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Parte I
Introdução
1.- O direito penal em sentido formal
1.1- O conceito de direito penal
Direito penal pode definir-se como o conjunto de normas jurídicas que
ligam a certos comportamentos humanos, os crimes, determinadas
consequências jurídicas privativas deste ramo de direito. Sendo a mais
importante dessas consequências, a pena, a qual apenas pode ser aplicada ao
agente do crime que tenha atuado com culpa. Ao lado da pena, o direito penal
prevê ainda outras consequências jurídicas, tais como as medidas de
segurança, as quais não supõem a culpa do agente, mas a sua perigosidade.
O que deixamos formalmente definido, a cima, constitui o direito penal em
sentido objetivo, deste costuma-se distinguir o direito penal em sentido subjetivo
– ius puniendi -, como poder punitivo do Estado resultante da sua soberania
competência para considerar, como crimes certos comportamentos humanos e
ligar-lhes certas sanções específicas. Deste modo, podemos afirmar que, o direito
objetivo é expressão ou emanação do poder punitivo do Estado.
Caso 4- Em 2012, A foi condenado em pena de prisão de 2 anos pelo facto de,
em 2010, aquando de um interrogatório a que foi sujeito na qualidade de arguido
num inquérito criminal, ter mentido sobre os seus antecedentes criminais
(artg.359º/1 CP). A lei nº20/2012 alterou o 141º/3 CPP, eliminando a obrigação
de prestação de declarações sobre os antecedentes criminais no âmbito do
interrogatório judicial do arguido detido. Que consequência daí terá advindo
para a execução da pena de prisão aplicada a A que se encontrava em curso?
Resolução 4- Durante o inquérito, a pessoa que é investigada, é chamada
ao processo para ser interrogado. Até 2013, a lei previa que o arguido durante o
inquérito tinha o dever de responder acerca dos seus antecedentes criminais e,
se a pessoa faltasse à verdade, incorria da prática de um crime. As pessoas
perante um interrogatório sentem-se desconfortáveis e acabam por mentir
muito, então acabava muitas vezes por se acrescentar este processo ao pelo qual
já estavam a ser interrogadas. O legislador em 2013, decidiu acabar com isto e
entendeu que a partir desse ano deixava de se poder perguntar isto dos
antecedentes criminais e ele deixava de estar obrigado a responder.
O nosso caso temos alguém que mentiu sobre os antecedentes criminais em
2010, e foi condenado por esse crime com uma pena de prisão de 2 anos (na
prática isto não seria concebível). Em 2013, deixou de ser obrigatória responder
a estas questões. Que consequência é que isto tem para a pena de prisão do A?
3. Leis intermédias
O princípio da lei mais favorável vale ainda para o que a doutrina apelida
de leis intermédias, isto é leis que entraram em vigor posteriormente à prática
do facto, mas que já não vigoram no tempo de apreciação judicial deste – esta
solução é totalmente abarcada pelo 29º/4 2ª parte CRP e 2º/4 CP, e justifica-se
teleológica e funcionalmente porque com a vigência da lei mais favorável o
agente ganhou uma posição jurídica que deve ficar a coberto da proibição da
retroatividade da lei mais grave posterior. Sendo assim, aquela lei será aplicada
num momento em que já não está em vigor – leis ultrativa.
2. Agora em setembro de 2018, entrou em vigor uma nova lei que aumentou
novamente a pena máxima. Então quando é que o individuo poderá sair da
prisão? O facto de após a lei mais favorável, novas leis, se estas forem de
conteúdo mais desfavorável estas não deverão ser aplicadas. A partir do
momento em que temos uma nova lei em vigor mais favorável, esse individuo
adquiriu uma certa expectativa de essa lei ser aplicada, por isso novas leis mais
desfavoráveis não serão aplicadas. Assim, sempre que temos várias leis
posteriores, apenas será aplicada mais favorável.
A lei que será aplicada será ultrativa dado que ela será aplicada em
fevereiro de 2020, num momento em que ela já não está em vigor, ultratividade é
mesmo isso, quando uma lei é chamada a ser aplicada apesar de já não estar em
vigor; a lei foi retroativa no momento da aplicação quando esta ainda estava em
vigor (fevereiro de 2018), mas em 2020 está já não estará em vigor visto que foi
revogada a favor da 3ª lei, sendo esta mais desfavorável e por isso não aplicável
ao nosso caso. O problema é relativo a cada momento em que a lei é aplicada,
dado que a lei vai ser suscitada quando já está morta.
