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OUSE

PRA
GERAL
DIREITO PENAL - CRIMINOLOGIA

M ate r i a l d i sp o n i b i l i z a d o n o cu rs o :
PLENUS 2 - DEFENSORIA
SUMÁRIO

1. CONCEITOS BÁSICOS ESSENCIAIS................................................................................................ 3


1.1 CONCEITO E OBJETOS DA CRIMINOLOGIA................................................................................. 3
1.2 CRIMINALIZAÇÃO PRIMÁRIA E SECUNDÁRIA.............................................................................. 4
1.3 VITIMIZAÇÃO PRIMÁRIA, SECUNDÁRIA E TERCIÁRIA.................................................................. 5
1.4 PREVENÇÃO PRIMÁRIA, SECUNDÁRIA E TERCIÁRIA................................................................... 6
1.5 CONTROLE SOCIAL FORMAL E INFORMAL.................................................................................. 7
1.6 POLÍTICA CRIMINAL, CRIMINOLOGIA E POLÍTICA PENITENCIÁRIA............................................ 8
1.7 MODELOS DE REAÇÃO AO DELITO.............................................................................................. 8
2. ESCOLAS PENAIS........................................................................................................................... 9
2.1 ESCOLA CLÁSSICA....................................................................................................................... 9
2.2 ESCOLA POSITIVA...................................................................................................................... 10
2.2.1 FASE BIOLÓGICA..................................................................................................................... 10
2.2.2 FASE SOCIOLÓGICA................................................................................................................ 11
2.2.3 FASE JURÍDICA........................................................................................................................ 11
3. SOCIOLOGIA CRIMINAL............................................................................................................... 12
4. TEORIAS DO CONSENSO............................................................................................................. 13
4.1 ESCOLA DE CHICAGO................................................................................................................. 13
4.2 TEORIA DA ANOMIA................................................................................................................... 14
4.3 TEORIA DA ASSOCIAÇÃO DIFERENCIAL.................................................................................... 15
4.4 TEORIA DA SUBCULTURA DELINQUENTE................................................................................. 15
5. TEORIAS DO CONFLITO............................................................................................................... 16
5.1 LABELLING APPROACH............................................................................................................... 16
5.2 CRIMINOLOGIA CRÍTICA............................................................................................................ 18
6. LEI E ORDEM E TOLERÂNCIA ZERO............................................................................................. 20

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1. CONCEITOS BÁSICOS ESSENCIAIS

1.1 CONCEITO E OBJETOS DA CRIMINOLOGIA

Divergem os autores quanto ao exato conceito de criminologia. Contudo, pode-se


definir a criminologia como ciência empírica e interdisciplinar responsável por subministrar
elementos para compreender e enfrentar o fenômeno criminoso.

Assim, a criminologia pode ser definida como uma ciência autônoma, interdiscipli-
nar e empírica.

O empirismo da criminologia consiste no fato de que os criminólogos partem de da-


dos para induzirem suas conclusões. A criminologia, assim, antes de tentar explicar o fenômeno
do crime, busca conhecê-lo. O Direito Penal, por sua vez, se limita à construção normativa e à
aplicação da lei.

A interdisciplinariedade, por sua vez, significa que a ciência criminológica se socorre


de uma forte interlocução com outras ciências para induzir suas respostas. Contudo, interdisci-
plinariedade não se confunde com mera multidisciplinaridade. A interdisciplinariedade consis-
te em um maior grau de integração entre a criminologia e as outras ciências.

A autonomia da criminologia, por sua vez, decorre do fato de que possui métodos
próprios, não podendo ser considerada meramente uma ciência auxiliar do Direito Penal. Sa-
lomão Shecaira, por sua vez, destaca que embora a premissa de que a criminologia seja uma
ciência autônoma “não seja absoluta na doutrina, não há como negar que, em sua grande maio-
ria, esta (a doutrina) vê um método próprio, um objeto e uma função atribuíveis à criminologia”

A criminologia tem quatro objetos: o crime, o criminoso, a vítima e o controle social.


Sobre a vítima e o controle social, serão feitas considerações mais detalhadas logo abaixo.

Sobre o crime, importante destacar que seu conceito para a criminologia não é o
mesmo do direito penal. O direito penal é uma ciência abstrata, e seu conceito de crime é nor-
mativo e formal, ou seja, será crime para o Direito Penal o que estiver tipificado como tanto.

Por outro lado, para a criminologia, a previsão legal é considerada apenas ponto de
partida, visto que alguns fatos penalmente irrelevantes possuem repercussão e interesse crimi-
nológico, a exemplo do suicídio e da prostituição, enquanto fatos penalmente relevantes nem
sempre são considerados pela sociedade como criminosos, tal qual a posse de drogas para con-
sumo próprio.

Assim, a autonomia científica alcançada pela criminologia permite que ela mesma
determine e delimite seu objeto, não estando limitada pelo previsto no Direito Penal.

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Sobre o criminoso, válido ressalta que seu conceito varia de acordo com o enfoque
dado pela escola criminológica. Sobre as Escolas Clássica e Positiva, serão feitas mais detalha-
das considerações adiante. Por ora, válido mencionar o conceito de criminoso para as vertentes
correcionalista e marxista, diante da recorrência deste assunto em provas.

Para a vertente correcionalista, o infrator é um ser inválido, incapaz de dirigir-se a si


mesmo. Isso justifica a adoção de um modelo paternalista em relação ao delinquente. Para os
correcionalistas, a pena era tratada como um direito de recuperação e adaptação, com caráter
eminentemente pedagógico.

A pena, para os correcionalistas, não seria uma punição, e sim um direito do crimi-
noso de se adaptar à sociedade. O Poder Judiciário, as polícias e os demais órgãos de controle
social deveriam ser unificados de forma a constituir um corpo de polícia social, cuja finalidade
seria promover o bem-estar da sociedade, tratando o delinquente como uma pessoa que pre-
cisa de ajuda.

Depois de adaptado, o criminoso deixaria de constituir elemento de perturbação e


perigo a toda coletividade, podendo retornar ao convívio social.

Percebe-se, assim, que para os correcionalistas o direito penal deveria ser utilizado
em prol do criminoso, exatamente nos termos do enunciado, o que o torna correto.

