Você está na página 1de 69

Direito Penal I

Duarte Canau
Índice:
1. Direito Penal e a sua Ciência Jurídico Estadual ……………………………………………... ...2
1.1. O Poder Punitivo do Estado……………………………………………………………………..……………………...2
1.2. Dignidade Penal ……………………………………………………………………………………………………………...5
1.3. Necessidade de Tutela Penal
…………………………………………………………………................................6
1.4. Conceito Material de Crime …………………………………………………………………………………………….7
2. Criminologia ………………………………………………………………………………………...12
2.1. Crime como Acontecimento Individual
…………………………………………………………………………..12
2.2. O crime como um acontecimento social
………………………………………………………………………....16
2.3. ​Crime como um fenómeno significativo e
comunicacional……………………………………………...18
​ 3. Fins das Penas e Medidas de Segurança …………………………………………………...…...20
3.1. Teorias Monistas ……………………………………………………………..…………………………………....….21
3.1.1. Teorias Absolutas ( pena como instrumento de retribuição) ……………………………………..21

3.1.2. Teorias relativas ( a pena como instrumento de prevenção)


………………………………………….....22

3.1.3.​ Retroactive Justice​ ..……………………………………………………………………………………………………..23

3.2. Teorias Mistas ……………………………………………………………………………………………………………….23

3.3. Medidas de Segurança .…………………………………………………………………………………………………...27

4. Princípios Direito Penal …………………………………………………………………………….....29

4.1.Princípio da Culpa ………………​……………………………………………………………………...​…………...29

4.2. Princípio da Necessidade da Pena .​.​ ..……………………………………………………………………………....30

4.3. Princípio da Igualdade Penal... .​ ……………………………………………………………………………​31


4.4. Princípio da Humanidade ..​ .​ ………………………………………………………………………………....31

1
4.5. Princípio da Legalidade ..​ .​ ………………………………………………………………………………………..31

5. Aplicação da Lei no Tempo ….….….….….….….….….….….….….….….….……………..….….….….….43

6. Aplicação da Lei no Espaço …….….….….….….….….….….….….….….….…..….….….….….….…. 51

1. Direito Penal e a sua Ciência no Sistema Jurídico Estadual

Direito Penal → ​conjunto de normas jurídicas que ligam certos comportamentos humanos,
crimes , a determinadas consequências jurídicas, como a pena ( aplicada aquele que atua com
culpa) ou as medidas de segurança ( aplicadas consoante a perigosidade​1​);

O professor F
​ igueiredo Dias f​az uma distinção entre:
- Direito Penal Subjetivo: ​resultante da competência soberana do Estado em considerar
como crimes certos comportamentos humanos e ligar-lhe sanções específicas);
- Direito Penal Objetivo:​expressão do poder punitivo do Estado;

1.1.O Poder Punitivo do Estado

➥​John Locke
Vê o ​poder político como o “ direito de fazer leis, aplicando a pena de morte, ou qualquer pena
mesmo severa a fim de regulamentar e de preservar a propriedade assim como de empregar à força
da comunidade para execução de tais leis” .

Estado de Natureza de Locke → Estado de igualdade e reciprocidade entre todos os homens.


Ainda que se trate de 1 estado de liberdade não é 1 estado de permissividade, o homem não desfruta
da liberdade de destruir a sua própria pessoa, qualquer criatura na sua posse.

O direito que se sobrepõe a todos é o direito à vida, cad 1 é obrigado não apenas a conservar a sua
própria vida como a “conservação do restante da humanidade”.

1
​ Numa posição vista como mais positivista, 1 mero conjunto de normas era aceitar uma definição em que num
sistema positivo injusto considerar-se-iam crimes certas situações e atribuir-se-iam sanções criminais;

2
Cabe assim a cada 1 assegurar a “execução” da lei da natureza, ou seja cada 1 tem de estar habilitado
a punir os transgressores.
Mas com que autoridade pode 1 princípe punir/ matar 1 estrangeiro que tenha cometido 1 crime
em seu país? As suas leis são expressivas da vontade promulgada pelo poder legislativo, não se
aplicam a 1 estrangeiro, a autoridade legislativa não teria poder sobre ele.

O magistrado a quem foi conferido o direito comum de punir em virtude de suas próprias funções,
poderá perdoar a punição e até infrações, se estiver em causa o bem público.
Não é contudo razoável que 1 homem seja o seu próprio juíz do seu direito natural, 1 homem que
infringe 1 direito de vida de 1 irmão será rápido para não se condenar pelo crime que cometeu, por
isso Deus instituiu 1 o governo, para controlar a parcialidade e violência dos homens.

O grande objetivo dos homens é desfrutar da sua propriedade, a 1ª lei a passar será o
estabelecimento do poder legislativo ( sendo obrigatório o consentimento da sociedade), devendo
se reger pela preservação da sociedade.

Poder legislativo:
1- n
​ ão é exercido de maneira absolutamente arbit´raira sobre as pessoas ( deve permanecer
circunscrito dentro dos limites concedidos ao Governo);
2- o​ legislativo não pode usar 1 poder de governar por decretos arbitrários improvisados, fazer com
que as pessoas governassem arbitrariamente infringiria o risco de se encontrarem num Estado pior
que o de Natureza.
3-​O poder supremo não pode tirar de nenhum homem qualquer parte da sua propriedade sem o
seu próprio consentimento. OS homens são proprietários de todos os direitos que a lei da
comunidade social lhes dá, não tendo ninguém o direito de os privar dos mesmos.
4- O
​ poder legislativo não pode transferir para quaisqueres mãos o poder de legislar, ele apenas
detém 1 poder que o povo lhe delegou.

A perspetiva de Locke é muito mais liberal, e não garante a proteção dos direitos coletivos como a
segurança pública, que para ele que não faria sentido. Locke é então assim defensor a proteção de
direitos civis próprios e não de direitos gerais, sendo apenas os direitos próprios aqueles que devem
ser protegidos.

➥​Jean - Jacques​​Rousseau:

3
Vê a Associação dos indivíduos no Estado como aquilo que permite o seu desenvolvimento através
da vontade coletiva que permite a realização da igualdade . O interesse coletivo é condição de
realização dos indivíduos.
A ideia passada nos seus texto é a de que reger 1 multidão é completamente diferente de legislar
sobre 1 sociedade, passa a ideia de que o Estado não pode privar o indivíduo da sua liberdade civil,
ainda que esta seja diferente da restante população.
A dimensão supra individual de Rousseau poderia incriminar comportamentos como os do art.
292º CP (​Condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou
substâncias psicotrópicas​).

➥ I​ mmanuel Kant:
Vê o princípio universal do direito como, qualquer ação é justa se for capaz de coexistirem a
liberdade de todos de acordo com 1 lei universal.
A lei universal do direito, qual seja, age externamente do que o livre uso do arbítrio possa coexistir
com a liberdade de todos de acordo com 1 lei universal.
Tudo o que é injusto é 1 obstáculo à liberdade de acordo com as leis universais.

Só há 1 direito inato →​ liberdade​( a independência de ser constrangido pela escolha alheia);

Uma das divisões de que Kant fala em relação à liberdade é de que: cada 1 está autorizado a fazer a
outros qualquer coisa que em si mesmo não reduza o que é deles enquanto não quiserem aceitá-la -
isto inclui coisas insinceras ou que podem ser vistas como falsas ( veriloquium aut
falsiloquium​).

Se a moral é a moral de todos, intrínseca a todas isto tem imensas consequências no pensamento de
Kant , jurídico-penal. Se alguém está a matar 1 pessoa é como se estivesse a matar a si mesmo-
pensmaento sobre a retribuição. O dano que é ocasionado pelo agente da prática do crime deve ser
retribuído ao infrator, ou seja sendo retribuído o crime ( lógica da Lei de Talião - “olho por olho”).

Em função da Teoria de Justiça que nos sirva de base nós podemos chegar a conclusões diferentes
do poder punitivo do Estado. Kant reconhece os direitos individuais mas atribui também grande
importância à vontade do Estado, portanto toda a lógica de Kant está associada ao poder e à forma
de intervenção do Estado.

➥​ John Rawls:
Expressa a ideia de justiça como equidade, sendo esta a forma de justiça correta e faz também apelo
à sua hipótese do “​ véu da ignorância”

4
( imaginar-nos-íamos como nós mesmo mas antes de nascer, sem saber em que circunstâncias
vamos nascer, em que país, em que situação social). Se não soubéssemos nada sobre o local onde
íamos nascer em que sociedade nos sentimos confortáveis em nascer?Na posição original nós
decidimos em prol do desejo, daquilo que mais queremos ou idealizamos.

Os princípios da justiça são os de liberdade ​( máximo de direitos a cada um para todos termos o
máximo de direitos) e ​diferença ( as diferenças das pessoas são legítimas, mas na redistribuição da
riqueza só se justificam quando beneficiam os mais fracos).
Toda a sua construção assenta no individualismo, não nas instituições ( como as comunidades
distintas). É no indivíduo em concreto que Rawls assenta todo o seu pensamento. No véus da
ignorância o indivíduo vai escolher as organização da sua sociedade.

A construção de Rawls não tem espaço à proteção de animais, ele não lhes reconhece proteção.
Rawls não reconhece proteção também às pessoas com deficiência ou para as mulheres com
gravidez não planeada.

➥M
​ artha Nussbaum:
Para Nussbaum há uma visão de justiça que nos leva além da doutrina do contrato social, a sua
visão tem algumas aproximações à de Rawls, mas pode ser vista como 1 extensão da mesma que dá
resposta a novos problemas. Nussbaum diz que temos de olhar para o contexto e para as
capacidades diferenciadas dos indivíduos, não podemos ter o véu , preciso olhar para ​ difrença.

Nussbaum fala então na “ capabilities approach” que toma em conta garantias humanas básicas
que devem ser asseguradas pelos governos com o mínimo respeito pela dignidade humana.
Nussbaum faz 1 lista de “ capabilities” entrais argumentando que tais devem ser respeitadas para
cada forma de vida humana.

Como a: vida, integridade física, saúde, liberdade de expressão, liberdade racional, liberdade de
afiliação, à crítica; respeito pela vida animal, divertimento.

Para Nussbaum vida sem essas “capabilities” será uma vida que não é vista como digna, no entanto
não escusa o facto de as diferentes nações poderem ter visões completamente diferentes das
capabilities, não sendo razão para deixar de as assegurar. Por isso pela visão de Nussbaum seria
lógico chegar à conclusão de incriminação como o crime do artigo 387º CP.

1.2. Dignidade Penal

5
O conceito Material de crime não poderá ser deduzido das ideias vigentes a se em quaquer ordem
extra-jurídica e extra-penal, mas tinha de ser encontrado no horizonte de compreensão imposto/
permitido pela própria função que ao direito penal se adscreve. O conceito material de crime vem
assim a resultar da função atribuída ao direito penal de tutela subsidiária de bens jurídicos dotados
de dignidade penal ( ou seja cuja lesão se revela digna necessitada de pena).

Bem jurídico ​→ expressão de um interesse, da pessoa da comunidade, na manutenção/


integridade de um certo estado, objeto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso
juridicamente reconhecido como valioso.

O bem jurídico tem de obedecer às seguintes condições:


- conteúdo material ​( uma certa “corporalização” para que possa arvorar-se em indicador
útil do conceito material de crime - não bastando por isso que se identifique com os
preceitos penais cuja essência pretende traduzir);
- padrão crítico ( normas constituídas ou a constituir, porque só assim pode ter a pretensão
de se arvorar em critério legitimador do processo de criminalização e de descriminalização);
- político-criminalmente orientado ( nesta medida intra-sistemático relativamente ao
sistema social e mais, concretamente ao sistema jurídico-constitucional);

É com esta acepção que os bens jurídicos protegidos pelo direito penal devem considerar-se
concretizações dos valores constitucionais expressa/ implicitamente ligados aos direitos e deveres
fundamentais e à ordenação social, política e económica. É por esta via que os bens jurídicos se
transformam em bens jurídicos com ​dignidade jurídico-penal​.

Da concepção que vê na tutela de bens jurídico-penais a específica função do direito penal e assim o
elemento constitutivo mais relevante . As puras violações morais não conformam como tais a lesão
de um autêntico bem jurídico e não podem por isso integrar o conceito material de crime. Do
mesmo modo não conformam bens jurídicos proposições ( ou imposições de fins) meramente
ideológicas ( ex: pôr em causa a pureza da raça), são condutas que não podem legitimamente
constituir objeto de criminalização. Ainda aqui, os pretensos “bens jurídicos” perderam a sua
função crítica para se tornarem em fórmulas interpretativas dos tipos legais de crime respetivos.
O objeto de criminalização não deve ainda constituir por igual motivo, a violação de valores de
mera ordenação, subordinados a uma certa política estatal e por isso de entorno claramente
jurídico- administrativo.

1.3. Necessidade de Tutela Penal


O conceito material de crime ´essencialmente constituído pela noção de bem jurídico dotado de
dignidade penal, mas que a esta noção de bem jurídico dotado de dignidade penal, mas que a esta

6
noção tem de acrescer ainda um qualquer outro critério que torne criminalização legítima. Este
critério adicional é - 18º.2 CRP- o da necessidade de tutela penal . A violação de um bem
jurídico-penal não basta por si para desencadear a intervenção, antes se requerendo que esta seja
absolutamente indispensável à livre realização de cada um na comunidade.
A limitação da intervenção penal derivaria do princípio jurídico da proporcionalidade ( em sentido
amplo). Uma vez que o direito penal utiliza, com o arsenal das suas sanções específicas os meios
mais onerosos para os direitos e as liberdades da política social, em particular da política social, em
particular da política jurídica não-penal não se revelem insuficientes. Quando assim não aconteça,
aquela intervenção pode e deve ser acusada de contrariedade ao princípio da proporcionalidade,
sob a precisa forma de violação dos ​princípios da subsidiariedade​e da ​proibição de excesso.
ex: ​Quando se determina a intervenção penal para proteção de bens jurídicos que já são
suficientemente tutelados pela intervenção dos meios civis ou sanções administrativas.

Neste sentido se pode e deve afirmar, que a função precípua do direito penal reside na tutela
subsidiária​( de ultima​ ratio​) ​de bens jurídico-penais.

1.4. Conceito Material do Crime


Para o professor Figueiredo Dias​, a autonomização do conceito material de crime, ao conceito
formal de crime constitui uma necessidade sentida desde os tempos de Cesare Beccaria.

Existe uma divergência estritamente jurídica do conceito material de crime assenta no objeto da
infração criminal:

➥​ Ludwig Feuerbach:
Partindo de uma perspetiva contratualista, qualquer violação de certos direitos subjetivos só
justificará a intervenção penal onde os direitos humanos básicos, que o contrato social visa
assegurar, foram violados.

➥​Daniel Birnbaum:
A violação de certos bens jurídicos de 1 estrutura estatal cuja referência legitimadora do Direito
Penal é a comunidade e os seus valores . A infração criminal é definida pela lesão objetiva de valores
da comunidade. O Direito vincula-se a elementos objetivos e procura a fundamentação da proteção
jurídica que merecem certos bens nos fins do Estado.

➥K
​ arl Binding:
Bem jurídico serão os valores ou condições de vida da comunidade jurídica, tal como definidos pelo
legislador.

7
➥​ Franz Von Liszt:
Define o bem jurídico como interesse humano vital, expressão das condições básicas da vida em
comunidade. É o conceito legitimador do Direito Penal descomprometido com a norma legal.

O bem jurídico não apenas política mas com uma normatividade científica, situa-se na estrutura
social,i independentemente da instância política ou da decisão política, os critérios que tornam
necessária a incriminação de determinadas condutas e a proteção de certos bens.