4. Leis temporárias
Uma exceção ao princípio da aplicação da lei mais favorável está
consagrada no artg.2º/3 para as chamadas leis temporárias. Devem-se
considerar, leis temporárias: aquelas que a priori, são editadas pelo legislador
para um tempo determinado:
Seja porque este período é desde logo apontado pelo legislador em
termos de calendário ou em função da verificação ou cessação de um
determinado evento – ex.: duração de um estado de sítio ou de um estado
de guerra (leis temporárias em sentido estrito);
Problemas particulares
Apesar de a solução plurilateral parecer bastante clara, encontramos
alguns problemas. Nomeadamente, os crimes continuados (artg.30º/2 CP), em
que uma pluralidade real de factos (que podem ser cometidos em países
diferentes) é juridicamente considerada como unidade normativa. Na linha da
teleologia e da funcionalidade da solução plurilateral, está a solução de que deve
nestes casos, considerar-se bastante que um dos factos se encontre abrangido
pelo princípio da territorialidade.
Aquele que também se encontra coberto pelas razões apresentadas é o caso
da comparticipação (que tenha lugar em Portugal sob qualquer forma) num
facto praticado no estrangeiro; bem como a hipótese inversa de o facto se
verificar em Portugal, mas a comparticipação ter lugar no estrangeiro – a
A. Princípio da nacionalidade
Cumpre desde logo dizer que a complementaridade do princípio da
nacionalidade relativamente ao princípio da territorialidade, não significa que se
pretende, por meio dele, obviar a todo e qualquer crime que possa ser cometido
por um português fora do seu país. Apenas se reconhecesse, que existem casos
em que, se estes, apenas se repousassem no princípio da territorialidade,
poderiam abrir-se lacunas indesejáveis.
Existe uma máxima no direito internacional, de não extradição dos
nacionais, sendo que como já dissemos, nesse caso segue-se o princípio dedere
aut punire (o estado nacional vai puni-los ao invés de extraditar). Isto
corresponde ao conteúdo tradicional do princípio da nacionalidade, que de
acordo com o fundamento e a teleologia que lhe foram apontados, surge como
princípio da personalidade ativa – o agente é um português.
Fala-se também hoje de um princípio da personalidade passiva, para
efeitos da aplicação da lei penal portuguesa a factos cometidos no estrangeiro
por estrangeiros contra portugueses. A lógica deste não se trata da mesma da
personalidade ativa logicamente, dado que, o que é relevante é a nacionalidade
da vítima e não do agente. O que oferece fundamento ao princípio da
personalidade passiva é a necessidade, sentida pelo Estado, de proteger cidadãos
nacionais – exigência de proteção de nacionais perante factos contra ele
cometidos por estrangeiros, no estrangeiro e, neste sentido, a proteção de
interesses nacionais. Sendo assim, o princípio da personalidade passiva possui
um fundamento e uma teleologia que o identificam com o princípio da defesa de
interesses nacionais, sob a forma de proteção pessoal daqueles interesses.
Nota: Daí que há quem faça, a consideração teórica de tal princípio junto do
princípio da defesa de interesses nacionais. Mas também há quem não o faz, já
que o CP o considera junto do princípio da nacionalidade e além disso as
condições que a lei submete a este princípio são iguais às da personalidade ativa
e diferentes da proteção de interesses nacionais.
Caso 10- B padece de uma grave, dolorosa e incurável doença e deseja que lhe
ponham termo à sua vida. A pedido de B, C contacta uma clínica holandesa que,
ao abrigo da legislação do seu país, pratica homicídios de pessoas nas condições
em que B se encontra, a pedido delas. C trata de tudo o que se revela necessário a
que B seja morto na referida clínica e transporta B até lá. B é morto por um
médico holandês, tal como desejava. Pode C responder criminalmente em
Portugal, de acordo com a lei penal portuguesa, pelo seu auxílio à morte dada
a B?
Resolução 10- Temos um caso de eutanásia, em que uma pessoa
gravemente doente pretende pôr fim à sua vida, pedindo a um terceiro que o
ajude (C). A questão que se coloca é se C pode ser punido por causa do seu
auxílio na morte de B, visto que em Portugal isto configura crime. Poderia se
aplicar a lei penal portuguesa?
