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TEORIA E PRÁTICA DO PRECEDENTE JUDICIAL

1. Conceitos

 Decisão judicial
 Precedente: é a decisão judicial verificada à luz do
caso concreto, capaz de persuadir decisões futuras
sobre temas iguais ou semelhantes

 Jurisprudência: conjunto de decisões judiciais (nem


sempre precedentes – dimensão coletiva)
o Conceito romano de iurisprudentia: Surge com a
figura do jurista, o primeiro técnico,
desenvolvedor da ciência do direito, que acabou
por criar a doutrina como fonte (já que de seus
pareceres técnicos eram utilizados pelos juízes
para decidir os casos).
 Quem define se uma decisão judicial é um
precedente?

o No common law: órgãos inferiores, ao aplicar o


precedente
o No Brasil: Tribunais Superiores, via de regra, ao
menos nos vinculantes. (inclusive o TST)
 Stare Decisis: Não se confunde com os precedentes.
Surge a posteriori como uma evolução dessa
doutrina, buscando sistematizar as decisões, para,
em sua elaboração, distinguir melhor a ratio
decidendi, em separada do dictum .
o O mero respeito ao precedente é anterior a essa
doutrina, e já era aplicada antes pelas Royal
Courts inglesas e francesas (like cases should be
decided alike)

 Radiografia do precedente
 Circunstâncias de fato
 Ratio decidendi (holding): princípio jurídico
que consta da motivação da decisão
 Statement of material facts: indicação dos
fatos relevantes para a causa
 Legal reasoning: raciocínio lógico-jurídico
da decisão
 Judgment: juízo decisório
 a aplicação de um precedente depende de
raciocínio indutivo. É uma norma geral que se
constrói a partir de casos concretos. > Raciocínio case
to case
 Obiter dictum (obter dicta): é a regra jurídica
mencionada de passagem, que não faz parte da
ratio decidendi. O Tribunal expõe sua posição sobre
tema diferente daquilo que está sendo decidido (ex.
tema conexo)
o Importância dos obter dicta
 Funcionar como uma técnica de sinalização)
 Identificação da ratio decidendi.
o Via de regra é trabalho do intérprete.
 No Brasil, é papel dos próprios tribunais
 Súmula vinculante – CF – art. 103- A
 IRDR – arts. 976 a 987
 Incidente de Assunção de competência –
art. 947
 Recursos Repetitivos – arts. 1.036 a 1.041

2. Common law, civil law e precedentes

 Existência do precedente (fato) x eficácia do


precedente (direito positivo, mas nos EUA não há
regra escrita sobre o stare decisis)
 Origens do Common Law
o Entre 1350 e 1500, o Direito Romano foi
incorporado no continente europeu, mas não na
Inglaterra (ilha), onde se aplicavam as regras
tradicionais nativas (direito comum), aplicadas
por um corpo único de juízes.
o O juiz, lá, na falta de regras escritas, sempre foi
muito criativo.

 Origens do Civil Law


o Incorporado o Direito Romano,
o Sec XVIII e XIX: Racionalismo e esforços de
codificação. Dogma do ordenamento completo.
Juiz Boca da Lei, pouco ou nada criativo.
 Importantes diferenças:
o tradição.
 O direito continental é o produto de uma
reação ao autoritarismo (Revolução
Francesa). A idéia de completude do
ordenamento invoca a SOBERANIA do Povo
(parlamento), restringindo os juízes.
 O direito insular não é produto de qualquer
revolução, mas de uma continuidade histórica
que se baseia na tradição, O juiz inglês nunca
esteve ao lado do rei. Pelo contrário, afirmava
o common law, sobrepondo-se ao próprio
legislativo e ao rei (Revolução Gloriosa de
16881.)
 método de trabalho dos juízes:
o o juiz do direito comum é analítico, preocupado
com a contextualização fática do caso em
julgamento e o caso formador do precedente. A
1
MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de ‘civil law’ e ‘common law’ e a necessidade de respeito aos precedentes no Brasil,
p. 184-185.
comparação é minuciosa. Seu raciocínio é
indutivo, e opera case to case.
o o juiz do civil law é dedutivo. Mesmo quando
segue o precedente, parte sempre de uma
classificação legal dos fatos postos em
discussão.2.

