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UNIDADE 1 – DO PROCESSO COMO


COMPOSIÇÃO DE LITÍGIO. JUS PUNIENDI E
JUS PERSEQUENDI. CONCEITO DE DIREITO
PROCESSUAL PENAL. RELAÇÃO DO DIREITO
PROCESSUAL PENAL COM OUTROS RAMOS
DO DIREITO. FONTES DO DIREITO
PROCESSUAL PENAL. INTERPRETAÇÃO DA
NORMA PROCESSUAL PENAL. PRINCÍPIOS
DO DIREITO PROCESSUAL PENAL. SISTEMAS
PROCESSUAIS. EVOLUÇÃO DO DIREITO
PROCESSUAL PENAL

1 – Do processo como composição de litígio: o Estado detém o monopólio da


administração da justiça. O processo é o meio pelo qual o Estado procede à
composição da lide, aplicando o direito ao caso concreto e dirimindo os conflitos de
interesse. Sem o processo não há como solucionar o litígio (ressalvados os casos
em que se admitem formas alternativas de pacificação), razão por que é
instrumento imprescindível para o resguardo da paz social.

2 - Jus puniendi (direito de punir) e jus persequendi (direito de perseguir): o


Estado, única entidade dotada de poder soberano, é o titular do direito de punir
(para alguns, poder-dever de punir). Mesmo no caso da ação penal privada, o
Estado somente delega ao ofendido a legitimidade para dar início ao processo, isto
é, confere-lhe o jus persequendi, que também é delegado ao Ministério Público,
nos casos de ações públicas condicionadas e incondicionadas. Esse direito de
punir, titularizado pelo Estado, é genérico e impessoal, porque não se dirige
especificamente contra esta ou aquela pessoa, mas destina-se à coletividade como
um todo. Trata-se, portanto, de um poder abstrato de punir qualquer um que venha
a praticar fato definido como infração penal.

3 – Conceito de Processo Penal:

“é o conjunto de princípios e normas que disciplinam a composição das lides


penais, por meio do Direito Penal” (Victor Eduardo Rios Gonçalves)

4 – Conceito de Direito Processual Penal:

“é o conjunto de princípios e normas que regulam a aplicação jurisdicional do


Direito Penal, bem como as atividades persecutórias da Polícia Judiciária, e a
estruturação dos órgãos da função jurisdicional e respectivos auxiliares” (Mirabete
e José Frederico Marques).

“é o conjunto de princípios e normas que disciplinam a composição das lides


penais, por meio da aplicação Direito Penal objetivo” (Fernando Capez).

5 – Conteúdo do Direito Processual Penal: para a consecução de seus fins, o


processo penal compreende:
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5.1 – O procedimento: consistente em uma seqüência ordenada de atos


interdependentes, direcionados à preparação de um provimento final; é a
seqüência de atos procedimentais até a sentença.
5.2 – A relação jurídica processual – que se forma entre os sujeitos do processo
(juiz e partes), pela qual estes titularizam inúmeras posições jurídicas,
expressáveis em direitos, obrigações, faculdades, ônus e sujeições processuais.

6 – Características do Direito Processual Penal: a doutrina costuma discorrer


sobre três características do Direito Processual Penal. Senão vejamos:

6.1 – Autonomia: o direito processual penal não é submisso ao direito material, isto
porque, tem princípios e regras próprias e especializantes.

6.2 – Instrumentalidade: é o meio para fazer atuar o direito material penal,


consubstanciando o caminho a ser seguido para a obtenção de um provimento
jurisdicional válido.

6.3 – Normatividade: é uma disciplina normativa, de caráter dogmático, inclusive


com codificação própria (Código de Processo Penal: Decreto-Lei nº 3.689/41).

7 – Relação do Direito Processual Penal com outros ramos do Direito

7.1 – Direito Constitucional: o Direito Processual Penal se relaciona com o Direito


Constitucional, porque este estabelece os princípios fundamentais que garantem a
liberdade e os bens jurídicos essenciais do indivíduo. A lei constitucional, fonte
material da lei processual penal, contempla uma série de normas de direito público,
dentre as quais se destacam as referentes ao devido processo legal, contraditório e
ampla defesa, estado de inocência, inadmissibilidade de provas ilícitas,
formalidades relativas à prisão, instituição do Júri, etc.

7.2 – Direito Penal: somente através de processo penal é que se pode aplicar
praticamente o Direito Penal; ele é o único instrumento de execução para os casos
concretos. Enquanto o Direito Penal enumera as condutas puníveis e as
respectivas sanções a elas cominadas, o Direito Processual Penal disciplina o
processo, isto é, a atividade desempenhada pelos órgãos estatais com o escopo
de estabelecer se a lei penal foi violada e qual pena deve ser imposta ao autor da
transgressão.

7.3 – Direito Administrativo: a lei penal é aplicada através do processo por meio de
agentes da Administração Pública (juiz, promotor de justiça, delegado de polícia).

7.4 – Direito Civil: influenciam no direito processual penal nas questões


prejudiciais, cujo objeto é civil (art. 92 e 93 do CPP). Faz ainda o Código de
Processo Penal referência às restrições estabelecidas na lei civil quanto à prova do
estado das pessoas (art. 155) e aos documentos (art. 231/238). Institui
impedimentos decorrentes do Direito de Família, como o casamento e o
parentesco (arts. 252/255, 462) e possibilita a recusa ao testemunho por essas
mesmas relações civis (art. 206)

7.5 – Direito Comercial: as ligações do processo penal se encontram


principalmente na Lei de Falências, que, prevendo os crimes falimentares, fixa
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normas pertinentes à fase preparatória da ação penal, aos prazos, às


conseqüências do recebimento da denúncia, à prisão, à reabilitação, etc.

8 – Fontes do Direito Processual Penal: fonte é o lugar de onde provém a norma.


As fontes podem ser materiais ou formais.

