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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE DIREITO
DEPARTAMENTO DE DIREITO E PROCESSO PENAL
PROGRAMA DE MONITORIA
DIREITO PENAL I
Professor Orientador: Luís Augusto Sanzo Brodt
Monitor: Wilson Alves Ferreira
Semestre: 2019/1

CADERNO DO MONITOR

INTRODUÇÃO

CONCEITO DE DIREITO PENAL

Direito Penal é o ramo do ordenamento jurídico que define crime e contravenção


penal e comina pena e medida de segurança. Para Claus Roxin, Direito Penal é o
conjunto de preceitos que regulam os pressupostos e consequências de uma conduta
cominada com pena ou medida de segurança.

Os crimes são definidos por meio da descrição da conduta proibida. Por exemplo,
ao definir o crime de homicídio, nosso Código Penal descreve a conduta proibida de
matar: art. 121: matar alguém. Essa descrição é chamada de tipo penal.

A pena é a resposta estatal à violação da norma penal. Porém, somente é aplicada


a quem pode ser reprovado face o Direito, ou seja, a quem é imputável. Algumas pessoas,
por falta de sanidade mental ou por menoridade, não são reprováveis (são inimputáveis)
e, portanto, não estão sujeitas à pena. Aos doentes mentais que praticam alguma conduta
criminosa são aplicadas medidas de segurança, que pode ser um tratamento ambulatorial,
por exemplo. Já os menores de 18 anos não estão sujeitos ao Direito Penal e sim ao
Direito da Criança e do Adolescente, regulado pelo ECA (Estatuto da Criança e do
Adolescente). Quando um menor pratica algum fato análogo a crime, isto é, um ato
infracional1, contra ele é imposta uma medida socioeducativa.

No Brasil, a pena mais grave é a privativa de liberdade (prisão) de 30 anos. A


medida socioeducativa mais grave é uma internação de 3 anos. Esse limite legal não
1
Art. 103 do ECA: Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.
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existe nas medidas de segurança, que podem ser impostas enquanto for necessário, o que
é problemático, haja vista a vedação constitucional à pena perpétua.

DIREITO PENAL OU DIREITO CRIMINAL?

Parte da doutrina defende a terminologia Direito Criminal e critica que Direito


Penal enfatiza demasiadamente a pena, que não é a única resposta estatal à prática de
crime, haja vista que existe também a medida de segurança. Além disso, o crime é a
forma mais grave de violação da norma jurídica penal. No entanto, a doutrina majoritária,
como a de Fernando Galvão, defende que Direito Penal é mais adequado porque o crime
não é a única infração penal, sendo que o ordenamento jurídico estabelece também as
contravenções penais. Ademais, a pena é a consequência normal da infração penal e as
medidas de segurança são aplicadas somente quando o agente é psicologicamente
incapaz de compreender o caráter ilícito da conduta criminosa.

Para Nilo Batista, a melhor expressão é Direito Penal porque a pena é condição de
existência jurídica do crime e que mesmo a medida de segurança constitui-se com caráter
retributivo, possuindo, portanto, um matiz penal. No Brasil adotou-se Direito Penal. A
expressão Direito Criminal vigorou aqui somente com o Código Criminal de 1930.

DIREITO PENAL, CRIMINOLOGIA E POLÍTICA CRIMINAL

Direito Penal e Criminologia

O Direito Penal criminaliza condutas, mas não se pergunta sobre o ser destas condutas,
o que elas representam na biografia do sujeito, da problemática geral das condutas criminosas
na vida social etc. A Criminologia é a ciência que estuda a criminalidade do ponto de vista
biopsicossocial, estudando, portanto, a conduta criminosa e seu autor.

Criminologia clássica: Os postulados consagrados pelo Iluminismo, que de certa forma


foram sintetizados no “Dos delitos e das penas”, de Cesare de Beccaria, serviram como
fundamento básico para essa doutrina, que buscava impedir as torturas e desrespeitos à
condição humana no sistema penal. Segundo esta doutrina, o fundamento do direito de
punir do Estado está em um contrato social e a punibilidade é fundada no livre-arbítrio do
agente.

Criminologia positivista: Se opondo à concepção individualista da Escola Clássica, essa


doutrina se colocou na tarefa de defender mais o corpo social contra condutas
delinquentes. A criminologia aqui é entendida como uma ciência causal-explicativa do
delito, ou seja, que trata de explicar as causas da conduta criminosa. Nesse campo, se

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conformam a Antropologia Criminal e a Sociologia Criminal, que constituem o
Paradigma Etiológico da criminologia. A Antropologia Criminal surge com o médico
italiano Cesare Lombroso, que procurou explicar a causa do comportamento criminoso
por meio de estigmas físicos (assimetria do rosto, dentição anormal etc) e psíquicos do
agente: a causa do crime é identificada no próprio criminoso. A Sociologia Criminal se
consolida com Enrico Ferri, que sustentou a teoria sobre a inexistência do livre-arbítrio,
considerando que a pena não se impunha pela capacidade de autodeterminação da pessoa,
mas pelo fato de ser um membro da sociedade.

Criminologia da reação social: Superado o paradigma etiológico, surge o Paradigma da


Reação Social, que analisa a criminalidade a partir da interação entre indivíduo e
sociedade. Segundo esta doutrina, infringir a norma penal, por si só, não faz uma pessoa
ser criminosa, é necessário também que o agente esteja dentro do grupo perseguido pelo
aparato estatal, ou seja, que o indivíduo esteja “rotulado” ou “etiquetado”. Geralmente,
esse grupo é formado por pessoas pobres e negras, estigmatizadas pelo sistema penal.
Essa perspectiva da reação social explica mais adequadamente os “crimes de colarinho
branco”, termo introduzido por Edwin Sutherland para se referir aos crimes praticados
por ricos. Destarte, a criminalidade é comum a todas as classes sociais, mas o Estado
rotula apenas uma, a dos pobres.

Criminologia crítica: essa vertente, que emana do paradigma da reação social, utiliza os
postulados marxistas para demonstrar que o Direito Penal se concentra na classe
trabalhadora como estratégia de controle e vigilância da classe dominante para proteger
seus bens.

Direito Penal e Política Criminal

A política criminal é um capítulo da política geral relativo ao fenômeno criminal.


É a arte ou a ciência de governo que trata da questão criminal. A política criminal guia
decisões tomadas pelo poder político ou proporciona os argumentos para criticar essas
decisões, cumprindo então funções de guia e de crítica. Segundo Eugenio Zaffaroni,
política criminal é a ciência ou a arte de selecionar os bens que devem ser tutelados
jurídica e penalmente, e escolher os caminhos para efetivar tal tutela, o que implica a
crítica dos valores e caminhos já eleitos. Para Nilo Batista, a política criminal é composta
por princípios e recomendações para a reforma da legislação penal e dos órgãos
encarregados por sua aplicação.

ACEPÇÕES DO TERMO DIREITO PENAL

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Direito Penal objetivo: É o conjunto de normas jurídicas que regulam a atividade estatal
de definir crimes e cominar as respectivas sanções. É constituído, assim, pelo Código
Penal e por leis penais extravagantes (leis penais fora do Código Penal).

Direito Penal subjetivo: É o jus puniendi, ou seja, o direito de punir, cuja titularidade
pertence exclusivamente ao Estado. Praticado o crime por alguém, nasce para o Estado
esse jus puniendi. Alguns doutrinadores são críticos a essa ideia, como Nilo Batista, que
prefere falar em poder de punir e não direito de punir. Vale ressaltar que o art. 22, I, da
Constituição Federal, define que cabe privativamente à União legislar sobre Direito
Penal.

Dogmática Penal (Ciência Penal): O termo Direito Penal também diz respeito ao saber
da Ciência Penal, que desempenha papel de analisar valorativa e criticamente o texto
legal da norma penal, sendo o sistema de interpretação da legislação penal, que recebe
também o nome de Dogmática Penal. O método dogmático se completa com as seguinte
fases: Reunião do conjunto de leis do Direito Penal objetivo > Interpretação deste
conjunto > Construção de conceitos e institutos > Organização dos institutos e formação
do sistema penal.

Direito Penal substantivo e Direito Penal adjetivo: Esta distinção já não vigora mais
em nossa dogmática, mas sempre é lembrada por nossos doutrinadores. Direito Penal
substantivo, também chamado de direito penal material, seria o direito penal
propriamente dito, composto por normas que definem crimes e cominam as respectivas
sanções. Direito Penal adjetivo, ou formal, seria o direito processual penal, que determina
a forma como deve ser aplicado o direito penal, sendo o instrumento de aplicação do
direito penal substantivo.

Direito Penal comum e Direito Penal especial: O Direito Penal comum é aquele cujas
normas podem ser aplicadas através da Justiça Comum. Já o Direito Penal especial é
aquele cujas normas somente são aplicadas por órgãos da Justiça Especial. Assim, no
Brasil há dois ramos do Direito Penal especial: o Direito Penal Militar e o Direito Penal
Eleitoral, que são aplicados pela Justiça Militar e pela Justiça Eleitoral, respectivamente.
É necessário destacar que essa distinção não pode ser confundida com legislação penal
comum (o Código Penal) e legislação penal especial, também conhecida como legislação
extravagante, que é constituída por leis penais fora do Código Penal.

Direito de Execução Penal (penitenciário): A execução da pena apresenta uma grande


complexidade, sobretudo quando se trata de penas privativas de liberdade, o que vem
fazendo que seja cada vez mais regulamentada em lei, especialmente na Lei de Execução
Penal (LEP). Essa regulamentação fez surgir um ramo acessório do Direito Penal,
chamado de Direito de Execução Penal, Direito Penitenciário ou Direito Penal Executivo.
O Direito Penal fixa o objetivo geral da pena, de prevenção, e o direito penitenciário
regula a forma em que deve realizar esta tarefa preventiva. Esse ramo regula, por
exemplo, o regime de cumprimento da pena privativa de liberdade.

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FUNÇÃO DO DIREITO PENAL

A doutrina majoritária defende que o Direito Penal serve para garantir o convívio
em sociedade por meio da proteção dos bens jurídicos mais importantes. Argumenta-se
que ao criminalizar condutas que violem bens jurídicos, o Direito Penal dá a eles a
proteção necessária, pois coibiria aquelas condutas.

Claus Roxin define bem jurídico como circunstâncias reais dadas ou finalidades
necessárias para uma vida segura e livre, que garanta a todos os direitos humanos e civis
de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia
nestes objetivos.

Na criminalização de condutas (e consequente proteção dos bens jurídicos), o


legislador deve levar em consideração os aspectos de fragmentariedade e subsidiariedade
do direito penal. A fragmentariedade significa que somente podem ser punidas condutas
que lesem, ou ameacem de lesão, de forma grave os bens jurídicos mais importantes. O
direito penal deve se ocupar apenas dos casos mais graves de violação dos bens jurídicos
mais importantes. A subsidiariedade significa que o direito penal somente pode atuar
quando outros ramos do ordenamento jurídico não forem capazes de dar a devida
proteção ao bem jurídico. O direito penal tem caráter subsidiário em relação aos outros
ramos do Direito. Quando determinadas condutas puderem ser suficientemente proibidas
pelo Direito Administrativo ou Direito Civil, a intervenção do Direito Penal deve ser
dispensada.

Vale ressaltar, no entanto, que uma doutrina minoritária, como a de Juarez Cirino,
aduz que o direito penal é uma forma grave de controle social, servindo para conter a
classe explorada (trabalhadora) de condutas que possam ameaçar os privilégios da classe
dominante. Para ele, essa é a função real do Direito Penal, mas que é oculta em face ao
objetivo tradicional e declarado, defendido pela doutrina majoritária.

Outra doutrina isolada é a de Gunther Jakobs, que desenvolveu a teoria do


funcionalismo sistêmico e a ideia de “Direito Penal do inimigo”. Para Jakobs, o Direito
Penal serve para reafirmar a vigência da norma. Em razão disso, divide o Direito Penal
em Direito Penal do cidadão e Direito penal do inimigo. O Direito Penal do cidadão é
dirigido às pessoas que violaram a norma penal ao praticar crimes, mas que têm a
oportunidade de reestabelecer sua vigência. O Direito Penal do inimigo é aplicado à
pessoa que já violou demais a norma penal, passando a ser então inimiga do Estado,
como é o caso de terroristas, pois o objetivo de reestabelecer a vigência da norma já não é
mais alcançável neste caso.

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O CÓDIGO PENAL

O Código Penal brasileiro foi estabelecido pelo Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de


dezembro de 1940, tendo sua Parte Geral reformada pela Lei nº 7.209, de 11 de julho
1984. O Código se estrutura em duas partes, uma geral e outra especial. De seus 361
artigos, do art. 1º até o art. 120 trata-se da Parte Geral e do art. 121 até o art. 361, da Parte
Especial. A Parte Geral do Código Penal é ocupada pelas teorias da norma, do crime e da
pena, que orientam toda a Parte Especial, que traz os crimes em espécie.

Na história brasileira, tivemos ainda o Código Criminal do Império de 1830, o


Código Penal de 1890 e o Código Penal de 19692, este, porém, teve sua vigência adiada
por várias vezes até quando foi revogado pela Lei nº 6.578/78.

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE DIREITO PENAL

O Direito Penal é regido por princípios estabelecidos explícita ou implicitamente


na Constituição Federal. Em um Estado Democrático de Direito, esses princípios
representam garantias da liberdade individual dos cidadãos face ao poder punitivo do
Estado.

A doutrina costuma divergir sobre a lista ou nomenclatura dos princípios


constitucionais, mas há um certo consenso acerca dos seguintes princípios: legalidade,
humanidade, culpabilidade, intervenção mínima, lesividade (ofensividade),
fragmentariedade, insignificância, proporcionalidade, individualização da pena,
pessoalidade, adequação social e non bis in idem.

O princípio da legalidade é a garantia aos indivíduos de que a intervenção


punitiva estatal só tem autorização nos estreitos limites da lei. A legalidade exprime-se
sob a fórmula latina de Feuerbach “nullum crimem, nulla poena sine lege praevia” e
impõe a estrita observância da reserva legal para a definição de crimes e aplicação de
penas. A Constituição Federal e o Código Penal preveem de forma expressa esse
princípio: Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia
cominação legal (art. 5º, XXXIX, da CF e art. 1º do CP). Desse modo, somente pode ser
considerado crime a conduta anteriormente definida como tal em lei. Em decorrência
disso, existem quatro importantes limitações do poder punitivo:

 Proibição da retroatividade da lei penal in malam partem

“A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” (art. 5º, XXXL, CF). Uma
lei penal somente incide sobre uma conduta se estava vigente no momento da
ação ou omissão. Todavia, existe uma exceção, que é quando a nova lei de

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Curiosidade: esse Código é o exemplo da mais longa vacatio legis de que se tem notícias.
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qualquer modo beneficia o réu, aí ela retroage (in bonam partem) e atinge fatos
ocorridos mesmo antes de sua entrada em vigor.

 Proibição do costume como fonte da lei penal in malam partem

Apenas a lei em sentido estrito é fonte formal do Direito Penal, ou seja, apenas a
lei pode definir crimes e cominar penas. Entretanto, o costume também pode ser
admitido in bonam partem para beneficiar o réu. Embora exista divergência, o
exemplo comum é o do crime de casa de prostituição, que foi praticamente
abolido pela existência generalizada de motéis (costume).

 Proibição de analogia da lei penal in malam partem

Analogia significa a aplicação da lei penal a fatos não previstos, mas semelhantes
aos previstos. É proibida a analogia quando constitui prejuízo para o réu. Ao
contrário, se for in bonam partem, é permitida. É necessário ressaltar que analogia
se distingue de interpretação analógica, que é uma interpretação extensiva
autorizada pela própria norma, como por exemplo o art. 121, §2º, I, do CP, que
define o crime homicídio qualificado pelo motivo (“se o homicídio é cometido
mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe”. O
“motivo torpe” é um termo genérico, o que permite uma interpretação de forma
extensiva para incluir outros motivos torpes não expressamente previstos).

 Proibição da indeterminação da lei penal

Esta proibição veda o estabelecimento de incriminações vagas e imprecisas, ou


seja, a lei penal deve ser taxativa, evitando assim interpretações idiossincráticas.
A conduta proibida e sua consequência devem ser definidas na lei, e não inferidas
dela.

O princípio da humanidade é deduzido da dignidade da pessoa humana como


fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, CF). Esse princípio sustenta
que o poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade da pessoa
humana ou que lesione a constituição físico-psíquica dos condenados. Os direitos
humanos devem receber proteção jurídica a fim de evitar que o ser humano seja vítima de
atos de barbárie. Sob o enfoque deste princípio, a justiça criminal não pode ser
exageradamente repressiva, devendo se preocupar mais com as consequências sociais da
incriminação e punição. Assim, em nosso ordenamento jurídico são expressamente
proibidas as penas de morte (salvo em caso de guerra), perpétuas, de trabalho forçado, de
banimento e cruéis (art. 5º, XLVII, CF). São penas incompatíveis com o princípio da
humanidade. Ainda como consequência desse princípio, temos a garantia da integridade
física e moral dos presos (art. 5º, XLIX, CF e art. 38, CP). Na prática de nosso sistema
penitenciário, esse princípio é diariamente violado.

O princípio da culpabilidade limita a punição da pessoa condenada pela realização


do fato-crime. Somente se pode aplicar pena à pessoa quando e na medida em que se

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possa reprová-la e, assim, toda pena pressupõe a culpabilidade de seu destinatário (nulla
poena sine culpa). A Constituição estabelece que “ninguém será considerado culpado até
o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII, CF). A intervenção
punitiva, portanto, somente será legítima quando da definitiva consideração de culpa3. No
Direito Penal, culpabilidade tem um triplo sentido:

 Culpabilidade como fundamento da pena: refere-se ao fato de ser possível ou não


a aplicação de uma pena ao autor de um crime. Isso porque a culpabilidade é
elemento do conceito analítico de crime, entendida como a reprovação jurídica
sobre o sujeito ativo do crime. Esta reprovação, como juízo, pressupõe que o
indivíduo detinha o poder de conter-se diante dos impulsos determinantes da
prática do ilícito e não o fez. Assim, são necessários alguns requisitos para a
reprovação do agente: capacidade de culpabilidade, consciência de ilicitude e
exigibilidade da conduta diversa.

 Culpabilidade como elemento de medição da pena: a culpabilidade também


funciona como limite da pena, impedindo que a pena imposta seja aquém ou além
do necessário. Também surte efeitos na dosimetria da pena (individualização da
pena), quando esta deve ocorrer na medida da culpabilidade.

 Culpabilidade como conceito contrário à responsabilidade objetiva: o princípio da


culpabilidade impede que a responsabilidade penal seja objetiva, é necessário que
o agente tenha culpa ou dolo na prática do fato criminoso.

Por fim, vale ressaltar que em decorrência do princípio da culpabilidade, a


responsabilidade penal é pelo fato (direito penal do fato) e não pelo autor (direito penal
do autor).

O princípio da intervenção mínima (da ultima ratio) significa que a


intervenção do direito penal deve restringir-se ao mínimo necessário à manutenção da
harmonia social. Não se pode admitir exagero na incriminação ou punição. O direito
penal deve interferir o menos possível na vida das pessoas em sociedade, somente
devendo ser solicitado quando os demais ramos do direito (como o Direito Civil e o
Direito Administrativo, chamados de extrapenais) não forem capazes de proteger aqueles
bens jurídicos considerados de maior importância. A atividade punitiva é a última razão
(ultima ratio) de um direito que respeita a dignidade da pessoa humana, nunca a primeira.

O princípio da lesividade (da ofensividade) vincula o direito penal ao objetivo


de proteger materialmente o bem jurídico. Sem lesão ou ameaça concreta de lesão ao bem
jurídico não pode haver intervenção punitiva. O direito penal reprova somente aquelas
condutas que atinjam ofensivamente os bens jurídicos tutelados. Por isso, vários
doutrinadores defendem a inconstitucionalidade dos chamados crimes de perigo abstrato,
pois em um Estado Democrático de Direito admite-se punição apenas quando há efetivo,
real e concreto perigo de lesão a um bem jurídico determinado. Ainda segundo esse

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O STF lamentavelmente ignorou a literalidade do texto constitucional para admitir o cumprimento provisório da pena.
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princípio, somente pode ser objeto de punição a conduta humana que afete o direito de
outras pessoas, ou seja, não autolesão não pode(ria) ser criminalizada.

O princípio da fragmentariedade estabelece que o direito penal tem caráter


fragmentário em relação à proteção de bens jurídicos. A proteção jurídico-penal é parcial
e nunca integral. O direito penal protege apenas os bens jurídicos mais importantes da
sociedade e aqueles que foram ofendidos de forma mais grave. A proteção nunca é
exaustiva.

