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Criminologia

Conceito
A ciência criminológica pode ser conceituada sob diversos aspectos, variando de autor para
autor a depender do ponto de partida da análise empírica. De forma mais generalista, Antônio
García Pablos de Molina:

A criminologia é a ciência empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da


pessoa do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo, e trata de ministrar
uma informação válida e contrastada sobre a gênese, dinâmica e variações do crime,
contemplando-o como problema individual e social, assim como programas para a sua
prevenção especial, as técnicas de intervenção positiva no homem delinquente e os diversos
modelos ou sistemas de resposta ao delito.

De acordo com Masson, a criminologia ocupa-se das circunstâncias humanas e sociais


relacionadas com o surgimento, a prática e a maneira de evitar o crime, assim como o
tratamento dos criminosos.

É importante pontuar que a criminologia não se resume à coleta de dados. Sua principal função
é informar a sociedade e os poderes públicos sobre o delito, o delinquente, a vítima e o
controle social, reunindo um núcleo de conhecimentos que permita compreender o problema
criminal, preveni-lo e intervir com eficácia e de modo positivo ao homem delinquente.

Destacam-se outros conceitos, embora já superados:

Criminologia é a ciência da criminalidade, do delito e da pena (Raffaele Garófalo).

Criminologia é a ciência que estuda o crime e o criminoso, ou seja, a criminalidade (Afrânio


Peixoto).

Embora existam controvérsias acerca de seu surgimento, a doutrina majoritária aponta que o
marco científico da criminologia ocorreu com a obra “o homem delinquente”, de Cesare
Lombroso, em 1876. A corrente minoritária aponta a obra “ dos delitos e das penas”, de Cesare
Beccaria, no entanto é uma tese rechaçada, já que a obra se debruça num viés eminentemente
penal.

Segundo as lições de Sumariva, a doutrina majoritária entende que a criminologia é uma


ciência que se divide em dois ramos:

- criminologia clínica ou microcriminologia: consiste na aplicação de conhecimentos


teóricos, como princípios e métodos da investigação médico-psicológica, para o tratamento do
criminoso. Aplica-se a casos particulares a fim de estabelecer diagnósticos e prognósticos de
tratamento numa identificação delinquência e doença.

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- criminologia geral: consiste na sistematização, comparação e classificação dos resultados
alcançados com o estudo do crime, do criminoso, vítima e controle social.

Direito penal x criminologia x política criminal


A tríade das ciências criminais é composta pelo direito penal, criminologia e política criminal,
que possuem em comum o estudo do crime.

Direito Penal
Ciência autônoma, lógica e abstrata. Apresenta um método técnico-jurídico, interpretando o
“dever ser”. Ocupa-se com normas penais, apresentando um método dedutivo, em busca da
subsunção do comportamento humano com a norma penal. Possui como ponto de partida o
princípio da legalidade, de modo que só é crime o que está disposto na lei.

Criminologia
É ciência autônoma, que estabelece um diagnóstico do criminoso, explicando e prevenindo o
crime, abrangendo o mundo do ser. Nas palavras de Rogério Sanches “trata-se de uma ciência
causal-explicativa, que retrata o delito enquanto fato, perquirindo suas origens, razões de
existência, seus contornos e forma de exteriorização”.

Para a criminologia o crime é um fenômeno complexo, social ou individual, que independe da


lei. Possui a função de explicar e prevenir o crime, intervém na pessoa do infrator e avalia os
modelos de resposta do crime.

Política criminal
É a ponte entre o direito penal e a criminologia, trazendo soluções práticas no combate à
criminalidade. Não possui metodologia própria, não se enquadrando como ciência autônoma.

Para Pierangeli e Zaffaroni, a política criminal é a ciência ou arte de selecionar bens (ou
direitos) que devem ser tutelados jurídica e penalmente, e escolher os caminhos para efetivar
tal tutela.

Nas palavras de Aníbal Bruno a política criminal tem no seu âmago a específica finalidade de
trabalhar as estratégias e meios de controle social da criminalidade (caráter teleológico). É
característica da política criminal a posição de vanguarda em relação ao direito vigente, vez
que, enquanto ciência de fins e meios, sugere e orienta reformas à legislação positivada.

Direito Penal Criminologia

método lógico, abstrato e dedutivo (do método indutivo e interdisciplinar. análise


abstrato para o particular) empírica.

crime é o que está tipificado crime é fato

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o objeto é o crime de maneira abstrata (dever objeto é o crime, criminoso, vítima e controle
ser) social (é o ser)

finalidade é elencar fatos sujeitos à punição finalidade é analisar dados para prevenir e
intervir no crime

É importante salientar que as bancas CEBRASPE E VUNESP possuem conceitos próprios de


política criminal. Destacamos a seguir:

Cebraspe: a política criminal constitui a sistematização de estratégias, táticas e meios de


controle social da criminalidade, com o propósito de sugerir e orientar reformas na legislação
positivada.

