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CRIMINOLOGIA

INTRODUÇÃO À CRIMINOLOGIA

Por Rochester Araújo


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SUMÁRIO
1. CONCEITOS............................................................................................................................3
2. OBJETO..................................................................................................................................5
3. MÉTODO..............................................................................................................................14
4. FUNÇÃO...............................................................................................................................15
5. CLASSIFICAÇÃO....................................................................................................................17
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ATUALIZADO EM 26/03/201712

INTRODUÇÃO À CRIMINOLOGIA

1. CONCEITOS

Etimologicamente, criminologia vem do latim crimino(crime) e do grego logos (estudo, tratado),


significando o “estudo do crime”. Para Afrânio Peixoto (1953, p. 11), a criminologia” é a ciência que
estuda os crimes e os criminosos, isto é, a criminalidade”. Entretanto, a criminologia não estuda apenas
o crime, mas também as circunstâncias sociais, a vítima, o criminoso, o prognóstico delitivo etc.
A palavra “criminologia” foi pela primeira vez usada em 1883 por Paul Topinard e aplicada
internacionalmente por Raffaele Garófalo, em seu livro Criminologia, no ano de 1885. Pode-se
conceituar criminologia como a ciência empírica (baseada na observação e na experiência) e
interdisciplinar que tem por objeto de análise o crime, a personalidade do autor do comportamento
delitivo, da vítima e o controle social das condutas criminosas.
A criminologia é uma ciência do “ser”, empírica, na medida em que seu objeto (crime,
criminoso, vítima e controle social) é visível no mundo real e não no mundo dos valores, como ocorre
com o direito, que é uma ciência do “dever-ser”, portanto normativa e valorativa.
A interdisciplinaridade da criminologia decorre de sua própria consolidação histórica como
ciência dotada de autonomia, à vista da influência profunda de diversas outras ciências, tais como a
sociologia, a psicologia, o direito, a medicina legal etc.
Embora exista um consenso entre os criminólogos de que a criminologia ocupe uma instância
superior, esta não se dá de forma piramidal, pois não existe preferência por nenhum saber parcial.
Antonio García-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes (2008, p. 32) sustentam que as
características da moderna criminologia são:

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As FUCS são constantemente atualizadas e aperfeiçoadas pela nossa equipe. Por isso, mantemos um canal aberto de diálogo
(setordematerialciclos@gmail.com) com os alunos da #famíliaciclos, onde críticas, sugestões e equívocos, porventura
identificados no material, são muito bem-vindos. Obs1. Solicitamos que o e-mail enviado contenha o título do material e o
número da página para melhor identificação do assunto tratado. Obs2. O canal não se destina a tirar dúvidas jurídicas acerca
do conteúdo abordado nos materiais, mas tão somente para que o aluno reporte à equipe quaisquer dos eventos
anteriormente citados.
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Atenção: este material é produzido a partir de textos autorais, compilações e transcrições. O objetivo não é esgotar o tema
de criminologia. É o de facilitar o estudo desta matéria, principalmente para quem é iniciante no tema e tem dificuldade em
certos conceitos ou construções. Este material deve ser desconstruído e reconstruído, como tudo que a criminologia gosta de
fazer. Provavelmente você só entenderá essa “piadinha” no final dos seus estudos criminológicos. Além disso, em alguns
tópicos, explorou-se a visão tradicional sobre o tema, tendo o cuidado de sempre apresentar abordagens críticas em seguida,
sobretudo em atenção aos alunos Ciclos que irão prestar concurso para Defensoria Pública.
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• O crime deve ser analisado como um problema com sua face humana e dolorosa.
• Aumenta o espectro de ação da criminologia, para alcançar também a vítima e as instâncias
de controle social.
• Acentua a necessidade de prevenção, em contraposição à ideia de repressão dos modelos
tradicionais.
• Substitui o conceito de “tratamento” (conotação clínica e individual) por “intervenção”
(noção mais dinâmica, complexa, pluridimensional e próxima da realidade social).
• Empresta destaque aos modelos de reação social ao delito como um dos objetos da
criminologia.
• Não afasta a análise etiológica do delito (desvio primário).

