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Resumos Direito Penal I

Regente: Maria Fernanda Palma

Conceito de Direito Penal


➔ Definição formal

Maria Fernanda Palma: direito penal é um conjunto de normas que se autonomizam no


Ordenamento Jurídico por atribuírem a certos factos descritos pormenorizadamente - os crimes
– consequências jurídicos profundamente graves – as penas e as medidas de segurança.

Elementos identificadores das normas penais:


crime (previsão da norma penal), pena e medida
de segurança (estatuição da norma penal)

A pena supõe a culpa, podendo apenas ser aplicada ao agente se o crime tiver sido praticado com
culpa, ao passo que as medidas de segurança supõem a perigosidade. A pena e a medida de
segurança não são nada mais que instrumentos sancionatórios ou consequência jurídica.

➔ Definição material

No plano material, o objetivo é poder definir o que é crime e quem é criminoso. Para Maria
Fernanda Palma, o crime não pode ser definido apenas em função da pena, e daí o crime não
ficar materialmente definido através da legislação. Por esta razão, cabe à doutrina e jurisprudência
complementar este conceito. Quer O TEDH como o Tribunal constitucional vão procurar definir
o que é o direito penal através da definição do conceito material de crime.

Que factos podem ser considerados crimes?

a) Todos os objetos que são sanção criminal – não é suficiente e acaba por ser circular,
pois não caracteriza os factos que uma norma deve caracterizar como crimes; para Maria
Fernanda Palma seria mais correto afirmar que só é criminoso o comportamento que
mereça uma pena;
b) Todos os que tem uma certa gravidade moral – não é suficiente, já que muitos casos
que envolvam gravidade moral estão relacionados com problemas de consciência e não
com a relação com outros e porque pressupõe a moral como critério de Direito ou
confunde-se com o Direito e Direito penal não se pode confundir com perspetivas morais,
éticas ou até mesmo religiosas; Além disso existem comportamentos que são moralmente
reprováveis mas que não se justifica punir penalmente (p.e. a questão do aborto e dos
casais homossexuais em alguns países);
c) Todos os que relevam perigosidade do agente – não é suficiente, ou pelo menos não é
suficiente quando não haja um ato lesivo, uma vez que desloca a caracterização do facto
para a personalidade ou qualidades do agente. Há factos irrelevantes que podem revelar
perigosidade e factos habitualmente considerados crimes que não revelam perigosidade
por serem esporádicos ou revelarem uma situação-limite vivida pelo agente; Até à luz do
Estado de Direito isto seria impossível, já que esses agente potencialmente perigosos

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também têm direitos, e enquanto não puserem em perigo os outros não podem ser
criminalizados;1
d) Todos os que são danosos numa certa medida para a sociedade (princípio do dano
ou da ofensividade) – não é suficiente, pois requer que haja uma densificação do conceito
de dano, para além de que há muitos factos danosos que são acidentais, na medida em
que mesmo com os deveres especiais de cuidado o agente não teria conseguido impedir
o resultado daquele facto.

Individualmente estas respostas não conseguem dar resposta a pergunta acima, estas iriam falhar
em definir o que é direito penal. Não obstante em conjunto é possível construir um conceito que
vá determinar o que é materialmente crime.

O que é então necessário para definir crime de modo satisfatório?

1. Uma fundamentação normativa aceitável pelo Direito da seleção de factos e não uma
mera descrição formal, isto é, uma razão universalizável pelo menos no âmbito so
sistema jurídico;
2. Uma razão normativa que abarque o plano objetivo e o plano subjetivo do facto;
3. Um método:
 Perceber quais são os factos que de acordo com os critérios do sistema jurídico
podem justificar as sanções criminais;
 Atender ao princípio da necessidade de pena do art.18º/2 CRP, que, de uma
perspetiva liberal, se preocupa com o fundamento da pena, isto é, aquilo que é
justificadamente crime, afastando a ideia de incriminações obrigatórias. Esta
busca de fundamentação deve encontrar uma razão universalizável no âmbito do
sistema jurídico. Assim, as liberdades só poderão ser restringidas pelo Estado
quando estiverem em causa outras liberdades ou bens essenciais para a
preservação da sociedade.

Portanto, é na ideia o princípio da necessidade da pena que vamos encontrar uma razão
universalizável no âmbito do conceito material de crime. Esta razão universalizável ira de dividir
em dois planos num plano subjetivo e num plano objetivo. No plano objetivo pode existir, um
dado facto à luz do 18º/2 que justificasse a incriminação, mas que subjetivamente o controlo do
agente sobre o dano não é reconhecido, não tendo agente assim controlo sobre o resultado, o
direito penal não pode intervir. O direito penal não pode limitar a liberdade do agente quando
este não tem culpa. O plano subjetivo traduz-se na responsabilidade do agente, já que retirar a
liberdade ao agente é algo gravíssimo, que tem de estar proporcionalmente ligada a pena em si. É
necessário assim criar uma metodologia, com base nas características específicas nas sanções
criminais.

Quais são os factos jurídicos que podem impor as sanções criminais?

Para além da razão universalizável do princípio da necessidade da pena, são todos os direitos
constitucionalmente reconhecidos. Não pode o direito penal intervir, mesmo que prejudique
terceiros, nos casos de objeção de consciência, como o não serviço militar ou de recusa de
intervenção medica em casos de aborto. Em suma, apenas pode haver intervenção penal em

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Isto apenas se aplica não inimputáveis, já que aos inimputáveis é possível aplicar medidas de segurança
preventivas de liberdade.

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conformidade com o princípio da necessidade da pena e com valores constitucionais
previstos.

Podemos assim concluir que a definição de crime passa pelo princípio da necessidade de pena,
sendo assim uma questão de valores constitucionais e da relação entre o Estado e os cidadãos.

Legitimidade do poder punitivo do Estado


Filósofos do contrato social

Em direito penal o contrato social irá refletir-se na legitimidade do poder punitivo do Estado,
o contrato social será assim o fundamento e o limite de como o Estado irá punir os seus cidadãos.
O próprio contrato social é o que fundamenta o poder punitivo do estado, já que através deste é
que se ira justificar a legitimidade de poder tirar liberdade aos cidadãos no caso deste não ser
cumprido.

→ A tradição liberal individualista de LOCKE


 Teoria segunda a qual o individuo quando nasce tem um leque de direitos e cede
uma parte desses direitos ao Estado, porque acredita que este está em melhores
condições de garantir o pleno exercício desses seus direitos. Assim, o
fundamento do poder do Estado é a própria proteção dos direitos naturais,
mediante consentimento.
 O mais importante são os direitos individuais, pelo que caso haja um conflito
entre um bem jurídico individual e um bem jurídico coletivo, prevalece o bem
jurídico individual.
 No Estado de natureza (situação hipotética onde não existe sociedade política),
os homens seriam dotados de três princípios: liberdade, igualdade e
independência.
 O crime é uma ofensa a direitos que justifica, pela sua gravidade, a restrição
dos direitos fundamentais.
→ A tradição democrática de ROUSSEAU
 A vivência dos direitos só é possível num Estado. A associação dos indivíduos
no Estado permite o seu desenvolvimento pelo desenvolvimento da vontade
coletiva, a realização da igualdade. O coletivo é condição de realização dos
indivíduos. As pessoas cedem a sua liberdade, uma vez que aquilo que cedem é
aquilo que recebem.
 O mais importante são os bens jurídicos coletivos, pelo que havendo um conflito
entre estes e bens jurídicos individuais, prevalecem os primeiros.
 Um aspeto importante em ROUSSEAU é que o contrato social não leva à perda
dos direitos individuais, pelo contrário; através do Estado, os indivíduos podem
desenvolver as suas qualidades individuais. O crime é uma ofensa à vontade
coletiva da qual depende a igualdade dos direitos e o desenvolvimento individual.
→ KANT e o Contrato Social
 Autor “universalista” e “racionalista”
 Nascemos dotados de uma razão universal, oferecida a todos como se fosse um
presente, que nos diz que é preciso limitar as condições de subsistência para que
consigamos viver num mundo caracterizado por essa razão universal. Essa

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limitação nunca se baseia na realização de interesses individuais ou na produção
de felicidade.
 Aquele que rouba, acaba por se roubar a si mesmo, uma vez que viola a
propriedade alheia, mas quando furtou quis ser proprietário do furtado, portanto
tem interesse que as leis da propriedade sejam respeitadas, daí que o mais
racional será não roubar – quem pratica um crime está a agir contra o seu próprio
interesse.
→ A teoria liberalista de RAWLS
 Cada pessoa, na posição original, coberto por um véu de ignorância, escolhe os
princípios de justiça, liberdade e da distribuição de desigualdades.
 A justificação da subordinação prende-se com a escolha racional que foi feita
pelos próprios dos princípios de justiça.
 A legitimidade do poder punitivo do Estado decorre da necessidade de
assegurar a liberdade individual e a autonomia de cada cidadão.
 A tese de RAWLS relaciona-se com o Direito Penal, na medida em que as penas
nunca podem invadir a esfera das liberdades individuais. Para além disto, as
penas são justificadas na dimensão do dano social, e sofrer uma pena tem que ser
algo que redunde no proveito da sociedade, da vítima (em alguns casos), mas
sobretudo do próprio criminoso.
→ Teoria das capacidades de MARTHA NUSSBAUM
 Autora contratualista
 Baseia-se no conceito de dignidade humana, sendo o que objetivo é garantir
uma vida digna para todos.
 O critério para uma escolha justa são as capacidades humanas. Todos nascemos
com um determinado número de capacidades que podem vir a ser desenvolvidas.
O que se quer é, na realidade, um Direito penal que assegure e proteja as
capacidades de cada um. O cumprimento de uma pena deve servir para garantir
aos restantes cidadãos espaço para desenvolver as suas capacidades e, ao mesmo
tempo, permitir ao agente que cometeu o crime que este possa vir a ser
reintegrado na sociedade.
 As capacidades humanas são apresentadas como a fonte dos princípios políticos
numa sociedade liberal pluralista, em que ninguém seria meio ou instrumento de
outros.
 A restrição de direitos através das penas deve ancorar na realização de interesses
tidos como fundamentais, não através do preço do contrato, mas da escolha
racional dos princípios de justiça que regem uma sociedade.
 Só há uma restrição racional de direitos se a contrapartida for o florescimento
das capacidades de cada ser humano de forma a viver a vida dignamente.
 Os factos que justificam as penas devem ser especialmente atentatórios dos
princípios de justiça.

Porque interessa saber qual é o poder punitivo do Estado?


→ Sabendo qual é o fundamento, sabemos quando é o Estado está a atuar fora daquela que é a
sua legitimidade.
→ Garantia do princípio da separação de poderes (órgão que cria as penas não é o mesmo órgão
que aplica as penas).
→ Garantir que não existe criminalização de condutas que não deviam ser criminalizadas.

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→ Saber quais os limites, onde pode entrar o Direito Penal e onde não pode.

Fim das penas


O problema dos fins das penas é uma questão histórica que no fundo está na base de toda a teoria
penal que se discute e nas questões fulcrais da legitimação e fundamentação da intervenção do
Estado no direito penal. Ao longo do tempo, podemos identificar duas teorias relativas ao
problema do fim das penas:

→ Teorias absolutas (ligadas às doutrinas de retribuição e expiação)


→ Teorias relativas (ligadas às doutrinas de prevenção geral, especial e individual)

Breve evolução histórica:

 Na Antiga Grécia, os filósofos e pensadores políticos também se questionaram acerca


do fim com que se pune alguém que cometeu uma infração criminal. E enquanto uns
atribuíram à pena uma função ou finalidade preventiva – ou seja, a pena tinha por
finalidade prevenir a prática de atos criminosos, olhando para o futuro – outros imputaram
à pena uma finalidade retributiva – ou seja, a pena tinha por finalidade retribuir o mal
do crime com o mal da pena, olhava ao passado, era expiatório.
 Passada a Alta Idade Média, verifica-se que a pena assumiu a finalidade acentuadamente
retributiva, demonstrada através da figura da ‘’composição corporal’’ – A provocou a B
um corte de 5cm então B vai sofrer um corte de 5cm também.
 Na Baixa Idade Média e na Idade Moderna a tónica do fim das penas intensificou-se,
o que provocou grandes humilhações públicas ao condenado.
 Após a queda do absolutismo e a sua substituição pelo Estado de Direito Liberal, a
perspetiva sobre os fins das penas foi alterada – a fundamentação e legitimação do direito
penal passa a radicar na necessidade social de garantir os direitos individuais e a vida em
sociedade e a pena passa a ser vista como um mal, cuja finalidade é a prevenção geral de
intimidação ou dissuasão da prática do crime, mas devendo estar a sua aplicação
subordinada aos princípios da legalidade e da proporcionalidade.

Teorias Absolutas
Para este grupo de teorias a essência da pena criminal reside na retribuição, expiação, reparação
ou compensação do mal do crime e nesta essência se esgota. Trata-se da justa paga do mal que
com o crime se realizou, ou seja, a correspondência entre a pena e o facto.

→ Kant – defende uma teoria ético-retributiva da pena, ou seja, a pena tinha por
finalidade a retribuição ética do crime praticado e, portanto, a gravidade da pena devia
corresponder por imperativo categórico, à gravidade do facto ilícito praticado e à
gravidade da culpa do respetivo agente.
→ Hegel – defende uma retribuição jurídica da pena, concebendo ao direito penal uma
ordenação perfeita da vida em sociedade, como se o crime fosse uma negação da ordem
de liberdade e, por isso, atribuiu à pena a função de negação dessa negação (que é o
crime). Assim, a pena visava repor a vigência da norma jurídica violada, ou seja, a
reafirmação da intangibilidade do Direito.