2
ZWEIGERT, Konrad; KÖTZ, Hein. Introduction to comparative law, p. 155.
o Métodos argumentativos das partes

 No common law é o precedente. As partes


constroem a argumentação com base em
julgamentos de casos anteriores
 No civil law é a lei. É a partir da lei que as partes
argumentam.
 Aproximações entre os dois sistemas

o diminuição da rigidez dos precedentes – binding


precedent:

Nos EUA, nunca foram tão rígidos. Mas mesmo na


Inglaterra, onde nem mesmo a House of Lords
podia modificar os próprios precedentes, por um
ato em 1966, Practice Statement – essa
orientação foi abandonada

o Respeitos aos precedentes nos países


continentais: Decisões do Bundesgerichtshof,
Cour de Cassation francesa dificilmente são
desrespeitadas.
o a abundância de leis escritas em países de
common law. EUA têm um emaranhado de leis
escritas estaduais e federais. Inglaterra a edição
de leis escritas também é frequente.
Recentemente editou-se um Código de Processo
escrito – Civil Procedure Rules, também
conhecido como reformas Woof
o ascensão do ativismo judicial nos países de civil
law.: normatividade dos princípios, cláusulas
gerais e termos jurídicos indeterminados,
provaram a falência do dogma positivista da
completude do ordenamento 3 , deixam espaço
para a criatividade do juiz (via processo
argumentativo).
3
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evolução..., p. 26-27.
3. Eficácia dos precedentes

 Vinculante/obrigatório (binding precedent):


o Típico do common law
o No Brasil:
 São aqueles cuja violação pode ser atacada por
Reclamação (art. 988)
 O art. 927 deixa clara sua hierarquia perante
os demais.
 Decisões tomadas em controle
concentrado de constitucionalidade
 Súmula vinculante
 IRDR
 IAC
 Recursos repetitivos

 Obrigatórios
o Demais precedentes do próprio tribunal
 Sumulas não vinculantes
 Jurisprudência dominante deve ser
convertida em súmula
o Promovem a aceleração do julgamento
 Decisões monocráticas – art. 932 – IV, a, e V
a.
 Julgamento liminar de improcedência – art.
332, IV (súmula do tribunal local)
 Persuasivo (persuasive precedent): Todos os demais
precedentes, de órgão fracionários do próprio
tribunal ou de outros tribunais

 ? Precedentes magnéticos?
4. Normas genéricas sobre precedentes no novo CPC
– CAPÍTULO DE ABERTURA DO TÍTULO I DO LIVRO III

Exposição de motivos
“todas as normas jurídicas devem tender a dar
efetividade às garantias constitucionais, tornando
‘segura’ a vida dos jurisdicionados, de modo a que
estes sejam poupados de ‘surpresas’, podendo sempre
prever, em alto grau, as consequências jurídicas de sua
conduta”4.

4
Exposição de motivos do anteprojeto do Código de Processo Civil, p. 19.
NOVO CPC CPC /1973

Art. 926. Os
tribunais devem
uniformizar sua
jurisprudência e
mantê-la estável,
íntegra e coerente.
§ 1º Na forma
estabelecida e
segundo os
pressupostos Sem
fixados no correspondente.
regimento interno,
os tribunais
editarão
enunciados de
súmula
correspondentes a
sua jurisprudência
dominante.
§ 2º Ao editar
enunciados de
súmula, os
tribunais devem
ater-se às
circunstâncias
fáticas dos
precedentes que
motivaram sua
criação.
 Uniformidade e estabilidade da jurisprudência
dos Tribunais
o Novidade
 Decorrência dos princípios constitucionais da
Segurança e Isonomia
 Estímulo aos Enunciados de Súmula
 Que reflitam a “jurisprudência dominante”
 Pergunta-se: o que é “jurisprudência
dominante”?
o Aquela que reflete ausência de
divergência entre órgãos fracionários ou
que resulta de incidentes que buscam
uniformizá-la em órgãos mais robustos
do tribunal
 IRDR; Incidente de assunção de
competência, recursos repetitivos,
incidente de uniformização de
jurisprudência.
 Vinculação às circunstâncias fáticas dos
precedentes
o Identidade das circunstâncias fáticas
relevantes dos precedentes
o Súmula desvinculada de fatos é texto
abstrato (judiciário legislando)
 Força vinculante dos precedentes
o Ver art. 927.

