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FACULDADE DE PAULÍNIA

CURSO DE DIREITO

DIREITO PENAL – TEORIA GERAL DO CRIME

PARTE I - TEORIA GERAL DO DIREITO PENAL

1 – CONCEITO DE DIREITO PENAL.

A - Denominação.

Direito Penal ou Criminal?

Direito Penal – refere-se às conseqüências; Direito Criminal – refere-se às


causas.

A rigor, se falarmos em Direito Penal estaremos incorrendo no equívoco de limitar


a matéria, já que um fato criminoso pode não necessariamente acarretar em
pena.

Por outro lado, se tratarmos a disciplina com a nomenclatura Direito Criminal


estaríamos rotulando a disciplina desarmonicamente, tendo em vista que o
principal diploma da matéria que hoje se tem é o Código Penal (Decreto-lei nº
2848, de 7 de dezembro de 1940).

A Constituição Federal – art. 22, I – utiliza expressão Direito Penal.

No Direito comparado tem-se a preferência pela expressão Direito Penal


(Alemanha, Espanha, França, Itália, Portugal, Argentina, Chile etc).
B - Conceito.

Fernando Capez – “É o segmento do ordenamento jurídico que detém a função


de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à
coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para a
convivência social, e descrevê-los como infrações penais, cominando-lhes, em
consequência, as respectivas sanções, além de estabelecer todas as regras
complementares e gerais necessárias à sua correta e justa aplicação.”

C - Função Ético-Social.

Proteção de valores fundamentais para a subsistência do corpo social, não só


através da difusão do temor ao risco de ser punido, mas principalmente pela
consciência da necessidade da existência e respeito às normas penais.

D – Objeto

A conduta humana.

E - Caracteres.

Ciência cultural, normativa, valorativa, finalista, predominantemente sancionadora


e fragmentária.

a) Ciência – suas normas e regras estão sistematizadas por um


emaranhado de princípios, que compõe a chamada dogmática jurídico-
penal – o cumprimento de todas as suas normas é exigido pela
obrigatoriedade;

b) Cultural – indaga o “dever ser” - conduta a ser por todos observadas –


diferentemente das ciências naturais;

c) Normativa – estudo das leis e não das causas do crime (Direito positivo);

d) Valorativa – trata de valores maiores do homem, dispondo-os em uma


escala de hierarquia e valorando os fatos de acordo com sua gravidade -
por conta disso, deve haver proporcionalidade da sanção com a ofensa
ao bem tutelado;
d) Finalista – visa a proteção e prevenção de danos e ameaças a bens e
interesses jurídicos merecedores da tutela mais eficiente através da
ameaça legal de aplicação de sanção;

e) Predominantemente sancionadora – ou subsidiária – pois que, na maioria


do tempo, não cria bens jurídicos, mas reforça a tutela jurídica dos bens
regidos pela legislação extrapenal. É, porém, excepcionalmente
constitutivo, quando cuida de interesses não regulados em outras áreas
do Direito, como o uso indevido de drogas e a solidariedade humana
(omissão de socorro);

f) Fragmentária – não cuida de todos os valores ou interesses, mas


somente os mais importantes para a manutenção e o desenvolvimento
do indivíduo e da sociedade.

F – Posição enciclopédica.

Direito Público Interno.

G – Espécies

a) Direito Penal objetivo e subjetivo:

a.1 - Direito Penal objetivo – conjunto de normas que regulam a ação do


Estado (define crimes e suas respectivas sanções);

a.2 - Direito penal subjetivo - Direito de punir, limitado às normas existentes

b) Direito Penal comum e especial:

b.1 - Direito penal comum - que se aplica a todos;

b.2 - Direito penal especial – que se aplica a uma classe de indivíduos com
qualidades especiais.

c) Direito Penal substantivo e adjetivo:

c.1 - Direito Penal substantivo – normas que definem as figuras penais e


respectivas sanções, bem como as regras gerais a elas relativas;
c.2 - Direito Penal adjetivo – preceitos de aplicação do direito substantivo e
de organização judiciária (processual).

d) Direito Penal do fato e Direito penal do autor:

d.1 – Direito penal do autor (primeira metade do século passado) – uma


pessoa deve ser punida mais pelo que é e menos pelo que fez;

d.2 – Direito Penal do fato – pune-se alguém pelo que fez e não pelo que
ele é.

e) Direito Penal Internacional e Direito Internacional Penal:

e.1 – Direito Penal Internacional – direito produzido internamente, cuja


aplicação se dá sobre fatos ocorridos fora do Brasil;

e.2 – Direito Internacional Penal – normas externas (tratados e convenções


internacionais) que vigoram dentro do nosso país.

f) Direito Penal do cidadão e Direito Penal do inimigo:

f.1 – Direito Penal do cidadão – garantia da vigência da norma – o indivíduo


que desrespeita a norma, submete-se a uma sanção, de forma a ser
ter tal garantia;

f.2 – Direito Penal do inimigo – combate perigos – o infrator não é


meramente uma pessoa, mas sim um inimigo a ser eliminado e
privado do convívio social.
2 – RELAÇÕES DO DIREITO PENAL

A – Introdução.

O sistema jurídico de um país é formado de elementos que se completam. Deste


modo, o Direito Penal, como uma das partes desse todo, tem íntima correlação
com os demais ramos das ciências jurídicas.

Ademais, existem outras ciências que, ainda que não relacionadas diretamente ao
estudo do crime, fornecem subsídios e esclarecimentos a certas questões da
doutrina, além de elementos científicos indispensáveis, sobretudo, à aplicação da
lei penal.

Por fim, se tem algumas outras ciências, denominadas criminológicas - causal-


explicativas - destinadas ao estudo do crime como uma forma de comportamento
humano, “episódio de desajustamento do homem às condições fundamentais da
convivência social” (Mirabete). Dentre estas destaca-se a Criminologia.

