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PARTE 1 – QUESTÕES FUNDAMENTAIS

TÍTULO 1 – O DIREITO PENAL E A SUA CIÊNCIA NO SISTEMA JURÍDICO


ESTATAL

1º Capítulo - Direito Penal Em Sentido Formal


I. O conceito de Direito Penal

1. Definição e designação

Direito penal é o conjunto de normas jurídicas que ligam certos comportamentos


humanos, os crimes, a consequências jurídicas privativas especificas.

Por um lado, a pena só pode ser aplicada a um agente que tenha atuado com
culpa. As medidas de segurança, por outro lado não supõem culpa do agente, mas
sim perigosidade.

2. Direito Penal e ius puniendi


Direito penal em sentido subjetivo (ius puniendi) define-se como poder punitivo do
Estado, que resulta da sua competência soberana para considerar como crimes
certos comportamentos humanos e ligar-lhes sanções especificas. Assim, direito
penal objetivo (ius poenale) corresponde à expressão do poder punitivo do Estado.

II. O âmbito do Direito Penal

1. Direito penal substantivo, Direito penal executivo e Direito processual penal

Quando se fala em direito penal em sentido amplo, inclui-se, além do direito penal
substantivo, o direito processual penal, adjetivo ou formal e o direito de execução
de penas e medidas de segurança ou direito penal executivo.

O direito penal substantivo visa a definição dos pressupostos do crime e das suas
formas concretas de aparecimento, da determinação das suas consequências em
função da verificação desses pressupostos (penas e medidas de segurança) e da
conexão entre esses pressupostos e essas consequências.

Ao direito processual penal cabe a regulamentação jurídica dos modos de


realização prática do poder punitivo do Estado, através da investigação e valoração
judicial do crime indiciado ou acusado.

Ao direito penal executivo cabe a regulamentação jurídica da execução da pena


e/ou medida de segurança decretadas na condenação proferida no processo penal.

2. A parte geral do direito penal e as suas consequências

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O direito penal em sentido estrito, compõem-se:
 De uma parte geral, onde se definem os pressupostos da aplicação da lei penal, os
elementos constitutivos do conceito de crime e as consequências gerais que
derivam da realização de um crime (penas e medidas de segurança) e,

 De uma parte especial, onde se estabelecem os crimes singulares (homicídio, furto,


sabotagem…) e as consequências jurídicas que concretamente se ligam a cada um
deles.

Nota: A parte geral divide-se em dois tratamentos fundamentais. O primeiro


corresponde aos arts.1º a 39º e abrange os fundamentos gerais de todo o direito
penal (lugar do direito penal no sistema jurídico; função do direito penal no
sistema social e seus limites; as fontes; âmbito da vigência temporal e espacial),
conceito de facto (punível) ou doutrina geral do crime. O segundo corresponde aos
arts. 40º a 130º e abrange as consequências jurídicas do crime.

2º Capítulo – A Localização Do Direito Penal No Sistema Jurídico


I. Direito Penal Intraestadual e Direito Internacional Penal

O direito penal é ainda hoje essencialmente um direito intraestadual, que encontra a sua
fonte formal e orgânica na produção legislativa estadual e é aplicado por órgãos nacionais.
No entanto tem crescido a relevância do direito internacional em matéria penal através de:

 Normas de direito internacional (Declaração Universal dos direitos do Homem,


Convenção Europeia dos Direitos do Homem…)
 Instrumentos de direito internacional em matéria penal (Convenção para a Prevenção
e para a Sansão do Delito de Genocídio, Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou
Tratamentos Cruéis…)
 Princípios de direito internacional geral ou comum que podem servir como lei penal
incriminadora (art.29nº2 CRP)
 Art. 8º CRP

II. O Direito Penal como parte do Direito Público

O direito penal constitui uma parte integrante do direito público que está estritamente
relacionado com o direito constitucional porque os elementos sancionatórios específicos
do direito penal (penas e medidas de segurança) representam negações ou limitações a
direitos fundamentais.

III. O Direito Penal perante os outros ramos do Direito. Autonomia e dependência do


Direito Penal

O direito penal depende do direito constitucional.

A teoria das normas de Binding/Bierling/Beling distingue:

 Normas primárias (de direito civil, administrativo…) – contêm imposições ou proibições

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 Normas secundarias (de direito penal) – visam conferir proteção e efetividade às
normas primárias, assegurando o seu cumprimento através de sansoes de espécie
particular.

Capítulo 3º - A Ciência Conjunta Do Direito Penal


I. Da enciclopédia das ciências criminais à ciência conjunta do Direito Penal

Existe uma vasta gama de disciplinas autónomas relacionadas com o crime,


nomeadamente a sociologia criminal, a antropologia criminal, a psicologia criminal, a
psiquiatria criminal, a caracterologia criminal e a genética criminal. A esta gama de
disciplinas científicas, que têm o crime como objeto dá-se o nome de “enciclopédia das
ciências criminais”. Apesar da dogmática jurídico-penal/ciência estrita do direito penal não
ser uma ciência interdisciplinar, os conhecimentos provenientes da “enciclopédia das
ciências criminais” não podem deixar de ser tidas em conta para a compreensão da tarefa
de aplicação do direito penal, pelo que deve ser uma ciência auxiliar da ciência estrita do
direito penal.

