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FERREIRA, Marco Aurélio Gonçalves.

O Devido Processo Legal: um estudo


comparado. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 20041.

Introdução

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p. 2: “Nesta conjuntura [a do proceder judicial], o sujeito, quando envolvido em


um sistema de valores próprios, não tem a possibilidade (...) de realizar uma observação
interpretativa concreta, levando em consideração o campo de valores que informam o
funcionamento de determinado sistema jurídico antagônico, objeto de investigação (...)
ao projetar no ‘outro’ as suas categorias. Este não compreende o objeto em sua
realidade e contextualização e (...) não desenvolve a potencialidade de conhecer os
esquemas de pensamento e de categorias que constroem seu próprio sistema.

(...) por não buscar na sua prática sistemática comparativa as ‘diferenças’, e sim
as ‘semelhanças’, é que o sujeito pode incorrer em uma representação errônea, quando
admite, fundamentado em determinadas categorias do discurso jurídico de nossa
sociedade, que certos institutos, quando conflitados com sistemas antagônicos,
representam a mesma simbologia e a mesma origem histórica (...)”.

Capítulo IV

O Devido Processo Legal no Direito Processual Penal Brasileiro

1. O devido processo legal como princípio da constituição brasileira

p. 57: “Os princípios, vistos sob a ótica das correntes doutrinárias


contemporâneas, são concebidos como standards que, na afirmativa de DWORKIN,
devem ser observados não somente porque favorecem ou asseguram uma situação
política, econômica ou social, mas sim porque representam uma exigência de justiça,
equidade ou alguma outra dimensão da moralidade.

Assim, por força da nova hermenêutica, os princípios constitucionais erigem-se


ao topo da dogmática jurídica como ordenadores de todo o sistema normativo.

1
Acervo NEPEAC: 341 F382 2004.
O legislador brasileiro proporcionou abertura à hermenêutica principiológica em
nosso ordenamento jurídico, de forma expressa no texto constitucional no artigo 5º
(quinto), § 2º (parágrafo segundo), que dispõe: ‘Os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República do Brasil seja parte’”.

p. 58: “(...) nítida é a influência das atuais correntes doutrinárias que ponderam a
hierarquia dos princípios constitucionais em nosso ordenamento, adotadas também por
diversos outros sistemas jurídicos que, de acordo com BONAVIDES, acentuam a
‘hegemonia axiológica dos princípios, convergidos em pedestal normativo sobre o qual
assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais’ 2. Com efeito,
entende-se como acatada em nosso ordenamento pela dogmática jurídica, através da
Carta de 1988, a concepção pós-positivista que considera como relevante o
posicionamento dos princípios no Direito brasileiro, condicionando-os ao status
constitucional, e observando sua aplicação dentro da hierarquia das normas jurídicas.

Atualmente, de acordo com os juristas, os princípios são de aplicação ampla, não


estão restritos às lacunas da lei, devendo tanto o legislador como o aplicador do Direito
estar constantemente atentos às suas disposições, pois são planos diretores da produção
da norma e da aplicação ao caso em concreto (...)”.

2. A concepção de devido processo legal no Processo Penal Brasileiro e sua


representação frente o direito de acesso à tutela jurisdicional

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p. 59: “(...) os textos jurídicos brasileiros defendem a teoria da relação


processual triangular como aquela que mais se coaduna com o nosso sistema jurídico;
assim admite relação de natureza jurídico-processual entre autor (ofendido), réu
(ofensor) e juiz, e também, segundo alguns juristas, entre autor e réu 3. Neste último
posicionamento sustentam o estabelecimento da relação processual na forma linear.

De acordo com os autores, a relação processual surge, em regra, com a demanda,


ou seja, a tutela jurisdicional inicia-se e paerfeiçoa-se com o recebimento da denúncia

2
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Ed. Malheiros. 8ª ed. São Paulo: 1999. p. 237.
3
FREDERICO MARQUES, José. Elementos de Direito Processual Penal. São Paulo, vol. 1. Forense,
1965. Pp. 391-392.
ou da queixa-crime, fechando assim o símbolo triangular; com posterior citação do réu,
que pode até, (...) iniciar-se com um ato jurisdicional praticado contra o indiciado antes
mesmo que haja ação penal. Entretanto (...) a demanda precede a relação penal, sendo
dela também um pressuposto cronológico4”.

p. 59-60: “O devido processo legal adquire forma na doutrina do Direito


Criminal brasileiro (...) fundado na garantia constitucional expressa pela (...) Carta
Magna (...) de 1988 (...) no tópico dos Direitos e Garantias Individuais (...) onde se
determina (...) no art. 5º, LIV, que: ‘Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens
sem o devido processo legal’, expressão que teve sua tradução pelos juristas nacionais,
representantes do discurso positivista, do due process of law concretizado nas emendas
à constituição dos Estados Unidos da América, como também, sustentam os juristas,
expressa a mesma simbologia”.