Esta teoria reflete-se hoje no princípio da culpa, uma máxima do direito penal – ‘’ não pode haver
pena sem culpa e a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa’’.

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Nem sempre se exige a correspetividade entre pena e culpa – toda a pena supõe a culpa, mas nem
toda a culpa supõe a pena, mas só aquela culpa que simultaneamente acarrete a necessidade ou
carência de pena. Um exemplo disto é a dispensa da pena no direito penal português. Isto significa
que a culpa é pressuposto e limite, mas não fundamento da pena.

Críticas às teorias absolutas:

→ Não pode ser considerada uma teoria dos fins da pena, já que ela considera a pena como
Figueiredo Dias

uma entidade independente de fins;


→ Deve ser recusada pela sua inadequação à legitimação, à fundamentação e ao sentido da
intervenção penal – esta teoria justificaria que o Estado restringisse direitos, liberdades e
garantias indispensáveis, sendo a compensação do mal do crime um meio inidóneo e
ilegítimo;
→ É uma doutrina social-negativa, na medida em que é um entrave a qualquer tentativa de
socialização do delinquente e da restauração da paz jurídica da comunidade afetada pelo
crime. É inimiga, portanto, de qualquer atuação preventiva.
Maria Fernanda Palma

→ A teoria retributiva deriva da indemonstrabilidade dos seus pressupostos, já que parte de


uma ideia de responsabilidade individual, difícil de comprovar;
→ A retribuição tem como pressuposto a culpa ética, surgindo como sua consequência
necessária – o problema coloca-se porque a intervenção do Estado investido do seu poder
punitivo não pode sancionar automaticamente a culpa. Além disso, a pena só é aplicada
quando necessária para a preservação da sociedade (princípio da necessidade de pena do
art.18º da CRP), pelo que a pena não pode operar automaticamente sempre que haja culpa.

Teorias relativas

Entendem que os fins das penas já não se dirigem para o passado, mas sim, para os efeitos que
estas vão ter no futuro. São sempre teses preventivas, na medida em que querem prevenir algo,
tendo por base uma finalidade construtiva da sociedade. A diferença irá residir naquilo que
querem prevenir – doutrinas da prevenção.
 Aquilo que as teses da prevenção têm em comum é o objetivo de atuar
psiquicamente sobre a generalidade dos membros da sociedade,
afastando-os da prática dos crimes através da ameaça penal estatuída por
lei, da realidade da sua aplicação e da efetividade da sua execução.

A prevenção geral justifica a pena Considera que o fim das penas é


pela intimidação dos cidadãos na a intervenção sobre o cidadão
sua generalidade relativamente à delinquente, através da coação
violação da lei penal. Ou seja, a psicológica, inibindo-o da prática
pena seria um instrumento político- de crimes ou eliminando nele a
criminal, destinado a afastar os disposição para delinquir. Neste
Prevenção cidadãos da prática de crimes Prevenção sentido, deve falar-se de uma
geral através da ameaça penal estatuída especial finalidade de prevenção da
pela lei, da realidade da sua reincidência (FIGUEIREDO
aplicação e da efetividade da sua DIAS).
execução. Segundo o autor
FEUERBACH, a pena serviria para
impedir (psicologicamente) quem

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tivesse tendências contrárias ao
Direito de se determinar por elas.
A pena é concebida como forma A prevenção especial só poderá
estatalmente acolhida de dirigir-se à intimidação
Prevenção intimidação das outras pessoas Prevenção individual do delinquente, uma
geral negativa através do sofrimento que com ela especial vez que a sua “correção” é uma
(intimidação) se inflige ao delinquente e cujo negativa utopia. O que se pretende é a
receio as conduzirá a não neutralização do agente infrator.
cometerem factos puníveis.
A pena é concebida como forma de Pretende dar à prevenção
que o Estado se sirva para manter e individual a finalidade de
Prevenção reforçar a confiança da comunidade Prevenção alcançar a reforma interior
geral positiva na validade e na força de vigência especial (moral) do delinquente ou de
(integração) das suas normas de tutela de bens positiva ou tratamento das tendências
jurídicos e, assim, no ordenamento socialização individuais que conduzem ao
jurídico-penal. Trata-se, em suma, crime, exatamente no mesmo
da resolução do conflito social plano em que se trata um
suscitado pelo crime, integrando doente.
verdadeiramente o delinquente.

Críticas à prevenção geral:

→ Professor Figueiredo Dias:


→ Invoca que o ponto de partida da prevenção geral é admissível, já que ao contrário
do que sucede nas teorias de retribuição, esta liga-se direta e imediatamente à
função do direito penal de tutela subsidiária de bens jurídicos. Não obstante, há
um grande argumento contra a prevenção geral – o argumento de que elas fazem
da pena um instrumento que viola, de forma inadmissível, a eminente dignidade
da pessoa humana à qual se aplica, quando esta tem por vista o seu cariz negativa
de intimidação. Isto porque para além de não ser possível determinar
empiricamente o quantum de pena necessário para alcançar tal efeito, pode
cair no efeito de penas mais severas e desumanas, fazendo o direito penal
descambar.
→ Quando ao cariz positiva da prevenção geral, o Professor Figueiredo Dias já
não considera essas argumentos supra válidos, visto que a prevenção de
integração tem por vista a tutela de confiança geral na validade e vigência das
normas do ordenamento jurídico, ligada à proteção dos bens jurídicos e visando
a restauração da paz jurídica. Este critério, para o Professor, permite que se
encontre uma pena justa e adequada à culpa.
→ Professora Maria Fernanda Palma
→ Invoca que o interesse público não pode justificar que se inflija ao agente
qualquer pena – seria até contra a dignidade da pessoa (art.1º CRP); além disso,
este pensamento não consegue justificar a pena como consequência do crime.

Críticas à prevenção especial:

→ Professor Figueiredo Dias


→ Considera as teorias de prevenção especial tanto prezáveis como indispensáveis,
já que estabelecem uma tutela subsidiária de bens jurídicos, no sentido em que a

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pena visa atuar sobre o delinquente no sentido de prevenção da reincidência,
devendo o Estado ser um auxílio fornecendo os meios necessários à sua
reinserção social.
→ O Professor reconhece que há, contudo, dificuldades a ultrapassar: não é
possível aceitar nos dias de hoje uma prevenção especial na aceção de correção
ou emenda moral do delinquente, e nem tão pouco o paradigma clínico, sempre
que esteja em causa um tratamento coativo das inclinações e tendências do
delinquente para o crime, já que se assim fosse, o Estado estaria a violar a
liberdade de autodeterminação da pessoa do delinquente, e
consequentemente os princípios constitucionais da preservação da dignidade
pessoal.
→ Pode haver vezes em que a socialização seja desnecessária.
→ Professora Maria Fernanda Palma
→ Considera que a prevenção especial pode conduzir a consequências difíceis de
aceitar – crimes muito graves podiam ficar impunes se não existisse perigo de
reincidência e crimes menos graves poderiam justificar a prisão perpétua ou a
morte;
→ A investigação empírica não permite apoiar em dados absolutamente seguros a
prognose sobre a delinquência futura;
→ A prevenção especial menospreza o princípio da necessidade de pena (art.18º/2
CRP).

Teorias mistas
As teorias mistas tendem a combinar a ideia retributiva e as ideias preventivas. Algumas, acolhem
mesmo a ideia de retribuição, dizendo que o fim das penas está na pena retributiva atribuída
consoante os pontos de vista da prevenção geral e especial, ou então, a ideia de uma pena
preventiva através da justa retribuição. Ou seja, aqui temos presente uma ideia de retribuição de
culpa como um instrumento subsidiário da intimidação da generalidade e na medida do possível,
de ressocialização do agente. Já outras, designadas como teorias diacrónicas, acolhem o
entendimento de que no momento da ameaça abstrata da pena estaríamos perante um instrumento
de prevenção geral, ao passo que no momento da sua aplicação ela manifestar-se-ia retributiva, e
por fim, na sua execução efetiva, o fim seria de prevenção especial.
Críticas:
Professor Figueiredo Dias:

→ Critica estas teorias mistas ou unificadoras, na medida em que recorda que a retribuição
ou compensação da culpa não é nem pode constituir uma finalidade da pena;
→ As doutrinas absolutas e relativas são irremediavelmente diversas e provêm de conceções
básicas diferentes, pelo que não é possível conciliá-las;
→ Quanto às teorias diacrónicas, a pena é uma instituição unitária, deve ser perspetivada da
mesma forma nos vários momentos;
→ A unificação das finalidades da pena apenas pode ser feita a nível da prevenção geral e
especial, excluindo qualquer ressonância retributiva, mas ainda assim, teorias de
prevenção integral devem ser rejeitadas, já que permitiria manipular a ideia de culpa e
a intervenção penal perderia o seu pressuposto.

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A culpa como pressuposto e limite da pena
Segundo o Professor Figueiredo Dias, não há pena sem culpa e a medida da pena não pode em
caso algum ultrapassar a medida da culpa. Trata-se, na verdade, do princípio da culpa, que
proíbe, assim, o excesso. Contudo, a culpa não é fundamento da pena, mas constitui um
pressuposto necessário e o seu limite é inultrapassável, mesmo por quaisquer considerações
ou exigências preventivas. A função da culpa é, assim, estabelecer o máxima de pena desde que
compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e da garantia do livre
desenvolvimento da sua personalidade.
A legitimação da pena repousa, então, num duplo fundamento: o da prevenção e o da culpa, já
que a pena só seria legítima quando é necessária de um ponto de vista preventivo e, para além
disso, é justa’’ – é uma justificação cumulativa. Chegamos à conclusão que toda a pena que
responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma
pena justa.
Determinação da pena de acordo com o Professor Figueiredo Dias:
1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial;
2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa;
3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção
geral de integração, cujo limite máximo é a tutela dos bens jurídicos e o limite mínimo a
defesa do ordenamento jurídico;
4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração, a medida da culpa é encontrada
em função de exigências de prevenção especial, em regra positivo ou de socialização e
excecionalmente negativa ou de segurança individuais.
O Professor funda a sua teoria com base no art.18º/2 da CRP.
Críticas ao raciocínio do Professor Figueiredo Dias:

→ O Professor não explica como é que considera o limite mínimo do ordenamento;


→ Diz que a culpa não interessa enquanto fundamento, mas ao ser questionado como é que
se estabelece o limite mínimo da prevenção iriamos perceber que, na verdade. Se baseia
na medida da culpa;
→ A situação da culpa estar abaixo do limite mínimo da moldura de prevenção geral nunca
há de acontecer porque esta, em condições normais, descerá esse limite até à medida da
culpa.

Criminologia
Criminologia: consiste em estudos científicos não jurídicos sobre o crime enquanto fenómeno
social. Tradicionalmente, é entendido como uma ciência de base descritiva e não normativa,
ou seja, não pretende demonstrar o que deve ser crime nem como se deve responder ao crime,
antes pretende compreendê-lo e explicá-lo.
Conceções de identificação do crime:
→ Uma deficiência do indivíduo.
→ Uma deficiência da socialização.
→ Uma deficiência da sociedade.
→ Um produto de construção social.
Três perspetivas metodológicas:
→ Crime como acontecimento individual que reúne as conceções biopsicológicas
tradicionais (realidade objetivamente identificável).

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→ Crime é visto como alteração de um padrão de comportamento que é tido como
normal.
→ Crime como acontecimento social, baseado em padrões sociais de ação (realidade
objetivamente identificável).
→ Crime é visto como alteração de um padrão de comportamento que é tido como
normal.
→ Crime como fenómeno significativo e comunicacional (depende da definição de conceitos
pelo próprio sujeito).

Deficiência do indivíduo
Conceção das teses biologistas:
Discussão desloca-se para a pessoa que comete os crimes e o determinismo biológico e/ou
psicológico que leva tal pessoa a cometer o crime.
Lombroso (finais século XIX):
→ Deficiência do indivíduo devido a fatores biológicos.
→ Criminosos seriam delinquentes natos, próximos dos primitivos que, independentemente do
meio social, não poderiam deixar de cometer crimes.
→ O crime depende da constituição biológica do delinquente (traços biológicos: tamanho e
forma do crânio, assimetrias faciais, orelhas grandes, lábios e caninos salientes; traços sociais
e psicológicos: resistência à dor, tatuagens, cretinismo moral).
→ Críticas:
→ Comparação dos crânios que permitia chegar a tais conclusões não incluía o estudo
de não criminosos.
→ Conexões entre o funcionamento do cérebro e o comportamento humano não
permitem concluir, pela sua complexidade, que haja uma causalidade linear entre
fenómenos registados no cérebro e determinados comportamentos.
→ Numa primeira fase não considerava uma série de fatores que estariam subjacentes à
prática de crimes, embora posteriormente viesse a considerar o papel da educação na
prevenção da criminalidade.
→ Repercutia os preconceitos existentes na sociedade na época (Exemplo: prostitutas).
→ No entendimento atual, se a pessoa está programada para praticar crimes, à partida
não posso julgá-la nem sancioná-la por isso, o Direito Penal só atua quando
praticamos um crime porque escolhemos uma conduta que é proibida e que podíamos
ter escolhido não praticar.
→ Aplicação de penas incapacitantes de modo a tentar limitar a possibilidade destes
indivíduos voltarem ao meio social, uma vez que se encontram determinadas pelas
suas condições biológicas.
Antropologia Criminal:
→ Fundada por Lombroso.
→ A Escola positiva e a antropologia criminal identificam o crime com a
doença/perturbação do agente e despolitizam a fundamentação da pena.
→ Pena passa a ser vista como proteção da sociedade e como tratamento e já não se
funda no poder do Estado e sim na ciência.