Em resumo, a criminologia tem seu conceito formado por três partes:


Ciência (ou arte, ou saber) empírica (ou seja, estuda a realidade, e não a
MÉTODO DA CRIMINOLOGIA norma penal) e interdisciplinar (envolve conceitos de diversas ciências:
psicologia, sociologia, direito, ciência política, economia)
Que se preocupa com o estudo do crime, do criminoso, da vítima e do
OBJETO DA CRIMINOLOGIA controle social (objeto atual) e que trata de fornecer uma informação segura
sobre a gênese, dinâmica e variáveis principais do evento delitivo.
Assim como os programas de eficaz do mesmo (prevenção primária,
secundária e terciária) e técnicas de intervenção positiva do criminoso
FUNÇÃO DA CRIMINOLOGIA
(prevenção terciária) e nos diversos modelos de resposta (reação) ao delito
(repressiva, reparadora, preventiva).

Todavia, devemos destacar que esse é um conceito moderno de criminologia. O conceito


fundado sobretudo a partir do século XX. A seguir, veremos um quadro comparativo entre o conceito
tradicional e conceito moderno.

CONCEITO TRADICIONAL CONCEITO MODERNO

OBJETO Estudo do crime e do delinquente Incorpora o estudo da vítima e do controle social


ORIENTAÇÃO Orientação repressiva Orientação “prevencionista”
- Intervenção no cenário do crime
INTERVENÇÃO Tratamento do criminoso - Delito nasce na comunidade e deve ser
enfrentado no âmbito da comunidade
PARADIGMA Análise etiológica: estuda as Análise dos modelos de reação ao delito
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(processos de criminalização), sem renunciar à


causas/raízes da criminalidade
análise etiológica do crime

2. OBJETO

Embora tanto o direito penal quanto a criminologia se ocupem de estudar o crime, ambos
dedicam enfoques diferentes para o fenômeno criminal. O direito penal é ciência normativa,
visualizando o crime como conduta anormal para a qual fixa uma punição. O direito penal conceitua
crime como conduta (ação ou omissão) típica, antijurídica e culpável (corrente causalista).
Por seu turno, a criminologia vê o crime como um problema social, um verdadeiro fenômeno
comunitário, abrangendo quatro elementos constitutivos, a saber: a incidência massiva na população
(não se pode tipificar como crime um fato isolado); incidência aflitiva do fato praticado(o crime deve
causar dor à vítima e à comunidade); persistência espaço-temporal do fato delituoso (é preciso que o
delito ocorra reiteradamente por um período significativo de tempo no mesmo território) e consenso
inequívoco acerca de sua etiologia e técnicas de intervenção eficazes (a criminalização de condutas
depende de uma análise minuciosa desses elementos e sua repercussão na sociedade).
Desde os primórdios até os dias de hoje a criminologia sofreu mudanças importantes em seu
objeto de estudo. Houve tempo em que ela apenas se ocupava do estudo do crime (Beccaria), passando
pela verificação do delinquente (Escola Positiva). Após a década de 1950, alcançou projeção o estudo
das vítimas e também os mecanismos de controle social, havendo uma ampliação de seu objeto, que
assumiu, portanto, uma feição pluridimensional e interacionista.
Atualmente o objeto da criminologia está dividido em quatro vertentes: delito, delinquente,
vítima e controle social. Atualmente, uma vez que conforme vimos acima, na criminologia tradicional a
vítima e o controle social não integravam a criminologia enquanto objeto de estudo.
DELITO
No que se refere ao delito, a criminologia tem toda uma atividade verificativa, que analisa a
conduta antissocial, suas causas geradoras, o efetivo tratamento dado ao delinquente visando sua não
reincidência, bem assim as falhas de sua profilaxia preventiva.
A criminologia moderna não pode se limitar à adoção do conceito jurídico-penal de delito, pois
isso fulminaria sua independência e autonomia, transformando-se em mero instrumento de auxílio do
sistema penal. De igual sorte, a criminologia não aceita o conceito sociológico de crime como uma
conduta desviada, que foge ao comportamento padrão de uma comunidade. Tampouco aceita como
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um conceito ontológico (significado do ser, natureza e existência).


#ATENÇÃO: O Crime NÃO é um conceito ontológico! Isso é primordial para o avanço no estudo da
criminologia.

