científica Minority Report. Publicado por Cláudia Cristiane Victor de Lima há 5 anos
(Imagem retirada do site Free Images)
O presente artigo tem como escopo principal a análise jurídica
do filme Minority Report.
O conceito da cláusula do devido processo legal tem origem no
due process of law, na Inglaterra e nos Estados Unidos cons- truído com base em entendimentos jurisprudenciais. Essa cons- trução teve seu início na Inglaterra e depois nas colônias norte- americanas com a edição do bill of rights e suas emendas em que passou a ter previsão expressa. Sua origem mais remota está na Magna Carta assinada por João Sem Terra em 15 de ju- lho de 1215.
Entretanto, mesmo após a elaboração da Magna Carta os direi-
tos por ela assegurados continuaram sendo ignorados por vários reis. Essas violações foram duramente enfrentadas pelo Parla- mento, e por isso, a Magna carta teve de ser ratificada pelos reis. Dado o descumprimento por parte destes, foi necessário, por su- cessivas gerações, a realização de petições aos reis para que es- tes reconfirmassem a Carta Magna, na esperança que essa fosse cumprida.
Entre os séculos 13 e 15 a Carta Magna teve um histórico de 45
possíveis reconfirmações reais segundo Sr.Edward Coke. Em uma dessas ratificações, durante o reinado de Eduardo III, fo- ram aprovadas seis medidas que mais tarde ficariam conhecidas como Six Statutes, os quais procuravam esclarecer certas partes da Magna Carta e suas ratificações. Uma dessas medidas redefi- niu a cláusula 29 da Carta, inserindo pela primeira vez a expres- são “devido processo legal”.
Até a segunda metade do século XX, a ideia de acesso à justiça,
limitava-se ao acesso à tribunais. Após esse período essa ideia foi ampliada, graças ao relatório Acesso à Justiça de Bryan Garth e Mauro Cappelletti, relatório este que se revelou como um verdadeiro marco teórico referencial no estudo do acesso à justiça. Nessa obra os autores consideram o acesso à justiça como o mais básico dos direitos humanos, mostrando-se como um verdadeiro direito-garantia, o qual deve servir como instru- mento para realização de outros direitos, ou seja, o acesso à jus- tiça é direito imprescindível para o exercício da cidadania. No referido relatório, os autores apontam três barreiras ao acesso à justiça. São elas: barreira financeira, barreira cultural e barreira psicológica. No intuito de superar essas barreiras foram criadas três “ondas” de soluções práticas para os problemas de acesso à justiça. A primeira onda é a da assistência jurídica para os po- bres, a segunda trata-se de representação dos interesses difusos e a terceira onda refere-se ao acesso à representação em juízo como uma concepção mais ampla de acesso à justiça.
E é exatamente em relação a essa terceira onda, também cha-
mada de “novo enfoque de acesso à justiça”, que faremos a cor- relação com o filme de ficção científica Minority Report.
O enredo do filme se passa em Washingthon DC, no ano de
2054, onde é criado o "Departamento de Pré-Crime", que con- sistia na utilização dos chamados "Precogs", humanos com po- der de visão, na qual anteviam os crimes antes mesmo que acon- tecessem. Automaticamente era gerada uma espécie de esfera com o nome do futuro assassino e outra com o nome da respec- tiva vítima. Essa visão era projetada em uma tela aos agentes policiais do Departamento de Pré-Crime para que estes intervis- sem na cena do futuro crime antes da consumação da prática crimosa. Ao chegarem na cena do "crime futuro", prendiam o póstero criminoso.
Mesmo tratando-se de uma ficção científica, talvez de ínício, a
ideia de prender um criminoso antes da consumação de um crime pareça excelente, pois afinal de contas, o número de ho- micídios cairia para zero. E foi exatamente essa a informação transmitida em um noticiário televisivo durante o filme: "Há cinco anos, o Pré-Crime erradicou o assassinato na capital do país. A ideia é inserir esse mecanismo em âmbito nacional".