➥​ Niklas Luhmann:
Parte da análise das sociedades humanas como sistemas sociais. A sociedade não é um puro
fenômeno político e é um sistema social, desempenhando determinadas funções.
O Direito é a estrutura da sociedade que regula e assegura a institucionalização de relações
constantes entre ações, cuja função é selecionar as expectativas de ação aceites geralmente para
serem institucionalizadas.
Toda a conduta desviada em relação à norma surge como frustração das expectativas de
comportamento asseguradas juridicamente.

➥G
​ unther Jakobs:
Do ponto de vista de que o Direito Penal deve manter padrões de ação que organizam as
expectativas sociais sobre o comportamento alheio. O Direito Penal tem uma função de
estabilização contrafática das expectativas geradas pela violação de uma norma incriminadora. Para
jakobs o crime é o dano social objetivo sendo o pretexto afirmação de modelos de ação. O Direito
Penal tem uma função de controlo social ( protege a vigência da norma).

➥C
​ laus Roxin:
Defende o papel do bem jurídico como limite de intervenção penal, admitindo no que diz respeito
à preservação do interesse vital de gerações futuras e no que se refere à proteção da biodiversidade -
um conceito de bem jurídico entendido como parâmetro crítico da legislação.

Para Roxin deve recorrer-se aos 3 degraus da proteção de Bens Jurídicos:


- atender ao que deve ser protegido;
- a quem deve proteger-se;
- contra o que deve ser protegido;

Roxin dá alguns exemplos do significado prático de bem jurídico:


i) Punição de atos homossexuais: ​esta conduta quando consentida e tendo lugar na esfera
privada, não afeta a liberdade de desenvolvimento de ninguém nem perturba de nenhuma forma a

8
liberdade de convivência entre as pessoas. Neste caso o conceito de bem jurídico levaria a que não
se puna estes comportamentos;
ii) Posse de estupefacientes: não havendo qualquer dano para outros , seria algo que poderia ser
descriminalizado com a conceção de bem jurídico;
iii) Doações de órgãos: ​não havendo ofensividade para outrem cumpre os fins socialmente úteis,
pelo que a criminalização carece de uma legitimação conferida pela proteção de bens jurídicos;
iv) Incesto: mesmo punido no Dirieto alemão, sendo que os irmãos estão livres de coação estariam
aqui ausentes de qualquer dano para o desenvolvimento da personalidade, de modo a que o
principío da proteção dos bens jurídicos demanda impunidade desta conduta;
v) Negação de acontecimentos históricos: nas situações em que não se chega a existir qualquer
agitação ou discirminação e esteja apenas em causa a discussão de factos históricos, deve negar-se a
lesão de um bem jurídico. A liberdade de expressão compreende também manifestações de
pensamento equivocadas.

Algumas da diretrizes que concretizam o princípio do bem jurídico:


1. As leis penais arbitrárias que sejam contrárias a direitos a direitos fundamentais, não
protegem quaisquer bens jurídicos;
2. Comportamentos reprováveis não fundamentam por si só a lesão de um bem jurídico;
3. A ofensa à Dignidade da Pessoa Humana não lesa o bem jurídico;
4. Apenas uma ameaça real pode corresponder a algo que mereça a proteção de um bem
jurídico-penal;
5. A autolesão corresponde a algo que não põe em causa qualquer bem jurídico se for feita de
forma consciente e responsável;
6. As crenças não são bens jurídicos;

Para Roxin a pertença da conduta ao núcleo duro da esfera privada da pessoa pressupõe, em
primeiro lugar, a falta de uma lesão de bens jurídicos alheios. A inconstitucionalidade de uma
criminalização de condutas que não ofendem bens jurídicos também pode depreender-se de
princípios constitucionais distintos da dignidade humana. O princípio do bem, jurídico possui um
relevante significado político-criminal mesmo quando a sua não observância não resulte em
inconstitucionalidade.

➥​ Gunter Stratenwerth :
O fundamento da punição não é ofensa a determinados bens jurídicos mas a não observância de
normas de conduta fundamentais, consensualmente aceites pela sociedade. O critério decisivo da
incriminação é o reconhecimento social e legislativo sobre o caráter necessário de uma determinada
norma para evitar a prática de um comportamento não desejado.

9
A função liberal da ideia de bem jurídico consiste também em proteger a minoria contra o domínio
da maioria. A opinião pública sobre a aprovação ou reprovação de determinadas condutas não
ofensivas de bens jurídicos é mutável e suscetível de manipulação.

➥​ Figueiredo Dias:
A tarefa do direito penal é a preservação das condições fundamentais da mais livre realização
possível da personalidade de cada homem na comunidade.
O bem jurídico não é um conceito fechado e apto à subsunção, bem se compreende que, apesar de
toda a evolução e progresso verificados, continuem hoje a discutir-se várias questões relativas à sua
sua concreta verificação, como saber se protegem autênticos bens jurídicos algumas incriminações.

Para o professor F
​ igueiredo Dias​a Teoria do Bem Jurídico, tem como funções:
1- Função imanente​( orientação para o intérprete);
2- Função transcendente​( orientação crítica);
3- Função intrasistemática ( orientação para o legislador, que deve ser político-criminalmente
orientado);

➥​ Maria Fernanda Palma :


O conceito de bem jurídico tem por objeto de proteção da norma uma substancialidade real e
social ( tem ter um objeto lesionavél, com certa substancialidade em termos de vida social e
corresponde a algo mais que um interesse privado ou subjetivo).
O bem jurídico tem que ser configurado como interesse intersubjetivo ( corresponde a necessidades
mais do que do sujeito). O cerne do objeto tem que ter uma substância real e correspondem a
realidades que têm existência no mundo real e são lesionavéis.
Para Maria Fernanda Palma certa ideia de substancialidade é sobretudo a uma ideia de presente na
propriedade da coisa. A ideia de bem jurídico é uma ideia liberal e em que há um certo caráter real
em todos os interesses valores.
Uma dimensão de pessoa ( ex desenvolvimento de personalidade) pode ser um interesse suficiente
relevante para legitimar incriminações que, em última análise, têm apenas uma vaga referência a
bens jurídicos no sentido tradicional.
O conceito pode ser equívoco pelo que a pertinência da sua utilização deve limitar-se a ser conceito
exploratório de critérios limitadores das normas incriminadoras, o que permite reconhecer algumas
características de que depende a legitimidade das mesmas.

O conceito material de crime prende-se com a ideia de saber qual a legitimidade de se incriminar
certa conduta. Para a ​professora Maria Fernanda Palma há vários patamares, ou seja, não

10
basta haver um bem jurídico e temos de perceber se essa incriminação é válida consoante os
princípios jurídico-constitucionais.

Assim para a professora Maria Fernanda Palma há que atender às 4 etapas :


1- ​Temos de olhar para o Bem jurídico como critério limitador das normas penais incriminadoras,
relação com o Estado de Direito Democrático, numa lógica da preservação da subjetividade e do
reconhecimento dos interesses essenciais;

2 -​Temos de olhar para os princípios:


i)​Princípio da legalidade (​ nullum crimen sine lege​) - 29º.1 e 3 CRP;
ii) Princípio da Culpa ( a conduta incriminada deve possuir ressonância ética negativa) - 1+13+27
CRP e 40º.2 +71º +72º CP ;
iii) ​Princípio da necessidade da pena ​( a incriminação há de ser indispensável para promover a
defesa de bens jurídicos essenciais) - 18º.2 CRP;
iv) Princípio da Igualdade Penal ( entre a gravidade do ilícito e da pena e também sustenta a
mediação da pena pela culpa) - 13º CRP;

3-​Princípios do Direito Penal e o argumento criminológico;

4-​Interpretação do 40º CP;

A dignidade punitiva tem assim uma dimensão:


(-) negativa: ​pois a incriminação não pode ser, ela própria, um modo de coartar um direito
fundamental;
(+) positiva: ​a incriminação tem de se dirigir à proteção de bens jurídicos essenciais, respeitantes às
condições de liberdade da pessoa e funcionamento do Estado de Direito​2​;

➥M
​ anfred Heinrich:
Vê 3 níveis da proteção de bens jurídicos , quando estamos perante norma penal de
constitucionalidade duvidosa teremos de analisar:
1-​O que deve ser protegido com a incriminação ?
2​- Quem deve ser protegido com a incriminação ?
3- C
​ ontra que deve ser protegido a incriminação ?

➥ Gunter Stratenwerth:
2
​Para M
​ aria Fernanda Palma​a legitimidade do poder punitivo decorrente do Estado de Direito apela à utilização
do Direito Penal para proteger os bens essenciais à existência da sociedade, definidos pela sua substancialidade
valorativa e pela sua experiência interindividual.

11
O fundamento da punição não é a ofensa a determinados bens jurídicos, mas a não observância de
normas fundamentais, consensualmente aceites pela sociedade.
O critério decisivo da incriminação é o reconhecimento social e legislativo sobre o caráter
necessário de uma determinada norma para evitar a prática de um comportamento não desejado.
A função liberal da ideia de bem jurídico consiste precisamente também em proteger a minoria
contra o domínio da maioria. A opinião pública sobre a aprovação/ reprovação de determinadas
condutas não ofensivas de bens jurídicos e mutável e suscetível de manipulação.

2. Criminologia
2.1. Crime como Acontecimento Individual
➥ Cesare Lombroso:
Para ​Lombroso​, o crime era um fenômeno biológico. E não um ente jurídico, como afirmavam os
clássicos. Sendo assim, o criminoso era um ser atávico, um selvagem que já nasce delinquente.
Utilizando o método empírico-indutivo ou indutivo-experimental, o positivismo criminal de
Lombroso buscava através da análise dos fatos, explicar o crime sob um viés científico. Em suma,
concebia o criminoso como um indivíduo distinto dos demais, um subtipo humano. Dessa forma,
fundamentava o direito de castigar, não como meio e finalidade de punir o agente que praticou o
ato delituoso, mas sim, com o propósito de conservar a sociedade, combatendo assim a
criminalidade.

Lombroso relacionava o delinquente nato ao atavismo. Logo, características físicas e morais


poderiam ser observadas nesse indivíduo. De acordo com essa atribuição, o delinquente nato
possuía uma série de estigmas degenerativos comportamentais, psicológicos e sociais que o
reportavam ao comportamento semelhante de certos animais, plantas e a tribos primitivas
selvagens. Inter-relacionava o atavismo à loucura moral e à epilepsia, afirmando que o criminoso
nato, que não logrou êxito em sua evolução, tal qual uma criança ou a um louco moral, que ainda
necessita de uma abertura ao mundo dos valores. Mencionava, ainda, que a hereditariedade é uma
das grandes causas da criminalidade, realçando a importância de seu conhecimento e relevância.
Além do criminoso “nato”, Lombroso distinguia 5 tipos de criminosos:-

- delinquente moral;
- epilético;
- louco;
- ocasional;
- passional;

12
Cesare Lombroso nunca afirmou que todos os criminosos eram natos, mas que o “verdadeiro”
delinquente, era nato. Sustentava que, tendo em vista a sua natureza, a aplicação de uma pena era
ineficaz. Em síntese, o delinquente nato era considerado um doente. Isso porque nascia assim,
razão pela qual não deveria o mesmo ser encarcerado. Desse modo, sustentava que o criminoso
deveria ser segregado da sociedade, antes mesmo de se ter cometido o delito, tendo em vista a sua
característica de criminalidade imutável. No campo da política criminal, a recomendação de
segregação deste indivíduo do meio social, antes mesmo do cometimento de um crime, funcionaria
como meio de defesa social.

➥ Cesare Beccaria:
O Estado , para ​Beccaria​, tinha que respeitar o contrato social – todos os cidadãos cedem parte de
seu direito para o Estado. Logo, o Estado , detentor desse direito, deve proteger o bem da
coletividade. Beccaria foi muito mais influenciado pela ideia de “contrato” de Locke do que
Rousseau. Aliás há quem diga que Beccaria, não citou Rousseau por causa da perseguição que
Rousseau sofria.
Uma das grandes teses de Beccaria era a separação das principais instituições do Estado moderno da
Igreja. Para ele:

1)​Igreja é igreja , Estado é estado – Não há que misturar religião e Estado.

2) ​Crime é crime, pecado é pecado. – Não há que misturar religião e direito penal.

Alias era um grande critico da intervenção da religião no Estado e na metodologia do ensino


imposto pela igreja católica. Com um modelo educacional caracterizado pelo próprio pensador
como “fanático”, Beccaria foi contra os métodos autoritários de ensino, criticando a postura
inflexível e dogmática de seus professores, classificando estas como inúteis.

As obras de Beccaria eram vistas como uma forma de protesto. Ele sustentou um modelo político
criminal com ideias iluministas pautados nos Direitos humanos . Beccaria divide sua obra da
seguinte forma:

1)​Critica o sistema – Crítica essa a mais contundente do séc. XVIII

2) ​Traz ideias: Os famosos princípios, lógicas abstratas que deveriam nortear o direito penal: Os
princípios da legalidade, da proporcionalidade , ... – No sentido principiológico, foi imbatível. Foi
o maior expoente do direito penal e do direito processual penal até hoje.

13
3) Para ele não bastava criar um sistema legal perfeito. Havia de se criar também um plano
preventivo: iluminação das ruas, leis melhores elaboradas com publicidade e de fácil compreensão ,
a execução da pena não poderia mais ser corrupta deixando livres os amigos do rei, o homem
deveria temer as leis e não outros homens, o Estado teria que respeitar mais a dignidade dos seus
cidadãos.

4) Estabelece/ propõe penas mais suaves: Não concordava com violação dos direitos das pessoas.
Previa o fim da tortura, da pena da morte;

A obra de Beccaria pode ser considerado como o maior propulsor do humanitarismo de todos os
tempos. Prevalecia à época o instinto de vingança. O poder público era visto como um Supremo
vingador. Os juízes duros de coração eram verdadeiros carrascos togados.

Apesar de todo o choque que houve do lançamento de sua obra, no século seguinte, quase a
totalidade dos sistemas aboliram a pena de morte e extinguiram os castigos cruéis permeados de
resquícios de perversidade . Os países que não aboliram, diminuíram drasticamente os casos em que
eram aplicados.

Outra tese de Beccaria também teve grande influência: a igualdade dos criminosos responsáveis
pelo mesmo crime. Deveriam lhe ser computadas as mesmas penas. Segundo Beccaria “ que sejam
aplicáveis as mesmas penas as pessoas das mais alta categoria e o último dos cidadãos, desde que
hajam cometido o mesmo delito”. Nunca se proclamará mais corajosamente a igualdade entre
classes. Beccaria também repudiava a tortura.

➥ Hans Eysenck:
o enquadrava-se nas teorias psicodinâmicas e comportamentais;
o a herança genética condiciona diferenças no sistema nervoso cortical e autonómico, o que
poria em causa, em última análise, a capacidade de aprender com os estímulos exteriores; as
mutações genéticas hereditárias levariam os indivíduos alvo a não serem capazes de absorver as
normas sociais;
o As dimensões de personalidade teriam variações de intensidade e articulação nos
indivíduos, levando a estímulos sociais serem entendidos de forma diferente e havendo menos
controlo do comportamento. As características dos indivíduos: introvertidos; neuróticos;
psicóticos – combinação expulsiva, que levaria a comportamentos de impulsividade e à prática de
crimes;
o A sua crítica incide sobre a sua concepção determinista e o seu reducionismo
metodológico;

14
➥ Piaget:
o Comportamentos antissociais estariam relacionados com a incapacidade de atingir os
estádios superiores dos níveis de desenvolvimento moral da personalidade
Prática do crime está associada àqueles que ainda não passaram da primeira fase
o Crítica fala de uma abstrata escolha de princípios morais por parte de Piaget, e não de uma
ética de cuidados;

➥ Kohlberg:
Apresenta 6 estádios de desenvolvimento moral, organizados em 3 níveis:
- o pré-convencional;
- o convencional;
- pós-convencional – a evolução entre os estádios funciona por esta ordem, não sendo
possível passar do 1º para o último. (2) associam a criminalidade à incapacidade de atingir
os estádios superior de desenvolvimento moral (dificuldade de apreensão dos princípios
universais)

➥ Gottfredson e Hirschi:
o ​a prática de crimes resulta da falta de autocontrolo (o crime providencia uma gratificação
imediata, permitindo aceder a momentos de adrenalina, excitação e risco);
o ​causas da falta de autocontrolo:
- falta de disciplina;
- supervisão e afeto na infância;
- a família/ambiente familiar são a causa da prática de crimes;

➥ Gibbs:
i) ​Baseia-se na ideia de escolha racional: o crime é o produto de uma decisão útil para o próprio
indivíduo;
ii) Baseia-se também utilitarismo hedonista e adequa-se (de acordo com ​Maria Fernanda
Palma ​) aos critérios e fórmulas do Direito Penal, às políticas penais preventivas e à atuação
tradicional dos sistemas penais retributivos e preventivos.