Von Liszt criou um modelo tripartido ao que chamou “ciência conjunta (total ou global) do
direito penal”. Esta compreendia como ciências autónomas:

 A ciência estrita do direito penal (ou a dogmática jurídico-penal) – análise rigorosa e


sistemática das normas legais, princípios e conceitos que regem o direito penal
 Criminologia – ciência das causas do crime e da criminalidade
 Política criminal – conjunto sistemático dos princípios fundados na investigação
cientifica das causas do crime e dos efeitos da pena, segundo os quais o Estado deve
levar a cabo a luta contra o crime por meio da pena e das instituições com esta
relacionadas

NOTA: Cada uma destas ciências autónomas são relevantes para a tarefa de aplicação do
direito penal e para a tarefa sociopolítica de controlo do crime.

NOTA 2: teoria fortemente criticada por Karl Binding, que a acusa de abandonar o solo
firme da lei, do seu tratamento dogmático-sistemático, do seu conhecimento e da sua
aplicação precisos para ceder a “impulsos diletantes”.

II. A evolução do estatuto das ciências criminais

Desde a criação do modelo de Liszt, que há discórdia acerca do estatuto que dentro deste
modelo deveria caber a cada uma das 3 ciências, a sua hierarquia e modo como se
relacionam entre si.

1. No contexto do Estado de Direito formal (liberal-individualista) e do positivismo


jurídico

Para Liszt, quem deveria ocupar o primeiro lugar na hierarquia das ciências criminais era a
dogmática jurídico-penal. Esta constitui a barreira intransponível da política criminal.

Em um Estado de Direito, o princípio da legalidade constitui a fronteira inultrapassável da


punibilidade, sendo também a fronteira de todo o fenómeno criminal. Assim, tanto a
política criminal como a criminologia continuam a não ser mais do que uma simples ciência
auxiliar do direito penal.

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NOTA: A política criminal, baseando-se nos conhecimentos da análise da realidade criminal,
naturalística e empírica (criminologia), tem a função de dirigir ao legislador recomendações
e propor-lhe diretivas em questões penais.

III. O estatuto das ciências criminais no quadro do Estado de Direito contemporâneo


e de um sistema jurídico-penal teleológico-funcional e racional

A evolução do estatuto da política criminal perante a dogmática jurídico-penal e a


criminologia aconteceu, substituindo O Estado de Direito Formal, de natureza liberal e
individualista por um Estado de Direito Material, que se mantem ligado a um esquema
rígido de legalidade e que se preocupa com a consistência dos DLGs.

1. Dogmática jurídico-penal e política criminal


a. A transformação da função da dogmática jurídico-penal

No contexto deste Estado de Direito material, a função e a tarefa da dogmática


jurídico-penal transforma-se. O jurista deixa de ser um simples fazedor de
silogismos, que se limita a deduzir do texto da lei as soluções concretas para
problemas jurídicos, para ter a responsabilidade de procurar e encontrar a solução
mais justa para a solução desses problemas.

O sistema jurídico-penal é então um sistema aberto, um sistema que a cada dia se


vai refazendo porque em cada dia a dogmática vai sendo confrontada com novos
problemas, ou com problemas velhos mas que há luz de uma nova ou mais perfeita
compreensão da teleologia, da funcionalidade e da racionalidade do sistema,
reclamam novas soluções.

Assim, na dogmática jurídico-penal é da problematicidade de cada caso que se tem


que partir para determinar a totalidade normativa, sistematicamente enquadrada
ou enquadrável. Já Savigny defendia que era tarefa da dogmática jurídica
estabelecer os princípios que subjazem a um direito positivo e explicitá-los
sistematicamente, por outro lado, também defendia que cada caso deve ser
tomado como se fosse o ponto de partida de toda a ciência, a qual deveria ser
forjada a partir dele.

b. A posição de domínio e transcendência da política criminal

Ideia de que a política criminal deve ser exercida de forma apropriada e eficaz, mas
também deve transcender uma abordagem puramente reativa e punitiva.

c. Conclusão

Assinalar à política criminal competência para definir os limites últimos da


punibilidade não significa depreciar a dogmática. A extensão, o sentido e a
aplicação do direito penal ficam, em última análise dependentes da teleologia, das
valorações e das proposições politico-criminais inerentes ao sistema. Existe uma
unidade cooperativa/unidade funcional entre a política criminal e a dogmática
jurídico-penal.

A política criminal e a dogmática jurídico-penal são interdependentes e devem


colaborar para criar um sistema de justiça penal que seja tanto eficaz na prevenção
e repressão do crime quanto respeitoso dos direitos individuais. A dogmática

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jurídico-penal traduz em regras legais a política criminal formulada pelo Estado, e a
política criminal, por sua vez, é moldada pela aplicação prática da dogmática
jurídico-penal. Ambas as disciplinas desempenham um papel crucial no
desenvolvimento e na operação do direito penal em uma sociedade.

2. Dogmática jurídico-penal e criminologia

Somente uma politica criminal pode desempenhar a função de intermediária entre a


criminologia e a dogmática jurídico-penal, tal como estas devem ser compreendidas.

A criminologia é uma ciência compreensiva do fenómeno criminal na sua integralidade,


que assenta em supostos básicos jurídico-políticos e em uma política criminal. O seu objeto
não é apenas o fenómeno social, mas sim ao fenómeno jurídico-criminal, não se limitando
à investigação das causas do facto do criminoso e da pessoa delinquente, mas também
abrangendo a totalidade do sistema de aplicação da justiça penal, ou seja, alem de
abranger as instancias de controlo de delinquência formais como a policia, o MP, o juiz… e
informais como a família, a escola…, abrange o inteiro “processo de produção” da
delinquência.

FD considera a criminologia como uma fonte valiosa de dados empíricos e teóricos que
podem informar a formulação de leis penais, a aplicação da justiça e a promoção de
reformas no sistema penal.