Ora, imaginemos que possuíssemos os Precogs no Brasil e que
realmente pudéssemos impedir o cometimento de um assassi- nato e prender o "futuro assassino". Genial, não é mesmo?! Nem tanto... Caso algo assim fosse possível o mais básico dos direitos humanos estaria sendo restringido: o direito de acesso à justiça. Nossa Carta Magna disciplina em seu art. 5º, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença pe- nal condenatória". Ademais, no mesmo art. 5º, inciso XXXV, di- põe que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário le- são ou ameaça a direito". Por fim, ainda no art. 5º da Constitui- ção Federal está previsto que "ninguém será privado da liber- dade ou de seus bens sem o devido processo legal". Portanto, caso realmente tívéssemos um sistema como este no Brasil, di- reitos e garantias fundamentais individuais seriam gravemente ignorados para garantir "o bem de todos".
No início do filme Minority Report, durante a visita do servidor
do Poder Judiciário ao Departamento de Pré Crime, inicia-se o seguinte diálogo com Jhon, o capitão do Pre Crime:
Servidor do Judiciário: -Você sabe porque existe objeção legal
ao método do Pre- Crime.Vocês prendem quem não infringiu a lei.
Nessa hora, Jhon arremessa um objeto e ao perceber que o ob-
jeto cairá, o servidor do Judiciário pega o objeto.
Jhon: -Por que você pegou?
Servidor: -Porque iria cair se eu não pegasse.
Jhon:- Viu? O mesmo acontece com os pre- crimes. Os pre- cogs
veem o futuro e nunca se enganam.
Servidor: - Você já lidou com falsos positivos? Alguém que teve
a intenção de matar e não o fez? Como os pre- cogs distinguem?
Jhon: - Eles não veem a intenção, só o que a pessoa irá
fazer. Sabemos que no Brasil adotamos a teoria finalista do crime, na qual o curso causal é dirigido pela vontade do agente, onde a ação final é produto da vontade. Assim, para se configurar fato típico, ilícito e culpável necessário se faz levar em conta a von- tade do agente e sua intenção ao praticar o delito.
No filme pessoas eram presas "em flagrante" por um crime fu-
turo. Ademais, eram privadas de sua liberdade sem o devido processo legal. Caso isso fosse feito, não só nosso Código Penal seria desrespeitado, como também a Constituição Federal em seus artigos mais sensíveis: os direitos e garantias fundamentais.
Mesmo após todas essas considerações acerca da Constituição
Federal e do Código Penal, a ideia de prender pessoas antes de cometerem crimes continua nos parecendo muito boa, pois, afi- nal de contas, a erradicação de assassinatos resultaria em um ganho coletivo. Entretanto, ao decorrer do filme, começamos a perceber que mesmo com toda a tecnologia empregada no me- canismo, esse sistema era comandado por pessoas. E como bem frisou o servidor do poder judiciário: caso houvesse alguma fa- lha, a falha seria humana.
Ao final do filme descobrimos que sim, havia falha humana, a
corrupção dentro do sistema para forjar uma ideologia utópica de um sistema perfeito de um mundo sem assassinatos.
Jhon, o chefe do departamento de Pre Crime ingressou no sis-
tema acreditando que tudo ali era legítimo e perfeito. Viu no Pre Crime a possibilidade de encontrar o assassino de seu filho. Mas mais tarde percebeu que as coisas não eram bem como ele imaginava... Foi armado um "futuro assassinato" para que Jhon fosse preso. Alguém foi pago para fingir ser o assassino do filho de Jhon. Ao chegar no lugar previsto para o assassinato, viu várias provas (falsas) para que Jhon acreditasse que a pessoa que ele assassi- naria era de fato, o sequestrador de seu filho. Mesmo após luta corporal com o suposto sequestrador de seu fillho, Jhon resolve não matar. Para sua surpresa, a "futura vítima" implora para que ele o mate, pois caso ele não o faça, a família da "futura ví- tima" não receberá nada. Mesmo assustado com tudo aquilo, Jhon diz os direitos que a "futura vítima" tem e se despede. A "vítima" não aceita a decisão de Jhon e dispara a arma que está em sua mão, e Jhon é preso. Ou seja, a previsão do crime real- mente se concretizou, mas em um contexto em que Jhon não ti- nha a mínima vontade de matar e que muito menos foi autor do disparo. Mas como seu direito ao acesso à justiça lhe foi reti- rado, foi preso por assassinato e sem direito à defesa. Naquele momento, Jhon percebeu que tudo em que acreditou ser real, não passava de uma ideologia utópica e cruel na qual pessoas inocentes eram presas sem seu direito de acesso à justiça respei- tados para que o sistema "funcionasse" beneficiando não a po- pulação em geral, mas apenas àqueles que estavam no comando do sistema.
