Você está na página 1de 6

Aula 85 – Teoria dos precedentes penais – Professora Danyelle Galvão

Professora Danyelle Galvão.


Teoria dos precedentes penais.

Bloco I
O desenvolvimento de um sistema de precedentes no Brasil.
 No Brasil, o marco de análise é o direito pela “civil law” que, diferente dos países de cultura
“common law”, prioriza a aplicação da lei como fonte primária da norma, empregando a
jurisprudência de forma secundária. Contudo, recentemente, a tendência mundial tem
demonstrado uma aproximação entre os modelos nos diversos Estados pelo mundo.
 O sistema penal brasileiro vem há tempos expandindo a utilização de julgados passados,
confirmando a aproximação com o modelo do “common law”, onde os precedentes judiciais são
fontes principais de interpretação e aplicação do Direito. Nesse sentido, é possível admitir o
desenvolvimento, ainda que muito recente, de um sistema de precedentes interno.
 O atual CPP é antigo e, em diversos aspectos, está dissociado da realidade jurídica vivenciada
hoje. A legislação nacional já prevê institutos novos, como o incidente de demandas repetitivas a
uniformização de jurisprudência e as súmulas, porém, em âmbito processual penal, tais regras
são aplicadas a partir de dispositivos presentes em outros diplomas legislativos, pois ausentes no
código criminal. Assim acontece, por exemplo, no caso dos recursos nos tribunais superiores,
que encontram seu regramento no CPC.
 Nesse contexto, as discussões recentes em âmbito legislativo tratam da manutenção das regras
de igualdade no direito penal, com o intuito de efetivar, na prática, a segurança jurídica e
estabilidade da jurisprudência dos tribunais por meio dos instrumentos de uniformização.
 Busca-se, portanto, evitar mudanças bruscas no direito, a quebra da previsibilidade, viabilizando-
se as alterações quando a sociedade muda e a manutenção da credibilidade judicial. É o que
determina o artigo 926 do CPC, uma uniformização da jurisprudência dos tribunais.

Bloco II
A decisão judicial precedente.

1
 Existem diferenciações entre os institutos utilizados para fundamentar as decisões, entre eles:
precedente/decisão judicial, jurisprudência, ementa e enunciado de súmula.
 O precedente judicial é uma decisão onde houve a discussão de um fato e os fundamentos
aplicados, é um caso concreto e isolado, uno.
 A jurisprudência, por outro lado, é um conjunto de decisões sobre um tema específico, casos
diferentes que possuem similitude fática entre si.
 A ementa de acórdão, por sua vez, é o resumo de uma decisão, uma síntese do discutido sem
que o seu conteúdo trate das especificidades do caso concreto, abordados no decorrer dos votos
que compõe a decisão colegiada.
 Por último, o enunciado de súmula é um resumo do entendimento de um tribunal sobre um
determinado tema. Devido a sua estrutura, pode lembrar um dispositivo de legislação, porém, é
um texto que expõe a conclusão do órgão judicial de forma objetiva.
 A decisão em si possui unicidade, está vinculada ao acontecimento analisado pelo processo e é o
que define a sua identidade fática, o objeto da similitude entre os casos que permitirá a adoção
do julgado como fundamentação precedente de outras ações.
 Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a similitude entre os casos e a divergência jurisprudencial
são necessárias para a interposição de recurso especial, e devem ser demonstradas por meio do
cotejo analítico, uma comparação efetiva entre os dois julgados que demonstre os pontos
semelhantes e a incongruência da decisão questionada.
 No caso das súmulas, há doutrinadores que defendem a importância de um procedimento que
regule a sua aplicação aos casos analisados, no sentido de se aplicar os enunciados empregando-
se a lógica da similitude fática, ou seja, a identificação entre as estruturas do caso concreto e do
caso que deu origem ao entendimento sumulado. Isso ocorre porque os tribunais tendem a
aplicar as súmulas existentes indistintamente como jurisprudência defensiva.
 Para que uma decisão se torne um precedente judicial, é preciso que a questão jurídica decidida
tenha passado por um debate amplo, possua fundamentação exauriente, e, em regra, tenha sido
proferida por um órgão judicial colegiado composto por magistrados de uma mesma hierarquia
(horizontal ou vertical).
 Na doutrina, parte dos autores entende que todas as decisões das cortes superiores devem ser
consideradas por todas as instâncias inferiores, pois são os responsáveis pela uniformização da

2
jurisprudência. Para outra parte, no entanto, nem todos os entendimentos precisariam ser
observados, e que, por isso, o artigo 927 do CPC estabelece uma lista das decisões que devem
ser acatadas obrigatoriamente.
 Nesse sentido, a “ratio decidendi” trata da razão de ser de cada decisão, é a razão de decidir, é a
questão central do caso que justifica a fundamentação aplicada e, sem ela, o julgado perderia o
sentido. Por outro lado, as questões presentes que não afetam diretamente o mérito, ou seja,
aquilo que orbita a razão de decidir, são denominadas de “obiter dictum”.