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Conceções biopsicológicas que ligam genética e crime:
Discussão desloca-se para as características genéticas que explicam o comportamento dos
criminosos.
Síndrome da Hipermasculinidade:
→ Deficiência do indivíduo devido à duplicação do cromossoma y.
→ Ideia de que os homens com cromossomas xyy cometiam crimes graves/violentos contra as
pessoas.
→ Críticas:
→ Estudo posteriormente rejeitado porque não incluiu como objeto de estudo pessoas
que tivessem cometido crimes graves/violentos.
→ Conceção que põe em causa a exclusão da responsabilidade civil.
→ No entendimento atual, se a pessoa está programada para praticar crimes, à partida
não posso julgá-la nem sancioná-la por isso, o Direito Penal só atua quando
praticamos um crime porque escolhemos uma conduta que é proibida e que podíamos
ter escolhido não praticar.
→ Aplicação de penas incapacitantes de modo a tentar limitar a possibilidade destes
indivíduos voltarem ao meio social, uma vez que se encontram determinadas pelas
suas condições genéticas.
Conceções biopsicológicas da neurociência:
Discussão desloca-se para a relação entre o crime e algumas características neurológicas dos
indivíduos.

→ Neurociência vem colocar a questão da mente humana numa base naturalista, rejeitando o
dualismo alma-corpo. É errado confundir mente e cérebro, embora um não exista sem o outro.
→ Crítica: procura de traços no cérebro de realidades que são conceitos cultural e socialmente
significativos, como o de violência ou de mentira.
→ A neurociência pode ajudar a compreender como são tomadas as decisões que levam ao
crime.
Damásio:
→ Associa problemas e anomalias cerebrais à prática de crimes, entendendo que a certas
anomalias se associam determinados comportamentos.
→ Exemplo: certas lesões pré-frontais que se concentram no setor ventromedial afetam a
solução de dilemas morais.
Falácia mereológica: consiste em atribuir uma capacidade e função a uma parte que é somente
atribuível ao todo que essa parte pertence.
Conceções psicologia contemporânea:
Teorias Psicodinâmicas:
→ Deficiência do indivíduo devido a problemas na infância e fraqueza do ego.
→ Sentimento de culpa é o motivo do crime, sendo que a condenação exterior é aliviadora da
autocondenação interior.
→ Staub: necessidade de ser punido é a consequência do medo inconsciente da consciência.
→ Eysenck: herança genética condicionaria diferenças no funcionamento do sistema nervoso
cortical e autonómico que interfeririam com a capacidade de aprender com os estímulos
exteriores, sendo que o comportamento antissocial estaria relacionado com a combinação de
extroversão, neurotismo e psicotismo que produziria pouca condicionalidade dos
indivíduos aos estímulos sociais e menor controlo do seu comportamento.

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Teorias Cognitivas:
→ Kohlberg: comportamentos antissociais estariam relacionados com a incapacidade de
atingir os estádios superiores dos níveis de desenvolvimento moral da personalidade, pelo
que o crime estaria associado aos indivíduos que ainda não passaram na primeira fase desses
mesmo níveis.
→ Gillian (feminista): critica a construção de Kohlberg por ser uma conceção
masculina, orientada para a justiça para resolver dilemas morais, contrapondo com
uma ética de cuidado.
→ Gottfredson: o crime estaria relacionado com a impulsividade e falta de controlo, sendo
que o prazer imediato seria mais valorizado que as consequências dos atos a longo prazo.
→ Gibbs: existência de distorções cognitivas que proporcionam a distorção do
reconhecimento da autoria ou a desvalorização da responsabilidade pelo próprio
comportamento.
→ Fanagy: crime surge associado à falta de controlo de si mesmo, sendo que o segredo para
esse controlo pressupõe a capacidade de representações mentais próprias e dos outros.
Teorias da Personalidade:
→ Deficiência do indivíduo no processamento da informação social.
→ Indivíduos agressivos desenvolvem perceções limitadas das situações e das soluções para os
problemas que lhe são colocados nos conflitos interpessoais, não conseguindo alcançar
técnicas alternativas à violência para resolver tais conflitos.
Teorias Focadas na Inteligência:
→ Crime aparece enquanto escolha racional, sendo o benefício pessoal a motivação
determinante do criminoso.

Deficiência da socialização
Durkheim:
→ Deficiência da socialização.
→ Crime seria uma expressão do funcionamento normal de todas as sociedades.
→ Fenómenos de indiferença às normas e consequente teoria da anomia, seguindo o
entendimento de que o indivíduo é impermeável à existência de regras, suscitados pela
organização das sociedades, nomeadamente pela divisão do trabalho social.
→ Acentuou a raiz dos comportamentos antissociais na natureza das estruturas sociais.
Mead (inícios século XX):
→ Deficiência da socialização.
→ Os comportamentos sociais correspondem ao resultado de interação entre a sociedade e o
individuo, em que a sociedade determina a construção das conceções de si mesmo e a
construção de significados.
→ Teorias de aprendizagem dos comportamentos criminosos.
→ Construção do indivíduo e da sua personalidade delinquente.
Sutherland:
→ Deficiência da socialização.
→ Crime pressupõe fenómenos de aprendizagem por contacto, através da chamada
associação diferencial com padrões de comportamento criminosos e anti-criminosos. Ou
seja, o crime surge como fenómeno associativo e aprende-se, sendo que todos podem
aprender a ser criminosos.
→ Crime explica-se pela intensidade, frequência e precocidade de certos contactos sociais.

12
→ Comportamento antissocial aparece associado a padrões comportamentais desenvolvidos
pelos grupos sociais.
→ Teoria da determinação do comportamento criminoso em 9 aspetos:
1. Comportamento criminoso é aprendido.
2. Comportamento criminoso é aprendido por interação com outras pessoas num
processo de comunicação.
3. Aprendizagem faz-se por contacto dentro de grupos íntimos e sociais.
4. Aprendizagem inclui técnicas, motivos e atitudes.
5. Orientação específica dos motivos depende dos códigos legais como favoráveis ou
desfavoráveis à infração.
6. Uma pessoa torna-se delinquente em consequência do prevalecimento das posições
favoráveis às infrações.
7. Associações diferenciais podem variar em frequência, duração, prioridade e
intensidade, sendo mais decisivas as mais precoces.
8. Comportamento criminoso envolve todos os elementos de uma aprendizagem, não
sendo uma mera imitação.
9. Ainda que o comportamento criminoso seja uma expressão de necessidades e valores
gerais, não é explicado por eles, porque tais necessidades e valores gerais presidem a
todo o comportamento social, criminoso e não criminoso.
Cohen:
→ Criminalidade surge de fenómenos de conflito de valores culturais e de substituição dos
valores dominantes por outros valores e pautas normativas, que originariam as subculturas
delinquentes.

Deficiência da estrutura social


Uma vez que a explicação do comportamento criminoso reside na deficiência da estrutura
social, o agente criminoso seria vítima da estrutura sociocultural.
Merton:
→ Paradigma de capitalismo e do ideal americano.
→ Explica o crime pelo desfasamento entre as metas sociais gerais e as vias para as alcançar
– desfasamento entre a promoção de valores como a ascensão social e a efetiva escassez de
meios legítimos para a atingir.
→ Identifica um mecanismo de interação social que não leva à prática de crimes, a
conformação.

Produto de uma construção social


Conceção do labeling approach:
→ O crime e a criminalidade como factos sociológicos seriam o resultado de um processo de
seleção social.
→ Instâncias formais de controlo (Exemplo: legislador, polícia, tribunais) elegeriam algumas
condutas e não outras como criminosas e certas pessoas como delinquentes e instâncias
não formais de controlo (grupos sociais, Exemplo: família, vizinhos, colegas)
etiquetariam/rotulariam certas pessoas como potenciais ou efetivas autoras de crimes.
→ Condutas a serem criminalizadas podem nem estar criminalizadas em lei penal.

13
Conceito Material de Crime
O que é um crime?
→ Perspetiva formal: crime é o que o legislador consagrou como tal—facto que institui a
proibição criminal tem de seguir as regras procedimentais e tem de ser emitido pelo órgão
competente (art 167º, 168º e 136º CRP);
× crítica: não permite saber qual a legitimação material do direito penal;
→ Perspetiva material: o conteúdo da proibição criminal tem de estar de acordo com um
determinado parâmetro exterior ao Código Penal, que determina o que é crime e as
normas que são criminais.
Seguindo a perspetiva material, qual a fonte de validade das normas criminais?

→ Perspetiva legalista – seria considerado materialmente crime tudo aquilo que o


legislador considerar como tal.
→ Críticas:
 O CMC viria a corresponder afinal ao CFM;
 Tal conceção é inaceitável e inútil – quando de pergunta pelo CMC procura-
se uma resposta, antes de tudo, à questão da legitimação material do direito
penal, isto é, à questão de saber qual a fonte de onde promana a legitimidade
para considerar certos comportamentos humanos como crimes e aplicar aos
infratores sanções de espécie particular;
 A conceção atribuída ao CMC não permite obter a função e limites do direito
penal.
→ Perspetiva sociológica – o sentimento da comunidade? uma norma criminal é válida se
estiver de acordo com os sentimentos comunitários acerca dos comportamentos que
merecem a qualificação de “criminoso” – princípio da ofensividade (harm principle): o
que lesar a sociedade (ofender ou prejudicar a vida em sociedade) é um ilícito jurídico.
 Críticas: i) há falta de consenso na sociedade, sendo que não conseguimos
orientar as nossas condutas pelo sentimento do povo; ii) os sentimentos
jurídicos são moldados por normas e respetivos parâmetros de validade
material (são efeito e não a causa); iii) violação do princípio da legalidade
(art. 29º CRP); iv) MFP + FIGUEIREDO DIAS dizem que a noção de
“lesividade social” é insuficiente para dar conta de conteúdos tipicamente
criminais – FIGUEIREDO DIAS diz que é preciso algo mais: a dignidade
penal;
→ Perspetiva moral/ética e social – a moral fundamental? Welzel entende que a tarefa
central do direito penal residiria em assegurar a validade dos valores ético-sociais
positivos de ação, sendo essa a tarefa primária do direito penal. Também para Jescheck
cabe ao direito penal tutelar os valores fundamentos da ordem social.
 Críticas: a função do direito penal não é, nem primária nem secundária,
tutelar a virtude ou a moral – o direito penal nem tem legitimidade para tal,
já que tem que respeitar a liberdade de consciência de cada um (art. 41º CRP)
 MFP: não faz sentido que um sistema normativo constitua parâmetro de
validade de outro sistema normativo;
 FIGUEIREDO DIAS: não se consegue encontrar uma moral, dado que as
sociedades modernas são pluralistas: não há um único conteúdo criminal.
→ Perspetiva racional – os bens jurídicos? uma norma só é válida se tutelar um bem
jurídico.

14
O CMC tem duas funções:
- uma a priori Ou seja, se a norma já existe ou se
- outra a posteriori há a possibilidade de ela existir.
Podemos dizer que o CMC resulta da função atribuída ao direito penal de tutela subsidiária de
bens jurídicos dotados de dignidade penal. Daqui podemos retirar dois pressupostos:

→ dignidade de tutela penal, o bem jurídico tutelado tem que ter dignidade penal, ou seja,
só pode haver incriminação se pretendemos tutelar o bem;
→ necessidade da pena, a incriminação só é legítima se não houver outros meios, menos
gravosos do que o direito penal e que tutelem de forma eficaz o bem.
→ Artigo 18º/2 CRP
→ A violação de um bem jurídico penal não basta por si para desencadear a
intervenção, já que se requer que esta seja absolutamente indispensável à livre
realização da personalidade de cada um na comunidade – neste caso a
intervenção do direito penal é de natureza definitivamente subsidiária.
→ O direito penal usa os meios mais onerosos para os direitos e liberdades e apenas
intervém se outros meios se mostrarem insuficientes e inadequados, caso
contrário a intervenção penal será contrária ao princípio da proporcionalidade,
sob a forma de violação do princípio da subsidiariedade e da proibição do
excesso.

Então e o que é um bem jurídico?

× Professor Figueiredo Dias – expressão de um interesse, da pessoa da comunidade, na


manutenção/integridade de um certo estado, objeto ou bem em si mesmo socialmente
relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso;
× MFP – condições essenciais de liberdade da pessoa e de funcionamento do Estado de
direito democrático.

Evolução da noção de bem jurídico

- Conceito individualista: inicialmente, a noção de bem jurídico assumiu um conteúdo


individualista, identificador do bem jurídico com os interesses primordiais do individuo,
nomeadamente da sua vida, o seu corpo, a sua liberdade e ao seu património.
- Conceito metodológico: posteriormente, surgiu um conceito metodológico de raiz
normativista, que fazia do conceito de bem jurídico meras fórmulas interpretativas dos
tipos legais de crime. Esta formulação acabou por ser rejeitada porque o conceito de bem
jurídico deixava de poder ser visto como padrão crítico de aferição da legitimidade da
criminalização.
- Conceito teleológico: o conceito de bem jurídico deve obedecer a uma série de
condições, devendo traduzir uma certa corporização, não bastando uma técnica de
interpretação ou aplicação do direito – deve servir como padrão crítico de normas
constituídas ou a constituir, porque só assim é possível arvorar um critério legitimador
do processo de criminalização e de descriminalização, e deve ser político, ou seja,
criminalmente orientado.

