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TEMAS INUSITADOS E JURISPRUDÊNCIA RECENTE – MPGO

Compilado e elaborado por RKM

GRUPO I
DIREITO PENAL
Assuntos de DP abordados nas provas preambulares:

1) Velocidades do Direito Penal (Silva Sanchez)


2) Direito Penal da Vontade (Roland Freisler)
3) Direito de Intervenção (Winfried Hassemer)
4) Funções do princípio da lesividade
5) A moderna teoria do fato punível (Rogério Sanches)
6) Espécies de Erro
7) Teorias sobre o concurso de pessoas
8) Consentimento da vítima para exclusão da ilicitude
9) Função garantidora e função teleológico-sistemática do bem jurídico (Zaffaroni)
10) Escolas penais
11) Teoria da Imputação Objetiva (Claus Roxin)
12) Dolo cognitivo (dolo sem vontade)
13) Teorias sobre a tentativa
14) Teoria da Co-culpabilidade
15) Criminologia: Teorias de Consenso (escola de Chicago, teoria da associação
diferencial, teoria da anomia e teoria da subcultura delinquente) e Teorias do
Conflito (teorias do labelling approach e crítica)

Direito Penal da Vontade de Roland Freisler

Roland Freisler foi Ministro da Justiça de Hitler. Freisler pretendia estabelecer


um “conceito geral de empreendimento” que, no “direito penal do futuro”, substituiria o
conceito de ação e tornaria “a distinção entre tentativa e consumação sem importância”.
O conceito de empreendimento (Unternehmung) se originara da alta traição (um delito
que, se consumado, estaria impune – já que o traidor da véspera teria hoje o poder
punitivo em suas mãos) e sua disciplina se expandiu para alguns outros delitos.
Estava o “empreendimento” definido no § 11,6 do Código de 1871,
laconicamente: “empreender um fato: sua tentativa e sua consumação (Unternehmen
einer Tat: deren Versuch und deren Vollendung)”. Nos delitos de empreendimento,
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portanto, a equivalência entre tentativa e consumação impediria qualquer mitigação


obrigatória da pena quando o resultado se frustrasse.
O projeto de Código Penal nazista de 1936, com o dedo de Freisler (citado na
nota de rodapé nº 11, referente ao dispositivo sobre empreendimento) procurou
“aperfeiçoar” o conceito com a seguinte regra: “§ 8: Emprende um fato punível quem o
inicia (wer sie beginnt)”. O que seja “iniciar” um crime – afinal, a complexa indagação da
teoria da tentativa – vinha esclarecido numa fórmula assustadora, também com Freisler
citado no rodapé (nota 10): “§ 7º – [...] Início do fato é qualquer ação que, ainda que
apenas segundo a representação do autor sobre os fatos se dirija imediatamente à
realização do tipo”. Freisler conclui que “apenas começando o feito, o direito penal deve
opor a seu autor a severidade de todas as suas cominações penais”.
Percebe-se que, para Freisler, o decisivo para a intervenção penal do Estado
é a vontade criminal ou a disposição para o fato do autor, e não o resultado provocado
por ação dessa vontade. Para ele, o iter criminis tem o seu início no nebuloso manancial
da vontade, na “tentação”. Freisler conecta o desejo diretamente ao injusto.
A punibilidade da tentativa inidônea constitui, a partir de tais premissas,
consequência inevitável. “Depois que o autor começa a execução de um fato punível” –
explicava Freisler – “passa a ser um inimigo da ordem pacífica popular”, e a lei tem que
intervir.
Por fim, chama a atenção que, tratando da individualização da pena, Freisler
invoque o magistério de seu companheiro Dahm no sentido de que “a decisão
quantificadora da pena deve ser um juízo adequado à personalidade que o autor tenha
manifestado”.
Nilo Batista, em artigo científico sobre o tema, aduz ser possível identificar
pontos de interseção no Direito Penal brasileiro com as teorias desenvolvidas por Roland
Freisler. A lei penal brasileira arrola, por exemplo, a “personalidade do agente” entre os
elementos que deve o juiz consultar para estabelecer a pena-base, primeira etapa do
procedimento de individualização judicial. Isto, porém, tem sido uma fonte inesgotável de
arbitrariedades, voluntarismos e preconceitos, pois, como a mais avançada doutrina
expõe, existe no elemento personalidade ausência de precisão conceitual e carência de
uma metodologia de análise.
Mas há, para Nilo Batista, um ponto em que a atualidade de Roland Freisler é
ainda mais evidente: a lei penal não pode “esperar até que se produza a violação da ordem
jurídica, ou seja, até que a execução tenha obtido êxito”; ao contrário, “exige-se uma
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intervenção jurídico-penal contra a preparação criminal”. Percebe-se aqui a influência de


Freisler nos chamados “crimes obstáculos”, no “perigo abstrato”, e na criminalização de
atos preparatórios (inclusive previsto expressamente na Lei Anti Terrorista).
Obs.: Caso caia essa pergunta, também seria interessante indicar o crime do
artigo 352 do Código Penal (evadir-se ou “tentar” evadir-se...), e os crimes dos artigos 9º
e 11 da Lei n. 7170/83 (Lei da Segurança Nacional) como sendo desdobramentos das
teorias desenvolvidas por Freisler.

COAUTORIA FRUSTRADA?

O concurso de pessoas se trata de um instituto jurídico-penal capaz de atribuir


a responsabilidade pelo resultado típico a todas as pessoas que, de alguma forma,
contribuíram para a sua produção, ainda que algum dos agentes, isoladamente, não tenha
praticado a conduta nuclear do tipo penal.
Sobre esse aspecto, aliás, o concurso de pessoas funciona como norma de
extensão, permitindo o enquadramento típico de condutas que, analisadas isoladamente,
seriam atípicas, mas que somadas às condutas dos demais agentes, revelaram-se
relevantes para a produção do resultado típico.
É essa a ideia depreendida do artigo 29 do Código Penal que, baseando-se na
teoria monista (regra geral), prevê que “quem, de qualquer modo, concorre para o crime
incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”. A partir desse
enunciado se percebe que a pena guardará uma medida de proporcionalidade com a
conduta praticada pelo coautor. É que o Direito Penal criminaliza comportamentos, e não
meras intenções, de forma que ao aplicar a pena, o juiz deverá verificar o grau de
contribuição da conduta do agente na produção do resultado.
Mas esse cenário permite a ocorrência de situações inusitadas em que, embora
agindo com a manifesta intenção de consumar um delito, o comportamento do agente em
nada contribuiu para a sua produção. É o que a doutrina denominou de “coautoria
fracassada”.
A título de exemplo cita-se a hipótese em que “A”, determinado a matar “B”,
compartilha com “C” essa intenção e lhe pede emprestado um punhal para executar o
crime, o que é feito. Contudo, no fatídico dia, “A” invade a casa de “B” e percebe que
esqueceu de levar consigo o punhal que lhe fora emprestado por “C”. Não querendo
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postergar o seu intento, “A” dá prosseguimento e mata “B” valendo-se de um bastão de


basebol que encontrou na própria casa da vítima.
Na situação hipotética ilustrada não será possível atribuir a “C” o resultado
morte, pois o seu comportamento em nada contribuiu para a execução e consumação do
homicídio, por mais que a intenção tenha sido manifestada.
Essa conclusão fica ainda mais evidente a partir do disposto no artigo 31 do
Código Penal, que prevê que o ajuste, a determinação, a instigação ou o auxílio (condutas
geralmente ligadas à figura do partícipe) não são puníveis se o crime não chega ao menos
a ser tentado. Percebe-se uma relação de conduta acessória e conduta principal nesse
enunciado, de forma que se a participação em nada contribuiu para o resultado, ou, ainda,
se a conduta nuclear do tipo não chegou a ser iniciada, o partícipe não poderá ser punido.
Excepcionalmente, no entanto, a doutrina aponta situações em que o ajuste, a
instigação, o induzimento ou o auxílio poderão ser punidos mesmo se o crime intentado
não for executado, como ocorre, por exemplo, no crime de associação criminosa (artigo
288 do Código Penal). Isso ocorre porque o tipo penal possui uma estrutura particularizada
de autêntico “ato preparatório” para a prática de outros crimes (doutrinariamente
classificado como crime-obstáculo), em que o legislador antecipa o momento consumativo
e criminaliza condutas que seriam, em essência, mera preparação de outros delitos.
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Até a próxima dica!

Funções garantidora e teleológico-sistemática do Bem Jurídico penal

A função de garantia indica a capacidade limitadora do bem jurídico em


relação à atividade legiferante estatal, de modo que o legislador não pode criminalizar
uma conduta, quando outras esferas do Direito são suficientemente capazes de
responder à violação do valor normativamente protegido (aqui o bem jurídico funciona
como ultima ratio do ordenamento jurídico).
O fundamento da garantia reside na condição democrática do Estado no qual
o sistema penal está inserido, pois o conceito guarda estreita relação com o Poder
Legislativo indicando as barreiras intransponíveis em que o poder punitivo estatal esbarra,
concretizando o limite axiológico expresso pela Constituição, consagrados pelos
princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade.
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Dessa forma, onde bastem os direitos civil, administrativo ou qualquer ordem


jurídica, o Direito Penal deve se retirar, pois o dever de “punir as lesões a bens jurídicos
e as contravenções contra fins de assistência social” só se justifica por extrema
necessidade.
O critério garantidor remonta à saída do Estado de Direito, puramente
garantístico para o Estado Social, momento no qual as normas ganham caráter
intervencionista assistencial, protegendo interesses coletivos, mas que ao mesmo tempo
devem respeitar as limitações próprias do Estado de Direito. Nesse ensejo, reconhece-
se à função garantista uma pecha político-criminal desencadeada pela própria dinâmica
da sociedade, submetendo o sistema penal, rotineiramente, ao processo de revisão, com
movimentos de criminalização e descriminalização, em que cabe ao intérprete investigar
o legítimo bem jurídico tutelado pela norma. Uma face negativa de limitação do avanço do
controle social via poder punitivo.
Com isto, “o bem jurídico é erigido como conceito limite na dimensão material
da norma penal” (PRADO, 2003, p. 60). Isto significa que não se pode perder de vista o
sentido informador do bem jurídico na elaboração do tipo penal, informando ao legislador
o que deve ou não ser criminalizado, limitando-o em seu poder legiferante.
Neste sentido a teoria dos bens jurídicos deve obedecer à dialética de
reconhecer os direitos individuais, fruto da soberania popular, capaz de exercitar-se por
representação, modelo de origem liberal, portanto, concentração e limitação do Estado.
Entretanto, ao mesmo tempo, em razão de um Estado Social que é intervencionista, o
papel do Direito Penal também passa a ser preventivo, reconhecendo os novos interesses
sociais, o que implica amparar uma quantidade cada vez maior de bens jurídicos. Isto é, o
conceito deve procurar harmonizar os elementos de um Estado Social e Democrático de
Direito.
Portanto, “o bem jurídico cumpre uma função de garantia para os sujeitos, ao
passo que legitima a intervenção estatal e por isso mesmo aponta o problema
da genesis e da legitimação da norma penal” (BUSTOS RAMÍREZ, 1987, p. 185).

Lado outro, a função teleológico-sistemática do bem jurídico guarda duas


vertentes, a primeira como fundamento da infração, já que o delito é uma lesão ou
perigo a um bem jurídico, funcionando como critério de baliza para análise da violação (ou
não) da norma penal; e a segunda como critério de classificação das diferentes
espécies de infrações, indicando as regras de proporcionalidade, tanto sob o ponto de
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vista legislativo (elaboração do tipo penal), como sob o ponto de vista jurisdicional quando
da aplicação da pena.
De forma a ilustrar a aplicação prática da função teleológico-sistemática do bem
jurídico, tem-se a situação em que vários Tribunais de Justiça deixaram de aplicar a pena
do crime capitulado no artigo 273, parágrafo 1º-A, do Código Penal (comercialização,
dentre outros, de cosméticos falsificados), tendo em vista a patente desproporcionalidade
de sua pena – 10 a 15 anos de reclusão –, sobretudo ao ser comparada com a pena
cominada ao crime de tráfico de drogas – 5 a 15 anos de reclusão –, que deveria ser,
considerando o bem jurídico tutelado, mais grave.
Como se extrai da função fundamentadora, o bem jurídico é o objeto de tutela
do Direito penal e, portanto, é sobre o bem jurídico que se funda o injusto, em que nele se
firma para a realização da repressão que se encerra na imposição de pena.
E é exatamente por isto que toda a interpretação do Direito Penal se inicia pelo bem
jurídico penal.
Alguns doutrinadores chegam a afirmar que o bem jurídico é o elemento central
do tipo penal, de modo que não somente constitui o ponto de partida e a ideia reitora da
formação do tipo, como também a base e a estrutura da interpretação, não se podendo
valorar a aplicação da norma penal que não se paute no bem jurídico protegido, isto é, não
se pode admitir a intervenção penal que não tenha por finalidade (por isso se diz função
teleológica) a proteção de um valor, consensualmente, avaliado como digno de tutela
penal.
Neste contexto, Ripollés (1998) enuncia que o conceito de bem jurídico há
surgido do aprofundamento dos estudos da antijuridicidade, constituindo ele mesmo o
elemento principal da antijuridicidade material, estabilizando-se
frente à antijuridicidade formal, própria do positivismo jurídico.
Tratando-se de fundamento da conduta penalmente reprimida, o bem jurídico
funciona como critério de classificação, dando ensejo ao princípio da
proporcionalidade, no qual define quantidade de penas conforme a importância do bem
jurídico protegido.
A função exegética impõe que a interpretação do Direito Penal deve sempre
ser baseada na proteção de um valor, de modo que quando ausente a danosidade, não
cabe jamais a intervenção na ordem individual, pois a pena é uma consequência grave ao
cidadão cuja justificativa reside na extrema necessidade (por isso Roxin trabalha com a
ideia da necessidade de pena, em sua teoria funcionalista teleológica). Não é por outra
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razão que essa função faz com que o bem jurídico funcione como uma espécie de
termômetro crítico para avaliar até que ponto a intervenção penal é necessária.

DOLO SEM VONTADE

A definição de dolo atualmente aceita pela generalidade dos bons manuais é a


de “conhecimento e vontade de realizar o tipo objetivo”. Segundo esse entendimento, o
dolo teria um duplo conteúdo psicológico: um elemento cognitivo e um elemento
volitivo. O primeiro deles significa que a cabeça do autor conteria algo como uma
fotografia interna da realidade, uma espécie de imagem de como o mundo se encontra no
momento imediatamente anterior à ação e de como ele se encontrará depois dela. Já sob
o aspecto volitivo, dolo pressuporia a vontade em sentido psicológico, uma tomada de
posição do autor diante dessa fotografia interna ou dessa imagem mental, isto é, o “querer”
a produção do resultado visualizado. Esse grupo de posturas dualistas, que exige
conhecimento e vontade para que se configure o dolo, forma as chamadas teorias
volitivas.
Entretanto, Luiz Greco partilha de um entendimento diverso. Para ele o dolo é
unicamente conhecimento, e não conhecimento e vontade, uma vez que considerar
decisiva para o dolo a vontade de quem atua significa, em última análise, atribuir ao
próprio agente a competência para decidir se há ou não dolo. Ocorre que não é o agente,
e sim o Direito quem tem de exercer essa competência.
Luiz Greco sustenta o seu posicionamento indicando três problemas: o de
definição; o de prova e o de fundamentação:
O problema de definição consiste na existência de uma série de teorias
volitivas na doutrina, cada uma delas se referindo a um estado psíquico diverso –
consentimento, assunção do risco, assunção aprovadora do risco, decisão contra um bem
jurídico, etc. –, sendo que nunca se explica bem no que uma teoria difere da outra.
O problema de prova diz respeito ao fato de que, qualquer que seja o
elemento volitivo que se considere correto, nunca é realmente possível provar a sua
existência de maneira compatível com as exigências da presunção de inocência e do in
dubio pro reo. O autor tem acesso privilegiado em relação ao seu próprio estado anímico,
de forma que sempre lhe será possível negar ter agido com vontade de cometer um crime,
sem que o juiz tenha como atestar se o autor está ou não mentindo (aliás, aqui Luís Greco
chama a atenção para o fato de que se existem condenações por dolo mesmo em casos
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em que não há confissão, é porque, no fundo, a vontade em sentido psicológico nunca foi
levada muito a sério pelo Judiciário).
O problema de fundamentação diz respeito ao fato de que o elemento volitivo,
ainda que pudesse ser definido com clareza e provado com precisão, não poderia compor
o conceito de dolo, pois a vontade se mostra irrelevante para o domínio do resultado e,
portanto, não pode servir para justificar o tratamento mais severo que deve receber aquele
que pratica um crime doloso. O que torna a ação objetivamente mais perigosa, a rigor,
não é a vontade do agente, e sim a maneira como a ação é externamente executada. A
vontade, enquanto dado interno, não aumenta nem diminui o grau de perigo criado pela
ação do autor. O que pode ocorrer, sim, é que, por exemplo, a vontade de matar conduza
o autor a efetuar o disparo não de longe, e sim à queima-roupa. Mas, neste caso não é
preciso mais mencionar a vontade no momento de verificar a intensidade do perigo. Essa
intensidade deriva da circunstância objetiva, externa, de que o tiro foi disparado à queima-
roupa.
O autor conclui aduzindo que se todo dolo é conhecimento, e a vontade não
tem relevância alguma, não há mais qualquer razão para diferenciar dolo direto (em suas
duas formas, de primeiro ou de segundo grau) e dolo eventual. Há apenas uma forma de
dolo.
Sob esse aspecto, para que se possa falar em dolo, tem o autor de agir com
conhecimento tal que lhe confira o domínio sobre aquilo que está realizando. Ou seja, ao
menos em parte o dolo acaba se tornando uma questão de tipo objetivo: o autor tem de
conscientemente criar um risco de tal dimensão que a produção do resultado possa ser
considerada algo que o autor domina.

ESCOLAS PENAIS

Escola Clássica: Surgiu entre o final do século XVIII e a metade do século XIX
como reação ao totalitarismo do Estado Absolutista, filiando-se ao movimento
revolucionário e libertário do Iluminismo. Seus fundamentos se originaram nos estudos
de Beccaria.
As principais características da Escola Clássica são: utilização do método
racionalista e dedutivo (lógico); crime como um conceito meramente jurídico; concepção
do livre arbítrio; pena como retribuição pelo crime cometido.
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Obs.: Foi sob a influência dos pensamentos de Kant e Hegel que a concepção
retribucionista do Direito Penal se desenvolveu. A sanção penal era, sob essa vertente,
um castigo necessário para o restabelecimento do Direito Penal e da Justiça.
Obs.2: Em razão do ideal iluminista, prevaleceu a tendência de eliminar as
penas corporais e os suplícios. Esta tenha sido, talvez, umas das principais contribuições
da Escola Clássica: retirar do Direito Penal o caráter de vingança real ou religiosa.

Escola Positiva: O nome “positivista” refere-se ao método empírico utilizado


pelos autores dessa Escola. Os principais autores, aliás, são: Cesare Lombroso, Enrico
Feri e Rafael Garofalo, cada um deles com perspectivas relativamente distintas entre si.
A Escola Positiva trabalhava com a ideia de “criminosos natos”; determinismo
biológico-social, em contraposição à ideia clássica de livre-arbítrio.

Escola Crítica: Ao contrário das Escolas Clássica e Positiva, a Terza Scuola


Italiana não possuiu um posicionamento bem definido, pois buscava conciliar as
proposições das duas predecessoras. Pretendia superar os extremismos das anteriores,
sendo considerada uma escola eclética.
Essa escola ficou conhecida também por Escola Crítica em função de um artigo
publicado por Manuel Carnevale.
Em relação aos princípios acolhidos pela Escola Crítica estão:
responsabilidade moral; distinção entre imputáveis e inimputáveis e a não aceitação do
livre-arbítrio como fundamento da responsabilidade moral. Substitui-se o livre-arbítrio pelo
determinismo psicológico: “O homem é determinado pelo motivo mais forte, sendo
imputável quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos. A quem não tiver tal
capacidade deverá ser aplicada medida de segurança e não pena”.
A Escola Crítica entende que o crime é um fenômeno social e individual e que
a finalidade da pena é a defesa social. Mesmo utilizando a medida de segurança, essa
escola acaba ignorando a readaptação do criminoso, ou seja, a pena é utilizada para
afastar o delinquente do convívio social.
Essa escola penal teve como principal objetivo evitar discussões
metafísicas do livre arbítrio e do determinismo, que frequentemente olvidavam as
exigências reais e impostergáveis do direito penal.
Segundo Frederico Marques, os postulados fundamentais da Terceira Escola
podem ser assim sistematizados: a) respeito à personalidade do direito penal, que os
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positivistas absorviam na sociologia criminal; b) causalidade e não fatalidade do crime, e,


portanto, exclusão do tipo criminal antropológico; c) reforma social como dever do Estado
na luta contra o crime.

Escola Moderna Alemã: A Escola moderna alemã, escola sociológica alemã


ou escola política criminal, surgiu na Alemanha por iniciativa de Franz Von Liszt, que
concebia o Direito Penal como a barreira intransponível da política criminal. Liszt
enxergava a prevenção especial como uma das finalidades da pena, englobando, dessa
forma, outras disciplinas jurídicas e criminológicas heterogêneas, como por exemplo, a
dogmática, a criminologia e a política criminal.
Algumas das principais características dessa escola são: a formação do
penalista deve ser jurídica e criminalística; a explicação causal do delito e da pena há de
ser entendida como criminológica penológica e de pesquisa histórica sobre o
desenvolvimento da delinquência e dos sistemas penais; e, finalmente, é necessária a
elaboração de uma política criminal, como sistemas de princípios, em bases
experimentais, para a crítica e reforma da legislação penal.
Com base nessas características, é importante ressaltar e estudar mais a fundo
a questão da pena, que deixa de ser retributiva e passa a ser instrumental, em nome da
defesa social. Franz Von Liszt, então, por meio da Escola Moderna Alemã, dispõe sobre
a pena e a medida de segurança, formando dessa forma, o chamado sistema do duplo
binário, em que a pena se funda na culpa e a medida de segurança na periculosidade do
agente.
Tal sistema de aplicação de penas e medidas de segurança foi desenvolvido
com base no estudo dos delinquentes habituais que, segundo Liszt, deveriam sofrer penas
de prisão perpétua ou a servidão penal por tempo indeterminado em campos de trabalho.
Ainda, Liszt criou tal sistema visando aplicar a pena àquele considerado delinquente
ocasional e, medida de segurança e correção à pessoa considerada delinquente perigoso.
Para Liszt interessava a inocuização dos delinquentes habituais. E estes
conceitos foram aceitos e trabalhados durante a República de Weimar até culminar no 3º
Reich.

Teoria dos elementos negativos do tipo


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A teoria dos elementos negativos do tipo criou o conceito de tipo total de


injusto, que, conforme Wessels, congrega em si todos os elementos fundamentadores e
excludentes do injusto, dos quais depende, tanto em sentido positivo como negativo, a
qualidade do injusto na conduta. Esse tipo total de injusto, criado a partir de Merkel e
Frank, diz que do tipo que descreve os fatos proibidos, denominados de tipos provisórios
do injusto ou tipos incriminadores, fazem parte também as causas que excluem a ilicitude,
como elementos negativos do tipo.

Segundo a Teoria dos Elementos Negativos o dolo do agente deve


abranger não só os dados materiais do tipo, como também a inexistência de causas
justificantes (justificativas). Assim, por exemplo, no homicídio, para o agente atuar
dolosamente e com isso realizar um fato típico, ele precisa ter não apenas a vontade e a
consciência de matar alguém, mas também a consciência de que estão ausentes todos e
quaisquer elementos que configurem as justificantes.

Como afirma Jescheck: “[...] elementos do tipo e pressupostos das causas de


justificação se reúnem, por esta via, no tipo total e se situam sistematicamente no mesmo
nível”. Disto decorre a ideia fundamental defendida por esta teoria: não há como se cogitar
da existência de dolo quando presente uma justificativa e, também, não haverá dolo
quando o agente atuar em erro sobre essa justificativa.

Miguel Reale Júnior esclarece que para a teoria em comento, toda ação típica
é necessariamente antijurídica, e disso tira a conclusão de que as causas de justificação
não excluem a ilicitude, mas sim a adequação típica (ratio essendi).

Finalmente, quanto ao erro sobre uma causa de justificação na concepção da


teoria dos elementos negativos do tipo, em qualquer das espécies de erro, sempre excluirá
o dolo. Entretanto, se o erro sobre a justificativa for invencível, ficará excluído o dolo e a
culpa, mas se o erro for evitável haverá a possibilidade de punição na forma culposa, caso
prevista em lei.

Essa teoria NÃO foi adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Teoria da ação significativa (ou conceito significativo de ação)


de VIVES ANTÓN
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O penalista espanhol Tomás Salvador Vives Antón questiona o entendimento


sobre a ação no Direito Penal como consequência de uma concepção meramente
cartesiana. Para ele, a ação não deve ser visualizada como “o que as pessoas
fazem”, mas como “o significado do que fazem”.

As ações não são meros acontecimentos, têm um sentido e, por isso, não basta
descrevê-las, é necessário entendê-las, interpretá-las. Logo, mais do que “definir” o que
seja a ação no campo do direito penal, deve-se “interpretar” seu significado.

Segundo Paulo César Busato, as ações, não sendo meros acontecimentos,


exigem interpretação. Vale dizer, não basta que as ações sejam meramente descritas, é
necessário que elas sejam interpretadas e compreendidas. Enquanto os meros fatos da
vida podem ser explicados por regras imutáveis (como as leis da física, da química ou da
biologia), as ações humanas têm a característica diferenciadora de que somente podem
ser identificadas, classificadas e interpretadas conforme regras ou normas.

Busato exemplifica: “não se pode afirmar que um tapa no rosto seja uma lesão
corporal, uma injúria, um cumprimento rude ou até mesmo um ato reflexo sem uma análise
das circunstâncias em que ocorre, para verificação de como deve ser interpretado e
compreendido referido tapa, até mesmo para definição se pode mesmo ser considerado
um tapa”.

Assim, as ações sociais são configuradas de acordo com seu significado social,
pelo contexto em que se produzem. Logo, se as ações dependem de regras ou normas
que as definem, resulta impossível encontrar um conceito único de ação humana que sirva
para congregar tantos diferentes sentidos quanto aqueles que se pretende regular.

Não existe um conceito geral de ação, mas sim tantos conceitos quantos
modelos de condutas relevantes – ou formalmente típicas – existirem para o Direito Penal.

Portanto, para estabelecer a responsabilidade penal, deve-se verificar se um


fato determinado pertence a um tipo de ação, para, em seguida, decidir se estamos diante
de uma ação definida como norma incriminadora (como matar, furtar, etc).

Posição do dolo no “modelo significativo de Vives Antón


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A proposta do prof. Vives Antón reorganiza o sistema de imputação a partir de


dois pilares: a norma e a ação, as quais, conjugadas, convertem a teoria do delito em um
conjunto de pretensões normativas em face do sentido de um tipo de ação através de
pretensões normativas (tipo de ação: expresso em uma pretensão conceitual de
relevância e uma pretensão de ofensividade; a antijuridicidade formal: expressa em uma
pretensão de ilicitude que inclui instâncias de imputação da antinormatividade; uma
culpabilidade como pretensão de reprovação e uma punibilidade como pretensão de
necessidade de pena). Distribuídas assim as categorias do delito, fica melhor evidenciado
que o dolo não é mais do que uma atribuição.

Vives Antón exige, para o reconhecimento do “tipo de ação”, uma pretensão de


relevância no sentido da determinação de que uma ação humana em concreto é uma das
que interessam ao Direito Penal. Mas essa pretensão de relevância é verificável mediante
o cumprimento de dois pontos: uma pretensão conceitual de relevância, que
expressaria a ideia de tipicidade, e uma pretensão de ofensividade, que representaria a
ideia de antijuridicidade material. E logo, fecha o injusto com a antijuridicidade formal, que
corresponde a uma pretensão de ilicitude que se traduz na verificação da falta de ajuste
do comportamento significativo em relação ao ordenamento jurídico. É nesse ponto onde
Vives Antón situa o dolo (e a imprudência), identificado segundo um compromisso
de atuar por parte do autor. O dolo, para Vives, resulta um dolo neutro, ou seja, é a
intenção de realizar o fato antijurídico.

Quando se separa, de um lado, o dolo (e a imprudência) na pretensão de


ilicitude, e do outro, os elementos do tipo e a própria ação na pretensão de relevância, fica
clara a mescla que as concepções finalistas fizeram entre os planos conceitual e
substantivo de análise. Conforme observa Vives, “a atribuição de intenções ao sujeito, ou
a qualificação de sua conduta como não intencional, não desempenham necessariamente
um papel na delimitação conceitual da ação”.

A ação – seja comissão ou omissão – tem seu aspecto conceitual ou de


definição analisado no tipo de ação que é onde se lhe identificam critérios de sentido. O
dolo e a imprudência, por outro lado, são instâncias de imputação da
antinormatividade, vinculadas ao plano substantivo e não conceitual da atribuição
de conduta ao sujeito.

Assim, para a concepção significativa da ação, a “intenção subjetiva”


corresponde à atribuição concreta de intenções ao sujeito e não define, por si mesma, a
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ação, mas sim a imputação. Ou seja, a identificação da intenção subjetiva cumpre a tarefa
de possibilitar a atribuição ao agente de um compromisso com a ação ofensiva realizada,
mas não faz parte da própria ação, no que refere à sua definição. Dessarte, a definição
da existência de uma ação conceitualmente relevante para o Direito Penal precede a
análise de se essa ação relevante efetivamente infringe a norma. Nesse sentido, Vives
não deixa dúvidas ao afirmar que “a determinação da intenção entra frequentemente em
jogo depois que a ação se acha definida e serve ao interesse substantivo de ajuizá-la”.

Nessa concepção (que parte da superação das teorias ontológicas do dolo), o


dolo é identificado concretamente como o compromisso para com a produção do
resultado, expressada em uma decisão contra o bem jurídico. Portanto, o dolo não “é” um
fato, mas uma atribuição, ou seja, a exata atribuição de uma decisão contrária ao bem
jurídico.

Essa construção inspirou-se também, e de certa maneira, na teoria dos

indicadores externos do dolo de Winfried Hassemer . “Em resumo, Hassemer


entende que o dolo é uma 'decisão a favor do injusto', mas entende também que o dolo é
uma instância interna não observável, com o que, sua atribuição se reduz à investigação
de elementos externos que possam servir de indicadores e justificar sua atribuição. Por
isso, esses indicadores só podem ser procurados na mesma ‘ratio’ do dolo, que se explica
em três sucessivos níveis: a situação perigosa, a representação do perigo e a decisão
a favor da ação perigosa”. Assim, “ao afirmar que o dolo, embora seja um fenômeno
interno ao sujeito, demanda, para sua afirmação, da comprovação de indicadores
externos que justifiquem sua atribuição, Hassemer assume a ideia de que somente diante
da expressão externa, compatível com a ‘ratio’ incriminadora subjetiva dolosa, é possível
afirmar a existência do dolo. Vale dizer: o dolo 'é' sua própria demonstração, sua
expressão significativa”. Dessarte, a identificação do dolo não pode vir da descrição de
um processo psicológico, mas somente da identificação do que Hassemar qualifica como
“indicadores externos”.

DIREITO PENAL DE INTERVENÇÃO

O Direito Penal de Intervenção foi criado pelo alemão Winfried Hassemer. De


acordo com Hassemer, o Direito Penal não oferece resposta satisfatória para a
criminalidade oriunda das sociedades modernas. As modificações introduzidas na
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humanidade nos últimos anos, como a globalização, a massificação dos problemas e a


configuração de uma sociedade de risco, implicaram profundas alterações no Direito
Penal, como, por exemplo, a criação de tipos penais em branco, tipos de perigo
abstrato e leis meramente simbólicas. Ou seja, tais modificações resultaram em
inevitável expansão do Direito Penal.

Hassemer afirma que o poder punitivo estatal deveria limitar-se ao núcleo do


Direito Penal, sendo os demais problemas resultantes dos riscos da modernidade
resolvidos pelo direito de intervenção, única solução apta a enfrentar a atual criminalidade.

De acordo com Cleber Masson, o direito de intervenção consiste na


manutenção, no âmbito do Direito Penal, somente das condutas lesivas aos bens jurídicos
individuais e também daquelas que causam perigo concreto. As demais, de índole difusa
ou coletiva, e causadoras de perigo abstrato, por serem apenadas de maneira mais
branda, seriam reguladas por um sistema jurídico diverso, com garantias materiais e
processuais mais flexíveis, possibilitando um tratamento célere e amplo dessas questões,
sob pena de tornar o Direito Penal inócuo e simbólico.

Para Hassemer, o Direito de Intervenção gravitaria entre o Direito Penal e


o Direito Administrativo. O Direito Penal não pode abrir mão de sua estrutura nuclear; o
Direito Penal só se presta à tutela de bens individuais e, nesse ponto, o Direito de
Intervenção tutelaria os bens coletivos.

Nota-se que Hassemer é contrário à expansão da tutela penal a bens jurídicos


supraindividuais, que vem sendo promovida no contexto da sociedade de risco.

Figueiredo Dias é crítico dessa teoria e alega que o direito de intervenção seria
uma inversão temerária dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, uma
vez que relegaria à seara mais suave do ordenamento jurídico justamente as infrações
que colocam em maior risco a estrutura da sociedade.

No âmbito do Direito Penal, no que consiste a


TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA?
A teoria da imputação objetiva surge com a finalidade de limitar o alcance da
teoria da equivalência dos antecedentes, sem, contudo, deixar de aplicá-la. Não basta que
o resultado tenha sido produzido pelo agente para que se possa afirmar a existência de
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relação de causalidade, sendo preciso, também, que esse resultado possa ser imputado
juridicamente ao agente.

A teoria da imputação objetiva, em sua forma mais simplificada, aduz que um


resultado causado pelo agente só deve ser imputado como sua obra e preencher o tipo
objetivo unicamente quando: (a) o comportamento do autor cria ou aumenta um risco
não permitido para o objeto da ação, (b) o risco se realiza no resultado concreto e
(c) este resultado se encontra dentro do alcance do tipo.

Ações que diminuam riscos não são imputáveis ao tipo objetivo, apesar de
serem causa do resultado em sua forma concreta e de estarem abrangidas pela
consciência do sujeito. Assim, quem convence o ladrão a furtar não mil reais, mas
somente cem reais, não pode ser punido por participação no furto, pois sua conduta não
elevou, mas diminuiu o risco da lesão.

A teoria da imputação objetiva busca definir a relação de causalidade, mas


insere três novas elementares (causalidade normativa) no tipo objetivo, quais sejam:

1. Criação ou aumento de um risco proibido.


Existência do risco;
▪ Não há ação perigosa quando o risco for juridicamente
irrelevante ou se houver diminuição do risco, avaliado ANTES
da ação pelo agente.
▪ O risco criado deve ser proibido pelo Direito. Isso porque, nem
toda ação perigosa é proibida pelo Direito, a exemplo da lesão
corporal provocada em luta de boxe, o fato é atípico, se
respeitadas todas as regras).
2. Realização do risco no resultado (só haverá realização do risco se a
proibição da conduta for justificada para evitar a lesão de determinado
bem jurídico por meio de determinado curso causal, os quais venham
efetivamente a ocorrer);
3. Resultado situado dentro do alcance do tipo.

Logo, com a adoção desta teoria, o nexo causal só estaria caracterizado se


ultrapassadas três etapas:

1. Teoria da equivalência dos antecedentes;


2. Imputação objetiva;
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3. Dolo ou culpa (causalidade psíquica).

OBSERVAÇÕES IMPORTANTES:

A teoria da imputação objetiva visa limitar a responsabilidade penal, incluindo


novas elementares no tipo objetivo. Assim, para essa teoria, a atribuição de um resultado
a uma pessoa não é determinada unicamente pela relação de causalidade, sendo
necessária a realização do risco proibido pela norma;

Essa teoria é aplicável exclusivamente aos crimes MATERIAIS, tendo em vista


que um de seus requisitos é a realização do risco criado ou aumentado pelo agente no
RESULTADO;

Como essa teoria possui íntima relação com as regras da física quântica,
vez que não basta a mera relação de causa e efeito entre conduta e resultado, fala-se em
“DIREITO PENAL QUÂNTICO”, caracterizado pela presença da relação de causalidade
normativa e da tipicidade material.

Uma vez concluída pela não imputação objetiva, AFASTA-SE O FATO TÍPICO.

Para verificar se o resultado está compreendido dentro do alcance do risco


criado, utiliza-se o juízo de prognose póstuma objetiva (também utilizado na teoria da
causalidade adequada).

GARANTISMO HIPERBÓLICO MONOCULAR

Douglas Fischer vem trabalhando o tema, a partir da noção de proteção


positiva e negativa (garantismo integral) com uma crítica ao que ele chama de
GARANTISMO HIPERBÓLICO MONOCULAR. A exacerbação do discurso garantista
“unilateral” ou monocular, atento “apenas” ao aspecto da proibição do excesso, tem
desvirtuado a garantia de uma imunidade às arbitrariedades, concebendo uma
equivocada garantia (potencial) de impunidade.

O autor afirma que “tem havido uma disseminação de uma ideia apenas parcial
dos ideais garantista (garantismo hiperbólico monocular) porque, muitas vezes, não se
tem notado que não estão em voga (reclamando a devida e necessária proteção)
exclusivamente os direitos fundamentais, sobretudo os individuais. Os pilares do
garantismo não demandam a aplicação de suas premissas apenas como forma de afastar
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os excessos injustificados do Estado à luz da Constituição (proteção do mais fraco). Não


se deve invocar a aplicação exclusiva do que se tem chamado de garantismo negativo. O
dever de garantir a segurança não está em apenas evitar condutas criminosas que atinjam
direitos fundamentais de terceiros, mas também na devida apuração do ato ilícito e, em
sendo o caso, na punição do responsável”.

A partir da mais difundida classificação de garantismo à luz da (i) proibição do


excesso e da (ii) proibição da proteção deficiente, parte da doutrina aponta que o
tratamento dado majoritariamente no direito brasileiro por uma linha penalista ao
garantismo tem como foco exclusivo e exacerbado o chamado “garantismo negativo”, em
contraposição ao garantismo INTEGRAL. Passou-se a apontar e criticar a ideia do
garantismo hiperbólico monocular. Diz-se hiperbólico uma vez que ele estaria sendo
aplicado de maneira ampliada, intensa, desproporcional e hiperbolizada. Seria
também MONOCULAR já que somente estaria enxergando os direitos fundamentais
do réu.

Nota-se que não há uma análise refratária ao garantismo, mas sim a defesa da
sua integralidade, também no viés positivo, visando a resguardar não apenas os direitos
fundamentais dos réus e investigados, como também das vítimas.

Como se deu a EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA DA TIPICIDADE?

CORPUS DELICTI (“Tatbestand”): O delito era concebido com todos os seus


elementos; a tipicidade NÃO era autônoma (falava-se apenas em ilicitude e culpabilidade).

FASE DA INDEPENDÊNCIA DO TIPO: Em 1906, Beling compreendeu a


tipicidade como categoria sistemática e autônoma, tornando-a independente da ilicitude e
da culpabilidade. Distinguiu-se, aqui, a tipicidade da ilicitude, sendo a tipicidade mero
processo de adequação do fato à norma.

TEORIA INDICIÁRIA (“ratio cognoscendi”): Max Ernest Mayer, em 1915,


aprimora a teoria da tipicidade, conferindo a ela a função de indício da ilicitude (a tipicidade
autoriza a presunção relativa de ilicitude).

▪ Sua utilidade prática repousa na inversão do ônus da prova no


tocante às causas de exclusão da ilicitude.
▪ É a teoria mais aceita no Direito Penal.
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▪ A parte final do art. 386, VI, CPP (“ou mesmo se houver dúvida sobre
sua existência”), em que admite que o juiz absolva o réu, encontra-se
em consonância com a teoria da tipicidade como indício da ilicitude.

TEORIA DA IDENTIDADE (“ratio essendi”): Fase da tipicidade como


essência da ilicitude (não há tipicidade sem ilicitude). O tipo penal é transformado em tipo
de injusto (o tipo é a “ilicitude tipificada”).

TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO: Preconizada por


Hellmuth Von Weber, propõe o “tipo total do injusto” (os pressupostos da causa de
exclusão da ilicitude compõem o tipo penal como seus elementos negativos). Logo,
tipicidade e ilicitude integram o tipo penal (ausente a ilicitude, o fato será atípico). NÃO foi
acolhida pelo nosso sistema penal.

TEORIA DA TIPICIDADE CONGLOBANTE: Criada por Eugenio Raúl


Zaffaroni, essa teoria sustenta que todo fato típico se reveste de antinormatividade,
havendo a necessidade de a conduta ser contrária ao ordenamento jurídico em geral
(conglobado), e não apenas ao Direito Penal. Tipicidade penal é a tipicidade legal
(adequação ao tipo) + tipicidade conglobante (antinormatividade – a conduta está também
proibida pela norma). Já foi acolhida pelos Tribunais Superiores.

ERRO DE TIPO

O erro de tipo é a falsa percepção da realidade acerca dos elementos


constitutivos do tipo penal (erro de tipo ESSENCIAL). Salienta-se que de acordo com
a doutrina, é cabível o erro de tipo na seara dos crimes omissivos impróprios;

Espécies:

a) escusável: não deriva de culpa do agente;


b) inescusável: provém de culpa do agente;

Efeitos: sempre exclui o dolo (“cara negativa do dolo” a Zaffaroni). Entretanto,


se escusável também exclui a culpa (diferente do erro de tipo inescusável, que permite a
punição por crime culposo, se previsto em lei);

Há, ainda, o erro de tipo ACIDENTAL (que recai sobre circunstâncias e fatores
irrelevantes da figura típica, não afastando a responsabilidade penal).
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Modalidades de erro de tipo ACIDENTAL (que NÃO afastam a


responsabilidade penal):

1. erro sobre a pessoa ou aberratio personae (o agente confunde


a pessoa visada). Adota-se aqui a TEORIA DA EQUIVALÊNCIA
do bem jurídico atingido (leva-se em conta, para aplicação da
pena, as condições da vítima virtual - aquela que o sujeito
pretendia atingir). No entanto, segundo a jurisprudência pátria, o
erro NÃO influencia na competência, levando-se em conta a
vítima real para determinar o foro competente.
2. erro sobre o objeto (incide sobre coisa diversa).
3. erro sobre as qualificadoras (o sujeito age com falsa percepção
da realidade sobre uma qualificadora).
4. erro sobre o nexo causal ou aberratio causae (engano
relacionado à causa do crime). O erro sobre o nexo causal
DIFERE DO DOLO GERAL (ou por erro sucessivo), vez que
neste há dois atos distintos, ao passo que no aberratio causae há
apenas um ato.
5. erro na execução ou aberratio ictus (o agente erra o seu alvo,
tendo em vista a aberração no ataque).
6. aberratio criminis (trata-se do resultado diverso do pretendido).
Se sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde
por CULPA, se o fato é previsto como crime culposo (art. 74,
caput, CP). No entanto, se o resultado previsto como crime
culposo for MENOS GRAVE ou se o crime não admitir a
modalidade culposa, segundo a doutrina majoritária, deve-se
desprezar a regra contida no art. 74 CP, imputando a TENTATIVA
do respectivo crime.

FUNCIONALISMO PENAL

Abandona-se o tecnicismo jurídico, possibilitando ao tipo penal desempenhar


sua efetiva função de mantenedor da paz social e aplicador da política criminal (mais
importante do que seguir à risca a letra fria da lei).
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Concepções:

Funcionalismo moderado, dualista ou de política criminal (Claus Roxin –


Escola de Munique): a principal finalidade do sistema penal é a proteção de bens
jurídicos; trabalha-se apenas com a função preventiva da pena. Roxin levanta a ideia de
“responsabilidade penal” e de “necessidade de aplicação de pena”.

Funcionalismo radical, monista ou sistêmico (Günter Jakobs – Escola de


Bonn): a finalidade do sistema penal é garantir a higidez do próprio sistema; leva-se em
consideração apenas necessidades sistêmicas, cabendo ao Direito Penal se ajustar a
elas.

Nota-se, portanto, que o movimento funcionalista consiste em uma reação aos


excessos de abstração cometidos pelo sistema finalista de Hans Welzel. A crítica do
funcionalismo aos sistemas anteriores (causalista e finalista) é que o sistema penal não
deve ter suas bases construídas em dados pré-jurídicos (ontológicos). As categorias
jurídico-penais devem ser voltadas aos fins do direito penal.

