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OUSE

PRA
GERAL
F I LO S O F I A D O D I R E I TO - PA RT E 2

M ate r i a l d i sp o n i b i l i z a d o n o cu rs o :
TJ-SP SUBJETIVA
9. Teoria Realista do Direito, de Alf Ross:

Por meio de sua obra, Alf Ross lança as bases de uma teoria do direito e da justiça,
buscando uma interpretação de acordo com os princípios de uma filosofia empírica, afastando
a especulação metafísica, concentrando-se nos fatos do ser, pois os conceitos jurídicos
fundamentais devem ser interpretados como concepções da realidade social, do comportamento
humano em sociedade.

Os conceitos jurídicos fundamentais devem ser interpretados como concepções da


realidade social, logo, sob o ponto de vista epistemológico, a ciência jurídica é uma ciência social
empírica, que procura interpretar a validade do direito, em termos de efetividade social, isto é,
de uma certa correspondência entre um conteúdo normativo ideal e os fenômenos sociais.

Na filosofia do direito anglo-americana, Herbert Hart se opôs à doutrina do Direito


Natural, ao transcendentalismo de Hans Kelsen e ao empirismo de Alf Ross ao nos revelar a
importância do ponto de vista interno na hora de estudar o Direito. 1

A Justiça, como o Direito, não é uma simples técnica da igualdade, da utilidade ou da


ordem social. É uma atitude subjetiva de respeito à dignidade de todos os homens em virtude
da convivência humana. A ideia de justiça, então, em última análise, é baseada apenas em
sentimentos. Como as pessoas diferem muito em seus sentimentos, suas idéias e critérios de
justiça são muito diferentes.

Este é o porquê das tentativas realizadas pelos filósofos da humanidade para propor
o conceito da justiça. Não existe nenhum acordo, mas o mais apaixonado debate na resposta à
questão sobre o que é justiça.

10. O conceito de direito

O Direito pertence ao mundo e ao fenômeno da “cultura”, que varia de continente


para continente (ocidental e oriental). Tem, por isso, sentido ou significação orientado por valor
cultural, existe em determinado tempo e lugar.

Na linguagem comum e na linguagem científica, o vocábulo direito é empregado


com significações diferentes.

O direito como ciência


tt
O direito como justo
tt
O direito como norma
tt
O direito como faculdade
tt
O direito como fato social
tt

1 Apud A. Schuiavello, Il positivismo giuridico dopo Herbert. L. A. Hart: un’introduzione critica, p. 110.

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Teorias sobre a natureza do direito subjetivo:

a) Doutrina da Vontade (Windscheid): a teoria que vê na vontade do sujeito elemento


essencial do direito subjetivo.

b) Doutrina no Interesse (Ihering): teoria que procura caracterizar o direito subjetivo


não pelo lado do sujeito, mas pelo do objeto e o define como “interesse” juridicamente protegido.

c) Doutrinas Mistas (Jellinek, Saleilles, Michoud): teorias que procuram realizar uma
síntese dos dois elementos “vontade” e “interesse” e atribuem maior importância ora a um, ora
a outro desses fatores.

11. Equidade

Consiste na noção de justiça aplicada a um caso em particular.2

Diante da lacuna da lei, isto é, ausência de lei regulando determinada conduta


objeto de uma relação jurídica, torna-se necessário ao magistrado valer-se dos mecanismos de
integração existentes no ordenamento jurídico, que são a analogia, os costumes, os princípios
gerais de direito e a equidade. Todavia, casos os mecanismos de integração contidos na norma
do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil sejam insuficientes para resolver o problema
decorrente da relação jurídica, outra saída não há a não ser solucionar a lide pela equidade.

É certo, pois, que o art. 4º da Lei de Introdução do Código Civil não se refere
expressamente à equidade. Mas o Código de Processo Civil expressamente enuncia que o “juiz
só decidirá por equidade nos casos previstos em lei”.

Diz Aristóteles: “A própria natureza da equidade é a retificação da lei no que esta se


revele insuficiente pelo seu caráter universal”. 3

12. Direito e Moral

12.1 Semelhanças entre Direito e Moral:

I. Ambos disciplinam regras do dever-ser;

II. São valores predominantes para um determinado grupo ou comunidade;

III. O Direito pode andar em consonância com os ditames morais como pode andar
em dissonância;
2 Miguel Reale, Filosofia do direito, p. 193.
3 Ética a Nicômaco. L. V, cap. 14, 1137b26.

3
IV. São instrumentos de controle social que não se excluem, antes se completam
mutuamente e se influenciam.

12.2 Distinção entre Direito e Moral:

Direito:

 Exterioridade: o Direito ocupa-se apenas do fórum externum

 Bilateralidade: as normas jurídicas ao mesmo tempo que impõem um dever


jurídico a alguém, atribuem um poder ou direito subjetivo a outrem. O direito é bilateral.

Coercibilidade

Heteronomia

Atributividade

Moral:

 A Moral visa o aperfeiçoamento do ser humano, estabelecendo deveres do homem


em relação ao próximo, a si mesmo e, segundo a Ética superior, para com Deus. O bem deve ser
vivido em todas as direções

 O campo da Moral é mais amplo do que o do Direito, a norma moral não é


promulgada e nem sancionada

A Moral procura alcançar o bem


A Moral volta-se apenas para o fórum internum


As sanções são diferenciadas das jurídicas: consciência, vergonha, rejeição social


 Unilateral: A Moral impõe deveres apenas. Perante ela, ninguém tem o poder de
exigir uma conduta de outrem.

Espontaneidade

Conduta interior

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IMPORTANTE!

Com base nas semelhanças e diferenças entre Direito e Moral surgiram teorias para
tratar de tal relação, sendo exposições doutrinárias chamadas de teoria dos círculos, difundida
no Brasil, pela obra de Miguel Reale, que divide as teorias entre Direito e Moral em:

1) Círculos Concêntricos de Jeremy Bentham, segundo a qual a ordem jurídica estaria


incluída totalmente no campo da Moral. Os dois círculos (Moral e Direito) seriam concêntricos
(que têm o mesmo centro), com o maior pertencendo à Moral. Assim, o campo moral é mais
amplo do que o do Direito e este se subordina à Moral.

2) Círculos Secantes de Claude Du Pasquier, segundo a qual Direito e Moral coexistem,


não se separam, pois há um campo de competência comum onde há regras com qualidade
jurídica e que têm caráter moral.

3) Círculos Independentes de Kant e de Hans Kelsen, diz que há total separação entre
Direito e Moral, sendo aquele baseado na imposição normativa e esta nos princípios éticos.

Vejamos a ilustração das teorias:

5
OBS.: A TEORIA DO MÍNIMO ÉTICO: Esta teoria foi desenvolvida por Georg Jellinek
com base na teoria dos círculos concêntricos, segundo a qual o Direito representa apenas o
mínimo de moral obrigatório para que a sociedade possa sobreviver. Assim sendo, o Direito
seria inspirado pela Moral, mas poderia ser cumprido sem qualquer adesão voluntária por
questões morais.

IMPORTANTE!

Ronald Dworkin, no livro “A Justiça de Toga”, recapitula uma das relações mais
importantes de sua obra: a relação entre Direito e Moral. Apesar de a palavra “law”, em inglês,
ser um termo polissêmico (pois pode designar “lei” ou “direito”), o autor adverte que o conceito
que utilizará para tratar do Direito é o conceito doutrinário, que explora o sentido de direito
presente em certo lugar ou entidade. Essa concepção de direito permite que as peculiaridades
de cada sociedade submetida a regras sejam levadas em conta na análise das proposições de
direito, que são as afirmações feitas ao longo da criação ou aplicação do direito de certo lugar
ou entidade.

Desta forma, o autor destaca a importância de questionar se os critérios morais


devem ser usados para valorar tais proposições de direito como verdadeiras. De forma mais
elaborada, é necessário investigar se os critérios morais estão entre as condições de veracidade
das proposições de direito verdadeiras. Ou seja: se a moral deve ser levada em conta quando da
aplicação do Direito.

Dworkin alerta que é necessário diferenciar o conceito doutrinário de direito de


outras concepções próximas, quais sejam:

• Conceito sociológico, utilizado para designar um tipo específico de estrutura


socioinstitucional. Dworkin destaca aqui que o que tomamos como tipos sociais definidores de
uma estrutura jurídica são socialmente construídos, ou seja, não naturais. Desta forma, afirma
a importância do conceito sociológico para determinar a existência de um sistema jurídico,
destacando que essa concepção possui limites.

