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25/10/23, 17:53 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


Processo: 7787/12.6TBSTB.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: VENDA DE BENS ALHEIOS
INEFICÁCIA DO NEGÓCIO
BOA -FÉ
TERCEIRO
DESCRIÇÃO PREDIAL
DUPLICADO
REGISTO PREDIAL
INCONSTITUCIONALIDADE
FÉ PÚBLICA
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
TRANSMISSÃO DE DIREITO REAL
DIREITO SUBSTANTIVO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 06-12-2018
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO
JURÍDICO / NULIDADE E ANULABILIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO /
INOPONIBILIDADE DA NULIDADE E DA ANULAÇÃO.
Doutrina:
- Maria Clara Sottomayor, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Lisboa, 2014, p. 722 e
ss. e 726 ; Invalidade e Registo, A Protecção do Terceiro Adquirente de Boa Fé, Coimbra,
2010, p. 882;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 4.ª edição, Coimbra,
1997, p. 183 a 185.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 291.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 2.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 1/2017, DE 23-02-2016,


PROCESSO N.º 1373/06.7TBFLG.G1.S1-A, IN DR, I SÉRIE, N.º 38/2017, DE 22-02-2017 E
WWW.DSGI.PT;
- ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 1/2008, DE 04-12-2007,
PROCESSO N.º 07A2464, DR, I, N.º 63, DE 31-03-2008 E WWW.DGSI.PT;
- DE 05-07-2007, PROCESSO N.º 07B1361, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 16-11-2010, PROCESSO N.º 42/2001.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 29-03-2012, PROCESSO N.º 2442/05.8TBVIS.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 01-08-2015, PROCESSO N.º 129/11.0TCGMR.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 19-04-2016, PROCESSO N.º 5800/12.6TBOER.L1-A.S1, IN WWW.DGSI.PT.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 362/2002, PROCESSO N.º 403/2002, DE 17-09-2002;


- ACÓRDÃO N.º 363/2002, PROCESSO N.º 404/2002, DE 17-09-2002, AMBOS IN
WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT.
Sumário :
I - Verificada uma situação de dupla descrição de um mesmo prédio no
registo predial e de inscrições de actos de aquisição, a favor de
adquirentes diferentes, lançados em ambas as descrições, a
determinação de qual é o direito que prevalece resulta das regras do
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direito substantivo aplicável – no caso, o regime da venda de bens


alheios –, e não dos princípios registais.
II - Impugnada eficazmente a escritura de justificação notarial da
aquisição da propriedade de um determinado imóvel por usucapião, a
sua venda pelos justificantes, que não lograram provar a usucapião, não
transfere o direito de propriedade; tal como a não transfere a permuta
que se lhe seguiu.
III - A protecção conferida pelo art. 291.º do CC a terceiros adquirentes
a título oneroso e de boa fé não se aplica em casos de ineficácia do acto
aquisitivo, como sucede, em relação ao verdadeiro proprietário, com a
venda de coisa alheia.

IV - Basta considerar que a dupla descrição do mesmo prédio anula a


protecção que o terceiro poderia pretender retirar da inscrição no registo
da sua aquisição a non domino para afastar a alegação de
inconstitucionalidade por violação do princípio constitucional do
Estado de Direito.
Decisão Texto Integral: Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA instaurou uma acção contra BB e mulher, CC, DD e mulher, EE,


FF e Banco GG, S.A. (entretanto substituído por Banco HH, SA),
pedindo que fosse

“a) declarado que o A. é o único e legítimo dono do prédio urbano sito


na Rua … e Rua da …., lotes 44 e 45, com a área de 653 m2, freguesia
…, concelho de S…, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de
S… sob a ficha nº 1…6/19…5 da freguesia de … e inscrito na matriz
predial urbana da mesma freguesia sob o artigo nº 2.628;
b) declarado que os prédios descritos na 1ª Conservatória do Registo
Predial de S… sob as fichas 3…5/20…6 e 3…4/20…1, ambas da
freguesia de …, actualmente inscritos na mesma Conservatória a favor,
respectivamente, do R. FF e dos RR. BB e mulher CC, constituem
fisicamente o prédio identificado na alínea antecedente;
c) ordenado o cancelamento das referidas descrições prediais sob as
fichas 3…5/20…6 e 3…4/20…1, ambas da freguesia de …, da 1ª
Conservatória do Registo Predial de S…, bem como de todos os
registos respeitantes a tais descrições e que se encontrem em vigor,
nomeadamente o registo de hipoteca voluntária objecto da
apresentação 2873 de 14 de Março de 2012, em que figura como
sujeito activa o R. Banco GG, S.A.;
d) condenados os RR. FF, BB e mulher CC a demolir a construção
edificada no prédio identificado na alínea a) supra;

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e) condenados FF, BB e mulher CC a restituírem ao A., livre e devoluto


de pessoas e bens, o prédio identificado na alínea a) supra; e
f) condenados os RR. FF, BB e mulher CC a pagar ao A. indemnização
a liquidar no futuro pelos danos e lucros cessantes emergentes da
ilícita ocupação que fazem e venham a fazer do prédio identificado na
alínea a) supra até à sua restituição.”
Para o efeito, e em síntese, alegou que o lote de terreno identificado no
pedido a), com a área de 635m², foi comprado por seus pais e,
posteriormente (escritura de 17 de Julho de 1992), foi-lhe doado; que,
por escrituras de justificação notarial de 9 de Abril e de 3 de Novembro
de 2008, os réus BB e mulher, CC, declararam ser proprietários, por os
terem adquirido por usucapião, de dois prédios urbanos (lotes 44 e 45),
que, na realidade, “constituem fisicamente” o prédio do autor; que as
declarações constantes dessas escrituras não correspondem à verdade;
que, em 23 de Julho de 2008, os réus BB e mulher, CC, venderam o lote
44 à sociedade II - Construção Civil. Lda, de que eram “os únicos
sócios e os únicos gerentes”, que, em 14 de Março de 2012, II -
Construção Civil. Lda., cedeu, por permuta, a moradia que edificara no
lote 44 ao réu FF, que registou a aquisição e hipotecou o prédio a favor
do Banco GG, S.A., para garantia de um empréstimo; que a sociedade
II - Construção Civil. Lda. foi “dissolvida e encerrada a sua
liquidação”, sendo que, à data da dissolução, “os seus únicos sócios”
eram os réus DD e mulher, EE; que o lote 45 foi posto à venda pelos
réus BB e mulher, CC.
Sendo vendas a non domino, diz ainda o autor, são ineficazes em
relação a ele; a construção do edifício que II - Construção Civil. Lda.
implantou em parte do seu prédio foi realizada de má fé e, portanto, não
pode ser invocada a aquisição do solo por acessão; que a ocupação
ilegítima do seu prédio por parte dos réus BB e mulher, CC, e FF lhe
provoca prejuízos “decorrentes da impossibilidade de mobilizar
lucrativamente o local reivindicado”.
O Banco GG, S.A., Sociedade Aberta, contestou, sustentando ser
terceiro de boa fé, desconhecendo “qualquer facto que pudesse ou
possa pôr em causa a propriedade do R. FF” quanto ao imóvel
hipotecado em seu favor, hipoteca sem a qual não teria celebrado o
mútuo. Invocou em sua defesa o disposto no nº 2 do artigo 17º do
Código do Registo Predial, uma vez que se encontrava registada a
aquisição da propriedade por parte dos mutuários, aquisição essa que
foi onerosa, e que a hipoteca também foi registada antes da declaração
de nulidade ”do registo de aquisição do prédio a favor do 3º R.”
Também contestou FF, por impugnação e por excepção; e deduziu
reconvenção. Em síntese, sustentou ser um terceiro de boa fé,
adquirente a título oneroso, “totalmente alheio às circunstâncias em
que os anteriores proprietários do imóvel (…) adquiriram o mesmo”;
disse ainda que, não sendo peticionada e declarada a nulidade da
escritura de justificação notarial com base na qual os réus BB e mulher,
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CC, registaram o imóvel a seu favor”, “a mesma mantém-se válida e