#DESENROLANDO #TRADUZACABRAL: Meu Deus, claro! Tudo faz sentido! O crime não é um conceito
ontológico… Repetindo: não é um conceito ornitológico… né? Então, não é um conceito
otorrinolaringológico, não é isso?
Calma, gente! É fundamental que quando formos estudar matérias que não temos afinidade, não
tenhamos problema em pesquisar determinados conceitos ou o significado de algumas palavras que
são novas. Como você vai entender que o crime não é um conceito ontológico se você não sabe o que
é isso?
Ontologia é a parte da metafísica que trata da natureza, realidade e existência dos entes. A ontologia
trata do ser enquanto ser, isto é, do ser concebido como tendo uma natureza comum que é inerente
a todos e a cada um dos seres que gosta de estudar. Quando falamos que o crime é um conceito
ontológico, estamos dizendo que por sua própria natureza aquela conduta é uma conduta má! É
como se estivéssemos afirmando que todas as condutas previstas como crime são coisas
naturalmente maléficas, por sua própria natureza.
Ahh! Mas eu concordo com isso! Matar alguém é algo naturalmente ruim! Calma, calma! Matar
alguém é uma conduta aceita na nossa sociedade, em diversas circunstâncias. Guerras, intervenções
médicas, omissão estatal. Além disso, para pensar em criminologia, nunca pense nos crimes como
aqueles mais batidões possíveis… homicídio, furto, roubo etc. Vai ficar mais fácil.
Quando dizemos que o crime não é um conceito ontológico , estamos dizendo que aquela conduta
não é algo mal em si, em sua essência , mas foi tida, em determinado momento-temporal, local e
sociedade como algo que deve ser taxado como crime.
Ou você acha que sempre, desde que a humanidade é humanidade, o molestamento intencional de
toda espécie de cetáceo é considerado uma conduta em si tão negativa que mereça ser punida com
reclusão de 02 a 05 anos? Não… isso foi só depois da Lei 7.643/1987.

Assim, para a criminologia, o crime é um fenômeno social, comunitário e que se mostra como
um “problema” maior, a exigir do pesquisador uma empatia para se aproximar dele e o entender em
suas múltiplas facetas. Destarte, a relatividade do conceito de delito é patente na criminologia, que o
observa como um problema social.
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Observe que o conceito de crime, para a criminologia, não se resume ao que é definido pelo
direito penal. Isso porque o conceito de crime para o direito penal não é o mesmo do conceito da
criminologia. Assim, alguns fatos que não são previstos como crime pelo direito penal são de interesse
de estudo da criminologia, uma vez que fazem parte de um mesmo complexo de fenômenos sociais, a
exemplo da prostituição.
Importante destacar que a criminologia moderna, sobretudo após a década de 60, a partir da
mudança de paradigma que superou a perspectiva etiológica – preocupação com causa/origem da
criminalidade – passou a ser mais complexa, questionando qual o critério que faz com que algumas
condutas sejam consideradas crimes e outras não.

#DESENROLANDO #TRADUZACABRAL: Perspectiva Etiológica – quando falamos em etiologia, estamos


falando do estudo das causas de um determinado fenômeno. Assim, a criminologia etiológica se
preocupa com o crime enquanto um fenômeno decorrente de uma causa específica. Busca tratar de
explicar a origem da delinquência (origem do crime), explicando as causas deste segundo um método
científico ou experimental. Para isso fazer sentido, o crime é concebido como um fenômeno natural,
causalmente determinado. Portanto, se aproxima muito de um crime como conceito ontológico.
A criminologia moderna se afastou do paradigma etiológico , ou seja, superou a ideia de pensar que é
possível encontrar uma causa determinante para o crime , e, assim, ser capaz de prever os remédios
para combatê-lo. Mas, durante muito tempo – e de suma importância para muitas escolas que iremos
estudar – o paradigma etiológico direcionou o estudo da criminologia. Então, na criminologia clássica, o
que se buscava era encontrar a origem – causa – do crime. Pensou-se que erradicando a causa se
eliminaria o efeito, como se fosse suficiente fechar as maternidades para o controle de natalidade .
- Para alguns concursos, infelizmente, somente a criminologia etiológica é cobrada!

Assim, passa a questionar também o processo de criminalização – ou seja, aquele conjunto de


fatos, fenômenos e poder decisório que faz com que um determinado fato, e em determinado contexto,
seja considerado um crime e em favor de quais interesses.
Em suma, temos que o conceito de criminologia tradicional apenas aceitava e “importava” o
conceito de crime apresentado pelo direito penal. Com isso, era uma criminologia conformista, que
servia de suporte para a manutenção do status quo. Sustentava-se o discurso da perfeição da ciência
jurídica, e o conceito de crime é um conceito ontológico, preocupando-se a criminologia com o
paradigma etiológico – descobrir qual a causa do crime.
Por sua vez, com o conceito moderno, passou-se a questionar o conceito de crime apresentado
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pelo direito penal. Por consequência, o conceito de pena e a sua utilidade também passa a ser
questionada. Crime, portanto, é o que se define como crime pelos poderes estabelecidos – paradigma
definitorial, substituindo o etiológico – em razão de reconhecer que há uma natureza conflituosa da
ordem social. Crime é aquilo que se define (por isso, definitorial) como crime!