• Conceito taxonônico, que supõe que qualquer comunidade política onde exista o
direito no sentido sociológico também dispõe de um conjunto distinto de regras e outros tipos
de padrões que são jurídicos por oposição a outros tipos de padrões morais, costumeiros ou de
outra natureza.

• Conceito aspiracional, ligado ao ideal de legalidade e ao Estado de Direito.



Para Dworkin, a escolha da melhor concepção é uma questão de moralidade política.
Para refletir sobre a relação entre moral e direito e sobre os métodos utilizados pelos juristas
para fundamentar suas decisões, o autor busca desenvolver uma teoria geral do direito,

6
desenvolvida ao longo de vários estágios, quais sejam o estágio semântico, no qual é definido
o conceito que servirá de pressuposto à teoria; o estágio teórico, no qual deve ser elaborado o
tipo de teoria do direito apropriada; o estágio doutrinário, no qual são elaboradas as descrições
das condições de veracidade das proposições de direito levando em consideração os valores
identificados na fase anterior; e o estágio da decisão judicial, em que é analisado como e por
que as autoridades devem decidir em casos específicos.

A questão da decisão judicial, tal como posta por Dworkin, é uma questão não só
jurídica, mas política e moral, buscando esclarecer quando, e se, a moral autoriza o juiz a julgar
de forma independente da lei e até mesmo contra ela.

13. A interpretação do direito

Fontes do Direito:

a) Fonte principal:

Lei. Caso haja antinomia/conflito de normas, adota-se um dos critérios de solução:


tt

I. Hierarquia: a lei superior revoga a inferior

II. Especialidade: a lei especial revoga a geral

III. Cronologia: a lei posterior revoga a anterior

b) Fontes secundárias ou acessórias:

Analogia,
tt

Costumes
tt

Princípios gerais do Direito


tt

Doutrina
tt

Jurisprudência
tt

Lei é preceito jurídico escrito, emanado do legislador e dotado de caráter geral e


obrigatório. As características das leis são:

a) generalidade ou impessoalidade
b) obrigatoriedade e imperatividade

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c) permanência ou persistência
d) autorizantes

Diante da hipótese de anomia (ausência de normas) o ordenamento jurídico de um


Estado deve adotar um entre os três sistemas conhecidos para solução da ausência de norma
para o caso concreto, a saber: “non liquet”, suspensivo, integrativo.

14. Diferença entre os fenômenos jurídicos denominados: hermenêutica, interpretação,


integração e aplicação do direito

14.1 Conceitos Básicos

a) Hermenêutica: Ciência da interpretação. Para Maria Helena Diniz4, a hermenêutica


é “teoria científica da arte de interpretar”. Conjunto de normas e princípios que norteiam a
interpretação. Saber teórico.

b) Interpretação: A noção técnica para Eros Grau, 5 é a “prudência”, o saber prático.


Parte sempre da lei. Cada área do Direito pode estabelecer um critério de interpretação.
A interpretação supõe um processo lógico por meio do qual se trata de determinar qual é a
vontade do legislador expressa por meio de uma norma, pressupondo a existência de um caso
regulado expressamente.

c) Integração: Não se concebe por mais completo que possa ser, que um ordenamento
jurídico consiga disciplinar todas as relações jurídicas por meio das leis, uma vez que o Direito
muda no tempo e no espaço, de acordo com as mutações culturais da sociedade na qual se
insere. A integração é o exercício do preenchimento das lacunas eventualmente deixadas pelo
legislador. A integração consistiria em processo lógico pelo qual se trata de determinar qual
teria sido a vontade do legislador, se houvesse previsto um caso não levado em conta, exigindo,
assim, hipótese não regulada.

d) Aplicação: Resultado de todo o processo decisório hermenêutico, interpretativo e


integrativo do direito. Consiste em enquadrar um caso concreto na norma jurídica adequada.
Submete às prescrições da lei uma relação da vida real, procura e indica o dispositivo adaptável
a um fato determinado. Em outras palavras: tem por objeto descobrir o modo e os meios
de amparar juridicamente um interesse humano. 6 Aplicação é a decisão da autoridade em
transformar a norma geral e abstrata em concreta e individual ou coletiva para a solução de um
caso concreto.

4 Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral do Direito Civil, p. 64.
5 Eros Roberto Grau, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito, p. 35.
6 Disponível em: www. Planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Ver_52/panteão.htm

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14.2 Espécies de Interpretação

A interpretação jurídica cuida de estabelecer o sentido e o alcance de uma norma


jurídica, seja constitucional ou infraconstitucional. São espécies de interpretação:

14.2.1 Quanto à origem (ou quanto ao sujeito):

a) autêntica ou legislativa: é a que emana do próprio legislador quando edita uma


norma com objetivo de esclarecer o conteúdo de outra.

b) Judicial: é o tipo de interpretação estabelecida pelos juízes e tribunais nos casos


a ele submetidos.

c) Doutrinária: são opiniões científicas emanadas dos doutrinadores por meio de


livros, pareceres e outros.

d) Leiga: realizada por qualquer pessoa.

14.2.2 Quanto ao resultado:

a) Declarativa ou estrita: é aquela que conclui que a fórmula verbal da norma coincide
com a mens legis. Apresenta coincidência entre o texto e a vontade da lei, nada há a suprimir ou
acrescentar.

b) Interpretação ab-rogante: é aquela em que, diante da incompatibilidade absoluta


e irredutível entre dois preceitos legais ou entre um dispositivo de lei e um princípio geral do
ordenamento jurídico, conclui-se pela inaplicabilidade da lei interpretada.

c) Interpretação retificadora: ocorre diante da existência de erro material. Tem-se


que adaptar a norma para que a interpretação não leve a um absurdo.

d) Interpretação restritiva: nela, constata-se que o legislador utilizou uma fórmula


ampla em demasia para traduzir a mens legis. Então, o intérprete restringe o significado dos
termos usados e chega à conclusão de que a lei disse mais do que queria.

e) Interpretação extensiva: entende-se que o sentido da lei foi insuficientemente


traduzido pelo envoltório verbal.

14.3 Escolas Interpretativas

1) Escolas tradicionais: se valiam preponderantemente ou exclusivamente de um dos


processos interpretativos já analisados.

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2) Escolas Modernas:

2.1) Escola da evolução histórica (Raymond Saleilles): apregoa que a interpretação


deve ser evolutiva, variando no tempo e no espaço. A norma jurídica estaria sempre evoluindo,
adaptando-se à sociedade.

2.2) Escola da livre investigação (François Gény): deve-se aplicar a lei no exato sentido
dado pelo legislador.

2.3) Escola do direito livre (Kantorowicz): por ela o juiz poderia até julgar contra a lei .
Existiria a liberdade para julgar conforme suas próprias convicções de justiça. Ainda tem função
por conta do ressurgimento do direito alternativo.

O direito alternativo é oriundo da justiça alternativa, que, por sua vez é movimento
que preconiza a aplicação do direito, valendo-se de duas premissas:

1ª) o juiz deve deixar de aplicar uma lei inconstitucional

2ª) a interpretação da lei deve atender aos fins sociais e às exigências do bem comum
Com efeito, no modelo tradicional, o julgamento é feito pelo processo de subsunção
da norma ao fato concreto. A justiça alternativa inverte a relação entre a norma e o fato, tomando
o fato como objeto principal do conhecimento. Noutras palavras, a justiça alternativa parte do
pressuposto de que a norma regula uma situação padrão de fato, escusando-a de aplicá-la em
relação a certos fatos que destoam da situação normal para a qual a lei foi criada.

2.4) Escola da teoria pura do direito (Hans Kelsen): consiste em vislumbrar a lei como
um marco de possibilidades, uma moldura, na qual cabem sempre ao menos duas soluções
interpretativas.

14.4. Cânones da Interpretação Jurídica Clássica

- Gramatical: também conhecido por método literal ou semântico, prega a análise


textual literal;
- Lógico: procura a harmonia lógica das normas;
- Sistemático: trata as normas como um conjunto holístico; busca, assim, a “visão do
todo”;
- Histórico: analisa desde o projeto de lei, sua justificativa, exposição de motivos,
pareceres, discussões, condições culturais e psicológicas que resultaram na
elaboração da norma;
- Teleológico: busca os fins almejados pela norma;
- Sociológico: busca interpretar às normas à luz da realidade social;

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- Popular: a análise se implementa partindo da participação da massa, dos “corpos
intermediários”, dos partidos políticos, sindicatos, valendo-se de instrumentos como
o plebiscito, o referendo, o recall, o veto popular etc.

