Você está na página 1de 35

DIREITO PENAL

INTRODUÇÃO, FONTES E APLICAÇÃO DA LEI PENAL

Atualizado em 22.01.2020

SUMÁRIO
1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS ...................................................................................................... 2
1.1. Missão ................................................................................................................................. 2
1.2 Classificação doutrinária ...................................................................................................... 3
1.3 Velocidades do Direito Penal................................................................................................ 5
2. FONTES DO DIREITO PENAL ................................................................................................... 7
3. INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL (3 ENFOQUES: SUJEITO, MODO E RESULTADO) ......... 10
4. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO PENAL ............................................................................. 12
5. LEI PENAL................................................................................................................................ 20
5.1 Classificação ...................................................................................................................... 20
6. EFICÁCIA DA LEI PENAL NO TEMPO ..................................................................................... 22
6.1 Teorias do tempo do crime ................................................................................................. 22
6.2 Lei penal no tempo ............................................................................................................. 23
7. EFICÁCIA DA LEI PENAL NO ESPAÇO................................................................................... 29
7.1 Princípios aplicados............................................................................................................ 29
7.2 Teorias do lugar do crime ................................................................................................... 31
7.3 Extraterritorialidade (art. 7º CP) .......................................................................................... 32
7.3.1 Extraterritorialidade incondicionada (art. 7º I CP) ................................................................. 32
7.3.2 Extraterritorialidade condicionada (art. 7º II CP) ................................................................... 33
7.3.3 Extraterritorialidade hipercondicionada (art. 7º §3º CP) ........................................................ 34
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

A manutenção da paz social demanda a existência de normas destinadas a estabelecer


diretrizes (regras). Quando violadas as regras de conduta, surge para o Estado o dever de aplicar
sanções (civis ou penais).Nessa tarefa de controle social atuam vários ramos do Direito (civil,
tributário, administrativo), e um desses ramos é o Direito Penal.
Quando a conduta atenta contra bens jurídicos especialmente tutelados, merece reação mais
severa por parte do Estado, que se vale do Direito Penal para, como soldado de reserva, pacificar o
conflito surgido.
Assim, entende-se por Direito Penal o conjunto de normas mediante as quais o Estado veda
a prática de determinadas condutas comissivas ou omissivas sob a promessa de incidência de uma
sanção.
Modernamente, a disciplina é conceituada sob três vertentes:
Aspecto formal OU estático de direito penal: conjunto de normas que qualifica certos
comportamentos humanos como infrações penais, define seus agentes e fixa as sanções a serem- 2
lhes aplicadas (define a norma penalmente relevante).
Aspecto material: refere-se a comportamentos considerados altamente reprováveis ou
danosos ao organismo social, afetando bens jurídicos indispensáveis à própria conservação e
progresso da sociedade (define o comportamento reprovável ou danoso a sociedade).
Aspecto sociológico ou dinâmico: O direito penal é mais um instrumento, ao lado dos
demais ramos do direito, de controle social de comportamentos desviados, visando assegurar a
necessária disciplina para a harmônica convivência dos membros da sociedade.
O que diferencia a norma penal das demais é o mecanismo de coação e tutela de que se
utiliza, que é, em regra, a pena privativa de liberdade.

1.1. Missão

• Missão mediata
◦ Controle Social
◦ Limitação ao poder de punir do Estado (limita abusos ou excessos)
Obs.: Se de um lado o Estado controla o cidadão (controle social), de outro lado é
necessário também limitar seu próprio poder de controle (limitação ao poder de punir), evitando
hipertrofia da punição.

2
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

• Missão imediata
A doutrina diverge:
1ª Corrente: é proteger bens jurídicos relevantes (Roxin), chamada de funcionalismo
teleológico. Tem prevalecido com algumas adaptações.
2ª Corrente: é assegurar o ordenamento jurídico, assegurar a vigência da norma (Jakobs),
funcionalismo sistêmico.

• Funcionalismo: Estuda a finalidade do direito penal e se exprime de duas formas:


. Funcionalismo teleológico (Roxin): assegura que finalidade do direito penal é a de
resguardar os bens jurídicos tutelados (bens de maior importância, segundo o critério político).
Para Greco, prevalece o funcionalismo teleológico;
. Funcionalismo sistêmico (Jakobs): defende que a finalidade do direito penal é o
resguardo da própria norma, é o império do sistema.

3
1.2 Classificação doutrinária

Direito penal substantivo: corresponde ao direito penal material, crime/pena


Direito penal adjetivo: corresponde ao direito processual penal, trata-se de uma
classificação ultrapassada de quando não se tratava o direito processual como autônomo.

Direito penal objetivo: conjunto de normas jurídico-penais em vigência.


Direito penal subjetivo: jus puniendi ou direito de punir do Estado.

Ius puniendi positivo: Poder que o Estado tem para criar normas e punir quem a transgrida.
Ius puniendi negativo: Possibilidade de revogar ou de restringir o alcance das figuras
delitivas.
O direito de punir não é absoluto, ele encontra vários limites. Ex. prescrição (limite temporal
ao direito de punir), princípio da dignidade da pessoa humana, princípio da territorialidade.
Em regra, o direito de perseguir a pena cabe ao Estado, e, supletivamente, à vítima (ação
privada). Já o direito de punir é monopólio do Estado.

3
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

Exceção ao monopólio do direito punitivo do Estado: Estatuto do índio (Lei 6.001/73, art. 57):
autoriza uma sanção penal a ser aplicada pelos próprios indígenas, paralelamente à sanção estatal1.

O Tribunal Penal Internacional NÃO representa exceção ao direito punitivo do Estado.


O TPI possui caráter permanente e independente no âmbito do sistema das Nações Unidas e possui
jurisdição sobre os crimes de maior gravidade, que afetam a comunidade internacional no seu
conjunto, sendo complementar às jurisdições penais internacionais. Em outras palavras, o TPI será
chamado a intervir somente se e quando a justiça repressiva interna falhar, se tornar omissa ou
insuficiente. Cuida-se do princípio da complementariedade, consagrado no art. 1º do Estatuto de
Roma.

Direito Penal de emergência: Movido pela sensação de insegurança presente na sociedade,


o Direito Penal de emergência, atendendo demandas de criminalização, cria normas de repressão,
afastando-se, não raras vezes, de seu importante caráter subsidiário e fragmentário, assumindo
feição nitidamente punitivista, ignorando as garantias do cidadão. O Estado cria norma para atender 4
o anseio da sociedade, para dar a sensação de segurança ao povo através da tipificação de novos
crimes. Ex.: lei de crimes hediondos (criada em situação excepcional).
Esquecendo a real missão do Direito Penal, o legislador atua pensando (quase que apenas)
na opinião pública, querendo, com novos tipos penais e/ou aumento de penas e restrições de
garantias, devolver para a sociedade a (ilusória) sensação de tranquilidade. Permite a edição de leis
que cumprem função meramente representativa, afastando-se das finalidades legítimas da pena,
campo fértil para um Direito Penal simbólico.

Direito Penal promocional, político ou demagogo: Criticado pela doutrina, o Direito Penal
promocional (político ou demagogo) surge quando o Estado, visando concretizar seus objetivos
políticos, emprega as leis penais como instrumento de promoção de seus interesses, estratégia que
se afasta do mandamento da intervenção mínima, podendo (e devendo) valer-se, para tanto, dos
outros ramos do Direito. É equivocada a utilização do Direito Penal como ferramenta de
transformação social. Até 2009, a mendicância era infração penal!

1
Estatuto do Índio, Art. 57. Será tolerada a aplicação, pelos grupos tribais, de acordo com as instituições próprias, de
sanções penais ou disciplinares contra os seus membros, desde que não revistam caráter cruel ou infamante, proibida em
qualquer caso a pena de morte.

4
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

O direito penal dito promocional é utilizado como instrumento de políticas públicas para atingir
o objetivo de transformação social, quando a verdadeira finalidade do direito penal é a de controle
social. Desconsidera-se, pois, o princípio da intervenção mínima.

Direito Penal Simbólico: Tem-se como simbólica uma lei penal que não produz efeitos
concretos, mas simplesmente exerce uma carga moral, infundindo na sociedade uma falsa sensação
de segurança.
Sobre o tema, pontua Cleber Masson que o direito penal simbólico “manifesta-se,
comumente, no direito penal do terror, que se verifica com a inflação legislativa, criando-se
exageradamente figuras penais desnecessárias, ou então com o aumento desproporcional e
injustificado das penas para os casos pontuais (hipertrofia do Direito Penal)” 2.
Pode-se, assim, afirmar que o direito penal simbólico geralmente se apresenta por meio de
propostas que visam se aproveitar do medo e da sensação de insegurança. Nesse sentido, o
propósito do legislador não é a real proteção dos bens jurídicos atingidos pelo delito, mas uma forma
de adular a população, dizendo o que ela quer ouvir, fazendo o que ela deseja que se faça, mesmo 5
que isso não surta qualquer efeito na diminuição da criminalidade e da violência.
Nessa esteira, quando um fato ganha repercussão, nascem propostas de aumento de pena,
de supressão de direitos individuais, de criação de novos tipos penais, mesmo que não seja a
alternativa adequada para realmente solucionar os conflitos. Assim, o que o Estado deseja, na
verdade, é agir de forma que satisfaça o sentimento emocional de um povo atemorizado.