CRIMINOSO
Não apenas o crime interessa à criminologia. O estudo do delinquente se mostra muito sério e
importante. Dentro da criminologia, as diversas escolas existentes, tanto as surgidas no âmbito da
criminologia tradicional quanto da criminologia moderna, apresentam diferentes elementos sobre o
delinquente. Conhecer cada uma dessas correntes é fundamental, e nada melhor que compreender
“quem é o criminoso” em cada uma para dominar as demais questões da criminologia.
Para a Escola Clássica, o criminoso era um ser que pecou, que optou pelo mal, embora pudesse
e devesse escolher o bem. O apogeu do valor do estudo do criminoso ocorreu durante o período do
positivismo penal, com destaque para a antropologia criminal, a sociologia criminal, a biologia criminal
etc. A Escola Positiva entendia que o criminoso era um ser atávico, preso a sua deformação patológica
(às vezes nascia criminoso).
Outra dimensão do delinquente foi confeccionada pela Escola Correcionalista (de grande
influência na América espanhola), para a qual o criminoso era um ser inferior e incapaz de se governar
por si próprio, merecendo do Estado uma atitude pedagógica e de piedade. Registre-se, por oportuno, a
visão do marxismo, que entendia o criminoso como vítima inocente das estruturas econômicas.
O estudo atual da criminologia não confere mais a extrema importância dada ao delinquente
pela criminologia tradicional, deixando-o em plano secundário de interesse. Salienta Sérgio Salomão
Shecaira (2008, p. 54) que “o criminoso é um ser histórico, real, complexo e enigmático, um ser
absolutamente normal, pode estar sujeito às influências do meio (não aos determinismos)”. E
arremata: “as diferentes perspectivas não se excluem ; antes, completam-se e permitem um grande
mosaico sobre o qual se assenta o direito penal atual”.

A seguir, vamos para uma análise mais esquematizada:


Ser humano é visto como algo sublime – Ideal do ser humano como centro do
ESCOLA CLÁSSICA universo e senhor absoluto de si mesmo e de seus atos – o livre arbítrio
Imagem abstrata e ideal do homem
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Dogma da liberdade e da igualdade de todos os homens – Princípio da


Equipotencialidade: não há diferenças qualitativas entre o criminoso e não criminoso

O comportamento criminoso é atribuído ao mau uso da liberdade. Criminoso é um


pecador que optou pelo mal e merece ser punido.
- Livre arbítrio fundamenta a culpabilidade, a reprovabilidade da conduta e a
imposição da pena

Protagonismo do estudo do crime e da lei

Nega o livre arbítrio. Criminoso é um animal selvagem e perigoso, portador de uma


doença (determinismo biológico), ou de processos causais alheios (determinismo
social),

Imagem concreta do homem, semelhante a algo químico ou matemático


POSITIVISMO Princípio da diversidade do criminoso – sujeito qualitativamente distinto do honrado
CRIMINOLÓGICO que cumpre a lei.
- Teoria do bem e do mal (construção do “outro”).
O criminoso não é culpável. Sua periculosidade é quem fundamenta uma
intervenção estatal – a imposição de uma medida de segurança
Protagonismo máximo do estudo do criminoso
Imagem pedagógica e paternalista sobre o criminoso. Criminoso é associado ao menor
de idade, inválido ou fraco socialmente ou mentalmente

FILOSOFIA Imagem de um ser carente de emenda


CORRECIONALISTA Criminoso é um ser inferior, deficiente e incapaz de dirigir por si mesmo a sua vida . Sua
débil vontade requer uma eficaz e desinteressada intervenção tutelar do Estado

Atribui a responsabilidade do crime a determinadas estruturas econômicas, de


MARXISMO maneira que o criminoso torna-se mera vitima daquelas.
Criminoso é fruto das desigualdades sociais
CRIMINOLOGIA O delinquente é examinado como unidade biopsicossocial, e não de uma
MODERNA perspectiva biopsicopatológica – os elementos biológicos, psicológicos e sociais
ajudam a entender a conduta, mas não são determinantes de forma absoluta
(fim da relação causa-efeito do paradigma etiológico)
Normalidade do criminoso
Estudo do criminoso passa a segundo plano, como uma superação dos enfoques
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individualistas em atenção aos objetivos político-criminais.