8.1 – Fontes materiais: são chamadas fontes de produção. A fonte material de


produção da norma processual penal é o Estado, já que compete à União legislar,
privativamente sobre a matéria (art. 22, I da CF). Lei complementar federal pode
autorizar os Estados a legislar em matéria processual penal, sobre questões
específicas de interesse local (art. 22, parágrafo único, da CF). A União, os
Estados e o Distrito Federal possuem competência concorrente para legislar sobre
criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas (arts. 24, X e
98, I, da CF).

8.2 – Fontes formais: são fontes de cognição e conhecimento. São as que revelam
o direito. Dividem-se em fontes formais imediatas e mediatas:

a) Fontes formais imediatas: são as leis processuais penais. Ex: Código de


Processo Penal e outras leis que estabelecem procedimentos.

b) Fontes formais mediatas: fazem parte desse rol os costumes, princípios gerais
do direito, doutrina, jurisprudência

9 – Interpretação da Lei Processual Penal: no conceito de Rogério Greco,


interpretar é buscar o efetivo alcance da norma. É procurar descobrir aquilo que ela
tem a nos dizer com a maior precisão possível. Para Fernando Capez, é a
atividade que consiste em extrair da norma seu real significado. Deve buscar a
vontade da lei, não importando a vontade de quem fez.

9.1 – Interpretação autêntica ou legislativa: é a interpretação dada pelo próprio


legislador no corpo da lei.

9.2 – Interpretação doutrinária ou científica: é aquela feita pelos estudiosos do


direito, os quais, comentando sobre a lei que se pretende interpretar, emitem suas
opiniões pessoais.

9.3 – Interpretação judicial: é a realizada pelos aplicadores da lei (juízes e


tribunais) na análise do caso concreto.

9.4 – Interpretação literal ou gramatical: é aquela em que exegeta se preocupa,


simplesmente, em saber o real e efetivo significado das palavras (sentido literal).

9.5 – Interpretação teleológica: o intérprete busca alcançar a finalidade da lei,


aquilo ao qual ela se destina regular (a vontade da lei).

9.6 – Interpretação extensiva: é aquela em que o intérprete necessita alargar o


alcance da lei, haja vista que ela disse menos do que efetivamente pretendia. A
interpretação extensiva é referida expressamente no artigo 3º do Código de
Processo Penal. Ex: embora o artigo 479 do CPP se refira a documento, o
dispositivo abrange também a alegação da defesa em plenário sobre autos ou
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papéis que não constatavam do processo; O artigo 232 do Código de Processo


Penal considera documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis. Mas esse
conceito deve ser estendido, na medida em que documentos não se limitam a
escritos, englobando a fotografia, as gravuras, pinturas, fitas de vídeo etc; o art.
176 do Código Penal pune quem toma refeição em “restaurante” sem dispor de
recursos. O termo restaurante deve abranger boates, bares, pensões, dentre
outros; o art. 235 do Código Penal (bigamia), deve-se estender o conceito para
também incluir a poligamia; Art. 260 do Código Penal (perigo de desastre
ferroviário) envolve, além do serviço ferroviário, o serviço de metrô.

9.7 – Interpretação restritiva: é aquela em que o intérprete diminui, restringe o


alcance da lei, uma vez que esta, à primeira vista, disse mais do que efetivamente
pretendia dizer, buscando dessa forma, apreender seu verdadeiro sentido. Ex:
quando a lei prevê a nulidade por falta de intervenção do Ministério Público em
todos os termos da ação por ele intentada e nos da intentada pela parte ofendida,
quando se tratar de crime de ação penal pública, deve-se entender que ela só
ocorrerá se for alegada no momento oportuno, diante do que dispõe o art. 572, do
Código de Processo Penal; quando o art. 271 do CPP diz que ao assistente é
permitido propor meios de prova, deve-se entender que está excluída a prova
testemunhal, senão estaria elidida a regra de que a acusação devera oferecer rol
de testemunhas quando da propositura da ação (art. 41); o inciso II, do § 1º, do art.
394, do Código de Processo Penal, estabelece que o Procedimento Sumário é
aplicado quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior
a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade. Entretanto, há que se fazer uma
interpretação restritiva para entender que tal procedimento é efetivamente aplicado
aos crimes cujas penas máximas sejam inferiores a 4 (quatro) anos e superiores a
2 (dois) anos, já que o Procedimento Sumaríssimo é aplicado aos crimes cuja pena
máxima não ultrapasse 2 (dois) anos.

9.8 – Interpretação analógica: o legislador não pode prever todas as situações que
poderiam ocorrer na vida em sociedade, e que seriam similares àquelas por ele já
elencadas. Assim, o legislador se vale de uma fórmula genérica, devendo-se
interpretar a lei de acordo com casos anteriores. A interpretação analógica é
diferente da analogia, pois naquela há, após uma enumeração casuística, uma
formulação genérica que deve ser interpretada de acordo com os casos
anteriormente elencados. Vale dizer, na interpretação analógica, existe norma, a
qual regula o caso de modo expresso, embora genericamente. A analogia é forma
de integração, não havendo norma regulando o caso. Existem duas formas de
analogia: in bonam partem (em benefício do agente) e in malam partem (em
prejuízo do agente). No âmbito do direito penal só é possível a analogia in bonam
partem. A interpretação analógica é perfeitamente possível no direito penal, já que
a analogia só é possível in bonam parten
Ex: Quando a lei se refere a “quaisquer outros elementos”, no art. 6º, IX, do CPP,
está mencionando outros dados referentes à vida pregressa do indiciado; quando
tem a expressão “fato análogo”, como no art. 254, do CP inclui no rol crimes
previstos no mesmo capítulo da lei penal; art. 121, § 2º, II e IV, do CP - motivo fútil
ou qualquer outro meio que impossibilite a defesa da vítima); art. 71, caput do CP
(crime continuado) – referência a condições semelhantes às de lugar, tempo,
maneira de execução; art. 61, II, c, do Código Penal – a outro recurso análogo à
traição, emboscada, dissimulação (circunstâncias agravantes); art. 306, do Código
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de Trânsito – conduzir veículo automotor em via pública sob a influência de álcool


ou substância de efeitos análogos

10 – Princípios do Direito Processual Penal

10.1 – Conceito de Princípio: princípios são as bases em que se fundam uma


norma, são os alicerces da ciência. São os pontos basilares de determinada
matéria.

