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ABRIL 2023 29ª EDIÇÃO

R E V I S T A
Foto: Stefano Oppo/Canva Pro

Cultura woke invade


governo Lula e encobre
dramas sociais concretos

Universitários progressistas, Editorial: Supremo


sem saber, concordam com endossa o abuso das
frases de Hitler “denúncias genéricas”
Índice
Editorial: Supremo endossa o abuso das
03
“denúncias genéricas”

J.R. Guzzo: MST não quer terra nenhuma, só


11
dinheiro vivo – e quem paga é o povo

Paulo Uebel: STF: a volta do imposto sindical


17
enfraquece trabalhadores e nossa democracia

Cultura woke invade governo Lula e encobre


31
dramas sociais concretos

ESG vira barreira contra produtos brasileiros nos


44
EUA e Europa

Versão final do PL das Fake News retira criação


59
de órgão fiscalizador: veja o que mudou

Universitários progressistas, sem saber,


65
concordam com frases de Hitler

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3

O acampamento de apoiadores de Jair Bolsonaro em Brasília foi desmontado


logo depois dos atos de 8 de janeiro.| Foto: Renan Ramalho/Gazeta do Povo

| Editorial

Supremo endossa o abuso das


“denúncias genéricas”
Estar no lugar errado, na hora errada, é crime?
No Brasil do Código Penal, pensar algo assim
seria uma loucura sem tamanho; mas, no Brasil
de Alexandre de Moraes, há, sim, lugares e mo-
mentos em que não se pode estar sem correr o
risco de ir para a prisão. É dessa forma que se

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pode compreender a recente decisão de tornar


réus meia centena de brasileiros tidos por
“incitadores” dos atos de 8 de janeiro e que
foram presos no acampamento montado em
frente ao Quartel-General do Exército, em
Brasília. O relator Moraes e outros sete minis-
tros foram favoráveis à aceitação da denúncia
por incitação pública à prática de crime e
associação criminosa; Nunes Marques e André
Mendonça saíram vencidos, mas seus votos
mostram a que ponto o arbítrio está se tornando
norma na principal corte do Judiciário
brasileiro.

Ambos os ministros mostraram, com clareza


inequívoca, os inúmeros abusos processuais que
vêm se acumulando na esteira do golpismo
vândalo de 8 de janeiro, a começar pela abolição
pura e simples do princípio do juiz natural.
Afinal, nenhum dos agora réus pertence aos

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grupos que detêm prerrogativa de foro, e seus


casos deveriam, na mais severa das hipóteses,
estar nas mãos da primeira instância da Justiça
Federal em Brasília. Por mais correta que seja
essa observação, já há muito tempo Moraes vem
atribuindo a si mesmo competência para julgar
absolutamente tudo e todos que ele queira
julgar por supostos “ataques às instituições”,
em uma espécie de “juízo universal” – a
expressão, usada por Nunes Marques em seu
voto, já foi empregada no passado para criticar
uma suposta concentração de processos da
Operação Lava Jato na 13.ª Vara Federal de
Curitiba, do então juiz Sergio Moro, por mais
que a conexão entre os casos fosse evidente e
que o próprio STF tivesse feito todo o esforço
possível para fatiar a Lava Jato, enviando
processos para outros estados ou para a Justiça
Eleitoral.

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Não há defesa possível do Estado


Democrático de Direito quando se
nega a cidadãos brasileiros o direito
à ampla defesa, quando se aceita
um trabalho preguiçoso de acusa-
ção, incapaz de demonstrar o que
cada denunciado fez de concreto

Ainda mais escandalosa que a abolição do prin-


cípio do juiz natural, no entanto, é a aceitação
de denúncias genéricas oferecidas pela Procu-
radoria-Geral da República, feitas na base do
“copia-e-cola”, sem a individualização das
condutas, em violação frontal à jurisprudência
do Supremo. “Deixou a acusação de identificar e
expor os fatos supostamente criminosos, com
todas as suas circunstâncias”, afirmou Nunes
Marques, acrescentando que “não se pode
caracterizar a justa causa para instauração da
ação penal lastreada no simples fato de alguém

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estar acampado ou ‘nas imediações do Quartel


General do Exército’ em Brasília, sem que se
demonstre e individualize sequer uma conduta
criminosa atribuída aos denunciados”. Na
mesma linha, Mendonça votou “pela rejeição da
denúncia, eis que não trouxe indícios mínimos e
suficientes da prática dos delitos narrados nas
iniciais acusatórias pelas cinquenta pessoas
aqui denunciadas por estarem no acampamento
no dia 9 de janeiro de 2023”.

Obviamente, como já afirmamos repetidas


vezes neste espaço, os acampamentos diante
dos quartéis – não apenas o de Brasília – eram
movidos por um animus golpista, visto que a
reivindicação era a de uma ação militar que
impedisse a posse de Lula ou que o removesse
do poder, uma vez empossado. No entanto, há
uma série de aspectos a ressaltar, como também
já lembramos, a começar pelo fato de que

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muitos dos acampados jamais entenderam tal


interferência como um golpe propriamente
dito, mas como algo que teria amparo constitu-
cional – uma interpretação do artigo 142 clara-
mente equivocada, mas que já dificultaria a
responsabilização objetiva dessas pessoas,
como aliás o admite o Código Penal nos casos do
“erro de tipo” (artigo 20) e do “erro de
proibição” (artigo 21).

No entanto, e aqui reside o cerne do arbítrio


cometido, mesmo um golpista empedernido,
plenamente ciente da ilegalidade do que pedia,
não poderia jamais ser responsabilizado de
forma genérica, sem que a PGR apontasse o que
essa pessoa fez de concreto para que pudesse
ser enquadrada em crimes contra o Estado de
Direito. Neste sentido, Mendonça é certeiro:
“Não se olvida de que no acampamento,
seguramente, havia pessoas mal-intenciona-

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das, pessoas que desejavam um golpe de Estado,


pessoas cujos motivos de presença no local se
harmonizavam com o dolo narrado pelo Minis-
tério Público. E é possível considerar que havia
um bom número delas. Tais circunstâncias,
todavia, não autorizam a presunção de que
rigorosamente todos que lá estavam agiam com
as mesmas intenções e, portanto, não permitem
a imputação uniforme contra todas aquelas
pessoas, sem que se apontem elementos que
demonstrem, individualmente, a culpabilidade
subjetiva de cada qual”.

Cada indivíduo só pode ser acusado e julgado


pelo que fez, individualmente. A defesa da
democracia não comporta acusações baseadas
em generalizações que “são sempre temerá-
rias” e pressupõem, “sem comprovação, uma
absoluta uniformidade e homogeneidade
daquela massa de pessoas”, nas palavras de

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Mendonça. O mero fato de essas pessoas


estarem no acampamento no momento em que
as forças de segurança foram desmontá-lo
jamais poderia bastar para que a PGR denun-
ciasse todos os presos exatamente pelos
mesmos crimes apoiando-se nos mesmos
indícios genéricos. Não há defesa possível do
Estado Democrático de Direito quando se nega a
cidadãos brasileiros o direito à ampla defesa,
quando se aceita um trabalho preguiçoso de
acusação, incapaz de demonstrar o que cada
denunciado fez de concreto e os motivos reais
que justificariam seu julgamento. Compactuar
com isso é aceitar que, em nome de uma
suposta defesa da democracia, se parta para o
arbítrio escancarado e para a tirania judicial.

