Você está na página 1de 9

srs=- 8lBLiOTECA

ISSN 1678-3778

REVISTA DIALÉTICA DE 0
DIREITO PROCESSUAL
(RDDP)
Repositório autorizado de jurisprudência dos seguintes tribunais:
- do Supremo Tribunal Federal (Despacho do Exmo. Sr. Presidente no Processo
nº 318.189, publicado no DJU 1 de 8 de novembro de 2004, página 1; inscrição sob
nº 035-04, cm 9 de novembro de 2004, conforme Ofício nº 074-SD0/2004);
- do Superior Tribunal de Justiça (sob nº 54- Portaria nº !, de 30 de junho de 2003,
do Exmo. Sr. Ministro Diretor da Revista do STJ, publicada no DJU 1 de 7 de julho de
2003, página 51);
-do Tribunal Regional Federal da!' Região (Portaria COJUD nº 3, de 30 de ju-
nho de 2003, do Exmo. Sr. Juiz Diretor da Revista do TRF da 1' Região, publicada no
DJU 2 de 3 de julho de 2003, página 2);
-do Tribunal Regional Federal da 2' Região (Processo nº97.02.16454-0, autuado
em 30 de maio de 1997,julgado cm 5 de junho de 1997; Ofício 920/2003-PRES e Pro-
tocolo 591/06/2003-ADM);

- do Tribunal Regional Federal da 4' Região (Portaria EMAGIS nº 8, de 20 de ju-


nho de 2003, da Exma. Sra. Desembargadora Federal Diretora da Escola da Magistra-
tura do TRF da 4' Região, publicada no DJU 2 de 27 de junho de 2003, pãgina 489); e

- do Tribunal Regional Federal da 5' Região, sob nº 7 (Despacho do Exmo. Sr. Juiz
Diretor da Revista do TRF da 5' Região, publicado no DJU 2 de 24 de julho de 2003,
página 88).

42
SETEMBRO - 2006
.~,:·~~---·,-:( :- ·/.. ._,_ Revista Dialética de Direito Processual n° 42 3

"
SUMÁRIO
REVISTA DIALÉTICA DE
Doutrina
DIREITO PROCESSUAL André Parmo Folloni • Constitucionalidade: presunção ou controle?
1. Introdução. 2. O processo como instrumento de efetivação do direito material. 3. Teo-
(RDDP) ria fonnal da Constituição. 4. O controle difuso de constitucionalidade. 5. Controle difu-
so. presunção de constitucionalidade, validade e aplicabilidade. 6. Conclusão. 7
ISSN 1678-3778
Daniel Roberto Hertel • Perspectivas do Direito Processual Civil brasileiro
42 é o autor da
Vicente Vê
fotografia reproduzida
1. Intróito. 2. A evolução do Direito Processual Civil. 3. A crise do Judiciário, a insatisfa-
ção do jurisdicionado e as recentes reformas processuais do Código de Processo Civil. 4.
(SETEMBRO • 2006) em destaque na capa desta edição. Principais alterações do Código de Processo Civil. 5. Perspectivas do processo civil bra-
sileiro. 6. Considerações finais. 20

Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti e Luciana de Medeiros Fernandes• Da


Diretor da Revista competência do Presidente de Tribunal para pedidos de suspensão formulados
Valdir de Oliveira Rocha contra decisões liminares, cautelares e antecipatórias de tutela de magistrados
Na página inicial do site
www.dialctica.com.br
integrantes da Corte presidida
I. Introdução os pedidos de suspensão de liminares. provimentos acautelatórios. anteci-
w

Diretores da Editora Dialética canto superior, esquerdo, pode-se pações de tutela e sentenças/acórdãos: considerações gerais. 2. Competência para a apre•
Lidia Lobello de Oliveira Rocha realizar BUSCA que possivelmente ciação dos pedidos de suspensão. 3. A questão da competência do Presidente de Tribunal
facilitará muito a localização de textos diante de decisão liminar, cautelar ou antecipatória exarada por magistrado integrante da
Valdir de Oliveira Rocha sobre assuntos de seu interesse. própria Corte presidida em sede de agravo de instrumento. 4. Conclusão. 31
Denise Lobello de Oliveira Rocha
Trevisan José Carlos Barbosa Moreira - "Cumprimento" e "execução" de sentença: neces-
sidade de esclarecimentos conceituais
Os conceitos emitidos nos textos são l. O novo "processo sincrético". 2. "Cumprimento" e "execução": relação entre as deno-
de responsabilidade de seus autores. minações no texto refonnado. 3. Traços comuns a ambas as espécies de "cumprimento":
A. 4. Traços comuns a ambas as espécies de "cumprimento": B. 5. O emprego da expres-
são "cumprimento". 6. Uma conseqüência lógica-. 7. l>ossível objeção ao uso da palavra
"cumprimento". 8. Considerações sobre a palavra "execução" e se\J emprego cm relação a
"processos sincréticos". 9. Reflexos na classificação das sentenças? 56
Editoração Eletrônica Os acórdãos estampados na íntegra
correspondem às cópias obtidas nas Juvêncio Vasconcelos Viana - Nova sistemática do processo à luz da "Reforma
Mars
Secretarias dos Tribunais ou se originam do Poder Judiciário" (EC nº 45/2004)
de publicações oficiais de seus julgados. 1. Introdução. 2. Normas de caráter organizacional. 3. Novas competências. 4. A compe-
tência da Justiça do Trabalho. 5. Tutela constitucional do processo. 6. Súmula vinculante. 69
Capa (fundo)
Marola Omar/em Leonardo Mattietto -A prescrição à luz da Lei nº 11.280/2006
1. Introdução. 2. O projeto. 3. Consequências da revogação do art. 194 do Código Civil.
4. Análise do novo parágrafo 5° do art. 219 do Código de Processo Civil. 5. Con_clusões. 89

Ilustrações de faces dos autores Mantovamzi Colares Cava/cante• A sentença liminar de mérito do art. 285-A do
Fátima Lodo Andrade da Silva Código de Processo Civil e suas restrições
l. O porquê do contraditório no Direito Processual. 2. A hipótese de cabimento da sen-
tença liminar de mérito. 3. A improcedência liminar do pedido e sua constitucionalidade.
4. As restrições da sentença liminar de mérito. 5. A recorribilidade da sentença liminar de
Fotolito da Capa Uma publicação mensal de
improcedência do pedido, ainda que fundamentada cm súmula do Supremo Tribunal Fe-
Duble Express Oliveira Rocha Comércio e Serviços Ltda.
w
deral ou do Superior Tribunal de Justiça. 6. Conclusão. 95
Rua Sena Madureira, 34
CEP 04021-000 · São Paulo· SP Marcelo Andrade Féres- Julgamento sumaríssimo dos processos repetitivos: uma
e-mail: atendimento@dia1etica.com.br análise jurídico-econômica do art. 285-A do Código de Processo Civil
Impressão
Fonc/fux (0xxll) 50844544 1. Introdução. 2. A situação do art. 285-A no contexto das fases de desenvolvimento do
Gráfica Palas Alhe11a
www.dialctica.com.br procedimento e do próprio Código de Processo Civil. 3. O art. 285-A e a escolha da no•
6 Revista Dialética de Direito Processual n" 42 7