Para Plácido e Silva, os princípios são

Normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como


alicerce de alguma coisa. E, assim, princípios revelam o conjunto de regras ou
preceitos, que se fixaram para servir de norma a toda ação jurídica, traçando,
assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica.

10.2 – Principio da legalidade: este princípio seja talvez o mais relevante e se


encontra na Declaração dos Direitos do Homem de 1789, que relata:“Ninguém
pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de
acordo com as formas por esta prescrita”. Este é sem dúvida um dos pilares
básicos do Estado Democrático de Direito previsto no art. 5°, inciso II, da
Constituição Federal que assegura a que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar
de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, demonstrando assim uma
observância ao que foi previsto na Declaração. O princípio da legalidade é
inegavelmente um limite constitucional ao poder do Estado para que não puna
arbitrariamente seus indivíduos, impedindo que este haja senão em virtude de lei.
No processo penal ainda é exigido que a lei tenha sido produzida pelo ente
competente, nesse caso a União, devido ao que dispõe o art. 22, inciso I, diz que é
de competência privativa da União legislar sobre o direito processual. Na esfera
penal-processual o princípio da legalidade está também bastante relacionado ao
art. 5°, inciso XXXIX da CF, pois o mesmo revela que “não há crime sem lei
anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Esse princípio tem
uma abrangência ampla, estabelecendo que os comandos jurídicos devem ver
realizados por regra normativa geral e sendo assim todos os comportamentos
humanos estão submetidos ao principio da legalidade.

10.3 – Principio da verdade real: no processo penal o juiz tem o dever de investigar
como os fatos se passaram na realidade, não se conformado com a verdade formal
constante dos autos. Desse modo, o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de
proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvidas sobre ponto
relevante. Esse princípio é próprio do processo penal, já que no cível o juiz deve
conformar-se com a verdade trazida aos autos pelas partes, embora não seja um
mero inerte na produção de provas. Ex: confissão.

10.4 – Principio da oficialidade: a função penal tem índole eminentemente pública,


a pretensão punitiva do Estado deve se fazer valer por órgãos públicos, quais
sejam, a autoridade policial, no caso do inquérito, e o Ministério Público, no caso
da ação penal pública

10.5 – Principio da indisponibilidade: a autoridade policial não pode determinar o


arquivamento do inquérito policial (art. 17), e o Ministério Público não pode desistir
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da ação penal pública, nem do recurso interposto (arts. 42 e 576). Exceção: ação
penal de iniciativa privada, em que se admite o perdão, a perempção e a
desistência, dada a disponibilidade sobre o conteúdo do processo. Também nos
Juizados Especiais Criminais, o princípio da indisponibilidade apresenta-se
mitigado, por força do permissivo constitucional da transação em matéria penal,
versando sobre infrações de menor potencial ofensivo.

10.6 – Principio da publicidade: vigora entre nós a publicidade absoluta, pois as


audiências, sessões e atos processuais são franqueados ao público em geral (art.
792). Contudo, se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual,
puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo da perturbação da ordem,
o juiz ou tribunal, câmara ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou
do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas,
limitando o número de pessoas que possam estar presentes (art. 792, § 1º). A
Constituição também permite ao legislador restringir a publicidade de atos
processuais para defesa da intimidade ou do interesse social (art. 5º, LX, e 93, IX,
parte final, da CF)

10.7 – Principio do contraditório: o réu deve conhecer a acusação que se lhe


imputa para poder contrariá-la, evitando, assim, possa ser condenado sem ser
ouvido. A Constituição, em seu art. 5°, inciso LV, informa que "aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Por sua
vez, o art. 261 do Código de Processo Penal determina que “nenhum acusado,
ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor”. O
contraditório pode ser real ou diferido. O contraditório real é aquele exercido no
momento da produção da prova, a exemplo da prova testemunhal. O contraditório
diferido é aquele exercido em momento posterior à produção da prova, a exemplo
do que ocorre com as provas cautelares (busca e apreensão; interceptação de
comunicação telefônica) e as periciais (laudo de exame cadavérico), as quais
somente podem ser discutidas depois de produzidas.

10.8 – Principio da ampla defesa: implica o dever de o Estado proporcionar a todo


acusado a mais completa defesa, seja pessoal (autodefesa), seja técnica (efetuada
por defensor), e o de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos
necessitados (art. 5º, LXXXIV, da CF)

10.9 – Principio da iniciativa das partes: o juiz não pode dar início ao processo sem
a iniciativa da parte. Cabe ao Ministério Público promover privativamente a ação
penal pública (art. 129, I, da CF) e ao ofendido, a ação penal privada, inclusive a
subsidiária da pública (arts. 29 e 30 do CP e art. 5º, LIX, da CF).

10.10 – Principio do estado de inocência ou presunção de inocência: a Declaração


Universal dos Direitos do Homem relata que: "Toda pessoa acusada de um ato
delituoso tem o direito de ser presumida inocente, até que a culpabilidade tenha
sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido
asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa" (art. XI). Do mesmo
modo, o art. 5º, LVII da CF declara que “Ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Diante dessas afirmativas,
fica evidente que o Estado é quem deve provar os fatos criminais do individuo,
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havendo dúvida o juiz absolver o réu, não podendo assim condená-lo, sob pena de
exercício arbitrário de poder.
Esse princípio admite exceções previstas no ordenamento jurídico como as prisões
preventivas, anteriores ao trânsito em julgado da sentença condenatória. Nesse
caso não haverá violação ao princípio do estado de inocência, segundo sinaliza o
STJ na súmula n° 9, "A exigência de prisão provisória, para apelar, não ofende a
garantia constitucional da presunção de inocência". No entanto muitas críticas
foram feitas acerca dessa posição do Superior Tribunal de Justiça, sendo que
ainda há alguns doutrinadores firmes em posição divergente a essa. Vale ressaltar
que o juiz deve observar no caso concreto se há mesmo a necessidade da
restrição antecipada da liberdade do acusado, bem como o efeito de desobrigar ao
réu a prova da sua inocência posto que cabe ao Ministério Público provar a culpa
do acusado. Em razão desse princípio ficou superada a determinação contida no
art. 393, inciso II, do Código de Processo Penal, o qual determina o lançamento do
nome do réu no rol dos culpados. Assim, só pode o nome do réu ser lançado no rol
dos culpados após o trânsito um julgado da sentença penal condenatória.