14.5 Novos Métodos de Interpretação

Os novos métodos de interpretação não substituem os métodos tradicionais, a eles


se somando. Novamente, reitere-se que tais métodos derivam essencialmente das perspectivas
inovadoras trazidas pelo pós-positivismo, mormente relacionadas com a necessidade de uma
nova, e mais robusta, abordagem hermenêutica do texto constitucional.

Em virtude disso, é importante passar em revista alguns dos princípios de


interpretação constitucional. Sua compreensão ajuda entender a necessidade de métodos
específicos destinados a concretizar as normas constitucionais, as quais soem deter estrutura
mais ampla e maior densidade axiológica.

14.5.1 Princípios da Interpretação especificamente Constitucional

Inicialmente, o princípio da unidade da Constituição postula a necessidade de se


observar tal documento como um fenômeno uno e coeso. Conforme Canotilho, o princípio
da unidade obriga o intérprete a considerar a Contituição na sua globalidade e a procurar
harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar.

Pelo princípio do efeito integrador, anote-se uma espécie de dimensão político-


social do princípio anterior; isto é, na interpretação da Constituição, o intérprete também deve
buscar conciliar diferentes pontos de vista ideológicos, integrando-os sob o lume do texto
constitucional.

Com o princípio da máxima efetividade, ou da eficiência ou interpretação efetiva,


busca-se que a norma constitucional tenha sempre ampla efetividade social. O princípio da
justeza ou conformidade funcional, por outro lado, veda a alteração, à nível de interpretação,
da repartição das forças constitucionalmente estabelecidas.

Pelo importante princípio da concordância prática ou harmonização, intimamente


relacionado às hipóteses de antinomias constitucionais, deve o interprete sempre evitar
o sacrifício total de um bem jurídico constitucionalmente contemplado em face de outro
bem jurídico constitucional. De outra sorte, o princípio da força normativa da Constituição,
estabelece de forma mais ampla a necessidade de efetivação das normas constitucionais,
partindo-se de sua constante atualização para garantia de sua eficácia e permanência.

O princípio da interpretação conforme à constituição, destinado à interpretação de


normas polissêmicas ou plurissignificativas, orienta o interprete a buscar a exegese que melhor

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se aproxime da Constituição. A doutrina e jurisprudência elencam algumas considerações
relacionadas a esse princípio: prevalência da Constituição; conservação das normas; exclusão
da interpretação contra legem; espaço de interpretação; rejeição ou não aplicação de normas
inconstitucionais; intérprete não pode atuar como legislador positivo;

Por fim, aluda-se ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade


(Verhältnismässigkeitsprinzip), da doutrina alemã. Por esse princípio, alude-se às noções de
justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação e justa medida. Subdivide-se em três
subprincípios: necessidade (o exigibilidade; trata-se da adoção da medida que possa restringir
direitos apenas se indispensável para o caso concreto, não podendo ser substituída por outra
menos gravosa); adequação (ou pertinência; significa que o meio escolhido deve atingir o
objetivo perquirido); proporcionalidade em sentido estrito (para realizar o objetivo pretendido,
deve-se avaliar se a medida supera a restrição a outros valores constitucionalizados).

A maior parte dos princípios elencados deriva da doutrina constitucional alemã; não
obstante, examinaremos a seguir alguns métodos de interpretação constitucional da tradição
anglo-saxã, tais como o originalismo e o interpretativismo.

14.5.2 Métodos Alemães

Iniciando a abordagem dos novos métodos de interpretação da doutrina alemã,


principiemos pelo método tópico-problemático, de Theodor Viehweg. De modo objetivo,
pode-se dizer que o método tópico orienta ao intérprete partir do problema concreto para a
norma, atribuindo-se à interpretação um caráter prático na busca da solução dos problemas
concretizados.

Pelo método hermenêutico-concretizador, tem-se os seguintes pressupostos


interpretativos: as pré-compreensões do intérprete sobre o tema (pressuposto subjetivo); a
atuação do intérprete como mediador entre a norma e a situação concreta, tendo como pano
de fundo a realidade social (pressuposto objetivo); por fim, o movimento dialético entre os
critérios objetivos e subjetivos (também chamado de círculo hermenêutico).

Tem-se ainda o método científico-espiritual, o qual estabelece que a análise da


norma constitucional não se fixa na literalidade da norma, mas parte da realidade social e dos
valores subjacentes do texto da Constituição. Assim, o Estado e a Constituição são enxergados
como fenômenos culturais ou fatos referidos a valores.

Em contrapartida, o método normativo-estruturante reconhece a inexistência


de identidade entre norma jurídica e texto normativo. A norma só é obtida após o processo
interpretativo. Ela não será concretizada apenas pela atividade do legislador, mas também,
pela atividade do Judiciário, da administração, do governo etc. Por fim, aluda-se ao método
da comparação constitucional que basicamente estabelece a comparação entre diversos
ordenamentos constitucionais na busca de determinado significado normativo.

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Abaixo uma tabela descritiva dos citados métodos:

MÉTODO CRIADOR PROPOSTA


Defende que a interpretação cons-
CIENTÍFICO- titucional deve partir da realidade social
Rudolf Smend
ESPIRITUAL em cotejo COM OS VALO-RES DA SOCIE-
DADE presentes no texto da Constituição.
Defende uma ruptura total entre o
texto da Constituição e a norma em
si, tratando esta como o resultado de
NORMATIVO
Friedrich Müller concretização da norma à luz dos fatos
ESTRUTURANTE
sobre o qual ela almeja regular (âmbito
material) e as finalidades da própria
norma (programa norma-tivo).
Partir dos problemas concretos
TÓPICO-
Theodor Viehweg para solver as questões jurídicas
PROBLEMÁTICO
controvertidas.
Pré-compreensão do interprete, a quem
CONCRETIZADOR Konrad Hesse compete concretizar a norma a partir de
uma dada situação histórica.

14.5.3 Métodos Anglo-Saxões: Originalismo e Interpretativismo

O originalismo, também chamado de interpretativismo, é uma corrente da


hermenêutica constitucional norte-americana. As correntes interpretativistas tendem a
restringir a atividade judicial a partir do reconhecimento de limites expressos ou razoavelmente
implícitos no texto constitucional, considerados seu sentido e significado originais (original
intent ou original meaning), ou seja, trata-se de uma corrente que defende a interpretação mais
literal possível da Constituição, buscando com isso manter os intuitos do Constituinte Originário.

Tal doutrina possui, de um lado, o mérito de exigir fundamentação clara e expressa no


texto constitucional, primando pelo objetivismo na estipulação de fronteiras explícitas à atuação
do judiciário quando do exercício da jurisdição constitucional. Por outro lado, há doutrina, como
a de Luís Roberto Barroso, que enxergue aí, margem para a prevalência de posicionamentos
conservadores, incapazes por vezes de garantir representatividade democrática a minorias
sociais.

Em razão dessa crítica, surgiu no constitucionalismo norte-americano, uma corrente


que se contrapõe aos originalistas, são os chamados não-interpretativistas, que buscam
realizar uma interpretação atualizadora do texto constitucional, visando assim, sempre que

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possível, compatibilizar os interesses constitucionais originais com a dinâmica da realidade
contemporânea, evitando o “engessamento” da Carta Constitucional.

A Suprema Corte Norte-Americana vive uma constante alternância entre originalistas


e não-interpretativistas, variando a depender da matriz mais conservadora (republicanos) ou
progressistas (democratas) do Partido que ocupa a Presidência, indicando juízes para a Corte.
Implícito ao debate originalista, está a discussão sobre o ativismo judicial, discussão também
oriunda dos estados Unidos, pois sempre que a Suprema Corte consegue uma maioria de juízes
não-originalistas assume um papel mais ativo sendo acusada de ser ativista.

Nesses termos, percebe-se que o Supremo Tribunal Federal brasileiro, em certa


medida e com suas peculiaridades próprias, também possui uma certa oscilação entre um
originalismo e um não-originalismo, possuindo momentos de maior ou menor ativismo judicial,
tendo, inclusive, nos últimos anos, atuado de forma bastante ousada e não-originalista, o que
se pode perceber, por exemplo, na decisão que reconheceu como constitucional a união entre
pessoas do mesmo sexo, ultrapassando o sentido originalista da Constituição de 1988.