B – Relações com as ciências jurídicas fundamentais

a) Filosofia do Direito – as investigações desta levam à fixação de princípios


lógicos à formulação de conceitos básicos e à definição de categorias
fundamentais e indispensáveis à elaboração da lei penal.

Também na elaboração e aplicação da norma penal, na descrição dos fatos


criminosos e no estabelecimento de sanções, faz-se um juízo de valor
sobre a conduta humana, numa operação eminentemente ética (Filosofia
Moral).

Finalmente, para a elaboração legislativa e também a interpretação do


ordenamento jurídico deve ser precedidas por métodos dedutivos lógicos
(Lógica).

b) Teoria Geral do Direito – elaboração de conceitos e institutos jurídicos que


permitem que as regras fundamentais elaboradas em consonância com a
lógica e a deontologia do Direito penetrem no Direito Penal e coordene as
regras básicas na conceituação de vários institutos penais.

c) Sociologia Jurídica – como é Direito Penal refere-se especificamente a uma


conduta humana, é necessário para o estudo de suas instituições e
conceitos o conhecimento da realidade social subjacente.

C – Relação com outros ramos da ciência jurídica

a) Direito Constitucional – ciência da qual o Direito Penal retira seu


fundamento. Luiz Flávio Gomes defende que, derivando o poder de castigar
da própria Constituição Federal e se realizando mediante normas e
decisões judiciais que devem ser vinculados aos princípios e valores
constitucionais (liberdade, igualdade, dignidade da pessoa etc.) - que se
apresentam como princípios reitores internos do Direito Penal - o que se
impõe hoje é conceber o Direito Penal como Direito Penal Constitucional.

b) Direito Administrativo – A lei penal é aplicada através dos Agentes da


Administração, bem como as penas são cumpridas em estabelecimentos
públicos.

Também o Direito Penal se serve de conceitos cunhados no Direito


Administrativo – redefinindo alguns, atribuindo-lhes o sentido mais
adequado às suas necessidades particulares, além de tutelar interesses
pertencentes à Administração Pública.

As decisões judiciais podem refletir no âmbito administrativo – perda de


cargo ou de função pública, suspensão do direito de dirigir, por exemplo.

E, embora ilícitos penal e administrativo não se confundam, tendo,


inclusive, procedimentos e autoridades distintas para conhecê-los e julgá-
los, a responsabilidade penal de servidores públicos – especialmente nos
denominados crimes funcionais podem levar também à responsabilização
administrativa.
c) Direito Processual Penal – Dá executariedade ao Direito Penal, de tal modo
que sua concretização deste depende necessariamente do Direito
Processual Penal – artigo 5º, LIV, da CF (nullum crime, nulla poena sine
legale iuditio).

d) Direito Privado:

d.1) Direito Civil – Embora o conceito de ilícito civil seja mais amplo que o
de infração penal – que cuida de agressões mais intensas a valores
fundamentais da sociedade e, por conta disso, é apenada com mais
severidade – é certo que um fato criminoso possa constituir, também,
um fato que obrigue a uma reparação civil.

O Direito Penal tutela o patrimônio, a posse e a família, por exemplo,


institutos previstos no Código Civil.

Por fim, muitas das noções constantes nos tipos penais são fornecidas
pelo Direito Civil (casamento, ascendente, descendente, tutor, curador,
erro etc).

d.2) Direito Tributário – Embora a finalidade do Direito Tributário seja


totalmente diverso do Direito Penal, é certo que este contém normas
de repressão a crimes contra a ordem tributária e de sonegação fiscal
(Leis 4.729/65 e 8.137/90, respectivamente). Também mantém
estreito relacionamento com o Direito Financeiro, quando incrimina
condutas praticadas contra a finanças públicas (artigos 359-A a 359-H
do Código Penal).

d.3) Direito Comercial – A lei penal tutela institutos como o cheque, a


duplicata, o conhecimento de depósito ou warrant etc. Determina,
ainda, a incriminação da fraude no comércio e tipifica, em lei especial,
os crimes falimentares.

d.4) Direito do Trabalho – O Direito Penal cuida da Organização do


Trabalho ao prever condutas e estabelecer sanções que contra ela
atente (artigos 197 a 207 do Código Penal) e, também, por se ter
efeitos trabalhistas da sentença penal (artigos 482, d, e parágrafo
único, e 483, e e f, ambos da CLT).

e) Direito Internacional – O Direito Penal interno submete-se às normas


previstas em Tratados ou Convenções Internacionais, elaboradas no
sentido de se ter a luta contra a chamada “criminalidade universal” (defesa
da mulher, adolescentes, falsificação de moedas, tráfico de entorpecentes
etc). , bem como para combater violações de direito internacional (crimes
de guerra, contra a paz, genocídio etc).

O Brasil, desde 2002, se submete à jurisdição do Tribunal Penal


Internacional, a quem compete julgar os crimes mais graves que afetam a
comunidade internacional em seu conjunto.

Também a extradição de criminosos tem seus requisitos fixados em Lei


tutelada pelo Direito Internacional.

D – Relação com as disciplinas auxiliares

São consideradas ciências auxiliares aquelas disciplinas que servem à aplicação


prática do Direito Penal, dentre elas, especialmente, a Medicina Legal, a
Criminalística e a Psiquiatria Forense.

a) Medicina Legal – a elaboração de leis penais, assim como as cíveis, por


vezes necessitam do conhecimento médico, assim como a comprovação
da existência, a extensão e a natureza dos danos à saúde e à vida, a
ocorrência de atentados sexuais e a matéria de toxicologia
(envenenamento, intoxicação alcoólica e por substâncias de uso
proibido).

b) Criminalística – colabora na descoberta do crime e na identificação do


criminoso, através de provas periciais referentes a vestígios deixados no
local do crime (pegadas, manchas, impressões digitais), projéteis de
arma de fogo etc.
c) Psiquiatria Forense – estuda distúrbios mentais em face dos problemas
judiciários, tais como a imputabilidade, a semi-imputabilidade, a
deficiência mental como causa da vulnerabilidade da vítima em crimes
sexuais etc.
3 – CRIMINOLOGIA

A – Conceito, objetos e origem.