• Exercício da advocacia - diretor-geral de • Processo administrativo - multa ele trân- DOUTRINA


TRE - incompatibilidade - nulidade dos sito - equipamento eletrônico - radar
atos praticados (STF - 2' T.) 233 fixo - auto de infração - ausência de as-
• Homologação de sentença estrangeira - sinatura do agente (STJ - !' T.) 236 Constitucionalidade: Presunção ou Controle?
ausência do contrato objeto da decisão - • Processo administrativo - trdnsito - auto
citação via fax - ausência de carta roga- de infração - flagrante - notificação tem-
tória - invalidade (STJ - Corte Esp.) 233 pcstiva (STJ - !' T.) 238 André Panno Folloni
•. Interdição - atuação do Ministério Públi- • Recuperação judicial - liminar de rcintc- Mestre em Direito Econômico e Social pela Pomif(cia Universidade Cat6lica do Paraná - PUC/PR,
co (TJSP - 9' Câm. de Dir. Priv.) 234 gração de posse - reforma de decisão irtstituição na qual leciona Direito Processual Tributário. Professor do Unicenp. Advogado em Curitiba.
• Medida liminar de natureza antecipat6- (TRFda l'R. -5'T.) 238
ria - limites de sua revisibilidade por rc- • Regime de união estável - companheiro
curso especial - inviabilidade de recxa- homossexual - pensão por morte (TRF "Isto é da real essência do dever judicial. Se então os tribunais
me da relevância do direito e do risco de dão prevalência à Constituição, e a Constituição é superior a todo
dano (STJ - !' T.) 234 da 4' R. -3'T.) 238
• Nacionalidade - opção provisória - me- • Regime de união estável - reconheci- ato ordinário da legislatura, a Constituição e não aquela lei or-
nor nascido no estrangeiro - transcrição menta de sociedade de fato - parceiros dinária deve reger o caso no qual ambas se aplicam:•
de termo de nascimento (TRF da l II R. - do mesmo sexo - inaplicabilidade (TJSP Joh11 Marshall, Presidellte da Suprema Corte dos EUA
5'T.) 235 - 8' Câm. de Dir. Priv.) 239
• Precatório - dívida de pequeno valor - • Retenção - recurso especial - CPC art.
requisição - bloqueio de recursos públi- 542, § 3º - destrancamento - instrumen- 1. Introdução
cos (STF - Pleno) 235 to adequado - não-sujeição a prazo - "Assim, em face da presunção de constitucionalidade das nor-
• Prisão civil - alimentos - devedor empre- mero incidente (STJ - 3' T.) 240 mas, não há como prevalecer, em juízo sumário, decisão que
gado (STJ - 3' T.) 236 • Seguro-saúde - compra de carência - declara a inconstitucionalidade de norma."'
• Prisão civil - depositário infiel - falência não-caracterização de deslealdade con-
decretada - não-comprovação de arreca- tratual (TJSP - 7' Câm. "A" de Dir. "A lei goza, no ordenamento jurídico brasileiro, da presunção de constitucionalidade,
dação dos bens pela massa (STJ - 2' T.) 236 Priv.) 240
assim como os atos administrativos gozam da presunção de legalidade, que nenhum
julgador pode, monocraticamente, afastar com duas ou três linhas de mera delibação."2
Os dois trechos acima transcritos são excertos de decisões do Poder Judiciário
no sentido de abster-se de enfrentar a questão acerca da adequação constitucional
do art. 19 da Lei 11.033/2004 com fundamento na presunção de constitucionalida-
de da lei e do preceito. -
Em que pese a necessidade congênita de prudência do·Poder Judiciário, que re-
monta às mais elevadas origens da jurisdição (iurisprudentia), e que recomenda
sempre as devidas serenidade e reflexão nos julgamentos, há, segundo cremos, um
equívoco nesse posicionamento que, embora, felizmente, bastante minoritário, la-
mentavelmente é presente.
O equívoco está em tomar como fundamento das decisões a "óbvia" presunção
de constitucionalidade das leis (melhor seria dizer, das normas) que de óbvia, en-
tretanto, nada tem, precisamente porque é ambígua. Já faz mais de quarenta anos
que Alfredo Augusto Becker denunciou o erro que encerra apoiar decisões em pre-
missas pretensamente óbvias sem, contudo, preocupar-se em demonstrá-las, justa-
mente em razão de sua "obviedade". Ora, mesmo as premissas óbvias precisam ser
demonstradas como procedentes, e, se não o forem, perdem sua condição de pre-
missas suficientemente fortes para a argumentação. Escrevendo especificamente
sobre o Direito Tributário, muito embora a consideração seja aplicável a qualquer
1 TRF da 4" Região. Agravo de Instrumento 2005.04.01.028304-1. Relatora Desembargadora Federal Marga Inge Barth
Tcssler. DJU de 27.05.2005. Revista Dialética de Direito Processual nº 30, São Paulo: Dialética, set/2005, p. 177.
2 TRF da Iª Região. Agravo de Instrumento 2005.01.00.054249-2. Relator Desembargador Fedem! Luciano Tolcnti-
no Amam.!. DJU de 22.07.2005. Revista Dialética de Direito Processual nº 30, São Paulo: Dialética, set/2005, p. 195.
Com idêntica redação, no particular. TRF da 1• Região. Agravo de Instrumento 2005.01.00.056382-1. Relatora Con-
vocada Juíza Federal Mônica Sifuentes. DJU de 12.08.2005. Revista Dialética de Direito Processual nº 31, São Paulo:
Dialética, out/2005, p. 181.
8 Revista Dialética de Direito Processual n2 42 Revista Dialética de Direito Processual n!I: 42 9