O princípio da insignificância (da bagatela) impede a punição de lesões


insignificantes aos bens jurídicos. Com isso, lesões ínfimas ao bem jurídico não podem
ser materialmente criminosas, ou seja, a insignificância do bem jurídico exclui a
tipicidade material da conduta. Uma pessoa que subtrai para si um bombom, por
exemplo, não pode ser punida por furto, haja vista que mesmo a pena mínima desse crime
seria um exagero. Na análise do caso concreto, determinar se a lesão foi ou não
insignificante é difícil, mas a jurisprudência estabeleceu alguns parâmetros. De acordo
com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), a aplicação do princípio da
insignificância exige a verificação dos seguintes critérios:

a) a mínima ofensividade da conduta;


b) nenhuma periculosidade social da ação;
c) o reduzido grau de culpabilidade e
d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) ainda estabelece como requisitos a condição
econômica da vítima e o valor econômico do objeto material. Em relação aos crimes
contra a administração pública, o STJ considera inaplicável o princípio da bagatela4. Em
relação ao crime de roubo, em razão da violência ou grave ameaça, a jurisprudência dos
Tribunais Superiores é pacífica no sentido da inaplicabilidade do princípio também. Por
fim, cabe ressaltar que os tribunais têm entendido que no crime de descaminho, o critério
para insignificância é o valor de R$ 20.000,00.

O princípio da proporcionalidade dirige-se tanto ao legislador quanto ao juiz. O


primeiro deve estar atento, ao definir crime e cominar pena, à natureza e extensão do
dano social produzido pelo crime. Assim, aos fatos mais graves devem ser cominadas
penas também mais graves, ou seja, proporcionais. Já o juiz deve julgar os casos
concretos com proporcionalidade entre o caso concreto e a pena, sempre dentro dos
limites esculpidos por lei. Entretanto, não se pretende com esse princípio invocar a “lei
do talião”. Logo, mesmo nos crimes de homicídio a sanção não pode ser uma pena de
morte. Essa limitação ao princípio da proporcionalidade é dada pelo princípio da

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Súmula 599 do STJ: O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública.
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razoabilidade, que exerce uma função controladora. Razoável é aquilo que tem aptidão
para atingir os objetivos a que se propõe, sem, contudo, representar excesso algum.

O princípio da pessoalidade (da intranscedência da pena) foi expressamente


garantido em nossa Constituição Federal ao definir que “nenhuma pena passará da
pessoa do condenado” (art. 5º, XLV, primeira parte, CF). Nesse sentido, a
responsabilidade penal não pode passar (transcender) das pessoas que praticaram o crime,
porque esse princípio proíbe a extensão da pena para além do condenado. Assim,
nenhuma pessoa pode responder criminalmente pelos atos de outra.

O princípio da individualização da pena é a garantia de que a pena deve estar


em conformidade estrita com as peculiaridades do fato e da pessoa que é apenada,
respeitando todas as suas individualidades. A Constituição Federal o prevê
expressamente: “a lei regulará a individualização da pena” (art. 5º, XLVI, primeira
parte, CF). O princípio é materializado pela dosimetria da pena, quando a pena é aplicada
de acordo com circunstâncias judiciais e legais que envolvem o delinquente e o fato
delituoso. Nesse contexto, o STF julgou inconstitucional a imposição legal de
cumprimento inicial da pena privativa de liberdade em regime fechado. Para a Corte, a
definição do regime inicial da pena deve levar em consideração as individualidades do
caso concreto.

O princípio da adequação social afasta a tipicidade material de condutas que


estejam dentro dos limites ético-sociais da sociedade e que sejam usuais e necessárias ou
admitidas. O Professor Brodt dá o exemplo da mãe que perfura as orelhas de seu bebê
para colocar brincos. A conduta configura formalmente o tipo de lesão corporal leve, mas
não pode ser considerada materialmente típica porque é socialmente adequada.

O princípio do non bis in idem impede que uma pessoa sofra pena duas vezes
por um mesmo fato. Nosso Código Penal expressa esse princípio ao tratar da pena
cumprida no estrangeiro. Se uma pessoa cumpre pena por um crime cometido no
estrangeiro e vem ser punida no Brasil pelo mesmo crime, deve-se levar em conta o non
bis in idem nos seguintes termos “a pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta
no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas”
(art. 8º do CP). Assim, quando as penas aplicadas ao agente no estrangeiro e no Brasil
forem diferentes, como no caso em que lá se aplica ao fato cometido pena restritiva de
direito e aqui, privativa de liberdade, então a pena cumprida no estrangeiro diminui a
pena a ser imposta no Brasil. Se, porém, as penas previstas para o fato são iguais (em
ambos os países se aplica a privativa de liberdade, por exemplo), então a pena cumprida
no estrangeiro é computada naquela a ser cumprida no Brasil. Exemplificando: Mévio
cumpre 2 anos de reclusão no estrangeiro. No Brasil, pelo mesmo fato é condenado a 3
anos de reclusão. Logo, Mévio deverá cumprir apenas 1 ano de pena no Brasil.

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TEORIA DA NORMA

Norma penal é o comando imperativo que o Estado dirige aos cidadãos na matéria
específica que se refere ao poder punitivo. A norma penal em sentido estrito
(incriminadora) é formada pelo tipo penal, o preceito primário e a sanção penal (preceito
secundário). O tipo descreve a conduta proibida. O preceito primário expressa o
imperativo de proibição ou comando, ou seja, a vontade estatal de estender a
determinados bens jurídicos a proteção penal, proibindo ou ordenando atos. A sanção,
também chamada de preceito secundário, ameaça de punição a violação do preceito
primário (coercibilidade).

Modernamente, adota-se uma especial técnica legislativa quanto às normas


incriminadoras: o preceito primário está geralmente implícito na norma penal, o que vem
expresso é o tipo e a sanção penal. Exemplificando: o crime de homicídio simples está
definindo da seguinte forma no CP: art. 121. matar alguém. Pena: reclusão, de 6 a 20
anos. O tipo penal do referido crime é “matar alguém”, que é pressuposto do preceito
primário “não matar alguém”, que é a vontade estatal de proibição, e a sanção é a pena de
reclusão de 6 a 20 anos.

CLASSIFICAÇÃO

 Normas penais incriminadoras: definem crime e contravenção penal e cominam pena e


medida de segurança.

 Proibitivas: o tipo é comissivo, ou seja, descreve um “fazer algo”, cujo


preceito é um “não fazer algo”, uma proibição! Exemplo: art. 121 do
CP (homicídio).
 Mandamentais (preceptivas): o tipo é omissivo, ou seja, descreve um
“não fazer algo”, cujo preceito é um “fazer algo”, um mandamento!
Exemplo: art.135 do CP (omissão de socorro).

 Normas penais não incriminadoras: dispõem sobre a aplicação, interpretação e limites


das normas incriminadoras, além de completarem o sistema penal com seus princípios
gerais.
 De aplicação: indicam qual norma prevalece em circunstâncias
específicas de tempo e lugar. Ex.: art. 2 º do CP.
 Explicativas: esclarecem o conteúdo de normas incriminadoras. Ex.: art. 327 do
CP.

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 Permissivas: são as que permitem, excepcionalmente, que se pratique
uma conduta proibida. Podem ser justificantes ou exculpantes5:

i) Justificantes: afastam a ilicitude da conduta. Ex.: art. 25 do CP


(legítima defesa).
ii) Exculpantes: afastam a culpabilidade do agente. Ex.: art. 26 do
CP (doente mental inteiramente incapaz de entender o caráter
ilícito do fato).

 Diretivas: são as normas penais que definem os princípios gerais de direito


penal. Ex.: art. 1º do CP (princípio da legalidade).

 Normas penais em branco: são aquelas de tipo incompleto, em que a descrição


das circunstâncias elementares do fato tem de ser completada por outra
disposição, legal ou administrativa, existente ou futura, podendo ser uma lei, um
decreto ou um regulamento. Podem ser homogêneas ou heterogêneas:

 Homogêneas (impróprias ou em sentindo amplo): são aquelas normas


penais em branco em que seu complemento é oriundo da mesma fonte de
produção. Ex.: Art. 237 do CP (norma penal em branco) e art. 1.521 do
CC (complemento). Ambas as normas têm a mesma origem, o Congresso
Nacional.
 Heterogêneas (próprias ou em sentido estrito): são aquelas em que o
complemento é oriundo de uma fonte de produção diversa. Ex.: Art. 269
do CP (norma penal em branco) e Portaria do Ministério da Saúde que
define doenças cuja notificação é compulsória (complemento). A norma
penal é oriunda do Poder Legislativo e o complemento, do Poder
Executivo.

FONTES DO DIREITO PENAL

Fonte significa lugar de origem. Fonte do Direito Penal significa de onde emanam
as normas penais. As fontes do Direito Penal podem ser classificadas em

 Fontes materiais (de produção): se relaciona com a origem do direito. O Estado


(União) é a única fonte material do Direito Penal. O art. 22, I, da CF, define que
compete privativamente à União legislar em matéria penal. Alguns doutrinadores
ainda se referem a uma fonte material remota, que seria os valores éticos-sociais
dominantes que resultam na lei que criminaliza a conduta.
 Fontes formais (de conhecimento ou cognição): refere-se às formas de manifestação
das normas. A lei formal, norma geral e abstrata oriunda do Congresso Nacional, é a
única fonte formal imediata (direta) do direito penal. São fontes formais diretas do
5
No Brasil, o crime é um fato típico, ilícito e culpável. Assim, para a configuração do crime são necessários três
elementos: tipicidade, ilicitude e culpabilidade. Tipicidade é a adequação da conduta ao tipo penal. Ilicitude é a
contrariedade da conduta com o ordenamento jurídico. Culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal sobre o sujeito ativo
da conduta.
Monitoria de Direito Penal I
Wilson Ferreira Página 12
direito penal: o Código Penal, a Lei de Contravenções Penais e outras leis penais
extravagantes.

As fontes formais indiretas (mediatas) são os costumes, a doutrina, a jurisprudência


e os princípios gerais do direito, como veremos a seguir. No entanto, já vale ressaltar que
nenhuma dessas fontes mediatas pode resultar na criação ou imposição de pena não
prevista em lei em razão do princípio da legalidade.

Costume é a reiteração constante e uniforme de uma regra de conduta. Para valer


juridicamente é necessário um aspecto subjetivo, que é a convicção de sua necessidade
jurídica.

Doutrina é o resultado da atividade intelectual dos doutrinadores, isto é, o resultado da


produção científica de cunho jurídico-penal realizada pelos pesquisadores em Direito,
que pode facilitar o trabalho dos aplicadores da lei.

Jurisprudência é a repetição de decisões judiciais nos Tribunais de Justiça e Tribunais


Superiores em um mesmo sentido sobre casos concretos semelhantes.

Princípios gerais do direito são as normas que não estão escritas, mas estão presentes
em todo o sistema jurídico, orientando o ordenamento jurídico em sua interpretação e
integração. Ex.: ideal de justiça.

LEI PENAL NO TEMPO


A norma penal entra em vigor e passa a produzir efeitos no dia por ela indicado ou, na
falta de indicação, 45 dias após sua publicação (art. 1º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro). A
partir do momento que entrar em vigor, a lei será aplicada, em regra, aos fatos praticados durante sua
vigência.

Assim, basta saber quando o crime foi praticado e aplicar a lei vigente à época do fato
(tempus regit actum). Mas como saber quando o crime foi praticado? Para isso, é necessário recorrer
ao art. 4º do CP, que dispõe o seguinte:

Art. 4º. Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do
resultado.

A disposição acima significa que nosso ordenamento jurídico adotou a Teoria da Atividade6
para definir o tempo do crime. Segundo esta teoria, o momento do crime é aquele em que o sujeito
ativo realizou a conduta proibida, o que importa é o tempo da ação ou omissão e não do resultado.

6
Existem, ainda, outras duas teorias:
i. Teoria do Resultado: o momento do crime é aquele em que o resultado foi produzido.
ii. Teoria da ubiquidade (mista): o momento é tanto aquele da ação ou omissão quanto o do resultado.
Monitoria de Direito Penal I
Wilson Ferreira Página 13
Exemplifiquemos: Diego, nascido em 10/12/2000, quer matar seu desafeto Lúcio e então desfere
diversos disparos contra ele em 09/12/2018. A vítima é hospitalizada, mas morre em 20/12/2018.
Neste caso, para analisar a responsabilidade penal de Diego, é necessário observar a teoria da
atividade. No momento da ação, ele tinha 17 anos (um dia antes de completar 18 anos). Assim, ainda
que à época da morte da vítima ele já seja maior de 18 anos, não poderá sofrer pena (e sim medida
socioeducativa) em razão de sua inimputabilidade no momento da ação, pois o que importa é o tempo
da ação e não o do resultado.

Como dito, em regra, a lei penal é aplicável ao fato praticado durante sua vigência em razão
da máxima tempus regit actum. No entanto, pode haver sucessão de leis no tempo que excepcionam
essa regra, sendo necessária atenção para saber qual norma aplicar.

Nesse sentido, a Constituição prevê princípio da irretroatividade da lei penal maléfica (art.
5º, XL, CF). Assim, a lei penal que de qualquer modo prejudicar o agente (seja ele investigado,
indiciado, denunciado, réu, condenado ou preso) não pode retroagir. Portanto, é expressamente
proibida a retroatividade lei penal prejudicial. Ademais, o art. 5º, XL, da CF, ainda determina que a
lei penal benéfica retroagirá, ou seja, impõe a retroatividade da lei penal benéfica.

Art. 5º, XL. A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

Diante disso, podemos ter as seguintes situações de choque entre leis no tempo:

 Abolitio criminis: é a o caso em que um crime é abolido do ordenamento jurídico, ou seja, o fato
anteriormente descrito como crime deixa de o ser. Em outras palavras, o fato é descriminalizado.
O exemplo mais citado é o do crime de adultério, que era previsto no art. 240 do CP e foi
revogado pela Lei 11.106/05. Neste caso, a lei nova que revoga o tipo penal é retroativa e deve
ser aplicada a todos os fatos ocorridos anteriormente. Essa hipótese é prevista no art. 2º, caput, do
CP, que diz o seguinte:

Art. 2º. Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude
dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.

Assim, é importante assinalar as consequências da abolitio criminis. Primeiro, trata-se de uma


causa extintiva de punibilidade (art. 107, III, CP), ou seja, o Estado perde o jus puniendi (direito
de punir) sobre aquele fato, mesmo se tiver sido praticado quando ainda era considerado crime.
Em consequência disso, se uma pessoa estiver executando pena por fato que não é mais crime, a
execução deve ser imediatamente cessada. Além disso, todos os efeitos penais da sentença
condenatória também devem ser cessados. Nesse ponto, é preciso atenção, pois a sentença penal
condenatória tem efeitos penais e civis. Os efeitos penais somem, assim, por exemplo, a anotação
do crime é retirada da Folha de Antecedentes Criminais do agente. Já os efeitos civis
permanecem, como por exemplo, a obrigação civil de reparar o dano provocado pelo fato.

 Novatio legis incriminadora: uma nova lei passa a considerar como crime fato anteriormente não
incriminado. Portanto, é irretroativa, por força do art. 5º, XL, da CF. Recentemente, a Lei
Monitoria de Direito Penal I
Wilson Ferreira Página 14
13.718/18 criou alguns crimes, como o crime de divulgação de cena de estupro e de cenas de sexo
e de pornografia não autorizadas. Por ser uma lex gravior, aplica-se somente aos fatos praticados
após sua entrada em vigor.
 Novatio legis in mellius: A lei nova, apesar de não descriminalizar a conduta, melhora a situação
do agente. É uma lex mitior, devendo retroagir e atingir também os fatos praticados antes de sua
vigência. Um exemplo muito recente é o da Lei 13.654/18, que modificou o art. 157 do CP (crime
de roubo) e passou a desconsiderar o emprego de arma branca como causa de aumento de pena do
crime de roubo (passou a prever que somente o “emprego de arma de fogo” aumenta a pena).
Assim, se uma pessoa foi condenada por roubo majorado pelo emprego de faca (arma branca), ela
agora tem direito a ver reduzida a sanção penal sofrida. A previsão está no parágrafo único do art.
2º do CP:

Art. 2º, parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos
anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

 Novatio legis in pejus: A lei nova que prejudica de qualquer forma o agente é irretroativa,
aplicando-se somente aos fatos praticados após sua entrada em vigor. Um exemplo é o da Lei
13.718/18, que agravou a pena no caso de estupro coletivo.

EXTRA-ATIVIDADE DA LEI PENAL NO TEMPO

Nos casos em que lei agrava de qualquer modo a situação do agente, a lei anterior terá ultra-
atividade, ou seja, será aplicada aos fatos praticados durante sua vigência, mesmo depois de
revogada. Assim, podemos concluir que a lei penal possui extra-atividade no tempo, podendo ser
retroativa ou ultra-ativa a depender do caso.

Retroatividade

Extra-atividade

Ultra-atividade

Com a retroatividade, a lei penal benéfica atingirá todos os fatos, mesmo aqueles praticados
antes de sua vigência. Podemos representá-la da seguinte forma:

retroatividade

1940 2018 (lex mitior) atual

Monitoria de Direito Penal I


Wilson Ferreira Página 15
Para entender a ultra-atividade, vamos utilizar o exemplo do tráfico ilícito de entorpecentes.
Em 2006, entrou em vigor a Lei de Tóxicos, que revogou a Lei 6.368/76 e, dentre outras alterações,
aumentou a pena para o crime de tráfico ilícito de entorpecentes. Assim, a nova lei é uma lex gravior,
pois agravou a situação de quem praticar esse crime. Por ser uma novatio legis in pejus, a Lei
11.343/16 é irretroativa, aplicando-se somente aos fatos praticados durante sua vigência (tempus regit
actum).

Por outro lado, a Lei 6.368/76, embora revogada, será aplicada aos fatos praticados durante
sua vigência. Assim, se uma pessoa praticou tráfico ilícito de entorpecentes em 2005, mas somente
foi julgada em janeiro de 2007, será condenada à pena prevista na lei que vigorava à época do fato,
mesmo tendo sido revogada. É o que chamamos de ultra-atividade da lei penal.

1976 2006 (lex gravior) atual

ultra-atividade

ULTRA-ATIVIDADE DAS LEIS TEMPORÁRIAS E EXCEPCIONAIS

Em regra, a ultra-atividade é benéfica, mas o legislador previu duas hipóteses em que a lei
revogada terá ultra-atividade ainda que seja mais gravosa, que é nos casos das leis temporárias e leis
excepcionais, nos termos do ar. 3º do CP.

Art. 3º. A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as
circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.

A lei excepcional é criada parar reger circunstâncias anormais e vigora enquanto elas
subsistirem. Assim, a lei excepcional é sujeita a uma condição, ou seja, sua revogação depende de um
evento futuro e incerto. Exemplo: é criada uma lei para ser aplicada durante uma grave situação de
calamidade pública. Neste caso, a lei será revogada quando a calamidade se encerrar.

A lei temporária é criada para reger fato certo e temporário, sendo sujeita a um termo, ou seja,
sua revogação tem uma data futura e certa. Por exemplo, uma lei é criada para ser aplicada durante a
Copa do Mundo de Futebol, que se inicia em 01/06/2022 e se encerra em 01/07/2022.

Nos dois casos, a consequência será a mesma, a lei penal será aplicada aos fatos praticados
durante sua vigência, mesmo depois de revogadas e ainda que a lei posterior seja benéfica ao agente
(exceção à regra da retroatividade da lei penal benéfica).

LEI INTERMEDIÁRIA

Monitoria de Direito Penal I


Wilson Ferreira Página 16
A lei intermediária é aquela que entrou em vigor após a data do fato e já não estava mais
vigente na data do julgamento. Neste caso, embora o fato não tenha sido praticado durante sua
vigência, a lei intermediária será aplicada no momento da sentença, mesmo depois de revogada, se
for a mais benéfica dentre as três leis.

LEX TERTIA

A lex tertia é a conjugação de leis penais no tempo, aplicando-se ao mesmo fato pontos
positivos de uma lei vigente e da lei revogada. Exemplo: a antiga lei de drogas previa a pena de
reclusão de 3 a 12 anos para o crime de tráfico ilícito de entorpecentes. A Lei 11.343/06 revogou a lei
anterior e cominou a pena de 5 a 15 anos de reclusão para o referido crime. Porém, a lei nova possui
uma parte benéfica que não existia na lei anterior, que é uma causa de diminuição da pena de um
sexto a dois terços. Assim, cabe o questionamento: é possível aplicar a pena da lei anterior e a causa
de diminuição da lei posterior? A resposta é NÃO7. Não é possível a conjugação de leis no tempo
(lex tertia) no Direito brasileiro, porque, na prática, estaria se criando uma nova lei, o que violaria o
princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF).

LEI PENAL NO TEMPO E OS CRIMES CONTINUADOS E PERMANENTES

Especial atenção é necessária em relação aos crimes continuados e aos crimes permanentes no
que diz respeito à aplicação da lei penal no tempo. Antes de prosseguir, temos que definir esses
crimes:

 Crime permanente: é que aquele crime cuja consumação se prolonga no tempo. O crime de
sequestro o exemplifica bem, enquanto os sequestradores mantêm a vítima restrita de liberdade, o
crime está se consumando. Há uma continuidade temporal da consumação, que não se encerra
num dado momento.
 Crime continuado: ocorre “quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica
dois ou mais crimes da mesma espécie, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e
outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro” (art. 71,
caput, CP). Exemplo: uma pessoa furta 10 reais todos os dias no caixa do supermercado onde
trabalha. Neste caso, todos os furtos serão tratados como um crime único em continuidade
delitiva.