1.3 Velocidades do Direito Penal

A chamada teoria das velocidades do direito penal foi desenvolvida por Jesús-María Silva
Sánchez e visa à sistematização do sistema penal a partir do critério do ritmo de responsabilização
penal. Eis as categorias cunhadas pelo professor espanhol:
a) Direito penal de primeira velocidade: Trata-se do modelo de Direito Penal liberal-
clássico, que se utiliza preferencialmente da pena privativa de liberdade, mas se funda em garantias
individuais inarredáveis. É o “direito penal da prisão”, aplicável às infrações penais mais graves e
regido por procedimentos e regras mais rígidos.

2
MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado – Parte geral. 2ª ed. São Paulo: MÉTODO, 2009, p. 9.

5
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

b) Direito penal de segunda velocidade: Cuida-se do modelo que incorpora duas


tendências (aparentemente antagônicas), a saber, a flexibilização proporcional de determinadas
garantias penais e processuais aliada à adoção das medidas alternativas à prisão (penas restritivas
de direito, pecuniárias etc.). Essa sistemática possibilita uma punição mais célere e, por isso, é
aplicável a delitos menos graves. Uma expressão do direito penal de segunda velocidade no Brasil
é a Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95).
c) Direito penal de terceira velocidade: Refere-se a uma mescla entre as
características acima, vale dizer, utiliza-se da pena privativa de liberdade (como o faz o Direito Penal
de primeira velocidade), mas permite a flexibilização de garantias materiais e processuais (o que
ocorre no âmbito do Direito Penal de segunda velocidade). Essa tendência pode ser vista , por
exemplo, na Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90), que aumentou consideravelmente a pena
de vários delitos, estabeleceu o cumprimento da pena em regime integralmente fechado e suprimiu
- ou tentou suprimir - algumas prerrogativas processuais, como a liberdade provisória.
No âmbito dessa categoria, desenvolve-se o conceito de direito penal do inimigo, ideia
desenvolvida por Günter Jakobs para combater pessoas consideradas “não-cidadãs” e que, portanto,
6
não merecem a tutela de todas as garantias individuais. O inimigo “é o indivíduo que afronta a
estrutura do Estado, pretendendo desestabilizar a ordem nele reinante ou, quiçá, destruí-lo”3. Essa
faceta repercute, por exemplo, na criação de tipos penais de perigo abstrato, que punem condutas
antes mesmo da produção de qualquer dano no mundo fenomênico. Isso ocorre porque o inimigo
representa uma fonte de perigo e, portanto, deve ser eliminado da sociedade.
d) Direito penal de quarta velocidade: Tendência mais recente, desenvolvida na Itália e
relacionada ao neopunitivismo. Está ligada ao Direito Internacional e à punição de Chefes de Estado,
pelo Tribunal Penal Internacional, quando da violação de tratados internacionais de tutela de direitos
humanos. Vale notar que estão sob a jurisdição do TPI os crimes de genocídio, crimes contra a
humanidade, crimes de guerra, agressão (art. 5º do Estatuto de Roma). As garantias penais e
processuais penais do acusado são mitigadas em razão da gravidade dos ilícitos cometidos. O direito
penal de quarta velocidade é uma decorrência do fenômeno da internacionalização do direito penal.

(TJMS – Juiz, 2012, PUC-PR)

Marque a alternativa CORRETA sobre as teorias das velocidades do direito penal:

3
MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado – Parte geral. 2ª ed. São Paulo: MÉTODO, 2009, p. 83.

6
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

A) A teoria da primeira velocidade do direito penal é ligada à ideia do direito penal do inimigo, ou
seja, tem como proposição a aplicação de um direito penal máximo, com penas privativas de
liberdades e de caráter perpétuo.
B) A teoria da segunda velocidade do direito penal é ligada à ideia do direito penal do inimigo,
ou seja, tem como proposição a aplicação de um direito penal máximo, com penas privativas
de liberdades e de caráter perpétuo.
C) A teoria da terceira velocidade do direito penal tem como fundamento a aplicação de penas
alternativas ou de multa, ou seja, está ligada à ideia de um direito penal de mínima interven-
ção.
D) A teoria da quarta velocidade do direito penal está ligada à ideia do neopunitivismo.
E) A terceira velocidade do direito penal, idealizada por Jesus María Silva Sánchez, está ligada
à ideia do Tribunal Penal Internacional, ou seja, à proposição de um direito penal para julgar
crimes de guerra, de agressão, genocídio e de lesa humanidade.

RESPOSTA: D 7

2. FONTES DO DIREITO PENAL


Ao se estudar as fontes de determinado ramo do direito, estuda-se de onde emana o direito
(fonte material), e o modo de como ele é revelado (fonte formal).

Doutrina clássica:

• Fonte material (de onde emana o direito): É a fonte de produção da norma penal, é
órgão encarregado de criar o direito penal. De acordo com o art. 22, I, da CF, compete privativamente
à União legislar sobre direito penal. Excepcionalmente, lei complementar da União pode autorizar os
Estados-membros a legislar sobre questões específicas de interesse local (art. 22, parágrafo único,
da CF).

• Fonte formal (onde o direito se revela): É a fonte de revelação. Pode ser imediata (a
lei) ou mediata (costumes, princípios gerais do direito e atos administrativos, os quais eventualmente
complementam normas penais em branco).

7
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

A lei é o único instrumento normativo capaz de criar infrações penais e cominar sanções
(fonte incriminadora).
Muito embora não possa criar infrações penais ou cominar sanções em razão de seu pro-
cesso moroso de alteração, a Constituição Federal nos revela o Direito Penal estabelecendo pa-
tamares mínimos (mandado constitucional de criminalização) abaixo dos quais a intervenção penal
não se pode reduzir. Ex.: a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível su-
jeito à penal de reclusão (os termos destacados são patamares mínimos que o legislador deve
observar quando for editar a lei incriminadora).O art. 5º, XLIV, da CF estabelece constituir crime
inafiançável e imprescritível (patamares mínimos) a ação de grupos armados, civis ou militares,
contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
Em resumo, a Constituição Federal estabelece o patamar mínimo enquanto a lei cria o crime
e obedece o patamar mínimo imposto pela Constituição Federal.

(MP/GO) Existem mandados constitucionais de criminalização implícitos?


8
Resposta: SIM. De acordo com a maioria, existem mandados constitucionais de criminalização im-
plícitos, com a finalidade de evitar a intervenção insuficiente do Estado (imperativo de tutela). Ex: o
legislador não poderia retirar o crime de homicídio do ordenamento jurídico, porque a CF garante o
direito à vida.

Os tratados internacionais de direitos humanos podem ingressar no ordenamento jurídico


com status de emenda constitucional, quando aprovados com o quórum respectivo. Quando aprova-
dos sem quórum de emenda, têm status de norma supralegal (Exemplo: Pacto de São José da Costa
Rica). Os tratados internacionais de direitos humanos, seja com status constitucional ou supralegal,
não podem criar infrações penais ou cominar sanções para o Direito Interno, mas apenas para o
Direito Internacional Penal (crimes julgados no TPI).

Obs.: O TIDH não é fonte incriminadora, somente a lei é fonte incriminadora. Assim, é não
incriminador para o direito interno.

Atenção: Antes da LEI Nº 12.694/12 (que definiu organização criminosa), o STF, no jul-
gamento do HC 96.007/SP, decidiu pela proibição da utilização da definição de organização
criminosa dada pela Convenção de Palermo, reafirmando que os Tratados Internacionais não

8
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

podem criar infrações penais ou cominar sanções para o Direito interno, mas apenas para o
Direito Internacional Penal.

Embora formalmente seja a expressão da interpretação legislativa pelos tribunais, a jurispru-


dência, de certa forma, revela o Direito Penal. Apesar de importante vetor de aplicação do direito
penal, não tem caráter cogente, salvo quando consagrada em súmula vinculante.

Os princípios gerais do direito representam os valores de natureza ética ou moral que fun-
damentam a elaboração do ordenamento jurídico. No âmbito do direito penal, os princípios gerais do
direito não podem ser utilizados para tipificação de condutas, mas sim para inspirar normas penais
não incriminadoras.

Os atos administrativos constituem fonte formal imediata quando complementam norma penal
em branco. A título de exemplo, cita-se a Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006), que é complementada pela
Portaria 344/98 do Ministério da Saúde. Assim, quem está revelando o conceito de drogas é a referida 9
portaria, que é um ato administrativo.

A doutrina, ainda que prestigiada, constitui um estudo científico e não tem caráter obrigatório no
âmbito da aplicação do Direito Penal.

Entende-se por costume “a regra de conduta criada espontaneamente pela consciência comum
do povo, que a observa por modo constante e uniforme [elemento objetivo] e sob a convicção de corres-
ponder a uma necessidade jurídica [elemento subjetivo]”4. Didaticamente, pode-se falar em três categorias
de costumes:
1) Secundum legem ou interpretativo: Auxilia o intérprete a esclarecer o conteúdo da lei
penal. Como exemplo histórico, podem ser remorados os tipos que traziam a elementar “mulher honesta”.
2) Praeter legem ou integrativo: Ajuda a suprimir lacunas legislativas e, por isso, só pode ser
utilizado no âmbito de normas penais não incriminadoras.
3) Contra legem ou negativo: Também denominado desuso, é aquele que contraria a lei.
Acerca da possibilidade de costume revogar lei, existem três correntes: (3.1) admite-se o costume abolici-
onista, aplicado nos casos em que a infração penal não mais contraria os interesses da sociedade; (3.2)

4
SOUZA, Artur de Brito Gueiros; JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. Direito Penal: volume único. São Paulo: Atlas, 2018.
p. 63.