Vunesp: a política criminal é uma disciplina que estuda estratégias estatais para a atuação
preventiva sobre a criminalidade, e que tem como uma das principais finalidades o
estabelecimento de uma ponte eficaz entre a criminologia, enquanto ciência empírica, e o
direito penal, enquanto ciência axiológica.

Métodos da criminologia
Em resumo são dois métodos adotados pela criminologia: o método empírico e a
interdisciplinaridade.

Empirismo: é o método que admite que o conhecimento venha exclusivamente da experiência.


O objeto do conhecimento se insere no mundo real. É o estudo através da observação de seu
objeto (delito, delinquente, vítima e controle social).

Atenção: há divergência quanto ao método utilizado no estudo da criminologia, a depender da


corrente de pensamento adotada.
A escola clássica se vale do método formal, abstrato e dedutivo, enquanto que a positiva adota
o método empírico e indutivo.

Interdisciplinaridade: a criminologia dialoga com outros ramos, como a sociologia, psicologia,


biologia, o direito penal. Destaca-se que interdisciplinaridade não se confunde com
multidisciplinaridade.
Na multidisciplinaridade os saberes trabalham lado a lado, com visões distintas sobre um
problema determinado. Na interdisciplinaridade há coordenação e integração.

Objeto de estudo
Desde seu surgimento até os dias atuais houve uma substancial transformação no objeto de
estudo da criminologia. Com a escola positiva o estudo era sobre o delinquente. Hoje o estudo
da criminologia se divide em 4 vertentes: delito, delinquente, vítima e controle social.

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Delito
É certo que a criminologia e o direito não tratam o instituto sobre o mesmo viés. Enquanto que
para o Direito Penal o crime é um fato típico, ilícito e culpável, para a criminologia o delito é um
fenômeno comunitário e encarado como um problema social.

De tal forma, para que um comportamento seja configurado como delituoso é necessária a
conjugação de 4 elementos: incidência massiva, aflitiva, persistência espaço temporal e
inequívoco consenso sobre a sua etiologia.

Incidência massiva: o crime não deve ser analisado como fato isolado, mesmo que a ação do
agente seja abjeta (horrenda). A ação delituosa deve ocorrer várias vezes. Nesse viés há a
crítica à tipificação do crime de molestação de cetáceo, que se deu após um banhista introduzir
um palito de sorvete no orifício de uma baleia, impedindo sua respiração.

Incidência aflitiva: o crime deve ser algo que traga dor (não só física), aflição e angústia à
vítima e à comunidade como um todo.

Persistência espaço-temporal: o crime deve acontecer por certo período de tempo num
determinado espaço. Não deve ser tratado como fato isolado. Como exemplo há o furto de
brucutu dos fuscas, ocorrido no período da jovem guarda. Durante algumas semanas
proprietários de fuscas tiveram prejuízo ao repor essa peça. Como não houve persistência
espaço-tempo, não foi ampliada a pena para aquela conduta.

Inequívoco consenso: deve haver um inequívoco consenso acerca da sua etiologia e quais
técnicas de intervenção seriam eficazes para controlar essa ação. Um exemplo clássico é a
qualificação do álcool. Seu uso imoderado é um comportamento massivo, aflitivo (gera dor e
aflição ao usuário e sua família) e tem persistência espaço-tempo. No entanto, não há
inequívoco consenso da sociedade acerca da necessidade de sua criminalização.

Delinquente
Não há como negar que o criminoso é o centro do debate quando o assunto é crime. Sua
análise sofre nuances a depender da escola que o estudava. Dessa forma, o conceito de
delinquente mudou ao longo do tempo.

Escola clássica (fase pré científica): o delinquente era encarado como um pecador, que
optou pelo mal, embora pudesse e devesse respeitar a lei. Defendia o livre arbítrio, pois o
criminoso escolhia não seguir a lei. O cometimento do crime era o rompimento de um pacto
(concepção contratualista de Beccaria), e a pena deveria ser proporcional ao mal causado.

Escola positiva: o infrator era prisioneiro de sua própria patologia (determinismo biológico) ou
de processos causais alheios (determinismo social). Parte do determinismo para definição
dos sujeitos ativos do crime. O agente era o ser atávico descrito por Lombroso. Para essa
corrente, deveria ser utilizada uma medida de segurança por tempo indeterminado com a
finalidade curativa.