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J.R Guzzo

| Foto: Reprodução/MST

MST não quer terra nenhuma,


só dinheiro vivo – e quem paga
é o povo
O MST, esse santo sacrário de Lula, da esquerda
nacional e de quem acredita que o Brasil, a esta
altura do século XXI, ainda precisa de uma
"reforma agrária", nunca quis distribuir terra

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para ninguém. Desde o começo das suas


operações, ficou claro que é uma sociedade
comercial com sócios-proprietários, acionistas
e funcionários de carreira, com o objetivo de
explorar o mercado mundial da piedade com o
“camponês” explorado pelos “ricos” e sempre
pronto a dar dinheiro para um “mundo mais
justo”. Mais: cria e aproveita oportunidades
para assaltar o Tesouro Nacional, em parceria
com políticos que também estão pouco ligando
para a "situação social" no campo; o que
querem é verba, voto e cartaz.

O resultado prático disso é que o MST e seus


derivados têm um único interesse real,
estratégico e político: manter vivo, e sem
solução, o “problema da terra”. É dele que
vivem. Estarão mortos o dia em que todos os
brasileiros do mundo rural tiverem seu próprio
pedaço de chão. Por isso ficaram tão ferozmente

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contra a distribuição, no governo passado, de


mais de 300.000 títulos de propriedade a
brasileiros que querem trabalhar na terra.

Essa trapaça, que dura há décadas, acaba de


receber uma espécie de selo de aprovação do
governo Lula, com ata de reunião, documento
oficial e número de protocolo. Atesta-se aí
pública e abertamente, pela primeira vez, que o
MST não quer terra nenhuma, e sim dinheiro
vivo. O dinheiro, naturalmente, é o seu, tirado
diretamente dos impostos.

Não se de trata de uma “reivindicação política”


de ordem geral. O que houve de fato, numa
reunião oficial do MST com o ministro da
Fazenda, foi a exigência de um pagamento
específico e determinado de 1 bilhão de reais, a
ser depositado nas contas bancárias da
organização. Isso mesmo: 1 bilhão de reais, uma

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em cima da outra. Foi apresentada, é claro, a


desculpa de que esse dinheiro se destinaria à
“aquisição de terras” para os “camponeses”,
mas quem conseguiria acreditar numa história
dessas? Se querem mesmo terra, por que não
pedem terra? O governo está cheio de terra – é,
aliás, o maior proprietário de terras do Brasil,
disparado. Nada disso: o que eles querem é 1
bilhão de reais. É uma extorsão. O MST está
invadindo de novo propriedades rurais e órgãos
do governo, com estímulo ou omissão da
autoridade pública; diz que vai invadir mais, se
não receber dinheiro.

O MST sabe perfeitamente que está acima da lei.


O STF processa de modo enfurecido, sistemático
e ilegal tudo o que considera
“antidemocrático”, ou “terrorista”, ou contra o
“patrimônio do Estado brasileiro”. Mas o MST
invade e destrói propriedades da Embrapa, a

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grande turbina do avanço da economia rural no


Brasil, e não acontece absolutamente nada aos
seus donos. É o contrário. Eles fizeram parte da
comitiva oficial de Lula à China. Continuam
ganhando postos-chave no comando do Incra e
de outros órgãos oficiais ligados à terra.

Por decisão do STF, os proprietários rurais não


podem pedir à polícia ou à justiça que os
defendam quando suas fazendas são invadidas:
têm de “negociar” com os invasores, como um
cidadão que precisasse negociar com os
assaltantes quando invadem a sua casa para
roubar. As instalações da Embrapa, para ficar só
nessa parte do problema, são patrimônio do
Estado brasileiro, como o Palácio do Planalto e
os edifícios do Congresso e do STF.

Se invadir os edifícios dos Três Poderes é crime,


terrorismo e golpe de Estado, por que invadir e

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destruir instalações da Embrapa é permitido?


Por que os autores destes crimes viajam ao lado
do presidente da República, despacham com o
seu ministro da Fazenda (que põe boné do MST
na cabeça) e pedem abertamente dinheiro
público ao governo? Por que a lei brasileira não
se aplica a eles?

Autor: J.R.Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em


1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o
Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista
Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra
do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China,
em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de
1976, período em que a circulação da revista passou de 175.000
exemplares semanais para mais de 900.000. Nos últimos anos trabalhou
como colunista em Veja e Exame.

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Paulo Uebel

O ministro do STF Gilmar Mendes mudou sua posição sobre o imposto sindical.|
Foto: Nelson Jr./STF.

STF: a volta do imposto sindical


enfraquece trabalhadores e
nossa democracia
É interessante como muitas pautas da esquerda,
que se rotula como progressista, não passam de
regressismo, sem quaisquer benefícios para a

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população. A volta do imposto sindical, mesmo


que com outro nome, é uma delas. Não existe
nada pior para o trabalhador do que ser
obrigado a pagar por um serviço que não recebe
e que, muitas vezes, vai contra seu próprio
interesse. A volta da cobrança compulsória do
trabalhador é praticamente institucionalizar o
assalto contra essa categoria.

Em 2018, acertadamente, o Supremo Tribunal


Federal (STF) considerou constitucional a
abolição do imposto sindical da reforma traba-
lhista, mas, agora, o STF julga um recurso que
pode trazer a volta da cobrança da “contribui-
ção” sindical, que de voluntária não existe nada.

O imposto sindical foi instituído no Brasil em


1943, durante o governo de Getúlio Vargas,
como forma de financiar os sindicatos de
trabalhadores atrelados ao estado, na linha do

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que Mussolini, o grande fascista, havia feito na


Itália. A contribuição era obrigatória e equivalia
a um dia de trabalho por ano, descontado
diretamente do salário do trabalhador, sem
opção. Essa cobrança independe da proximidade
do trabalhador com o sindicato, da qualidade do
trabalho realizado, da transparência no uso dos
recursos ou do resultado efetivo da representa-
ção da categoria. Com isso, foi gerado um
sistema injusto e turvo que, na grande maioria
das vezes, não gerava nenhum benefício real e
mensurável para os trabalhadores, apenas para
os partidos políticos e candidatos que
conseguiam capturar esses sindicatos.

Esse assalto ao bolso do trabalhador, que havia


sido institucionalizado nos moldes do fascismo
italiano, esteve em vigor até 2017, quando foi
extinto pela reforma trabalhista do governo
Michel Temer. Sem dúvida, essa foi uma das

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maiores vitórias para os trabalhadores em mais


de 70 anos. Ao beneficiar trabalhadores, a
medida prejudicou os sindicatos que não
prestavam contas e não mostraram resultados
efetivos, que viram suas receitas caírem
drasticamente. Finalmente, e de acordo com as
melhores práticas democráticas, o financia-
mento dos trabalhadores passou a ser voluntá-
rio. Com isso, os trabalhadores saíram
fortalecidos.

Estão tentando legitimar algo que,


por sua natureza antidemocrática,
jamais deveria ser legitimado.