Pois bem. Nestes casos, aplica-se a Súmula 711 do STF, in verbis:

Súmula 711. A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é
anterior à cessação da continuidade ou da permanência.

vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência

Assim, se os sequestradores mantêm a vítima presa por meses e neste ínterim uma lei entra
em vigor aumentando a pena do crime de sequestro, ela será aplicada ao fato. Da mesma forma, no
7
Súmula 501 do STJ: É cabível a aplicação retroativa da Lei 11.343/06, desde que o resultado da incidência das suas
disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei 6.368/76, sendo vedada a
combinação de leis.
Monitoria de Direito Penal I
Wilson Ferreira Página 17
exemplo supracitado de crime continuado, se uma lei aumenta a pena do crime de furto e a pessoa
continua furtando naquelas circunstâncias, a lei penal gravosa será aplicada.

LEI PENAL NO ESPAÇO

Em princípio, a lei penal produz efeitos nos limites territoriais de cada Estado
soberano. Porém, tendo em vista que a criminalidade hoje transcende os limites do
Estado nacional, legislações passaram a prever que, em certos casos, a lei penal
ultrapassa aqueles limites para encontrar o criminoso onde quer que se encontre.

A definição do lugar do crime, segundo o legislador brasileiro, orienta-se pela


Teoria da Ubiquidade8.

Art. 6º. Considera- se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou a omissão, no todo ou em parte,
bem como onde se produziu o resultado ou deveria produzir-se o resultado.
vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência

Assim, tanto o lugar da ação ou omissão quanto o lugar do resultado são


considerados o lugar do crime. Imagine o exemplo de pessoa que é alvejada no Brasil
próximo da fronteira com o Uruguai, mas é neste país que a vítima morre. O crime foi
praticado nos dois lugares. Há, neste caso, um crime plurilocal.

Princípio da territorialidade

Alguns princípios regulam a extensão da validade da lei penal no espaço. O


primeiro é o princípio da territorialidade, que determina a aplicação da lei brasileira, sem
prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no
território nacional (art. 5º do CP). É um princípio mitigado ou temperado, pois não é
absoluto, uma vez que o Código admite algumas exceções. O conceito jurídico-penal de
território nacional é mais abrangente do que o geográfico. Juridicamente, o território se
estende por todo o espaço físico sobre o qual o poder político se exerce. Este espaço
compreende a porção terrestre, o mar territorial9, o espaço aéreo, o subsolo e a extensão
do território nacional.

Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional (ficção


jurídica) as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do
governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as

8
Existem, ainda, outras duas teorias:
i. Teoria da Atividade: o lugar do crime é aquele em que foi realizada a ação ou omissão.
ii. Teoria do Resultado: o lugar do crime é em que o resultado foi produzido.
9
O material brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítima de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar
do litoral continental e insular, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no
Brasil (art. 1º, caput, da Lei 8.617/93)
Monitoria de Direito Penal I
Wilson Ferreira Página 18
embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem,
respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar10 (art. 5º, §1º, CP).

É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou


embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no
território nacional ou em voo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar
territorial do Brasil (art. 5º, §2º, CP).

Princípio da extraterritorialidade

O segundo princípio é o da extraterritorialidade (art. 7º do CP), em que a


jurisdição penal do Estado é estendida para além do seu território. A extraterritorialidade
pode ser incondicionada, condicionada ou hipercondicionada.

A extraterritorialidade incondicionada opera independentemente de qualquer


condição por se aplicar a crimes de grande de relevância para o Estado. Assim, a lei penal
brasileira se aplica aos crimes listados no art. 7º, I, do CP, embora praticados no
estrangeiro. Neste caso, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido
ou condenado no estrangeiro (art. 7º, §1º, CP). Vejamos quais são os crimes.

Crimes:

a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;


Princípio da
proteção (ou
b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de
real ou da
Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de
defesa) economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;
c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço;

Princípio da
universalidade
(cosmopolita)
d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil;

As três primeiras previsões acima (art. 7º, I, a, b, c) têm fundamento no princípio real
(da defesa, de proteção) em que se tutela determinados bens jurídicos que o Estado
considera essenciais, buscando então punir a violação a esses bens onde quer que tenha
ocorrido. A quarta previsão (art. 7º, I, d) se fundamenta no princípio da universalidade ou
cosmopolita (ou justiça universal), que aduz que as leis penais devem ser aplicadas onde
quer que se encontrem os agentes quando os crimes são de relevância internacional e há
cooperação entre os Estados para coibi-los.

A extraterritorialidade condicionada opera somente com algumas exigências legais.


Assim, a lei penal brasileira se aplica aos crimes listados no art. 7º, II, do CP, desde que

10
Alto-mar é o “mar de ninguém”, ou seja, aquela faixa do mar não submetida à soberania de qualquer país.
Monitoria de Direito Penal I
Wilson Ferreira Página 19
se verifique a presença das condições previstas no art. 7º, §2º, do CP. Os crimes sujeitos
à extraterritorialidade condicionada são os seguintes:

Crimes:

Princípio da
universalidade
(cosmopolita) a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir

Princípio da
personalidade/ b) praticados por brasileiro
nacionalidade
ativa

Princípio da
representação c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou
(bandeira) de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não
sejam julgados

O primeiro caso (art. 7º, II, a) é orientado pelo princípio da universalidade, já


explicado. O segundo caso (art. 7º, II, b) se fundamenta no princípio da personalidade
ativa (ou nacionalidade ativa), que diz que o Estado tem o direito de exigir que o seu
nacional no estrangeiro tenha comportamento de acordo com seu ordenamento jurídico.
O último caso (art. 7º, II, c) se trata de crimes em que o agente está sujeito à soberania do
Estado estrangeiro (as embarcações e aeronaves são privadas e estão no estrangeiro).
Então, temos aqui o princípio da representação ou da bandeira, que tem caráter
subsidiário, ou seja, se o Estado estrangeiro não aplicar sua lei, o Brasil está autorizado a
fazê-lo.

Bem, como dito, a extraterritorialidade condicionada somente opera com o


emprego das condições previstas no art. 7º, §2º, ou seja, apenas se aplica a lei penal
brasileira se estas condições estiverem presentes no caso concreto. São elas:

b) entrar o agente no território nacional;


c) ser o fato punível também no país em que foi praticado11;
d) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;

11
A doutrina chama essa condição de “dupla tipicidade”, ou seja, o crime deve ser fato típico no estrangeiro e no Brasil.
Monitoria de Direito Penal I
Wilson Ferreira Página 20
e) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;
f) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta
a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

A extraterritorialidade hipercondicionada está prevista no do art. 7º, §3º, do CP, e


é aplicada ao crime praticado por estrangeiro contra o brasileiro fora do Brasil. Neste
caso, o legislador reconheceu o princípio da personalidade passiva, segundo o qual o
nacional de um país deve ser protegido contra a prática de crimes, onde quer que se
encontre. É hipercondicionada porque nesta hipótese são inclusas mais condições, sendo
necessárias todas as condições supracitadas e mais as seguintes (art. 7º, §3º, do CP):

a) não foi pedida ou foi negada a extradição;


b) houve requisição do Ministro da Justiça.

EXTRADIÇÃO

É o instituto jurídico de que se valem os Estados para colaborarem entre si na


execução da pena. Extraditar significa entregar a outro país um indivíduo, que se
encontra refugiado, para fins de ser julgado ou cumprir a pena que lhe foi imposta. No
Brasil, este instituto é previsto na Constituição Federal (art. 5º, LI e LII) e na Lei de
Migração (Lei 13.445/17).

O art. 82 da Lei de Migração define que a extradição não será concedida quando:
I- o indivíduo cuja extradição é solicitada ao Brasil for brasileiro nato; II- o fato que
motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente; III- o
Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando;
IV- a lei brasileira impuser pena de prisão inferior a 2 anos; V- o extraditando estiver
respondendo a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo
em que se fundar o pedido; VI- a punibilidade estiver extinta pela prescrição, segundo a
lei brasileira ou a do Estado requerente; VII- o fato constituir crime político ou de
opinião; VIII- o extraditando tiver de responder, no Estado requerente, perante tribunal
ou juízo de exceção; IX- o extraditando for beneficiário de refúgio ou asilo territorial.

O art. 83 da referida lei ainda define que a extradição somente pode ser
concedida, no caso de condenado, se a pena imposta for privativa de liberdade, ou seja, o
Brasil não concede a extradição se o condenado for sofrer pena de morte, por exemplo.

A Constituição Federal estabelece que nenhum brasileiro nato poderá ser


extraditado. Em relação ao brasileiro naturalizado, é possível a extradição em caso de
crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins (art. 5º, LI, CF).

A Constituição ainda estabelece que não será concedida extradição de estrangeiro


por crime político ou de opinião (art. 5º, LII, CF), disposição reproduzida no inciso VII do

Monitoria de Direito Penal I


Wilson Ferreira Página 21
art. 82 da Lei de Migração. Crime de opinião é aquele que se aperfeiçoa quando alguém
emite um conceito contra outro. Sobre crime político, a doutrina adota três teorias:
objetiva, subjetiva e mista. Segundo a teoria objetiva, crime político é aquele cuja natureza
do bem jurídico é política. Para a teoria subjetiva, o decisivo é o fim político perseguido
pelo autor do crime. Segundo a teoria mista ou pura, que é adotada pelo STF, crime
político é aquele cujo bem jurídico tem natureza política e que tem motivação política.

São duas as fases para conceder extradição:

 Judicial: O Supremo analisa a legalidade e a admissibilidade do pedido de extradição.

 Político-administrativa: O Presidente da República decide sobre a concessão da


extradição, após a decisão do STF.

DEPORTAÇÃO E EXPULSÃO

Extradição não se confunde com deportação e expulsão. A deportação é a medida


que consiste na retirada compulsória de pessoa que se encontre em situação migratória
irregular em território nacional (art. 50 da Lei de Migração). A expulsão é a medida que
consiste na retirada compulsória de migrante ou visitante do território nacional,
conjugada com o impedimento de reingresso por prazo determinado (art. 54 da Lei de
Migração).

LEI PENAL EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS

A norma penal vigente aplica-se a todas as pessoas que se encontram submetidas


ao poder político do Estado. Porém, nossa ordem jurídica confere a algumas pessoas
imunidade em relação à eficácia da norma, não em razão da pessoa, mas de alguma
função que ela exerce. A imunidade é uma prerrogativa inerente à função pública.
Veremos as imunidades diplomáticas e as parlamentares.

IMUNIDADE DIPLOMÁTICA

As imunidades diplomáticas estão previstas na Convenção de Viena de 1961, que


estabelece para o diplomata imunidade de jurisdição penal, ficando sujeito à jurisdição do
Estado que representa. Logo, se um diplomata brasileiro pratica um crime no estrangeiro,
ele fica sujeito não à lei daquele país, mas a do Brasil. A imunidade se estende a todos os
agentes diplomáticos e funcionários das organizações internacionais (ONU, OEA etc),
quando em serviço. Estão excluídos desse privilégio os empregados particulares dos
agentes diplomáticos.

Monitoria de Direito Penal I


Wilson Ferreira Página 22
Os cônsules, agentes administrativos que representam interesses de pessoas físicas
ou jurídicas estrangeiras, têm imunidade penal também, mas somente pelos atos
realizados em função das atividades consulares (Convenção de Viena de 1963).

Mesmo não podendo aplicar a sua lei penal, o país em que se encontra o
diplomata pode declará-lo “persona non grata”, obrigando que ele saia do país em prazo
determinado.

As imunidades pertencem ao Estado, não ao indivíduo, não podendo o diplomata


renunciá-la, somente o Estado é que pode retirar sua imunidade.

IMUNIDADES PARLAMENTARES

Também para o exercício adequado de suas funções, os parlamentares têm


imunidades material e formal, garantidas constitucionalmente (art. 53 da CF). A material
refere-se à possível responsabilização penal por opiniões, palavras e votos dos
parlamentares. A formal diz respeito à prisão, ao processo e à prerrogativa de foro.

 Imunidade material: Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente,


por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos (art. 53, caput, CF). Logo, um
parlamentar não pode sofrer sanção penal por crimes decorrentes de suas opiniões,
palavras e votos (injúria, difamação, calúnia etc). Entretanto, é necessário que haja
nexo de causalidade entre o que ele fala e seu mandato. Além disso, vale dizer que a
eficácia dessa imunidade não está condicionada ao Congresso Nacional, ela vale em
qualquer lugar.
 Imunidade formal: Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão
submetidos a julgamento perante o STF, ou seja, os parlamentares possuem
prerrogativa de foro12. Além disso, eles não podem ser presos, desde a expedição do
diploma, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos devem ser
remetidos dentro de 24 horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de
seus membros, decida se mantém ou não a prisão. Finalmente, quando o Procurador-
Geral da República oferece denúncia contra Senador ou Deputado Federal, por crime
ocorrido após a diplomação, e o STF a recebe, a Corte deve dar ciência à Casa de
que faz parte o parlamentar, que, por iniciativa de partido político nela representado
e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o
andamento da ação (o que também suspende a prescrição da pretensão punitiva
enquanto durar o mandato). O pedido de sustação deve ser apreciado pela Casa no
prazo improrrogável de 45 dias do seu recebimento pela Mesa Diretora.

12
O STF, em julgamento sobre Questão de Ordem suscitada na Ação Penal 937, decidiu restringir a prerrogativa de foro
aos crimes relacionados à função exercida.
Monitoria de Direito Penal I
Wilson Ferreira Página 23
Em razão do princípio da simetria (art. 27, §1º, CF), as imunidades materiais e
formais de que gozam os senadores e deputados federais também são aplicáveis aos
deputados estaduais. Contudo, segundo entendimento do STF, as imunidades dos
deputados estaduais limitam-se às autoridades judiciárias dos respectivos Estados-
membros. Destarte, a prerrogativa de foro do deputado estadual será o Tribunal de Justiça
respectivo e a competência para sustar o processo ou revogar prisão será da Assembleia
Legislativa.

Os vereadores também são invioláveis por suas opiniões, palavras ou votos no


exercício do mandato e na circunscrição do Município para o qual foi eleito (art. 29, VIII,
CF). Sendo assim, a imunidade do vereador é uma imunidade material limitada.

CONTAGEM DO PRAZO
Nas matérias de direito material penal13, como os prazos de prisão, a contagem do
prazo é definida no art. 10 do CP, segundo o qual o dia do começo inclui-se na contagem.
Além disso, o referido dispositivo legal dispõe que os dias e os meses são contados de
acordo com o calendário comum. O art. 11 do CP ainda define que desprezam-se, nas
penas privativas de liberdade e nas restritivas de direitos, as frações de dia e, na pena de
multa, as frações de reais.

Sendo assim, em caso de pena privativa de liberdade, não importa o horário


que o indivíduo começou a cumprir a pena. Se ele entrar na prisão às 23h59min, será
considerado que cumpriu 1 dia de pena. Ademais, o último dia de cumprimento da pena
é excluído, tendo em vista que o dia do começo inclui-se no cômputo do prazo.

Exemplificando. Tício foi condenado à pena de detenção de 9 anos, 11 meses e 14 dias.


Ele começou a cumprir a pena às 22h16min do dia 10 de janeiro de 2009. Quando ele
cumprirá integralmente a pena?

1º passo- some os anos: 10 de janeiro de 2009 + 9 anos = 10 de janeiro de 2018

2º passo- some os meses: 10 de janeiro de 2018 + 11 meses = 10 de dezembro de 2018

3º passo- some os dias: 10 de dezembro de 2018 + 14 dias = 24 de dezembro de 2018

Como o dia do começo foi incluído na contagem, devemos excluir o último. Assim, a
resposta de nosso exemplo é 23 de dezembro de 2018.

Exemplificando 2. Mévio foi condenado à pena de reclusão de 8 anos, 10 meses e 14


dias. Ele começou a cumprir a pena às 20h00min do dia 21 de março de 2010. Quando
ele cumprirá integralmente a pena?

1º passo- some os anos: 21 de março de 2010 + 8 anos = 21 de março de 2018


13
Os prazos de direito processual penal são contados de forma diversa do direito penal. Nas matérias de direito
processual, exclui-se o dia do começo e inclui-se o dia do vencimento (art. 798, §1º, do CPP).
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Wilson Ferreira Página 24
2º passo- some os meses: 21 de março de 2018 + 10 meses = 21 de janeiro de 2019

3º passo- some os dias: 21 de janeiro de 2019 + 14 dias = 04 de fevereiro de 2019.

Excluído o último dia, a resposta de nosso exemplo é 03 de fevereiro de 2019.

TEORIA DO CRIME
No Brasil, adotamos o sistema bipartido14 de infrações penais, ou seja, nosso
ordenamento jurídico admite duas espécies de infrações penais: crime (sinônimo de delito) e
contravenção penal. Nos termos do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, crime e
contravenção penal se diferenciam no campo da pena: se a infração é punida com reclusão ou
detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa, está se
falando de crime; se punida isoladamente com prisão simples ou multa, ou ambas, alternativa
ou cumulativamente, trata-se de contravenção penal. Sendo assim, sempre que punida com
detenção ou reclusão, a infração será crime; sempre que punida com prisão simples ou apenas
com multa será contravenção penal.

As contravenções penais são infrações com menor potencial ofensivo. Nelson Hungria
as chamava de “crimes anões”. São disciplinadas pela Lei de Contravenções Penais (LCP).

Nos termos do art. 61 da Lei 9099/95, as contravenções penais e os crimes com pena
máxima cominada de até 2 anos são infrações de menor potencial ofensivo.

Diferenças entre as penas privativas de liberdade:

 Reclusão: é a pena privativa de liberdade aplicada aos crimes mais graves e deve ser
cumprida em regime inicial fechado, semiaberto ou aberto. Ex.: art. 121, caput, do CP
(homicídio simples).
 Detenção: é a pena privativa de liberdade aplicada aos crimes mais leves e deve ser
cumprida em regime inicial semiaberto ou aberto. A diferença básica é que na detenção
não cabe o regime inicial fechado, mas o condenado pode regredir de regime e ir para o
fechado após o início do cumprimento. Ex.: art. 163, caput, do CP (dano simples).
 Prisão simples: é a pena privativa de liberdade aplicada nos casos de contravenção penal.
Ex.: art. 21 da LCP (vias de fatos).

Conceitos de crime:

14
O ordenamento jurídico de outros países adota o sistema tripartido, como na França, onde crime e delito são infrações
distintas. Crimes são as infrações penais com pena superior a 10 anos e os delitos são os infrações com pena inferior a 10
anos.
Monitoria de Direito Penal I
Wilson Ferreira Página 25
 Formal: crime é a infração da norma penal.
 Material: crime é a conduta que ofende os bens jurídicos importantes da sociedade.
 Analítico: crime é o fato típico, ilícito e culpável.

No Brasil, nosso Código Penal adotou o conceito analítico de crime. Logo, para
que uma conduta seja considerada crime é necessária a verificação de três elementos:
tipicidade, ilicitude e culpabilidade. A análise do fato deve seguir esta ordem. Primeiro
verifica-se se o fato constitui uma conduta penalmente relevante revestida de tipicidade,
depois se é ilícita e, finalmente, se o agente é culpável.

No conceito analítico do crime, verifica-se inicialmente se a conduta é típica.


Nesta fase, é necessário analisar todos os elementos do tipo, como a ação, o resultado, o
nexo de causalidade e os elementos subjetivos, se existirem. Para um fato ser típico,
primeiro devo verificar se é uma conduta penalmente relevante. Se não for, não há crime
desde logo; se for, então é preciso a analisar a tipicidade, que é a adequação da conduta
ao tipo penal, com todos os seus elementos.

Sendo típica a conduta, passa-se à análise da ilicitude, que é a contrariedade do


fato típico com o ordenamento jurídico. É que embora a conduta seja típica, o
ordenamento jurídico pode retirar a ilicitude da conduta. São causas legais excludentes de
ilicitude a legítima defesa, o estado de necessidade, o estrito cumprimento de dever legal
e o exercício regular de direito. A doutrina ainda construiu uma causa supralegal
excludente de ilicitude, que é o consentimento do ofendido. Nesse sentido, se uma pessoa
mata outra em legítima defesa, o fato é típico de homicídio, mas não é ilícito, pois ela
agiu em sua defesa. Assim, fica excluído o crime. Como visto, a análise aqui é feita por
exclusão: se o agente não agiu em nenhuma das causas acima, o fato será típico e ilícito.

Superada a análise da ilicitude, finalmente se analisa a culpabilidade do agente,


que é a reprovação pessoal que se faz sobre sua conduta. A culpabilidade pressupõe três
requisitos: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta
diversa. O crime existirá caso o agente que praticou fato típico e ilícito seja imputável e
tenha potencial consciência da ilicitude do fato, além de ser exigível uma conduta diversa
de sua parte.

Veremos com cuidado a seguir cada um desses elementos.

Como supracitado, a primeira análise do conceito analítico é aquela acerca da


tipicidade do fato. Tipicidade significa a adequação da conduta ao tipo penal, que por sua
vez é descrição da conduta proibida. Portanto, precisamos estudar cada espécie de tipo
penal para dizer se o fato é típico ou não.

O tipo penal pode ser comissivo ou omissivo. O tipo comissivo descreve um


“fazer algo”, como é o caso do tipo de furto (CP, art. 155. Subtrair para si ou para outrem
coisa alheia móvel). O tipo omissivo descreve um “não fazer algo”, como é o caso do
tipo de omissão de socorro (CP, art. 135. Deixar de prestar assistência...). O tipo penal,
Monitoria de Direito Penal I
Wilson Ferreira Página 26

DOLOSO
sendo ele comissivo ou omissivo, pode ser classificado ainda em tipo doloso e tipo
culposo. O tipo doloso é aquele que exige o dolo para sua configuração. O tipo culposo é
aquele que exige a causação de um resultado com imprudência, imperícia ou negligência.