9
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

não existe costume abolicionista, mas quando o fato não mais contraria o interesse social, a lei não deve
ser aplicada; (3.3) não existe costume abolicionista, enquanto não revogada por outra lei, a norma possui
plena validade. Prevalece a terceira corrente, embora a doutrina moderna acene favoravelmente à se-
gunda. O STJ já rejeitou a tese de revogação da contravenção penal do jogo do bicho em razão de costume
(REsp 30.705/SP).

3. INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL (3 ENFOQUES: SUJEITO, MODO


E RESULTADO)

Em toda interpretação há um sujeito que interpreta, um modo utilizado na interpretação e o


resultado dessa interpretação. Portanto, ao se estudar interpretação, estuda-se sempre quanto ao
sujeito, ao modo e ao resultado.

✓ QUANTO AO SUJEITO OU À ORIGEM


10
Autêntica ou legislativa: Interpretação dada pela lei. Ex.: exposição de motivos do CPP – foi
apresentado em forma de lei ou art. 327 do CP, que fornece o conceito de funcionário público para
os efeitos penais).
Doutrinária ou científica: Interpretação feita pelos estudiosos. Ex.: exposição de motivos do
CP feita pelos estudiosos que auxiliaram na construção do CP.
Jurisprudencial: É o significado dado às leis pelos tribunais, muitas vezes condensado em
súmulas.
✓ QUANTO AO MODO
Gramatical, filológica ou literal: Considera o sentido literal das palavras.
Sistemática: Interpretação em conjunto com a legislação em vigor e com os princípios gerais
do Direito.
Teleológica : Perquire a intenção objetivada na lei.
Histórica: Indaga a origem da lei.
Progressiva ou evolutiva: Interpreta-se de acordo com os avanços da ciência.
✓ QUANTO AO RESULTADO (o que mais cai em concurso)
Declaratória: É aquela em que a letra da lei corresponde exatamente àquilo que o legislador
quis dizer, nada suprimindo e nada adicionando.

10
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

Restritiva: A interpretação reduz o alcance das palavras da lei para corresponder à vontade
do texto.

Extensiva: É a interpretação que amplia o alcance das palavras da lei para que corresponda
à vontade do texto.

Há divergência acerca da interpretação extensiva que prejudique o réu. Veja:

1ª Corrente (Nucci e Luiz Regis Prado) - É indiferente se a interpretação extensiva beneficia


ou prejudica o réu, a tarefa do interprete é evitar injustiça. Apontam ainda que a CF não proíbe a
interpretação extensiva contra o réu.

2ª Corrente (LFG e DEFENSORIA PÚBLICA) - Socorrendo-se do princípio do in dubio pro reo,


não admite interpretação extensiva contra o réu; na dúvida, o juiz deve interpretar em seu benefício.

3ª Corrente (Zaffaroni)- Em regra, não cabe interpretação contra o réu, salvo quando
interpretação diversa resultar num escândalo por sua notória irracionalidade.
11
Corrente majoritária se posiciona pela possibilidade. Ex: arma, num sentido extensivo, pode
ser até uma faca de cozinha.

Diferenças entre interpretação extensiva e interpretação analógica: Na interpretação


extensiva há uma ampliação do sentido de um conceito, de uma palavra. Já na intepretação
analógica (intralegem), há um termo genérico e um exemplo, que o serve de base. Ex: “emprego de
veneno... ou outro meio cruel”. A expressão “outro meio cruel” não é interpretação extensiva, já que
não amplia o conceito de nenhuma palavra. É, sim, interpretação analógica de outros malefícios
cruéis como o veneno. Para Greco, existe o gênero “interpretação extensiva” dos quais são espécies
“interpretação extensiva em sentido estrito” e “interpretação analógica”.

Interpretação analógica não se confunde com analogia. Analogia não é forma de


interpretação, mas de integração de lacuna (falta de previsão legal para o caso). A analogia parte do
pressuposto de que não existe uma lei a ser aplicada ao caso concreto, motivo pelo qual é preciso
socorrer-se de previsão legal empregada a outra situação similar.

Pressupostos de aplicação da analogia no direito penal: (a) certeza de que sua aplicação será
favorável ao réu (in bona partem); (b) existência de uma efetiva lacuna a ser preenchida (omissão
involuntária do legislador).

11
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

Importante: INTERPRETAÇÃO SUI GENERIS: Se subdivide em:

Exofórica: O significado da norma interpretada não está no ordenamento normativo. Não se


encontra na norma o significado do que se quer. Ex.: Erro de tipo (o tipo é definido pela doutrina, não
se encontra na ordem normativa; assim, o conceito de tipo está fora do ordenamento normativo)
Endofórica: O texto normativo interpretado empresta o sentido de outros textos do próprio
ordenamento normativo, Trata-se de interpretação muito utilizada nas normas penais em branco.
Exemplo: art. 237 CP – a expressão “impedimento para casamento” é interpretada de acordo com o
Código Civil.

4. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO PENAL

Didaticamente, podem ser divididos em quatro grupos:


1º: Princípios relacionados com a MISSÃO FUNDAMENTAL DO DIREITO PENAL
12
2º: Princípios relacionados com o FATO DO AGENTE
3º: Princípios relacionados com o AGENTE DO FATO
4º: Princípios relacionados com a PENA

1º: Princípios relacionados com a MISSÃO FUNDAMENTAL DO DIREITO PENAL


Princípio da exclusiva proteção dos bens jurídicos: O Direito Penal deve servir para
proteger bens jurídicos relevantes (Roxin). Bem jurídico é um ente material ou imaterial (ex. honra),
haurido do contexto social, de titularidade ou metaindividualidade, reputado como essencial para a
coexistência e o desenvolvimento do homem em sociedade.

O que é espiritualização do direito penal?


R: MP/MG: Percebe-se uma expansão da tutela penal para abranger bens jurídicos de caráter
coletivo, ensejando a denominada espiritualização/desmaterialização/dinamização/liquefação do
bem jurídico. Exemplo: tutela penal do meio ambiente.

12
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

Princípio da intervenção mínima: O direito penal só deve ser aplicado quando estritamente
necessário, de modo que sua intervenção fica condicionada ao fracasso das demais esferas de
controle (caráter subsidiário), incidindo somente sobre casos de relevante lesão ou perigo de lesão
ao bem jurídico tutelado (caráter fragmentário). Esse princípio norteia o Direito Penal positiva e
negativamente. Adultério deixou de ser crime por causa deste princípio, sendo errado dizer que o
costume revogou o crime de adultério.
O princípio da intervenção mínima desdobra-se em dois subprincípios:
Subsidiariedade: O direito penal deve ser a “ultima ratio”. Somente deve ser utilizado para
regular as situações quando os outros ramos do direito não forem efetivos, funcionando como um
“soldado de reserva”. Orienta a intervenção do direito penal no plano concreto, guiando a aplicação
da lei penal em seu viés prático.
Fragmentariedade: O direito penal tutela algumas das condutas em que há violação a um
bem jurídico e não todas elas, devendo ser aplicado apenas em caso de relevante e intolerável lesão
ao bem jurídico tutelado. Em outras palavras, por força de seu caráter fragmentário, o Direito Penal
funciona como a última etapa de proteção de um bem jurídico. Esse subprincípio orienta a 13
intervenção do direito penal no plano abstrato, orientando a atividade legislativa.
O princípio da insignificância decorre da fragmentariedade e preconiza que o Direito Penal
não deve se ocupar de condutas pouco relevantes. É um princípio limitador do Direito Penal e
funciona como uma causa de exclusão da tipicidade material. De acordo com os tribunais
superiores, são quatro os vetores para a aplicação do princípio da insignificância: mínima
ofensividade da conduta do agente; ausência de periculosidade social da ação; reduzido grau de
reprovabilidade do comportamento; inexpressividade da lesão jurídica provocada.
A princípio, por atingir o fato típico retirando a tipicidade material e, consequentemente,
afastando a configuração do crime, não deveria aceitar a figura da reincidência quando o primeiro
crime foi insignificante. Entretanto, há julgados no STF (HC 107674/MG) e STJ (AgRg no REsp
1277340/SP) negando a aplicação do princípio da insignificância para o reincidente, portador de
maus antecedentes, ou o criminoso habitual.
Prevalece no STF e STJ o entendimento acerca da impossibilidade de aplicação do princípio
da insignificância no furto qualificado, em razão da falta de requisito do reduzido grau de
reprovabilidade do comportamento. Do mesmo modo, STF e STJ não admitem o princípio da
insignificância nos crimes contra a fé pública, mais precisamente moeda falsa. (vide STF – HC
105.829/MG).

13
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

STF e STJ não admitem o princípio da insignificância no porte de drogas para uso próprio,
tampouco em nenhuma forma de tráfico de entorpecentes.
STF e STJ têm decisões admitindo o princípio da insignificância nos crimes ambientais (há
importante divergência sobre o assunto), desde que a lesão seja irrelevante a ponto de não afetar de
maneira expressiva o equilíbrio ecológico.

STF STJ

Analisa a insignificância de acordo com a Analisa a insignificância de acordo com a


capacidade econômica da vítima capacidade econômica da vítima

Permite o uso do princípio nos crimes contra Não utiliza nos crimes contra a administração
a administração pública PRATICADOS POR pública QUANDO PRATICADOS POR
FUNCIONÁRIO PÚBLICO. FUNCIONÁRIO PÚBLICO.