Outro ponto a ser destacado é em relação aos chamados Pre
Cogs. Os três jovens eram tratados de forma sub-humana, reti- rando-se deles o direito de locomoção. Eram expostos a pesade- los em todas as horas do dia. Por fim, até a mãe deles foi morta para que esta não atrapalhasse a continuação do sistema. Agatha, a mais sensível dos três previu o assassinato de sua mãe, mas ficou impossibilitada de impedir o acontecimento. E quem poderia fazer algo para impedir o assassinato, não fez, pois era justamente o criador do programa.
Marilena Chauí em seu livro "O que é Ideologia" nos diz:
O grande instrumento do Estado é o Direito, isto é, o estabeleci- mento das leis que regulam as relações sociais em proveito dos dominantes. Através do Direito, o Estado aparece como legal, ou seja, como “Estado de direito”. O papel do Direito ou das leis é o de fazer com que a dominação não seja tida como uma violência, mas como legal, e por ser legal e não violenta deve ser aceita. A lei é direito para o dominante e dever para o dominado. Ora, se o Estado e o Direito fossem percebidos nessa sua realidade real, isto é, como instrumentos para o exercício consentido da violên- cia, evidentemente ambos não seriam respeitados e os domina- dos se revoltariam. A função da ideologia consiste em impedir essa revolta fazendo com que o legal apareça para os homens como legítimo, isto é, como justo e bom. Assim, a ideologia substitui a realidade do Estado pela ideia do Estado –ou seja, a dominação de uma classe é substituída pela ideia de interesse geral encarnado pelo Estado. E substitui a realidade do Direito pela ideia do Direito – ou seja, a dominação de uma classe por meio das leis é substituída pela representação ou ideias dessas leis como legítimas, justas, boas e válidas para todos.[1]
Esse trecho da Grande Marilena Chauí traduz muito bem a ideia
passada em Minority Report. No início do filme é mostrado um noticiário que dizia que em ano o Pre Crime teria erradicado o assassinato na capital do país e que a ideia seria inserir esse me- canismo em âmbito nacional. E é claro, todos aplaudiram acre- ditando que aquilo era legítimo, justo e bom para todos, mesmo sabendo que direitos fundamentais individuais eram retirados dos futuros assassinos. Mal sabiam elas que pessoas morreram para que o sistema continuasse "funcionando". Traduzindo-se em uma verdadeira ideologia.
Finalmente fica revelado a impossibilidade de se metrificar o
comportamento humano naturalmente eivado dos vícios mile- narmente conhecidos. Considerando todas estas observações, conclui-se que a pro- posta dos idealizadores daquele sistema apresentado em Minority Report, constituía-se em uma falácia que embora apre- sentasse um verniz supostamente promotor da segurança pú- blica, em si mesmo subtraía o direito fundamental do acesso à justiça.
1. CHAUÍ, Marilena. “ O que é Ideologia”. 2º ed. São Paulo:
Vamos falar sobre o filme de ficção Minority Report – A Nova
Lei. Estrelado por Tom Cruise e dirigido por Steven Spielberg, o filme se passa em Washington no ano de 2054. O assassinato foi banido, pois há a divisão pré- crime, um setor da polícia onde o futuro é…
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