eficaz, e, reflexamente, todos os registos posteriores ao registo
efectuado a favor dos RR. BB, CC”, como é o caso do registo de
aquisição em seu favor; que “decorreram mais de três anos sobre a
primeira transmissão do prédio após a justificação notarial”; que,
apesar de o autor alegar que há “duplicação de registos predicais e de
inscrições matriciais sobre a mesma realidade física, o mesmo prédio,
que foi adquirido” por si, a verdade é que “o prédio não é o mesmo”;
que, de qualquer forma, tem a posse do prédio, “que já existia na esfera
da transmitente, e cuja tradição material ocorreu”, gozando da
presunção de propriedade.
Em reconvenção, invocando aquisição por usucapião e,
subsidiariamente, por acessão industrial imobiliária, e ainda a protecção
que lhes é conferida, quer pelo º 2 do artigo 17º do Código do Registo
Predial, quer pelo artigo 291º do Código Civil, o réu FF pediu que o
autor fosse condenado a
– “Reconhecer o reconvinte como legítimo proprietário do prédio
descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o nº 3…
5, da freguesia de …, e inscrito na matriz predial respectiva sob o
artigo 6134º; ou, caso tal se não entenda, subsidiariamente,
– A reconhecer esse mesmo direito de propriedade, mediante o
recebimento da quantia de € 23.000,00”.
Também contestaram e deduziram reconvenção os réus BB e mulher,
CC. Alegaram ter adquirido os lotes 44 e 45, que sustentam não
corresponder ao prédio do autor, por compra verbal, a JJ e mulher, KK,
em 1986 e 1987, respectivamente; terem logo entrado na sua “posse e
fruição”, e vindo a adquirir a propriedade por usucapião e vendido
legitimamente à sociedade II - Construção Civil. Lda.
Em reconvenção, pedem que o autor “seja condenado a reconhecer os
RR/Reconvintes como legítimos e exclusivos possuidores e
proprietários do prédio urbano (…), com a área de 345 m², descrito
sob o nº 3…4 na 1ª Conservatória do registo Predial de S…, com
inscrição a favor dos reconvintes (…)” e que foram “legítimos e
exclusivos possuidores e proprietários, até 23 de Julho de 2008 (data
da venda à ‘II) do prédio urbano (…) com a área de 308 m², descrito
sob o nº 3…5 na 1ª Conservatória do registo predial de S…, com
inscrição a favor dos reconvintes (…)”.
A fls. 287, vº, Banco HH veio requerer a sua intervenção no processo,
em substituição do réu Banco GG, S.A..
O autor apresentou réplica, respondendo às contestações, às
reconvenções e ampliando o pedido, que passou a ser:
“a) declarado que o A. é o único e legítimo dono do prédio urbano sito
na Rua … e Rua da …, lotes 44 e 45, com a área de 653 m2, freguesia
de …, concelho de S…, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial

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de S… sob a ficha nº 1…6/19…5 da freguesia de … e inscrito na matriz


predial urbana da mesma freguesia sob o artigo nº 2.628;
b) declarado que os prédios descritos na 1ª Conservatória do Registo
Predial de S… sob as fichas 3…5/20…6 e 3…4/20…1, ambas da
freguesia de …, actualmente inscritos na mesma Conservatória a favor,
respectivamente, do R. FF e dos RR. BB e mulher CC, constituem
fisicamente o prédio identificado na alínea antecedente;
c) ordenada a inutilização das referidas descrições prediais sob as
fichas 3…5/20…6 e 3…4/20…1, ambas da freguesia de …, da 1ª
Conservatória do Registo Predial de S…, em consequência da sua
duplicação relativamente à precedente descrição predial sob a ficha nº
1…6/19…5/freguesia de … da 1ª Conservatória do Registo Predial de
S…;
d) declarada a ineficácia das escrituras de justificação notarial
outorgadas pelos RR. BB e mulher no Cartório Notarial de S… da
notária LL em 9 de Abril de 2008 e em 3 de Novembro de 2008
(lavradas, respectivamente, de folhas 34 a 35 verso do Livro 154-A e de
folhas 126 a 127 verso do Livro 174-A), considerando-se impugnadas,
para todos os efeitos legais, tais escrituras, e, bem assim, os actos delas
constantes;
e) declarada a ineficácia do acto titulado pela escritura de compra e
venda celebrada entre os RR. BB e mulher, CC, na qualidade de
vendedores, e a ‘II - Construção Civil. Lda.’ na qualidade de
compradora, no Cartório Notarial do Notário MM em 23 de Julho de
2008 e que foi lavrada de folhas 85 a 86 do Livro 182-A daquele
Cartório;
f) declarada a ineficácia dos actos de permuta e de mútuo com hipoteca
titulados pela escritura lavrada em 14 de Março de 2012 na
Conservatória do Registo Predial do S… (Processo 12128/2012), em
que figuram como intervenientes a II - Construção Civil. Lda. e os RR.
FF e Banco GG, S.A., hoje Banco HH, SA;
g) ordenado o cancelamento de todos os registos actualmente insertos
nas referidas descrições prediais sob as fichas 3…5/20…6 e 3…4/20..1,
ambas da freguesia de …, da 1ª Conservatória do Registo Predial de
S.., e que se encontrem em vigor, nomeadamente os registos de
aquisição que foram objecto das apresentações nº 10 de 26 de Maio de
2008 (em que figuram como sujeitos activos os RR. BB e mulher CC),
nº 1 de 24 de Julho de 2008 (em que figura como sujeito activo II -
Construção Civil. Lda.) e nº 2872 de 14 de Março de 2012 (em que
figura como sujeito activo o R. FF) e o registo de hipoteca voluntária
objecto da apresentação 2873 de 14 de Março de 2012 (em que figura
como sujeito activa o R. Banco GG, S.A, hoje Banco HH, SA), todos
eles respeitantes à referida descrição predial sob a ficha 3…5/20…
6/freguesia de …, e, bem ainda, o registo de aquisição relativo à
referida descrição predial sob a ficha 3…4/20…1/freguesia de … e que

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foi objecto da apresentação nº 2 de 11 de Dezembro de 2008 (em que


figuram como sujeitos activos os RR. BB e mulher CC);.;
h) condenados os RR. FF, BB e mulher CC a demolir a construção
edificada no prédio identificado na alínea a) supra;
i) condenados FF, BB e mulher CC a restituírem ao A., livre e devoluto
de pessoas e bens, o prédio identificado na alínea a) supra; e
j) condenados os RR. FF, BB e mulher CC a pagar ao A. indemnização
a liquidar no futuro pelos danos e lucros cessantes emergentes da
ilícita ocupação que fazem e venham a fazer do prédio identificado na
alínea a) supra até à sua restituição.”.
A ampliação foi admitida no despacho saneador (cfr. fls. 378)
Na sequência do convite de fls. 341, dirigido aos réus, FF deduziu o
incidente de intervenção provocada de NN, casada com o autor,
alegando que é necessária para assegurar a legitimidade passiva na
reconvenção que deduziu (fls. 343); o mesmo requereram BB e mulher,
CC, a fls. 345, v.
Pelo despacho de fls. 348, foi admitida a intervenção quanto ao
requerimento apresentado em primeiro lugar; mas a autora foi absolvida
da instância quanto ao segundo, por haver litispendência.