área do conhecimento, Alfredo Augusto Becker denunciou que "O Direito Tributá- eia do posicionamento contrário. Mas estamos, obviamente, abertos à crítica e à
rio está em desgraça e a razão deve buscar-se não na superestrutura - mas precisa- refutação. Nas palavras do Ministro Eros Roberto Grau: "O cotidiano nos dá pro-
mente naqueles seus fundamentos que costumam ser aceitos como demasiado 'ób- vas de que apenas os que já não pensam são proprietários de certezas." 8
vios' para merecerem análise crítica. Esclarecer é explicitar as premissas."3 É lamen-
tável, aduz aquele advogado, que se aceite como coisa óbvia um único fundamento 2. O Processo como Instrumento de Efetivação do Direito Material
sem que se creia necessário o reexame das premissas'. É tardia a atual concepção, correta e generalizada, do processo como instrumento
No caso presente, a premissa óbvia de que partem todos os julgados inicialmente de efetivação do direito material. Como ensina José Souto Maior Borges, no início
transcritos é que a presunção de constitucionalidade das normas serve como funda- romano era o Direito Processual, e só ele. Sequer havia direito material ao qual o
mento suficiente para obstar o exame de sua adequação constitucional em controle Direito Processual pudesse servir de instrumento:
difuso de constitucionalidade. Mas a singela verificação da existência do controle "Não se verificava, no direito romano, a contraposição dualista entre direito material
difuso de constitucionalidade no nosso sistema jurídico-positivo já é suficiente para (jus civile) e direito processual (actio). A razão é até extremamente simples: o que se
hoje nomeia direito material não era senão uma criação do processo. Nascia no seio
deitar por terra aquela premissa. Essa presunção de constitucionalidade como argu-
da actio. Não existia antes o direito material e depois o direito processual, que apenas
mento a afastar o controle difuso de constitucionalidade consiste em um daqueles o aplicasse (... ). Pode-se até dizer do processo romano formular: direito material/di-
" ... preconceitos imemoriais [que] tomam nebulosa a caracterização da norma in- reito processual: o mesmo. O direito material somente surgia com a decisão do judex,
constitucional com repercussão no controle jurisdicional difuso da constitucionali- estabelecida previamente pelo pretor, com afómmla, os limites de admissibilidade da
dade", nas recentíssimas palavras de José Souto Maior Borges'. demanda. Conseqüência: as posições materiais somente eram definidas na intimidade
É óbvio que há a presunção de constitucionalidade de norma. Essa presunção, da própria actio. 119
aliás, é iuris et de iure, como veremos em seguida. Não obstante, é um óbvio que Todavia, a evolução do direito provocou uma inversão. Hoje, o Direito Proces-
ulula a existência de controle difuso de constitucionalidade em nosso sistema. E é sual é instrumento de efetividade do direito material. Mas não simplesmente isso:
óbvio ainda mais ululante que a presunção de constitucionalidade não impede o efe- é instrumento absolutamente necessário, em caso de violação do direito material.
tivo controle difuso de constitucionalidade, mas é precisamente o contrário o que E, justamente nesses casos, deve, também, ser suficiente. Assim, o direito material
ocorre: ela o pressupõe. É o que se pretende demonstrar•. nada garante se não houver, também, garantia processual.
O objetivo deste estudo é, portanto, tecer argumentos no sentido contrário ao dos Essa instrumentalidade, na lição de Cândido Rangel Dinamarca, tem um aspecto
julgados inicialmente transcritos: procura convencer o leitor de que a "presunção de positivo, qual seja, a efetividade do processo como garantia do direito substantivo:
constitucionalidade das leis" não elide a possibilidade de afastamento da aplicação "Pois a efetividade do processo, entendida como se propõe, significa sua almejada
da lei em um caso concreto pelo Poder Judiciário (controle difuso de constitucio- aptidão a eliminar insatisfações, com justiça e fazendo cm_nprir o direito, além de va-
nalidade) com fundamento na inadequação constitucional. Porque a lei, mesmo pre- ler como meio de educação geral para o exercício e respeito aos direitos e canal de
sumivelmente constitucional (presunção iuris et de iureJ, pode estar inadequada em participação dos indivíduos nos destinos da sociedade e assegurar-lhes a liberdade ...
Ora, é preciso adequar o processo ao cumprimento de toda essa sua complexa missão,
face da Constituição, como a seguir demonstraremos, por mais paradoxal que isso para que ele não seja fonte perene de decepções somadas a decepções ..."'º
possa parecer à primeira vista. Acentue-se: para que o processo não seja fonte perene de decepções somadas
Não é objetivo desmerecer os julgados nem, muito menos, seus prolatores, mes-
a decepções. Retomaremos esse ponto ao final.
mo porque o juiz só age quando provocado (inércia do Poder Judiciário), e respon- E, mais adiante, conclui: "Falar em instrumentalidade do processo ou em sua
de a provocações; logo, provocações mal feitas podem resultar em respostas mal efetividade significa, no contexto, falar dele como algo posto à disposição das pes-
lançadas. Sem saber-se o grau de habilidade da provocação do advogado, impossí- soas com vistas a fazê-las mais felizes (ou menos infelizes) ..." 11 No que toca à ques-
vel qualquer análise crítica sobre a adequação da manifestação jurisdicional. Por tão constitucional, então, o processo é ainda mais importante. O controle processual
outro lado, não temos qualquer pretensão de monopólio da verdade jurídica; pelo de constitucionalidade é, segundo Cândido Rangel Dinamarca, o que toma" ... efe-
contrário: sequer cremos nesse conceito7. Apenas queremos convencer da procedên-

3
Teoria Geral do Direito Tributário. 3• cd. 2ª tir. São Paulo: Lejus, 2002, p. 12. possibilidades que dentro dessa moldura existem. Sendo assim, a interpretação de uma lei não deve necessariamente
4
Cf. ldem. conduzir a uma única solução como sendo a única correta, mas possivelmente a várias soluções que - na medida em
' "Em Defesa da Resolução 71/2005 do Senado Federal: Vigênda do Crédito-prêmio de IPI". Rei'ista Dialética de que apenas sejam aferidas pela lei a aplicar- têm igual valor, se bem que apenas uma delas se tome Direito positivo
Direito Tributário nº 128, São Paulo: Dialética, maio/2006, p. 52. , no ato de órgão aplic;1dor do Direito - no ato do tribun;1l, especific;1mente." (KELSEN, Hans. Teoria Pura tio Direi•
6
Sobre a afinnação e reafinnação de óbvios e de óbvios ululantcs, v. VIEIRA, José Roberto. "República e Democra- 10. Trad. João 8;1ptist;1 M;1ch;1do. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, pp. 390-391)
cia: Óbvios Ulul::mtes e não Ululantes". Rei·ista da Faculdade de Direito da UFPR v. 36, 2001, pp. 147-149. 1 O Direito Posto e o Direito Pressuposto. 5" cd. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 133.
7
V., a respeito, dentre outras manifestações, a combatida hennenêutica kelseniana: "Se por 'interpretação' se entende 9 Cf. O Comradltório llO Processo J11dlcial: uma Visé1o Dialética. São Paulo: Malheiros, 1996. pp. 76-77.
a fixação por via cognoscitiva do sentido do objeto a interpretar, o resultado de uma interpretação jurídica somente 1º A histrnmemalidade do Processo. 9" ed. São P;1ulo: Malheiros, 2001, p. 271.
11 Ibidem, p. 303.
pode ser a fixação da moldura que representa o Direito a interpretar e, conseqüentemente, o conhecimento das várias
10 Revista Dialética de Direito Processual n2 42 Revista Dialética de Direito Processual n2 42 11