➥ Fonagy:
o Desenvolveu a Teoria da Mentalização:
Foca-se no Homem Criminoso. Ideia de que, se alguém tiver como cuidador na sua primeira
infância alguém que tenha comportamentos criminosos/violentos, a pessoa vai encarar esses
comportamentos violentos como padrão, usando mais tarde esse mesmo padrão para conduzir a
sua vida na idade adulta

15
A ideia de que o outro é o nosso espelho, sendo através disto que se começa a conhecer a própria
pessoa, “começando a perceber a reação que os outros têm em relação a mim”
Ideia do ​caretaker​: se mãe (p.e.) for violenta, não permite à criança que comece a desenvolver os
seus próprios pensamentos – porque só assim é que se perceber as ações dos outros
o Alternativas é a pessoa assumir o modelo do ​caretaker ​– e por isso se diz que relações
violentas potenciam que mais tarde as crianças (agora adultas) se tornem violentas
Porque não conseguem criar a sua própria mente – daí se chamar teoria da mentalização
o Esta teoria é relevante para o direito penal, uma vez que há parte do direito penal (os fins
das penas) que valoriza esta teoria
Quando se vai decidir qual a pena a aplicar, resolve-se primeiro o que se pretende com a pena

Sabendo-se a teoria de Fonagy, e se se achar que a pessoa cumpre os critérios desta, talvez se aplique
pena suspensa e não efetiva, porque se for preso não vai “aprender” nada, vai sair e continuar na
mesma
● Prevenção Especial (reinserção social do indivíduo)

2.2. O crime como um acontecimento social


Radica o crime na deficiência da socialização dos indivíduos – acentua os padrões sociais de relação
entre o indivíduo e os grupos sociais ou a própria estrutura social na gênese do crime
• Há alteração de um padrão de comportamento tido como normal – perspetiva do crime
como fenômeno social
• Crime não parte das características dos indivíduos mas sim do contexto social

➥ Durkheim:
o Crime enquanto expressão do funcionamento normal de todas as sociedades;
- Seria útil/funcional, na medida em que permitiria sinalizar quais as regras dominantes e
necessárias (se não houvesse crime, as pessoas não sabiam que havia regra);
o Linha de pensamento que entende o crime como um puro facto social e o analisa como
uma função social e não como uma projeção da experiência subjetiva;
o Olha para o crime de forma cínica e abstraindo da questão moral – insere-se numa linha do
funcionalismo em que o delinquente tem um papel fundamental na sociedade;
o Anomia: fenómenos de indiferença às normas, suscitados pela organização das sociedades,
nomeadamente pela divisão do trabalho social, em que a raiz dos comportamentos anti-sociais
assenta na natureza das estruturas sociais;

➥ Mead:
o Crime é resultado de uma interação da sociedade com a pessoa

16
o Comportamentos sociais são resultado da interação entre a sociedade e o indivíduo, em que
a sociedade determina a construção das conceções de si mesmo (self) e a construção de significados
(interacionismo simbólico)
o Construção de si mesmo é determinada, não pela sociedade, mas pela interação da pessoa
com a sociedade
- Realidade social está em construção e não é 100% objetiva ​– é sempre simbólica e
representativa da interação social com os indivíduos
- Pessoas agem com base nos significados dados às coisas e a interpretação desses
significados depende da situação social do indivíduo,
o Compreensão dos fenómenos de interação e de resposta do indivíduo ao meio – subjacente
a teorias da aprendizagem dos comportamentos criminosos e à construção de si e da personalidade
delinquente
- Abre caminho às possibilidades de reconstrução de si mesmo;

➥ Sutherland :
o Crime pressupõe fenómenos de aprendizagem por contacto, pela associação diferencial,
com padrões de comportamento criminosos e não criminosos, envolvendo todos os mecanismos
presentes em todo o tipo de aprendizagem
o Crime explica-se pela intensidade, frequência e precocidade de certos contactos sociais – e
não pela expressão de necessidades, valores, nem pelo meio social ou por deficiências do indivíduo
o Estabelece a Teoria da Determinação do Comportamento Criminoso em 9 aspetos:
- Comportamento criminoso é aprendido;
- É aprendido por interação com outras pessoas num processo de comunicação;
- Aprendizagem faz-se por contacto dentro de grupos íntimos e pessoais;
Esta inclui técnicas, motivos e atitudes
- Orientação específica dos motivos depende dos códigos legais como favoráveis ou não à
infração
- Pessoa torna-se delinquente em consequência do prevalecimento das posições favoráveis às
infrações
- Associações diferenciais podem variar em frequência, duração, prioridade e intensidade,
sendo as mais decisivas as mais precoces
- Comportamento criminoso envolve todos os elementos de aprendizagem (não é simples
imitação)
- Conquanto comportamento criminoso seja expressão de necessidades e valores gerais, não é
explicado por eles – porque estes presidem a todo o comportamento social, criminoso e
não criminoso
o White Collar Crimes;

17
- Demonstram que o comportamento anti-social não se restringe às classes mais baixas, nem
se determina pela pobreza
- Tem, ao invés, a ver com padrões comportamentais desenvolvidos pelos grupos sociais
o Comportamento criminoso é aprendido com a interação entre pessoas, num processo de
comunicação – aprende-se a ser criminoso, e todos o podem ser
o Teoria da Associação Diferencial
Crime é fenómeno associativo (tendo a ver com contactos)
o Complexo Pessoa – Situação
A criminalidade é aprendizagem de modelos de conduta, compreendendo tanto as técnicas
como a orientação, racionalizações e conceções que conformam a conduta delinquente
2.3. O Crime como um fenómeno significativo e comunicacional:
➥ Cohen:
- o crime resulta de conflitos de valores, que levam a que as pautas dominantes, naquela
sociedade, de valores sejam substituídas por outras, que levariam a criar as subculturas
delinquentes;
➥ Merton:
o Crime e a explicação do comportamento criminoso residem nas deficiências da estrutura social;
o Agente seria vítima da estrutura sócio-cultural;
o Este explica o crime pelo desfasamento entre as metas sociais gerais e as vias para as alcançar
- Causa do comportamento criminoso seria a distorção referida entre a promoção de valores
como a ascensão social e a efetiva escassez de meios legítimos para a atingir;
- Esse desfasamento geraria indiferença aos valores e mecanismos de adaptação individual;

o Há crime pois não há sintonia entre os meios institucionais e as metas sociais


o Há um mecanismo de interação social que não leva à prática de crimes
- Conformação:​congruência entre as metas culturais e os meios institucionais;
o Identifica quatro mecanismos de interação social que levam à prática de crimes
- Inovação: ​metas institucionais seriam prosseguidas por meios não institucionais
- Ritualismo:​faltam metas culturais, mas segue-se formalmente os meios institucionais
- Apatia:​faltam metas culturais e ação institucional
- Rebelião: ​agentes não se conformam com as metas culturais e obviamente também não
pautam o seu comportamento pelos meios institucionais
o Comportamentos desviantes associados à inovação ou à rebelião – infração das normas
seria adaptativa a uma disfunção da estrutura social;
o Apatia e ritualismo seriam perigosos para a desintegração social;
o Rebelião enquadra comportamentos revolucionários como o terrorismo;
o Comportamento desviante tinha função latente mas não era indispensável ou útil;

18
- Natureza do comportamento desviaste permitia conceber alternativas de adaptação ou
mesmo uma modificação das condições estruturais no sentido de adequar os fins culturais e
os meios institucionais
o Condicionamento social pelo meio seria elevado – “Self-fulfilling prophecies”
- Situações em que a definição pelo grupo de predições acerca de um indivíduo, embora
falsas, poderiam levar a que o indivíduo se adaptasse a esse papel e viesse a realizar
exatamente as referidas profecias, adaptando-se à “verdade social” sobre ele
➥ Sellin:
o ​analisa os conflitos de culturas, externos e internos, mostrando que os conflitos não são de
culturas mas de normas de condutas diversas, afetando sobretudo os que se encontram em processo
de transição de culturas.

➥ Becker:
o Perspetiva do crime como processo social
o Labelling Approach
- Crime é resultado de factos sociológicos que advêm de um processo de seleção social
- Perspetiva dos estigmas – estudo dos processos de etiquetagem
- Surge da herança de ​Mead​, em que os comportamentos sociais seriam o produto de
configuração por uma interação simbólica dos significados sociais e da contração da
realidade
- Não explica o sentido e função social do comportamento delinquente e da sua génese, e
preocupa-se com os processos de seleção social desses comportamentos e a arbitrariedade
dos mesmos
- Labelling Approach ​veio reconhecer que o crime seria expressão de um processo
subjetivo-social de estigmatização dos delinquentes e de seleção de verdadeiras carreiras
criminosas
o Becker ​diz que a déviance não é qualidade interna dos factos sociais, mas antes o produto
dos grupos sociais que criam as regras cuja violação a suscita e que aplicam com sucesso
(estigmatização) a qualificação de déviant aos que violam as normas
- O que se tem de estudar não são as causas do crime, mas sim como é que certos grupos
sociais atribuem a característica de se ser criminoso
É pura criação social, sendo que o que distingue o criminoso do Homem normal é ser rotulado
como delinquente

➥ Goffman:
- constroem a sua teoria através do acontecimento teatral – as pessoas encaram os papéis
como atores e adaptam a forma de estar e o vestuário em virtude desses papéis ;
- os criminosos são atores;

19
➥ Lemert:
- o crime não é uma qualidade interna dos factos sociais, mas o produto dos grupos sociais
que criam as regras, cuja violação as suscita, e que aplicam com sucesso a qualificação de
criminosos aqueles que violam as normas;
- criam-se as self full feeling prophecies​: a estigmatização torna os comportamentos em
crimes e torna quem os pratica em criminosos;
- rejeita o determinismo biológico no que respeita ao consumo de droga: vem afirmar que o
consumo de droga é um comportamento socialmente apreendido e que a linguagem tem
um papel absolutamente central nos processos de etiquetagem e de qualificação de
comportamento.
- a utilização de certa linguagem leva à qualificação dos comportamentos como crime, pelo
que o criminoso fica r​ otulado,​sendo difícil regressar ao modo convencional

➥ Braithwaite:
- críticas ao sistema judicial: ​é um fracasso, porque: as penas nem sempre são justas, não
conseguem corrigir o comportamento “desviante”, as condições das prisões são más e os
criminosos de colarinho branco têm condições especiais;
- tese da​reintegrative shaming​:​uma forma de ultrapassagem a etiquetagem;
- introduz os processos restaurativos: o autor é confrontado com a vítima, os familiares
da vítima e os seus próprios familiares; nestes processos, quer por mediação, quer por
conferências de grupos, levam ao confronto, à assunção de responsabilidade e à
possibilidade da reparação do próprio indivíduo;
- associação à vergonha: ​o indivíduo sente-a quando é confrontado com estes objetivos, o
que conduz à possibilidade de reintegração pelos seus pares;
- problema:​ficam de fora os crimes sem vítima;

3. Fins das Penas e Medidas de Segurança


A questão dos fins das penas constitui a questão do destino do direito penal e do seu paradigma. As
respostas dadas ao longo de muitos séculos ao problema dos fins das penas reconduzem-se a 2
teorias.

A aplicação das penas tem como pressupostos específicos:

- T
​ ipicidade:​tipicidade do crime (previsão em lei – princípio da legalidade);
- Ilicitude:​não verificação de nenhuma das causas de exclusão da ilicitude;
- Perigosidade: depende da culpa (art. 40º do Código Penal), que corresponde a um juízo
de censura da conduta do agente.

20
3.1. Teorias Monistas

3.1.1. Teorias Absolutas ( pena como instrumento de retribuição)

Para este grupo de teorias a essência da pena criminal reside na retribuição, expiação, reparação /
compensação do mal e do crime. Se apesar de ser assim, a pena pode assumir efeitos reflexos ou
laterais socialmente relevantes ( intimidação da generalidade das pessoas). Uma tal essência e
natureza é função exclusiva do facto que se cometeu, é a justa paga do mal que com o crime se
realizou, é o justo equivalente do dano do facto e da culpa do agente.Por isso a medida concreta da
pena com que deve ser punido um certo agente por um determinado acto que não pode ser
encontrada em função de outros pontos de vista que não sejam os de correspondência entre pena e
o facto.

A discussão acerca do fundamento das teorias absolutas da retribuição centrou-se durante longo do
tempo sobre a forma como deveria ser determinada a compensação ou igualação a operar entre “ o
mal do crime” e o mal da pena”. Ultrapassado o período do talião acabou generalizadamente por
reconhecer-se que a pretendida igualação não podia ser fática, mas tinha forçosamente de ser
normativa.

Para ​Figueiredo Dias a doutrina da retribuição deve ser recusada ainda pela sua inadequação à
legitimação, fundamentação e ao sentido da intervenção penal. Estas podem apenas resultar da
necessidade, que ao Estado incumbe satisfazer, de proporcionar as condições de existência
comunitária, assegurando a cada pessoa o espaço possível de realização livre da sua personalidade.

➥ Kant:
i) ​Baseia-se na lei de talião​: todo aquele que furta torna a propriedade de todos os demais insegura
e, portanto, priva a si mesmo da segurança em qualquer propriedade possível. ( ​exemplo:
assassino, todo o assassino deverá ser executado).
ii) A ​pena é um imperativo categórico: os deveres éticos justificam-se a si mesmos e não têm
qualquer fim exterior. As consequências desta concepção para a legitimidade do poder punitivo do
Estado são vastas: para se viver em segurança e paz, as pessoas aceitam os crimes como males
necessários, mas também assumem que quem os pratica deve sofrer as consequências (sempre que
há crime, para Kant, há pena – todos aceitam e concordam com o contrário originário, pelo que
compreendem estas consequências);
iii) As penas não são aplicadas” para que”: ​isto será instrumentalizar o homem à prossecução de
um crime; as penas são aplicadas porque se cometeu um crime;

21
➥ Hegel:
i) crítica Kant: no contrato original, ninguém aceitaria que o assassinato tivesse como
consequência a execução, pois que ninguém pode dispor da sua vida. Rejeita, assim, a ideia que esta
base da construção de Kant: o imperativo categórico como o fundamenti oara o cumpriemento dos
deveres e , consequentemente, para a aplicação das penas.
ii) Constrói uma teoria da pena de forma lógica: o crime é a negação do direito; a pena é a
negação do crime; logo, a pena reafirma o direito;
iii) Maior pragmatismo: rejeitando o imperativo categórico, considera que a pena é válida
porque se pratica um crime, mantendo-se assim a ​retribuição na base da sua construção.
iv) não há um entendimento moral da pena, ​a qual deve pertencer exclusivamente à
racionalidade do Estado;

3.1.2. Teorias relativas ( a pena como instrumento de prevenção)


Estas teorias reconhecem que a pena traduz um mal para quem sofre. Mas, como instrumento
político- criminal destinado a atuar no mundo, não pode a pea bastar-se com essa característica, em
si mesma destituída do sentido cial-positivo: para se justificar tem de usar desse mal para alcançar a
finalidade precípua de toda a política criminal, a prevenção ou profilaxia criminal.

