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Índice
Previsão- CRIMES
Normas penais
Estatuição- PENAS / MEDIDAS DE
SEGURANÇA
Em sentido amplo
“Se for cometido um crime” (previsão)- norma criminal em sentido estrito: está
implícita uma norma de conduta primária- o facto previsto é o facto violador da norma,
se houver tipicidade (comportamento que se encaixa no facto descrito) então deve haver
punição
“Então dever-se-á aplicar uma pena” (estatuição)- norma penal em sentido estrito: é
uma norma sancionatória dirigida ao juiz, sendo que as pessoas não vão ser
automaticamente sancionadas, surge um dever dirigido ao juiz, é atribuído o poder
punitivo ao Estado
Figueiredo Dias: conjunto das normas jurídicas que ligam a certos comportamentos humanos, os
crimes, específicas consequências jurídicas privativas deste ramo de direito
Distingue entre:
§ Direito Penal Objetivo (ius poenale)- expressão do poder punitivo do Estado
§ Direito Penal Subjetivo (ius puniendi)- poder punitivo do Estado resultante da
sua soberana competência para considerar como crimes certos comportamentos
humanos e ligar-lhes sanções específicas
Teresa Beleza: definir o Direito Penal como um conjunto de normas que têm uma previsão que
é o crime, e uma estatuição que é a pena, é dar uma definição puramente formal/estrutural, o que
não resolve os problemas da sua delimitação rigorosa
® A estrutura de uma previsão que define um crime e de uma estatuição que define
uma pena é particularmente óbvia em relação aos artigos da parte especial; mas o
mesmo não ocorre quanto à parte geral
Maria Fernanda Palma: não podemos reconhecer uma norma como penal apenas porque o
legislador designou os factos que previu como crimes e as sanções que estatui como penas. O
crime e a pena têm um conteúdo pré-legislativo indisponível1, não podemos reconhecer uma
norma como penal apenas porque o legislador designou os factos que previu como crime e as
sanções que estatuiu como penal
¿ há uma certa vinculação entre a noção de “crime” dos diversos grupos sociais e a
definição legislativa, isto é, as representações sociais sobre o crime pontos de referência
do legislador penal na definição jurídica de crime;
¿ Regente: não é correto afirmar que uma conduta é criminosa porque é punida, dado que
tal deriva de uma convicção errónea de que o Direito cria absolutamente o seu objeto—
só é criminoso o comportamento que mereça uma pena, sendo que a Teoria do Direito
Penal terá de encontrar o sentido jurídico último do crime e da pena enquanto
manifestações de ilícito e de sanção.
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Indisponibilidade que revela já uma relação entre a definição material de Direito Penal
e a temática da legitimidade constitucional
As necessidades humanas são diversas porque estão associadas a interesses de cada um, contudo,
há necessidades comuns que permitem desenvolvimento da pessoa e vida humana digna. A base
é a justiça em que leis, normas e restrições de direito se justificam pelo interesse e necessidade
de desenvolver capacidades
Gravidade do facto não se define apenas pela tradição ou moral dominante ou pela vontade da
maioria, sendo que há uma necessária relação com fins do Estado e princípios de justiça
Os critérios de necessidade e de utilidade só são aceitáveis na medida em que se articulem com
os princípios de justiça.
® O Direito Penal que serve a proteção das capacidades não é um Direito Penal
retributivo, mas reintegrativo, justificado pelo melhor desenvolvimento tanto das
possibilidades das potenciais vítimas como dos próprios agentes.
Criminologia: consiste em estudos científicos não jurídicos sobre o crime enquanto fenómeno
social. Tradicionalmente, é entendido como uma ciência de base descritiva e não normativa,
ou seja, não pretende demonstrar o que deve ser crime nem como se deve responder ao crime,
antes pretende compreendê-lo e explicá-lo.
Conceções de identificação do crime:
® Uma deficiência do indivíduo.
® Uma deficiência da socialização.
® Uma deficiência da sociedade.
® Um produto de construção social.
Três perspetivas metodológicas:
® Crime como acontecimento individual que reúne as conceções biopsicológicas
tradicionais (realidade objetivamente identificável).
® Crime é visto como alteração de um padrão de comportamento que é tido como
normal.
® Crime como acontecimento social, baseado em padrões sociais de ação (realidade
objetivamente identificável).
® Crime é visto como alteração de um padrão de comportamento que é tido como
normal.
® Crime como fenómeno significativo e comunicacional (depende da definição de conceitos
pelo próprio sujeito).
A. Deficiência do indivíduo
Conceção das teses biologistas:
Discussão desloca-se para a pessoa que comete os crimes e o determinismo biológico e/ou
psicológico que leva tal pessoa a cometer o crime.
Lombroso (finais século XIX):
® Deficiência do indivíduo devido a fatores biológicos.
® Criminosos seriam delinquentes natos, próximos dos primitivos que, independentemente do
meio social, não poderiam deixar de cometer crimes.
® O crime depende da constituição biológica do delinquente (traços biológicos: tamanho e
forma do crânio, assimetrias faciais, orelhas grandes, lábios e caninos salientes; traços sociais
e psicológicos: resistência à dor, tatuagens, cretinismo moral).
® Críticas:
® Comparação dos crânios que permitia chegar a tais conclusões não incluía o estudo
de não criminosos.
® Conexões entre o funcionamento do cérebro e o comportamento humano não
permitem concluir, pela sua complexidade, que haja uma causalidade linear entre
fenómenos registados no cérebro e determinados comportamentos.
® Numa primeira fase não considerava uma série de fatores que estariam subjacentes à
prática de crimes, embora posteriormente viesse a considerar o papel da educação na
prevenção da criminalidade.
® Repercutia os preconceitos existentes na sociedade na época (Exemplo: prostitutas).
B. Deficiência da socialização
Durkheim:
® Deficiência da socialização.
® Crime seria uma expressão do funcionamento normal de todas as sociedades.
® Fenómenos de indiferença às normas e consequente teoria da anomia, seguindo o
entendimento de que o indivíduo é impermeável à existência de regras, suscitados pela
organização das sociedades, nomeadamente pela divisão do trabalho social.
® Acentuou a raiz dos comportamentos antissociais na natureza das estruturas sociais.
Portanto, é na ideia o princípio da necessidade da pena que vamos encontrar uma razão
universalizável no âmbito do conceito material de crime.
® Esta razão universalizável ira se dividir em dois planos num plano subjetivo e num plano
objetivo.
§ No plano objetivo pode existir, um dado facto à luz do 18º/2 que justificasse a
incriminação, mas que subjetivamente o controlo do agente sobre o dano não é
reconhecido, não tendo agente assim controlo sobre o resultado, o direito penal
não pode intervir. O direito penal não pode limitar a liberdade do agente
quando este não tem culpa.
§ O plano subjetivo traduz-se na responsabilidade do agente, já que retirar a
liberdade ao agente é algo gravíssimo, que tem de estar proporcionalmente ligada
a pena em si. É necessário assim criar uma metodologia, com base nas
características específicas nas sanções criminais.
Podemos assim concluir que a definição de crime passa pelo princípio da necessidade de
pena, sendo assim uma questão de valores constitucionais e da relação entre o Estado e os
cidadãos.
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Um formalista dirá que é necessário e suficiente
Crime: ofensa a (conduta ofensiva de) um bem jurídico, cuja incriminação (consagração legal)
se afigura como adequada, necessária e proporcional”
Bem jurídico- as normas criminais têm por função ou finalidade tutelar/proteger bens jurídicos
(proibindo a conduta ofensiva de bens jurídicos)
— Figueiredo Dias: “expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na
manutenção ou integridade de um certo estado, objeto ou bem em si mesmo socialmente
relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso” —2 elementos
fundamentais: referência aos valores jurídicos (não morais) e ao que seja
juridicamente reconhecido
— Maria Fernanda Palma: “condições essenciais de liberdade da pessoa e de
funcionamento do Estado de direito democrático”
— Ricardo Tavares da Silva: “bem jurídico” é um valor jurídico- o que é juridicamente
relevante- sendo um apelo a valores estritamente jurídicos, não valores morais—o
Direito Penal tem carga ética, mas no sentido de valioso e não de moral
— Claus Roxin: “condições e finalidades necessárias ao livre desenvolvimento do
indivíduo, à realização dos seus direitos fundamentais e ao funcionamento de um sistema
estatal construído em torno dessa finalidade”
Podemos dizer que o CMC resulta da função atribuída ao direito penal de tutela subsidiária
de bens jurídicos dotados de dignidade penal. Daqui podemos retirar dois pressupostos:
® dignidade de tutela penal, o bem jurídico tutelado tem que ter dignidade penal, ou seja,
só pode haver incriminação se pretendemos tutelar o bem;
® necessidade da pena, a incriminação só é legítima se não houver outros meios, menos
gravosos do que o direito penal e que tutelem de forma eficaz o bem.