Admite o princípio nos crimes contra a Adm. Admite o princípio nos crimes contra a Adm. 14
Pública praticados por particulares. Pública praticados por particulares.

Não admitem insignificância nos crimes de falsificação de moeda

Bagatela Própria: Os fatos já nascem irrelevantes para o direito penal. Causa de atipicidade
material (exclui do resultado jurídico – irrelevância da lesão). Ex: subtração de uma caneta Bic já
nasce irrelevante para o direito penal.
Bagatela Imprópria: Embora relevante a infração penal praticada, a pena diante do caso
concreto é desnecessária. Falta de interesse de punir – exclui a punibilidade (consequência
jurídica do crime). Atenção!! O fato é típico, ilícito e culpável (só não é punível). Ex: morte culposa
do filho causada pelo pai.
Princípio da Adequação Social: Apesar de uma conduta se ajustar a um tipo penal, não
será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida pela sociedade, não afrontando
o sentimento social de justiça.

2º Princípios relacionados com o FATO DO AGENTE

14
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

Princípio da exteriorização (ou materialização) do fato: O DIREITO PENAL BRASILEIRO


É UM DIREITO PENAL DO FATO5. Rejeita-se a existência do direito penal do autor, ou seja, não
deve haver punição de agente por seu pensamento, desejos ou estilo de vida, mas apenas pelo fato
que ocasionou com sua conduta. Ex: Mendicância finalmente deixou de ser contravenção. Até hoje
a vadiagem (não trabalhar sendo válido, sem ter condições para se manter economicamente) é
contravenção, mas não deveria ser, em função do princípio da exteriorização do fato, que diz que
ninguém pode ser castigado pelo seu estilo de vida, mas somente pelo que fez.
OBS.: O nosso ordenamento penal, de forma legítima, adotou o direito penal do fato, mas
considera circunstâncias relacionadas ao autor, especificamente quando da análise da pena.
Princípio da lesividade (ou ofensividade): Para que ocorra a infração penal é
imprescindível a efetiva ou potencial lesão ao bem jurídico de terceiro. Por causa desse princípio,
a doutrina discute a constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato (aqueles nos quais os tipos
penais descrevem apenas uma conduta sem apontar um resultado específico como elemento do
injusto, sendo desnecessária a ocorrência de lesão a um bem jurídico ou mesmo sua colocação em
risco real e concreto). O STF, entretanto, reconhece a constitucionalidade dos crimes de perigo
15
abstrato (vide HC 104410/RS). Para o STF, embriaguez ao volante é crime de perigo abstrato; o
mesmo vale para porte de arma desmuniciada.
O direito penal não pune o crime impossível e a autolesão por causa desse princípio. Busca
evitar quatro situações distintas: proibir a incriminação de uma atitude interna (pensamento); proibir
a incriminação de conduta que não exceda o âmbito do próprio autor (autolesão); proibir incriminação
de simples estados ou condições da pessoa (confunde-se com o princípio da exteriorização do fato,
evitando o direito penal do autor) e; proibir a incriminação de condutas desviadas que não afetem
qualquer bem jurídico (o direito penal não tem função de impor condutas morais, mas sim, o dever
de impedir o cometimento de condutas danosas contra terceiros. Ex: não se pode punir alguém por
não gostar de tomar banho).
Princípio da legalidade: Será visto mais adiante em separado.

3º Princípios relacionados com o AGENTE DO FATO

5
Art. 2 do CP. Ninguém pode ser punido por FATO que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em
virtude dela a execução e os efeitos da sentença condenatória.

15
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

Princípio da responsabilidade pessoal: Proíbe o castigo por fato de outrem, ou seja, que
pessoa diversa da que cometeu o crime seja castigada. Veda a responsabilidade coletiva.
Desdobramentos :obrigatoriedade da individualização da acusação (proibição de denúncia genérica,
relativizada em casos de crimes societários) e obrigatoriedade da individualização da pena.
Princípio da responsabilidade subjetiva: Não basta que o fato seja materialmente causado
pelo agente, ficando a sua responsabilização penal condicionada à existência de voluntariedade.
Proíbe que o agente seja castigado sem que tenha expressado dolo ou culpa na sua conduta. Ou
seja, para cometer um crime, o agente deve ter cometido um fato desejado, aceito ou previsível.
Veda a responsabilidade objetiva.
No concurso de delgado do DF – 2ª FASE, foi perguntado quais as exceções na doutrina
que aplica a responsabilidade objetiva (autorizadas por lei): Para parte minoritária da doutrina,
há duas exceções:1 – Embriaguez voluntária (Rebater a tese: A teoria da ‘actio libera in causa’ exige
não somente uma análise pretérita da imputabilidade, mas também da vontade do agente) e 2 - Rixa
qualificada por lesão corporal grave (Rebater a tese: Só responde pelo resultado agravador quem
atuou frente a ele com dolo ou culpa). Frise-se que doutrina moderna defende que não há
16
exceção.
Princípio da culpabilidade: Limita o poder de punir do Estado aos que são imputáveis,
possuem potencial consciência da ilicitude do fato e quando há exigibilidade de conduta diversa.
Princípio da isonomia (art. 24 da CADH): Trata-se de isonomia material e não formal. Em
consequência disso, são constitucionais diplomas como Lei Maria da Penha (ADC N. 19) e Estatuto
Racial (ações afirmativas). Deve-se tratar de forma igual o que é igual e desigualmente o que é
desigual.

4º Princípios relacionados com a PENA


Princípio da proibição da pena indigna (art. 5º §§1º e 2º da CADH): A ninguém pode ser
imposta pena ofensiva à dignidade da pessoa humana.
Princípio da humanidade da pena (art. 5º §§1º e 2º da CADH): Nenhuma pena pode ser
cruel, desumana ou degradante. A Lei 12.258/10 previu o monitoramento eletrônico, que uma minoria
defende ser ofensiva à dignidade.
Princípio da proporcionalidade da pena: A pena, para cumprir integralmente sua função
(prevenção, retribuição e ressocialização), deve ajustar-se de acordo com a relevância do bem
jurídico tutelado sem desconsiderar as condições pessoais do agente. Esse princípio é observado

16
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

em três frentes: quando o legislador vai criar a pena; quando o juiz vai fixar a pena na condenação;
e quando o juiz da execução vai executar a pena.
Princípio da pessoalidade (ou personalidade, ou ainda, da intransmissibilidade – art. 5º XLV,
CF) da pena: Nenhuma pena passará da pessoa que cometeu o crime. Para doutrina minoritária, o
dispositivo constitucional acima prevê que o confisco passará para seu sucessor, até o limite da
herança. Para doutrina moderna, não há exceções, uma vez que o confisco e o perdimento de bens
do dispositivo constitucional não são espécies de pena, mas sim obrigações decorrentes da pena.
Princípio da vedação do bis in idem (art. 20 Estatuto de Roma – não há previsão expressa
na CF): Proíbe que o agente seja castigado mais de uma vez pelo mesmo crime. Possui três
significados: processual (ninguém poderá ser processado mais de uma vez pelo mesmo crime);
material (ninguém pode ser condenado mais de uma vez pelo mesmo crime) e execucional (ninguém
pode ser executado mais de uma vez por um mesmo crime). Em suma, ninguém pode ser processado,
condenado ou executado mais de uma vez pelo cometimento do mesmo crime. Significa que para
cada fato será aplicada apenas uma norma penal que excluirá as demais e só autorizará a punição
do autor em um único delito.
17
Alguns defendem que a reincidência seria bis in idem, pelo fato do primeiro crime ser levado
em consideração duas vezes (uma vez na condenação dele próprio e uma segunda vez no aumento
da pena do segundo crime – tese a ser adotada em concursos para defensoria). Para a maioria (STJ),
reincidência não é bis in idem, já que há dois fatos diferentes, podendo até ensejar crimes diferentes.
O fato de o reincidente ser punido mais severamente do que o primário não viola a garantia do bis in
idem, pois busca somente reconhecer maior reprovabilidade naquele que é contumaz na violação da
lei penal (individualização da pena – STJ).
Princípio da legalidade (art. 5º, II e XXXIX CF, art. 1º CP, art. 9º CADH e art. 22 Estatuto de
Roma): Pilar do garantismo, trata-se de real limitação ao poder estatal de interferir na esfera das
liberdades individuais.
Legalidade = reserva legal + anterioridade
Há divergência doutrinária sobre o art. 1º CP, se este seria expressão da legalidade ou da
reserva legal. Três correntes: 1ª: legalidade e reserva legal são sinônimos; 2ª: legalidade
compreende a lei em sentido amplo, abarcando também as demais espécies legislativas contidas
no art. 59 CF, enquanto que reserva legal é apenas lei em sentido estrito; portanto, a segunda
corrente defende que o art. 1º CP alberga o princípio da legalidade. 3ª: defende que o art. 1º CP
consagra a legalidade, pois esta nada mais é do que reserva legal + anterioridade (é a corrente
mais aceita). Portanto, não há crime sem lei anterior que o defina. Com a inclusão da palavra