IV. Síntese Conclusiva

Hoje é à politica criminal que pertence a competência para definir, quer no plano do direito
constituído, quer no plano do direito constituendo, os limites da punibilidade.

A dogmática jurídico-penal não pode evoluir sem atenção ao trabalho prévio de índole
criminológica, mas também não pode evoluir sem uma mediação politico-criminal que
ajude a perceber as finalidades e os efeitos que se apontam à aplicação do direito penal.

A politica criminal, a dogmática jurídico-penal e a criminologia apesar de serem 3 âmbitos


autónomos, estão assim ligadas no processo de realização do direito penal.

TÍTULO 2 – A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL


4º CAPÍTULO – FINALIDADES E LEGITIMAÇÃO DA PENA CRIMINAL
I. O problema dos “fins” da pena criminal

Esta questão está intimamente relacionada com a legitimação, com a fundamentação e


com a função da intervenção penal estatal. A questão dos fins das penas constitui a
questão do destino do direito penal e do seu paradigma.

As respostas ao problema dos fins da pena reconduzem-se a duas teorias fundamentais:

 Teorias absolutas – ligadas essencialmente a doutrinas de retribuição ou de


expiação
 Teorias relativas
o Doutrinas de prevenção geral
o Doutrinas de prevenção especial ou individual

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NOTA: Toda a querela em volta dos fins das penas é reconduzido a uma destas teorias
ou a uma variante onde se tenta fazer uma combinação das duas teorias

II. Teorias absolutas: A pena como instrumento de retribuição

Para o grupo de teorias absolutas, a essência da pena criminal reside na retribuição,


expiação, reparação ou compensação do mal do crime, e apenas nisto. Apesar de a pena
poder ter como efeitos reflexos ou laterais socialmente relevantes, como a intimidação da
generalidade das pessoas, da neutralização dos delinquentes e de ressocialização, isto é
apenas secundário, não correspondendo à essência destas teorias. A medida concreta da
pena com que um agente deverá ser punido por ter cometido um determinado facto, tem
que ser encontrada mediante a correspondência entre uma pena a um facto e não
mediante outros pontos de vista, ainda que sejam socialmente valiosos e desejáveis.

A discussão acerca do fundamento das teorias absolutas da retribuição centrou-se durante


muito tempo na forma como deveria ser determinada a “compensação” ou a igualação a
operar entre o “mal do crime” e o “mal da pena”. A pretendida igualação não podia ser
fática, mas tinha forçosamente de ser normativa. A “compensação” de que a retribuição se
nutre só pode ser em função da ilicitude do facto e da culpa do agente. Isto implica que
cada pessoa seja tratada segundo a sua culpa, o que conduz para o princípio da culpa como
máxima de todo o direito penal humano, democrático e civilizado, segundo o qual não
pode haver pena sem culpa e a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a
medida da culpa.

NOTA: Toda a pena supõe culpa, mas nem toda a culpa supõe pena. A culpa é pressuposta
e limite, mas não fundamento da pena.

Críticas:

 A doutrina da retribuição não é uma teoria dos fins da pena, visa justamente o
contrário, a consideração da pena como entidade independente de fins.
 Inadequação à legitimação, à fundamentação e ao sentido da intervenção penal. O
estado democrático, pluralista e laico não pode arvorar-se em entidade
sancionadora de pecado e do vicio, tem de se limitar a proteger bens jurídicos e
por isso não pode se servir de uma pena conscientemente dissociada de fins.
 A pena retributiva é uma doutrina puramente social-negativa, que acaba por se
revelar inimiga de qualquer tentativa de socialização do delinquente e de
restauração da paz jurídica da comunidade afetada pelo crime, ou seja, inimiga de
qualquer atuação preventiva , de pretensão de controlo e de domínio do
fenómeno da criminalidade.

III. Teorias relativas: a pena como instrumento de preservação

1. Consideração geral

Ao contrário das teorias absolutas, as teorias relativas são, com plena propriedade, teorias
de fins e reconhecem que, segundo a sua essência, a pena se traduz num mal para quem a
sofre, mas que não pode bastar-se com essa característica destituída de sentido social-
positivo, pelo que tem que usar esse mal para alcançar a finalidade principal de toda a
politica criminal, que é a prevenção ou profilaxia criminal.

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A critica geral: a aplicação de penas a seres humanos com fins utilitários ou pragmáticos
que pretendem alcançar um contexto social, transformaria a pessoa humana num objeto.
Dela se serviriam para a realização de finalidades heterónomas e por isso violariam a sua
eminente dignidade. Por outras palavras, o seu carater relativo se ergueria como uma
violação absoluta de dignidade pessoal. – Crítica sem fundamento (para o funcionamento
da sociedade, cada pessoa, embora na medida do indispensável, tem de prescindir de
direitos que lhe assistem e lhe são conferidos em nome da sua dignidade. A questão que só
pode colocar de que forma a pena na sua aplicação pode tocar na dignidade, o problema
não tem a ver com o fim da pena mas com os seus limites).