No funcionalismo se busca o desempenho pelo Direito Penal de sua primordial


tarefa, que é possibilitar o adequado funcionamento da sociedade. Isso é mais importante
do que seguir à risca a letra fria da lei, sem desconsiderá-la totalmente.

Em suma, o FUNCIONALISMO sustenta que a dogmática penal deve ser


direcionada à política criminal, sendo essa finalidade a reafirmação da autoridade do
Direito, que não encontra limites externos, mas só internos (Jakobs), ou então a proteção
de bens jurídicos indispensáveis ao desenvolvimento do indivíduo e da sociedade,
respeitando os limites impostos pelo ordenamento jurídico (Roxin).

Teorias extremada e limitada do DOLO

Teoria Estrita, Extrema ou Extremada do Dolo: O dolo é normativo


(consciência das elementares do tipo penal + vontade de realizar a conduta e de produzir
o resultado + consciência ATUAL da ilicitude) e reside na culpabilidade. Assim sendo,
seja quando o agente incorre em erro quanto à existência de uma elementar do tipo penal,
seja quando ele atua sem ter a ATUAL consciência da ilicitude, o dolo é excluído. Uma
vez excluído, a culpabilidade é excluída. Desse modo, para a teoria em comento, todo
erro quanto a uma causa de justificação (quanto aos pressupostos fáticos; ou quanto à
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existência ou limites da causa de justificação) exclui a culpabilidade ao argumento da


inexistência do dolo normativo.

Teoria Limitada do Dolo: O dolo é normativo (consciência das elementares


do tipo penal + vontade de realizar a conduta e de produzir o resultado + consciência
POTENCIAL da ilicitude) e reside na culpabilidade. Assim sendo, seja quando o agente
incorre em erro quanto à existência de uma elementar do tipo penal, seja quando ele atua
sem ter a POTENCIAL consciência da ilicitude, o dolo é excluído. Uma vez excluído, a
culpabilidade é excluída. Desse modo, para a teoria em comento, todo erro quanto a uma
causa de justificação (quanto aos pressupostos fáticos; ou quanto à existência ou limites
da causa de justificação) exclui a culpabilidade ao argumento da inexistência do dolo
normativo.

A distinção entre as teorias do dolo no tratamento das causas de justificação


diz respeito unicamente ao ponto em que na teoria extremada o dolo normativo exige
consciência ATUAL da ilicitude; e na teoria limitada o dolo, que também é normativo,
requer apenas que a consciência da ilicitude seja meramente POTENCIAL.

Essas teorias do dolo foram SUPERADAS pela teoria finalista da ação, de Hans
Welzel, que removeu o dolo da culpabilidade e o passou para a conduta (e esta integra o
tipo penal incriminador), e o elemento normativo do dolo foi deste removido e inserido na
culpabilidade sob a denominação de “potencial consciência da ilicitude”. A culpabilidade
passou a ser totalmente normativa (sem qualquer elemento psicológico, portanto), e o
dolo passou a ser natural, composto apenas dos elementos consciência e vontade.

ATENUANTE DIFERIDA?

O tema abrange a dosimetria da pena, que no ordenamento brasileiro é


calculada a partir do método trifásico, desenvolvido por Nelson Hungria, e se divide em
três fases distintas e sucessivas:

1ª fase: Parte-se da pena cominada ao crime (simples ou qualificado) e se


analisam as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal para se chegar à pena-
base;
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2ª fase: Parte-se da pena-base e se analisam as circunstâncias agravantes


(artigos 61 e 62 do CP) e atenuantes (artigos 65 e 66 do CP) para se chegar à pena-
intermediária;

3ª fase: Parte-se da pena-intermediária e se analisam as causas de aumento


(majorantes) e de diminuição (minorantes) para se chegar à pena-definitiva.

Reafirma-se que essas fases são distintas e sucessivas, de forma que cada
uma das circunstâncias que compõe cada fase (judiciais, agravantes/atenuantes e
majorantes/minorantes) somente poderá incidir na sua fase correspondente.

Além disso, as duas primeiras fases da dosimetria devem se manter adstritas


aos limites da pena cominada ao crime em julgamento. Por exemplo, se a dosimetria se
refere ao crime de furto simples, o cálculo da dosimetria nas duas primeiras fases não
poderia ficar aquém de 1 ano e nem acima de 4 anos (o furto simples prevê a pena de
reclusão de 1 a 4 anos).

Reforçando essa premissa, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n.


231 com o seguinte teor: “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à
redução da pena abaixo do mínimo legal”.

Mas parte da doutrina enxerga inconsistência nesse entendimento, haja vista


que o artigo 65 do Código Penal é claro ao afirmar que as circunstâncias atenuantes
“sempre” atenuam a pena, de sorte que o pena mínima cominada ao crime não deveria
ser óbice à redução. Isso, na visão dessa corrente doutrinária, afrontaria o próprio princípio
da individualização da pena.

Essa corrente acabou por desencadeou uma discussão a nível doutrinário


acerca da possibilidade das circunstâncias atenuantes, analisadas na 2ª fase, terem seus
efeitos diferidos para a 3ª fase da dosimetria, na hipótese da pena-base ser fixada no
mínimo legal e não existir, na segunda fase, circunstância agravante para ser
compensada.

Explica-se: Em regra, a circunstância atenuante não pode conduzir o cálculo


da dosimetria para aquém da pena mínima cominada ao crime. Contudo, constatada a
impossibilidade de sua incidência na segunda fase (por exemplo, pena-base fixada no
mínimo e inexistência de agravantes), excepcionalmente essa atenuante deverá incidir
após a análise da terceira fase, caso exista alguma causa de aumento de pena
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(majorante), para ser com ela “compensada”. Essa “tese” foi denominada pela doutrina
como “CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE DIFERIDA”.

Sobre o tema, os doutrinadores Marcelo André de Azevedo e Alexandre Salim


ilustram a hipótese de um crime de furto com as seguintes circunstâncias: praticado
durante o repouso noturno (causa de aumento de 1/3); agente menor de 21 anos na data
do fato (atenuante); confissão espontânea (atenuante); reparação do dano no curso da
ação penal (atenuante). No caso, existem três circunstâncias atenuantes (verificáveis na
segunda fase da dosimetria) e uma causa de aumento de pena (a incidir na terceira fase).
Durante a dosimetria, na segunda fase, diante da inexistência de agravantes, as três
circunstâncias atenuantes não incidirão, uma vez que a pena-base foi fixada no mínimo
legal de 1 ano. Na terceira fase, o juiz aumentará a pena em 1/3, de sorte que a pena
passará para 1 ano e 4 meses. Em seguida, deveriam incidir as circunstâncias atenuantes
(de forma diferida), tendo em vista que não puderam incidir anteriormente, em respeito ao
limite mínimo.

Apesar da inteligência desse raciocínio e da coerência das argumentações que


o sustentam, a tese das “circunstâncias atenuantes diferidas” não é adotada no
ordenamento brasileiro.

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Até a próxima dica!

Em que consiste a consciência dissidente (ou cláusula de


consciência)?

São reconhecidas pela maioria da doutrina as causas SUPRALEGAIS de


exclusão da culpabilidade. Por serem supralegais, não há um rol taxativo destas causas,
mas a doutrina acaba por elencar algumas, sem que isso signifique, no entanto, a
impossibilidade de que outras venham a ampliar este rol.

René Ariel Dotti refere-se à existência de 4 grupos de causas supralegais


de exculpação: cláusula de consciência, provocação de legítima defesa, desobediência
civil e conflito de valores.
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No que tange à cláusula de consciência, diz Juarez Cirino dos Santos:


constitui a experiência existencial de um sentimento interior de obrigação incondicional,
cujo conteúdo não pode ser valorado como certo ou errado pelo juiz, que deve verificar,
exclusivamente, a correspondência entre decisão exterior e mandamentos morais da
personalidade. Ou seja, a exclusão de culpabilidade em tal circunstância somente será
reconhecida para a isenção de pena se houver a proteção concreta do bem jurídico por
uma alternativa neutra. A recusa do pai à necessária transfusão de sangue no filho menor,
por motivos religiosos, é suprida por determinação do Curador de Menores, ou pela ação
do médico, sob estado de necessidade; a recusa do médico, por motivo de consciência,
de realizar o aborto necessário, é suprida pela ação de outro médico. Em nenhuma
hipótese o fato de consciência exculpa a efetiva lesão de bens jurídicos individuais
fundamentais – como a vida por exemplo – porque a omissão salvadora privaria a vítima
de todos os direitos: os pais deixam morrer o filho menor porque sua consciência religiosa
impede transfusão de sangue; o médico deixa morrer a paciente, porque sua consciência
pessoal não permite realizar o aborto’.

A cláusula de consciência é tratada por Eugenio Raul Zaffaroni sob a


denominação de “consciência dissidente”, que indica que o indivíduo tem
conhecimento da proibição e da ausência de permissão legal, mas a ele não se pode
exigir a sua interiorização. Para Zaffaroni, é uma das hipóteses que poderá redundar
no erro de compreensão e, consequentemente, na inculpabilidade.

Erro culturalmente condicionado

Além do erro que afeta a ilicitude há o erro que afeta a compreensão da ilicitude,
e AMBOS resultam no erro de proibição. Compreensão é diferente de conhecimento. O
conhecimento é pressuposto da compreensão, de forma que não pode haver
compreensão sem conhecimento.

Se a não compreensão da norma (a não internalização de seu valor) se dá


em razão do conhecimento cultural do agente, estamos diante de um erro de
compreensão culturalmente condicionado. São exemplos correntes na doutrina, o do
esquimó por nós visitado, que nos oferece a mulher perfumada de urina, que não
aceitamos por ser extremamente árduo internalizar a regra de conduta que evite a injúria
que lhe fazemos e; o do indígena de uma comunidade que tem seus próprios ritos para
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funerais e violar as nossas regulamentações sobre inumações, sendo muito duro exigir-
lhe que abandone suas regras para acolher as nossas e reprovar-lhe porque não o tenha
feito.

Assim, o erro de compreensão culturalmente condicionado se apresenta


na situação em que o agente, mesmo conhecendo a ilicitude do fato, não a
compreende, porque não internalizou os valores contidos na norma que o rege. E
não internaliza estes valores porque desconhecidos ou incompatíveis com aqueles
pertencentes à sua cultura.

Sobre o erro culturalmente condicionado, é a lição de Eugênio Raul Zaffaroni e


Pierangeli: “Trata-se de uma especificação do erro de proibição que vale para aqueles
casos em que, embora o agente tenha conhecimento da proibição, não lhe é exigível a
respectiva interiorização porque ela é estranha à sua cultura, reconhecendo, no entanto,
que o condicionamento cultural pode dar lugar a outras espécies de erro”.

O ‘erro de compreensão culturalmente condicionado’ revela um grau de


tolerância maior na resolução das situações de conflito pessoal entre sistemas culturais
distintos, dado que prescinde à partida da comprovação da censurabilidade do erro. A
admissão de um juízo de censurabilidade nas constelações a que o erro se refere
pressupõe o reconhecimento da obrigatoriedade de assimilação dos valores dominantes,
e isso representaria igualmente um desprezo pelas diferenças culturais.

TEORIA DA TIPICIDADE CONGLOBANTE

De acordo com a teoria da tipicidade conglobante, criada pelo penalista


argentino Eugenio Raúl Zaffaroni, todo fato típico se reveste de antinormatividade, vez
que embora o agente atue em consonância com o que está descrito no tipo incriminador,
na verdade, contraria a norma, entendida como o conteúdo do tipo legal.

Assim, não basta a mera subsunção da conduta do agente à previsão abstrata


descrita pela lei penal para a caracterização do fato típico, sendo necessária, para tanto,
a adequação material do fato (tipicidade material) e a contrariedade da conduta com o
ordenamento jurídico (antinormatividade).

A teoria da tipicidade conglobante busca afastar contradições que acarretem


ilogicidade no sistema jurídico, excluindo da esfera do fato típico fenômenos não
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abarcados pela norma proibitiva, mas que simplesmente aparentam estar contidos na
fórmula legal, de modo a corrigir o âmbito de aplicação do tipo penal.

A antinormatividade diz respeito à existência de condutas tipificadas na lei


penal como proibidas (não desejadas) e passíveis de uma pena em contraposição com
as mesmas condutas em tese proibidas, que são fomentadas por outros ramos do direito
e que são igualmente previstas em lei de igual hierarquia.

Mas o que significa o termo “Conglobante”? Consiste na necessidade de


que a conduta seja contrária ao ordenamento jurídico em geral, tendo em vista as
premissas da unidade e da integração do sistema normativo. Segundo Zaffaroni, a
tipicidade penal é = tipicidade LEGAL (adequação à fórmula legal do tipo) + tipicidade
CONGLOBANTE (a conduta está proibida pela norma).

Modernamente, o Supremo Tribunal Federal (HC n° 126273/MG) e o Superior


Tribunal de Justiça (AP nº 683/AP) têm se valido da teoria da tipicidade conglobante para
fundamentar as suas decisões, ainda que, na maioria das vezes, como forma de aferição
da insignificância da conduta do agente.

O que se entende por tendência “vorverlagerung”?

A tendência “vorverlagerung” é uma forma de criminalização antecipada da


conduta em razão do perigo abstrato aos interesses tutelados. Esse instituto se aplica,
entre outros, aos crimes ambientais como uma antecipação da barreira penal, visando
salvaguardar o meio ambiente, ou seja, por meio dessa tendência antecipa-se a tutela
penal almejando evitar o risco maior ao bem jurídico protegido pela norma.

A expressão alemã “vorverlagerung” significa deslocamento para frente.


Logo, a tendência “vorverlagerung” seria uma tendência de deslocamento para frente de
uma ação relevante para o Direito Penal em forma de antecipação da tutela penal.

O assunto está ligado à antecipação da tutela penal (esse tema já foi cobrado
no concurso de Delegado de Polícia de SP). Significa a antecipação da criminalização
penal de atos preparatórios, crimes de perigo abstratos, crimes de mera conduta, punição
da tentativa, entre outros, para proteger os bens jurídicos – evitando ou ao menos inibindo
– pela coação abstrata de o legislador evitar que a conduta de fato venha se materializar
com repercussões substanciais.
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Sobre a punição de atos preparatórios, insta salientar dois pontos:


primeiramente, a antecipação de tutela penal, por meio de criminalização dos crimes-
obstáculos é excepcional (só se justifica quando se estiver diante de bens de categoria
muito elevada e, ainda assim, desde que a descrição realizada na conduta típica seja
inequívoca. Em segundo lugar, com a Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/16), em seu art. 5º,
antecipou a tutela do Direito Penal para efetivamente punir atos preparatórios de
terrorismo, não se exigindo a prática de nenhum ato de execução. Basta a realização de
um ato preparatório para autorizar a punição do responsável pela violação da norma
penal.

No que consiste a teoria agnóstica da pena


(também denominada de teoria negativa)?
A teoria agnóstica da pena, do jurista argentino Eugenio Raúl Zaffaroni,
coloca em destaque a descrença nas finalidades da pena e no poder punitivo do estado,
notadamente na ressocialização (prevenção especial positiva), a qual jamais pode ser
efetivamente alcançada em nosso sistema penal.

Essa teoria sustenta que a única função efetivamente desempenhada pela


pena seria a NEUTRALIZAÇÃO do condenado, especialmente quando a prisão acarreta
o seu afastamento da sociedade.

Assim, segundo Zaffaroni, a concepção de que a pena teria funções de


retribuição e prevenção (geral e especial) seria uma falácia, servindo em verdade para
objetivos ocultos. É uma teoria agnóstica das funções reais da pena.

O conceito de pena não é um conceito jurídico, mas sim um conceito político,


tal qual o é o da guerra. Afastando essa “legitimidade jurídica” e aproximando a pena da
ideia de ato de poder político, os seus defensores intentam conter o poder punitivo com a
potencialização de um Estado Democrático, já que haveria margem de, politicamente,
desenvolver políticas (pleonasmo intencional) públicas calcadas no humanismo.

Zaffaroni aponta que a pena é um ato político e o direito, como limite da política,
é o parâmetro negativo da sancionabilidade, estruturando-a sob a negação das teorias da
pena e fundando-a em critérios de limitação da sanção.
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Essa teoria tem como fundamento modelos ideais de estado de polícia e de


estado de direito. Para a teoria agnóstica da pena existe uma grande dificuldade em
acreditar que a pena possa cumprir, na grande maioria dos casos, as funções manifestas
atribuídas a ela, expressas no discurso oficial.

Logo, a pena estaria apenas cumprindo o papel degenerador da neutralização,


já que empiricamente comprovada a impossibilidade de ressocialização do apenado.
Não quer dizer que essa finalidade de ressocializar, reintegrar o condenado ao convívio
social deva ser abandonada, mas deve ser revista e estruturada de uma maneira diferente
(a reintegração social daquele que delinquiu não deve ser perseguida através da pena).

O que são os delitos de acumulação?


(Tema cobrado 2ª fase do último concurso MPMG)
A ideia de acumulação surge como uma ferramenta de proteção da
coletividade, no contexto da discussão sobre a sociedade de risco. A categoria dos delitos
por acumulação é inicialmente sugerida por Lothar Kuhlen, para fornecer uma hipótese
de intervenção penal nos casos de pequenas infrações ao meio ambiente que,
individualmente, são insignificantes, já que não representam lesividade suficiente para
permitir a punição do autor, mas que, somadas, representam um dano considerável às
condições de preservação ambiental.

Tem-se que as lesões individualmente provocadas não seriam aptas à


configuração do tipo penal, todavia, quando praticadas por muitas pessoas,
cumulativamente, lesam bem jurídicos coletivos.

Os delitos por acumulação, por definição, somente são aplicáveis na proteção


de bens jurídicos coletivos, uma vez que os bens individuais não precisam de acumulação
para ser expostos ao perigo.

Os defensores de tal categoria delitiva sugerem adaptações na teoria do delito,


com o fito de possibilitar a imputação de responsabilidade a tais agentes (“autor coletivo”
e “nexo de causalidade coletivo”).

Ademais, para Wohlers e Von Hirsch, a acumulação é mais do que uma técnica
legislativa, é também um fundamento para a justificação ou legitimação de condutas
perigosas contra bens jurídicos coletivos. Finaliza, citando a perspectiva de tais autores
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“as condições para que se verifique uma conduta merecedora de punição com base na
acumulação são: (i) prognóstico realista de realização de condutas; (ii) existência de
resultado efetivo, ainda que reduzido; (iii) consideração de condutas pouco significantes”.

O princípio da insignificância tem lugar nos delitos por acumulação? Sim.


É possível a incidência do princípio da insignificância, mas sua análise deve ser adequada
aos fundamentos do crime por acumulação. Isso quer dizer que não se examina a pouca
relevância da lesão ou do perigo de lesão baseando-se na conduta individual, mas
considerando o resultado da provável acumulação.

REGRAS DE TÓQUIO

As Regras de Tóquio são recomendações mínimas acerca da criação e


aplicação alternativa de medidas não privativas de liberdade.

Essas regras foram formuladas pelo Instituto da Ásia e do Extremo Oriente para
a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (em 1986), cujo projeto foi aprovado
em 14 de dezembro de 1990, pela Assembleia Geral das Nações Unidas (8º Congresso),
integrando a Resolução nº 45/110, oficialmente denominadas Regras Mínimas das
Nações Unidas para a Elaboração de Medidas não Privativas de Liberdade, com o objetivo
de incentivar a adoção, pelos Estados-membros, de meios mais eficazes que o cárcere
para prevenir a criminalidade e melhorar o tratamento dos encarcerados.

Verifica-se pela leitura do documento uma preocupação frequente da


Organização das Nações Unidas com a modernização e humanização do Direito Penal e
da execução da pena, procurando estabelecer diretrizes que evitem o aumento da
população carcerária e, consequentemente, a superlotação das prisões, que prejudica o
cumprimento da pena dentro dos padrões de legalidade e dignidade, bem como deixa de
realizar a promessa maior da justiça penal, a reinserção social do apenado.

As regras em comento ratificam o entendimento de Michel Foucault, quando


afirma que “o cárcere, além de não atenuar a taxa de criminalidade, provoca reincidência
e patrocina a criação de uma verdadeira fábrica de delinquentes, que, excluídos da
sociedade, organizam-se, com o intuito do cometimento de futuros delitos, fabricando
criminosos, principalmente quando gera a miséria na família dos reclusos”.
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Ademais, em consonância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos,


as Regras de Tóquio se posicionam no sentido de abrandar o sistema penal e
proporcionar maior justiça e compatibilidade na aplicação de penas, garantindo a
proporcionalidade entre as penas e o delito cometido e lhes atribuindo função social de
reabilitação.

As regras de Tóquio NÃO possuem força de lei, mas apenas de


recomendações (soft law). Embora não possuam força de lei, são de extrema importância
para a humanização e a modernização do Direito Penal.

A autolavagem e a sua (in)admissibilidade no ordenamento jurídico


brasileiro

A AUTOLAVAGEM consiste na punição do autor da infração antecedente em


concurso material com o delito de lavagem de capitais (este considerado “crime
parasitário”).

É possível a “autolavagem” no Brasil? (Há duas correntes).

1ª CORRENTE (minoritária): Parte da doutrina assevera não ser possível, de


maneira análoga ao que ocorre com o crime de receptação, do qual não podem ser sujeito
ativo o autor, coautor ou partícipe do crime antecedente, para o autor da infração
precedente o aproveitamento do produto auferido configuraria mero exaurimento
impunível, integrando-se ao próprio objetivo desejado (mera optata) da atividade delituosa
– Fundamento: princípio da consunção.

2ª CORRENTE (majoritária): Prevalece, entretanto, na doutrina e na


jurisprudência (STF, Inq. 2471/SP) que a autolavagem é possível. Isso porque, em
primeiro lugar, na legislação brasileira inexiste a “reserva de autolavagem” (prevista em
alguns países). Em segundo lugar, não se afigura possível a aplicação do princípio da
consunção, incidente nas hipóteses de pós fato impunível. Ora, a ocultação do produto da
infração antecedente pelo seu autor configura lesão autônoma, contra sujeito passivo
distinto, através de conduta não compreendida como consequência natural e necessária
da primeira. Desse modo, para essa corrente, o crime de lavagem de capitais não é mero
exaurimento da infração antecedente.

E a jurisprudência pátria?
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Adota a 2ª corrente. O STF tem precedentes no sentido de que o crime de


lavagem de capitais não funciona como mero exaurimento da infração antecedente, já que
a Lei 9.613/98 não exclui a possibilidade de que o ilícito penal antecedente e a lavagem
de capitais subsequente tenham a mesma autoria, sendo aquela independente em relação
a esta (cf.: Inq. 2.471/SP, Plenário, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29.09.2011). Ademais,
há precedentes que entendem que a lavagem de dinheiro é crime autônomo, não se
constituindo em mero exaurimento da infração penal, do STF (HC 92.279/RN) e do STJ
(REsp n. 1.234.097/PR).

A suspensão de direitos políticos prevista no art. 15, III, da CF, aplica-se tanto para
condenados a penas privativas de liberdade como também a penas restritivas de
direitos. A suspensão de direitos políticos prevista no art. 15, III, da Constituição Federal,
aplica-se no caso de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos.
Havendo condenação criminal transitada em julgado, a pessoa condenada fica com seus
direitos políticos suspensos tanto no caso de pena privativa de liberdade como na hipótese
de substituição por pena restritiva de direitos. Veja o dispositivo constitucional: Art. 15. É
vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos
de: III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; STF.
Plenário. RE 601182/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgado em 8/5/2019 (repercussão geral) (Info 939).

PROCESSO PENAL
Assuntos de Processo Penal abordados nas provas preambulares:

1) Busca da verdade real – beyond a reasonable doubt


2) Teoria das provas no processo penal
3) Standards probatórios
4) Competência para processo e julgamento dos crimes de estelionato
5) Acordo de não persecução penal e as estruturas de consenso no processo penal
(Jorge de Figueiredo Dias)
6) Direito à mentira como desdobramento do nemu tenetur se detegere?
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O que significa a Doutrina do “não prazo”?

A Constituição Federal e o próprio Código de Processo Penal não fixaram


limites de duração do processo. Dessa forma, apenas a prescrição seria um limitador
da razoável duração processual, não havendo outros meios idôneos para garantir
esse direito fundamental. Diante disso, sustenta-se que o sistema brasileiro adotou a
“Doutrina do Não Prazo”.

Denilson Feitoza, ao explicar a teoria, elucida que: O prazo razoável de duração


do processo penal não se mede em dias, semanas, meses ou anos, mas sim deve ser
estabelecido em processo posterior (ex post iudicium), de conformidade com uma
combinação de critérios que permitirão deduzir a razoabilidade ou não da duração do
processo em seu conjunto.

Não obstante o fato do Código de Processo Penal fazer referências a diversos


limites de duração dos atos, isso não retira a crítica aqui imposta, uma vez que são prazos
sem sanção. Portanto, “não prazo” significa, simplesmente, dizer: ausência de prazos
processuais com sanção pelo descumprimento.

Em síntese, o art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal adotou a doutrina do


não prazo, fazendo com que exista uma indefinição de critérios e conceitos.

Na lição de Aury Lopes Jr., para aferir a razoabilidade processual, 4 deverão


ser os referenciais adotados pelos tribunais brasileiros, a exemplo do que já
acontece nos TEDH e na CADH:

1) complexidade do caso;
2) atividade processual do interessado (imputado), que obviamente não
poderá se beneficiar de sua própria demora;
3) a conduta das autoridades judiciárias como um todo (polícia, Ministério
Público, juízes, servidores etc.);
4) princípio da razoabilidade.

Outrossim, Denilson Feitoza demonstra em sua obra os critérios adotados para


deduzir a razoabilidade da duração do processo penal, tais como: “gravidade do fato,
duração efetiva do processo, complexidade da prova, atitude das autoridades
encarregadas da persecução penal e a própria conduta do acusado em relação aos
atrasos do processo”.
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Não tendo ainda claros limites temporais em nosso ordenamento, os modelos


citados pelos professores representam uma grande evolução, embora não sejam ainda
os mais adequados.

TEORIA DA DISSONÂNCIA COGNITIVA

Analisando a figura do juiz das garantias, introduzida recentemente no Código


de Processo Penal pela Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime), cuja eficácia, entretanto,
encontra-se suspensa “sine die” por decisão monocrática do Ministro Fux em sede de
controle de constitucionalidade, o professor Renato Brasileiro trouxe à voga a discussão
sobre a (im)parcialidade do juiz criminal que, durante a fase investigativa da persecução
criminal, tenha exarado decisões cautelares com base em elementos de informação
colhidos de maneira inquisitorial.

A premissa é interessante, já que não são raras as situações em que uma


decisão judicial proferida na fase investigativa, como, v.g., a que decreta uma prisão
preventiva, necessita apresentar fundamentação e juízo de valor quanto à materialidade
do crime e os indícios de autoria, o que revela um convencimento já formado na mente do
magistrado. Diante dessa situação ficaria a dúvida: Essa análise aprofundada dos
elementos de informação necessária para fundamentar a decretação de medidas
cautelares, teria o condão de macular a imparcialidade do julgador na fase processual?

Na busca dessa resposta, o professor invoca a lucidez do penalista alemão


Bernd Schunemann, professor da Universidade Ludwig, Munique, que, em artigo científico
intitulado “O juiz como terceiro manipulado no processo penal?”, destacou os graves
efeitos que a teoria da dissonância cognitiva pode gerar sobre o processo penal.

À luz da teoria da dissonância cognitiva, os seres humanos tendem sempre a


buscar, de forma voluntária ou não, uma zona de conforto conhecida no campo da
psicologia como “consonância cognitiva”. A partir da busca por essa zona de conforto, o
indivíduo passa a desenvolver um processo, consciente ou inconscientemente, para evitar
o sentimento incômodo da dissonância cognitiva.

Dentre esses processos, destacam-se:

1) desvalorização de elementos cognitivos dissonantes (ou efeito inércia ou


perseverança): Cita-se como exemplo o sujeito fumante que, ao tomar conhecimento de
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estudos científicos que comprovam os efeitos nocivos da nicotina, tenta desvalorizar o


mérito da pesquisa sob o argumento de que seus dados seriam frágeis, ou que, na
verdade, o cigarro que ele consome teria baixo teor de nicotina, etc.;

2) busca por informações consonantes com a cognição preexistente (ou busca


seletiva de informações): Após tomar uma decisão, o indivíduo será movido por um
impulso em buscar informações que confirmem a sua escolha. Por exemplo, quando o
indivíduo decide comprar um automóvel, ele procura ler análises automotivas e comparar
os prós e os contras dentre os veículos desejados. Contudo, a partir do momento que
esse indivíduo fez a sua escolha por um daqueles veículos, ele passará imediatamente a
buscar informações que destaquem as qualidades do seu automóvel, como uma forma de
reafirmar a qualidade da decisão que tomou;

3) evitação ativa do aumento de elementos cognitivos dissonantes: Há uma


pressão psicológica para se eliminar (ou diminuir) a dissonância cognitiva. Assim,
valendo-se do mesmo exemplo da compra do carro do parágrafo anterior, após o indivíduo
ter optado por um dos modelos, ele evitará qualquer contato com informações que refutem
a sua escolha.

A teoria da dissonância cognitiva, bastante estudada no campo da psicologia,


serve de base teórica para que Bernd Schunemann questione até que ponto o contato do
magistrado com o procedimento investigatório inquisitorial seria capaz de comprometer a
imparcialidade de suas decisões na fase processual. Para ilustrar esse questionamento,
imagine a hipotética situação em que um Juiz defira a prisão preventiva do investigado e
expeça mandado de busca domiciliar na sua residência. No decorrer das investigações,
entretanto, surge um álibi indicando que no dia dos fatos, o investigado encontrava-se em
outra cidade. Com qual abertura cognitiva o magistrado analisará esse álibi? Será que o
magistrado estará confortável para apreciar elementos de informação que possam indicar
o equívoco das decisões que ele proferiu anteriormente? Ou será que o juiz,
involuntariamente, tenderá a apreciar com maior peso cognitivo os elementos que
reforcem a qualidade de suas decisões pretéritas?

(Fonte: LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único.
8. Ed. Salvador. Ed. JusPodivm, 2020. Pp. 120 a 125)

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O arquivamento do inquérito policial ainda é capaz de gerar os efeitos


da coisa julgada após o advento do pacote anticrime (Lei n.
13.964/19)?

Antes de se passar à análise das alterações provocadas pelo pacote anticrime


no âmbito do arquivamento do inquérito policial, deve-se recordar sobre o conceito de
coisa julgada. A coisa julgada é compreendida como a imutabilidade de uma decisão
judicial dentro – e às vezes fora – do processo em que foi proferida, seja porque todos os
recursos cabíveis foram interpostos e decididos, seja em razão da preclusão do direito
recursal pelo decurso de seu prazo.

Quanto à classificação da coisa julgada, Renato Brasileiro leciona: “Esse


impedimento de modificação da decisão por qualquer meio processual dentro do processo
em que foi proferida é chamado de coisa julgada formal, ou ainda de preclusão máxima.
Trata-se de fenômeno endoprocessual, pois a imutabilidade da decisão está restrita ao
processo em que foi proferida. Se a coisa julgada formal é a imutabilidade da decisão no
processo em que foi proferida, a coisa julgada material projeta-se para fora do processo,
tornando a decisão imutável e indiscutível além dos limites do processo em que foi
proferida”. (LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. Vol. Único. 8ª Ed.
JusPodivm. 2020. P. 249)

Pois bem, observa-se que na vigência da redação original do artigo 28 do


Código de Processo Penal, em que a promoção de arquivamento do inquérito policial
encontrava-se sujeita ao controle do Poder Judiciário, era possível se falar em coisa
julgada formal e também em coisa julgada formal e material, a depender da decisão de
arquivamento ter ou não adentrado no mérito do caso sob análise.

É que antes da reforma provocada pelo pacote anticrime (Lei n. 13.964/19), o


arquivamento do inquérito policial constituía-se em autêntico ato complexo formado pela
convergência da promoção de arquivamento ofertada pelo Ministério Público e pela
consequente homologação procedida pelo Judiciário. Assim, como havia um controle
judicial exercido sobre a promoção de arquivamento, era possível se falar em coisa
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julgada formal e material a depender dos motivos que serviram de fundamentação para
esse arquivamento.

Caso o arquivamento se fundamentasse na atipicidade da conduta; na


existência manifesta de causa excludente de ilicitude (conforme o STJ, pois há
precedentes do STF em sentido contrário); na existência manifesta de dirimente (exceto
a inimputabilidade) e; na existência de causa extintiva de punibilidade, a decisão de
arquivamento geraria os efeitos da coisa julgada formal e material, de forma que não mais
seriam possíveis o desarquivamento do inquérito policial e o oferecimento da denúncia
sobre os mesmos fatos.

Entretanto, a Lei n. 13.964/19 alterou a redação do artigo 28 do CPP e retirou


o controle judicial sobre a promoção de arquivamento de inquérito policial, ficando tal
promoção, doravante, restrita à deliberação ‘interna corporis’ do Ministério Público (ainda
há controle exercido sobre a promoção de arquivamento do Parquet, mas esse controle é
exercido pelo órgão revisional do próprio MP, e não mais pelo Poder Judiciário).

Assim, considerando que o arquivamento de inquérito policial não se encontra


mais sujeito a uma decisão judicial que o homologue, não há mais que se falar em efeitos
de coisa julgada formal ou material sobre esse arquivamento, independente dos motivos
que lhe tenham servido de fundamento.

É esse, aliás, o conteúdo que se extrai do Enunciado n. 9 do Conselho Nacional


de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União – CNPG – e do
Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal – GNCCRIM:
“Considerando que o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos
informativos da mesma natureza não se subordina à apreciação judicial, a decisão não
está mais sujeita aos efeitos da coisa julgada formal ou material”.

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ELOQUÊNCIA ACUSATÓRIA
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O procedimento do Tribunal do Júri é chamado de bifásico (ou escalonado)


porque se divide em duas etapas. Na segunda fase de julgamento (iudicium causae), a
sentença poderá ser no sentido da pronúncia.

A sentença de pronúncia deve ser fundamentada. No entanto, é necessário que


o juiz utilize as palavras com moderação, ou seja, valendo-se de termos sóbrios e
comedidos, a fim de se evitar que fique demonstrado na decisão que ele acredita
firmemente que o réu é culpado pelo crime.

Se o magistrado exagera nas palavras utilizadas na sentença de


pronúncia, dizemos que houve um “excesso de linguagem”, também chamado de
“eloquência acusatória”. Logo, a eloquência acusatória consiste no excesso de
linguagem na pronúncia, quando esta decisão aprofunda, demasiadamente, o exame da
prova dos autos, a ponto de ter a potencialidade de interferir no convencimento dos
jurados.

Havendo excesso de linguagem, o que o Tribunal deve fazer?


Se o Tribunal reconhecer que houve excesso de linguagem na sentença de pronúncia, ele
deverá anular a decisão, assim como os atos processuais seguintes, determinando que
outra sentença de pronúncia seja prolatada. Portanto, o excesso de linguagem dá causa
à nulidade absoluta da pronúncia, inclusive por violação ao art. 413, par. 1º, do CPP,
segundo o qual a fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade
do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

A Corte Cidadã já decidiu que NÃO basta o desentranhamento e


envelopamento. É necessário anular a sentença e determinar que outra seja
prolatada. Isso porque, a lei determina que a sentença de pronúncia seja distribuída aos
jurados. Logo, não há como desentranhar a decisão, já que uma cópia dela deverá ser
entregue aos jurados. Se essa cópia não for entregue, estará sendo descumprido o art.
472, parágrafo único, do CPP. Assim, não há outro jeito. A providência adequada é a
anulação da sentença e os consecutivos atos processuais que ocorreram no processo
principal para que outra decisão seja proferida.

SENTENÇA AUTOFÁGICA OU DE EFEITO AUTOFÁGICO


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Fala-se em sentença autofágica porque ela admite ter havido crime, mas, ao
mesmo tempo, extingue a punibilidade do Estado. Para fins penais é como se o agente
nunca tivesse sido processado. Em outras palavras: essa sentença não vale para
antecedentes criminais, reincidência etc. (LFG)

A título exemplificativo, tomemos o instituto jurídico do perdão judicial. Como


pressuposto lógico, o magistrado deve analisar o mérito da causa e reconhecer, a
princípio, a culpabilidade do agente, para, apenas depois, conceder-lhe o perdão judicial.

STJ Súmula nº 18 - Perdão Judicial – Efeitos da Condenação: A sentença


concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo
qualquer efeito condenatório.

Limitação da mancha purgada (vícios sanados ou tinta diluída)

De acordo com essa teoria (limitação ou regra de exclusão) – firmada pela


Suprema Corte norte-americana – não se aplica a teoria da prova ilícita por derivação se
o nexo causal entre a prova primária e a secundária foi atenuado em razão do decurso do
tempo, da vontade de um dos envolvidos em colaborar com a persecução criminal, das
circunstâncias supervenientes na cadeia probatória ou da menor relevância da
ilegalidade.

Nesse caso, apesar de já ter havido a contaminação de um determinado meio


de prova em face da ilicitude ou ilegalidade da situação que o gerou, um acontecimento
futuro EXPURGA, AFASTA, ELIDE esse vício, permitindo-se, assim, o aproveitamento da
prova inicialmente contaminada.

No que tange aos Tribunais de Superposição, o STF não tem adotado, até o
presente momento, a limitação da mancha purgada. O STJ, diferentemente, vem
reconhecimento a aludida teoria (APn 856/DF).

Ademais, parte da doutrina entende que esta teoria foi positivada com a
reforma processual, ao dispor-se, no p. 1º do art. 157, CPP que é admissível a prova ilícita
por derivação quando não evidenciado o nexo causal entre umas e outras. Logo, ao se
referir à ausência de nexo de causalidade entre prova ilícita originária e prova
subsequente, pode-se extrair a adoção da referida teoria.
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Qual a diferença com a teoria da fonte independente?

• Na teoria da fonte independente, o nexo causal entre as provas é


atenuado em razão da circunstância de a prova secundária possuir
existência independente da prova primária;
• Diferentemente, na teoria da mancha purgada, o lapso temporal
decorrido entre a prova primária e a secundária, as circunstâncias
intervenientes na cadeia probatória, a menor relevância da ilegalidade
ou a vontade em colaborar com a persecução penal atenuam a ilicitude
originária, expurgando qualquer vício que possa recair sobre a prova
secundária.

Juiz das Garantias

O PL 8.045/2010 introduz a figura do “juiz das garantias”, responsável pelo


controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos
fundamentais do acusado (art.14).

Atualmente, um mesmo juiz participa da fase de inquérito e profere a sentença,


porque foi o primeiro a tomar conhecimento do fato (art. 73, parágrafo único do CPP). Com
as mudanças, caberá ao “juiz das garantias” atuar na fase da investigação e ao juiz do
processo julgar o caso – este tendo ampla liberdade em relação ao material colhido na
fase de investigação.

Assim, o Juiz das Garantias será responsável por toda a etapa investigativa,
ficando vedada sua atuação no processo dela decorrente, ante a possibilidade de que as
convicções formadas no curso da investigação acabem por contaminar a imparcialidade
necessária ao justo julgamento do feito, seja para absolver ou condenar o acusado.

Trata-se de importante instituto, com previsões equivalentes em diversos


países (exemplo: os cargos de Giudice per le indagini preliminari na Itália, Juiz de
instrução em Portugal, Juez de garantía no Chile, entre outros), que assegura
distanciamento do juiz do processo em relação aos elementos colhidos em estágio
preliminar, muitas vezes produzidos de forma unilateral e sem efetivo contraditório, além
de potencializar a melhoria da prestação jurisdicional, com a especialização da matéria
pelos magistrados.
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Segundo Luiz Flávio Gomes, a preocupação central dessa proposta reside no


respeito ao princípio acusatório, assim como na preservação da imparcialidade do juiz do
processo. Por força do princípio acusatório o juiz que investiga ou que monitora a
investigação não pode julgar a causa. O juiz que investiga fica “contaminado”, isto é, perde
sua imparcialidade, compromete-se psicologicamente com a investigação. Nesse mesmo
sentido muitos países (Espanha, França, Estados Unidos etc.) têm promovido recentes
reformas na sua legislação (com o escopo de preservar a imparcialidade judicial na fase
contraditória).

O juiz das garantias não se confunde com o juiz de instrução (da Espanha e
França), vez que aquele (o juiz das garantias) não irá presidir o inquérito policial.

Testemunho “por ouvir dizer”

Testemunho por ouvir dizer (hearsay rule) se verifica quando determinada


pessoa vem, no curso da instrução processual, prestar depoimento acerca de fatos direta
ou indiretamente relacionados à prática delitiva, sem, contudo, ter visto ou presenciado
qualquer situação relacionada ao caso concreto, sem contato direto com os fatos, mas a
fim de retratar e/ou “explicar” o que tomou conhecimento “através de terceiros”.

A testemunha de ouvir dizer NÃO deve ter grande força probatória. Conforme
explica o Min. Rogério Schietti Cruz: “A razão do repúdio a esse tipo de testemunho
se deve ao fato de que, além de ser um depoimento pouco confiável, visto que os
relatos se alteram quando passam de boca a boca, o acusado não tem como refutar,
com eficácia, o que o depoente afirma sem indicar a fonte direta da informação
trazida a juízo.”

Já decidiu o STJ: (...) 6. A norma segundo a qual a testemunha deve depor pelo
que sabe per proprium sensum et non per sensum alterius impede, em alguns sistemas –
como o norte-americano – o depoimento da testemunha indireta, por ouvir dizer (hearsay
rule). No Brasil, embora não haja impedimento legal a esse tipo de depoimento, “não
se pode tolerar que alguém vá a juízo repetir a vox publica. Testemunha que
depusesse para dizer o que lhe constou, o que ouviu, sem apontar seus
informantes, não deveria ser levada em conta.” REsp 1.444.372/RS, julgado em
16/2/2016).
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O STJ entende que testemunho por ouvir dizer, produzido somente na fase
inquisitorial, NÃO serve como fundamento exclusivo da decisão de pronúncia, que
submete o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri. STJ. 6a Turma. REsp 1.373.356-BA,
julgado em 20/4/2017 (Info 603).

Mas CUIDADO! Em alguns julgados recentes, a 5ª e 6ª Turmas do STJ


firmaram orientação em sentido oposto (HC n. 314.454-SC, Rel. Ministro Ribeiro Dantas,
5ª T; 17/2/2017; AgRg no REsp 1.582.122-RS, 6ª T, 13/6/2016). As últimas manifestações
do STJ não refutam por completo a possibilidade de a pronúncia se dar com base
exclusivamente em elementos de informação da investigação inquisitiva, mas tal fato deve
ser evitado (deve-se analisar o caso concreto).

GRUPO II
PROCESSO CIVIL
Assuntos de Processo Civil abordados nas provas preambulares:

1) Sistema multi-portas (Frank Sander)


2) Teoria da encampação
3) Princípio da acionabilidade: “Este ulterior princípio foi introduzido na Constituição
brasileira, cujo art. 129 alargou enormemente as atribuições do Ministério Público,
chegando a incluir, além das tradicionais funções acusatórias, a possibilidade de
manejar ações para a tutela dos direitos fundamentais e, em particular, dos direitos
sociais, bem como dos interesses públicos e dos bens constitucionais violados
pelos poderes públicos”.
4) Direito constitucional à prova no processo civil (em contraposição à tradicional ideia
de mero ônus probatório): “A consagração do direito à prova como um direito
fundamental significa o reconhecimento da máxima potencialidade possível
(efetividade) a ser atribuído ao mecanismo probatório, assegurando às partes do
processo todos os meios considerados úteis e idôneos para que possam influenciar
no convencimento do juiz, o que implica a inviabilidade de criação de obstáculos
legislativos irracionais ou não razoáveis que tornem praticamente impossível ou
extremamente difícil o seu exercício, sob pena de a vedação legislativa ter de ser
considerada inconstitucional”.
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SISTEMA MULTIPORTAS

O NCPC adota o modelo multiportas de processo civil, sistema teorizado pelo


professor Frank Sander, da universidade de Harvard.

De acordo com esse modelo, cada demanda deve ser submetida à técnica ou
método mais adequado para a sua solução e devem ser adotados todos os esforços para
que as partes cheguem a uma solução consensual do conflito. É norma fundamental do
processo civil brasileiro a prioridade na utilização das técnicas para facilitar a resolução
consensual dos conflitos (art. 3.º, §§ 2.º e 3.º, do CPC/2015). É dever do Estado promover,
divulgando e fornecendo os meios necessários, e dos operadores jurídicos estimular,
esclarecendo a população, a difusão e utilização dos meios adequados de resolução de
disputas.