Há pouco mais de um ano, em fevereiro de


2022, o Poder360 calculou que a contribuição
sindical caiu 97,5% desde que deixou de ser
obrigatória em 2017. Caiu de R$ 3,05 bilhões
para R$ 65,5 milhões em 2021. Sozinha, a

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Central Única dos Trabalhadores (CUT) perdeu


na época 99,6% da sua arrecadação em 4 anos:
saiu de R$ 62,2 milhões em 2017 para R$ 274
mil. O Poder360 deixou a porta aberta para
incluir um posicionamento da CUT e de demais
sindicatos justificando a queda de recursos na
reportagem de 2022, mas, até hoje, não obteve
resposta.

Antes do fim do imposto sindical, enquanto os


trabalhadores do mundo real seguiam a máxima
“no suor do teu rosto comerás o teu pão”,
diversos sindicalistas lucravam com o imposto
sindical, dinheiro arrancado à força dos assala-
riados brasileiros, ou seja, à custa do suor dos
outros. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), antes de assumir o seu terceiro mandato,
defendeu a volta desse desrespeito ao bolso do
trabalhador, desta vez, chamando de taxa. Seria
a tal da "taxa de sustentabilidade sindical",

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mais um eufemismo criado pela esquerda


radical para esconder suas reais intenções.

Como já mencionado nesta coluna anterior-


mente, apesar do eufemismo, essa taxa serve
para empobrecer os trabalhadores e enriquecer
os sindicatos, de preferência aqueles que usam
os recursos de forma pouco transparente e sem
qualquer fiscalização. Com apoio do STF e de
Lula, ao que parece, os sindicatos vão poder
voltar a arrancar recursos dos trabalhadores,
sem o consentimento desses. Para fortalecer os
trabalhadores e a própria democratização dos
sindicatos, deveria se caminhar justamente em
criar e difundir mecanismos de participação dos
trabalhadores nos próximos decisórios. O STF,
simplesmente, vai excluir a necessidade de
consentimento e participação dos trabalhadores
nesse processo.

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Privar o Congresso Nacional de


discutir e decidir sobre o futuro do
imposto sindical enfraquece nossa
democracia.

Sobre o presidente Lula defender o pagamento


do imposto sindical, rebatizado de “taxa”, em
assembleias, Hugo Marques e Ricardo Chapola
explicaram na Veja, em novembro de 2022,
como seria o funcionamento do novo
mecanismo: “o sindicato realizaria uma
assembleia e decidiria sobre a criação da taxa e
o percentual que recairia na folha de
pagamentos do trabalhador. No Brasil, a
experiência mostra que assembleias com
apenas algumas dezenas de sindicalizados
tomam decisões que afetam a vida de milhares
de trabalhadores de uma mesma categoria”.
Ora, como se sabe, muitas assembleias de
sindicatos não representam efetivamente os

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trabalhadores, e, justamente por isso, se exigiu


que a cobrança da taxa fosse aprovada, de
próprio punho, por cada trabalhador. O que se
quer agora é fazer a cobrança mesmo sem a
aprovação do trabalhador.

O STF, em seu julgamento da vez, além de poder


permitir a volta do imposto sindical e prejudicar
todos os trabalhadores CLT do Brasil, também
deve livrar Lula de negociar, politicamente, a
volta do imposto sindical para agradar sua base
ideológica. Privar o Congresso Nacional de
discutir e decidir sobre o futuro do imposto
sindical enfraquece nossa democracia, sem
falar na insegurança jurídica gerada por essas
constantes mudanças de posição. Não basta
excluir os trabalhadores da decisão, o STF
também exclui os representantes do povo desse
importante debate.

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Assim, a esquerda radical pode ter uma vitória


sem ter que mexer na bem-sucedida reforma
trabalhista de Temer, que permitiu a redução do
desemprego. O caso que está sendo julgado
agora pelo STF tramita desde de antes da
reforma trabalhista de 2017, e no centro do
debate está o Sindicato dos Metalúrgicos da
Grande Curitiba, mas a decisão terá repercussão
geral: valerá para todos os sindicatos do Brasil.

Em 2017, conforme o voto de Gilmar Mendes,


que era relator do processo, o STF decidiu pela
inconstitucionalidade da cobrança da
contribuição assistencial de não sindicalizados.
Mas, agora, o ministro Gilmar Mendes mudou
seu entendimento, seguindo o ministro Luís
Roberto Barroso, que é favorável à cobrança da
contribuição de trabalhadores não
sindicalizados — ou seja, a volta do pagamento
involuntário. Estão tentando legitimar algo que,

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por sua natureza antidemocrática, jamais


deveria ser legitimado, enfraquecendo os
trabalhadores.

O pagamento obrigatório da
contribuição sindical não incentiva
os sindicatos a trabalharem pelos
interesses dos trabalhadores.

Em novembro de 2022, um economista ligado à


área sindical calculou que se o imposto sindical
voltar a ser cobrado nos mesmos parâmetros
anteriores à reforma trabalhista, R$ 4 bilhões
por ano sairão do bolso dos trabalhadores para
o bolso dos sindicatos, conforme publicou a
Veja. A mudança de entendimento do ministro
Gilmar Mendes sobre o assunto prova, mais
uma vez, que no Brasil, até o passado é incerto.
Será um grande retrocesso para os trabalhado-
res que, mais uma vez, não estarão envolvidos

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no processo decisório. O fascismo de Mussolini,


que criou um sistema para fortalecer sindicatos,
mesmo sem o consentimento dos trabalhado-
res, não deveria voltar a valer do Brasil.

No dia 18 de janeiro, o presidente Lula disse que


o fim do imposto sindical obrigatório foi um
"crime" contra os sindicatos. “Segundo o chefe
do Executivo federal, a democracia depende de
entidades "organizadas e fortes" para
representar os interesses dos trabalhadores”,
noticiou o R7. Ora, se os sindicatos prestarem
um bom serviço e engajarem os trabalhadores,
certamente, terão seu trabalho reconhecido. O
que não pode é cobrar dos trabalhadores sem o
consentimento deles.

Enquanto o Executivo e o Judiciário


decidem quem vai instituir a volta
do imposto sindical, sem consultar

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28

os trabalhadores, o Congresso segue


excluído da discussão.

Mas a verdade é que o fim do imposto sindical


veio em 2017 porque as autoridades políticas da
época admitiram que a obrigatoriedade da
contribuição feria o princípio da liberdade
sindical, já que obrigava os trabalhadores a
financiar os sindicatos, mesmo que eles não
concordassem com suas ações ou não se
sentissem representados por eles.

Além disso, a sociedade percebeu que muitos


sindicatos não prestavam serviços de qualidade
aos trabalhadores, e que o imposto sindical
acabava se tornando uma fonte de renda
garantida para esses sindicatos, sem que
houvesse uma prestação de contas adequada
sobre o uso dos recursos. Ou seja, o pagamento
obrigatório da contribuição sindical não

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incentiva os sindicatos a trabalharem pelos


interesses dos trabalhadores, pelo contrário, dá
carta branca para que eles corram apenas atrás
dos próprios interesses e, inclusive, sejam
capturados por partidos políticos.

Com o fim da obrigatoriedade do imposto


sindical, os sindicatos passaram a depender
exclusivamente das contribuições voluntárias
de seus membros. Em 2017, muitos tiveram a
inocência de pensar que sindicatos como a CUT
seriam estimulados a buscar mais qualidade na
prestação de serviços e na representação dos
interesses dos trabalhadores — em vez de
seguirem os interesses ideológicos e
partidários. Na teoria era isso mesmo que
deveria acontecer.