10.11 – Principio do Favor rei (in dúbio pro réu): a dúvida sempre beneficia o
acusado. Se houver duas interpretações, deve-se optar pela mais benéfica; na
dúvida, absolve-se o réu, por insuficiência de provas; só a defesa possui certos
recursos, como os embargos infringentes; só cabe ação rescisória penal em favor
do réu (revisão criminal).

10.12 – Princípio do Devido Processo Legal: a Declaração dos Direitos do Homem


e do Cidadão de 1789 asseverava que “Ninguém pode ser acusado, preso ou
detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta
prescrita. Os que solicitam, expedem executam ou mandam executar ordens
arbitrárias devem ser punidos (...)". A Declaração das Nações Unidas, de 1948,
repete a regra no seu art. IX: "Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou
exilado". Por arbítrio, entende-se a inexistência de lei ou o abuso de direito.
A Constituição Federal no art. 5°, inciso LIV, informa que "ninguém será privado da
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Dessa forma, é
assegurado a todos um processo segundo a lei, não podendo ninguém ser privado
de sua liberdade e dos seus bens, senão forem cumpridas a tramitações legais.
O doutrinador Scarance Fernandes afirmou, durante algum tempo, que visualizava
o devido processo legal de uma forma individualista, onde eram resguardados os
direitos públicos subjetivos da partes. Contudo modificou sua forma de pensar, pois
diante de um posicionamento publicista teve que considerar os princípios e
garantias das partes e do próprio processo, como um instrumento justo da
prestação jurisdicional, afirmando que cabe ao juiz resolver os casos a ele
apresentados da forma mais justa, evitando a arbitrariedade do Estado.
Dessa forma, não devem assim ser aceitas provas ilícitas no processo penal, pois
se fosse concebida tal hipótese estaria se ferindo o principio do devido processo
legal, inclusive o Supremo Tribunal Federal já decidiu a esse respeito, pois se
descumprida tal garantia, a sanção seria a nulidade de acordo com a teoria fruit of
the poisonous tree (“fruto da arvore envenenada”).
O devido processo legal pode ser ainda dividido em devido processo legal material
e devido processo legal formal.

a) Devido Processo legal Material: refere-se ao direito material de garantias


fundamentais do cidadão, representando, portanto, uma garantia na medida em
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que protege o particular contra qualquer atividade estatal que, sendo arbitrária,
desproporcional ou razoável, constitua violação a qualquer direito fundamental.

b) Devido Processo legal Formal: tem como conteúdo certas garantias de natureza
processual, conferidas às partes tanto no trâmite do processo quanto no que diz
respeito à sua relação com o Poder Judiciário.

10.13 – Principio da inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos (art. 5°,
inciso LVI, CF): a Constituição Federal consagrou o princípio de que “são
inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” (art.5.º. LVI).
Assim, requisito básico para uma prova ser produzida é o de que ela seja lícita e
legítima. Por força do sistema da inadmissibilidade, a prova ilícita sequer pode ser
juntada aos autos. E se juntada, deve ser desentranhada, conforme redação dada
ao art. 157 do CPP pela Lei nº. 11.690/2008.
A doutrina faz ainda uma distinção entre prova ilícita e prova ilegítima. A prova
ilícita viola uma regra de direito material, como a confissão obtida mediante a
prática de tortura, a interceptação de comunicação telefônica sem ordem de juiz, a
apreensão de documentos realizada em diligência de busca domiciliar sem o
mandado judicial etc.). Por sua vez, a prova ilegítima viola uma regra de direito
processual, como a exibição de documento fora do prazo e da forma preconizada
no art. 479 do CPP. Para a doutrina dominante a prova ilícita só pode ser utilizada
se em favor do réu. O fundamento dessa conclusão é o princípio da razoabilidade
(entre a inadmissibilidade da prova e a presunção de inocência, deve preponderar
esta última). Mas Eugênio Pacelli de Oliveira entende que isso pode ser
flexibilizado, também baseado nos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade.

Por sua vez, a prova ilícita por derivação, criada pelo direito americano foi
positivada no direito pátrio, também pela Lei nº 11.690/2008, que alterou a redação
do § 1º, do art. 157, do CPP. Assim, não só as provas obtidas ilicitamente são
proibidas (busca domiciliar sem mandado judicial, escuta telefônica sem
autorização da autoridade judiciária competente), como também as denominadas
“provas ilícitas por derivação”. Mediante tortura (conduta ilícita), obtém-se a
informação da localização da res furtiva, que é apreendida regularmente através de
mandado de busca e apreensão. Mediante escuta telefônica sem autorização legal
(prova ilícita) obtém-se informação do lugar em que se encontra o entorpecente,
que, a seguir, é apreendido com todas as formalidades legais. Esse conceito de
prova ilícita por derivação vem da doutrina “fruit of the poisonous tree”, leia-se, fruto
da árvore envenenada”, adotada nos Estados Unidos desde de 1914.