Art. 927
NOVO CPC CPC /1973
Art. 927. Os juízes
e os tribunais
observarão:
I – as decisões do
Supremo Tribunal
Federal em controle
concentrado de
constitucionalidade;
II – os enunciados
de súmula
vinculante;
III – os acórdãos
em incidente de
assunção de
competência ou de
resolução de Sem
demandas correspondente.
repetitivas e em
julgamento de
recursos
extraordinário e
especial repetitivos;
IV – os
enunciados das
súmulas do
Supremo Tribunal
Federal em matéria
constitucional e do
Superior Tribunal de
Justiça em matéria
infraconstitucional;
V – a orientação
do plenário ou do
órgão especial aos
quais estiverem
vinculados.
§ 1º Os juízes e os
tribunais
observarão o
disposto no art. 10 e
no art. 489, § 1º,
quando decidirem
com fundamento
neste artigo.
§ 2º A alteração
de tese jurídica
adotada em
enunciado de
súmula ou em
julgamento de casos
repetitivos poderá
ser precedida de
audiências públicas
e da participação de
pessoas, órgãos ou
entidades que
possam contribuir
para a rediscussão
da tese.
§ 3º Na hipótese
de alteração de
jurisprudência
dominante do
Supremo Tribunal
Federal e dos
tribunais superiores
ou daquela oriunda
de julgamento de
casos repetitivos,
pode haver
modulação dos
efeitos da alteração
no interesse social e
no da segurança
jurídica.
§ 4º A
modificação de
enunciado de
súmula, de
jurisprudência
pacificada ou de
tese adotada em
julgamento de casos
repetitivos
observará a
necessidade de
fundamentação
adequada e
específica,
considerando os
princípios da
segurança jurídica,
da proteção da
confiança e da
isonomia.
§ 5º Os tribunais
darão publicidade a
seus precedentes,
organizando-os por
questão jurídica
decidida e
divulgando-os,
preferencialmente,
na rede mundial de
computadores.
 Norma geral da obrigatoriedade do respeito aos
precedentes
o Hierarquia e força normativa
 1 – Precedentes de efeito vinculante
(“obrigatoriedade forte”)
 STF em Jurisdição constitucional
 Súmulas vinculantes
 Decisões de recursos repetitivos/IRDR/IAC.
 Remédio: Reclamação constitucional
 2 – Súmulas não vinculantes do STF/STJ
 3 – Pleno ou órgão especial dos tribunais
 esses entendimentos devem ser
preferencialmente sumulados
 Observação
 Para 2 e 3 não cabe reclamação, apenas
recursos normais
 Para nós são precedentes “magnéticos”,
mas não vinculantes (obrigatoriedade
média ou fraca)
 Por que “magnéticos”: porque têm
influência no processo, trâmite e
julgamento dos recursos (aceleração do
procedimento)
 O artigo deixa “de fora” a necessidade de
respeito à jurisprudência pacificada dos
tribunais locais que não seja objeto de
julgamento do órgão especial ou do pleno
(equívoco)
o Aplicação, afastamento e superação do
precedente

 Distinguishing > diferença fática ou


peculiaridade entre os casos comparados.
o Distinguishing-método x distinguishing-
resultado
o Havendo distinção, o juiz pode aplicar o
precedente (ampliative distinguishing) ou
afastá-lo (restrictive distinguishing)

 Decisão per incuriam

 Overruling e Overriding
o Dever de fundamentação e garantia do
contraditório na aplicação dos precedentes
 Enunciados da ENFAM
 19) A decisão que aplica a tese jurídica
firmada em julgamento de casos
repetitivos não precisa enfrentar os
fundamentos já analisados na decisão
paradigma, sendo suficiente, para fins de
atendimento das exigências constantes no
art. 489, § 1o, do CPC/2015, a correlação
fática e jurídica entre o caso concreto e
aquele apreciado no incidente de solução
concentrada.
 20) O pedido fundado em tese aprovada
em IRDR deverá ser julgado procedente,
respeitados o contraditório e a ampla
defesa, salvo se for o caso de distinção ou
se houver superação do entendimento pelo
tribunal competente.
o Modificação da jurisprudência - Overruling
 Abertura do procedimento-§ 2º(Súmula e
julgamentos repetitivos)
 Democratização/contraditório/legitimação
 Audiências públicas
 Amicus curiae
 Modulação de efeitos - § 3o. (Jurisprudência
dominante dos Tribunais Superiores e
julgamentos repetitivos)
 Segurança jurídica e interesse social
 Ponderação de interesses
 Muito importante: a modulação deve
respeitar a ocorrência do fato, e não da
data da decisão (ex: matéria tributária – se
muda em 2015 e decide aplicar daí em
diante, não pode julgar recursos em 2015,
de processos que envolvem fatos
geradores anteriores, nos quais o
contribuinte comportou-se de acordo com
a jurisprudência da época, de acordo com o
novo entendimento.
 Fundamentação adequada - § 4o. (súmulas
em geral, jurisprudência pacífica ou tese
adotada pelos tribunais)
 Segurança/confiança/isonomia
o Organização e publicidade dos precedentes
 Por questão jurídica
 Publicados na Internet
o Outras observações
 Em tese, todos os precedentes devem ser
respeitados e todas as modificações devem
respeitar as regras acima
 Outras técnicas de “modificação suave” além
da modulação
 Signaling
 Decisões-alerta

5. Dificuldades

 Igualdade
 Segurança jurídica
 Princípio democrático (contraditório)
 Engessamento da jurisprudência
 Cultura
A jurisprudência vinculante do STF/STJ,
principalmente a Súmula, pode configurar-se em
um enunciado abstrato semelhante à lei, sem a
necessária legitimação democrática.

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