® Artigo 18º/2 CRP
® A violação de um bem jurídico penal não basta por si para desencadear a
intervenção, já que se requer que esta seja absolutamente indispensável à livre
realização da personalidade de cada um na comunidade – neste caso a
intervenção do direito penal é de natureza definitivamente subsidiária.
Contudo, mesmo o individualismo irá defender que o ilícito jurídico implica danosidade das
relações sociais dado que estas são uma mera colaboração entre indivíduos; já o ilícito moral
(imoralidade) será uma pura ofensa ao valor individual, realizada fora de qualquer contexto de
relacionamento com outrem—o individualista acerca da sociedade não a está a reduzir ao
indivíduo e, do mesmo modo, o individualista acerca do DP não o está a reduzir à moral. Assim,
o individualista acerca dos bens jurídicos não os está a reduzir aos bens morais.
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Lotze, Windelband, Rickert, Radbruch, Scheler, Hartmann, etc
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Dado que não se fala em “bens jurídicos individuais” e em “bens jurídicos coletivos”
Um bem jurídico político – criminalmente tutelável existe onde se encontre refletido num valor
jurídico – constitucionalmente reconhecido em nome do sistema social total e que, deste modo
se pode afirmar que “preexiste” ao ordenamento jurídico–constitucional e a ordem legal– jurídico-
penal – dos bens jurídicos tem por força de verificar-se uma qualquer relação de mútua referência.
Relação que não será de “identidade”, ou mesmo só de “recíproca cobertura”, mas de analogia
material, fundada numa essencial correspondência de sentido e – do ponto de vista da sua tutela
– de fins. Correspondência que deriva, ainda ela, de a ordem jurídico – constitucional constituir
o quadro obrigatório de referência e, ao mesmo tempo, o critério regulativo da atividade
punitiva do Estado. É nesta aceção que os bens jurídicos protegidos pelo direito penal devem
considerar-se concretizadores dos valores constitucionais expressa ou implicitamente
ligados aos direitos e deveres fundamentais e à ordenação social, política e económica. É por
esta via que os bens jurídicos se “transformam” em bens jurídicos dignos de tutela penal ou com
dignidade jurídico-penal, em bens jurídico-penais.
Não constituindo um conceito fechado, o bem jurídico é discutido pela doutrina em questões
relativas à sua concreta verificação, como a de saber se protegem autênticos bens jurídicos
incriminações como a interrupção voluntária da gravidez ou a plantação para consumo de drogas.
Consequências desta orientação:
× Puras violações morais não conformam como tais a lesão de um autêntico bem jurídico e
não podem, por isso, integrar o conceito material de crime. O Professor Figueiredo Dias
dá o exemplo do art.169º/1, onde o legislador criminalizou puras situações tidas como
imorais, considerando o preceito materialmente inconstitucional, pois o bem jurídico
‘’liberdade e autodeterminação sexual’’ da prostituta não está em causa.
× Do mesmo modo não conformam autênticos bens jurídicos proposições (ou imposições
de fins) meramente ideológicos. O Professor Figueiredo Dias defende que situações como
o consumo de drogas ou apologia de uma qualquer doutrina religiosa, política ou cultural
não podem constituir objeto de criminalização.
× Objeto de criminalização não deve ainda constituir, por igual motivo, a violação de
valores de mera ordenação, subordinados a uma certa política estatal e por isso de entono
claramente jurídico – administrativo.
Diz-se que tem de existir entre a ordem constitucional e a ordem legal de bens jurídicos uma
relação de implicação, no sentido em que todo o bem jurídico penalmente relevante tem de
encontrar uma referência, expressa ou implícita, na ordem constitucional dos direitos e
deveres fundamentais.
× A finalidade de dirimir o crime, bem como os meios empregues têm de estar consagrados
na CRP—respeitando o princípio da legalidade (para existir previsibilidade) e o
princípio da constitucionalidade (dignidade ou relevância especial);
× O catálogo dos direitos fundamentais (art.24º a 79º) dá a finalidade de combate ao
crime—o Estado está vinculado à “realização” destes;
× Art. 18º/2 da CRP disciplina os meios a que se pode recorrer: “A lei só pode restringir
os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição,
devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou
interesses constitucionalmente protegidos” – princípio da proporcionalidade em
sentido amplo, que abrange o princípio da adequação, o princípio da necessidade e o
princípio da proporcionalidade em sentido estrito.
5. A jurisprudência do TC5
O nosso TC tem aderido ao princípio do direito penal do bem jurídico, aos seus fundamentos e à
suas consequências, elevando-o à categoria de princípio jurídico-constitucional material
implícito, por referência ao art. 18º/2 da CRP.
— “o que justifica a inclusão de certas situações no direito penal é a subordinação a uma
lógica de estrita necessidade das restrições de direitos e interesses que decorrem da
aplicação de penas públicas (art. 18º/2 CRP). E é também ainda a censurabilidade
imanente de certas condutas (...). Em suma é, desse logo, a existência de dignidade
punitiva prévia das condutas enquanto expressão de uma elevada gravidade ética e
merecimento de culpa que se exprime no princípio constitucional de necessidade das
penas” (Ac. Do TC 211/95)
— (Ac. 377/2015): o “princípio da necessidade de pena” está sediado no art. 18º/2 CRP.
A decisão de política legislativa que se traduz na previsão de um novo tipo criminal só
será conforme ao previsto no art. 18º/2 da CRP se o bem jurídico por esse novo tipo
protegido se mostrar digno de tutela penal; a mesma decisão de política legislativa só
passará o crivo da legitimação constitucional se o bem jurídico protegido pelo novo
tipo incriminador se relar carente de tutela penal;
5
ver acórdãos das aulas práticas
Só vale a pena, só tem sentido tornar certos atos crime quando não forem
suficientes um outro tipo de medidas que podem ser, por exemplo, medidas civis,
administrativas, de política social... A intervenção penal está limitada pelo princípio da
proporcionalidade em sentido amplo: o DP só pode intervir nos casos em que todos os
outros meios da política jurídica não penal, se revelem insuficientes ou inadequados, sob
pena de violação dos princípios da subsidiariedade e da proibição de excesso.
Há então uma tutela subsidiária (de ultima ratio) de bens jurídico penais
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como é explícito em Becker que acentua que nada define o crime como uma categoria
específica de comportamentos antes de alguém ser estigmatizado num processo de
interação social como delinquente.
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A diferença entre as teorias está relacionada com o elemento a que se refere a
legitimação do Direito Penal
MFP acredita que só num plano jurídico-político é que é possível chegar a uma decisão sobre
que natureza o bem jurídico deve assumir, sendo que realça que existe a preocupação de apoiar
numa perspetiva não meramente de preferência normativa, mas científica, o conceito de bem
jurídico, procurando-se geralmente situar na estrutura social os critérios que tornam
necessária a incriminação de determinadas condutas e a proteção de certos bens
® Por isso, o conceito de bem jurídico, enquanto elemento natural, pré-jurídico, de
validade absoluta, tende a ser absorvido pelos fins concretos que cada sociedade deverá
realizar, sendo os sistemas sociais auto-referentes, construindo a sua legitimidade;
A teoria dos sistemas diz que a sociedade não é um fenómeno pura e simplesmente político: a
sociedade é antes um sistema social, isto é, a sociedade desempenha determinadas funções, cuja
análise permite caracterizá-la como um sistema.
® Essas funções consistem na institucionalização da redução de complexidade: o conjunto
das relações sociais organiza-se em diversos níveis autónomos, de acordo com as
respetivas funções, progressivamente diferenciadas, como por exemplo as relações
sexuais, as familiares, as ligadas à escola e à política. Todos esses níveis (subsistemas) se
interrelacionam, gerando uma grande complexidade nas relações sociais.