Bloco III
A formação de um precedente.
 O artigo 927 do CPC, em seu inciso I, estabelece que os juízes e os tribunais observarão “as
decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade”. O
controle concentrado de constitucionalidade é uma análise em abstrato promovida nos autos de
ação direta de inconstitucionalidade (ADI), ação direta de constitucionalidade (ADC) e ação de
descumprimento de preceito fundamental (ADPF).
 A previsão legislativa é de que as decisões de controle concentrado possuem efeitos “erga
omnes” no que se referem ao dispositivo da lei, já o art. 927 do CPC fala em elementos, razões
de decidir essenciais da decisão judicial.
 Essa questão é objeto de discussão na doutrina, pois o sistema de votos nas decisões colegiadas
no Brasil considera a somatória dos votos que indicam a mesma consequência, e não
necessariamente ter a mesma consequência jurídica significará que os votos possuem as mesmas
razões de decidir, o que pode conflitar com a obrigação de fundamentação das decisões e
impedir o emprego como precedentes judiciais.
 Os incisos II e IV do art. 927, CPC, tratam da aplicação dos enunciados de súmulas como
precedente, ocorre que, como visto anteriormente, o entendimento sumulado não é em si um
precedente, é, na verdade, um entendimento do tribunal extraído de um conjunto
jurisprudencial de forma objetiva. Parte da doutrina, considera que isso aconteceu por um erro
do legislador.
 Os incisos III e V do art. 927, CPC, tratam das demandas repetitivas e dos incidentes de assunção
de competência.

3
 O incidente de resolução de demandas repetitivas é cabível quando há uma divergência entre
decisões do mesmo tribunal, ou entre decisões do tribunal e órgão jurisdicional inferior, junto de
uma multiplicidade de processos com um mesmo tema de grande importância, sendo as partes
legitimadas para requerê-la. Escolhe-se um caso piloto, aquele que conduzirá a análise, e é nos
seus autos que será proferida a decisão a ser aplicada a todos os casos sob os efeitos do IRDR,
chamados de “litigantes sombra”, pois eles estão “na sombra” do feito principal.

Bloco IV
A necessidade de um debate amplo.
 Quando a decisão é “erga omnes”, o entendimento contido nela passa a ter de representar
todos os que serão atingidos por suas determinações, o que exige uma garantia em favor do
conjunto de “litigantes sombra” de que a abrangência do julgado não prejudicará a resolução de
suas demandas.
 Torna-se necessário o amplo debate jurídico, com espaço para que os defensores de ambos os
lados argumentem sobre suas teses em audiências públicas, além de outras partes do processo
na condição de “amicus curiae”. “Os amici curiae” exercem o seu papel de representantes da
sociedade civil de modo a influenciar as decisões, objetivando uma resolução mais próxima do
que é defendido por sua categoria/crença.
 É o debate amplo e a representatividade das partes no processo concederão legitimidade à
decisão.
 O incidente de assunção de competência, por sua vez, ocorre quando determinado tema de
grande relevância perante o Judiciário é enviado por uma instância inferior a uma instância
superior, para que esta discuta o caso de forma mais ampla, firmando-se tese de aplicação geral,
ainda que a questão judicial possua poucos casos em juízo. Além disso, os temas objeto da
remessa ao órgão superior são aqueles com potencial de se transformar em uma demanda
repetitiva. Assim, a decisão será construída por meio do debate amplo.
 As últimas hipóteses do inciso III, do art. 927, do CPC, tratam do recurso especial, recurso
extraordinário e recursos extraordinários repetitivos, modalidades recursais que também
passarão pelo debate amplo, com a possibilidade de “amici curiae” e audiências públicas, de
modo a representar os “litigantes sombra”.

4
 O inciso V, do art. 927, CPC, estabelece que os juízes e os tribunais observarão “a orientação do
plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados”. A determinação tem ganhado
maior relevância nos últimos anos, pois demonstra a importância dos entendimentos da corte,
além de possibilitar o julgamento monocrático de recursos com base na jurisprudência
dominante.
 No processo penal o espectro é ainda mais amplo, pois alguns regimentos internos de tribunais
estabelecem que parte dos casos podem não ser julgados pela turma, sendo remetidos
diretamente ao plenário. Ocorre que tal hipótese não caracteriza incidente de assunção de
competência, trata-se, na verdade, de uma afetação ao tribunal pleno, que pode ser decidida
pelo relator ou pela turma.
 É importante destacar que decisão que determina a afetação (até mesmo a monocrática) é
irrecorrível e, além de eleger o caso como piloto, muitas vezes não é fundamentada. Diferente
do que ocorre nos casos de incidente de assunção de competência, nos quais um órgão
colegiado decide sobre a assunção por meio de entendimento fundamentado.
 O cenário tem sido alterado nos últimos anos, a partir de julgados do Supremo Tribunal Federal
que determinam a fundamentação das decisões de afetação, além da especificação de diversos
requisitos que devem estar presentes, vedando-se a decisão genérica. A discussão continua, pois
trata-se de uma área do direito ainda em desenvolvimento no ordenamento jurídico brasileiro.

LEITURAS RECOMENDADAS
 VASCONCELLOS, Vinicius. O HC como formador de precedentes.
https://www.conjur.com.br/2020-out-15/pensando-habeas-habeas-corpus-formador-
precedentes-penais-stf
 Versão parcial tese Danyelle Galvão: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-
13082020-232848/publico/6759007_Tese_Parcial.pdf

Você também pode gostar