17
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

anterior, fica vedada a retroatividade maléfica. Ao mesmo tempo em que a retroatividade maléfica
é proibida, a retroatividade benéfica é um direito do acusado.
O princípio da legalidade constitui uma real limitação ao poder estatal de interferir na esfera
de liberdades individuais. Fundamentos: 1º: Político: exigência de vinculação do executivo e do
judiciário às leis formuladas de forma abstrata, impedindo o poder de punir com base no livre arbítrio;
2º Democrático: respeito ao princípio da divisão dos poderes, ou seja, o parlamento, representante
do povo, deve ser o responsável pela criação dos crimes por lei. Por este motivo, para haver crime,
deve haver lei em sentido estrito; 3º jurídico: uma lei prévia e clara produz importante efeito
intimidativo.
Princípio da legalidade e contravenções penais: De acordo com o art. 1º CP, “não há crime
sem lei que o defina”. Na Lei de Contravenções Penais, não há previsão do princípio da legalidade,
Mas a doutrina é unânime em interpretar a palavra “crime” como sinônimo de infração penal, o que
passa a incluir as contravenções penais. A leitura que se deve ter é a seguinte: Não há infração penal
(crime + contravenção) ou sanção penal (pena + medida de segurança) sem lei anterior.
Medidas de segurança e princípio da legalidade: “Não há pena sem cominação legal”. Não 18
há previsão da necessidade de lei para medidas de segurança. Doutrina aponta duas correntes: 1ª
corrente (majoritária): a palavra “pena”, prevista no art. 1º do CP, deve ser tomada no seu sentido
amplo, abrangendo todas as espécies de sanção penal;2ª corrente: considerando a função
meramente terapêutica das medidas de segurança, não se aplica a esta espécie de sanção o
princípio da legalidade.
Art. 3º do Código Penal Militar e Constituição Federal: Não foi recepcionado no ponto em que
ele desconsidera a anterioridade. No mais, está em vigor.
Desdobramentos do princípio da legalidade:
a) Não há crime ou pena sem lei: princípio da reserva legal - lei ordinária e complementar.
Medida provisória e princípio da legalidade: Art. 62, §1º, I, b, da CF proíbe medida provisória
em matéria de direito penal. Interpreta-se no sentido de ser vedada a medida provisória incriminadora.
Há divergência doutrinária quanto às medidas provisórias não incriminadoras: 1ª corrente (STF): O
princípio da legalidade não admite medida provisória incriminadora, sendo compatível com a não
incriminadora (ex. extintiva de punibilidade). STF: RE 254.818 PR: O STF, discutindo os efeitos
benéficos trazidos pela MP 1.571/97, norma que permitiu o parcelamento de débitos tributários e
previdenciários com efeitos extintivos da punibilidade, proclamou sua admissibilidade em favor do
réu. Mesmo após a edição da EC32, o STF ainda admite medida provisória não incriminadora no

18
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

direito penal.; 2ª corrente: A CF, art. 62, §1º, I, b, da CF (incluído pela EC 32/2001) proíbe medida
provisória versando sobre direito penal, não importando se incriminadora ou não incriminadora.
Lei delegada e princípio da legalidade: Não é possível a aplicação de lei delegada no direito
penal. O art. 68 da CF veda a aplicação de lei delegada para regular direitos individuais, bem como
regular matéria de competência do Congresso Nacional.
b) Não há crime ou pena sem lei anterior: princípio da anterioridade
Com a inclusão da palavra “anterior”, fica vedada a retroatividade maléfica. Ao mesmo tempo
em que a retroatividade maléfica é proibida, a retroatividade benéfica é um direito do agente.
OBS.: PEGADINHA! É falsa a afirmação de que o princípio da legalidade impede a
retroatividade da lei penal. Na verdade, impede a retroatividade da lei penal maléfica.
c) Não há crime ou pena sem lei escrita: Proíbe-se o costume incriminador.
OBS.: Para que serve o costume no Direito Penal? R= Para interpretação (costume interpre-
tativo), chamado de costume secudum legem.
d) Não há crime ou pena sem lei estrita: Proíbe-se a utilização da analogia para criar tipo
19
incriminador (a analogia não incriminadora é permitida)
A 2ª Turma do STF, no julgamento do HC 97.261 declarou a atipicidade da conduta do agente
que subtrai sinal de TV à cabo asseverando ser impossível a analogia incriminadora com crime de
furto de energia elétrica.
e) Não há crime ou pena sem lei certa: princípio da taxatividade (ou da determinação).
Exige-se clareza na redação dos tipos penais (fundamento jurídico do princípio da legalidade
– efeito intimidativo)
f) Não há crime ou pena sem lei necessária: desdobramento lógico do princípio da
intervenção mínima. Neste sentido, o legislador revogou o princípio do adultério (e não pelo costume).
Em suma: Princípio da legalidade e os seus desdobramentos >> A lei deve ser anterior
(veda a retroatividade maléfica), escrita (veda o costume incriminador), estrita (veda a analogia
incriminadora), necessária (desdobramento lógico do princípio da intervenção mínima), certa
(exige-se clareza na edição da lei penal incriminadora – princípio da taxatividade. Ex. doutrina
majoritária diz que art. 20 da Lei 7.170/83 não prevê o crime de terrorismo porque a redação do
artigo não é clara, taxativa.
Legalidade formal: Obediência ao devido processo legislativo (lei vigente).
Legalidade material: Conteúdo da norma vigente respeita os direitos e garantias
constitucionais.

19
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

5. LEI PENAL

5.1 Classificação

1. Lei penal completa: é aquela que dispensa complemento valorativo (dado pelo juiz no
caso concreto) ou normativo (por outra norma). Ex.: art. 121, caput, do CP.
2. Lei penal incompleta: é a norma que depende de complemento valorativo (tipo aberto) ou
normativo (caracterizando a norma penal em branco).

2.1-Normas penais em branco e tipo aberto


A norma penal em branco (cega ou aberta) é uma espécie de lei penal na qual a definição da
conduta criminosa reclama complementação por outra norma. Assim, o preceito primário da lei penal
deve ser integrado por outra lei ou mesmo por ato administrativo. Nesse contexto, as normas penais
em branco se classificam da seguinte forma:
- Em sentido lato, amplo, homogênea, ou imprópria: Quando o complemento normativo
20
emana do próprio legislador. Trata-se de uma norma complementada pela mesma espécie normativa
(lei complementada por outra lei). Podem ser:
Homovitelina ou homóloga: complemento emana da mesma instância legislativa. Ou seja, o
complemento está no mesmo documento legal. Ex: Conceito de funcionário público, art. 312 do CP
é complementado pelo art. 327 do mesmo CP. LEI PENAL → Complementada → LEI PENAL
Heterovitelina ou heteróloga: complemento emana de instância legislativa diversa. Ou seja, o
complemento está em outro documento legal. Ex: Art. 236 CP (impedimentos do casamento) é
complementado pelo Código Civil. LEI PENAL → Complementada → LEI EXTRAPENAL
- Em sentido estrito, heterogênea, ou própria: Quando o complemento normativo não
emana do legislador. Norma complementada por espécie normativa diferente. Ex: Portaria que define
o conceito de drogas ilícitas (entorpecentes) para fins de aplicação da Lei de Drogas.

O que é norma penal em branco ao revés (MP-GO)?


R= Também chamada de lei penal em branco inversa ou ao avesso, é aquela em que é o preceito
secundário que carece de complementação, não o conteúdo da proibição. CUIDADO: O
complemento da norma penal em branco ao revés deve necessariamente fornecido por lei,
haja vista o princípio da reserva legal.

20
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

Ex: Lei de genocídio (lei 2.889/56):


Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial
ou religioso, como tal:
a) matar membros do grupo;
b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a
destruição física total ou parcial;
d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo;
Será punido:
Com as penas do art. 121, § 2º, do Código Penal, no caso da letra a;
Com as penas do art. 129, § 2º, no caso da letra b;
Com as penas do art. 270, no caso da letra c;
Com as penas do art. 125, no caso da letra d; 21
Com as penas do art. 148, no caso da letra e;

Constitucionalidade da norma penal em branco em sentido estrito: PORTARIA


complementando conteúdo proibitivo é constitucional?
1ª corrente: É inconstitucional. A norma penal em branco heterogênea impossibilita a
discussão amadurecida da sociedade a respeito do complemento. Fere o art. 22, I, da CF/88.
Para essa corrente, a norma penal em branco em sentido estrito ofende o princípio da reserva
legal, visto que o seu conteúdo poderá ser modificado sem que haja uma discussão amadurecida da
sociedade na casa respectiva (Congresso Nacional). Por exemplo, se alguém quiser modificar o que
é droga, basta modificar a portaria, sem submeter ao CN. (Rogério Greco – Paulo Queiroz -
Defensoria Pública). Fere o fundamento democrático.
2ª corrente: A norma penal em branco em sentido estrito ou heterogênea é constitucional. O
legislador criou o tipo com todos os seus requisitos básicos. A remissão ao Executivo é
absolutamente excepcional e necessária por razões de técnica legislativa. O executivo só esclarece
um requisito do tipo. (STF, Luiz Regis Prado, Nucci)
Configura tipo penal incriminador constituído dos requisitos básicos do delito e o
complemento normativo. O legislador não pode deixar a descrição típica essencial por conta da

21
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

autoridade administrativa. O que a autoridade administrativa pode fazer é expli citar um dos
requisitos típicos dados pelo legislador. Portanto, a norma penal em branco em sentido estrito
(heterogênea) é constitucional (corrente majoritária).