15. Modelos Teóricos do Direito



Uma das maiores questões do Direito é o estudo dos seus modelos teóricos, criados
por diversos pensadores em diversos contextos históricos. Como já afirmado, o campo
responsável por este estudo é a Teoria do Direito. Desta forma, elaboraremos a seguir uma
análise dos principais modelos teóricos elaborados ao longo dos séculos.

15.1. Jusnaturalismo

As correntes naturalistas buscam fundamentar o Direito em um ordenamento
superior, absolutamente válido e justo, diferente do ordenamento jurídico positivo. A esse
direito superior foi dado o nome de Direito Natural, exaustivamente trabalhado ao longo dos
séculos em diversas teorias que, apesar de diferentes, têm pontos fundamentais em comum.

O surgimento do Direito Natural está situado na Grécia Antiga, que, com o


desenvolvimento da filosofia, ligou o direito a um conjunto de regras universais e superiores
provenientes da natureza. Clássico é o exemplo na obra “Antígona”, de Sófocles, do conflito
entre essas duas ordens: a ordem positiva e a ordem natural. Antígona enfrentou a autoridade
positiva do rei de Tebas, Creonte, na tentativa de enterrar seu irmão Polinice, considerado
um traidor da cidade e que, por isso, não teria o direito de ser enterrado apropriadamente. A
personagem argumentou que as leis positivas de Creonte não seriam capazes de suplantar as
leis divinas e eternas, que prescreviam o direito a um enterro digno.

Na Idade Média a fundamentação do Direito Natural desloca-se para a razão divina,
por clara influência da Igreja Católica, e passou a ser um elemento de limitação das leis

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temporais, feitas pelo soberano, que não poderiam ser aplicadas caso contrariassem de alguma
forma do Direito Natural. Mas é na Idade Moderna que o Jusnaturalismo desenvolve sua faceta
mais complexa e racional, a partir da virada Iluminista que desloca a fundamentação do Direito
Natural da natureza ou da vontade divina para a razão humana.

É a partir do Jusnaturalismo Moderno que é desenvolvido um sistema lógico para as
leis naturais, baseado na justificação racional de sua existência e rompe com a visão medieval
do homem como um ser impessoal, pertencente a uma coletividade controlada pelo divino,
para reconhecê-lo enquanto indivíduo imanente que possui direitos perante as leis naturais.

O processo de secularização do Direito Natural foi importantíssimo não só para o
desenvolvimento de um método sistemático com rigor lógico que deu supedâneo a criação
de diversos documentos e cartas de direitos, mas também para a análise do direito por meio
de um sentido crítico do direito positivo em nome de padrões éticos contidos nos princípios
reconhecidos pela razão.

A Escola do Direito Natural, desse modo, divide-se em duas correntes: Teológica


e Racionalista. A primeira encontra o fundamento último do Direito em Deus, essa visão do
Direito, como fruto da justiça divina, dominou largo período da história, desde a antiguidade até
meados da Idade Média. Alcançou seu máximo desenvolvimento com Agostinho e Aquino. Com
a queda do teocentrismo, na segunda metade do período medieval, a perspectiva teológica do
Direito Natural começa a perder força, mas não deixa de existir, tendo adeptos até hoje.

Já a concepção racionalista surge nos séculos XVI e XVII. Para essa corrente o
fundamento último do Direito é o próprio indivíduo, o ser humano. O primeiro teórico a assumir
tal posicionamento foi o holandês Hugo Grotius, mas só com Rousseau ganhou a força do
argumento racional, que viria a ocasionar todas as Revoluções do século XVIII .

As idéias de Direito Natural, geralmente, trazem impressas o sentimento de justiça,


tendo inspirado várias revoluções e sempre voltando à tona em momentos de crise. Essa
teoria, contudo, não só abriga teses revolucionárias, mas também reacionárias. Basta tomar
como exemplo a teoria absolutista de Hobbes, inteiramente baseada no estado de natureza. Tal
constatação foi obra de Hans Kelsen.

Percebe-se a fragilidade das teses jusnaturalistas, que abrigam tanto enunciados


revolucionários como reacionários, além de remeterem o conteúdo do Direito a conceitos
indeterminados como Deus e Justiça. Pela fragilidade conteudística, o movimento foi atropelado
pela modernidade e sua racionalidade.

Apesar das diferenças entre as correntes jusnaturalistas, é possível perceber que


todas têm em comum o recurso a uma ordem metafísica e a normas não positivadas, as quais
serviriam de modelo e dariam fundamento ao Direito Positivo. Utilizando a categoria kelseniana

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do ser/dever ser, e possível afirmar que o direito que é depende, em diversos níveis, do que o
direito deve ser, estando este dever ser contido em uma ordem superior, fora da ordem positiva,
que estabelece parâmetros de julgamento da correção e justiça contidas no direito posto.

De acordo com Hugo Segundo, em seu livro Fundamentos do Direito, são três
as principais críticas ao jusnaturalismo: gera insegurança e incerteza, tendo em vista que é
acientífico e, do mesmo modo que permite a desobediência a uma ordem jurídica ditatorial,
permite a um ditador desobedecer a uma ordem democrática.

Tais críticas estão ligadas ao fato de que não existe, nas doutrinas jusnaturalistas, uma
autoridade competente ou designada para determinar quais princípios ou valores metafísicos
devem ser considerados válidos e incorporados ao direito positivo, da mesma forma de que não
existe uma delimitação do que seria considerado ou não pertencente ao Direito Natural. Desta
forma, essa doutrina pode ser facilmente subvertida de acordo com os interesses daquele que
afirma defendê-la, podendo servir de fundamento para ordens ditatoriais e antidemocráticas.

15.2. Escola Histórica do Direito



O jusnaturalismo, por adotar uma base teórica metafísica e que não levava em conta
a análise histórica, sofreu diversas críticas, principalmente na Alemanha, pelos adeptos do
Historicismo, escola filosófica que dominou o pensamento alemão a partir do final do século
XVIII. Buscando elaborar uma crítica mais aprofundada e complexa do Direito Natural, surge a
Escola Histórica do Direito, antecedida por Gustav Hugo, mas cujo principal representante foi
Friedrich Karl Von Savigny.

Savigny defendia uma abordagem filosófica e histórica do Direito, entendendo por
“filosófica” o tratamento sistemático dos estudos por meio de uma Ciência do Direito. Esse
sistema dependeria da conjugação de três elementos de interpretação: o lógico, o gramatical
e o histórico, todos essenciaus para a análise científica do Direito. Já o caráter histórico da
abordagem do Direito vai ser trabalhado mais tardiamente por Savigny, ao longo da construção
de seu pensamento, e se traduz na afirmação de que o fundamento do Direito não é a lei posta,
mas sim a “comum convicção jurídica do povo” ou espírito do povo.

Desta forma, as leis devem espelhar o desenvolvimento histórico de cada povo,
possibilitando sua adaptação às mudanças sociais que acontecem ao longo do tempo. O sujeito
ao qual se dirige o Direito Positivo é o povo, não podendo existir direito fora desse contexto
de convicção comum do povo (Volksgeist). A Escola Histórica, portanto, não se preocupa com
a racionalidade na justificação do Direito, como o Jusnaturalismo Moderno; o Direito é visto
não como produto da racionalidade humana, mas como um produto histórico e espontâneo
peculiar a cada povo.

16
Por ter esse caráter dinâmico, o Direito, para Savigny, não poderia ser aprisionado
e engessado em codificações, que por serem escritas e formais, não poderiam ser reformadas
com a mesma velocidade que aconteciam mudanças sociais. Assim, o Direito deveria existir e
ser aplicado pela Volksgeist, sendo o Estado apenas seu executor.

Apesar da rígida proposta científica e sistemática, a Escola Histórica do Direito
acabou por perder o foco de discussão, não só pela incapacidade de formar conceitos concretos
e acabados, mas também pela grande alternância e contradição de pensamentos e teorias
formuladas pelo seu principal teórico, Savigny.

15.3 A Escola da Exegese

A primeira escola jurídica de feições patentemente modernas foi a Escola da Exegese,


surgida no período pós-revolução francesa. Tendo os ideais jusnaturalistas inspirados a grande
ruptura burguesa, quando os ânimos revolucionários esfriaram e a nova classe dominante chegou
ao poder e uma nova concepção de Direito emergiu. Logicamente, uma tese conservadora, para
preservar os interesses antes revolucionários e, portanto, da nova classe dominante.