® A sociedade seria a última função social concebível, da qual resultaria que a enorme
complexidade da interrelação dos agentes sociais – proveniente de as condutas humanas
Nas sociedades modernas, as formas de interajuda dos seus membros para a satisfação das
respetivas necessidades são substituídas pelo crédito financeiro, assegurado juridicamente,
através do qual novas espécies de combinações com riscos e vantagens mais elevados são
possíveis.
® A função de auxílio social desvincula-se da interajuda familiar ou da vizinhança, passando
a existir um sistema diferenciado para cumprir essa função, sendo que com esta
diferenciação de funções, tornam-se mais complexas as relações sociais e mais difícil a
previsão pelos agentes dos comportamentos dos outros agentes. É então necessário reduzir
esta complexidade, institucionalizando condutas que podem ser geralmente aceites e
assegurando juridicamente a sua prática, garantindo-se a interação social.
® O Direito é a estrutura da sociedade que regula e assegura a institucionalização de relações
de sentido constantes entre ações—assim, a partir de uma nova conceção de sociedade,
chega-se a uma nova definição de Direito – o Direito não é um “dever moral” ou um
“imperativo político”, mas apenas a institucionalização de expectativas de ação.
® Em face disto, toda a conduta desviada em relação à norma surge como uma frustração das
expectativas de comportamento asseguradas juridicamente.
Esta conceção da função do Direito conduz à função simbólica da pena e do Direito Penal de
JAKOBS: o ponto de vista de que o DP visa proteger bens jurídicos é substituída—a função do
DP é manter padrões de ação que organizam as expectativas sociais sobre o comportamento
alheio, ou seja, o DP não protege bens jurídicos, mas sim a vigência da norma.
® A aplicação da pena é vista como a oportunidade de controlar a interação social. Assim, o
funcionalismo, a versão de JAKOBS, destrói a legitimação do Direito penal num conceito
material de crime, porque refere os bens jurídicos aos fins definidos pelo sistema e porque
atribui ao Direito penal uma função ideal ou simbólica de controlo social.
MFP: a visão funcionalista não anula absolutamente a função crítica interna ao sistema do
conceito material de crime, pela referência de toda a legitimidade da proteção jurídico-penal aos
fins sociais—e dado que a definição destes fins surge apenas como efeito objetivo da ação dos
indivíduos, o funcionalismo não exclui a discussão sobre o objeto da infração criminal, apenas
reduz a fundamentação da validade a uma adequação das decisões legislativas a uma ideia de
funcionalidade sistémica.
1. REFERÊNCIA AO CMC
Podemos dizer que o CMC resulta da função atribuída ao direito penal de tutela subsidiária de
bens jurídicos dotados de dignidade penal.
4. CONFORMIDADE CONSTITUCIONAL
Averiguar se a norma penal está constitucionalmente conforme – só a AR pode aprovar a
norma incriminadora, ou o Governo mediante autorização legislativa, sob pena de
inconstitucionalidade orgânica – art.165º/1/c).
Indicar os bens jurídicos que estão em causa na norma.
5. ARGUMENTOS
A concretização do bem jurídico deve atender a certas diretrizes, isto é, com base nos argumentos
apresentados pelo Tribunal e Ministério Público ao longo dos acórdãos podemos ver que há uma
linha de raciocínio que se repete, que tem por base o seguinte:
1. Leis penais arbitrárias, fundadas em fins ideológicos ou contrárias a direitos
fundamentais, não protegem quaisquer bens jurídicos;
2. Comportamentos imorais ou reprováveis não fundamentam, por si só a lesão de um bem
jurídico;
3. Proteção de sentimentos apenas pode corresponder à proteção de um bem jurídico quando
pressuponha uma ameaça real;
4. Autolesão consciente e responsável bem como o auxílio que lhe seja prestado, não põe
em causa qualquer bem jurídico de outrem;
5. Penas simbólicas não desempenham a função de proteção de bens jurídicos;
6. Crenças e tabus não são bens jurídicos;
7. Objetos de tutela abstratos que sejam de difícil apreensão não poder ser tidos como bens
jurídicos – devem ser construídos;
8. Bem jurídico coletivo não pode ser objeto de tutela de determinada norma incriminadora,
sempre que tal implique simultaneamente a lesão de um bem jurídico individual.
O problema dos fins das penas é uma questão histórica que no fundo está na base de toda a teoria
penal que se discute e nas questões fulcrais da legitimação e fundamentação da intervenção do
Estado no direito penal. Ao longo do tempo, podemos identificar duas teorias relativas ao
problema do fim das penas:
® Teorias absolutas (ligadas às doutrinas de retribuição e expiação)
® Teorias relativas (ligadas às doutrinas de prevenção geral, especial e individual)
Teorias relativas
Entendem que os fins das penas já não se dirigem para o passado, mas sim, para os efeitos que
estas vão ter no futuro. São sempre teses preventivas, na medida em que querem prevenir algo,
tendo por base uma finalidade construtiva da sociedade. A diferença irá residir naquilo que
querem prevenir – doutrinas da prevenção.
¿ Aquilo que as teses da prevenção têm em comum é o objetivo de atuar psiquicamente
sobre a generalidade dos membros da sociedade, afastando-os da prática dos crimes
Teorias mistas
As teorias mistas tendem a combinar a ideia retributiva e as ideias preventivas. Algumas, acolhem
mesmo a ideia de retribuição, dizendo que o fim das penas está na pena retributiva atribuída
consoante os pontos de vista da prevenção geral e especial, ou então, a ideia de uma pena
preventiva através da justa retribuição. Ou seja, aqui temos presente uma ideia de retribuição de
culpa como um instrumento subsidiário da intimidação da generalidade e na medida do possível,
de ressocialização do agente. Já outras, designadas como teorias diacrónicas (defendida por
Roxin), acolhem o entendimento de que no momento da ameaça abstrata da pena estaríamos
Críticas:
Professor Figueiredo Dias:
® Critica estas teorias mistas ou unificadoras, na medida em que recorda que a retribuição
ou compensação da culpa não é nem pode constituir uma finalidade da pena;
® As doutrinas absolutas e relativas são irremediavelmente diversas e provêm de conceções
básicas diferentes, pelo que não é possível conciliá-las;
® Quanto às teorias diacrónicas, a pena é uma instituição unitária, deve ser perspetivada da
mesma forma nos vários momentos;
® A unificação das finalidades da pena apenas pode ser feita a nível da prevenção geral e
especial, excluindo qualquer ressonância retributiva, mas ainda assim, teorias de
prevenção integral devem ser rejeitadas, já que permitiria manipular a ideia de culpa e
a intervenção penal perderia o seu pressuposto.
Há uma medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena
se deve propor alcançar, sendo que esta não pode ser excedida (princípio da necessidade). Existe
também um limiar mínimo—defesa do ordenamento jurídico— abaixo do qual já não é
comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a sua função de tutelar bens
jurídicos. É a prevenção geral positiva que fornece uma moldura de prevenção dentro de
cujos limites devem atuar considerações de prevenção especial, e não a culpa.
® Assim, para Figueiredo Dias há um primeiro momento: o de prevenção geral positiva
ou de integração, cujo fundamento é a tutela necessária nos bens jurídico penais no caso
concreto (garantia do princípio da necessidade da pena- art. 18º/2 CRP) e um segundo
momento de prevenção especial positiva/de socialização;
A primazia concedida à função socializadora sobre a de segurança não deve induzir a pensar que
é aquela função como tal que justifica, por si mesma, a aplicação de uma medida—o que justifica
é a necessidade de prevenção da prática futura de factos ilícitos-típicos. É indispensável a
verificação da perigosidade do agente, mas não é suficiente: a tentativa de operar uma socialização
encontra-se ainda na dependência da prática, pelo agente, de um facto qualificado pela lei
como ilícito-típico.
® Figueiredo Dias: o fundamento da aplicação de qualquer medida de segurança criminal
não é em exclusivo a perigosidade do agente, mas sim, em nome da função de
prevenção especial de índole criminal da medida de segurança, aquela perigosidade
apenas se e quando revelada através da prática pelo agente de um facto ilícito-típico;
® Também o facto do inimputável para efeito de comprovação da inimputabilidade e para
indagação da perigosidade do agente e de eventual aplicação de uma medida de segurança
é eventualmente acrescido dos supostos adicionais de punibilidade que ao facto se
refiram: facto ilícito-típico + perigosidade—dois fundamento autónomos da medida
de segurança criminal8.