VÍTIMA
Outro aspecto do objeto da criminologia se relaciona com o papel da vítima na gênese delitiva.
Nos dois últimos séculos, o direito penal praticamente desprezou a vítima, relegando-a a uma
insignificante participação na existência do delito.
Verifica-se a ocorrência de três grandes instantes da vítima nos estudos penais: a “idade do
ouro”; a neutralização do poder da vítima e a revalorização de sua importância. A idade do ouro
compreende desde os primórdios da civilização até o fim da Alta Idade Média (autotutela, lei de Talião
etc.); o período de neutralização surgiu com o processo inquisitivo e pela assunção pelo Poder Público
do monopólio da jurisdição; e, por derradeiro, a revalorização da vítima ganhou destaque no processo
penal, após o pensamento da Escola Clássica, porém só recentemente houve um direcionamento efetivo
de estudos nesse sentido, com o 1º Seminário Internacional de Vitimologia (Israel, 1973).
Tem-se como fundamental o estudo do papel da vítima na estrutura do delito, principalmente
em face dos problemas de ordem moral, psicológica, jurídica etc., justamente naqueles casos em que o
crime é levado a efeito por meio de violência ou grave ameaça.
Ressalte-se que a vitimologia permite estudar inclusive a criminalidade real, efetiva,
verdadeira, por intermédio da coleta de informes fornecidos pelas vítimas e não informados às
instâncias de controle (cifra negra de criminalidade).
De outra sorte, fala-se ainda em vitimização primária, secundária e terciária. Vitimização
primária é aquela que se relaciona ao indivíduo atingido diretamente pela conduta criminosa.
Vitimização secundária é uma consequência das relações entre as vítimas primárias e o Estado, em face
da burocratização de seu aparelho repressivo (Polícia, Ministério Público etc.). Vitimização terciária é
aquela decorrente de um excesso de sofrimento, que extrapola os limites da lei do país, quando a vítima
é abandonada, em certos delitos, pelo Estado e estigmatizada pela comunidade, incentivando a cifra
negra (crimes que não são levados ao conhecimento das autoridades).

CONTROLE SOCIAL
O controle social é também um dos caracteres do objeto criminológico, constituindo-se em um
conjunto de mecanismos e sanções sociais que buscam submeter os indivíduos às normas de
convivência social. Há dois sistemas de controle que coexistem na sociedade: o controle social informal
(família, escola, religião, profissão, clubes de serviço etc.), com nítida visão preventiva e educacional, e
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o controle social formal (Polícia, Ministério Público, Forças Armadas, Justiça, Administração
Penitenciária etc.), mais rigoroso que aquele e de conotação político-criminal.
É importante distinguir o significado do controle social para a Criminologia positivista e
para o labelling approach porque, conforme o conceito adotado, altera-se a própria concepção de
crime e do objeto de estudo da criminologia. Vejamos:

CRIMINOLOGIA POSITIVISTA LABBELING APPROACH


Paradigma etiológico (investiga as causas da Paradigma do Controle (investiga os processos de
criminalidade) criminalização)
- Polarizada em torno da pessoa do criminoso - Estudo do controle social ganha prioridade
- Conferiu pouca importância e atenção aos
problemas do controle social
- Visão consensual e harmônica da ordem - A criminalidade não tem natureza ontológica
social (essencial), senão definitorial
- Não questiona as definições legais porque
admitem que encarnam os interesses gerais
O controle social apenas reage ao crime - O controle social não se limita a detectar a
previamente cometido criminalidade e a identificar o infrator, mas antes
cria a criminalidade
- O criminoso é fruto de um processo de rotulação,
de etiquetamento social. Não há crime se a conduta
não é rotulada como criminosa. O desviante (termo
utilizado pelo labelling, já que o crime não existe por
si só) interage, se identifica com o rótulo de
criminoso e assume a identidade criminógena,
reincidindo.
- Dogma da igualdade perante a leitores - Nem a lei é expressão dos interesses gerais e nem
- O noticiante, a polícia, o processo penal e os o processo de sua aplicação à realidade respeita o
outros elementos são concebidos como meras dogma da igualdade e dos cidadãos. Os agentes do
correias de transmissão que aplicam fielmente controle social formal não são meras correias de
a vontade da lei de forma objetiva transmissão da vontade geral, senão filtros seletivos
e discriminatórios guiados pelo critério do status
social do criminoso, que perpetuam as estruturas
de dominação de uma sociedade injusta e desigual.
*
A população reclusa, em consequência, - A população penitenciária, subproduto final do
oferece uma amostra confiável e funcionamento discriminatório do sistema legal,
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representativa da população criminal (real) não representa a população criminosa real – nem
qualitativa nem quantitativamente.
- O fato de haver mais pobres do que ricos na
cadeia não significa que os primeiros cometam
mais crimes, mas que o controle social se orienta
prioritariamente para as classes sociais mais
oprimidas.