tiva o princípio da supremacia constitucional", ponto ao qual voltaremos em segui- 3.1. Superioridade hierárquica da Constituição
da 12. A importância que assume o controle de constitucionalidade em nosso sistema,
É o processo, portanto, uma garantia última de que as leis e, dentre elas, a Cons- objeto mediato das considerações deste estudo, está diretamente ligada ao fato de
tituição, sejam observadas, sejam cumpridas, sejam aplicadas, tenham efetividade. termos uma Constituição rígida e com superioridade hierárquica sobre as demais leis
Se nessa função nobre e elevada falhar o processo, amesquinham-se e ridiculizam- do sistema, inclusive as emendas constitucionais. Antes de entrar propriamente no
se, motejam-se até, a ponto de se extinguirem, desmoralizados e desmerecidos, os tema do controle difuso, nosso objeto imediato, deitemos foco, ainda que brevemen-
direitos materiais e, mais grave, aqueles específicos direitos materiais garantidos te, nesses conceitos. Primeiramente, a superioridade hierárquica.
pela supremacia constitucional. Consiste, a Constituição, no diploma normativo que traz os textos de maior hie-
De nada adiantam numerosos e sempre enfaticamente proclamados princípios, rarquia no ordenamento jurídico. Isso não significa outra coisa senão que todas as
direitos e garantias constitucionais se não dispuserem eles de um aparato processual normas do sistema buscam seu fundamento de validade em norma constitucional;
capaz de, em caso de inobservância, garantir seu cumprimento. É por isso que, em invertendo-se o ângulo de análise, é a Constituição que fundamenta a validade das
matéria tributária, Ramón Valdés Costa erige a tutela jurisdicional como um dos três demais normas do sistema. No direito positivo, nenhuma norma acima da Consti-
princípios fundamentais do Direito Tributário, ao lado da legalidade e da igualda- tuição, mas todas dela abaixo. Daí a "supralegalidade" dos dispositivos constitucio-
de, como nos ensina James Marins 13 • E a lição transcende as estremas do Direito nais a que se refere Ivo Dantas".
Tributário, segundo cremos: efetiva tutela jurisdicional é condição sine qua non (em- Esse o primeiro ponto a ser considerado: a Constituição é hierarquicamente su-
bora não per quam) para a efetividade dos direitos materiais. Contudo, como em perior às demais normas porque fundamenta a validade delas todas. Assim, norma
matéria tributária a Constituição é feliz e especialmente prolixa, o efetivo controle contrária - material ou formalmente - à Constituição pode ser invalidada ou não
jurisdicional de constitucionalidade é garantia processual tributária tão importante aplicada. Será invalidada se retirada do sistema pelo órgão competente - no Brasil,
quanto as garantias materiais (constitucionais e legais). o Poder Legislativo ou o Supremo Tribunal Federal. Terá sua aplicação nega~a se
Como, então, em nome de uma pretensa presunção de constitucionalidade, pode restar convencido da inadequação à Constituição o órgão competente para aphcar a
o juiz negar-se a avaliar, em controle difuso, a adequação constitucional de uma norma - no Brasil, a Administração Pública ou qualquer membro do Poder Judiciá-
norma? Agir assim é renunciar, o magistrado, a um de seus misteres mais relevan- rio. Temos, ainda, no Brasil, a suspensão de eficácia de norma pelo Senado: neste
tes e de maior responsabilidade: garantir a efetividade da Constituição. É abdicar caso, a norma perderá completamente sua aplicabilidade e, via de conseqüência, sua
do cumprimento de dever jurídico, funcional e ético. O primeiro, na medida em que, validade.
uma vez constitucionalizado o direito individual segundo o qual a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5°, XXXV), o 3.2. Constituição rígida .
Judiciário deve efetivamente apreciar se há essa lesão ou essa ameaça; se a lesão ou Entretanto, essa "supralegalidade" perderia em conteúdo se a Constituição fos-
a ameaça advêm de norma contrária à Constituição, a apreciação da adequação se flexível ao invés de rígida. De acordo com Konrad Hesse, " ... o problema da
constitucional da norma é medida que se impõe. O segundo, na medida em que o Constituição 'rígida' e 'móvel' é um tal (por exemplo, pelos requisitos de maiorias
juiz, ao ser investido na carreira, adquire o dever de cumprir suas funções constitu- qualificadas, de uma votação popular ou até pela exclusão de certas modificações)
cionais, e uma delas é, justamente, apreciar a constitucionalidade das normas em da modificação constitucional dificultada ou mais facilitada" 15 • Constituições rígi-
controle difuso. O terceiro, na medida em que deixar o cidadão desamparado de das pressupõem processos de modificação textual mais árduos; constituições flexí-
efetiva jurisdição com eficácia social é, além de afronta ao direito, afronta à mora- veis pressupõem processos de modificação textual menos custosos, ao modo do
lidade comum(" ... bati às portas da Justiça, mas ela não me atendeu ..."). processo de modificação textual de qualquer lei.
Ora, se a Constituição puder ser alterada pelo mesmo procedimento pelo qual
3. Teoria Formal da Constituição se alteram as demais leis, então a "supralegalidade" pouco ou nada significa no plano
O que chamaremos aqui "teoria formal da Constituição" é o conjunto de elemen- pragmático, porque adaptar a Constituição a uma lei anteriormente contrária às nor-
tos normativos formais que caracterizam a supremacia da Constituição sobre as mas constitucionais demanda o mesmo procedimento necessário para criar essa lei.
demais normas do sistema. Os elementos são os seguintes: superioridade hierárquica Ao contrário, a "supralegalidade" constitucional afirma-se com vigor naqueles paí-
da Constituição, rigidez constitucional e efetivo controle de constitucionalidade. ses que adotam Constituição rígida.
Sem esses três, não há supremacia constitucional sob o ponto de vista de uma teo-
ria formal do ordenamento jurídico.
u lnrtituiçiies de Direito Constit11cio11al Brasileiro. 2ª cd. Curitiba: Juruá, 2001, p. 145.
12Ibidem, p. 28. 1$Elementos de Direito Constitucional da Rep1iblica Federal da Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre:
u Direito Processual Trib11tdrio Brasileiro (Administrath'o e Judicial}. 4l cd. São Paulo: Dialética, 2005, p. 79. Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 46.