Para a vertente marxista, a responsabilidade do crime é da sociedade; o delinquen-


te, convertido em vítima, é produto da estrutura econômica do Estado. Assim, o criminoso é
considerado fruto da exploração capitalista patrocinada pelas classes dominantes.

1.2 CRIMINALIZAÇÃO PRIMÁRIA E SECUNDÁRIA

Outra definição importantíssima, e que é essencial para entender a seletividade do


Direito Penal: a distinção entre criminalização primária e secundária.

Por criminalização primária, entende-se o ato legislativo que estabelece o programa


punitivo. Ou seja, a escolha do que seria ou não crime. Na criminalização primária, a seletivi-
dade do sistema penal já atua, já que a forma como os diversos tipos de ilícito serão tratados
atende os interesses das classes dominantes. Portanto, os delitos praticados pelas classes me-
nos favorecidas tendem a sofrer punições mais severas, enquanto delitos de “colarinho branco”
tendem a receber mais benesses legais.

A criminalização primária, portanto, pode ser definida como o programa legislativo


que diz as condutas que serão incriminadas pelo Direito Penal. O Código Penal, portanto, é um
resultado da criminalização primária.

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Por criminalização secundária, entende-se a concretização do programa punitivo
criado pelo Legislativo. Esse programa é muito extenso, e as agências de criminalização (Polí-
cia, Judiciário, etc.) têm condições limitadas de cumpri-lo. Por isso, o poder punitivo é exercido
principalmente sobre pessoas previamente escolhidas em face de suas fraquezas, com base em
critérios de seletividade e vulnerabilidade, a exemplo de moradores de rua, prostitutas e usuá-
rios de drogas. Os mais favorecidos, por sua vez, passam ao largo da criminalização secundária.

A criminalização secundária, portanto, representa a pequena fração dos crimes co-


metidos que chegam ao conhecimento das autoridades.

Percebe-se, assim, que o Direito Penal é extremamente seletivo, tanto na criminali-


zação primária quanto na secundária.

Na criminalização primária, a seletividade opera pela tipificação mais rigorosa de cri-


mes praticados pelas classes economicamente desfavorecidas, e pela benevolência estatal com
crimes cometidos por pessoas com alto poder aquisitivo. Basta lembrar das inúmeras formas
de extinção da punibilidade no caso de crimes contra a ordem tributária, que não encontram
espaço nos crimes patrimoniais de pequena monta.

Na criminalização secundária, a seletividade opera por meio da “escolha” de sobre


quem o Direito Penal incidirá. Com efeito, os crimes praticados pelas classes mais favorecidas
tendem a constituir uma “cifra oculta”, enquanto o grau de impunidade entre as classes menos
favorecidas é bem menor.

Firmadas tais premissas, partamos para os conceitos seguintes.

1.3 VITIMIZAÇÃO PRIMÁRIA, SECUNDÁRIA E TERCIÁRIA

A vitimização nada mais é do que o estudo da vítima, com foco nas influências do
processo de criminalização sobre ela. Para a doutrina majoritária, o estudo da vítima é um dos
objetos da criminologia. Para a minoritária, representa um ramo autônomo da ciência.

Em relação à vitimização, o que costuma ser cobrado em prova é a sua classificação:


vitimização primária, secundária e terciária.

A vitimização primária “é aquela provocada pelo cometimento do crime, pela conduta


violadora dos direitos da vítima – e pode causar danos variados, materiais, físicos, psicológicos,
de acordo com a natureza da infração, a personalidade da vítima, sua relação com o agente vio-
lador, a extensão do dano etc. Então, é aquela que corresponde aos danos à vítima decorrentes
do crime”. Assim, a vítima de estupro é, de início, vítima do seu algoz, daquele que a obriga a
praticar conjunção carnal ou outro ato libidinoso mediante violência ou grave ameaça. A vitimi-
zação primária, portanto, representa o sofrimento da vítima causado diretamente pela prática
do delito.

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A vitimização secundária (ou sobrevitimização/vitimização processual) representa o
sofrimento causado à vítima em virtude do processo criminal. Em outras palavras, “entende-se
ser aquela causada pelas instâncias formais de controle social, no decorrer do processo de re-
gistro e apuração do crime, com o sofrimento adicional causado pelo sistema de justiça criminal
(inquérito policial e processo penal)”.

Trata-se, por exemplo, do evidente constrangimento causado pela vítima de estupro


(em sua maioria, mulher) ao ser obrigada a rememorar, com detalhes, os fatos ocorridos. Torna
mais grave o fato de isso ocorrer em dois momentos: no inquérito e na instrução criminal. Além
disso, sabe-se que os atores do processo de apuração criminal (delegados, policiais, juízes, pro-
motores e defensores), quando são do sexo masculino, aumentam o constrangimento causado
à vítima (cujo grupo é, em sua maioria, de mulheres).

A vitimização terciária, conceito ainda em construção, representa a falta de amparo


à vítima na comunidade em que vive. Em outras palavras, consiste “na falta de amparo dos ór-
gãos públicos às vítimas; nesse contexto, a própria sociedade não acolhe a vítima”. Por exemplo,
culpar a vítima do estupro pela ofensa é um claro exemplo de vitimização terciária. Além disso,
se sabe que o atendimento à vítima, na rede pública, é extremamente precário. Em razão disso,
a vítima dos crimes sexuais sofre um desestímulo para noticiar o crime sofrido.

De fato, de vítima poderá passar à condição de responsável pelo crime, assim como
poderá ser constrangida a narrar detalhes de sua intimidade, dificultando ainda mais a recupe-
ração, agravando o sofrimento psicológico resultante. Em consequência, uma parte dos crimes
sexuais não é noticiada às autoridades policiais, gerando o que se conhece por “cifra negra”,
que pode ocorrer tanto pela manipulação de estatísticas pelas autoridades públicas como por
diversos motivos relacionados à vítima: vergonha; medo; sentimento de que será inútil noticiar;
o agressor é parente; etc.