2. Pela sentença de fls. 434, a acção e os pedidos reconvencionais


foram julgados parcialmente procedentes. Foi decidido:
“a) Declarar nula e ineficaz a escritura pública de justificação
notarial, celebrada a 3 de Novembro de 2008, relativa à aquisição do
prédio/lote 45, com a área 345m2, pelos Réus BB e mulher CC,
ordenando o cancelamento dos registos de aquisição a favor destes
Réus.
b) - Condenar os Réus BB e mulher CC a reconhecerem os Autores
como únicos e exclusivos donos e proprietários do prédio urbano que
constitui o lote 45, sito na Rua …. tornejando com a Rua da E…,
composto de parcela de terreno com a área de 345 m2 para construção,
descrito na 1ª. Conservatória do Registo Predial de S… sob o nº1…
6/19…5 da freguesia de …, concelho de S…, inscrito na respectiva
matriz predial urbana sob o artº2628 da referida freguesia e concelho;
c) condenar os Réus BB e mulher CC a restituir aos Autores o prédio
livre de pessoas e bens de pessoas e bens;
d) Ordenar o cancelamento do registo de aquisição feito com base na
escritura pública de justificação notarial relativa ao prédio/lote nº. 45
a favor dos Réus BB e mulher CC, por constituir duplicação;
e) Declarar a inutilização do artigo matricial do prédio/lote nº. 45 a
favor dos Réus BB e mulher CC;

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f) Absolver os Réus dos demais pedidos contra si formulado pelos


Autores.
(…)
g) Reconhecer o Reconvinte FF como proprietário do prédio urbano
descrito na 1º. Conservatória de Registo Predial de S…, sob o nº. 3…
5/20…6, inscrito na matriz predial sob o artº.6143, da freguesia de …,
concelho de S….
h) absolver os reconvindos do demais pedido.”
Para assim decidir, o tribunal considerou que os réus BB e mulher, CC,
não conseguiram, nem fazer prova da aquisição originária dos prédios
de que se consideram proprietários, nem ilidir a presunção de
propriedade de que o autor beneficia, por efeito do registo definitivo a
seu favor.
Em particular, o tribunal considerou que, nas escrituras de justificação
notarial, estes réus “ficcionaram uma nova e paralela realidade predial
formal e material, porquanto o prédio já estava devidamente inscrito
nas Finanças e registado na competente Conservatória, fazendo
enfermar esse título de nulidade”.
Tal nulidade provoca a nulidade dos negócios “feitos à sombra do acto
nulo”; mas os réus FF e Banco HH, SA, terceiros de boa fé, beneficiam
da protecção que lhes é conferida pelo artigo 291º do Código Civil, o
que significa que se tem de reconhecer que FF é “legítimo
proprietário” do “prédio/lote nº 44”.
O pedido de indemnização foi julgado improcedente por não estarem
“indicados e provados quaisquer factos susceptíveis de revelar a
existência de dano real”.
Os autores recorreram para o Tribunal da Relação de …, impugnando
parcialmente a sentença.
Pelo acórdão de fls. 501, foi concedido provimento à apelação. A
sentença foi revogada “na parte impugnada” e alterada nestes termos:

“Pelo exposto, julga-se a acção procedente, e, consequentemente,


decide-se:
– Declarar que o A. é o único e legítimo dono do prédio urbano sito na
Rua … e Rua da …, lotes 44 e 45, com a área de 653 m2, freguesia de
…, concelho de S…, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de
S… sob a ficha n° 1…6/19…5 da freguesia de … e inscrito na matriz
predial urbana da mesma freguesia sob o artigo n.º 2.628;
– Declarar que os prédios descritos na 1ª Conservatória do Registo
Predial de S… sob as fichas 3…5/20…6 e 3…4/20…1, ambas da
freguesia de …, atualmente inscritos na mesma Conservatória a favor,

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respetivamente, do R. FF e dos RR. BB e mulher CC, constituem


fisicamente o prédio identificado na alínea antecedente;
– Ordenar a inutilização das referidas descrições prediais sob as fichas
3…5/20…6 e 3…4/20081211, ambas da freguesia de …, da 1ª
Conservatória do Registo Predial de S…, em consequência da sua
duplicação relativamente à precedente descrição predial sob a ficha n.º
1…6/19…5/freguesia de … da 1ª Conservatória do Registo Predial de
S…;
– Declarar a ineficácia das escrituras de justificação notarial
outorgadas pelos RR. BB e mulher no Cartório Notarial de S… da
Notária LL em 9 de abril de 2008 e em 3 de novembro de 2008
(lavradas, respetivamente, de folhas 34 a 35 verso do Livro 154-A e de
folhas 126 a 127 verso do Livro 174-A);
– Declarar a ineficácia do ato titulado pela escritura de compra e
venda celebrada entre os RR. BB e mulher, CC, na qualidade de
vendedores, e a II - Construção Civil. Lda., na qualidade de
compradora, no Cartório do Notário MM em 23 de julho de 2008 e que
foi lavrada de folhas 85 a 86 do Livro 182 A daquele Cartório;
– Declarar a ineficácia dos atos de permuta e de mútuo com hipoteca
titulados pela escritura lavrada em 14 de março de 2012 na
Conservatória do Registo Predial do S… (Processo 12128/2012), em
que figuram como intervenientes a II - Construção Civil. Lda. e os RR.
FF e Banco GG S.A., hoje Banco HH, S.A.
– Ordenar o cancelamento de todos os registos atualmente insertos nas
referidas descrições prediais sob as fichas 3…5/20…6 e 3…4/20…1,
ambas da freguesia de …, da 1ª Conservatória do Registo Predial de
S…, e que se encontrem em vigor, referentes aos registos de aquisição
que foram objeto das apresentações nº 10 de 26 de maio de 2008 (em
que figuram como sujeitos ativos os RR. BB e mulher CC), n° 1 de 24
de julho de 2008 (em que figura como sujeito ativo II - Construção
Civil. Lda.), e n° 2872 de 14 de março de 2012 (em que figura como
sujeito ativo o R. FF) e o registo de hipoteca voluntária que foi objeto
da apresentação 2873 de 14 de Março de 2012 (em que figura como
sujeito ativo o R. Banco GG, S.A., hoje Banco HH, S.A.), todos eles
respeitantes à referida descrição predial sob a ficha 3…5/20…
6/freguesia de …, e, bem ainda, o registo de aquisição relativo à
referida descrição predial sob a ficha 3…4/20…1/freguesia de … e que
foi objeto da apresentação n.º 2 de 11 de dezembro de 2008 (em que
figuram como sujeitos ativos os RR. BB e mulher CC);
– Condenar os RR. FF, BB e mulher CC a restituírem ao A., livre e
devoluto de pessoas e bens, o prédio urbano sito na Rua … e Rua da
…, lotes 44 e 45, com a área de 653 m2, freguesia de …, concelho de
S…, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de S… sob a ficha
n° 1…6/19…5 da freguesia de … e inscrito na matriz predial urbana da
mesma freguesia sob o artigo n.º 2.628;

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– Condenar os RR. FF, BB e mulher CC a pagar ao A. indemnização a


liquidar no futuro pelos danos e lucros cessantes emergentes da ilícita
ocupação que fazem e venham a fazer do prédio urbano sito na Rua …
e Rua da …, lotes 44 e 45, com a área de 653 m2, freguesia de …,
concelho de S…, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de
S… sob a ficha n° 1…6/19…5 da freguesia de … e inscrito na matriz
predial urbana da mesma freguesia sob o artigo n.º 2.628, até à sua
restituição;
– Condenar os RR. FF, BB e mulher CC a demolirem a construção
edificada no prédio urbano, alvo de restituição, sito na Rua … e Rua da
…, lotes 44 e 45, com a área de 653 m2, freguesia de …, concelho de
S…, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de S… sob a ficha
n° 1…6/19…5 da freguesia de … e inscrito na matriz predial urbana da
mesma freguesia sob o artigo n.º 2.628 (rectificação determinada pelo
acórdão de fls. 591);
– Julgar improcedentes as reconvenções e, em consequência, absolver
os AA/reconvindos do pedido.”