Tipo aberto: Espécie de lei penal incompleta. Depende de complemento valorativo dado pelo
juiz na análise do caso concreto, ou seja, complemento definido pelo juiz. Ex: crimes culposos, já
que o tipo não descreve a negligência, ficando a cargo do juiz.
OBS: Há um crime culposo em que o legislador descreve o comportamento tido como
negligência, subtraindo do juiz, de forma legítima, a sua valoração no caso concreto: receptação
culposa (art. 180, §3º7). No entanto, esse crime não deixa de ser de tipo aberto.
Para não ofender o princípio da legalidade, a redação típica do tipo aberto deve trazer o
mínimo de determinação

6. EFICÁCIA DA LEI PENAL NO TEMPO


22
6.1 Teorias do tempo do crime

Como decorrência do princípio da legalidade, aplica-se, em regra, a lei penal vigente ao tempo
da realização do fato criminoso. Cuida-se do brocardo tempus regict atum, aplicável tanto ao direito
penal como ao processual penal. Excepcionalmente, admite-se a retroatividade da lei penal, desde
que benéfica ao réu. Por outro lado, tem-se o fenômeno da ultratividade da lei penal quando a
norma revogada por outra mais gravosa continua sendo aplicável aos fatos ocorridos sob sua
vigência, por ser mais benéfica ao réu.

Existem três teorias acerca do tempo do crime:


Teoria da atividade: O crime considera-se praticado no momento da conduta, ainda que
outro seja o momento do resultado. Adotada no Brasil, por força do art. 4º do CP8.
Teoria do resultado: O crime considera-se praticado no momento do resultado, ainda que
outro seja o momento da conduta.

7
§ 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela
condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso:
8
Art. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento
do resultado

22
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

Teoria da ubiquidade ou mista: O crime considera-se praticado no momento da conduta ou


do resultado.
A importância das teorias acima residem no fato de a fixação do tempo do crime ser o marco
para aferição da imputabilidade do agente, condições pessoais da vítima (deve ser analisada no
momento da conduta) e sucessão de leis penais no tempo (atividade da lei penal).

OBS.: De acordo com o princípio da coincidência/congruência/simultaneidade, todos os


elementos do crime (fato típico, ilicitude e culpabilidade), devem estar presentes no momento da
conduta.

(MPMG) No momento da conduta o agente era menor de 18 anos, no momento do resultado


o agente era maior de 18 anos, aplica-se o ECA? : R= De acordo com o art. 4º do CP e da teoria da
atividade, aplica-se a esse caso o ECA, pelo princípio da simultaneidade, pois deve-se olhar o mo- 23
mento da ação ou da conduta.

OBS: Em matéria de prescrição, o Código Penal adotou a teoria do resultado, pois o art. 111,
I dispõe que a causa de extinção de punibilidade tem por termo inicial a data de consumação do
crime.

6.2 Lei penal no tempo

Em matéria de direito penal intertemporal, existem cinco fenômenos dignos de nota: sucessão
de lei incriminadora (novatio legis incriminadora), lei penal mais grave (novatio legis in pejus), abolitio
criminis, lei penal mais benéfica (novatio legis in mellius), combinação de leis penais (lex tertia).

1) Sucessão de lei incriminadora (novatio legis incriminadora)


É o fenômeno em que uma lei posterior incrimina um comportamento até então considerado
lícito. Nesse caso, a novatio legis só tem eficácia para o futuro, pois o art. 1º do CP preconiza não
haver crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

23
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

Ex.: Antes da Lei nº 12.550/2011, a cola eletrônica era figura atípica; após, tornou-se fato
típico com o acréscimo do art. 311-A do Código Penal10.

2) Lei penal mais grave (novatio legis in pejus ou lex gravior)


É a situação na qual uma lei posterior, mantendo a incriminação de determinada conduta, a
torna mais grave. Nesse caso, a lei nova não pode ser aplicada aos fatos ocorridos antes da sua
vigência, prevalecendo a eficácia ultrativa da norma penal mais benéfica.
Ex.: Antes da Lei nº 12.234/10 (que alterou o art. 109 do CP), o prazo prescricional para
crimes com pena inferior a 1 ano era de 2 anos. Após a referida lei, o prazo prescricional para crimes
com pena inferior a 1 ano passou ser de 3 anos.
Atenção! Sucessão de lei mais grave no crime continuado e no crime permanente: aplica-se
a Súmula 711 do STF: A lei mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente,
se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência. Em suma: aplica-
se a lei vigente no momento em que cessar a continuidade ou a permanência, ainda que mais grave.
24
OBS.: Se um agente comete cinco infrações penais quando menor de idade, mas uma
infração penal quando maior, não se pode considerar as infrações anteriores para efeito de crime
continuado.

3) Abolitio criminis
Consiste na supressão da figura criminosa. É a revogação de um tipo penal pela
superveniência da lei descriminalizadora. Tem previsão no art. 2º do CP (“ Ninguém pode ser punido
por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos
penais da sentença condenatória”). É causa de extinção da punibilidade, nos termos do art. 107, III,
do CP.
Consequências da abolitio criminis:
a) Faz cessar a execução penal: Lei abolicionista não deve respeito à coisa julgada, pois é
uma garantia do indivíduo. O art. 2º do CP não infringe o art. 5º, XXXVI, da CF (coisa julgada), pois

10
Art. 311-A. Utilizar ou divulgar, indevidamente, com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a
credibilidade do certame, conteúdo sigiloso de: (...)

24
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

o mandamento constitucional tutela a garantia individual e não o direito de punir do Estado. Ou seja,
a coisa julgada é usada como garantia do indivíduo e não como garantia do Estado.
b) Faz cessar os efeitos penais da condenação: Afastam-se a reincidência e os maus
antecedentes. Entretanto, os efeitos extrapenais da sentença permanecem hígidos, de modo que a
obrigação de reparar o dano provocado pela conduta permanece exigível.

4) Lei penal mais benéfica (lex mitior ou novatio legis in mellius)


Cuida-se da hipótese em que lei posterior, sem suprimir o caráter típico do fato, beneficia de
alguma forma o agente delitivo. Nesse caso, a lei deve retroagir, nos termos do art. 2º, parágrafo
único do CP (“A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores,
ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”).
Depois do trânsito em julgado quem é o juiz competente para aplicar a lei mais benéfica?
Para uma prova objetiva, deve-se considerar o juiz da execução, aplicando a Súmula 611
do STF (“Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a
aplicação de lei mais benigna”). 25
Para uma prova subjetiva, duas correntes podem ser expostas: 1ª corrente: Continua
aplicando o entendimento que é o JUIZ DA EXECUÇÃO; 2ª corrente: Após o trânsito em julgado, o
aplicador da lei mais benigna será o juiz da execução penal, caso a situação envolva apenas cálculo
matemático (súm. 611 STF). TODAVIA, caso envolva juízo de valor, deverá haver revisão criminal.

Aplicação da abolitio criminis e lex mitior em vacatio legis:


1ª corrente: A vacatio legis tem como finalidade principal informar que a ordem jurídica foi
alterada. Não faz sentido, portanto, que aqueles que já se inteiraram do teor da nova lei fiquem
impedidos de lhe prestar obediência quanto aos seus efeitos mais brandos (Alberto Silva Franco,
Rogério Greco chega dizer que é essa que prevalece).
2ª corrente: Não se aplica a lei em vacatio. Nesse período, a lei penal não possui
eficácia jurídica ou social. A lei antiga tem plena aplicabilidade até que a lei nova tenha efe tivo
início, após a vacatio legis (corrente predominante – Damásio, Frederico Marques, Nucci,
Rogério Sanches).

Princípio da continuidade normativo-típica: Ocorre quando há uma migração do conteúdo


de um crime de um lugar para ou outro da lei, ou de uma lei para outra. Ex: A Lei nº 11.106/2005

25
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

migrou o crime de rapto violento do art. 219 CP para o art. 148, § 1º, IV, CP. O fato continua sendo
crime, não sendo caso de abolitio criminis.

Abolitio criminis Princípio da continuidade normativo-típica

Supressão formal Supressão formal

Supressão do conteúdo criminoso Migração do conteúdo criminoso de um local


geográfico para o outro dentro da lei

A intenção do legislador é não mais A intenção do legislador é manter o fato como


considerar o fato como crime crime

5) Combinação de leis penais (lex tertia)


Busca resolver a situação de conflito entre duas leis penais sucessivas no tempo, cada
26
uma contendo partes favoráveis e desfavoráveis ao réu.
1ª corrente (STF): NÃO se admite a combinação de leis, pois o juiz, assim agindo, eleva-se
a legislador, criando uma terceira lei (Nelson Hungria). Para Nelson Hungria, a defesa deve ser
consultada acerca de qual norma aplicar.
2ª corrente: Admite-se. Se o juiz pode aplicar o “todo” de uma lei ou de outra para favorecer
o agente, é possível também escolher apenas parte de uma lei e parte de outra, para o mesmo fim
(doutrina moderna).

IMPORTANTE! Ainda prevalece no âmbito do STF o entendimento acerca da impossibilidade


de combinar leis (HC 103.833/SP) . Entretanto, no julgamento do RE 596.152/SP, a Corte Suprema
julgou um fato sob a égide da antiga Lei de Drogas (Lei nº 6.368/76) mas aplicou minorantes previstas
apenas na novel legislação (Lei nº 11.343/2006). Cleber Masson explica a mudança de posição do
STF da seguinte forma:
O Supremo Tribunal Federal abandonou, destarte, a teoria da ponderação unitária ou global
(a lei na sua totalidade, na globalidade das suas disposições, deve ser aplicada), e filiou-se à teoria
da ponderação diferenciada, pela qual, considerada a complexidade de cada uma das leis em
conflito no tempo e a relativa autonomia de cada uma das disposições, é preciso proceder-se ao

26
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

confronto de cada uma das disposições de cada lei, podendo, portanto, acabar por se aplicar ao caso
sub judice disposições de ambas as leis11.