Uma ciência empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da


pessoa do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo, e que
trata de subministrar uma informação válida, contrastada sobre a gênese,
dinâmica e variáveis principais do crime – contemplando este como problema
individual e como problema social - assim como os programas de prevenção
eficaz do mesmo e técnicas de intervenção positiva no homem delinquente
(MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia, 4a
edição, São Paulo, RT, 2002).

Deste modo, tem-se que, enquanto o Direito Penal cuida da dogmática – estudo
das normas enquanto normas, a Criminologia estuda o crime, o criminoso, a vítima
e o controle social do Direito sob enfoque diverso.

Dependendo do objeto de investigação, pode-se falar em Antropologia criminal –


que se divide em Biologia e Psicologia Criminal – e Sociologia Criminal.

Alguns autores atribuem o nascimento da Criminologia à Escola Clássica (séculos


XVIII e XIX), surgida a partir do Iluminismo, cujos maiores expoentes eram
Feurbach, Beccaria, Bentham, Carrara e Rossi. Tinha-se a preocupação no estudo
sistematizado do crime e do criminoso, debruçando-se sobre as causas da
delinquência e os meios adequados para combatê-lo.

Todavia, como gênese da Criminologia moderna, ciência ocupada em conhecer o


fenômeno criminal, sua origem, seu diagnóstico e seu tratamento, reconhece-se a
obra L´Uomo delinquente, de Lombroso, datada de 1876.

B – Evolução (Séculos XIX e XX)

a) Criminologia da Escola Clássica (Idealista ou Primeira Escola) – surgida na


Itália, difundiu-se para o mundo todo, especialmente França e Alemanha.
Dividem-na, os autores, em duas fases distintas: a primeira, denominada
teórica ou teórico-filosófica tem por marca o livro “Dos delitos e das penas”,
do Marquês de Beccaria; já a segunda, denominada prática ou ético-jurídica
tem por maiores expoentes Francesco Carrara e Enrico Pessina.

Sua grande marca foi o método empregado na Ciência do Direito Penal, de


fundo dedutivo, em que o jurista deveria partir do abstrato (direito positivo)
para, então, passar ao concreto (questões jurídico-penais).

Os clássicos adotavam princípios absolutos (que invocavam o ideal de


Justiça) e se sobrepunham às leis em vigor.

Inspirando-se na filosofia iluminista, reconheciam que pena não poderia


servir como castigo, mas sim como fator de prevenção, na medida em que
a exemplaridade da pena e o temor do castiga afastariam a tentação do
delito.

b) Criminologia da Escola Positiva – no decorrer do século XIX, a


preocupação social mudou de foco – em vez de ser a defesa das pessoas
contra o arbítrio estatal, passou a centrar-se na proteção da sociedade
contra o crime e o criminoso. A Ciência do Direito Penal deixa de se voltar
para o sistema legal, deslocando-se para o delinquente e a pesquisa das
causas do crime.

A Escola Positiva socorria-se principalmente do método indutivo e


experimental.

Em relação à pena, a Escola Positiva tinha posição antagônica a sua


antecessora - a qual acreditava no livre-arbítrio das pessoas como
fundamento moral da pena – defendendo que o crime decorre de um
verdadeiro determinismo, decorrente de fatores biológicos (Lombroso),
sociais (Ferri) ou psicológicos (Garofalo).

A pena, deste modo, teria caráter eminentemente preventivo, atuando como


instrumento de defesa social. A sanção aplicava-se sobretudo pela
periculosidade do agente e não somente pela gravidade do delito.
c) Sociologia Criminal – surgida no final do século XIX, tinha-se as ideias
sociológicas predominantes no campo da explicação causal do delito
(Lacassagne, Tarde e Durkheim).

Enxergando o crime como fenômeno coletivo, cujas raízes poderiam ser


encontradas nas mais variadas causas sociais, as quais, analisadas e
combatidas, lograriam obter algum sucesso na redução da criminalidade,
suas obras encontraram grande aceitação à época.

d) Criminologia Socialista – Originárias dos pensamentos de Marx e Engels,


considerava que as causas do crime prendiam-se à miséria, à cobiça e à
ambição, que eram base do sistema capitalista, razão pela qual cumpriria
ao socialismo, a este combatendo, por fim às tragédias sociais e,
consequentemente, à criminalidade.

e) Sociologia Criminal Americana – O delito constitui um fato social, pois são


as regras de funcionamento do sistema social que desencadeiam
comportamentos adequados e desviantes, os quais configuram meios
distintos de busca pelo sucesso material e pela ascensão social.

Com a obra de Edwin Sutherland, White collor crime, reforçou-se a tese de


que o crime é um comportamento inerente ao convívio social e não obra da
pobreza ou da marginalidade, pois também é praticado por pessoas em
condições socioeconômicas vantajosas e elevado grau de escolaridade.

Por volta dos anos de 1920 e 1930 floresceu a chamada teoria ecológica ou
da desorganização social, nascida na Universidade de Chicago, para o qual
o crime seria um fenômeno ligado a áreas naturais.

Seguiu-se a ela a teoria culturalista, em que o cerne do comportamento


humano está na formação da personalidade como processo de socialização
e assimilação de padrões culturais, os quais se contrapõe aos instintos
individuais.

Por fim, a teoria da anomia, que enxerga o delito como o resultado de uma
defasagem entre as estruturas cultural (que a todos determina a busca
pelos mesmos fins e com idênticos meios) e social (a qual priva uns em
detrimento de outros dos recursos de persecução destes objetivos, fazendo
com que aqueles procurem meios ilegítimos de igualar as diferenças).