O mais importante dos tipos é o tipo comissivo doloso. Veja sua estrutura.

Elementos do tipo

-Ação
Tipo
-Resultado objetivo
DOLOSO -Nexo causal

-Dolo Tipo
subjetivo
TIPO -Elemento subjetivo especial
COMISSIVO
CULPOSO

O tipo comissivo doloso é formado por elementos objetivos, que formam o tipo
objetivo (ação, resultado e nexo de causalidade), e por elementos subjetivos, que formam
o tipo subjetivo (dolo e elemento subjetivo especial).

Todos os tipos – seja comissivo ou omissivo – necessitam de uma conduta


penalmente relevante, que pode ser uma ação (caso em que o tipo será comissivo) ou uma
omissão (caso em que o tipo será omissivo). Portanto, conduta é um gênero que desdobra
em duas espécies: ação e omissão. Todavia, parte da doutrina chama conduta de ação em
sentido amplo. Assim, ação em sentido amplo seria um gênero que se desdobraria em
ação em sentido estrito (um fazer algo) e omissão (um não fazer algo). Estudaremos
agora o conceito de conduta penalmente relevante.

CONDUTA PENALMENTE RELEVANTE

A conduta é o que dá corpo ao fato punível constituindo o elemento central do seu


conceito, é o suporte material sobre o qual assentam os elementos da tipicidade, ilicitude
Monitoria de Direito Penal I
Wilson Ferreira Página 27
e culpabilidade, integrantes do conceito analítico de delito. Existem diversas teorias que
tentam conceituar conduta penalmente relevante. Vejamos.

Teoria causalista

Principalmente com contribuições de Franz von Liszt e também de Beling, entre


os séculos XIX e XX, surge a Teoria Causalista, também chamada de causalismo. Esta
teoria tem forte influência da filosofia positivista e naturalista. Assim, conduta
penalmente relevante seria o movimento corporal voluntário que produz uma
modificação no mundo exterior (conceito mecanicista). O movimento voluntário
(voluntariedade) é aquele cujo não recai nenhuma circunstância externa que tenha
compelido o agente. No Brasil, o causalismo vigeu em nosso ordenamento jurídico-penal
até 1984, defendido por Nelson Hungria e Aníbal Bruno.

Crítica: se a conduta penalmente relevante é um movimento, como explicar então


os crimes omissivos, que são uma abstenção de movimento?

Teoria Finalista

A Teoria Finalista, criada e desenvolvida por Hans Welzel e Maurach, consegue


resolver a crítica exposto acima. Segundo essa teoria, conduta penalmente relevante é o
exercício de uma atividade final. A conduta não é simplesmente uma série de causas e
efeitos. Na realidade, é um comportamento dirigido pela vontade de quem atua. Quando a
realiza, o agente se propõe a um fim, escolhe os meios necessários para atingi-lo e põe
em função esses meios, ou seja, manifesta sua vontade.

Os finalistas chamam a vontade do conceito causalista de “vontade cega”, pois lá


basta que o comportamento do agente tenha sido voluntário no sentido de não ter sofrido
interferência externa. A vontade no conceito finalista seria uma “vontade vidente”, pois o
que importa a finalidade do agente.

Crítica: o finalismo não consegue explicar os tipos culposos, pois neste caso a
vontade não importa para a configuração do delito, o que importa é a causação do
resultado sem a observância do dever objetivo de cuidado (com negligência, imprudência
ou imperícia). Finalistas respondem, muito insatisfatoriamente, que nos crimes culposos
há sim um exercício da atividade final. O agente propõe-se a um fim, escolhe o meio e
manifesta a vontade. Entretanto, neste caso, o fim é lícito. Exemplo: pessoa propõe-se
chegar em casa, escolhe o carro para isso e manifesta sua vontade ao ir para casa, porém,
por uma imprudência, acabou matando alguém

Teorias Sociais

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As Teorias Sociais da conduta foram desenvolvidas principalmente por Jescheck
e Schmidt. Para essas teorias, conduta penalmente relevante seria o comportamento
humano socialmente relevante. A crítica que se faz a esta concepção é que o conceito de
conduta é demasiadamente amplo.

A três teorias a seguir fazem parte das mais modernas teorias acerca da conduta.
São as chamadas teorias funcionalistas, que se desdobram em três: funcionalismo
teleológico (teoria pessoal), funcionalismo sistêmico e funcionalismo redutor. Vejamos.

Teoria Pessoal. A Teoria Pessoal, também chamada de funcionalismo


teleológico, foi criada por Claus Roxin e conceitua a conduta penalmente relevante como
a manifestação da personalidade humana.

Teoria Funcionalista Sistêmica. A Teoria Funcionalista Sistêmica, também


chamada de funcionalismo sistêmico, foi criada por Gunther Jakobs e conceitua conduta
como a causação individualmente evitável de um resultado.

Teoria Funcionalista Redutora. A Teoria Funcionalista Redutora ou


funcionalismo redutor foi criada por Eugenio Zaffaroni e conceitua conduta penalmente
relevante como o comportamento humano que se exterioriza com efeitos em um
contexto mundano.

Segundo a doutrina e jurisprudência majoritárias, nosso Código Penal optou pela


teoria finalista da conduta15. Portanto, em nosso Direito Penal, conduta penalmente
relevante é o exercício de uma atividade final. Considerado esse conceito, existem
algumas hipóteses de ausência de conduta penalmente relevante, que excluem a
tipicidade da conduta. São elas:

 Atos inconscientes: são os atos em que falta a consciência psíquica do agente, como nos
casos de sonambulismo e hipnotismo. Vale ressaltar que a pessoa não pode ter se
colocado intencionalmente no estado de inconsciência (como no caso de embriaguez
preordenada16) e nem ter a possibilidade de prever o resultado (como no caso da mãe que
sabe que tem um sono agitado e mesmo assim se deita com seu bebê e acaba o matando).
 Atos reflexos: são atos que independem do controle e previsão humanos, ocorrem em
decorrência de uma situação reflexa. Exemplo: Mévio tem um ataque epilético e lesiona
Caio, em decorrência dos reflexos do ataque.
 Coação física irresistível: o ser humano passa a ser apenas massa mecânica, um
instrumento. A vontade é totalmente suprimida. Exemplo: Tício empurra Patrícia sobre
uma vitrine, o que a quebra. Não se pode falar em conduta penalmente relevante de
Patrícia sobre o crime de dano, pois seu corpo foi mero instrumento mecânico de Tício.
 Força maior (ou força da natureza): ocorre quando um fato natural atua sobre alguém,
suprimindo toda sua vontade. Exemplo: Uma tempestade provoca que Angélica, dentro
15
O art. 20, caput, do CP, é apontado como uma comprovação de que o legislador reconheceu a teoria finalista.
16
É o caso da pessoa que se embriaga para conseguir praticar o crime.
Monitoria de Direito Penal I
Wilson Ferreira Página 29
de seu carro, danifique a vitrine da loja de Caio. Não há conduta penalmente relevante
aqui.

Parte da doutrina ainda inclui como hipótese de ausência de conduta penalmente


relevante o caso fortuito, que ocorre quando o ato acontece ao acaso, sem dolo ou culpa.
Exemplo: Mévio dirige seu carro em uma movimentada avenida quando um suicida se
joga sobre seu veículo.

Os atos automáticos e os atos instintivos não excluem a relevância penal da


conduta. Os atos automáticos são aqueles que, por serem adquiridos por mera repetição,
são praticados de forma automática, como é o caso do ato de andar. Nada obstante, os
atos automáticos em conjunto foram uma conduta final, ou seja, dirigida pela vontade,
como é o caso de uma pessoa que decide caminhar até o parque. Os atos instintivos são
aqueles dirigidos pelo instinto humano.

TIPICIDADE

Analisada a conduta penalmente relevante, resta perquirir se ela se reveste de


tipicidade, que é a adequação da conduta ao tipo penal.

Se a conduta se adequar ao tipo, falamos que é típica. Exemplo: Tício matou


intencionalmente Mévio na rua da Bahia. A conduta se adequa, em tese, ao tipo do art.
121 do CP (matar alguém). Destarte, o fato é típico. Será atípica a conduta que não se
adequa perfeitamente ao tipo ou simplesmente não é tipificada.

Entretanto a verificação da tipicidade não é tão fácil assim quanto parece. Na


verdade, é necessário que se faça um juízo de tipicidade, que significa verificar se no fato
estão contidos todos os elementos exigidos pelo tipo. O referido juízo se dá em duas
etapas: tipicidade formal e tipicidade material.

A tipicidade formal é a análise do fato com base na formalidade do tipo. Na


tipicidade formal são analisados elementos objetivos e normativos.

Os elementos objetivos do tipo (TIPO OBJETIVO) são aqueles elementos


externos, que se localizam no mundo real, fora do psiquismo. Podem ser normativos ou
descritivos. Veremos agora os descritivos, que são aqueles sensorialmente perceptíveis.

São elementos objetivos descritivos: ação, sujeitos, bem jurídico, resultado e nexo
de causalidade. Veremos cada um deles a seguir.

Ação

Ação é o verbo, também chamado de núcleo, com a descrição exata da conduta. Ex.:
CP, art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro. ⇒ a ação do tipo é

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“injuriar”. Alguns tipos penais possuem mais de um verbo (são plurinucleares). Ex.: CP, art.
122: Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça.

Sujeito

O sujeito pode ser ativo ou passivo. O sujeito ativo é o agente que realiza a conduta
descrita no tipo penal. Ex.: CP, art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem.
⇒ sujeito ativo é aquele que ofende a integridade física de outrem. Sujeito passivo é pessoa
titular do bem jurídico ofendido pela conduta delituosa. Ex.: no exemplo supracitado, sujeito
passivo é quem tem sua integridade física ofendida.

É importante assinalar que o sujeito ativo deve ser uma pessoa humana. Todavia, a
vigente Lei 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), autorizada pelo art. 225, §3º, da Constituição
Federal, definiu a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Destarte, a pessoa jurídica pode
sofrer sanção penal ao cometer crimes ambientais. Entretanto, isso não implica em negar que o
sujeito ativo é sempre uma pessoa humana, porque a responsabilidade penal da pessoa jurídica é
por “ricochete” (indireta), pois depende da prática de fato punível por pessoa física, que atuou
em seu nome ou benefício. Assim, nestes crimes ambientais sempre tem uma pessoa humana
administradora da pessoa jurídica que realiza a conduta do tipo. Por isso, uma parte da doutrina,
incluindo o Professor Brodt, considera inconstitucional a referida lei por ferir o princípio da
pessoalidade, estabelecido expressamente no art. 5º, XLV, da CF. Para essa doutrina, o
princípio da pessoalidade veda a responsabilidade penal da pessoa jurídica por se tratar de
punição de uma pessoa (jurídica) por ação cometida por outra (humana).

Bem jurídico

Todos os tipos penais possuem também um bem jurídico tutelado. Ex.: CP, art. 138 -
Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime. ⇒ o bem jurídico é a
honra. Cabe a questão então: qual o conceito de bem jurídico? Roxin conceitua bens jurídicos
como “circunstâncias reais dadas ou finalidades necessárias para uma vida segura e livre, que
garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento
de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos”. Assim, bens jurídicos são a vida, a
liberdade, o patrimônio etc.

Os bens jurídicos podem ser necessidades individuais, como a liberdade, mas também
podem ser necessidades coletivas, como o meio ambiente, que é um bem jurídico
supraindividual, cuja titularidade é da coletividade. Os bens jurídicos supraindividuais são
legítimos porque, a rigor, estão a serviço dos indivíduos, pois cada pessoa necessita
individualmente de um meio ecologicamente equilibrado (um ar respirável etc). Outro bem
jurídico coletivo é a soberania do país, uma vez que interessa a toda a coletividade, a um
número indeterminado de pessoas.

O conceito de Roxin é chamado de antropocêntrico ou pessoal, pois todos os bens


jurídicos, em última análise, estão a serviço do ser humano. Os bens individuais estão
diretamente a serviço e os supraindividuais, indiretamente, como exemplificado acima. Além
disso, o conceito de Roxin é crítico no sentido de impor limites ao legislador na criminalização
Monitoria de Direito Penal I
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de condutas. Esse conceito é contrário ao conceito metódico do bem jurídico. Para a concepção
metódica, basta perquirir qual a finalidade do legislador ao criminalizar a conduta para
identificar o bem jurídico. O bem jurídico seria, então, a finalidade da norma penal
incriminadora, que depende somente da vontade do legislador.

Resultado

O resultado pode ser normativo ou naturalístico. Resultado normativo é a afetação ao


bem jurídico, ou seja, a lesão ou o perigo de lesão ao bem jurídico. Esse resultado normativo,
portanto, pode ser de dano (lesiona o bem jurídico) ou de perigo (coloca o bem jurídico em
perigo). Exemplos: ao matar uma pessoa, produzo um dano (uma lesão) ao bem jurídico vida.
Se eu atiro para matar, mas erro o alvo, não é possível dizer que houve dano, mas houve perigo
de lesão. Assim, todo tipo penal exige um resultado normativo, ou seja, ao menos uma lesão ou
perigo de lesão ao bem jurídico. Por isso, as tentativas inidôneas, também chamadas de crime
impossível, não são crime, porque sequer colocam o bem jurídico em perigo. Exemplo: atirar
em um cadáver. É impossível ocorrer morte neste caso, por isso é uma tentativa inidônea (crime
impossível). Se não há lesão ou perigo de lesão, o fato é atípico (a tipicidade é excluída). Isso é
uma exigência do princípio da ofensividade!

O resultado naturalístico é a alteração no mundo exterior. Ex.: CP, art. 121. Matar
alguém. ⇒ o resultado naturalístico é a morte de alguém. Há tipos penais, porém, que não
exigem resultado naturalístico, como é o caso dos crimes de mera conduta. Ex.: CP, art. 150.
Violação de domicílio: “permanecer” na casa alheia não gera nenhuma alteração no mundo
exterior. Todavia, mesmo nos crimes de mera conduta, há sempre um resultado normativo.

Nexo de causalidade

Nos crimes em que é exigido o resultado naturalístico, ou seja, nos crimes materiais,
exige-se ainda o nexo de causalidade, que é o liame entre a conduta penalmente relevante e o
resultado naturalístico. É o que “liga” a conduta ao resultado. É o elemento do tipo que
estabelece quem deu causa ao resultado. Ex.: Pedro morreu em razão do tiro de João. João deu
causa ao resultado morte de Pedro. Entre o resultado e a conduta de João há um vínculo.

E quando eu sei que uma pessoa deu causa ao resultado? Devo recorrer à Teoria da
conditio sine qua non (condição sem a qual não) ou teoria da equivalência dos antecedentes
causais (todas as condições são equivalentes), segundo a qual causa é aquela condição sem a
qual não o resultado não teria ocorrido. E como sei que a condição é sine qua non? Por meio do
processo hipotético de eliminação: imagina-se que o comportamento não ocorreu, e procura-se
verificar se o resultado teria surgido mesmo assim, ou se, ao contrário, o resultado
desapareceria em consequência da inexistência do comportamento suprimido. Se concluir-se
que o resultado teria ocorrido mesmo com a supressão da conduta, então não há nenhuma
relação de causa e efeito entre um e outra, porque mesmo suprimindo esta, o resultado existiria.
Se ocorre o contrário, então o comportamento deu causa. Ex.: Mévio atira em Tício, levando
este à morte. Se o disparo não tivesse sido feito, Tício não morreria. Logo, o comportamento de
Mévio deu causa ao resultado. Incluindo um outro agente: Patrícia, amiga de Mévio, o

Monitoria de Direito Penal I


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emprestou a arma. Se ela não tivesse emprestado, o resultado morte também desapareceria.
Conclui-se então que seu comportamento também deu causa ao resultado.

Daí surge um problema, o regresso ao infinito. Seguindo nosso exemplo supracitado, o


fabricante da arma deu causa ao resultado; até os pais de Mévio deram causa ao resultado em
razão de terem o colocado no mundo. Teríamos uma cadeia infinita de causas. Em razão disso,
é necessário limitá-la, pois nem toda causa do resultado pode ser considerada equivalente. É
preciso um critério para decidir quais causas devem ser punidas.

A resposta para a questão é dada pela Teoria da Imputação Objetiva, que se propõe a
estabelecer critérios normativos para identificar entre as ações que causaram o resultado, quais
efetivamente exigem a sanção penal.

O caput do art. 13 do CP é o dispositivo legal que regula a relação de causalidade.

CP, Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe
deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

Conforme se pode conferir, o CP adotou expressamente a teoria da conditio sine qua


non. Todavia, conforme exposto acima, ela possui o problema de regresso ao infinito. Daí é
necessário limitá-la.

Para cada teoria do delito (causalista, finalista etc) é dada uma resposta diferente ao
regresso ao infinito.

Segundo o CAUSALISMO, em nosso exemplo acima, os pais de Mévio praticaram


ação típica de homicídio, porque para a teoria causalista basta que o agente tenha praticado um
movimento corporal voluntário que causou um resultado no mundo exterior. Porém, a teoria
causalista enuncia que, embora o fato seja típico, ele não é culpável (não há culpabilidade e, em
consequência, não há crime). A culpabilidade é a reprovação pessoal sobre o agente. No
causalismo, a culpabilidade é formada também pelos elementos dolo e culpa (além da
imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa etc). Assim, aos pais do homicida falta o dolo
e a culpa necessários à reprovação do fato. Eles não tinham a intenção de matar e nem podiam
prever que o filho mataria.

Imagine a escada do conceito analítico de crime. No causalismo seria assim:

Culpabilidade
=e

Ilicitude
Os pais de Mévio
Dolo e culpa seriam absolvidos
por falta de
Tipicidade culpabilidade

Monitoria de Direito Penal I


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Para o FINALISMO, a ação é o exercício de uma atividade final. Para a teoria finalista, o
tipo penal é composto por elementos objetivos e elementos subjetivos. Os primeiros formam o tipo
objetivo e os segundos formam o tipo subjetivo. Nesse contexto, o dolo e a culpa se deslocam para o
tipo penal subjetivo - tipicidade (no causalismo faziam parte da culpabilidade). O problema do
regresso ao infinito também é resolvido pelo dolo e culpa, mas esses elementos agora fazem parte da
tipicidade. Daí que a ação dos pais do assassino será atípica (faltará tipicidade) e, em consequência,
não haverá crime.

Para o finalismo a escada seria assim:


Culpabilidade
=e

Ilicitude

Tipicidade

Os pais de Mévio
seriam absolvidos
Dolo e culpa por falta de
tipicidade subjetiva

Segundo a TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA, que é a mais moderna acerca do tema e


faz parte do chamado funcionalismo teleológico de Claus Roxin, além de todos os elementos do tipo
objetivo (ação, nexo de causalidade, resultado etc), é necessária ainda a criação de um risco proibido.
Caso não haja o risco criado, o fato será atípico. Assim, a teoria da imputação conduz à absolvição
dos pais de Mévio com base em elementos objetivos, ou seja, a absolvição aqui é feita em momento
anterior ao da proposta finalista. No finalismo, os pais seriam absolvidos por falta de tipicidade
subjetiva. Na imputação objetiva, eles seriam absolvidos por falta de tipicidade objetiva. Na análise
da tipicidade, primeiro se analisa o tipo objetivo para só depois analisar o tipo subjetivo.

O objetivo da teoria da teoria da imputação objetiva é indicar quando a mera causalidade se


torna uma causalidade típica. Sendo assim, a teoria vai propor critérios objetivos normativos para
indicar entre as causas do resultados quais são típicas (quais são ações causais típicas). Os adeptos
desta teoria criticam os finalistas por enfatizarem os elementos subjetivos do tipo penal, porque
perquirir os elementos psíquicos do agente é complexo e inseguro. Assim, querem indicar critérios
concretos e evidentes para dizer se a ação é causa do resultado e se merece punição no âmbito penal.

Monitoria de Direito Penal I


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Hoje em dia não é mais a teoria da imputação objetiva e sim as teorias da imputação objetiva.
Cada autor tenta explicar de uma maneira diferente. O Professor Brodt toma como base as lições de
Luís Greco (no livro Um panorama da teoria da imputação objetiva), que foi aluno de Claus Roxin.

O ponto de partida é a finalidade do direito penal. Claus Roxin aponta como finalidade do
direito penal a proteção de bens jurídicos. Sendo assim, somente podem ser consideradas típicas
aquelas ações consideradas perigosas para o bem jurídico, isto é, capazes de afetar o bem jurídico. Se
a ação não é perigosa, não há por que proibi-la no âmbito penal.

Quando uma ação é considerada perigosa a ponto de justificar a punição penal? É aquela ação
que tenha criado um risco proibido de que o resultado ocorresse. Além disso, é imprescindível que
esse risco tenha se realizado no resultado.