O procedimento comum no NCPC está organizado em duas fases. A primeira


fase é de esforço para a resolução consensual da disputa. Apenas se não for possível a
solução consensual, o processo seguirá para a segunda fase, litigiosa, voltada para
instrução e julgamento adjudicatório do caso.

A primeira fase será conduzida pelo mediador ou conciliador, sem a


participação direta do juiz. Distribuída a petição inicial, o juiz verificará o preenchimento
dos seus requisitos e, não sendo caso de improcedência liminar, determinará a realização
de uma audiência de mediação ou conciliação, designada com antecedência mínima de
30 (trinta) dias (artigo 334 do CPC).

A audiência será de mediação nos casos em que houver vínculo anterior entre
as partes, e de conciliação quando inexistir tal vínculo (art. 165, §§ 2.º e 3.º, do
CPC/2015). O réu será citado para comparecer à audiência de conciliação ou mediação
– e não para contestar, como ocorria no Código antigo. O réu não apresentará sua
contestação até que todos os esforços para a solução consensual do litígio tenham sido
adotados. O objetivo é evitar o agravamento do conflito, decorrente da apresentação da
resposta do réu.

A realização da audiência de mediação ou conciliação é a regra para o


procedimento comum e a presença das partes é obrigatória. A ausência injustificada de
qualquer das partes, que devem estar acompanhadas por advogados, representa ato
atentatório à dignidade da justiça e será sancionada com a multa, pelo juiz, de até 2% da
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vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do


Estado (artigo 334, § 8º do CPC).

Apenas excepcionalmente a audiência não será realizada. Para que não se


realize a audiência é preciso que o direito não seja passível de autocomposição ou que
as duas partes manifestem o desinteresse na sua realização. As partes têm que
expressamente requerer por escrito para que a audiência não seja realizada (artigo 334,
§§ 4º e 5º, do CPC). Caso exista litisconsórcio, será necessário que todas as partes
manifestem o desinteresse na realização da audiência para que ela seja dispensada.
Basta uma delas não se pronunciar ou requerer sua realização, que será designada
audiência.

Como se vê, no NCPC a audiência de mediação e conciliação é a regra, e


apenas excepcionalmente não será realizada. O objetivo é implementar efetivamente o
modelo multiportas e levar as partes a terem efetivo contato com as técnicas de
negociação assistida, propiciando a efetiva solução adequada dos conflitos.

A audiência de mediação ou conciliação deve ser realizada em local adequado,


informal, que permita que as partes se sintam confortáveis para negociar francamente
sobre o caso. Além disso, para as ações de família, a audiência de mediação será
obrigatória (artigos 694 e 695 do CPC). A especificidade do procedimento especial das
ações de família é justamente a obrigatoriedade do esforço de resolução consensual.

DIREITO CONSTITUCIONAL À PROVA NO PROCESSO CIVIL

A consagração do direito à prova como um direito fundamental significa o


reconhecimento da máxima potencialidade possível (efetividade) a ser atribuído ao
mecanismo probatório, assegurando às partes do processo todos os meios considerados
úteis e idôneos para que possam influenciar no convencimento do juiz, o que implica a
inviabilidade de criação de obstáculos legislativos irracionais ou não razoáveis que tornem
praticamente impossível ou extremamente difícil o seu exercício, sob pena de a vedação
legislativa ter de ser considerada inconstitucional.

Encontra-se atualmente na doutrina uma forte tendência na defesa da natureza


constitucional do direito à prova (em contraposição à antiga ideia da prova como mero
ônus imposto à parte), que, embora não esteja expressamente previsto na Constituição
da República, seria decorrência da moderna visão do princípio da inafastabilidade da
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tutela jurisdicional, previsto no artigo 5º, XXXV, da CR (“a lei não excluirá da apreciação
do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito”), atualmente analisado à luz do acesso à
ordem jurídica justa, conjugado com o princípio do devido processo legal (artigo 5º, LIV,
da CF) (“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal”).

Dentro dessa nova visão do princípio constitucional, visivelmente preocupada


com a qualidade e efetividade da prestação jurisdicional, encontra-se o direito à prova,
que garantirá o efetivo exercício do devido processo legal, em especial o respeito ao
efetivo contraditório (este entendido em seu triplo alcance: conhecimento, participação
e influência). A garantia do devido processo legal e do contraditório, ambos previstos
expressamente na CR, alçam o direito à prova no processo civil ao patamar constitucional.

Há diversos dispositivos previstos no novo CPC que corroboram a ideia de


prova como direito, e não como mero ônus: artigos 6º; 7º; 9º; 10; 369; 489, § 1º, inciso
IV; dentre outros.

Esse direito à prova, entretanto, apesar de alçado ao patamar constitucional,


naturalmente não é absoluto – aliás, como qualquer outro direito –, encontrando limitações
tanto no plano constitucional como no infraconstitucional. A exclusão de uma prova no
processo judicial sempre será prejudicial, causando, portanto, um mal, que somente
encontrará justificativa quando esse mal for considerado um mal menor se comparado aos
outros valores e garantias que seriam maculados para a aceitação da prova. Reconhece-
se que a limitação à busca da verdade seja algo maléfico, mas que em diversas hipóteses
pior seria a permissão no caso concreto de sua utilização.

Além da constatação de que nenhum direito é absoluto, e dessa forma também


não poderia sê-lo o direito à prova, há outro importante fator a afastar qualquer
pensamento que rume em sentido contrário. A obtenção da verdade não é um fim em si
mesmo, que deva ser perseguido sem qualquer outra valoração ou ponderações sobre os
outros escopos buscados pelo processo.

Por mais importante que seja a busca e obtenção da verdade alcançável,


jamais poderá ser considerado que a busca da verdade seja o único objetivo no processo.
Tal pensamento, além de indevidamente restringir-se a tão somente um dos diferentes
escopos do processo, faria com que a busca da verdade fosse algo absoluto, sem limite,
admitindo-se qualquer espécie de prova, produzida de qualquer forma, e em qualquer
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momento do processo, o que inclusive nos levaria de volta à época da barbárie, com a
admissão, por exemplo, da prova obtida mediante ameaça ou tortura. A busca da verdade
é o que legitima a atividade jurisdicional, mas não pode e não deve ser considerada um
fim em si mesmo.

A obtenção da verdade – ou da quase verdade – faz parte de uma série de


escopos do processo, e com eles deverá conviver da melhor forma possível. A função
cumprida pela prova no processo, portanto, não deve ser alçada a algo absoluto ou que
não deva sofrer restrições, sob pena de complicadas e inaceitáveis distorções. Nem
sempre a verdade será a grande preocupação do operador no caso concreto, e nem por
isso poder-se-á indicar que a atuação jurisdicional tenha sido irregular ou viciada. A mera
busca da verdade já será o suficiente para legitimar a decisão judicial.

Exemplo de limitação ao direito à prova no processo civil: obtenção de


provas ilícitas (obtidas mediante a violação de direitos); a interceptação telefônica para
fins de instrução de processo civil (somente pode ser autorizada para investigação criminal
ou processo criminal) – artigo 1º da Lei n. 9296/96. Exceção: uma vez autorizada a
interceptação para investigação ou processo criminal, poderá haver a sua utilização como
prova emprestada em processo civil.

PRINCÍPIO DA ACIONABILIDADE

Para completar o modelo garantista de direitos, ao lado do direito de ação do


indivíduo, é necessário um órgão público que atue como instituição de garantia para ativar
a jurisdição (princípio da acionabilidade). Este princípio foi introduzido na Constituição da
República em seu artigo 129, que alargou as atribuições do Ministério Público, chegando
a incluir, além das tradicionais funções acusatórias, a possibilidade de manejar ações para
a tutela dos direitos fundamentais e, em particular, dos direitos sociais, bem como dos
interesses públicos e dos bens constitucionais violados pelos poderes públicos.

Por sua específica matriz constitucional, o Ministério Público é uma instituição


independente, autônoma e especializada de garantia dos direitos fundamentais, com a
função de controlar os poderes do mercado (privados) e do Estado (públicos), quando
estes ultrapassarem a barreira dos limites (direito de liberdade, proibição de excesso) e
vínculos (direitos sociais, proibição de proteção deficiente ou insuficiente). Esse é o
sentido correto a ser dado ao texto do artigo 127, caput, combinado com o artigo 129,
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incisos II, III, IV e IX, ambos da Constituição da República, ao definirem os deveres-


poderes e as funções do Ministério Público; este é o sentido que deve ser dado como
vetor interpretativo do Título V do novo CPC. A atuação do Ministério Público, como
agente e como interveniente, é balizada por estes deveres-poderes previstos na
Constituição, sendo que os direitos que lhe são conferidos são exercidos em razão da
função institucional nela prevista.

A colocação institucional do Ministério Público vinculada ora ao Poder


Executivo, ora ao Poder Judiciário, não mais pode ser aplicada para a compreensão das
suas atribuições e funções. O Ministério Público atua como uma instituição independente,
autônoma e especializada de garantia dos direitos fundamentais, da ordem jurídica e do
regime democrático, quer se trate de defender direitos de liberdade ou sociais, direitos
individuais ou coletivos. Justamente por isso, a doutrina defende, em sentido próximo, que
o Ministério Público é um órgão autônomo de tutela do interesse público.

O Ministério Público, entendido como instituição de garantia (Luigi Ferrajoli)


deve avançar para a tutela não monopolística dos direitos coletivos lato sensu, quer no
âmbito processual civil, quer no âmbito penal, sendo imperativa sua expansão
transfronteiriça para fazer frente aos ilícitos que atingem – no âmbito civil e penal – os
direitos fundamentais de caráter não territorial, direitos que gerarem necessidades de
tutela não mais apenas nos restritos limites do território nacional.

A poluição transfronteiriça; as práticas comerciais e concorrenciais abusivas,


no âmbito do direito do consumidor, para além das fronteiras nacionais em razão da
existência de mercados comuns e do comércio pela internet; a criminalidade
transfronteiriça, especialmente a ligada à corrupção política, as falências transnacionais,
entre outros problemas sociedade contemporânea, merecem atenção redobrada. O
legislador, justamente por essa razão, estabeleceu normas de cooperação internacional
no novo CPC, dando papel de destaque ao Ministério Público (artigo 33, parágrafo único,
do CPC).

TRANSLATIO IUDICII no CPC/15


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O CPC/15 adotou um sistema que consagra a translatio iudicii, isto é, a


preservação da litispendência e seus efeitos (materiais e processuais), a despeito do
reconhecimento da incompetência.

Esse sistema pode ser visualizado a partir de algumas regras:

1. A incompetência (absoluta ou relativa) é defeito processual que, em regra,


NÃO leva à extinção do processo, apenas gerando a remessa dos autos ao
juízo competente (art. 64, p. 3º, CPC).

Há, entretanto, EXCEÇÕES (a incompetência gera a extinção do processo):

a) Juizados Especiais (art. 51, inciso III, Lei 9.099/95);


b) Incompetência internacional (arts. 21 e 23 do CPC);
c) Acolhimento da alegação de convenção de arbitragem formulada
pelo réu (o processo será extinto, e não remetido ao juízo arbitral -
art. 485, VII, CPC).
2. A decisão sobre a alegação de incompetência deverá ser proferida
IMEDIATAMENTE após a manifestação da outra parte (art. 64, p. 2º, CPC);
3. A incompetência NÃO GERA a automática invalidação dos atos decisórios
praticados (art. 64, p. 4º, CPC);
4. O regramento da incompetência na ação rescisória (aproveitamento total da
ação rescisória ajuizada perante tribunal incompetente – art. 968, p. 5º e 6º,
CPC);
5. Art. 240 CPC (Preservam-se os efeitos do ato de CITAÇÃO e do
DESPACHO CITATÓRIO, mesmo reconhecida a incompetência do juízo
que a determinou.

Nota-se que no CPC/15 (diferentemente do CPC/73, denominado de Código


Buzaid) os atos decisórios deixam o juízo transmissor com a presunção de sua existência,
validade e eficácia, até que seja proferida outra decisão pelo juízo competente. Pode-se
dizer que o Legislador foi sábio na mudança. O Processo Civil deve ser o mais maleável
possível. Deve ser uma moldura coerente, com princípios bem identificados, mas deve
permitir que o Julgador complete os espaços vazios com os detalhes do caso concreto.
Ora, é possível que uma situação da vida tenha sido decidida liminarmente em juízo
incompetente, mas que tal decisão seja necessária para acautelar o direito postulado.
Essa saída não era permitida no CPC/73.
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TEORIA DA ENCAMPAÇÃO

O mandado de segurança é impetrado contra o ato de uma autoridade coatora.


Ocorre que nem sempre é uma tarefa fácil identificar, com exatidão, quem foi o
responsável pela ordem. Diante desse cenário, há alguns anos, a doutrina e a
jurisprudência idealizaram a chamada “teoria da encampação”, por meio da qual se busca
relativizar esse “erro” na indicação da autoridade coatora, desde que cumpridos
determinados requisitos.

De acordo com a teoria da encampação, caso ocorra a indicação como


autoridade coatora de uma autoridade hierarquiamente superior àquela que seria
realmente a autoridade coatora responsável pelo ato (dentro da pessoa jurídica na qual
ambas estão vinculadas), será desnecessária a correção da irregularidade, se o agente
trazido à lide assume a defesa do ato impugnado. Logo, à luz do STJ, não há necessidade
de correção do polo passivo do “mandamus”.

São requisitos CUMULATIVOS para aplicar a teoria da encampação (Súmula


628 STJ):

a) existência de vínculo hierárquico entre a autoridade erroneamente


apontada e aquela que efetivamente praticou o ato ilegal;
b) que a extensão da legitimidade não modifique a regra
constitucional de competência estabelecida na CF;
c) tenha a autoridade impetrada defendido a legalidade do dato
impugnado, ingressando no mérito do mandado de segurança.

Cuidado: Se a regra de competência estiver prevista apenas na Constituição


ESTADUAL, tem-se entendido majoritariamente que a Teoria da Encampação também
não poderá ser aplicada, pois haverá mudança de competência.

Finalmente, o STJ também já reconheceu a possibilidade da aplicação da teoria


da encampação em habeas data (HD 147/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA,
TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 12/12/2007, DJ 28/02/2008, p. 69). Logo, é plenamente
possível a utilização da teoria da encampação também nos habeas data, desde que
estejam preenchidos os requisitos supra analisados e delineados pela jurisprudência da
Corte Cidadã.
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Discorra sobre as fases metodológicas da Ciência Processual Civil

Historicamente, fala-se em três fases:

1) fase do sincretismo (praxismo): havia uma confusão entre processo e


direito material. O processo civil não era uma ciência autônoma. Estudavam-se apenas
as práticas de um processo. É a fase do séc. XIX;

2) fase da autonomia ou do processualismo: é a fase de afirmação da


existência de uma ciência do processo. Busca a autonomia do processo em relação ao
direito material. Aqui se começou a estudar os fenômenos puramente processuais, tais
como jurisdição, ação, competência etc. Esta fase vai do final do séc. XIX até meados do
séc. XX;

3) fase do instrumentalismo: embora a ciência do processo seja autônoma,


o processo e o direito material devem caminhar juntos. Busca-se a reaproximação das
duas ciências. Não pode haver uma separação estanque entre ambos. É preciso pensar
no processo a partir do direito material. Aqui surgem as discussões a respeito da
efetividade do processo.

Atualmente, no entanto, é preciso reestruturar a ciência do processo de acordo


com as transformações ocorridas. Fala-se, aliás, em uma quarta fase da ciência
processual, que seria a fase do neoprocessualismo. É o processualismo renovado pela
nova ciência do direito. Alguns denominam esta fase de formalismo-valorativo. É preciso
compreender o formalismo processual a partir dos valores constitucionalmente garantidos.
Assim, o neoprocessualismo é a atual fase da evolução da ciência do processo, que
pretende uma renovação da ciência processual a partir das transformações do
neoconstitucionalismo. É, em suma, o neoconstitucionalismo aplicado à ciência do
processo

TAXATIVIDADE MITIGADA

O Código de Processo Civil de 2015, diferente do diploma processual


precedente (CPC/73), restringiu as decisões interlocutórias que podem ser impugnadas
por agravo de instrumento a um rol de hipóteses previsto em seu art. 1.015. O legislador
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buscou conferir maior celeridade ao trâmite processual, sendo que as decisões


interlocutórias que não são impugnáveis por agravo de instrumento não estão
acobertadas pela preclusão e podem ser suscitadas em preliminar de apelação ou nas
contrarrazões àquele recurso.

No entanto, na prática, constatou-se que muitas das decisões interlocutórias


não previstas no rol do art. 1.015 do CPC/15, caso não sejam imediatamente reformadas,
podem causar prejuízos irreparáveis (ex.: decisão interlocutória que reconhece a
competência do juízo, reformada anos depois em sede de recurso de apelação). Em razão
disso, sugiram duas correntes, (a) uma que defendia a absoluta taxatividade do rol;
e (b) outra que permitia o uso da interpretação extensiva.

O Superior Tribunal de Justiça pacificou o tema em sede de recursos repetitivos


(REsp 1.696.396/MT), consagrando uma interpretação intermediária, qual seja, a tese da
“taxatividade mitigada”, segundo a qual o rol do art. 1.015 é sim taxativo, mas admite a
interposição de agravo de instrumento fora das hipóteses previstas quando estiver
presente a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de
apelação.

Obs.: A título de complementação do estudo (especialmente em relação ao


Grupo II), é interessante lembrar que, diferente do CPC/15, que traz um “rol” de decisões
interlocutórias atacáveis por agravo de instrumento, o art. 19, §1, da Lei da Ação Popular
(Lei n. 4.717/65), prevê que as decisões interlocutórias proferidas naquele procedimento
são atacáveis por agravo de instrumento. Esta disposição não foi revogada pelo CPC/15,
logo, continua sendo aplicável. Nesse sentido:

“O §1. do art. 19 da Lei n. 4.717/1965 (Lei da Ação Popular) dispõe


que ‘das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento (…)
Surge, então, a seguinte indagação: como interpretar o §1. do art.
19 da Lei da Ação Popular, tendo em vista a superveniência do CPC-
2015? Todas as decisões interlocutórias proferidas no processo da
ação popular são agraváveis, ou apenas aquelas que se subsumam
ao rol do caput do art. 1.015 do CPC? Parece que a solução
dogmaticamente mais adequada é a de considerar que todas as
decisões interlocutórias proferidas no processo da ação popular
podem ser impugnadas por agravo de instrumento. (…) Mantém-se
a regra, atualmente, como uma especialização do procedimento da
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ação popular em relação procedimento comum previsto no CPC-


2015. Assim, incide a regra do §2. do art. 1.046 do CPC-2015: ‘§2.
Permanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos
regulados em outras leis, aos quais se aplicará supletivamente este
Código’”. (DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de
Direito Processual Civil: processo coletivo. 11 ed. Salvador: Jus
Podivm, 2017, p. 421-422).

Caberá agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias proferidas


nos processos mencionados no parágrafo único do art. 1.015 do CPC/2015, não se
aplicando ali a taxatividade mitigada do caput do art. 1.015

Cabe agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias proferidas na


liquidação e no cumprimento de sentença, no processo executivo e na ação de inventário.
Fundamento: Art. 1.015 (...) Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento
contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de
cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário. STJ.
Corte Especial. REsp 1803925-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/08/2019 (Info
653).

A concepção da estabilidade no NCPC

Conforme William Soares Pugilese e Igor Maestrelli Zarnicinski, o Código de


Processo Civil de 2015 possui uma concepção própria de estabilidade: diz respeito aos
institutos processuais que permitem mudanças, mas que, para tanto, devem ser
observadas rígidas exigências argumentativas.

Nos termos do art. 357, §1, do NCPC, a decisão saneadora, após o pedido de
esclarecimentos, torna-se “estável”. Trata-se de um marco no processo, na medida em
que tanto a instrução como a fase decisória do processo devem ser pautadas pela
deliberação saneadora. A decisão saneadora é estável, na medida em que não admitirá
alterações no âmbito endoprocessual, salvo nos casos de provimento de recurso ou
matéria de ordem pública – ou seja, episodicamente permite mudança.

Do mesmo modo, o art. 926 do CPC/15 utiliza a expressão estável em relação


à jurisprudência. Conforme Pugliese e Zarnicinski, aqui a estabilidade possui significado
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semelhante àquela do despacho saneador: a jurisprudência deve ser firme e segura, mas
não é imutável, pode-se ser alterada quando mudarem as condições sociais ou ela estiver
equivocada.

Essas ideias também se aplicam à estabilização da tutela antecipada em


caráter antecedente (art. 304). Um provimento de urgência estabilizado, ainda que
apresente rigidez internamente àquele processo, não é imutável (não se operam os efeitos
da coisa julgada), podendo ser rediscutido em processos futuros.

NULIDADE DE ALGIBEIRA
Trata-se da nulidade que se dá quando a parte permanece em silêncio, no
momento oportuno para se manifestar, deixando para suscitar a nulidade em ocasião
posterior. Assim, a “nulidade de algibeira” surge num primeiro momento e é guardada pela
parte (numa conduta omissiva) como se fosse uma “carta na manga” para utilizar
posteriormente, caso sua pretensão e tese principal não logre êxito. Essa conduta fere
nitidamente o princípio da boa-fé objetiva.

O STJ possui diversos precedentes inadmitindo a “nulidade de algibeira” (entre


eles: REsp 1.372.802/RJ). Segundo a Corte Cidadã, o Princípio da boa-fé objetiva dispõe
que todos os sujeitos processuais devem adotar uma conduta no processo em respeito a
lealdade e a boa-fé processual. Do princípio da boa-fé objetiva há a SUPRESSIO, que é
a supressão, por renúncia tácita, de um direito ou de uma posição jurídica, pelo seu não
exercício com o passar dos tempos. Esse fenômeno é aplicável ao processo quando se
perde um poder processual em razão de seu não exercício, aplicando-se, inclusive, à
nulidade de algibeira. Na nulidade de algibeira a parte, embora tenha o direito de alegar a
nulidade, mantém-se inerte durante longo período, deixando para exercer seu direito
somente no momento que melhor lhe convier. Nesse caso, entende-se que a parte
renunciou tacitamente ao seu direito de alegar a nulidade, inclusive a nulidade absoluta,
aplicando a supressio (ou seja, a supressão de um direito).

O STF também vem rechaçando a nulidade de algibeira, aplicável, inclusive,


para as nulidades absolutas, a exemplo do HC nº 105.041/SP: “é evidente que se trata de
nulidade absoluta, mas também é evidente que não houve alegação no tempo devido. O
que essa prática suscita é a possibilidade de se guardarem nulidades para serem
arguidas, o que resulta em um não respeito à lealdade processual”.
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Logo, o STJ e o STF chegaram a mesma conclusão quanto à influência que a


boa-fé objetiva processual exerce no sistema de nulidades, não permitindo que a alegação
desta fique guardada para momento posterior quando pode ser realizada antes,
independentemente da gravidade do vício (nulidade absoluta e nulidade relativa).

TEORIA DA CAUSA MADURA (CPC/15)

De acordo com essa teoria, prevista no art. 1.013, § 3º CPC/2015, estando a


causa em condições de imediato julgamento (“madura”), o Tribunal já deverá decidir
desde logo o mérito.

De acordo com a doutrina, o julgamento do mérito diretamente pelo Tribunal


gera o denominado “efeito desobstrutivo do recurso”. Ademais, tal regra consagra os
princípios da primazia da decisão do mérito e duração razoável do processo (art. 4º, CPC).

O processo estará “pronto para julgamento” quando o réu tenha sido


devidamente citado e as provas tenham sido produzidas (sobre a necessidade de acervo
provatório completo entende o STJ, EREsp 874.507/SC).

QUAIS AS HIPÓTESES PREVISTA NO CPC/15? (O CPC/15 ampliou


significativamente as hipóteses!!) - art. 1.013, p. 3º.

1. reformar sentença fundada no art. 485 (decisões terminativas – que não


enfrentam o mérito);
2. decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites
do pedido ou da causa de pedir;
3. constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá
julgá-lo;
4. decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.

OBSERVAÇÕES IMPORTANTES:

Admite-se a aplicação da teoria da causa madura (art. 515, § 3º, do CPC/1973


/ art. 1.013, § 3º do CPC/2015) em julgamento de agravo de instrumento. STJ. Corte
Especial. REsp 1.215.368-ES, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 1/6/2016 (Info
590).
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Não se aplica a teoria em julgamento de recurso especial (STJ, REsp


1.569.401/CE);

Por expressa previsão no art. 1.027, p. 2º, CPC, aplica-se a teoria para o
recurso ordinário constitucional (Na vigência do CPC/73, os Tribunais Superiores
entendiam que NÃO cabia).

OBS.: A maioria da doutrina vem entendendo que o art. 1.013, p. 3º do CPC


(Teoria da causa madura) deve ser aplicado para TODOS os recursos (e meios de
impugnação).

Por fim, há três pressupostos para a aplicação da teoria da causa madura,


segundo Fredie Didier:

a) requerimento do recorrente (**não é pacífico na jurisprudência do STJ esse


requisito);
b) provimento do recurso;
c) processo em condições de imediato julgamento.

Discorra sobre o sham litigation, indicando suas origens, previsão


legal (se houver) e aplicação no ordenamento jurídico brasileiro
segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça

A expressão sham litigation, que pode ser traduzida como “litigância simulada”,
foi utilizada no direito anglo-saxão, mais precisamente nos precedentes norte-americanos,
para se referir ao abusivo exercício do direito de peticionar e de demandar.

Trata-se de ação ou conjunto de ações promovidas junto ao Poder Judiciário,


que não possuem embasamento sólido, fundamento ou potencialidade de sucesso, com
o objetivo central e disfarçado de prejudicar algum concorrente direto do impetrante,
causando-lhe danos e dificuldades de ordem financeira, estrutural e reputacional.
(CORRÊA, Rogério. Você sabe o que é Sham Litigation? Disponível em: solicita.com.br).

A despeito de ter se formado no direito concorrencial, o instituto do sham


litigation pode ser utilizado para reconhecer e reprimir o abuso do direito de ação, que é
excepcional, haja vista ser o acesso à justiça um direito fundamental intimamente ligado
ao Estado Democrático de Direito.
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No ordenamento jurídico brasileiro, o Superior Tribunal de Justiça já utilizou a


expressão afirmando que o ajuizamento de sucessivas ações judiciais desprovidas de
fundamentação idônea e intentadas com o propósito doloso, pode configurar ato ilícito de
abuso do direito de ação ou de defesa, o denominado assédio processual. Trata-se
daquilo que, nos Estados Unidos, ficou conhecido como “sham litigation”. (STJ, 3a Turma,
REsp 1.817.845-MS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy
Andrighi, julgado em 10.10.2019). (info 658)

A prática de sham litigation (litigância simulada) configura ato ilícito de abuso do


direito de ação, podendo gerar indenização por danos morais e materiais. O
ajuizamento de sucessivas ações judiciais, desprovidas de fundamentação idônea e
intentadas com propósito doloso, pode configurar ato ilícito de abuso do direito de ação
ou de defesa, o denominado assédio processual. STJ. 3ª Turma. REsp 1817845-MS, Rel.
Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/10/2019
(Info 658). Trata-se daquilo que, nos Estados Unidos, ficou conhecido como “sham
litigation” (litigância simulada), ou seja, a “ação ou conjunto de ações promovidas junto ao
Poder Judiciário, que não possuem embasamento sólido, fundamentado e potencialidade
de sucesso, com o objetivo central e disfarçado de prejudicar algum concorrente direto do
impetrante, causando-lhe danos e dificuldades de ordem financeira, estrutural e
reputacional.”

Tutela antecipada antecedente somente se torna estável se não houver interposição


de “recurso”. A mera contestação é apta a impedir a estabilização? Divergência
entre a 1ª e 3ª Turmas do STJ. O CPC/2015 inovou na ordem jurídica ao trazer, além
das hipóteses até então previstas no CPC/1973, a possibilidade de concessão de tutela
antecipada requerida em caráter antecedente, a teor do que dispõe o seu art. 303. Uma
das grandes novidades trazidas pelo novo CPC a respeito do tema é a possibilidade de
estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, instituto inspirado
no référé do Direito francês, que serve para abarcar aquelas situações em que ambas as
partes se contentam com a simples tutela antecipada, não havendo necessidade,
portanto, de se prosseguir com o processo até uma decisão final (sentença), nos termos
do que estabelece o art. 304, §§ 1º a 6º, do CPC/2015. Assim, segundo o art. 304, não
havendo recurso contra a decisão que deferiu a tutela antecipada requerida em caráter
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antecedente, a referida decisão será estabilizada e o processo será extinto, sem resolução
de mérito. No prazo de 2 anos, porém, contado da ciência da decisão que extinguiu o
processo, as partes poderão pleitear, perante o mesmo Juízo que proferiu a decisão, a
revisão, reforma ou invalidação da tutela antecipada estabilizada, devendo se valer de
ação autônoma para esse fim. Divergência: Como interpretar a palavra “recurso” prevista
no art. 304 do CPC? Em outras palavras, a mera contestação é suficiente para impedir
a estabilização? Para a 3ª Turma do STJ: SIM. A leitura que deve ser feita do dispositivo
legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que
a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte
contrária, sob pena de se estimular a interposição de agravos de instrumento,
sobrecarregando desnecessariamente os Tribunais, além do ajuizamento da ação
autônoma, prevista no art. 304, § 2º, do CPC/2015, a fim de rever, reformar ou invalidar a
tutela antecipada estabilizada. No caso concreto analisado pelo STJ, a empresa ré não
interpôs agravo de instrumento contra a decisão que deferiu o pedido de antecipação dos
efeitos da tutela requerida em caráter antecedente, mas apresentou contestação, na qual
pleiteou, inclusive, a revogação da tutela provisória concedida. Diante disso, o Tribunal
considerou que não houve a estabilização da tutela antecipada, devendo, por isso, o feito
prosseguir normalmente até a prolação da sentença. A ideia central do instituto é que,
após a concessão da tutela antecipada em caráter antecedente, nem o autor nem o réu
tenham interesse no prosseguimento do feito, isto é, não queiram uma decisão com
cognição exauriente do Poder Judiciário, apta a produzir coisa julgada material. Por essa
razão, é que, apesar de o caput do art. 304 do CPC/2015 falar em “recurso”, a leitura que
deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e
teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer
tipo de impugnação pela parte contrária. Logo, a interpretação da palavra “recurso” deve
ser de maneira sistemática e teleológica, de modo que há requisitos cumulativos para o
cabimento da estabilização da tutela deferida em caráter antecedente: i) a não
interposição de agravo de instrumento; e ii) a não apresentação de contestação. STJ. 3ª
Turma. REsp 1760966-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 04/12/2018 (Info
639). Para a 1ª Turma do STJ: NÃO. A não utilização da via própria – agravo de
instrumento – para a impugnação da decisão mediante a qual deferida a antecipação da
tutela em caráter antecedente, tornaria preclusa a possibilidade de revisão,
excepcionando a utilização da ação autônoma prevista no art. 304, § 2º, do CPC/2015.
Desconsiderou-se o argumento de que a estabilidade apenas seria alcançada caso não
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houvesse nenhuma resistência (ex: apresentação de contestação), pois caracterizaria o


alargamento da hipótese prevista na lei, podendo acarretar um esvaziamento do instituto
da estabilização e a inobservância da preclusão. Isso porque, embora a apresentação de
contestação tenha o condão de demonstrar a resistência em relação à tutela exauriente
(mérito do processo principal), tal ato processual não se revelaria capaz de evitar que a
decisão proferida em cognição sumária seja alcançada pela preclusão, considerando que
os meios de defesa da parte ré estão arrolados na lei, cada qual com sua finalidade
específica, não se revelando coerente a utilização de meio processual diverso para evitar
a estabilização, porque os institutos envolvidos – agravo de instrumento e contestação –
são inconfundíveis. Ademais, a interpretação ampliada da palavra “recurso” caracterizaria
indevida extrapolação da função jurisdicional, já que durante a tramitação legislativa do
Novo CPC, houve modificação de uma impugnação mais genérica por um termo mais
restritivo. Assim, deve-se fazer uma interpretação restritiva da palavra “recurso”, não
podendo a mera contestação impedir os efeitos da estabilização. STJ. 1ª Turma. REsp
1797365-RS, Red. acórdão Min(a). Regina Helena Costa, julgado em 03/10/2019 (Info
658).

O mandado de segurança deverá ter seu mérito apreciado independentemente de


superveniente trânsito em julgado da decisão questionada pelo mandamus

É incabível mandado de segurança contra decisão judicial transitada em julgado (art. 5º,
III, da Lei nº 12.016/2009 e Súmula nº 268-STF). No entanto, se a impetração do mandado
de segurança for anterior ao trânsito em julgado da decisão questionada, mesmo que
venha a acontecer, posteriormente, o mérito do MS deverá ser julgado, não podendo ser
invocado o seu não cabimento ou a perda de objeto. STJ. Corte Especial. EDcl no MS
22.157-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/03/2019 (Info 650).

É desnecessária a oitiva do MP se o tribunal já tiver jurisprudência consolidada


sobre o tema discutido

Em regra, é indispensável a intimação do Ministério Público para opinar nos processos de


mandado de segurança, conforme previsto no art. 12 da Lei nº 12.016/2009. No entanto,
a oitiva do Ministério Público é desnecessária quando se tratar de controvérsia acerca da
qual o tribunal já tenha firmado jurisprudência. Assim, não há qualquer vício na ausência
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de remessa dos autos ao Parquet que enseje nulidade processual se já houver


posicionamento sólido do Tribunal. Nesses casos, é legítima a apreciação de pronto pelo
relator. STF. 2ª Turma. RMS 32482/DF, rel. orig. Min. Teori Zavaski, red. p/ o ac. Min.
Edson Fachin, julgado em 21/8/2018 (Info 912).

Compete à justiça comum estadual julgar ação de obrigação de fazer cumulada com
reparação de danos materiais e morais ajuizada por motorista de aplicativo
pretendendo a reativação de sua conta UBER para que possa voltar a usar o
aplicativo e realizar seus serviços. Compete à justiça comum estadual julgar ação de
obrigação de fazer, cumulada com reparação de danos materiais e morais, ajuizada por
motorista de aplicativo, pretendendo a reativação de sua conta UBER para que possa
voltar a usar o aplicativo e realizar seus serviços. As ferramentas tecnológicas disponíveis
atualmente permitiram criar uma nova modalidade de interação econômica, fazendo surgir
a economia compartilhada (sharing economy), em que a prestação de serviços por
detentores de veículos particulares é intermediada por aplicativos geridos por empresas
de tecnologia. Nesse processo, os motoristas, executores da atividade, atuam como
empreendedores individuais, sem vínculo de emprego com a empresa proprietária da
plataforma. STJ. 2ª Seção. CC 164544-MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em
28/08/2019 (Info 655).

No acordo ficou ajustado que o devedor pagaria a pensão durante certo tempo;
passado esse período, o indivíduo, por mera liberalidade, continuou pagando; isso
não significa, contudo, que ele passou a ter o dever de pagar para sempre a pensão.
Obrigação alimentar extinta, mas mantida por longo período de tempo por mera
liberalidade do alimentante, não pode ser perpetuada com fundamento no instituto da
surrectio. STJ. 3ª Turma. REsp 1789667-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel.
Acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/08/2019 (Info 654).

A genitora do menor alimentando pode prosseguir, em nome próprio, com a


execução de alimentos, a fim de receber os valores referentes aos débitos
alimentares vencidos, mesmo após a transferência da titularidade da guarda da
criança para o pai executado?. A mãe tem legitimidade para prosseguir na execução de
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pensão alimentícia proposta à época em que era guardiã do filho menor, ainda que depois
disso a guarda tenha sido transferida ao pai executado? 4ª Turma do STJ: SIM. A genitora
que, ao tempo em que exercia a guarda judicial do filho, representou-o em ação de
execução de débitos alimentares possui legitimidade para prosseguir no processo
executivo com intuito de ser ressarcida, ainda que, no curso da cobrança judicial, a guarda
tenha sido transferida ao genitor (executado). STJ. 4ª Turma. REsp 1410815-SC, Rel. Min.
Marco Buzzi, julgado em 9/8/2016 (Info 590). 3ª Turma do STJ: NÃO. A genitora do
alimentando não pode prosseguir na execução de alimentos, em nome próprio, a fim de
perceber os valores referentes aos débitos alimentares vencidos, após a transferência da
titularidade da guarda do menor ao executado. Não se pode falar em sub-rogação no
caso, considerando que o direito aos alimentos possui caráter personalíssimo. STJ. 3ª
Turma. REsp 1771258-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 06/08/2019 (Info
654).

DIREITO CIVIL
Assuntos de Direito Civil abordados nas provas preambulares:

1) Guarda compartilhada
2) Teoria do adimplemento substancial – Princípio da boa fé

“Duty to Mitigate the Loss”

O supracitado desdobramento da boa-fé objetiva observa que o credor,


dotado de certos poderes na relação com o devedor, deve evitar o agravamento do próprio
prejuízo.

Nesse sentido é o Enunciado n. 169, do CJF/STJ na III Jornada de Direito


Civil: “O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do
próprio prejuízo”. Conforme Tartuce, o mencionado enunciado encontra inspiração no
art. 77, da Convenção de Viena de 1980, sobre a venda internacional de mercadorias: A
parte que invoca a quebra do contrato deve tomar as medidas razoáveis, levando em
consideração as circunstâncias, para limitar a perda, nela compreendido o prejuízo
resultante da quebra. Se ela negligência em tomar tais medidas, a parte faltosa pode pedir
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a redução das perdas e danos, em proporção igual ao montante da perda que poderia ter
sido diminuída.

De forma exemplificativa à aplicação do duty mitigate the loss pode-se citar


caso em que determinada empresa aluga uma sala comercial a uma pessoa física.
Acontece que, já no início do contrato o locatário acaba tendo que mudar de cidade devido
a motivo pessoal e simplesmente abandona o local. Nesse caso, não pode o Locador
valer-se da situação e, mesmo sabendo que o Locatário abandonou o local persistir na
cobrança de aluguéis até que consiga firmar contrato com terceiro. Tal situação configura
verdadeira quebra da boa-fé objetiva ligada a duty mitigate the loss.

Violação positiva do contrato (ou cumprimento inexato, imperfeito ou


defeituoso)

Dentro do âmbito do inadimplemento obrigacional, a doutrina civilista clássica


entende que o inadimplemento obrigacional em sentido genérico pode ocorrer em dois
casos específicos:

• a mora, também chamada de inadimplemento relativo ou parcial, em que


há apenas um descumprimento parcial da obrigação, mas que ainda
pode ser adimplida; e
• o inadimplemento total ou absoluto, hipótese em que a obrigação tornou-
se inútil ao credor, não podendo mais ser adimplida.

Nota-se que que o critério para distinguir a mora do inadimplemento absoluto


da obrigação é a utilidade dessa obrigação para o credor, entendimento este que pode
ser extraído do artigo 395, parágrafo único, do Código Civil (“se a prestação, devido à
mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e
danos”).

Contudo, para além dessas duas formas clássicas de inadimplemento


obrigacional, a doutrina moderna tem anunciado também a chamada “violação positiva do
contrato” e o “cumprimento inexato, imperfeito ou defeituoso” como novas formas de
inadimplemento da obrigação ou do contrato. Nesse sentido, para Jorge Cesa Ferreira da
Silva:
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“A ideia de violação positiva do contrato – ou violação positiva do crédito, como


é costumeiramente chamada na Alemanha, nasceu de estudo famoso de Hermann Staub,
importante jurista alemão do final do século XIX e início do século XX. Em 1902, dois anos
após a entrada em vigor do BGB, Staub reconheceu no então novo Código a existência
de lacunas no regramento do inadimplemento: para além do inadimplemento absoluto (lá
chamado de impossibilidade) e da mora, existiriam outras hipóteses não reguladas,
apesar de igualmente configurarem inadimplemento. Para ele, tanto o inadimplemento
absoluto quanto a mora correspondiam a violações negativas do crédito: no primeiro, a
prestação não é realizada, no segundo, a prestação não é realizada no momento
adequado. Já as hipóteses por ele elencadas acarretariam descumprimento obrigacional
exatamente porque a prestação foi realizada. Por isso, para diferenciar esses casos dos
anteriores, entendeu chamar essas hipóteses de violações positivas do contrato.” (SILVA,
Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São Paulo: RT, 2006. p. 42)

A respeito da estrutura das leis, o que vem a ser cláusula de vigência?


Qual a consequência de sua ausência?

Cláusula de vigência é a cláusula que indica a data a partir da qual a lei entra
em vigor. Na ausência dessa cláusula, a lei começa a vigorar em todo o país 45 dias
depois de oficialmente publicada. Nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei
brasileira, quando admitida, inicia-se três meses depois de oficialmente publicada. Vale
lembrar que o alto mar não é território estrangeiro; logo, no silêncio, a lei entra em vigor
45 dias depois da publicação.

Os prazos de 45 dias e de três meses, mencionados acima, aplicam-se às leis


de direito público e de direito privado; ademais, também vale para as leis federais,
estaduais e municipais.

Conforme preceitua o § 2.º do art. 8.º da LC 95/1998, as leis que estabelecem


período de vacância deverão utilizar a cláusula "esta lei entra em vigor após decorridos (o
número de) dias de sua publicação oficial". No silêncio, porém, o prazo de vacância é de
45 dias, de modo que continua em vigor o art. 1º da LINDB.

O que é o “direito de não saber”?


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O “direito de não saber” consiste numa opção e defesa do indivíduo, acerca do


direito de não tomar conhecimento sobre determinada situação de forma independente do
direito à privacidade. O indivíduo tem a autonomia de optar por não tomar ciência quanto
a fatos e informações indesejados que possam provocar abalo em sua vida.

O direito de não saber é um direito distinto do direito à privacidade e só tem


efeito quando a manifestação expressa de preferência pelo seu titular. O direito de não
saber encontra limites na projeção de probabilidade da violação de direitos de outras
pessoas.

O Civilista Flávio Tartuce, sobre tal tema, assevera que o STJ (Info 467) –
colocou em pauta o que já vem sendo denominado pela doutrina de “direito de não saber”
– em ação reparatória contra hospital em que foi realizado exame não solicitado, de forma
negligente, qual seja, anti-HIV, com o resultado positivo. A Turma se posicionou no sentido
de que, sob o prisma individual, o indivíduo tem o direito de não saber o que é portador
de HIV (caso se entenda que este seja um direito seu, decorrente da sua intimidade);
entretanto, esse direito é suplantado por um direito maior, qual seja, o direito à vida
longeva e saudável.

Conforme leciona Lucas Miotto Lopes, “O direito de não saber é um direito


distinto do direito à privacidade e só tem efeitos caso haja a manifestação expressa de
preferência. Tem limites na probabilidade da violação de direitos de outras pessoas. Esse
limite é aplicado ao caso exposto pois o fato de o demandante não saber ser portador de
HIV poderia trazer prejuízos a terceiros. Por isso, seu pedido reparatório em face do
laboratório que fez o exame de sangue de maneira equivocada foi corretamente rejeitado
pela Corte Cidadã”.

Portanto, vem sendo reconhecido o “direito de não saber” no ordenamento


jurídico brasileiro. No entanto, o aludido direito encontra limite na projeção de
probabilidade da violação de direitos de outras pessoas (não podendo trazer, assim,
prejuízo a terceiros).

TIME-SHARING

Time-sharing ou condomínio em multipropriedade ou, ainda, regime de


aproveitamento por turno ou direita real de habitação periódica, é o regime de condomínio
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em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo,
que corresponde à faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel,
a ser exercida pelos proprietários de forma alternada.

O Brasil até final do ano de 2018 não possuía regulamentação, no entanto, a


jurisprudência, principalmente do STJ, já reconhecia sua validade, entendendo como
verdadeiro direito real.

Em dezembro de 2018 o instituto foi positivado por meio da lei n.13.777/2018,


que inseriu os arts.1358-b a 1.358-U no Código Civil, dentro do título de propriedade.

Teoria do desestímulo (“punitive damage”)

A teoria do desestímulo (“punitive damage”) tem origem norte-americana,


sendo uma aplicação da punição ao autor do fato danoso, onde os julgadores, depois que
fixar o montante suficiente para compensar a vítima pelo dano moral, fixa também uma
pena civil que atue como uma forma de inibir a reiteração desta conduta. Esta teoria é
muito utilizada nos países de tradição do Common Law.

Quando se fala em “punitive damage”, não se discute e nem faz menção


somente aos danos punitivos da vítima, mas também à conduta reprovável que o lesante
levou ao ferimento ao patrimônio não material da vítima, que causou a esta uma grande
afronta à sua honra e dignidade.