Figueiredo Dias:

A crítica que deve dirigir-se a este conjunto de conceções não é a da sua inexatidão, mas a da sua
irremediável insuficiência para os efeitos práticos da aplicação do direito.

15
Deve-se concluir que um bem jurídico político – criminalmente tutelável existe ali onde se
encontre refletido num valor jurídico – constitucionalmente reconhecido em nome do sistema
social total e que, deste modo se pode afirmar que “preexiste” ao ordenamento jurídico –
constitucional e a ordem legal – jurídico-penal – dos bens jurídicos tem por força de verificar-se
uma qualquer relação de mútua referência.

Relação que não será de “identidade”, ou mesmo só de “recíproca cobertura”, mas de analogia
material, fundada numa essencial correspondência de sentido e – do ponto de vista da sua tutela
– de fins. Correspondência que deriva, ainda ela, de a ordem jurídico – constitucional constituir
o quadro obrigatório de referência e, ao mesmo tempo, o critério regulativo da atividade
punitiva do Estado. É nesta aceção que os bens jurídicos protegidos pelo direito penal devem
considerar-se concretizadores dos valores constitucionais expressa ou implicitamente ligados
aos direitos e deveres fundamentais e à ordenação social, política e económica. É por esta via,
só por esta via, que os bens jurídicos se “transformam” em bens jurídicos dignos de tutela penal
ou com dignidade jurídico-penal, em bens jurídico-penais.

Não constituindo um conceito fechado, o bem jurídico é discutido pela doutrina em questões
relativas à sua concreta verificação, como a de saber se protegem autênticos bens jurídicos
incriminações como a interrupção voluntária da gravidez ou a plantação para consumo de drogas.

Consequências desta orientação:

× Puras violações morais não conformam como tais a lesão de um autêntico bem jurídico e
não podem, por isso, integrar o conceito material de crime. O Professor Figueiredo Dias
dá o exemplo do art.169º/1, onde o legislador criminalizou puras situações tidas como
imorais, considerando o preceito materialmente inconstitucional, pois o bem jurídico
‘’liberdade e autodeterminação sexual’’ da prostituta não está em causa.
× Do mesmo modo não conformam autênticos bens jurídicos proposições (ou imposições
de fins) meramente ideológicos. O Professor Figueiredo Dias defende que situações como
o consumo de drogas ou apologia de uma qualquer doutrina religiosa, política ou cultural
não podem constituir objeto de criminalização.
× Objeto de criminalização não deve ainda constituir, por igual motivo, a violação de
valores de mera ordenação, subordinados a uma certa política estatal e por isso de entono
claramente jurídico – administrativo.

Bens jurídicos e a Constituição

Diz-se que tem de existir entre a ordem constitucional e a ordem legal de bens jurídicos uma
relação de implicação, no sentido em que todo o bem jurídico penalmente relevante tem de
encontrar uma referência, expressa ou implícita, na ordem constitucional dos direitos e
deveres fundamentais.

→ Onde o legislador constitucional aponte expressamente a necessidade de intervenção


penal para a tutela de bens jurídicos determinados, tem o legislador ordinário de seguir
esta injunção e criminalizar os comportamentos respetivos, sob pena de
inconstitucionalidade por omissão;
→ Onde, porém, não existam tais injunções constitucionais expressas, da existência de um
valor jurídico –constitucionalmente reconhecido como integrante de um direito ou de um
dever fundamental, não é legítimo deduzir sem mais a exigência de criminalização dos
comportamentos que o violam, pois não pode ser ultrapassado o inevitável entreposto

16
constituído pelo critério da necessidade ou da carência da pena, que na maior parte das
vezes, esse critério é aferido pelo legislador ordinário.

× A finalidade de dirimir o crime, bem como os meios empregues têm de estar consagrados
na CRP—respeitando o princípio da legalidade (para existir previsibilidade) e o
princípio da constitucionalidade (dignidade ou relevância especial);
× O catálogo dos direitos fundamentais (art.24º a 79º) dá a finalidade de combate ao
crime—o Estado está vinculado à “realização” destes;
× Art. 18º/2 da CRP disciplina os meios a que se pode recorrer: “A lei só pode restringir
os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição,
devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou
interesses constitucionalmente protegidos” – princípio da proporcionalidade em
sentido amplo, que abrange o princípio da adequação, o princípio da necessidade e o
princípio da proporcionalidade em sentido estrito.

Jurisprudência:

→ Acórdão da Deserção (Ac. TC 211/95)


→ Matéria de facto
× Um senhor pescador recusou-se a embarcar no navio da marinha
mercante;
× O Tribunal de 1ª instância recusou a aplicação de uma norma com
fundamento em inconstitucionalidade, o que significa que há recurso
obrigatório para o TC;
× O TC acabou por entender que a norma era inconstitucional porque não
havia um bem jurídico – entendeu que não houve uma conduta a colocar
em causa um bem jurídico e que além disso a tutela podia ser assegurada
por outros meios, neste caso pelo direito de trabalho.

Esquema de resolução destes casos (quando há apenas um bem jurídico em causa):

→ Coloca-se a questão de saber se a conduta dos agentes que se recusaram a


embarcar no navio da pesca, é uma conduta que afeta um bem jurídico a proteger
e se a tutela penal é adequada para a proteção desses interesses.
× Primeiro, para resolver situações desde género, temos de discutir o que é
um bem jurídico, se há um bem jurídico no caso em concreto e, se
houver, se a conduta pode colocar em perigo o bem jurídico em causa;
× Em segundo lugar, ainda havendo um bem jurídico e que tenha havido
uma conduta que o tenha colocado em causa, temos de ver se há outra
norma que tutele a situação, para além do direito penal;
→ Havendo uma norma penal que tutele o bem jurídico:
× Antes de tudo, temos de explicar se estamos a utilizar o CMC antes ou
depois da existência de uma norma incriminadora;
× Assumindo que existe, se a previsão da norma incriminadora for para
além do necessário, o vício será a inconstitucionalidade material;
× A seguir, teremos que ver quem é que aprovou a norma incriminadora –
se foi a AR ou o Governo – isto porque se o enunciado disser que foi o
Governo ou nada disser, temos que invocar o art.165º/1/c) CRP, porque

17
quem tem competência é a AR, sob pena de inconstitucionalidade
orgânica. O Governo só pode mediante autorização da AR;
× Sendo que a norma incriminadora só pode ser válida se houver um bem
jurídico, o próximo passo a dar é a definição de bem jurídico e identificar
os bens jurídicos que podem estar em causa naquela norma;
× Se concluirmos que existe um bem jurídico temos de averiguar se aquela
conduta pode colocá-lo em perigo;
× Se estiver tudo bem, vamos ver se não há outra forma de garantir a
proteção daquele interesse (princípio da necessidade da pena e
subsidiariedade – art.18º/2 CRP);
× Se não houver, a norma está constitucionalmente conforme e pode ser
crime.

→ Acórdão do incesto
→ Matéria de facto:
× Dois irmãos casam e têm 4 filhos;
× O irmão (que era o mais velho) é condenado por incesto;
→ Neste caso estão dois bens jurídicos em conflito: por um lado, o
casamento/família e autodeterminação e, por outro, a saúde pública.
× Argumentos contra a saúde pública: pessoas que têm filhos com +40
anos correm os mesmos riscos que irmãos que tenham filhos, e além
disso não à prova de causalidade de anomalias que filhos entre irmãos
possam causar;
× Argumentos contra a autodeterminação sexual: as relações sexuais
foram consensuais, mas a irmã, sendo menor e tendo problemas
psicológicos, foi coagida e manipulada, pelo que não estava em
condições de consentir; há um abuso de inexperiência (a pessoa não está
ciente da sua autodeterminação sexual);
× Argumentos contra a proteção da família: trata-se de maiores de 18 anos,
fora do sistema familiar inicial, pela lógica também seria proibido as
relações entre irmãos adotivos;
→ Acórdão da Blasfémia (Caso do instituto Otto c. Áustria)
→ Matéria de facto:
× O instituto Otto lança um filme onde mostrava várias cenas de blasfémia,
como cenas de submissão de Deus perante o Diabo e tensão erótica entre
várias personagens e a Virgem Maria e Jesus Cristo a aplaudir o Diabo;
× A Igreja Católica de Innsbruck pediu a abertura de um processo criminal
por ultraje a doutrinas religiosas, o que resultou na suspensão das sessões
de cinema.
→ Os bens jurídicos em causa e em conflito são a liberdade de expressão (artística
e política) e a liberdade religiosa (sentimentos religiosos).
× Argumentos do TEDH: os sentimentos religiosos são garantidos no art.9º
da CEDH, pelo que a restrição seguiu objetivos legítimos; sendo a cidade
em questão maioritariamente católica as autoridades nacionais agiram de
modo a garantir a paz religiosa e prevenir que os crentes sentissem a sua
fé atacada;
× Argumentos dos juízes austríacos: a CEDH não garante a proteção dos
sentimentos religiosos; o direito à liberdade de religião inclui exprimir
visões críticas das opiniões religiosas dos outros; as sessões de cinema
eram pagas e +17 anos, só ia ver o filme quem quisesse.

18
→ Será que a conduta de exibição do filme pode colocar em causa o bem jurídico
dos sentimentos religioso? Neste caso estamos a utilizar o CMC a posteriori
porque já existe norma incriminadora.
→ Acórdão do negacionismo (Ac. STJ 05/07/2012)
→ Matéria de facto
× Trata-se de um agente que nega a existência do holocausto o que traduz
uma ofenda à memória das pessoas que faleceram e sofreram as
atrocidades que sofreram. O senhor foi criminalmente perseguido na
Alemanha por mandado de tentação europeu. Disse que não podia ser
entregue à Alemanha porque há um requisito da lei do mandato em que
Portugal só pode entregar pessoas se considerarem que a conduta é crime
tanto em Portugal como na Alemanha. Em Portugal a conduta não é
criminalizada;
× As declarações cabem no art.240/2º b) do CP? Para isso temos de ver se
o negacionismo cabe dentro desta previsão penal ou não. O que o tribunal
faz é perceber se há um contributo para o debate sobre os eventos
históricos da segunda guerra mundial ou se este tipo de negacionismo já
contém um caráter discriminatório e se existe perigo abstrato – Em
Portugal, afirmações de caráter discriminatório, por si só, não são crime.
× Quando é que o exercício da liberdade de expressão deixa de ser aceite,
ou limitado? Quando as afirmações têm um caráter perigoso – discurso
de ódio, será punido em Portugal, nos termos do art.240/2º b) CP quando
for suscetível de incitar ao ódio ou à violência a certa altura.
× STJ – deu razão ao MP que fundamentou que o direito a liberdade de
opinião e expressão não é absoluto, podendo ser limitado por outros
direitos constitucionalmente garantidos. Que a sua ação se enquadrava
no art.240º/2/b) CP – incitamento ao ódio;
× Preenchimento do título – significa que para uma pessoa ser acusada pela
prática de um crime, a norma que está prevista tem que estar toda
preenchida.
→ Acórdão dos atos homossexuais com adolescentes (Ac. do TC n.º 247/2005)
→ Matéria de facto
× B e C eram dois adolescentes prostitutos que foram ter com o acusado de
abuso por iniciativa própria e os atos praticados foram praticados
voluntariamente e com consentimento dos menores;
× O requerente pediu a apreciação da constitucionalidade da norma do
artigo 175.º do CP por entender que violava os artigos 13.º/1 e 2 e 36.º/1
da CRP (alusivos ao princípio da igualdade e ao direito à identidade
pessoal e proteção contra a discriminação), quando confrontado com o
artigo 174.º (na altura) do CP2.
→ Cabe averiguar a constitucionalidade da norma incriminadora – a norma já existe
(art.175º), por isso estamos a analisar a posteriori, pelo que cabe avaliar se o
crime previsto no CP deve ser crime ou não.

2
Artigo 175.º - "Quem, sendo maior, praticar atos homossexuais de relevo com menor entre 14 e 16 anos,
ou levar a que eles sejam por este praticados com outrem, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com
pena de multa até 240 dias."
Artigo 174.º - "Quem, sendo maior, tiver cópula, coito anal ou coito oral com menor entre 14 e 16 anos,
abusando da sua inexperiência, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240
dias."