Para Greco há três etapas para a imputação objetiva:

1) Criação do risco: o critério utilizado é o da prognose (previsão) póstuma (posterior ao fato)


objetiva (com base na generalidade). Assim, para saber houve criação de risco é necessário
posicionar uma pessoa normal para observar o fato. Se essa pessoa conclui que a ação tem
potencial para afetar o bem jurídico, então houve criação de risco. Aplicado esse critério, o
juiz considerará que não há criação de risco nos seguintes casos:

1.1. Riscos irrelevantes: Ex.: um pai entusiasmado com a aprovação do filho em Direito
na UFMG dá a ele um carro. O filho muito louco pega o carro, bate e morre.
Posicionado o homem prudente no momento em que o pai deu o carro, ele concluiria
que o objetivo do pai ali seria apenas presentear o filho e não matá-lo. Há o risco, pois
dirigir é perigoso, mas é irrelevante.
Outro exemplo: Um tio dá uma passagem aérea ao sobrinho com a intenção de matá-
lo em uma eventual queda de avião (o tio fica rezando para o avião cair). O homem
prudente não interpreta esta atitude como uma atitude apta a matar, afinal a
possibilidade de o avião cair é remota. Na posição de Greco, sequer há criação de
risco aqui. Não é necessário perquirir se é permitido ou não.
1.2. Diminuição do risco: Ex.: Vitória lança um tijolo para atingir a nuca de Maria. A
amiga de Maria então a empurra para salvá-la e o tijolo atinge o ombro dela, ferindo-a.
A amiga causou a lesão no ombro Maria (há nexo causal), mas o resultado produzido
é menos grave que aquele que iria decorrer da ação anterior (a pedra atingiria a nuca
da garota, poderia até matar!). O terceiro prudente interpretaria o fato como heroico e
não como alguém que desejasse a lesão no ombro da amiga. Houve aqui uma
diminuição do risco.

2) Desaprovação jurídica do risco criado: os critérios são a violação de norma jurídica ou


norma técnica, a violação do princípio da confiança e a violação do padrão de comportamento
do homem prudente.
Viver é perigoso. Rotineiramente praticamos atividades perigosas, como dirigir e passear com
os patinetes da Yellow. Daí que o Estado regulamenta esses riscos e os restringe a um âmbito
tolerável. Portanto, o primeiro passa para saber se o risco é proibido é verificar se existe uma
Monitoria de Direito Penal I
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norma jurídica regulamentando a questão, como o Código de Trânsito. Se houve violação da
norma, haverá um forte indício de desaprovação jurídica do risco criado. Por exemplo: falar
ao celular na direção de veículo automotor é uma infração administrativa, o que indica a
criação de um risco proibido. Todavia, isso não é absoluto: a pessoa pode ter falado ao celular
em uma avenida deserta às 04h da madrugada. Neste caso, ela praticou uma infração
administrativa (violação da norma jurídica), mas não criou um risco proibido a ninguém (a
avenida estava deserta). Assim, podem existir circunstâncias excepcionais.
Por vezes, a norma não é jurídica, como aquelas produzidas no âmbito das indústrias de
brinquedo (métodos de fabricação, classificação etária etc). Chamadas de normas técnicas,
elas podem ser usadas para a aferição da desaprovação jurídica do risco. Mas é necessário
cuidado, pois estas normas são produzidas pelas próprias empresas, que não representam o
interesse público (do povo) e sim privado e podem criar regras frágeis de segurança. Por isso,
ainda que obedecidas essas normas técnicas, o juiz pode considerar que, concretamente,
houve criação de um risco proibido.
Além das normas de segurança, temos como critério de desaprovação jurídica do risco o
princípio da confiança, segundo o qual podemos confiar que as pessoas agirão corretamente.
Ex.: o médico pode confiar que a enfermeira esterilizou as ferramentas cirúrgicas. Se ela não
o faz e o paciente morre em razão de uma infecção, o risco criado pelo médico não é
desaprovado juridicamente em razão da incidência do princípio da confiança. Todavia, o
princípio é revogado se existem elementos concretos que indicam que a outra pessoa não
agirá de maneira adequada. Por exemplo: a enfermeira chega embriagada. Ora! Não se pode
confiar nela.
O último critério para avaliar se houve um risco proibido é o homem prudente. Se o juiz não
pode recorrer às normas ou ao princípio da confiança, deverá recorrer ao homem prudente.
Quando até homem prudente praticaria a conduta, ainda que perigosa, quando nem ele teria
evitado a conduta, então não há risco proibido.

Com base nesses três explicados critérios, não haverá a desaprovação jurídica do risco criado
nas seguintes hipóteses:

2.1. Risco permitido: quando a pessoa observa todas as normas necessárias à conduta. Por
exemplo: a pessoa dirige segundo todas as normas de segurança, mas uma criança se joga
sobre o caso. Ele não é objetivamente imputável pelo resultado. Outro exemplo: se o lutador
obedece todas as regras do esporte, o risco será permitido.
2.2. Autocolocação em perigo: esse critério tem mais importância na Alemanha que no
Brasil. O Estado brasileiro é paternalista. Já a Alemanha não protege a pessoa dela mesma. Lá
a participação em suicídio não é punida. Se a pessoa conscientemente quer se suicidar e
alguém a ajuda na empreitada, o ajudante não é punido pelo Direito alemão. Em sentido
contrário, o Código Penal Brasileiro pune a participação em suicídio (art. 122 do CPB).
Assim, na Alemanha definitivamente a autocolocação em perigo não é uma hipótese de
desaprovação jurídica do risco criado.
Em debate: o médico é obrigado a fazer transfusão de sangue em testemunha de Jeová, ainda
que ela se negue? Há divergência. Há entendimento no sentido de que o médico é obrigado,

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sob pena de ser imputado criminalmente. E existe entendimento em sentido contrário, de que
o médico não é imputável e que a decisão cabe à vítima.
2.3. Ações socialmente neutras: por vezes o criminoso se vale da ação de um terceiro para
praticar sua conduta. Exemplo: um padeiro vende pão a um cliente, ciente de que este o
envenenará e matará sua esposa. O padeiro praticou conduta típica de homicídio? Para a
teoria da imputação objetiva, se fosse possível ao cliente comprar pão noutro lugar próximo,
sem ter de revelar sua finalidade (de matar a esposa), o padeiro não terá criado risco proibido
ao vender o pão. A situação seria diferente no caso do motorista de táxi que espera na porta
do banco enquanto o autor principal termina de cometer seu roubo. Neste caso, há risco
proibido, porque para substituir o taxista seria necessário revelar os planos a outro motorista
para que ele pudesse contribuir.

Pausa para dúvida: A teoria da imputação objetiva pode ser usada no Brasil? Sim, pois na
opinião majoritária, a teoria não é incompatível com a lei brasileira, ao contrário, existem
dispositivos que lhe dão embasamento.

3) Realização do risco proibido no resultado: se chegou nesta etapa, é porque foi criado um
risco e este risco é proibido (desaprovado). Para atribuir o resultado a quem gerou esse risco é
necessário perquirir se esse resultado realmente decorreu da ação perigosa que gerou o risco
proibido. É necessário investigar se o resultado está dentro do âmbito de proteção da norma
violada. Adotada essa ideia, estão fora do âmbito de proteção da norma as seguintes
hipóteses:

3.1. Lesão ou curso causal sem relação com o risco proibido: neste caso, o agente pratica
uma conduta que cria um risco proibido e o resultado se realiza, mas este não se encontra no
âmbito de proteção da norma porque não tem relação com a lesão ou curso causal. Ex.: uma
vítima, esfaqueada pelo autor, é hospitalizada, vindo a falecer em razão de um incêndio no
hospital. Para Greco, o incêndio no hospital não seria um curso causal capaz de legitimar a
proibição, porque o homem prudente não teria qualquer razão para imaginar que o hospital
pegaria fogo.
3.2. Danos tardios: exemplo: uma vítima de lesões corporais, alguns anos depois, perde o
equilíbrio em razão da lesão nunca completamente curada e cai, sofrendo várias fraturas.
Greco afirma que neste caso a punição não se legitima porque as segundas lesões sequer
passam pelo filtro da prognose póstuma objetiva (o homem prudente não iria prever). Mas
ainda que fosse previsível, não se poderia legitimar a proibição porque isso seria fazer do
agente um eterno fiado da integridade física da vítima, a ser responsabilizado caso esta viesse
a tropeçar e se machucar em algum momento do futuro, o que violaria o núcleo imponderável
de liberdade do agente.
3.3. Danos resultantes de choques: se uma mãe ao ouvir a notícia de que o filho foi
assassinado, sofre um ataque do coração e falece, o assassino não responde por mais esta
morte. Isso porque esse dano resultante do choque ultrapassa os limites do objetivamente
previsível e invade o núcleo imponderável de liberdade. Todavia, Greco acentua casos em que
a pessoa responsável pelo dano resultante de choque poderá ser punida. Ex.: uma velhinha

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está internada, em razão de seu quinto infarto, e alguém, sabendo de seu coração fraco, lhe
conta a mentira de que seu filho acabara de ser assassinado, o que provoca mais uma parada
cardíaca a que ela não resiste. Neste caso, houve a criação de um risco proibido que se
realizou no resultado.
3.4. Intervenção indevida posterior de um terceiro: exemplo: uma pessoa é esfaqueada, é
hospitalizada e morre no hospital, mas em razão de um erro médico grosseiro (intervenção
indevida de um terceiro). Greco não se posicionou sobre este caso, mas o professor Brodt
afirmou que geralmente se exclui a imputação de quem praticou a primeira conduta.
3.5. Ações perigosas de salvamento: Greco defende a exclusão da imputação no caso de
ações perigosas de salvamento irracionais, como é o caso de uma pessoa que entra em uma
casa em chamas para salvar uma coleção de DVDs e acaba morrendo. A pessoa que colocou
fogo na casa não poderia ser imputada pela morte.

Comportamento conforme ao direito


Além dos critérios acima expostos para a imputação objetiva, é possível ainda utilizar o
critério do comportamento conforme ao direito para definir se a conduta merece punição ou
não.
O leading case da jurisprudência alemã é o caso do ciclista: um caminhão ultrapassa um
ciclista a 75 cm de distância, no que desrespeita a distância mínima necessária. O
ciclista se assusta, cai por debaixo da roda e morre. Depois se descobre que o ciclista estava
bêbado, não se podendo excluir com segurança a possibilidade de que, ainda que o
caminhoneiro houvesse respeitado a distância necessária para a ultrapassagem, o ciclista
morresse em virtude do susto. Há duas opiniões a respeito do problema:
-Teoria da evitabilidade: é a posição dominante, segundo a qual só se justifica a punição por
delito consumado se o autor não apenas tiver causado a lesão, mas também se o
comportamento correto acabasse seguramente por evitá-la. Havendo dúvida, aplica-se o in
dubio pro reo. Com base nisso, a justiça alemã absolveu o caminhoneiro.
-Teoria do aumento do risco: cunhada por Roxin, não considera necessário que o
comportamento hipotético conforme ao direito evitasse o resultado, mas apenas que ele
o tornasse menos provável. Assim, se o caminheiro tiver, com a sua ultrapassagem
proibida, aumentado o risco de que o ciclista bêbado morra, deve ser-lhe imputado o
resultado, havendo homicídio culposo.
Greco concorda a teoria do aumento do risco. Assim, basta que o agente tenha
aumentado o risco para ser imputado pelo resultado. Porém, se ficar comprovado que o
comportamento conforme ao direito não evitaria o resultado de qualquer modo, então a
imputação é excluída, seja na teoria da evitabilidade, seja na teoria do aumento do risco.
Outro exemplo é o caso do pincel de pelo de cabra. Antigamente, os pinceis eram
produzidos com pelo de cabra e, por isso, era necessário passá-los por um rigoroso
procedimento para retirar dos pelos os bacilos nocivos à saúde humana. Tratava-se de um
procedimento obrigatório regulamentado pelo órgão competente. Nesse contexto, uma
empresa deixou de fazer o procedimento e uma funcionária acabou morrendo em razão dos
bacilos. Nada obstante, ficou comprovado que, ainda que a empresa tivesse feito o
procedimento, a funcionária teria morrido de qualquer forma em função dos bacilos. Neste

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caso, como ficou comprovado que o comportamento conforme ao direito não evitaria o
resultado, então a imputação dos donos da empresa é excluída.

ADEQUAÇÃO TÍPICA

O Direito Penal não pune apenas o crime consumado, mas também sua tentativa. No
Código Penal não há um tipo penal com a descrição “tentar matar alguém”, mas ainda assim
a tentativa de homicídio é punida.
Nesse contexto, para verificar se a conduta é típica ou não, é necessário recorrer à
adequação típica, que se classifica da seguinte forma:

 Adequação típica imediata: a conduta analisada se adequada exata e imediatamente ao


tipo penal. Neste caso, basta apontar um artigo da parte especial do Código Penal para
dizer que a conduta é típica. Exemplo: Mévio, com a intenção de matar, atirou em
Tício, que morreu em razão das lesões provocadas pelos tiros. A conduta de Mévio se
adequa imediatamente ao art. 121, caput, do CP (matar alguém). Assim, neste caso a
adequação típica é imediata.
 Adequação típica mediata: a conduta analisada não se adequa imediatamente ao tipo
penal, sendo necessário recorrer a outro artigo do Código Penal para que haja a
adequação típica. A punição por tentativa se dá por meio da adequação típica mediata.
Como dito, não existe um tipo penal de tentar matar alguém, por exemplo. O que
existe é o tipo penal do art. 121 do CP (matar alguém). Para punir a tentativa de
homicídio, é necessário recorrer ao art. 14, II, do CP.

CP, Art. 14. Diz-se o crime:

I- consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal;


II- tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à
vontade do agente

Nesse sentido, a adequação típica seria a seguinte: art. 121, caput, c/c art. 14, II, ambos
do Código Penal. “c/c” significa “combinado com”, ou seja, ambos os artigos são combinados
para que se chegue à adequação típica do homicídio tentado.
Outro exemplo de adequação típica mediata é em relação ao concurso de pessoas,
regulado no art. 29 do CP17. Uma pessoa que mata outra com um tiro responde por homicídio,
mas quem a emprestou a arma, conhecendo a finalidade do autor, também responde. A pessoa
que empresta arma para outra matar alguém também incide nas penas de homicídio. Neste
caso, a adequação típica se dá com a combinação do artigo do homicídio com o artigo de
concurso de pessoas: art. 121, caput, c/c art. 29, ambos do CP.

ESPÉCIES DE TIPOS PENAIS


17
Art. 29, caput, do CP: quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas pelas a este cominadas, na medida de
sua culpabilidade.
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TIPOS COMISSIVOS DOLOSOS

Todos os elementos objetivos do tipo já foram estudados. Todavia, é necessário


abordar um último ponto. O Código Penal foi inspirado no finalismo, mas juízes podem
aplicar (e aplicam) a teoria da imputação objetiva, uma vez que ela não é incompatível com o
ordenamento jurídico penal pátrio. Alguns dispositivos legais lhe dão fundamento, como é o
caso do art. 13, §1º, do CP18 (que foi elaborado em cima da teoria da conditio sine qua non19).
Vejamos.
Um resultado pode ter sido provocado por duas ou mais causas, isto é, mais de uma
ação pode ter causado o resultado. Neste caso, é preciso verificar se a causa posterior por si só
provocou o resultado. Em outras palavras, é preciso verificar se a causa posterior anula a
importância da causa anterior para o resultado. Ex.: sujeito é atropelado, é levado para o
hospital e passa por uma cirurgia. Ocorre que um incêndio inesperado provoca sua morte.
Sendo assim, duas causas contribuíram para a realização do resultado: o atropelamento e o
incêndio. No entanto, a causa posterior relativamente independente, por produzir por si só o
resultado, exclui a imputação pelo resultado morte. Isso porque o incêndio é imprevisível.
Assim, não há uma linha de desdobramento causal homogênea. A pessoa que atropelou não
responde pela morte.
Outro ex.: uma pessoa é atropelada e no hospital é infeccionada e morre. Neste caso, a
infecção hospitalar é previsível e não exclui a imputação pela morte, isto é, não anula a
importância da conduta anterior. A pessoa que atropelou responde por homicídio culposo.
A proposta de resolução desses casos é a mesma feita pela teoria da imputação
objetiva de Claus Roxin e Luís Greco. Na imputação objetiva, no caso do incêndio, o risco
proibido não se realizou no resultado por estar fora do âmbito de proteção da norma.

Elementos subjetivos do tipo comissivo doloso

Todos os tipos comissivos dolosos exigem o dolo para sua tipicidade. O dolo vem
implícito nos tipos penais. Exemplo: art. 163 do CP20 (crime de dano). O tipo não fala em
“destruir, inutilizar ou deteriorar dolosamente coisa alheia”, mas é crime doloso em razão do
art. 18, parágrafo único, do CP, que dispõe que “salvo os casos expressos em lei, ninguém
pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente”.
Esse dispositivo enuncia a regra geral dos tipos penais: são dolosos. Assim, quando há
exceção ao dolo, a lei deve mencionar expressamente a hipótese do tipo culposo, como é o
caso do art. 121, §3º, do CP (“Se o homicídio é culposo: Pena – detenção, de um a três
anos”). No caso do exemplo do crime de dano, não há nenhuma menção ao tipo culposo, daí
que não existe crime de dano culposo (deve necessariamente ser doloso).
18
Art, 13, §1º, do CP: a superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só,
produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.
19
Proposta por Julio Glaser e desenvolvida por Oskar Bulow.
20
Art. 163, caput, do CP: Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia. Pena- detenção, de um a seis meses, ou multa.
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DOLO

Dolo é consciência e vontade. Consciência de estar praticando uma conduta que reúne
os elementos descritos no tipo. A pessoa com dolo tem consciência que sua conduta preenche
todos os elementos objetivos do tipo. Exemplo: se alguém sabendo que o celular é alheio, o
subtrai e empreende fuga, terá praticado a conduta de furto com dolo. Outro exemplo: uma
pessoa se distrai e subtrai o celular alheio achando que era seu (pensou que coisa própria).
Neste último caso não houve dolo. A pessoa realizou a conduta sem ter consciência sobre um
dos elementos do tipo objetivo do crime de furto, especificamente o coisa alheia, pois achava
que a coisa era sua (coisa própria). O tipo penal do furto consiste em “subtrair, para si ou para
outrem coisa alheia móvel”.
A consciência é o primeiro elemento do dolo e é chamada de elemento cognitivo. A
vontade é o segundo elemento e é chamada de elemento volitivo, consistente na vontade de
realizar a conduta descrita no tipo. No finalismo, o dolo é natural.
Antes do finalismo, vigorava o causalismo. Nesta teoria, o dolo era chamado de dolo
normativo e fazia parte da culpabilidade. Não tinha nada a ver com a tipicidade. O dolo além
de ser integrado pela consciência do fato e pela vontade, era também integrado pela
consciência da ilicitude. Exemplo: uma estrangeira alemã, que realizou dois abortos legais na
Alemanha, descobre no Brasil que estava grávida e procura um médico, que lhe diz que o
aborto no país é legal. Neste caso, ela possuía consciência do fato (sabia que abortaria) e tinha
vontade de praticar a conduta, mas não possuía consciência da ilicitude. Assim, no causalismo
a alemã não teria dolo e, em consequência, seria absolvida por falta de culpabilidade.
No finalismo, o dolo integra a tipicidade e é composto apenas pela consciência do
fato e pela vontade. A consciência da ilicitude passa a ser elemento autônomo da
culpabilidade. Assim, para a teoria finalista, a alemã praticou um fato doloso, uma vez que o
dolo é composto apenas pela consciência e pela vontade. Todavia, assim como no causalismo,
ela seria absolvida por falta de culpabilidade, uma vez que esta é integrada pela consciência
da ilicitude.

CAUSALISMO FINALISMO

Tipicidade Tipicidade

Ilicitude Dolo natural

Culpabilidade

Dolo normativo

Ilicitude

Culpabilidade

ência da ilicitude do fato Potencial consciência da ilicitude

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ência da ilicitude do fato
Espécies de dolo

O CP não define dolo, mas diz quando o crime é doloso (art. 18, I, do CP: diz-se o crime
doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo).

 Dolo direto: Art. 18, I, primeira parte, do CP: quando o agente quis o resultado.

 Dolo direto de 1º grau: O agente age de forma direta para produzir o resultado.
Ex.: A atira em B com a intenção de matá-lo.
 Dolo direto de 2º grau: também chamado de dolo de consequência necessária. O
resultado é consequência inevitável (necessária) da conduta, daí que pode se dizer
que foi dolosa. Ex.: A quer matar B e coloca um explosivo no carro deste. O meio
escolhido, o explosivo no veículo, provocará inevitavelmente o crime de dano. Ora,
destruir o carro também é conduta dolosa em razão de ser a consequência necessária
do meio escolhido. Se há mais pessoas no carro para além daquelas que ele queria
matar, responderá em relação à morte das demais por dolo eventual.
 Dolo eventual: Art. 18, II, segunda parte, do CP: “ou assumiu o risco de produzi-
lo”. No dolo eventual, a pessoa prevê o resultado e ainda assim não deixa de
praticar a ação, porque ela não se importa com ele. Fórmula de Frank: “se o agente
diz a si próprio: seja como for, dê no que der, em qualquer caso, não deixo
de agir, é responsável a título de dolo eventual”. Ex.: A está numa corrida de
racha, com várias pessoas na rua, prevê que pode matar alguém, mas mesmo
assim pouco se importa se isto realmente acontecer, assumindo o risco de
produzir a morte.
 Alternativo: aquele em que o agente prevê a pluralidade de resultados e pretende
que sua conduta atinja qualquer um deles. Ex.: A atira em B, sabendo que pode
lesioná-lo ou matá-lo, mas quer qualquer um destes resultados.
 Geral: o agente, supondo já ter alcançado o resultado por ele visado, pratica
nova ação que efetivamente o provoca. Segundo a doutrina majoritária, neste
caso, o dolo da primeira conduta se transfere para o resultado. Ex.: K atira em
B, e acha que este veio a morrer, não sendo, no entanto, verdade. Então, o joga de
cima de uma ponte para ocultar o que achava ser um cadáver. B vem então a morrer
de traumatismo craniano, decorrente do impacto da queda. Neste caso, o dolo da
primeira conduta (dolo de matar), se transfere para o resultado, respondendo K por
homicídio doloso. A doutrina minoritária defende, porém, que há tentativa de
homicídio (primeira conduta: K tentou matar B) e homicídio culposo (segunda
conduta: K matou B culposamente). Aqui ocorre um erro sobre o nexo causal, ou
seja, o agente erra sobre o que realmente causou o resultado.

ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL

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O elemento subjetivo especial, chamado de dolo específico no causalismo, é o fim
especial de agir do tipo comissivo doloso. Ele não está previsto em todos os tipos penais e
refere-se a uma finalidade específica do agente, para além do dolo. Ex.: Art. 148, § 1º, V, do
CP: se o crime é praticado com fins libidinosos - “fins libidinosos” é o fim especial de agir.

TIPOS COMISSIVOS CULPOSOS

A definição de crime culposo está no art. 18, II, do CP: diz-se o crime culposo quando
o agente deu causa ao resultado com imprudência, negligência ou imperícia. A culpa deve estar
expressa no tipo! Ex.: art. 121, § 3º, CP (homicídio culposo): o tipo faz menção explícita à
modalidade culposa do homicídio – “Se o homicídio é culposo”. Outro exemplo: art. 129, §5º, do CP:
“se a lesão é culposa”.

São elementos do tipo comissivo culposo: ação perigosa (risco proibido), resultado e
previsibilidade objetiva.

Os tipos culposos são chamados de tipos abertos porque precisam ser preenchidos por
avaliação do juiz (se a pessoa atuou com cuidado). Não confundir com a norma penal em branco,
nesta há um complemento por meio de outra norma ou regulamento.

O tipo culposo decorre do dever objetivo de cuidado, necessário ao convívio


social. Desse modo, o Direito exige que atuemos de maneira a evitar prejuízos a outrem, ele não
exige apenas que nos abstenhamos de condutas criminosas dolosas, mas também que tenhamos
cuidado.

A previsão legal de culpa (art. 18, II, CP) estabelece uma relação causal entre uma
violação do bem jurídico e as condutas objetivas imprudentes, negligentes ou imperitas. Como
a lei não define o que seja “imprudência”, “negligência” ou “imperícia”, isso ficou a cargo da
jurisprudência e doutrina:

 Imprudência: é uma conduta positiva, um excesso na ação, o agente ultrapassa os limites do


prudente. É uma ação arriscada. Ex.: L, conduzindo seu veículo em velocidade acima da
permitida, ultrapassa o veículo de C, causando um acidente e matando C. L responde por
homicídio culposo no trânsito (art. 302 do CTB).
 Negligência: É uma conduta negativa, uma falta de cuidado, atos de esquecimento.
Ex.: Médico esquece objeto cirúrgico dentro do estômago do paciente e por isso este
vem a morrer. O médico responde por homicídio culposo (art. 121, §3º, do CP).
 Imperícia: modalidade própria de quem exerce atividade regulamentada, tendo habilitação
para tal, mas, não tendo conhecimento para um ato específico, mesmo assim o pratica.
Ex.: Tício, médico habilitado somente para fazer cirurgias plásticas faciais, realiza cirurgia
bariátrica em Caia, levando-a à morte.

Nos crimes culposos, é necessário o critério da previsibilidade, que é


pressuposto para existência de qualquer dever. Assim, para um agente ser imputado por culpa é
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preciso que, nas circunstâncias que ele se encontrava, era possível prever o resultado. Para saber se
isto era possível recorremos ao parâmetro do homem médio, que é uma figura abstrata que se passa
por um sujeito preocupado em observar o Direito. Homem médio seria aquela pessoa “ideal”,
cuidadosa. Assim, é culposo o crime quando o “homem médio” poderia ter previsto o resultado. Se,
no entanto, nem ele poderia ter previsto, então não há que se falar em culpa.

-Previsibilidade objetiva: possibilidade de previsão do resultado, verificada pelo parâmetro


supracitado. A previsibilidade objetiva está inserida na culpa, que é elemento de tipicidade. Assim, se
não era possível prever o resultado, o fato é atípico.

Espécies de culpa

 Culpa inconsciente (própria): é a maioria dos casos. Ocorre quando o agente não previu o
resultado, embora poderia ter previsto segundo a previsibilidade objetiva: imprevisão do que
era previsível. Ex.: Aroldo ultrapassa a velocidade máxima permitida e atropela uma criança
que não tinha visto que estava atravessando a rua para pegar uma bola. Aroldo responde
pelas lesões provocadas na criança porque o resultado era previsível.
 Culpa consciente (imprópria): O agente prevê, porém acredita, por ingenuidade ou excesso
de confiança, que o resultado não vai ocorrer. Esse conceito é próximo do de dolo eventual,
mas dele difere porque neste o agente não se importa com o resultado.

 Diferença entre culpa consciente e dolo eventual21: é extremamente difícil no


plano do caso concreto, mas em teoria: na culpa consciente o agente prevê o
resultado, mas não concorda com ele; no dolo eventual, o agente prevê o
resultado e concorda com ele.

TIPOS OMISSIVOS

Há tipos comissivos, que, como visto, descrevem um “fazer algo”, como é o caso do
tipo de homicídio (“matar alguém”). Todavia, existem também os tipos omissivos, que se classificam
em tipo omissivo próprio e tipo omissivo impróprio. Vejamos.

 Tipo omissivo próprio: o tipo penal descreve um “não fazer algo” (uma abstenção de
comportamento), cujo preceito é um “fazer algo”, sendo então a norma penal mandamental.
Exemplos: art. 135 do CP (omissão de socorro); art. 269 do CP (omissão de notificação de
doença). Os tipos omissivos próprios, portanto, são compostos por um verbo nuclear (ação)

21
A jurisprudência vem tratando os casos de homicídios no trânsito como sendo de dolo eventual. No entanto, faz isso
porque a sociedade vem exigindo penas mais duras para estes delitos, em clara tendência punitivista. Nossos
Tribunais atribuem dolo eventual a condutas que na verdade podem ser culposas (conscientes), pois a pena para crime
doloso é maior.
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que descreve um “não fazer algo”, uma situação22, um nexo normativo e um sujeito ativo
comum. Além disso, o tipo omissivo próprio não faz menção a um resultado naturalístico.
Em relação a não menção a um resultado naturalístico na omissão própria, é que não é
possível tirar de uma omissão uma força para criar um resultado em sentido naturalístico. O
pode ocorrer é um aumento de pena em razão do resultado produzido (ex.: parágrafo único do
art. 135 do CP).
Quanto ao nexo normativo, o legislador presume que se a pessoa que se omitiu tivesse agido,
teria se evitado um resultado mais grave. Todavia, não há um nexo de causalidade
propriamente dito, porque com a teoria da conditio sine qua non, não é possível afirmar com
segurança se o resultado teria deixado de existir. Trata-se aqui de uma presunção do
legislador, por isso o nexo é normativo.
A respeito do sujeito ativo comum, é preciso afirmar que o dever de ajuda aqui decorre do
dever de solidariedade necessária a todos que vivem em sociedade. É um dever imposto a
todos. Então, se o sujeito é maior e capaz e ver uma criança abandonada deve prestar
assistência a ela para não incorrer no crime de omissão de socorro.
 Tipo omissivo impróprio (comissivo por omissão): ocorre quando um agente não faz (omite)
uma ação predeterminada exigida a ele face ao Direito. Assim, o sujeito que deveria evitar o
injusto é punido pelo tipo penal comissivo que corresponde ao resultado. O sujeito que
deveria evitar o injusto é chamado de garantidor. Esta posição consiste no dever atribuído a
alguém para garantir a proteção ao bem jurídico de outrem, atribuição dada devido à posição
que mantém em relação ao titular do bem (o sujeito ativo é especial). Quem tem esta
posição está definido no rol extensivo do § 2º do art. 13, do CP. Vejamos
O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância. É o exemplo dos pais em
relação aos filhos menores. Se uma mãe vê seu filho afogando e nada faz, mesmo podendo
fazer, responde não por omissão de socorro e sim por homicídio (delito comissivo). Outro
exemplo é o do agente penitenciário que vê o detento sendo morto e nada faz.
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado. É o exemplo da mulher
que se comprometeu a cuidar do filho da família vizinha. Outro é o exemplo do salva-vidas
em um parque aquático em relação às crianças que lá brincam.
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. É o chamado
dever de ingerência. É o exemplo do aluno do 2º período de Direito da UFMG que joga um
calouro na piscina. Com esse comportamento, ele criou o risco da ocorrência do resultado.
Finalmente, vale dizer: não basta ter o dever de agir, é necessário ter a possibilidade de agir.
Imagine o exemplo de um filho que está se afogando, mas o pai não sabe nadar. Caso o filho
morra, não se pode falar em delito omissivo impróprio.
Na adequação típica dos crimes omissivos impróprios é sempre necessário fazer menção ao
art. 13, §2º, do CP para afirmar que o sujeito passivo tinha um dever especial de agir.

22
Art. 135, caput, do CP: Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada
ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o
socorro da autoridade pública.
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 Diferença entre o tipo omissivo próprio e o tipo omissivo impróprio: no
próprio há um tipo penal descrevendo a abstenção de conduta (omissão) e
qualquer pessoa tem o dever de agir previsto. No impróprio, somente está
investido no dever de agir quem está na posição de garantidor e a omissão
é equiparada à comissão, devendo a pessoa responder pelo tipo comissivo
correspondente ao resultado.

CAUSAS EXCLUDENTES DE TIPICIDADE

Para que um fato seja típico, é necessário que ele preencha todos os elementos objetivos e
subjetivos previstos no tipo penal. Na falta de qualquer elemento, o fato será atípico. Mas existem
algumas causas excludentes de tipicidade (ou causas de atipicidade da conduta) mais comuns, como:
ausência de conduta penalmente relevante, princípios da insignificância e adequação social (bem
jurídico), falta de causalidade (nexo causal), risco permitido (imputação objetiva), caso fortuito, erro
de tipo e consentimento do ofendido. A maior parte das hipóteses já foram vistas. Vejamos as três
últimas.

CASO FORTUITO

O caso fortuito é a hipótese em que o fato ocorre de forma imprevisível e inevitável. O ato
ocorre ao acaso e o agente não age com dolo ou culpa. Exemplo: suicida se joga em frente ao carro
de Mévio em plena Avenida Brasil. Mévio não pode ser imputado pelo resultado morte, pois este foi
consequência de um caso fortuito.

ERRO DE TIPO

Como visto, o dolo é composto por dois elementos: cognitivo (consciência do fato) e volitivo
(vontade de praticar o fato). Quando o agente erra sobre algum elemento do tipo, o dolo é
excluído, fazendo com que, consequentemente, a tipicidade seja excluída no caso dos tipos dolosos.
O erro de tipo consiste em uma falsa percepção da realidade que incide sobre um elemento
constitutivo do tipo, fazendo com que o agente não saiba o que está fazendo (falta-lhe o elemento
cognitivo do dolo). O erro de tipo está previsto no caput do art. 20 do CP: o erro sobre elemento
constitutivo do tipo legal exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
Vejamos um exemplo.

Art. 155 do CP: Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel.

O elemento “coisa” do tipo de furto é um elemento objetivo descritivo, pois é perceptível


sensorialmente. Já o elemento “alheia” é um elemento objetivo normativo, uma vez que é necessário
um juízo valorativo para afirmar se determinada coisa é alheia ou não (é necessário recorrer ao
Direito Civil, que regula o regime de propriedade e posse de bens).

Monitoria de Direito Penal I


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Se uma pessoa subtrai coisa alheia achando que fosse sua, incorre em erro de tipo, porque se
enganou/errou quanto ao elemento do tipo de furto (coisa alheia). Exemplo: Roberta encontrava-se
em um curso preparatório para concurso na cidade de Belo Horizonte. Ao final da aula, resolveu ir
comprar um café na cantina do local, tendo deixado seu notebook carregando na tomada. Ao retornar,
retirou um notebook da tomada e foi para sua residência. Ao chegar em casa, foi informada de que
foi realizado registro de ocorrência na Delegacia em seu desfavor, tendo em vista que as câmeras de
segurança da sala de aula captaram o momento em que subtraiu o notebook de Cláudia, sua colega de
classe, que havia colocado seu computador para carregar em substituição ao de Roberta, o qual estava
ao lado. Roberta, em seu interrogatório, confirma os fatos, mas esclarece que acreditava que o
notebook subtraído era seu e, por isso, levara-o para casa.

Da redação do caput do art. 20 do CP decorrem duas modalidades de erro de tipo:

 Invencível (inevitável): exclui o dolo e a culpa. Aqui o erro não poderia ser evitado em
nenhuma circunstância.
 Vencível (evitável): exclui somente o dolo, mas o agente pode responder por culpa, se o tipo
prevê a modalidade culposa, pois o erro poderia ser evitado.

Exemplo: dois amigos acampam em uma floresta e um deles, muito engraçadinho, se veste
com uma fantasia de onça para assustar o outro, que realmente acredita se tratar de um animal
selvagem e, por isso, atira no amigo fantasiado. Nesse caso, como o amigo que atirou errou
sobre o elemento “alguém” do tipo de homicídio (art. 121, caput, do CP: matar alguém), não
pode responder por homicídio doloso. No entanto, é necessário verificar se o agente agiu com
culpa ou não, a partir do critério do homem prudente. Se o agente poderia ter previsto e
evitado se fosse mais cuidadoso, então responderá por homicídio culposo (neste caso, o erro
de tipo é vencível). Se, porém, qualquer pessoa não poderia ter previsto que o animal na
verdade se tratava de uma pessoa fantasiada, então o erro de tipo é inevitável e exclui o dolo e
a culpa e o agente não responde por crime algum.
Por fim, importante ressaltar que o art. 20, caput, do CP é apontado como principal
argumento para afirmar que o legislador da parte geral do Código Penal optou pela teoria
finalista do delito. Isso porque para o finalismo o dolo é elemento do tipo penal, enquanto que
para o causalismo o dolo compõe a culpabilidade. Se o erro de tipo exclui o dolo, então o dolo
faz parte do tipo.

ERRO DE TIPO PERMISSIVO

Com a rubrica de descriminantes putativas (causa justificante imaginária), o art. 20,


§1º, do CP tem a seguinte redação: É isento de pena quem, por erro plenamente justificado
pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não
há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.
Temos aqui a previsão do chamado erro de tipo permissivo, que tem as mesmas
consequências do erro de tipo estudado acima: exclui o dolo, mas permite a punição por culpa
se o fato é previsto como crime culposo.

Monitoria de Direito Penal I


Wilson Ferreira Página 47
Exemplo: Mévio e Tício brigaram e trocaram juras de morte em um bar. No dia
seguinte, se encontram por acaso em um beco escuro, caminho para a casa de ambos. Mévio
então retira algo das calças e Tício, achando que seria alvejado, rapidamente retira sua arma e
atira no desafeto. No entanto, Mévio havia sentido falta de sua carteira e o que retirou de suas
calças era na verdade a carteira. Neste caso, Tício, pelas circunstâncias (beco escuro, jura de
morte no dia anterior, movimento de Mévio etc), se supôs em uma situação de fato que
justificaria sua ação, isto é, imaginou que estava agindo em legítima defesa. Há então aqui um
erro sobre os pressupostos fáticos que autorizam a legítima defesa. Assim, o dolo é excluído,
mas é possível responder por homicídio culposo se os o erro não era plenamente justificado e
o agente agiu com culpa.

CONSENTIMENTO DO OFENDIDO

O consentimento do ofendido pode ser causa excludente de tipicidade ou causa


justificante (causa supralegal excludente de ilicitude). Em relação à tipicidade, vários tipos
penais fazem menção expressa à oposição da vítima, isto é, a oposição do ofendido é
elemento constitutivo do tipo. Exemplo: art. 213, caput, do CP. Constranger alguém,
mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir com
que com ele se pratique outro ato libidinoso. O “constranger alguém” consiste na oposição da
vítima. Sendo assim, o consentimento do ofendido no crime de estupro constitui causa
excludente de tipicidade.
Em outros casos, o tipo penal não faz menção à oposição da vítima, mas o
consentimento do ofendido pode consistir em causa supralegal excludente de ilicitude.
Exemplo: art. 129, caput, do CP. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem. Se um
casal sadomasoquista gosta de trocar lesões corporais leves, não será punível pelo crime do
art. 129, caput, do CP. Isso porque, embora o tipo não faça menção à oposição da vítima, o
consentimento do ofendido pode funcionar também como excludente supralegal 23 de ilicitude.
O fato será típico, porém lícito. Importante ressalvar que nem todo crime aceita essa causa
justificante, o bem jurídico deve ser disponível (a vítima tem que ter o direito de dispor do
bem), como é o caso do patrimônio. A vida é indisponível, daí que o consentimento da vítima
não pode constituir excludente de ilicitude nos crimes contra a vida.

CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES

A classificação dos crimes é feita a partir dos elementos que integram o tipo penal.
Nesse sentido, os crimes se classificam da seguinte forma:

1. Quanto à conduta:

23
Supralegal porque não é previsto em lei, é fruto de construção jurisprudencial e doutrinária.
Monitoria de Direito Penal I
Wilson Ferreira Página 48
a) Crime comissivo: o tipo penal descreve um “fazer algo”, cujo preceito é
um “não fazer algo”, sendo então a norma penal proibitiva. Ex.: art. 123
do CP (infanticídio).
b) Crime omissivo próprio: o tipo penal descreve um “não fazer algo”, cujo
preceito é um “fazer algo”, sendo então a norma penal mandamental. Ex.:
art. 269 (omissão de notificação de doença).
c) Crime comissivo impróprio (comissivo por omissão): consiste na omissão
equiparada à comissão quando o agente está na posição de garantidor.

2. Quanto ao elemento subjetivo:

a) Crime doloso (art. 18, I, CP): quando o agente quis o resultado ou assumiu
o risco de produzi-lo. É a regra geral dos delitos e está implícito no tipo,
ou seja, quando o tipo penal não fizer menção expressa à culpa, ele é
doloso (art. 18, parágrafo único, CP). Ex.: art. 121, caput, CP (homicídio
simples): tipo não faz menção à culpa, logo, é doloso.
b) Crime culposo (art. 18, II, CP): quando o agente deu causa ao resultado
com imprudência, negligência ou imperícia. Deve estar expresso no tipo!
Ex.: art. 121, § 3º, CP (homicídio culposo): o tipo faz menção explícita à
modalidade culposa do homicídio – “Se o homicídio é culposo”.
c) Crime preterdoloso: é uma espécie de crime qualificado pelo resultado. Todo
crime preterdoloso é crime qualificado pelo resultado, mas a recíproca não
é verdadeira. Crime qualificado é aquele em que uma circunstância em
que o delito é praticado agrava a pena, estabelecendo uma nova margem
penal (estabelece novos limites mínimo e máximo). Exemplo: o art. 121,
caput, do CP prevê o crime de homicídio simples, cuja pena é de seis a
vinte anos de reclusão. O art. 121, §2º, do CP prevê o crime de homicídio
qualificado, cuja pena é de doze a trinta anos de reclusão. A qualificadora
mudou os limites mínimo e máximo da pena do crime.
Nos crimes preterdolosos, o resultado mais grave é a circunstância para a
qualificadora. E este resultado só pode ser atribuído a título de culpa.
Nesse contexto, temos o art. 19, do CP, que dispõe que “Pelo resultado
que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver
causado ao menos culposamente”.
Para que haja um crime preterdoloso, é sempre necessário dois resultados,
um doloso (antecedente) e outro culposo (consequente), nesta ordem.
Exemplo: Mévio dá, com a intenção de lesionar, um soco extremamente
forte em Patrícia Angélica, que vem a cair, bater a cabeça e morrer. Mévio
queria produzir o resultado lesão, mas, por culpa dele, produziu também o
resultado morte. Mévio responde pelo crime do art. 129, §3º, do CP (lesão
corporal seguida de morte):
Art. 129, § 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o
agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo: Pena -
reclusão, de quatro a doze anos.
Nota-se que o referido artigo somente cabe quando não há dolo do agente
no resultado morte (o resultado consequente ou final deve ser culposo).
Quando há dolo, ele é punido pelo art. 121, CP.