C- Evolução (final do século XX e início do século XXI)

a) Criminologia Crítica ou Criminologia Nova – surgida em meados dos


anos de 1960, nos Estados Unidos, os estudiosos, em vez de olhar para o
criminoso e perquirir as causas e os motivos que o impulsionam, dirige sua
atenção aos mecanismos e instâncias de controle social. Abandona-se, pois,
o paradigma determinista, adotando-se uma visão em que se dota um
modelo estatístico de abordagem.

O direito e o processo penal tornam-se mecanismos utilizados pelo dono do


poder, pois que moldados a partir dos grupos sociais dominantes.

A Criminologia Crítica possui três vertentes: o labelling approach, a


etnometodologia e a criminologia radical:

a.1) Labbeling Aproach – o comportamento criminoso é o resultado de uma


abordagem decorrente do sistema de controle social e não decorrente de
razões ontológicas ou intrínsecas.

Assim, as instituições “etiquetam” um agir desviante, decidindo quem é


criminoso, na medida em que a sociedade o que é aceito e o que é
proibido.

Em suma, inexiste, nesta perspectiva, a pessoa do delinquente, senão


como personagem social que, por critérios eleitos pelas forças
dominantes, dita normativamente o agir conforme as regras e o agir
desviante.

a.2) Etnometodologia – estuda o cotidiano e como ele é realmente


vivenciado, daí destacando-se as regras e os rituais das pessoas
envolvidas e como interagem seus partícipes e as “organizações (polícia,
ministério público, judiciário, sistema prisional etc).
Esta abordagem não faz qualquer juízo crítico acerca das normas ou da
estrutura social.

a.3) Criminologia radical – sob a influência da criminologia marxista, propõe


que, numa sociedade capitalista, cuja ordem jurídica é opressora, o
crime é um problema insolúvel. O caminho não reside em tratar o
“criminoso”, em tal contexto, mas em modificar a sociedade,
transformando-a.

b) Criminologia na Atualidade – os estudos criminológicos no século XXI


convergem para os seguintes pontos: a amplitude de seu alcance e a
multiplicidade de suas investigações.

À Criminologia cumpre não somente buscar uma explicação causal para o


delito, mas também dedicar sua atenção aos modelos de controle social e
como suas instituições agem, reagem e interagem com o criminoso.

Deve se ocupar, ainda, de questões relevantes de política criminal, inclusive


fixando critérios para a criminalização e descriminalização de condutas.

Possui duas vertentes: Criminologias do Conflito e do Consenso.

b.1) Criminologia do Consenso – por esta corrente, a coesão social se dá em


torno de valores comuns a toda sociedade, de tal modo que conflitos
capazes de ameaçá-los devem ser excluídos. Desse modelo advém uma
aceitação das normas jurídico-penais, porque constituiriam o meio de
tutelar o núcleo de coesão e o próprio funcionamento do sistema.

b.2) Criminologia do Conflito – prega que todas as relações sociais são


conflitivas, porque a autoridade é distribuída desigualmente entre as
pessoas, gerando por parte daqueles menos aquinhoados resistência a
essa desproporcional atuação. A coesão social não é um consenso,
somente sendo obtida por coerção.

Por esta teoria, o sistema de justiça criminal não é construído para


eliminar conflitos, mas com vistas a fazer com que os valores
comungados pelos grupos do poder dominante prevaleçam sobre as
demais camadas sociais.

Os conflitos, por sua vez, produzem constantes mudanças na distribuição


de poder e autoridade – tratando-se, pois, de um modelo dinâmico, que
possibilita mudanças de valores que devem ser protegidas pelo sistema
de justiça criminal.

Os autores costumam dizer que a Criminologia do Conflito é a única que


consegue esclarecer a razão pela qual o sistema de justiça penal sempre
se caracterizou por direcionar sua mais vigorosa reação a condutas
ilícitas praticadas pelas camadas sociais economicamente mais
fragilizada.

D) Vitimologia

Ciência que se preocupa com a pessoa do sujeito passivo da infração penal e com
sua contribuição para a existência do crime.

Após o trabalho de Hans Von Heting, intitulado “O criminoso e sua Vítima”, os


criminólogos, passaram a se interessar pelo tema.

Heting propôs uma abordagem dinâmica e interacionista, desafiando a concepção


de vítima como sujeito passivo. Salientou que algumas vítimas poderiam ter
característica que poderiam precipitar os fatos ou condutas delituosas,
fomentando a necessidade de análise da relação entre vítima e agressor. Em
outras palavras, a vítima pode ser colaboradora do criminoso.

Passa-se, deste modo, a par do binômio crime-criminoso, a dupla vítima-


criminoso, onde aquela se apresenta como personagem tão importante quanto o
delinquente na apreciação do fato delituoso.

Analisando-se diversos autores, tem-se cinco tipos distintos de vítimas:

a) Vítima completamente inocente ou vítima ideal – nada fez ou nada


provocou para desencadear a situação criminal, pela qual se vê danificada;
b) Vítima de culpabilidade menor ou vítima por ignorância – há um certo
impulso involuntário da vítima ao delito;

c) Vítima tão culpada quanto o infrator ou vítima voluntária – sem a


participação da vítima, o evento não teria ocorrido;

d) Vítima mais culpável que o infrator – provocadora, tende a prejudicar o


agente, que apenas reage;

e) Vítima mais culpável ou unicamente culpável – única responsável pela


ocorrência do evento danoso.

É com base nesta classificação, que se faz necessário investigar e propor


soluções a respeito da necessidade da reparação de dano material e moral à
vítima do crime.