19
→ O caso ocorreu no ano de 2005, estando por isso, na altura, em vigor a versão de
1998 do Código Penal, mais precisamente a Lei n.º 65/98 de 2 de setembro. A lei
em questão foi decretada nos termos do artigo 161.º, do artigo 165.º alínea b) e
c) e do artigo 166.º/3 da Constituição. O que leva a crer que não houve problema
nenhum de inconstitucionalidade orgânica e que o órgão legislador (Assembleia
da República) tinha efetivamente competência para legislar sobre esta matéria.
→ Bem jurídicos: liberdade e autodeterminação sexual e livre desenvolvimento da
personalidade do menor na esfera sexual.
→ Argumentos
× Requerente: Os dois artigos apresentam uma disparidade de requisitos
que vai para além da inexperiência do menor
Nas relações heterossexuais, para que um maior de idade seja punido
por se relacionar com um menor de 14 a 16 anos, é necessário que
tenha existido:
1.Cópula, coito anal ou coito oral;
2.Prática pelo próprio agente do crime;
3.Abuso da inexperiência do menor;
Estes requisitos são cumulativos

- Nas relações homossexuais, para que um maior de idade seja punido


por se relacionar com um menor entre 14 e 16 anos basta que pratique
um ato sexual de relevo ou que leve a que ele seja praticado pelo menor
com outrem.
Em alguns casos, a jurisprudência do STJ e dos Tribunais de Relação
de Lisboa e do Porto entenderam que um beijo na boca, uma carícia,
um passar a mão pelas pernas, com consentimento são atos sexuais de
relevo e o individuo maior que o fizer com um menor do mesmo sexo é
automaticamente punido com pena de prisão até dois anos com pena de
multa até 240 dias
- Só uma conceção de homossexualidade como imoral pode explicar a
persistência desta diferença perante a lei entre os atos homossexuais
com menores e os atos heterossexuais e o direito penal deve estar
desprovido de qualquer caráter moral.
- Ao condenar os atos homossexuais com adolescentes, o legislador
condiciona a própria autodeterminação sexual dos menores e maiores e
a sua liberdade à autonomia de orientação sexual.
- Por estes motivos e outros também enunciados, requereu-se a
declaração de inconstitucionalidade do art.º 175.º do CP, por violar os
arts 13.º/1 e 2 e 26.º da CRP e ilegal por violar os artigos 8.º e 14.º da
Convenção Europeia dos Direitos Humanos, absolvendo-se o recorrente
dos crimes pelos quais foi condenado.
× Ministério Público:
- A infração criminal prevista e punida não viola o princípio
constitucional da igualdade quando cotejada com o tipo legal de crime
do artigo antecedente do mesmo diploma, que abarca uma realidade
diferente, menos exigente na punição de determinados comportamentos
no âmbito da heterossexualidade.
- Não configura violação da Constituição o facto de o legislador
ordinário, ainda no âmbito de autonomia que lhe é concedida, optar
pela criminalização de determinados comportamentos entre indivíduos

20
do mesmo sexo, sendo vítimas menores entre os 14 e os 16 anos, tal
como faz no crime do artigo 175.º do Código Penal.

→ Acórdão da IVG (Ac. do TC n.º 617/2006)


→ Bens jurídicos em causa: vida uterina e livre desenvolvimento da personalidade
– art.26º CRP.
→ Não é evidente que a vida intrauterina seja um bem jurídico. Resta saber se está
contemplado no art.24º CRP. Outro problema prévio é o facto do art.142º ser um
crime. O 142º é uma cláusula de exclusão da punibilidade. As únicas que
merecem tutela penal é a do 140º e a do 141º.
→ Como é que o tribunal construiu o bem jurídico da vida intrauterina? O tribunal
entendeu que podia retirar do art.24º a vida intrauterina:
× disse que por um lado a vida intrauterina é uma condição essencial para
a vida, seria a ideia de uma proteção reflexa, se não se proteger a vida
intrauterina estaríamos a inviabilizar o direito à vida;
× a ideia de um direito subjetivo;
→ Em que medida um dos bens jurídicos prevalece sobre o outro?
× Há dois bens jurídicos, mas um deles é construído, que neste caso é o da
vida uterina. O que temos é um interesse que a ordem jurídica e o direito
penal deve proteger, mas não em absoluto. A vida intrauterina ao início
não é tão tutelada quanto à medida que se vai desenvolvendo;
× Proibição do excesso e proibição da insuficiência;
× A vida uterina é protegida desde o início, mas através de um critério de
eficiência – o direito penal só intervém a partir das 10 semanas, porque
existem medidas alternativas. Essas medidas alternativas alcançam o
mesmo grau de tutela que o direito penal alcançaria;
× Ou seja, ou há prevalência de um bem jurídico sobre o outro ou há
articulação.

21
ESQUEMA DE RESOLUÇÃO DOS CASOS SOBRE BENS JURÍDICOS

1. REFERÊNCIA AO CMC

Podemos dizer que o CMC resulta da função atribuída ao direito penal de tutela subsidiária de
bens jurídicos dotados de dignidade penal.

2. DEFINIÇÃO DE BEM JURÍDICO

Expressão de um interesse, da pessoa ou comunidade, socialmente relevante e por isso


juridicamente reconhecido como valioso.

É necessário recorrer-se a três degraus da proteção de bens jurídicos:

1) Atender ao que deve ser protegido (há bem jurídico?)


2) A quem deve proteger-se (o bem jurídico dessa pessoa está a ser posto em perigo?)
3) Contra o que deve ser protegido (havendo bem jurídico, contra quem estamos a
proteger?)

Apenas após esta análise se pode concluir quanto à capacidade de uma conduta incriminadora pôr
em causa o livre desenvolvimento do indivíduo ou as condições necessárias a esse
desenvolvimento.

3. TUTELA DO BEM JURÍDICO

Temos de averiguar se há alguma norma que tutele o bem jurídico, para além do direito penal,
visto que o direito penal tem apenas um caráter subsidiário. Não havendo norma subsidiária,
temos de recorrer ao direito penal. Havendo norma penal que tutele o bem jurídico, aplicamos o
direito penal – art.18º/2 CRP.

Falar da dignidade penal e da necessidade de pena.

Estamos a utilizar o CMC a priori ou a posteriori? Ou seja, se estamos a utilizar o CMC antes de
existir uma norma incriminadora ou após.

4. CONFORMIDADE CONSTITUCIONAL

Averiguar se a norma penal está constitucionalmente conforme – só a AR pode aprovar a norma


incriminadora, ou o Governo mediante autorização legislativa, sob pena de inconstitucionalidade
orgânica – art.165º/1/c).

Indicar os bens jurídicos que estão em causa na norma.

5. ARGUMENTOS

A concretização do bem jurídico deve atender a certas diretrizes, isto é, com base nos argumentos
apresentados pelo Tribunal e Ministério Público ao longo dos acórdãos podemos ver que há uma
linha de raciocínio que se repete, que tem por base o seguinte:

1. Leis penais arbitrárias, fundadas em fins ideológicos ou contrárias a direitos


fundamentais, não protegem quaisquer bens jurídicos;

22
2. Comportamentos imorais ou reprováveis não fundamentam, por si só a lesão de um bem
jurídico;
3. Proteção de sentimentos apenas pode corresponder à proteção de um bem jurídico quando
pressuponha uma ameaça real;
4. Autolesão consciente e responsável bem como o auxílio que lhe seja prestado, não põe
em causa qualquer bem jurídico de outrem;
5. Penas simbólicas não desempenham a função de proteção de bens jurídicos;
6. Crenças e tabus não são bens jurídicos;
7. Objetos de tutela abstratos que sejam de difícil apreensão não poder ser tidos como bens
jurídicos – devem ser construídos;
8. Bem jurídico coletivo não pode ser objeto de tutela de determinada norma incriminadora,
sempre que tal implique simultaneamente a lesão de um bem jurídico individual.

23
Princípio da legalidade
O princípio da legalidade traduz-se essencialmente no facto de não poder haver crime, nem pena
que não resultem de uma lei prévia, escrita, estrita e certa. O princípio da legalidade da
intervenção penal possui uma pluralidade de fundamentos:
→ Externos: ligados à conceção fundamental do Estado - avulta o princípio liberal (toda a
atividade intervencionista do Estado na esfera dos direitos, liberdades e garantias das
pessoas tem de ligar-se à existência de uma lei e mesmo, entre nós, de uma lei geral,
abstrata e anterior - 18º/2 e 3 CRP), o princípio democrático e o princípio da separação
de poderes (só se encontra legitimidade a instância que represente o Povo como titular
último do ius puniendi, onde a exigência é de lei formal do Parlamento ou por ele
autorizada – art.165º/1 c));
→ Internos: de natureza especificamente jurídico-penal – avulta o princípio da culpa e a
ideia de prevenção geral. Não pode esperar-se que a norma cumpra a sua função
motivadora do comportamento da generalidade dos cidadãos, se aqueles não puderem
saber, através de lei anterior, estrita e certa, por onde passa a fronteira que separa os
comportamentos criminalmente puníveis dos não puníveis. Como não seria legitimo
dirigir a alguém a censura por ter atuado de certa maneira se uma lei com aquelas
caraterísticas não considerasse o comportamento respetivo como crime. Também a
própria função de prevenção especial positiva confirma a exigência do princípio da
legalidade.

FUNDAMENTO E ÂMBITO DE APLICAÇÃO

A conformação constitucional mais explícita do Direito Penal deriva do princípio da legalidade.


Este princípio, que a expressão latina nullum crimen, nulla poena sine lege plasmou
doutrinalmente (introduzido por Feuerbach em 1801), é a base mínima e essencial da adequação
do Direito Penal ao Estado de Direito democrático – não pode haver crime nem penal que não
resultem de lei prévia, escrita, estrita e certa, como foi dito.

→ Nullum crimen sine lege – princípio segundo o qual não há crime sem lei anterior que
como tal preveja uma certa conduta como crime; mesmo que uma determinada conduta
seja socialmente reprovável, o legislador tem de a considerar crime (descrevendo-a e
impondo-lhe como consequência jurídica uma sanção criminal) para que possa como tal
ser punida. Isto significa que esquecimentos, lacunas, deficiências de regulamentação ou
de redação funcionam sempre contra o legislador e a favor da liberdade, ainda que da
finalidade da norma se retire a possibilidade de abranger outros certo tipo de
comportamentos.
→ Alguns autores consideraram este princípio de certa forma perigoso, visto que
podia deixar impune o agente mais hábil, dotado de maior competência de ação.
→ Exemplo: no CP de 1886, antes da reforma, o art.451º relativo ao crime de burla,
apenas considerava como desfraudação a favor do próprio agente que a praticava,
não se referindo à desfraudação a favor de terceiro. Tratava-se de uma lacuna
clara na lei, que tornava tal conduta impunível; outro exemplo foi um cidadão
filipino que difundiu um vírus informático ‘’I love you’’ com danos irreparáveis
no mundo inteiro e não foi punido dada a inexistência de qualquer tipo legal de
crime na sua ordem jurídica.
→ Nulla poena sine lege – da mesma forma que não há crime sem lei, também não há pena
(leia-se sanção criminal, pena ou medida de segurança) sem lei; este segmento do
princípio tem expressa consagração jurídico-constitucional e legal.

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Do art.29º da CRP e do art.3º do CP podemos retirar cinco instâncias de criação e aplicação
do direito penal:
a) Em primeiro lugar, só a lei pode, a partida, ser fonte de direito penal, prevendo-se a
reserva relativa de competência da AR no art.165º/1 c) da CRP;
b) Em segundo lugar, o próprio conteúdo das normas penais terá de revelar um elevado
grau de determinação, na descrição das condutas incriminadas e das suas consequências
(art.29º/1 e 3 CRP);
c) Em terceiro lugar, há um condicionamento do intérprete da lei penal a quem está vedada
a analogia e, eventualmente, a própria interpretação extensiva de normas incriminadoras
(art.29º/1 e 3 CRP e art.1º/3 CP);
d) Em quarto lugar, está consagrada a proibição de retroatividade das normas penais
(art.29º/1 e 3 CRP e art.1º/1 CP);
e) Em quinto lugar, consagra-se o princípio da retroatividade das leis penais de conteúdo
mais favorável ao arguido (art.29º/4 CRP e art.1º/2 e 4 CP).

Art.29º/3 da CRP: ‘’não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam
expressamente cominadas em lei anterior’’

Relativamente às penas, a existência de lex previa corresponde à doutrina internacional


dominante; já relativamente às medidas de segurança a questão é mais controversa,
porque houve quem pensasse que, devido ao seu fundamento de prevenção especial, se
devesse aplicar a medida de segurança vigente ao tempo da aplicação porque tal se
afigurava mais favorável ao agente – esta conceção foi recusada pela CRP e pelo CP
no seu art.2º, em detrimento da ideia de que cabia ao legislador definir. Veio a
legislação constitucional e ordinária dar prevalência à proteção dos direitos, liberdades e
garantias e estender o princípio da legalidade às medidas de segurança com âmbito
análogo ao que assumem as penas.

Consequências do princípio da legalidade de acordo com o Professor Figueiredo Dias:

→ Plano do âmbito de aplicação


O princípio da legalidade não abrange toda a matéria penal, cobre toda a matéria relativa
ao tipo de ilícito ou ao tipo de culpa, ou seja, a matéria que se traduza em fundamentar
ou agravar a responsabilidade do agente. Não abrange as causas de justificação ou as
causas de exclusão da culpa.
→ Plano da fonte
Este plano diz respeito à exigência de lei formal: só uma lei da AR ou por ela
completamente autorizada pode definir o regime dos crimes, das penas e das medidas de
segurança e seus pressupostos.
Problemas:
→ o conteúdo de sentido do princípio da legalidade só deveria cobrir a
atividade de criminalização ou de agravação, não a de descriminalização ou
de atenuação, o que levaria a considerar que o governo possui competência
concorrente com a da AR para descriminalizar ou atenuar a responsabilidade
criminal. O TC respondeu negativamente, interpretando a definição de crimes,
penas e medidas de segurança e respetivos pressupostos no sentido de abranger
tanto a função de criminalização como a de descriminalização.
→ saber se a legalidade deve abranger só a lei penal stricto sensu ou também a
lei extra-penal, na medida em que esta venha a ser chamada pela lei penal à
fundamentação ou à agravação da responsabilidade criminal – problema das
normas penais em branco.