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p. 61: “Tais garantias determinariam, segundo o autor, que a pessoa não pode ser
privada de sua liberdade ou de seus bens correlatos sem o devido processo penal,
atendendo (...) aos preceitos constitucionais e às normas penais, quer de natureza
substancial, quer de caráter instrumental, de sorte a tornar efetiva a atuação da justiça
criminal para a materialização das sanções ou na afirmação do ‘ius libertatis’5”.

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p. 63: “Código Penal ‘Art. 100. A ação penal é pública, salvo quando a lei
expressamente a declara privativa do ofendido’”6.

§ 1º A Ação Pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando


a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça (...)7.

§ 2º A Ação de iniciativa privada é promovida mediante queixa do ofendido ou


de quem tenha qualidade para representa-lo (...)”8.

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4
TORNAGHI, HÉLIO Bastos. Instituições de processo Penal, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 377.
5
TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. São Paulo:
Saraiva, 1993. pp. 64-67.
6
Grifos do autor.
7
Grifos do autor.
8
Idem.
p. 64-65: “(...) verifica-se, com a tradição jurídica brasileira expressa na norma
criminal, que o ingresso do indivíduo na relação processual penal no Direito brasileiro,
de forma geral, se realiza de duas formas básicas: como autor (...) o ofendido ou titular
da ação penal que tem o direito de iniciar o processo, ou na posição de réu ou acusado,
que é o indivíduo constrangido pelo exercício do direito do ofendido (...) sobre quem
recai a ação penal”.

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p. 66: “(...) de acordo com os processualistas, além do processo condenatório,


tanto no processo penal como no civil, as ações, além de condenatórias, podem também
ser constitutivas e declaratórias”.

p. 67: (...) com apoio na exemplificação de FREDERICO MARQUES, podemos


verificar algumas ações declaratórias: Habeas corpus fundado em pedido na atipicidade
do fato imputado, seja na ação penal ou no inquérito policial (artigo 648, inc. I, CPP);
habeas corpus para que seja declarada pelo juiz extinta a punibilidade (artigo 648, VII,
CPP); habeas corpus preventivo, nas hipóteses em que se destina à declaração do direito
de liberdade (declaratória positiva); ainda nas ações constitutivas: a homologação de
sentença estrangeira como reconhecimento de pena cumprida no estrangeiro; a revisão
criminal.

Nestes casos, percebe-se na doutrina, em exceção à teoria processual, que o


indivíduo acusado exerce seu direito de acionar o Estado para evitar um possível dano a
um bem juridicamente tutelado, ou seja, sua liberdade”.

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p. 69: “(...) o devido processo penal, como garantia de acesso ao processo, em


regra, firma o direito do titular da ação penal, ou seja, o ofendido ou quem tenha
qualidade para representa-lo, ou ainda nas ações em que a titularidade é conferida ao
membro do Ministério Público, como aquele que pode pleitear perante o Estado a tutela
jurisdicional (...)”.

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p. 70: “Reafirmando esse entendimento acerca do processo criminal brasileiro,


ressalta TUCCI, que a afirmativa constitucional de que ‘ninguém será privado da
Liberdade (...) sem o devido processo legal’ encerra a efetivação da ampla defesa,
marcada pela contrariedade em todos os atos do procedimento criminal9.

Inobstante esses entendimentos, mesmo após a culpa formada na fase preliminar,


pode-se extrair da dogmática jurídica processual penal a afirmativa de que o devido
processo legal ou devido processo penal (...) somente se concretiza após a instauração
do processo pelo ofendido ou pelo Ministério Público, mesmo porque na fase pré-
processual, do inquérito policial, segundo a doutrina brasileira, não incidem as garantias
do devido processo legal; em razão disto, não pode haver contraditório, ou seja, as
acusações não podem ser contrapostas pelo indiciado nesta fase”.

9
TUCCI, Rogério Lauria. op. cit., p. 205.

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