A criminóloga venezuelana Lola Aniyar de Castro, em sua obra “Vitimologia” –


tese de Doutorado publicada em 1969, citando Mendelsohn, sintetiza o objeto da
Vitimologia nos seguintes itens:

a) Estudo da personalidade da vítima, tanto vítima de delinquente, ou vítima


de outros fatores, como consequência de suas inclinações subconscientes.

b) O descobrimento dos elementos psíquicos do “complexo criminógeno”


existente na “dupla penal”, que determina a aproximação entre a vítima e o
criminoso, quer dizer: “o potencial de receptividade vitimal”.

c) Análise da personalidade das vítimas sem intervenção de um terceiro –


estudo que tem maior alcance do que o feito pela Criminologia, pois
abrange assuntos tão diferentes como o suicídio e os acidentes de trabalho.

d) Estudo dos meios de identificação dos indivíduos com tendência a se


tornarem vítimas;

e) A importantíssima busca dos meios de tratamento curativo, a fim de


prevenir a recidiva da vítima.
No Direito Penal brasileiro, tem-se fundamentada na Vitimologia que o
comportamento da vítima – inocente, colaboradora e culpada - deve ser
considerada pelo Juiz para a fixação da pena do autor do crime (artigo 59 do CP).

Por fim, interessante salientar que estudos apontam três graus de vitimização: a
primária, decorrente do próprio ato criminosos em si – violador dos direitos da
vítima: danos materiais, físicos, psicológicos etc.; a secundária, que decorre do
“sofrimento” adicional que o sistema de justiça criminal, com suas mazelas,
provoca na vítima; e a terciária, consistente na falta de amparo dos órgãos
públicos e da ausência social de receptividade social em relação à vítima
(estigmatização).
4 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PENAL

A) Tempos primitivos

Diz-se que a história do D. Penal se confunde com a do próprio homem. Todavia,


não existia, nos tempos primitivos, um sistema orgânico de princípios penais.

Como todos os fenômenos naturais eram entendidos como manifestação dos


deuses encolerizados pela prática de fatos humanos que exigiam reparação,
havia, sim, uma série de proibições (denominadas “tabus”), que, se não fossem
obedecidas, demandavam castigos, que poderiam ser a morte do infrator ou a
oferenda de bens a ele valiosos. Nasce, assim, o crime e a pena. Esta, a princípio,
nada mais significava do que a vingança, revide à agressão sofrida, geralmente
desproporcional à ofensa e aplicada sem preocupação da justiça.

B) Fases da vingança.

Magalhães Noronha reconhece três fases distintas na evolução da vingança


penal, as quais, como bem ensina Carlos Masson, não possuem uma progressão
sistemática, com princípios, períodos e épocas capazes de distinguir cada um de
seus estágios, mas algo que foi se desenvolvendo para atender as necessidades
de seu tempo:

a – Vingança divina - Na fase da vingança divina, com a influência da religião,


tinha-se que a repressão ao crime deveria servir como satisfação aos deuses pela
ofensa praticada pelo homem e, até, pelo grupo social. O castigo era aplicado pelo
sacerdote, que se utilizava de penas severas, como forma de intimidação.

b - Fase privada - cometido um crime, ocorria a reação da vítima, dos parentes e


até do grupo social, leia-se tribo. Não eram raras as agressões não só ao infrator,
como também ao grupo social que a este pertencia (“vingança de sangue”), que
poderia, inclusive, acarretar o extermínio de toda uma comunidade. Se o
transgressor fosse membro da tribo, era banido (“expulsão da paz”), o que, via de
regra, significava sua morte por membros de outras tribos. Posteriormente surge a
chamada “Lei de Talião” (olho por olho, dente por dente), através da qual se tem
que a reação deve se dar de forma idêntica à ofensa. Foi um grande avanço na
história do D. Penal, por reduzir a abrangência punitiva, e foi adotado pelos
grandes diplomas legais da época, como o Êxodo (povo hebraico), o Código de
Hamurabi (Babilônia) e a Lei das XII Tábuas (Roma). Surge, também nesta fase, a
composição, através da qual o infrator, mediante pagamento, “compra” sua
liberdade. Esta conduta originou as formas modernas de indenização.

c - Por fim, a fase da vingança pública, que, a princípio também tinha sua origem
na divindade dos governantes, mas que posteriormente transformou-se em
responsabilidade individual e não mais do grupo.

C) Direito dos hebreus, dos romanos e germânico

Evoluiu o D. Penal do povo hebreu com o Talmud, que substituiu a pena de Talião
por multas, prisões e imposições de gravames físicos. A pena mais comum era de
prisão perpétua, sendo rara a aplicação da pena de morte. Havia, neste instituto,
dois tipos de crime: um contra a divindade e outro contra o semelhante.

Já em Roma, com a separação do Direito e da Religião, os crimes passam a ser


considerados de natureza pública, assim como público passa a ser o direito de
punir. Surge no Direito Romano algumas das figuras que hoje compõe o Direito
Moderno (dolo e culpa, erro, imputabilidade, legítima defesa, agravantes,
atenuantes etc.).

O Direito Penal germânico, por sua vez, era consuetudinário, com características
acentuadamente de vingança privada. Adotou a “Lei de Talião” muito depois de
Roma e não reconhecia a distinção entre culpa e dolo, punindo-se sempre o autor
em razão da ofensa ao bem jurídico.

D) Direito canônico e medieval


A Igreja cristã, ao menos a princípio, contribuiu sobremaneira para a humanização
das penas, muito embora isso visasse muito mais o interesse político do Papa em
proteger os interesses religiosos. Proclamou-se a igualdade entre os homens,
acentuou-se o aspecto subjetivo do crime. Surge, pela primeira vez, a pena como
forma de ressocializar e regenerar o indivíduo pelo arrependimento e pela
purgação da culpa. Por mais paradoxo que possa parecer, foi esta visão da pena
que levou aos excessos praticados na Inquisição. O Direito Penal medieval, assim,
tem a influência do D. Romano, Germânico e Canônico.

E) Período humanitário

Com o Iluminismo (fins do século XVIII), inicia-se o período humanitário,


reformando-se as leis e a administração da justiça penal, reconhecendo-se o D.
Penal como ciência, cujos temas principais são o fundamento do direito de punir e
a legitimidade da pena. Cesare Bonesana, o Marques de Beccaria, demonstra
muito bem o pensamento da época em seu livro “Dos Delitos e da Pena”.