'
,--'-._
12 Revista Dialética de Direito Processual n12 42 Revista Dialética de Direito Processual n2 42 13

Interessante é o raciocínio de Regina Maria Macedo Nery Ferrari, para quem as 4. O Controle Difuso de Constitucionalidade
constituições flexíveis" ... estão no mesmo nível que as outras leis,já que procedem O controle de constitucionalidade, de um modo geral, é, nas palavras de Ivo
da mesma autoridade ou são elaboradas segundo o mesmo processo, casos em que Dantas, " ... um dos pilares fundamentais na defesa do Valor da Constituição e, em
só se falaria em Constituições em sentido material" 16• Para a autora, portanto, da conseqüência, do denominado Estado de Direito..."'º
" ... rigidez é que decorre, como primeira conseqüência, a supremacia constitucio- Sob ponto de vista metodológico estritamente dogmático (esse positivismo
nal"17. A ausência de rigidez constitucional implicaria, no plano pragmático, a ine- metodológico fora de moda em cuja importância anacronicamente insistimos), ve-
xistência de superioridade hierárquica da Constituição em relação aos demais ins- rifica-se que, de acordo com o art. 102 da Constituição Federal, compete ao Supre-
trumentos normativos do sistema. mo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição. Precipuamente,
Dessarte, rigidez constitucional complementa, no plano da eficácia, a superio- porque (i) lhe são reservadas outras competências e (ii) também a outros órgãos cabe
ridade hierárquica da Constituição. Mas ambas, apenas elas, não bastam se não hou- a guarda da Constituição, uma vez que a mesma Constituição, que estabelece a uni-
ver efetivo controle de constitucionalidade. versalidade da jurisdição (CP, art. 5°, XXXV), não veda ao juiz federal (CF, art. 109)
nem ao juiz de Direito (CP, art. 125) a apreciação de questões constitucionais. Es-
3.3. Controle de constitucionalidade tabelece a Constituição a regra geral e não a excepciona nesse particular.
Rigidez e hierarquia constitucionais, para não serem aviltadas, demandam pre- Quando o Supremo Tribunal Federal é provocado diretamente para analisar, de
visão jurídico-positiva, também, de controle de constitucionalidade. Se não é pos- modo abstrato, questões constitucionais, exerce controle de constitucionalidade de
sível modificar a Constituição senão por meio de processo mais árduo do que aquele forma direta, e a competência para tal é concentrada naquela Corte. Mas, ao resol-
pelo qual se alteram as leis; mas se é possível que se crie leis contrárias à Consti- ver casos concretos, a qualquer juiz é reservado o dever de analisar questões cons-
tuição; e se não é efetivo o controle dessa constitucionalidade; então de nada serve titucionais; nesses casos, a competência para o exercício do controle de constitucio-
a rigidez constitucional: não se pode modificar a Constituição, mas pode-se fazer nalidade é difusa entre todos os juízes, no cumprimento de suas respectivas funções.
uma lei a ela contrária sem averiguação de sua adequação jurídica. É por isso que a Por isso, fala-se em controle concentrado e em controle difuso de constitucionali-
supralegalidade e a rigidez constitucional demandam, no plano da eficácia, efetivo dade. Não sem uma certa impropriedade terminológica, porque concentrado ou di-
controle de constitucionalidade. fuso não é, em rigor, o controle, mas a competência para seu exercício: em controle
Sem o controle de constitucionalidade, ensina Paulo Bonavides, abstrato é a competência concelltrada no Supremo Tribunal Federal; para a aprecia-
" ... a supremacia da norma constitucional seria vã, frustrando-se assim a máxima van- ção de casos concretos, por sua vez, a competência se encontra difusa entre os di-
tagem que a Constituição rígida e limitativa de poderes oferece ao correto, harmônico versos juízes do País. Nesta última modalidade, (essalte-se, a competência para co-
e equilibrado funcionamento dos órgãos do Estado e sobretudo à garantia dos direitos nhecer de constitucionalidade é difusa por todos os juízes._
enumerados na lei fundamental"". A Constituição brasileira adota, como visto, ambos os sistemas de controle de
Logo, " ... o controle de constitucionalidade das normas, junto com o procedi- constitucionalidade: o concentrado (também chamado "via de ação") e o difuso ("via
mento especial requerido para emendar a Constituição, expressa os mecanismos que de defesa" ou "via de exceção"). Por isso, Ivo Dantas denomina-o um "sistema
reafirmam a supremacia da Constituição no sistema de direito positivo", na síntese misto" 21 •
de Robson Maia Lins 19 • No controle concentrado, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar pela inconsti-
O efetivo controle de constitucionalidade é, nesse sentido, instrumento comple- tucionalidade, invalida a norma, retirando-a do sistema. Há quem entenda, e nesse
mentar da superioridade da Constituição em relação às demais leis e da rigidez cons- sentido José Souto Maior Borges, que não há invalidação, mas paralisação da efi-
titucional. Este o tripé sobre o qual se assenta a teoria formal da Constituição em cácia, que, sendo total, acarreta, apenas então, a invalidade (" ... efeito pragmático
sistemas como o nosso: (i) superioridade da Constituição; (ii) rigidez constitucio- equiparável a ato revogatório que não ousa dizer o seu nome""). Note-se: invalida
nal; e (iii) controle efetivo da constitucionalidade das leis. A ausência de um des- ou retira a eficácia, sobrevindo a invalidação, porque, ames, era válida. Embora
ses elemelltos relega os demais à insignificância jurídico-normativa. inadequada, ainda válida. Embora inconstitucional sob certos pontos de vista, ain-
Postas e explicadas essas premissas, voltemo-nos, pois, ao controle de consti- da constitucional sob outro, como veremos mais adiante.
tucionalidade, no modo difuso, objeto maior de nossa investigação. No controle difuso, diferentemente, o magistrado não invalida a norma. Ele não
é autoridade competente para isso. Nem mesmo o Supremo Tribunal Federal, em
sede de recurso extraordinário, se deixar de aplicar uma norma por inadequação
16
Efeitos da Decfaraçcio de llrco11stituciomzlidade. 4• cd. São Paulo: RT. 1999. p. 47.
11
Ibidem, p. 48.
11 20
Curso de Direito Co11sri1ucio11al. 9' ed. São Paulo: Mo.lheiros, 2000, p. 267. Op. cit., p. 193.
19
Colltrole de Constit11cio11alidade da Nomia Tributária: Decadência e Prescrição. São Paulo: Qurutier Latin, 2005, 21 Op. cit., p. 228.
p. 134. 22 "Em Defesa...". Op. cit., p. 53.
14 Revista Dialética de Direito Processual n2 42 Revista Dialética de Direito Processual n2 42 15