A Escola da Exegese, como representante da modernidade nascente, traz a marca


característica do período, a exacerbação do racionalismo e a crença de que esse possui
respostas para todos os questionamentos humanos, repudiando o que representasse incerteza,
obviamente, as teses jusnaturalistas foram vítimas da ânsia exegética por certeza.

Se a grande pretensão da modernidade era a descoberta da verdade e da certeza,


a Escola da Exegese não poderia ser diferente, encontrando na lei a ilusão dessa certeza e
segurança. A lei passou a ser objeto de idolatria, era a obra perfeita do legislador, representando
a vontade de toda a coletividade, pronta para ser aplicada. Segundo Glauco Barreira Magalhães
Filho, são características da escola: a plenitude da lei; a interpretação literal; apego à vontade
do legislador e o Estado como única fonte do Direito.

Pode-se imaginar o sem número de equívocos que uma interpretação literal da lei
pode causar, sem falar na gravidade de se tratar de forma hermeticamente igual pessoas que na
realidade têm oportunidades de vida totalmente diferentes.

15.4 A Escola da Livre Investigação Científica e a Escola do Direito Livre

As escolas da Livre Investigação Científica e do Direito Livre surgiram como reação


a Escola da Exegese. Tais movimentos serão tratados em conjunto por suas semelhantes, são
tão parecidos que alguns autores os tratam como duas correntes de um mesmo movimento.
Ambos têm como ideia fundante, diferentemente do defendido pela Escola da Exegese, que o
Direito deve partir do panorama social, não se confundindo unicamente com a lei.

17
A Escola da Livre Investigação Científica foi liderada por François Geny, tendo
como principal motivação o reconhecimento dos limites da lei. A plenitude legal defendida
pelos exegetas foi questionada, sendo demonstradas as lacunas do ordenamento jurídico.
O grande esforço dessa teoria se centrou, exatamente, em criar um método de solução das
lacunas. Para tanto, buscar-se-ia a solução nos costumes e na jurisprudência, sempre tendo
como balizamentos os interesses sociais. Esse procedimento era chamado de livre investigação
científica, daí o nome da escola.

A Escola do Direito Livre foi além, defendendo que o interprete (magistrado) poderia
chegar a criar normas, quebrando com a idéia de exclusividade estatal na elaboração do Direito.
A presente escola teve dois momentos distintos: a fase moderada e a fase extremada.

A fase moderada foi comandada por Eugen Ehrlich. Também consistia em um trabalho
de solução das lacunas do ordenamento, diferenciando-se da livre investigação científica (para
quem realiza a distinção) pelo fato de admitir a criação de normas para o caso concreto, sem
necessitar recorrer à interpretação extensiva ou analógica.

Já a fase extremada, que ficou conhecida como Escola do Direito Justo, foi liderada
por Hermann Kantorowicz e buscava exatamente a justiça pra os casos, seja indo ao encontro
ou de encontro à lei. Nessa fase, o objetivo era sempre alcançar a justiça (ou o que se entendia
por justiça).

Ambos os movimentos tiveram como principal mérito questionar o pensamento


dominante, alertando sobre os limites da legalidade e os absurdos causados por uma visão
tão restrita. Também é conquista desses movimentos o reconhecimento de que as leis não
são preceitos neutros e que o Ordenamento Jurídico não provém exclusivamente do Estado.
Houve com essas escolas, principalmente, com a fase extremada do Direito Livre, sem dúvida,
uma busca por um conteúdo para o Direito, todavia, não se conseguiu ultrapassar os limites
de um sentimento de justiça, não mais bem elaborado que o naturalista, ou seja, passível de
deturpações reacionárias.

15.5. Juspositivismo

Em contraponto a ideia de uma fundamentação metafísica do Direito, surge, na
segunda metade do século XIX, a proposta Juspositivista, inspirada no positivismo sociológico
de Auguste Comte. Comte reconhece a impossibilidade de atingir as causas imanentes e
criadoras dos fenômenos e propõe a aceitação dos fatos e suas relações recíprocas como o
único objeto possível da investigação científica.

As doutrinas juspositivistas, apesar de bastante diversas, têm como elemento
comum a rejeição à metafísica como um fator de fundamentação do Direito. Os positivistas
delimitam, enquanto objeto de estudo, o Direito posto e não os fins do Direito, devendo abster-
se de examinar ou emitir valorações éticas ou morais.

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Desta forma, o positivismo propõe o estudo da realidade sensível, ou seja, tal como
ela é, desprezando qualquer ponderação acerca de como ela poderia ou deveria ser. A partir daí
dá-se a separação mais importante feita pelos positivistas em geral: a distinção entre o Direito
e a Moral e a consequente desconsideração de uma análise ou fundamentação de justiça para
o Direito.

O positivismo apresenta a proposta de uma Ciência do Direito meramente descritiva
e objetiva, pautada no desenvolvimento de um sistema fechado, capaz de encontrar seu
fundamento de validade em si mesmo, e de normas jurídicas de criação formal pelo Estado.

A seguir, serão examinadas as duas principais doutrinas positivistas desenvolvidas
ao longo do século XX: o Positivismo Normativista de Hans Kelsen e o Positivismo Analítico de
H.L.A. Hart.

15.6. Jurisprudência dos Conceitos

A partir do reconhecimento do Direito enquanto Ciência, surgiu a necessidade de
elaborar e organizar os conceitos e relações fundamentais desse campo do conhecimento.
Apesar de ser uma demanda já presente na fase histórica de Savigny, essa organização lógica de
um modelo ou de um sistema só seria abordado mais tarde, pela Jurisprudência dos Conceitos.

Elaborada primeiramente por Georg Friedrich Puchta, jurista alemão, a Jurisprudência
dos Conceitos baseia-se na construção de uma pirâmide de conceitos interrelacionados e
interligados lógica e formalmente. Puchta desenvolveu sua teoria a partir da noção de sistema
como a possibilidade de desenvolver várias ideias a partir de um ponto comum, sendo tais ideias
ligadas pelo sentido lógico. Esse conjunto de ideias, ou conceitos, formariam uma unidade
lógica formal, unida por um conceito abstrato e irredutível que repousaria no topo da pirâmide
de conceitos.

Desta forma, todos os conceitos, dos mais específicos (que estariam na base da
pirâmide) aos mais gerais e abstratos manteriam relação com o conceito supremo localizado
no vértice da pirâmide. Puchta identifica como tarefa da Ciência do Direito a identificação da
genealogia dos conceitos, organizando-os dentro da estrutura da pirâmide e elaborando seu
elo com o conceito supremo.

Para Rudolf von Jhering, que aderiu em um primeiro momento ao pensamento de
Puchta, era necessário que o jurista, tal como o químico, conhecesse profundamente todos os
conceitos isolados e suas possíveis combinações, para que pudesse analisar de forma coerente
o Direito. Essa visão cientificista era proveniente da doutrina positivista, que dominava o
pensamento à época.

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O processo de construção de conceitos jurídicos realizar-se-ia por meio da
decomposição das regras jurídicas em suas unidades elementares, na separação e eliminação
daquilo que é particular e na sua redução a conceitos jurídicos. Os conceitos jurídicos são
definidos como fórmulas abstratas em que se concentra o pensamento, que constituem o
apurado das disposições positivas. Tal análise das normas jurídicas para retirar delas os conceitos
fundamentais era entendida como o primeiro e fundamental passo na construção de uma ciência
do direito e influenciou a criação de uma disciplina que estudasse uma Teoria Geral do Direito.

15.7. Jurisprudência dos Interesses



Em oposição a Jurisprudência dos Conceitos, surgiu na Alemanha do início do século
XX a chamada Jurisprudência dos Interesses, que buscava unir a perspectiva legalista à recente
sociologia jurídica e a ideias de cunho teleológico.

O principal representante da Jurisprudência dos Interesses foi Phillip Heck, que


inspirou-se no pensamento tardio de Rudolf Von Jhering para construir sua teoria.

Para Heck, os interesses eram os desejos e as aspirações das vidas dos indivíduos e a
função da atividade judicial era possibilitar a satisfação das necessidades da vida presentes em
uma comunidade jurídica. Adotando o pensamento de Jhering, Heck entendia que as normas
jurídicas eram uma resposta social aos conflitos de interesses. Desta forma, a relação entre
interesses e normas apresentava uma duplicidade, posto que as normas são produtos dos
interesses sociais e, ao mesmo tempo, elas têm como objetivo regular os choques existentes
entre os vários interesses conflitantes. Com isso, os interesses podem ser vistos tanto como
causas quanto como objetos das normas.