A Relação, baseando-se no acórdão deste Supremo Tribunal de 19 de


Abril de 2016, www.dgsi.pt, proc. nº 5800/12.6TBOER.L1-A.S1,
entendeu que, no caso, não se aplica o disposto no artigo 291º do
Código Civil, porque, “para funcionar a protecção conferida pelo artº
291º [do Código Civil], a cadeia de negócios inválidos tem que ser
iniciada pelo verdadeiro proprietário”; o que não sucedeu: “Vem
provado que o prédio referido sob o nº 3 corresponde aos prédios/lotes
44 e 45, prédio esse que ficou demonstrado ser propriedade dos
autores/recorrentes. No caso presente, está provado que os autores, na
qualidade de proprietários do lote 44, não tiveram qualquer
intervenção na venda que foi efetuada pelos 1ºs réus, BB e mulher CC
(tendo em conta a escritura de justificação notarial de compra e venda,
datada de 09/04/2008) à sociedade II - Construção Civil. Lda., e à
alienação que esta faz (depois de construir a moradia no lote em
questão) ao 3º réu FF.
A sociedade II sabia que os réus BB e mulher não eram donos desse
lote de terreno, pois estes eram os únicos sócios e gerentes da referida
sociedade, não podendo por isso ignorar que os lotes eram pertença de
outrem. Esta, sociedade, quando construiu a moradia sabia que estava
a construir em terreno que não pertencia aos vendedores.
As, venda e permuta terão de ser consideradas alienações de bens
alheios, pois os 1ºs réus e a II (esta no que respeita ao lote), alienaram
aquilo de que não eram donos, sendo tais atos nulos, nos termos do artº
892º do CC.”.
Relativamente ao verdadeiro proprietário do lote 44, a venda (ou
permuta), bem como a constituição da hipoteca, diz ainda a Relação,
são actos ineficazes; o que lhe permite reivindicar directamente o bem,

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sem ter que discutir a validade do acto de alienação (ou oneração)


“Sendo o negócio ineficaz em relação ao proprietário, redunda
irrelevante a invocação do disposto nos artºs 291º e 17º, nº 2 do CRP
(…)”
“Prevalece, portanto, o direito do proprietário: estando reconhecida a
propriedade dos autores sobre o prédio descrito na Conservatória do
Registo Predial de S…, dos lotes 44 e 45, com a área de 653 m2 a
restituição do prédio reivindicado só pode ser recusada nos casos
previstos na lei (cf. nº 2 do artigo 1311º do Código Civil).”
A Relação explica ainda por que razão não pode o réu FF adquirir a
propriedade do terreno por acessão – por “inexistência de boa fé [da ré
II] no momento da implantação da construção”; e conclui que nenhum
dos réus têm título legítimo para obstar à restituição dos lotes ao
legítimo proprietário.
Finalmente, considerou haver que condenar os réus FF, BB e mulher
CC, no pagamento de uma indemnização a liquidar, uma vez que é mais
do que previsível que a ocupação da propriedade dos autores venha a
causar-lhes prejuízos.

3. FF interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.


Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:

«A. No acórdão ora recorrido decidiu-se "declarar a ineficácia das


escrituras de justificação notarial outorgadas pelos RR. BB e mulher
no Cartório Notarial de S… da Notária LL em 9 de Abril de 2008 e em
3 de Novembro de 2008 (Lavradas, respectivamente, de folhas 34 a 35
verso do Livro 1254-A e de folhas 126 a 127 verso do Livro 174-A);
- Declarar a ineficácia do ato titulado pela escritura de compra e
venda celebrada entre os RR. BB e mulher, CC, na qualidade de
vendedores, e a II - Construção Civil. Lda., na qualidade de
compradora, no Cartório do Notário MM em 23 de Julho de 2008 e que
foi lavrada de folhas 85 a 86 do Livro 182 A daquele Cartório;
Declarar a ineficácia dos atos de permuta e de mútuo com hipoteca
titulados pela escritura lavrada em 14 de Março de 2012 na
Conservatória do Registo Predial do S… (Processo 12128/2012), em
que figuram como intervenientes a II - Construção Civil. Lda. e os RR.
FF e Banco GG, S.A., hoje Banco HH, S.A.
- Ordenar o cancelamento de todos os registos actualmente insertos nas
referidas descrições prediais sob as fichas 3…5/20…6 e 3…4/20…1,
ambas da freguesia de …, da 1a Conservatória do Registo Predial de
S…, e que se encontrem em vigor, referentes aos registos de aquisição
que foram objecto das apresentações n°10 de 26 de maio de 2008 (em
que figuram como sujeitos ativos os RR. BB e mulher CC), n°1 de 24 de
julho de 2008 (em que figura como sujeito ativo II - Construção Civil.
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ccfc17414dbae2e88025835c00342a4b 10/22
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Lda.), e n°2872 de 14 de Março de 2012 (em que figura como sujeito


ativo o R. FF) e o registo de hipoteca voluntária que foi objecto da
apresentação 2873 de 14 de Março de 2012 (em que figura como
sujeito ativo o R. Banco GG, S.A., hoje Banco HH, S.A.), todos eles
respeitantes à referida descrição predial sob a ficha 3…5/20…6/
freguesia de …, e, bem ainda, o registo de aquisição relativo à referida
descrição predial sob a ficha 3…4/20…1/ freguesia de … e que foi
objecto da apresentação n°2 de 11 de dezembro de 2008 (em que
figuram como sujeitos ativos os RR. BB e mulher CC);
- Condenar os RR. FF, BB e mulher CC a restituírem ao A, livre e
devoluto de pessoas e bens, o prédio urbano sito na Rua … e Rua da
…, lotes 44 e 45, com a área de 653m2, freguesia de …, concelho de
S…, descrito na 1a Conservatória do Registo Predial de S… sob a ficha
n°1…6/19…5 da freguesia de … e inscrito na matriz predial urbana da
mesma freguesia sob o artigo n°2.628;"
B. A solução adoptada no acórdão do Tribunal da Relação de …
enferma de violação da lei substantiva, por erro de interpretação, bem
como, erro de determinação das normas legais aplicáveis.
C. Na sentença proferida na primeira instância considerou-se provado,
de forma inequívoca, que o R. FF é terceiro de boa-fé (matéria assente
de 33) a 37)), porquanto não conhecia os demais RR. quando adquiriu
o imóvel (Lote 44), ignorava as circunstâncias em que aqueles tinham
adquirido o imóvel e que com a sua aquisição estaria a lesar os
interesses de outrem.
D. A presente acção foi intentada em juízo, a 27/12/12, a escritura de
justificação declarada nula foi outorgada em 9/04/2008, a transmissão
por compra e venda a favor da "II, Lda." foi efectuada por escritura de
23/07/2008, que procedeu ao registo respectivo da aquisição na
Conservatória do Registo Predial a 24/07/2008.
E. O recorrente nesta apelação coloca uma única questão que é saber
se a solução jurídica que afasta a aplicação do regime do art° 291.° do
CC à sua concreta situação, é ou não correcta.
F. No caso em apreço tem aplicação o regime previsto no artigo 291°
do Código Civil, que consubstancia em si, um desvio ao efeito
retroactivo emergente da declaração de nulidade, que implicaria que
todos os negócios jurídicos subsequentes e deles emergentes cairiam
por força do vício que inquinou o primeiro.
G. No que se refere ao ora recorrente FF, todos os pressupostos
exigidos pelo artigo 291.° do Código Civil para garantia e salvaguarda
do seu direito real de propriedade se verificam, pelo que a nulidade e
ineficácia da escritura de justificação notarial e compra e venda a
favor da II, não pode ser invocada contra o recorrente, na sua
qualidade de terceiro adquirente de boa fé.