10.14 – Princípio da igualdade (isonomia): a Constituição Federal prevê no art. 5°,


inciso I, que todos são iguais perante a lei, em direitos e obrigações. Obviamente
nem todas pessoas tem a mesma condição, nem estão no mesmo nível econômico
e social, no entanto todos merecem o mesmo tratamento jurídico. O Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos prevê que “Todas as pessoas são
iguais perante aos tribunais e as cortes de justiça.” Dessa forma, a isonomia
perante a lei traduz também igualdade processual, e no processo penal a isonomia
é ainda mais efetiva visto que se for violada a ação penal torna-se nula.
A Carta Magna veda as descriminações, os tratamentos desiguais, salvo casos
previstos em lei, nesse sentido afirma Alexandre de Morais:
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“A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável


ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as
diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se
indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com
critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se
em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente
por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e
a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias
constitucionalmente protegidos. Assim, os tratamentos normativos diferenciados
são compatíveis com a Constituição Federal quando verificada a existência de uma
finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado”.
É preciso ressaltar que o foro especial por prerrogativa de função estabelece
vantagens, como se o indivíduo detentor do foro estivesse em melhores condições
por ser julgado num tribunal e não por um juiz de direito diretamente, ferindo assim
o princípio da igualdade judicial, no entanto o que a Constituição quis foi proteger
não o indivíduo e sim a função pública ou a dignidade do cargo que ocupa,
obviamente ele acaba por se beneficiar, mesmo que reflexamente. Esta é uma
questão complexa e polêmica que vem dividindo opiniões na doutrina, para alguns
deveria ser extinto o privilégio concedido pelo foro especial por ferir frontalmente o
princípio aqui tratado; para outros não existe descumprimento do princípio,
devendo prevalecer o que a Constituição Federal previu sobre o tema.

10.15 – Princípio da Humanidade: a Declaração Universal dos Direitos Humanos


considera o principio da humanidade e da dignidade como os mais relevantes
princípios, relata no seu preâmbulo: “Considerando que o reconhecimento da
dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais
e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo
(...) Considerando que as Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos
fundamentais do homem, na dignidade e valor da pessoa humana (...)” Ainda prevê
no arts. V e VI que no plano internacional que "Ninguém será submetido à tortura,
nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante" e que "Todo homem
tem o direito de ser em todos os lugares reconhecido como pessoa perante a lei".
A Constituição Federal no art. 1° inciso III, erigiu a fundamento da república a
dignidade da pessoa humana. Por sua vez, art. 5° incisos III e XLIX, da Carta
Magna, consagra de vez o princípio da humanidade. O inciso III estabelece que
"ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante", ao
passo que o inciso XLIX afirma que “não haverá penas: a) de morte, salvo em
caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de
trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.

10.16 – Princípio da razoável duração do processo: a demasiada demora no


trâmite processual é certamente um dos maiores, senão o maior, dos dissabores
experimentados por aqueles que recorrem ao Poder Judiciário. A morosidade na
prestação da tutela jurisdicional acaba por impingir às partes vários prejuízos que
não se resumem aos materiais, eis que por muitas vezes acabam por experimentar
também os prejuízos psicológicos. A decisão judicial para ser adequada e servir à
pacificação social precisa, além de seguir os preceitos legais, necessariamente ser
entregue ao jurisdicionado em tempo razoável, sob pena de perecimento do direito.
Pensando nisso, o constituinte inseriu o inciso LXXVIII ao art. 5° da Constituição
Federal, positivando o princípio da razoável duração do processo: “a todos, no
âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e
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os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Tal princípio, entretanto, já


era Consagrado na Convenção Americana de Direitos Humanos: “Toda pessoa
tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável,
por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial...”

10.17 – Princípio do nemo tenetur se detegere ou princípio da não auto-


incriminação: o princípio nemo tenetur se detegere (o direito de não produzir prova
contra si mesmo) está consagrado pela Constituição, assim como pela legislação
internacional, como um direito mínimo do acusado, sendo de fundamental
importância seu cumprimento, pois este é um direito fundamental do cidadão. O
inciso LXIII, artigo 5º da Constituição Federal, se analisado exegeticamente,
constitui o direito do preso de permanecer em silêncio, mas o âmbito de
abrangência desta norma é bem maior que esse, tendo em vista que a maior parte
dos doutrinadores a considera como a máxima que diz que ninguém será obrigado
a produzir prova contra si mesmo (pelo uso do principio da interpretação efetiva).
Então esse não é um direito só quem estiver preso, mas antes toda pessoa que
estiver sendo acusada. O direito ao silêncio é apenas a manifestação da garantia
muito maior, que é a do direito da não auto-acusação sem prejuízos jurídicos, ou
seja, ninguém que se recusar a produzir prova contra si pode ser prejudicado
juridicamente, como diz o parágrafo único do art. 186 do Código de Processo
Penal. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em
prejuízo da defesa. Esse princípio também se encontra consagrado na Convenção
Americana de Direitos Humanos, o Pacto De São José de Costa Rica, que
assegura o direito de não depor contra si mesma, e não confessar-se culpada.
Com este principio recai sobre o Estado, no sistema acusatório, o ônus da prova e
a missão de desfazer a presunção de inocência em favor do acusado, sem esperar
qualquer colaboração de sua parte. O direito de não auto-incriminação possui
várias dimensões: direito ao silêncio, direito de não colaborar com a investigação
ou a instrução criminal; direito de não declarar contra si mesmo, direito de não
confessar, direito de declarar o inverídico, sem prejudicar terceiros e direito de não
apresentar provas que prejudique sua situação jurídica. Esse princípio encontra
aplicabilidade em processo penal em diversas situações: quando o motorista
possivelmente embriagado se nega a soprar o bafômetro - impedindo, em tese, a
produção de provas contra si mesmo; quando o acusado se abstém de participar
da reprodução simulada dos fatos (reconstituição da cena do crime), nada
obstante seja obrigatório o seu comparecimento, segundo autorizada doutrina;
quando o acusado se recusa a fazer o exame de DNA, como no caso do goleiro
Bruno, acusado de ser o mandante do homicídio da modelo Eliza Samudio; e, por
fim, o direito de não ceder material gráfico para exame grafotécnico, conforme
ficou ressaltado no julgamento do HC nº 96.219/MC, rel. Min. CELSO DE MELLO

11 – Os Sistemas Processuais Penais


11

O sistema processual penal é um conjunto de princípios e regras


constitucionais e processuais penais, de acordo com o regime político de cada
Estado, que estabelece as diretrizes a serem seguidas para a aplicação do direito
penal a cada caso concreto.