1.4 PREVENÇÃO PRIMÁRIA, SECUNDÁRIA E TERCIÁRIA

Conceito completamente diverso dos citados acima é o de prevenção primária, se-


cundária e terciária. É importantíssimo memorizar as distinções, pois as bancas examinadoras
costumam cobrar questões, confundido os conceitos.

Inicialmente, destaca-se que a prevenção, como o próprio nome indica, é o meio pelo
qual o Estado busca reduzir os índices de criminalidade. Esse objetivo estatal pode ser alcança-
do de diversas formas: através da prevenção primária, secundária e terciária.

A prevenção primária representa a atuação estatal que, objetivando diminuir a cri-


minalidade, concretiza direitos sociais, como a educação, moradia, trabalho, dentre outros. Por
meio desse bem-estar social, o Estado busca atacar a etiologia do delito, ou seja, suas causas.
Contudo, a prevenção primária é uma solução a longo prazo, que nem sempre é bem aceita
pela sociedade, que reclama por respostas imediatas.

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A prevenção secundária, por sua vez, representa o reconhecimento do Estado de
que as políticas de prevenção primária são insuficientes, e, por esse motivo, resolver adotar
ações mais concretas, em locais específicos, como forma de combater a criminalidade. A ins-
talação de Unidades de Polícia Pacificadora, no Rio, por exemplo, é um exemplo de atuação
da política de prevenção secundária. O Estado, sabedor de que as favelas são dominadas por
traficantes, por conta do fracasso das políticas sociais, direciona suas forças policiais para esses
locais, como forma de evitar o cometimento de delitos. Da mesma forma, é exemplo de preven-
ção secundária a ordenação urbana de uma comunidade carente, por ser sabido que isso ajuda
a reduzir os índices de criminalidade.

A prevenção terciária, por fim, tem um único destinatário: o encarcerado. Tem como
objetivo “ressocializar” o indivíduo que se encontra dentro do sistema prisional, para que, ao
ser liberado, não venha a reincidir.

1.5 CONTROLE SOCIAL FORMAL E INFORMAL

O controle social é um dos objetos da criminologia, e representa a fiscalização exerci-


da sobre os indivíduos, que tem como objetivo dissuadi-los de praticar crimes, e, caso venham
a praticá-los, garantir que não fiquem impunes.

O controle social pode ser formal ou informal.

O controle social formal (ou regulativo) é aquele exercido pelas agências de crimi-
nalização secundária (Polícia, Ministério Público, Forças Armadas etc.). Esses órgãos, ao preve-
nirem e reprimirem os delitos, exercem o controle social formal.

Por controle social informal, entenda-se as normas e sanções exercidas pelos agen-
tes que acompanham o indivíduo desde sua infância até a vida adulta e transmitem, por meio de
um processo de socialização, valores morais e éticos sobre determinadas ações. Assim, as crian-
ças assimilam padrões sociais de conduta. O Controle social informal pode constituir excelen-
te barreira à prevenção do comportamento criminoso, tanto porque atua de forma preventiva
quanto porque impacta o controle interno do indivíduo. É exercido pela família, escola, igreja,
vizinhos etc.

Assim, o controle social informal representa a vigilância exercida pelas pessoas com
quem você convive. Exemplo: o vizinho que, ao ver movimentação estranha na casa ao lado,
aciona a polícia. Nesse caso, terá exercido o controle social informal.

As duas espécies de controle atuam em conjunto, apesar de que com mecanismos


diferentes. O Estado atua por meio dos órgãos oficiais, aplicando as sanções previstas em lei. O
controle informal, por sua vez, aplica sanções sociais, que também são eficazes, mas agem de
forma diferente da sanção penal.

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1.6 POLÍTICA CRIMINAL, CRIMINOLOGIA E POLÍTICA PENITENCIÁRIA

Um dos importantes conceitos na criminologia é a distinção entre criminologia, polí-


tica criminal e política penitenciária.

Segundo Shecaira, política criminal é uma disciplina que oferece aos poderes públi-
cos as opções científicas concretas mais adequadas para controle do crime, de tal forma a servir
de ponte eficaz entre o direito penal e a criminologia, facilitando a recepção das investigações
empíricas e sua eventual transformação em preceitos normativos. A política criminal incumbe-
-se de transformar a experiência criminológica em opções e estratégias concretas assumíveis
pelo legislador e pelo poder público.

Assim, a diferença entre política criminal e a criminologia é que a política criminal


implica as estratégias a se adotar dentro do Estado no que concerne à criminalidade e a seu
controle, já a criminologia converte-se, em face da política criminal, em uma ciência de referên-
cia, na base material, no substrato teórico dessa estratégia.

Constitui Política Criminal, e não criminologia, por exemplo, o mapeamento da cri-


minalidade ou a iluminação de locais públicos para reduzir os índices de estupro.

Em relação à política penitenciária, vale frisar que o CONSELHO NACIONAL DE PO-


LÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA – CNPCP, elabora, a cada quatro anos, o Plano Nacional de
Política Criminal. Esse plano pode facilmente ser transformado em algumas questões de prova.
Por política penitenciária, entende-se o norte que se deve dar ao tratamento da questão carce-
rária, propondo a humanização do cumprimento da pena e o desencarceramento.

Referido plano trouxe algumas medidas para guiar a política penitenciária brasileira
nos próximos anos, dentre elas: a) adequação das medidas de segurança à reforma psiquiátri-
ca; b) implantação do sistema nacional de alternativas penais; c) monitoração eletrônica para
fins de desencarceramento; d) integração social no sistema prisional; e) participação social no
controle da execução penal; f) adequação das carreiras dos agentes públicos que trabalham no
sistema penitenciário.

Percebe-se, assim, a nítida diferença entre criminologia, política criminal e peniten-


ciária.

1.7 MODELOS DE REAÇÃO AO DELITO

São três os modelos de reação ao crime: o clássico (ou dissuasório), o ressocializa-


dor e o restaurador (ou integrador). Destaco a importância de termos bastante atenção com os
conceitos, por se tratar de uma das questões mais recorrentes em provas CESPE.