constitucional, retira-lhe a validade. Não se está no plano da validade aqui, mas no à sua legitimidade. Nesse sentido José Souto Maior Borges ("A norma inconstitu-
da eficácia, da aplicabilidade. No controle difuso, o magistrado, verificando a ina- cional não é natimorta, írrita, nenhuma, é dizê-la inexistente. É norma existente (vá-
dequação constitucional da norma, nunca a invalida, mas sempre deve deixar de lida), posto anulável") 25 e Regina Maria Macedo Nery Ferrari (embora mencionan-
aplicá-la. Simplesmente não aplica norma válida, vigente e que incidiu. É no plano do nulidade em vez de invalidade: " ... alei inconstitucional não é nula, mas simples-
da aplicabilidade que a questão se resolve. Voltaremos ao tema. mente anulável, pois que produz efeitos normais até a decisão que assim a conside-
O controle difuso de constitucionalidade, segundo registros bibliográficos, sur- ra, e que, por isso· mesmo, a sentença que a decreta é do tipo constitutivo ...") 26•
giu nos Estados Unidos da América, no caso Merbory vs. Madison, de 1803. Na- Toda norma que existe é válida. Validade e existência da norma são o mesmo e
quele episódio, o famoso juiz John Marshall afastou a aplicação de uma lei relativa único conceito. Diz Hans Kelsen, em correspondência a Ulrich Klug:
à posse na magistratura para garantir a aplicação da Constituição. Decisão análoga "... a validade não é propriedade de uma nonna, mas sua existência, sua existência ideal
do mesmo juiz foi prolatada em 1819 (McCulloch vs. Ma,yland) 23 • e específica. Uma nonna que 'vale' significa uma nonna que existe. Uma norma que
Como o controle difuso permite a qualquer juiz deixar de aplicar qualquer nor- não vale significa uma norma que não existe. Uma norma não-válida é uma norma
ma se entendê-la inadequada à Constituição, nesse sistema, e o nosso é um deles, inexistente, portanto nenhuma nonna.''27
qualquer tribunal é um tribunal constitucional, na felicíssima e não menos precisa Porque validade é uma relação de pertinência a um sistema, e não uma relação
expressão de J. J. Gomes Canotilho24 • O controle é função, dever, de todo e qual- de adequação. Aferir a adequação de uma norma em face do sistema é diferente de
quer juiz, uma vez competentemente provocado para tal. aferir sua pertinência. Dizer que um aluno indisciplinado é inadequado a uma tur-
Note-se a importância do controle difuso: manter, no caso concreto, a suprema- ma na faculdade é bastante diferente de dizer que ele não pertence àquela turma.
cia constitucional e o respeito aos direitos constitucionalmente prescritos. Porque a primeira afirmação é uma questão de opinião, e a segunda é uma verifica-
ção empírica.
5. Controle Difuso, Presunção de Constitucionalidade, Validade e Do mesmo modo, a norma do art. 4° do Código Tributário Nacional, e.g., é nor-
Aplicabilidade ma pertinente ao sistema, isto é, trata-se de norma válida, ainda que, na opinião de
Chegamos, afinal, ao tópico mais importante deste estudo, que fere o tema de alguns, seja a ele inadequada, isto é, ilegítima. Dizemos válida porque, se algum juiz
modo frontal e incisivo: a norma cuja aplicação é afastada em controle difuso de a entender adequada, pode perfeitamente aplicá-la. Está válida no sistema desde 25
constitucionalidade é sempre válida (existente). Portanto, em certo sentido, é cons- de outubro de 1966. E está vigente no sistema desde 1º de janeiro de 1967. Qual-
titucional. Logo, o juiz deve deixar de aplicar a norma que é (em um certo sentido) quer juiz que venha a entendê-la legítima pode aplicá-la com tranqüilidade.
constitucional, e justamente por inadequação da norma perante a Constituição (é Porém, se algum juiz a entender inadequada, tem o dever funcional de deixar
constitucional mas é inconstitucional). de aplicá-la. Reconhecerá sua validade mas, por inadequação ao sistema (ilegitimi-
Por conseguinte, presunção de constitucionalidade e controle difuso de consti- dade), recusar-se-á a aplicar a norma. ·
tucionalidade não são incompatíveis; pelo contrário: é precisamente porque há pre- Toda norma presume-se válida, e essa presunção vem do próprio direito, é iuris
sunção de constitucionalidade que deve haver efetivo controle difuso de constitucio- et de iure. E toda norma se presume legítima, mas essa presunção admite prova em
nalidade. contrário, é iuris tantum. Provando-se, em um processo de controle concentrado, que
Isso será incompreensível para quem desconhecer e não souber diferençar os a norma é ilegítima, inadequada ao sistema ou à Constituição, no final sobrevirá sua
conceitos de validade e de legitimidade. invalidação, sua extinção. Não mais se tratará de norma válida, e nem mesmo de
Como, a princípio (isto é, antes da invalidação pelo órgão competente), a defi- norma. Será nada.
nição de uma norma como adequada ou não à Constituição é questão de opinião, Diferentemente: provando-se, em um processo de controle difuso, que a norma
mais ou menos justificada, mais ou menos fundamentada, mais ou menos convin- é ilegítima, o juiz deve deixar de aplicá-la, embora isso não envolva sua invalida-
cente, mas nunca absolutamente verdadeira e sempre uma opinião, toda norma é, ção. Outro juiz poderá, entendendo diversamente, promover sua aplicação28 • Nova-
em princípio e a princípio, válida. Quem afirmará com absoluta razão o contrário? mente Regina Maria Macedo Nery Ferrari: "Cabe, então, ao Poder Judiciário dei-
A inadequação da norma em face da Constituição, se ficar apenas na opinião de xar de aplicar ao caso concreto a lei considerada inconstitucional, que não chega a
alguém, ou de alguns, ou de muitos, ou da maioria, ou de todos, é, ainda assim, in-
suficiente para a decretação da invalidade da norma. Permanece válida, ainda que,
sob algum fundamento, inadequada à Constituição e ao sistema. Diríamos: perma- zs "Em Defesa...'', Op. cit., p. 52.
:6 Op. cit., p. 137.
nece válida, não obstante a opinião, minoritária ou generalizada, não importa, quanto n KELSEN, Hans; KLUG, Ulrich. Nonnas Jurídicas e Análise lógica. Trad. Paulo Bonavides. Rio de Janeiro: Foren•
se. 1984. p. 63.
28 Sobre validade e legitimidade, e a presunção i11ris et de iure da primeira e illris 1a11t11111 da segunda, v. FOLLONI.
u Sobre o tema. v. DANTAS, Ivo. Op. cir., p. 227. André Panno. "Precatórios Judiciais e Certidão Negativa: Estado i·ers11s Contribuinte". Rei·ista Dialética de Direito
1~Apud DANTAS, Ivo. Op. cit., p. 198. Tribwário nº 120, São Paulo: Dialética, set/2005, p. 31.
16 Revista Dialética de Direito Processual n!I: 42 Revista Dialética de Direito Processual n!I: 42 17