Esse caráter dúplice leva o jurista a realizar duas operações que permitem a
aplicação da norma. A primeira operação consiste em analisar historicamente os interesses que
levaram à produção de uma determinada norma jurídica e influenciaram seu conteúdo. Além
do exame das causas de surgimento das normas jurídicas, o jurista deveria também examinar
e ponderar acerca dos interesses contidos nessas normas, já que os interesses são também
objetos de valoração por parte das regras jurídicas, que na tentativa de promover certos valores
socialmente relevantes, tentam ordenar os interesses conflitantes.

Desta forma, a finalidade das normas é garantir os interesses que ela julgou mais
valiosos, não podendo a interpretação limitar-se à reconstrução histórica dos interesses que
deram causa à norma, mas deve principalmente promover a realização prática do equilíbrio
de interesses que a norma visa a garantir, o que exige um pensamento teleológico, ou seja,
finalista.

A partir da concepção de direito como instrumento voltado à realização da finalidade
contida nos interesses sociais, A Jurisprudência dos Interesses possibilitou a integração no

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discurso jurídico de elementos sociais, econômicos, morais e outros, que eram rejeitados pelo
positivismo legalista dominante à época. Essa tentativa de harmonizar o discurso legalista a
certos aspectos sociológicos, ou seja, de somar a justiça à segurança jurídica, deu supedâneo a
concepções que não defendiam nem o abandono nem a superação da lei, mas a aplicação do
direito positivo dentro de parâmetros socialmente adequados.

15.8. Jurisprudência dos Valores



Trata-se quase que uma extensão metodológica da jurisprudência dos interesses.
Quanto a essa última, afetava-lhe a problemática relativa a uma constatada ambiguidade no
termo “interesses”. Na doutrina de Heck, a noção de interesse poderia ser entendida, ora de
modo específico, como “fator causal” de motivação da legislação, conforme estabelece Karl
Larenz, ora de modo mais amplo, como uma espécie de critério de valoração.

Ainda conforme Larenz, será Harry Westermann quem proporá a definição específica
de interesse como “representação das pretensões que cada parte detém, ou devem deter, em
um litígio, quando se empenham para a obtenção de efeitos jurídicos favoráveis”. O acréscimo
metodológico pretensamente fornecido por uma jurisprudência das valorações seria a
identificação de “valores” à medida em que prevalecessem, nas sucessivas contendas judiciais,
determinados interesses em detrimento de outros.

Em última instância, a proposta de uma jurisprudência dos valores seria, conforme
Larenz, extrair das leis as valorações que inspiraram o legislador. A partir daí, ter-se-ia um
recurso não apenas para futuras interpretações da lei, mas também para a resolução direta de
casos concretos, a partir da analogia dos critérios de valoração.

Na lição de Willis Santiago Guerra Filho, na jurisprudência dos valores, tem-se a norma
jurídica como “prescrição de um padrão avaliativo para a apreciação de casos concretos, o qual
se pode fazer remontar a juízos de valor esclarecedores do sentido normativo”. Tal padrão, por
sua vez, consagrado abstratamente na norma, só vem a adquirir pleno significado quando ela é
aplicada aos fatos a que se destina a regular. Para que tais valorações, por definição subjetivas
e pessoais, atinjam um estado de objetivação máxima, ao se concretizar normas em que elas
se acham expressas, é necessário que se os verta em princípios jurídicos positivados, os quais
possuem diferentes graus de generalidade, caso pertençam à Constituição ou apenas a algum
setor infraconstitucional do direito.

Não se trata, assim, de “um recurso a um sistema suprajurídico de valores, como
aqueles desenvolvidos no âmbito das teorias jusnaturalistas, da filosofia moral ou da religião”.

Larenz aponta a existência de diversos problemas relacionados a essa concepção.
Primeiramente, salienta que não se pode ser postulado que toda lei pretenda indicar, univocamente,
um valor determinado – e o que é pior, já precisamente delimitado em termos semânticos – a

21
prevalecer em condições especificadas. Exemplo claro disso é o recurso a “cláusulas gerais” e
“conceitos jurídicos indeterminados” que exigirão, obrigatoriamente, do julgador a tomada da
posição valorativa. Um segundo problema diz respeito à imprescindibilidade de interpretação
dos enunciados normativos pelo juiz, não sendo necessário se demorar no fato de que a atividade
interpretativa também é atividade criativa; isto é, carece de fundamentação a concepção de
que o juiz poderia traduzir de modo neutro – sem “ruídos” – aquelas valorações comunicadas
pelo legislador. Por fim, sublinhe-se ainda que é epistemologicamente questionável a ideia de
possibilidade de fundamentação racional de juízos de valor.

15.9. O Positivismo Inglês de Hart

Conforme apresenta Wayne Morrison, Hart atuara como advogado na Alta Corte de
Justiça da Inglaterra, chegando a exercer o cargo de Professor da cadeira de Filosofia do Direito
na Universidade de Oxford, na década de 1950. Hart buscava o estilo de filosofia corrente em
Oxford na época, a análise da linguagem ordinária (análise linguística) ao campo do direito! Em
alusão a Cohen, Morrison ainda aponta que Hart chegou a ser considerado, à época, “o mais
importante representante contemporâneo da tradição da teoria jurídica analítica inglesa, e um
dos porta-vozes mais importantes do liberalismo inglês”.

Na avaliação global de Morrison (idem, p. 418), temos no positivismo de Hart um


DISTANCIAMENTO da ênfase positivista ortodoxa na coerção e na ameaça de violência inerente
ao descumprimento das prescrições normativas. Hart haveria “domesticado e atenuado a
violência que sempre fizera parte do pensamento institucional da legalidade liberal”. Na visão
do autor estudado, seria mais interessando focar o direito como um sistema de regras sobre
regras, de “práticas sociais informadas por seus próprios critérios de validade e obrigação
normativa”.

Advoga Hart, logo, uma concepção interna do direito, isto é, de um cidadão que vive
sob um sistema e compreende a finalidade das leis. Hart chegará mesmo à conclusão de que o
conceito de obrigação, na acepção com que o autor trabalha, está intimamente ligada à relação
de um comando com o sistema de regras.

Para validar sua noção de regra (e, mais adiante, da regra jurídica) em assimilação à
tese de evolução das comunidades e associações humanas, Hart apresenta a hipótese de uma
sociedade pré-jurídica. Sustenta que já neste tipo de sociedade se podem encontrar regras de
convivência, ainda que mínimas, tais como aquelas que restringem o recurso à violência, que
exigem honestidade e veracidade, que proíbem assalto a objetos alheios etc.

Esse tipo de regra, a qual já prescreve uma conduta a ser observada pelo indivíduo, isto
é, regras que exigem a prática ou abstenção de certos atos, são as regras que Hart denomina de
PRIMÁRIAS. Note-se, contudo, que mesmo com a evolução do sistema normativo da sociedade,
não há o fenecimento dessas regras. Essa espécie de regra se sustenta até em organizações
sociais mais complexas.

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A sociedade jurídica, contudo, na visão de Hart, apresentaria ao lado das regras
primárias, regras que “estipulam que os seres humanos podem, ao fazerem ou dizerem certas
coisas, introduzir novas regras de tipo primário, extinguir ou modificar regras antigas ou, de
diversas maneiras, determinar sua incidência ou controlar seu funcionamento. Elas conferem
poderes, públicos e privados”. Tais regras são denominadas de SECUNDÁRIAS.

Como regra secundária por excelência, tem-se a noção de regra de reconhecimento.


Trata-se de uma espécie de prática social presumida. Diferentes sociedades apresentarão regras
de reconhecimento distintas. Morrison (idem, p. 439) caracteriza-a como a solução hartiana
para a incerteza, para a determinação de uma regras primária válida para a sociedade, isto é, do
que vale como direito para aquela sociedade.

Por fim, no que tange à problemática da intepretação do direito, esclarece Hart: “a


textura aberta do direito significa que há, na verdade, áreas de conduta em que muitas coisas
devem ser deixadas para serem desenvolvidas pelos aplicadores de direito, os quais devem
determinar o equilíbrio, a luz das circunstâncias, entre os interesses conflitantes que variam em
peso, de caso para caso, afinal o mundo jurídico não está fechado e é necessário dar dinamismo
ao direito”.