Monitoria de Direito Penal I


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3. Quanto aos sujeitos:

3.1. Quanto ao sujeito ativo:

a) Crime comum: o tipo penal não exige nenhuma condição especial do


sujeito ativo. Ex.: art. 121 do CP. Qualquer pessoa pode cometer o delito
de homicídio.
b) Crime próprio: o tipo exige uma condição ou qualidade especial de sujeito
ativo. Ex.: art. 312 do CP (peculato). O crime de peculato exige a
condição de ser funcionário público. Entretanto, pode haver um agente
que não seja funcionário público, mas que pode ser punido pelo crime de
peculato na condição de partícipe (isso, porém, é assunto de Direito Penal
II).
c) Crime de mão própria: É aquele crime que somente pode ser praticado
pessoalmente pelo agente, ninguém o comete por intermédio de outra
pessoa, ou seja, não se pode delegar a execução do delito. Ex.: art. 342,
CP (falso testemunho) e art. 124 (autoaborto).
d) Crime unissubjetivo: o tipo não exige mais de um sujeito ativo, embora
possa haver mais de um eventualmente. Ex.: art. 155 do CP (furto): Furto
pode ser cometido por apenas uma pessoa, embora possa também ser
cometido por duas ou mais.
e) Crime plurissubjetivo: O tipo penal exige mais de um sujeito ativo
necessariamente para a adequação típica. Ex.: art. 288 do CP (associação
criminosa): somente há este delito quando se associam 3 ou mais sujeitos
ativos. Esse crime também é chamado de crime de concurso necessário,
isto é, o concurso de pessoas é necessário para a configuração da
tipicidade.

3.2 Quanto ao sujeito passivo:

a) Crime comum: o sujeito passivo pode ser qualquer pessoa. Ex.: art.
163 do CP (dano): qualquer pessoa pode sofrer o crime de dano.
Observação: Pessoa jurídica pode figurar como sujeito passivo, mas
somente nos crimes em que haja compatibilidade, por ex., nos crimes
patrimoniais.
b) Crime próprio: o tipo exige condição especial de sujeito passivo. Ex.:
art. 134 do CP (exposição ou abandono de recém-nascido)24: o tipo
exige que o sujeito passivo seja recém-nascido.
c) Crime bi-próprio: Sujeitos ativo e passivo têm condições especiais
exigidas pelo tipo. Ex.: art. 123 do CP (infanticídio): sujeito ativo deve
ser a mãe e o sujeito passivo, o filho.

4. Quanto ao número de atos que o tipo exige:

a) Crime unissubsistente: o delito se constitui em um ato único, não


admitindo, portanto, um fracionamento da execução delitiva, sendo esta

24
Art. 134, caput, do CP: Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria. Esse último elemento é
elemento subjetivo especial (fim especial de agir).
Monitoria de Direito Penal I
Wilson Ferreira Página 50
unitária e coincidente com a consumação. Assim, nessa espécie de crime é
impossível a modalidade de tentativa. Ex.: art. 140 do CP (injúria):
quando a injúria é verbal sua prática é unitária, constitui-se em um único
ato.
b) Crime plurissubsistente: sua execução pode se desdobrar em vários atos,
admitindo, portanto, a tentativa. Ex.: art. 121 do CP (homicídio): o crime
de homicídio pode ser executado mediante um único ato, mas a execução
pode ser fracionada em vários atos.

5. Quanto ao bem jurídico:

a) Crime simples: O tipo penal tutela apenas um bem jurídico. Ex.: art. 121 do CP:
tutela apenas a vida.
b) Crime complexo: O tipo tutela mais de um bem jurídico. Ex.: art.157 do
CP (roubo): tutela o patrimônio e a paz psíquica, se cometido com grave
ameaça, ou a integridade física, se cometido mediante violência.

6. Quanto aos resultados:

6.1. Quanto ao resultado normativo:

a) Crime de dano: é aquele que exige, para a consumação, uma lesão efetiva
ao bem jurídico. Ex.: art. 129 do CP (lesão corporal).
b) Crime de perigo: Há a probabilidade de dano, podendo o delito se
consumar com a simples criação de perigo para o bem jurídico, sem
produzir efetivamente um dano. O crime de perigo, por sua vez, se
classifica em:

 Crime de perigo individual: o perigo se dirige a bem jurídico de


uma só pessoa ou a um número limitado (determinado) de pessoas.
Ex.: art. 130 do CP (crime de perigo de contágio venéreo).
 Crime de perigo comum: o perigo se dirige a bem jurídico de um
número indeterminado de pessoas. Ex.: art. 250 do CP (incêndio) e
seguintes25.
 Crime de perigo concreto: é necessário que o perigo seja
comprovado no caso concreto, isto é, deve ser demonstrada a
situação de perigo efetiva ao bem jurídico. A identificação há
menção a “expor perigo” no tipo penal. Ex.: art. 250 do CP
(incêndio): Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade
física ou o patrimônio de outrem.
 Crime de perigo abstrato: o perigo é presumido, não sendo
necessária a comprovação de uma situação de risco. A
identificação ocorre quando o delito é de perigo, porém, o tipo
penal não faz menção a “expor a perigo”. Ex.: art. 257 do CP
(subtração, ocultação ou inutilização de material de salvamento).

25
O capítulo I do Título VIII da Parte Especial do Código Penal traz uma lista de crimes de perigo comum.
Monitoria de Direito Penal I
Wilson Ferreira Página 51
Considerações: A doutrina e jurisprudência majoritárias
aceitam esta classificação dos crimes de perigo (perigo
concreto e perigo abstrato). Entretanto, uma corrente
minoritária, inclusive o Prof. Brodt, defende que todos os
delitos de perigo são concretos (todos os crimes de perigo
exigem comprovação da exposição a perigo) e que os crimes
de perigo abstrato são, em verdade, inconstitucionais por
ofenderem o princípio da lesividade (ofensividade). Isso porque
a presunção pode ser falsa. Por ex.: uma pessoa embriagada que
dirige um veículo em uma praia deserta pode ser punida por isso
(art. 306 da Lei 9.503/97), sendo que no caso não houve perigo
algum a ninguém (a não ser ao próprio agente). A punição aqui
decorre unicamente da violação da norma jurídica, o que é
dissonante do fim do Direito Penal, que é a proteção dos bens
jurídicos.

6.2. Quanto ao resultado naturalístico:

a) Crime material: é necessário que haja o resultado naturalístico, ou


seja, é exigida uma alteração na realidade natural. Em consequência, é
necessário um nexo causal entre a conduta e o resultado naturalístico.
Ex.: art. 163 do CP (crime dano): uma coisa tem que ser danificada.
b) Crime formal: o tipo descreve um resultado naturalístico, porém, este
não é exigido para a consumação do delito. O que importa aqui é
apenas o comportamento do agente, e não o resultado. Ex.: art. 317 do
CP (corrupção passiva): o fato de solicitar vantagem indevida já
configura o crime, não importando para tal se o agente realmente vem
a recebê-la.
c) Crime de mera conduta: crime cuja conduta não provoca nenhum
resultado naturalístico. Ex.: art. 330 do CP (desobediência).
Desobedecer a ordem legal de um funcionário público não altera em
nada a realidade natural.

7. Quanto ao número de núcleos (verbos):

a) Uninuclear (simples): o tipo penal possui apenas um núcleo (verbo). Ex.: art.
121 – Matar alguém.
b) Plurinuclear (misto): tipo penal possui mais de um núcleo. Pode ser:

 Alternativo: As condutas previstas no tipo são fungíveis, ou seja,


tanto faz se o agente comete uma ou outra ou mais de uma,
havendo apenas uma única incriminação. A identificação é feita
por meio de uma vírgula (,) ou um “ou” contidos no tipo penal.
Exemplo:
Art. 122. Induzir OU instigar alguém a suicidar-se OU prestar-lhe
auxílio para que o faça.

Monitoria de Direito Penal I


Wilson Ferreira Página 52
 Cumulativo: As condutas previstas no tipo não são fungíveis, ou
seja, o agente é punido por cada conduta realizada descrita no tipo.
Se o tipo tem dois núcleos e o agente pratica as duas condutas, ele
responderá por cada uma. A identificação é feita por meio de um
ponto e vírgula (;) ou um “e”. Exemplo: Art. 135 - Deixar de
prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à
criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida,
ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses
casos, o socorro da autoridade pública.

8. Quanto ao momento de consumação:

O art. 14, I, do CP diz que o crime é consumado quando nele se reúnem todos
os elementos de sua definição legal. Por exemplo, o art. 121, caput, do CP
define o homicídio como “matar alguém”. Logo, o crime de homicídio será
consumado quando o sujeito passivo morrer.
Considerando o momento consumativo, o crime pode ser classificado em:

a) Crime instantâneo: É o crime que se esgota com a ocorrência do resultado,


se completa em um determinado instante, sem se prolongar no tempo. Ex.:
art. 155, CP (furto).
b) Crime permanente: A consumação se prolonga no tempo, há uma
continuidade temporal. Ex.: art. 148 do CP (sequestro).
c) Crime habitual: é aquele crime que, para sua configuração, é necessário
que o fato seja repetido reiteradamente (habitualmente), isto é, o fato
considerado isoladamente não configura delito. Ex.: art. 284
(curandeirismo) e art. 229 (casa de prostituição). Crime habitual não se
confunde com crime continuado. Neste, cada conduta isolada é tipificada
autonomamente, mas o legislador considerou que, se praticado na forma
do art. 71 do CP, os subsequentes devem ser havidos como continuação do
primeiro, havendo um crime continuado. Por exemplo: uma pessoa pratica
vários furtos com as mesmas condições de tempo, lugar etc, será punida
por um crime continuado, mas cada conduta isolada é um crime de furto.
No crime habitual cada conduta isolada não é tipificada, somente há crime
se ela é reiterada. Por exemplo: não há crime de curandeirismo se uma
pessoa não habilitada prescreve uma substância uma única vez (ou poucas
vezes), é necessário que a conduta seja habitual.

CONFLITO APARENTE ENTRE NORMAS

Na análise da norma penal aplicável ao caso concreto pode surgir um conflito


aparente entre normas (“entre tipos”, “entre leis”). “Aparente” porque o conflito não é real,
ele existe apenas aparentemente, pois sempre apenas uma norma será aplicável ao caso diante
da proibição do “bis in idem”. Imaginemos um exemplo: uma mãe, sob efeito do estado
puerpural, mata o filho logo após o parto. Neste caso devemos aplicar o art. 121 do CP

Monitoria de Direito Penal I


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(homicídio) ou o art. 123 (infanticídio)? Para resolver conflitos como este, temos quatro
princípios26 (ou critérios), vejamos:

 Princípio da especialidade (lex specialis derogat legi generali): está previsto no art. 12 do
CP e consiste no conceito de que a “lei especial afasta a lei geral”. Segundo esse
princípio, para resolver o conflito aparente entre normas é necessário observar qual norma
é mais especial, pois esta será a aplicável. A norma mais especial será aquela que
contempla elementos especializantes em relação a outra norma. Analisemos o exemplo
acima. O infanticídio, além de conter o elemento “matar alguém”, possui outros
especializantes (o sujeito ativo deve ser a mãe sob efeito do estado puerpural, o sujeito
passivo deve ser o próprio filho e o momento deve ser durante ou logo após o parto).
Portanto, a norma aplicável ao caso em análise é a do art. 123, pois esta norma especial
afasta a aplicação da norma geral (art. 121). Entre os dois tipos há uma relação de
especialidade. Outro exemplo é o do art. 334-A, caput, do CP (contrabando) e o art. 33,
caput, da Lei 11343/06 (tráfico de drogas), sendo esta norma especial e aquela, geral.

Parte da doutrina e jurisprudência considera que o princípio da especialidade é


suficiente para resolver qualquer caso de conflito aparente entre normas. Nada obstante,
uma corrente doutrinária e jurisprudencial construiu ainda dois outros dois princípios de
resolução de conflitos para os casos em que a especialidade for insuficiente. Vejamos.

 Princípio da subsidiariedade (lex principalis derogat legi generali): a lei principal afasta a
subsidiária. Subsidiária é a norma que descreve uma violação menor ao bem jurídico, ou
seja, é menos grave e encontra-se compreendido em outro tipo como fase normal de
execução do crime mais grave. Há uma relação de fato principal e fato subsidiário
(“soldado de reserva”). Divide-se em subsidiariedade expressa e tácita:

 Expressa: a própria lei traz o critério de a “a norma com pena maior afasta a
aplicação da norma com pena menor”. Um exemplo é o art. 132 do CP
(perigo para a vida ou saúde de outrem) em relação ao tipo de homicídio (art.
121). Veja: Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e
iminente. Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui
crime mais grave. Os dois tipos tutelam a vida, mas em graus de agressão
diferentes. Se for um caso de homicídio tentado, por exemplo, afasta-se a
incidência do art. 132.
 Tácita: aplica-se no caso dos crimes complexos, que são aqueles que tutelam
mais de um bem jurídico, como o roubo (tutela o patrimônio e a integridade
física ou psíquica). Pode surgir o conflito entre o roubo e o furto, mas o furto
é uma fase normal de execução do roubo, que é mais grave. A
subsidiariedade tácita, assim como a consunção, não é prevista no CP, sendo
fruto de construção doutrinária e jurisprudencial.

 Princípio da consunção (lex consumens derogat lex consumptae): a norma-fim afasta a


norma-meio. Neste caso temos uma relação de meio e fim, como no caso do homicídio
que pode ter como meio lesões corporais (como inúmeras facadas). Neste caso, o agente
26
Esses princípios não se confundem com os princípios fundamentais de Direito Penal. Os princípios agora expostos
servem unicamente ao conflito aparente entre normas.
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desde o início tinha a intenção de matar, mas para atingir seu fim teve que passar por um
crime-meio (lesão corporal). Chamamos isso de crime progressivo. O tipo penal do
homicídio absorve o tipo de lesão corporal. As lesões corporais constituem um fato
anterior impunível.
O princípio da consunção pode se referir a crimes que tutelam bem jurídicos diferentes.
Como é o caso do crime de estelionato (que tutela o patrimônio) que absorve o crime de
falsificação de documento (que tutela a fé pública).
Neste mesmo exemplo, podemos afirmar que nem sempre é correta a máxima “o crime
mais grave absorve o menos grave”, pois há casos em que isso não se confirma. No citado
exemplo, o crime absorvido (falsificação) tem pena maior (é mais grave) que o
absorvedor (estelionato).
Sobre o mesmo exemplo, temos a súmula 17 do STJ: Quando o falso se exaure no
estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido. Exemplo: pessoa passa
cheque falsificado no caixa de um supermercado. Neste caso, não há mais potencialidade
lesiva do crime de estelionato (ele se desfez do cheque), então o crime de falsidade será
absorvido pelo de estelionato.

Além do fato anterior impunível, pode existir também um fato posterior impunível e outro
punível. Vejamos.

-Fato anterior (antefato) impunível: é o caso do crime-meio que é absorvido pelo crime-
fim. O crime-meio não é punível.
-Fato posterior (pós-fato) impunível: é o caso de violação posterior contra o mesmo bem
jurídico da mesma vítima anterior. Exemplo: sujeito furta TV e depois a quebra. O fato
posterior (danificação da TV – crime de dano) é impunível porque violou o mesmo bem
jurídico (patrimônio) da mesma vítima.
-Fato posterior (pós-fato) punível: é o caso de violação posterior contra bem jurídico
diverso ou contra vítima distinta. Exemplo: sujeito mata alguém e depois oculta o
cadáver. O fato posterior (ocultação de cadáver) é punível porque a conduta anterior
violou um bem jurídico (homicídio - vida) e a posterior violou outro (ocultação de
cadáver – sentimento de respeito aos mortos).

 Princípio da alternatividade: o núcleo do tipo é o verbo que descreve a conduta incriminada.


Como visto, quanto ao número de núcleos, os crimes podem ser classificados em uninucleares
(simples) ou plurinucleares (mistos). O crime uninuclear é aquele possui apenas um verbo na
descrição típica da conduta, como é o caso do art. 121 do CP: matar alguém. O crime
plurinuclear possui mais de um verbo no tipo, como o art. 33 da Lei 11343/06: importar,
exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer,
ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a
consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo
com determinação legal ou regulamentar. O crime de tráfico ilícito de entorpecentes é
descrito em um tipo penal com 18 verbos, sendo então plurinuclear.
Os crimes plurinucleares se classificam em alternativos ou cumulativos. No caso dos
alternativos, há uma equiparação entre todas as condutas descritas: o agente responde por um
único crime, ainda que tenha praticado mais de um núcleo descrito no tipo misto. Nos crimes
mistos cumulativos, o agente responde por cada verbo (ação) que praticar.

Monitoria de Direito Penal I


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Para verificar se o tipo é misto alternativo (onde impera o princípio da alternatividade), basta
verificar se entre um verbo e outro há a partícula “ou”, como por exemplo, o art. 122 do CP:.
Induzir OU instigar alguém a suicidar-se OU prestar-lhe auxílio para que o faça. São três
verbos (tipo plurinuclear/misto) e entre eles há a partícula “ou” (alternatividade). Assim,
ainda que o agente induza, instigue e auxilie uma mesma pessoa a suicidar-se, responderá por
um único crime de auxílio ao suicídio em razão do princípio da alternatividade.
No caso dos verbos separados por vírgula (,), há uma polêmica se há alternatividade ou não.
Brodt afirmou que o ideal é verificar se há proporcionalidade em termos de gravidade em
relação a todos os verbos descritos. Todavia, na maior parte dos casos, quando os verbos são
separados por vírgula também se aplica o princípio da alternatividade.
Quando os verbos forem separados por “e” ou por ponto e vírgula (;), não há alternatividade e
sim cumulatividade. Exemplo: art. 242 do CP: dar parto alheio como próprio; registrar como
seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito
inerente ao estado civil. O tipo penal é misto porque possui mais de um verbo e é cumulativo
porque entre um verbo e outro há a separação por ponto e vírgula. Se uma pessoa praticar
duas das condutas descritas, responderá por dois crimes.

ILICITUDE (ou antijuridicidade)

Ilicitude é a contrariedade de determinada conduta típica com o ordenamento


jurídico em vigor. Nem toda violação da norma penal confere à conduta a qualidade de
ilícita. Assim, nem todo fato típico é ilícito (mas todo fato ilícito é típico). Existem
condutas típicas que, pela posição particular em que se encontra o agente ao praticá-las,
se apresentam em face do Direito como lícitas. Enfim, a ilicitude enuncia uma relação de
contrariedade entre o fato típico e a ordem jurídica.

O fato será ilícito quando sobre a conduta típica não incidir nenhuma causa
excludente de ilicitude. As causas legais excludentes de ilicitudes (ou causas de
justificação) estão previstas no art. 23 do CP: estado de necessidade, legítima defesa,
estrito cumprimento do dever legal e exercício regular do direito. A doutrina e
jurisprudência construíram ainda uma causa supralegal excludente de ilicitude, que é o
consentimento do ofendido27.

No caso de não incidir nenhuma causa excludente de ilicitude sobre o fato típico,
então este será ilícito. O fato típico e ilícito é chamado de INJUSTO PENAL. Porém,
vale ressaltar que somente é crime o fato típico, ilícito e culpável.

Relação entre tipicidade e ilicitude

27
O consentimento do ofendido é causa de atipicidade quando a oposição da vítima faz parte da descrição típica da
conduta.
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Wilson Ferreira Página 56
 Concepção incendiária (Max Enerst Mayer): o tipo é entendido como indício (ratio
cognoscendi) da ilicitude. Assim, normalmente, o fato típico também será ilícito, mas não
sempre, há exceção (quando incide alguma causa justificante). Portanto, tipo e ilicitude estão
em relação de regra e exceção. “Onde há fumaça, pode ter fogo”, onde há tipicidade, pode ter
ilicitude.
 Concepção de Edmund Mezger: o tipo é a própria razão de existência da ilicitude (ratio
essendi).

CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE

A lei prevê expressamente quatro hipóteses de exclusão de ilicitude (art. 23 do


CP): legítima defesa, o estado de necessidade, o estrito cumprimento do dever legal e
exercício regular do direito.

Além da previsão do art. 23, o CP prevê os requisitos específicos do estado de


necessidade (art. 24) e da legítima defesa (art. 25). O mesmo não acontece com o estrito
cumprimento do dever legal e com o exercício regular do direito, que estão previstos de
forma genérica no art. 23. Em razão disso, essas duas últimas causas justificantes são
chamadas de tipos permissivos em branco, pois é necessário observar toda a ordem
jurídica para saber se há um estrito cumprimento do dever legal ou um exercício regular
do direito. O Código de Processo Civil (CPC), por exemplo, prevê o dever legal do
oficial de justiça de arrombar portas em determinadas circunstâncias. O Código de
Processo Penal (CPP) impõe aos policiais o dever de prender pessoas em flagrante delito.
O Código Civil (CC) prevê o direito de o dono de um hotel subtrair a bagagem do
hóspede que não pagou a conta. Portanto, para verificar se algum fato não é ilícito em
razão do estrito cumprimento de dever legal ou de exercício regular do direito é preciso
analisar todo o ordenamento jurídico, pois este deve ser harmônico.

Estado de necessidade (art. 24 do CP)

A necessidade pode justificar um fato típico. O estado de necessidade é uma


situação em que se encontra a pessoa que, para salvar de perigo atual um bem jurídico
próprio ou alheio, é obrigado a sacrificar um bem jurídico de outrem. No estado de
necessidade há uma colisão de bens ou interesses juridicamente tutelados. Ex.: dois
náufragos disputam a mesma tábua, que não suporta mais de um; uma vida terá de ser
sacrificada para salvar a outra. Assim, é necessário fazer um juízo de ponderação entre os
bens jurídicos em perigo: o bem sacrificado deve ser menor ou igual ao bem jurídico da
pessoa que sacrificou. Esse balanceamento é feito pelo próprio CP: ele tutela primeiro os
bens jurídicos mais importantes. O primeiro crime da parte especial é o art. 121, que
tutela a vida, portanto, a vida é o bem jurídico mais importante. O grau de importância
segue a ordem da parte especial.