2. A pena como instrumento de prevenção geral

Nas teorias preventivas há que distinguir:

 Doutrinas de prevenção geral


 Doutrinas de prevenção especial ou individual

Doutrinas de prevenção geral – a pena é um instrumento politico-criminal destinado a


atuar (psiquicamente) sobre a generalidade dos membros de uma comunidade, afastando-
os da pratica de crimes através da ameaça penal estatuída pela lei, da realidade da sua
aplicação e da efetividade da sua execução. Esta atuação assume uma dupla perspetiva:

 Prevenção geral negativa ou intimidação – A pena pode ser concebida como uma
forma de intimidação das outras pessoas através do sofrimento que com ela se
inflige ao delinquente e cujo receio as conduzirá a não cometerem factos puníveis
 Prevenção geral positiva ou integração – A pena pode ser concebida como uma
forma de manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da
vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e no ordenamento jurídico-
penal

Críticas à doutrina de prevenção geral: (já referido) – caráter relativo se erguer como uma
violação absoluta de dignidade pessoal. – Crítica sem fundamento (para o funcionamento
da sociedade, cada pessoa, embora na medida do indispensável, tem de prescindir de
direitos que lhe assistem e lhe são conferidos em nome da sua dignidade. A questão que só
pode colocar de que forma a pena na sua aplicação pode tocar na dignidade, o problema
não tem a ver com o fim da pena, mas com os seus limites).

NOTA: se a prevenção geral se perspetivar numa vertente positiva (prevenção de


integração), o seu objetivo principal será a restauração da paz jurídica, critério que permite
que se encontre uma pena (não exata, mas uma moldura punitiva) que em princípio se
mostrará justa e adequada à culpa do delinquente. A medida concreta da pena embora
seja fruto de considerações de prevenção geral positiva, deve ter limites inultrapassáveis
ditados pela culpa, que se erguem justamente em nome da inviolável dignidade pessoal.

3. A pena como instrumento de prevenção especial ou individual

Para as doutrinas de prevenção especial ou individual, a pena é um instrumento de


atuação preventiva sobre a pessoa do delinquente com o fim de evitar que, no futuro, ele
cometa novos crimes. Têm assim, uma finalidade de prevenção da reincidência.

Mas de que forma deve a pena cumprir a finalidade de prevenção de reincidência?

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 Para uns, a “correção” dos delinquentes seria uma utopia, pelo que a prevenção
especial estaria ligada à intimidação individual. A pena visaria atemorizar o delinquente
até ao ponto em que ele não repetiria no futuro a prática de crimes – prevenção
especial negativa/neutralização
 Para outros, a prevenção especial visaria ter um efeito de pura defesa social através da
separação ou segregação do delinquente, procurando assim atingir a neutralização da
sua perigosidade – prevenção especial negativa/neutralização

NOTA: Além da finalidade da prevenção da reincidência, ainda existe quem pretende dar à
prevenção individual a finalidade de alcançar a reforma interior/moral do delinquente,
uma espécie de emenda do delinquente, que seria alcançado através da sua adesão íntima
aos valores que conformam a ordem jurídica. Há também quem pense que a finalidade da
prevenção especial é o tratamento das tendências individuais que conduzem ao crime, tal
como se de um doente se tratasse. Mas ambas estas terias terão que ser recusadas, quanto
à primeira, carece ao Estado legitimação para tal, quanto à segunda, também não cabe ao
Estado essa tarefa até porque isso se apresentaria como violação da autodeterminação da
pessoa do delinquente e desrespeito por princípios constitucionalmente protegidos, como
a preservação da dignidade pessoal.

 A prevenção da reincidência pode ainda ser cumprida, respeitando o modo de ser do


delinquente, as suas conceções sobre a vida e sobre o mundo, através da criação das
condições necessárias para que ele possa, no futuro, continuar a viver a sua vida sem
cometer crimes. A ideia de que a prevenção especial deve traduzir-se na prevenção da
reincidência através da reinserção social e da ressocialização do delinquente,
corresponde a doutrinas de prevenção social positiva/ socialização.
NOTA: o pensamento da prevenção pessoal positiva deparasse com dificuldades nos
casos em que uma socialização se mostre desnecessária, nos casos em que o agente
não se revele carente de socialização (ex: casos de crimes de “colarinho branco”).
Assim conclui-se que por um lado, a prevenção especial positiva não pode ser uma
solução integral do problema dos fins das penas, por outro lado nos casos em que não
se verifique, só há lugar à prevenção especial negativa, ou seja, à pura defesa social.

4. A “concertação agente-vítima” e a reparação dos danos

Uma outra finalidade da pena, que se opera entre o agente e a vítima é a reparação de
danos, não apenas patrimoniais mas também morais, causados pelo crime.

A reparação de danos já é condição de legitimidade de aplicação de certas penas de


substituição (art. 51nº1 CP), ou condição de dispensa de pena (art. 74º nº1 b) CP), e ainda
é admite ao lesado pedir a reparação de danos civis no próprio processo penal ( art. 71º ss
e 82º-A CPP)

No entanto, não é adequado instituir a reparação de danos como uma finalidade geral da
pena, até porque não pode valer para as sanções aplicáveis a certos tipos de crimes, nem
esgotar em tais casos o conteúdo sancionatório. Para além disso, como o objetivo com a
reparação dos danos é o restabelecimento da confiança e da paz jurídica, isto já constitui o
cerne da prevenção geral positiva e ainda é decisivo muitas vezes para a prevenção
especial positiva.

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IV. Teorias Mistas ou Unificadoras

Existem 2 grupos de teorias mistas ou unificadoras a serem consideradas:

1. Teorias em que reentra ainda a ideia de retribuição

Teorias que visam combinar a tese fundamental da retribuição com o pensamento


preventivo geral e especial:

 Pena retributiva no seio da qual procura dar-se realização a pontos de vista de


prevenção, geral ou especial
 Pena preventiva através da justa retribuição

Em ambas a pena é concessionada como a retribuição da culpa e subsidiariamente como


instrumento de intimidação da generalidade e, na medida do possível, de ressocialização
do agente. Esta conceção liga-se à teoria diacrónica dos fins da pena (no momento da
ameaça abstrata a pena é um instrumento de prevenção geral, no momento da aplicação
ganha a veste retributiva e na sua execução visaria predominantemente fins de prevenção
especial). Todo este grupo de conceções unificadoras é inaceitável. A retribuição ou
compensação da culpa não é, nem pode constituir uma finalidade da pena. Para alem
disso, quando se misturam doutrinas absolutas com relativas, fica-se sem se saber qual o
ponto de partida para se encontrar um fundamento teorético e a razão da legitimação da
intervenção penal.