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H. Considerou o TRE no acórdão ora em crise que, para funcionar a


protecção conferida pelo artigo 291°, a cadeia de negócios inválidos
tem que ser iniciada pelo verdadeiro proprietário, não estando
abrangida no seu âmbito de aplicação a situação em que o sujeito
obtém um registo falso e aliena o bem a um terceiro.
I. Contudo, este entendimento coloca em causa os princípios basilares
da segurança e da estabilidade jurídicas, que a prudência e a
necessidade da certeza e segurança nas relações jurídicas impõe, o que
traz grandes inconvenientes para a segurança e estabilidade do trafico
jurídico, nomeadamente no que toca à atribuição de bens.
J. Nos termos do citado artigo 291.°, a declaração de nulidade de um
negócio jurídico não produz efeitos relativamente ao terceiro
adquirente que, de boa fé, haja adquirido, a titulo oneroso, imóvel e
que o registo de tal aquisição seja anterior ao registo da acção de
nulidade.
K. Entende o recorrente que o registo de aquisição a seu favor deverá
prevalecer, caso contrário, o registo e a fé pública inerente ao mesmo
está desprovido de qualquer utilidade, sendo o resultado da inutilidade
do registo uma insegurança jurídica insustentável, e prejudicial aos
adquirentes que adquirem com base no mesmo.
L. O recorrente enquanto adquirente pode beneficiar da fé pública de
um registo preexistente e fez essa a sua aquisição confiando nesse
registo.
M. Ao registo está ligada a fé pública, a garantia da verdade das
situações publicitadas.
N. A aquisição que se fizer conformemente aos registos existentes
mesmo que estes sejam incorrectos, está amparada pela aparência
resultante do registo.
O. Ao não considerar assim, o TRE com o acórdão recorrido violou o
princípio constitucional do Estado de Direito Democrático que postula
a confiança dos cidadãos, e ainda o disposto no artigo 291° do C.P.C..
P. Os direitos do terceiro de boa-fé deverão ser reconhecidos em
relação à porção de terreno que passou a constituir o prédio/lote com
aquisição registada a favor do Réu ora recorrente, devendo
consequentemente, reconhecer-se o mesmo como legítimo proprietário
do lote n°44.
Q. Deverá por isso ser revogado o douto acórdão do TRE,
confirmando-se a decisão da primeira instância.
Fazendo-se JUSTIÇA».

Nas contra-alegações, os autores defenderam a confirmação do acórdão


recorrido.
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4. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido,


assinalando o que a Relação alterou):

1 – No dia 18 de Abril de 1969, mediante escritura pública de compra e


venda, OO e mulher PP, QQ e mulher RR, SS e mulher TT e UU,
declararam vender a VV, que declarou comprar pelo preço, então, de
15.000$00, um lote de terreno com a área de 653 m2, sito nos …,
freguesia de …, concelho de S…, a confrontar do Norte com XX, Sul e
Nascente com Rua P… e Poente com os vendedores, destacado dos
prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de S… sob os
nºs 11.167 (a fls. 169 verso do Livro B-39) e 21.510 (a fls. 100 do Livro
B-71), registados estes a favor dos vendedores pelas inscrições nº
39.313 (a fls 141 do Livro G-55) e nº 46.756 (a fls. 68 do Libro G-63) e
inscritos na respetiva matriz predial sob os artigos 807 e 808.
2 - Nessa escritura pública ficou a constar que o terreno vendido é
designado pelo número quarenta e quatro e quarenta e cinco.
3 - Pela apr. 11 de 2/01/1970, foi inscrito a favor de VV casado com
AAA, a aquisição por compra do prédio descrito na 1ª. Conservatória
de Registo Predial de S… sob o nº. 1…6/19…5, descrito em livro sob o
27232, L nº.87, da freguesia de …, concelho de S…, inscrito na matriz
sob o artº. 2628, composto de um lote de terreno com a área de 653m2,
que confronta do norte com XX, sul e nascente com Rua P…, poente
com OO.
4 – Através da apr. 23 de 1992/08/05, foi inscrito a favor de AA casado
com NN, a aquisição por doação de VV e mulher AAA do prédio
descrito na 1ªConservatória de Registo Predial de P… sob o nº. 1…
6/19…5, da freguesia de …, concelho de S…, inscrito na matriz sob o
artº. 2628.
5 – O prédio a que se alude em 4) localiza-se na Rua … e Rua da ….
6 - No dia 9 de Abril de 2008, no Cartório Notarial de LL, sita na
Avenida …, nº. 21-D, em S…, foi celebrada uma escritura pública de
justificação de direitos, sendo outorgantes os Réus BB e mulher CC,
tendo estes declarado, além do mais, o seguinte:
“ São donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem de um
prédio urbano composto de lote de terreno para construção, com a
área de trezentos e oito metros quadrados, sito na Rua … Lote 44, …,
freguesia de …, concelho de S… a confrontar de Norte com BBB, do sul
com Rua …, do nascente com CC e do poente com CCC, inscrito na
matriz em nome do primeiro outorgante, sob o artº. 5668, com o valor
patrimonial atribuído de 39.020,00, ainda por descrever na Primeira
Conservatória de Registo Predial de S….
Que este prédio veio à posse dos declarantes por compra verbal
efetuada a JJ e mulher KK (…) no ano de mil novecentos e oitenta e
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ccfc17414dbae2e88025835c00342a4b 13/22
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seis, tendo estes adquirido também verbalmente no ano de mil


novecentos e sessenta e seis a pessoas cuja identidade desconhecem,
sem que no entanto ficassem a dispor de titulo formal que lhes permita
o respetivo registo na Conservatória de Registo Predial, mas desde
logo, entraram na posse e fruição do referido imóvel, agindo sempre de
forma correspondente ao exercício do direito de propriedade,
nomeadamente vedando-o e utilizando-o para depósito de materiais de
construção, quer usufruindo como tal o imóvel, quer suportando os
respetivos encargos.
Que os justificantes estão na posse do identificado imóvel há mais de
vinte anos, sem a menor oposição de quem quer que seja, desde o seu
início, posse que sempre exercerem sem interrupção e ostensivamente
com conhecimento de toda a gente, com ânimo de quem exerce direito
próprio, sendo por isso, uma posse pública, pacifica, contínua, pelo
que adquiriram o imóvel por usucapião (…)
Arquivo:
Certidão emitida pela dita Conservatória de Registo Predial que
certifica não estar ali descrito o imóvel justificado mas poderá ser
desanexado do descrito sob o número onze mil cento e sessenta e sete
do livro-B-trinta e nove, o qual tem a si anexado o prédio número vinte
e cinco mil quinhentos e dez do livro B-setenta e um, que declaram não
estar relacionado com o ora justificado.”
7 - No dia 27 de Fevereiro de 2007, o Réu BB apresentou na
Repartição de Finanças de S… 2, uma declaração para inscrição de
prédio urbano na matriz, Modelo 1, na qual indicou o prédio referido
em 6) como omisso e requereu a inscrição na matriz predial urbana, de
um terreno para construção com a área de 308 m2 sito na Rua …, lote
44, …, da freguesia de …, S….
8 - A descrição predial relativa ao prédio descrito na 1ª Conservatória
do Registo Predial de S… sob a ficha nº 1…1/19…0 da freguesia de …,
sito na Rua …, lotes 43 e 47, em … que esteve inscrito a favor de CCC
confronta a nascente com VV, pai do Autor, que, no ano de 1991, ainda
era o titular inscrito do prédio referido em 3).
9 - Pela apr.10 de 2008/05/26, os Réus BB e mulher CC, registaram o
prédio a que se alude em 6) a seu favor, mediante aquisição por
usucapião, na 1ª Conservatória do Registo Predial de S… sob o nº 3…
5/20…6, e inscrito na matriz sob o artigo 5668.
10 - No dia 3 de Novembro de 2008, no Cartório Notarial de LL, sita
na Avenida …, nº. 21-D, em S…, foi celebrada uma escritura pública de
justificação de direitos, sendo outorgantes os Réus BB e mulher CC,
tendo estes declarado, além do mais, o seguinte:
“São donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem dos
seguintes imóveis:

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ccfc17414dbae2e88025835c00342a4b 14/22
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1) Prédio urbano, composto por parcela de terreno para construção,


com a área de trezentos e vinte metros quadrados, sito na Rua …,
tornejando com a Rua … Lote 4, …, freguesia de …, concelho de S… a
confrontar de Norte com Rua …, do sul com DDD, do nascente com
EEE e com Rua …, inscrito na matriz sob o artigo 5869, com o valor
patrimonial atribuído de sessenta e dois mil quinhentos e cinquenta
euros, ainda por descrever na Primeira Conservatória de Registo
Predial de Setúbal.
2) Prédio urbano, composto por parcela de terreno para construção,
com a área de trezentos e quarenta e cinco metros quadrados, sito na
Rua …, tornejando com a Rua da …, lote 45, …, freguesia de …,
concelho de S… a confrontar de Norte com BBB, do sul com Rua …, do
nascente com Rua da E… e do poente com BB, inscrito na matriz sob o
artº. 5867, com o valor patrimonial atribuído de quarenta e três mil
setecentos e dez euros, ainda por descrever na Primeira Conservatória
de Registo Predial de S…. (nº2: alterado pela Relação).
Que estes prédios vieram à posse dos justificantes por compra verbal
efetuada a JJ e mulher KK (…) no ano de mil novecentos e oitenta e
sete, tendo estes adquirido também verbalmente no ano de mil
novecentos e setenta a um a pessoas cuja identidade desconhecem, sem
que no entanto ficassem a dispor de titulo formal que lhes permita o
respetivo registo na Conservatória de Registo Predial, mas desde logo,
entraram na posse e fruição do referido imóvel, agindo sempre de
forma correspondente ao exercício do direito de propriedade,
nomeadamente vedando-o e utilizando-o para depósito de materiais de
construção, quer usufruindo como tal o imóvel, quer suportando os
respetivos encargos.
Que os justificantes estão na posse dos identificados imóveis há mais
de vinte anos, sem a menor oposição de quem quer que seja, desde o
seu início, posse que sempre exercerem sem interrupção e
ostensivamente com conhecimento de toda a gente, com ânimo de quem
exerce direito próprio, sendo por isso, uma posse pública, pacifica,
contínua, pelo que adquiriram o imóvel por usucapião, não tendo assim
documentos que lhes permitam fazer prova da aquisição pelos meios
extrajudiciais normais (…)
Arquivo:
Certidão emitida pela dita Conservatória de Registo Predial que
certifica não estar ali descrito o imóvel justificado mas poderá ser
desanexado do descrito sob o número vinte e dois mil seiscentos e
trinta e três do livro-B-setenta e quatro, que declaram não estar
relacionado com o ora justificado.”
11 - No dia 11 de Dezembro de 2008, em declarações complementares
feitas na requisição de registo que conduziu à descrição predial sob a
ficha 3764 (lote 45), o Réu BB referiu que “os dois prédios não têm
nada a ver com o 22633 do Livro B 74, porque não são a desanexar”.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ccfc17414dbae2e88025835c00342a4b 15/22
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12 - Pela apr. 2 de 2008/12/11, os Réus BB e mulher CC, registaram o


prédio identificado no ponto 2) da escritura de justificação notarial
referida em 10) a seu favor, mediante aquisição por usucapião, na 1ª
Conservatória do Registo Predial de S… sob o nº3…4/20…1, inscrito
na matriz sob artº. 5867 (atualmente desativado).
13 - No dia 30 de Maio de 2008, o Réu BB apresentou na Repartição de
Finanças de S… 2, uma declaração para inscrição de prédio urbano na
matriz, Modelo 1, na qual indicou o prédio identificado no ponto 2) da
escritura de justificação notarial referida em 10) como omisso e
requereu a inscrição na matriz predial urbana de um terreno com a
área de 345 m2 sito na Rua … tornejando com a Rua da E…, lote 45,
…, da freguesia de ….
14 - No dia 23 de Julho de 2008, mediante escritura pública de compra
e venda, lavrada no Cartório Notarial sito na Avenida …, nº.79 C, …,
os Réus BB e mulher CC por si e ambos na qualidade de sócios
gerentes da II, Construção Civil Lda., declaram vender à sociedade e
esta declarou comprar a parcela de terreno a que se alude em 6).
14 - A - Na data da outorga da referida escritura de compra e venda de
23 de julho de 2008, os Réus BB e mulher CC eram os únicos sócios e
os únicos gerentes da II - Construção Civil. Lda.. (acrescentado pela
Relação)
14 - B - A II - Construção Civil. Lda. foi dissolvida e encerrada a sua
liquidação, eventos esses que foram registados na Conservatória do
Registo Comercial de S… através da apresentação nº 11, de 4 de Maio
de 2012. (acrescentado pela Relação)
14 - C - À data da dissolução da sociedade, os seus únicos sócios eram
os Réus DD e mulher, EE, por força das aquisições que os mesmos
fizeram das quotas de que eram titulares, respetivamente, os Réus BB e
mulher. (acrescentado pela Relação)
15) Mostra-se inscrita através da apr.1 de 2008/07/24, a aquisição do
direito de propriedade sobre tal prédio a favor da sociedade II,
Construção Civil Lda., por compra a BB e mulher CC, do prédio/lote
descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de S… sob o nº 3…
5/20…6, atualmente inscrito na matriz sob o artigo 6143.
16) Nessa parcela de terreno a sociedade II, Construção Civil Lda.,
veio a construir uma moradia.
17) Posteriormente, no dia 14 de Março de 2012, mediante escritura
pública de permuta lavrada na Conservatória do Registo Predial do
S…, a II, Construção Civil Lda., representada pelo réu BB, declarou
ceder ao Réu FF que declarou aceitar o prédio composto de edifício de
rés-do-chão e primeiro andar para habitação e logradouro, sito na Rua
…, lote 44, …, freguesia de …, concelho de S…, descrito na 1ª
Conservatória do Registo Predial de S… sob o nº 3…5/20…6, inscrito
na matriz sob o artigo 6143, pelo valor atribuído de €135.000.000,00,