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Escola correcionalista: o criminoso era um ser débil, inferior, que deveria receber proteção do
Estado.

Visão marxista: o criminoso é vítima da sociedade e do capitalismo selvagem.

Atualmente o delinquente é o indivíduo que está sujeito às leis, podendo ou não as seguir por
razões multifatoriais. Adota-se a perspectiva biopsicossocial.

Vítima
Assim como o conceito de criminoso mudou ao longo da história, a vítima assumiu diferentes
papéis a depender do contexto. Podemos indicar três momentos em que a vítima muda de
paradigma: idade de ouro, neutralização e redescobrimento.

Idade de ouro: compreendida dos primórdios até o fim da idade média. Caracterizou-se pela
justiça privada, vingança, autotutela. A vítima era protagonista e exercia o direito de punir.
Nessa fase as execuções eram precedidas de suplícios para que o agressor tivesse uma
punição cruel e exemplificativa.

Neutralização da vítima: o Estado passa a ser o único responsável pela resolução do conflito
social, retirando o poder das mãos da vítima ante o fato delituoso. A vítima passa a ser mero
sujeito passivo do delito.

Redescobrimento da vítima: após a segunda guerra mundial o olhar para a vítima ganha
novos contornos, surgindo o estudo da vitimologia, que observa a relação vítima-infrator e
vítima com o sistema.

Controle social
É o conjunto de instituições, estratégias e sanções sociais que pretendem promover a
submissão dos indivíduos aos modelos e às normas de convivência social. Com relação aos
seus destinatários, pode ser difuso (à coletividade) ou localizado (a determinados grupos).
Subdivide-se em controle social formal e informal.

controle social formal: constituído pelo aparelho político do Estado: Polícia, Judiciário,
Administração Penitenciária, Ministério Público. Atua em ultima ratio, uma vez que entram em
cena após a falha do controle. Possui três degraus para promover a submissão dos indivíduos
às normas de convivência: a primeira seleção, em que a polícia judiciária atua na persecução
penal; a segunda seleção levada a efeito pelo Ministério Público ao deflagrar a ação penal, e a
terceira seleção executada pelo Judiciário julgando uma sentença penal.

controle social informal: constituído pela sociedade civil: família, escola, religião, mídia, entre
outros, com atuação claramente preventiva e educacional, socializando o indivíduo e inserindo-
o na sociedade. Note que quanto maior for o controle social informal, menor será o índice de
criminalização.

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Classificações da criminologia
Criminologia crítica, dialética ou radical: possui viés marxista, o criminoso é vítima da
sociedade. Implica num processo de estigmatização da população marginalizada, uma vez que
a classe trabalhadora figura como alvo do sistema punitivo.

Criminologia verde (green criminology): estuda a responsabilidade das pessoas jurídicas por
crimes ambientais, tutelando a biodiversidade.

Criminologia midiática: atende a uma criação da realidade por meio da informação,


subinformação e desinformação da mídia, afastando estudos acadêmicos. É baseada em
achismos, crenças e preconceitos.

Criminologia feminista: surge no Reino Unido em 1970, durante a segunda onda feminista.
Acadêmicas feministas começaram a refletir sobre o modus operandi da criminologia, e
chegaram à conclusão de que a mulher não era levada a sério nos estudos criminológicos. Não
se fala, por exemplo, em cárcere feminino nas discussões, muito menos no binômio cárcere e
maternidade.

Criminologia queer: surge nos EUA, no final dos anos 80. Dialoga com a teoria feminista, os
estudos culturais, a sociologia da sexualidade, compartilhando a noção de sexualidade como
construção histórica e social. Nesse sentido, a criminologia queer propõe uma releitura dos
estudos criminológicos voltados às pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transexuais. Sob essa
ótica, existem 3 tipos de violência:

a) violência simbólica: construção de discursos de inferiorização da diversidade sexual e


orientação de gênero (homofobia).

b) violência institucional (homofobia do Estado): trata-se do controle social formal sobre o


comportamento desviante a partir dos processos de criminalização (direito penal) e de
patologização (psiquiatria) da diversidade de gênero e de orientação sexual.

c) violência interpessoal: prática de violência contra a pessoa queer.

Criminologia do desenvolvimento: estudo voltado à idade e à fase de crescimento do


indivíduo, classificando as variáveis do comportamento delituoso ao longo de sua vida.

Criminologia organizacional: compreende o processo de criação de leis, a infração a essas


normas e os fenômenos de reação às violações das leis;

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