2. Teorias de prevenção integral

O ponto de partida destas teorias é o de que a combinação ou unificação das finalidades da


pena só pode ocorrer a nível de prevenção, geral e especial, com exclusão de qualquer
ressonância retributiva, expiatória ou compensatória. Esta conceção unificadora também é
recusada porque conclui na recusa do pensamento da culpa e do seu principio como limite
do problema ou porque procura substitui-lo pela categoria de perigosidade.

A culpa é e não pode deixar de ser pressuposto da pena e limite inultrapassável da sua
medida. A medida da pena pode, porém ser fixada abaixo desse limite máximo, se tal se
tornar necessário à luz de exigências da prevenção especial e a tanto se não opuserem as
exigências mínimas da prevenção geral sob forma das necessidades irrenunciáveis de
tutela do ordenamento jurídico.

[EXIGÊNCIAS DE PREVENÇÃO GERAL | pena | EXIGÊNCIAS DE PREVENÇÃO ESPECIAL |


CULPA]

NOTA: A medida da culpa é dada não por um ponto exato da escala penal, mas através de
uma moldura da culpa. Dentro desta moldura deve estar a medida concreta da pena.

V. O problema dos fins das penas e a doutrina do estado, nomeadamente à luz da


sua evolução em Portugal

1. As finalidades e a justificação da pena na época das luzes e no CP de 1852 (pag.76)


2. As finalidades e a justificação da pena na época liberal e no CP de 1886 (pag.79)
3. As finalidades e a justificação da pena na época do estado corporativo (pag.83)

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4. A evolução posterior à institucionalização do Estado de Direito (pag.86)

VI. Finalidades e limites das penas criminais

1. A natureza exclusivamente preventiva das finalidades da pena

A finalidade das penas só pode ter natureza preventiva (seja ela prevenção geral ou
especial, positiva ou negativa). O direito penal e o seu exercício pelo Estado fundamentam-
se na necessidade estatal de subtrair à disponibilidade e autonomia de cada pessoa o
mínimo dos seus direitos, liberdades e garantias indispensável ao funcionamento da
sociedade à preservação dos seus bens jurídicos essenciais, permitindo a realização mais
livre quanto possível da personalidade de cada um enquanto individuo e enquanto
membro da comunidade. Assim, a pena criminal só pode perseguir a realização daquela
finalidade, a prevenção da prática de futuros crimes. Desta conceção básica resulta que se
não justifica, nem é conveniente, nem eficaz, assinalar à pena ou só finalidades de
prevenção geral ou só de prevenção especial. Umas e outras devem coexistir e combinar-se
da melhor forma e até ao limite possíveis, até porque ambas se encontram no propósito
comum de prevenir a prática de crimes futuros.

2. Ponto de partida: as exigências da prevenção geral positiva ou de integração

A finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada


pelo crime. Desta forma tem o fim de tutelar bens jurídicos num caso concreto.
Obviamente não num sentido retrospetivo, porque o crime já aconteceu, mas num sentido
prospetivo.

Assim, afirmar que o ponto de partida e finalidade primordial para a resolução de conflitos
entre as diferentes finalidades preventivas é a prevenção geral positiva ou integração,
traduz a convicção que existe uma medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das
expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar, medida esta que não pode
ser excedida (P. da necessidade) por considerações de qualquer tipo como exigências
acrescidas de prevenção especial. Claro que esta medida ótima não fornece um quantum
exato da pena ao juiz. Abaixo deste ponto há muitos que são ainda efetivos e consistentes,
mas existe um limiar mínimo de defesa dos bens jurídicos, em que abaixo dele já não é
comunitariamente suportável a fixação da pena sem se por em causa a tutela de bens
jurídicos. Desta forma a prevenção geral positiva fornece a moldura de prevenção, dentro
do qual a prevenção especial influência. Este é um pensamento variante, em que a culpa
não é o limite da pena. Aqui a prevenção geral negativa ou prevenção de intimidação pode
surgir como um efeito lateral da necessidade de tutela dos bens jurídicos.

3. Ponto de chegada: as exigências da prevenção especial, nomeadamente da


prevenção especial positiva ou de socialização

Dentro da moldura ou dos limites consentidos pela preservação geral positiva ou de


integração (entre o ponto ótimo e o comunitariamente suportável de medida de tutela dos
bens jurídicos), devem atuar em toda a medida possível os pontos de vista da prevenção
especial, sendo eles que vão determinar, em última instância, a medida da pena.

4. A culpa como pressuposto e limite da pena

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Não há pena sem culpa e a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida
da culpa. A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efetivamente numa
incondicional proibição de excesso. A culpa não é fundamento da pena, mas constitui o seu
pressuposto necessário e o seu limite inultrapassável. Limite este, inultrapassável por
quaisquer considerações ou exigências preventivas, sejam elas da prevenção geral positiva
ou integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de
socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa é a de
estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da
dignidade da pessoa e da garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos
quadros próprios de um Estado de direito democrático.

Nota: a legitimação da pena reside num duplo fundamento, o da prevenção e da culpa. Isto
porque, só é legítima quando é necessária de um ponto de vista preventivo e quando é
justa. Toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a
medida da culpa é uma pena justa.