Pena como instrumento de prevenção geral:

O denominador comum das doutrinas da prevenção geral radica na cooperação da pena como
instrumento político-criminal destinado a atuar sobre a generalidade dos membros da comunidade
afastando-os da prática de crimes através da ameaça penal estatuída pela lei, da realidade da sua
aplicação e da efetividade da sua execução. A pena pode ser concebida como forma estatalmente
acolhida da intimidação cujo receio conduzirá mais pessoas a cometerem factos puníveis: fala-se
então a este propósito da :

- prevenção geral negativa ( intimidação): a pena pode ser concebida por outra parte
como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na
validade e na força de vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos;
- prevenção geral positiva ( integração): a pena existirá para levar os cidadãos a confiar na
normas e no sistema

O art. 40º do CP visa a proteção dos bens jurídicos - promove uma atuação preventiva;

Pena como instrumento de prevenção especial/ individual:

22
A pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do delinquente com o fim de evitar
que, no futuro ele cometa novos crime.

- prevenção especial negativa: “ correção” dos delinquentes só poderia dirigir-se à sua


intimidação individual: a pena visaria atemorizar o delinquente até um ponto em que ele
não repetiria no futuro a prática de crimes. Enquanto para outros a prevenção especial e
alcançar um efeito de pura defesa social através da separação/ segregação do delinquente,
assim procurando atingir-se a neutralização da sua perigosidade social;
- prevenção especial positiva: aqueles que pretendem dar à prevenção individual a
finalidade de alcançar a reforma interior do delinquente ao que se pode designar de emenda
do criminoso;. Esta mesma solução respeita o ar. 18º.2 CRP pois habilitando o gente na
sociedade , este tornar-se-á então um cumpridor do Direito;

➥ Platão + Protágoras
- a punição servirá para ensinar;
- não se deve acrescentar um mal àquilo que já estará mal, devendo sempre querer o bem. A
pena retributiva produzirá no futuro uma l e não um bem.
- Dever-se-á reabilitar para que possa haver um bem no futuro;

3.1.3. Retroactive Justice​3

Será o processo através do qual a vítima ofensor e quando apropriado, outros indivíduos/ membros
da comunidade afetados pela prática de um crime, participam e decidem conjuntamente como
lidar com os seus efeitos auxiliados por um 3º imparcial.

A finalidade da pena pode ser a de operar a possível concertação entre o agente e a vítima através da
reparação dos danos - não apenas necessariamente patrimoniais, mas também morais - causados
pelo crime. Haverá portanto diálogo entre a vítima, opressor e a comunidade afetada , com o crime
a gerar práticas de responsabilização e reparação.

3.2. Teorias Mistas

A s teorias mistas ou unificadoras procuram combinar, sob diversos pontos de vista, algumas ou
todas as doutrinas monistas (ou seja, as teorias absolutas e as teorias relativas).

3
​Esta figura de mediação não existe em Portugal

23
Entre estas:

i) Pena retributiva no seio da qual procura dar-se realização a pontos de vista de


prevenção, geral e especial : ​está presente a concepção de pena como retribuição da culpa e,
subsidiariamente, como instrumento de intimidação da generalidade e, na medida do possível, de
ressocialização social.

- ​ eoria da diacrónica dos fins da pena: ​no momento da ameaça abstrata, a pena seria
T
instrumento de prevenção geral; no momento da aplicação, seria instrumento de
retribuição; no momento da execução teria como finalidade a prevenção especial.
- Figueiredo Dias: ​coloca, novamente, no centro a retribuição da pena, que deve ser
rejeitada enquanto finalidade da pena; fica-se sem se saber qual o ponto de partida para o
fundamento e a legitimação da intervenção penal

ii) Teorias da prevenção integral: a combinação apenas pode ocorrer ao nível da prevenção geral
e especial, recusando-se qualquer concepção retributiva;

- Figueiredo Dias: ​concluem, uma vez que excluem as conceções retributivas, a recusa do
pensamento da culpa e do seu princípio como um limite à pena – procuram substituí-la
pela perigosidade ou pelo princípio da proporcionalidade; entende que a ​culpa é
pressuposto e limite inultrapassável da medida da pena​;

➥R
​ oxin:

Pena tem finalidades preventivas e serve fins racionais, dividindo a sua concepção em 2 planos;

- abstrato:​pena serve fins de prevenção geral e visa a tutela de bens jurídicos;


- concreto de aplicação: prevenção geral e prevenção especial;

A culpa será pressupostos e limite inultrapassável da pena, mas pode ser fixada pena abaixo do
limite da culpa se isso for necessário para a prevenção especial.

A medida da culpa não é dada por ponto exato da escala penal e tem de haver pena com base numa
moldura de culpa. Os limites de prevenção geral mínima têm de ser satisfeitos. O fim da prevenção

24
geral da punição apenas se pode conseguir na culpa individual. Na execução específica da pena
atende-se a critérios de prevenção especial positiva.

A pena não poderá ultrapassar a medida a culpa, que não serve para fundamentar o poder penal do
Estado mas sim para o limitar. A culpa constitui um meio de manter dentro dos limites aceitáveis os
interesses da coletividade face à liberdade individual.

Roxin justifica a pena pois cada membro da comunidade tem de responder pelos seus atos na
medida da sua culpa, para a salvaguarda dessa comunidade.

➥F
​ igueiredo Dias:

→ As penas só podem ter natureza preventiva: seja de forma geral, positiva ou negativa, seja de
forma especial, positiva ou negativa.

i) solução que melhor se coaduna com o Estado de Direito Democrático: a pena deve prevenir a
prática de crimes futuros, já que é esse o desiderato da submissão ao poder punitivo do Estado (os
cidadãos cedem a sua liberdade, a fim de se garantir a sua segurança em sociedade);

ii) Devem, a prevenção especial e a prevenção geral, conciliar-se da melhor forma possível e
coexistir.

→ 1º momento: prevenção geral positiva ou de integração: o fundamento deve ser a tutela


necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto, por forma a garantir a tutela da confiança e as
expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada.

i) Objetivo:​restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo crime;

ii) Garantia do princípio da necessidade da pena ( 18º.2 CRP): ​se a pena não for necessária
para garantir a tutela de bens jurídico penais, não seria aplicada;

iii) Prevenção geral negativa: ​pode surgir enquanto efeito lateral da necessidade de tutela dos
bens jurídicos;

25
→ 2º momento: prevenção especial positiva ou de socialização: é as finalidades de prevenção
especial positiva que vão determinar a medida da pena;

- ​medida da necessidade de socialização do agente ​é o critério decisivo das exigências de


prevenção especial: só é aplicado no caso do agente carecer de socialização; caso não careça dessa
socialização, a pena terá uma natureza de advertência (descer até perto do limite mínimo da
prevenção).

→ Complemento das teorias retributivas:

- princípio da culpa:​a função da culpa no sistema punitivo é prevenir o ​excesso;


- a culpa assim concebida ​não é fundamento da pena​, mas é um pressuposto necessário e
um limite inultrapassável;

➥​ Maria Fernanda Palma:

Para a professora o que está em discussão não seriam as finalidades reais das penas mas sim as
finalidades ideais das mesmas ( em termos éticos e morais), desconsiderando-se a verdadeira

- As penas têm sempre como finalidade punir: apresentam sempre uma finalidade
retributiva; essa retribuição, num Estado de Direito Democrático, tem de ser racionalizada,
através de dois princípios (o princípio da dignidade da pessoa humana que origina o
princípio da culpa – artigo 1º da CRP; o princípio da necessidade da pena, artigo 18º.2 da
CRP). Conclui que a pena retributiva, só é legítima, se necessária preventivamente.

i) O problema dos fins das penas deve ser colocado como problema do fundamento de
legitimidade das penas estatais em face da legitimidade do poder punitivo do Estado e não como
mera escolha de modelos ideologicamente suportados ou puros modelos normativos assentes em
construções gerais sobre os fins dos seres humanos.

- Dúvida que a pena apenas possa prosseguir finalidades preventivas: se é verdade que
no artigo 40º se fala em prevenção, os artigos anterior centram-se em quando se efetiva a
responsabilidade jurídico-penal – logo, s​ ó a culpa pode ser o fundamento da pena.

26
→ 1º momento (princípio da culpa)​: a moldura concreta da pena é definida em função da
culpa.

i) A moldura concreta da pena difere da moldura abstracta da pena (moldura tipificada na


norma pelo legislador).

ii) A culpa define a necessidade da pena (artigo 40º. 2 CP): a medida da culpa é sempre um
limite inultrapassável da medida da pena, pelo que as exigências de prevenção não podem
nunca ultrapassar a medida máxima da culpa; a culpa define a necessidade da pena, pelo
que, em caso de esta estipular uma desnecessidade de punição, as razões de prevenção não
podem justificar a aplicação da pena.

→ 2º momento (medida concreta da pena): a medida concreta da pena é definida em


função das necessidades de prevenção geral e de prevenção especial.

- Especial ênfase à prevenção especial positiva: deve ser o princípio orientador.


- Crítica a prevenção geral positiva: entende que, se levada às últimas consequências,
pode consubstanciar uma instrumentalização do indivíduo (violação do
princípio da dignidade da pessoa humana);

Espécies de Penas:

- principais: podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras;

i) pessoas singulares:​pena de prisão/ multa;

ii) pessoas coletivas:​pena de multa;

- alternativas:​quando previstas no mesmo tipo “Ou”;


- acessórias: ​só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal ( não têm
efeito automático - 30º .4 + 65º.1 CRP);

i) pessoas singulares:​66º e ss; 152º,2 ,4,5 e 6; 246º e 346º;

ii) pessoas coletivas:​90º -A e ss;

27
- Substitutivas / de substituição​4​: só podem ser aplicadas na sentença condenatória em
substituição da execução da pena principal: multa, permanência na habitação, proibição do
exercício da profissão, função ou atividade, suspensão da execução da pena de prisão,
prestação de trabalho a favor da comunidade e admoestação;

3.4. Medidas de Segurança

Têm como pressupostos principais:

- facto típico e ilícito;


- perigosidade;

A indispensabilidade das medidas de segurança faz-se logo sentir a 2 níveis:

- devido aos agentes inimputáveis ( aqueles que cometem um facto-típico ilícito mas são
inimputáveis por exemplo um menor esquizofrénico);
- mesmo que o facto tenha sido praticado por um imputável pode suceder que os princípios
que presidem à culpa e por via desta ao limite máximo da medida da pena se revelem
insuficientes para ocorrer a uma ​especial perigosidade resultante das particulares
circunstâncias do facto / personalidade do agente;
-

ESQUEMA:

4
​Em 2017 foi revogada a prisão por dias livres e o regime de semidetenção;

28
4. Princípios Direito Penal

Princípios ​→ ideias gerais cujo papel é permitir que a constante regulamentação normativa
produzida num sistema jurídico respeite uma determinada racionalidade, assim como assegurar o
controlo da efetivação prática do sistema.

Estes são:

- a racionalidade inerente a um conjunto de normas/ objetivos do sistema;


- a estrutura e os valores principais do sistema ( o esqueleto do Direito Penal);
- o ponto de apoio e sustento de qualquer raciocínio jurídico-penal;
- o Direito Penal e os seus preceitos legais apresentam uma subordinação a princípios do
Direito Penal;

4.1.Princípio da Culpa

29
Este princípio corresponde à censurabilidade de alguém por um facto por ela praticado. Este
decorre da Dignidade da Pessoa Humana e do Direito à Liberdade ( 1º + 27º CRP),sendo indicado
como fator de determinação da pea ( 40º.2 + 71º+72º CP).

Concepções para este princípio:

1) Fundamento da Pena ( desvalor ético- social derivado da prática de certos


comportamentos tenha função de legitimar a realização dos fins do Estado, como a
proteção de bens jurídicos que informam as expectativas dominantes da sociedade).
- Fernanda Palma: ​o Direito Penal é também legitimado por ter comandos e proibições
que conduzam à aplicação e realização de ideias culturais de justiça, que informarão as
expectativas dominantes da sociedade. A pena não serve apenas para proteger bens jurídicos
mas também para realizar uma ideia de justiça que não pode ser desligada do conceito de
culpa;
- Suum cuique tribuere: ultrapassa o papel restritivo considerando que a democracia exige
a igual consideração pelos interesses e a subjetividade de cada um - a cada um o que lhe é
devido, na base da justiça);

2) Fator de Determinação da Medida da Pena ​( possibilidade de chegar a comparações


entre comportamentos de agentes através da referência à ideia de culpa);

3) Princípio da Responsabilidade Subjetiva ( limitação da responsabilidade penal ao


âmbito do domínio da vontade humana, que terá como pressuposto a liberdade e ação
causal);

- só há ​responsabilidade subjetiva e não objetiva ( pelo risco) ​→ coaduna com o


147º CP+ 18 CRP;
- não haverá resposta do Direito Penal para condutas fora do controlo dos
agentes ​( liberdade de agir em que há condições para os agentes se motivarem pela
norma e respetivas consequências);

4.2. Princípio da Necessidade da Pena (​intervenção mínima do Estado em matéria Penal)


subprincípios:
➛ proporcionalidade ​( certa relação quantitativa entre bens e valores diferentes a serem
ponderados);
➛adequação​( utilizar-se-á o meio mais apto/ adequado para se atingir certo fim);

30
Ao criminalizar um comportamento teremos de aferir se no Ordenamento Jurídico há algum outro
mecanismo jurídico que tutela o bem jurídico de forma igualmente eficaz que o Direito Penal e não
seja tão lesivo para o agressor​ ( 18º.2 CRP).
➛ intervenção penal é a​ ultima​ratio d
​e intervenção do Estado;
➛na determinação da r​ esponsabilidade penal​, são assinaláveis 2 aspetos: conformação do
conteúdo de certos conceitos valorativos; critérios dos quais depende a responsabilização penal e
influência na medida da pena;

Surge como:
➛​reação​contra a utilização discricionária das penas pelo poder político ao serviço de quaisquer
fins ;
➛​ideia primitiva de contrato social ​( subordinação racional dos fins políticos à realização da
pessoa em sociedade);

Legitimidade da incriminação surge devido à:


➜ carência de proteção penal do bem jurídico: ​tratar-se-á de um mero valor moral sem
expressão de um bem jurídico determinado;
➜falta de alternativas à penalização da conduta:​não se afirmará quando os meios penais não
forem absolutamente indispensáveis existindo outros meios sociais capazes de evitar determinados
comportamento;
➜ eficácia concreta da incriminação: D
​ ireito Penal não evita a prática de certas condutas e
chega a ter um papel criminógeno;

4.3. Princípio da Igualdade Penal

Proveniente do artigo 13º da CRP este princípio orienta as soluções do sistema penal. À igualdade
está subjaz uma ideia de proporcionalidade entre a gravidade do ilícito e da pena bem como e a
igualdade que sustenta a medição da pena pela culpa. Assim uma necessidade de punir igual
justificará penas idênticas. O princípio da igualdade proíbe tipos penais discriminatórios, mas
também factos menos graves não podem ter uma punição superior a factos mais graves pois isto
violaria o princípio da igualdade.

Os tendencialmente factos menos graves não podem ter uma punição superior a factos mais graves,
pois isto violaria o princípio da igualdade. O princípio da igualdade tem relevância na delimitação
negativa das incriminações e legítima em certos casos o conteúdo de normas incriminadoras mas
não prevalece sobre o princípio da necessidade da pena.

31
4.4. Princípio da Humanidade

Esta expressa a ideia de responsabilidade social pela delinquência e disposição de respeitar e


recuperar a pessoa delinquente e justificará por isso a rejeiçãode penas atentatórias do repseito pela
pessoa humana comopor exemplo a pena de morte. Este é também a expressão do princípio da
Dignidade da Pessoa Humana , o criminoso tem uma compressão dos seus direitos civis e políticos
mas não deixa de ser pessoa.