F) Escola clássica

A definição de crime passa a ser “a infração da lei do Estado, promulgada para


proteger a segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem,
positivo ou negativo, moralmente imputável e politicamente danoso” - Francesco
Carrara. Reconhece-se, pois, que crime é um “ente jurídico” impelido por duas
forças: a física, consistente no movimento corpóreo e o dano provocado pelo
crime, e a moral, constituída da vontade livre e consciente do criminoso. A pena é
tida como forma de proteção aos bens jurídicos tutelados penalmente

G) Escola positiva e período criminológico

Com o movimento naturalista do século XVIII, o crime passa a ser considerado


como manifestação da personalidade humana e produto de várias causas, dentre
as quais de origem biológica. Nasce Antropologia Criminal e cria-se a figura do
criminoso nato, de Lombroso. Esta fase teve sua maior importância no tocante a
ampliar os horizontes do D. Penal, de modo a anos depois, ter-se a Escola
Positiva, onde verificou-se que, para compreender as ciências criminais deve-se
analisar o delito, o delinquente e a pena.
H) Escolas mistas

Aproveitando-se das ideias clássicas e positivistas, surgem escolas mistas,


reconhecendo-se a importância da causalidade do crime e não sua fatalidade,
pregando a reforma social como dever do Estado no combate ao crime.

I) Direito Penal do Brasil

Antes da colonização, aplicava-se em nosso País, onde habitavam tão somente


indígenas, predominava a vingança - especialmente a privada, com a utilização de
sistemas semelhantes ao Talião, sem prejuízo da adoção da vingança divina,
lastreada no misticismo. Predominavam, assim, as penas corporais – embora sem
emprego de tortura.

Não se tinha uma autêntica organização jurídico-social, mas apenas regras


consuetudinárias, transmitidas verbalmente pelas gerações e quase sempre, como
acima visto, dominadas pelo misticismo.

Todavia não houve nenhuma influência disso em nossa legislação.

Com a chegada dos portugueses, tem-se, primeiramente, a vigência das


Ordenações Afonsinas, promulgadas em 1446 por D. Afonso V, que apresentava
conteúdos do Direito Romano e do Direito Canônico, tais como crueldade das
penas, a inexistência de princípios como o da legalidade e da ampla defesa,
predominando a arbitrariedade dos juízes quando da fixação da pena, que
entendia-se possuir caráter meramente preventivo. O delinquente permanecia
preso antes mesmo da condenação, para evitar sua fuga até ser julgado ou para
obrigá-lo ao pagamento de eventual pena pecuniária lhe imposta.

Em 1514 são editadas, por D. Manuel, o “Venturoso”, as Ordenações Manuelinas,


que poucas diferenças trouxeram sobre o estatuto anterior vigente.
Correspondiam, ainda, à fase da vingança pública, trazendo penas crudelíssimas.
O Direito era aplicado pelos donatários das capitanias hereditárias.
Em 1569 as Ordenações Manuelinas são sucedidas pelo Código de D. Sebastião,
cuja vigência vai até 1603, quando são editadas as Ordenações Filipinas, editadas
pelo Rei Felipe II, que subsistiram até 1830.

Este estatuto refletia o D. Penal medieval, onde o crime era confundido com
pecado e com a ofensa moral, punindo-se severamente os infratores, visando
infundir o temor pelo castigo. Não se tinha o princípio da proporcionalidade da
pena, ficando ao arbítrio do julgador a escolha da sanção penal a ser aplicada, se
tendo uma visível diferenciação da aplicação da pena em relação às classes das
pessoas (fidalgos, cavaleiros, escravos etc).

Sob a égide desse Estatuto, Tiradentes foi executado, em 1792, sabendo-se que
as consequências penais de seu comportamento, considerado criminoso, foi
estendido a seus descendentes.

Vem a independência e com ela, em 1824, a primeira Constituição brasileira, em


cujo artigo 179, XVIII, se tem a determinação da elaboração de um Código
Criminal, “fundado nas sólidas bases da justiça e da equidade”.

Assim, em 1830, é editado o Código Criminal do Império, embasado no projeto


apresentado por Bernardo Pereira Vasconcellos três anos antes e considerado o
primeiro código autônomo da América Latina, trazendo nítidos sinais de evolução
em prol da humanização.

Foram abolidos, por exemplo, os açoites, as torturas, a marca de ferro quente e


todas as demais penas cruéis. Da mesma forma, a pena passou a não ser
aplicada senão à pessoa do delinquente, proibindo-se a confiscação de seus bens
e que a infâmia do réu se transmitisse a qualquer parente, qualquer grau que
fosse (incisos XIX e XX do artigo 179 da Constituição de 1824).

Apesar disso, eram permitidas as penas de morte na forca, de galés, de trabalhos


forçados, de banimento, degredo e desterro.

Por fim, entre as grandes inovações tem-se o artigo 55 do Código Criminal, que
estabeleceu o sistema de dias-multa, até hoje vigente. Nada obstante algumas
características positivas, chama a atenção a inexistência da figura da culpa e a
continuidade da desigualdade, principalmente em relação aos escravos, que eram
considerados como “bens semoventes”, portanto equiparados a animais.

Com a República tem-se o Código Penal de 1890 – portanto anterior à


Constituição Federal, promulgada em 1891.

Projetado por João Baptista Pereira, desapontou pelas suas inúmeras falhas,
ignorando os avanços e tendências mundiais que se faziam sentir em razão do
positivismo. Seu maior avanço foi, sem dúvida, a abolição da pena de morte.

Em 1940 surge o Código Penal vigente, decorrente de um projeto elaborado por


Alcântara Machado, ressaltando-se que diversas reformas acabaram por alterar o
texto original, a principal delas em 1984, através da Lei 7.209.
5 – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE DIREITO PENAL.