O Estado deve tornar efetiva a ordem normativa penal, assegurando a


aplicação de suas regras e de seus preceitos básicos e esta aplicação somente
poderá ser feita através do processo que deve se revestir, em principio, de duas
formas: a inquisitiva e a acusatória, que deverão ser utilizadas de acordo com o
regime político adotado por cada país.

De acordo com Rangel (2005, p.194):

No Estado Constitucional Democrático de Direito, o sistema


acusatório é a garantia do cidadão contra qualquer arbítrio do
Estado na fase da persecução penal. A contrario sensu, no Estado
totalitário absolutista, em que a repressão e a concentração de
poder, nas mãos do monarca, do Príncipe ou do Chefe do
Executivo, é a mola mestra com supressão dos direitos e garantias
individuais, o sistema inquisitivo encontra guarida.

Como se pode perceber pelos ensinamentos de Paulo Rangel o regime


político do Estado influencia no sistema processual penal que será adotado, pois,
quanto mais democrático e liberal for, maiores serão as oportunidades de defesa
do acusado e da sociedade, ou o contrário quanto maior for a concentração de
poder nas mãos de uma pessoa ou de um órgão, menores serão os direitos e as
garantias individuais.

Devido à importância desses sistemas processuais penais, faz-se


necessário uma abordagem específica das suas características e das suas
particularidades.

11.1 – Sistema Inquisitivo

O sistema inquisitivo tem como princípio basilar a reunião, num mesmo


sujeito, das funções de acusar, defender e julgar. Nesse sistema, o acusado não
participa ativamente da atividade de construção do convencimento do julgador,
sendo tratado como mero objeto, e não um sujeito do processo.

Segundo Calabrich (2007, p.37), no sistema inquisitório:

Não há, por assim dizer, partes, mas, no mínimo, interessados, que
não integram o processo e são desprovidos de qualquer poder de
intervir no ofício do órgão julgador, mantendo-se como reles
espectadores desse mister, indo â presença da autoridade apenas
quando a isso chamados. Não havendo propriamente partes ou
sujeitos processuais (que não o juiz), não se lhes reconhecem, nem
ao menos ao acusado, direitos naquele processo. Não se envolve o
réu, destarte, nem complexo de relações jurídico-processuais,
senão para lhe impor deveres, como o de se submeter aos
métodos de reconstrução histórica dos fatos arbitrados pelo juiz.
12

Segundo Calabrich (2007, p. 37) os princípios que integram o sistema


inquisitivo são: o da sigilosidade da investigação, da instrução e do julgamento; o
da tarifação das provas e o da escrituração. Sob égide desses princípios, têm o
sistema inquisitivo as seguintes características:

a) A concentração nas mãos do juiz das funções de acusar e julgar;


b) O acusado é considerado mero objeto de investigação, perdendo o
seu status de sujeito de direitos, podendo, inclusive, ser submetido a
tratamento desumano e cruel que se chegue à verdade dos fatos
através de sua confissão;
c) O procedimento é regido de forma secreta sem a publicidade
inerente aos estados democráticos e não há o debate entre as
partes, vetando-se, assim, o contraditório e a ampla defesa.
d) O sistema de provas adotado é o das regras legais, chamado
também de prova tarifada ou sistema de certeza legal, onde a lei
estabelece uma série de condição (positivas ou negativas) para que
se possa provar um fato tendo como centro (e dispensa de prova) a
confissão.

Ainda como características desse sistema podem ser citadas a iniciativa


de oficio; a ampla liberdade do juiz para a produção de provas e a linearidade da
relação havida entre o juiz e o réu, constituindo este um objeto de investigação,
sem direito algum no plano processual; sigilosidade da investigação; ausência de
contraditório e ampla defesa.

O sistema inquisitivo resta completamente superado nas sociedades


ocidentais, embora ainda se encontre resquícios desse modelo.

11.2 – Sistema Acusatório

No sistema acusatório a imputação penal é feita por um órgão distinto do


juiz, em regra o Ministério Público. Nesse sistema o acusado não é mero objeto da
investigação, assume o status de sujeito do processo.

A característica principal desse sistema repousa na divisão das funções


inerentes à persecução penal entre os diversos órgãos que nele atuam: autor, juiz
e réu. No processo penal, em regra o autor é o Ministério Público, que exerce o
persecutio criminis in judicio. O réu através da defesa técnica oferece resistência,
utilizando-se para tanto da ampla defesa e de todos os meios a ela inerentes. O
juiz é sujeito imparcial que presta tutela jurisdicional.

O sistema acusatório se reveste de características que lhe são próprias,


entre elas estão:

A existência de um órgão jurisdicional previamente estabelecido em lei,


que julga com imparcialidade os casos que lhes são submetidos à apreciação. É
essa imparcialidade que impede que o juiz aja de oficio, visto que é imprescindível
que para agir seja acionado pela parte autora para que possa apreciar os fatos e
dizer o direito. Outra característica importante é a existência de um órgão distinto
do que vai julgar para iniciar a persecutio criminis in judicio.
13

No sistema supracitado também vigora a igualdade entre as partes, o


que é conseqüência lógica do contraditório e da ampla defesa. Além disso, os atos
são públicos, regidos pelo princípio da publicidade, com exceção apenas das
hipóteses estabelecidas em lei (art. 93, IX, da CF/88).

Nos ensina Bruno Calabrich (2007, p,40):

A confirmar o fato de que o princípio acusatório é o que de fato


caracteriza o modelo acusatório, tem-se que os princípios da
imparcialidade, do contraditório, da ampla defesa e da igualdade
das partes existem porque, antes destes, rutila outro princípio, que
reservou as funções no processo a sujeitos diferenciados. A
imparcialidade é incompatível com a iniciativa acusatória do juiz; só
há contraditório, ampla defesa e igualdade entre as partes porque
há partes. Ademais sobre a oralidade e a publicidade (ora tratados
como princípios, ora como características do modelo acusatório),
importa que o princípio acusatório não sobrevive em modelos de
Justiça Criminal pela escrituração. Tampouco tem espaço em
processo sigiloso.