Mas, em vez disso, os sindicatos trabalharam


pela eleição de Lula para que ele atendesse seu

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desejo e lutaram no Judiciário para que os


ministros do STF também lhes dessem o aval. Se
não desse certo aqui, daria certo ali. Enquanto o
Executivo e o Judiciário decidem quem vai
instituir a volta do imposto sindical, sem
consultar os trabalhadores, o Congresso segue
excluído da discussão. No fim, trabalhadores e
sociedade são as maiores vítimas desta decisão.

Autor: Paulo Spencer Uebel foi Secretário Especial de Desburocratização, Gestão e


Governo Digital do Ministério da Economia (2019-2020), CEO da Webforce Venture
Capital e Diretor da Finvest (2018). Antes, foi Secretário Municipal de Gestão da
Prefeitura de São Paulo (2017-2018), CEO da WeWork Brasil (2015-2016) e CEO
Global do LIDE - Grupo de Líderes Empresariais (2013 a 2015). Atualmente, é
Sócio-fundador e Vice-Presidente da Cristalina Saneamento, Presidente do
Conselho de Administração da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais –
CODEMGE, Presidente do Conselho de Administração da Companhia de
Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais – CODEMIG e Vice-Presidente do
Conselho Curador da Fundação Renova.

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Especulações de caráter pouco científico como as teorias sobre gênero e racismo


estrutural são tratadas como verdades absolutas e embasam diversas decisões do
governo. Foto: Stefano Oppo/Canva Pro

Cultura woke invade governo Lula


e encobre dramas sociais
concretos
Por Leonardo Desideri

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem


deixado a porteira aberta para o identitarismo e o
radicalismo woke no começo de seu mandato. A
tendência perpassa diversos ministérios e se

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manifesta em audiências, portarias, discursos de


autoridades e em políticas públicas.

Especulações de caráter pouco científico como as


teorias sobre gênero e racismo estrutural são trata-
das como verdades absolutas e embasam diversas
decisões do governo. Derrotar a "machosfera",
adotar "linguagem que promova equidade" e com-
bater o "sistema patriarcal" parecem ser neces-
sidades mais prementes, para a alguns setores do
governo, do que resolver problemas sociais
objetivos de impacto concreto na vida dos cidadãos,
como a violência e a falta de saneamento básico.

No começo de março, em plena semana da série de


ataques por uma facção criminosa no Rio Grande
do Norte, o Ministério da Justiça lançou um
programa de segurança pública apoiado em teses
caras à cultura woke: o Pronasci (Programa
Nacional de Segurança Pública com Cidadania) 2,

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atualização de um falido projeto cuja vigência entre


2007 e 2012 – no segundo mandato de Lula e
primeiro de Dilma Rousseff – coincidiu com o
início do aumento exorbitante da violência no país.
Entre os cinco eixos de atuação do novo programa
está o "combate ao racismo estrutural".

O sociólogo Lucas Azambuja, professor do


Ibmec-BH, explica que a expressão "racismo
estrutural" é "uma importação de uma leitura das
relações raciais nos Estados Unidos por uma cor-
rente de pensamento pós-marxista, que se inspira
na visão de mundo marxista para entender as
relações entre negros e brancos". "No contexto da
sociedade americana pós-movimentos dos direitos
civis, que colocaram fim àquela situação trágica da
segregação racial, criou-se uma série de bandeiras
ligadas às tensões nas relações raciais. De uns
tempos para cá, até pela influência de fundações
internacionais que financiam, entre outras coisas,

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34

pesquisas na área de humanidades, esse termo foi


importado, e estão tentando aplicá-lo para orientar
políticas públicas. O PT traz isso ao Brasil até como
forma de assegurar que determinados quadros de
militância participem do governo", comenta.

Invasão de jargões ideológicos da cultura woke


tem impacto social

Assim como "racismo estrutural", segundo


Azambuja, outros conceitos ideológicos da cultura
woke têm sido usados como forma de "capturar
politicamente" problemas reais e, às vezes, graves.
Com a disseminação desses termos no debate
público, é possível usá-los para orientar regulações
e, assim, moldar a sociedade de acordo com
projetos ideológicos.

"Existe violência contra a mulher. Existem


problemas nas relações raciais. Nós vivemos em
um país violento. Ou seja, há uma série de

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problemas reais. E esses termos são uma forma de


capturar politicamente esses problemas. É a
tentativa de criar uma espécie de monopólio
político em torno da questão. Quando eu consigo
fazer com que as pessoas abordem o problema da
violência contra a mulher a partir da palavra
'feminicídio', quem se opuser a mim será, entre
aspas, 'a favor' do feminicídio. O uso da palavra
ajuda a deter o monopólio", observa.

No Ministério das Mulheres, termos como


"misoginia", "machosfera" e outros jargões da
moda do feminismo se tornaram frequentes. No dia
28 de março, em uma audiência pública no STF
sobre o Marco Civil da Internet, uma representante
da pasta disse, sem mostrar como chegou aos
dados, que há 30 milhões de seguidores de canais
da "machosfera" no Brasil.

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No começo de março, o Ministério da Saúde


publicou uma portaria alegando que a divisão de
trabalho implementada no SUS (Sistema Único de
Saúde) é "machista e racista" e defendendo aberta-
mente a desconstrução dos conceitos de "homem"
e "mulher". O documento também diz que o SUS
deve contribuir para o enfrentamento do "machis-
mo cultural" e que se devem evitar termos
"machistas e patriarcais" no cotidiano institucio-
nal dos estabelecimentos de saúde do governo.

A ideologia de gênero também tem sido defendida


explicitamente em diversas pastas da administra-
ção federal, com base em jargões ideológicos e
controversos dados que justificariam uma atenção
especial ao assunto. No dia 30 de março, por
exemplo, o governo assinou uma declaração
proposta pela Argentina na Organização das Nações
Unidas (ONU) em "reconhecimento à
autoidentificação de gênero".

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


37

Symmy Larrat, secretária Nacional de Promoção de


Defesa das Pessoas LGBTQIA+ do governo de Luiz
Inácio Lula da Silva (PT), já disse que uma das
primeiras missões de sua pasta será apagar a
expressão "ideologia de gênero" do debate público.

A proposta é estratégica: adeptos da cultura woke


buscam propagar o termo "identidade de gênero"
para conformar a opinião pública em torno da ideia
de que ninguém nasceria homem ou mulher; cada
um descobriria ao longo da vida a sua identidade
em um imaginado espectro de feminilidade e
masculinidade, independente do que a realidade
biológica determine.

A palavra "gênero" costuma ser usada em lugar de


"sexo" justamente para desconstruir as categorias
estanques "homem" e "mulher" e dar a entender
que a identidade sexual pode ser criada
subjetivamente, transitando pelo espectro

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


38

mencionado de acordo com o sentimento da


pessoa. A expressão "ideologia de gênero", por
outro lado, busca enfatizar o propósito anárquico
dessas ideias, que, em última instância, servem
para desbancar realidades objetivas como o sexo
biológico e, assim, estabelecer o reinado das
subjetividades no debate público. O propósito do
uso de "ideologia de gênero" não é menosprezar a
realidade objetiva da existência, por exemplo, de
transexuais, mas resguardar a certeza da existência
objetiva de homens e mulheres.