Com isso, o jurista aponta que a regulamentação dessas áreas de conduta “deve
ficar a cargo de tribunais e autoridades, aos quais compete chegar a um equilíbrio, à luz das
circunstâncias, entre os interesses conflitantes que variam de caso a caso”.

15.10 Pós-Positivismo

Como formulado por Luís Roberto Barroso (2006), o pós-positivismo é a busca pela
superação da legalidade estrita, esquivando-se, no entanto, de um desprezo pelo direito posto.
Fala, então, de uma leitura moral do Direito, mas sem o recurso a categorias metafísicas. A
interpretação e aplicação do ordenamento jurídico inspiram-se em uma teoria de justiça, mas
não podem comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais.

“No conjunto de ideias ricas e heterogêneas que procuram abrigo neste paradigma em
construção”, enuncia Barroso (2006), “incluem-se a atribuição de normatividade aos princípios e
a definição suas relações com valores e regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação
jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento de uma
teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana. Nesse
ambiente, promove-se uma reaproximação entre o Direito e a filosofia.”

Passaremos em revista, por assim dizer, algumas das doutrinas mais notórias
relacionadas à distinção entre normas-regra e normas-princípio.

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16. Divisão estrutural entre regras e princípios

A distinção entre regras e princípios com maior aceitação nos dias atuais é encontrada
na obra Robert Alexy, baseando-se, em grande medida, no trabalho de Ronald Dworkin7. Em razão
de seu alto grau aceitação, a teoria de Alexy será o fio condutor da análise estrutural das normas
de direitos fundamentais aqui desenvolvida. Alexy diferencia as duas espécies normativas com
base nos seguintes critérios: grau de possibilidade de realização; forma do caráter mandamental;
forma de resolução de conflitos; e aproximação de conteúdos axiológicos8.

O principal fator de distinção entre as espécies normativas, segundo Alexy, consiste


no fato de os princípios serem “mandamentos de otimização”, que significa que podem ser
realizados em graus variados, ou seja, pode-se atender ao que é proposto pelo princípio em
maior ou menor medida, dependendo das condições fáticas e jurídicas relativas ao caso9. Nesse
sentido, mesmo que a efetivação de um princípio não seja plena, isso não significa que tal
norma seja inválida. As regras, ao contrário, não possuem graus possíveis de realização, caso
não sejam plenamente satisfeitas, estarão imediatamente violadas10. Assim sendo, nota-se que
Alexy distingue regras e princípios utilizando como critério o grau de possibilidade de realização
da norma. Enquanto princípios possuem graus variados de efetivação, as regras são pautadas
pela realização de “tudo ou nada”11.

Decorrente do fato de os princípios serem “mandamentos de otimização” emana o


segundo fator distintivo, que é o da forma do caráter mandamental, pois, segundo Alexy, os
princípios expressam um caráter prima facie, enquanto as regras contêm um “mandamento
definitivo”, ou seja, como os princípios determinam algo que deve ser realizado na maior
medida possível (mandamento de otimização), não há maneira de o mandamento normativo

7 Deve-se frisar, no entanto, que há diferenças entre os trabalhos de Dworkin e Alexy. Desde a própria concepção das
espécies normativas, pois o autor americano divide as normas em três espécies: regras, princípios e políticas (policys). Na
teoria de Dworkin, princípios são diferentes de “políticas”, pois estas teriam um caráter social, enquanto aqueles um caráter
individual. Nas palavras do autor: “Denomino ‘política’ aquele tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado,
em geral uma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade (...). Denomino ‘princípio’ um padrão
que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada
desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou eqüidade ou alguma outra dimensão da moralidade”. DWORKIN,
Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução: Nelson Boeira. 3ª edição. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. P. 36.
8 Apesar de aqui ser desenvolvida a teoria principiológica com base em Robert Alexy, não se pode deixar de mencionar
original teorização nacional sobre o assunto: ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios
jurídicos. 5ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2006. Pp. 156-157.
9 ALEXY, Robert. Sobre a Estrutura dos Princípios Jurídicos. In: Revista Internacional de Direito Tributário. Associação
Brasileira de Direito Tributário – ABRADT. Belo Horizonte: Del Rey, vol. 3, jan./jun., 2005.
10 No mesmo sentido: ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil: Ley, derechos, justicia. Traducción de Marina Gascón.
Editorial Trotta: Madrid, 2009. P. 110.
11 “O decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja
realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes, princípios são, por conseguinte,
mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a
medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é
determinado pelos princípios e regras colidentes.” ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. P. 90

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apresentar toda a extensão de seu conteúdo, mas apenas indicar seu primeiro sentido. As
regras, ao contrário, exigem que seja feito exatamente aquilo presente em seu mandamento
normativo, por isso, necessitam externar amplamente suas possibilidades fáticas e jurídicas, o
que faz com que se afirme que possuem o caráter de mandamentos definitivos12.

Outro critério decisivo de distinção entre regras e princípios consiste na forma


de resolução de conflitos, já que, segundo o autor de Kiel, quando os princípios entram em
conflito, não há a necessidade de um princípio ser declarado inválido para que o outro possa
prevalecer, havendo apenas uma precedência condicionada em uma determinada situação de
um dos princípios. Já as regras resolvem seus conflitos por meio da invalidação de uma das
duas normas em choque, através de regras de solução de antinomia13.

Quanto ao critério da forma de resolução de conflitos, nota-se a forte influência


do pensamento de Dworkin sobre Alexy, já que o autor americano ressalta que os princípios
possuem uma “dimensão de peso”, que as regras não possuem, fazendo com que os princípios,
em caso de embate normativo, exijam ponderação, enquanto as regras baseiam-se em uma
lógica de “tudo ou nada”14.

Há ainda a diferença baseada no critério de aproximação da espécie normativa


de conteúdos axiológicos, pois Alexy estabelece uma correlação entre princípios e valores,
afirmando que ambos apresentam o mesmo comportamento no que tange aos casos de
“colisão”, “ponderação” e “cumprimento gradual”, funcionando os princípios como “critérios
de valoração”, que são aqueles que podem ser sopesados. Nesses termos, os princípios são
espécies normativas que possuem aproximação com conteúdos axiológicos, enquanto as regras
são desprovidas dessa característica15.

12 “Uma primeira característica importante que decorre do que foi dito até agora é o distinto caráter prima facie
das regras e dos princípios. Princípios exigem que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades
jurídicas e fáticas existentes. Nesse sentido, eles não contêm um mandamento definitivo, mas apenas prima facie. Da
relevância de um principio em um determinado caso não decorre que o resultado seja aquilo que o princípio exige para
esse caso. Princípios representam razões que podem ser afastadas por razões antagônicas. A forma pela qual deve ser
determinada a relação entre razão e contra-razão não é algo determinado pelo próprio princípio. Os princípios, portanto,
não dispõem da extensão de seu conteúdo em face dos princípios colidentes e das possibilidades fáticas”. Idem. Ibidem. Pp.
103-104.
13 “A colisão entre princípios devem ser solucionados de forma completamente diversa. Se dois princípios colidem – o
que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um principio e, de acordo com o outro, permitido -, um dos
princípios terá que ceder. Isso significa, contudo, nem que o principio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele
deverá ser introduzida uma clausula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face
do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da procedência pode ser resolvida de forma oposta.
Isso é o que se quer dizer quando se afirma que, nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios
com o maior peso têm procedência. Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre
princípios – visto que só princípios validos podem colidir – ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão do peso.”
Idem. Ibidem. Pp. 94-95.
14 DWORKIN, Ronald. Ibidem. Pp. 42-43.
15 ALEXY, Robert. Ibidem. P. 144.

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Essas são, portanto, as diferenças básicas, hoje já tidas como clássicas, entre princípios
e regras, que são as duas estruturas básicas pelas quais as normas de direitos fundamentais
podem se apresentar16.

Sintetizando, de acordo com a concepção de Dworkin e Alexy:

REGRAS PRINCÍPIOS
Dimensão da validade, especificidade Dimensão da importância, peso e
e vigência valor
Colisão entre princípios (diante das
Conflito entre regras (princípio circunstancias do caso concreto um
da especialidade ou cláusula de princípio prevalecerá sobre o outro,
exceção) sem declaração de invalidade de
qualquer um deles)
Ponderação, balanceamento,
“tudo ou nada”
sopesamento
Mandamentos de otimização, pois
podem ser satisfeitos em graus
Mandamentos de definição
variados, conforme as possibilidades
fáticas e jurídicas existentes.