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ccfc17414dbae2e88025835c00342a4b 16/22
25/10/23, 17:53 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

recebendo em troca um prédio sita na Rua das …, nº. 19, …, descrito


na Conservatória do Registo Predial da …, sob o nº. 880, da freguesia
da … e ainda a quantia de €35.000.00. (alterado pela Relação)
18) Pela apr.2872 de 2012/03/14, o Réu FF registou a seu favor a
aquisição, por permuta, do prédio descrito na 1ª Conservatória do
Registo Predial de S… sob o nº 3…5/20…6, atualmente inscrito na
matriz sob o artigo 6143.
19) Pela apr. 2873 de 2012/03/14, está registada, a favor do Banco
GG, SA, atualmente Banco HH, hipoteca voluntária sobre o prédio
descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de S… sob o nº 3…
5/20…6, inscrito na matriz sob o artigo 6143 para garantir o
pagamento do empréstimo no valor de €35.000,00 de capital, juros e
cláusula penal, tudo no montante máximo de € 49.525,00.
20) No dia 11/01/2017, o Município de S…, Gabinete de Planeamento
Urbanística, emitiu a certidão junta a fls. 400 a 403 v, que aqui se dá
por integralmente reproduzida, e da qual consta, além do mais, o
seguinte “ (…) informação da origem das parcelas 44 e 45 do artigo
68, secção B da freguesia de … e historial da toponímia das Ruas … e
… na envolvente das mesmas.
A origem destas parcelas deve-se ao parcelamento efetuado ao abrigo
do decreto-lei nº.46673 de 29 de Novembro de 1965, promovido pelo Sr.
SS. À data as parcelas não possuíam infraestruturas nem arruamentos
públicos de suporte à urbanização (veja-se documentos anexos). (…) .
Em relação à toponímia, à Rua denominada E na planta de
parcelamento em anexo, foi atribuído (…) o nome de Rua da S… e para
a Rua A o topónimo de Rua …, conforme documento que se anexa.”
21) Da Planta de Parcelamento efetuado ao abrigo do decreto-lei
nº.46673 de 29 de Novembro de 1965, promovido por SS, junta a fls.
403 v, foram constituídos 56 lotes, numeradas de 1 a 56. Essa planta de
parcelamento contempla a existência de um lote com o número 44, sito
na Rua …, com a área de 308m2, e outro com o número 45, sito na Rua
… tornejando com a Rua da E…, a área de 345m2.
22) De acordo com essa planta de parcelamento as confrontações do
lote 45 são, especificamente, a norte lote 46, a sul Rua …, a nascente
Rua da …, e a poente o lote 44.
23) De acordo com essa planta de parcelamento as confrontações do
lote 44 são, especificamente, a norte lote 47 e parte do lote 46, a sul
Rua …, a nascente lote 45 e a poente lote 43.
24) O prédio referido em 3 corresponde aos prédios/lotes 44 e 45.
25) O Autor vive no … e os seus pais foram também viver para este
país em 1976.
26) Até meados de década de 2000, não existia no prédio em litígio
sinais de ocupação do terreno como estaleiro da construção civil.
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ccfc17414dbae2e88025835c00342a4b 17/22
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27) Em data e por tempo não concretamente apurado o Réu BB, no


exercício da sua profissão de …, ocuparam, uma porção de terreno do
prédio, com materiais da construção civil.
28) Ali esteve colocado também, por uns meses, uma vedação de rede
para resguardo dos materiais.
29) O que fizeram à vista de toda a gente e sem oposição.
30) Os vizinhos consideravam os Réus BB e mulher CC donos dos
lotes.
31) O valor patrimonial atribuído ao prédio urbano referido em 3) é de
€ 56.250,00.
32) O valor patrimonial atribuído ao prédio urbano referido em 16) é
de € 135.000,00.
33) O Réu FF tomou conhecimento da existência do prédio através da
agência Imobiliária FFF - Mediação imobiliária, Lda., que o tinha em
carteira para venda ou permuta.
34) Tendo sido a agência Imobiliária FFF - Mediação imobiliária,
Lda., que mediou o negócio.
35) O Réu FF desconhecia os factos supra referidos e anteriores à
transmissão de tal prédio à sociedade II - Construção Civil. Lda.
36) O Réu Banco HH desconhecia os factos supra referidos e
anteriores à transmissão de tal prédio à II - Construção Civil. Lda.
37) Os Réus FF e o Banco HH, ao agir como se refere em 17) e 19),
ignoravam lesar o direito de outrem.

Foram considerados não provados os seguintes factos:


«a) No ano de 1986, os Réus BB e mulher CC adquiriram por compra
verbal a JJ, e mulher, KK, o prédio urbano composto de lote de terreno
para construção, com a área de 308 m2, sito na Rua …, lote 44, …,
freguesia de …, concelho de S….
b) No ano de 1987, os Réus BB e mulher CC adquiriram por compra
verbal a JJ, e mulher, KK, o prédio urbano composto de lote de terreno
para construção, com a área de 345 m2, sito na Rua …, tornejando
com a Rua da E…, lote 45, …, freguesia de …, concelho de S….
c) O JJ, e mulher, KK eram tidos como proprietários exclusivos dos
prédios/lotes por todos os vizinhos residentes na zona.
d) Desde a aquisição verbal que os Réus BB e mulher CC procederam
à limpeza dos terrenos.
e) De forma continuada.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ccfc17414dbae2e88025835c00342a4b 18/22
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f) Os Réus BB e mulher CC estavam convencidos que os lotes lhes


pertenciam e que não lesavam interesses ou direitos de outrem.
g) Os Réus BB e mulher CC vêm pagando as contribuições e
impostos dos lotes.
h) A II na construção da moradia despendeu quantia não inferior a
€100.000,00.
i) Na zona onde se situa a moradia o preço atualmente praticado para
lotes para a construção urbana é de €120,00 m2.»

5. Conforme expressa indicação do recorrente, neste recurso está


apenas em causa “saber se a solução jurídica que afasta a aplicação do
regime do artº 291º do CC à sua concreta situação é ou não correcta”
(conclusão E as alegações). Os autores, agora recorridos, concordam
com esse afastamento, por ser antes aplicável o regime da venda de
bens alheios, do qual resultaria que as sucessivas alienações e oneração
do prédio em litígio – agora, a parcela correspondente ao lote 44 –
seriam ineficazes em relação a eles, verdadeiros proprietários do
terreno.
Na verdade, o recorrente coloca ainda em causa a conformidade do
acórdão recorrido com o princípio constitucional da segurança jurídica,
inerente ao Estado de Direito (artigo 2º da Constituição).

6. Convém, no entanto, começar por realçar que recorrente (o réu FF) e


recorridos (os autores AA e mulher, NN) invocam a seu favor a
inscrição no registo predial dos correspondentes actos de aquisição do
prédio/lote cuja propriedade todos reivindicam. Os autores, por lhes ter
sido doado validamente em 1992 um prédio já descrito na 1ª
Conservatória do Registo Predial de S…, sob o nº 1…6/19…5, da
freguesia de …, S…, inscrito na matriz sob o artº 2628, prédio esse que
integra os lotes 44 e 45 em discussão nesta acção e cuja doação foi
devidamente inscrita (cfr. pontos 3, 4 e 24 dos factos provados); o réu
FF, por ter adquirido, por permuta com a sociedade II - Construção
Civil. Lda., a moradia construída por esta sociedade no lote 44,
comprado aos réus BB e mulher, CC, que tinham inscrito no registo
predial a aquisição do mesmo terreno, por usucapião, utilizando para o
efeito a escritura de justificação notarial correspondente.
Consta dessa escritura que BB e mulher, CC, haviam declarado que o
prédio não estava descrito no registo predial. Como resulta do que vem
provado, procedeu-se a nova descrição e foram inscritas as sucessivas
aquisições, por referência a esta descrição (prédio/lote descrito na 1ª
Conservatória do Registo Predial de S… sob o nº 3…5/20…6,
actualmente inscrito na matriz 6143) – nomeadamente, a aquisição a
favor do recorrente, do prédio urbano resultante da construção da
moradia no lote 44.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ccfc17414dbae2e88025835c00342a4b 19/22
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Gerou-se assim uma situação de dupla descrição no registo predial de