Brasil é país com pouca coesão social, e PT se


alimenta de exacerbar divisão, diz pesquisador

Lucas Mafaldo, pesquisador em ciência política e


pós-doutor em filosofia pela Universidade de
Ottawa, diz que o Brasil é, historicamente, um país
com baixa "coesão social", isto é, pouco capaz de
criar um senso de comunidade e unir a população

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


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em torno de propósitos comuns. Segundo ele, isso


se deve, em grande medida, ao alto grau de
desconfiança que as pessoas têm entre si.
Fenômenos como violência urbana, assaltos,
golpes financeiros, trapaças em situações sociais,
impunidade e descrença na Justiça como instância
para solução de conflitos tornam o brasileiro
propenso a desconfiar de seus conterrâneos em
situações cotidianas.

O PT, na visão dele, é um propulsor da falta de


coesão social, na medida em que se beneficia do
discurso de divisão. A adesão cada vez maior do PT
à cultura woke, que é essencialmente divisiva, é
uma manifestação dessa velha propensão do parti-
do. "O discurso do PT desde os anos 1980 e 90
sempre foi um discurso de divisão. Era o patrão
contra o empregado, o Sudeste explorando o
Nordeste… A carreira toda do Lula foi apoiada nessa
ideia de grupos antagônicos. E, embora existam

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


40

tensões – porque algumas existem, de fato –, esse


não é o melhor jeito de criar um ambiente
colaborativo", afirma. "O Brasil sempre teve uma
cultura muito forte de não resolver as coisas de
forma colaborativa, e o PT reforça isso, porque fica
constantemente repetindo esse discurso de
divisão."

O antídoto contra essa tendência, para Mafaldo, é a


busca autêntica por um ambiente de coesão social.
"Não é uma questão de indivíduo versus sociedade,
mas sim de como criar um ambiente de colaboração
e de ajuda mútua que favoreça o máximo de
pessoas possível. O objetivo de coesão social é
válido independente do debate político. Não vejo
com maus olhos quando há uma política realmente
inclusiva. Se é uma política que realmente promove
coesão social, ela é válida e não deveria ser vista
como um princípio de esquerda", comenta.

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


41

A tendência do PT, no entanto, é a contrária, diz


Mafaldo: promover a desconfiança entre os
cidadãos e impedir a coesão social, como reflexo de
seu espírito revolucionário. "O PT é, a meu ver, um
dos ramos institucionais do movimento
revolucionário. Ele age por meio da divisão da
sociedade, de jogar um grupo contra o outro. Essa é
uma ideia que está bem teorizada mesmo na
literatura marxista: a de que você tem que ter uma
revolução, e não uma reforma. Há até a ideia de que
quem resolve problema social diminui a energia
que poderia ser usada para a revolução. Não é
nunca do interesse deles resolver os problemas. O
interesse deles é alimentar o grau de tensão e de
revolta para gerar essa energia revolucionária."

Outro elemento que explica a adesão do PT à


cultura woke é a mudança geracional, diz Mafaldo.
"As gerações mais antigas da esquerda não se
interessavam tanto por essas pautas. E as gerações

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


42

mais jovens estão realmente interessadas nisso.


Acho que há um cálculo de como manter a
militância jovem engajada. Eleitoralmente, em
termos da maioria da população brasileira, eu
chutaria que não são pautas que trazem muito voto.
Mas eu acho que os militantes jovens gostam muito
dessas pautas. E isso está acontecendo no mundo
todo. Na eleição geral, não sei se isso dá muito voto,
mas, na capacidade de atrair militantes, acho que
faz diferença."

Um último fator que explica o interesse do PT pela


onda woke, de acordo com Mafaldo, é a
americanização da cultura brasileira, tanto na
esquerda como na direita – no caso desta última,
em pautas como o homeschooling e o armamento
civil. "Há pautas bem americanas até na direita. Por
mais que eu até possa concordar com algumas
delas, eu vejo que elas chegam ao Brasil importadas
de forma errada. A explicação para isso é

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


43

simplesmente o fato de que a cultura americana


produz muita coisa. Tem tanta coisa na internet,
tantos vídeos… E, hoje em dia, o inglês é
praticamente a segunda língua de muitos
brasileiros. A gente erra ao importar o debate sem
fazer a tradução para a nossa dinâmica social
específica, que é totalmente diferente. Nem a
direita nem a esquerda estão fazendo as adaptações
necessárias para entender a dinâmica social típica
do Brasil", observa.

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Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


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Terminal de cargas do porto de Suape (PE): 10 de 77 barreiras às exportações


brasileiras estão relacionadas ao ESG.| Foto: Gilberto Sousa/CNI

ESG vira barreira contra produtos


brasileiros nos EUA e Europa
Por Vandré Kramer

As barreiras sanitárias e os regulamentos técnicos


ainda são as principais medidas que limitam a
entrada de produtos brasileiros em outros países.
Mas um novo tipo de restrição, relacionado a
critérios ambientais, sociais e de governança –
ESG, na sigla em inglês – vem ganhando força,

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


45

principalmente nos Estados Unidos, Reino Unido e


União Europeia (UE). Juntos, os três destinos
responderam por 27% das exportações brasileiras
no primeiro trimestre, segundo dados da Secretaria
de Comércio Exterior (Secex).

Levantamento feito pela Confederação Nacional da


Indústria (CNI) e 19 entidades empresariais
elencou um total de 77 barreiras comerciais
qualificadas e notificadas ao governo brasileiro.
Dessas, dez estão relacionadas a critérios ESG.

Além de aumentarem os custos dos exportadores


para atenderem às novas burocracias, prejudicando
principalmente pequenas e médias empresas, os
requisitos usados para justificar as barreiras podem
ser questionáveis.

Um exemplo: com base em casos registrados em


olarias, o Departamento do Trabalho dos EUA
incluiu todo o setor de revestimentos cerâmicos do

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


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Brasil na lista de produtos ligados ao uso de mão de


obra infantil ou forçada, desconsiderando as
diferenças entre as duas cadeias produtivas. Em
outra generalização, o setor de vestuário foi
incluído na mesma lista.

Uma medida "antidesmatamento" em avaliação


nos EUA, alerta a CNI, pode desestimular todas as
importações originárias de determinado país,
desprezando esforços individuais das empresas. E
um mecanismo em implantação na Europa,
relacionado à taxação de carbono, poderá servir de
restrição disfarçada ao comércio, apoiada na causa
ambiental.

A gerente de comércio e integração internacional


da CNI, Constanza Negri, diz que o surgimento
desse tipo de barreira faz parte de um processo no
âmbito internacional – especialmente na União
Europeia – de proteção ao consumidor e da

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


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sustentabilidade. “Por outro lado, cria obstáculos,


vai na contramão do acesso facilitado aos mercados
e estabelece grandes exigências de compliance
[conjunto de controles de integridade e
transparência]”, diz ela.

Entre as questões ligadas ao meio ambiente,


sustentabilidade e governança que se tornaram ou
podem se tornar formas de restringir as
exportações brasileiras estão:

● trabalho infantil e/ou forçado;


● desmatamento e questões ambientais;
● emissões de dióxido de carbono; e
● governança corporativa em casos de violação
aos direitos humanos e problemas ao meio
ambiente.

Trabalho infantil na mira dos EUA e da UE

O Departamento de Trabalho dos Estados Unidos

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


48

(DoL) incluiu os segmentos brasileiros de


revestimentos cerâmicos e vestuário na lista de
bens produzidos por trabalho infantil e/ou forçado.
O primeiro relatório foi publicado em 2009,
incluindo as cerâmicas. Em 2012, foi incluído o
ramo de vestuário.