Nesse sistema adota-se o livre convencimento do juiz, o que significa


dizer que o juiz está livre na sua valoração, porém, dentro das provas que constam
no processo, não podendo delas se afastar, sob pena de invalidar sua decisão.
Além do mais, o juiz terá que fundamentar suas decisões, sob pena de nulidade, é
o que está disposto na Constituição da Republica (art. 93, IX da CRFB c/c art. 157
do CPB). O livre convencimento é a segurança que tem o cidadão de que não
haverá capricho de opinião por parte do juiz, muito menos abuso de poder, pois
ausência de fundamentação autoriza a invalidação da decisão, via recurso próprio
ou mediante Habeas Corpus.

11.3 – Sistema Misto

O modelo misto surge como uma tentativa de superar a irracionalidade


do modelo inquisitivo, sem desprezar a importância da iniciativa oficial das
atividades investigatória e acusatória e a efetividade do método neste empregado
no que concerne à colheita do material probatório, na qual se conferem amplos
poderes investigatórios ao órgão investigante. Assim, do sistema acusatório
romano, o sistema misto apropriou-se da imparcialidade do julgador e do impulso
processual proveniente de pessoa diversa daquela que iria proferir decisão; do
sistema inquisitório medieval, apoderou-se da oficialidade da persecução e sua
maior efetividade no que tange à punição dos autores das infrações penais,
dificultando sua impunidade.

No sistema misto, o processo é escalonado em duas fases, ambas


presididas por autoridades dotadas de poderes jurisdicionais (seja essa autoridade
um juiz ou um membro do Ministério Público, nos países que reconhecem ao órgão
poderes típicos da magistratura). Na primeira fase, inspirada no sistema inquisitivo,
conhecida por instrução preliminar, geralmente realizada perante um juizado de
instrução são reunidos elementos que subsidiem a deflagração do processo
acusatório. Na segunda fase, a fase judicial, tem-se o processo criminal
propriamente dito, deflagrado por iniciativa de um sujeito processual distinto do
órgão incumbido de julgar, assegurando ao acusado o direito ao contraditório e à
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ampla defesa, além de todos os direitos próprios de um processo regido pelo


modelo acusatório (CALABRICH, 2007).

O sistema misto, por sua vez, pode ser dividido em sistema misto com
juizado de instrução inquisitório e sistema misto com juizado de instrução
contraditório.

No juizado de instrução inquisitório a instrução preliminar é conduzida


por uma autoridade judiciária, eventualmente munida de indícios mínimos
previamente recolhidos por terceiros (policia MP, particulares e etc.). Ao juízo
instrutor são conferidos amplos poderes para apuração dos fatos, sem reconhecer
ao investigado o direito ao contraditório. São exemplos de paises que seguem esse
sistema, com peculiaridades locais, a França, a Bélgica, o Uruguai, a Colômbia e o
México (CALABRICH, 2007).

Já o sistema misto com juizado de instrução contraditório, a etapa é a


instrução preparatória do processo acusatório, que eventualmente também é
precedida de uma investigação prévia sumária, é precedida por um juiz e conta
com a participação do investigado, que poderá exercer o contraditório.

Dos sistemas supracitados o adotado pelo Brasil foi o sistema


acusatório, ficando a cargo do Ministério Público a titularidade da ação penal
pública, afastando, de vez, o juiz da persecução penal e garantindo a todo e
qualquer indivíduo somente ser processado pelo membro do Ministério Público de
atribuição, previamente estabelecida por lei.

É corolário lógico do Estado Democrático de Direito a isenção do órgão


julgador e a distinção deste para o que acusa, devendo ser órgãos distintos entre
si. O sistema acusatório exige, porque lhe é inerente e implícito que o Ministério
Público faça imputação de um fato certo e determinado com arrimo em provas
seguras de autoria e materialidade da infração penal, podendo e devendo, se for o
caso, colhê-las diretamente.

Os sistemas acusatórios, inquisitivo e misto, vistos, nos dão bem a ideia


de que a melhor opção é o acusatório, onde o juiz é afastado da persecução penal
sendo respeitados todos os direitos e garantias fundamentais. No acusatório, a
sociedade conta com a estrutura do Ministério Público que é o órgão criado para
exigir o fiel cumprimento da lei e, conseqüentemente, o restabelecimento da ordem
jurídica violada.

Se a estrutura do sistema acusatório tem como escopo afastar o juiz da


persecução penal e assegurar ao acusado a imparcialidade do órgão jurisdicional,
dando o Ministério Público a titularidade da persecutio criminis in iudicium, é
intuitivo que a investigação poderá ser feita pelo Parquet.

11.4 – Sistema adotado no Brasil

Com a prática do ilícito penal surge para o Estado o poder-dever de


aplicar ao agente a sanção penal correspondente. Dada a natureza indisponível
dos bens tutelados, é necessário que essa sanção seja proclamada numa decisão
judicial, ao cabo de um processo, no curso do qual deve ser assegurado ao
15

acusado o direito ao contraditório e a ampla defesa, com todos os meios e recursos


a ele inerentes (artigo 5°, LV, da CF/88). Ao direito de provocar o Estado-juiz para
o fim de aplicar uma sanção em virtude da prática de uma infração de natureza
penal, dá-se o nome de ação penal. A ação penal, direito público subjetivo, pode
ser de iniciativa pública (quando recai num órgão do Estado) ou privado (quando
titularizada por um particular).

O artigo 129, I, da CF/88, confere ao Ministério Público a titularidade da


ação penal pública. Ao mesmo tempo em que estabelece que essa atribuição para
a promoção da ação penal pública é privativa do MP, a Constituição prevê também
a possibilidade de que, no caso de inércia de seu órgão agente, poderá o particular
intentá-la (artigo 5°, LIX). Vê-se, pois, que apenas o Ministério Público,
excepcionalmente, o particular, estão autorizados a deflagrar o processo penal
acusatório, retirando-se do judiciário qualquer possibilidade de iniciativa para essa
tarefa. Esses dois dispositivos normativos (arts. 129 I e 5°, LIX, da CF/88), e o fato
de o judiciário não ter poder investigativo, permitem afirmar que o modelo adotado
pelo sistema penal brasileiro é o acusatório, como ficou claro anteriormente,
quando foram abordados todos os sistemas, inclusive o acusatório.