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→ Plano da determinabilidade
Importa a descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos de que dependa
em concreto uma punição – os comportamentos proibidos e sancionados devem ser
objetivamente determináveis. A principal implicação do princípio da determinabilidade
é a tipicidade na determinação da responsabilidade penal. Assim, nenhum
comportamento humano pode ser considerado criminosos se não corresponder a um
tipo legal de crime, descrito com precisão por um preceito legal. A tipicidade é
exatamente essa exigência de adequação do facto a um tipo legal de crime
→ Plano da proibição da analogia
É proibida a analogia legis (aplicação de uma regra jurídica a um caso concreto não
regulado pela lei através de um argumento de semelhança substancial com os casos
regulados) – art.1º/3 do CP.
→ Plano da proibição da retroatividade
Pode suceder que após a prática de um facto, que ao tempo não constituía crime, uma lei
nova venha criminalizá-lo. Ou sendo o facto já crime ao tempo da sua prática, uma lei
nova venha prever uma pena mais grave. Este problema de aplicação da lei no tempo é
resolvido através do direito inter-temporal, que proíbe a retroatividade, sendo apenas
punido o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior no momento da
prática do facto.
→ Pressuposto da atuação do princípio da irretroatividade – tempus dilicti, ou seja,
momento da prática do facto. A conduta e o resultado podem tem lugar em
momento temporalmente distintos, veio o art.3º estabelecer que ‘’o facto
considera-se praticado no momento em que o agente atuou ou, no caso de
omissão, deveria ter atuado, independentemente do momento em que o resultado
típico se tenha produzido’’. Assim, o momento decisivo para a prática do ato é a
conduta, e não o resultado.
 Isto justifica-se à luz da função e sentido do princípio da legalidade – é
no momento em que o agente atua que releva a função tutelar dos
direitos, liberdades e garantias da pessoa que constitui razão de ser
daquele princípio.

Em suma, o princípio da legalidade comporta certas consequências que se podem exprimir através
das seguintes máximas:

- Nullum crimen, nulla poena sine lege scripta (reserva de lei em sentido formal)
- Nullum crimen, nulla poena sine lege stricta (proibição da analogia)
- Nulum crimen, nulla poena sine lege certa (princípio da tipicidade)
- Nulllum crimen, nulla poena sine lege praevia (proibição da retroatividade)

RESERVA DE LEI E TIPICIDADE


(associado ao âmbito da fonte e ao princípio da determinabilidade)

O princípio geral é o de que só a lei pode ser fonte de Direito Penal, estabelecendo-se uma reserva
relativa de competência da AR no artigo 165º/1/c) CRP.

→ Só a AR ou o Governo munido de autorização legislativa, sob pena de


inconstitucionalidade orgânica dos Decretos-Lei que aprovar, têm competência em
matéria penal.
→ Este princípio só é afastado pelo artigo 29º/2 CRP, que admite a legitimidade da punição,
nos limites da lei interna, das ações e omissões que no momento da sua prática sejam

26
consideradas criminosas segundo os princípios gerais do Direito Internacional
comummente reconhecidos.
Professor Figueiredo Dias: o art.29º/2 CRP confere jurisdição aos tribunais portugueses para
conhecerem de certos crimes contra o direito internacional (crimina iuris gentium), mesmo que
as condutas visadas não sejam puníveis à luz da lei positiva interna. Necessário é que se trate de
crimes à luz dos ‘’princípios gerais de direito internacional comummente reconhecidos’’ –
art.8º/1 CRP – e a punição só pode ter lugar ‘’nos limites da lei interna’’, ou seja, a
responsabilidade por crimes contra o direito internacional não se encontra sujeita ao princípio da
legalidade previsto no art.29º/1, válido apenas para a lei estadual. O princípio nullum crimen sine
lege constitui um princípio geral de direito internacional, embora o seu ‘’modo’’ seja diverso, já
que no termo lege se inclui também direito internacional costumeiro – problemas graves quanto
à exigência de determinabilidade.

QUESTÃO: o art.165º/1/c) CRP refere-se apenas aos crimes, penas e medidas se segurança,
incluir-se-á no preceito as circunstâncias agravantes (norma penal positiva) ou as circunstâncias
atenuantes (norma penal negativa)?

 Quanto às circunstâncias agravantes, estas definem o concreto facto criminoso, sendo


abrangidas pela previsão do art.165º/1/c), trata-se essencialmente das razões justificativas
da reserva de lei (segurança jurídica e princípio democrático) que favorecem a aplicação
do artigo 165º/1 CRP a todas as circunstâncias agravantes.
 Quanto às circunstâncias atenuantes, à partida poderia dizer-se que não estão
submetidas à reserva de lei por não afetarem as expectativas de segurança e a liberdade
individual dos destinatários das normas penais; numa outra perspetiva, podem alterar a
delimitação dos direitos dos cidadãos em si, na medida em que a liberdade criada pela
permissão de certas condutas diminuirá a liberdade de todos os que pretenderem opor às
mesmas. A atenuante geral resulta do art.72º CP. Para a Professor Maria Fernanda
Palma a reserva de lei é desnecessária às atenuantes. O legislador ou julgador não pode
criar atenuantes arbitrariamente em função de quaisquer razões não comportáveis pelo
princípio da culpa e se o fizer, violando o princípio da culpa, aí sim justifica-se o controle
da reserva de lei para validação constitucional dos conteúdos.
NORMAS PENAIS EM BRANCO
Todos os pressupostos da incriminação e da responsabilidade penal têm de estar descritos na lei,
não sendo admitidas as leis penas em branco. Uma NPB é uma norma que remete para uma norma
extrapenal. A questão coloca-se desde logo devido ao princípio da determinação das normas
penais que implica o máximo preenchimento das figuras, e ao princípio da tipicidade, que
implica a adequação do facto ocorrido a um tipo legal de crime.
→ A violação destes princípios não se dá mal que o legislador utilize conceitos menos
precisos, mas sim quando a possibilidade de compreensão e controlo do desvalor expresso
no tipo legal de crime deixa de existir.
Quanto à definição de NPB:

→ Professor Figueiredo Dias: normas penais em branco são aquelas que cominam uma
pena para comportamentos que não descrevem, mas se alcançam através de uma remissão
da norma penal para leis, regulamentos ou inclusivamente atos administrativos.
→ Professora MFP (sentido restrito): normas que estabelecem o conteúdo da sua previsão
ou da sua estatuição por remissão para outras normas constantes de leis hierarquicamente
inferiores. Como acontecerá nos casos de leis penais que remetam para regulamentos (ou

27
leis do Governo sem autorização legislativa) a definição de elementos de que resulte o
comportamento incriminado ou a pena aplicável.
Em que medida é que uma norma penal que não define todo o seu conteúdo remetendo para
uma outra viola o princípio da reserva de lei? A remissão de uma norma para outras não é, em
si mesma, obstáculo ao respeito pelo princípio da legalidade. O que pode desrespeitar este
princípio é o esvaziamento de conteúdo precetivo e a atribuição da competência para definir o
comportamento proibido a leis hierarquicamente inferiores ou até aos atos administrativos. A
reserva de lei começará onde a linguagem normativa permitir a total manipulação do
conceito para fins incontroláveis e onde for impossível uma perceção da descrição legal pelos
seus destinatários coincidente com os resultados de uma interpretação teleológica.
Assim existem duas situações:

→ Situações em que o núcleo do comportamento proibido pela norma depende


totalmente da norma para qual se remete, não sendo previsível para os destinatários
sem essa norma o que deles se espera; Ex: remissão de uma norma que incrimina o
tráfico de estupefacientes para um regulamento que qualifique como estupefaciente uma
certa substância. Sem o conhecimento da natureza legalmente atribuída de droga proibida
a essa substância não é previsível que a venda da mesma possa ser tráfico.
São inconstitucionais pois violam o princípio da legalidade (na aceção da reserva de lei)
e conflituam com a separação de poderes. PROIBIDO
→ Situações em que a remissão é puramente para um critério técnico, não estando o
objeto da norma remissiva, o interesse fundamental protegido, dependente do
conteúdo concreto deste critério – efeito de regulação da norma incriminadora, que não
depende do conteúdo da norma para a qual se remete. PERMITIDO
A distinção entre normas remissivas que violam a reserva de lei e as que são com ela
compatíveis depende, de saber se a função da norma penal é estabelecer direta e
materialmente a fronteira entre o proibido e o permitido ou apenas sinalizar que um certo
efeito material dependente da obediência à regulação legal devido à natureza ou grau de
risco da atividade é o conteúdo fundamental da proibição.
A norma penal em branco será compatível com o princípio da legalidade se os critérios essenciais
de ilicitude estiverem na norma penal em branco e não na norma complementar. Aquilo que é a
essência do desvalor tem de estar na norma penal, de tal forma que a norma complementadora
não venha criar nenhum critério de ilicitude, vem apenas concretizar o critério que já
constava da norma penal em branco. Ou seja, a inconstitucionalidade depende do grau de
imprecisão do conteúdo da norma, do nível de artificialismo dos conceitos e da sua inserção
na linguagem vulgar. Assim, para a norma penal em branco não ser inconstitucional, têm de estar
verificados três requisitos:

→ Tem de estar claro qual é o bem jurídico protegido;


→ Tem de estar claro qual é o desvalor da ação, ou seja, qual o comportamento que se
pretende proibir;
→ Tem de estar claro qual é o desvalor do resultado, isto é, qual o resultado que se pretende
evitar.
Se isto resultar da norma penal então temos uma norma penal em branco constitucional.

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Art. 277º CP é considerado, por alguns autores, como norma penal em branco e, devido a tal,
inconstitucional.

→ Professora MFP: não entende assim. Pode ser norma formalmente penal em branco por
ser remissiva, mas, o que se pretende com este tipo de normas é que certas atividades
perigosas devem ver respeitadas as normas técnicas vigentes. O cerne do proibido é o
cumprimento de certas normas técnicas. São apenas normas remissivas que não são
inconstitucionais.
→ Art. 277º CP não é norma penal em branco pois o proibido está explícito, que é a violação
da norma técnica. Não sendo a norma técnica que tem o conteúdo do proibido.
→ TC: há casos em que a remissão não interfere com a previsibilidade e com a segurança
jurídicas, mas apenas cumpre o papel de orientar o intérprete segundo critérios objetivos
quanto à verificação do comportamento proibido.

JURISPRUDÊNCIA ASSOCIADA
Acórdão TC 427/95 – Aditivos Alimentares
A norma incriminadora definia o núcleo do ilícito como a inclusão de aditivos num produto
alimentar e remetia para uma outra norma que fixava quais os aditivos permitidos. O TC concluiu
que a remissão não violava a reserva de lei, porque a proibição estava contida na primeira norma,
enquanto proibição de aditivos, e a segunda meramente excluía certas substâncias do âmbito da
proibição. Ou seja, respeitou-se a reserva de certeza e de previsibilidade na norma incriminadora.
Acórdão TC 534/98 – Valor da Prova Pericial
O TC reconheceu que a norma técnica regulamentar apenas dava orientações de tipo pericial –
‘’valor da prova pericial’’- para delimitação do comportamento proibido. No caso tratava-se dos
limites quantitativos máximos do princípio ativo para cada dose média individual diária das
plantas, substâncias ou preparações, constantes de uma tabela fixada em portaria, e não era a
norma constitutiva do ilícito. Ou seja, a norma para a qual se remetia tinha uma função de
sucedâneo de uma perícia.
Acórdão TC 115/2008 – Infração de regras de Construção
Questionou-se a constitucionalidade do art.277º do CP, que remete para normas regulamentares
ou técnicas, ao configurar o comportamento típico de violação de regras de construção de que
resulte perigo para a vida, integridade física ou propriedade de terceiros.

INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL – PROIBIÇÃO DA ANALOGIA


Art.1º/3 CP – proíbe expressamente a analogia quanto às normas de que resulta a qualificação
do facto como crime, a definição de um estado de perigosidade e a determinação da pena ou
medida de segurança correspondentes.
O fundamento da proibição da analogia reside na exclusividade da competência
da AR ou do Governo com autorização legislativa na formulação de normas
incriminadoras.
A proibição da analogia não deve ser confundida com a proibição de raciocínios análogos na
aplicação da lei penal. Esta questão surge a propósito das fronteiras que se traçam entre a
interpretação extensiva e a analogia.

29
i) O que distingue a interpretação extensiva da analogia?

A interpretação extensiva3 baseia-se na possibilidade de referir um certo caso não


expressamente considerado na letra da lei ao seu pensamento – diferencia-se da analogia, pois
neste o caso real é meramente semelhante aos casos considerados na lei. Assim, quando o
legislador tenha apenas exprimido imperfeitamente a intenção de regular o caso haverá
interpretação extensiva.
 Professor Figueiredo Dias: o critério de distinção teleológica e imposto pelo princípio
da legalidade é o legislador penal estar obrigado a exprimir-se por palavras, palavras
essas que nem sempre possuem um único sentido, daí o texto ser carente de
interpretação, oferecendo as palavras que o compõem, segundo o seu sentido comum
e literal, um quadro de significados dentro do qual o aplicador da lei pode mover-
se e optar sem ultrapassar os limites legítimos de interpretação. Fora deste quadro
o aplicador encontra-se no âmbito da analogia proibida. O quadro é um limite à
interpretação admissível no direito penal e não um critério.
Quando se descobre a razão de ser da proibição da analogia (segurança jurídica e controlo
democrático da aplicação da lei penal) torna-se difícil traçar uma fronteira de distinção entre
a interpretação e a analogia. A interpretação extensiva por si só pode causa um conflito entre
os elementos de interpretação (literal, lógico, sistemático e histórico), não sendo rigorosa o
suficiente para resolver o problema da fronteira da interpretação permitida. Por essa razão, a
doutrina tem optado por desligar-se destas categorias tradicionais e procurado um critério fundado
na proibição da analogia, de modo a perceber até que ponto estamos perante a interpretação ou
analogia.

ii) A interpretação extensiva é proibida?