Segundo Nelson Rosenvald, no que tange aos punitive damages – modelo


jurídico celebrado na experiência estadunidense –, eventual pena civil fixada pelo
magistrado em razão de ilícitos aquilianos não se restringirá a atender interesses
particulares da vítima. Muito pelo contrário, para além de uma mera lesão a uma obrigação
pré-constituída, a finalidade primária da pena civil é preventiva e dissuasiva, objetivando
tutelar o interesse geral de evitar que o potencial ofensor pratique qualquer
comportamento de perigo social. Isso é, o interesse do particular só será relevante
enquanto coincidir com o interesse público de intimidar uma pessoa natura ou jurídica, por
medida de desestímulo, a adotar um comportamento que não coloque em risco interesses
supraindividuais.

Assim, a teoria do desestímulo preconiza que a indenização deve ter a


função reparatória e pedagógica do dano moral, ou seja, deve reparar o dano da
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vítima e punir pedagogicamente o ofensor para que não volte a reiterar a conduta
violadora.

Destaca-se que as indenizações punitivas não se aplicam apenas aos danos


não econômicos. Essa modalidade de indenização possui o condão de punir o gerador do
dano, com o escopo de não se repetir a conduta danosa.

O caráter dúplice da responsabilidade civil (compensatória e pedagógica)


tem sido reconhecido – embora não seja firme e consolidado – pelo STJ em alguns
precedentes, a exemplo do REsp 207.926 e REsp 860.705/DF, bem como por Tribunais
(TJSP e TJMG).

Cláusula de “hardship”

A cláusula de “hardship” encontra assento no direito contratual internacional.


Durante a execução do contrato, circunstâncias econômicas, políticas ou sociais podem
alterar de maneira fundamental o equilíbrio econômico do contrato. Dependendo da
extensão dos efeitos de tal evento, os contratantes poderiam ver-se impossibilitados de
executar as suas obrigações nos moldes avençados. Nesses casos, a cega obediência
ao princípio da força obrigatória do contrato conduziria a objetivo contrário à proteção dos
interesses doa contratantes envolvidos em decorrência de alteração das circunstâncias
contratuais.

Para essas situações, os princípios relativos aos contratos internacionais de


comércio “Unidroit” facultam às partes a inclusão da cláusula de “hardship”,
estabelecendo dever de readequação contratual para fatos supervenientes que
alterem substancialmente as circunstâncias, gerando desequilíbrio do conteúdo
econômico do contrato. Destarte, originária da prática contratual internacional, a
cláusula de “hardship” é um exemplo da criatividade dos negociadores, visando suprir
lacunas dos conceitos clássicos no que se refere à solução do problema da incerteza nos
contratos internacionais e, principalmente, nos de longa duração.

Assim, a cláusula de hardship é instrumento de conservação do negócio


jurídico. Trata-se de cláusula de readaptação do contrato, prevendo a renegociação
pelos contratantes dos termos contratuais, quando a execução houver se tornado
inútil ou demasiado onerosa para uma delas, em vista das modificações imprevistas
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de circunstâncias que embasaram o negócio. Reveste-se de nítida função


conservatória do negócio jurídico.

Culmina por se aproximar da teoria da base do negócio jurídico (adotado pelo


CDC), pois os critérios da imprevisibilidade e inevitabilidade poderão ser acrescidos ou
reduzidos, de modo a ampliar a margem de atuação das partes quanto à preservação do
vínculo contratual e a sua adaptação às transformações que possam ocorrer ao longo de
sua execução. Há dupla finalidade na cláusula: evitar a dissolução do contrato
(negativa) e renegociar as cláusulas como obrigação de melhores esforços
(positiva).

STF – O cumprimento da pena somente pode ter início com o


esgotamento de todos os recursos. O art. 283 do CPP, que exige o trânsito em
julgado da condenação para que se inicie o cumprimento da pena, é constitucional, sendo
compatível com o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da CF/88.
Assim, é proibida a chamada “execução provisória da pena”. Vale ressaltar que é possível
que o réu seja preso antes do trânsito em julgado (antes do esgotamento de todos os
recursos), no entanto, para isso, é necessário que seja proferida uma decisão judicial
individualmente fundamentada, na qual o magistrado demonstre que estão presentes os
requisitos para a prisão preventiva previstos no art. 312 do CPP. Dessa forma, o réu até
pode ficar preso antes do trânsito em julgado, mas cautelarmente (preventivamente), e
não como execução provisória da pena. STF. Plenário. ADC 43/DF, ADC 44/DF e ADC
54/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgados em 7/11/2019 (Info 958).

Se a pessoa morrer e for casada, o cônjuge terá direito à herança? O cônjuge é


herdeiro? SIM. O cônjuge é herdeiro necessário (art. 1.845 do CC).

O cônjuge será considerado herdeiro necessário mesmo que ele e o falecido fossem
casados sob o regime da separação de bens? SIM. O cônjuge, qualquer que seja o
regime de bens adotado pelo casal, é herdeiro necessário (art. 1.845). Exceção: o
cônjuge não será herdeiro se, quando houve a morte, o casal estava separado há mais
de dois anos, nos termos do art. 1.830 do CC.

Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se,


ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem
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separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa
convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.

O cônjuge irá herdar se o falecido deixou descendentes? Depende. Aí teremos que


analisar o regime de bens. A regra está no art. 1.829, I, do CC:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se


casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação
obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão
parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

Esse inciso é muito confuso e mal redigido, o que gera bastante polêmica na doutrina e
jurisprudência. O que se pode extrair dele é o seguinte: o cônjuge é herdeiro necessário,
mas há situações em que a lei deu primazia (preferência) para os descendentes do morto.

Assim, foram previstos alguns casos em que o cônjuge, a depender do regime de bens,
não terá direito à herança, ficando esta integralmente com os descendentes. Vejamos:

I – Situações em que o cônjuge herda em II – Situações em que o cônjuge não herda


concorrência com os descendentes em concorrência com os descendentes

• Regime da comunhão parcial de bens, se • Regime da comunhão parcial de bens, se


existirem bens particulares do falecido. não havia bens particulares do falecido.
• Regime da separação convencional de • Regime da separação legal (obrigatória)
bens (é aquela que decorre de pacto de bens (é aquela prevista no art. 1.641
antenupcial). do CC).
• Regime da participação final nos • Regime da comunhão universal de bens.
aquestos.

Se o cônjuge for herdar em concorrência com os descendentes (lado esquerdo do


quadro acima), quanto ele receberá de herança?

Como é feita a divisão da herança entre o cônjuge herdeiro e os descendentes do


falecido?
Se o cônjuge estiver concorrendo com Se o cônjuge estiver concorrendo com
filhos, netos ou bisnetos do falecido que filhos, netos ou bisnetos do falecido que
também sejam seus descendentes não sejam seus descendentes
(o cônjuge está concorrendo apenas com herdeiros (o cônjuge está concorrendo com herdeiros comuns e
comuns) com herdeiros exclusivos do falecido)

Em regra, o cônjuge deverá receber quinhão Em regra, o cônjuge deverá receber quinhão
igual ao que for recebido pelos herdeiros igual ao que for recebido pelos herdeiros
que sucederem por cabeça. que sucederem por cabeça.
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Mesmo que sejam muitos herdeiros para Não existe essa previsão de que o cônjuge
dividir, o cônjuge não poderá receber menos deverá receber, no mínimo, 1/4 da herança.
que 1/4 da herança.
Ex1: João faleceu e deixou Maria (cônjuge) Ex1: Rui faleceu e deixou Laura (cônjuge) e
e dois filhos. Significa que Maria e cada um dois filhos fruto de outro casamento.
dos filhos terá direito a 1/3 da herança. Significa que Laura e cada um dos seus
enteados terá direito a 1/3 da herança.
Ex2: Pedro faleceu e deixou como herdeiros
Rosa (cônjuge) e 5 filhos. Rosa receberá 1/4 Ex2: José faleceu e deixou como herdeiros
da herança e os outros 3/4 serão divididos Paula (cônjuge) e 5 filhos, sendo 3 filhos
entre os 5 filhos. também de Paula e 2 de um outro
casamento anterior de José. Paula e cada
um dos demais herdeiros receberá 1/6 da
herança.
Trata-se daquilo que Giselda Hironaka
chama de “concorrência sucessória híbrida”.

Essa previsão de que o cônjuge deverá receber, no mínimo, 1/4 da herança caso esteja
concorrendo unicamente com herdeiros que sejam seus descendentes encontra-se
prevista no art. 1.832 do CC:

Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao


cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua
quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com
que concorrer.

Vale ressaltar, portanto, que:

A reserva da quarta parte da herança, prevista no art. 1.832 do Código Civil, NÃO se
aplica à hipótese de CONCORRÊNCIA SUCESSÓRIA HÍBRIDA. STJ. 3ª Turma. REsp
1.617.650-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 11/06/2019 (Info 651).

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

Francisco vive em união estável com Amanda. Eles tiveram um filho. Antes deste
relacionamento, Francisco foi casado com Rosângela, com quem teve seis filhos. Desse
modo, Francisco possui um total de sete filhos, sendo que 6 são fruto do relacionamento
com Rosângela (sua ex-esposa, já divorciados) e um deles é filho de Amanda.

Francisco faleceu e deixou, como herança, R$ 800 mil de bens particulares. Amanda
terá direito à herança? Qual é o dispositivo que rege essa situação?

O art. 1790 do CC prevê o seguinte:


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Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro,


quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas
condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por
lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade


do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da


herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

É possível aplicar o art. 1.790 do CC?

NÃO. Isso porque o art. 1.790 do CC foi declarado, incidentalmente, inconstitucional pelo
STF, quando do julgamento do RE 878.694, sendo determinado que se apliquem também
para a união estável as regras do regime sucessório do casamento:

No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regimes


sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos,
o regime estabelecido no art. 1.829 do Código Civil. (STF. Plenário. RE 646721/RS, Rel.
Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso e RE 878694/MG, Rel. Min. Roberto
Barroso, julgados em 10/5/2017 (repercussão geral) (Info 864)).

Assim, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e


companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art.
1.829 do CC/2002.

Logo, a situação acima descrita envolvendo os herdeiros de Francisco deverá ser


resolvida com base no art. 1.829 e demais dispositivos do CC que tratam sobre a
sucessão envolvendo cônjuges.

E quanto Amanda receberá neste caso? Qual é o quinhão hereditário a que faz jus
a companheira, quando concorre com um filho comum e, ainda, outros seis filhos
exclusivos do autor da herança?

O STJ, interpretando o art. 1.829, I, do CC, entende que o cônjuge/companheiro, que vivia
sob o regime da comunhão parcial (que é a regra na união estável), somente irá concorrer
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com os descendentes do morto quando o falecido tiver deixado bens particulares e essa
divisão será somente sobre os referidos bens particulares:

“Nos termos do art. 1.829, I, do Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente,


casado no regime de comunhão parcial de bens, concorrerá com os descendentes
do cônjuge falecido somente quando este tiver deixado bens particulares. A
referida concorrência dar-se-á exclusivamente quanto aos bens particulares
constantes do acervo hereditário do de cujus. (STJ. 2ª Seção. REsp 1368123/SP,
Rel. Min. Sidnei Beneti, Rel. p/ Acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 22/04/2015.)

Voltando ao nosso exemplo, o falecido deixou:

• R$ 800 mil de herança (bens particulares).

• herdeiros: companheira; 1 filho comum; 6 filhos exclusivos.

Como fazer essa divisão?

Divide-se a herança por igual entre os herdeiros, tratando-se todos os filhos como
exclusivos. Assim, a companheira e cada um dos sete filhos receberá 1/8 da herança.
Atribui-se a cada um dos filhos e à companheira R$ 100 mil.

Não há reserva de 1/4 da herança para a consorte supérstite. Isso porque, conforme já
dito, essa reserva de 1/4 da herança, prevista no art. 1.832 do CC, NÃO se aplica em caso
de CONCORRÊNCIA SUCESSÓRIA HÍBRIDA.

A reserva de, no mínimo, 1/4 da herança em favor do consorte do falecido ocorrerá apenas
quando concorra com seus próprios descendentes (e eles superem o número de 3).

Nesse sentido é o enunciado 527 da V Jornada de Direito Civil do CJF: “Na


concorrência entre o cônjuge e os herdeiros do de cujus, não será reservada a quarta
parte da herança para o sobrevivente no caso de filiação híbrida.”

É válida a cláusula penal que prevê a perda integral dos valores pagos em contrato
de compromisso de compra e venda firmado entre particulares. É válida a cláusula
penal que prevê a perda integral dos valores pagos em contrato de compromisso de
compra e venda firmado entre particulares. Para a caracterização do vício de lesão, exige-
se a presença simultânea de: a) elemento objetivo (desproporção das prestações); e b)
elemento subjetivo (a inexperiência ou a premente necessidade). Os dois elementos
devem ser aferidos no caso concreto. Tratando-se de negócio jurídico bilateral celebrado
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de forma voluntária entre particulares, é imprescindível a comprovação dos elementos


subjetivos, sendo inadmissível a presunção nesse sentido. O mero interesse econômico
em resguardar o patrimônio investido em determinado negócio jurídico não configura
premente necessidade para o fim do art. 157 do Código Civil. STJ. 3ª Turma. REsp
1723690-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 06/08/2019 (Info 653).

É possível a fixação de alimentos em valores ou em percentuais diferentes entre os


filhos?

Em regra, não deverá haver diferença no valor ou no percentual dos alimentos destinados
a prole, pois se presume que, em tese, os filhos – indistintamente – possuem as mesmas
demandas vitais, tenham as mesmas condições dignas de sobrevivência e igual acesso
às necessidades mais elementares da pessoa humana. A igualdade entre os filhos,
todavia, não tem natureza absoluta e inflexível, de modo que é admissível a fixação de
alimentos em valor ou percentual distinto entre os filhos se demonstrada a existência de
necessidades diferenciadas entre eles ou, ainda, de capacidades contributivas
diferenciadas dos genitores. Exemplo: João possui dois filhos, com mulheres diferentes.
Para o filho 1, paga 20% de seu salário e para o filho 2, 15%. O STJ admitiu que essas
pensões sejam em valores diferentes porque a capacidade financeira da mãe do filho 2 é
muito maior do que a genitora do filho 1. STJ. 3ª Turma. REsp 1624050/MG, Rel. Min.
Nancy Andrighi, julgado em 19/06/2018 (Info 628).

O juiz não pode liberar o devedor de alimentos da prisão alegando que ele pagou
quase toda a dívida e que, portanto, deve ser aplicada a teoria do adimplemento
substancial

A teoria do adimplemento substancial não tem incidência nos vínculos jurídicos familiares,
revelando-se inadequada para solver controvérsias relacionadas a obrigações de
natureza alimentar. STJ. 4ª Turma. HC 439973-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel.
Acd. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 16/08/2018 (Info 632).

É possível a criação de animais nas unidades autônomas do condomínio? Acerca


da regulamentação da criação de animais pela convenção condominial, podem surgir três
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situações: a) Se a convenção não regular a matéria: o condômino pode criar animais em


sua unidade autônoma, desde que não viole os deveres previstos no art. 1.336, IV, do CC
e no art. 19 da Lei nº 4.591/64. b) Se a convenção veda apenas a permanência de animais
causadores de incômodos aos demais moradores: essa norma condominial é válida (não
apresenta nenhuma ilegalidade). c) Se a convenção proíbe a criação e a guarda de
quaisquer espécies de animais: essa restrição se mostra desarrazoada, considerando que
determinados animais não apresentam risco à incolumidade e à tranquilidade dos demais
moradores e dos frequentadores ocasionais do condomínio. O impedimento de criar
animais em partes exclusivas (unidades autônomas) somente se justifica para a
preservação da segurança, da higiene, da saúde e do sossego. Se tais aspectos não estão
em risco, não há motivo para a proibição. Assim, é ilegítima a restrição genérica contida
em convenção condominial que proíbe a criação e guarda de animais de quaisquer
espécies em unidades autônomas STJ. 3ª Turma. REsp 1.783.076-DF, Rel. Min. Ricardo
Villas Bôas Cueva, julgado em 14/05/2019 (Info 649).

DIFUSOS
Assuntos de Difusos abordados nas provas preambulares:

1) Dano moral coletivo – Resp 1737412/SE


2) Constitucionalização do Direito (Samuel Sales Fonteles)
3) Reajuste de mensalidade de plano de saúde para idoso – Resp 1568244/RJ
4) Lei anticorrupção empresarial – Lei 12.846/2013
5) Teorias sobre a legitimidade do MP para a tutela de interesses individuais
homogêneos (teoria ampliativa; teoria restritiva absoluta; teoria restritiva; teoria
ampliativa eclética ou mista)
6) Ações de improbidade administrativa típica e atípica
7) Teorias sobre o conceito de consumidor (teoria finalista mitigada)

TEORIA DA MOLECULARIZAÇÃO DO CONFLITO

Trata-se de teoria criada pelo processualista Kazuo Watanabe ao se referir à


prevalência pelo ajuizamento das ações coletivas. De acordo com essa teoria, não há
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razão para julgar várias ações individuais (que seriam átomos) quando é possível
julgamento coletivo (molécula).

Segundo Cândido Dinamarco, “o estilo de vida contemporâneo, solidário por


excelência e por imposição das necessidades e aspirações comuns da sociedade de
massa deste fim de século, impõe o trato coletivo de interesses que se somam e se
confundem, quase que destacando-se dos indivíduos a que tradicionalmente se
reportavam com exclusividade”.

Nota-se, portanto, que o Direito Coletivo é o “direito de massa”, resultante


dessa nova realidade social, e que, por sua vez, impõe rumos novos ao processo civil, o
qual também vai se modelando como um processo civil de massa.

Existem outros institutos que levam ainda mais o processo coletivo a


“molecularizar” os litígios, evitando o emprego de inúmeros processos voltados à solução
de controvérsias fragmentárias e dispersas. Quais sejam:

• reforço da coisa julgada de âmbito NACIONAL;


• expressa possibilidade de controle difuso da constitucionalidade pela via
da ação coletiva.

Ademais, ressalta-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça


encampa a ideia do professor Kazuo Watanabe de buscar a “molecularização” dos
conflitos em detrimento de sua “atomização” (com vistas a buscar um tratamento coletivo
dos litígios) ao decidir que “ajuizada ação coletiva atinente a macro-lide geradora de
processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julgamento
da ação coletiva”. Assim, ainda que o autor da ação individual não tenha manifestado
expressamente a sua intenção em suspender o feito, verifica-se que é possível que haja
a suspensão do feito. A razão de ser é a economia processual e a evitação de decisões
contraditórias. Afinal, com a ação civil pública é possível que se decida a macro-lide,
beneficiando os indivíduos e evitando o risco de prolação de decisões contraditórias
(REsp 1.353.801/RS).

O ECA SE APLICA AO NASCITURO? É POSSÍVEL A PROTEÇÃO INTEGRAL AO


NASCITURO?
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O ECA expressamente não o incluiu o nascituro como seu destinatário,


pois prevê que a proteção integral se dirige à criança e ao adolescente. Contudo, visando
a proteção integral e o melhor interesse da criança, há de garantir-lhe que sua gestação
ocorra com todos os cuidados necessários, sob pena de não nascer com vida.

Para tanto, o ECA, em sua redação original, estabelecia à gestante o


atendimento pré e perinatal (art. 8º, caput). Além disso, o art.7º prevê “permitam o
nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”.

Nessa linha, a doutrina majoritária sustenta a aplicação do ECA ao


nascituro. Outra corrente defende a incidência apenas do Código Civil. Com a edição da
Lei da Primeira Infância nº 13.257/2016, reforça-se a tese da incidência do ECA ao
nascituro.

O CC/1916 era expresso ao permitir a adoção de nascituro: “ Não se pode


adotar sem o consentimento do adotado ou de seu representante legal se for incapaz ou
nascituro”.

O ECA e o CC nada dispõem e inexiste julgado do STJ.

Na doutrina, há 2 posicionamentos:

1ª Corrente: – é admissível a adoção de nascituro, haja vista que a


existência de vinculo entre os adotantes e a gestante traz benefício para a criança. E
argumentam que como a lei qualifica o concepturo como sujeito de direitos, há
possibilidade da adoção condicionada ao nascimento com vida.

2ªCorrente – não há previsão legal de adoção de nascituro, assim como ocorria


com CC/1916, de forma que é impossível esta modalidade de adoção.

Ademais, o ECA exige a qualificação da criança ou adolescente a ser adotado


e estágio de convivência para o deferimento da adoção, o que seria impossível com o
nascituro. Concordamos com a segunda posição, pois além dos argumentos acima
esposados, o art. 166, §6º, preceitua que o consentimento somente terá valor se
ofertado após o nascimento da criança, o que inviabiliza a adoção de nascituro.

COMO SE DEU A EVOLUÇÃO DO DIREITO DA INFÂNCIA NO BRASIL?


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A Constituição Federal de 1934 foi a primeira a dispor sobre proteção da


infância, sob os aspectos de amparo à maternidade e proteção ao trabalho infantil,
mediante a proibição de trabalho aos menores de 14 anos, aos menores de 16 anos em
período noturno e aos menores de 18 anos em indústrias insalubres.

Por seu turno, a CF de 1937 manteve as mesmas disposições da anterior,


incluindo um capítulo com o título “da família”, no qual assegurou a educação integral dos
filhos (art. 125) e a igualdade entre os filhos naturais e os legítimos (art.126). A CF de
1937 foi a primeira a assumir a obrigação do Estado de assegurar condições dignas
para o desenvolvimento na área da infância e juventude.

Já a CF de 1946, em seu art. 164, tornou obrigatória a assistência à


maternidade, à infância e à adolescência, bem como determinou o amparo da família de
prole numerosa por lei infraconstitucional.

De outra parte, a CF de 1967, em seus arts. 167 a 172 cuidava da “família,


da educação e da cultura”, sendo estabelecido o ensino obrigatório e gratuito dos 7
aos 14 anos. Em seguida, a EC nº 1/69 estabeleceu que lei especial disciplinaria o acesso
ao ensino das crianças excepcionais.

Por fim, a CF de 1988, em seu art. 227, caput, prescreveu como dever da
família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, os direitos fundamentais, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Na legislação infraconstitucional, o Código Criminal do Império do Brasil de


1830 estabelecia a imputabilidade penal aos 14 anos de idade. Todavia, se um menor
entre 7 e 14 anos praticasse algum crime e tivesse discernimento, deveria ser recolhido
à casa de correção, pelo tempo fixado pelo Juiz, desde que não excedesse aos 17 anos
de idade. Dessa forma, sob a égide daquela legislação criminal, a inimputabilidade
somente era aplicada aos menores de 7 anos de idade.

A Lei nº 2.040/1871, conhecida como Lei do Ventre Livre, foi a primeira lei
brasileira a reconhecer o direito à liberdade na área da infância, haja vista que garantiu a
condição de livre ao filho de escrava, nascido a partir da sua publicação. Contudo esta
liberdade era relativa.
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Posteriormente, foi aprovado o Código Penal Brasileiro de 1890, o qual


manteve a imputabilidade penal aos 14 anos de idade, mas alterou a inimputabilidade
penal aos menores de 9 anos de idade.

O primeiro diploma a tratar da proteção à infância foi o Decreto nº 17.943-A, de


12 de outubro de 1927, que consolidou as leis de assistência e proteção a menores e
ficou conhecido como Código Mello Mattos, e este Código era destinado ao menor de
18 anos, sujeito a medidas de assistência e proteção. Os menores submetidos ao Código
eram divididos em:

• Expostos – menores de 7 anos que fossem encontrados em estado de abandono.


Extinto o sistema de roda do exposto.

• Abandonados – menores de 18 anos que não tivessem habilitação ou meios de


subsistência, que estivessem em estado habitual de vadiagem, mendicidade ou
libertinagem, não pudessem estar na companhia dos pais em razão de
enfermidade, prisão, dentre outros.

• Delinquentes – menores entre 14 e 18 anos que praticassem fato qualificado como


crime, ficando sujeitos a um processo especial.

Os menores de 14 anos eram inimputáveis, mas estavam sujeitos a


tratamentos apropriados se a sua condição assim exigisse.

O Código apenas tutelava os menores expostos, abandonados e delinquentes,


de forma que eles eram vistos como objetos e não como sujeitos de direito, tanto que a
legislação privilegiava a internação ou a institucionalização de crianças e adolescentes,
de forma a provocar a “eliminação dos indesejáveis da sociedade”.

A Lei nº 6.697/1979, institui o Código de Menores, baseado na doutrina da


situação irregular do menor, que dispunha sobre assistência, proteção e vigilância aos
menores de até 18 anos, que se encontrassem em situação irregular e entre 18 anos e 21
anos, nos casos expressos em lei, revogando o Código anterior. Dessa forma, conforme
bem pontua Andréa Rodrigues Amin: “aqui se apresentava o campo de atuação do Juiz
de Menores, restrito ao binômio carência-delinquência”.

O menor irregular, sendo autor de infração penal ou não, estava sujeito à


medida de internação em estabelecimento educacional, ocupacional, psicopedagógico,
hospitalar, psiquiátrico ou outro adequado.
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A medida de internação era considerada o remédio para todos os casos,


segundo Wilson Donizeti Liberati.

Por seu turno, o art. 8º do Código autorizava o juiz a atuar como legislador, pois
era possível a edição de portaria ou provimento para determinar medidas de ordem geral,
necessárias à assistência, proteção e vigilância ao menor.

MEMORIZE:

Até o início do século XVI, vigia a Fase da Absoluta Indiferença, onde não
havia normas tutelares dos direitos de crianças ou adolescentes. Em seguida veio a Fase
da Mera Imputação Penal, na qual as leis tinham o único propósito de coibir a prática de
ilícitos por aquelas pessoas (Ordenações Afonsinas e Filipinas, Código Criminal do
Império de 1830, Código Penal de 1890).

Com a edição do Código Mello Matos, inicia-se a Fase Tutelar (mantida pelo
Código de Menores de 1979). A ideia era que o Estado pudesse tutelar o menor. Adotou-
se a teoria da "situação irregular". Surge a expressão "menor", que identifica o
abandonado com o delinquente. Juiz atuava como um "pai de família" com poderes
amplos.

Inaugura-se a Fase Tutelar, com objetivo de promover a proteção de crianças


e adolescentes em situação irregular, assistencialismo e práticas segregatórias.

Código De menores 1979: Adotou (retrogradamente) a doutrina da situação


irregular. A doutrina amplamente majoritária considera que o código de menores de 1979
foi uma infeliz opção do legislador, haja vista que já existia desde 1959 uma declaração
dos direitos da criança que as reconhecia como sujeitos de direitos.

Sob a influência da CF 1988 e da Convenção sobre os Direitos da Criança foi


publicada a Lei nº 8.069/1990 – ECA, e em seu art. 1º versa sobre a proteção integral à
criança e ao adolescente e estes passam a serem sujeitos de direito. No âmbito do ECA,
há a tutela da criança e do adolescente sob todas as instâncias, de forma a efetivar sua
proteção integral.

DISCORRA SOBRE OS SEGUINTES PRINCÍPIOS:

PROTEÇÃO INTEGRAL
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Este princípio foi inspirado na Declaração de Genebra sobre os Direitos da


Criança (1924), na DUDH (1948), na Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959),
no PIDCP, PIDESC e na Convenção sobre os Direitos da Criança (1989).

No âmbito constitucional, o §3º do art. 227 explicita que o direito a proteção


ESPECIAL abrange os seguintes aspectos: idade mínima de 14 anos para admissão ao
trabalho; direitos previdenciários e trabalhistas; acesso do trabalhador adolescente e
jovem à escola; garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional,
igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado; obediência
aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa
em desenvolvimento, aquando da aplicação de qualquer medida privativa de liberdade;
estímulo do poder público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios,
ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado
e programas de prevenção e atendimento especializado ao dependente de entorpecentes
e drogas afins.

A doutrina da proteção integral, objetiva assegurar o respeito e efetivo


cumprimento de todos os direitos e garantias assegurados na CF, tratados internacionais,
leis, resoluções, e etc.

MELHOR INTERESSE OU INTERESSE SUPERIOR

A Declaração Universal dos Direitos da Criança prevê expressamente este


princípio.

O ECA em sua redação original, não continha expressamente este


princípio, mas decorria de uma interpretação sistemática. Contudo, a Lei nº
12.010/2009, incluiu o inciso IV ao parágrafo único do art. 100. Este princípio deve servir
como norte para qualquer matéria afeta à criança ou ao adolescente, aplicando-se desde
a elaboração e aprovação de leis (poder legislativo), no momento da escolha de políticas
públicas para assegurar os direitos fundamentais (conselhos de direitos e o poder
executivo) e na efetiva aplicação dos direitos (Poder Executivo, Judiciário, MP, Conselho
Tutelar, CMDCA, família, comunidade e etc.).

A sua aplicação demanda análise do caso concreto, levando-se em


consideração a interpretação sistemática dos direitos da criança e do adolescente, de
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maneira a englobar o conjunto mais amplo e que melhor os assegure. O STJ em vários
julgados aplicou o princípio do melhor interesse da criança, podendo-se citar,
exemplificativamente:

a. a retratação do genitor biológico acerca do consentimento para adoção antes da


sentença, mas a manutenção da criança com a família que buscava a adoção;

b. permanência de criança em ambiente familiar em vez de acolhimento institucional;

c. adoção por família não inscrita no cadastro de adoção quando existente vínculo
efetivo consolidado;

d. restrição ao direito de visitação do pai ou mãe que não tenha a guarda do filho, em
caso de risco à integridade física e emocional do infante;

e. mitigação do princípio da perpetuação da jurisdição em caso de mudança de


endereço do infante;

f. manutenção do vínculo registral entre o filho e o pai quando não comprovado o erro
ou falsidade de registro de nascimento e

g. possibilidade de adoção de neto por avós, desde que demonstrado o melhor


interesse do infante.

ABSOLUTA PRIORIDADE

A expressão absoluta prioridade é utilizada apenas na CF no art. 227, caput. E


expressa a necessidade de sua observância para a proteção dos direitos da criança, do
adolescente e do jovem, o que revela a prevalência do atendimento na área da infância e
juventude. A CF impõe ao Estado a aplicação de recursos públicos destinados à
saúde na assistência materno-infantil. O parágrafo único do art. 4º do ECA elenca o
que se compreende sobre garantia de prioridade:

I. primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias, bem como


procedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

II. preferência na formulação e na execução das políticas sociais publicas;

III. destinação privilegiada de recursos públicos na área relacionadas com a proteção


à infância e à juventude.
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O art. 227, § 4º verbera: a lei punirá severamente o abuso, a violência e a


exploração sexual da criança e do adolescente. Neste dispositivo há um mandado de
criminalização, uma vez que o constituinte determina ao legislador a punição severa de
práticas criminosas contra criança e adolescente.

O QUE É DIREITO AO PARTO ANÔNIMO?

A gestante que manifestar o interesse em entregar seu filho para adoção será
encaminhada, sem constrangimento, à Justiça da Infância e Juventude, sob pena de
infração administrativa descrita no art. 258-B. Este encaminhamento tem a finalidade de
coibir eventual comércio que poderia ser realizado com o neonato logo após o seu
nascimento. Manifestada esta vontade, o poder público deve proporcionar-lhe assistência
psicológica, como forma de conscientizá-la das consequências de seu ato.

DISCORRA SOBRE O HOMESCHOOLING (OBRIGAÇÃO DE MATRÍCULA E


SISTEMA EDUCACIONAL DOMICILIAR)

O STJ já decidiu que inexiste previsão legal ou constitucional que autorize o


homeschooling, uma vez que não há controle do poder público sobre a frequência do
estudo e ao total de horas indispensáveis à aprovação do aluno.

Do mesmo modo, o STF, no recente julgamento do RE 888.815/RS, entendeu


que a falta de regulamentação legal impede a aplicação de ensino domiciliar e que a CF
estabelece um núcleo mínimo curricular, bem como a necessidade de frequência escolar
e convivência familiar e comunitária. Além disso, assentou que o ECA e a LDBE
estabelecem a obrigatoriedade de os pais matricularem seus filhos na rede regular de
ensino.

Em suma, o homeschooling, também conhecido como "educação em casa",


consiste na prática de pais e responsáveis que assumem a escolarização formal de
criança ou adolescente, deixando, com isso, de delegá-la às instituições oficiais (públicas
ou particulares) de ensino. Importante destacar que, nesse modo de educação, a criança
ou adolescente aprende em sua residência as matérias que os demais aprendem na
escola, o que o diferencia do chamado "unschooling" (pais e responsáveis acreditam
que não deve haver qualquer forma de escolarização).
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Por conseguinte, no julgamento do Excelso Pretório, considerou-se que a


Constituição Federal veda 3 formas de ensino escolar:

➢ desescolarização radical,
➢ desescolarização moderada
➢ ensino domiciliar puro.

Isso porque elas afastam, de forma absoluta, o dever do Estado de participar


da educação.

Nesse contexto, a Constituição Federal não teria proibido, de forma absoluta,


o homeschooling. Na realidade, ele poderia ocorrer no Brasil se essa modalidade fosse
estabelecida pelo Congresso Nacional. Explica-se: o Homeschooling, atualmente,
depende de uma lei regulamentadora, isto é, que discipline os mecanismos de avaliação
e fiscalização, respeitando-se, com isso, os mandamentos constitucionais previstos nos
artigos 205 e 206, e em especial o artigo 208, §3º, todos da CF.

Ademais, a Constituição Federal exige o preenchimento de certos requisitos


para a educação, inclusive em eventual homeschooling, tais como: ensino básico
obrigatório entre 4 e 17 anos (art. 208, I, CF), a existência de núcleo mínimo curricular
(art. 210 CF) e a convivência comunitária e convivência familiar (art. 227 da CF).

Por fim, caso haja descumprimento da restrição estabelecida pelo STF pelos
pais ou responsáveis, haverá a possibilidade de responsabilização civil, inclusive havendo
a possibilidade de responsabilidade criminal, nos termos do art. 1634, I, do CC, combinado
com os artigos 22, 55, 56, 129 e 249, todos do ECA (Lei 8.096/90) e art. 6º da Lei 9.394/96.

APROVAÇÃO EM VESTIBULAR SEM A CONCLUSÃO DO ENSINO MÉDIO.

O art. 208, V, CF, verbera que é dever do Estado a educação mediante a


garantia de “acesso aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criação
artística, segundo a capacidade de cada um”.

No mesmo sentido, é a disposição do art. 54, V, do ECA. Os Tribunais, em


geral, não têm admitido a matrícula no ensino superior sem a conclusão do ensino médio,
pelo fato deste último constituir em etapa necessária e constante no edital do vestibular,
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SALVO SE O MOTIVO É ORIUNDO DE GREVE OU DE ATRASO NA EXPEDIÇÃO DO


CERTIFICADO.

No âmbito do STJ, a matéria, em regra, é submetida a julgamento após a


consolidação da situação fática de eventual liminar concedida em primeiro grau, sendo
aplicada a teoria do fato consumado. Ante a previsão do art. 38, § 1º, II, da LDBE, isolados
julgados de Tribunais de Justiça admitiram a realização de exame supletivo em razão do
princípio da razoabilidade e da previsão constitucional de acesso ao nível mais elevado,
segundo a capacidade de cada um, Todavia o STJ firmou o seguinte entendimento: 1.
Não é autorizado ao aluno de ensino médio, com menos de 18 anos, inscrever-se
em curso supletivo com o objetivo de obter certificado de conclusão e, assim,
ingressar em instituição de ensino superior na qual logrou êxito no exame de
vestibular.

Em um julgamento específico o STF também entendeu legal a exigência dos


requisitos para a realização do exame supletivo, mas no caso concreto, uma vez que a
realização da prova se deu por força de decisão judicial, considerou consolidado o fato. O
STF concedeu medida cautelar na ADI 2.667/DF para suspender a eficácia de lei distrital
que autorizava o fornecimento de certificado de conclusão de ensino médio para aluno do
3º ano do ensino médio, independentemente de frequência às aulas, que fosse aprovado
em curso superior.

DISCORRA SOBRE O APADRINHAMENTO

O programa de apadrinhamento era comum à realidade da Justiça da Infância


e da Juventude, mas não era previsto expressamente no ECA até o advento da Lei
nº 13.509/2017, que tratou do tema em seu art. 19-B e parágrafos.

Esse instituto consiste em proporcionar à criança e ao adolescente acolhidos


em entidade institucional ou em família acolhedora, vínculos externos, visando à
convivência familiar e comunitária e à colaboração com o seu desenvolvimento nos
aspectos social, moral, físico, cognitivo, educacional ou financeiro.

“Podem ser padrinhos ou madrinhas pessoas maiores de 18 (dezoito) anos não


inscritas nos cadastros de adoção, desde que cumpram os requisitos exigidos pelo
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programa de apadrinhamento de que fazem parte. Pessoas jurídicas podem


apadrinhar criança ou adolescente a fim de colaborar para o seu desenvolvimento”.

A intenção do legislador, ao afastar pessoa inscrita no cadastro de


adoção, foi evitar que pessoas habilitadas nos cadastros buscassem a formação de
vínculo com criança e adolescente em acolhimento, para, num segundo momento,
tentar a adoção, com possível burla à ordem cronológica.

Entretanto, quando se tratar de criança ou adolescente em situação de


acolhimento há muito tempo e sem interessados na sua adoção, nada impede que o
apadrinhamento seja realizado por pessoa inscrita no cadastro, podendo ser aplicado o
princípio do superior interesse da criança e do adolescente.

O apadrinhamento possibilita a criação de vínculo afetivo com a criança e


adolescente com remotas chances de adoção, de forma que essa aproximação poderá
resultar numa vontade de adoção por parte do padrinho ou da madrinha.

Assim, a análise do caso concreto e o princípio do melhor interesse sempre


devem nortear as decisões no âmbito da infância.

Há 2 espécies de apadrinhamento:

a) financeiro: é aquele que se caracteriza por uma contribuição financeira à


criança ou ao adolescente, conforme as suas necessidades, podendo ter como padrinho
pessoa física ou jurídica;

b) afetivo: é o decorrente da existência de vínculos afetivos entre o padrinho


(pessoa física) e o afilhado (criança ou adolescente acolhido institucionalmente ou em
família acolhedora). Tem por finalidade possibilitar que o afilhado tenha uma família que
lhe dispense tempo e afeto.

DISSERTE SOBRE O TEMA ALIENAÇÃO PARENTAL

Alienação Parental, também chamada de implantação de falsas memórias,


é tratada na Lei nº 12.318/2010, sendo definida no caput do art. 2º: “Considera-se ato de
alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente
promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança
ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância PARA QUE REPUDIE
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GENITOR OU QUE CAUSE PREJUÍZO AO ESTABELECIMENTO OU À MANUTENÇÃO


DE VÍNCULOS COM ESTE”.

A respeito do tema, oportuna a lição de Maria Berenice Dias: O filho é utilizado


como instrumento da agressividade, sendo induzido a odiar um dos genitores. Trata-
se de verdadeira campanha de desmoralização. A criança é levada a afastar-se de
quem ama e que também a ama. Este fenômeno manifesta-se principalmente no ambiente
da mãe, devido à tradição de que a mulher seria mais indicada para exercer a guarda dos
filhos, notadamente quando ainda pequenos. O alienador também pode ser o pai, em
relação à mãe ou ao seu companheiro. (...) Os resultados são perversos. São sujeitos
ativos aqueles que tenham a criança ou adolescente sob sua guarda. E passivo, o genitor.
A prática da alienação parental viola os seguintes direitos fundamentais do infante: direito
à convivência familiar; e direito à vida.

CLASSIFICAÇÃO DE GUARDA (KATIA REGINA FERREIRA LOBO ANDRADE


MACIEL)

1. Provisória - é aquela concedida no curso do processo, podendo ter prazo determinado


ou não;

2. Instrumental – é a deferida no curso da ação de adoção ou de tutela. Diz-se


instrumental porque serve como instrumento processual de finalidade mais ampla.
Todavia, não há possibilidade de guarda em processo de adoção por estrangeiro;

3. Definitiva – é a concedida ao final do processo de guarda. Embora definitiva, há


possibilidade de sua revogação/modificação.

4. Derivada – é a decorrente de processo de tutela no qual foi deferida a guarda em seu


curso.

5. Excepcional – é a que visa atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual


dos pais ou responsável.

6. De fato – é a situação daquele que não tem atribuição legal (pais) ou judicial para estar
na posse da criança ou adolescente
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7. Como medida protetiva ou estatutária – se dá quando a criança ou adolescente se


encontra em situação de risco e a autoridade judiciária aplica a guarda como forma de
colocação em família substitutiva.

8. Subsidiada ou por incentivo – é a guarda concedida para pessoa ou casal cadastrado


no programa de acolhimento familiar. Diz-se subsidiada ou por incentivo pois o ECA
estabelece que podem ser utilizados recursos federais, estaduais, distritais e municipais
para a manutenção dos serviços de acolhimento em família acolhedora, sendo facultado
o seu repasse.

9. Legal – ocorre quando a criança ou adolescente é acolhido institucionalmente e o


dirigente da entidade de acolhimento equipara-se a guardião.

A ADOÇÃO PERSONALÍSSIMA É ADMITIDA NO NOSSO ORDENAMENTO?

A adoção personalíssima, intuitu personae ou dirigida se caracteriza quando os


pais escolhem uma pessoa ou casal e entregam o seu filho para adoção.

Na maioria dos casos, o consentimento é somente da mãe, pois a criança não


possui pai declarado ou desconhecido. Esta modalidade de adoção é criticada por
parcela minoritária da doutrina, sob o argumento de burla ao cadastro de adoção,
pois uma pessoa não habitada seria contemplada em detrimento aos pretendentes
regularmente habilitados, além de poder ocasionar o mercado negro de adoção.

Por outro lado, a doutrina majoritária defende que deverá ser analisado o caso
concreto, realizado estudo psicossocial e aferido se há formação de vínculo de afinidade
e afetividade entre o infante e a pessoa ou casal escolhido pelos pais, no intuito de garantir
o melhor interesse da criança ou adolescente. Como reforço a esta tese, sustenta-se que
o art. 1729 CC, autoriza aos pais a escolha de tutor aos seus filhos em caso de morte, o
que não poderia impedir a entrega para a pessoa de sua confiança em vida.

Filiamo-nos à corrente majoritária, pois o cadastro de adoção não pode


constituir-se em obstáculo para o atendimento do melhor interesse do infante,
desde que não fique demonstrada má-fé dos pais e da pessoa detentora da guarda
de fato e que, no curso do processo, haja a comprovação de todos os requisitos
necessários para a habilitação no cadastro.
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O STJ tem julgados que garantem a observância do melhor interesse da


criança e do adolescente em confronto com a preferência estabelecida no cadastro de
adoção. Entretanto, se houver indícios de fraude ou suspeita de tráfico de criança, não há
como admitir a permanência desta com a “pessoa escolhida” pela mãe, sendo necessário
o acolhimento institucional, conforme entendimento do STJ.

O QUE É ADOÇÃO SEMIPLENA? E ADOÇÃO COLATERAL?

A adoção unilateral, singular ou semiplena é aquela na qual um dos cônjuges


ou companheiros resolve adotar o filho do outro. Esta modalidade de adoção pressupõe
a existência de casamento ou união estável entre o adotante e o genitor do adotado. Ou
seja, um filho não pode ser tolhido do(a) genitor(a) biológico(a) pelo simples fato de o outro
genitor constituir nova família e o seu companheiro,(a) pretender adotá-lo sem que exista
causa justificadora para a destituição do poder familiar.

Diz-se semiplena pois o adotado mantém os vínculos com o genitor


supérstite e há formação de nova relação somente com o adotante. A adoção
unilateral não se confunde com a adoção por uma pessoa sozinha, pois nesta há o
rompimento de todos os vínculos anteriores, enquanto naquela persistem os vínculos de
um genitor.

Em não havendo genitor registral, tem-se a adoção ALATERAL, pois


somente ocorrerá a inclusão do nome do adotante no campo de filiação da certidão de
nascimento do adotado. Caso o adotado seja registrado em nome dos pais, há
necessidade de consentimento do genitor para adoção pelo cônjuge ou companheiro do
outro genitor do infante.

No caso de o genitor ser falecido, há divergência sobre a necessidade de


inclusão se seus parentes no polo passivo:

1ª CORRENTE. A primeira corrente entende que não há


necessidade de inclusão dos sucessores do genitor falecido no polo
passivo, pois inexiste interesse processual, bastando o
consentimento do genitor supérstite e do infante, se for o caso.
ESTA É A NOSSA POSIÇÃO E HÁ JULGADO DO STJ NESSE
SENTIDO.
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2ªCORRENTE: A segunda corrente sustenta que há necessidade de


citação dos sucessores do genitor falecido na ação de adoção
unilateral, pois esta não pode “servir como subterfúgio para extinguir
da vivência do filho toda e qualquer ligação com o genitor que já
morreu”.