Se a aplicação da medida de segurança se liga não apenas à perigosidade, mas sempre também
à prática de um facto ilícito-típico, então isso só pode acontecer porque ele participa ainda da
função de proteção de bens jurídicos e de consequente tutela das expetativas comunitárias. O
pressuposto da aplicação de uma medida de segurança não deve ser a prática de um qualquer
facto ilícito-típico, mas só de um facto ilícito- típico grave.
® Também no âmbito das medidas de segurança a finalidade de prevenção geral positiva
cumpre a sua função e, na verdade, uma função autónoma, se bem que no momento da
aplicação se exija incondicionalmente a sua associação à perigosidade.
8
FIGUEIREDO DIAS: a alternativa seria considerar, em definitivo, que o direito
penal não deve continuar a intervir na contenção social da perigosidade dos
inimputáveis
Assim, o professor Figueiredo Dias considera que o princípio da defesa social assume a sua
função legitimadora quando conjugado com o princípio da ponderação de bens
conflituantes—a liberdade da pessoa só pode ser limitada “quando o seu uso conduza, com alta
probabilidade, a prejuízo de outras pessoas que, na sua globalidade, pesa mais do que as
limitações que o causador do perigo deve sofrer com a medida de segurança” (ROXIN).
Maria Fernanda Palma: o conceito de bem jurídico tem vários significados para a delimitação
do conceito material de crime e para a função e legitimação do Direito Penal:
1. Princípio da legalidade
Segundo este princípio, os tribunais estão vinculados a não aplicar sanções penais sem lei
anterior que as preveja e a não aplicar as sanções penais previstas sem que se realizem
determinados pressupostos, igualmente descritos na lei: a perpetuação de uma determinada
conduta considerada crime ou, no caso das medidas de segurança, reveladora de perigosidade
criminal – trata-se neste caso da máxima nullum crimen sine lege (art.29/1 e 3CRP e 1oCP). A
solução do caso concreto está totalmente vinculada a um modelo legal.
® Assim, o principio da legalidade não é apenas uma exigência de utilização de padrões
legais para a qualificação de um facto como merecedor de sanção e para a aplicação
de sanção, mas também a exigência de vinculação total do ato de aplicação de uma
sanção, no caso concreto, a uma decisão já tomada previamente, com um certo grau de
concretização, pelo legislador.
2. Princípio da culpa
Mas este plano de justificação racional do Direito Penal não esgota toda a questão da sua
legitimação—o Direito Penal é legítimo porque os seus comandos e proibições, assim como
o processo que conduz à sua aplicação, realizam ideias culturais de justiça que enformam
as expetativas dominantes na sociedade: é nesta segunda dimensão que o principio da culpa
encontra o seu lugar como fundamento do Direito Penal, apesar de parecer inadequado a vários
padrões de racionalidade jurídica.
® A afirmação de que o princípio da culpa só pode ser fundamento da pena no pressuposto
da realização de um principio de justiça implica, no entanto, a questão da relação do
principio da culpa com a ideia de justiça.
A resposta parece orientar-se em duas direções: a mera censurabilidade ético-pessoal não torna
a pessoa instrumento da sociedade ou do poder (dignidade da pessoa humana) e só a
censurabilidade ético-pessoal permite a discussão do acusado com o poder.
® A primeira ideia corresponde à máxima kantiana de que cada pessoa tem de ser tomada
como um fim em si mesma. A segunda assenta na conceção da realização da justiça
através de um processo em que a sociedade e o acusado se defrontam como partes de um
conflito.
Segundo este entendimento, o principio da culpa passa a assumir uma função de segurança
jurídica, delimitadora da intervenção penal baseada em fins utilitários do Estado – torna-se um
principio restritivo. No entanto, a relação entre o principio da culpa e a ideia de justiça
ultrapassa o papel restritivo, se considerarmos a perspetiva de que a democracia exige igual
consideração pelos interesses e a subjetividade de cada um.
® O principio da culpa é dominantemente aceite como critério de determinação da medida
da culpa. Essencial para a legitimação das normas incriminadoras é, consequentemente,
que os comportamentos incriminados tenham uma configuração que os torne aptos a que
no processo de atribuição de responsabilidade sejam cumpridas estas funções do
principio da culpa.
A igualdade, consagrada no artigo 13º CRP, além de afastar a discriminação entre pessoas, é a
igualdade que subjaz à ideia de proporcionalidade entre a gravidade do ilícito e da pena e é a
igualdade que sustenta a mediação da pena pela culpa.
® Implica que os factos de menor danosidade social sejam sancionados, necessariamente,
com penas mais leves. Da proporcionalidade não se deverá extrair, porém, qualquer
exigência automática de parificação das penas, onde os princípios da culpa ou da
necessidade da pena recomendarem que certo facto seja punido menos gravemente
apesar de a sua danosidade ser idêntica à de outros mais severamente punidos.
® A proporcionalidade é expressão da garantia constitucional de que ninguém pode ser
punido mais severamente do que outrem por um facto menos grave. Já o principio
inverso – o de que ninguém pode ser punido menos severamente do que outrem por
factos idênticos ou mais graves – não se deduz, rigorosamente, da garantia
constitucional da igualdade. A igualdade só se expressa na igualdade de direitos ou na
igualdade de deveres se esta última for necessária à satisfação de direitos alheios. Ora,
não é concebível um direito a que outrem seja mais gravemente punido como expressão
do principio da igualdade.
No centro do Direito Penal, está uma lógica de justiça que não se reduz à mera eficácia. As
sociedades requerem as suas soluções de justiça como meio de satisfação de exigências
culturais, históricas e existenciais. O recurso a linhas de validação extra-sistemáticas, a
referência a mundos lógicos e científicos que incidem sobre o mesmo objeto numa outra
dimensão, permitem colocar o problema da justiça da incriminação numa perspetiva mais
profunda, evitando-se a construção de um intra-mundo jurídico que seja completamente
incompatível e não dialogante com o das outras ciências.
® Poder-se-ia, nesta linha de análise, falar da construção de um modo de fundamentar a
legitimidade das opções criminalizadoras a partir de uma análise mais vasta da
realidade social do crime - uma argumentação com recurso à criminologia, como
conhecimento do crime na sua modelação socio-psicológica e bio-psicológica (modelo
criminológico)
Em conclusão:
— Se tomarmos em conta o argumento criminológico, estabelecendo a relação entre a
informação sobre o crime e os fundamentos de legitimidade do Direito Penal, teremos
dado um passo para a densificação da fórmula do principio da necessidade da pena e
Maria Fernanda Palma: a norma mais exemplar da organização do sistema é o artigo 40ºCP
que estabelece as finalidade da punição. Tal preceito prosseguia o desígnio de estabelecer que o
fundamento da punição seria a prevenção geral na dimensão da proteção de bens jurídicos
(coadjuvada pela prevenção especial) e que a culpa-retribuição apenas conteria uma função
restritiva, como resulta do artigo 40º/2.
® A lógica deste sistema, no âmbito das penas, seria fazer depender o se da punição da
necessidade preventiva, entendida nos termos da prevenção geral positiva, a que
acresceria a prevenção especial, e remeter as razões de censurabilidade pessoal do
agente com a motivação pelo cumprimento do dever medianamente exigível para o papel
acessório de limite formal da medida da pena.
Deste modo, logo na própria seleção legislativa dos comportamentos puníveis não pode caber
apenas uma perspetiva de satisfação do interesse geral, dos sentimentos da comunidade ou
mesmo de uma necessidade objetiva de proteger bens, mas caberá também a consideração de
um certo nível de desvalor da ação e de uma exigibilidade média de um outro comportamento
a quem viola a norma.
® A exigibilidade ética de certos comportamentos não é algo posterior às decisões
legislativas de incriminação, mas a própria consideração da atribuibilidade de uma
censura pessoal é condição de legitimidade constitucional da incriminação de certos
comportamentos, ou da sua negação, num plano abstrato-normativo.