Este condicionará inevitavelmente a legitimação das normas incriminadoras em termos de


proporcionalidade e adequação de penas. Interferem na legitimação de normas incriminadoras em
que estejam em causa padrões mínimos de consideração pelos outros.

4.5. Princípio da Legalidade

➜Proposição fundamental do sistema penal


Os tribunais estão vinculados a não aplicar sanções penais sem lei anterior que as preveja (​nulla
poena sine lege​) e não aplicar as sanções penais previstas sem que se realizem determinados
pressupostos, No caso das medidas des segurança, reveladora de perigosidade criminal ( será a
máxima ​nullum crimen sine lege -​29º.1 e 3 CRP + 1º CP).

Ou seja a solução do caso concreto está totalmente vinculada a um modelo legal, a uma articulação
já feita pelo legislador entre um determinado caso, semelhante ao verificado em concreto, e uma
solução para ele prevista. O princípio da legalidade é também a exigência de vinculação total do ato
de aplicação de uma sanção, no caso concreto a uma decisão já tomada previamente com um certo
grau de concretização, pelo legislador.

Os aspetos fundamentais deste princípio serão portanto:


➜ nullum crimen sine lege​( define os pressupostos do comportamento criminoso cabendo
apenas ao legislador). Cabe a um típico específico de lei:
- ​scripta ​(escrita)​:por lei da AR ou DL autorizado;
- certa​: definição do comportamento criminoso tem de ser precisa e clara para que quando se
criminalize um comportamento, ele esteja especificamente previsto - 29º.3 CRP);
- praevia​( prévia) :​lei penal tem de ser anterior ao facto criminoso e estar em vigor quando o
facto é praticado;

32
➜ nullum poena sine lege (​pena tem de estar definida por lei para um crime , também definido
por lei)
- só pode haver pena se o caso concreto corresponder ao caso abstrato previsto pelo legislador;
- não poderá haver aplicação analógica (1º.3 CP + 29º.1 e 3 CP), deve ser compreendida num
sentido mais profundo do que a proibição da utilziação de reciociníos analóigicos c​ ontra reo​ na
operação de decidir. Não permitindo a analogia, o princípio da legalidade pode resultar em que:
- fixação rígida às palavras da lei;
- condicionamento à letra da lei que por vezes será vaga e simbólica, não existindo uma verdadeira
igualdade material;

A aplicação da lei resulta de um processo lógico dirigido à descoberta do sentido da lei por exemplo
à delimitação dos valores positivos e negativos que explicam a incriminação de um determinado
comportamento. Este princípio relacionar-se-á com Estado de Direito Democrático na medida em
que o mesmo é o fundamento para que haja garantias especiais de segurança, certeza e confiança,
isto para evitar a arbitrariedade na aplicação do Direito,sendo o legislador quem define quais serão
os bens jurídicos a defender pela sociedade.

● As fontes do Direito Penal:

o ​Dos arts. 29º CRP e 1-3º CP resulta que os modos de revelação do direito penal (= as suas fontes)
são estritamente vinculados no nosso sistema jurídico

Princípio geral é o de que só a lei pode ser fonte de direito penal – estabelecendo-se uma reserva
relativa de competência da AR no art. 165º/1/c) CRP;

● Assim, só a AR ou o Gov munido de indispensável autorização legislativa, sob pena de


inconstitucionalidade orgânica dos DL que aprovar, têm competência em matéria penal

o Este princípio só é afastado pelo art. 29º/2 CRP – que admite a legitimidade da punição nos
limites da lei interna, das ações e omissões que no momento da sua prática sejam consideradas
criminosas segundo os princípios gerais do DIP comumente reconhecidos.

33
Esta exceção​5 significa que o costume internacional também pode ser fonte de direito penal: a
convicção generalizada na sociedade internacional sobre o carácter criminoso de certas condutas é
bastante para que, nos limites da lei interna, uma conduta seja punida sem lei prévia à sua prática

● Formulação, âmbito e fundamento do princípio da legalidade

o ​A conformação constitucional mais explícita do direito penal deriva do princípio da legalidade

O seu conteúdo essencial traduz-se em que não pode haver crime, nem pena, que não resultem de
uma lei prévia, escrita, estrita e certa

o ​Dos arts. 29º CRP e 1º-3º CP resulta que as instâncias de criação e aplicação do direito penal têm
o seguinte regime:

- Só a lei pode, em princípio, ser fonte de direito penal, prevendo-se uma reserva relativa de
competência da AR (art. 165º/1/c) CRP);
- O próprio conteúdo das normas penais terá de revelar um elevado grau de determinação na
descrição das condutas incriminadas e das suas consequências (art. 29º/1 e 3 CRP);

Há um condicionamento do intérprete da lei penal a quem está vedada a analogia e, eventualmente,


a própria interpretação extensiva de normas incriminadoras (arts. 29º/1 e 2 CRP e 1º/3 CP).

Está consagrada a proibição de retroatividade das normas penais (arts. 29º/1 e 3 CRP e 1º/1 CP)

Consagra-se o princípio da retroatividade das leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido
(arts. 29º/4 CRP e 1º/2 e 4 CP)

o ​O princípio da legalidade é uma decorrência do EDD, integrando-se no elenco dos direitos,


liberdades e garantias fundamentais;

- Expressão da autolimitação do Estado perante os cidadãos e da sua função primordial de


proteção da pessoa;
- Exprime o modo constitucional de realização da máxima segurança individual;

5
Figueiredo Dias​não considera como exceção pois o próprio DIP reconhece o princípio da legalidade como
princípio geral do direito penal

34
● Sendo manifestação da separação dos poderes e da democracia igualitária;

o Ideia central deste princípio é a garantia de segurança dos indivíduos frente ao Estado, através do
controlo da criação e aplicação do direito penal pelos órgãos de representação democrática.

E um tal controlo democrático da lei penal é o meio mais adequado racionalmente para a
concretização da igual dignidade da pessoa humana.

São estas ideias que explicam a extensão do princípio e a sua aplicação à previsão dos crimes, e não
só à cominação das penas

● A proteção das expectativas individuais e a indicação do ilícito criminal acresce à garantia


de só ser punido com pena prevista em lei anterior à prática do facto .

● Reserva de lei

o​Comando para o legislador tem de obedecer a certos critérios a elaboração das leis

O fundamento do princípio da legalidade impõe que as normas penais que ampliem a incriminação
sejam aprovadas pelo Parlamento (AR) ou, pelo menos, pelo Gov mediante delegação de
competências

- Legislador tem de obedecer a um critério quanto às fontes – há matérias que são reserva da
AR;
- Quando o Governo tem autorização, não pode extravasar o âmbito dessa autorização,
tendo de haver concretas diretrizes para o Governo;

● Autorização tem de ser explícita e inequívoca, descrevendo o conteúdo

o​Art. 165º/1/e) CRP

35
- Âmbito de reserva são as normas penais: penas + medidas de segurança (e respetivos
pressupostos);

o​E quanto à descriminalização:

Esta também se enquadra na definição de crimes (​ad contrarium​)

É contemplada na reserva de lei – entendimento do TC de que se trata de relevância social, por isso
deve haver expressão democrática

- Maria Fernanda Palma ​– se Gov pudesse fazer a descriminalização a seu belo prazer,
então a definição de crime ficaria nas mãos dele;
● A definição de crime abrange a definição pela positiva e pela negativa:
- Jurisprudência: d ​escriminalização é da reserva de lei devido à segurança jurídica e
separação de poderes;

o​Circunstâncias agravantes:

- Estas definem o concreto facto criminoso, sendo abrangidas pelo art. 165º/1/c) CRP
● Sucede no caso das circunstâncias modificativas, que alteram o tipo fundamental,
suscitando nova medida legal da pena;
● As razões justificativas da reserva de lei (segurança jurídica e o princípio democrático)
favorecem a aplicação do art. 165º/1/c) CRP a todas as circunstâncias agravantes

o Circunstâncias atenuantes:

- Circunstâncias atenuantes da responsabilidade podem alterar a delimitação dos direitos do


cidadão em si
● Assim, no que respeita às causas de justificação do facto ou de exclusão da ilicitude, a
liberdade criada pela permissão de certas condutas diminuirá a liberdade de todos os que se
pretendem opor às mesmas ;

Há atenuantes que, ao permitirem certas condutas, que em geral são proibidas, abrem uma
exceção, de modo que a sua previsão afeta as expectativas gerais e diminui a liberdade e a segurança
dos cidadãos.

36
Causa de exclusão da ilicitude :

● Há justificação, havendo prevalência de uma valor sobre outro;


● Há critério valorativo que torna aquele comportamento proibido em permitido;

Causas de exclusão da culpa:

● Afastam a censurabilidade do agente pela prática de certo facto;

o ​Maria Fernanda Palma​– critérios de valoração da responsabilidade (o que significa a culpa


ou a sua ausência) não podem estar desvinculados de um certo controlo da reserva

o Essa valoração da responsabilidade não deve estar sujeita a reserva?

- Tem de existir o mínimo de expressão legal, ponto de apoio legal, nessas normas, portanto elas
estão sujeitas à reserva;

-As causas de exclusão com base em circunstâncias invocadas têm de ter um ponto de apoio legal

Nas circunstâncias atenuantes da responsabilidade penal é desnecessária a reserva de lei:

● A tipicidade das atenuantes gerais resulta da fórmula genérica do art. 72º CP, e tais
circunstâncias, influindo apenas na determinação da pena, não são suscetíveis de promover
uma restrição indireta dos direitos das vítimas de crimes
● Questão deve ser resolvida pela análise da natureza da própria circunstância atenuante;

● Reserva de lei e tipicidade – normas penais em branco

o ​Do respeito pela reserva de lei decorre o princípio da determinação das normas penais
incriminadoras;

37
De acordo com este princípio, todos os pressupostos da incriminação e da responsabilidade penal
têm de estar descritos na lei, não sendo admitidas as leis penais em branco

o ​Normas penais têm de ser descrições de figuras ou tipos, isto é, determinações do conteúdo de
certas imagens sociais relativamente concretas de comportamentos humanos, que prefiguram com
exatidão o âmbito do proibido e a respectiva consequência (sanção)

o Princípio da determinação das normas penais implica o máximo preenchimento possível das
figuras através de verdadeiros conceitos de espécie;

o ​Este princípio justifica o desmembramento do ilícito criminal através das várias figuras de
infrações criminais – os tipos legais de crime;

Nenhum comportamento humano pode ser considerado criminoso se não corresponder a um tipo
legal de crime, descrito com precisão por um preceito legal

A tipicidade é exatamente essa exigência de adequação do facto a um tipo legal de crime

● Destinatário da norma tem de saber qual o comportamento que é proibido

o ​Hoje em dia, o juiz deve decidir se um certo facto corresponderá ao “tipo de ilícito” (conjunto de
elementos que constituem o comportamento proibido e cuja verificação suscita o ilícito criminal),
que constitui a essência da norma incriminadora( e​ x:​conceito de veneno);

o A violação dos princípios da determinação e da tipicidade não se dá logo que o legislador utiliza
conceitos menos precisos ou que o intérprete excede um sentido puramente lógico-formal das
palavras

Tal violação dá-se quando a possibilidade de compreensão e controlo do desvalor expresso no tipo
legal de crime deixa de existir

Violação da reserva de lei começa onde a linguagem normativa permitir a total manipulação do
conceito para fins incontroláveis

o ​Uma decorrência da reserva de lei é a proibição das normas penais em branco

38
➥​Figueiredo Dias: ​normas penais em branco são aquelas que culminam numa pena por
comportamentos que não descrevem, mas se alcançam através de uma remissão da norma penal
para leis, regulamentos ou inclusivamente atos administrativos

● Parte sancionatória é que tem de estar sujeita a reserva de lei

➥ Fernanda Palma: normas que estabelecem o conteúdo da sua previsão ou da sua estatuição
por remissão para outras normas constantes de leis hierarquicamente inferiores

● Como acontecerá nos casos de leis penais que remetem para regulamentos (ou leis do Gov
sem autorização legislativa) a definição de elementos de que resulte o comportamento
incriminado ou a pena aplicável

• Conceção abrangente ​– em que norma em branco é toda aquela em que a definição da “área de
proteção” é feita, total ou parcialmente, por norma diferente da norma que contém a ameaça penal

o Em que medida é que uma norma penal que não define todo o seu conteúdo, remetendo para
uma outra, viola o princípio da reserva de lei?

A remissão de uma norma para outras não é, em si mesma, obstáculo ao respeito pelo princípio da
legalidade

● O que pode desrespeitar este princípio é o esvaziamento de conteúdo preceptivo e a


atribuição da competência para definir o comportamento proibido a leis hierarquicamente
inferiores ou, até, aos atos administrativos

Importa distinguir, atendendo ao “critério do proibido”:

● Situações em que o núcleo do comportamento proibido pela norma depende totalmente


da norma para a qual se remete, não sendo previsível para os destinatários sem essa norma o
que deles se espera

o ​São inconstitucionais pois violam o princípio da legalidade (na aceção da reserva de lei) e
conflituam com a separação de poderes

39
● Situações em que a remissão é puramente um critério técnico, não estando o objeto da
norma remissiva, o interesse fundamental protegido, dependente do conteúdo concreto
desse critério

o Efeito de regulação da norma incriminadora, que não depende do conteúdo da norma para a
qual se remete;

o Neste caso se encontram aquelas normas em que o cerne da proibição (e, por isso, do ilícito) se
centra manifestamente num efeito pretendido ou num interesse fundadamente prosseguido, não
dependendo do critério técnico (em si mesmo variável em função de novos conhecimentos) o
sentido essencial do comportamento contrário ao Direito;

o A distinção entre normas remissivas que violam a reserva de lei e as que são com ela compatíveis
depende de saber se a função da norma penal é estabelecer direta e materialmente a fronteira entre o
proibido e o permitido, ou apenas sinalizar que um certo efeito material dependente da obediência
à regulação legal devido à natureza ou grau de risco da atividade é o conteúdo fundamental da
proibição ;

Na ​norma penal em branco​, o crime não é totalmente definido pela AR, o que viola o art. 165º
CRP. A norma penal em branco levanta também um problema quanto à tipicidade, uma vez que,
de acordo com o art. 29º/3 CRP, a definição do comportamento criminoso tem de ser expressa

● Quando há cisão pode estar em causa o carácter certo da lei, o que deixa o destinatário
insuficientemente orientado quanto ao comportamento que deve tomar

A norma penal em branco será compatível com o princípio da legalidade se os critérios essenciais de
ilicitude estiverem na norma penal em branco e não na norma complementar

● Aquilo que é a essência do desvalor tem de estar na norma penal, de tal forma que a norma
complementadora não venha criar nenhum critério de ilicitude, vindo apenas concretizar o
critério que já constava da norma penal em branco

Assim, para a norma penal em branco não ser inconstitucional, têm de estar verificados três
requisitos:

40
● Estar claro qual é o bem jurídico protegido
● Estar claro qual o desvalor da ação, ou seja, qual o comportamento que se pretende proibir
● Estar claro qual o desvalor do resultado, isto é, qual o resultado que se pretende evitar e
qual a sanção

Se isto resultar da norma penal, então temos uma norma penal em branco constitucional:

o Art. 277º CP é considerado, por alguns autores, como norma penal em branco e, devido a tal,
inconstitucional

➥Fernanda Palma: não entende assim, pode ser norma formalmente penal em branco por ser
remissiva, mas o que se pretende com este tipo de normas é que certas atividades perigosas devem
ver respeitadas as normas técnicas vigentes;

● O cerne do proibido é o cumprimento de certas normas técnicas

Este artigo não é norma penal em branco, pois o proibido está explícito (que é a violação da norma
técnica) – não sendo a norma técnica que tem o conteúdo do proibido ;

o Taipa de Carvalho: há casos em que a remissão não interfere com a previsibilidade e com a
segurança jurídicas, mas apenas cumpre o papel de orientar o intérprete segundo critérios objetivos
quanto à verificação do comportamento proibido.