Aliás, o STF, em decisão monocrática, entendeu que há necessidade de


inclusão dos avós biológicos do genitor falecido, tendo em vista que “eventual
sentença de adoção altera a relação jurídica entre eles e os netos”. Contudo, nada
impede a manutenção do genitor biológico na certidão de nascimento do infante e o
acréscimo do nome do adotante também como pai ou mãe, desde que caracterizada a
relação de afetividade e afinidade do infante com o falecido e o adotante, resultando na
chamada multiparentalidade.

Em sede de repercussão geral, no julgamento do RE 898.060/SC, o STF


assentou a tese 622. Recente julgado do STJ, assinala que a multiparentalidade constitui
uma possibilidade e não uma obrigatoriedade, pois deve-se observar o princípio da
paternidade responsável, uma vez que somente será admissível se ficar provado o melhor
interesse do infante e a relação de socioafetividade entre os envolvidos.

DISSERTE SOBRE ADOÇÃO À BRASILEIRA

A chamada adoção de fato ou à brasileira é aquela na qual uma pessoa registra


criança de terceiro como se fosse seu filho. Tecnicamente, não se trata de adoção
propriamente dita, qualificando-se, inclusive, como o crime previsto no art. 242 do
CP.

Em regra, ocorre quando o infante não possui pai registral e o companheiro ou


o cônjuge da mãe comparece perante o Cartório de Registro Civil e o registra como seu
filho. Uma vez realizado o registro, o infante adquire o status de filho, não podendo haver
discriminação.

Caso se arrependa do ato, não será possível a sua anulação, tendo em vista a
ausência de erro ou falsidade do registro. E caso se demonstre um desses requisitos,
também deverá ser comprovada a ausência de socioafetividade entre as partes, sob pena
de improcedência do pedido.
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Por outro lado, o filho tem direito ao reconhecimento de seu estado biológico
de filiação, por constituir direito personalíssimo, indisponível e imprescritível,
consubstanciado ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, podendo
ajuizar ação de anulação de registro c.c. investigação de paternidade, de forma a
prevalecer a filiação biológica sobre a socioafetiva.

EFEITOS PESSOAIS E PATRIMONIAIS DA ADOÇÃO

A Adoção possui 3 efeitos de ordem pessoal: condição de filho; impedimento


matrimonial e nome. E 2 efeitos patrimoniais: direitos sucessórios e alimentos.

QUAIS SÃO OS REQUISITOS PARA A PRÁTICA DE ATO INFRACIONAL? QUAL


TEORIA ADOTADA PARA O MOMENTO DO CRIME?

A doutrina é pacífica no sentido de que o ato infracional resulta de uma


conduta típica e antijurídica. A divergência doutrinária reside quanto à existência de um
terceiro requisito: a culpabilidade (IPE), existindo duas correntes:

1ª. CORRENTE: O adolescente não preenche o requisito da


culpabilidade (imputabilidade), por ser pressuposto de aplicação da
pena. Portanto, a culpabilidade não integra o conceito de ato
infracional; e

2ª. Segunda corrente com a QUAL CONCORDAMOS, sustenta


que a culpabilidade é o juízo da censura ou de reprovação social
da conduta, sendo afastado apenas o elemento biológico da
imputabilidade penal. Assim, os demais elementos devem ser
considerados (potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de
conduta diversa), de forma que, presente excludente de
culpabilidade, não haverá ato infracional.

O ECA adotou a TEORIA DA ATIVIDADE, quanto ao momento da prática do


ato infracional, nos termos do art. 104, parágrafo único: “para os efeitos desta Lei, deve
ser considerada a idade do adolescente à data do fato”.

DISCORRA SOBRE O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NOS ATOS INFRACIONAIS


TEMAS INUSITADOS E JURISPRUDÊNCIA RECENTE – MPGO
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O princípio da insignificância resulta na excludente da tipicidade material


(ausência de lesão ao bem jurídico), restando configurada apenas a tipicidade formal
(conduta amolda-se ao tipo penal). É aplicável ao ato infracional praticado contra o
patrimônio, desde que, na esteira do STF, estejam presentes os seguintes requisitos:
(MARI)

▪ mínima ofensividade da conduta do adolescente;


▪ ausência de periculosidade social da ação;
▪ reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e
▪ inexpressividade da lesão jurídica comprovada.

No STF, o assunto é controvertido apenas na situação em que o


adolescente possui outros registros de atos infracionais, existindo julgados
favoráveis e contrários à aplicação do princípio da insignificância. O STJ é pacífico que a
reiteração de atos infracionais impede o reconhecimento deste princípio, diante da
existência de reprovabilidade do comportamento. ESTA É A POSIÇÃO QUE ADOTAMOS.

Quando se tratar de ato infracional de posse de droga para consumo próprio,


ainda que seja diminuta a quantidade, inviável a aplicação do princípio da insignificância,
por se tratar de crime de perigo abstrato. Do mesmo modo, incabível o princípio da
insignificância para ato infracional de ameaça, tendo em vista a periculosidade da ação.

A PRÁTICA DE ATO INFRACIONAL GERA MAUS ANTECEDENTES? PODE


JUSTIFICAR A DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA?

O ato infracional praticado antes da maioridade do imputável NÃO importa em


maus antecedentes. Todavia, o cometimento de ato infracional durante a adolescência,
segundo o STJ:

1 – PODE JUSTIFICAR A DECRETAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA para a garantia da


ordem pública. Os registros sobre o passado de uma pessoa, seja ela quem for, não
podem ser desconsiderados para fins cautelares. Seria, pois, indispensável que a
autoridade judiciária competente, para a consideração dos atos infracionais do então
adolescente, averiguasse:

➢ A particular gravidade concreta do ato ou dos atos infracionais, não bastando


mencionar sua equivalência a crime abstratamente considerado grave;
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➢ A distância temporal entre os atos infracionais e o crime que deu origem ao


processo (ou inquérito policial) no curso do qual se há de decidir sobre a
prisão preventiva;

➢ A comprovação desses atos infracionais anteriores, de sorte a não pairar dúvidas


sobre o reconhecimento judicial de sua ocorrência.

2 – AFASTA a possibilidade do reconhecimento do PRINCÍPIO DA


INSIGNIFICÂNCIA. Diante dessas consequências reconhecidas pela jurisprudência do
STJ, pode-se afirmar que a prática de ato infracional simplesmente não se apaga com a
maioridade do adolescente, pois serve como fundamento para a prisão preventiva e
rechaçar o princípio da insignificância.

QUAIS SÃO OS ARGUMENTOS UTILIZADOS PELA CORRENTE PRÓ E CONTRA A


REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL?

A primeira corrente entende que é possível, tendo em vista que referido artigo
não é cláusula pétrea por não se constituir materialmente em direito individual, tanto que
em outros países esta é a atingida antes dos 18 anos. Assim, por meio de EC, é possível
a redução da maioridade penal.

A segunda corrente sustenta que o art. 228 da CF é cláusula pétrea e, embora


não conste no art. 5º da CF, representa direito e garantia individual (art. 60, §4º, IV).
Portanto, qualquer EC tendente a promover a redução da maioridade é inconstitucional
(lembrar também da criança e adolescente como “ser humano em formação”, o que de
certa forma afasta a possibilidade de lhe imputar a responsabilidade pelo cometimento de
um crime).

O QUE É A MEDIDA DE SEMILIBERDADE? MEDIDA SEMILIBERDADE


INVERTIDA? LIMITE TEMPORÁRIO? EXISTE A MEDIDA DE SEMILIBERDADE
PROVISÓRIA?

Semiliberdade é a medida socioeducativa que implica na privação parcial da


liberdade do adolescente, equiparando-se com o regime aberto da LEP. Não se confunde
com a medida de internação, pois o adolescente apenas se recolhe no período noturno.
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Visa manter o adolescente segregado da liberdade, mas com plena integração familiar,
educacional e profissional.

Há quem defenda a existência da medida socioeducativa de semiliberdade


invertida, consistente na permanência do adolescente durante o dia na entidade de
atendimento, com o pernoite na residência de sua família. Pode ser aplicada “desde o
início, ou como forma de transição para o meio aberto”, decorrendo, daí, a sua forma
originária (sentença) ou derivada (progressão de medida).

A medida socioeducativa de semiliberdade possui a escolarização e a


profissionalização do adolescente como atividades externas obrigatórias, devendo,
sempre que possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade.

Embora preceitue no art. 120, § 2º, do ECA a inexistência de prazo determinado


na semiliberdade, o art. 42 da Lei do Sinase determina que a medida deve ser reavaliada
no máximo a cada 6 meses, e o seu limite de duração é 3 anos.

Há dissenso acerca da possibilidade de cumprimento provisório da


medida de semiliberdade imposta provisoriamente no curso do processo de
apuração de ato infracional ou na sentença.

Na doutrina, há posicionamento que defende o cumprimento provisório da


medida de semiliberdade na fase pré-sentencial. Isto porque o art. 108 autoriza a
decretação de internação provisória e, por consequência, entende-se possível aplicá-lo
também à semiliberdade, por ser menos restritiva.

De outra parte, no tocante à possibilidade de cumprimento imediato da medida


socioeducativa de semiliberdade imposta na sentença, mesmo que interposto recurso, a
jurisprudência do STJ mostra-se oscilante, existindo julgados em quatro sentidos:

1. impossibilidade do cumprimento provisório da medida de semiliberdade, na


hipótese em que o adolescente permaneceu em liberdade e na sentença houve a
imposição da medida, tendo em vista o duplo efeito do recurso de apelação;

2. possibilidade de a sentença determinar o imediato cumprimento da medida de


semiliberdade, porém, à semelhança da internação provisória, o prazo máximo é
de 45 dias;
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3. possibilidade do cumprimento imediato da semiliberdade, no caso em que o


adolescente permaneceu internado provisoriamente e na sentença foi imposta a
semiliberdade, por equivaler à confirmação dos efeitos da tutela antecipada; e

4. possibilidade de imediato cumprimento da medida de semiliberdade, ainda que o


adolescente tenha respondido o processo em liberdade e haja pendente recurso
de apelação, desde que, no caso concreto, a sentença demonstre a necessidade
da medida cautelar.

QUAIS SÃO OS TIPOS DE INTERNAÇÃO PREVISTOS NO ECA?

R.: São 3:

1. Internação por prazo indeterminado: ocorre nas hipóteses do art. 122,


incisos I e II. A sentença não fixa prazo determinado, ficando seu cumprimento limitado a
3 anos.

2. Internação-Sanção: inciso III, do art 122, e trata da situação em que há o


reiterado e injustificado descumprimento da medida socioeducativa imposta. A decisão
que impõe, fixa prazo certo, tendo 3 meses como limite temporal máximo.

3. Internação provisória: encontra fundamento no art. 108 e se dá na hipótese


em que haja indícios suficientes de autoria e materialidade, cumulados com a necessidade
da segregação cautelar do adolescente. O prazo máximo da medida é de 45 dias.

O QUE FAZER QUANDO O ADOLESCENTE NÃO COMPARECE À AUDIÊNCIA DE


JUSTIFICAÇÃO, QUANDO REGULARMENTE INTIMADO? E O QUE FAZER
QUANDO NÃO É ENCONTRADO PARA SER INTIMADO?

Quando regularmente intimado, segundo o STJ, é admissível a decretação da


internação-sanção, tendo em vista que foi oportunizada a sua defesa. E quando não é
encontrado, por estar em local incerto e não sabido, é possível a expedição de mandado
de busca e apreensão para possibilitar a realização da audiência de justificação,
oportunidade em que será decidida acerca da internação-sanção.
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APÓS O CUMPRIMENTO DE INTERNAÇÃO-SANÇÃO, O QUE OCORRE COM A


MEDIDA SOCIOEDUCATIVA ANTERIORMENTE APLICADA?

Há divergência doutrinária quanto a manutenção da medida socioeducativa


aplicada anteriormente, após o cumprimento desta restrição de liberdade, existindo 2
posições:

1ª. Entende que a internação-sanção tem natureza instrumental, de forma que


ela não substitui a medida socioeducativa imposta originariamente, cujo cumprimento se
reinicia após ultrapassado o prazo fixado para a internação-sanção;

2ª. Defende que, uma vez atingido o prazo máximo de 3 meses da internação-
sanção, há a extinção da medida socioeducativa incialmente imposta. ADOTAMOS A
SEGUNDA POSIÇÃO, haja vista que, se o adolescente cumpriu o período máximo da
internação-sanção, não se mostra proporcional a retomada do cumprimento da medida
inicialmente imposta. Aliás, se fosse adulto, o descumprimento da pena restritiva de direito
importaria na conversão por PPL, não subsistindo aquela pena. Logo, considerando que
não se pode dar tratamento mais gravoso ao adolescente infrator, não se justifica a
manutenção da medida reiteradamente descumprida.

O QUE FAZER NO CASO DE DESCUMPRIMENTO DA REMISSÃO? E NO CASO DE


DESCUMPRIMENTO DE MESMA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA?

Questão controvertida é sobre a possibilidade de aplicação da internação-


sanção na hipótese da medida socioeducativa decorrente da remissão, havendo dois
entendimentos:

1ª. Corrente: Afirma que o art. 127 prescreve: “A remissão não implica
necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece
para efeito de antecedentes”. Ademais, o art. 122, III, estabelece que o descumprimento
deve ser de medida anteriormente imposta e o que não ocorre com a remissão, na qual
há acordo sobre a medida socioeducativa. Assim, pondera que, em havendo seu
descumprimento, há necessidade da revogação da remissão e a retomada do
procedimento de apuração de ato infracional, sob pena de afronta ao devido processo
legal. Este é o POSICIONAMENTO DO STJ.
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2ª. Corrente: Sustenta que o art. 128 do ECA admite a revisão judicial da
remissão e a internação-sanção tem o caráter de coação do adolescente ao cumprimento
da medida, sob pena de impunidade. Portanto, caracterizado o descumprimento reiterado
e injustificado da medida socioeducativa cumulada com a remissão, cabível a referida
modalidade de internação.

COMUNGAMOS DO PRIMEIRO ENTENDIMENTO, uma vez que, em


similitude com a hipótese de descumprimento da transação penal (SV 35 STF), deve haver
a revogação da remissão e a retomada da marcha processual, sendo incabível a aplicação
da internação-sanção. Noutro giro, o STJ e a doutrina entendem que o prazo da
internação-sanção deve ser certo, cabendo ao juiz, analisadas as circunstâncias do caso
concreto, fixar o período da medida.

Também é controvertido na doutrina se o novo descumprimento da mesma


medida socioeducativa inicialmente imposta possibilita nova internação-sanção, existindo
2 correntes:

1ª. Defende que se houver novo descumprimento da medida socioeducativa


originariamente imposta, há possibilidade de renovação da internação-sanção.

2ª. Afirma que é possível a decretação de nova internação-sanção, desde que


respeitado o prazo máximo global de 3 meses da medida. FILIAMO-NOS A ESTA
CORRENTE, pois, segundo ressaltado acima, a internação-sanção perde a sua natureza
instrumental se o adolescente a cumpre pelo período máximo estipulado pelo
descumprimento da medida imposta inicialmente. Por último, se o adolescente cumpriu
medida socioeducativa de internação e progrediu para outra medida mais branda, porém,
a descumpriu reiterada e injustificadamente, também será possível a decretação da
internação-sanção.

PODE SER APLICADO MEDIDA DE INTERNAÇÃO A ADOLESCENTE COM


TRANSTORNO MENTAL?

Na hipótese de ficar demonstrado, no curso do processo de apuração de ato


infracional, que o adolescente infrator tem transtorno mental, o STJ entende que não é
possível, a medida socioeducativa de internação, uma vez que ele não tem condição
de assimilá-la, o que resultaria num caráter apenas retributivo e não pedagógico. Assim,
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o STJ já entendeu pela possibilidade de aplicação de medida de proteção de tratamento


ambulatorial ou hospitalar e medida socioeducativa de liberdade assistida associada à
medida de proteção de acompanhamento ambulatorial, pedagógico e familiar.

DISCORRA SOBRE O TEMA TRÁFICO DE DROGAS E INTERNAÇÃO DE


ADOLESCENTE.

Da leitura da Súmula 492 do STJ: “O ato infracional análogo ao tráfico de


drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de
internação do adolescente”, conclui-se que, em regra, o ato infracional análogo ao crime
de tráfico de drogas, por não envolver violência ou grave ameaça a pessoa, não admite a
medida socioeducativa de internação, sendo pacifica a jurisprudência do STJ,
possibilitando, todavia, a medida socioeducativa de semiliberdade.

No entanto, a súmula não afasta a possibilidade da decretação da medida de


internação nestes casos, tanto que o enunciado diz “por si só”. Logo, a aplicação desta
medida é admissível se houver outros elementos concretos da sua necessidade, como
ocorre quando o adolescente foi liberado recentemente pela prática de tráfico de drogas
e reiterou neste ato infracional.

Há doutrinadores que defendem a possibilidade de decretar a internação


mesmo que o adolescente não tenha passagem anterior, por considerarem que a conduta
do traficante representa uma violência contra a sociedade: “(...) A conduta infracional do
adolescente traficante não se caracteriza por uma violência física à pessoa, mas sim por
violência espiritual, moral, intelectual e social, agindo também como uma violência contra
a sociedade, que além de conviver com o traficante, passa também a conviver com as
vítimas do tráfico”.

Quando ocorrerá a suspensão da execução da medida socioeducativa?

A Lei do Sinase, em seus artigos esparsos, prevê as seguintes situações nas


quais a execução da medida socioeducativa será suspensa:

1. Não localização do adolescente: se dá quando o adolescente não é


encontrado para iniciar ou reiniciar o cumprimento da medida socioeducativa. Dessa
forma, para possibilitar o andamento da execução, há a expedição de mandado de busca
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e apreensão, com prazo de validade máximo de 6 meses, podendo ser renovado, se


necessário.

2. Impugnação da proposta de plano individual de atendimento (PIA): após


a confecção de referido plano, a autoridade judiciaria ouvira o defensor e o MP. Se houver
impugnação do PIA, em regra, não haverá a suspensão da sua execução, salvo decisão
judicial em contrário; e

3. Adolescente portador de transtorno mental ou associados: no curso da


execução, se sobrevier esta situação, o adolescente poderá ser incluído em programa de
atenção integral à saúde mental, de forma a atender aos objetivos terapêuticos
estabelecidos para o caso, nos termos do art. 64 da Lei do Sinase.

O fato de o adolescente infrator atingir a maioridade penal no curso do processo


de execução de medida socioeducativa acarreta sua extinção?

No que se refere às medidas socioeducativas de internação e semiliberdade,


não há discussão doutrinária e jurisprudencial, uma vez que, conforme expressa previsão
do ECA (arts. 120, §2º, e 121, § 5º), referidas medidas podem ser cumpridas até os 21
anos de idade.

Quanto às demais medidas socioeducativas de advertência, obrigação de


reparar o dano, PSC e LA (medidas em aberto), há 2 posições sobre o tema:

1ª. Afirma que o advento da maioridade penal acarreta a extinção das medidas
em meio aberto, haja vista que o legislador apenas excepcionou a aplicação do ECA aos
maiores de 18 anos e menores de 21 anos nos casos de internação e semiliberdade,
silenciando quanto aos demais.

2ª. Entende que a maioridade penal não extingue as medidas em meio aberto,
uma vez que não há qualquer sentido a legislação admitir a aplicação das medidas
socioeducativas mais severas (internação e semiliberdade) e proibir a imposição das mais
brandas (liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade). Além disso, afirma
que o art. 46 da Lei do Sinase não prevê como causa extintiva da medida socioeducativa
a maioridade do adolescente infrator, e os §§ 1º e 2º do aludido artigo reforçam a tese de
que as medidas podem ser aplicadas para o maior de 18 anos, uma vez que disciplina a
hipótese do adolescente que pratica crime após atingir a maioridade.
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O STJ, aprovou a súmula 605, em 2018, cujo teor: “A superveniência da


maioridade penal não interfere na apuração de ato infracional nem na aplicabilidade de
medida socioeducativa em curso, inclusive na liberdade assistida, enquanto não atingida
a idade de 21 anos”.

QUAIS OS POSICIONAMENTOS ACERCA DA APLICAÇÃO DE PRESCRIÇÃO DA


MEDIDA SOCIOEDUCATIVA?

Há 3 correntes:

1ª. Entende que a prescrição não tem incidência, pelos seguintes motivos: as
medidas socioeducativas têm caráter pedagógico-protetivo e, por consequência, não
possuem a mesma natureza jurídica das PRD, previstas no CP; e o ECA e a Lei do Sinase
não preveem o instituto da prescrição para as medidas socioeducativas.

2ª. Defende a aplicação da prescrição, pois as medidas socioeducativas são


protetivas, mas também têm a natureza retributiva e repressiva; os casos de
imprescritibilidade devem estar previstos em Lei, o que não ocorre com as medidas
socioeducativas; não se pode dar tratamento mais gravoso ao adolescente do que o
conferido ao adulto; o art. 46, V, da Lei do Sinase estipula que a medida socioeducativa
será declarada extinta “nas demais hipóteses previstas em lei”, o que engloba a
prescrição; e o art. 100, parágrafo único, VI, do ECA, que cuida das medidas de
proteção, também aplicável às medidas socioeducativas, explicita o princípio da
intervenção precoce, significando que “a intervenção das autoridades competentes deve
ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida”.

3ª. Pugna pelo entendimento de que, como a Lei do Sinase não contemplou a
prescrição dentre as causas extintivas das medidas socioeducativas, o único critério
biológico aplicável para sua extinção é o previsto no art. 121, § 5º, do ECA: “A liberação
será compulsória aos 21 anos de idade”. Portanto, essa corrente sustenta que a extinção
da medida socioeducativa não pode ocorrer por simples operação matemática, devendo
o juiz, no caso concreto, analisar a necessidade e utilidade e, uma vez reconhecida a
desnecessidade da medida, extingui-la por perda do caráter socioeducativo.

A despeito das diversas posições doutrinarias, CONCORDAMOS COM A


SEGUNDA CORRENTE, sendo este também o POSICIONAMENTO DO STF, pois o STF
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entendeu pela possibilidade da aplicação da prescrição nas medidas socioeducativas e


adotou como critério para o cálculo o prazo máximo previsto para o crime, reduzido pela
metade, face a menoridade do adolescente. Entendimento este, que o STJ já adotava
como se observa do trecho do voto do relator Min. Joaquim Barbosa: é justamente aquela
solução que o STJ adotou – considerar a pena máxima cominada ao crime pela norma
incriminadora pertinente, combinada com a redução à metade do prazo prescricional
prevista no art. 115. As causas impeditivas e interruptivas do prazo prescricional, previstas
no CC (arts. 116 e 117), têm incidência no cálculo da prescrição da pretensão em abstrato
e na pretensão executória, conforme pacífica jurisprudência do STJ.

DIFERENCIE PORTARIA DE ALVARÁ NO ECA. A PORTARIA DEVE TER


PROCEDIMENTO ESPECÍFICO? A PORTARIA É CONSTITUCIONAL? É POSSÍVEL O
ATO DE RECOLHER? QUAL RECURSO CABÍVEL DESSE INSTRUMENTO? CABE
MS?

O ECA garante o direito da criança e do adolescente de divertir-se. Entretanto,


em determinados eventos, o art. 149 possibilita à autoridade judiciária a competência
disciplinar, que poderá ser realizada mediante portaria ou alvará.

A portaria é ato administrativo que regulamenta determinado assunto


sobre entrada e permanência ou participação de crianças e adolescentes em
diversões públicas ou certos eventos.

Guilherme de Souza Nucci entende que não é possível a edição de portarias


pela autoridade judiciária, por ser inconstitucional o poder disciplinar conferido no art. 149.
Todavia, a doutrina majoritária e o STJ admitem portaria judicial para disciplinar as
hipóteses legais dos incisos I e II do art. 149.

Sobre a necessidade de procedimento judicial para a edição de portaria, há 2


posições doutrinárias:

1ª. Defende que há imprescindibilidade de procedimento judicial, observando-


se os arts. 152 e 153, a fim de garantir o contraditório e ampla defesa dos interessados,
havendo a participação do MP.

2ª. Sustenta que, para a edição de portaria, não há necessidade de


procedimento específico e de provocação, haja vista que a autoridade judicial exerce
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função típica de natureza administrativa e não jurisdicional, sendo o seu conteúdo restrito
à lei. ESTA É A NOSSA POSIÇÃO, MAS ENTENDEMOS QUE O MP TEM
LEGITIMIDADE para iniciar procedimento para disciplinar determinado evento, caso não
o faça a autoridade judiciária.

Dessa forma, na vigência do ECA, o TOQUE DE RECOLHER, que é decorrente


de portaria da Justiça da Infância e da Juventude e tem por objetivo a restrição do direito
de permanência e locomoção de crianças e adolescentes em ruas e logradouros públicos
desacompanhados dos pais ou responsável, por se tratar de ato genérico, abstrato e sem
fundamentação, é ILEGAL, segundo pacífica jurisprudência do STJ.

Noutro giro, o alvará é um ato administrativo que concede uma autorização


específica para alguém. Exemplo: organizador de um evento festivo ingressa com
pedido de alvará judicial para permitir o ingresso de crianças ou adolescentes,
desacompanhados dos pais ou responsável.

O descumprimento do alvará, da portaria ou dos incisos I e II do art. 149, implica


na infração administrativa descrita no art. 258.

Será cabível recurso de apelação das decisões que editam portaria ou


concedem alvará (art. 199). No mesmo sentido, o STJ já decidiu que contra edição de
portaria NÃO cabe Mandado de Segurança, pois há previsão de recurso específico.

Para se requerer a perda ou suspensão do poder familiar, o interessado ( afora o


MP) deve ter vínculo familiar ou parentesco?

A existência de vínculo familiar ou de parentesco não constitui requisito para a


legitimidade ativa do interessado na requisição da medida de perda ou suspensão do
poder familiar.

No procedimento para a perda ou a suspensão do poder familiar, depreende-


se do art. 155 do ECA uma legitimação ativa concorrente atribuída ao Ministério
Público e a quem tenha o legítimo interesse.

O legislador ordinário não procurou definir quem teria, em tese, o ''legítimo


interesse" para pleitear a medida, tampouco fixou requisitos estanques para a legitimação
ativa, tratando-se de efetivo conceito jurídico indeterminado.
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Em virtude disso, o legítimo interesse deve ser analisado com prudência, a


partir do caso concreto, sendo desarrazoado estabelecer, de plano, que o adotante, por
não possuir vínculo familiar com o menor, independentemente das circunstâncias fáticas
que permeiam a situação, seja considerada parte ilegítima para o pedido. Assim sendo, é
permitido ao julgador agir com certa discricionariedade para estabelecer quem, na
hipótese em concreto, com amparo nos princípios da proteção integral e melhor interesse
da criança possui o legítimo interesse para requerer a destituição do poder familiar.

É POSSÍVEL HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL DE RETIFICAÇÃO


DE REGISTRO CIVIL?

É inadmissível a homologação de acordo extrajudicial de retificação de registro


civil de menor em juízo sem a observância dos requisitos e procedimento legalmente
instituído para essa finalidade.

Ex: Sandro namorava Letícia, que ficou grávida. Ao nascer a criança, Sandro a
registrou como sua filha. Alguns anos depois, por meio de um exame de DNA feito em
uma clínica particular, descobre-se que o pai biológico da menor é, na verdade, João.
Diante disso, o pai registral, o pai biológico e a criança, representada por sua mãe,
celebraram um acordo extrajudicial de anulação de assento civil. Por intermédio deste
instrumento, as referidas partes acordaram que haveria a retificação do registro civil da
menor para que houvesse a substituição do nome de seu pai registral pelo pai biológico.
As partes ingressam com pedido para que o juiz homologasse esse acordo. O pedido
deverá ser negado. STJ. 3ª Turma. REsp 1.698.717-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado
em 05/06/2018 (Info 627).

Legitimidade do Ministério Público na tutela dos direitos individuais


homogêneos

É da Constituição Federal que se extrai, primordialmente, a legitimidade do


Ministério Público para a propositura de ações coletivas.

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função


jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
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Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (...)

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

Uma das grandes polêmicas quanto à legitimidade do Ministério Público é no


caso da defesa de direitos individuais homogêneos (os acidentalmente coletivos), uma
vez que eles são direitos patrimoniais disponíveis pertencentes a titulares individuais. Para
tanto, surgiram 4 posições doutrinárias tentando enfrentar tal questão, a saber:

a) Teoria restritiva: entende que o Ministério Público não tem legitimidade


para a defesa de direitos individuais homogêneos, ainda quando
apresentarem um interesse social.
b) Teoria restritiva absoluta: entende que o Ministério Público não tem
legitimidade para a defesa de nenhum direito individual homogêneo, pois o
artigo 129, III, da Constituição da República fala apenas de direitos difusos
e coletivos.
c) Teoria ampliativa: considera que o Ministério Público possui legitimidade
para a tutela de todos os direitos individuais homogêneos, pois estes são
subespécies dos direitos coletivos.
d) Teoria mista: entende nem sempre o interesse social se encontra presente
numa ação em que se veiculam direitos ou interesses individuais
homogêneos; PORÉM, nos casos em que o interesse social se faz presente
– sobretudo quando envolve um grande número de direitos individuais
lesados – a legitimação do Ministério Público é inafastável. Trata-se da
corrente majoritária, adotada tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência.

Outra questão polêmica relacionada à legitimidade do MP é no caso da


impetração do MS coletivo, uma vez que tanto a CF quanto a Lei n. 12.016/09 omitem tal
condição. Todavia, a doutrina tem firmado entendimento segundo o qual o membro
ministerial tem sim tal legitimidade, malgrado a omissão legal, por dois motivos:

1) a omissão na lei do MS deve ser preenchida pelas diversas leis pertencentes


ao microssistema do processo coletivo, que, em nome do diálogo das fontes normativas,
estabelecem exaustivamente a legitimidade do MP para as ações coletivas em geral;

2) se é possível ao Ministério Público lançar mão de qualquer ação, nas vias


ordinárias, para promover a tutela dos direitos coletivos, não há qualquer óbice também
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fazê-lo pela via do mandamus, mais célere e concentrada, caso detenha uma prova pré-
constituída dos fatos alegados, em aplicação ao art. 83 do CDC, que estabelece o
princípio da atipicidade da tutela coletiva.

Doutrina da situação irregular e Doutrina da proteção integral

Preliminarmente quando aos marcos legislativos, cumpria destacar que a


doutrina da situação irregular foi adotada pelo revogado Código de Menores, ao passo em
que a doutrina de proteção integral foi consagrada pela Constituição de 1988 e,
posteriormente, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

À luz da doutrina da situação irregular, o "menor" (termo utilizado na legislação


da época) era visto como uma categoria única, em contraposição à subdivisão entre
criança e adolescente preconizada pela doutrina da proteção integral; ainda, enquanto
para aquela o "menor" era visto como decorrência da matéria (criminal e civil), seja por
conta do grau de hierarquia objeto de regulação pelo direito, refletindo uma visão
patrimonialista das relações familiares fruto da codificação oitocentista, para esta (doutrina
da proteção integral), a criança e o adolescente passam a ser vistos como sujeitos de
direitos, dos mesmos assegurados aos adultos, além, ainda, daqueles ínsitos à condição
especial de indivíduos em desenvolvimento.

Há, de igual modo, uma diversidade no tratamento dos problemas relacionados


à infância e à juventude: enquanto para a doutrina da situação irregular são objeto de
atenção apenas os "menores" que se encontrem em situação irregular, abrangendo este
conceito os infratores e aqueles que estejam em situação de risco, sem distinção de
tratamento entre ambos os casos, os quais, no mais das vezes estão associados a
questões econômicas (sinônimo informar entre pobreza e situação irregular), com a
doutrina da proteção integral passa-se a diferenciar o adolescente infrator do infante que
se encontra em situação de risco, destinando, àqueles, as medidas socioeducativas e, a
estes, as medidas de proteção.

Assim é que a institucionalização, que era a regra para a doutrina da situação


irregular, misturando em instituições de acolhimento infratores e infantes em situação de
risco, passa a ser a exceção na doutrina da proteção integral, que a utiliza apenas como
última alternativa e de modo transitório, com a completa separação entre adolescentes
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infratores e infantes em situação de risco, destinando espaço adequado à aplicação das


medidas distintas a cada uma das hipóteses referidas.

Percebe-se que a doutrina da proteção integral implica em alargamento da


regulamentação do tema correlato quando comparada com a doutrina na situação
irregular, pois ao passo em que, para esta, interessa ao direito apenas o "menor" em
situação irregular, para aquela, todo e qualquer criança e adolescente será destinatário
da proteção jurídica conferida. Outra marcante alteração diz respeito aos órgãos de
atuação na proteção da infância e juventude; isso porque enquanto na vigência do Código
de Menores a solução das controvérsias era preponderantemente jurisdicional, pois
operacionalizada pelo Juiz de Menores, após a edição da Constituição de 1988 e do ECA,
passou a ser de cunho preponderantemente administrativo, sob a fiscalização do
Ministério Público, relegada ao Conselho Tutelar e a toda uma rede de proteção formada
por instituições públicas e privadas voltadas à proteção integral, somente justificando a
atuação judicial quando inviável a sua solução nestas instâncias ou quando relacionada à
restrição de direitos fundamentais (aplicação de medidas socioeducativa pela prática de
ato infracional ou limitação da convivência familiar nas hipóteses de suspensão ou
destituição do poder familiar).

RACISMO AMBIENTAL

O racismo ambiental pode ser conceituado como as políticas e práticas que


prejudicam predominantemente grupos étnicos vulneráveis. No modelo atual de
desenvolvimento, as ações que promovem a destruição do ambiente e o desrespeito à
cidadania afetam, de maneira direta, comunidades indígenas, pescadores, populações
ribeirinhas e outros grupos tradicionais.

O racismo ambiental se manifesta na tomada de decisões e na prática de ações


que beneficiam grupos e camadas mais altas da sociedade, que atuam dentro da lógica
econômica vigente.

Neste contexto, projetos de desenvolvimento são implantados em regiões onde


vivem comunidades tradicionais, sem que haja a preocupação com os impactos
ambientais e sociais para estes grupos. Fábricas que exploram matéria-prima, aterros
sanitários, incineradoras e indústrias poluidoras colocadas próximas às regiões onde
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vivem grupos economicamente desfavorecidos, são alguns exemplos de ações que


caracterizam o racismo ambiental.

Esse fenômeno tem grande impacto no desenvolvimento social e na qualidade


de vida da população nos países em desenvolvimento.

No Brasil, o mapa do racismo ambiental revela a realidade de degradação


social provocada, principalmente, por projetos e ações desenvolvimentistas. Exemplos:
Violência contra quilombolas que vivem próximos à base de Alcântara; a luta de grupos
indígenas da Amazônia contra o turismo predatório, bem como os resíduos de chumbo
deixados por uma fábrica instalada em Santo Amaro da Purificação nos anos 60.

O que é a despolarização da demanda?


(caiu na segunda fase do MPGO – 2014)

Também denominada pela doutrina de “intervenção móvel”, “migração


pendular” ou, ainda, “legitimidade bifronte”. Trata-se da possibilidade da pessoa
jurídica interessada, em ações coletivas, cujo ato seja objeto de impugnação, abster-se
de contestar a ação e atuar ao lado do autor desde que essa opção seja tomada com a
finalidade de garantir a observância do interesse público (STJ, REsp 1391263/SP). Nota-
se que o único requisito é que tal interesse jurídico coincida com o interesse público.

Estamos diante de uma quebra de regra da estabilidade subjetiva do processo


em favor do interesse público. Por isso, ocorre uma “despolarização da demanda”, com a
mudança de polo de uma dar partes.

A intervenção móvel está prevista expressamente no art. 6º, §3º, da Lei


4717/65 (Lei da Ação Popular) e também na Lei de Improbidade Administrativa (art. 17,
§3º).

Mas e as ações civis públicas? Embora não haja previsão expressa, segundo
a doutrina e a jurisprudência do STJ, a regra é extensível a todo o microssistema do
processo coletivo (o art. 5º, §2º, da Lei 7.347/85 confere autorização para a intervenção
móvel). Segundo o STJ, justamente em razão do interesse público, pode-se dizer que a
regra se aplica a todo microssistema. No REsp 791.042/PR, a Corte Cidadã reconheceu
a possibilidade da intervenção móvel nas ações civis públicas, utilizando o microssistema.
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A intervenção móvel é aplicável às pessoas jurídicas de direito PRIVADO?


Sim. O dispositivo está inserido no modelo que vem sendo desenvolvido para a atuação
nas causas que envolvam o interesse público, um modelo de “compliance”. A Lei
12.846/13, ao prever o acordo de leniência (art. 16), estimula a pessoa jurídica a colaborar
com os órgãos públicos no interesse público. a intervenção móvel é uma das maneiras
que a legislação dispõe para estimular essa atuação ao lado do interesse público.

Por fim, segundo o STJ, a ausência de citação da pessoa jurídica interessada,


por se tratar de hipótese de litisconsórcio facultativo, não é causa de nulidade processual,
considerando o princípio da instrumentalidade das formas (STJ, REsp 886524/SP).

No que consiste a “liquidação imprópria” (no âmbito do direito


coletivo)?
(caiu na segunda fase do MPSC – 2013)

Liquidação imprópria é a modalidade de liquidação nas ações coletivas para a


reparação de danos envolvendo direitos individuais homogêneos, quando procedente
a sentença, caso em que deverão ser apurados a titularidade do crédito e o “quantum
debeatur”.

Ressalta-se que a sentença condenatória nas ações coletivas em prol dos


interesses individuais homogêneos tem seu âmbito cognitivo restrito ao NÚCLEO DE
HOMOGENEIDADE DESSES DIREITOS, ou melhor, ela somente define a situação fático-
jurídica que é comum a todos os lesados (existência do evento lesivo, o responsável por
tal evento e a obrigação de ele indenizar as vítimas do evento). A sentença não adentra
nas situações individuais dos lesados, razão pela qual trata-se de uma SENTENÇA
CONDENATÓRIA GENÉRICA, cujo conteúdo precisa ser complementado via liquidação,
antes de ser executado.

Mas ATENTE para a diferença:

• Nas sentenças condenatórias genéricas do processo tradicional,


incumbe ao interessado, na fase de liquidação, demonstrar
simplesmente o “quantum debeatur”, ou seja, qual o valor a ser
executado;
• Diferentemente, na liquidação de sentenças coletivas que geram a
obrigação de indenizar os titulares de direitos individuais homogêneos
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lesados, os interessados (vítimas ou sucessores) devem comprovar não


apenas o “quantum debeatur”, mas TAMBÉM a própria condição de
vítima do evento reconhecido na sentença, uma vez que a sentença
condenatória não identifica cada uma das vítimas do evento. Em razão
disso, a liquidação dessas sentenças coletivas é denominada por
Dinamarco como “liquidação imprópria”.

É válida a cláusula prevista em contrato de seguro-saúde que autoriza


o aumento das mensalidades quando o usuário completar 60 anos de
idade?

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, em regra, é VÁLIDA a cláusula


prevista em contrato de seguro-saúde que autoriza o aumento das mensalidades do
seguro quando o usuário completar 60 anos de idade. No entanto, deve ser aferida a sua
compatibilidade com a boa-fé objetiva e a equidade em cada caso concreto.

Entretanto, NÃO será considerada válida, ou melhor, a cláusula será ABUSIVA


quando:

• não respeitar os limites e requisitos estabelecidos na Lei n.° 9.656/98;


ou
• aplicar índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em
demasia o segurado. (STJ. 4ª Turma. REsp 1.381.606-DF, Rel.
originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. João Otávio De
Noronha, julgado em 7/10/2014 – Info 551).

Mas e o art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso que dispõe ser vedada a
discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores
diferenciados em razão da idade? Para o STJ, não se pode interpretar de forma
absoluta o art. 15, § 3º, do EI, ou seja, não se pode dizer que, abstratamente, todo e
qualquer reajuste que se baseie na idade será abusivo. O que o Estatuto do Idoso quis
proibir foi a discriminação contra o idoso, ou seja, o tratamento diferenciado sem qualquer
justificativa razoável.

Ademais, a Lei n.° 9.656/98 (Lei dos Planos e Seguros Privados de Saúde)
previu expressamente a possibilidade de que a mensalidade do seguro-saúde sofra
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aumentos a partir do momento em que o segurado mude sua faixa etária, estabelecendo,
contudo, algumas restrições a esses reajustes (art. 15).

Embora o Estatuto do Idoso seja POSTERIOR à Lei 9.656/98, decidiu o STJ


que deve-se encontrar um ponto de equilíbrio entre a Lei dos Planos de Saúde e o Estatuto
do Idoso, a fim de se chegar a uma solução justa para os interesses em conflito.

Por fim, segundo o STJ é desnecessária a intervenção do MP, na qualidade de


fiscal da lei, em demandas que não envolvam direitos coletivos ou em que não haja
exposição de idoso aos riscos previstos no artigo 43 do EI (AgRg no AREsp 755.993).

Teoria do “caveat emptor” no Direito do Consumidor

“Caveat emptor” significa o consumidor que se cuide. Ou seja, impõe ao


consumidor o dever de se acautelar em relação às informações de um determinado
produto.

Tal teoria NÃO é adotada pelo CDC. Isso porque, atualmente, é direito básico
do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços,
com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço,
bem como sobre os riscos que apresentem (art. 6º, III, do CDC). Ademais, o dever de
informar é considerado um dever anexo decorrente da função integrativa da boa-fé
objetiva, uma necessidade social que se tornou um autêntico ônus proativos.

O tema foi abordado pelo STJ, que assim decidiu: Ainda que haja abatimento
no preço do produto, o fornecedor responderá por vício de quantidade na hipótese em que
reduzir o volume da mercadoria para quantidade diversa da que habitualmente fornecia
no mercado, SEM INFORMAR na embalagem, de forma clara, precisa e ostensiva, a
diminuição do conteúdo. STJ. 2a Turma. REsp 1.364.915-MG, Rel. Min. Humberto
Martins, julgado em 14/5/2013. Entendeu-se que a informação prestada ao consumidor
não foi feita de forma clara, precisa e ostensiva. O direito à informação encontra
fundamento na CF/88 (art. 5o, XIV). Ademais, o CDC o prevê como sendo um direito
básico do consumidor (art. 6o, III).

O direito à informação confere ao consumidor uma escolha consciente,


permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de fato
atingidas. Trata-se do “consentimento informado ou vontade qualificada”.
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Finalmente, segundo a Corte Cidadã, o dever de informar é considerado um


modo de cooperação, uma necessidade social que se tornou um autêntico ônus pró-ativo
incumbido aos fornecedores (parceiros comerciais, ou não, do consumidor), pondo fim à
antiga e injusta obrigação que o consumidor tinha de se acautelar (caveat emptor). Nota-
se que o dever de informar não é tratado como mera obrigação anexa, e sim como dever
básico, essencial e intrínseco às relações de consumo.

“FLUID RECOVERY”

O art. 100 do CDC prevê a denominada “fluid recovery” (reparação fluída), ou


execução coletiva residual, que consiste na atribuição ao legitimado ativo para a
propositura da ação coletiva, da legitimidade ativa para promover a liquidação e o
cumprimento da sentença, quando não tiverem sido promovidas execuções individuais
suficientes para reparar o dano no prazo de um ano (a contar do trânsito em julgado da
sentença condenatória): “Decorrido o prazo de 1 ano sem habilitação de interessados em
número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover
a liquidação e execução da indenização devida”.

Qualquer um dos legitimados ativos para a ação coletiva também possui


legitimidade ativa para a execução na “fluid recovery” (ainda que não seja o autor da
demanda), o que consiste igualmente em uma legitimação concorrente.

Busca-se, com a “fluid recovery”, promover a reparação integral dos danos


e evitar o enriquecimento sem causa do causador do dano. Há, portanto, um caráter
PUNITIVO dessa espécie de liquidação e cumprimento de sentença, porque visa produzir
consequências jurídicas contra o ato ilícito, inibir a sua continuidade ou reiteração e
impedir a obtenção indevida de ganhos com a sua prática.

O prazo anual é decadencial? De acordo com Grinover, não. Mesmo que já


apurado e executado o débito a título de “fluid recovery”, enquanto não transcorrido o
prazo prescricional de sua pretensão individual, a vítima poderá promover individualmente
a liquidação e execução de seu crédito.