Os reflexos desta análise do artigo 40º implicam que sejam existam diferentes modelos de relação
entre o nº1 e o nº2 do artigo – da relação entre a prevenção geral positiva, a prevenção especial
e a função da culpabilidade do agente na fundamentação judicial da punição:
® no primeiro modelo, a culpabilidade é um principio restritivo funcionado no quadro da
prevenção, fixando o máximo atingível pela prevenção; no segundo modelo, a prevenção
é um principio restritivo funcionando no quadro dos limites máximo e mínimo da
culpabilidade que o comportamento justifica. No entanto, a culpa não é alheia à
prevenção.
® Mesmo que o resultado seja muitas vezes o mesmo não deixa de ser verdade que o valor
prático e funcional atribuído à culpabilidade é diverso, tendendo a ser muito formal no
primeiro modelo, apelando necessariamente para ideias de culpa que não obstem a
lógicas preventivas.
O objeto do Direito Penal é a relação jurídica punitiva, pela qual os indivíduos que praticam
certos factos ficam sujeitos à aplicação de uma pena pelo Estado. A especificidade da função
punitiva do Direito Penal implica a atribuição de garantias especiais aos destinatários das normas
penais (como, por exemplo, o artigo 32º da Constituição).
Princípio da legalidade: não pode haver crime, nem pena que não resultem de uma lei prévia,
escrita, estrita e certa
Para além da ideia geral que em princípio os poderes constituídos estão sujeitos à lei até ela ser
alterada no direito penal, o princípio da legalidade assume vários sentidos característicos de
limitação, a vários níveis, do poder de punir.
® Nullum crimen sine lege – princípio segundo o qual não há crime sem lei anterior que
como tal preveja uma certa conduta como crime; mesmo que uma determinada conduta
seja socialmente reprovável, o legislador tem de a considerar crime (descrevendo-a e
impondo-lhe como consequência jurídica uma sanção criminal) para que possa como tal
ser punida. Isto significa que esquecimentos, lacunas, deficiências de regulamentação ou
de redação funcionam sempre contra o legislador e a favor da liberdade, ainda que da
finalidade da norma se retire a possibilidade de abranger outros certo tipo de
comportamentos.
® Alguns autores consideraram este princípio de certa forma perigoso, visto que
podia deixar impune o agente mais hábil, dotado de maior competência de ação.
® Exemplo: no CP de 1886, antes da reforma, o art.451º relativo ao crime de burla,
apenas considerava como desfraudação a favor do próprio agente que a praticava,
não se referindo à desfraudação a favor de terceiro. Tratava-se de uma lacuna
clara na lei, que tornava tal conduta impunível; outro exemplo foi um cidadão
filipino que difundiu um vírus informático ‘’I love you’’ com danos irreparáveis
no mundo inteiro e não foi punido dada a inexistência de qualquer tipo legal de
crime na sua ordem jurídica.
® Nulla poena sine lege – da mesma forma que não há crime sem lei, também não há pena
(leia-se sanção criminal, pena ou medida de segurança) sem lei; este segmento do
princípio tem expressa consagração jurídico-constitucional e legal.
QUESTÃO - o art.165º/1/c) CRP refere-se apenas aos crimes, penas e medidas se segurança,
incluir-se-á no preceito as circunstâncias agravantes (norma penal positiva) ou as circunstâncias
atenuantes (norma penal negativa)?
® Quanto às circunstâncias agravantes, estas definem o concreto facto criminoso,
sendo abrangidas pela previsão do art.165º/1/c), trata-se essencialmente das razões
justificativas da reserva de lei (segurança jurídica e princípio democrático) que
favorecem a aplicação do artigo 165º/1 CRP a todas as circunstâncias agravantes.
® Quanto às circunstâncias atenuantes, à partida poderia dizer-se que não estão
submetidas à reserva de lei por não afetarem as expectativas de segurança e a liberdade
individual dos destinatários das normas penais; numa outra perspetiva, podem alterar a
delimitação dos direitos dos cidadãos em si, na medida em que a liberdade criada pela
permissão de certas condutas diminuirá a liberdade de todos os que pretenderem opor
às mesmas. A atenuante geral resulta do art.72º CP. Para a Professor Maria Fernanda
Palma a reserva de lei é desnecessária às atenuantes. O legislador ou julgador não pode
criar atenuantes arbitrariamente em função de quaisquer razões não comportáveis pelo
Definições:
® Professor Figueiredo Dias: normas penais em branco são aquelas que cominam uma
pena para comportamentos que não descrevem, mas se alcançam através de uma remissão
da norma penal para leis, regulamentos ou inclusivamente atos administrativos.
® Professora MFP: normas que estabelecem o conteúdo da sua previsão ou da sua
estatuição por remissão para outras normas constantes de leis hierarquicamente
inferiores. Como acontecerá nos casos de leis penais que remetam para regulamentos (ou
leis do Governo sem autorização legislativa) a definição de elementos de que resulte o
comportamento incriminado ou a pena aplicável.
Em que medida é que uma norma penal que não define todo o seu conteúdo remetendo para
uma outra viola o princípio da reserva de lei? A remissão de uma norma para outras não é, em
si mesma, obstáculo ao respeito pelo princípio da legalidade. O que pode desrespeitar este
princípio é o esvaziamento de conteúdo precetivo e a atribuição da competência para definir o
comportamento proibido a leis hierarquicamente inferiores ou até aos atos administrativos.
9
Por exemplo: quando o legislador se refere ao “veneno” como meio de perpetração do homicídio
(art.132/2/i) do CP) pretende abranger não só as substâncias designadas como tal mas também aquelas que,
em concreto, produzam os efeitos tóxicos próprios do veneno, como a ingerência dolosa de açúcar num
diabético;
Modelos de interpretação—MFP
De modo geral:
® O art.1º/3 CP não proíbe expressamente a interpretação extensiva, diferentemente do
art.18º do CC de 1852/86;
® Não se poderá inferir da proibição da analogia in malam partem do art.1º/3 CP a
permissão da interpretação extensiva através de um raciocínio a contrario sensu – tal
raciocínio implicaria apenas a analogia in bonam partem;
® Aplicando os critérios tradicionais de interpretação jurídica, a proibição da interpretação
extensiva só pode ser integrada no art.1º/3 CP por analogia com a proibição da própria
analogia – este fundamento não é sistematicamente admissível para justificar uma
conclusão por analogia com a própria proibição da analogia;
® A norma que proíbe a analogia no Direito Penal circunscreve excecionalmente, no
conjunto da Ordem Jurídica, a atividade interpretativa: a analogia só é proibida, em geral,
quanto às normas excecionais, que podem, no entanto, ser objeto de interpretação
extensiva (11º CC). Uma limitação da atividade interpretativa mais ampla do que a do
O Professor Castanheira Neves propõe 4 condições de validade como critério distintivo entre a
interpretação proibida e a permitida em direito penal:
1. Condição legal – o juízo incriminatório tem de ter fundamento efetivo numa norma penal
positiva;
2. Determinação dogmática dos fins – necessidade de os tipos legais serem construídos
pelo legislador de modo que se perceba o núcleo fundamental, com relevo para o bem
jurídico tutelado;
3. Adequação sistemática – não pode haver incoerência sistemática, de modo que a
interpretação adotada para o caso possa ser generalizada relativamente a outros casos sem
prejuízo para a coerência do sistema;
4. Garantia do cumprimento do nullum crimen – garantia institucional, ou seja, uma
garantia jurisprudencial da unidade do direito, que de acordo com este Professor deve
caber ao STJ.
Para a Professora Fernanda Palma, deve atender-se ao sentido possível do texto no seu todo
(não das palavras isoladamente) – o sentido possível do texto como limite da interpretação
permitida é o sentido comunicacional percetível do mesmo, e não qualquer sentido lógico não
sustentável pela linguagem social. O sentido possível do texto delimita-se ainda pela adequação
do texto à essência do proibido de acordo com a valoração do sistema que a norma diretamente
exprime ou pretende exprimir.
1º definição
NPB é uma norma que remete do seu conteúdo para outra norma extrapenal
- Sentido amplo
- Sentido restrito: só é NPB se for um instrumento normativo hierarquicamente inferior
Nesta situação estamos perante uma NPB perante as duas definições.
2º concretização
Dizer que em concreto o art.25º/4 da Lei x remete a noção de transporte turístico e aluguer para a
Portaria y – ou seja, dizer no que consiste no caso a remissão.