LEI PENAL TEMPORÁRIA E LEI PENAL EXCEPCIONAL


De acordo com o art. 3º do CP, a lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período
de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado du-
rante sua vigência.
- Lei temporária ou temporária em sentido estrito: É aquela que tem prefixado no seu texto
o tempo de sua vigência. Há previsão da data exata no seu texto. A lei temporária é ultrativa,
aplicando-se aos fatos ocorridos na época de sua vigência, mesmo sendo punidos após o término
de sua vigência.
- Lei excepcional ou temporária em sentido amplo: É a que atende a transitórias necessidades
estatais, tais como guerras, calamidades, epidemias, etc. Perdura por todo o tempo excepcional. Também
é ultrativa, pois se assim não fosse, se sancionaria o absurdo de reduzir as disposições da lei a uma espécie
de ineficácia preventiva em relação aos fatos por elas validamente vetados. 27
Características:
1- AUTORREVOGABILIDADE (leis intermitentes): Consideram-se revogadas assim que
encerrado o prazo fixado (no caso de lei temporária) ou cessada a situação de anormalidade
(lei excepcional).
2- ULTRA-ATIVIDADE: Os fatos praticados durante a sua vigência continuam sendo punidos
ainda que decorridos os prazos das leis temporária e excepcional.
Trata-se de hipótese excepcional de ultratividade maléfica. A doutrina observa que, por serem
de curta duração, se não fosse ultrativas, essas leis não teriam força intimidativa.
As leis penais temporárias e excepcionais não se sujeitam aos efeitos da abolitio criminis,
salvo se lei a posterior for expressa neste sentido.
Sobre a constitucionalidade da ultratividade maléfica do art. 3º do CP, existem duas correntes:
1ª corrente: Percebendo que a CF não traz qualquer exceção à proibição da ultratividade
maléfica, Zaffaroni e Greco lecionam que o art. 3º não foi recepcionado. Entendem que a
extratividade deve ser sempre em benefício do réu.

11
MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado – Parte geral. 2ª ed. São Paulo: MÉTODO, 2009, p. 106-107.

27
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

2ª corrente (majoritária): A lei nova não revoga a anterior, não há uma verdadeira sucessão
de leis penais, porque não trata exatamente da mesma matéria. É a lei anterior que deixa de ter vi-
gência, em razão de sua excepcionalidade. O art. 3º foi recepcionado.

RETROATIVIDADE DA LEI PENAL NO CASO DE NORMA PENAL EM BRANCO


Aqui, o problema a ser enfrentado reside na mudança do ato normativo que detém o
complemento reclamado por uma norma penal em branco.
1ª corrente: O complemento da norma penal em branco deve sempre retroagir, desde que
mais benéfico para o acusado, seguindo mandamento constitucional (Paulo José da Costa Júnior).
BENÉFICA RETROAGE SEMPRE!
2ª corrente: A alteração da norma complementadora terá efeitos irretroativos, sempre, MESMO
QUE BENÉFICA. Fundamento: diz que a norma principal não é revogada com a simples alteração do
complemento. (Frederico Marques). NÃO RETROAGE NUNCA, SEJA BENÉFICA OU NÃO!

3ª corrente: Só tem importância a variação da norma complementar na aplicação retroativa


da lei penal em branco quando esta provoca uma real modificação da figura abstrata do direito penal,
28
e não quando importe a mera modificação de circunstâncias periféricas da norma. Ou seja, só
retroage se a mudança atingir o núcleo do crime, e não apenas mudanças periféricas (Mirabete);
ALTERA O NÚCLEO, RETROAGE!

4ª corrente (STF tem decisão de acordo com esta corrente): A alteração de um complemento
de uma norma penal em branco homogênea (complemento é uma lei) SEMPRE TERÁ EFEITOS
RETROATIVOS, se mais benéficos. Quando se tratar de norma penal em branco heterogênea
(norma complementar não é lei), SE BENÉFICA E A NORMA NÃO SE REVESTE DE CARATER DE
EXCEPCIONALIDADE.

Duas soluções devem ser aplicadas nas normas penais em branco heterogêneas: 1)
Tratando-se de legislação complementar que não se reveste de excepcionalidade, como é o caso
das portarias sanitárias, a legislação complementar mais benéfica será retroativa; NÃO É
EXCEPCIONAL – RETROAGE!; 2) Revestindo-se do caráter de excepcionalidade, serão ultrativas
(Alberto Silva Afrânio). É EXCEPCIONAL, NÃO RETROAGE.

SUCESSÃO DE JURISPRUDÊNCIAS

Se a jurisprudência se modificar no sentido de prejudicar o réu, não retroage. Caso prejudique


no sentido de tornar crime uma conduta até então entendida como inofensiva, cabe revisão criminal com

28
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

fundamento na exclusão da culpabilidade por erro de proibição. Para Paulo Queiroz deve ser proibida a
retroatividade maléfica da jurisprudência e aplicada a retroatividade benéfica.

Caso a jurisprudência modifique-se no sentido de beneficiar o réu, deverá retroagir. Note-se que
essa jurisprudência deve ser pacífica. STJ: Não cabe revisão criminal com amparo em questão
jurisprudencial controvertida. Ex. Hoje o STF diz que o crime de emprego de arma não demanda a
apreensão da arma nem a sua perícia. Mas já está começando a haver posições contrárias. Caso esta
última se tornasse majoritária, caberia revisão criminal? Segundo o STJ, não cabe revisão criminal
para requerer a diminuição da pena com base em sucessão de jurisprudência.
OBS.: Cada vez mais prevalece na doutrina o entendimento de ser possível a retroatividade
benéfica de jurisprudência vinculante (súmula vinculante e decisões nas ações de controle abstrato
de constitucionalidade).

7. EFICÁCIA DA LEI PENAL NO ESPAÇO

Sabendo que um fato punível pode, eventualmente, atingir os interesses de dois ou mais 29
países igualmente soberanos, o estudo da lei penal no espaço visa a descobrir qual é o âmbito
territorial da lei penal brasileira bem como, de que forma o Brasil se relaciona com os outros países
em matéria penal (conflito internacional de jurisdição). Objetiva, em outras palavras, apurar as
fronteiras da lei penal nacional.

7.1 Princípios aplicados

O Brasil utiliza todos esses princípios, mas a regra geral é o princípio da territorialidade
relativa, já que a territorialidade é relativizada pelos tratados e convenções internacionais, ou seja, é
temperada em razão da intraterritorialidade (art. 5º CP).
Princípio da Territorialidade: Aplica-se a lei do lugar do crime. Não importa a nacionalidade
dos envolvidos ou do bem jurídico tutelado. Pode ser absoluta (não há exceção nenhuma) ou relativa
(há exceções). No Brasil, a territorialidade é relativa, pois comporta exceções (territorialidade
temperada). Em geral, considera-se território o espaço geográfico onde um Estado exerce sua
soberania (espaço físico + espaço jurídico). De acordo com o art. 5º, §1º do CP, para os efeitos
penais, consideram-se como extensão do território nacional (território por equiparação, extensão ou
ficção) as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo
brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras,

29
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo


correspondente ou em alto-mar. Também se aplica a legislação brasileira aos crimes praticados a
bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em
pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar
territorial do Brasil (art. 5º, §2º, do CP).
Embaixada não é extensão do território que representa (tem garantia da inviolabilidade,
mas não significa dizer que é extensão do território do país de origem).
Brasileira que fizer aborto em alto mar, dentro de navio holandês, e voltar ao Brasil, não pode
ser julgada aqui, pois, neste caso, se aplica a lei do navio, e na Holanda aborto não é crime.
Situação 1: Embarcação brasileira privada naufraga. Sobre os destroços dessa embarcação,
holandês mata americano. Tudo isso aconteceu em alto mar. >> Os destroços continuam com a
bandeira. Aplica-se a lei da bandeira, no caso a brasileira.
Situação 2: Embarcação brasileira privada colide com embarcação holandesa privada. É feita
uma jangada com partes brasileira e com partes holandesas. Americano mata argentino sobre a
jangada. Tudo isso aconteceu em alto mar. >> Aplica-se a lei da nacionalidade ativa (que o agente 30
conhece, para não o pegar de surpresa).
Situação 3: Embarcação pública colombiana atacada em porto brasileiro. Crimes dentro da
embarcação: lei da Colômbia. Marinheiro colombiano comete crime no território nacional. Se a
embarcação era a serviço público – aplica-se a lei da colombiana; se privada, aplica-se a lei brasileira.

