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SENSO INCOMUM
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19/01/2023 14:08 ConJur - Da lava jato à Presunção de Inocência: a procuração invisível!
Antes da lava jato houve o mensalão. Foi quando escrevi que "o direito, a partir de então,
seria AM-DM (Antes e Depois do Mensalão). O texto é de 2012 (ver aqui). Uma pena que
não errei. Avisei de há muito.
O fato é que o projeto de poder da lava jato encantou (até no sentido de "enfeitiçou") a
comunidade jurídica, midiática e política. O ovo da serpente foi também um encantador de
serpentes. Como na Itália com a Mãos Limpas. O velho e atávico udenismo (às vezes veste
toga) sempre está no cio. Fórmula agora aperfeiçoada: amaldiçoar os políticos e no seu
lugar colocar outsiders. Bem se viu (e se vê) o que fazem outsiders. Basta olhar pela
janela. Eis aí o 8J.
O pesquisador Fábio de Sá e Silva sublinha, em bela entrevista à Folha: "Existe uma linha
de continuidade entre Lava Jato e ataques golpistas". E eu digo: bingo, Fábio.
3. Destruíram a política. Com isso, de baciada, quase destruíram o país (eis o 8 J como
prova).
Explico e demonstro. Com a criminalização da política, a fragilização das instituições é
(i)mediata. A sede insana de autocratismo. Não é por nada que, dia sim e outro também, o
artigo 142 era invocado para justificar intervenção militar e quejandices mil. O direito
contra o direito. Uma hermenêutica às raias da delinquência de Hermes. O então presidente
da República, militares, gentes do direito, ex-frequentadores de bingos, radialistas, pastores
(tem um monte deles presos) — todos transformados em vivandeiras. Gozavam, ao bulir
com os granadeiros...!
Poucos se deram conta do(s) ovo(s) da(s) serpente(s). De 2014 em diante (tudo já estava se
desenhando em 2013).
Muita gente progressista achou que a lava jato era a redenção... Mal sabiam que ali estava o
ovo da crotalus terificus (cascavel). Por falar em nomes científicos, parabéns à OAB da
Bahia. Lá propõem — e isso vai para ser apreciado na OAB nacional — que advogado que
apoia golpe e golpismo "ganha" o certificado de inidôneo. Muito bom. Advogado que quer
extinguir a democracia é um caracidio da espécie hoplas malabaricus (mais conhecido
como traíra).
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No princípio eram os resistentes. Que só possuíam o verbo. No princípio mal enchiam uma
Kombi (há poucos dias ainda conversava sobre isso com o nosso capitão do time do Prerrô,
o querido Marcelo Nobre; ele tem isso muito claro!). E sofremos muito. Lembro de meu
debate com Moro em 2015. Tempos difíceis. Recordo de um texto que escrevi, em 2015,
mostrando o panorama: diagnosticava então, que o direito seria, inexoravelmente, ALV-
DLV (Antes da Lava Jato e Depois da Lava Jato). Avisei de novo.
Em linguagem bélica, digamos que o lavajatismo foi uma blitzkrieg ou a guerra dos seis
dias. À sorrelfa. Demorou para que os resistentes nos reorganizássemos. Juntar os cacos.
Os tiros vinham de todos os lados.
Mas não bastava combater os desmandos (hoje plenamente demonstrados) da lava jato, a
ponto de até o juiz Bretas, hoje, se autodeclarar incompetente.
A luta era desigual. Tudo era possível — e com o auxílio da grande mídia. Mas a lava jato
tinha seu super trunfo. E qual era?
Respondo: algo que o próprio governo petista ajudou a construir: a delação premiada,
premiadíssima. Uma autêntica pedra filosofal para obter condenações, pela qual os
próprios acusadores escolhiam os advogados dos delatores (isso ainda está pendente de um
encontro com a história; a ave de Minerva ainda há de levantar voo).
O canto das sereias da "voz das ruas" fez com que se dissesse que a CF diz o que ela nunca
disse. Fez com que se contrariasse dispositivo legal que repete exatamente o que diz a CF.
Contrariando todo o espírito, toda a lógica estruturante da Carta, em sua densidade
principiológica. Como o mundo é esférico e não quadrado, ele dá voltas, muita gente —
agora enrolada — que antes esbravejava contra, ainda agradecerá a todos os que lutaram
pela presunção da inocência.