ser anulada: somente é desaplicada, continuando válida ..."" Ensina José Souto Constituição que diretamente regulam a legiferação têm o sentido de que também es-
Maior Borges que " ... a decisão incidenter tantwn pela inconstitucionalidade não sas leis devem valer na medida e pelo tempo em que não forem anuladas pela forma
expulsa a norma do sistema jurídico"3º. Não se está, no controle difuso, a cogitar constitucionalmente prevista. As chamadas leis 'inconstitucionais' são leis conforme
à Constituição que, todavia, são anuláveis por um processo especial." 34
do plano da validade, mas da eficácia: a norma, válida, incidente, não é aplicada.
Do que se depreende: embora válida a lei, pode ser invalidada por inadequação
No controle concentrado, ao contrário, a validade da norma é atingida, o que resul-
a determinados preceitos constitucionais. Mas como a Constituição, nesses casos,
ta em sua extinção enquanto norma. São regimes completamente diversos. Ouvidos
admite que a lei permaneça válida enquanto não invalidada, então ela é, em certa
sejam dados a José Souto Maior Borges, que adverte: "A equiparação indevida dos •• medida, "constitucional": a própria Constituição admite sua permanência no siste-
regimes - distintos entre si - de normas proclamadas inconstitucionais pelo STF (i)
ma antes da invalidação. Sob esse único ponto de vista, não sob outros, é norma
no controle difuso e (ii) no controle concentrado é fonte de insuperáveis equívo-
constitucional. Essa presunção é iuris et de iure. Todos os demais aspectos da pre-
cos."31 Equívocos que, aqui, procuramos dissipar.
sunção de constitucionalidade são iuris tantum.
Ora, como toda norma se presume válida, então, em um certo sentido (pertinên-
Aí está, com clareza: a presunção de constitucionalidade não afasta o controle
cia, validade), toda norma se presume constitucional. Essa presunção é iuris et de
concelltrado de constitucionalidade, mas o pressupõe. O mesmo se diga quanto ao
iure. Esse é o sentido kelseniano:
controle difuso, como novamente demonstra Kelsen (autor que, para alguns, é um
"De uma lei inválida não se pode, porém, afirmar que ela é contrária à Constituição,
pois uma lei inválida não é sequer uma lei, porque não é juridicamente existente e, positivista frio e desalmado mas, para outros, como Eros Roberto Grau, é, e essa a
portanto, não é possível acerca dela qualquer afirmação jurídica. Se a afirmação, cor- qualificação mais próxima da correção, um" ... rigoroso crítico do direito ..." 35 ):
rente na jurisprudência tradicional, de que uma lei é inconstitucional há de ter algum "Se todo tribunal é competente para controlar a constitucionalidade da lei a aplicar por
sentido jurídico possível, não pode ser tomada ao pé da letra. O seu significado ape- ele a um caso concreto, cm regra ele apenas tem a faculdade de, quando considere a
nas pode ser o de que a lei em questão, de acordo com a Constituição, pode ser revo- lei como 'inconstitucional', rejeitar a sua ap1icação ao caso concreto, quer dizer, anu-
gada não só pelo processo usual, quer dizer, por uma outra lei, segundo o princípio /ex lar a sua validade somente em relação ao caso concreto [diríamos aqui: mantém ava-
posterior derogat priori, mas também através de um processo especial, previsto na / lidade mas retira a aplicabilidade, a eficácia técnica]. A lei, porém, permanece em vi-
Constituição. Enquanto, porém, não for revogada, tem de ser considerada como váli- gor para todos os outros casos a que se refira e deve ser aplicada a esses casos pelos
da; e, enquanto for válida, não pode ser inconstitucional." 32 tribunais, na medida em que estes não afastem também a sua aplicação num caso con-
Então: dizer que uma norma é inconstitucional (isto é, ilegítima, válida porém creto."36
contrária à Constituição) é dizer que a norma pode ser retirada do sistema por pro- Do que se depreende: embora válida a lei, pode deixar de ser aplicada por ina-
cedimentos outros que não o procedimento comum de retirada de normas. Esses dequação a determinados preceitos constitucionais. Mas como a Constituição, nes-
procedimentos outros são, precisamente, os procedimentos de controle judicial de ses casos, admite que a lei permaneça válida enquanto não invalidada, e que possa
constitucionalidade, seja o concentrado, seja o difuso. Tenhamos a paciência que a ser aplicada por quem não a entender inadequada, então· ela é, em certa medida,
leitura de Kelsen demanda, como recomenda Fábio Ulhôa Coelho, não tenhamos "constitucional": a própria Constituição admite sua permanência no sistema antes
preguiça de aprender, e continuemos a ouvir o mestre, primeiramente com relação da invalidação e admite, também, ambas as possibilidades: seja ela aplicada ou não
ao controle concentrado 33 : aplicada. Sob esse único ponto de vista, repita-se, não sob outros, é norma consti-
"Se o controle da constitucionalidade das leis é reservado a um único tribunal, este pode tucional. Que nos socorra, aliás como de costume, José Souto Maior Borges: "O ilí-
deter competência para anular a validade da lei reconhecida como 'inconstitucional' cito está dentro e não fora da normatividade constitucional. Porque esta regula quer
não só cm relação a um caso concreto mas em relação a todos os casos a que a lei se os efeitos de atos lícitos (constitucionais), quer os de atos ilícitos (inconstitucio-
refira - quer dizer, para anular a lei como tal. Até esse momento, porém, a lei é válida nais)."37 O ilícito é constitucional! O ilícito é válido! A norma inconstitucional é
e deve ser aplicada por todos os órgão aplicadores do Direito. Uma tal lei pode per- constitucional! Mas isso, acaso, significará que não pode ser invalidada a norma
manecer em vigor e ser aplicada durante muitos anos antes que seja anulada pelo tri- justamente por inconstitucionalidade? Evidentemente que não, pois é exatamente o
bunal competente como 'inconstitucional'. Isto significa, porém, que os preceitos cons- contrário o que ocorre! Essa norma constitucional (porque prevista na e regulada
titucionais relativos à anulação das leis que não correspondam às determinações da
pela Constituição) e inconstitucional (por inadequação constitucional, material ou
formal) deve ser invalidada em razão de inconstitucionalidade, pelos meios que, para
19 Op. cit., p. 138.
30 ''Em Defesa...". Op. cit., p. 53.
)I Idem. 34
Op. cit., PP· 303-304.
n Op. cit.. p. 300. u O Direito... Op. cir.. p. 213 e, também, p. 32.
n Para Fábio Ulhôa Coelho, Kelsen " ... não é autor de leitura fácil. É detalhista, minucioso, repetitivo, extraordinaria- 36 Op. cir., p. 303 - esclarecemos nos colchetes. P.o.ra facilitar a exposição e fort:ilecer a argument:ição, invertemos os