#ISSOCÊNUMCONTA: Em relação a atuação do sistema formal, interessante possibilidade é relacionar a


forma de atuação das estruturas formais como a polícia em locais variados. Os diversos relatos de
invasão ao domicílio ilegalmente cometidas pelas polícias em bairros periféricos contrasta com a
atuação “comunitária” em bairros nobres. Outro tema relevante que tangencia esse tópico é a
relevância que a opinião do policial possui em relação aos crimes de tráfico de drogas. Crítica comum
para quem atua na área criminal e específica nas varas de entorpecentes está relacionada ao fato de
que a classificação que o policial realiza na ponta da sua atuação, distinguindo quem é traficante ou
usuário, acaba tendo um poder preponderante em toda a cadeia de acontecimentos. O Delegado de
Polícia tende a aceitar aquela classificação, que não é modificada na denúncia do Ministério Público e
desencadeia na sentença penal proferida pela autoridade judiciária.

A distinção entre o controle social formal e o informal é possível de ser verificada apenas em
uma perspectiva moderna, ou seja, na análise feita pela criminologia crítica. Vejamos as principais
distinções:

CONTROLE SOCIAL INFORMAL CONTROLE SOCIAL FORMAL

Família, escola, religião, clubes Polícia, Ministério Público, Poder Judiciário,


AGENTES
recreativos, opinião pública etc. administração penitenciária
Disciplina o indivíduo por meio de Entra em funcionamento quando as instâncias
um largo e sutil processo de informais de controle falham.
MOMENTO socialização, interiorizando
ininterruptamente no indivíduo as
pautas e conduta.
ESTRATÉGIAS Distintas estratégias (prevenção, Atua de modo coercitivo (violento) e impõe
repressão, ressocialização etc.) e sanções mais estigmatizantes, que atribuem ao
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diferentes modalidades de sanções infrator da norma um singular status (de


(positivas, como recompensas, e desviado, perigoso ou delinquente)
negativas, como punições).
- Costuma ser mais efetivo, porque é - A eficaz prevenção do crime não depende
ininterrupto e onipresente, o que tanto da maior efetividade do controle social
ajuda a explicar os níveis mais baixos formal, senão da melhor integração do
de criminalidade nas pequenas controle social formal e informal.
cidades do interior, onde é mais - O controle razoável e eficaz da criminalidade
EFETIVIDADE
forte. não pode depender exclusivamente da
- O atual enfraquecimento dos laços efetividade das instâncias do controle social,
familiares e comunitários explica em pois a intervenção do sistema legal não incide
boa medida a escassa confiança nas raízes do delito*
depositada na sua efetividade
* CIFRA NEGRA/CIFRA OCULTA: corresponde ao índice de subnotificação de crimes às autoridades estatais. O incremento
de taxa de criminalidade registrada não significa, necessariamente, um fracasso do controle social formal, tampouco seu
sucesso, pois o incremento das taxas de criminalidade registrada não pode ser interpretado, sem mais, como um
incremento correlativo da criminalidade real. (Obs.: utilize de preferência o termo cifra oculta).
- Mais leis, mais penas, mais policiais, mais promotores, mais juízes, mais prisões significam mais presos. Mas, não
significa menos crimes.