Princípio da Nacionalidade Ativa: Aplica-se a lei da nacionalidade do agente,


independentemente do local do crime e da nacionalidade da vítima.
Princípio da Nacionalidade Passiva: A doutrina diverge - 1ª Corrente) Aplica-se a lei da
nacionalidade da vítima; não importa a nacionalidade do agente, do bem jurídico ou o local do crime
(Bittencourt). HOJE PREVALECE!! ; 2ª Corrente) Aplica-se a lei da nacionalidade do agente
somente quando ofender um concidadão, não importa o bem jurídico ou o local do crime (Fernando
Capez).
Princípio da defesa, real ou da proteção: Aplica-se a lei da nacionalidade do bem jurídico
lesado, não importa o local do crime ou a nacionalidade dos envolvidos. Vide art. 7º, inciso I, alíneas
“a”, “b” e “c” do CP.
Princípio da justiça universal ou cosmopolita: O agente fica sujeito à lei do país onde foi
capturado. Ex. genocídio, tráfico internacional de drogas. Não importa o local do crime, a
nacionalidade dos envolvidos ou do bem jurídico tutelado. O que importa é o país onde foi

30
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

encontrado. É um princípio típico da cooperação penal internacional, em que os Estados acordam


em reprimir fatos que atentam contra uma consciência comum e cuja punição interessa a todos os
povos.
Princípio da representação ou da subsidiariedade: A lei penal nacional aplica-se aos
crimes praticados em aeronaves e embarcações privadas brasileira, quando no estrangeiro, e aí não
sejam julgados (tem sempre que estar presente a INÉRCIA DO PAÍS ESTRANGEIRO). Também
chamado de princípio do pavilhão, da bandeira ou da substituição.

DIREITO DE PASSAGEM INOCENTE: Aplica-se a lei brasileira ao crime cometido a bordo


de embarcação privada estrangeira de passagem pelo mar territorial brasileiro?
Ex.: Navio sai de Portugal com destino ao Uruguai, quando está passando pelo mar territorial
brasileiro, um holandês mata um chinês.
Pela leitura do art. 5º, § 2º do CP, aplica-se a LEI BRASILEIRA.
No entanto, lei posterior (Lei nº 8.617/93) prevê a passagem inocente. Então, com base nesse
princípio, aplica-se a lei do país da embarcação. 31
Ressalte-se, porém, que, para que seja reconhecida a passagem inocente, o navio privado
deve utilizar o mar territorial brasileiro somente como caminho necessário para seu destino (outro
país, sem pretensão de atracar em nosso território).

O princípio da passagem inocente aplica-se a aeronaves?


LFG – Apesar de não ter previsão legal expressa, a doutrina entende abranger as aeronaves,
pois não há motivo justo para restringir.

7.2 Teorias do lugar do crime

Teoria da atividade: O crime considera-se praticado no lugar da conduta.


Teoria do resultado: O crime considera-se praticado no lugar do resultado. Adotado pelo
art. 70 do CPP apenas para efeito de fixação da competência;
Teoria mista ou da ubiquidade: O crime considera-se praticado no lugar da conduta ou do
resultado, ou, ainda, onde o resultado deveria ocorrer. Adotada para os crimes à distância ou de
espaço máximo. BRASIL ADOTOU ESSA TEORIA => Art. 6º - “Considera-se praticado o crime no

31
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou
deveria produzir-se o resultado.”
Se em território brasileiro ocorre somente planejamento ou preparação do crime, o fato não
interessa ao direito brasileiro, salvo quando a preparação, por si só, caracterizar crime (ex:
associação para o tráfico). Há interesse brasileiro quando se inicia a execução do crime no Brasil,
mesmo que o resultado aconteça em outro país.
Crimes à distância ou de espaço máximo: Fato punível percorre diferentes territórios de
países soberanos, gerando um conflito internacional de jurisdição (resolvido pelo art. 6º, aplicando a
lei brasileira). O mesmo se aplica ao crime de trânsito, que é aquele em que percorre território de
mais dois países soberanos (começou na Argentina, passou a executar no Brasil e teve resultado no
Uruguai); nesse caso, também se aplica o art. 6º, resultando na aplicação da lei brasileira.
Não se confundem com os crimes plurilocais. Nestes, o crime ocorre em diversos territórios
dentro do mesmo país. Gera conflito interno de competência (neste caso, aplica-se a teoria do
resultado – art. 70 do CPP).
32
7.3 Extraterritorialidade (CP, art. 7º)

7.3.1 Extraterritorialidade incondicionada (CP, art. 7º, I)

Crime contra a vida ou a liberdade do Presidente da República: Não pode ser contra outro
bem jurídico, como o patrimônio. Trata-se do princípio da defesa real (nacionalidade do bem
jurídico brasileiro).
Crime contra patrimônio ou fé pública da União, Estado, DF, Município, autarquia, empresa
pública e sociedade de economia mista: Princípio da defesa real (nacionalidade do bem jurídico
brasileiro)
Crime contra a administração pública por quem está a seu serviço: Princípio da defesa
real (nacionalidade do bem jurídico brasileiro)
Crime de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil, mesmo ocorrido
fora do Brasil: Princípio da justiça universal. 1ª corrente: nacionalidade ativa; 2ª corrente: defesa
ou real; 3ª corrente (majoritária): justiça universal ou cosmopolita PREVALECE!!!

Nessas hipóteses, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou
condenado no estrangeiro.

32
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

Princípio da vedação do bis in idem e extraterritorialidade incondicionada: Há


confrontação entre o princípio da vedação do bis in idem, em sua feição processual (ninguém pode
ser processado duas vezes em razão do mesmo crime) e material (ninguém pode ser condenado
pela segunda vez em razão do mesmo crime) e execucional (ninguém pode ser executado duas
vezes por condenações relacionadas ao mesmo fato), e a extraterritorialidade incondicionada. O art.
8º não impede o bis in idem, apenas atenua o bis in idem execucional, já que apenas a pena é
atenuada, mas o agente é processado e condenado duas vezes. Doutrina é unânime em afirmar
que a extraterritorialidade incondicionada é caso de bis in idem.
Percebe-se que o art. 8º revela clara exceção ao princípio do no bis in idem, admitindo dois
processos, dois julgamentos e duas condenações; todavia, com o fim de atenuar a dupla punição
pelo mesmo fato, o art. 8º autoriza a compensação de penas.

7.3.2 Extraterritorialidade condicionada (CP, art. 7º, II)


33
Crimes que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir: justiça universal;
Crimes praticados por brasileiros: nacionalidade ativa;
Crimes praticados em aeronave ou embarcação brasileira, mercantes ou de propriedade
privada, e no local do crime o agente não foi julgado: princípio da representação ou
subsidiariedade.

7.3.2.1 Condições

Ter o agente entrado no território nacional: Esse território pode ser o físico ou o jurídico.
Basta entrar, não significa que o agente deva permanecer.
Ser o fato punível também no país em que foi praticado (dupla tipicidade).
Estar o crime incluído nos casos em que lei brasileira tem que autorizar extradição: Os
crimes que o Brasil autoriza a extradição são os todos os crimes com pena de reclusão maior que
dois anos, conforme a Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017).
Não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena.
Não ter sido perdoado ou não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

33
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

Hipóteses de extraterritorialidade condicionada (art. 7º, § 2º): todas as condições devem estar
presentes, caso contrário, a lei brasileira não será aplicável.

Competência: Em regra, da justiça estadual (salvo se concorrer alguma hipótese de


competência da justiça federal na CF); juízo da capital do estado onde residiu por último. Se nunca
tiver residido, Brasília (CPP, art. 89).

7.3.3 Extraterritorialidade hipercondicionada (CP, art. 7º, §3º)

Quando o crime é cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil: 1ª corrente-
nacionalidade passiva (LFG e FMB); 2ª corrente (maioria)- princípio da defesa ou real.

7.3.3.1 Condições

• Todas as condições previstas para extraterritorialidade condicionada.

• Não ter sido requerida ou ter sido negada a extradição do estrangeiro. 34


• Requisição do ministro da justiça.

VALIDADE DA LEI PENAL EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS: IMUNIDADES

A lei penal se aplica a todos, nacionais ou estrangeiros, por igual, não existindo privilégios
pessoais. Há, no entanto, pessoas que, em virtude de suas funções ou em razão de regras
internacionais, desfrutam de imunidades. Longe de ser um privilégio ou garantia pessoal, trata-se de
necessária prerrogativa funcional. O Brasil abomina os privilégios e trabalha com as prerrogativas.
As prerrogativas servem para proteger o cargo e não o seu titular.

Privilégio Prerrogativa

Exceção da lei comum, deduzida da situação Conjunto de precauções que rodeiam a função
de superioridade das pessoas que a e servem para o seu exercício
desfrutam. Quem tem privilégio não se
submete à lei

34
Direito Penal - Introdução, fontes e aplicação da lei penal

É subjetivo e anterior à lei Objetivo e deriva da lei

Tem essência pessoal Qualidade do órgão

Poder frente à lei Conduto para que a lei se cumpra

Próprio das aristocracias das ordens sociais Aristocracias das instituições governamentais

A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, incorporado ao ordenamento jurídico


brasileiro pelo Decreto nº 56.435/1965, assegura imunidade de jurisdição penal ao diplomata,
sujeitando-o às leis do país que representa, seja qual for a espécie do delito. O mesmo vale para os
agentes diplomáticos e funcionários das organizações internacionais quando em serviço,
estendendo-se a seus familiares. Essas pessoas não podem ser presas sem autorização de seus
países.
35
As mesmas imunidades aplicam-se aos chefes de governos estrangeiros e aos ministros das
Relações Exteriores.
A imunidade é irrenunciável por seu destinatário, mas o Estado acreditante pode renunciar a
ela.
Os cônsules têm imunidade penal limitada aos atos de ofício, podendo ser processados por
outros crimes.

Encontrou algum equívoco ou desatualização neste material? Por favor, informe-nos enviando um
e-mail para materiais@themas.com.br . Sua contribuição é muito importante para nós!

35

Você também pode gostar