5. Conclusão

A teoria penal aqui defendida pode resumir-se do modo seguinte:

1. Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial;


2. A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa;
3. Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de
prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo
de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências
mínimas de defesa do ordenamento jurídico;
4. Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é
encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou
de socialização, excecionalmente negativa, de intimidação ou de segurança
individuais
Limiar Mínimo de defesa dos bens jurídicos | Pena | Ponto Ótimo | Medida da Culpa
A medida da pena é encontrada
Prevenção geral dentro deste limite tendo em conta a
Prevenção Especial

5º Capítulo – Fundamento, Sentido E Finalidades Da Medida De


Segurança Criminal
I. As medidas de segurança criminais no sistema sancionatório

O sistema das sanções jurídico-criminais do direito penal português é um sistema dualista, pois
assenta em dois polos:

 o das penas – têm a culpa como pressuposto e como limite


 o das medidas de segurança – têm por base a perigosidade (individual) do delinquente

As medidas de segurança são indispensáveis e fazem-se sentir a um primeiro nível aos


inimputáveis. Inimputáveis são aqueles que são incapazes de culpa, são aqueles que
cometendo um facto ilícito-típico não podem ser sancionados com uma pena, no entanto, se o
facto praticado e a personalidade do agente revelarem a existência de uma grave perigosidade,

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o sistema sancionatório criminal não pode deixar de intervir, sob pena de ficarem por cumprir
tarefas essenciais de defesa social que a uma política criminal racional e eficaz sem dúvida
incumbem.

A um segundo nível, quando o facto ilícito-típico tenha sido praticado por um imputável (logo,
capaz de culpa), pode suceder que os princípios que presidem à culpa e por via desta, ao limite
máximo da medida da pena, se revelem insuficientes para ocorrer uma especial perigosidade
resultante das particulares circunstâncias do facto e(ou) da personalidade do agente. Por outro
lado, há casos que dada a especial perigosidade do agente é necessário complementar a pena
com medidas de segurança, o que leva a pergunta de que relativamente a agentes imputáveis,
o sistema jurídico-penal deve assumir natureza monista ou dualista?

II. Finalidades e Legitimação da Medida de segurança

1. O problema das finalidades


1.1. Finalidade prevalente: a prevenção especial em função de um facto ilícito-típico

As medidas de segurança visam a finalidade genérica de prevenção do perigo de


consentimento, no futuro, de factos ilícitos-típicos pelo agente. a finalidade prevalente é
assim uma finalidade de prevenção especial ou individual da repetição da prática de factos
ilícitos-típicos. Esta finalidade de prevenção especial ganha assim uma dupla função. Uma
de segurança e uma de socialização. Mas qual destas duas deverá assumir a primazia?

Sendo a proteção especifica dos interesses de segurança da vida comunitária que está em
jogo, é de supor que a segurança prevaleça perante a socialização, no entanto, o propósito
socializador deve, sempre que possível, prevalecer sobre a finalidade de segurança
(princípios da socialidade e da humanidade). Além disso, a segurança só pode constituir
finalidade autónoma da medida de segurança se e onde a socialização não se afigure
possível (ex: enquanto está internada não pode haver socialização)

O fundamento para a aplicação de uma medida de segurança não é exclusivamente a


perigosidade do agente, mas sim a perigosidade se e quando revelada através da prática
pelo agente de um facto ilícito-típico. Assim este facto acaba por assumir um valor
constitutivo na aplicação da medida de segurança e de a conformar, ao lado da
perigosidade. Em suma, tanto o facto ilícito-típico como a perigosidade constituem os dois
fundamentos autónomos da medida de segurança criminal.

NOTA: MJA julga que no caso de aplicação de medidas de segurança de internamento de


inimputáveis, não faz sentido a função constitutiva do facto ilícito.

1.2. Finalidade secundária: prevenção geral

O papel que a finalidade de prevenção geral não possui qualquer autonomia no âmbito da
medida de segurança, até porque as exigências de prevenção geral negativa não se fazem
sentir, uma vez que a comunidade compreende bem que a reação contra a perigosidade
individual é ali fruto exclusivo das condições endógenas anómalas, que por sinal, não põem
em causa as expectativas comunitárias na validade da norma violada nem os intimida,
porque o homem normal não tende a tomar como exemplo o comportamento do
inimputável. Por outro lado, não de forma prevalente (como acontece nas penas), a
finalidade de prevenção geral positiva cumpre a sua função, embora esteja condicionado à

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associação com a perigosidade, pois, tendo sido cometido um crime grave de certa
natureza, há razoes particulares de tranquilidade social e de tutela da confiança
comunitária nas normas a que a política criminal tem de responder, mesmo perante
inimputáveis, através da aplicação de medidas de segurança.

2. O problema da legitimação

A legitimação da medida de segurança decorre da sua finalidade de defesa social, da prevenção


de ilícitos-típicos futuros pelo agente perigoso que cometeu um ilícito-típico grave. Assim, dado
que vivemos num Estado de Direito, a aplicação de medidas de segurança, por um lado deve
ser monopolizada pelo poder judicial (art. 202nº1 CRP), por outro lado, a sua aplicação fica
dependente dos princípios da necessidade, da subsidiariedade e da proporcionalidade ou
proibição de excesso (art. 18ºnº2 CRP). Isto quer dizer que uma medida de segurança só pode
ser aplicada para defesa de um interesse comunitário preponderante e em medida que se não
revele desproporcional à gravidade do ilícito-típico cometido e à perigosidade do agente. O
princípio da defesa social, quando conjugado com o principio da ponderação de bens
conflituantes (principio segundo o qual a liberdade de qualquer pessoa, mesmo inimputáveis,
só pode ser suprimida ou limitada quando o seu uso conduza, com alta probabilidade a
prejuízo de outras pessoas que, na sua globalidade pesa mais do que as limitações que o
causador do perigo deve sofrer com a medida de segurança).