3º potenciais problemas de constitucionalidade
- Orgânica – art.165º/1 c)
- Formal – art.165º/1 c)
- Material – legalidade penal – lei certa
O que nos interessa é a constitucionalidade material. Podemos ver do que deriva a orgânica e
formal, para termos bónus, mas o que é realmente importante é a material.
a) Dizemos que está relacionado com o problema da legalidade penal, no corolário da lei
certa
b) Explicar o que é a lei certa (conteúdo e determinabilidade) e onde está previsto – art.29º/1
e 3 CRP
Agora sim, vamos ver se pode haver a remissão ou não. O TC estabeleceu um critério:
1. Bem jurídico (Ex.: no caso do homicídio seria o direito à vida)
2. Desvalor ação (a conduta incriminadora em si, ou seja, a valoração que o Tribunal faz
do agente ter adotado aquela conduta. Ex.: no homicídio seria o disparar)
Problema: nem todos os crimes são de resultado (vamos ter que saber os tipos legais
incriminadores)
A norma remissiva não pode ter um critério autónomo de ilicitude. Apenas pode concretizar
o critério legal através do conhecimento técnico. Ou seja, tem que ter valor pericial técnico.
- Não haver um critério autónomo de ilicitude
- Valor pericial
- Técnico
Crimes de dano:
Nos crimes de dano a realização do tipo incriminador tem como consequência uma lesão
efetiva do bem jurídico é o que ocorre no crime de homicídio (art.131º CP) e no crime de
violação sexual (art.164º CP).
Crimes de perigo:
- Nos crimes de perigo a realização do tipo incriminador não pressupõe a lesão do bem
jurídico, mas antes se basta com uma mera colocação do bem jurídico em perigo.
- Os crimes de perigo dividem-se em crimes de perigo concreto e crimes de perigo abstrato.
- Em relação aos crimes de perigo concreto, o perigo faz parte do tipo incriminador, ou seja,
o tipo incriminador só é preenchido quando o bem jurídico tenha efetivamente sido
posto em perigo, por exemplo, art.291º CP e art.138º CP (neste caso, só haverá crime de
exposição ou abandono quando se comprove que o bem jurídico, vida, foi realmente posto
em perigo).
- Nos crimes de perigo abstrato o perigo não é elemento do tipo incriminador, mas
apenas motivo da proibição. Deste modo, há uma presunção inelidível de perigo e, por
isso, a conduta do agente é punida independentemente de ter criado ou não um perigo efetivo
para o bem jurídico, por exemplo, art.292º CP (o condutor é punido pelo facto de o estado
em que se encontra constituir um perigo potencial para a segurança rodoviária).
- No entanto, tem sido questionada a constitucionalidade destes crimes pelo facto de
poderem constituir uma tutela demasiado avançada de um bem jurídico, pondo em
risco o princípio da legalidade e o princípio da culpa. Apesar disto, a posição da
doutrina maioritária e o Tribunal Constitucional pronunciaram-se pela não
inconstitucionalidade quando estes crimes visarem a proteção de bens jurídicos de
grande importância, quando for preciso identificar claramente o bem jurídico
tutelado e a conduta típica for descrita de uma forma tanto quando possível precisa
e minuciosa.
- No âmbito da discussão sobre a constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato,
surgiram posições que preconizam a não punição de condutas que que configurem
este tipo de crime quando se comprove que na realidade não existiu, de forma
absoluta, perigo para o bem jurídico, ou que o agente tomou todas as medidas
necessárias para evitar que o bem jurídico fosse colocado em perigo. A este
propósito começou a falar-se na doutrina de crimes de perigo abstrato- concreto.
Crimes de resultado:
Os crimes de resultado pressupõem a produção de um evento como consequência da atividade do
agente. Assim, só se dá a consumação quando se verifica uma alteração externa espácio-
temporalmente distinta da conduta, por exemplo, o crime de homicídio (art.131º CP) é um crime
de resultado, uma vez que a sua consumação só se verifica com a morte da pessoa.
Retroatividade
Com fundamento no princípio da culpa e na segurança jurídica, há a proibição constitucional de
retroatividade das normas penais que criem ou agravem a responsabilidade penal. A
possibilidade de uma conduta ser retroativamente incriminada contradiria uma responsabilidade
penal fundamentada na livre determinação do agente pela norma jurídica – culpa jurídica – e
destruiria a garantia das expectativas dos cidadãos quanto ao que é proibido – segurança jurídica.
¿ A proibição da retroatividade corresponde assim, à garantia de que o exercício do
poder punitivo seja exercido de acordo com critérios e limites conhecidos
antecipadamente e não alteráveis por força de um interesse particular ou para
resolver um caso concreto antes não previsto.
¿ Figueiredo Dias: o problema da aplicação da lei no tempo é resolvido pelas normas
de direito inter-temporal, que se reduz ao princípio da proibição de retroatividade em
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Só há homicídio quando há morte. O homicídio consuma-se quando há morto. Até lá
só há tentativa de homicídio. Mas em que momento se verificou o momento da prática
do facto? Foi quando A deu o tiro a B, porque o que interessa é a atuação, nunca é o
resultado.
11
Taipa Carvalho: qualquer agravação da lei ocorrida antes do término da
consumação só pode valer para aqueles elementos típicos do comportamento
verificados após o momento da modificação legislativa
A tese defendida na doutrina portuguesa por Maria João Antunes e apoiada pelo Professor
Figueiredo Dias, segundo a qual a proibição da retroatividade nas medidas de segurança seria
excetuada no momento da formulação pelo Tribunal do juízo de perigosidade, aplicando-se
Entendimento do TEDH – diz que a pessoa não tem o direito à prescrição, ou seja, não tem a
expectativa do seu crime prescrever. Esta pessoa não pode ser protegida face a uma lei
posterior desfavorável – as leis prescricionais posteriores desfavoráveis aplicam-se desde que,
entretanto, o prazo prescricional ainda não tenha decorrido. Se entrar em vigor durante o
decurso do prazo, aplica-se a lei nova. Entende que esta solução não viola a Carta dos Direitos
Humanos.
De semi-público a público
Rejeita-se a aplicação imediata da lei que transforma um crime particular ou semi-público em
público, de modo que o facto criminoso cometido no passado, contra o qual não foi deduzida a
queixa, não pode vir a ser objeto de processo penal
De público a semi-público
Como antes era crime público, toda e qualquer iniciativa estava nas mãos do Ministério Público
não havia necessidade de queixa – com a conversão passa a haver necessidade de queixa. O
princípio do Estado de Direito – como regra de objetividade, previsibilidade e segurança jurídica
geral – que impõe, neste caso, que as expectativas do titular do direito de queixa não sejam
defraudadas, dando-se-lhe a oportunidade processual de exercer o seu direito após a entrada
em vigor da lei nova.
O art.2º/4 CP partindo do princípio geral da aplicabilidade da lei mais favorável, prevê a cessação
da condenação e de todos os seus efeitos, logo que a ‘’parte da pena que se encontrar cumprida
atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior’’. A aplicação retroativa da lei penal
de conteúdo mais favorável impõem que se determine em concreto o regime mais favorável
para o arguido, isto é, que se considere qual seria a medida da pena mais favorável, em face de
todas as causas de justificação, desculpa, atenuação, agravação e procedibilidade de uma
determinada lei.
O problema que se coloca é o de saber se nesses casos houve uma alteração do regime punitivo
(art.2º/4 CP) ou antes um fenómeno de desincriminação, com as consequências do art.2º/2 CP.
® Na segunda solução, a conversão de um crime numa contraordenação implicaria a
extinção de qualquer responsabilidade jurídica de facto passado. Esta substituição de uma
responsabilidade mais gravosa que existia anteriormente, a responsabilidade penal, por
uma responsabilidade menos grave seria traduzida, também, numa substituição da pena
por uma sanção menos grave, a coima.
® Maria Fernanda Palma: é incorreto defender uma total extinção da responsabilidade
jurídica do agente nestas situações, devendo existir sempre uma transformação do seu
comportamento ao novo regime aplicável, de forma que, nos casos em que haja uma
verdadeira extinção da responsabilidade do agente quanto aos factos passados, esta
extinção seja fundada numa vontade explícita e concreta do legislador.
A retroatividade in milus pressupõe uma verdadeira sucessão de leis no tempo, ou seja, as normas
penais sucessivas têm de fundamentar a decisão dos mesmos casos, ainda que de modo diverso.