Neste caso, não há nada que nos indique que eles são portugueses, isto
porque à partida seriamos encaminhados para a alínea b) “contra portugueses
por portugueses”. A aplicabilidade da lei penal portuguesa estava dependente de
vários pressupostos:
Ambos serem portugueses;
Ambos residirem habitualmente em Portugal;
Temos um caso de nacionalidade ativa e passiva, o que é que diferencia
estas situações das normas situações de nacionalidade em termos da
A.- Tipicidade
C
B.- Ilicitude
C.- Culpa
B
Assim, para Figueiredo Dias, sendo esta a doutrina que nós seguimos, tanto
os tipos incriminadores, como os tipos justificadores concorrem na
concretização de um sentido de ilicitude material de que se reveste uma
determinada conduta. Conduta há que interceder entre uns e outros
determinadas diferenças de sentido e conteúdo. Começaremos então pelo estudo
do tipo incriminador.
Estrutura do dolo
A doutrina dominante conceitualiza o dolo, como conhecimento e vontade
de realização do tipo objetivo ilícito. Importa por isso, ver como ele se decompõe,
qual a sua estrutura. O artg.13º determina que, “só é punível o facto praticado
com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência”.
Ora, o dolo é o elemento subjetivo central do tipo de ilícito, dos crimes
dolosos e está previsto legalmente no art 14º CP. Neste artigo, temos definidos 3
tipos de dolo. Desde a escola finalista que o dolo é perspetivado como um
elemento do tipo de ilícito, como um elemento típico. Quando não está fora de
culpa, releva logo no plano da ilicitude típica. Na conceção que aqui se adota
(proposta por Figueiredo Dias), o dolo é um componente do crime com uma
natureza complexa e é composto por 3 elementos: dois que integram o tipo
subjetivo e um que integra a culpa.
Quando se mostra que o agente atuou em erro, importa saber sobre que
erro estamos a falar.
1) Erro sobre a factualidade típica
Faltando ao agente conhecimento, nos termos em que acabamos de o
explicar, da totalidade das circunstâncias, de facto ou de direito, descritivas ou
normativas, do facto, o dolo não se pode afirmar. Fala-se do erro sobre o tipo
incriminador/sobre a factualidade típica, no artg.16º/1, que dispõe que
havendo um erro sobre o tipo objetivo ilícito há exclusão do dolo.
O termo “erro” não é tomado apenas no sentido de uma representação
errada, mas também integra os casos de representação errada., que pode
abranger elementos descritivos e elementos normativos (cuja compreensão
apenas se alcance): tanto erra sobre a factualidade típica do crime de aborto a
mulher que, usando um medicamento que atua como abortivo, não sabe que está
grávida; com a mulher que está grave mas acha que o medicamento não vai fazer
A. Legítima defesa
A legítima defesa surge historicamente como o tipo justificador mais
sedimentado, mais consensual e até há não muito tempo praticamente
inquestionado nos traços fundamentais do seu regime. Está prevista no 31º/2 a),
e está caracterizada no artg.32º, sendo aí definidos os pressupostos
fundamentais.
A primeira ideia importante a reter é o que é que justifica a legítima defesa
– é uma justificação que está entranhada na consciência das pessoas, desde
sempre que se excluiu a responsabilidade de quem atuava em legitima defesa. É
a causa de justificação clássica.
Todavia, nas últimas décadas, tem se havido uma grande discussão, a
propósito dos limites da legítima defesa (ex.: será legitimo matar alguém que
entra em sua casa?). Tradicionalmente a legitima defesa era fundamentada com
base na ideia de quem haja em legítima defesa atua no lado certo, do lado do
direito – o direito não deve ceder perante o ilícito. Assim a legítima defesa
corresponderia a uma prevenção geral importante, pois essa reação possível por
via da legítima defesa, é um fator de dissuasão da pessoa que vai cometer um
crime. Essa ideia de na legítima defesa se defender a OJ, justificava e de certo
modo ainda se justifica uma ideia de fundo essencial na legítima defesa, que é a
da inexistência de limites fundados na proporcionalidade dos bens. O
problema que se coloca é de saber se em legitima defesa, se pode sacrificar um
bem mais valioso do que aquele que se está a defender? De acordo com o nosso
OJ, a resposta é sim, porque aquele que se está a defender tem a OJ do seu lado,
enquanto que aquele que está atacar não tem o direito do seu lado – ex.: pode
matar-se um ladrão para evitar que ele fuja com milhares de euros e a vida do
ladrão é mais valiosa do que o montante; uma mulher que está a ser violada pode
matar o homem para tentar fugir, pois está a atuar em legítima defesa. Em regra,
em legítima defesa podem sacrificar-se bens mais valiosos do que aqueles que se
defendem, por ter a razão da OJ do seu lado.