Segundo a CNI, a medida representa um elevado


risco para as exportações brasileiras e traz impacto
negativo para as relações mercadológicas das
atividades, uma vez que prejudica a imagem dos
produtores nacionais.

Uma das queixas da indústria de revestimentos


cerâmicos é de que as fontes utilizadas para
inclui-la na lista do DoL se referem a olarias em
geral. “Apesar de utilizarem a mesma matéria-pri-
ma, as empresas do setor de revestimentos cerâmi-
cos e as olarias produzem bens diferentes e a lista
desconsidera as diferenças entre as duas cadeias”.

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


49

A indústria de vestuário, desde a sua inclusão na


lista, vem mantendo diálogo com o DoL e apresen-
tado regularmente informações técnicas sobre as
condições de trabalho. Os técnicos do departamen-
to americano argumentam que não podem retirar
os setores brasileiros da lista sem um estudo de
campo que comprove a “significativa redução do
problema”.

A Comissão Europeia – órgão do bloco que trata de


políticas de comércio, meio ambiente, justiça,
segurança e outras – adotou, em 2022, uma
proposta de regulamento para proibir a comerciali-
zação, exportação e importação pelo bloco de
produtos feitos com trabalho forçado, incluindo o
infantil. A CNI avalia que os principais impactos
dessa medida podem ser danos à reputação das
empresas, dos setores e do próprio país.

A proposta inclui os produtos importados e os

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


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produzidos internamente na União Europeia, tanto


para consumo interno quanto para exportação.
Embora a medida não tenha alvos específicos, a
comissão destacou que os ramos têxtil, mineral e
agricultura, bem como alguns setores de serviços,
são os mais frequentemente citados em ocorrências
de trabalho forçado.

Governos americano e britânico podem adotar


medidas antidesmatamento

Outra restrição nos EUA que pode impactar as


exportações brasileiras é a proibição da importação
de commodities e produtos derivados provenientes
de terras desmatadas ilegalmente. O Senado
americano apresentou uma proposta legislativa em
2021 e, embora ela tenha expirado, o governo
norte-americano já demonstrou que pretende
implementar uma medida de combate ao
desmatamento.

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


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A CNI avalia que a medida poderá gerar custos


elevados para as empresas se adaptarem e afetará
9,4% das exportações brasileiras. Produtos como
gado, óleo de palma, soja, cacau, café, celulose e
borracha seriam afetados.

A confederação aponta que as informações dispo-


nibilizadas pelo governo dos EUA sugerem que no
futuro o país pode adotar medidas "potencialmente
discriminatórias". Como, por exemplo, "destacar
qualquer país em particular e desincentivar todas
as importações originárias dele, além de desconsi-
derar os esforços individuais das empresas".

Medida parecida está em análise pelo governo


britânico. A legislação deve exigir que grandes
empresas que usem na produção ou vendam
commodities de risco florestal realizem auditorias
em suas cadeias de fornecimento e divulguem
relatórios com o objetivo de combater o

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


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desmatamento ilegal, por meio do cumprimento


das legislações de proteção ambiental dos países de
origem das commodities.

A lista de produtos depende de legislação secundá-


ria, mas segundo a CNI inclui carne bovina, couro,
cacau, óleo de palma, borracha, soja, milho, café e
derivados desses produtos. A medida pode implicar
custos adicionais e operacionais, perda de grande
fatia de mercado para produtores de outros países e
possível queda nas exportações.

Medida similar pode ser aplicada ainda neste ano


pela União Europeia. Proposta que deve ir a votação
no Parlamento Europeu busca aumentar a transpa-
rência da cadeia de fornecimento, promover o
consumo de cadeias livres de desmatamento,
promover a biodiversidade, direitos humanos e
combater mudanças climáticas.

A confederação aponta que a medida prevê a

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


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obrigação de auditoria por transação, para provar


que os produtos não estão associados ao
desmatamento, bem como a legalidade de acordo
com a legislação aplicável e em vigor no país de
produção. Caso as obrigações não sejam atendidas,
a UE proibirá que os produtos sejam colocados ou
disponibilizados em seu mercado.

Os impactos comerciais, de acordo com a CNI,


serão custos elevados para as empresas se
adaptarem, perda de grande fatia do mercado
europeu para concorrentes de outros países e
possível queda nas exportações.

Questão climática incorporada aos negócios

A União Europeia assumiu a liderança na


implantação do mecanismo de ajuste de carbono na
fronteira (CBAM, na sigla em inglês), que
corresponde à cobrança de tributos por países que
taxam emissões de carbono ao importar produtos

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


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de outras nações que não o fazem. A medida


incorpora a questão climática nas práticas
comerciais. E deve ser votada ainda neste ano pelo
Parlamento Europeu.

Segundo Negri, da CNI, a medida afeta principal-


mente produtos intensivos em energia, como os
siderúrgicos, alumínio, cimento e fertilizantes.

Os principais impactos econômicos da medida


sobre os produtos brasileiros são:

● custos de reajuste do processo produtivo e ônus


administrativos adicionais;
● dificuldade de acesso ao mercado europeu; e
● perda da participação no mercado europeu para
outros países.

A CNI considera que o mecanismo, em fase de


aprovação pela União Europeia, pode ser um
recurso discriminatório ou que objetiva introduzir

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


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uma restrição disfarçada ao comércio internacional


apoiada na causa ambiental.

A futura legislação europeia foi questionada na


Organização Mundial do Comércio por diversos
países no Comitê de Acesso a Mercados, no
Conselho para o Comércio de Bens e no Comitê de
Comércio e Meio Ambiente.

UE estuda barreira relacionada a governança sobre


meio ambiente e direitos humanos

A União Europeia também pretende adotar diretiva


sobre dever corporativo de auditoria (due
dilligence), com o objetivo de identificar, prevenir e
mitigar efeitos adversos ao meio ambiente e
violações a direitos humanos, sejam eles causados
por operações das empresas, de suas subsidiárias
ou de terceiros com os quais possuam relações
comerciais estabelecidas, mesmo se em outros
países.

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


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A CNI projeta que a medida será excessivamente


onerosa aos exportadores, especialmente as
pequenas e médias empresas, uma vez que gerará
custos e ônus operacionais adicionais, ônus de
transparência e de adaptação. Todos os setores
exportadores deverão ser afetados.

Segundo a entidade empresarial, há a preocupação


de que os produtores brasileiros se vejam
confrontados com um cenário altamente
fragmentado para suas exportações, uma vez que
outros países podem adotar medidas semelhantes,
resultando em exigências diferentes, acumulando
custos de adaptação, além de aumentar a
probabilidade de sofrerem discriminação por
importadores.

Europa pode estabelecer padrões para reclamações


ambientais

Outra diretriz da Comissão Europeia pretende

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


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uniformizar metodologias que embasam alegações


de caráter ambiental ou de sustentabilidade. O
órgão aponta que a multiplicação de padrões
privados e as alegações não padronizadas
fragilizam a atuação de agentes de mercado, como
consumidores, empresas, investidores e
administradores públicos.

A medida está em processo de adoção na UE e pode


atingir diversos produtos, como suco de frutas,
produtos hortícolas, carnes e alimentos
processados, assim como produtos não agrícolas.