Temos de dividir as normas penais em dois grupos:

• Deve entender-se por normas incriminadoras aquelas


1. Normas que criam ou agravam a responsabilidade jurídico-
penal do agente. São aquelas normas que de alguma
incriminadoras forma contêm a criação de crimes, ou que contêm
agravamentos dos pressupostos de punibilidade ou de
punição.

2. Normas • Normas favoráveis, são aquelas normas que visam


diminuir a responsabilidade jurídico-penal do agente,
ou atenuá-la, tornando mais suaves os pressupostos da
punibilidade ou da punição.
favoráveis

3
Por exemplo: quando o legislador se refere ao “veneno” como meio de perpetração do homicídio
(art.132/2/i) do CP) pretende abranger não só as substâncias designadas como tal mas também aquelas
que, em concreto, produzam os efeitos tóxicos próprios do veneno, como a ingerência dolosa de açúcar
num diabético;

30
Normas penais incriminadoras:
→ A interpretação extensiva em normas incriminadoras não é possível. Só é possível,
no âmbito de normas incriminadoras uma interpretação declarativa lata.
→ Tudo aquilo que a exceda e que vise harmonizar a letra da lei à sua razão de ser, à
sua “ratio”, se ultrapassar este sentido literal máximo possível já se está a fazer
interpretação extensiva. Esta não deve ser admitida em Direito Penal, porque se entende
que por força do princípio da legalidade, na sua vertente garantia, se exige que a lei penal
seja uma lei penal expressa.
→ Assim a norma deve dizer expressamente quais são as condutas, ativas ou omissivas
que, a serem ou não adotadas, constituem objeto de incriminação em sede de Direito
Penal.
→ No entanto admite-se a interpretação restritiva.
→ Afirma-se rotundamente que não é possível integrar lacunas por analogia. Isto é,
perante um caso omisso que o legislador penal ano tipificou, não classificou como crime,
o juiz não pode, ao contrário de que acontece no domínio do direito civil regular esse caso
omisso, nem recorrendo à analogia legis, nem à analogia iuris, nem tão pouco criar a
norma de harmonia com o espírito do sistema. O juiz pura e simplesmente julga,
absolvendo.

Normas penais favoráveis:


→ Proíbe-se a interpretação restritiva de normas penais favoráveis, isto porque, a ser
possível, diminuir-se-ia o campo de aplicabilidade destas normas favoráveis, o que
significa aumentar o campo de punibilidade.; admite-se a interpretação extensiva;
relativamente ao problema da analogia:
→ Quanto à analogia, parte da doutrina admite por princípio a integração de lacunas por
analogia no âmbito de normas penais favoráveis, desde que essa analogia não se venha a
traduzir num agravamento da posição de terceiros, por ele ter de suportar na sua esfera
jurídica efeitos lesivos ou por ter auto-limitado o seu direito de defesa.

Distinção entre normas positivas e normas negativas:

•São aquelas que definem pela positiva os


pressupostos da responsabilidade criminal,
estabelecendo pressupostos positivos, p. ex. as
normas da parte especial do código.
Positivas • Permite-se a interpretação extensiva (ex.
açúcar = veneno para diabético, embora o
açúcar não seja um veneno)
• Proíbe-se a analogia;

•prevêem causas de exclusão da


responsabilidade criminal, situações em que
ou não há crime ou que o mesmo é atenuado.
Ex. Estado de necessidade, legitima defesa,
Negativas acção directa.
• Permite-se a analogia;
• Proíbe-se a interpretação e a integração de
lacunas

31
De modo geral:

→ O art.1º/3 CP não proíbe expressamente a interpretação extensiva, diferentemente do


art.18º do CC de 1852/86;
→ Não se poderá inferir da proibição da analogia in malam partem do art.1º/3 CP a
permissão da interpretação extensiva através de um raciocínio a contrario sensu – tal
raciocínio implicaria apenas a analogia in bonam partem;
→ Aplicando os critérios tradicionais de interpretação jurídica, a proibição da interpretação
extensiva só pode ser integrada no art.1º/3 CP por analogia com a proibição da própria
analogia – este fundamento não é sistematicamente admissível para justificar uma
conclusão por analogia com a própria proibição da analogia;
→ A norma que proíbe a analogia no Direito Penal circunscreve excecionalmente, no
conjunto da Ordem Jurídica, a atividade interpretativa: a analogia só é proibida, em geral,
quanto às normas excecionais, que podem, no entanto, ser objeto de interpretação
extensiva (11º CC). Uma limitação da atividade interpretativa mais ampla do que a do
art.11º do CC só se justificaria na medida requerida pela legalidade e pela reserva de lei.
Ora, a interpretação extensiva, tal como é definida tradicionalmente, como expressão do
pensamento da lei revelado pelos elementos não literais da interpretação, não disputa,
necessariamente, com estes princípios – não se poderia, por conseguinte, considerar
proibida toda e qualquer interpretação extensiva, no Direito Penal, apenas porque
é difícil praticamente delimitá-la da analogia à luz dos critérios tradicionais da
interpretação.

Daqui resulta que a interpretação extensiva não é necessariamente proibida ou permitida em


Direito Penal, tudo dependendo da enunciação de outros critérios, derivados diretamente da ideia
de segurança jurídica inerente ao princípio da legalidade e reconduzíveis, em última instância, ao
princípio do Estado de Direito democrático.

 Professor Sousa Brito: entende que a interpretação extensiva é inconstitucional,


porque sustenta que entre o sentido possível das palavras e o mínimo de
correspondência verbal há ainda um espaço a ser percorrido, incompatível com o
fundamento da segurança jurídica e do princípio da legalidade.
Existem dois modelos de abordagem do problema da fronteira de distinção entre a interpretação
extensiva e a analogia:
1) Pensamento antipositivista, valorativo, teleológico e pragmático
A resolução do problema da proibição da analogia e do cumprimento do princípio da
legalidade orientando e controlando a interpretação jurídico por critérios extraliterais
reveladores do significado fundamental da norma do sistema jurídico.
2) Pensamento positivista, menos pragmático
Os limites da interpretação permitida são controlados por critérios do significado
linguístico, até ao ponto em que não se ultrapasse o sentido das palavras.

iii) Quais os critérios gerais que delimitam o proibido e o permitido?

O Professor Castanheira Neves propõe 4 condições de validade como critério distintivo entre a
interpretação proibida e a permitida em direito penal:
1. Condição legal – o juízo incriminatório tem de ter fundamento efetivo numa norma penal
positiva;

32
2. Determinação dogmática dos fins – necessidade de os tipos legais serem construídos
pelo legislador de modo que se perceba o núcleo fundamental, com relevo para o bem
jurídico tutelado;
3. Adequação sistemática – não pode haver incoerência sistemática, de modo que a
interpretação adotada para o caso possa ser generalizada relativamente a outros casos sem
prejuízo para a coerência do sistema;
4. Garantia do cumprimento do nullum crimen – garantia institucional, ou seja, uma
garantia jurisprudencial da unidade do direito, que de acordo com este Professor deve
caber ao STJ.
Assim, se estiverem verificadas estas 4 condições, a interpretação será permitida.
Críticas da Professora Maria Fernanda Palma à tese do Professor Castanheira Neves:
→ A perspetiva adotada pelo Professor Castanheira Neves converte o controlo da reserva de
lei num controlo institucional jurisprudencial da lei penal, ultrapassando a racionalidade
democrática que está na origem da proibição da analogia;
→ A adequação sistemática de que o Professor fala não é propriamente um problema de
conhecimento dos valores estáticos do sistema, mas depende de redefinições atualistas
que só estão ao alcance das instâncias de discussão pública e parlamentar – isto é
discutível, ou seja, é discutível que a máxima segurança não dependa diretamente do
modelo de consenso democrático, mas sim do consenso institucionalmente formado;
→ A garantia da unidade de direito que o Professor atribui ao STJ é questionável na medida
em que se trata de uma tarefa que só é realizável através do controlo de
constitucionalidade, e esse controlo é da competência do TC;
→ Com a tese do Professor, os momentos tradicionais de investigação hermenêutica são
relativizados, postos de lado, e a interpretação passa a assumir-se exclusivamente como
decisão dos casos pela aplicação de critérios jurídicos emanados da norma e do sistema
em que esta se insere.
Para a Professora Fernanda Palma, deve atender-se ao sentido possível do texto no seu todo
(não das palavras isoladamente) – o sentido possível do texto como limite da interpretação
permitida é o sentido comunicacional percetível do mesmo, e não qualquer sentido lógico não
sustentável pela linguagem social. O sentido possível do texto delimita-se ainda pela adequação
do texto à essência do proibido de acordo com a valoração do sistema que a norma diretamente
exprime ou pretende exprimir.

PROIBIÇÃO DA REDUÇÃO TELEOLÓGICA


A redução teleológica exclui do âmbito da lei casos que a sua letra abrangeria, por tais casos
não deverem ser abrangidos pelos fins essenciais que a lei prossegue. A redução teleológica
será incriminadora quando essa exclusão de casos se referir a normas que delimitam
negativamente a tipicidade.
 A vinculação ao texto jurídico como fator pré-determinante da interpretação, conduzirá
a uma rejeição da redução teleológica incriminadora, pois também corresponde ao
sentido possível das palavras e engloba todas as possibilidades de entendimento.

33
SÍNTESE EXEMPLIFICATIVA DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
‘’Princípio de que não há crime nem pena sem lei’’
Corolários do princípio da legalidade:

A lei que define crime tem que ser uma lei precisa – princípio da tipicidade e da
determinabilidade.
Neste plano, o princípio conduz ao facto de importar que a descrição da matéria
proibida, e de todos os outros requisitos de que dependa em concreto uma punição,
CERTA seja levada até um ponto em que se tornem objetivamente determináveis os
comportamentos proibidos e sancionados e, consequentemente, se torne
objetivamente motivável e dirigível a conduta dos cidadãos – ligação entre o
principio da legalidade e a prevenção geral - os cidadãos apenas podem motivar
a sua conduta a uma não realização de crimes, se souberem quais são as exatas
condutas que constituem um crime.
Este corolário de lei certa é dirigido ao legislador.
É neste corolário que falamos das NPB
Reserva de lei formal da AR: art.165º/1/c) da CRP
ESCRITA Proíbe-se a integração de lacunas por analogia – art.29º/3 CRP + art.1º/3 CP
Neste corolário também falamos das NPB (ou seja, num caso sobre NPB devemos
mencionar que estamos no âmbito do corolário da lei certa e escrita)
Proíbe-se a interpretação extensiva das normas incriminadoras e a analogia –
art.29º/3 CRP + art.1º/1 CP + art.1º/3 CP.
Só é crime o que se encontra previsto na lei – dirigido ao aplicador.
O conceito de analogia que se visa proibir é aquele em que, se aplica uma regra
jurídica a um caso concreto não regulado pela lei, por esta regular uma situação
semelhante – analogia legis, não a analogia Iuris.
ESTRITA Esta proibição é perfeitamente justificável por tudo o que já vimos: ora, se o
cidadão deve ter acesso a uma lei que seja certa e determinada para motivar os seus
comportamentos – se existissem situações de analogia, o cidadão nunca saberia o
que é que poderia ou não fazer, uma vez que a analogia não é algo certo, não se
encontra expresso, violando assim o princípio da legalidade. Alem disso, a analogia
acabaria sempre por funcionar contra o agente, ou seja, tudo o que vai contra o
princípio da legalidade que, à partida, funciona sempre a favor do agente.
Neste corolário falamos da interpretação, assim num caso de interpretação
devemos mencionar que nos encontramos no âmbito do corolário da lei escrita
Proíbe-se a retroatividade da lei penal – art.29º/1 CRP + art.1º/1 e art.2º/1 CP
Este é o corolário do princípio da legalidade que gera mais problemas – a proibição
da retroatividade contra o agente.
Pode acontecer que, após a prática de um facto – que no momento em que foi
praticado não constituía crime, uma nova lei venha a criminalizá-lo. Ou até
PRÉVIA situações em que, esse facto praticado já constituía um crime, mas uma nova lei
veio agravar a sua pena – ou qualitativamente (era pena de multa e passou a pena
de prisão) ou quantitativamente (em termos de anos).
Através deste princípio satisfaz-se a exigência de que só seja punido o agente
quando o facto esteja descrito e declarado passível de pena por lei ANTERIOR
ao momento da prática do facto
Neste corolário falamos da aplicação da lei no tempo, devendo-o referir nos casos
sobre lei no tempo