Sobre o assunto, entende o STJ que (...) “a reparação fluida (fluid recovery)
constitui específica e acidental hipótese de execução coletiva de danos causados a
interesses individuais homogêneos, instrumentalizada pela atribuição de legitimidade
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subsidiária aos substitutos processuais do art. 82 do CDC para perseguirem a indenização


de prejuízos causados individualmente aos consumidores, com o objetivo de preservar a
vontade da Lei e impedir o enriquecimento sem causa do fornecedor” (REsp 1741681/RJ,
julgado em 23/10/2018).

RECOMENDAÇÃO E A FUNÇÃO OMBUDSMAN 1

O Promotor de Justiça deve deixar de lado a sua atuação como “despachante


processual” e voltar os olhos para o cumprimento da missão que a sociedade dele exige.
Priorizando a atividade extrajudicial na defesa dos interesses coletivos e assumindo papel
de verdadeiro ombudsman da sociedade.

O novo perfil constitucional do Ministério Público faz com que Marcelo Pedroso
Goulart defenda a existência de dois modelos de Ministério Público: o demandista e o
resolutivo. O Ministério Público demandista, o qual ainda prevalece, é o que atua
perante o Poder Judiciário como agente processual, transferindo a esse órgão a resolução
de problemas sociais. Por outro lado, o Ministério Público resolutivo é aquele que atua
na solução de conflitos sociais, no âmbito da própria Instituição e em parceria com a
sociedade, sem a necessidade de recorrer ao Poder Judiciário, já tão assoberbado.

Nesse último cenário, as recomendações constituem importante instrumento


de que dispõe o Ministério Público no exercício de suas funções constitucionais, vez que
podem acarretar a resolução consensual do conflito e, portanto, evitar a judicialização.

Se as recomendações forem emitidas dentro de limites de razoabilidade e bom


senso, normalmente serão atendidas, dando ensejo, inclusive, ao imediato arquivamento
do inquérito civil instaurado. Quando não atendidas, constituem importante instrumento
para caraterização do elemento subjetivo que, em regra, é imprescindível para efeito de
prova em torno do dolo ou da culpa do agente público responsável pela ação ou pela
omissão, impedindo que a alegação de ‘não conhecimento do fato’ sirva de defesa durante
um processo judicial.

O poder recomendatório do MP expressa o que a doutrina denomina de


“função ombudsman da instituição”. Trata-se da face ativa do MP, no exercício da

1
pessoa encarregada pelo Estado de defender os direitos dos cidadãos, recebendo e investigando queixas e denúncias
de abuso de poder ou de mau serviço por parte de funcionários ou instituições públicas.
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função de ombudsman, isto é, de procurador dos direitos fundamentais e do interesse do


cidadão e da coletividade. As recomendações podem ser dirigidas a pessoas naturais,
jurídicas, públicas ou privadas, órgão e outros entes despersonalizados, dando ensejo à
responsabilização, quando for o caso, por seu descumprimento.

Características do ombudsman ou defensor del Pueblo:

b) independência institucional ou individual;


c) proteção das pessoas do povo e tutela dos seus direitos em face dos
equívocos, insultos, negligências e decisões administrativas injustas
adotadas pela Administração Pública. Sua atividade é uma nova forma de
institucionalização de garantias e se dá através da conexão entre o Estado
e a sociedade civil.

A função mais importante do ombudsman é exercer o controle, mediante a


fiscalização externa e independente, da atividade das autoridades estatais a partir de
reclamações dos cidadãos contra a ação dos órgãos públicos e em defesa dos direitos e
liberdades. Inclui:

• conduzir investigações;
• providenciar recomendações;
• restaurar, a partir das várias formas de atuação, inclusive a autocomposição
e as ações judiciais, os direitos fundamentais;
• submeter propostas de alterações legislativas para melhorar e tornar mais
efetiva a tutela do direito.

A Deep pocket doctrine (“teoria do bolso profundo”)


é aplicada na seara da responsabilidade civil ambiental?
A deep pocket doctrine é um jargão forense que busca dar solução para os
casos nos quais existem muitas responsabilidades solidárias e dificilmente se pode chegar
à definição sobre ‘quão responsável é cada responsável’. Os tribunais, com vista a não
deixar que a vítima permaneça sem os devidos ressarcimentos, escolhem aquele que é o
mais saudável financeiramente e transferem para ele toda a responsabilidade econômica
decorrente da indenização.
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Ressalta-se que essa tendência está cristalizada em nossa jurisprudência, pois


os tribunais seguidamente negam denunciação da lide em questões ambientais,
afirmando que a discussão entre os possíveis responsáveis é matéria privada e que não
pode retardar a reparação dos danos ao meio ambiente e o pagamento das respectivas
indenizações.

Ademais, a impossibilidade de denunciação da lide em demandas ambientais


é reconhecida inclusive pelo STJ, a saber:

(...) pacífico o entendimento desta Corte Superior a respeito da impossibilidade de


denunciação à lide quando a relação processual entre o autor e o denunciante é
fundada em causa de pedir diversa da relação passível de instauração entre o
denunciante e o denunciado, à luz dos princípios da economia e celeridade
processuais. Precedentes. 3. Na espécie, a responsabilidade por danos ao meio
ambiente é objetiva e a responsabilidade existente entre os pretensos denunciante
e denunciado é do tipo subjetiva, razão pela qual inviável a incidência do art. 70,
inc. III, do CPC. (AgRg no Ag 1213458/MG).

Portanto, é possível a aplicação da teoria do deep pocket doctrine no que tange


à responsabilidade civil ambiental, sendo plenamente possível que se ajuíze a demanda,
embora existam vários poluidores, apenas em face do poluidor mais saudável
financeiramente.

DIREITO PROCESSUAL COLETIVO COMUM x ESPECIAL

Parte da doutrina, com destaque para o jurista e membro do MPMG, Gregório


Assagra de Almeida, divide o direito processual coletivo em dois ramos: direito
processual coletivo COMUM e direito processual coletivo ESPECIAL.

Processo coletivo especial: objeto de estudo do direito constitucional, é o


referente as ações objetivas para controle abstrato de constitucionalidade no Brasil (tutela
um “interesse coletivo objetivo legítimo”), a exemplo da ADI, dados os efeitos erga omnes
que lhes são característicos.

Processo coletivo comum: objeto de estudo do processo coletivo, este se


presta as ações para a tutela dos interesses metaindividuais que não se relacionam ao
controle abstrato de constitucionalidade. Em verdade, ação coletiva comum é toda aquela
que não é dirigida ao controle abstrato de constitucionalidade (visa {A resolução de “um
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ou vários conflitos coletivos surgidos no plano da concretude”). São exemplos Ação Civil
Pública (lei 7.347/85); a Ação Coletiva prevista no CODECON; a Ação Popular (lei
4.717/65); a Ação de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) e o Mandado de
Segurança Coletivo (Lei 12.016).

EFEITO SINÉRGICO NO DIREITO AMBIENTAL

Os “efeitos sinérgicos” significam que o dano ambiental pode ser resultado de


várias causas concorrentes – simultâneas ou sucessivas – dificilmente tendo como uma
única e linear fonte, levando à pulverização/dispersão da própria ideia de nexo de
causalidade com o dano, podendo ser atribuído a uma multiplicidade de causas, fontes
e comportamentos.

Com efeito, há certas atividades que, tomadas isoladamente, são incapazes de


causar, de per si, prejuízo ambiental, entretanto, em contato com outros fatores ou
substâncias esses agentes se transformam, de imediato, em vilões, por um processo de
reação em cadeia.

Ressalta-se, ademais, que os “efeitos sinérgicos” dos danos ambientais


também justificam a adoção da teoria da responsabilidade objetiva, além de lastrear a
teoria da equivalência dos antecedentes para identificar o nexo causal entre a conduta e
o resultado danoso.

A responsabilidade administrativa ambiental é de natureza subjetiva

A aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade


objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à
sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado
transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo
causal entre a conduta e o dano. Assim, a responsabilidade CIVIL ambiental é objetiva;
porém, tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, a responsabilidade é
SUBJETIVA. STJ. 1ª Seção. EREsp 1318051/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques,
julgado em 08/05/2019 (Info 650).
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Ainda que a iniciativa pelo descredenciamento tenha partido da clínica médica, o


plano de saúde tem o dever de comunicar esse fato aos consumidores e à ANS com
30 dias de antecedência e o dever de substituir a entidade conveniada por outra
equivalente. A operadora de plano de saúde só poderá validamente alterar a lista de
conveniados, ou seja, só poderá fazer o descredenciamento de estabelecimentos
hospitalares, clínicas médicas, laboratórios, médicos e outros serviços, se cumprir dois
requisitos legais previstos no art. 17 da Lei nº 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde): a)
deverá substituir a entidade conveniada que saiu por outra equivalente, de forma a manter
a qualidade dos serviços contratados inicialmente; e b) deverá comunicar os
consumidores e à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) com 30 dias de
antecedência. Esses dois deveres existem mesmo que a iniciativa pelo
descredenciamento tenha partido de clínica médica. STJ. 1ª Turma. REsp 1561445-SP,
Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/08/2019 (Info 654).

Paciente que fez o procedimento em hospital não credenciado deve ser ressarcido,
pelo plano de saúde, em relação às despesas que teve, segundo a tabela de valores
do plano, mesmo que não fosse um caso de urgência ou emergência. É cabível o
reembolso de despesas efetuadas por beneficiário de plano de saúde em estabelecimento
não contratado, credenciado ou referenciado pela operadora ainda que a situação não se
caracterize como caso de urgência ou emergência, limitado ao valor da tabela do plano
de saúde contratado. O art. 12, VI, da Lei nº 9.656/98 afirma que o reembolso de despesas
médicas realizadas em hospital não credenciado ocorre em casos de urgência ou
emergência. O STJ, contudo, confere uma interpretação mais ampliativa desse
dispositivo, afirmando que as hipóteses de urgência e emergência são apenas exemplos
(e não requisitos) desse reembolso. STJ. 3ª Turma. REsp 1760955-SP, Rel. Min. Nancy
Andrighi, julgado em 11/06/2019 (Info 655).

A instituição financeira responde por vício na qualidade do produto ao emitir


comprovantes de suas operações por meio de papel termossensível. A instituição
financeira, ao emitir comprovantes de suas operações por meio de papel termossensível,
acabou atraindo para si a responsabilidade pelo vício de qualidade do produto. Isso
porque, por sua própria escolha, em troca do aumento dos lucros - já que a impressão no
papel térmico é mais rápida e bem mais em conta -, passou a ofertar o serviço de forma
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inadequada, emitindo comprovantes cuja durabilidade não atendem as exigências e as


necessidades do consumidor, vulnerando o princípio da confiança. É da natureza
específica do tipo de serviço prestado emitir documentos de longa vida útil, a fim de
permitir que os consumidores possam, quando lhes for exigido, comprovar as operações
realizadas. A “fragilidade” dos documentos emitidos em papel termossensível acaba por
ampliar o desequilíbrio na relação de consumo, em vista da dificuldade que o consumidor
terá em comprovar o seu direito pelo desbotamento das informações no comprovante.
STJ. 4ª Turma. REsp 1414774/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/05/2019
(Info 650).

O transporte em quantidade excessiva de madeira, não acobertada pela respectiva


guia de autorização, legitima a apreensão de toda a mercadoria. A empresa “Alta Vista
Ltda.” estava transportando toras de madeira quando foi parada em uma fiscalização do
IBAMA. Os servidores da autarquia ambiental constataram que a empresa estava
transportando madeiras serradas em desacordo com a nota fiscal e com a licença de
transporte que possuía. A empresa estava transportando 4.000 m3 de madeira a mais do
que estava autorizada. Isso significa que ela estava transportando cerca de 10% a mais
da carga que poderia. A legislação ambiental prevê a lavratura de auto de infração e a
apreensão da carga. Indaga-se: deverá ser apreendida a carga toda (todas as madeiras)
ou apenas aquelas que excederam a autorização prevista na guia de transporte? A carga
inteira. A gravidade da conduta de quem transporta madeira em descompasso com a
respectiva guia de autorização não se calcula com base apenas no quantitativo em
excesso. Essa infração compromete a eficácia de todo o sistema de proteção ambiental.
Logo, a medida de apreensão deve compreender a totalidade da mercadoria transportada.
STJ. 2ª Turma. REsp 1784755-MT, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 17/09/2019 (Info
658).

É inconstitucional lei estadual que prevê a supressão de vegetal em APP para a


realização de atividades exclusivamente de lazer. É inconstitucional lei estadual
prevendo que é possível a supressão de vegetal em Área de Preservação Permanente
(APP) para a realização de “pequenas construções com área máxima de 190 metros
quadrados, utilizadas exclusivamente para lazer”. Essa lei possui vícios de
inconstitucionalidade formal e material. Há inconstitucionalidade formal porque o Código
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Florestal (lei federal que prevê as normas gerais sobre o tema, nos termos do art. 24, §
1º, da CF/88) não permite a instalação em APP de qualquer tipo de edificação com
finalidade meramente recreativa. Existe também inconstitucionalidade material porque
houve um excesso e abuso da lei estadual ao relativizar a proteção constitucional ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, cujo titular é a coletividade, em face do direito de
lazer individual. STF. Plenário. ADI 4988/TO, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em
19/9/2018 (Info 916).

Quando o art. 122, II, do ECA prevê que o adolescente deverá ser internado em caso
"reiteração no cometimento de outras infrações graves" não se exige um número
mínimo. O ECA não estipulou um número mínimo de atos infracionais graves para
justificar a internação do menor infrator com fulcro no art. 122, II, do ECA (reiteração no
cometimento de outras infrações graves). Logo, cabe ao magistrado analisar as
peculiaridades de cada caso e as condições específicas do adolescente a fim de aplicar
ou não a internação. A depender das particularidades e circunstâncias do caso concreto,
pode ser aplicada, com fundamento no art. 122, II, do ECA, medida de internação ao
adolescente infrator que antes tenha cometido apenas uma outra infração grave. Está
superado o entendimento de que a internação com base nesse dispositivo somente seria
permitida com a prática de no mínimo 3 infrações. STF. 1ª Turma. HC 94447, Rel. Min.
Luiz Fux, julgado em 12/04/2011. STJ. 5ª Turma. HC 457.094/SP, Rel. Min. Joel Ilan
Paciornik, julgado em 04/10/2018. STJ. 6ª Turma. AgInt no AREsp 1283377/MS, Rel. Min.
Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 21/08/2018.

Inaplicabilidade do art. 942 do CPC/2015 quando a decisão não unânime for


favorável ao adolescente. A técnica de julgamento do art. 942 é aplicada no caso de
apelação não unânime em processo no qual se apura a prática de ato infracional por
adolescente? 5ª Turma do STJ: SIM Admite-se a incidência do art. 942 do CPC/2015 para
complementar o julgamento da apelação julgada por maioria nos procedimentos relativos
ao estatuto do menor. STJ. 5ª turma. AgRg no REsp 1673215-RJ, Rel. Min. Reynaldo
Soares da Fonseca, julgado em 17/05/2018 (Info 627). 6ª Turma do STJ: DEPENDE • Se
a decisão não unânime foi favorável ao adolescente infrator: não se deve aplicar o
art. 942 do CPC/2015. • Se a decisão não unânime foi contrária ao adolescente
infrator: deve-se aplicar o art. 942. É inaplicável a técnica de julgamento prevista no
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artigo 942 do CPC/2015 nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude


quando a decisão não unânime for favorável ao adolescente.A aplicação da técnica de
julgamento prevista no art. 942 do CPC, quando a decisão não unânime for favorável ao
adolescente, implicaria em conferir ao menor tratamento mais gravoso que o atribuído ao
réu penalmente imputável, já que os embargos infringentes e de nulidade previstos no art.
609 do CPP somente são cabíveis se o julgamento tomado por maioria for contrário ao
réu.Ora, se não cabem embargos infringentes do art. 609 do CPP quando o acórdão não
unânime foi favorável ao réu, com maior razão também não se pode admitir a técnica do
art. 942 do CPC se o acórdão não unânime foi favorável ao adolescente infrator. STJ. 6ª
Turma. 6ª Turma. REsp 1694248-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado
em 03/05/2018 (Info 626).

Possibilidade de revogação da adoção unilateral se isso for melhor para o adotando.


No caso de adoção unilateral, a irrevogabilidade prevista no art. 39, § 1º do Estatuto da
Criança e do Adolescente pode ser flexibilizada no melhor interesse do adotando. Ex: filho
adotado teve pouquíssimo contato com o pai adotivo e foi criado, na verdade, pela família
de seu falecido pai biológico. STJ. 3ª Turma.REsp 1545959-SC, Rel. Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/6/2017 (Info 608).

É possível expedição de mandado de busca e apreensão para adolescente que


descumpriu liberdade assistida. A expedição de mandado de busca e apreensão para
localizar adolescente que descumpriu medida socioeducativa de liberdade assistida não
configura constrangimento ilegal, nem mesmo contraria o enunciado da Súmula n. 265 do
STJ. A expedição de mandado de busca e apreensão é feita para que se localize o
adolescente que descumpriu a medida aplicada em meio aberto a fim de encaminhá-lo ao
Juízo e apresentá-lo em audiência, oportunizando-lhe a apresentação de justificação.
STJ. 6ª Turma. HC 381127/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 14/03/2017.

Internação no caso de reiteração de atos infracionais graves. Para se configurar a


“reiteração na prática de atos infracionais graves” (art. 122, II), não se exige a prática de,
no mínimo, três infrações dessa natureza. O ECA não estipulou um número mínimo de
atos infracionais graves para justificar a internação do menor infrator com fulcro no art.
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122, II, do ECA (reiteração no cometimento de outras infrações graves). Logo, cabe ao
magistrado analisar as peculiaridades de cada caso e as condições específicas do
adolescente a fim de aplicar ou não a internação. A depender das particularidades e
circunstâncias do caso concreto, pode ser aplicada, com fundamento no art. 122, II, do
ECA, medida de internação ao adolescente infrator que antes tenha cometido apenas uma
outra infração grave. Está superado o entendimento de que a internação com base nesse
dispositivo somente seria permitida com a prática de no mínimo 3 infrações. STJ. 5ª
Turma. HC 332440/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 24/11/2015.
STJ. 6ª Turma. HC 347434-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. para acórdão Min. Antonio
Saldanha Palheiro, julgado em 27/9/2016 (Info 591).

Não é possível que a adoção conjunta seja transformada em unilateral post mortem
caso um dos autores desista e o outro morra sem ter manifestado intenção de
adotar unilateralmente. Se, no curso da ação de adoção conjunta, um dos cônjuges
desistir do pedido e outro vier a falecer sem ter manifestado inequívoca intenção de adotar
unilateralmente, não poderá ser deferido ao interessado falecido o pedido de adoção
unilateral post mortem. Tratando-se de adoção em conjunto, um cônjuge não pode adotar
sem o consentimento do outro. Assim, se proposta adoção em conjunto e um dos autores
(candidatos a pai/mãe) desiste da ação, a adoção deve ser indeferida, especialmente se
o outro vem a morrer antes de manifestar-se sobre a desistência. STJ. 3ª Turma. REsp
1421409-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 18/8/2016 (Info 588).

Impossibilidade de modificação por magistrado dos termos de proposta de


remissão pré-processual. Se o representante do Ministério Público ofereceu a
adolescente remissão pré-processual (art. 126, caput, do ECA) cumulada com medida
socioeducativa e o juiz discordou dessa cumulação, ele não pode excluir do acordo a
aplicação da medida socioeducativa e homologar apenas a remissão. É prerrogativa do
Ministério Público, como titular da representação por ato infracional, a iniciativa de propor
a remissão pré-processual como forma de exclusão do processo. O juiz, no ato da
homologação, se discordar da remissão concedida pelo Ministério Público, deverá remeter
os autos ao Procurador-Geral de Justiça e este terá três opções: a) oferecerá
representação; b) designará outro Promotor para apresentar a representação; ou c)
ratificará o arquivamento ou a remissão, hipótese na qual o juiz estará obrigado a
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homologar. Assim, mesmo que o juiz discorde parcialmente da remissão, não pode
modificar os termos da proposta oferecida pelo MP para fins de excluir aquilo que não
concordou. STJ. 6ª Turma. REsp 1392888-MS, Rel. Min. Rogerio Schietti, julgado em
30/6/2016 (Info 587).

Cumprimento imediato da internação fixada na sentença ainda que tenha havido


recurso. É possível que o adolescente infrator inicie o imediato cumprimento da medida
socioeducativa de internação que lhe foi imposta na sentença, mesmo que ele tenha
interposto recurso de apelação e esteja aguardando seu julgamento. Esse imediato
cumprimento da medida é cabível ainda que durante todo o processo não tenha sido
imposta internação provisória ao adolescente, ou seja, mesmo que ele tenha permanecido
em liberdade durante a tramitação da ação socioeducativa. Em uma linguagem mais
simples, o adolescente infrator, em regra, não tem direito de aguardar em liberdade o
julgamento da apelação interposta contra a sentença que lhe impôs a medida de
internação. STJ. 3ª Seção. HC 346380-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel.
para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 13/4/2016 (Info 583).

No âmbito do Direito do Consumidor, em que consiste o “uso off-


label”?

O Superior Tribunal de Justiça possui decisão em ambas as turmas de direito


privado (3ª e 4ª) no sentido de que os planos de saúde devem pagar pelo uso off label de
medicamento registrado na Anvisa. Ou seja, entende o STJ que a falta de indicação
específica na bula não é motivo para a negativa de cobertura do tratamento.

Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, o off label corresponde ao uso


“essencialmente correto de medicação aprovada em ensaios clínicos e produzida
sob controle estatal, apenas ainda não aprovado para determinada terapêutica”. Ele
explicou, ainda, que há uma confusão entre os conceitos de uso off label e tratamento
experimental, sendo certo que o uso off label não corresponde à pretensão de
fornecimento de remédio, pela operadora de plano privado de saúde, em flagrante
desacordo com a legislação sanitária e de regência dos planos e seguros de saúde e, por
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isso, não poderia ser alegada como argumento para negativa no fornecimento de
medicamento.

Atenção! Não confundir uso off label (medicação registrada pela Anvisa, mas
sem indicação específica para o tratamento pretendido – “fora da bula”) com tratamento
experimental. São coisas completamente distintas.

Em síntese:

▪ O uso off label corresponde à prescrição pelo profissional da saúde de


medicamento para tratamento de enfermidade não apontada,
especificamente, nas indicações da bula do referido medicamento ou em
manual da ANVISA.
▪ O uso off label não se confunde com o tratamento experimental, intuito
de pesquisa clínica e não propriamente de tratamento, no qual a
pretensão do paciente é utilizar medicamento não registrado pela
ANVISA e em desacordo com a legislação sanitária e de regência dos
planos e seguros de saúde.
▪ Conforme decidido pelo STJ, não é cabível sua alegação por parte das
seguradoras de saúde, pois “autorizar que a operadora negue a
cobertura de tratamento sob a justificativa de que a doença do paciente
não está contida nas indicações da bula representa inegável ingerência
na ciência médica, em odioso e inaceitável prejuízo do paciente
enfermo”.

Fornecimento pelo Poder Judiciário de medicamentos não registrados pela


ANVISA. Fornecimento pelo Poder Judiciário de medicamentos não registrados pela
ANVISA 1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2.
A ausência de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) impede, como
regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível,
excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em
caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto
na Lei 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: a) a existência de pedido
de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para
doenças raras e ultrarraras); b) a existência de registro do medicamento em
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renomadas agências de regulação no exterior; e c) a inexistência de substituto


terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de
medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face
da União. STF. Plenário. RE 657718/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min.
Roberto Barroso, julgado em 22/5/2019 (repercussão geral) (Info 941). Responsabilidade
pelo fornecimento do medicamento ou pela realização do tratamento de saúde Os entes
da Federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis
nas demandas prestacionais na área da saúde e, diante dos critérios constitucionais de
descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o
cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o
ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. STF. Plenário. RE 855178 ED/SE, rel.
orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 23/5/2019 (Info 941).

GRUPO III
DIREITO CONSTITUCIONAL
Assuntos de Direito Constitucional abordados nas provas preambulares:

1) Eficácia das normas constitucionais (José Afonso da Silva)


2) Interpretação constitucional segundo Canotilho
3) Backslash (ADI 4578, ADC 29 e ADC 30)
4) Constitucionalismo democrático (O engajamento público, segundo o
constitucionalismo democrático, desempenha papel relevante na orientação e
legitimação dos julgamentos constitucionais, em que a razões técnicas jurídicas
adquirem legitimidade democrática se seus motivos estiverem enraizados em
valores e ideais populares. Mesmo considernado o papel essencial das Cortes, o
constitucionalismo democrático reconhece que a ordem constitucional apresenta
um regular intercâmbio entre cidadãos e julgadores sobre questões de significado
constitucional)
5) Vinculação jurídica do Poder Constituinte (Canotilho)
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6) Proselitismo e liberdade religiosa (ADI 2566)


7) Princípios e regras para Robert Alexy (princípios são direitos prima facie, com
mandados de otimização e se sujeitam a um processo de ponderação) – Segundo
o STF, os direitos sociais se caracterizam por uma decisiva dimensão econômica,
razão por que são passíveis de satisfação segundo conjunturas econômicas, de
acordo com as disponibilidades do momento, a partir de escolhas que competem,
primariamente, ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo. Entretanto, admite a
Suprema Corte a intervenção do Poder Judiciário diante da inércia estatal
injustificada, especialmente quando a conduta governamental negativa puder
resultar na nulificação ou até mesmo na aniquilação de direitos constitucionais
impregnados de essencial fundamentalidade.

Vinculação jurídica do Poder Constituinte


Canotilho argumenta que a doutrina positivista encontra-se em vias de rejeição,
já que:

desde logo se o poder constituinte se destina a criar uma constituição como


organização e limitação do poder, não se vê como esta ‘vontade de constituição’
pode deixar de condicionar a própria vontade do criador. Por outro lado, este
criador, este sujeito constituinte, este povo ou nação, é estruturado e obedece a
padrões e modelos de condutas espirituais, culturais, éticos e sociais radicados
na consciência jurídica geral da comunidade e, nesta medida, considerados como
‘vontade do povo’”. Além disto, as experiências humanas vão revelando a
indispensabilidade de observância de certos princípios de justiça que,
independentemente da sua configuração (como princípios suprapositivos
ou como princípios supralegais mas intra-jurídicos) são compreendidos
como limites da liberdade e omnipotência do poder constituinte. Acresce que
um sistema jurídico interno (nacional, estadual) não pode, hoje, estar out da
comunidade internacional. Encontra-se vinculado a princípios de direito
internacional (princípio da independência, princípio da autodeterminação,
princípio da observância de direitos humanos).

Essa evolução de entendimento já existia, porém aflorou agora com a


prospecção do neoconstitucionalismo e sua ideia basilar de ter a Constituição no topo do
sistema, força normativa máxima da sua norma, lastreado na eficácia irradiante dos
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direitos fundamentais e sua aplicação em todos os campos (público ou privado), e é o que


recorrente chama-se de mudanças de paradigmas:

esta ideia de vinculação jurídica conduz uma parte da doutrina mais recente a
falar da “jurisdicização” e do carácter evolutivo do poder constituinte. Se
continua a ser indiscutível que o exercício de um poder constituinte anda
geralmente associado a momentos fractais ou de ruptura constitucional
(revolução, autodeterminação de povos, quedas de regime, transições
constitucionais), também é certo que o poder constituinte nunca surge num vácuo
histórico-cultural. Trata-se, antes, de um poder que, de forma democraticamente
regulada, procede às alterações incidentes sobre a estrutura jurídico-política
básica de uma comunidade. De resto, as recentes transições constitucionais, que
começaram em Portugal (1974) e terminaram na transformação dos estados ex-
comunistas, parecem mesmo apontar para a ideia de que o poder constituinte,
exercido segundo um procedimento justo e movido por intenções de conformação
de uma ordem jurídico-política justamente ordenada, serve hoje como uma técnica
experimentada de soluções de crises e rupturas políticas que em momentos
extraordinários surgem no seio da comunidade. [...] A experiência demonstra
também que não basta a legitimação através da fixação democrática de valores
básicos; é necessário, igualmente que o “povo inteiro” se beneficie de
implementação desses valores básicos. Surge aqui a ideia de povo destinatário
de prestações civilizacionais que traduz a relevância funcional do modo como os
efeitos das decisões políticas se repercutem sobre o povo (CANOTILHO, 2002,
pp. 81/82).

“Constituição viva”
A expressão “Constituição viva”, de Riccardo Guaustini, indica o modo pelo
qual uma Constituição escrita é concretamente interpretada e praticada na realidade
política. No que diz respeito à efetivação, a Constituição, como qualquer outro texto
normativo, pode tornar-se inoperante. Em relação à Constituição, pode-se afirmar que são
basicamente dois os grupos de normas que podem caracterizar essa inoperância: 1) O
primeiro grupo é composto pelas denominadas “normas programáticas”, que são aquelas
dirigidas ao legislador. 2) O segundo grupo refere-se ao que a doutrina denomina normas
de eficácia 'diferida', que são normas que não podem adquirir eficácia sem a intervenção
de outras normas.

David A. Strauss, em livro intitulado “The living Constitution”, sustenta como


tese central que a Constituição é muito mais do que o documento que fisicamente a
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representa. Ao contrário das palavras escritas (“norms”), a narrativa do sentimento


constitucional que congrega a humildade intelectual, o senso de complexidade dos
problemas vivenciados pela sociedade, a sabedoria adquirida com eventos do passado e
a responsabilidade de cada cidadão por carregar consigo parte da história do país
compõem o que se deve compreender por Constituição.

Warren E. Burger, outrora “Chief-Justice” na Suprema Corte norte-americana,


também pontua que uma das mais marcantes características da Constituição dos Estados
Unidos é a sua brevidade. De acordo com o Autor, não tendo sido criada para ser um
código, o documento inteiro pode ser reproduzido em não mais do que 16 laudas.

Esta característica enseja que o significado do texto constitucional seja


trabalhado de maneira dinâmica ao longo da história. Em um cenário desses, plenamente
possível sustentar a existência de uma Constituição viva que, calcada na diferença entre
texto e narrativa constitucional, possa abarcar a complexidade social, a humildade
institucional e diversas outras características intrínsecas e extrínsecas à democracia, em
ordem a elaborar um acolhedor ambiente de discussão de direitos, garantias e deveres.

Seria possível cogitar de uma interpretação constitucional autêntica?

Não, a não ser que fossem consideradas as reações legislativas. Se uma lei se
propusesse a dizer como uma Constituição deve ser interpretada, haveria uma inversão
hierárquica. É a constituição quem dita a maneira de interpretar as leis e não o contrário.

Também não faria sentido que uma emenda à Constituição explicasse como
essa mesma Constituição deve ser interpretada, até porque as próprias emendas devem
respeito à Constituição (pelo menos no que se refere às cláusulas pétreas).

CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE REALIZADO PELO MP

Controle de Convencionalidade é a análise da compatibilidade dos atos


normativos internos (comissivos ou omissivos) em face das normas internacionais
(tratados, costumes internacionais, princípios gerais de direito, atos unilaterais e
resoluções vinculantes das organizações internacionais).
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O tema é comumente tratado sob a perspectiva dos membros do Poder


Judiciário. Mas a Corte Interamericana de Direitos Humanos possui sólido entendimento
no sentido de que toda e qualquer autoridade pública tem o poder-dever de exercer o
controle de convencionalidade (caso Gelman vs. Uruguai). Partindo deste precedente, a
doutrina passou a classificar o controle de convencionalidade em PRÓPRIO
(jurisdicional, exercido por qualquer órgão do Poder Judiciário) e IMPRÓPRIO
(desempenhado pelos demais órgãos e autoridades públicas, inclusive membros do
Ministério Público!).

Na esteira da ampla legitimidade preconizada pela Corte Interamericana,


consentânea ao princípio da máxima efetividade dos direitos humanos, o Ministério
Público exsurge como importante instrumento na conformação da ordem jurídica pátria ao
arcabouço normativo internacional destinado à tutela de tais interesses.

Tal conclusão ganha robustez quando confrontada com as atribuições


institucionais do Parquet, reconfiguradas com o advento da CF/88, notadamente a
salvaguarda dos direitos humanos em casos que envolvam as camadas mais vulneráveis
da população brasileira. Assim, levando-se ainda em consideração a absoluta inexistência
de qualquer óbice legal, nada impede que, em sua atuação, o Órgão Ministerial deixe de
aplicar ex officio uma norma que entenda não passar pelo duplo crivo do controle de
constitucionalidade e controle de convencionalidade, sem olvidar da necessária motivação
das suas manifestações e atos judiciais ou extrajudiciais.

Logo, o controle de convencionalidade é uma relevante ferramenta à


disposição do Promotor de Justiça para combater o indesejável “efeito encantatório dos
direitos humanos” e buscar, mediante sua atuação funcional, a cessação das flagrantes
violações ocorridas no Estado brasileiro, otimizando seu papel enquanto agente de
transformação social.

SOCIEDADE ABERTA DOS INTÉRPRETES DA CONSTITUIÇÃO (Peter


Häberle)

Häberle defende uma democratização da hermenêutica constitucional,


propondo que no processo de interpretação constitucional estejam ligados todos os
órgãos estatais, as potências públicas, todos os cidadãos e grupos sociais, não se
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estabelecendo um limite aos participantes do processo hermenêutico, sendo estes as


forças produtivas de interpretação, sem as quais seria impossível uma interpretação
democrática da Constituição.

Os instrumentos de informação dos juízes constitucionais devem ser


ampliados, especialmente no que se refere a audiências públicas e a “intervenções de
eventuais interessados” (amicus curiae) assegurando novas formas de participação das
potências públicas pluralistas como intérpretes em sentido amplo da Constituição.

Logo, essa teoria é uma proposta que visa AMPLIAR o círculo de intérpretes
constitucionais, advogando uma “pluralidade de intérpretes” (a exemplo das audiências
públicas e participação do “amicus curiae”), alinhada a uma perspectiva típica de um
“Estado Democrático de Direito”, que busca a abertura e não o fechamento (“sociedade
fechada de intérpretes”, típica da hermenêutica tradicional clássica) no processo de
concretização e densificação das normas constitucionais.

Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma, é, indireta ou, até
mesmo diretamente, um intérprete da norma. O destinatário da norma é participante ativo
– muito mais ativo do que se pode supor tradicionalmente – do processo hermenêutico.
Como não são apenas os intérpretes jurídicos da Constituição que vivem a norma, não
detêm eles o monopólio da interpretação.

A participação do indivíduo é integradora de todas as forças da comunidade


política no processo, e a ampliação desse círculo de intérpretes decorre da necessidade
de integrar a realidade no processo interpretativo. Neste o cidadão formula um recurso
constitucional (atua como intérprete direto do texto da Lei Maior, já que essa interpretação
é uma atividade que diz respeito a todos.

No âmbito do Direito Constitucional,


o que são os DIÁLOGOS INSTITUCIONAIS?

Na interpretação da Constituição, não cabe ao Judiciário deter a “última


palavra”. Deve haver uma interação entre os Poderes, ou seja, uma interação produtiva,
na qual deverão trocar argumentos racionais, abster-se de decidir nos pontos em que
outras instituições têm mais capacidade/legitimidade e tomar suas próprias decisões de
modo a desenvolver as decisões já tomadas por outras instituições.
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Segundo a doutrina, seria prudente que o STF desse apenas a “última palavra
provisória”, considerando as demais instituições igualmente intérpretes (o próprio texto
constitucional desafia esse entendimento), uma vez que:

a) os efeitos vinculantes das decisões proferidas em sede de controle abstrato


não atingem o Legislativo (arts. 102, parágrafo 2º e 103-A, ambos da CF);
b) há o dever de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX, da CF),
que impõe ao STF, mesmo nas hipóteses de correção legislativa de sua
jurisprudência, o enfrentamento da controvérsia à luz dos novos
argumentos expendido pelo legislador para reverter o precedente).

Desse modo, é preferível adotar um modelo que não atribua a nenhuma


instituição (nem ao Judiciário, nem ao Legislativo) o “direito de errar por último”, abrindo-
se a permanente possibilidade de correções recíprocas no campo da hermenêutica
constitucional, com base na ideia de diálogo, ao invés da visão mais tradicional, que
concede a última palavra nessa área ao STF.

A despeito da retórica da “supremacia judicial” na interpretação constitucional,


presente em vários julgados, verifica-se que a jurisprudência do STF vem dando uma
abertura para revisão dos seus posicionamentos anteriores, quando postas em xeque por
atos legislativos subsequentes (a exemplo da ADI 3.772). Essa abertura ao diálogo é
salutar, pois permite o controle recíproco entre os poderes do estado, viabilizando
a correção de erros na hermenêutica constitucional.

CONSTITUIÇÃO LIBERAL-PATRIMONIALISTA

A visão tradicional do constitucionalismo brasileiro foi projetada na leitura da


Constituição de 1988. Desde a entrada em vigor dessa última, constitucionalistas
politicamente conservadores alegam que, apesar de certas aparências e proclamações,
trata-se de uma Constituição liberal-patrimonialista, que objetiva preponderantemente
garantir os direitos individuais, preservando fortes garantias ao direito de propriedade e
procurando limitar a intervenção estatal na economia. Reconhecem-se os corretivos
sociais em forma de proclamação de direitos sociais e a relevante atuação do Estado na
economia. Mas se considera que tais normas, primeiro, possuem caráter de proclamação
programática, e não de norma densa e vinculante como ocorre com os direitos individuais
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e patrimoniais, e, segundo, devem ser interpretadas de maneira restritiva e de forma a


não atingir a tutela do patrimônio dos particulares.

No que consiste o fenômeno da “erosão da consciência


constitucional” de Karl Loewenstein?

A erosão da consciência constitucional, tese desenvolvida por Karl


Loewenstein ("Teoria de la Constitución", p. 222, 1983, Ariel, Barcelona), consiste no
desprestígio da Constituição provocado pela inércia dos órgãos constituídos em
concretizar os preceitos normativos constitucionais. Essa omissão institucional representa
um dos mais graves aspectos da patologia constitucional, pois reflete inaceitável
desprezo, por parte das instituições governamentais, da autoridade suprema da Lei
Fundamental do Estado, dando ensejo a um preocupante processo de desvalorização
funcional da Constituição escrita.

Em voto paradigmático sobre o tema na ADO n. 26/DF, o ministro Celso de


Mello destacou:

as omissões inconstitucionais dos Poderes do Estado, notadamente do


Legislativo, não podem ser toleradas, eis que o desprestígio da Constituição – resultante
da inércia de órgãos meramente constituídos – representa um dos mais tormentosos
aspectos do processo de desvalorização funcional da Lei Fundamental da República, ao
mesmo tempo em que estimula, gravemente, a erosão da consciência constitucional,
evidenciando, desse modo, o inaceitável desprezo dos direitos básicos e das liberdades
públicas pelo aparelho estatal.

Cumpre reconhecer, desse modo, que a ação direta de inconstitucionalidade


por omissão – considerada a sua específica destinação constitucional – busca neutralizar
as consequências lesivas decorrentes da ausência de regulamentação normativa de
preceitos inscritos na Carta Política e que dependem da intervenção concretizadora do
legislador, traduzindo significativa reação jurídico-institucional do vigente ordenamento
político, que a estruturou como instrumento destinado a impedir o desprestígio da própria
Carta da República.

A erosão da consciência constitucional pode se manifestar de diferentes


formas:
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• na inaplicação de normas constitucionais pelo judiciário;


• na elaboração de emendas constitucionais que alterem
substancialmente o propósito da Constituição;
• nas interpretações que subvertam o sentido originário do texto da
Constituição, situação intensificada pelo fenômeno da mutação
constitucional;
• na inércia legislativa em concretizar as normas constitucionais de
eficácia limitada.

Instrumentos como a ação direta de inconstitucionalidade por omissão ou o


mandado de injunção podem se revelar como remédios aptos a combater o fenômeno da
“erosão da consciência constitucional”, mas a situação encontra-se longe de ser
solucionada. As recentes emendas constitucionais com intuitos claramente políticos,
como a EC n. 96/2017, e a ausência de coesão e integridade das interpretações
constitucionais exaradas pelo STF intensificam a fragilidade da força normativa da
Constituição.

Esperemos o que o futuro nos prepara.

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Até a próxima dica!

No que consiste a decisão manipulativa (ou manipuladora)?

Trata-se de uma das espécies da SENTENÇA INTERMEDIÁRIA no controle de


constitucionalidade. A decisão manipulativa é aquela mediante a qual "o órgão de
jurisdição constitucional modifica ou adita normas submetidas a sua apreciação, a fim de
que saiam do juízo constitucional com incidência normativa ou conteúdo distinto do
original, mas concordante com a Constituição" (RE 641320/RS).

Portanto, o Tribunal Constitucional manipula o conteúdo do ordenamento


jurídico, modificando ou aditando a lei a fim de que ela se torne compatível com o texto
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constitucional. Trata-se de instituto que surgiu no direito italiano, sendo, no entanto,


adotada atualmente em outros Tribunais constitucionais no mundo.

Espécies de decisões manipulativas:

Decisão manipulativa de efeitos aditivos (SENTENÇA ADITIVA): O Tribunal


declara inconstitucional certo dispositivo legal não pelo que expressa, mas pelo que omite,
alargando o texto da lei ou seu âmbito de incidência. No Brasil, não há tradição de
sentença aditiva (Súmula 339 STF). No entanto, temos alguns exemplos, sendo um deles
a MI 670, Red. para o acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 25/10/2007, na qual o
STF determinou a aplicação aos servidores públicos da Lei nº 7.783/89, que dispõe sobre
o exercício do direito de greve na iniciativa privada, pelo que promoveu extensão aditiva
do âmbito de incidência da norma.

Decisão manipulativa de efeitos substitutivos (SENTENÇA


SUBSTITUTIVA): Na decisão manipulativa substitutiva, a Corte Constitucional declara a
inconstitucionalidade de parte de uma lei (ou outro ato normativo) e, além disso, substitui
a regra inválida por outra, criada pelo próprio Tribunal, a fim de que se torne consentânea
com a Constituição. Ex: a MP 2183-56 alterou o Decreto-lei nº 3.365/41 e estabeleceu
que, no caso de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utilidade
pública e interesse social, havendo divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor
do bem, fixado na sentença, deverá incidir juros compensatórios de até 6% ao ano.

Em que consiste o Constitucionalismo “Whig” ou Termidoriano?

Trata-se do processo de mudança do cenário político e constitucional de forma


lenta e evolutiva, mas que se apresenta de modo revolucionário e radical.

Segundo Alceu L. Pazzinato, a expressão “Constitucionalismo Whig” tem


origem no partido Whig da Inglaterra, onde, até o século XVIII, existia o Partido Tory. Os
Whigs eram a burguesia urbana, liberal e favorável ao poder do Parlamento, enquanto os
Tories eram a nobreza latifundiária, conservadora e favorável ao poder do Rei.

Já a terminologia “Constitucionalismo Termidoriano” remonta à origem na


Revolução Francesa, quando o Comitê de Salvação Pública ordenou a execução de
Robespierre, Saint-Just e de outros líderes jacobinos. Assim, com a reação, encerrou-se
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a fase mais radical da revolução e o golpe aconteceu do dia 27 para o dia 28 de julho de
1794.

De acordo com José Adércio Leite Sampaio, no pensamento constitucional,


tende-se a chamar de constitucionalismo whig (ou termidoriano) o processo de
mudança de regime político constitucional lento e evolutivo, mas que se apresenta
de modo revolucionário e radical. É o mote das chamadas transições constitucionais
dos nossos dias. Não é preciso derramamento de sangue para que haja mudanças,
nascendo os regimes políticos gradualmente de dentro dos regimes caducos.

O constitucionalismo evolutivo é visto por alguns como modelo de uma


ideologia conservadora de mudanças sociais. Tanto por inspiração inglesa, quanto
francesa, trata-se de uma forma incompleta de percepção. Toda revolução termina em
conservação. E todo constitucionalismo transporta um ingrediente do Termidor. Para os
historiadores, a reação termidoriana é a fase de algumas revoluções em que o poder
passar das mãos da liderança revolucionária e de um regime radical para grupos
mais conservadores que adotam uma linha política que se distancia das propostas
originais, chegando mesmo a retomar valores e premissas pré-revolucionários.

Controle de constitucionalidade forte x fraco

No sistema do controle de constitucionalidade forte, o Poder Judiciário é o


órgão com competência para dar a última palavra (ainda que provisória) sobre
determinada questão. Já no sistema de controle de constitucionalidade fraco, não é o
Poder Judiciário quem profere a última palavra acerca de determinada discussão jurídica.