NOTA: Com isto, fica afastada a conceção da “administrativização” das medidas de segurança.
Esta conceção lançaria a teoria da medida de segurança para fora do campo do direito penal e
da politica criminal.

III. O relacionamento da pena com a medida de segurança: A questão do “Monismo” ou


“Dualismo” do sistema

1. Medida de segurança e pena

Em matéria de finalidades das reações criminais, não existem grandes diferenças entre as
penas e as medidas de segurança. No entanto, quanto à forma como relacionam as
finalidades de prevenção geral e especial existe efetivamente diferenças:

 Na pena, a finalidade de prevenção geral positiva é primordial, enquanto finalidades de


prevenção especial de qualquer espécie atuam só no interior da moldura de prevenção
construída dentro do limite da culpa.
 Na medida de segurança, as finalidades de prevenção especial (de socialização e de
segurança) assumem lugar dominante, não ficando, todavia, excluídas considerações
de prevenção geral de integração sob uma forma que se aproxima das exigências
mínimas de tutela do ordenamento jurídico.

A grande diferença entre a pena e a medida de segurança, não está assim nas finalidades,
mas na sua delimitação. A pena tem como pressuposto irrenunciável da aplicação a
rigorosa observância do princípio da culpa, princípio que não exerce papel de nenhuma
espécie no âmbito das medidas de segurança. Já a medida de segurança é determinada, na
sua gravidade e na sua duração, não pela medida da culpa, mas pela existência da
perigosidade, todavia estritamente limitada por um princípio de proporcionalidade.

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Daqui resulta, uma certa aproximação ao sistema monista das sanções criminais, no
sentido de que as duas espécies de sanções (penas e medidas de segurança), tendo as
mesmas finalidades, só se diferenciam na sua delimitação.

2. O dualismo do sistema

O dualismo só surge quando se pergunta se o sistema é um tal que permite a aplicação


cumulativa ao mesmo agente, pelo mesmo facto, de uma pena e de uma medida de
segurança. Só aqui é que surge o problematismo específico da alternativa.

Levanta-se então a questão de saber se é legitimo e possível estender o conceito de culpa


e a medida de segurança até ao ponto em que a intervenção de uma medida de segurança
se torne indispensável. Se a resposta for afirmativa, estaremos perante um sistema
tendencialmente monista, caso contrário estaremos perante um sistema dualista.

3. Monismo e Dualismo: estado atual da controvérsia

o nosso sistema é decerto monista no sentido de não permitir a aplicação ao mesmo


agente, pelo mesmo facto, de uma medida de segurança complementar privativa de
liberdade. Ele é, todavia, dualista não só no sentido de conhecer a existência de penas e de
medidas de segurança não detentivas a imputáveis (art. 100º e ss CP), como ainda no de
aplicar cumulativamente no mesmo processo, ao mesmo agente, embora por factos
diversos, penas e medidas e de segurança.

6º Capítulo – O Comportamento Criminal E A Sua Definição: O


Conceito Material De Crime
I. O conteúdo matéria do conceito de crime

1. A perspetiva positivista-legalista: do conceito “formal” ao conceito “material” de


crime

A resposta à questão do que é materialmente o crime inaceitável e inútil é aqula que o


define como tudo aquilo que o legislador considerar como tal. Por um lado fica-se sem
saber ao certo quais são as qualidades do crime, por outro lado também não permite ligar
a questão do seu conceito com a função e com os limites do direito penal.

2. A perspetiva positivista-sociológica

Diretamente relacionado com a noção de delito natural, o crime é sensivelmente igual para
todos os povos de idêntica raça e civilização e teria como denominador comum a
característica de possuir na sua base uma conduta socialmente danosa, pelo que, existiria
na sociedade humana (o crime) independentemente das circunstâncias e exigências duma
dada época ou conceção particular. Esta perspetiva é imprecisa e demasiado larga, na
medida em que é difícil de estabelecer os limites da criminalização. Mesmo que se possa
concordar que todo o crime se traduz num comportamento determinante de uma
danosidade ou ofensividade social, a verdade é que nem toda aquela danosidade deve
legitimamente constituir um crime.

3. Perspetiva moral (ético)-social

Nesta perspetiva, crime corresponde a uma violação de deveres ético-sociais elementares


ou fundamentais. Segundo ela, a tarefa central do direito penal reside em assegurar a

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validade dos valores ético-sociais positivos de ação, consiste na proteção dos valores
elementares de consciência, de carater ético-social. Consiste na proteção dos bens
jurídicos mediante a proteção dos elementares valores de ação ético-sociais. No entanto,
não é a função do direito penal, nem primaria, nem secundaria tutelar a virtude ou a
moral, pelo que esta conceção é inadequada à estrutura e às exigências das sociedades
democráticas e pluralistas dos nossos dias.

4. A perspetiva racional: a função de tutela subsidiária de bens jurídicos dotados de


dignidade penal (bens jurídico-penais)

Corresponde à perspetiva teleológica-funcional e racional do conceito material de crime. O


conceito material de crime vem assim resultar da função atribuída ao direito penal de
tutela subsidiária (ou de ultima ratio) de bens jurídicos dotados de dignidade penal (de
“bens jurídico-penais”), ou seja o conceito material de crime resulta de bens jurídicos cuja
lesão se revela digna e necessita de pena.