Por isso, não haverá verdadeira sucessão de leis se o comportamento que é objeto de juízo
de ilicitude for parcialmente reproduzido na lei posterior – a sucessão de leis depende de o
comportamento anteriormente contemplado não implicar necessariamente a verificação da
conduta prevista na lei posterior.
O problema que se coloca é o de saber se nesses casos houve uma alteração do regime punitivo
(art.2º/4 CP) ou antes um fenómeno de desincriminação, com as consequências do art.2º/2 CP.
1. Conversão de crimes em contraordenações
A conversão de crimes em contraordenações implicaria a extinção pura e simples de
qualquer responsabilidade jurídica, de modo que o desaparecimento da incriminação
corresponderia a uma extinção de toda e qualquer responsabilidade pelo facto passado.
12 Outro ponto que o professor Figueiredo Dias indica que foi problemático ocorre nas
Hipóteses de atenuação da consequência jurídica: casos em que a nova lei atenua as consequências
jurídicas que ao facto se ligam—de acordo com o art. 2º/4 “cessam a execução e os seus efeitos penais
logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei
posterior”—há um limite à execução da pena concreta aplicada na condenação transitada em julgado, mas
o “condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime (art. 371º-
A CPP)
Nesse sentido, nunca se poderia dizer que tais casos se submeteriam exclusivamente ao
art.29º/4 CRP. Onde não haja qualquer sentido desincriminador (isto é, relacionável com a
necessidade de punir da despublicização), o art.29º/4 da CRP tem difícil aplicação na sua
plenitude lógica. Já nos casos em que a despublicização revele uma menor intensidade do
direito de punir, seria mais compreensível uma decisão segundo o art.29º/4 CRP, sem que,
no entanto, essa aplicação pudesse ser absolutamente limitativa dos direitos do ofendido. Assim,
tanto nos últimos casos como nos primeiros (em que o art.29º/4 CRP não estaria em causa), a
solução jurídica mais harmoniosa será a da atribuição ao ofendido da oportunidade processual
para o exercício do direito de queixa.
® Nos casos de despublicização para proteção da vítima (que não se submetem
plenamente à ratio dos arts.29º/4 CRP e 2º/4 CP), a ultratividade da lei anterior (crime
público) levaria a uma desigualdade entre os arguidos pelos mesmos crimes antes e depois
da despublicização, se não se viesse a exigir o exercício do direito de queixa.
® Nos outros casos, em que se divisa um sentido relativamente descriminalizador (uma
menor necessidade de punir), a aplicação retroativa da lei que despubliciza implicaria
uma desproteção dos titulares do direito de queixa que o art.29º/4 não pode em rigor
produzir, impondo-se uma contenção do seu alcance pelo princípio do Estado de Direito
democrático (art.2º CRP).
Por todas estas razões se impõe uma única solução jurídica para estes casos: a atribuição de
oportunidade de exercício do direito de queixa. O seu fundamento não decorre direta e
exclusivamente do art.29º/4 CRP, mas sim dos princípios jurídicos que a este subjazem (igualdade
e necessidade da pena), articuladamente com a proteção da confiança emanada do Estado de
Direito democrático. Justifica-se, simultaneamente, a aplicação imediata da lei nova e a proteção
do exercício do direito de queixa.
13
Faz-se uma lei penal para casos de emergência (ex: incêndios, catástrofes e etc.) em
que se incorpora a
própria situação de emergência (é elemento específico do tipo incriminador).
Passando a crise de emergência ela caduca, pois o elemento da factualidade que ela prevê
já não se verifica pois não tem nenhuma justificação numa situação fáctica.
A doutrina diverge:
Segundo a primeira posição (RUI PEREIRA), a lei penal inconstitucional é inválida e, por
isso, não pode produzir quaisquer efeitos.
® Tal como indica o art.282º CRP a declaração de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade)
produz efeitos desde a entrada em vigor de norma declarada inconstitucional (ou
ilegal) e determina a repristinação das normas que ela haja revogado. Assim, deixará
de existir qualquer sucessão de leis no tempo e, no caso de a lei inconstitucional ser a lei
posterior mais favorável, não se estaria sequer perante a situação prevista no art.29º/4
CRP;
® A repristinação da norma revogada, embora menos favorável, torna-se inevitável;
® Como nestes casos pode ter havido um erro sobre a ilicitude do facto, se o agente agiu
durante a vigência da norma inconstitucional, esse erro excluirá em princípio a
culpabilidade do agente ao abrigo do art.17º CP. Aplica-se também a parte geral do CP;
E se só depois de caducada a lei é que se julga o arguido? As leis são diferentes. Não há
sucessão de leis.
A lei que caducou ainda está em vigor para o passado, ela é ultra-ativa. Ela tem de ser
aplicada.
Professora Maria Fernanda Palma: a segunda solução parece preferível, porque não recorre a
uma verificação fictícia de erro sobre a ilicitude e a um mero expediente de recurso ao art.17º CP
para deixar de punir o agente pela lei mais severa. No caso de o art.17º CP não ser aplicável,
restaria apenas atenuar a pena de acordo com a medida da lei inconstitucional mais favorável.
Invoca o princípio da autovinculação do Estado ao Direito que produz, atendendo ao princípio do
Estado de Direito democrático.
Por outro lado, para além dos inconvenientes de uma ficção na solução destes casos, também não
se tem em conta que o problema colocado se situa nas fendas de duas normas constitucionais e
de vários princípios e que, dada a importância da aplicação da lei mais favorável em termos de
direitos, igualdade, e de restrição mínima da liberdade, haverá uma lacuna a ser integrada pela
articulação dos princípios.
Com efeito, se no art.282º CRP a proteção do caso julgado prevalece sobre as consequências da
declaração de inconstitucionalidade, em geral, e essa prevalência só é afastada devido à exceção
prevista no nº3 de a lei penal ser menos favorável, verifica-se uma prevalência do princípio da
aplicabilidade da lei mais favorável que tem um papel de revogação do próprio caso julgado.
Ora tal supremacia do referido princípio mostra bem que uma articulação semelhante se deverá
fazer na situação não contemplada no art.282º, do qual deveria constar uma norma que para além
das situações de caso julgado por lei penal menos favorável, que caberão sempre no art.282º/1
CRP, salvaguardaria, ainda, por razões de igualdade, de necessidade da lei penal e da confiança
inerente ao Estado de Direito, a aplicação da lei penal inconstitucional mais favorável.
2º PASSO: ir ao art. 3.º do CP para identificar o momento da prática do facto (critério unilateral,
especialmente relevante nos crimes de resultado) e, deste modo, saber qual é a lei (o regime)
aplicável (à partida)
3º PASSO: identificar se há ou não uma alteração legislativa (que envolva a lei aplicável à
partida)
— se não existir qualquer alteração legislativa, já acabámos
— mas, se existir uma alteração legislativa, voltamos ao art. 2º/1 (e 29º/1 e 3 da CRP; e
29º/4, primeira parte, da CRP), desta feita interpretado a contrario, que contém ainda o
princípio geral, agora pela negativa, de não-aplicação da lei nova (proibição da
retroatividade do regime posterior)
PASSO 1
Identificar o problema: lei no tempo, associado ao princípio da legalidade, no
corolário da lei prévia que diz que é necessário que haja uma lei anterior à prática do
facto que preveja a conduta como crime, que é o que resulta do art.29º/1 e 3 CRP e
art.1º/1 CP.
PASSO 2
Aplicar a lei em vigor no momento da prática do facto (art.29º/1 e 3 CRP + art.2º/1 e 3
CP).
PASSO 3
Identificar o momento da prática do facto (critério unilateral de conduta) – art.3º CP.
Fundamentos deste critério: razões de segurança e culpa, de modo a garantir que o
agente tem as condições necessárias para decidir praticar o facto ou não.
PASSO 4
Comparar a solução da lei 1 e da lei 2, porque só se a lei 2 for mais favorável é que a
vamos aplicar ao agente – temos mesmo que dizer qual é a pena respetiva que seria
aplicada.
PASSO 5
Se a lei 2 for mais favorável aplica-se retroativamente, se for menos favorável aplica-se
a lei 1.