Sigo. Hoje é possível afirmar que o giro jurisprudencial do STF em 2016 foi o combustível
que faltava à lava jato. Além de ser o triunfo do que pregavam Moro e o MPF, facilitava
prisões. A imprensa vibrava. O gozo indizível de ver o moralismo triunfar.
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E o interessante é que quase 70% da comunidade jurídica (os números são sujeitos a uma
auditoria, mas que não seja a das Lojas Americanas — mas é por esse entorno) era contra a
presunção da inocência... e coincidentemente a favor da lava jato. Um espelhava o outro.
6. Para além da lava jato, surge uma nova frente de batalha: as ADCs 43, 44 e 54
Então, ao lado do enfrentamento do lavajatismo alimentado por um lawfare sem
precedentes, tínhamos que enfrentar o novo posicionamento do STF que, naquele
momento, parecia render-se aos encantos da lava jato.
E entramos também de cabeça nessa nova frente. Fui um dos subscritores da ADC 44
(Kakay fizera minutos antes o protocolo da ADC 43 — os argumentos não eram
exatamente iguais, frise-se, embora buscássemos a mesma coisa; a diferença era que a ADC
44, da OAB, não aceitava a "hipótese STJ", espécie de "terceira via").
Perdemos a liminar e aí começou a luta. Três longos anos. Longos, mesmo. De um lado, a
poderosa lava jato e a mídia; de outro, a busca por pautar as ADCs. Até pautar era difícil.
Pouca gente sabe, mas chegamos a ingressar com uma ADPF para demonstrar que a falta
de pautamento das ADCs já era, em si, uma violação de preceito fundamental. O STF,
porém, a fulminou. Para ver como foi difícil esse conjunto de batalhas.
Foram muitas frentes de lutas. Ainda por cima surgiu a guerra contra as Dez Medidas
propostas por Moro e o MPF, que queriam introduzir — pasmem e se apavorem —
prova ilícita de "boa-fé" e quase-acabar com o HC, entre outras barbaridades. Isso não é
ficção. Existiu. Para verem que tempos vivenciamos.
Sim, veja-se a ousadia do lavajatismo. A sorte nossa é que o projeto das Dez Medidas
funcionou como o dilema do trapezista morto: ao se achar tão bom e tão magnifico,
pensou que poderia voar.
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O corolário de tudo foi a decisão do TRF-4, que explicitou a parcialidade e falta de isenção
do MP. Disse a decisão (aqui): "Não é razoável exigir-se isenção dos procuradores da
República, que promovem a ação penal".
Tentando explicar a complexidade desse nosso modus operandi: fizemos aquilo que venho
chamando de há muito de "constrangimento epistemológico", uma derivação daquilo que
o grande Bernd Rüthers denunciou da doutrina alemã quando da ascensão do nazismo. Por
isso ele escreveu o premiadíssimo livro Die unbegrenzte Auslegung (Uma Interpretação
Ilimitada ou, assim prefiro, uma Interpretação Não Constrangida).
Sendo mais claro, fizemos por aqui, em terrae brasilis, o que a doutrina e a comunidade
jurídica alemã não haviam feito naqueles anos plúmbeos da ascensão nazista.
Denunciamos, nos processos da lava jato, o que Meier-Hayoz, endossado por Rüthers,
chamou de — tenho adoração por esse conceito — "carência fundamental de
fundamentos" (grundsätzliche Grundsatzlosigkeit). Isto é: o fundamento era o não
fundamento — a simples vontade de poder.
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No caso das ADCs, fomos vencedores por atuação direta, três anos depois de perdermos a
liminar. A luta terminou no segundo semestre de 2019, culminando com a libertação de
Lula. Isso gerou o livro O Dia em que a Constituição foi Julgada, coordenado por mim e
Juliano Breda em edição da RT. Nesse livro aparecem todos os protagonistas, como
Defensoria e tantas entidades valorosas. Está tudo ali, tim tim por tim tim.