→ Interpretação da Lei Penal: Proibição da Analogia

● O art. 1º/3 CP proíbe a analogia quanto às normas de que resulta a qualificação do facto
como crime, a definição de um estado de perigosidade e a determinação da pena ou medida
de segurança correspondentes;

41
o ​Em causa está a hipótese da analogia legis ser igual à aplicação de uma regra jurídica a um caso
concreto não regulado pela lei através de um argumento de semelhança substancial com os casos
regulados

● Fundamento desta proibição reside na exclusividade da competência da AR (ou do Gov)


na formulação de normas incriminadoras

o Se os tribunais pudessem utilizar a analogia, formulariam normas incriminadoras que deixariam


de ser objeto de controlo democrático

o ​A seleção da conduta incriminada é uma decisão legislativa inimitável pelo julgador através do
recurso à analogia

● Proibição da analogia ≠ Proibição de raciocínios análogos na aplicação da lei penal

o ​Figueiredo Dias – o texto legal torna-se carente de interpretação, oferecendo as palavras que o
compõem, segundo o seu sentido comum e literal, uma pluralidade de significações dentro do qual
o aplicador da lei pode mover-se e pode optar sem ultrapassar os limites legítimos da interpretação

Fora deste quadro, o aplicador já se encontra no domínio da analogia proibida

Decisivo será, assim, por um lado, que a interpretação seja teleologicamente comandada, isto é, em
definitivo determinada à luz do fim almejado pela norma; por outro lado, que ela seja
funcionalmente justificada, adequada à função que o conceito assume no sistema

o O que é interpretação extensiva?

Operação mediante a qual se retira uma norma do preceito da lei – nessa operação tem de se
garantir que não se ultrapassa o sentido que o legislador quis dar à norma .

A interpretação extensiva baseia-se na possibilidade de referir um certo caso não expressamente


considerado na letra da lei ao seu pensamento

● Taipa de Carvalho – a determinação do sentido e alcance do texto legal, em que se


materializa a norma, depende da finalidade/teleologia desta

42
o ​O intérprete-aplicador deve procurar descobrir o pensamento legislativo, isto é, qual é a
finalidade e o âmbito normativo da lei: as situações fácticas ou os casos concretos abrangidos pela
norma jurídica;

o Distinção entre analogia e interpretação

Analogia – aplica-se uma norma jurídica a uma situação ou conduta que não se encontra
abrangida por nenhum dos possíveis sentidos do texto legal

Interpretação – nesta, mesmo que extensiva, a decisão jurídica é ainda a concretização de um


sentido normativo que o teor literal comporta

● É processo que consiste em alargar o sentido do texto legal com o objetivo de o coincidir
com a finalidade da norma jurídica

Quando o legislador tenha apenas exprimido imperfeitamente a intenção de regular o caso, haverá
interpretação extensiva

➥Maria Fernanda Palma: a interpretação extensiva não tem, em si mesma, força suficiente
para resolver o problema da fronteira da interpretação permitida, devendo procurar-se um critério
fundamentado na racionalidade da proibição da analogia e desligado destas categorias tradicionais;

o​O art. 1º/3 CP não proíbe, expressamente, a interpretação extensiva

E, por outro lado, não se poderá inferir da proibição da analogia in malem partem pelo art. 1º/3
CP a permissão da interpretação extensiva, através de raciocínio a contrario

A interpretação extensiva não é necessariamente proibida ou permitida em direito penal, tudo


dependendo da enunciação de outros critérios, derivados diretamente da ideia de segurança jurídica
inerente ao princípio da legalidade, e reconduzível, em última instância, ao princípio do Estado
Democrático de Direito.

5. Aplicação da Lei no Tempo

43
Respeitará sempre o princípio da legalidade e o princípio ​nulla poena, nullum crimen sine lege
praevia.

● Retroatividade​→ lei atual a factos anteriores


● Ultra-atividade​→ lei aplica-se depois de estar revogada

● Começar-se-á pelo ​Momento da Prática do facto

o​Critério do art. ​3º CP

- Diz-se que se determina pelo momento em que o agente actuou e não pelo momento do
resultado, devido à segurança jurídica e à garantia do princípio da culpa.
- O que se consegue controlar é o comportamento – resultado é aleatório;
- É no momento em que se atua que se tem condições para confrontar o comportamento
criminoso com a lei, porque o resultado não depende do criminoso

o Crimes instantâneos: ​que se consumam num momento específico no tempo

Não quer dizer que a atuação tenha sido num só momento – podem ser de execução faseada.

o Crimes permanentes​: quando, durante certo tempo, se realiza uma conduta criminosa

- Estão permanentemente a ser executados ou consumados;


- São uma decisão de ilicitude que permanece pela decisão constante do criminoso (exp:
condução sob efeito de álcool);

o Crimes continuados: pluralidade de crimes que são tratados como se fossem apenas um – arts.
30º.2 e 3º CP.

Todos foram praticados no mesmo contexto em que o agente estava a vivenciar uma situação em
que havia qualquer coisa na realidade externa que o puxava para a prática do crime.

44
o​ O
​ que se aplica é a lei do momento da prática do facto, o que significa que é aplicável L1;

o​ L
​ eis penais posteriores desfavoráveis não se aplicam retroativamente;

- Impede-se um possível poder arbitrário do Estado devido à segurança jurídica e ao


princípio da culpa – é-se censurado pelos factos que se cometem no momento em que se
sabia o que a lei dizia sobre isso;

o​ A
​ plica-se L2 por causa do princípio da retroatividade da lei penal posterior mais favorável;

o​ F
​ undamento é o princípio da necessidade e da igualdade;

- O princípio geral da não retroatividade das leis assume no direito penal a natureza de uma

proibição constitucional de irretroatividade das normas penais que criem ou agravem a


responsabilidade penal

o​ F
​ undamentos (para normas incriminadoras)

- Princípio da culpa: possibilidade de uma conduta ser retroativamente incriminada


contraria uma responsabilidade penal fundamentada na livre determinação do agente pela


norma jurídica;
- Princípio da segurança jurídica: ​Tal possibilidade levaria ainda a destruir a garantia das

expectativas dos cidadãos quanto ao que é proibido;

o​ Q
​ uanto às sanções criminais

- Retroatividade afetará sobretudo a segurança, permitindo abusos de poder, pela alteração, a


todo o tempo possível, das espécies e limites das sanções;

45
· Proibição da retroatividade corresponde, assim, à garantia de que o exercício do poder punitivo

seja exercido de acordo com critérios e limites conhecidos antecipadamente e não alteráveis por
força de um interesse particular ou para resolver um caso concreto antes não previsto

→ Crimes Públicos, Semipúblicos e Particulares

o​ C
​ rimes Públicos – c
​ompetência do Ministério Público para iniciar ação penal;

o C
​ rimes Semipúblicos – competência do Ministério Público para iniciar ação penal depende da

queixa do ofendido;

o C
​ rimes Particulares – além da queixa, tem de haver uma atuação particular – quem tem a

iniciativa e dirige a ação penal é o ofendido, sendo que são crimes menos graves, associados à
privacidade do próprio ofendido;

- De Semipúblicos a Público (agravamento)

o R
​ ejeita-se a aplicação imediata da lei, de modo que o facto criminoso cometido no passado,

contra o qual não foi deduzida queixa, não pode vir a ser objeto de processo penal;

o​ A
​ plicação pura e simples da lei antiga;

- De Público a Semipúblico

o E
​ m sentido material há uma espécie de descriminalização, pois há relativização do crime, não

havendo interesse imediato do Estado de instaurar a ação;

- Parece que a lei semipública é mais favorável;

o R
​ azões de atender aos direitos da própria vítima, pelo que se tem de reiniciar o tempo para que a

vítima possa fazer queixa (​MFP​);

·​ Aplicação retroativa da lei penal mais favorável


o​ F
​ undamentos:

- Princípio da Igualdade;
- Princípio da Necessidade da Pena

o Lógica do art. 2º/2 CP impõe que a revogação da norma incriminadora tenha como

consequência a extinção da pena ou do procedimento criminal, sem quaisquer limitações.

46
o​ A
​ rt. 29º/4 CRP.

→ ​Maria Fernanda Palma​: a aplicação da lei penal de conteúdo mais favorável impõe que se
determine, em concreto, o regime mais favorável para o arguido.

- Uma lei posterior que agrave a medida legal da pena poderá, ainda assim, permitir a
aplicação de uma pena inferior ao agente e deverá, nesse caso, ser aplicada retroativamente

o ​A retroatividade ​in mellius pressupõe uma verdadeira sucessão de leis no tempo = que as normas
penais sucessivas possam fundamentar a decisão dos mesmos casos, embora de forma diversa

- Para que se possa falar em sucessão de leis, o que não pode estar em causa é uma alteração
da essência da conduta humana referente, nem que a lei posterior vise a proteção de bens
jurídicos diversos da anterior
- A delimitação da verdadeira sucessão de leis é pressuposto essencial da resolução dos
problemas de substituição da punição de certos factos no âmbito penal pelo seu
sancionamento através do direito de mera ordenação social

Tem que se ver se houve:


o​ A
​ lteração do regime punitivo:​
art. 2º/4 CP

- Implicaria a substituição de uma forma mais grave de responsabilidade por outra menos
grave e a correspondente substituição da pena por coima

o​ F
​ enómeno de desincriminação – art. 2º/2 CP

- A conversão dos crimes em contraordenações implicaria a extinção de qualquer


responsabilidade criminal, de modo que o desaparecimento da incriminação


corresponderia a uma extinção de toda e qualquer responsabilidade pelo facto passad;
- Maria Fernanda Palma​: é incorreto defender a extinção em absoluto da responsabilidade

jurídica em tais situações, quando não existir uma explícita e coerente vontade legislativa de
toda a responsabilidade pelos factos passados;

o ​Por outro lado, nestas situações existe um comportamento humano referente essencialmente
idêntico, que assegura a unidade do facto e a continuidade normativa;

- A sucessão de leis que originam a conversão do crime público em semipúblico é uma


verdadeira sucessão de leis penais para efeitos da aplicação dos arts. 2º/2 e 2º/4 CP?

47
➜ S​ endo justificada a retroatividade ​in mellius pela igualdade na aplicação da pena e pela
necessidade da mesma, o âmbito do conceito de lei penal é aferido por essa ​ratio legis​, de modo que
as alterações do direito de queixa não estão necessariamente contempladas.

➜ A exigência de exercício de direito de queixa para o desencadeamento do processo penal não


significa diretamente a diminuição da necessidade de punir relativamente à fase anterior, nem
pretende necessariamente favorecer a posição do autor do crime, embora esses efeitos possam ser
reflexamente produzidos.

➜ P
​ or estes motivos se impõe uma única posição jurídica para estes casos: a atribuição de

oportunidade de exercício do direito de queixa (devido aos princípios da igualdade e da necessidade


da pena).

o ​Justifica-se, simultaneamente, a aplicação imediata da lei nova e a proteção do exercício de


direito de queixa

➤​​Leis temporárias e de emergência:

o​ N
​ ão são abrangidas pela retroatividade da lei penal de conteúdo mais favorável – art. 2º/3 CP;

o​ N
​ ão há uma sucessão de leis penais em sentido próprio;

➥ F
​ igueiredo Dias: ​
leis temporárias são aquelas que são editadas pelo legislador para um tempo
determinado.

- Razão para o afastamento do princípio da aplicação retroativa da lei penal mais favorável

reside em que a modificação legal se operou em função não de uma alteração da conceção
legislativa, mas unicamente de uma alteração das circunstâncias fácticas que deram base à
lei

➤ Razões de prevenção geral (positiva) persistem

o ​ Taipa de Carvalho: lei penal temporária é aquela que, visando prevenir a prática de
determinadas condutas numa situação de emergência ou de anormalidade social, se destina a
vigorar apenas durante essa situação de emergência, pré-determinando ela própria a data de
cessação da sua vigência.

- Nestas não há alteração da concepção político-criminal, mas apenas uma alteração da


situação fática, isto é, da situação social
- A valoração jurídico-penal das condutas, praticadas durante a vigência das leis temporárias,
mantém-se, e por isso se compreende político-criminalmente e

48
jurídico-constitucionalmente que, apesar de a lei já não estar em vigor, que a conduta,
praticada durante a sua vigência, deve e continue a ser punível

➤​​Lei penal inconstitucional:

o P
​ ode uma lei inconstitucional ser, ainda assim, aplicável por ser mais favorável, de acordo com o

art. 29º/4 CRP, ou outra norma constitucional?

➥​ R
​ ui Pereira

- Lei penal inconstitucional é inválida e, por isso, não pode produzir efeitos
- Art. 282º CRP: declaração de inconstitucionalidade produz efeitos desde a entrada em
vigor de norma declarada inconstitucional e determina a repristinação das normas que ela
haja revogado;
- Deixa de haver sucessão de leis no tempo
- Repristinação da norma revogada, embora menos favorável, torna-se inevitável;
- Se já tiver sido aplicada a lei mais favorável, nos termos do art. 282º/1 CRP, preserva-se o

caso julgado;
- Exceção para situações em que a lei penal inconstitucional aplicável for menos favorável,
pelo que se levanta o caso julgado para repristinação da lei penal revogada mais favorável

→ ​ ​Solução com 2 problemas :

- Não abrange situações em que a pessoa conhece que aquilo é inconstitucional;


o​ S​ e pessoa souber, não pode beneficiar do art. 17º CP

- Situações em que a lei penal favorável é atenuadora não pode aplicar-se o art. 17º CP,

porque aqui ele tem consciência de ilicitude, mas é punido com pena mais alta

➥​ J​ orge Miranda

- Não se pode interpretar rigidamente o art. 282º CRP em conjugação com outros critérios
constitucionais como o do art. 29º.4 CRP;
- Defende que a lei penal posterior inconstitucional deve ser aplicada, porque foi ela que
orientou o comportamento do agente e o Estado vinculou através dela o comportamento
dos destinatários;

Fundamentos:

- Prevalência do princípio da igualdade e do princípio do Estado de Direito;

49
- Existe no art. 282º CRP uma lacuna, na medida em que, configurando a não salvaguarda

do caso julgado nos casos de lei penal inconstitucional menos favorável, dando prevalência
ao princípio da lei mais favorável, não tem em conta a situação inversa, de lei
inconstitucional mais favorável;

➥​ M
​ aria Fernanda Palma:

- Prefere a posição de Jorge Miranda​, porque não recorre a uma verificação fictícia de erro
sobre a ilicitude e a um mero expediente de recurso ao art. 17º CP para deixar de punir o
agente pela lei mais severa;
- No caso do art. 17º CP não ser aplicável, restaria apenas atenuar a pena de acordo com a
medida da lei inconstitucional mais favorável;
- Invoca o princípio da autovinculação do Estado de Direito que produz;

➤​​Leis Intermédias:

o​ É
​ aplicável o princípio da aplicação da lei mais favorável;

o ​São leis que entraram em vigor posteriormente à prática do facto mas já não vigoravam ao tempo
da apreciação judicial deste;

o ​Justifica-se porque, com a vigência a lei mais favorável intermédia, o agente ganhou uma posição
jurídica que deve ficar a coberto da proibição de retroatividade da lei mais grave anterior;

➤​ ​ ​Crimes permanentes:

o​ É
​ crime em que se verifica a manutenção de um estado de ilicitude por decisão do arguido

exemplo: s​equestro, condução sob efeito de álcool

o C
​ ritério: ​
aplica-se a lei nova, juízo mais atual sobre a necessidade punitiva, quando, após a sua
entrada em vigor, todos os seus pressupostos estejam preenchidos, de tal forma que não seja
necessário ir ao passado buscar factos;

→ Caso contrário, aplica-se a lei antiga.

o Q
​ uando a lei mais recente é desfavorável, temos de exigir que todos os seus pressupostos estejam

preenchidos na entrada em vigor, porque não se pode ir ao passado buscar coisas;

o S​ e tiver havido diminuição de pena, ou seja, se a lei recente for mais favorável, aí aplica-se sempre
a lei nova ;

➤ Contraordenações:

50
➥​Taipa de Carvalho:

A lei contraordenacional, como a penal, aplica-se para o futuro.