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No modelo clássico ou dissuasório a ideia é persuadir o delinquente a não praticar
o delito por meio da intimidação do sistema retributivo. Assim, seria função do direito penal
“convencer” o indivíduo a não cometer crimes, em virtude das sanções que pode vir a sofrer.
Neste modelo, os protagonistas são o Estado e o delinquente, restando excluídos a vítima e a
sociedade. Assim, como o próprio nome indica, o objetivo do modelo é dissuadir o criminoso
de delinquir por meio do direito penal.

No modelo ressocializador, é proposto, além da retribuição pelo mal causado, a in-


tervenção humanista de forma a tornar possível o retorno do condenado, com dignidade, ao
meio social. A reação ao delito passa a se preocupar com a utilidade do delito também para o
delinquente. Assim, não se tenta convencer o criminoso a não delinquir apenas por conta da
pena a cumprir. Na verdade, se busca utilizar essa pena como estratégia de reinserção social, a
fim de reduzir os índices de reincidência.

No modelo restaurador ou integrador, se procura solucionar o problema criminal


por meio de ação conciliadora, ao atender os interesses e exigências de todas as partes envol-
vidas. É aqui que ganha força a denominada Justiça Restaurativa. Associar o modelo “RESTAU-
RAdor” à Justiça “RESTAURAtiva”, para facilitar a memorização.

Diante da classificação exposta, facilmente se percebe que o enunciado trouxe, em


verdade, o conceito do modelo ressocializador, e não do modelo restaurador, o que o torna
incorreto.

2. ESCOLAS PENAIS

Um dos temas mais cobrados em provas objetivas se refere às escolas penais. As duas
principais são as escolas Clássica e a Positiva.

2.1 ESCOLA CLÁSSICA

A Escola Clássica tem suas origens na doutrina da antiga filosofia grega, desenvol-
vendo-se no Século XVIII, como uma corrente de pensamento que reage contra as arbitrarieda-
des do antigo regime para garantir os direitos do indivíduo.

Segundo os clássicos, a responsabilidade criminal do indivíduo era fundamentada


no livre-arbítrio. A Escola parte da premissa de que o ser humano é livre e racional, sendo apto
a tomar suas decisões e a aceitar as consequências decorrentes dela. Dessa forma, o indiví-
duo deveria ser punido porque escolheu praticar o crime. Tem como expoentes Cesare Beccaria
(dos delitos e das penas) e Francesco Carrara.

Para os clássicos, a pena era uma retribuição do mal causado, e deveria ser exata-
mente proporcional ao crime, dai porque a teoria exerceu papel extremamente importante de

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limitar o poder punitivo do Estado, o qual, na época do antigo regime, costumava aplicar penas
rigorosas e cruéis para crimes de pequena gravidade.

A escola é fundamentada no princípio do indeterminismo, pois o crime seria uma


opção do homem, que é mentalmente são e livre para fazer suas escolhas. Assim, os clássicos
ignoravam que fatores externos podem influenciar no processo decisório de escolha de come-
ter ou não um crime.

2.2 ESCOLA POSITIVA

Com o passar do tempo, se verificou a insuficiência da Escola Clássica para explicar e


combater a criminalidade, especialmente diante da concepção de que era impossível dissociar
o estudo da criminologia da antropologia, da sociologia e da psicologia criminais.

Nesse momento que surgiu a Escola Positiva, defendendo que deve ser afastada a
ideia de livre-arbítrio. Assim, para os positivistas, é extremamente falha a ideia de que a liber-
dade humana seria o fundamento da responsabilidade, já que o homem não é totalmente livre
em suas escolhas.

Na verdade, o comportamento humano, em especial o criminoso, seria influenciado


por fatores biológicos, físicos e sociais. Integraram a Escola Positiva Lombroso, Enrico Ferri e
Rafael Garáfolo, cada um com sua concepção sobre a criminalidade e o criminoso.

2.2.1 FASE BIOLÓGICA

Na fase biológica, liderada por Lombroso, o crime seria incentivado por fatores bio-
lógicos, tais como o tamanho do crânio ou a epilepsia.

Lombroso fundamentava seu pensamento em três ideias centrais.

A primeira delas é de que o criminoso se diferencia do não criminoso por meio de


inúmeros sinais físicos e psíquicos. Assim, pela mera análise de tais sinais seria possível identi-
ficá-lo.

A segunda é de que o criminoso é uma variante da espécie humana, um ser atávico,


produto da regressão a estados primitivos da humanidade, derivando dessa orientação a figura
do criminoso nato. Assim, o criminoso seria um indivíduo primitivo e geneticamente determi-
nado. Os criminosos e os não criminosos se distinguiriam entre si em virtude de uma rica gama
de anomalias.

A terceira e última premissa é de que tal variação seria transmitida hereditariamen-


te. Assim, o criminoso reproduziria as características próprias de seus antepassados em linha
reta até os animais.

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Vale destacar que, ao final da sua obra, Lombroso passou a admitir a influência de
fatores como clima, cultura, condição social, educação, etc., nas causas do crime, sendo desen-
cadeantes do criminoso nato.

2.2.2 FASE SOCIOLÓGICA

Por sua vez, Enrico Ferri entendia que a criminalidade deriva de fenômenos antro-
pológicos, físicos e culturais, razão pela qual seu estudo foi denominado de sociologia criminal.

Para Ferri, a maior eficácia no combate à criminalidade é alcançada valendo-se dos


meios preventivos: os substitutivos penais. Ferri indica uma série de medidas de ordem econô-
mica, política, científica, religiosa e educativa todas melhores que a repressão penal.

Ainda para o autor, a razão e o fundamento da reação punitiva deixa de ser a mera
retribuição para fundar-se em uma exigência de defesa social, que se promove, principal e efi-
cazmente, pelos meios de prevenção.

Esse pensamento de defesa social e prevenção trouxe como herança, por exemplo,
as medidas de segurança, que tem como fundamento jurídico a periculosidade do agente, ou
seja, seu potencial de cometer novos crimes.

2.2.3 FASE JURÍDICA

Por fim, para Rafael Garáfolo, o crime era inerente ao homem, criando o conceito
de periculosidade e a necessidade de se aplicar medidas de segurança para os inimputáveis.
Assim, como o crime era inerente ao homem, existem aqueles mais “perigosos” e os menos
“perigosos”.