3. MÉTODO

Método é o meio pelo qual o raciocínio humano procura desvendar um fato, referente à
natureza, à sociedade e ao próprio homem. No campo da criminologia, essa reflexão humana deve estar
apoiada em bases científicas, sistematizadas por experiências, comparadas e repetidas, visando buscar a
realidade que se quer alcançar.
A criminologia se utiliza dos métodos biológico e sociológico. Como ciência empírica e
experimental que é, a criminologia utiliza-se da metodologia experimental, naturalística e indutiva para
estudar o delinquente, não sendo suficiente, no entanto, para delimitar as causas da criminalidade. Por
consequência disso, busca auxílio dos métodos estatísticos, históricos e sociológicos, além do
biológico.
Observando em minúcias o delito, a criminologia usa, portanto, métodos científicos em seus
estudos. Os fins básicos (por vezes confundidos com suas funções) da criminologia são informar a
sociedade e os poderes constituídos acerca do crime, do criminoso, da vítima e dos mecanismos de
controle social. Ainda: a luta contra a criminalidade (controle e prevenção criminal).
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A criminologia tem enfoque multidisciplinar, porque se relaciona com o direito penal, com a
biologia, a psiquiatria, a psicologia, a sociologia etc.
Em relação a análise do seu objeto em si, a criminologia moderna se baseia no método
empírico e interdisciplinar. Por isso, para conhecer bem o assunto de criminologia é necessário se
aventurar em leituras pouco comuns aos bacharéis em direito e dominar conceitos filosóficos,
sociológicos, biológicos entre outros.
Quanto aos métodos diferentes, vejamos:
MÉTODO EMPÍRICO (Positivo) MÉTODO DEDUTIVO (Clássico)
É indutivo, baseado na observação direta da realidade É abstrato, formal, lógico, dogmático, baseado na
especulação e dedução
- Parte de premissas supostamente corretas para deduzir
delas as oportunas consequências
Método da criminologia (ciência do ser) Método do Direito (ciência do dever ser), normativa,
valorativa
Ocupa-se de fatos irrelevantes para o Direito Penal (como a O direito traz uma imagem fragmentada, seletiva e valorada
esfera social do infrator, as cifras ocultas e condutas da realidade criminal. Só se interessa pela conduta típica.
atípicas)
A criminologia se ajusta a um sistema de expectativas O direito penal constitui um sistema de expectativas
cognitivas (conhecimento da realidade) que responde ao normativas que segue o código lícito-ilícito.
código verdadeiro-falso (o que tem relação afetiva com a
gênese do delito e o que não tem).

4. FUNÇÃO

Desponta como função primordial da criminologia a junção de múltiplos conhecimentos mais


seguros e estáveis relacionados ao crime, ao criminoso, à vítima e ao controle social. Esse núcleo de
saber permite compreender cientificamente o problema criminal, visando sua prevenção e interferência
no homem delinquente.
Porém, registre-se que esse núcleo de conhecimentos não é um amontoado de dados
acumulados, porque se trata de conhecimento científico adquirido mediante técnicas de investigação
rigorosas e confiáveis, decorrentes de análises empíricas iniciais.
Pode-se dizer com acerto que é função da criminologia desenhar um diagnóstico qualificado e
conjuntural sobre o delito, entretanto convém esclarecer que ela não é uma ciência exata, capaz de
traçar regras precisas e indiscutíveis sobre as causas e efeitos do ilícito criminal.
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Assim, a pesquisa criminológica científica, ao usar dados empíricos de maneira criteriosa, afasta
a possibilidade de emprego da intuição ou de subjetivismos.
Como finalidade, podemos destacar que a criminologia se direciona a informar a sociedade e os
poderes públicos sobre o delito, o delinquente, a vítima e o controle social, reunindo um núcleo seguro
de conhecimentos empíricos e interdisciplinares. Tal conhecimento gerado pela Criminologia dirige-se a
três objetivos:
I – Compreender cientificamente o crime, incluindo todos os seus personagens (criminoso,
vítima, sociedade);
II - Preveni-lo; e
III - Intervir com eficácia e de modo positivo no criminoso.

Quanto ao primeiro objetivo, destaca-se:


• a formulação de modelos teóricos explicativos do crime foi a tarefa prioritária conferida à
Criminologia;
• a obtenção de dados não é um fim em si mesmo . Os dados são material bruto, que têm que
ser interpretados.