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São situações de perigo que podem justificar o estado de necessidade: naufrágio,
queda de avião, ataque de animal etc.

Para o estado de necessidade configurar-se no direito penal é exigido:

a) a existência de uma situação de perigo atual e inevitável para um bem jurídico do


agente ou de outrem;
b) que este perigo não tenha sido provocado voluntariamente pelo agente;
c) que, nas circunstâncias, não se possa razoavelmente exigir o sacrifício do bem
ameaçado.

O finalismo tem uma particularidade que consiste na exigência de um elemento


subjetivo nas causas excludentes de ilicitude. No caso do estado de necessidade, esse elemento
subjetivo consiste na vontade de salvamento do agente.

Importante ressaltar, ainda, que não pode alegar estado de necessidade aquele que tem,
nas condições em que atua, o dever legal de correr o risco do sacrifício do próprio bem (art. 24,
§1º, CP).

Legítima defesa (art. 25 do CP)

É a situação da pessoa que reage, com emprego moderado dos meios necessários,
na proteção de um bem jurídico próprio ou alheio, contra injusta agressão humana atual
ou iminente. Com isso, a ordem jurídica visa a proteção dos bens juridicamente tutelados.

Para haver legítima defesa é necessário existir uma agressão injusta. Agressão
injusta é aquela agressão humana contrária ao Direito (ilícita). Assim, pode existir
legítima defesa contra inimputáveis, pois eles praticam ilícitos penais (só não são
culpáveis).

A ponderação de bens jurídicos aqui é mais flexível, pois há uma agressão injusta,
mas é necessário sempre observar o emprego moderado dos meios necessários. Não se
pode alegar legítima defesa se alguém é xingado e, por isso, dá tiros no ofensor.

Ademais, a agressão deve ser atual ou iminente. Se a agressão já se encerrou, não


se pode alegar legítima defesa. Além disso, a agressão pode ser a bem jurídico próprio ou
alheio. Assim, podemos falar em legítima defesa própria e legítima defesa de terceiro.

Em resumo, para que se tenha a legítima defesa, devem estar presentes os


seguintes requisitos:

a) uma agressão injusta atual ou iminente a um bem jurídico próprio ou de outrem


ameaçado pela agressão
b) emprego moderado dos meios necessários na repulsa

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Como supracitado, o finalismo exige um elemento subjetivo em todas as
justificantes. Na legítima defesa, exige-se que o gesto de quem se defende seja
determinado pela consciência e vontade de defender a si próprio ou terceiro.
Exemplo: se uma moça estava na iminência de ser estuprada e um terceiro mata o
potencial agressor, mas não para defendê-la e sim por outro motivo (uma intriga com
o agressor, por exemplo), não há legítima defesa, segundo a teoria finalista.

Estrito cumprimento do dever legal

São comportamentos autorizados por todo nosso ordenamento jurídico. São


situações em que a ordem jurídica determina que o fato, embora típico, trata-se de estrito
cumprimento do dever legal. É uma excludente de ilicitude em branco, pois é necessário
recorrer a outros ramos do Direito para saber se a ação típica do agente pode ser lícita.
Por exemplo: policiais que privam a liberdade das pessoas praticam ação típica de
sequestro (art. 148 do CP: privar alguém de sua liberdade...), mas não é ilícita porque
atuam em estrito cumprimento do dever imposto pelo art. 301 do Código de Processo
Penal. São requisitos dessa excludente:

a) Dever legal: é necessário que haja um dever legal, que é oriundo unicamente da lei.
b) Estrito cumprimento: A permissão para a realização da conduta está vinculada
aos estritos limites da lei que instituiu o dever.

Elemento subjetivo: o finalismo exige que a conduta que se pretende justificar tenha sido
orientada por vontade compatível com o dever legal imposto. Assim, se um policial
prende uma pessoa motivado não pelo dever que lhe é imposto, mas por vingança pessoal,
ainda que a pessoa esteja em flagrante delito, não haverá a excludente de estrito
cumprimento do dever legal, de acordo com o finalismo.

Exercício regular do direito

Também é uma excludente em branco. Tendo aquele que realiza a conduta examinada
o direito de fazer o que fez, não pode haver crime. Exemplo: intervenções cirúrgicas são ações
típicas de lesão corporal, mas os médicos tem o direito de fazê-las.

Requisitos:

a) Existência do direito: como direito deve-se entender a proteção emanada do sistema


jurídico.
b) Regularidade do exercício: deve-se observar as formalidades necessárias para o
exercício do direito.

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Elemento subjetivo: O finalismo exige que a conduta lesiva tenha sido orientada por
vontade compatível, ou seja, o agente deve conhecer e se motivar pela existência do
direito.

Causa supralegal de exclusão de ilicitude

Os doutrinadores ainda admitem uma causa supralegal excludente de ilicitude,


que é o consentimento do ofendido quanto à lesão de seus próprios bens jurídicos
disponíveis. Para tanto, são necessários alguns requisitos, dentre os quais: o bem jurídico
deve ser disponível, a autorização de consentimento deve ser expressa etc. O patrimônio
é disponível, mas a vida não. Assim, uma pessoa pode consentir que uma outra destrua
um carro seu, mas não sua vida.

É muito importante lembrar que o consentimento do ofendido é causa excludente


de tipicidade (causa de atipicidade da conduta) nas hipóteses em que o tipo penal fizer
expressa menção à oposição da vítima, como é o caso do crime de estupro (art. 213 do
CP). Quando o tipo não fizer a referida menção, aí o consentimento do ofendido será
causa de exclusão da ilicitude se o bem jurídico for disponível.

EXCESSO PUNÍVEL (art. 23, p. único, do CP)

O agente, em qualquer das hipóteses excludentes de ilicitude (estado de


necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular do
direito e consentimento do ofendido), responderá pelo excesso doloso ou culposo. Assim,
a pessoa que está amparada por uma excludente de ilicitude deve observar os limites
impostos a ela. Se ultrapassar os limites, o excesso será punível.

Descriminantes putativas (art. 20, §1º, do CP)

Aqui temos a figura do erro de tipo permissivo, que ocorre quando, diante das
circunstâncias, o agente supõe uma situação de fato que, se existisse, tornaria sua ação
legítima, por estar amparada por uma excludente de ilicitude. Por exemplo, pode o agente
colocar-se em atitude de defesa, supondo estar na iminência da agressão injusta a um
bem jurídico próprio ou de outrem, e, assim, acometer o suposto agressor (legítima
defesa putativa). Nesse caso, em que o agente se supõe erroneamente, não há dolo. Se o
erro, no entanto for culposo (evitável), o agente responde culposamente, se for previsto o
crime culposo.

No caso da legítima defesa putativa há um erro sobre os pressupostos fáticos de


causa excludente de ilicitude, que para a teoria limitada da culpabilidade, adotada por
nosso CP, é erro de tipo permissivo, que exclui o dolo.

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Repetindo um supracitado exemplo: Mévio e Tício brigaram e trocaram juras de morte
em um bar. No dia seguinte, se encontram por acaso em um beco escuro, caminho para a casa
de ambos. Mévio então retira algo das calças e Tício, achando que seria alvejado, rapidamente
retira sua arma e atira no desafeto. No entanto, Mévio havia sentido falta de sua carteira e o
que retirou de suas calças era na verdade a carteira. Neste caso, Tício, pelas circunstâncias
(beco escuro, jura de morte no dia anterior, movimento de Mévio etc), se supôs em uma
situação de fato que justificaria sua ação, isto é, imaginou que estava agindo em legítima
defesa. Há então aqui um erro sobre os pressupostos fáticos que autorizam a legítima defesa.
Assim, o dolo é excluído, mas é possível responder por homicídio culposo se os o erro não era
plenamente justificado e o agente agiu com culpa.

Em relação às excludentes de ilicitude, temos os seguintes erros, segundo a teoria


limitada da culpabilidade:

 Erro sobre os pressupostos fáticos sobre causa excludente de ilicitude (art. 20, §1º, do
CP): é erro de tipo permissivo e exclui o dolo, mas permite a punição por crime
culposo, se previsto.
 Erro sobre a existência ou limites de causa excludente de ilicitude (art. 21 do CP): é
erro de proibição indireto que, se inevitável, exclui a culpabilidade, e se evitável
atenua a pena.

CULPABILIDADE

É o último estágio do conceito analítico, que, segundo o conceito normativo puro,


é o juízo de reprovação pessoal sobre o sujeito que pratica a conduta proibida. O conceito
de culpabilidade aqui não se confunde com a noção de culpabilidade como princípio
constitucional. A noção do princípio da culpabilidade é mais ampla, abrangendo além da
ideia de culpabilidade como elemento do crime, as ideias de culpabilidade como medição
da pena, como responsabilidade penal subjetiva (toda punição pressupõe dolo ou culpa) e
como direito penal do fato (e não do autor).

O conceito normativo puro de culpabilidade como reprovabilidade foi adotado por


Hans Welzel e seus discípulos (finalistas). Assim, culpabilidade aqui é entendida como a
reprovação que incide sobre um agente que praticou uma conduta típica e ilícita. Embora
a reprovação incida sobre o agente, não podemos falar que nosso direito penal é direito
penal do autor, porque é necessário que esse agente tenha praticado um fato típico e
ilícito (é direito penal do fato!).

A ideia de culpabilidade como reprovação surgiu em 1907 com Frank e o


finalismo é de 1930. Portanto, o conceito citado não foi criado pelos finalistas. Todavia, o
finalismo adota requisitos diferentes dos propostos por Frank.

Para o finalismo, são requisitos da culpabilidade:

Monitoria de Direito Penal I


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 Imputabilidade
 Potencial consciência da ilicitude e
 Exigibilidade de conduta diversa.

Se esses são os requisitos, então excluem a culpabilidade a inimputabilidade, a falta de


potencial consciência da ilicitude (erro de proibição inevitável) e inexigibilidade de conduta
diversa. Vejamos.

CAUSAS EXCLUDENTES DE CULPABILIDADE

Segundo o Código Penal brasileiro, são excludentes de culpabilidade: as


inimputabilidades (arts. 26, caput, 27 e 28, §1º), o erro de proibição inevitável (art. 21) e
as situações de coação moral irresistível e obediência hierárquica não manifestamente
ilegal (art. 22).

Inimputabilidade (arts. 26, caput, 27 e 28, §1º)

A imputabilidade é o primeiro exame do juízo de culpabilidade. Ela é a


possibilidade de atribuir ao indivíduo a prática de conduta típica e ilícita para que se
possa responsabilizá-lo. A imputabilidade pressupõe a capacidade psíquica do agente, ou
seja, a capacidade de ser responsável penalmente pelo cometimento do fato punível.
Quando o agente é incapaz de compreender o caráter ilícito do fato, resta excluída a
culpabilidade. Agente capaz, em direito penal, é aquele mentalmente sadio e
desenvolvido, capaz de entender a natureza ilícita do fato e determinar-se de acordo com
esse entendimento.

O Código Penal brasileiro reconhece as seguintes causas excludentes de


imputabilidade:

 Agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado,


era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito
do fato ou de determina-se de acordo com o esse entendimento (art. 26, caput). Neste
caso, o legislador adotou o critério biopsicológico: é necessário um dado biológico
(doença mental), mas não basta, é necessário ainda um exame que constate que, em
razão da doença mental, o agente era totalmente incapaz de autodeterminar-se. Sendo
totalmente incapaz, o agente é inimputável e a culpabilidade é excluída, devendo ele
ser absolvido. Porém, como o agente praticou um injusto penal (fato típico e ilícito),
contra ele será imposta uma medida se segurança, que pode ser um tratamento
ambulatorial, por exemplo.
Nos termos do art. 26, parágrafo único, do CP, a pena pode ser reduzida de um a dois
terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento

Monitoria de Direito Penal I


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mental incompleto ou retardado não era inteiramente incapaz de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Neste caso, o
indivíduo tem capacidade psíquica reduzida, mas não é inteiramente incapaz. Assim,
existe imputabilidade neste caso e o agente pratica crime, mas a culpabilidade é
reduzida (pena é reduzida). O Brodt deu como exemplo dos surdos-mudos
(desenvolvimento incompleto) e dos oligofrênicos (retardados mentais, idiotas etc).

 Menores de 18 anos (art. 27). O critério aqui é puramente etário (biológico), basta o
indivíduo ser menor de 18 anos para ser considerado inimputável. Embora seja
inimputável e por isso não pratique crime, o menor de 18 anos pode praticar ato
infracional, podendo contra ele ser imposta uma medida socioeducativa. No entanto,
isso está fora do alcance do direito penal, ficando a cargo do direito da criança e do
adolescente.

 A embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior (art. 28, §1º). O
CP diz que a emoção e a paixão NÃO excluem a imputabilidade (art. 28, I). Da mesma
forma, NÃO exclui a imputabilidade a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool
ou substância de efeitos análogos (art. 28, II). Somente exclui a imputabilidade a
embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, que faz o agente ser
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo
com esse entendimento (art. 28, §1º).
Nesse contexto, em Direito Penal temos as seguintes espécies de embriaguez:

Hipóteses de embriaguez que NÃO excluem a imputabilidade

 voluntária: o sujeito tem vontade de se


embriagar
 culposa: é aquela em que o agente por
descuido acaba se embriagando. Ex.: a pessoa
não tem vontade de se embriagar, mas começa
bebendo uma cerveja, depois uma whisky e
outras bebidas e acaba se embriagando.
Embriaguez  preordenada: a embriaguez voluntária
preordenada não exclui a imputabilidade e
além disso é circunstância agravante da pena
(art. 61, II, do CP). A embriaguez
preordenada é aquela em que o agente se
embriaga para encorajar-se a praticar crime.

Única hipótese de embriaguez que exclui a imputabilidade:

 Embriaguez completa proveniente de caso


fortuito ou força maior

Monitoria de Direito Penal I


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Nos casos de embriaguez voluntária, culposa ou preordenada o agente é imputável, isto é, pode
ser responsabilizado criminalmente, ainda que em razão da embriaguez seja inteiramente
incapaz no momento da prática do injusto. Isso porque o legislador se orientou pela Teoria da
actio libera in causa. A referida teoria diz que o agente, nos casos de embriaguez voluntária
ou culposa, no momento que decidiu beber agiu consciente e voluntariamente. Assim, ainda
que seja inteiramente incapaz no momento da prática do fato em função da embriaguez, o
agente era psicologicamente capaz no momento em que decidiu beber.
O agente somente será considerado inimputável no caso de ser inteiramente incapaz em razão
de embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior. Um exemplo é o caso do
universitário que é obrigado pelo veterano a embriagar-se.
O CP ainda prevê a diminuição de pena na hipótese do agente que, por embriaguez proveniente
de caso fortuito ou força, não possuía, ao tempo da conduta, a plena capacidade de entender o
caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento. Neste caso, o agente
não é inteiramente incapaz (tem capacidade reduzida), por isso é imputável. Todavia, como
não tinha plena capacidade psíquica em razão de embriaguez proveniente de caso fortuito ou
força maior, sua pena será reduzida.

Erro de proibição inevitável (art. 21 do CP)

Superando o exame do seu primeiro elemento (imputabilidade), o juízo de


reprovação impõe apurar se, ao momento da prática delitiva, em uma situação concreta, o
agente poderia compreender a ilicitude de seus atos. O erro de proibição é o instituto que
produz efeitos na potencial consciência da ilicitude. Se o erro de proibição for inevitável,
a culpabilidade é excluída porque o agente não poderia ter potencial consciência da
ilicitude, o segundo requisito da culpabilidade.

Nesta fase, superada a análise da imputabilidade, o agente é plenamente capaz de


entender o caráter ilícito do fato, ou seja, é imputável, mas no juízo de confronto entre o
fato e a ordem jurídica ocorre um erro que o leva a pensar que o fato praticado não
constitui crime. O desconhecimento da lei é inescusável, mas ocorre que existem casos
em que o agente não consegue compreender a ilicitude do fato em função de
circunstâncias concretas.

Na análise da consciência da ilicitude basta que o agente pudesse atingi-la, ou


seja, basta a possibilidade de consciência da ilicitude. Por isso, falamos em potencial
consciência da ilicitude.

Exemplo de falta de potencial consciência da ilicitude: Ana, cidadã da


Alemanha, onde o aborto é legal, vem passar férias no Brasil. Aqui engravida e então faz
um abortamento. Ninguém e nenhuma circunstância demonstrou a ela que o aborto é
crime no Brasil, inclusive o médico a disse que o aborto era legal por aqui. Portanto, Ana
não teve a potencial consciência da ilicitude do fato, incorrendo em erro de proibição
inevitável. Logo, é isenta de pena porque a culpabilidade é excluída.

Monitoria de Direito Penal I


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O erro de proibição não se confunde com erro de tipo. O erro de tipo é erro sobre
uma situação fática que incide sobre os elementos constitutivos do tipo. O erro de
proibição é o erro que incide sobre a ilicitude do fato.

O erro de proibição se classifica em erro de proibição direto e erro de proibição


indireto:

 Erro de proibição direto: o erro sobre a consciência da ilicitude incide sobre a


norma incriminadora do fato. O agente supõe que sua conduta é lícita. É o
exemplo da alemã supracitado.
 Erro de proibição indireto: o erro sobre a consciência da ilicitude incide sobre a
existência ou limites de causa excludente de ilicitude. Exemplo: sujeito mata
amigo a pedido deste supondo existir uma excludente de ilicitude (consentimento
do ofendido) neste caso. Nos termos da teoria limitada da culpabilidade, o erro
sobre os pressupostos fáticos de excludente de ilicitude é erro de tipo permissivo.

O erro de proibição, direto ou indireto, pode ser inevitável ou evitável:

 Erro de proibição inevitável (invencível ou escusável): não era possível ao agente,


nas circunstâncias concretas, ter a potencial consciência da ilicitude. O erro de
proibição inevitável exclui a culpabilidade e, em consequência, não há crime e o
agente é absolvido.
 Erro de proibição evitável (vencível ou inescusável): Considera evitável o erro se
o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era
possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência (art. 21, parágrafo
único, do CP). Neste caso, o agente poderia ter a potencial consciência se tivesse
se esforçado um pouco mais. O agente em erro de proibição evitável pode ser
punido, mas sua pena é reduzida de um sexto a um terço.

Inexigibilidade de conduta diversa (art. 22 do CP)

O último elemento do juízo de culpabilidade é a exigibilidade de conduta diversa.


É necessário que se possa exigir do indivíduo uma conduta diversa daquela que praticou.
Quando o agente atua sob coação moral irresistível ou obediência superior hierárquica
não manifestamente ilegal, não se pode exigir uma conduta contrária por parte dele.
Nestes dois casos há hipótese de inexigibilidade de conduta diversa e a culpabilidade é
excluída.

Monitoria de Direito Penal I


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Coação moral irresistível

O agente tem sua conduta dirigida pela vontade, porém, esta é viciada pela coação. A
finalidade delitiva manifestada no ato é isenta de reprovação, pois não decorre da decisão livre
do agente. Somente será punido quem realiza a coação (coator). Exemplo: Mévio coloca uma
arma na cabeça de Tício e o ameaça de morte, caso ele não digite a senha do banco que gere.
Se Tício digitar a senha, terá agido sob coação moral irresistível.

Quando a coação moral é resistível, ambos, coator e coato, são responsabilizados


penalmente. Ademais, é necessário não confundir coação moral irresistível com coação física
irresistível. Na coação física irresistível, a vontade do agente é totalmente suprimida e, em
razão disso, não há conduta penalmente relevante e, em consequência, não há tipicidade. Na
coação moral irresistível, o agente possui vontade, mas esta é viciada em razão da coação, o
que faz excluir a culpabilidade.

Obediência superior hierárquica não manifestamente ilegal

Quando o agente atua em estrita obediência à ordem não manifestante ilegal,


somente responderá quem proferiu a ordem (o coator). Neste caso, o agente atua
influenciado pela aparente legalidade da ordem superior hierárquica. Por isso, não há
culpabilidade por falta de exigibilidade de conduta diversa.

A doutrina majoritária entende que essa excludente de culpabilidade é cabível


somente no âmbito da administração pública (direito administrativo), onde existe
hierarquia.

Exemplo: Um policial recebe a ordem superior para prender uma pessoa. Policiais
têm o dever legal de prender pessoas em determinadas circunstâncias, por isso a ordem
aqui é aparentemente legal. Depois se descobre que o superior queria apenas se vingar da
pessoa que mandou prender sem motivo algum. O policial, inferior (coato), não responde
pela privação de liberdade da vítima.

Nada obstante, se a ilegalidade é manifesta, o agente está obrigado a preservá-la.


Caso receba uma ordem manifestante ilegal, o inferior deve desobedecê-la, se cumprir a
ordem responderá ao lado do coator. Exemplo: delegado manda agente policial fazer a
seguinte proposta a um preso: “pague R$ 10 mil ao delegado que você será libertado”.
Diante da manifesta ilegalidade da ordem hierárquica, se o agente obedecer a ordem,
responderá por corrupção ao lado do delegado.

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