À sua obra se deve a acentuação da importância de fatores psicológicos. Garáfolo


rechaçou a orientação lombrosiana voltada para a investigação anatômica e concentrou sua
atenção na personalidade do autor do delito e suas anomalias psíquicas, desenvolvendo o
critério da periculosidade. O autor ainda abordou o conceito de delito natural, pois as fases
anteriores do positivismo criminológico abordavam o delinquente, mas negligenciavam o
conceito de delito. Garáfolo considerou a necessidade de realizar uma definição criminológica
de delito.

Ferri, como dito anteriormente, focava nos meios preventivos para enfrentamento
da criminalidade. Garafolo, por sua vez, foca nos meios repressivos. Para Garafolo, a rigorosa
repressão, sobretudo a pena de morte, é o meio para combater os delitos. O autor defendia a
eliminação dos indesejáveis, seja pela pena de morte, pela deportação ou pela relegação a co-
lônias penais.

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PALAVRAS-CHAVE:

ESCOLA CLÁSSICA: responsabilidade fundamentada no livre-arbítrio; pena como


retribuição do mal causado.

ESCOLA POSITIVA: afastamento do livre arbítrio; crime como consequência de


fatores biológicos, físicos e sociais. Lombroso, Enrico Ferri e Garafolo.

3. SOCIOLOGIA CRIMINAL

A sociologia criminal representou uma evolução em relação às escolas penais, já que


se afastou do estudo do crime como resultado de fatores biológicos ou antropológicos. Assim,
podem ser chamadas de teorias sociológicas todas aquelas que não tentam explicar a crimi-
nalidade a partir de fatores patológicos individuais. Tais teorias elevam a sociedade ao pata-
mar de fator criminógeno, deixando de se concentrar exclusivamente no homem delinquente.

O estudo da sociologia criminal pode ser dividido em duas grandes teorias: do con-
senso e do conflito.

As teorias criminológicas do consenso, também chamadas de teoria da integração,


são representadas pela escola de Chicago, pela associação diferencial, pela teoria da anomia e
pela teoria da subcultura delinquente.

Pela teoria do consenso, a estrutura social em funcionamento é resultado do con-


senso entre seus membros sobre seus valores. Ou seja, a sociedade é resultado das associações
voluntárias de pessoas que partilham certos valores e criam instituições, com vistas a assegurar
que a cooperação funcione regularmente. As teorias do consenso tem cunho funcionalista, já
que justificam e legitimam o sistema que está posto.

Por outro lado, segundo as teorias criminológicas do conflito, não há acordo entre
os membros da sociedade sobre seus valores. Na verdade, a coesão e a ordem na sociedade
são fundadas na força e na coerção, na dominação por alguns e sujeição de outros. Ou seja,
não seria a associação voluntária das pessoas que faz com que as organizações sociais tenham
coesão, e sim a coerção imposta.

A criminologia do conflito tem como pilares as teorias do labelling approach e da


criminologia crítica.

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RESUMO:

• As teorias criminológicas do consenso aceitam o sistema que está posto,


estudando o fenômeno criminal a partir dessa aceitação. Ou seja, sem questionar
a organização da sociedade, as teorias do consenso analisam o crime e buscam
soluções para evitá-lo.

• As teorias do conflito, por outro lado, questionam as bases da sociedade


em que vivemos, propondo mudanças estruturais como forma de combate à
criminalidade.

4. TEORIAS DO CONSENSO

4.1 ESCOLA DE CHICAGO

A Escola Ecológica, mais conhecida como Escola de Chicago, discute múltiplos as-
pectos da vida humana, todos eles relacionados com a vida da cidade. O surgimento da Escola
foi incentivado pelo aumento da criminalidade nos bairros periféricos, e teve como objetivo
identificar as causas desse problema. Foi no contexto da Escola de Chicago que surgiu a teoria
ecológica, que tinha duas premissas básicas: a) a ideia de desorganização social; b) a identifica-
ção de áreas de criminalidade.

A ideia de desorganização parte da premissa de que, em uma cidade organizada,


existe uma relação de aproximação entre as pessoas, com a vizinhança se conhecendo. Esse
mecanismo solidário de mútuas relações funcionaria como verdadeiro controle informal, na
medida em que um “toma conta” do outro.

O crescimento desordenado das cidades faz desaparecer esse controle informal, pois
as pessoas vão se tornando anônimas, de modo que a família, a igreja, os vizinhos, etc., não
dão mais conta de impedir os atos antissociais. No mesmo sentido, a ausência do Estado gera
uma sensação de anomia, potencializando o surgimento das denominadas gangues, ou bandos
armados.

Por sua vez, o conceito de “áreas de criminalidade” consiste no fato de que, em toda
cidade, existem regiões mais propensas ao cometimento de delitos do que outras, geralmente
aquelas mais próximas ao centro. As áreas mais distantes do centro tendem a ser ocupadas pe-
las camadas altas, e, por isso, encontram-se mais distantes das áreas de criminalidade.

A Escola de Chicago prioriza a ação preventiva, minimizando a atuação repressiva.


Além disso, defende que qualquer intervenção na cidade deve ser planejada. Deve ser busca-
do, também, a comunhão de esforços dos diferentes segmentos sociais. Além disso, programas
comunitários devem ser priorizados, com a utilização de atividades recreativas de larga escala,
justamente com o objetivo de reforçar os elos, criando o controle informal.

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Critica-se a Escola de Chicago por ter substituído um determinismo positivista para
um determinismo ecológico. Ou seja, relaciona-se as áreas deterioradas e pobres com a crimi-
nalidade, e as áreas nobres com a ausência de crimes, quando se sabe que nas áreas nobres
também ocorrem delitos. Outra crítica que se faz concerne na limitação da investigação dos
delitos. Estudos atuais permitem compreender que alguns delitos são realizados nas áreas de
moradias dos criminosos, enquanto outros não. Ou seja, um bairro nobre possui o menor ín-
dice de homicídios, mas possui maior índice de furtos. A teoria ecológica, igualmente, nunca
questionou o conceito de delito, partindo daquilo que era convencionado no período como ato
antissocial.

4.2 TEORIA DA ANOMIA

A teoria da anomia, de cunho funcionalista, teve dois grandes pensadores: Émile


Durkheim e Robert Merton, cada um com sua própria concepção.