A) Introdução

Todo ordenamento jurídico deve estar adequado ao Estado Democrático de


Direito estabelecido a partir de 1988 com a Constituição Federal. Porém, a
harmonização das leis não deve se realizar tão somente no plano da congruência
formal, mas também no que diz respeito à interpretação e adaptação na
conformidade com o texto constitucional.

B) Princípios Constitucionais

Tem-se nos dias de hoje que os princípios contêm inegável força normativa, não
se admitindo mais que sejam considerados apenas como meras aspirações ou
vagas diretrizes.

Os princípios, deste modo, servem como a expressão primeira dos valores


fundamentais incorporados em nossa sociedade por intermédio da Constituição.

a) Princípios Constitucionais em espécie: a doutrina reconhece que mesmo os


princípios não se encontram em um mesmo patamar hierárquico ou de grau de
importância, fazendo menção a algumas que se sobrepõem às demais. Assim,
temos os chamados princípios basilares ou estruturantes e os princípios
derivados ou decorrentes.

Os princípios basilares do Direito Penal, segundo a maioria dos autores, seriam


Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (artigo 1º, III, da CF), da Legalidade
(artigo 5º, XXXIX) e da Culpabilidade (artigo 5º, LVII).

Destes, sem qualquer sombra de dúvida, o mais importante é o da Dignidade


da Pessoa Humana, dada a sua elevada hierarquia e privilegiada posição no
ordenamento jurídico, posto que nossa Constituição a elege como um dos
fundamentos da República.
b) Princípios derivados ou decorrentes:

A doutrina arrola uma vasta gama de princípios decorrentes do princípio da


dignidade humana, sendo os mais usualmente considerados:

b.1 - Insignificância ou bagatela – de minimis non curat praetor (Direito


Romano) – o Direito Penal não deve criminalizar comportamentos que
produzam lesões insignificantes aos bens juridicamente tutelados. A
ação pode ser formalmente típica, sem que se tenha sua tipicidade
material (para tanto, necessário se ter, também, prejuízo social).

Para sua aplicação deve-se levar em conta não só o valor do objeto –


considerando-se para tanto não a capacidade econômica do ofendido,
mas o valor do bem em si mesmo – mas também a ausência de
periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento, a mínima ofensividade da conduta e a inexpressividade
da lesão jurídica provocada;

b.2 – Exclusiva proteção de bens jurídicos – O Direito Penal não pode


tutelar valores meramente morais, religiosos, ideológicos ou éticos, mas
somente atos atentatórios a bens jurídicos fundamentais e reconhecidos
na Constituição Federal;

b.3 - Alteridade ou transcendentalidade – a conduta deve transcender a


esfera individual do autor - as lesões devem se referir aos interesses e
bens de outrem. Por este princípio, fica vedada a incriminação do
pensamento, bem como a prática da autolesão e do suicídio;

b.4 - Confiança – requisito para a existência do fato típico. Baseia-se na


premissa de que todos os indivíduos haverão de agir como é esperado,
visando evitar danos a terceiros. Denomina-se tal confiança como
permitida, contrapondo-se com aquela outra chamada proibida, na qual
ocorre o abuso da situação de confiança, como por exemplo um
motorista que passa muito próximo a um ciclista, criando uma situação
de perigo.
b.5 - Adequação social – o legislador, no exercício de sua função
seletiva, deve tê-lo por parâmetro ao estabelecer quais são as condutas
humanas que merecem a punição criminal, deixando de lado aquelas
socialmente adequadas (segundo Hans Welzel, aquelas atividades nas
quais a vida em comunidade se desenvolve segundo a ordem
historicamente estabelecida).

b.6 - Intervenção mínima – Direito penal como ultima ratio. O Estado


deve evitar o emprego da pena criminal, recorrendo, sempre que
possível, de meios menos lesivos para assegurar o convívio e a paz
social. Este princípio tem por destinatário tanto o legislador (cautela no
momento de eleger as condutas que merecerão punição criminal),
quanto o operador (não proceder ao enquadramento típico, quando notar
que aquela pendência pode ser resolvida satisfatoriamente com a
atuação de outros ramos menos agressivos do ordenamento jurídico).
Deste princípio decorre o da subsdiariedade;

b.7 - Proporcionalidade – a norma penal não pode trazer maior limitação


social do que benefícios;

b.8 - Humanidade – As normas penais devem sempre dispensar


tratamento humanizado aos sujeitos ativos de infrações penais,
preservando sua incolumidade física e mental (vedação constitucional de
tortura, pena de morte, prisão perpétua, trabalhos forçados, penas
cruéis, banimento etc.);

b.9 – Ofensividade ou lesividade - não há crime sem lesão efetiva ou


ameaça concreta ao bem jurídico tutelado – “nullum crime sine injuria”.
Por ele, não se pune intenções e pensamentos.

b.10 - Princípio da responsabilidade subjetiva – os resultados danosos


que decorrem da ação livre e inteiramente responsável de alguém, por
dolo ou culpa, só podem ser imputados a este e não àquele que o tenha
anteriormente motivado;
b.11 - Princípio da responsabilidade pelo fato – pune-se fatos e não
autores com seus ideais e ideologias.

b.12 - Princípio da imputação pessoal – refere-se à imputabilidade do


agente: o agente deve ter potencial consciência da ilicitude ou
possibilidade de ter conduta diversa (nulla poena sine culpa);

b.13 - Princípio da personalidade ou pessoalidade – a pena não pode


passar da pessoa do condenado. Ninguém pode ser responsabilizado
por fato cometido por outra pessoa;

b.14 – Ne bis in idem – ninguém pode ser punido duas vezes na esfera
criminal pelo mesmo fato. Isso não impede a responsabilização em duas
esferas distintas (penal e cível e penal e administrativas, por exemplo).
6 – FONTES DO DIREITO PENAL.