PASSO 6
A aplicação da lei penal portuguesa por força da territorialidade depende do que se entenda por
território português e o que se considere por praticar um facto no território português
® Território Português: espaço definido como tal pela Constituição (art. 5º/1 e 2 CRP) e
pela lei, incluindo o espaço terreste, marítimo e aéreo. Além disso, incluem-se neste
âmbito os navios e as aeronaves portuguesas (princípio do pavilhão—art. 4º/b), bem
como os crimes cometidos em aeronaves estrangeiras nos termos do Decreto nº 254/2003
(em decorrência da extensão da competência territorial)
® Praticar um facto em território português- art. 7º CP: “ter atuado (total ou
parcialmente, e sob qualquer forma de compartição), deve ter atuado (no caso de
omissão) ou ter sido produzido o resultado típico em território português”.
× Teoria da ubiquidade: basta que um dos dois elementos essenciais do tipo
objetivo (ação e resultado) se tenha verificado em território português para que
a lei penal portuguesa se possa aplicar—este critério é diverso do que se
estabelece para o momento da prática do facto (art. 3º), orientado pelo princípio
da legalidade (art. 29º/1 CRP), sendo que estes critérios se aplicam
independentemente do princípio da ubiquidade que apenas pretende estabelecer
o âmbito de validade espacial da lei penal portuguesa14.
A aplicabilidade dos artigos 4º e 7º do CP tem de observar todos os princípios a que a lei penal
se subordina (aplicação no tempo, proibição da analogia, etc). Além disso, o art. 7º basta-se com
14
Exemplo: sucessão de leis no tempo em que o resultado seja produzido em território
português num momento em que passou a vigorar uma lei que vem punir o facto,
quando no momento em que o facto foi praticado, no estrangeiro, não era punido em
Portugalà art. 7º determina a aplicabilidade ao facto da lei penal portuguesa;
contudo, nos termos do art. 2º/1 CP e do art. 29º/1 CRP o facto não pode ser punido
Quanto às situações de mera possibilidade de ocorrência do dano a lei estipula que no caso de
tentativa, o facto considera-se igualmente praticado no lugar em que de acordo com a
representação do agente, o resultado se deveria ter produzido.
® Por outro lado, ainda subsiste a questão de saber se a mera ocorrência de dano (lesão
do bem jurídico) sem que o resultado típico se verifique em Portugal permite considerar
praticado em território português o facto – MFP: apesar de bastar para a definição do
local da prática do crime a realização do resultado típico, esse primeiro momento não
afasta a conexão com a ordem jurídica portuguesa, quando apenas se relacione com ela
a perduração do mesmo resultado. Assim, naqueles tipos legais de crimes em que a
tipicidade se consuma com um resultado anterior à lesão efetiva do bem jurídico, a
produção do dano é elemento de conexão especial com a lei penal portuguesa,
pressupondo uma intensificação ou um desenvolvimento do evento típico.
A territorialidade da lei penal não permite estabelecer exaustivamente uma conexão entre o
poder punitivo e a defesa de bens jurídicos essenciais à preservação de certas condições
essenciais da organização e da segurança da sociedade, sempre que ocorram lesões de bens
exteriores ao território português, mas que façam perigar as condições referidas—art. 5º/1,
alínea a): burla informática- art. 221º; crimes de falsificação de moeda, título crédito e valor
selado por cunhos, pesos e objetos análogos- art. 262º a 271º; crimes contra a segurança do
Estado e contra a realização do Estado de Direito- art. 308º a 321º, 325º a 345º;
® MFP: defende que a realidade de novos espaços extraterritoriais de titularidade de
interesses nacionais é especialmente notória em matéria ambiental, em que a ação e o
resultado podem ser extraterritoriais, mas em que o perigo para os bens jurídicos
nacionais justificaria imediata intervenção penal;
15
Com exceção de atos preparatórios realizados num contexto de comparticipação
criminosa, como sucede p.ex na cumplicidade
Questão: até onde pode e deve ir a validade espacial das leis internas sem que o princípio da
cooperação entre as ordens jurídicas inerente se deturpe, potenciando a conflitualidade entre
Estados?
® O princípio geral será o de uma soberania justificada pela própria função internacional
humanista e humanitária do Estado de Direito Democrático, no sentido cooperativo com
os outros Estados que se orientem pelos mesmos desígnios;
A lei penal portuguesa aplica-se a factos praticados fora do território nacional por portugueses
(princípio da nacionalidade ativa) ou por estrangeiros contra portugueses (princípio da
nacionalidade passiva), desde que certos requisitos se verifiquem (art. 5º/1, alínea e), i), ii) e
iii)).
Em geral este princípio justifica-se pelo vínculo dos cidadãos portugueses à soberania punitiva
do seu próprio Estado (nacionalidade ativa) e pelo dever de o Estado português conceder
proteção aos bens jurídicos de que os cidadãos portugueses sejam titulares, ainda que no
estrangeiro (nacionalidade passiva).
® O princípio da nacionalidade ativa dá expressão ao princípio da não extradição de
nacionais consagrado no art. 33º/1 CRP, que tem como contrapartida o dever de o
Estado português assegurar a perseguição penal ou o julgamento dos factos criminosos
praticados pelos cidadãos portugueses no estrangeiro;
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Extensão do âmbito da lei penal portuguesa introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4 de
setembro, justificada pela política internacional em que Portugal participa destinada a
conceder uma especial proteção aos menores em face da criminalidade internacional.
Contudo, uma aplicação da lei penal de que decorresse uma punibilidade de factos não
puníveis em concreto no estrangeiro redundaria numa violação do princípio da
aplicação da lei penal estrangeira mais favorável (art. 6º/2 CP)
Levanta-se outra questão quando à interpretação do art. 5º/1, b), quando ao que se deve entender
por crime contra portugueses
® Historicamente o preceito tinha como objetivo contemplar crimes como a bigamia e o
aborto.
Atualmente, apesar de o aborto consentido proibido ter como objeto da ação típica o próprio feto
e o bem jurídico protegido ser a vida intra-uterina, são ainda os interesses da sociedade
portuguesa como um todo que são afetados: a vida intra uterina de “futuro cidadão português”
é um bem cuja tutela penal se tem que justificar por um interesse objetivo da sociedade.
Por outro lado, em inúmeras outras infrações há uma mera titularidade coletiva do bem jurídico
a justificar a incriminação, como acontece nos crimes contra a vida em sociedade ou contra o
Estado (art. 247º a 307º e 308º a 385º do CP)
Contudo, sendo a norma sistematicamente mais próxima o art. 5º/1, e), referida à direta proteção
pessoal dos portugueses, na perspetiva da nacionalidade passiva, e não aos interesses coletivos
dos portugueses e sendo simultaneamente a alínea b) moldada pelo sentido da alínea e) o
elemento sistemático da interpretação de uma norma que consagra um alargamento excecional
ao princípio da nacionalidade não poderá integrar interesses gerais e coletivos dos portugueses
sem ultrapassar o sentido possível das palavras.
Por fim, o art. 5º/1, g) veio estender o princípio da nacionalidade (ativa e passiva) às pessoas
coletivas com sede em território português—esta norma tem de ser articulada com o art. 11º do
CP que estabelece os casos e pressupostos da responsabilidade penal das pessoas coletivas.
1) aferir se o facto foi praticado em território português, no sentido amplo do termo permitido
pela legislação (nos termos do art. 7º do CP: se foi o lugar da ação/omissão ou o lugar do
resultado)
2) se não:
a) ver se se aplica a lei portuguesa pelos princípios complementares (nomeadamente):
® a1) princípio da defesa dos interesses nacionais (art. 5º/a)) e da nacionalidade passiva
(5º/1, e), 2ª parte) a2) princípio da universalidade (5º/1, c)) a3) princípio da nacionalidade
ativa (5º/1, e), 1ª parte) e respetiva extensão (5º/1, b))
b) ver se há exceções:
® b1) não se aplica a lei portuguesa se o agente não tiver sido julgado no país onde praticou
o facto ou se tiver subtraído ao cumprimento da pena (art. 6º/1)
® b2) o agente é julgado pela lei do país do facto se esta for concretamente mais favorável
(art. 6.º/2)
c) ver se há exceção à exceção: a aplicação da lei estrangeira mais favorável é afastada (aplica-se
a lei portuguesa) se caso do princípio da proteção dos interesses nacionais – art. 5.º/1, a) – ou da
extensão do princípio da nacionalidade – art. 5.º/1, b) – (art. 6.º/3)