Para Durkheim, anomia representa a ausência ou desintegração das normas sociais,


que acarreta uma ruptura dos padrões sociais de conduta, produzindo uma situação de pouca
coesão social. Para ele, haverá anomia sempre que os mecanismos institucionais não estiverem
cumprindo o seu papel. Exemplo: a ideia de impunidade favorece a criminalidade. Nessas hi-
póteses, o indivíduo começa a flexibilizar as regras socialmente aceitas (Ex: é proibido roubar) e
começa a praticar comportamentos delituosos. Esse enfraquecimento da solidariedade social
favorece, inclusive, comportamentos autodestrutivos (materializados na ideia do suicídio anô-
mico).

Para Durkheim, o crime, até certo ponto, seria um fenômeno normal e útil, tendo a
pena a função de reforçar a consciência coletiva a respeito dos valores que devem ser preserva-
dos. Ou seja, no momento em que um indivíduo pratica um roubo e é devidamente punido, o
Estado transmite a mensagem a todos os cidadãos de que roubar é errado, e de que o patrimô-
nio é um bem jurídico tutelado e preservado pelo Estado. É justamente por conta dessa ideia de
que o crime exerceria um papel funcional na sociedade que a teoria da anomia é caracterizada
de funcionalista.

Contudo, a partir do momento em que os mecanismos institucionais não mais cum-


prem seu papel, ou seja, no nosso exemplo, a partir do momento em que o Estado não mais
puna o indivíduo que rouba, os cidadãos recebem a mensagem de que o patrimônio não é mais
um bem jurídico importante e tutelado pelo Estado, e é justamente nessa situação que surge a
anomia, pois tal os indivíduos não se veem mais obrigados a seguir padrões sociais de conduta.

Para Merton, por sua vez, a anomia representa a dissociação entre os objetivos cultu-
rais e os mecanismos institucionais disponíveis para alcance desses objetivos. Essa dissociação
provoca o isolamento social desses indivíduos, exercendo pressão para que sigam condutas
não conformistas (criminosas). Exemplo: a sociedade atual é extremamente consumista; con-

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tudo, boa parte da população não tem possibilidade de acesso a esses bens de consumo, o que
estimula comportamentos criminosos. Segundo o autor, o crime seria uma forma de o delin-
quente conseguir alcançar os tais objetivos culturais.

Critica-se a teoria da anomia, pois ela não explica o grande número de pessoas que
se encontram em situações sociais desvantajosas e não praticam crimes. Além disso, existem
certos delitos que não perseguem o lucro, o que a teoria da anomia não explica. Por fim, os
teóricos da anomia partem de um consenso coletivo acerca dos valores que importam para
determinada sociedade, sendo que, na verdade, este consenso nada mais é do que um critério
imposto pelos grupos que detém o poder e que simplificam as divergências em benefício dos
seus interesses.

4.3 TEORIA DA ASSOCIAÇÃO DIFERENCIAL

A teoria da associação diferencial teve seus aportes iniciais com o pensamento de


Edwin Sutherland, buscando rebater os argumentos da Escola Positiva de que o crime teria um
aspecto biológico envolvido.

O pressuposto inicial da associação diferencial é de que o crime é um comportamen-


to que se aprende, já que ninguém nasce criminoso. Não há, portanto, herança biológica do
crime, mas sim um processo de aprendizagem que conduz o homem à prática dos atos so-
cialmente reprováveis. A parte decisiva do processo de aprendizagem ocorreria nas relações
sociais mais íntimas. Ou seja, a influência criminógena dependeria do grau de proximidade do
contato entre as pessoas.

Pela teoria da associação diferencial, a pessoa se encontra na constante presença


de estímulos favoráveis e desfavoráveis à prátia criminosa. Ou seja, em constante choque de
valores. A pessoa se converteria em delinquente quando os estímulos favoráveis à violação da
lei superam os desfavoráveis.

Uma das críticas que pode ser feita à teoria da associação diferencial é a de que ela
não explica o fato de que muitas vezes alguém convive diariamente com um criminoso e, mes-
mo assim, não adere à prática delitiva.

Ou seja, a teoria desconsidera a incidência de fatores individuais de personalidade,


ocultos e até inconscientes.

4.4 TEORIA DA SUBCULTURA DELINQUENTE

A ideia de subcultura delinquente foi consagrada por Albert Cohen, e pode ser resu-
mida como um comportamento de transgressão que é determinado por um subsistema de co-
nhecimento, crenças e atitudes que possibilitam, permitem ou determinam formas particulares
de comportamento transgressor.

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Ou seja, os indivíduos que não possuem modelos morais tradicionais na família ou
na comunidade em que vivem tendem a ser “contagiados” culturalmente por um grupo desvia-
do, as chamadas “gangues”, sendo que estas irão impor seu próprio padrão moral. Essa situa-
ção tende a ocorrer, principalmente, entre as classes menos favorecidas, onde é mais comum
haver a fragilização dos vínculos familiares.

Assim, pode-se dizer que essas “gangues” formam subculturas criminais, sendo uma
reação necessária de algumas minorias altamente desfavorecidas diante da exigência de sobre-
viver, de orientar-se dentro de uma estrutura social, apesar das limitadíssimas possibilidades
legitimas de atuar.

A subcultura, no entanto, não é uma manifestação delinquencial isolada. Como dito,


vários indivíduos (as gangues), cada um dos quais funcionando como objeto de referência dos
outros, chegam de comum acordo a um novo conjunto de critérios e aplicam estes critérios
entre si.

Segundo Albert Cohen, a subcultura delinquente caracteriza-se por três fatores: A)


não utilitarismo da ação; b) malícia da conduta; c) negativismo.

O não utilitarismo da ação significa que as condutas desviadas praticadas por esses
grupos não tem uma finalidade específica. Muitas vezes, as condutas se justificam pelo puro
prazer de praticá-las.

A malícia da conduta, por sua vez, como o nome indica, significa que as condutas são
praticadas pela sensação de desafio em atingir algumas metas proibidas, o prazer de deliciar-se
com o desconforto alheio.