Os impactos comerciais podem ser eventuais


discriminações dos consumidores europeus e
danos reputacionais a produtores e exportadores
brasileiros, mesmo seguindo todas as normas e
padrões aplicáveis.

A CNI avalia que a obrigatoriedade de metodologias


unificadas para alegações ambientais poderá

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


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restringir o acesso ao mercado europeu de maneira


injustificada, ao impor regras mais restritivas para
o comércio do que o necessário para se atingir os
objetivos de sustentabilidade e confiabilidade do
consumidor.

A entidade teme que a medida facilite


comportamento discriminatório frente aos
produtos importados pelo bloco. “Por
consequência, se ampliarão os danos reputacionais
a produtores e exportadores brasileiros, mesmo
seguindo todas as normas e os padrões aplicáveis",
diz o estudo da CNI.

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Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


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O relator do projeto de lei das fake news é o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).|
Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados.

Versão final do PL das Fake News


retira criação de órgão
fiscalizador: veja o que mudou
Por Gazeta do Povo

O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) protocolou


na noite de quinta-feira (27) a versão final do
Projeto de Lei 2.630/2020, também conhecido
como PL das Fake News. A votação da proposta pelo
plenário da Câmara dos Deputados está prevista

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


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para ocorrer no dia 2 de maio. Mais cedo, Silva se


reuniu com o presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), para definir os últimos pontos do texto.

Silva alterou pontos do texto após enfrentar


resistência para a tramitação da matéria. No início
da semana, a Câmara dos Deputados aprovou o
regime de urgência para a analise do PL. Com isso,
o projeto não será discutido nas comissões e irá ser
votado no plenário. Durante a votação da urgência,
a contrariedade de parte dos parlamentares ficou
explícita, a oposição tentou adiar a votação, mas
sem sucesso.

O relator retirou da nova versão a possibilidade de


criação de uma "entidade autônoma de supervi-
são", com poder de "solicitar, receber, obter e
acessar dados e informações das plataformas
digitais de conteúdo de terceiros". A retirada do
órgão, que seria uma espécie de agência regulado-

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


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ra, foi feita após a resistência dos líderes


partidários.

Promover ou financiar, pessoalmente ou por meio


de terceiros, mediante uso de conta automatizada e
outros meios ou expedientes não fornecidos dire-
tamente pelo provedor de aplicações de internet,
divulgação em massa de mensagens que contenha
fato que sabe inverídico, que seja capaz de compro-
meter a higidez do processo eleitoral ou que possa
causar dano à integridade física e seja passível de
sanção criminal.

Entre as sanções estabelecidas para as redes


sociais, está a suspensão temporária das ativida-
des, medida que já constava na versão anterior.
Mas, após as últimas mudanças, foi retirado do
projeto o ponto que autorizava a "proibição de
exercício das atividades" das plataformas.

Além disso, o substitutivo apresentado pelo relator

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


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incluiu de forma expressa que a aplicação da nova


legislação deverá respeitar "o livre exercício da
expressão e dos cultos religiosos, seja de forma
presencial ou remota, e a exposição plena dos seus
dogmas e livros sagrados". Este ponto havia sido
questionado por parlamentares, como o deputado
federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR).

A versão antiga do texto apenas afirmava no


parágrafo único que "as vedações e condicionantes
previstos" no projeto de lei "não implicarão
restrição ao livre desenvolvimento da personalida-
de individual, à livre expressão e à manifestação
artística, intelectual, de conteúdo satírico,
religioso, político, ficcional, literário ou qualquer
outra forma de manifestação cultural, nos termos
dos arts. 5º e 220 da Constituição Federal".

O relator também alterou o artigo 44 que


estabelecia regras para "constituição de prova em

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


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investigação criminal e em instrução processual


penal". Na versão antiga, o texto estabelecia que "a
autoridade judicial pode determinar aos provedores
de serviço de mensageria instantânea a
preservação e disponibilização dos registros de
interações de usuários determinados por um prazo
de até 15 (quinze) dias, considerados os requisitos
estabelecidos no artigo 2º da Lei 9.296/1996,
vedados os pedidos genéricos ou fora do âmbito e
dos limites técnicos do seu serviço".

A nova versão desse trecho foi reescrita no artigo


42 que prevê que a "ordem judicial poderá
determinar aos provedores de mensageria
instantânea que preservem e disponibilizem
informações suficientes para identificar a primeira
conta denunciada por outros usuários quando em
causa o envio de conteúdos ilícitos".

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


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Além disso, o novo artigo 44 estabelece que "as


decisões judiciais que determinarem a remoção
imediata de conteúdo ilícito relacionado à prática
de crimes a que se refere esta Lei, deverão ser
cumpridas pelos provedores no prazo de até vinte e
quatro horas".

Caso as plataformas não removam os conteúdos


determinados, poderão pagar multas que vão de R$
50 mil a R$ 1 milhão, "por hora de
descumprimento, a contar do término da vigésima
quarta após o recebimento da notificação". As
multas já estavam descritas na versão anterior do
projeto.

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Adolf Hitler, genocida alemão, em 1933, ano em que ascendeu ao poder. Foto:
EFE/Diaz Casariego/jgb

Universitários progressistas, sem


saber, concordam com frases de
Hitler
Por Eli Vieira

Um trabalho publicado em fevereiro em uma


conferência da Sociedade pela Investigação Aberta
na Ciência do Comportamento (SOIBS) descobriu
que quase 60% dos estudantes universitários de
graduação, e quase 40% dos pós-graduandos,

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concordam com frases do ditador nazista Adolf


Hitler, se for feito um ajuste: trocar “judeus” nos
ataques do genocida alemão por “brancos”. Entre
os universitários americanos como um todo, 55%
concordam com ao menos uma frase de Hitler.

As frases alteradas com as quais os universitários


concordaram foram: “a linguagem das pessoas
brancas, que falam para ocultar, ou ao menos
expressar de forma velada, os seus pensamentos.
Seu propósito verdadeiro está muitas vezes não no
próprio texto, mas dormindo confortavelmente nas
entrelinhas”; “Por razões que logo ficarão
aparentes, os brancos nunca possuíram uma
cultura própria e a base para o conhecimento
sempre foi fornecida pelas civilizações alheias”;
“Para atingir os seus objetivos, os brancos fazem o
seguinte: se aproximam sorrateiramente dos
trabalhadores para ganhar a sua confiança,

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fingindo que têm compaixão” (traduções livres a


partir do inglês, trocas indicadas em itálico).

Os autores do trabalho são os psicólogos


americanos Michael Berstein (Universidade Brown)
e April Bleske-Rechek (Universidade de Wisconsin
em Eau Claire). Eles escolheram três frases
antissemitas de Adolf Hitler, três frases
antibrancos de Robin DiAngelo, autora atual de
best-seller em identitarismo de raça que
enriqueceu após a explosão do movimento Black
Lives Matter em 2020; e três frases antinegros de
Stephen Douglas, um político americano contra a
abolição da escravidão que fez oposição a Abraham
Lincoln no século XIX. Depois, fizeram três versões
das três frases, cada versão contrária a um dos três
grupos (judeus, brancos e negros). Foram,
portanto, nove frases ao todo.