mente lógico. Acompanhá-lo pelos diversos rincões da teoria do direito pressupõe o gosto pelas clucubrações em nível parágrafos em rel.o.ção ao modo como aparecem nn Teoria Pura. Nela há nntes o tratamento do controle difuso e, cm
elevado de abstração e alguma paciência. A genialid.o.de de seu pensamento, no entanto, justifica e gratifica o esfor- seguida, do controle concentrado. Kelsen não se aborrecerá.
ço de estudá-lo detida e atenciosamente." (Para e11te11der Kel.se11. 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 9) n "Em Defesa...". Op. cit., p. 62.
18 Revista Dialética de Direito Processual nsi 42 Revista Dialética de Direito Processual n51 42 19

tanto, a própria Constituição prevê. O que, em última análise, preserva a Constitui- Aí está: para que haja controle, é mister que, primeiramente, se analise a cons-
ção. titucionalidade. Deixar de proceder o necessário exame de adequação constitucio-
Em conclusão: uma norma inadequada em face da Constituição é norma cons- nal em nome da presunção de constitucionalidade é, nas palavras de um hoje Mi-
titucional (em um certo sentido), embora inadequada à Constituição (ilegítima), e nistro do Supremo Tribunal Federal, demitir-se o juiz do seu dever e afrontar o di-
cuja constitucionalidade pode, aliás deve, precisamente em razão dessa inadequa- reito.
ção, ser controlada. De outro modo, o resultado é o descrédito. Retomamos, aqui, aquele pensamento
· Aí está, novamente, com limpidez: a presunção de constitucionalidade não afas- de Cândido Rangel Dinamarca, anteriormente exposto. O processo não pode ser
ta o controle difuso de constitucionalidade, mas o pressupõe. fonte perene de decepções somadas a decepções. A cidadania precisa çonfiar no
Poder Judiciário e, para tal, o Poder Judiciário precisa mostrar-se confiável. Dentre
6. Conclusão as várias tomadas de posição que isso impõe, uma delas é precisamente essa: não
Não pode o juiz, portanto, deixar de refletir acerca da constitucionalidade ou não deixar de avaliar a adequação constitucional de uma norma quando provocado para
de uma norma em nome da presunção de constitucionalidade das leis. Isso acaba fazê-lo; e, se convencido restar o magistrado da inadequação, não deixar de impe-
com o controle de constitucionalidade, relegando-o, desterrando-o, banindo-o do dir a aplicação da norma questionada, da mesma forma que, se não se convencer da
sistema. E, corolário disso, envilece e deslustra a supremacia constitucional e o inadequação, deve promover a aplicação com segurança. Porque, respondendo à
Estado de Direito. indagação do subtítulo, constitucionalidade não se presume, controla-se.
A presunção de constitucionalidade das leis existe, é certo. Mas não impede, ao
contrário, pressupõe o efetivo controle de constitucionalidade, tanto o concentrado
quanto o difuso". É dever funcional de qualquer juiz, no nosso sistema, sempre que
houver pedido nesse sentido, verificar se a norma questionada é ou não adequada à
Constituição e, se o juiz entender pela inadequação, é seu dever funcional afastar a
aplicação da norma naquele caso concreto, em nada impedido pela presunção de
constitucionalidade.
Não se está, aqui, a tratar de nenhuma norma em específico, mas da questão
adjetiva em si. É evidente que, se o magistrado entender que a norma é constitucio-
nalmente adequada, pode perfeitamente aplicá-la; aliás, deve peremptoriamente
fazê-lo. Mas é igualmente evidente que, se o magistrado entender que a norma não
é constitucionalmente adequada, pode perfeitamente deixar de aplicá-ia; aliás, deve
decisivamente fazê-lo.
Nesse sentido, veja-se o que aduz Eros Roberto Grau sobre o controle de dis-
cricionariedade, em palavras que poderíamos transpor, sem qualquer contra-indica-
ção, para o controle de constitucionalidade:
"... embora o comrole da discricionariedade apenas se justifique quando tal ocorra, o
seu exame, pelo Judiciário, sempre se impõe. Por isso, demite-se de seu dever, afron-
tando o direito, juiz que liminarmente se recuse a exame de ato discricionário, embo-
ra deva, após esse exame, se, em determinado caso, apurar a inocorrência de desvio
ou abuso de poder ou de finalidade, abster-se de comrolar (no sentido de questionar a
sua correção) o ato."39

1
• Cf. BARROSO, Luís Roberto. lmerpreração e Aplicaç,io da Co11srir11ição: Fwulamemos ele uma Dogmcírica Co11s-
tit11cirmal Tra11sfon11adora. São Paulo: Snrnivil, 1996, pp. 164-165. No mesmo sentido, Bruno Noura de Moraes Rêgo:
"Como o Poder Público brasileiro nem sempre rcspei1a a Cons1ituição, surge a necessidade da criação de fonnas de
controle da constitucionalidade. O princípio da presunção da constitucionalidade dos atos expedidos pelo Poder
Público, que é uma presunção relativa admitindo prova cm contrário, serve para preservar a Constituição, os atos
nonnativos, as leis e as sentenças." (Açt7o Rescis6ria e a Retroatividade das Decisries de Controle de Co11stit11cio-
11alidade das Leis 110 Brasil. Pono Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, p. 265)
39
O Direito ... Op. cit., p. 216 - grifos do original.

Você também pode gostar