Fontes do direito são a origem das normas jurídicas. Dividem-se em fontes


materiais, substanciais ou de produção (órgão encarregado de produção) e fontes
formais, de conhecimento ou de cognição (espécies normativas em sentido lato)

A) Fontes materiais, substanciais ou de produção: A União possui competência


legislativa para criar normas penais (artigo 22, I, da CF), existindo a possibilidade
de autorização aos Estados-Membros legislarem em matéria penal sobre questões
específicas, meramente locais (competência legislativa suplementar, de ordem
facultativa).

B) Fontes formais ou de conhecimento:

a- Diretas, imediatas ou primárias – somente as leis em sentido estrito. Podem


ser:

a.1 - Normas penais incriminadoras - definem as infrações e fixam as


respectivas penas;

a.2 - Normas penais permissivas - preveem a licitude ou a impunidade de


determinados comportamentos, apesar destes se enquadrarem na descrição típica
(ex.: artigos 20 a 25, 128, 142 etc.);

a.3 - Normas penais complementares ou explicativas - esclarecem o


significado de outras normas ou limitam o âmbito de sua aplicação. Podem estar
na Parte Geral (artigos 4º, 5º etc.) ou na Especial (artigo 327 etc.);

b – indiretas, mediatas ou secundárias.

b.1 - costumes – regras de conduta, não escritas, praticadas de modo geral,


constante e uniforme, com a consciência de sua obrigatoriedade. Espécies: contra
legem (inaplicabilidade da norma jurídica em virtude do desuso da lei), secundum
legem (traça regras sobre a aplicação da lei penal) e praeter legem (preenche
lacunas e especifica o conteúdo da norma).
b.2 - Princípios Gerais de Direito – premissas éticas extraídas do
ordenamento jurídico (ex.: princípios da insignificância, da alteridade, confiança e
adequação social).

Tais fontes podem somente servir como base para normas penais
permissivas e jamais como fundamento de criação ou agravamento de normas
penais incriminadoras.

b.3 – Analogia in bonam partem - embora a analogia não seja considerada


fonte formal mediata de Direito Penal, mas sim método de integração do
ordenamento jurídico pelo qual se aplica a lei do caso semelhante, previsto no
artigo 4º da LICC, os autores a reconhecem como um mecanismo utilizado para
suprir lacunas. Fundamenta-se no princípio ubi eadem legis ratio, ibi eadem
dispositio (onde há a mesma razão legal, aplica-se o mesmo dispositivo).
7 – LEI PENAL.

A) Classificação bipartida das infrações penais: no Brasil, adota-se a classificação


das infrações penais em crimes e contravenções.

O crime é a infração penal apenada com reclusão ou detenção (pode haver ainda
a cumulação de multa). Existe uma exceção no nosso ordenamento, que seria o
artigo 28 da Lei 11.343.06 - Lei antidrogas – que prescreve tão somente penas
alternativas ao sujeito ativo (alguns autores defendem que essa figura penal seria
uma infração penal sui generis, tese esta que não encontrou respaldo dos
tribunais superiores).

Já as contravenções penais (“infrações anãs”), são punidas com prisão simples e


multa, ou tão somente multa.

B) Caracteres:

a) imperativa - impõe pena, independentemente da vontade do infrator;

b) geral - destina-se a todos - erga omnes;

c) impessoal - deve ser aplicada a todos, indistintamente;

d) exclusiva - só ela pode definir crimes e suas sanções;

e) regula apenas fatos futuros – anterioridade da lei penal.

C) Classificações:

a – gerais (todo território) ou especiais (locais) – embora possível, não temos


estas últimas no Brasil.

b – comuns (Código Penal) e especiais (Leis Especiais Penais).

c – ordinárias (vigem em qualquer circunstância) e excepcionais (vigem tão


somente em situações de emergência, como, por exemplo, nos estados de sítio,
de guerra, de calamidade pública).

d – incriminadoras e não incriminadoras (estas últimas podem ser explicativas –


esclarecem o conteúdo de outras e estabelecem regras de aplicação da lei penal -
ou permissivas – cria isenções e imunidades).
D) Norma penal em branco (cega ou aberta) - de conteúdo incompleto, que
exigem uma complementação por outra norma jurídica.

a) Em sentido estrito (ou heterogênea) - possuem seu complemento em regra


jurídica procedente de uma instância legislativa diversa (Portarias, Resoluções,
Decretos, Regulamentos etc.)

b) Em sentido amplo (ou homogênea ou fragmentária) - tem seu complemento na


própria Lei Penal ou em outros diplomas legais (Código Civil, Comercial, Tributário
etc.)
8 – INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL

A) Conceito: atividade que consiste em extrair da norma penal seu exato alcance e
real significado. A interpretação deve buscar a vontade da lei, desconsiderando a
vontade do legislador.

B) Espécies:

b.1) Quanto ao sujeito: autêntica ou legislativa (promovida pelo próprio


Poder Legislativo); jurisprudencial ou judicial (Poder Judiciário); e
doutrinária ou científica (feita por estudiosos e cultores do Direito).

b.2) Quanto aos meios: gramatical, literal ou sintática (verificação semântica


dos vocábulos); histórico (antecedente social que motivou a norma); lógica
(a aplicação de uma regra não pode contradizer outra); ou teleológica
(busca-se a vontade da Lei).

b.3) Quanto ao resultado: declarativa (palavra da lei corresponde a sua


vontade), restritiva (a lei disse mais do que queria e a interpretação
restringe seu significado) e extensiva (a lei disse menos do que queria e a
interpretação amplia seu significado).

3) Vigência e revogação da Lei Penal

a) Vigência – não havendo disposição em contrário, 45 dias (LICC) a contar


da publicação – vacatio legis.

b) Revogação – expressa ou tácita; total (ab-rogação) ou parcial (derrogação);


auto revogação.

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