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Para cada frase, os psicólogos pediram aos 428


universitários participantes (72% deles brancos)
que imaginassem que foi proferida por um
intelectual ou líder político, e que indicassem se
concordavam e declarassem a firmeza de concor-
dância entre “provavelmente” e “definitivamen-
te”. Para sete das nove frases, a concordância
dependeu de qual era o grupo alvo da frase. “A
maior concordância foi contra os brancos”,
concluíram os autores. As frases inalteradas de
DiAngelo contra brancos ganharam ainda mais
concordância que as frases de Hitler, atingindo
60% (juntando ambos os graus de firmeza) entre
graduandos e 45% entre pós-graduandos.

Contudo, as frases de Douglas alteradas ganharam


menos concordância, em torno de 10%. São mais
inflamatórias e explícitas: “considero que brancos
não devem ser cidadãos dos EUA”, “não considero
o branco o meu igual, e nego que ele seja meu

Gazeta do Povo Revista – Ed.29 Abril/2023


69

irmão”, e “brancos são uma raça inferior que, em


todas as eras, e em toda parte do globo, mostrou-se
incapaz de autogoverno”. Houve uma minoria de
racistas antinegros de cerca de 5% que concorda-
ram com as frases originais do antiabolicionista.

Sentimento antibrancos

Robin DiAngelo é a única entre os três autores que


está viva e em atividade. Berstein e Bleske-Recheck
justificam a escolha da autora: “ambos DiAngelo e
Hitler estão defendendo uma abordagem que reduz
o comportamento à membresia de grupo”, ou seja,
ambos desenfatizam a autonomia do indivíduo.
“Eles descrevem o comportamento de todos os
brancos e de todos os judeus em termos bastante
críticos e concluem que esta é a natureza da
branquitude ou da identidade judaica”,
acrescentam os psicólogos.

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70

DiAngelo, com 66 anos de idade, acadêmica,


palestrante e autora americana, trabalha na área de
diversidade e inclusão, especificamente em
treinamento de sensibilidade racial, desde o final
dos anos 1990. Ela tem formação em sociologia e
recebeu seu doutorado em educação multicultural
pela Universidade de Washington em 2004. Ela
própria é o que os americanos convencionalmente
chamam de “branco”. Seu livro “Fragilidade
Branca: Por que é tão difícil para os brancos falar
sobre racismo” (Edita_X, 2020), lançado
originalmente em 2018, explodiu em vendas após a
morte de George Floyd em maio de 2020. Segundo o
serviço de análise de mercado editorial NPD
BookScan, o livro vendeu menos de 18500 cópias
até o mês anterior. Até setembro do mesmo ano,
chegou a 1,6 milhão de cópias.

O que a acadêmica prega pode ser resumido com


uma declaração que ela fez no mês passado em um

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71

“webinário” de título “Justiça Racial: A Próxima


Fronteira”: “As pessoas de cor precisam se afastar
dos brancos e criar comunidades umas com as
outras”. Em outras palavras, segregação e descon-
fiança. Algo similar foi dito semanas antes contra
os negros, em conselho aos brancos, pelo
cartunista Scott Adams.

Interação com ideologia política

Os psicólogos isolaram as respostas dos estudantes


às frases de Hitler e DiAngelo para encontrar
alguma associação com ideologia política. Os
progressistas (chamados de “liberals” nos EUA)
foram o grupo que mais concordou com Hitler:
mais da metade deles assentiram ao sentimento
antibrancos das frases. A concordância com
DiAngelo nesse sentimento atingiu 60% no grupo
ideológico. Centristas (moderados) e conservado-
res estiveram abaixo da marca de 40%.

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Quando as frases de Hitler foram adaptadas para


atacar os negros, todos os três grupos ideológicos
desaprovaram, a concordância ficou em torno de
10%. Porém, quando Robin DiAngelo foi adaptada
contra negros, obteve forte desaprovação somente
entre progressistas, e uma concordância
expressiva, mas minoritária, entre 30 e 40%, entre
centristas e conservadores.

O antissemitismo foi baixo em todas as três posi-


ções políticas, atingindo um máximo de 30% entre
conservadores. Por causa da amostra limitada de 71
conservadores, quando a amostra total foi dividida
entre as três posições políticas, essas porcentagens
devem ser vistas como indicativos, não necessaria-
mente como a proporção dos sentimentos negati-
vos contra os três grupos na população em geral.

“Em certo sentido”, dizem os cientistas, “nossos


resultados não são coisa nova: simplesmente

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observamos o que existe há milênios: as pessoas


tratam alguns grupos com mais favoritismo que
outros”. Eles se preocupam, no entanto, que
generalizações negativas sobre grupos inteiros
pareçam estar crescendo em alguns bolsões cul-
turais, e que são poucas as pessoas na mídia
americana que usam o argumento contrafactual:
“imagine se dissessem isso a respeito dos negros”.
A própria rejeição a argumentos contrafactuais
ilustra a disposição de muitos a insistir nas
generalizações e não aplicar a mesma regra para
todos.

Precedentes

Quanto à atitude racista contra brancos vir de


estudantes que são na maioria brancos, Berstein e
Bleske-Rechek lembram que há precedentes: “Na
Alemanha nazista, os kapos, como eram chamados
prisioneiros que também atuavam como guardas

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da SS, eram muitas vezes ainda mais cruéis contra


seus colegas de prisão (e frequentemente contra
colegas da comunidade judaica) do que os próprios
nazistas”. Eles deixam claro que seu estudo não
significa que estão dizendo que Robin DiAngelo “é
uma pessoa tão malvada quanto Hitler, ou malvada
de alguma outra forma”, e que a concordância com
as frases não significa que os estudantes
concordariam com o genocídio promovido pela
figura histórica.

Em 2018, o filósofo Peter Boghossian, o


matemático James Lindsay e a crítica cultural
Helen Pluckrose armaram uma série de pegadinhas
para demonstrar que revistas acadêmicas estavam
baixando seus critérios de rigor em nome do
identitarismo. Eles submeteram, sob pseudônimos,
artigos propositalmente exagerados e falsos para
publicação. A revista feminista Affilia aceitou o
artigo com título “Nossa Luta é Minha Luta:

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Feminismo da Solidariedade como uma Resposta


Interseccional ao Feminismo Neoliberal e de
Escolha”.

O artigo era parte do Capítulo 12 do livro “Minha


Luta”, de Hitler, reescrita com artifícios como
trocar “judeus” por “homens” e “raça ariana” por
“mulheres”. Após a primeira revisão favorável,
uma das pessoas responsáveis pela edição da
revista comentou que “os pareceristas apoiam o
trabalho e notam seu potencial de gerar diálogos
importantes para o serviço social e acadêmicas
feministas”. O processo de publicação foi
interrompido quando a pegadinha foi
desmascarada pela imprensa.

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PARA SE APROFUNDAR

● Filipe Figueiredo: Por que o pequeno, pobre e


pouco conhecido Djibuti é palco de tensão entre
EUA e China

● Itália, Coreia do Sul e Japão: com baixa


natalidade, países correm risco de “desaparecer”

● Salve o planeta, invista em combustíveis fósseis

● Imposto sobre exportação e “caça de receitas” do


governo ameaçam investimentos no país

● Aras tenta aproximação com governo Lula no fim


do mandato à frente da PGR

● Bancada do Agro quer usar CPI para investigar


Stédile e lideranças do MST

● “A Via Sacra” segue passos percorridos por Jesus


Cristo até a crucificação

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