um mesmo prédio (apenas interessa agora, repete-se, a parte
correspondente ao lote 44) e de inscrições de actos de aquisição, a favor
de adquirentes diferentes, lançados em ambas as descrições, tal como
ocorria no caso sobre o qual veio a incidir o Acórdão de Uniformização
de Jurisprudência nº 1/2017, de 23 de Fevereiro de 2016, proc
1373/06.7TBFLG.G1.S1-A, Diário da República, I Série, nº 38/2017,
de 22 de Fevereiro de 2017, e www.dsgi.pt, que uniformizou
jurisprudência no sentido de que “Verificando-se uma dupla descrição,
total ou parcial, do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais
poderá invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7º do
Código do Registo Predial, devendo o conflito ser resolvido com a
aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo,
a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das
presunções”.
A opção por esta solução, à qual se contrapunha a defesa da prevalência
do registo anterior (princípio da prioridade do registo, artigo 6º do CRP;
todavia, como se salienta no AUJ, este preceito parece referir-se às
sucessivas inscrições referentes a uma mesma descrição), funda-se na
destruição da função do registo: “a dupla descrição do mesmo prédio
mina a pedra angular do registo e compromete inelutavelmente a
função da descrição, criando uma aparência contraditória em que o
registo profere simultaneamente uma afirmação e o seu contrário
(podendo resultar das inscrições, por exemplo, que A é proprietário
pleno do prédio, mas que B também o é no mesmo período)”.
Entende-se que a razão que levou a optar pela resolução do litígio
segundo as regras do direito substantivo, e não do registo, conduz à
mesma solução de princípio, no caso presente: resolução do conflito
entre autores e réu/recorrente segundo as regras de direito substantivo, e
não segundo os princípios registais. Na verdade, é a protecção da
confiança baseada no registo que justifica o afastamento da eficácia
retroactiva da anulação ou da declaração de nulidade de “negócio
jurídico que respeite a bens imóveis”, nos termos previstos do artigo
291º do Código Civil, ou que permite proteger terceiros de boa fé em
caso de declaração de nulidade do registo (nº 2 do artigo 17º do CRP).
Recorde-se que a circunstância de, entretanto, ter sido construída uma
moradia e de o recorrente ter permutado um prédio urbano resultante de
uma edificação no lote 44 em nada altera a solução a dar ao litígio.

7. À mesma solução chegou o acórdão recorrido, como se viu –


aplicação do direito substantivo, concretamente, do regime de venda de
bens alheios, e não do disposto no artigo 291º do Código Civil –, por
considerar que a protecção conferida ao adquirente pelo artigo 291º do
Código Civil pressupõe que “a cadeia de negócios inválidos” foi
desencadeada “pelo verdadeiro proprietário” (Maria Clara Sottomayor,
Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Lisboa, 2014, anotação ao
artigo 291º, pág. 722 e segs., pág. 726, e Invalidade e Registo, A
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ccfc17414dbae2e88025835c00342a4b 20/22
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Protecção do Terceiro Adquirente de Boa Fé, Coimbra, 2010, pág. 882,


citados no acórdão recorrido; cfr. ainda o acórdão deste Supremo
Tribunal de 19 de Abril de 2016, www.dgsi.pt, proc. nº
5800/12.6TBOER.L1-A.S1.
Não haverá controvérsia no sentido de que o recorrente adquiriu o lote
44 de quem não era o seu verdadeiro proprietário; e que a alienação de
coisa alheia como própria é ineficaz em relação ao verdadeiro
proprietário (cfr., por todos, Pires de Lima e Antunes Varela, Código
Civil Anotado, vol. II, 4ª ed., Coimbra, 1997, anotação ao artigo 892º,
pág. 183º e segs,, pág. 185); o que torna “irrelevante a invocação do
disposto nos artºs 291º e 17º, nº 2 do CRP", como se diz no acórdão
recorrido, para acolher a pretensão do recorrente FF. Como se escreveu
no acórdão de 5 de Julho de 2007, www.dgsi.pt, proc. nº 07B1361 :«O
artigo 291º do Código Civil aplica-se, pois, às hipóteses em que o
interveniente num negócio substantivamente inválido pretende a
respectiva invalidação, mas se vê confrontado com terceiros (não
intervenientes nesse negócio) que adquiriram, de boa fé e a título
oneroso, direitos sobre os bens (imóveis ou móveis sujeitos a registo)
cuja subsistência depende do primeiro negócio. Se esses terceiros
registaram o correspondente acto aquisitivo, a invalidade não lhes é
oponível, salvo se a acção de anulação ou de declaração de nulidade
for instaurada e registada nos três anos posteriores à celebração do
primeiro negócio. Entre a tutela da validade substancial do negócio e
da confiança depositada no registo, o equilíbrio encontrado pela lei foi
assim definido».

Impugnada eficazmente a escritura de justificação notarial da aquisição


da propriedade por usucapião, por parte dos réus, que não a lograram
provar (cfr. Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n º 1/2008, de
4 de Dezembro de 2007, proc. nº 07A2464, Diário da República, I, nº
63, de 31 de Março de 2008 e www.dgsi.pt), a venda à sociedade II não
transferiu o direito de propriedade; e o mesmo se diga quanto à permuta
com o recorrente.
O Supremo Tribunal de Justiça, aliás, já se pronunciou por diversas
vezes no sentido de que o disposto no artigo 291º do Código Civil, que
excepciona dos efeitos retroactivos da declaração de nulidade ou da
anulação certas aquisições inválidas (cfr. nº 1 do artigo 289º do Código
Civil), fazendo-as subsistir, não se aplica em caso de ineficácia do acto,
como sucede, em relação ao verdadeiro proprietário, com a venda de
coisa alheia. Assim por ex., os acórdãos de 16 de Novembro de 2010,
www.dgsi.pt, proc. nº 42/2001.C1.S1, de 29 de Março de 2012,
www.dgsi.pt, proc.nº 2442/05.8TBVIS.C1.S1 ou de 1 de Agosto de
2015, www.dgsi.pt, proc. nº 129/11.0TCGMR.G1.S1.
Não merece pois qualquer censura o acórdão recorrido, quando excluiu
a aplicação do disposto no artigo 291º Código Civil e concedeu
provimento à apelação dos autores.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ccfc17414dbae2e88025835c00342a4b 21/22
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8. Finalmente, cumpre observar que não tem fundamento a afirmação


de que, para além de violar “o disposto no artigo 291° do C.P.C.”, “o
TRE com o acórdão recorrido violou o princípio constitucional do
Estado de Direito Democrático que postula a confiança dos cidadãos”
no registo e na fé pública que lhe é conferida.
O Tribunal Constitucional já por diversas vezes teve a oportunidade de
analisar a conformidade constitucional de normas acusadas de ofender
o princípio constitucional do Estado de Direito (artigo 2º da
Constituição) por lesarem a fé pública do registo predial. Apenas a
título de exemplo, cfr. os acórdãos nº362/2002 e 363/2002, procs.
403/2002 e 404/2002, ambos de 17 de Setembro de 2002.
www.tribunalconstitucional.pt, e jurisprudência neles citada.
No caso, porém, basta considerar que a dupla descrição do mesmo
prédio anula a protecção que o recorrente poderia pretender retirar da
inscrição do registo da sua aquisição a non domino, para concluir que
improcede a alegação de inconstitucionalidade.

9. Nestes termos, nega-se provimento à revista.


Custas pelo recorrente.

Lisboa, 06 de dezembro de 2018

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)


Olindo Geraldes

Maria do Rosário Morgado

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ccfc17414dbae2e88025835c00342a4b 22/22

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