Quanto à lava jato, tudo acabou com apertada maioria do STF julgando Moro incompetente
e parcial. Nesse trabalho de convencimento, já aos poucos foi crescendo o número de
juristas que se deram conta daquilo que o ovo da crotalus terrificus havia gestado,
auxiliado que fomos nessa tarefa com o surgimento da Vaza Jato – cujos dados
escabrosos nem foram necessários para a declaração da parcialidade de Moro, embora em
termos de opinião pública tais revelações tenham sido de extrema importância. Inegável
esse fato.
Escrevemos, o Grupo Prerrô — dois livros sobre a parcialidade de Moro: O Livro das
Suspeições abriu a trilogia, com o subtítulo O que fazer quando sabemos que sabemos que
Moro era parcial e suspeito?, organizado por Carol Proner, Lenio Streck, Marco Aurelio de
Carvalho e Fabiano da Silva Santos. O segundo foi O Livro das Parcialidades.
Completando a trilogia, em breve lançaremos O Livro dos Julgamentos. E falta talvez um
quarto livro: que deveria ser escrito por Rochinha e Manoel Caetano. Seria ótimo!
Em termos de artigos, contabilizei incontáveis textos solo (são incontáveis mesmo) e mais
outros tantos em coautoria com Marco Aurelio e Fabiano. Incluo aqui artigos publicados
nesta ConJur, nos grandes jornais do país, mais periódicos e capítulos de livro. Foram
mais de 200 escritos.
E também centenas de entrevistas em rádio, TV e sites como DCM, 247, TVT, Fórum, My
News, Pannunzio (TV Democracia) e ICL que fizeram uma muralha de resistência contra
as investidas neo-udeno-lavajatistas como a de um famoso jornalista que, dia sim e outro
também, tocava terror na população, dizendo que, vencêssemos a batalha da presunção
da inocência, 170 mil corruptos, estupradores, proxenetas e quejandos seriam
imediatamente liberados (e isso me deu muito trabalho respondendo a esse jornalista).
Tudo sempre devidamente respondido nos grandes veículos (Folha, O Globo e Estadão).
Era bateu, levou. Cumprindo assim um dever republicano de participação no debate
público, na esfera pública, desmistificando lendas urbanas e mentiras — informações
falsas.
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Isto é, para quem pensou que a nossa "Operação Devido Processo Legal" havia terminado e
os guerreiros pudessem descansar, iniciou a campanha política pela qual se desqualificava,
cotidianamente, a decisão do STF que anulara as sentenças de Lula e considerara Moro
suspeito-parcial.
E lá fomos nós novamente. Só nessa nova fase foram mais 60 artigos e mais de uma
centena de lives e entrevistas em grandes e pequenos veículos. Somados com os 200 dos
quais falei acima, calculemos tudo o que foi feito (falei disso também no Programa WW,
CNN, dia 5/1/2023 — acesse aqui a entrevista).
Somando tudo — rádio, TV, mídia alternativa, textos escritos — foram mais de 700
inserções. Isso de minha parte, na modalidade solo e em coautoria (Marco e Fabiano).
Agora imaginem se adicionarmos o que fizeram os demais membros do Prerrô (Pedro
Serrano, Carol Proner, Kakay, Mauro Menezes, Fernando Fernandes, Cattoni e tantos
outros — impossível citar a todos; a listagem aqui é exemplificativa).
Numa palavra final: como Evandro Lins e Silva, de posse de "procuração invisível", achei
que "meus constituintes" mereciam uma accountabillity, a devida prestação de contas deste
incomensurável "mandato sem papel e sem assinatura" que nos foi conferido — a mim e
aos meus parceiros que primeiro enchiam uma kombi e que, ao final, enchemos muitos e
muitos ônibus.
E, é claro, sempre haverá quem queira, mesmo chegando atrasado, sentar-se à janela e
pegar ar fresco. Mas isso faz parte da própria democracia. É do jogo. Até porque não se
deve ter compromisso com os erros do passado — por omissão ou comissão.
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[1] Sugiro a leitura de dois textos: Lenio critica condução coercitiva e Crítica aos HC
126.292, de Marcelo Cattoni, Diogo Bacha, Alexandre Bahia e Flávio Pedro
Lenio Luiz Streck é jurista, professor, doutor em Direito, autor de Hermenêutica Jurídica
E(m) Crise e Verdade e Consenso.
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