Em relação ao segundo objetivo, controlar e prevenir o crime, em síntese:


• a Criminologia é uma ciência prática, preocupada com os problemas concretos;
• tradicionalmente, sustentava-se que era função da Criminologia somente a explicação do
crime, a análise e a descrição das suas causas, porém não as estratégias político-criminais para combatê-
lo, o que seria atribuição dos poderes públicos;
• a Escola Austríaca, porém, sempre concebeu a luta contra o delito (preventivo-repressiva)
como meta específica da Criminologia;
• a Criminologia pretende um controle razoável do crime, pois sua total erradicação da
sociedade é uma meta inviável e utópica. Além disso, seria inadmissível em um Estado Democrático de
Direito pagar qualquer preço e alimentar novas cruzadas contra o crime ou antigas atitudes inquisitoriais
contra o criminoso;
• uma sociedade moderna, dinâmica e conflitiva deve aceitar a normalidade do crime,
aprendendo, com tolerância, a conviver com ele.

Por fim, quanto ao terceiro objetivo, relacionado com a intervenção no criminoso:


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• esclarecer qual é o impacto real da pena em quem a cumpre, para neutralizá-lo, para que a
potencialidade destrutiva inerente a toda privação de liberdade não se torne irreversível, de modo que
inviabilize o posterior retorno do condenado à comunidade uma vez cumprido o castigo;
• criar e avaliar programas de reinserção, entendendo a reinserção não no sentido clínico e
individualista (modificação qualitativa da personalidade do infrator); programas que permitam uma
efetiva incorporação sem traumas para o ex-condenado à comunidade (não se trata de intervir
somente no primeiro), realizando prestações positivas em seu favor, assim como das pessoas de seu
relacionamento (a possível intervenção não deve terminar no dia em que o condenado é liberado,
porque a própria pena prolonga seus efeitos reais muito além deste momento e tampouco se deve
dissociar o ex-condenado do seu meio);
• fazer a sociedade perceber que o crime não é um problema exclusivo do sistema legal , senão
de todos. Para que ela – sociedade – assuma a responsabilidade que lhe corresponda e se comprometa
com a reinserção do ex-condenado;
• a Vitimologia tem chamado a atenção para a importância de também se criar programas de
reinserção da vítima.

Obs.: Legitimar ou criticar o status quo?

• a denominada Criminologia positivista é uma Criminologia legitimadora da ordem social constituída,


porque não questiona seus valores, as definições oficiais de crime e criminoso ou o próprio
funcionamento do sistema

• o modelo crítico, pelo contrário, questiona as bases da ordem social, sua legitimidade, o concreto
funcionamento do sistema e de suas instâncias, assim como a reação social

5. CLASSIFICAÇÃO

A classificação é uma disposição de coisas segundo dada ordem (classes) para melhor
compreensão de todas elas. Já se disse que a criminologia se ocupa de pesquisar os fatores físicos,
sociais, psicológicos que inspiram o criminoso, a evolução do delito, as relações da vítima com o fato e
as instâncias de controle social, abrangendo sinteticamente diversas disciplinas criminais, como a
antropologia criminal, a biologia criminal, a sociologia criminal, a política criminal etc.
A doutrina dominante entende que a criminologia é uma ciência aplicada que se subdivide em
dois ramos: criminologia geral e criminologia clínica.
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Os eminentes criminólogos Newton e Valter Fernandes (2002, p. 38) afirmam: “em reunião
internacional da Unesco, em Londres, logrou-se desmembrar a Criminologia em dois ramos: a
Criminologia Geral e a Criminologia Clínica”.
A criminologia geral consiste na sistematização, comparação e classificação dos resultados
obtidos no âmbito das ciências criminais acerca do crime, criminoso, vítima, controle social e
criminalidade.
A criminologia clínica consiste na aplicação dos conhecimentos teóricos daquela para o
tratamento dos criminosos. Por derradeiro, ensina-se que a criminologia pode ser dividida em:
criminologia científica (conceitos e métodos sobre a criminalidade, o crime e o criminoso, além da
vítima e da justiça penal); criminologia aplicada (abrange a porção científica e a prática dos operadores
do direito); criminologia acadêmica (sistematização de princípios para fins pedagógicos); criminologia
analítica (verificação do cumprimento do papel das ciências criminais e da política criminal) e
criminologia crítica ou radical (negação do capitalismo e apresentação do delinquente como vítima da
sociedade, tem no marxismo suas bases).
Destaque-se que a criminologia crítica é de grande funcionalidade para a atuação da
Defensoria Pública, sendo mais comum cobrar o conhecimento sobre a criminologia clássica e a crítica
em provas e exames de concursos públicos.

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