Só se aplica para o futuro e, portanto, pelo art. 2º/2 CP há descriminalização e não se aplica L1, e
pelo regime das contraordenações e coimas, não se aplica L2

➥​Figueiredo Dias + Fernanda Palma:

L2 aplica-se porque há continuidade entre estes dois ilícitos e é mais favorável, logo, aplica-se lei
posterior mais favorável.

Figueiredo Dias​fala num argumento de igualdade.

● Ideia que L2 vem descriminalizar é artificial, vem só atenuar a necessidade punitiva

o ​Vem dizer, como o art. 2º/4 CP, que é necessário punir menos (basta contraordenação)

● Há continuidade da necessidade punitiva, embora mais baixa, que justifica que se aplique o
art. 2º/4 CP;

o ​Taipa de Carvalho​descriminaliza a situação de A; o que vem a seguir é apanhado com 1.1 de


taxa e era punido a título de contraordenação.

Figueiredo Dias​diz que viola o princípio da igualdade:

● Crimes de perigo abstrato e perigo concreto

51
o Perigo Concreto – ​além da ação perigosa, faz parte de um evento de perigo

- Crime só se verifica de forma consumada;


- Exige-se prova de probabilidade

o Perigo Abstrato – ​perigo é motivo da incriminação – não é necessário evento de perigo

o De Concreto a Abstrato –​agrava-se: há condutas que não caberiam e passam a caber

o De Abstrato a Concreto

- Efeito atenuante ;
- Deve ser arquivado;

6. Aplicação da Lei no Espaço

➤ Universalidade da Lei Penal:

A necessidade de coexistência espacial de diversas ordens jurídicas, uma limitação natural a um


desenvolvimento absoluto dos princípios que no Direito Penal de um Estado a territorialidade
tende a ser o critério básico da validade espacial da lei penal, condicionado a apetência para a
universalidade.

O Direito Penal de um Estado protege valores universais para além dos limites do território e dos
vínculos nacionais, cooperando com outras ordens jurídicas e intervindo onde os critérios de
validade espacial de outras ordens jurídicas não permitam uma tutela eficaz de certos bens jurídicos.

➥ Fernanda Palma : ​No Estado Direito Democrático, a soberania deve ser vista com uma
justificação, não só em termos de afirmação de uma nacionalidade, mas sim uma soberania
justificada pela participação universal da participação na defesa dos Direito Humanos.

- Princípio da Territorialidade:

52
A aplicação do Direito Penal portugês no espaço é o princípio da territorialidade da prática do
facto ( 4º CP). O estado aplicará o seu Direito Penal a todos factos penalmente relevantes que
tenham ocorrido no seu território, com indiferença por quem ou contra quem foram tais factos
cometidos.

➥ Figueiredo Dias​: é o princípio basilar de aplicação da lei penal no espaço devido a 1 dupla
ordem de motivos:

i) razões de índole interna​( razões próprias de direito penal e política criminal):

- é na sede do delito que se fazem sentir as necessidades de punição e de cumprimento das


suas finalidades, nomeadamente de prevenção positiva;
- comunidade onde o facto teve lugar que se vê a paz jurídica as ser perturbada e que exige
por isso que a sua confiança no ordenamento jurídico e as suas expectativas na vigência da
norma sejam estabilizadas através da punição;
- o lugar do facto é também aquele onde melhor se pode investigá-lo e fazer a sua prova e
onde existem mais fundadas expectativa de se poder obter uma decisão judicial justa;

ii) razões de índole externa ​( razões próprias de direito internacional e política estadual):

- princípio da nacionalidade como base do sistema de aplicação da lei penal no espaço é o


que facilita a harmonia internacional;
- se aplicação espacial da lei penal for demarcada por fronteiras e a generalidade dos Estados
aceitar este princípio está então descoberto o melhor caminho para que não se gerem
conflitos internacionais ;

A aplicação da lei penal penal por força da territorialidade depende do que se entende por território
portugês e do que se considere praticar um facto em Portugal:

- território portugês será o espaço definido como tal pela CRP no 5º.1 e 2 , pela lei incluindo
o espaço terrestre, marítimo e aéreo;
- critério do Pavilhão ( 4º.b CP)

➥​Figueiredo Dias: ​este critério justifica-se pela consideração tradicional de que aquelas navios e
aeronaves são ainda ( não faticamente) para efeitos normativos território potugês.

53
O art. 7º CP define o que se entende por facto praticado em território português.

➥​Figueiredo Dias: ​o legislador não optou pelo critério da conduta em desfavor do resultado
(como no tempo do delito) no que toca ao lugar da prática do facto, e cumulou os dois critérios no
sentido daquilo que doutrinariamente corre como solução mista ou plurilateral.

- o legislador penal recorre à teoria da ubiquidade​, segundo a qual basta que um dos dois
elementos essenciais do tipo objetivo (ação e resultado) se tenha verificado em território
português para que a lei penal portuguesa se possa aplicar, como emanação da soberania do
Estado português através do seu poder punitivo, alcançando-se um vasto âmbito de
aplicação da lei penal portuguesa;
- o critério do art. 7º regula em geral o ​locus delicti​, determinando igualmente qual o país
estrangeiro em que se praticou o crime ou em que o crime foi também praticado segundo a
lei portuguesa.

A lei portuguesa não poderá ser aplicada apesar de se ter produzido um resultado típico em
território português, quando, por força do critério de aplicação no tempo, o facto não seja punível
por não estar previsto em lei anterior à realização da ação em território estrangeiro.

Os critérios dos arts. 2º e 3º do CP, derivados diretamente do art. 29º.1 CRP, aplicam-se, assim,
independentemente do ​princípio da ubiquidade que apenas pretende estabelecer o âmbito de
validade espacial da lei penal portuguesa. A aplicação da lei penal portuguesa nos termos dos arts.
4º e 7º do CP não dispensa a observância de todos os princípios a que a mesma se subordina
(aplicação no tempo, proibição da analogia, etc.)​6​.

Quanto ao caso de tentativa, dispõe o 7º.2 CP A doutrina penal tem entendido que a tentativa é
um crime de perigo concreto que os crimes de perigo concreto são crimes de resultado, tem todo o
sentido que caiba no art. 7º CP a mera possibilidade da ocorrência do resultado no nosso território,
isto é, o perigo concreto de uma tal ocorrência, quando toda a ação criminosa se desenrola no
estrangeiro.

A mera ocorrência de lesão do bem jurídico sem que o resultado típico se verifique em
Portugal permite considerar praticado em território português o facto?

6
Para o art. 7º bastará com a tentativa inacabada, mas não já com a prática de atos preparatórios não puníveis (arts. 21º
e 22º CP), para a definição do lugar da prática do facto.

54
O art. 7º só poderia abranger o dano através de uma analogia incriminadora proibida pelo art. 1º/3
CP? A resposta será negativa, na medida em que o dano nunca é uma lesão ideal do bem jurídico
totalmente desligada de um certo evento contraponível e imputável à ação típica.

- Princípio da defesa dos interesses nacionais:

Princípio da defesa dos interesses nacionais, segundo o qual o Estado exerce o seu poder punitivo
relativamente a factos dirigidos contra os seus interesses nacionais específicos, sem consideração do
autor que os cometeu ou do lugar em que foram cometidos.

A territorialidade da lei penal não permite estabelecer exaustivamente uma conexão entre o poder
punitivo e a defesa de bens jurídicos essenciais à preservação de certas condições essenciais da
organização e da segurança da sociedade, sempre que ocorram lesões de bens exteriores ao território
português, mas que façam perigar as condições referidas. O art. 5º/1 a) CP, indica um elenco de
normas que correspondem a essas possibilidades mais frequentes.

- Principio da Universidade da Aplicação da Lei Penal Portuguesa:

Este princípio manda o Estado punir todos os factos contra os quais se deva lutar a nível mundial
ou que internacionalmente ele tenha assumido a obrigação de punir, com indiferença pelo lugar da
comissão, pela nacionalidade do agente ou pela pessoa da vítima (5º.1. CP).

➥​Figueiredo Dias: o princípio da universalidade visa permitir a aplicação da lei penal portuguesa
a factos cometidos no estrangeiro que atentam contra bens jurídicos carecidos de proteção
internacional ou que, de todo o modo, o Estado português se obrigou internacionalmente a
proteger.

O Direito Penal português aplica-se a tais crimes praticados tanto em Portugal como no estrangeiro
“desde que o agente seja encontrado em território nacional e não possa ser extraditado ou entregue
em execução de mandado de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação
internacional que vincule o Estado português”​7​.

7
​Os crimes contra a humanidade, apesar de não integrarem a previsão da alínea c) do art. 5º CP, seguem um critério
universalista igualmente nos termos da Lei nº 31/2004, de 22 de julho,

55
A universalidade de certas infrações pressupõe uma transnacionalidade das instâncias punitivas ou
pelo menos uma cooperação convencionada entre os Estados na repressão de tais formas de
infração.

A questão que se coloca é saber até onde a validade espacial das leis internas pode e deve ir sem que
o princípio da cooperação entre as ordens jurídicas inerentes se adultere, potenciando a
conflitualidade entre os Estados.

O princípio geral numa concepção cosmopolita de soberania será necessariamente o de uma


soberania justificada pela própria função internacional humanista e humanitária do Estado de
Direito democrático, no sentido cooperativo com os outros Estado que se orientem pelos mesmos
desígnios. Ainda como extensão deste mesmo princípio, surge o art. 5º.d C trata-se de uma
extensão do âmbito da lei penal portuguesa justificada pela política internacional em que Portugal
participa destinada a conceder uma especial proteção aos menores em face da criminalidade
internacional.

- Princípio da Nacionalidade:

➜ pune todos os factos penalmente relevantes praticados pelos seus nacionais, com indiferença
pelo lugar onde eles foram praticados e por aquelas pessoas contra quem o foram ( 5º.1.e CP);

➥​Figueiredo Dias: ​surge como princípio da personalidade ativa: o agente é um português.

Figueiredo Dias em relação ao art. 5º.1.e CP :

i. Agentes encontrados em Portugal:

● Esta condição explica-se:


- Quanto ao princípio da personalidade ativa, por ser nela que se concretiza a razão que lhe
dá fundamento: a não extradição de nacionais;
- Quanto ao princípio da personalidade passiva, por nele se tratar de uma extensão do
princípio da nacionalidade justificada por razões de índole muito especial.

ii. Que o facto seja também punível pela legislação do lugar em que tiver sido praticado

56
● Esta é a condição materialmente mais importante de aplicação do princípio da
nacionalidade e que mais claramente o converte em princípio subsidiário;
● Não é em regra razoável estar a submeter ao poder punitivo alguém que praticou o facto
num lugar onde ele não é considerado penalmente relevante e onde, por isso, não se fazem
sentir quaisquer exigências preventivas. Pelo menos no que tange o princípio da
personalidade ativa. Já considerando o fundamento da personalidade passiva, a exigência
torna-se menos clara, uma vez que o que aí está em causa é um propósito de proteção de
interesses especificamente nacionais.

iii. Que o facto constitua crime que admita extradição e esta não possa ser concedida.
Quem não extradita, julga.

● Trata-se aqui claramente de uma reafirmação da concepção do legislador segundo a qual o


princípio da territorialidade deve não apenas no conspecto nacional, mas internacional,
constituir o princípio-base, e o princípio da nacionalidade o complemento. Se a extradição
fosse jurídica e faticamente possível, ela deveria ser concedida e o princípio pessoal deveria
regredir;

O princípio da nacionalidade justifica-se devido à:

i) nacionalidade ativa: pelo vínculo dos cidadãos portugueses à soberania punitiva do seu
próprio Estado;

ii) nacionalidade passiva: pelo dever de o Estado português conceder proteção aos bens jurídicos
de que os cidadãos portugueses sejam titulares, ainda que no estrangeiro;

• O princípio da nacionalidade ativa dá expressão ao princípio da não extradição de nacionais


consagrado no art. 33º CRP;

• A proibição da extradição de nacionais, na ordem internacional, só pode ser o dever de o Estado


português assegurar a perseguição penal ou o julgamento dos factos criminosos praticados pelos
cidadãos portugueses no estrangeiro;

• os requisitos cumulativos do 5º.1.e limitam influência do poder punitivo do Estado:

57
i) a aplicação da lei penal portuguesa pressupõe um mínimo de respeito pelas expectativas dos
agentes envolvidos e pelo sentido de desvalor (de ilícito) das suas condutas no estrangeiro, bem
como pela igualdade entre aqueles agentes e os estrangeiros que a lei penal portuguesa não possa
abranger. Os agentes terão de ser puníveis pela legislação do lugar em que os factos foram
praticados;

ii) os agentes terão de ser encontrados em território português e não poderão ser extraditados ou
entregues a outro título incluindo os casos em que essa situação dependa de uma decisão do Estado
português.

A lógica imanente ao princípio bastar-se-ia, em rigor, com a tipicidade e a ilicitude dos factos no
território estrangeiro, ​por exemplo , com a sua contrariedade objetiva à ordem jurídica estrangeira,
pois só estas categorias fundamentaram expectativas quanto à irrelevância do facto, ao seu não
desvalor.

Uma aplicação da lei penal portuguesa de que ocorresse uma punibilidade de factos não puníveis
em concreto no estrangeiro (devido a certas condições do agente, como a idade) redundaria numa
violação do princípio da aplicação da lei penal estrangeira mais favorável, expresso (ainda que
restritamente e referido às situações do art. 6º.1), no art. 6º.2 CP.

➥​Fernanda Palma: ​a melhor interpretação do art. 5º/1/e/ii CP, imporá que a lei penal
portuguesa seja aplicável, por força do princípio da nacionalidade conjugado com o da aplicação da
lei penal estrangeira mais favorável, somente nos casos em que o facto seja em concreto punível no
país estrangeiro.

- o art 6º.1 CP impõe a aplicação da lei penal estrangeira mais favorável nos casos em que o
agente foi julgado no estrangeiro (e se subtraiu à condenação) ou não foi julgado no
estrangeiro impõe, por maioria de razão, que onde o agente nem pudesse ter sido julgado
no estrangeiro (por força de uma condição de procedibilidade) ou em que, se fosse julgado
nunca poderia ter sido condenado (em virtude de causa de exclusão de culpa, por exemplo),
nem sequer deva ser submetido à aplicabilidade da lei penal portuguesa.

Em relação ao artigo 5º.1.b CP , este teria coo objetivo cottemplar cimesmcomo por exemplo seria
o de Aborto, que seria um intresse da sociedade portuguesa, pois como em qualquer outro crime
que são afetados. A vida intra-uterina de “futuro cidadão portugês” é assim um bem jurídico cuja
tutela penal se tem que justificar por um interesse objetivo da sociedade. Não há, qualquer

58
necessidade de recorrer à analogia, entre o conceito de feto e o de cidadão português, na medida em
que é possível através de interpretação sistematicamente justificada referir o sujeito passivo do
crime a toda a sociedade, isto é, a todos os portugueses.

No entanto sendo a alínea b do artigo 5º CP um corolário da alínea e , o elemento sistemático da


interpretação de uma norma que consagraria um alargamento excepcional do princípio da
nacionalidade não poderá integrar interesses gerais e coletivos portugueses sem ultrapassar o
sentido possível das palavras.