4.1.Uma primeira aproximação à noção de bem jurídico. Evolução

Poderá definir-se bem jurídico como a expressão de um interesse, da pessoa ou da


comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objeto ou bem em si
mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso.

4.2.Bem jurídico, sistema social e sistema jurídico-constitucional

No futuro, a tarefa exclusiva do direito penal como preservação das condições


fundamentais da mais livre realização possível da personalidade de cada homem na
comunidade poderá continuar a ser sufragada no essencial. A legitimação do direito de
punir estatal provém da exigência de que o Estado só deve tomar de cada pessoa o mínimo
dos seus direitos e liberdades que se revele indispensável ao funcionamento sem entraves
da comunidade. A ela conduz a regra do Estado de Direito Democrático, segundo o qual o
Estado só deve intervir nos direitos fundamentais na medida em que isso se torne
imprescindível ao asseguramento dos direitos e liberdades fundamentais dos outros ou da
comunidade enquanto tal.

A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente


previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar
outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art. 18nº2 CRP).

A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos


(art. 40ºnº1, 1ª parte CP)

4.3.Consequências da orientação defendida

Da conceção que vê na tutela de bens jurídico-penais a especifica função do direito penal,


existem as seguintes consequências:

 Puras violações morais não correspondem a lesões de um autentico bem jurídico e


não podem, por isso, integrar o conceito material de crime.
 Não conformam autênticos bens jurídicos proposições (ou imposições de fins)
meramente ideológica
 O objeto de criminalização não deve ainda constituir, por igual motivo, a violação
de valores de Mera ordenação, subordinados a uma certa política estatal e por
isso de entono claramente jurídico-administrativo

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4.4.A jurisprudência do TC

O nosso TC tem aderido ao princípio do direito penal do bem jurídico, aos seus
fundamentos e às suas consequências, elevando-o, da forma patente ou latente, à
categoria de princípio jurídico-constitucional material implícito. NOTA: Ver art. 18º nº2
CRP.

5. O critério da “necessidade” (ou da “carência”) de tutela penal


5.1.Necessidade de tutela penal e princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade
em sentido amplo

Sempre que exista um bem jurídico digno de tutela penal aí deve ter lugar a intervenção
correspondente. O conceito material de crime é essencialmente constituído pela noção de
bem jurídico dotado de dignidade penal somado com a necessidade de tutela penal. Assim,
a violação de um bem jurídico penal não basta por si para desencadear a intervenção, é
necessário que esta seja absolutamente indispensável à livre realização da personalidade
de cada um na comunidade. O direito penal, nesta conceção, constitui a ultima ratio da
politica social e a sua intervenção é de natureza definitivamente subsidiaria.

A limitação da intervenção penal deriva sempre do princípio jurídico-constitucional da


proporcionalidade em sentido amplo. O direito peal só pode intervir nos casos em que
todos os outros meios da política social, em particular da política jurídica não penal se
revelem insuficientes ou inadequados. Quando isto acontece, a intervenção pode e deve
ser acusada de contrariedade ao princípio da proporcionalidade, sob a precisa forma de
violação dos princípios da subsidiariedade e da proibição do excesso.

A função principal do direito penal (e desta deriva o conceito material de crime) reside na
tutela subsidiaria (de ultima ratio) de bens jurídico-penais.

5.2.A questão das imposições constitucionais implícitas de criminalização

Não existem imposições jurídico-constitucionais implícitas de criminalização. Onde


inexistam injunções constitucionais expressas, da existência de um valor jurídico-
constitucionalmente reconhecido como integrante de um direito ou de um dever
fundamentais não é legitimo deduzir sem mais a exigência de criminalização dos
comportamentos que o violam.

5.3.O princípio da não-intervenção moderada e o movimento da descriminalização

Vem substituir o principio da não-intervenção radical e segundo ele, para que haja um
domínio eficaz do fenómeno da criminalidade, dentro de cotas socialmente suportáveis, o
Estado e o seu aparelho formalizado de controlo do crime devem intervir o menos possível
e devem intervir só na precisa medida requerida pelo asseguramento das condições
essenciais de funcionamento da sociedade.

II. A Definição Social Do Crime

Conceção de que a realidade do crime não deriva apenas do seu conceito, mas também da
construção social da realidade. Ele é em parte produto da sua definição social, operada em
último termo pelas instancias formais (legislador, policia, MP, juiz) e mesmo informais
(família, escolas, igrejas, clubes, vizinhos) de controlo social. A realidade do crime deriva
assim da combinação de determinadas qualidades materiais do comportamento com o

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processo de reação social àquele, conducente à estigmatização dos agentes respetivos
como criminosos ou delinquentes.

III. A Crise Atual Do “Direito Penal Do Bem Jurídico”

1. O paradigma penal das sociedades democráticas contemporâneas, o direito penal do


bem jurídico e os desafios da “sociedade do risco”

Este paradigma consubstancia-se na função exclusiva do direito penal de tutela subsidiaria


de bens jurídico-penais. Isto deixa o direito penal impreparado para a contenção dos novos
e grandes riscos que podem e que vão surgindo. A ciência do direito penal reconhece que
não pode ficar à espera que se verifiquem resultados lesivos das condições de vida da
humanidade para, só então, fazer intervir o arsenal punitivo. Este deverá ser chamado, se
quiser ser minimamente eficaz, logo relativamente a qualquer contributo significativo para
o potencial de perigo do qual o resultado lesivo irá, num futuro porventura longínquo,
derivar.

2. Tentativas de resolução do problema

2.1.A conceção antropocêntrica (monista pessoal) do bem jurídico-penal

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