Atualidade da agressão
Apenas é admissível a legítima defesa contra agressões atuais. A agressão
apenas será atual quando é iminente, já se iniciou ou ainda persiste.
A agressão considera-se iminente, quando o bem jurídico encontra-se
imediatamente ameaçado. Parta da doutrina considera que se deveria ter em
atenção simplesmente o regime de tentativa, não sendo essa, contudo, a nossa
opinião, dado que restringiria demasiado casos em que a agressão não se teria
iniciado, mas que a sua agressão seria iminente – ex.: B dispara sobre A depois de
ver que A estava a tirar o revólver com o qual pretendia atirar sobre B, neste
caso, não poderíamos negar o direito de B de defender uma agressão que
embora, ainda não se tenha iniciado, se iria seguir imediatamente.
E relativamente àquelas situações em que já se sabe antecipadamente, com
certeza ou com um elevado grau de segurança que a agressão vai ter lugar? Tem
sido uma hipótese bastante discutida na doutrina, sendo há autores, que
admitem a justificação da legítima defesa pela teoria da defesa mais eficaz –
ex.: um dono de um estaleiro ouve 3 hóspedes a falaram do assalto à estalagem
A ilicitude da agressão
É este requisito que, permite melhor distinguir a legítima defesa das outras
causas de exclusão. A ilicitude da agressão afere-se à luz da totalidade da
ordem jurídica, não tendo de ser especificamente penal. Ex.: C põe termo
pela força às emissões de um ruido de um bar, que o impediam de descansar
durante a noite, que estava a funcionar para além do horário permitido e sem
condições de insonorização permitidas – violação de direitos de personalidade e
de normas administrativas.
Todavia, importa fazer uma restrição a esta unicidade entre a ilicitude geral
e a ilicitude da agressão para efeito de legítima defesa: a agressão não será ilícita
para este efeito relativamente a interesses para cuja “agressão” a lei prevê
2. A necessidade da defesa
Para que a defesa seja legítima, não é apenas necessário a necessidade do
meio, mas também, impõe-se que, ela própria, se revele normativamente
imposta, para que, possa ser vista como exigência de reafirmação do Direito face
ao ilícito na pessoa do agredido. A nossa conceção liga diretamente o requisito
da necessidade ao próprio fundamento da legítima defesa, sendo que, esta deve
ser feita em função de princípios diretamente retirados do fundamento de
justificação – eles conduzem à eleição de quatro grupos diferentes.
Agressões que não importa uma desatenção unívoca dos direitos do
agredido
Existem casos em que, sendo a agressão atual e ilícita, esta ocorre dentro
de um condicionalismo tal que faz com que ela não se apresente como uma
ofensa socialmente intolerável dos direitos do agredido. Daí que não deve
ser concedido um direito de legítima defesa “plena”, pois esta pode não surgir
como socialmente indispensável à afirmação do direito face ao ilícito na pessoa do
3. O elemento subjetivo
Desde há muito que suscita e continua a suscitar-se a questão de saber, se
será ainda de exigir, como requisito da ação de defesa, a existência no defendente
de um animus defendi, de uma atuação com vontade de defender os bens
jurídicos ameaçados pela agressão. Uma resposta afirmativa foi outrora
dominante na doutrina, porém, a doutrina dominante atualmente entende que,
existindo o conhecimento da situação de legítima defesa, não deverá fazer-
se a exigência adicional de uma co-motivação de defesa – tal faria depender a
existência de justificação da manifestação de um atitude interior que levaria a
conotar perigosamente a legítima defesa com conceções morais próximas de um
direito penal do agente.
O auxílio necessário
O artg.32º estende a justificação da legítima defesa aos casos em que esta é
exercida para proteger interesses de terceiro – “auxílio necessário”. Assim, a
defesa necessária é consentida não só ao agredido, mas a qualquer pessoa. Os
requisitos de legítima defesa devem ser os mesmo quer se trate de legítima
defesa própria, quer do terceiro.
Um problema discutido neste âmbito, é o de o caso de o agredido não
querer ser defendido ou quer ser ele próprio a defender-se. A nossa opinião é de
que, perante uma agressão atual e ilícita, a defesa do terceiro levada a cabo
contra a vontade manifestada do agredido não poder reivindicar-se como
exercício da legítima defesa do artg.32º: ela não representa a defesa do direito na
pessoa do agredido.