por escopo
principal dar a conhecer aos interessados a situação jurídica do bem,
garantindo a segurança e genuinidade das relações jurídicas que sobre
ele incidam, assegurando que, em regra, a pessoa que se encontra
inscrita adquiriu validamente esse direito e com esse direito
permanecerá para os seus futuros adquirentes.
- A escritura de justificação notarial, documento autêntico, constitui um
dos modos necessários para o estabelecimento do trato sucessivo no
registo predial, permitindo aos interessados titular factos jurídicos
relativos a imóveis que não possam ser provados pela forma original ou
cuja eficácia se desencadeia legalmente sem necessidade de forma
escrita, como a usucapião ou a acessão.
- Impugnada judicialmente a escritura de justificação notarial, impende
sobre o justificante, na qualidade de réu, o ónus da prova da aquisição
do direito de propriedade e da validade desse direito, nos termos do art.
343.º, n.º 1, do CC, sem que possa beneficiar da presunção registal
emergente do art. 7.º do CRgP.
- Em caso de invocação de aquisição por usucapião, o justificante tem
de provar as características da posse imprescindíveis à verificação
daquele modo de aquisição originária do direito de propriedade,
devendo indicar, logo na escritura, as circunstâncias de facto que
determinam o seu início e que consubstanciam e caracterizam essa
posse, não sendo suficiente a mera alusão a conceitos jurídicos
abstractos para atribui à posse as qualidades para usucapir.
- Na falta dessa prova, e mesmo que não se possa concluir pela
falsidade das declarações vertidas na escritura de justificação, a acção
de impugnação deverá proceder, atendendo à insuficiência probatória de
factos que permitam suportar a usucapião (ou outro modo de aquisição
originária), devendo, a final, ser declarada não a nulidade, mas sim a
ineficácia da escritura de justificação notarial.
- Procedendo a revista quanto à impugnação judicial da escritura de
justificação notarial e tendo sido omitida pronúncia quanto às demais
questões suscitadas na apelação, deverá ser ordenada a baixa do
processo ao tribunal recorrido, para exame das questões cuja análise
ficara prejudicada, tal como decorre da norma do art. 679.º do NCPC

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(2013), assim se assegurando plenamente, aliás, o duplo grau de


jurisdição.
III.
Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça
em:
Julgar procedente a revista, declarando a ineficácia da escritura de
justificação notarial outorgada em 30-12-2008, assim revogando o
acórdão recorrido;
Ordenar a baixa do processo ao tribunal recorrido para que aí, pelos
mesmos Senhores Juízes Desembargadores, sejam apreciadas as demais
questões cuja solução foi omitida naquele acórdão, por então terem sido
consideradas prejudicadas, tudo nos moldes acima assinalados.
Custas a fixar a final de acordo com o vencimento ou decaimento.
Lisboa, 9 de Julho de 2015
Martins de Sousa (Relator)

Gabriel Catarino

Maria Clara Sottomayor


________________________
[1] Vejam-se, por ex., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 16-06-1983, anotado por
Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 120.º, pág. 208 e segs.; e de 29-04-
1992, anotado por Henrique Mesquita, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 125.º, pág. 86
e segs..
[2] A este respeito, cf. Santos Justo, Direitos Reais, 4.ª edição, 2012, pág. 67 e segs..
[3] Antunes Varela, anotação ao Acórdão do STJ, de 4 de Março de 1982, Revista de Legislação e
Jurisprudência, ano 118.º, pág. 315 (cf. págs. 282-288 e 307-316).
[4] Op. cit. pág. 83. Este autor expõe nesta sua obra, nas págs. 80 a 84 as várias posições que têm
existido a respeito do cotejo dos preceitos legais contidos nos mencionados arts. 291.º do CC e 17.º,
n.º 2, do CRgP.
[5] Prática Notarial, 2001, pág. 339.
[6] Neste sentido, cf. Luís Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 1997, pág. 119.
[7] Terceiros para efeitos do artigo 5.º do Código do Registo Predial, “Boletim da Faculdade de
Direito – Universidade de Coimbra”, 2003, págs. 399/400.
[8] José Alberto Vieira, Registo de usucapião titulada por escritura de justificação notarial e
presunção de titularidade do direito – Anotação ao AUJ n.º 1/2008, de 04-12-2007, Cadernos de
Direito Privado, n.º 24, Outubro/Dezembro de 2008, pág. 37 (págs. 21 a 42).
[9] De novo, José Alberto Vieira, op. cit., pág. 37.
[10] Acórdão relatado pela aqui 2.ª adjunta e inédito.
[11] Diário da República, 1.ª série, n.º 63, de 31-03-2008, págs. 1871-1879. Esta jurisprudência
permanece actual e tem sido acompanhada nos arestos mais recentes do STJ, designadamente nos
seguintes Acórdãos – todos publicados nas bases de dados do IGFEJ: de 27-01-2010, Proc. n.º
2319/04.2TBGDM.P1.S1, de 07-04-2011, Proc. n.º 569/04.0TCSNT.L1.S1, de 13-09-2011, Proc.
n.º 1027/06.4TBSTR.E1.S1, e de 19-02-2013, Proc. n.º 367/2002.P1.S1, entre muitos outros.
[12] Neste sentido, Mouteira Guerreiro, Temas de Registos e de Notariado, 2010, págs. 117/118.
[13] Cf. art. 89.º, n.ºs 1 e 2, do CN.
[14] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, 2014, pág. 375.

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