O negativismo significa a polaridade negativa ao conjunto de valores da sociedade


obediente às normas sociais. Ou seja, as condutas delinquentes são corretas exatamente por
serem CONTRÁRIAS às normas da cultura mais gerais. Assim, o comportamento padrão dos gru-
pos delinquentes representam o reverso radical da sociedade convencional.

5. TEORIAS DO CONFLITO

5.1 LABELLING APPROACH

A teoria do labelling approach, também conhecida como teoria da rotulação social,


etiquetagem, interacionista ou a reação social, surgiu precipuamente nos Estados Unidos, no
início dos anos 60.

É um marco das chamadas teorias do conflito. Isso significa o abandono do modelo


estático e monolítico de análise social, substituindo-o por uma perspectiva dinâmica e contí-

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nua. Ou seja, segundo Shecaira, a ideia de encarar a sociedade como um todo pacífico, sem fis-
suras interiores, é substituída por uma referência que aponta as relações conflitivas existentes
dentro da sociedade.

O pensamento criminológico deixa de se referir ao crime e ao criminoso, passando a


voltar sua base de reflexão ao sistema de controle social e suas consequências, bem como ao
papel exercido pela vítima na relação delitual.

Em resumo, pode-se dizer que a teoria do etiquetamento social se baseia no fato de


que, após a criminalização primária, os agentes que praticaram condutas desviantes (crimino-
sas) são submetidos a uma resposta ritualizada e estigmatizante (a prisão), o que provoca o
distanciamento social e a redução de oportunidades (estigmatização), fazendo com que surja
uma subcultura delinquente com reflexos na autoimagem. Após a saída do cárcere, o agente
sofre o estigma decorrente da institucionalização, e inicia sua carreira criminal, o que gera a
reincidência.

Dessa forma, a teoria do labelling approach não estuda porque as pessoas cometem
crimes, e sim porque determinadas condutas são definidas como criminosas, e de que forma o
controle social sobre tais condutas têm efeitos no aumento da criminalidade.

Para a teoria do labelling approach, a resposta estatal às condutas definidas como


crime tem papel direto nos índices de reincidência, tendo em vista que os agentes desviantes,
durante o período de institucionalização, são submetidos a cerimônias degradantes (corte de
cabelo, ausência de chamamento nominal e demais formas de humilhação) o que acaba por
inserir neles o sentimento de ser criminoso.

Além disso, ao sair do cárcere, essas pessoas continuam sendo discriminadas, não
encontrando oportunidades, o que acaba por incentivar a reincidência.

Nesse sentido, cumpre diferenciar a desviação primária da secundária.

A desviação primária é simplesmente a contrariedade às normas, ou seja, o crime


eventual, não recebendo importância dos teóricos do etiquetamento (justamente pelo fato de
que, como dito, não ser objeto de estudo da teoria o motivo de as pessoas praticarem crimes, e
sim o controle social sobre tais condutas).

A desviação secundária, por sua vez, representa os comportamentos desviantes pra-


ticados pelo indivíduo já estigmatizado. Ou seja, a desviação secundária se refere às pessoas
cujos problemas são criados pela reação social ao crime, o que é justamente o objeto de estudo
da teoria do etiquetamento.

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Algumas críticas são feitas à teoria do labelling approach. Inicialmente, o fato de ter
deslocado o centro das atenções da desviação primária para a secundária deixou em segundo
plano as causas primeiras da criminalidade.

Da mesma maneira, pode-se dizer que o labelling approach criou um certo determi-
nismo da reação social. Ou seja, segundo os teóricos, havendo a desviação primária, e sendo
o indivíduo submetido aos processos de estigmatização, necessariamente haveria a desviação
secundária, o que não é verdade. Ora, muitos indivíduos são submetidos às humilhações do
cárcere e, mesmo assim, não voltam a delinquir. Vale frisar, contudo, que esse determinismo
não foi defendido diretamente pelos teóricos.

Por fim, diz-se que a teoria do etiquetamento evita discutir as causas da reação da
sociedade (ou seja, porque determinadas condutas são definidas como crime), limitando-se a
analisar a influência que essa reação exerce sobre o comportamento posterior do desviado.

Vale frisar que o Direito brasileiro adotou ensinamentos da teoria, como, por exem-
plo, no sistema progressivo de pena, o que reduz a institucionalização, bem como no direito ao
chamamento nominal. Além disso, os métodos alternativos de solução de conflitos da Lei dos
Juizados Especiais, bem como as penas restritivas de direitos, também são tentativas de se evi-
tar o processo de institucionalização.

Assim, em conclusão, pode-se dizer que o foco da teoria do labelling approach é es-
tudar o processo de estigmatização provocado pela resposta estatal à criminalidade, analisan-
do-se suas causas e consequências.

5.2 CRIMINOLOGIA CRÍTICA

Shecaira divide a criminologia crítica em duas fases. A primeira delas se situa na dé-
cada de 70, originada de obras de três autores ingleses: Ian Taylor, Paul Walton e Jock Young.

A base do pensamento de tais autores estava inexoravelmente ancorada no pensa-


mento marxista, pois partia do pressuposto de que existe uma sociedade de classes, e de que
o sistema punitivo se organiza ideologicamente para proteger os interesses próprios da classe
dominante.

Na prática, tais autores da Criminologia Crítica apontavam ao fato de que o Direito


Penal pune de maneira mais rigorosa as condutas típicas de grupos marginalizados, deixando
livres crimes como os econômicos, pois seus autores pertencem às classes dominantes e em
razão disso devem ficar imunes ao processo de criminalização. Exemplo prático: insignificância
para crimes tributários e para crimes patrimoniais, como o furto, possui conceitos bem distin-
tos.

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Mais ou menos dez anos após as publicações de tais autores, começaram a se deli-
near três distintas tendências no interior da criminologia moderna: o neorrealismo de esquer-
da, o minimalismo penal e o pensamento abolicionista.

O neorrealismo de esquerda se contrapõe ao neorrealismo de direita (dos movimen-


tos conservadores da Lei e Ordem e tolerância zero), propondo que a criminologia se preocupe
com certos fatos que atingem mais diretamente a classe trabalhadora. Assim, haveria uma cer-
ta apropriação do Direito Penal por parte do proletariado para atender aos seus interesses. De-
fendem, ainda, a reinseração dos delinquentes. Ou seja, em vez de marginalizar os criminosos,
deve-se buscar alternativas para que estes adquiram compromisso ético com a comunidade.