➥ Fernanda Palma: ​a alínea b) por interpretação, dever-se-á restringir apenas a vítimas pessoais
que estão abrangidas. Esta restrição na interpretação do sentido possível das palavras corresponde à
ideia dos limites da interpretação permitida em dois passos:

- sentido possível das palavras;


- essência do proibido.

Assim, deverá haver uma invocação da essência do proibido invocando o elemento sistemático.

Já o 5º.1.g CP estende o princípio da nacionalidade, tanto ativa como passiva, às pessoas coletivas
com sede em território português. Esta norma tem de ser articulada com o art. 11º CP, que
estabelece os casos e pressupostos da responsabilidade penal das pessoas coletivas.

Restrições à aplicação da lei penal portuguesa por força da aplicação mais favorável do
direito estrangeiro:

O art. 6º.2 CP consagra igualmente uma restrição à aplicação da lei penal portuguesa menos
favorável, nos casos em que ela seja aplicável por força dos princípios da universalidade e da
nacionalidade, isto é, quando não estejam em causa os princípios da territorialidade e da defesa dos
interesses nacionais (art. 6º.1 e 3 CP) e segundo o disposto no final do mesmo artigo​8​.

8
r​ estrição é excluída, nos casos de terrorismo (art. 8º.2, relativamente aos crimes de organização terrorista e de
terrorismo previstos nos arts. 2º e 4º da Lei nº 52/2003) e nos crimes de violação do Direito Internacional Humanitário
previstos na Lei nº31/2004, nos termos do art. 5º/2. Dada a gravidade dos crimes e o facto de o Estado Português se
assumir como representante da comunidade internacional de modo proativo e não meramente para cobrir lacunas de
punibilidade, não se justifica a aplicação da lei estrangeira mais favorável nestes casos

59
Essa restrição consiste na exigência de nesses casos ser aplicada a lei do país em que o facto tiver sido
praticado sempre que aquela for concretamente mais favorável ao agente ( 6º.2 CP).A restrição
`aplicação da lei portuguesa justifica-se devido à conjugação da subsidiariedade do exercício do
poder punitivo do Estado portugês, tal como o princípio da culpa, igualdade e necessidade da pena
( 1º +13º.1, +18º.2+29º.1 CRP).

O Estado Português punirá porque outro Estado não pode punir, mas não deixa de conceber a
punição, de acordo com os seus próprios princípios constitucionais. A punição em termos mais
graves, não garantiria uma adequação da consciência da ilicitude do agente ao desvalor da ação é a
gravidade do ilícito.

- resultará do 6º.1 e 2 que as situações contempladas naquele outro preceito não deverá ser
incluída;
- o art. 6º pressupõe que o facto seja punível em país estrangeiro, enquanto a alínea a) ou b)
do art. 5º.1 CP baseiam-se , exatamente, em o facto não ser punível no território em que é
praticado nem em abstrato nem em concreto ou ser menos gravemente punível;

Princípio n
​ on bis in idem:

Expresso no artigo 6º.1 CP, será um condicionamento geral da aplicabilidade da lei penal
portuguesa , segundo o qual ninguém pode ser julgado pela prática do mesmo crime ( 29º.5 CRP).

- o pressuposto da efetivação dos princípios da nacionalidade e da universalidade será o facto


de o agente, encontrado em Portugal, não ter sido julgado no país da prática do facto/
ter-se subtraído ao cumprimento total ou parcial da condenação;
- traduz a ideia segundo a qual o critério da territorialidade deve constituir efetivamente o
princípio prioritário e todos os outros princípios serão supletivos;
- nos casos em que haja efetivamente lugar à aplicação da lei penal portuguesa que a lei penal
estrangeira mais favorável se imponha, a pena aplicável será convertida numa pena
correspondente no sistema penal português ou, se a correspondência não for possível, na
pena que estiver prevista para o facto;

Havendo cumprimento parcial da condenação/ cumprimento da pena no estrangeiro não deverá


impedir o julgamento em Portugal pela prática dos mesmo crimes com vista o cumprimento da
pena?

60
O pressuposto da resposta estará no próprio 29º.5 CRP.

➥​Gomes Canotilho + Vital Moreira: apenas o âmbito literal da proibição constitucional


distinguindo o duplo julgamento da dupla penalização e concluindo que, embora só o primeiro
seja vedado expressamente pela CRP, o segundo é abrangido pelas finalidades da proibição
constitucional. Ora, essas finalidades não podem ser totalmente esclarecidas apenas pelo sentido
histórico do princípio (dimensão de defesa contra o Estado e de obrigação do Estado à definição no
caso julgado material), mas terão de ser compreendidas na conexão desta proibição constitucional
com a ideia de Estado de Direito (princípio de limitação do poder do Estado pelo seu Direito –
objetividade e confiança) e com o princípio da necessidade da intervenção penal.

Tanto a repetição do julgamento pelo mesmo crime, de que se foi absolvido/ condenado a certa
pena, como a repetição da punição do agente já condenado e punido constituem claras negações do
valor geral do processo penal e do direito do arguido a que o Estado se vincule ao desfecho do
processo penal que desencadeou.

O poder punitivo do Estado português terá que se justificar pela estrita necessidade de intervir
(julgar e punir), nos termos do art. 18º/2 CRP. De um modo geral, a necessidade de intervenção do
poder punitivo quando uma pessoa for julgada e absolvida no estrangeiro ou já aí cumpriu a pena,
não existe. Apenas quando a intervenção penal se justifica pela proteção de interesses nacionais é
legítima a renovada intervenção punitiva do Estado português.

Este princípio surgiu portanto como um dupla emanação de ideias fundamentais:

- vinculação do poder punitivo do Estado de Direito pelo desfecho do processo penal;


- princípio da necessidade da intervenção penal;

➥ Fernanda Palma: a expressão “julgado pelo mesmo crime” é conferido essencialmente pelos
conceitos de processo penal e de julgamento na ordem jurídica portuguesa, de modo que um
“julgamento” sem quaisquer garantias de independência e imparcialidade do tribunal não pode em
rigor impor a aplicação do princípio non bis in idem;

Teremos assim uma resposta:

61
- moderada​: os efeitos (negativos) das sentenças estrangeiras previstos no art. 6º/1 CP são a
máxima expressão possível e exigível pela CRP. Tal resposta limita o âmbito internacional a
julgamentos absolutórios ou em em que houve cumprimento da condenação;
- mais radical ( 6º.1 CP in fine): devido à incompatibilidade com o 29º.5 CRP devido a em
caso de subtração ao cumprimento da pena se viesse a renovar em Portugal o julgamento
pelo mesmo crime. Essa inconstitucionalidade da parte final do 6º.1 CP seria sempre
evitada pela interpretação do preceito no sentido que o novo julgamento se limitaria a rever
e confirmar a sentença estrangeira à luz da lei penal mais favorável.

O at. 6º.2 CP prevê ainda um sistema de conversão da pena aplicável a que corresponder no sistema
portugês, o que se irá referir não só `a aplicação do Direito Penal estrangeiro em sentença de
tribunais portugueses como também à revisão e à confirmação de sentença penal estrangeiros nos
tribunais portugueses. A conversão decorre do princípio de:

- praticabilidade:​só a pena correspondente é necessária;


- necessidade da pena e ​non bis in idem​: pena aplicável nunca poderá pela conversão vir a
impor uma espécie de segunda punição ( ou em qualquer punição mais gravosa do agente
que se subtrai total/ parcialmente da execução da pena);

Cooperação Judiciária Internacional:

➛Extradição: instituto em que se articula a soberania punitiva de diversos Estados ( a cooperação


entre vários estados colocará problemas relevantes quanto aos limites da lei penal no espaço);

Em Portugal há contudo de atender a alguns princípios que terão implicações relativamente à


aplicação da extradição em Portugal:

1. Princípio da Não Extradição de Nacionais:

Limitado apenas por convenções internacionais nos casos de terrorismo e criminalidade


organizada, em condições de reciprocidade, na condição de a ordem jurídica do Estado requisitante
consagrar as garantias de um processo justo e equitativo, ou seja das garantias fundamnetais da
indepdneência dos tribnais dos direitos de defesa e recurso ( 32º CRP);

62
➜ 33º CRP - princípio comum a todos os Estados ​9

2. Principío da Não Extradição por crimes, que corresponderão a pena de morte ou


lessão irreversível à integridade Física ( 33º.6 CRP + 6º.e 144/99);

➛ será um princípio que não admitirá qualquer flexibilidade na sua interpretação de que resulte
uma possibilidade de o Estado Português se bastar com uma garantia política concreta de quais tais
penas não se aplicarão;

➛ ​de acordo com o Acórdão do TC nº1/2001, , ​a interpretação consistente com a CRP é a de


que esta garantia corresponde a uma espécie de alteração da ordem jurídica do Estado requerente
em concreto, vinculativa em termos jurídicos dos tribunais e do próprio poder político, uma
vinculação jurídica no sentido essencial do Estado de Direito e da correspondente interpretação de
poderes;

- 6º.1. f Lei nº144/99 terá paralelo na CRP;


- Estado requisitante tem de, de acordo com a sua ordem jurídica, vinculars-se juridicamente
que, para aquele caso em concreto não haverá pena de morte – não basta uma vinculação
politica ou diplomática, tem que haver uma alteração da ordem jurídica daquele Estado
concreto para que, naquele caso, não se aplique a pena de morte;

3. Princípio da restrição da extradição por crimes a que corresponda pena/ medida


de segurança privativa / restritiva da liberdade com caráter perpétuo/ de duração
indefinida

➛ 3​3º 4 CRP + 6º.1.f Lei 144/99;

- O Ac. do TC 474/95 , especificou que em matéria de infrações a que corresponda pena de


prisão perpétua no Direito do Estado requisitante, a CRP flexibilizou a exigência de
garantias do Estado que requeira a extradição, não exigindo tal como na pena de morte uma
autêntica alteração da ordem jurídica em concreto, mas apenas uma vinculação
convencional no plano do Direito Internacional do Estado requisitante;

9
​Tem como excepção os casos do 33º.4,5 e 6

63
- Para que haja prisão perpétua ( 33º.4 CP) têm de haver garantias de Direito Internacional,
numa determinada convenção que prevê as garantias de que a pena não será executada

➥​Fernanda Palma: ​deve ser entendido para não violar a CRP (art. 33º/6), no sentido de que há
vinculação jurídica dos Tribunais ex-ante, antes de ser concedida a extradição. Tem que haver
alteração jurídica interna, de modo vinculativo e irreversível para os Tribunais;

Critérios Legais:

A lei nº 144/99 estabelece critérios gerais relativos à cooperação judiciária internacional em matéria
penal aplicáveis tanto à:

- extradição passiva​( Estado português é solicitado);


- extradição ativa (​Estado protuguês é requisitante);

A lei também prevê, para além dos requisitos gerais da extradição, requisitos concretos de
inadmissibilidade da extradição e outras razões apenas invocáveis facultativamente pelo Estado
português:

● A reciprocidade está prevista no art. 4º como critério geral, embora não obste, no caso de
não se verificar, à cooperação se razões de política criminal várias o aconselharem, tais como
a prevenção geral, a prevenção especial e a própria proteção de cidadãos portugueses;
● A especialidade prevista no art. 16º é uma garantia e uma condição da validade da
extradição;

A lei ainda determina outros requisitos como:

- facto ter sido cometido em território português (art. 32º/1.a DL 144/99);


- facto de o crime ser da competência do tribunal requisitante e ser punível pela lei
portuguesa e pela lei do Estado requisitante com pena não inferior a um ano de prisão (art.
31º/2 DL 144/99) / crime não ter uma determina natureza como, para além da já referida
natureza política, a natureza militar (art. 7º/1 b);

64
Outra causa de inadmissibilidade da extradição é a extinção da responsabilidade penal do
extraditando por extinção do procedimento criminal em Portugal ou noutro Estado em que tenha
sido instaurado o procedimento criminal pelo mesmo facto (art. 8º).

A Lei nº 144/99 prevê ainda situações de recusa facultativa de extradição, como a reduzida
importância da infração (art. 10º), outros critérios atinentes de política criminal (art. 18º) ou ainda,
os casos de cidadãos nacionais em que, sendo possível a extradição, nos termos de convenção
internacional, de certos crimes como o de terrorismo ou de criminalidade organizada, o Estado
Português decida não o fazer, o que resulta do art. 32º/2 da Lei nº 144/99.

Mandato de Detenção Europeu:

Previsto na Lei Nº 65/2003, de 23 de agosto, baseia-se numa racionalidade da União em matéria de


justiça e segurança. Constitui hoje o principal instrumento de cooperação judiciária na UE. Ele
permite a detenção e entrega por um Estado a outro Estado de pessoas procuradas para efeitos de
procedimento criminal ou cumprimento de pena (incluindo cidadãos nacionais), com base num
princípio de reconhecimento mútuo.

Relativamente a um vasto catálogo de crimes graves, este instrumento de cooperação dispensa a


verificação da dupla incriminação (pelo Estado de emissão e pelo Estado de execução do
mandado)​10​. O mandado de detenção europeu pressupõe o reconhecimento mútuo de decisões
judiciais, que assenta na confiança recíproca e na tendencial harmonização dos Direitos dos
Estados.

Regime Geral:

- 33º CRP tem excepções, mas também é limitado pelo 33º.4 e 6;

Há conjunto de crimes relativamente aos quais se dispensa a dupla incriminação.

Catálogo de crimes no ​art. 2º/2 da Lei.

- Portugal não pode recusar e tem de entregar o cidadão.

10
​inclui, entre muitos outros, a organização criminosa, o terrorismo, o homicídio, o tráfico de pessoas, drogas, armas e
viaturas, a exploração sexual de crianças, a corrupção e o branqueamento (art. 2º/2).

65
2º.3 Lei 65/2003 –
​ exige uma incriminação pela lei portuguesa;

- Fora dos casos do catálogo, Portugal só pode cumprir o mandado se para aqueles factos
corresponder uma punição pela lei penal portuguesa.
- A
​ rt. 11º e​stabelece as causas de ​recusa obrigatória​– não têm nenhuma flexibilização;
- Art. 12º​estabelece as causas de ​recusa facultativa;

➜Art. 2º/3 é parcialmente contraditório com o art. 12º/1/a – têm os mesmos problemas e há
contradição sistemática direta. O último diz que Portugal não deve, mas pode entregar

Como se resolve esta contradição?

1. Verificar se alguma delas está em contradição com a Decisão-Quadro: art. 2º/3 lei corresponde
art. 2º/4 Decisão-Quadro.

➥​Fernanda Palma​: a nossa lei não viola a Decisão-Quadro, embora a nossa lei tenha
transformado o “poder” numa restrição. Nossa lei dá uma decisão no âmbito possível da
Decisão-Quadro que é mais restrita, mas também mais garantística, mas nada disso viola a
Decisão-Quadro.

● O art. 2º/3 parece ter, de ponto de vista sistemático, alguma superioridade – mas isso é
apenas formalmente;
● Dizer que este artigo é compatível com Decisão-Quadro e está mais de acordo com a CRP
leva a que se faça interpretação ab rogante do art. 12º (porque se está a ler “deve” onde está
escrito “pode”) que é justificada pelo princípio da necessidade da pena, maior proteção do
direito à liberdade e outros valores constitucionais;
● Esta ab-rogação não é contraditória com os princípios da lei penal. Mas levanta, na mesma,
problemas. Se não se poder entregar, terá de se julgar. Mas é possível julgar? Art. 6º CP
resolve se é possível julgar.

Que lei se aplica?

A lei estrangeira não é mais favorável e na lei portuguesa não é crime, logo, pelo princípio da
legalidade, não é possível punir. Se for contraordenação ainda pode dar resposta punitiva, mas se
não, não pode responder

66
67
68

Você também pode gostar