17 – Métodos de Solução da Colisão de Princípios

Os princípios expressam diferentes valores sociais, alguns deles, inclusive,


antagônicos, o que é típico de uma sociedade plural. Por esse motivo também, geralmente,
os direitos fundamentais manifestam-se por meio de princípios. Os princípios, desse modo,
apresentam-se marcados pelo relativismo e pela possibilidade de colisão em casos concretos,
sendo necessários métodos próprios de solução de tais conflitos, podendo ser aqui citados: a
proporcionalidade, a ponderação e a concordância prática.

A proporcionalidade se propõe a encontrar a melhor solução para o conflito de


direitos apresentada, o que pretende alcançar, seguindo um método de aplicação do direito
trabalhado sequencialmente por meio de seus três subprincípios, que são o seu conteúdo.

Na lição de Paulo Bonavides, a proporcionalidade possui três subprincípios:

a) Adequação: o meio escolhido deve ser adequado ao fim. É o princípio da


conformidade ou validade do fim. O meio deve ser apto para atingir o fim.

16 MACHADO, Hugo de Brito. Ibidem. P. 189.

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b) Necessidade: dos meios adequados ao fim, deve-se buscar aquele mais eficiente
para solucionar o problema, (o meio mais suave). Deve-se optar pelo meio menos
restritivo de direitos fundamentais (“Não se matam andorinhas com bala de canhão”,
ou seja, o canhão é um meio apto para matar uma andorinha, mas não deve ser
utilizado, pois há meios mais simples para se alcançar esse fim). É chamado de
necessidade porque só deve se utilizar o estritamente necessário para atingir o fim, é
um princípio de proibição de excesso. O meio deve se limitar ao que é imprescindível
para a realização do fim.

Vale aqui, todavia, lembrar a advertência de Marmelstein sobre a necessidade, que


não pode ser excessiva ou insuficiente, configurando duas subcategorias da necessidade, que
podem ser assim definidas:

b.1) Necessidade como vedação ao excesso: Nas palavras do autor:

“Na proporcionalidade, está embutida a ideia de vedação ao excesso,


ou seja, a medida há de ser estritamente necessária. Invoca-se o velho
jargão popular: dos males, o menor. Portanto, para aferir a necessidade
deve-se perguntar: o meio escolhido foi o “mais suave” entre as opções
existentes? Se a resposta for manifestadamente negativa, ou seja, se for
possível demonstrar que existem outras opções menos prejudiciais, a
medida pode ser anulada pelo judiciário”17.

b.2) Necessidade como vedação da insuficiência: Nas palavras do autor:

“A vedação de insuficiência decorre diretamente do dever de proteção e


de promoção já mencionados, de modo que o poder público deve adotar
medidas suficientes para impedir ou para reprimir as violações aos
direitos fundamentais. Como explica Ingo Sarlet “a violação da proibição
de insuficiência, portanto, encontra-se habitualmente representada por
uma omissão (ainda que parcial) do poder público, no que diz com o
cumprimento de um imperativo constitucional, no caso, um imperativo
de tutela ou dever de proteção”18.

c) Proporcionalidade em sentido estrito: É preciso se preferir o meio que some


maior número de vantagens e tenha o menor número de desvantagens. É um princípio de
contabilização de custos e benefícios. Nas palavras de Marmelstein:

17 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 6º Edição. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo:
Atlas, 2016. P. 384.
18 Idem. Ibidem. P. 386.

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“A proporcionalidade exige uma análise das vantagens e das
desvantagens que a medida trará. A pergunta mental a ser feita para
refletir a presença da proporcionalidade em sentido estrito é a seguinte:
o benefício alcançado com a adoção da medida sacrificou direitos
fundamentais mais importantes (axiologicamente) do que os direitos
que a medida buscou preservar? Em uma análise de custo-benefício, a
medida mais vantagens ou mais desvantagens?”19

Resumidamente: Na adequação, o interprete deve buscar todos os meios possíveis


de resolver o conflito em questão; na necessidade, de todos os meios adequados, o interprete
deve buscar o meio mais eficaz para isso; na proporcionalidade em sentido estrito, o interprete
deve avaliar se o meio adequado e necessário escolhido, caso aplicado, não gerará um dano
irreparável ao direito fundamental que será afastado naquele conflito específico.

Outra técnica de resolução de colisões de princípios é a da ponderação (Abwägung ou


Balancing). Trata-se, nos dizeres de Luís Roberto Barroso, de imperativo diretamente derivado
do princípio da unidade da constituição e da insuficiência do método subsuntivo na resolução
de situações de tensão (casos difíceis) entre bens jurídicos. A ponderação, muito trabalhada
por R. Alexy, busca, a partir do caso concreto, avaliando certos fatores da realidade em disputa,
atribuir pesos aos valores sociais em disputa para, por meio da argumentação jurídica, alcançar
aquele que deve prevalecer naquele caso concreto, justamente o que teria maior peso naquela
situação.

O processo de ponderação de normas, bens ou valores, pelo intérprete envolve duas


etapas: a) concessões recíprocas, procurando preservar o máximo possível de cada um dos
interesses em disputa e b) proceder a escolha do direito que irá prevalecer, em concreto, por
realizar mais adequadamente a vontade constitucional.

Uma crítica comum contra a ponderação reside na alegação contra ela levantada de
ser permissiva ao arbítrio do julgador, gerando um ativismo judicial incontrolável. Em razão
dessa crítica, Barroso e Barcellos são enfáticos em fazer ressalvas ao uso da ponderação:

“a existência de ponderação não é um convite para o exercício


indiscriminado de ativismo judicial. O controle de legitimidade das
decisões obtidas mediante ponderação tem sido feito através do exame
da argumentação desenvolvida. Seu objetivo, de forma bastante simples,
é verificar a correção dos argumentos apresentados em suporte de uma
determinada conclusão ou ao menos a racionalidade do raciocínio
desenvolvido em cada caso, especialmente quando se trate do emprego
da ponderação”.20
19 Idem. Ibidem. P. 388.
20 BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova

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Nesse sentido, nota-se a necessidade de a ponderação ser trabalhada conjuntamente
com a teoria da argumentação.

Há ainda a concordância ou harmonização prática, que pode ser vista como uma
técnica ou princípio da interpretação especificamente constitucional, impõe ao intérprete/
aplicador do Direito o dever de buscar, por meio de decisões judiciais criativas a construção,
no caso concreto, de uma solução que consiga preservar os dois direitos fundamentais (ou
princípios) em conflito, harmonizando-os, de modo a que ambos sejam aplicáveis ao caso, não
necessitando afastar um deles.

“O princípio da concordância prática de acordo com o Tribunal


Constitucional alemão, ‘determina que nenhuma das posições jurídicas
conflitantes será favorecida ou afirmada em sua plenitude, mas
que todas elas, o quanto possível, serão reciprocamente poupadas
e compensadas’. Trata-se, portanto, de uma tentativa de equilibrar
(ou balancear) os valores conflitantes, de modo que todos eles sejam
preservados pelo menos em alguma medida na solução adotada. O papel
do jurista é precisamente tentar dissipar o conflito normativo através da
integração harmoniosa dos valores contraditórios”21.

Um caso de aplicação da concordância prática foi o chamado caso Lebach do


Tribunal Constitucional Federal Alemão, em que estavam em conflito os direitos de liberdade
de expressão/de acesso à Informação versus o direito à privacidade, quando da tentativa de
uma empresa de TV em apresentar o documentário “O Assassinato de Soldados em Lebach”,
expondo o nome e a imagem de um indivíduo que estava prestes a sair do presídio, depois de
cumprir pena por, suspostamente, ter colaborado no crime em questão. Em tal situação, o TCF
alemão decidiu que “a repetição de informações, não mais coberta pelo interesse de atualidade,
sobre delitos graves ocorridos no passado, pode revelar-se inadmissível se ela coloca em risco o
processo de ressocialização do autor do delito” [BVerfGE 35, 202 (237) (1973)], solucionando o
caso da seguinte forma: é possível a transmissão do documentário, desde que não apareça o
nome ou a imagem do autor. Logo, por meio de uma decisão criativa da Corte, os dois direitos
fundamentais foram preservados no caso concreto.

interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: BARROSO, Luís Roberto (org). A nova
interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. P. 349.
21 MARMELSTEIN, George. Ibidem. P. 392.

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