As dúvidas surgem quando diante do modelo adotado pelo Brasil, onde


alguns autores defendem ser o modelo misto o adotado pelo ordenamento pátrio,
no entanto, há um grande equívoco acerca da questão, pois os autores que
defendem essa idéia, o fazem com base nas investigações preliminares, já que o
sistema adotado é o inquisitivo, muitos autores que defendem essa idéia o fazem
com o fundamento de que na fase investigativa não há contraditório nem ampla
defesa, porém, esquecem-se que esta fase não é provida de jurisdição,
diferentemente do que ocorre onde se adota o sistema misto, já que neste a
investigação é conduzida por um órgão dotado de jurisdição.

O mesmo não ocorre no Brasil, pois além das investigações preliminares


ficarem a cargo da polícia judiciária que não é revestida de jurisdicionalidade, é
também instrumento dispensável, fundamento este que por si só já descaracteriza
o conceito de sistema misto.

Uma vez esclarecida a controvérsia suscitada acerca do sistema


adotado pelo Brasil e ficando patente que o sistema adotado é o sistema
acusatório, é necessário analisar a investigação criminal propriamente dita.

Para se dar início a uma ação penal é imprescindível que o legitimado


ativo apresente elementos de convicção que permitam ao judiciário decidir sobre a
admissibilidade, pois somente será admitida uma acusação formal quando
respaldada em elementos probatórios mínimos que demonstrem a prática de um
ilícito penal e sua autoria. Tais elementos devem ser convincentes quanto à sua
plausibilidade da imputação, embora não se possa exigir a certeza quanto ao seu
acerto, que deverá ser construído sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

Para apuração delitiva a polícia lança-mão do inquérito policial e do


termo circunstanciado, este último utilizado apenas nas infrações de menor
potencial ofensivo.

Na visão de Calabrich (2007, p.88 - 89):


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O inquérito policial, presidido pelo delegado de policia, é um


procedimento administrativo, marcado pelas seguintes
características:a) discricionariedade - faculdade de atuação da
autoridade presidente pautada em juízos de conveniência e
oportunidade, a serem aferidos no caso concreto, nos termos da lei
e sempre fundamentados na adequada eficiente consecução dos
propósitos da atividade de investigação;b) procedimento escrito -
por ser necessária avaliação posterior tanto pelo órgão de
acusação quanto pelo judiciário, é necessário que os atos
praticados no curso do inquérito estejam documentalmente
registrados (art. 9°, do CPP) ;C) sigilosidade – “ autoridade
assegurará ao inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou
exigido pelo interesse da sociedade “,( art. 20 do CPR) d)
obrigatoriedade e indisponibilidade – tendo noticia da prática de
uma infração penal, é dever da autoridade policial instaurar o
inquérito, que não poderá mandar arquivar ( art. 17 do CPP); e)
inquisitividade – ao inquérito policial não se aplicam os princípios
do contraditório e da ampla defesa (art., IV, da CF/88),
considerando que, nesta fase, ainda não há acusação em sentido
técnico-jurídico, nada impedindo, contudo, que sejam produzidas
provas requeridas pelo investigado, a critério da autoridade
presidente, bem como que sejam manejados, pelo interessado,
todos os meios de impugnação cabíveis contra quaisquer dos atos
praticados no curso desse procedimento que venham a caracterizar
uma lesão ou ameaça de lesão, a direito, como o habeas corpus e
o mandado de segurança.

O destinatário da investigação é o Ministério Público, e não só da prova


colhida por ocasião do inquérito policial, como também de qualquer princípio de
prova revelador de crime de ação penal de iniciativa pública colhida em qualquer
outro procedimento investigatório, isto nos termos do próprio Código de Processo
Penal, que em seu artigo 40 determina que tais elementos sejam levados ao
conhecimento do Parquet.

O termo circunstanciado, instrumento previsto no artigo 69 da Lei


9.099/95, que substitui o inquérito policial nas infrações de menor potencial
ofensivo, é um documento no qual a autoridade deve fazer constar, dentro das
possibilidades do caso concreto, um breve relato dos fatos, conforme as versões
apresentadas por cada uma das pessoas envolvidas e das testemunhas, a
qualificação de todos, com as assinaturas das pessoas envolvidas e das
testemunhas, e os exames ou outros documentos que foram requisitados, além de
todo e qualquer elemento relevante para o conhecimento do ilícito. Após a
lavratura, o termo circunstanciado deve ser encaminhado ao Juizado Especial
Competente, onde será realizada uma audiência preliminar, nos termos do artigo
72 da Lei 9.099/95. O termo circunstanciado ao dispensar a produção de um
inquérito policial, materializa assim, os princípios da oralidade, da informalidade, da
economia processual e da celeridade que regem os Juizados Especiais Criminais
(artigo 60 da Lei 9.099/95).

Com o advento da Lei nº 13.64/2019 (Pacote Anticrime), encerra-se a discussão


quanto ao sistema utilizado no Brasil, pois a nova legislação assumiu, de uma vez
por todas, de forma expressa, a opção pelo Sistema Acusatório. Assim, o art. 3º-A,
com redação dada pela citada lei, passou a asseverar que:
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Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na
fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.

Assim, são reiterados todas os comentários realizados pela doutrina majoritária em


favor do Sistema Acusatório. O novo dispositivo legal deixa claro a divisão das
funções de acusar, atribuída ao órgão de acusação, o Ministério Público, e julgar,
conferida ao Magistrado, que deve atuar de modo imparcial, não devendo ter
iniciativa na fase de investigação, muito menos substituir a atuação probatória do
órgão ministerial.

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