O controle de constitucionalidade fraco vigora no Canadá, uma vez que o


Estado canadense admite a chamada “ cláusula não obstante” (notwishtstanding
clause), que permite ao poder Legislativo aplicar determinada norma não obstante tal
diploma se encontrar em desarmonia com a Constituição (Seção 33, Carta de Direitos
Canadenses de 1982).

Sobre o controle de constitucionalidade fraco, é a lição de José Guilherme


Berman: “hoje temos disponíveis duas versões de controle de constitucionalidade, fraco e
forte. No controle forte, uma decisão do judiciário sobre o conteúdo das leis sobre
processo legislativo não é formalmente passível de revisão, exceto pela própria corte ou
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pelo difícil processo de emenda constitucional. Os sistemas de controle fraco permitem


revisão formal de decisões judiciais por meio de um processo que é, de alguma forma,
mais difícil de empregar do que aquele exigido para a elaboração da legislação ordinária.
O controle fraco de constitucionalidade em um país como o Canadá, no qual é bastante
difícil conseguir a aprovação de uma emenda à Constituição, permite que o Poder
Legislativo (federal ou provincial) aplique uma lei inconstitucional (superando, assim, a
opinião do judiciário) de maneira rápida, o que seria impossível se fosse necessário
emendar a Constituição”. (BERMAN, José Guilherme. Controle fraco de
Constitucionalidade. Juruá: Paraná. 2016. Pp. 219-221).

Qual é a modalidade de controle de constitucionalidade adotada no Brasil


(forte ou fraco)? O Brasil adota o controle de constitucionalidade forte, uma vez que no
sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, o Poder Judiciário é o órgão com
competência para dar a última palavra (ainda que provisória) sobre determinada questão.

Em que consiste o “pensamento jurídico do possível”?

Em sociedades pluralistas, não há grupos hegemônicos capazes de impor


seus projetos econômicos, sociais ou religiosos sobre os demais. Essas sociedades,
portanto, são marcadas pelo relativismo. Nelas, a Constituição não tem a tarefa de
determinar um projeto predeterminado de vida em comum, mas de realizar condições de
sua viabilidade. A assunção do pluralismo em uma Constituição democrática é a proposta
de soluções e coexistências possíveis, sendo um compromisso de possibilidades, e não
um projeto rigidamente preconcebido, cujo desenvolvimento é permanente.

A ductibilidade constitucional pressupõe que se consagrem valores e


princípios, os quais não podem ser absolutos, a fim de se tornarem compatíveis com os
demais com os quais devem conviver.

Desse modo, a interpretação da Constituição não segue lógica de “um ou


outro”, mas pensamento permanentemente aberto a alternativas e possibilidades. O
pensamento do possível busca não só alternativas à realidade, mas também alternativas
às alternativas, trabalhando com ideias de terceiras ou quartas possibilidades.
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O pensamento do possível tem dupla relação com a realidade: negativa, ao


indagar sobre alternativas ainda não reais; e outra positiva, sobre aquilo que é factível,
ou seja, que pode se tornar realidade, separando o impossível do possível.

Permite, em suma, a compatibilização de valores e princípios constitucionais


em aparente tensão dialética, incentivando a adaptação do texto constitucional à evolução
de uma sociedade complexa e plural. Cuida-se de técnica de interpretação que pretende
extrair o “ethos da Constituição”.

O pensamento jurídico do possível foi destacado na ADI 1.289, no qual se


discutia o preenchimento da regra do quinto constitucional no TRT. Realizou-se uma
interpretação constitucional aberta, excepcionando a norma. Gilmar Mendes aduziu a
existência de uma “teoria constitucional de alternativas”, na medida em que, como
sustentado por Peter Häberle, “o pensamento do possível é o pensamento em alternativas
(indagativo), abrindo suas perspectivas para novas realidades (a realidade de hoje pode
corrigir a de ontem)”.

Técnica do compromisso significativo (meaningful engagement)

Essa técnica já foi empregada pela Corte Constitucional da África do Sul, e


permite canais de diálogo, no bojo do processo judicial, entre a comunidade e o Poder
Público, em um exercício de alteridade que permite a construção participativa da decisão
judicial.

O papel do Tribunal Constitucional na interpretação da Constituição: Função


contramajoritária, função representativa e função iluminista

O Ministro Luis Roberto Barroso discorre, basicamente, sobre três funções


desempenhadas pelas Cortes Constitucionais:

a) Função contramajoritária: Caracteriza-se pelo judicial review, quando o


tribunal declara a inconstitucionalidade das leis. Pode ou não se fazer acompanhar das
duas outras funções examinadas a seguir.
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b) Função representativa: É cumprida quando a Corte supostamente


responde aos anseios políticos que ainda não teriam sido contemplados pelo Congresso
Nacional, a exemplo do entendimento jurisprudencial sobre a vedação do nepotismo.

c) Função iluminista: Essa função foi expressamente mencionada na ADI


4650. De acordo com esta função, o Tribunal deve promover transformações sociais por
meio de pretensos saltos históricos. Nas palavras do Ministro Barroso: “... supremas cortes
desempenham, ocasionalmente, o papel de vanguarda iluminista, encarregada de
empurrar a história quando ela emperra”. Exemplos de decisões que desempenharam a
função iluminista seriam as que reconheceram o direito de união entre pessoas do mesmo
sexo e o direito ao aborto.

Crítica: Na função contramajoritária, o tribunal invalida uma lei, mas pelo


menos faz isso a pretexto de aplicar a vontade do povo (expressa na Constituição). Na
função representativa, o tribunal antecipa uma medida que, embora não contemplada por
lei, supostamente seria reclamada pelo sentimento social. Perceba que ambas as funções
possuem a nota essencial de (tentativa de) respeito à vontade da sociedade.

Entretanto, na função iluminista, a mais radical de todas estas funções


anômalas, sequer se persegue a vontade popular. Nela, contraria-se o povo, suas leis e
às vezes até mesmo a Constituição, em nome de um racionalismo humanista que tem
como escopo evoluir uma civilização tida como obscurantista em um dado tema social.

Em que consiste o Controle de sustentabilidade ou de justificabilidade


(“Vertretbarkeitskontrolle”)?

Trata-se do mandamento dirigido ao legislador que, ao elaborar a lei, deve


buscar em bases empíricas, de pesquisas, dados e tudo aquilo que está ao alcance da
ciência para justificar sua decisão de produzi-la, sob pena de inconstitucionalidade, por
afronta aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

O controle de sustentabilidade ou de justificabilidade (Vertretbarkeitskontrolle)


está orientado a verificar se a decisão legislativa foi tomada após uma apreciação objetiva
e justificável de todas as fontes de conhecimento disponíveis no momento da
promulgação da lei.
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Aqui, o controle de constitucionalidade estende-se à questão de se verificar se


o legislador levantou e considerou diligente e suficientemente todas as informações
disponíveis e se realizou prognósticos sobre as consequências da aplicação da norma,
ou seja, se o legislador valeu-se de sua margem de ação de “maneira sustentável”.

A terminologia controle de justificabilidade ou de sustentabilidade


(vertretbarkeitskontrolle) tem origem alemã e foi empregada pelo Min. Gilmar Mendes em
seu voto quando do julgamento do art. 28 da Lei de Drogas (STF, Recurso Extraordinário
635.659/SP, Plenário. Íntegra do voto do Min. Gilmar Ferreira Mendes; Data do voto:
20.08.2015).

Ademais, a expressão controle de justificabilidade ou de sustentabilidade


(vertretbarkeitskontrolle) foi empregada no julgamento do Habeas Corpus 102.087/MG
(STF, HC 102.087/MG, 2.a Turma. Íntegra do voto do Min. Gilmar Ferreira Mendes. Rel.
Min. Celso de Melo, Red. do acórdão Min. Gilmar Mendes. Paciente: R. S. P.; Impetrante:
Defensoria Pública da União; Coator: Superior Tribunal de Justiça; j. 28.02.2012, p. 14 e
ss.).

HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA.


(A)TIPICIDADE DA CONDUTA. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
DAS LEIS PENAIS. MANDATOS CONSTITUCIONAIS DE CRIMINALIZAÇÃO E
MODELO EXIGENTE DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS
EM MATÉRIA PENAL. CRIMES DE PERIGO ABSTRATO EM FACE DO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. LEGITIMIDADE DA
CRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE ARMA DESMUNICIADA. ORDEM
DENEGADA. 1. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS PENAIS.
1.1. Mandatos Constitucionais de Criminalização: A Constituição de 1988 contém
um significativo elenco de normas que, em princípio, não outorgam direitos, mas
que, antes, determinam a criminalização de condutas (CF, art. 5º, XLI, XLII, XLIII,
XLIV; art. 7º, X; art. 227, § 4º). Em todas essas normas é possível identificar um
mandato de criminalização expresso, tendo em vista os bens e valores envolvidos.
Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas como proibições
de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção
(Schutzgebote). Pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não
apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote), como também podem
ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de
tutela (Untermassverbote). Os mandatos constitucionais de criminalização,
portanto, impõem ao legislador, para o seu devido cumprimento, o dever de
observância do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como
proibição de proteção insuficiente. 1.2. Modelo exigente de controle de
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constitucionalidade das leis em matéria penal, baseado em níveis de intensidade:


Podem ser distinguidos 3 (três) níveis ou graus de intensidade do controle de
constitucionalidade de leis penais, consoante as diretrizes elaboradas pela
doutrina e jurisprudência constitucional alemã: a) controle de evidência
(Evidenzkontrolle); b) controle de sustentabilidade ou justificabilidade
(Vertretbarkeitskontrolle); c) controle material de intensidade (intensivierten
inhaltlichen Kontrolle). O Tribunal deve sempre levar em conta que a
Constituição confere ao legislador amplas margens de ação para eleger os bens
jurídicos penais e avaliar as medidas adequadas e necessárias para a efetiva
proteção desses bens. Porém, uma vez que se ateste que as medidas legislativas
adotadas transbordam os limites impostos pela Constituição – o que poderá ser
verificado com base no princípio da proporcionalidade como proibição de excesso
(Übermassverbot) e como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) –,
deverá o Tribunal exercer um rígido controle sobre a atividade legislativa,
declarando a inconstitucionalidade de leis penais transgressoras de princípios
constitucionais. 2. CRIMES DE PERIGO ABSTRATO. PORTE DE ARMA.
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALDIADE. A Lei 10.826/2003 (Estatuto do
Desarmamento) tipifica o porte de arma como crime de perigo abstrato. De acordo
com a lei, constituem crimes as meras condutas de possuir, deter, portar, adquirir,
fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, emprestar, remeter,
empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo. Nessa espécie de
delito, o legislador penal não toma como pressuposto da criminalização a lesão
ou o perigo de lesão concreta a determinado bem jurídico. Baseado em dados
empíricos, o legislador seleciona grupos ou classes de ações que geralmente
levam consigo o indesejado perigo ao bem jurídico. A criação de crimes de perigo
abstrato não representa, por si só, comportamento inconstitucional por parte do
legislador penal. A tipificação de condutas que geram perigo em abstrato, muitas
vezes, acaba sendo a melhor alternativa ou a medida mais eficaz para a proteção
de bens jurídico-penais supraindividuais ou de caráter coletivo, como, por
exemplo, o meio ambiente, a saúde etc. Portanto, pode o legislador, dentro de
suas amplas margens de avaliação e de decisão, definir quais as medidas mais
adequadas e necessárias para a efetiva proteção de determinado bem jurídico, o
que lhe permite escolher espécies de tipificação próprias de um direito penal
preventivo. Apenas a atividade legislativa que, nessa hipótese, transborde os
limites da proporcionalidade, poderá ser tachada de inconstitucional. 3.
LEGITIMIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE ARMA. Há, no contexto
empírico legitimador da veiculação da norma, aparente lesividade da conduta,
porquanto se tutela a segurança pública (art. 6º e 144, CF) e indiretamente a vida,
a liberdade, a integridade física e psíquica do indivíduo etc. Há inequívoco
interesse público e social na proscrição da conduta. É que a arma de fogo,
diferentemente de outros objetos e artefatos (faca, vidro etc.) tem, inerente à sua
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natureza, a característica da lesividade. A danosidade é intrínseca ao objeto. A


questão, portanto, de possíveis injustiças pontuais, de absoluta ausência de
significado lesivo deve ser aferida concretamente e não em linha diretiva de
ilegitimidade normativa. 4. ORDEM DENEGADA. (HC 104.410 – RS. Rel. MIN.
GILMAR MENDES)

Em que consiste a chamada “metodologia Fuzzy”?

O professor José Joaquim Gomes Canotilho é autor de um trabalho


denominado Metodologia Fuzzy e Camaleões Normativos, a problemática atual dos
direitos econômicos, sociais e culturais, no qual faz duras críticas ao modo como
alguns doutrinadores tratam os direitos econômicos, sociais e culturais. Com o nome
“camaleões normativos”, Canotilho busca demonstrar a suposta vagueza normativa
do sistema jurídico dos direitos sociais, o que acaba por ocasionar uma confusão entre
o conteúdo de um direito juridicamente definido e determinado com sugestões de
conteúdo político-jurídica.

Sobre este tema, vejamos a lição de Juliano Taveira Bernardes e Olavo


Augusto Viana Alves Ferreira: “As ciências sociais são frequentemente criticadas por
utilizarem metodologia ‘fuzzy’ – métodos confusos, indeterminados e vagos para
tratar dos respectivos objetos de estudo. E no âmbito da ciência jurídica, é sobretudo
a teoria dos direitos fundamentais que recebe mais críticas dessa ordem. Segundo
Canotilho, paira sobre a dogmática e teoria jurídica dos direitos econômicos sociais e
culturais a carga metodológica da ‘vaguidez’, ‘indeterminação’ e
‘impressionismo’ que a teoria da ciência vem apelidando, em termos caricaturais sobre
a designação de ‘fuzzysmo’ ou ‘metodologia fuzzy’. Ainda para Canotilho, ao ‘falarem de
direitos econômicos, sociais e culturais, os juristas não sabem muitas vezes do que estão
a falar’” (BERNARDES, Juliano Taveira e FERREIRA, Olavo Augusto Viana Alves. Direito
Constitucional. 3. ed. Bahia: Juspodivm, 2013, p. 687).

Princípio da proporcionalidade e conflito principiológico

A colisão entre princípios, segundo a teoria predominante, é resolvida por um


juízo de ponderação. Neste caso, conforme aponta GONET BRANCO, em Juízo de
Ponderação na Jurisdição Constitucional, “a solução do conflito, idealmente, há de ser
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feita com a restrição mínima de um princípio em favor daquele de maior peso – solução
que valerá para as circunstâncias analisadas, não se credenciando a assertiva de ‘que
sempre um valor há de preferir ao outro’. O intérprete, por isso, formula um enunciado
de preferência condicionada, traça, assim, uma ‘hierarquia móvel ou axiológica’. A
regra que resultará da ponderação vale para as circunstâncias tomadas em consideração
ao se avaliar o peso dos princípios em atrito”.

O conflito entre princípios, embora possível também na dimensão da validade,


ocorre com maior frequência na dimensão do peso (importância ou valor). Em sociedades
democráticas e plurais, a constituição resulta de pequenos pactos entre grupos
representativos de setores distintos e com valores, por vezes, antagônicos. O consenso
fundamental responsável pela positivação das normas constitucionais não apaga “o
pluralismo e antagonismo de ideias subjacentes ao pacto fundador” (CANOTILHO, 2000),
responsáveis pelo surgimento de tensões (colisões) normativas.

Na antinomia jurídica imprópria, a validade das normas conflitantes é


pressuposta. A solução para antinomias de princípios deve ser dada, à luz das
circunstâncias fáticas e jurídicas de cada caso concreto, por meio da ponderação
(sopesamento ou balanceamento), procedimento estruturado em três etapas:
inicialmente, as (I) normas aplicáveis ao caso são identificadas e agrupadas conforme a
direção que apontam; em seguida, são analisadas as (II) circunstâncias fáticas e suas
repercussões; após as duas etapas preparatórias, é atribuído o (III) peso relativo aso
princípios envolvidos (“ponderação propriamente dita”). A ponderação propriamente dita
também é subdividida em três momentos: a) definição da intensidade da intervenção; b)
análise da importância dos fundamentos justificadores da intervenção; e c) realização da
ponderação em sentido estrito. Nos termos da lei de ponderação formulada por Robert
Alexy, “quanto mais intensa se revelar a intervenção em um dado direito fundamental,
maiores hão de se revelar os fundamentos justificadores dessa intervenção.”

A ponderação de princípios (e não de bens ou valores) deve ser empregada


como último recurso metodológico, ou seja, apenas para a resolução de casos de maior
complexidade nos quais os elementos interpretativos tradicionais sejam insuficientes para
solucionar o problema. Se os princípios são normas e se as normas são resultantes da
interpretação do texto, a ponderação de princípios somente deve ser realizada após a
atribuição de sentido aos enunciados normativos.
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Em caos difíceis, marcados por fortes incertezas quanto às circunstâncias


fáticas e/ou jurídicas, deve ser reconhecida a competência do Poder Legislativo para
avaliar as variações empíricas, sendo autorizada a intervenção legislativa no âmbito de
proteção de direitos fundamentais, mesmo quando não constatada a veracidade das
premissas pressupostas, mas apenas a sua incerteza (“margem de ação epistêmica
empírica”). Se as dúvidas estiverem relacionadas à melhor quantificação dos princípios
em jogo, também deve ser reconhecida uma área de manobra na qual o legislador pode
tomar decisões com base em suas próprias valorações (“margem de ação epistêmica
normativa”). Vale dizer: a margem de ação epistêmica normativa surge quando há
incerteza acerca dos pesos dos princípios em colisão, ao passo que a margem de ação
epistêmica empírica se refere às hipóteses de insegurança quanto às premissas fáticas
que sustentam a intervenção legislativa.

TEORIA DAS ESCOLHAS TRÁGICAS

A escassez de recursos públicos, quando envolve questões peremptórias


(direito à vida e à dignidade humana) culmina em escolhas tidas como trágicas. Vale dizer,
diante da insuficiência de disponibilidade orçamentária, revela-se necessário proceder a
verdadeiras "escolhas trágicas”, em decisão governamental cujo parâmetro, fundado na
dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva a intangibilidade do mínimo
existencial. Como existem infinitas demandas e finitos recursos, existem escolhas que
beneficiam determinadas demandas, abrindo mão de outras.

A destinação de recursos públicos, sempre tão drasticamente escassos, faz


instaurar situações de conflito, quer com a execução de políticas públicas definidas no
texto constitucional, quer com a própria implementação de direitos sociais assegurados
pela Constituição Federal. Daí resulta contextos de antagonismo que impõem ao Estado
o encargo de superá-los mediante opções por determinados valores, em detrimento de
outros igualmente relevantes, compelindo o Poder Público, em face dessa relação
dilemática, causada pela insuficiência de disponibilidade orçamentária, a proceder a
verdadeiras escolhas trágicas, em decisão governamental cujo parâmetro, fundado na
dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva a intangibilidade do mínimo
existencial, em ordem a conferir real efetividade às normas programáticas positivadas na
CF/88.

Com efeito, as escolhas trágicas exprimem o estado de tensão dialética entre


a necessidade estatal de tornar concretos direitos prestacionais fundamentais e as
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dificuldades governamentais de viabilizar a alocação de recursos financeiros, tão


drasticamente escassos.

Nesse contexto, a cláusula da reserva do possível encontrará, sempre,


insuperável limitação na exigência constitucional de preservação do mínimo existencial,
que representa emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana.

Logo, como existem infinitas demandas e finitos recursos, existem, por óbvio,
escolhas que beneficiam determinadas demandas, abrindo mão de outras. São chamadas
pela doutrina de “teoria das escolhas trágicas”.

DERROTABILIDADE (ou defeseability)

No âmbito da aplicação do Direito existem circunstâncias excepcionais nas


quais determinada regra, mesmo sendo válida, deixará de ser aplicada no caso concreto,
tendo em vista que a sua aplicação poderia gerar situações de extrema injustiça.

Nesses termos, o fenômeno constitucional conhecido como “derrotabilidade”


consiste na não aplicação de regras válidas em razão da excepcionalidade do caso
concreto, cujas circunstâncias específicas não poderiam (ou não deveriam) ser
ordinariamente previstas pelo legislador ordinário.

Com efeito, e segundo a doutrina de Samuel Fonteles, o fenômeno da


derrotabilidade das regras (defeasibility) parte do pressuposto de que uma norma pode
alojar infinitas exceções implícitas e imprevisíveis que, em um dado caso concreto,
justifiquem seja episodicamente afastada, a pretexto de se fazer justiça ou de assegurar
os seus fins, permanecendo íntegro o texto que alberga o seu comando. Perceba, então,
que a derrotabilidade deve ser compreendida como a capacidade da regra
acomodar exceções.

Se analisarmos as normas-regras, perceberemos que elas contêm, em geral,


exceções. Essas exceções, contudo, não podem ser enumeradas de forma conclusiva,
devido ao fato de que as circunstâncias que emergem dos casos futuros são
desconhecidas. Portanto, regras jurídicas sempre têm a capacidade de acomodar
exceções, ou seja, são derrotáveis.
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É exatamente aqui que reside o fundamento da derrotabilidade das regras: a


não ser por meio de dons premonitórios, é impossível ao legislador antever todas as
hipóteses reais que justificariam fosse excepcionada a regra que pretende elaborar. E
dessa incapacidade de antecipação normativa derivam exceções implícitas em número
diretamente proporcional ao das múltiplas variáveis presentes nos diversos tipos de
conduta que se pretende regular.

O idealizador dessa teoria foi Hart, que defendeu em seu ensaio “The ascription
of responsability and rights” (1948) que, ainda que a norma seja existente, válida e eficaz,
exceções circunstanciais poderão impedir a sua incidência em um dado caso concreto,
como se os enunciados normativos contivessem uma expressão imaginária “a menos
que”.

A derrota ou superação de uma norma é pronunciada por um órgão judicante,


isto é, Juiz ou Tribunal, devendo fazê-lo na fundamentação do julgado, e não no
dispositivo. A derrota episódica não é acobertada pelo manto da coisa julgada. A
derrotabilidade das regras afigura-se como uma prejudicial de mérito, a ser
enfrentada incidentalmente na fundamentação do julgado, não sendo atingida pelos
efeitos da coisa julgada.

A derrotabilidade não se confunde com a antinomia entre regras. Trata-se


unicamente de uma interrupção da incidência da norma. Na derrotabilidade a norma
continua existindo, é válida e eficaz, contudo, mesmo percorrendo adequadamente todos
os degraus da escada ponteana, não triunfa no caso que normatizou.

A cláusula “a menos que”, que implementa a derrotabilidade das regras, pode


ser considerada como o avesso da cláusula “não obstante” (not-wishstanding clause),
prevista na Carta de Direitos Canadenses. Isso porque a cláusula “não obstante” permite
a aplicação de uma lei, mesmo contrária à Constituição, ao passo que a cláusula “a
menos que” (derrotabilidade) viabiliza a não aplicação de uma lei, apesar de harmônica
com a Carta Magna. São cláusulas antípodas.

Uma vez assentada a premissa de que o fenômeno da derrotabilidade traduz a


não incidência de uma lei, pergunta-se: em sua aplicação deverá ser respeitada a
solenidade da reserva de plenário, nos termos da súmula vinculante n. 10?

Súmula Vinculante 10: Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a
decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente
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a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua


incidência, no todo ou em parte.

Entende-se que não. Na derrotabilidade, sequer se cogita de qualquer vício que


venha a inquinar a norma da mácula da invalidade, ou seja, a providência é sobremodo
mais ousada que a anterior: afasta-se a incidência de uma regra, sem que se declare a
sua inconstitucionalidade.

O Supremo Tribunal Federal tem precedentes que afastam a necessidade de


observância da Súmula Vinculante 10, quando não há um juízo explícito de
inconstitucionalidade, mas apenas a ausência de aplicação da norma (Rcl 24284 e Rcl
6944). No mesmo sentido, Marcelo Novelino sustenta que a derrotabilidade das regras
dispensa a solenidade da SV10.

Fonte: FONTELES, Samuel Sales. Hermenêutica Constitucional. JudPodivm.


2ª Ed. 2019.

Procedimentalistas e Substancialistas

Substancialistas e procedimentalistas têm visões diferentes acerca do papel


da Constituição e da jurisdição constitucional. A Constituição deve conter direitos
fundamentais, princípios e fins públicos que realizem os grandes valores de uma
sociedade democrática.

Os substancialistas manifestam sua adesão explícita a esses valores e


admitem o controle de resultado das deliberações políticas que supostamente os
contravenham. Já os procedimentalistas não concebem o papel do intérprete
constitucional como o de um aplicador de princípios de justiça, como um fiscal do
funcionamento adequado do processo político deliberativo.

O procedimentalismo defende uma jurisdição constitucional mais modesta e


autocontida, que não procura extrair da Constituição, mediante construção argumentativa,
direitos ou pretensões que não resultem de clara decisão política do constituinte.

Os substancialistas, por sua vez, defendem um papel mais proeminente para


a Constituição e para a jurisdição constitucional. A visão substancialista da jurisdição
constitucional compreende que a Constituição deve conter direitos fundamentais,
princípios e fins públicos que realizem os grandes valores de uma sociedade democrática,
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como justiça, igualdade e liberdade, admitindo o controle do resultado das deliberações


políticas que supostamente os contravenham.

Obs.: Dworkin é adepto do substancialismo.

Liberalismo igualitário de Ronald Dworkin

O liberalismo igualitário é o liberalismo político que se desgarrou do liberalismo


econômico, problamando direitos fundamentais contra o Estado (liberdades públicas),
mas exigindo desse mesmo Estado uma gama de prestações que assegurem igualdade
material. As duas primeiras gerações de direitos fundamentais foram fundidas em uma
única corrente filosófica.

Para Dworkin, essa filosofia política permite aos cidadãos serem tratados pelo
Estado com igual consideração e respeito. É fundamental perceber que o liberalismo
igualitário é uma filosofia que estará sempre embutida nas ideias de Dworkin, ainda que
de maneira velada

Romance em cadeia (chain novel)

Um dos pontos onipresentes nas obras de Dworkin é a defesa da existência de


uma resposta correta no que diz respeito aos dilemas jurídicos, mesmo que não se saiba
qual ela é. Dworkin trava uma batalha contra o que ele denominou de ceticismo por parte
daqueles que não acreditam que exista uma resposta correta, bem como se conservam
incrédulos quanto à possibilidade de eventualmente encontrá-la.

Nesse contexto, Dworkin se vale da metáfora do Juiz Hércules, que, segundo


ele, é um jurista de capacidade, sabedoria, paciência e sagacidade sobre-humanas. E
qual é a melhor maneira de solucionar um caso submetido ao judiciário? O direito teria
sempre uma história institucional a ser reconstruída e que indicaria a melhor decisão a ser
tomada.

É dever do Juiz, antes de decidir, analisar a história das instituições jurídicas


para, a partir disso, proferir uma decisão coerente com o que já foi decidido. Haverá
coerência se os mesmos preceitos e princípios que foram aplicados nas decisões o forem
para os casos idênticos; Coerência significa igualdade de apreciação do caso e igualdade
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de tratamento. Percebe-se que a coerência está a serviço do princípio constitucional da


isonomia, evitando-se que o Judiciário discrimine casos que demandam igualdade.

Mas atenção, esse pensamento não significa que as futuras gerações de


magistrados devam acorrentar-se ao passado, reproduzindo o precedente até o infinito.
O Juiz deve atentar para a história jurídica a respeito do tema, mas é possível adequá-la
ao presente e construir uma ponte para o futuro, ou seja, dar continuidade.

Tem-se, como se vê, um encadeamento que une o passado, o presente e o


futuro. É exatamente por isso que Dworkin utiliza a metáfora do romance em cadeia.
Nela, um romance é escrito por diferentes autores. A cada qual incumbe dar continuidade
à história escrita por seus antecessores, mas sempre de modo que permita o elo com os
romancistas do futuro. A preocupação de todos eles deve ser conferir coerência e
integridade à obra como um todo.

Essas são as pedras de toque do pensamento de Dworkin: coerência e


integridade. Por meio delas se asseguram a segurança jurídica, a calculabilidade, a
previsibilidade, a função nomofilácica do Direito e a igualdade. Também é em razão da
coerência e da integridade que conseguimos evitar o decisionismo solipsista, o
voluntarismo e o relativismo.

Inspirado nos ensinamentos de Dworkin, o Código de Processo Civil de 2015


estabeleceu no artigo 926: “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-
la estável, íntegra e coerente”.

Leitura moral da Constituição

Trata-se de interpretar determinados dispositivos da Constituição norte-


americana (sobretudo a Declaração de Direitos) como referências não a concepções
específicas, mas a princípios morais abstratos, que devem ser incorporados como limites
aos poderes do Estado.

Dworkin sugere que se leiam as cláusulas constitucionais que tratam de direitos


individuais não como formulações específicas, mas como proclamações de princípios
morais de decência e justiça. Trata-se de uma forma de inserir a moralidade política no
âmago do Direito Constitucional.

Como poderíamos efetuar uma leitura moral da Constituição de 1988?


Seguindo os passos de Dworkin, o artigo 5º da Constituição deveria ser lido não como um
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regramento específico, mas como normas que abrigam princípios de justiça. Dworkin não
tolera relativismos. Por um lado, propõe ler as normas de direitos fundamentais como
princípios de justiça; por outro, defende a existência de uma verdade a ser perseguida e
de uma resposta correta no Direito.

Como efetuar uma leitura moral objetiva, se a moral costuma ser objeto
de tantas controvérsias? Nas palavras de Dworkin: “Não defendo nenhum tipo de
relativismo. Não estou afirmando que uma opinião moral é verdadeira somente para quem
a considera verdadeira. Quero descrever um método, não uma metafísica: como você
deve proceder se a verdade lhe interessa”. Na moral, a verdade é somente a que é
encontrada pelo melhor argumento. A verdade moral está sempre ao alcance do ser
humano, ao passo que, nesse sentido, a verdade científica talvez não esteja. As
diferenças importantes entre os juízos científicos e interpretativos refletem diferenças no
conteúdo dos dois tipos de juízos, e não a possibilidade de um deles ser verdadeiro e o
outro não.

O que é teoria da reforma em “dois tempos” (ou teoria da dupla


reforma)?

Trata-se da possibilidade de se revogar, num primeiro momento, as limitações


constitucionais existentes sobre determinado assunto e, num segundo momento,
promover a alteração da Constituição, sem qualquer observância ao texto constitucional
anterior, por isso se fala em teoria da “dupla reforma” ou da reforma em “dois tempos”.

A possibilidade da dupla revisão é minoritária. Os que defendem pela


possibilidade afirmam inexistirem limites implícitos contra a alteração dos limites materiais
explícitos, por cláusulas implícitas "há por todos os gostos" (FERREIRA FILHO). Para
outros, a dupla reforma é admissível, desde que não altere o caráter rígido da CRFB/88
(MACHADO HORTA). No entanto, a doutrina amplamente MAJORITÁRIA acena para a
impossibilidade do instituto, vez que se trata de verdadeira fraude à autoridade do
constituinte originário, constituindo-se em verdadeira limitação implícita ao poder de
reforma.

Cumpre salientar, finalmente, que o Supremo Tribunal Federal já apreciou


a temática e, na ocasião, rejeitou a tese da “dupla reforma” ou da reforma em “dois
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tempos”. Para o STF, ao Poder Legislativo, federal ou estadual, não está aberta a
via da introdução, no cenário jurídico, do instituto da revisão constitucional." (ADI
1.722-MC, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 10-12-1997, Plenário, DJ de 19-9-
2003.)

Foi considerada INCORRETA a seguinte assertiva: “Para a doutrina


constitucional majoritária, não existem limites implícitos ao poder constituinte derivado
reformador. É possível, assim, adotar a teoria da dupla revisão” (PC-AL, CESPE, 2012).

No que consiste o “ativismo congressual”


(“reação legislativa” ou “reversão jurisprudencial”)?
Trata-se o ativismo congressual da reação do Poder Legislativo frente a uma
decisão de inconstitucionalidade de determinada lei ou ato normativo.

O Poder Legislativo, em sua função típica de legislar, não fica vinculado à


decisão do STF quando da declaração de inconstitucionalidade de uma lei ou ato
normativo. Evita-se a "fossilização da Constituição". Desse modo, o legislador, em tese,
pode editar nova lei com o mesmo conteúdo daquilo que foi declarado inconstitucional
pelo STF.

Isso porque, entende-se atualmente que a decisão do STF em matéria


constitucional deve ser compreendida como "última palavra provisória", vez que depois
que o STF decidir, reiniciam-se as rodadas de debates entre as instituições e os demais
atores da sociedade civil sobre o tema, em um verdadeiro “diálogo institucional”.

O legislador pode, por emenda constitucional ou lei ordinária, superar a


jurisprudência:

• Por meio de emenda constitucional, a invalidação somente ocorrerá nas


restritas hipóteses de violação aos limites previstos no art. 60, e seus
§§, da CF/88.
• Por lei ordinária, a lei que frontalmente colidir com a jurisprudência do
STF nasce com presunção relativa de inconstitucionalidade, de forma
que caberá ao legislador o ônus de demonstrar, argumentativamente,
que a correção do precedente se afigura legítima. A nova legislação que
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frontalmente colida com a jurisprudência (leis in your face) se submete


a um controle de constitucionalidade mais rigoroso.

Ressalta-se, ademais, que se o legislador fizer isso, não é possível que o


interessado proponha reclamação ao STF pedindo que essa lei seja automaticamente
julgada também inconstitucional (Rcl 13019 AgR). Deve propor uma nova ADI para que o
STF examine essa nova lei e a declare inconstitucional, podendo o STF, inclusive, mudar
de opinião no julgamento dessa segunda ação.

Na reação legislativa há o que a doutrina constitucionalista denomina de


“efeito backlash”, que é uma reação conservadora de parcela da sociedade ou das
forças políticas diante de uma decisão do Poder Judiciário.

DESACORDO MORAIS RAZOÁVEIS e BACKLASH na jurisdição


constitucional

Em sociedades plurais e heterogêneas como a brasileira, formada pela


agregação de diferentes culturas e etnias, é possível (e até comum) o surgimento de
conflitos de interesses em que todos os direitos pleiteados sejam constitucionalmente
legítimos, não sendo possível identificar, “a priori”, uma única solução possível.

Esse cenário faz surgir os chamados “desacordos morais razoáveis”, isto é,


temas extremamente complexos envolvendo conflitos sociais que admitem duas ou mais
soluções antagônicas entre si, mas que paradoxalmente se revelam constitucionalmente
possíveis.

Em outras palavras, “desacordos morais razoáveis” são as divergências


razoáveis dentro de uma sociedade. Ex.: a (im)possibilidade do casamento gay; a (não)
liberação da maconha; etc. O Min. Luís Roberto Barroso os apresenta como verdadeiros
hard cases, ou seja, aqueles casos despidos de solução pronta oferecida pelo
ordenamento jurídico.

É exatamente nesse cenário em que se busca a solução mais adequada para


um “desacordo moral razoável” que se torna possível a ocorrência do fenômeno
conhecido como “backlash”. O termo backlash abrange a reação popular a determinada
decisão, na maioria das vezes (mas não necessariamente) judicial, gerando verdadeira
convulsão social e, muitas vezes, um retrocesso sobre o tema.
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Parte da doutrina entende que as decisões judiciais são as mais sujeitas ao


efeito backlash, exatamente em decorrência da falta de legitimidade popular do judiciário
para tomar decisões abstratas no campo político-social. Entretanto, deve-se destacar que
o backlash não decorre exclusivamente das decisões judiciais, embora seja, de fato, mais
frequente nesses casos.

Como exemplos de backlash, podem ser citados, entre outros: – Bowers vs.
Hardwick: Nos EUA, em 1986, um cidadão americano flagrado tendo relações sexuais
com outro homem, fato que deu ensejo a persecução penal pelo crime de sodomia.
Invocando o direito constitucional à privacidade, já que flagrado dentro de seu lar, o
acusado postulou a invalidade da lei estadual que criminalizava as práticas homossexuais.
A Suprema Corte se negou a fazê-lo, gerando reação da fração LGBT; - Dred Scott v.
Sanford: Nos EUA, em 1857, a Suprema Corte Norte-Americana negou a um escravo
legitimidade ativa para postular sua própria liberdade, sendo considerada uma das causas
remotas que deflagrou a Guerra Civil; - Decisão do STF que considerou recepcionada a
Lei de Anistia gerou backlash da sociedade, com ajuizamento de ações judiciais pelos
partidos políticos e pelo STF; - Decisão de Juiz de SP que afirmou não ter tido
constrangimento da conduta do agente que ejaculou em uma jovem, no interior de um
ônibus, gerando backlash com reclamações da sociedade e a edição, pelo Congresso
Nacional, da Lei 13.718/18, que tipifica a “importunação sexual”.

O fenômeno do backlash não passou despercebido por Richard Posner, que


suscitou, por meio de perguntas semânticas, se não haveria um nexo de causalidade entre
as decisões “garantistas” da Corte de Warren e a superveniência de uma legislação penal
mais severa.

Com pensamento similar, Ronald Dwordin relata que muitos analistas associam
a beligerância do tema do abortamento à maneira pela qual esse direito veio a ser
proclamado: uma decisão na arena judicial (Roe v. Wade – 1973), e não no Parlamento.

Percebe-se que há uma relação mecanicista entre decisões judiciais sobre


desacordos morais não amadurecidos pela sociedade e a revanche backslash.

Neoconstitucionalismo e ativismo judicial


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O neoconstitucionalismo pode ser compreendido como um conjunto de


transformações por que passou o constitucionalismo contemporâneo a partir da segunda
metade do século XX, com alguns pontos de influência advindos do pós-positivismo, e
que tem, como algumas de suas principais características, a força normativa da
Constituição e a ampliação da jurisdição constitucional.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial o cenário jurídico passou a se


questionar sobre a extensão do positivismo, já que várias das atrocidades que vitimaram
milhões de judeus encontravam supedâneo no direito positivo. A partir de então se pôde
observar, nos textos constitucionais promulgados, uma maior atenção aos princípios e às
garantias, possibilitando, dessa forma, um maior controle sobre o conteúdo material do
ordenamento.

Nesse contexto, a atividade jurisdicional acabou por se fortalecer e passou a


aplicar, de maneira direta, postulados principiológicos na solução de casos concretos.

Não há, por certo, um posicionamento doutrinário pacífico a favor ou contra o


neoconstitucionalismo. Parcela significativa da doutrina entende existir um verdadeiro
ativismo judicial, com invasão de espaços que competiriam, num primeiro momento, ao
cenário político.

Entretanto, não se pode olvidar que a ampliação da jurisdição constitucional


tem permitido que grupos sociais, até então esquecidos pelo Estado, passem a receber
tratamento estatal isonômico, concretizando programas constitucionais previstos pelo
constituinte ordinário, mas inoperante por décadas em razão de inaceitável omissão
legislativa e administrativa.

Obs.: O neoconstitucionalismo fortalece o poder dos magistrados. Para alguns,


isso é bom, pois possibilita a atuação do MP para garantir políticas públicas no caso de
inércia dos Poderes Legislativos e Executivos. Porém, parte da doutrina critica o ativismo
judicial e a possibilidade do juiz decidir pautando-se em princípios (Ex: Lenio Streck
discorre acerca do “panprincipiologismo”, adotado por examinadores do MPGO no
concurso 59).

No que consiste a “vicissitude constitucional tácita”?


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A Constituição Federal de 1988 estabelece um processo formal para a


modificação de suas prescrições. Para além dessa possibilidade de modificação formal,
são reconhecidos os processos INFORMAIS de modificação da Constituição. Os
processos informais correspondem às mutações do Texto Magno.

A vicissitude constitucional tácita é sinônimo da mutação constitucional.


Os processos informais de modificação da Constituição, quer constituam mutações
constitucionais ou inconstitucionais, são os mecanismos pelos quais a Lei Magna, sem
suportar qualquer modificação formal em seu texto, adquire novos sentidos e significados,
adaptando-se às novas realidades e anseios sociais.

As constituições, portanto, como organismos vivos que são, incorporam as


tendências sociais, políticas e econômicas que, embora não alterem a letra do texto
constitucional, propiciam modificações na substância, significado, alcance e sentido dos
dispositivos. A esse respeito, valendo-se da expressão mutação constitucional em sentido
genérico, são ilustrativas as palavras de Uadi Lammêgo Bulos: “Assim, denomina-se
mutação constitucional o processo informal de mudança da Constituição, por meio do qual
são atribuídos novos sentidos, conteúdos até então não ressaltados à letra da Lex Legum,
quer através da interpretação, em suas diversas modalidades e métodos, quer por
intermédio da construção (construction), bem como dos usos e costumes constitucionais”.

MODALIDADES:

• Mutação por interpretação constitucional (da interpretação


constitucional, no exercício do poder constituinte difuso, resultam
modificações quanto à amplitude, sentido e conteúdo das
disposições do Texto Magno);
• Mutação por construção constitucional (atuação interpretativa
para além dos limites do texto da Constituição, realizando um
diálogo com outras fontes e saberes);
• Mutação pelas práticas constitucionais (usos e costumes que
se formam à luz da Constituição, englobando, também, as praxes,
os precedentes e as convenções constitucionais).

EFICÁCIA DIAGONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS


TEMAS INUSITADOS E JURISPRUDÊNCIA RECENTE – MPGO
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Trata-se da eficácia irradiada dos direitos fundamentais na proteção das


relações entre particulares, mormente caracterizadas pelo desequilíbrio ou
desproporcionalidade fática diante da hipossuficiência.

A relação laboral/trabalhista é caracterizada pela presença de partes


materialmente desiguais diante da subordinação. Assim, a eficácia diagonal se evidencia
no princípio da proteção do empregado, que impõe ao ordenamento trabalhista a previsão
legal de garantias compensatórias da hipossuficiência do obreiro na discussão. A eficácia
diagonal dos direitos fundamentais também se observa na relação consumerista
(consumidor é a parte mais frágil da relação).

Na formulação clássica dos direitos fundamentais, esses representavam limites


ao exercício do poder do Estado (assim, a relação que se dá entre Estado, de um lado, e
particular, de outro, denomina-se de EFICÁCIA VERTICAL dos direitos fundamentais).

Porém, além dessa perspectiva, surge a necessidade de se defender, com


fulcro nos direitos fundamentais, o particular nas relações com outros particulares,
falando-se aqui em EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.

Todavia, é necessário lembrarmos que as relações privadas nem sempre se


apresentam de forma igualitária, sendo bastante comum encontrar situações em que os
particulares estão em posições bastante desiguais. É justamente a partir destas relações
que o surge a teoria da eficácia diagonal dos direitos fundamentais que consiste na
necessária incidência e observância dos direitos fundamentais em relações privadas
(particular-particular) que são marcadas por uma flagrante desigualdade de forças, em
razão tanto da hipossuficiência quanto da vulnerabilidade de uma das partes da relação.

Trata-se de uma eficácia diagonal porque, em tese, as partes estão em


situações equivalentes (particular-particular), mas, na prática, há um império do poder
econômico, razão por que se defende a observância dos direitos fundamentais nestas
relações.

O que são DESACORDOS MORAIS RAZOÁVEIS?

Desacordos Morais Razoáveis são aquelas matérias polêmicas, complexas,


sobre questões emergentes ou persistentes, para as quais existe a possibilidade de
admitir soluções antagônicas, diametralmente opostas, a partir de uma interpretação
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racional do próprio sistema jurídico. São posições inteiramente divergentes, porém,


constitucionalmente legítimas e aceitáveis, coexistindo no seio da sociedade.

De acordo com a definição do Min. Roberto Barroso, os desacordos morais


razoáveis ocorrem quando “pessoas esclarecidas e bem-intencionadas interpretam de
maneira oposta o sentido da norma (anencefalia, pesquisas com células-tronco
embrionárias)."

Em nossas sociedades pluralistas, pessoas de boa-fé, bem informadas e bem-


intencionadas discordam profundamente sobre quais direitos possuem, seu conteúdo e
seu alcance. Discordam sobre questões centrais que refletem escolhas maiores que
qualquer sociedade moderna precisa enfrentar e que são o ponto focal da discordância
moral e política, como aquelas envolvendo o aborto, a eutanásia, a pena de morte, os
direitos de suspeitos de crimes, as pesquisas científicas sobre células-tronco
embrionárias, entre outras.

Seria possível invocar a existência de um desacordo moral razoável para


negar direitos a alguém? Não, uma vez que nos desacordos razoáveis, não há uma
resposta que possa se chamar de correta. Em verdade, o que ocorre nessas situações é
uma tolerância quando a decisão é tomada pelos órgãos representativos, cientes de que,
embora se tenha garantido o exercício do direito de participar da decisão que a todos
importa, seja por movimentos de apoio ou simplesmente pelo voto, sua posição foi
derrotada pela maioria e de que, eventualmente, pode ser modificada em outro cenário
político.