Os neorrealistas de esquerda defendem ainda que a prisão deve ser mantida, ainda
que somente em circunstâncias extremas, pois algumas pessoas, em liberdade, seriam peri-
gosas à sociedade. Eles polemizam, portanto, com os defensores do minimalismo penal e do
abolicionismo, por entenderem que a busca de alternativas à prisão é, definitivamente, uma
manifestação de idealismo.

Os neorrealistas de esquerda, assim, acabam legitimando a ideia do cárcere.

O minimalismo, por sua vez, pode ser considerado uma outra corrente da teoria crí-
tica da criminologia, e tem como objetivo reduzir a aplicação do direito penal. Os minimalistas
defendem uma prudente não intervenção em face de alguns delitos, por entender que a radical
aplicação da pena pode produzir consequências mais gravosas do que os benefícios que pode
trazer.

Inicialmente, a corrente minimalista defende uma radical transformação da socie-


dade como a melhor maneira de combater o crime. A verdadeira política criminal seria uma
radical transformação social e institucional para promover a igualdade e a democracia.

Além disso, pugna por uma menor intervenção do sistema penal em certas áreas,
como crimes sem violência ou ameaça, delitos contra a moralidade pública, e uma maior in-
tervenção em outras, como as áreas que tratam dos interesses coletivos, a exemplo de saúde e
segurança do trabalho. São verdadeiros defensores do direito penal mínimo.

Segundo Shecaira, os minimalistas entendem não haver, a curto e médio prazo, con-
dições para implantação de um programa abolicionista, mas entendem quem que, com a utili-
zação dos meios de comunicação, poderiam preparar o caminho para em um futuro distante as
metas abolicionistas serem atingidas.

Os abolicionistas, por fim, fazem uma crítica arrasadora ao sistema punitiva. Afir-
mam que o sistema penal só tem servido para legitimar e reproduzir desigualdades e injustiças
sociais, razão pela qual merece ser abolido.

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Os abolicionistas elencam algumas razões para abolir o sistema penal, vejamos.

Inicialmente, sustentam que, em virtude da elevada cifra negra, nós já vivemos em


uma sociedade sem direito penal. A maior parte das situações já são resolvidas fora da justiça
criminal, o que demonstraria a desnecessidade de uma intervenção tão radical quanto a utili-
zação do sistema criminal.

O segundo motivo é que o sistema penal seria anômico. Isto é, as normas do sistema
não cumprem as funções esperadas, não protegem a vida, propriedade, etc. A função de pre-
venção geral atribuída à pena não se cumpre. Não haveria qualquer investigação empírica que
demonstrasse o efeito de dissuasão que poderia ter a lei penal junto aos criminosos.

O terceiro motivo consiste no fato de que o sistema punitivo é seletivo e estigmati-


zante. Ele cria e reforça as desigualdades. O controle social somente incide sobre determinadas
pessoas. A desviação não é uma qualidade da ação, mas o resultado da reação social. O conde-
nado, em face do processo, fica marcado. O estigma lhe pesa de tal forma que acaba interagindo
com o rótulo criminal e é impulsionado a viver e a comportar-se com a imagem que incorpora.

Por fim, o quarto motivo é que o sistema é burocrata. Polícia, Ministério Público, Ju-
diciário, etc., desenvolvem critérios próprios de ação, ideologias, culturas e subculturas, Nessa
compartimentalização, diluem-se as responsabilidades e ninguém se preocupa com a vítima.
Muitas vezes, as instituições acabam por se preocupar mais consigo mesma do que com o indi-
víduo envolvido no processo.

Esses, dentre outros, são os argumentos da corrente abolicionista.

6. LEI E ORDEM E TOLERÂNCIA ZERO

O movimento da Lei e Ordem foi um movimento conservador que ganhou amplitude


nos Estados Unidos e tinha como ideia central dar uma resposta ao fenômeno da criminalidade
com acréscimo das medidas repressivas decorrentes de leis penais.

Os defensores deste pensamento partem do pressuposto de que a sociedade está


dívida entre homens bons e maus. A violência destes só poderia ser controlada através de leis
severas, que imponham longas penas privativas de liberdade, quando não a morte. Este seria o
único meio de controle efetivo da criminalidade.

Exemplos do movimento no direito brasileiro: lei de crimes hediondos e o regime


disciplinar diferenciado.

O Movimento do “Law and Order” provocou o encarceramento em massa nos Esta-


dos Unidos.

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A política de tolerância zero surgiu paralelamente ao pensamento da Lei e da Or-
dem. A ideia central desse pensamento é que há um caráter sagrado dos espaços públicos, e
uma pequena infração, quando tolerada, pode levar ao cometimento de crimes mais graves,
em função de uma sensação de anomia que viceja em certas áreas da cidade. Assim, o combate
à criminalidade seria mais eficaz por meio da repressão dura a pequenos delitos.

O pensamento da tolerância zero é representado pela metáfora da teoria das janelas


quebradas, ou “broken window theory”, segundo a qual se a janela de um prédio é quebrada e
não consertada, todas as demais janelas serão imediatamente quebradas.

Os principais elementos da teoria podem ser assim resumidos:

a) ao lidar com pequenos criminosos, a polícia fica mais bem informada


e se põe em contato com autores de crimes mais graves;
b) a alta visibilidade das ações da polícia protege os bons cidadãos e dis-
suade os maus de praticarem crimes;
c) os cidadãos começam a retomar o controle sobre os espaços públicos;
d) na medida em que os problemas relacionados à desordem deixam de
ser exclusivos da Polícia e passam a ser de toda a sociedade, todos se
mobilizam para enfrentar tais questões de uma forma mais integrada.

A tolerância zero foi aplicada em Nova York na década de 90, e alardeada como causa
da redução drástica de índices de criminalidade, quando, na verdade, o real motivo foram cau-
sas econômicas, políticas e sociais não relacionadas com a repressão em massa.

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