O exemplo mais citado na doutrina é a união familiar homoafetiva. Conquanto


se trate de uma posição minoritária, repugnada por setor específico da sociedade, NÃO
se pode negar o exercício dos direitos fundamentais.

No que consiste a figura do “BOOTSTRAPPING” no âmbito do Direito


Constitucional? (Tema cobrado no concurso do TJDFT/2015)

A função de bootstrapping, apresentada na doutrina por “Jon Elster”, consiste


em uma reação interna ao processo constituinte, quando a própria assembleia constituinte
rejeita a submissão ao ato que a criou, configurando uma verdadeira “libertação de
amarras”, buscando legitimar o seu exercício e resultado diretamente perante o povo.
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Sobre o tema, Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto ressaltam:


“Jon Elster estudou, na perspectiva da teoria política, a tendência das assembleias
constituintes de expandirem os seus próprios poderes, rompendo limites impostos pelas
forças que as convocaram, e chamou este fenômeno de constitutional bootstrapping – que
é, nas suas palavras, ‘o processo pelo qual uma assembleia constituinte rompe os
laços com as autoridades que as convocaram e se arroga alguns ou todos os seus
poderes para si’. Para Elster, esta tendência decorre do paradoxo do poder constituinte,
de que ‘cada geração quer ser livre para vincular os seus sucessores, e ao mesmo tempo
não quer estar vinculada aos seus antecessores’”.

É possível o fenômeno do bootstrapping em terras brasileiras?


No que concerne às reformas constitucionais realizadas no Estado brasileiro, a
jurisprudência do STF já reconhece a existência de um poder constituinte difuso.
Entretanto, a Suprema Corte tem exercido de maneira firme e criteriosa o controle sobre
os mecanismos de rigidez previstos na CF/88, o que praticamente inviabiliza o fenômeno
do bootstrapping em terras brasileiras. Isso porque o Estado brasileiro vive uma fase de
intensa judicialização da política, de modo que quase todos os litígios de cunho político
acabam sendo decididos pelo STF. Desse modo, dificilmente um ato de rebeldia e
insurgência por parte da assembleia constituinte não seria objeto de repressão pela Corte
Constitucional brasileira.

Teoria do Impacto Desproporcional

As ações afirmativas são ações governamentais, oriundas de qualquer dos


poderes da República, cuja finalidade é satisfazer o princípio da igualdade material, em
interpretação que prestigia as minorias e outros grupos de pessoas que, por razões
históricas, foram relegadas pelo Estado no passado. Trata-se de um resgate, um “acerto
de contas” entre o presente e o passado. O próprio Estado, pela via Executiva, Legislativa
ou por uma decisão judicial, reconhece sua missão de Estado Democrático de Direito e
resgata determinados segmentos sociais vulneráveis por meio de medidas de
compensação.

Em algumas oportunidades, o Estado tem boas intenções ao elaborar


determinado diploma normativo. Mas, o exercício cotidiano da legislação revela
inconsistências em relação ao princípio da igualdade em seu formato substancial. A Lei
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antes aprovada termina por discriminar, de modo indireto, determinado grupo vulnerável.
Cuida-se da chamada “discriminação indireta”. Essa consequência, também reveladora
da teoria do duplo efeito (São Tomás de Aquino), foi chamada de “Teoria do Impacto
Desproporcional”.

De acordo com essa teoria, uma norma é considerada desproporcional quando,


embora juridicamente válida, sua APLICAÇÃO importa em prejuízo anti-isonômico a um
determinado grupo.

Há violação do princípio constitucional da igualdade material se, em


consequência de sua aplicação, resultarem efeitos nocivos de incidência especialmente
desproporcional sobre certas categorias de pessoas (embora no processo de elaboração,
a norma atenda todos os preceitos formalmente exigidos para a sua criação, a sua
aplicação pelas autoridades competentes torna prejudicial a situação de determinado
grupo já estigmatizado).

Logo, toda prática empresarial, política governamental ou semigovernamental,


de cunho legislativo ou administrativo, ainda que não provida de intenção discriminatória
no momento de sua concepção, viola o princípio constitucional da igualdade material se,
em razão de sua aplicação, resultarem efeitos nocivos de incidência desproporcional
sobre certas categorias de pessoas.

No que consiste o constitucionalismo moralmente reflexivo?

A Constituição Dirigente foi desenvolvida por J. J. Gomes Canotilho


inicialmente para englobar um bloco de normas constitucionais em que se definem fins e
tarefas, devendo se estabelecer como estatuto organizatório, transformando-se num
plano normativo GLOBAL entre Estado e sociedade e vinculando os poderes públicos à
concretude dos anseios populares.

Salienta-se que a CF/88 estabelece programas/metas a serem cumpridos por


todos os poderes da República. Possui, desse modo, características dirigentes.

Entretanto, posteriormente Canotilho reviu a sua teoria, reconstruindo-a, com o


escopo de admitir maior abertura da Constituição às deliberações democráticas,
abarcando, também, a ideia de legitimidade procedimental, sustentada (de diferentes
formas e fundamentos) por doutrinadores como Habermas e Luhmann. É nesse novo
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contexto que Canotilho passa a aproximar-se da ideia de “constitucionalismo moralmente


reflexivo”, o qual busca o equilíbrio da pré-ordenação e da pós-ordenação, entre a força
dirigente e a força dialógica, vocacionando à sensibilidade contextual dos fundamentos
da Teoria da Constituição. Perfaz, ao mesmo tempo, as exigências constitucionais
mínimas, isto é, o conjunto de direitos fundamentais antimajoritários, bem como
fundamentos adequados a uma teoria de justiça, definindo as estruturas básicas da
sociedade sem se comprometer com situações particulares.

O constitucionalismo moralmente reflexivo integra uma corrente mista sobre a


Constituição (entre a procedimentalista e a substancialista), vez que prevê tanto a
importância do processo, quanto a óbvia essencialidade da definição de alguns
postulados materiais, como essenciais e inegociáveis do sistema. Nesse contexto, a
Constituição passa a ser menos densa, menos estatizante e menos regulativamente
autoritária e, por outro lado, fica enriquecida com a constitucionalização da
responsabilidade, com vistas a coexistir as distintas perspectivas de valor, conhecimento
e ação.

(in)capacidades institucionais do intérprete

Infelizmente, os membros do Poder Judiciário não costumam deter um


conhecimento além daquele necessário para desenvolver o seu trabalho de maneira
ordinária. Ocorre que, por vezes, o Poder Judiciário é instado a se manifestar sobre temas
que demandam um conhecimento extremamente técnico sobre determinada área do
conhecimento (saúde, educação, ciência, engenharia, etc.).

É no bojo destes casos que surge o problema das capacidades institucionais


do intérprete, já que, na maioria das vezes, os juízes não possuem a expertise necessária
para enfrentar as questões propostas. No caso envolvendo a constitucionalidade da “pílula
do câncer”, o Ministro Luiz Fux invocou a falta de capacidade institucional do Supremo
Tribunal Federal para decidir acerca do feito, sob o argumento de que os ministros não
possuíam o conhecimento técnico necessário para formular uma solução adequada ao
caso. O mesmo ocorre quando os membros do Poder Judiciário atuam em casos que
envolvem políticas públicas ou, ainda, a proibição ou liberação de avanços da tecnologia.

É bem verdade que a realização de audiências públicas e a presença dos amici


curiae atenuam o problema da falta de expertise dos membros do Poder Judiciário para
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decidir sobre esses feitos. No entanto, vigora no Brasil o princípio constitucional da


inafastabilidade do Poder Judiciário. Assim, mesmo em casos em que o Poder Judiciário
não detém a capacidade institucional necessária para decidir sobre o feito, ele é obrigado
a se manifestar, o que por vezes acaba ocasionando um problema ainda maior.

Sobre o ponto em estudo, é a lição de Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de


Souza Neto: “Por outro lado, os juízes brasileiros, de um modo geral, estão bem
aparelhados para o enfrentamento de questões jurídicas, mas quase nada sabem sobre
outros campos do saber. A formação nas faculdades jurídicas brasileiras nada tem de
interdisciplinar e o processo de recrutamento dos magistrados de carreira tem aferido
apenas o conhecimento do direito positivo. Ocorre que cada vez mais o Judiciário é
chamado para solucionar questões extremamente complexas, que demandam o domínio
de outros ramos do conhecimento humano. [...] A adoção pelo Judiciário de uma
orientação mais ativista ou mais autocontida deve depender, dentre outros fatores, da
avaliação das suas capacidades institucionais. Isso, no entanto, nem sempre é observado
pelos magistrados. Veja-se, por exemplo, o voto proferido pelo Ministro Carlos Alberto
Direito no julgamento sobre a constitucionalidade das pesquisas de células-tronco
embrionárias, em que um dos argumentos usados pelo Ministro para invalidar a
autorização concedida pelo legislador para a realização das referidas pesquisas envolveu
tomada de posição altamente controversa sobre questão de natureza eminentemente
científica. A maior parte da comunidade científica considera que as pesquisas importam
necessariamente na eliminação do pré-embrião, mas o Ministro sustentou posição
diversa, defendendo, a partir daí, a inconstitucionalidade das pesquisas que resultassem
nessa eliminação. No mesmo julgamento, e de forma mais sensata e autocontida, a
Ministra Ellen Gracie evitou penetrar nessa discussão, consignando: ‘a Casa não foi
chamada a decidir sobre a correção ou superioridade da Ciência’. A ação, ao final, foi
julgada integralmente improcedente” (SARMENTO, Daniel e SOUZA NETO, Cláudio
Pereira de. Direito Constitucional. Teoria, História e Métodos de Trabalho. 2. ed. Belo
Horizonte: Fórum, 2016, pp 435-437).

Possibilidade de conhecimento da ADPF mesmo que a lei atacada tenha sido


revogada antes do julgamento, se persistir a utilidade em se proferir decisão com
caráter erga omnes e vinculante. Em Fortaleza, foi editada a Lei municipal nº
10.553/2016 proibindo o serviço de transporte em aplicativos. Foi ajuizada ADPF contra a
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lei. Antes que a ação fosse julgada, a referida Lei foi revogada. Mesmo com a revogação,
o STF conheceu da ADPF e julgou o mérito, declarando a Lei nº 10.553/2016
inconstitucional. O Tribunal considerou que a revogação da Lei atacada na ADPF por outra
lei local não retira o interesse de agir no feito. Isso porque persiste a utilidade da prestação
jurisdicional com o intuito de estabelecer, com caráter erga omnes e vinculante, o regime
aplicável às relações jurídicas estabelecidas durante a vigência da norma impugnada,
bem como no que diz respeito a leis de idêntico teor aprovadas em outros Municípios. A
ADPF não carece de interesse de agir em razão da revogação da norma objeto de
controle, máxime ante a necessidade de fixar o regime aplicável às relações jurídicas
estabelecidas durante a vigência da lei, bem como no que diz respeito a leis de
idêntico teor aprovadas em outros Municípios. Trata-se da solução mais consentânea
com o princípio da eficiência processual e o imperativo aproveitamento dos atos já
praticados de maneira socialmente proveitosa. STF. Plenário. ADPF 449/DF, Rel. Min.
Luiz Fux, julgado em 8 e 9/5/2019 (Info 939).

Os Municípios, ao editarem as leis locais regulamentando o transporte de


passageiros mediante aplicativo, deverão observar as regras impostas pela Lei
federal nº 13.640/2018. No exercício de sua competência para regulamentação e
fiscalização do transporte privado individual de passageiros, os municípios e o Distrito
Federal não podem contrariar os parâmetros fixados pelo legislador federal. Isso porque
compete à União legislar sobre “trânsito e transporte”, nos termos do art. 22, XI, da CF/88.
STF. Plenário. ADPF 449/DF, Rel. Min. Luiz Fux; RE 1054110/SP, Rel. Min. Roberto
Barroso, julgados em 8 e 9/5/2019 (repercussão geral) (Info 939).

São inconstitucionais leis municipais que proíbam o serviço de transporte de


passageiros mediante aplicativo. A proibição ou restrição da atividade de transporte
privado individual por motorista cadastrado em aplicativo é inconstitucional, por violação
aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. STF. Plenário. ADPF 449/DF, Rel.
Min. Luiz Fux; RE 1054110/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 8 e 9/5/2019
(repercussão geral) (Info 939).
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Assembleia Legislativa pode rejeitar a prisão preventiva e as medidas cautelares


impostas pelo Poder Judiciário contra Deputados Estaduais. É constitucional
resolução da Assembleia Legislativa que, com base na imunidade parlamentar formal (art.
53, § 2º c/c art. 27, § 1º da CF/88), revoga a prisão preventiva e as medidas cautelares
penais que haviam sido impostas pelo Poder Judiciário contra Deputado Estadual,
determinando o pleno retorno do parlamentar ao seu mandato. O Poder Legislativo
estadual tem a prerrogativa de sustar decisões judiciais de natureza criminal, precárias e
efêmeras, cujo teor resulte em afastamento ou limitação da função parlamentar. STF.
Plenário. ADI 5823 MC/RN, ADI 5824 MC/RJ e ADI 5825 MC/MT, rel. orig. Min. Edson
Fachin, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgados em 8/5/2019 (Info 939).

Se for editada MP revogando lei que está sendo questionada por meio de ADI, esta
ação poderá ser julgada enquanto a MP não for votada (enquanto a MP não for
votada, não há perda do objeto). Determinada lei foi impugnada por meio de ação direta
de inconstitucionalidade. Foi editada medida provisória revogando essa lei. Enquanto esta
medida provisória não for aprovada, será possível julgar esta ADI. Assim, se chegar o dia
de julgamento da ADI, e a MP ainda não tiver sido votada, o STF poderá apreciar
livremente a ação, não tendo havido perda do interesse de agir (perda do objeto). Isso,
porque a edição de medida provisória não tem eficácia normativa imediata de
revogação da legislação anterior com ela incompatível, mas apenas de suspensão,
paralisação, das leis antecedentes até o término do prazo do processo legislativo
de sua conversão. Embora seja espécie normativa com força de lei, a medida provisória
precisa ser confirmada. A medida provisória é lei sob condição resolutiva. Se for aprovada,
a lei de conversão resultará na revogação da norma. Dessa maneira, enquanto não
aprovada a MP, não se pode falar em perda de interesse (perda do objeto). STF. Plenário.
ADI 5717/DF, ADI 5709/DF, ADI 5716/DF e ADI 5727/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgados
em 27/3/2019 (Info 935).

É possível que a Constituição do Estado preveja iniciativa popular para a


propositura de emenda à Constituição Estadual. A iniciativa popular de emenda à
Constituição Estadual é compatível com a Constituição Federal, encontrando fundamento
no art. 1º, parágrafo único, no art. 14, II e III e no art. 49, XV, da CF/88. Embora a
Constituição Federal não autorize proposta de iniciativa popular para emendas ao próprio
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texto, mas apenas para normas infraconstitucionais, não há impedimento para que as
Constituições Estaduais prevejam a possibilidade, ampliando a competência constante da
Carta Federal. STF. Plenário. ADI 825/AP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em
25/10/2018 (Info 921).

DIREITO ADMINISTRATIVO
Assuntos de Direito Administrativo abordados nas provas preambulares:

1) Concurso público – Direito da lactante em ter outra data para teste físico
2) Lei das Organizações Sociais (Lei n. 9.637/98) e ADI 1923/DF
3) Poder discricionário e poder vinculado

Accountability horizontal e vertical na Administração Pública

A “accountability” é uma forma de controle social, de sujeição do poder público


a estruturas formais e institucionalizadas de constrangimento de suas ações à frente da
gestão pública, tornando-o obrigado a prestar contas e a tornar transparente sua
administração. Mas não é apenas a dimensão legal da accountability que deve ser levada
em conta, é preciso dar ênfase à dimensão política, devendo, para tanto, haver uma
conscientização da classe política em torno da necessária comunicação com a sociedade,
não só na implementação das políticas públicas como também na aferição dos resultados
conforme as expectativas da sociedade.

Accountability é também um atributo da sociedade civil, como forma de


fiscalizar, por meio dos mecanismos de participação popular, independente dos
poderes públicos, não só em períodos eleitorais, como também ao longo do
mandato de seus representantes. A implementação de mecanismos efetivos de controle
social, especialmente a accountability, como prestação de contas, é imprescindível para
o exercício da verdadeira cidadania, mediante a participação efetiva e permanente da
sociedade no processo político.

São formas de accountability: a vertical, a horizontal e a societal:


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• A accountability vertical é caracterizada pela realização de eleições


livres e justas, sendo o voto o meio pelo qual os cidadãos podem premiar
ou punir o mandatário na eleição seguinte.
• A accountability horizontal é caracterizada pela existência de
agências estatais de controle dispostas a supervisionar e, até, punir
ações de outras agências.
• A accountability societal vem ampliar significativamente o conceito da
vertical, sendo caracterizada como forma de atuação da sociedade no
controle das autoridades políticas, com ações de associações de
cidadãos e de movimentos, com o objetivo de expor os erros
governamentais e ativar o funcionamento das agências horizontais.

O que são ordenamentos administrativos setoriais?

São regimes jurídicos estabelecidos por órgãos independentes, destinados a


regular determinado setor econômico ou profissional, cuja disciplina não se satisfaz pela
concepção tradicional de lei, em razão das necessárias agilidade e tecnicidade,
decorrentes da realidade econômica.

Suas principais funções são a regulação de atividades empresariais ou


profissionais, que, por apresentarem relevância pública, não podem ser deixadas à livre
regulação privada.

Suas principais características são:

• a Incidência restrita a determinados indivíduos;


• Situarem-se no plano infralegal.

Podem ser compreendidos como fenômenos correlatos o fato de serem


derivados de uma ADMINISTRAÇÃO POLICÊNTRICA (trata de Administração marcada
pela criação, sob influência do direito norte-americano, das agências reguladoras,
marcadas pela independência política de seus dirigentes, em razão da estabilidade de
seus mandatos), havendo doutrinadores que consideram a chamada delegificação ou
deslegalização, mas nesse ponto há divergência doutrinária.
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São exemplos de ordenamentos administrativos setoriais os atos


regulatórios expedidos por Comissão de Valores Mobiliários, conselhos
profissionais, Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, agências
reguladoras e Conselho Nacional do Meio Ambiente.

Obs.: Tema cobrado na segunda fase do MPPR/2016.

“Chevron Doctrine” ou “Judicial Deference”

A Doutrina Chevron (“Chevron doctrine”) foi encampada pela Suprema Corte


dos Estados Unidos da América no caso “Chevron vs. NRDC” (1983), sendo também
conhecida como "judicial deference". Eduardo Fortunado Bim, em artigo intitulado de
"Divergências Científicas e Metodológicas no Direito Ambiental", esclarece com precisão
as premissas dessa teoria:

“Uma teoria que evita a utilização abusiva do Judiciário é a da ‘judicial


deference’ ou ‘Chevron doctrine’. A Suprema Corte estadunidense, em Chevron v. NRDC
(Chevron U.S.A., Inc. v. Natural Resources Defense Council, Inc – 1983), entendeu que a
Administração Pública detém primazia na interpretação dos conceitos indeterminados das
leis a ela dirigidas, somente podendo intervir o Judiciário em casos teratológicos. Porque
o Judiciário deveria respeitar, em regra, a exegese do Executivo, a doutrina estabelecida
no caso Chevron ficou conhecida como judicial deference, Chevron deference ou Chevron
doctrine.

A deferência judicial remete ‘ao livre juízo da Administração a interpretação que


esta se digne a fazer dos conceitos ambíguos, imprecisos ou indeterminados das Leis’
(ENTERRÍA, 1996, p. 31). As cortes devem deferência às interpretações promovidas
pelas agências (Poder Executivo), a menos que a lei seja clara ou a interpretação dada
por elas seja desarrazoada.

Segundo o Justice Stevens, o primeiro passo (‘first step’) para a aplicação da


doutrina Chevron seria a ambiguidade da lei (SCALIA, 1989, p. 511,515). Se a lei contiver
vaguidade ou indefinição, haverá espaço para que seu sentido dúbio seja precisado.

O segundo passo (step two) da doutrina Chevron seria a razoabilidade da


regulamentação legal (SCALIA, 1989, p. 512). Destaque-se nesse ponto que não é a
melhor interpretação da norma pela Administração Pública que se busca, apenas a
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razoável. Frise-se que, talvez com uma exceção (AT&T Corp. v. Iowa Utilities Board), a
Suprema Corte nunca invalidou uma construção do Executivo com base no segundo
passo (MAGILL apud DUFF; HERZ, 2005, p. 86). [...]

O campo perfeito para a aplicação da doutrina Chevron reside exatamente na


questão científica ou técnica, uma vez que por diversos motivos são intermináveis as
disputas entre cientistas e/ou metodologias científicas, bem como as alterações de
decisões embasadas nessa dinâmica. Salvo em casos nos quais a escolha regulamentar
ou do caso concreto seja desarrazoada, deve prevalecer a decisão administrativa, até
mesmo pelo campo discricionário/político reservado à Administração."

Em síntese, a “Chevron doctrine” entende que a intervenção judicial deve


ocorrer apenas quando as normas técnicas tomadas pelo Executivo forem teratológicas,
ofendendo o devido processo legal (substantivo e formal). Parte-se do pressuposto de que
o Poder Executivo tem mais condições técnicas para a edição de normas específicas da
sua área, adotando o Poder Judiciário uma postura de autocontenção.

Recentemente, essas premissas foram sintetizadas no enunciado n. 8 do II


FONACRE - Fórum Nacional da Concorrência e Regulação, realizado pela Associação
dos Juízes Federais: "Embora o controle de juridicidade dos atos regulatórios não
obedeça a uma parametrização fechada, o Poder Judiciário deve privilegiar intervenções
procedimentais em vez de intervenções resolutivas, de modo a verificar a observância,
entre outros pontos, i) da transparência e da publicidade das decisões administrativas, ii)
da legitimidade e da efetiva participação dos atores juridicamente interessados, inclusive
da sociedade civil, iii) da realização do estudo de Análise de Impacto Regulatório (AIR),
quando cabível; e iv) do atendimento das balizas legais e constitucionais autorizativas da
regulação, bem como dos seus motivos determinantes."

Por fim, é possível perceber uma forte influência da “Chevron doctrine” na


recente Lei n. 13.655/2018, que alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
(LINDB) e incluiu, dentre outros, o artigo 22, que prevê: “Na interpretação de normas sobre
gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as
exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos
administrados”.

“OVERBREADTH DOCTRINE”
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e a tipicidade de atos de improbidade administrativa pela Lei 8.429/92.

Foi ajuizada uma ação direta de inconstitucionalidade pelo Partido da


Mobilização Nacional (ADI no 4295), questionando 13 artigos da Lei de Improbidade
Administrativa, por considerá-los excessivamente abrangentes e vagos. No fundamento
da ADI consta que “quanto mais uma norma for capaz de gerar fundadas consequências
sobre direitos políticos, civis e patrimoniais dos indivíduos, tanto mais deve ser nítida, bem
delineada nos pressupostos das punições que comina e na descrição dos poderes que
entrega aos agentes que exercem a perseguição em nome do Estado”. Ou melhor,
questiona-se a vagueza dos dispositivos sancionadores da LIA.

A nulidade destes dispositivos está consubstanciada justamente em uma teoria


norte-americana denominada de “Overbreadth Doctrine”. A doutrina sustenta que
uma lei calcada em definições demasiadamente amplas pode ser invalidada sempre
que, a pretexto de proteger determinados direitos constitucionais, acaba violando,
indiretamente e sem intenção do legislador, outros direitos igualmente protegidos
pela Constituição (José Antonio Remedio e Vinícius Pacheco Fluminhan).

A utilização desta teoria NÃO encontra respaldo no ordenamento jurídico


brasileiro. Os bens jurídicos protegidos nos Estados Jurídicos e no Brasil são diferentes,
mormente para se considerar sua aplicação junto à LIA. Os direitos protegidos pela
Primeira Emenda da Constituição dos EUA não se confundem com os direitos difusos
protegidos pela LIA.

O uso de conceitos abertos é uma técnica legítima utilizada nos ordenamentos


jurídicos modernos, pois tem o condão fechar o cerco para todas as práticas ilícitas,
impossíveis de serem narradas e previstas pelo legislador.

O entendimento jurisprudencial brasileiro admite a utilização de conceitos


jurídicos indeterminados (STF e STJ). Não há qualquer ilegitimidade na utilização dos
conceitos abertos e mesmo se houvesse, a impugnação formulada na ADI 4295 impugna
13 artigos, o que prejudicaria por inteiro sua aplicação.

Doutrina “Chenery”
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A “doutrina Chenery” (Chenery doctrine) surgiu a partir de um julgamento da


Suprema Corte norte-americana (SEC v. Chenery Corp., 318 U.S. 80, 1943). Trata-se de
teoria que envolve a temática do controle jurisdicional de atos administrativos, em especial
na hipótese de escolhas políticas governamentais que se transmudem seja em atos
administrativos discricionários, seja em atos de governo.

Segundo essa teoria, o Poder Judiciário não pode anular um ato político
adotado pela Administração Pública sob o argumento de que ele não se valeu de
metodologia técnica. Isso porque, em temas envolvendo questões técnicas e complexas,
os Tribunais não gozam de expertise para concluir se os critérios adotados pela
Administração são corretos ou não.

Desse modo, as escolhas políticas dos órgãos governamentais, desde que não
sejam revestidas de reconhecida ilegalidade, não podem ser invalidadas pelo Poder
Judiciário. Isso porque, o Poder Judiciário não possui a expertise necessária para
compreender as consequências econômicas e políticas de uma decisão que invada o
mérito administrativo de tais medidas, sejam elas disciplinadas pelo Direito Administrativo
(atos discricionários) ou pelo Direito Constitucional e Ciência Política (atos de governo).

Exemplo próximo de tal variante da insindicabilidade diz respeito aos atos


emanados pelas Agências Reguladoras, autarquias especiais que possuem relativa
independência (parafraseando a eminente Prof. Maria Sylvia Zanella Di Pietro) e
atribuição para publicarem atos administrativos normativos de caráter técnico. Nesse
sentido, segundo a Doutrina Chenery, por representarem medidas de natureza jurídico-
política subsidiadas por complexas pesquisas técnicas de uma entidade que possui
expertise na matéria, não podem ser alvo de controle judicial de seu conteúdo, mas tão
somente de seus aspectos formais e legais.

PODER DE POLÍCIA ORIGINÁRIO: Dado à Adm. Pública Direta

PODER DE POLÍCIA DELEGADO: Dado às pessoas da Adm Pública Indireta que possuem personalidade
jurídica de direito público. Esse poder somente é proporcionado para as Autarquias ligadas à Adm.
Indireta. O poder de polícia não pode ser exercido por particular ou pessoas jurídicas de direito privado da
adm. indireta, entretanto o STJ entendeu que os atos de consentimento de polícia e de fiscalização de
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polícia (uma vez que não teriam natureza coercitiva), poderiam ser delegados às pessoas jurídicas de
direito privado da Administração Pública Indireta.

PODER DE POLÍCIA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS:

INFO 889, STF – A ANVISA, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, é uma autarquia sob regime especial
(agência reguladora), vinculada ao Ministério da Saúde, criada pela Lei nº 9.782/99. No caso da ANVISA, ela
possui funções de regulação concorrencial e de regulação dos serviços públicos. No entanto, além disso,
esta agência tem por vocação o exercício de poder de polícia, no caso, o controle sanitário.

Esse poder de polícia é exercido por meio da prática de atos específicos, de efeitos concretos, e também
pela edição de atos normativos abstratos, de alcance generalizado. Desse modo, a competência das
agências reguladoras para editar atos normativos visando à organização e à fiscalização das atividades
por elas reguladas está inserida dentro do poder geral de polícia da Administração.

Vale ressaltar, no entanto, que a função normativa das agências reguladoras, especialmente quando
atinge direitos e deveres dos administrados, subordina-se obrigatoriamente à lei.

Assim, embora dotadas de considerável autonomia, as agências reguladoras somente podem exercer sua
competência normativa segundo os limites impostos pelas leis que as criaram. No caso da ANVISA, a Lei
nº 9.782/99.

Decisão que suspende reajuste das tarifas de transporte público urbano viola a
ordem pública

A interferência judicial para invalidar a estipulação das tarifas de transporte público urbano
viola a ordem pública, mormente nos casos em que houver, por parte da Fazenda
estadual, esclarecimento de que a metodologia adotada para fixação dos preços era
técnica. Segundo a “doutrina Chenery”, o Poder Judiciário não pode anular um ato
político adotado pela Administração Pública sob o argumento de que ele não se valeu de
metodologia técnica. Isso porque, em temas envolvendo questões técnicas e complexas,
os Tribunais não gozam de expertise para concluir se os critérios adotados pela
Administração são corretos ou não. Assim, as escolhas políticas dos órgãos
governamentais, desde que não sejam revestidas de reconhecida ilegalidade, não podem
ser invalidadas pelo Poder Judiciário. STJ. Corte Especial. AgInt no AgInt na SLS 2240-
SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 7/6/2017 (Info 605).
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1. Poder de polícia não se confunde com segurança pública. O exercício do primeiro


não é prerrogativa exclusiva das entidades policiais, a quem a Constituição outorgou,
com exclusividade, no art. 144, apenas as funções de promoção da segurança pública. 2.
A fiscalização do trânsito, com aplicação das sanções administrativas legalmente
previstas, embora possa se dar ostensivamente, constitui mero exercício de poder de
polícia, não havendo, portanto, óbice ao seu exercício por entidades não policiais. 3. O
Código de Trânsito Brasileiro, observando os parâmetros constitucionais, estabeleceu a
competência comum dos entes da federação para o exercício da fiscalização de trânsito.
4. Dentro de sua esfera de atuação, delimitada pelo CTB, os Municípios podem determinar
que o poder de polícia que lhe compete seja exercido pela guarda municipal. 5. O art.
144, §8º, da CF, não impede que a guarda municipal exerça funções adicionais à de
proteção dos bens, serviços e instalações do Município. Até mesmo instituições
policiais podem cumular funções típicas de segurança pública com exercício de poder de
polícia. Entendimento que não foi alterado pelo advento da EC nº 82/2014. 6.
Desprovimento do recurso extraordinário e fixação, em repercussão geral, da seguinte
tese: é constitucional a atribuição às guardas municipais do exercício de poder de
polícia de trânsito, inclusive para imposição de sanções administrativas legalmente
previstas. (RE 658570, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min.
ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 06/08/2015, ACÓRDÃO
ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-195 DIVULG 29-09-2015
PUBLIC 30-09-2015)

O que acontece se, no momento do trânsito em julgado, o condenado por


improbidade administrativa ocupa cargo diferente daquele que exercia na prática
do ato?

O que acontece se, no momento do trânsito em julgado, o condenado ocupa cargo


diferente daquele que exercia na prática do ato? Se o agente público tiver mudado de
cargo, ele poderá perder aquele que atualmente ocupa? Ex: em 2012, João, na época
Vereador, praticou um ato de improbidade administrativa; o MP ajuizou ação de
improbidade contra ele; em 2018, a sentença transitou em julgado condenando João à
perda da função pública; ocorre que João é atualmente Deputado Estadual; ele perderá o
cargo de Deputado? 1ª corrente: NÃO. É a posição da 1ª Turma do STJ. O condenado
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só perde a função pública que ele utilizou para a prática do ato de improbidade. As normas
que descrevem infrações administrativas e cominam penalidades constituem matéria de
legalidade estrita, não podendo sofrer interpretação extensiva. Assim, a sanção de perda
da função pública prevista no art. 12 da Lei nº 8.429/92 não pode atingir cargo público
diverso daquele que serviu de instrumento para a prática da conduta ilícita. STJ. 1ª Turma.
REsp 1766149/RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 08/11/2018. 2ª corrente: SIM.
É a posição da 2ª Turma do STJ e da doutrina majoritária. A sanção de perda da função
pública visa a extirpar da Administração Pública aquele que exibiu inidoneidade (ou
inabilitação) moral e desvio ético para o exercício da função pública, abrangendo qualquer
atividade que o agente esteja exercendo no momento do trânsito em julgado da
condenação. STJ. 2ª Turma. RMS 32378/SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em
05/05/2015.

A nomeação da esposa do prefeito como Secretária Municipal não configura, por si


só, nepotismo e ato de improbidade administrativa

A nomeação do cônjuge de prefeito para o cargo de Secretário Municipal, por se tratar de


cargo público de natureza política, por si só, não caracteriza ato de improbidade
administrativa. STF. 2ª Turma. Rcl 22339 AgR/SP, Rel. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac.
Min. Gilmar Mendes, julgado em 4/9/2018 (Info 914). Em regra, a proibição da SV 13 não
se aplica para cargos públicos de natureza política, como, por exemplo, Secretário
Municipal. Assim, a jurisprudência do STF, em regra, tem excepcionado a regra sumulada
e garantido a permanência de parentes de autoridades públicas em cargos políticos, sob
o fundamento de que tal prática não configura nepotismo. Exceção: poderá ficar
caracterizado o nepotismo mesmo em se tratando de cargo político caso fique
demonstrada a inequívoca falta de razoabilidade na nomeação por manifesta ausência de
qualificação técnica ou inidoneidade moral do nomeado. STF. 1ª Turma. Rcl 28024 AgR,
Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 29/05/2018.

Necessidade de efetivo dano para configurar o art. 10

Em regra, para a configuração dos atos de improbidade administrativa previstos no art. 10


da Lei nº 8.429/92 exige-se a presença do efetivo dano ao erário. Exceção: no caso da
conduta descrita no inciso VIII do art. 10, VIII não se exige a presença do efetivo dano ao
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erário. Isso porque, neste caso, o dano é presumido (dano in re ipsa). STJ. 1ª Turma.
AgInt no REsp 1542025/MG, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 05/06/2018. Art.
10 (...) VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para
celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los
indevidamente.

Ação de improbidade administrativa: ministro de estado e foro competente

Os agentes políticos, com exceção do Presidente da República, encontram-se sujeitos a


duplo regime sancionatório, de modo que se submetem tanto à responsabilização civil
pelos atos de improbidade administrativa quanto à responsabilização político-
administrativa por crimes de responsabilidade. O foro especial por prerrogativa de função
previsto na Constituição Federal em relação às infrações penais comuns não é extensível
às ações de improbidade administrativa. STF. Plenário. Pet 3240 AgR/DF, rel. Min. Teori
Zavascki, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 10/5/2018 (Info 901).

É possível aplicar cassação de aposentadoria como sanção por ato de


improbidade?

O art. 12 da Lei nº 8.429/92 não prevê a cassação de aposentadoria como sanção. Mesmo
assim, é possível a sua imposição? O indivíduo que praticar ato de improbidade
administrativa poderá receber, como punição, a cassação de sua aposentadoria? 1ª
corrente: NÃO. É a posição da 1ª Turma do STJ. O art. 12 da Lei nº 8.429/92, quando
cuida das sanções aplicáveis aos agentes públicos que cometem atos de improbidade
administrativa, não prevê a cassação de aposentadoria, mas tão só a perda da função
pública. As normas que descrevem infrações administrativas e cominam penalidades
constituem matéria de legalidade estrita, não podendo sofrer interpretação extensiva. STJ.
1ª Turma. AgInt no REsp 1643337/MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 19/04/2018.
2ª corrente: SIM. É a posição da 2ª Turma do STJ. É possível a aplicação da pena de
cassação de aposentadoria, ainda que não haja previsão expressa na Lei nº 8.429/92.
Isso porque se trata de uma decorrência lógica da perda de cargo público, sanção essa
última expressamente prevista no referido texto legal. STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp
1628455/ES, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 06/03/2018.
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Aplica-se às ações de improbidade administrativa o reexame necessário previsto


no art. 19 da lei da ação popular

A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência de ação de improbidade


administrativa está sujeita ao reexame necessário, com base na aplicação subsidiária do
CPC e por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65. STJ. 1ª
Seção.EREsp 1220667-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 24/5/2017 (Info 607).

Surgimento de novas vagas + necessidade do provimento + inexistência de


restrição orçamentária = direito subjetivo à nomeação

O candidato aprovado em concurso público fora do número de vagas tem direito subjetivo
à nomeação caso surjam novas vagas durante o prazo de validade do certame, haja
manifestação inequívoca da administração sobre a necessidade de seu provimento e não
tenha restrição orçamentária. STJ. 1ª Seção. MS 22.813-DF, Rel. Min. Og Fernandes,
julgado em 13/06/2018 (Info 630).

O candidato aprovado fora do número de vagas, mas que fique dentro do número
de vagas em virtude da desistência de alguém melhor colocado, passa a ter direito
subjetivo de ser nomeado

A desistência de candidatos melhor classificados em concurso público convola a mera


expectativa em direito líquido e certo, garantindo a nomeação dos candidatos que
passarem a constar dentro do número de vagas previstas no edital. STJ. 1ª Turma.RMS
53506-DF, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 26/09/2017 (Info 612). STJ. 2ª
Turma. RMS 52251/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 05/09/2017. STF.
1ª Turma. ARE 1058317 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 01/12/2017.

Em regra, não se aplica a teoria do fato consumado a candidato que assumiu o


cargo por força de decisão precária posteriormente revertida

Não é compatível com o regime constitucional de acesso aos cargos públicos a


manutenção no cargo, sob fundamento de fato consumado, de candidato não aprovado
que nele tomou posse em decorrência de execução provisória de medida liminar ou outro
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provimento judicial de natureza precária, supervenientemente revogado ou modificado.


Igualmente incabível, em casos tais, invocar o princípio da segurança jurídica ou o da
proteção da confiança legítima. A posse ou o exercício em cargo público por força de
decisão judicial de caráter provisório não implica a manutenção, em definitivo, do
candidato que não atende a exigência de prévia aprovação em concurso público (art. 37,
II, da CF/88), valor constitucional que prepondera sobre o interesse individual do
candidato, que não pode invocar, na hipótese, o princípio da proteção da confiança
legítima, pois conhece a precariedade da medida judicial. Em suma, não se aplica a teoria
do fato consumado para candidatos que assumiram o cargo público por força de decisão
judicial provisória posteriormente revista. STF. Plenário. RE 608482/RN, Rel. Min. Teori
Zavascki, julgado em 7/8/2014 (repercussão geral) (Info 753). O STJ possui o mesmo
entendimento: STJ. 1ª Turma. AgRg no AREsp 474423/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes
Maia Filho, julgado em 04/04/2017. Obs: a situação será diferente se o servidor se
aposentou antes do fim do processo: STJ. 1ª Seção. MS 20.558-DF, Rel. Min. Herman
Benjamin, julgado em 22/2/2017 (Info 600).

Surgimento de vaga durante o período validade do concurso e abertura de novo


certame logo depois do primeiro concurso expirar

Determinado candidato foi aprovado fora do número de vagas. Todos os aprovados dentro
do número de vagas foram nomeados e empossados. Durante o prazo de validade do
concurso, um servidor se aposentou, mas não houve autorização do Ministério do
Planejamento para que o órgão federal fizesse o provimento desta vaga. Um mês após o
fim do prazo de validade do concurso, a Administração Pública abriu novo concurso para
este cargo. O STF entendeu que este candidato não possui direito líquido e certo à
nomeação porque: * foi aprovado fora do número de vagas previsto no edital; e * o prazo
de validade do concurso em que ele foi aprovado expirou antes da abertura do novo
certame. * realmente surgiu uma vaga decorrente da aposentadoria, mas não houve
manifestação do órgão competente se havia disponibilidade orçamentária para que este
cargo fosse imediatamente provido. O mero surgimento de vagas ou a abertura de novo
concurso para o mesmo cargo não gera direito subjetivo à nomeação do candidato
aprovado fora do número de vagas, cabendo a ele demonstrar, de forma inequívoca, que
houve preterição arbitrária e imotivada por parte da administração pública. No caso
concreto, o STF entendeu que isso não ficou comprovado. Assim, para o Tribunal, a
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situação não se enquadra nas hipóteses previstas no RE 837311/PI. STF. 1ª Turma. RMS
31478/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em
9/8/2016 (Info 834).

Aprovação e direito à nomeção: tese fixada pelo STF em repercussão geral

O surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo,


durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à
nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as
hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizada
por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca
necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser
demonstrada de forma cabal pelo candidato. Assim, o direito subjetivo à nomeação do
candidato aprovado em concurso público exsurge nas seguintes hipóteses: a) quando a
aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital; b) quando houver
preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação; e c) quando
surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame
anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da
administração nos termos acima. STF. Plenário. RE 837311/PI, Rel. Min. Luiz Fux, julgado
em 09/12/2015 (repercussão geral) (Info 811).

Sociedade de economia mista que contrata escritório em vez de convocar


advogados aprovados

Se existem candidatos aprovados para advogado da sociedade de economia mista e esta,


no entanto, em vez de convocá-los, contrata escritório de advocacia, tal contratação é
ilegal, surgindo o direito subjetivo de que sejam nomeados os aprovados. Segundo
entende o STF, a ocupação precária por terceirização para desempenho de atribuições
idênticas às de cargo efetivo vago, para o qual há candidatos aprovados em concurso
público vigente, configura ato equivalente à preterição da ordem de classificação no
certame, ensejando o direito à nomeação. A competência para julgar essa ação é da
Justiça do Trabalho. Isso porque essa Justiça laboral especializada é competente para
julgar não apenas as demandas relacionadas com o contrato de trabalho já assinado, mas
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também para as questões que envolvam o período pré-contratual. STF. 2ª Turma. ARE
774137 AgR/BA, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 14/10/2014 (Info 763).

O termo inicial do prazo decadencial para a impetração de mandado segurança, na


hipótese em que o candidato aprovado em concurso público não é nomeado, é o
término do prazo de validade do concurso

Somente depois de expirado o prazo de validade do concurso, e não havendo a nomeação


regular do candidato classificado, é que haverá o termo inicial do prazo decadencial para
a ação de mandado de segurança. STJ. 2ª Turma. RMS 55464/RJ, Rel. Min. Mauro
Campbell Marques, julgado em 21/11/2017. STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1417814/SC,
Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 11/09/2018.

O encerramento do concurso público não conduz à perda do objeto do mandado de


segurança que busca aferir suposta ilegalidade praticada em alguma das etapas do
processo seletivo

O encerramento do concurso público não acarreta a perda do objeto da ação


mandamental na qual se discute suposta ilegalidade praticada em etapa do certame. STJ.
2ª Turma. REsp 1681156/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 03/10/2017.

O Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública que vise anular
ato administrativo de aposentadoria que importe em lesão ao patrimônio público.
STF. Plenário. RE 409356/RO, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25/10/2018
(repercussão geral) (Info 921).

Imagine a seguinte situação hipotética:

O Promotor de Justiça foi informado de que determinado servidor público se


aposentou mesmo sem ter completado todo o tempo de contribuição necessário. Além
disso, no cálculo de sua aposentadoria, foram incluídas vantagens e gratificações
indevidas, cujo valor superou, inclusive, o teto constitucional. Diante disso, ajuizou ação
civil pública contra o Estado-membro e contra o referido servidor requerendo a anulação
do ato de concessão da aposentadoria.
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O Ministério Público possui legitimidade para propor esta ação? Claro.

Previsão constitucional: O Ministério Público possui legitimidade para a tutela coletiva


destinada à proteção do patrimônio público. Essa legitimidade encontra amparo em
diversos dispositivos da Constituição Federal, valendo destacar os seguintes:

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função


jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

(...)

II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância
pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas
necessárias a sua garantia;

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

(...)

IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com
sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica
de entidades públicas.

Patrimônio público é interesse transindividual

A Constituição reserva ao MP ampla atribuição no campo da tutela do


patrimônio público, que é um interesse de cunho inegavelmente transindividual.

O combate em juízo à dilapidação ilegal do erário configura atividade de defesa


da ordem jurídica, dos interesses sociais e do patrimônio público, funções institucionais
atribuídas ao Ministério Público pela Constituição. Entendimento contrário não apenas
afronta a textual previsão da Carta Magna, mas também fragiliza o sistema de controle da
Administração Pública.

Substituto processual

Ao ajuizar ação coletiva para a tutela do erário, o Ministério Público não age
como representante da entidade pública, e sim como substituto processual de uma
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coletividade indeterminada, qual seja, a sociedade como um todo. Isso porque a


sociedade é titular do direito à boa administração do patrimônio público.

O MP é titular do direito à boa administração do patrimônio público, da mesma


forma que qualquer cidadão pode ajuizar ação popular com o mesmo objetivo (art. 5º,
LXXIII, da CF/88).

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