34
ESQUEMA DE RESOLUÇÃO DE CASOS DE NORMAS PENAIS EM BRANCO

Exemplo de referência:
“Artigo 4.º
Proibição de fumar em determinados locais
2 - É ainda proibido fumar nos veículos afetos aos transportes públicos urbanos, suburbanos e
interurbanos de passageiros, bem como nos transportes rodoviários, ferroviários, aéreos,
marítimos e fluviais, nos serviços expressos, turísticos e de aluguer, nos táxis, ambulâncias,
veículos de transporte de doentes e teleféricos.”
3 - “A definição de transporte turístico e de aluguer para efeitos da presente lei constará de
portaria”

TÓPICOS DE RESOLUÇÃO:
1º definição
NPB é uma norma que remete do seu conteúdo para outra norma extrapenal
- Sentido amplo
- Sentido restrito: só é NPB se for um instrumento normativo hierarquicamente inferior
Nesta situação estamos perante uma NPB perante as duas definições.
2º concretização
Dizer que em concreto o art.25º/4 da Lei x remete a noção de transporte turístico e aluguer para a
Portaria y – ou seja, dizer no que consiste no caso a remissão.
3º potenciais problemas de constitucionalidade
- Orgânica – art.165º/1 c)
- Formal – art.165º/1 c)
- Material – legalidade penal – lei certa
O que nos interessa é a constitucionalidade material. Podemos ver do que deriva a orgânica e
formal, para termos bónus, mas o que é realmente importante é a material.
a) Dizemos que está relacionado com o problema da legalidade penal, no corolário da lei
certa
b) Explicar o que é a lei certa (conteúdo e determinabilidade) e onde está previsto – art.29º/1
e 3 CRP
Agora sim, vamos ver se pode haver a remissão ou não. O TC estabeleceu um critério:
1. Bem jurídico (Ex.: no caso do homicídio seria o direito à vida)
2. Desvalor ação (a conduta incriminadora em si, ou seja, a valoração que o Tribunal faz
do agente ter adotado aquela conduta. Ex.: no homicídio seria o disparar)
3. Desvalor resultado (juízo negativo à circunstância do agente ter adotado aquele
resultado – não é a pena, mas sim o resultado da conduta. Ex.: o valor de resultado do
homicídio é a morte)

35
Qual é a norma que tem que ter estes critérios? A Lei penal, não a remissiva, porque se assim for
a lei para a qual remete não há de acrescentar nada.
Problema: nem todos os crimes são de resultado (vamos ter que saber os tipos legais
incriminadores)
A norma remissiva não pode ter um critério autónomo de ilicitude. Apenas pode concretizar
o critério legal através do conhecimento técnico. Ou seja, tem que ter valor pericial técnico.
- Não haver um critério autónomo de ilicitude
- Valor pericial
- Técnico

CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES


1. Crimes de dano e crimes de perigo:
O critério de distinção entre crimes de dano e crimes de perigo é a forma como o bem jurídico é
posto em causa pela atuação do agente, ou seja, como é que o bem jurídico, como valor ou
interesse considerado essencial para o desenvolvimento da pessoa, é afetado.
Crimes de dano:
Nos crimes de dano a realização do tipo incriminador tem como consequência uma lesão efetiva
do bem jurídico é o que ocorre no crime de homicídio (art.131º CP) e no crime de violação sexual
(art.164º CP).
Crimes de perigo:

− Nos crimes de perigo a realização do tipo incriminador não pressupõe a lesão do bem
jurídico, mas antes se basta com uma mera colocação do bem jurídico em perigo.
− Os crimes de perigo dividem-se em crimes de perigo concreto e crimes de perigo abstrato.
− Em relação aos crimes de perigo concreto, o perigo faz parte do tipo incriminador, ou
seja, o tipo incriminador só é preenchido quando o bem jurídico tenha efetivamente sido
posto em perigo, por exemplo, art.291º CP e art.138º CP (neste caso, só haverá crime de
exposição ou abandono quando se comprove que o bem jurídico, vida, foi realmente posto
em perigo).
− Nos crimes de perigo abstrato o perigo não é elemento do tipo incriminador, mas apenas
motivo da proibição. Deste modo, há uma presunção inelidível de perigo e, por isso, a
conduta do agente é punida independentemente de ter criado ou não um perigo efetivo
para o bem jurídico, por exemplo, art.292º CP (o condutor é punido pelo facto de o estado
em que se encontra constituir um perigo potencial para a segurança rodoviária).
− No entanto, tem sido questionada a constitucionalidade destes crimes pelo facto
de poderem constituir uma tutela demasiado avançada de um bem jurídico, pondo
em risco o princípio da legalidade e o princípio da culpa. Apesar disto, a posição
da doutrina maioritária e o Tribunal Constitucional pronunciaram-se pela não
inconstitucionalidade quando estes crimes visarem a proteção de bens jurídicos
de grande importância, quando for preciso identificar claramente o bem jurídico
tutelado e a conduta típica for descrita de uma forma tanto quando possível
precisa e minuciosa.
− No âmbito da discussão sobre a constitucionalidade dos crimes de perigo
abstrato, surgiram posições que preconizam a não punição de condutas que que
configurem este tipo de crime quando se comprove que na realidade não existiu,

36
de forma absoluta, perigo para o bem jurídico, ou que o agente tomou todas as
medidas necessárias para evitar que o bem jurídico fosse colocado em perigo. A
este propósito começou a falar-se na doutrina de crimes de perigo abstrato-
concreto.
− Nos crimes de perigo abstrato- concreto, o perigo abstrato não é só critério
interpretativo e de aplicação, mas deve também ser momento referencial da culpa
e, por isso, admitem a possibilidade de a perigosidade ser objeto de um juízo
negativo. Do ponto de vista formal esta categoria cabe ainda na dos crimes de
perigo abstrato, porque a verificação do perigo não é essencial ao preenchimento
do tipo incriminador.
- Do ponto de vista substancial, os crimes de perigo abstrato- concreto são
crimes de aptidão ou também designados de conduta concretamente
perigosa, no sentido de que só devem relevar tipicamente as condutas aptas
a desencadear o perigo proibido no caso de espécie.
- Assim, nos crimes de aptidão o perigo converte-se em parte integrante do
tipo incriminador e não num mero motivo de incriminação, como sucede nos
autênticos crimes de perigo abstrato.
- Por outro lado, a realização típica destes crimes não exige a efetiva produção
de um resultado de perigo concreto.

2. Crimes de resultado e crimes de mera atividade:


Estes tipos de crimes referem-se ao âmbito da conduta do agente, ou seja, importa distinguir entre
tipos incriminadores cuja consumação pressupõe a produção de um resultado e tipos
incriminadores em que para a consumação é suficiente a mera ação.
Crimes de resultado:
Os crimes de resultado pressupõem a produção de um evento como consequência da atividade do
agente. Assim, só se dá a consumação quando se verifica uma alteração externa espácio-
temporalmente distinta da conduta, por exemplo, o crime de homicídio (art.131º CP) é um crime
de resultado, uma vez que a sua consumação só se verifica com a morte da pessoa.
Crimes de mera atividade:
Nos crimes de mera atividade o tipo incriminador preenche-se através da mera execução de um
determinado comportamento. É o caso da violação do domicílio prevista no disposto art. 190 º
CP, ou seja, basta que alguém entre no domicílio de outrem para que já esteja a cometer um
crime.
3. As dicotomias- crimes de mera atividade e de resultado e crimes de perigo e de
dano:
Na verdade, é possível verificar-se quatro combinações:
1. Existem crimes de mera atividade que são crimes de dano, por exemplo, art.164º e 190º
CP;
2. Existem crimes de resultado que são crimes de dano, por exemplo, art.131º e 143º CP;
3. Existem crimes de mera atividade que são crimes de perigo, por exemplo, art.292º e 359º
CP;
4. Existem crimes de resultado que são crimes de perigo, por exemplo, art.272º e 138º CP.

37
4. Critério que justifica a existência destas quatro combinações:
Relativamente aos crimes de resultado e crimes de mera atividade, estes referem-se ao objeto da
ação, ou seja, referem-se à realidade que se projeta a partir da ideia genérica e que é ameaçada ou
lesada pela prática de uma conduta típica.
No que se refere aos crimes de perigo e aos crimes de dano, este tem como referência a forma
como o bem jurídico é afetado.
Assim, quando se avalia a conduta de um individuo deve-se atender ao objeto da ação e à forma
como o bem jurídico é afetado. Deste modo, pode estar em causa uma das quatro combinações
possíveis.

ESQUEMA DE RESOLUÇÃO DE CASOS DE INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL


1º Qual o problema que está em causa
- Dizer que estamos perante um problema de interpretação da lei penal, tendo que ver
com o princípio da legalidade, no corolário da lei estrita – art.29º/1 e 3º CRP;
2º Saber se o que está em causa cabe ou não na letra da lei
- Atenção que só pode ser considerado conduta criminosa o que cabe na norma
incriminadora – art.1º/3 CP;
- A norma incriminadora tem que ser clara e determinada, de tal modo que não deixe
margem de dúvidas de que o agente ao praticar a conduta será incriminado;
- Para sabermos se a conduta em causa cabe ou não na previsão da norma temos de
atender aos limites, isto é, se estamos no âmbito da interpretação permita ou da
interpretação proibida.
3º Critérios para apurar se estamos no âmbito da interpretação permitia ou proibida
- Divergência doutrinária entre a Professora Maria Fernanda Palma e o Professor
Castanheira Neves:
− MFP – atende a dois critérios:
1) sentido possível previsível – o sentido das palavras deve ser obtido pela
essência do texto;
2) essência do proibido – se a conduta corresponde à essência da proibição legal,
ou seja, averiguar as condutas que o legislador visava punir com a norma;
− CNeves – atende à intencionalidade normativa da lei, estabelecendo para isso, 4
critérios:
1) Condição legal
2) Condição dogmática
3) Condição sistemática
4) Condição institucional
4º Concretizar os critérios
- Concretizar as posições da Professora MFP e do Professor CNeves, aplicando os
respetivos critérios ao caso em concreto.
5º Tomada de posição

38
Aplicação da lei penal no tempo

Retroatividade

Com fundamento no princípio da culpa e na segurança jurídica, há a proibição constitucional de


retroatividade das normas penais que criem ou agravem a responsabilidade penal. A
possibilidade de uma conduta ser retroativamente incriminada contradiria uma responsabilidade
penal fundamentada na livre determinação do agente pela norma jurídica – culpa jurídica – e
destruiria a garantia das expectativas dos cidadãos quanto ao que é proibido – segurança jurídica.
 A proibição da retroatividade corresponde assim, à garantia de que o exercício do
poder punitivo seja exercido de acordo com critérios e limites conhecidos
antecipadamente e não alteráveis por força de um interesse particular ou para
resolver um caso concreto antes não previsto.
São contempladas com a proibição da retroatividade:
a) As incriminações;
b) As agravações da responsabilidade criminal;
c) As penas;
d) Os pressupostos das medidas de segurança;
e) As medidas de segurança;
f) Todas as normas processuais que afetem diretamente direitos, liberdades e garantias.
Só há retroatividade se o regime previsto numa lei se referir a um determinado tipo de situação
anterior à sua vigência – momento da prática do facto. O art.3º do CP fala do momento da
efetiva prática da ação criminosa ou ao momento em que se produziria a ação que evitaria o
resultado típico. Assim, se a lei em causa for anterior à produção do resultado típico, mas
posterior à prática da ação prevista já haverá retroatividade4.
Torna-se complicado em determinadas situações determinar o momento da prática do crime:

→ Caso dos crimes de consumação duradoura ou permanente, nos quais a ação perdura
no tempo, iniciando-se a consumação a partir do início da ação e a consumação perdura
até ao último ato, de modo que uma alteração da lei penal ainda que agravante ocorra
enquanto a consumação ainda não se esgotou – nestes casos, parece aplicar-se a lei nova
pois o agente manteve a realização do comportamento após a entrada em vigor da nova
lei, não sendo surpreendido pela sua aplicação. Ex.: crimes como o sequestro, uma nova
lei ainda que mais grave viria sempre abranger o comportamento cuja consumação se
iniciou anteriormente, mas ainda persista no momento da entrada em vigor da lei nova.
→ Caso dos crimes habituais, aos quais se aplica a mesma lógica que nos casos dos crimes
de consumação duradoura, ou seja, segue-se o critério de referência do tempo da comissão
do delito a todo o período de consumação da ação. Ex.: violência doméstica.
→ Caso dos crimes continuados, isto é, casos em que o direito trata vários crimes como se
fossem apenas um, porque existe um quadro de solicitação externa que diminui
sensivelmente a culpa do agente (art.30º/2 e 3 e art.79º CP). Todos foram praticados no
mesmo contexto em que o agente estava a vivenciar uma situação em que havia qualquer
coisa na realidade externa que o puxava para a prática do crime, que diminuía as suas
resistências à prática do crime. Mas não é um quadro qualquer que o chama para o crime:
é um tal que qualquer pessoa olhasse para ele e dissesse que diminuía a culpa do agente.

4
Só há homicídio quando há morte. O homicídio consuma-se quando há morto. Até lá só há tentativa de
homicídio. Mas em que momento se verificou o momento da prática do facto? Foi quando A deu o tiro a
B, porque o que interessa é a atuação, nunca é o resultado.

39
→ Professora Maria Fernanda Palma: esta unificação jurídica de
comportamentos autónomos justifica a aplicação da lei nova, ainda que mais
gravosa, a todo o período da continuação criminosa.
→ Doutrina italiana: o tempus delicti pode ser determinado relativamente a cada
um dos crimes, determinando-se a pena de cada crime segundo a lei vigente no
momento da sua prática e correspondentemente a pena do crime mais grave.

Só que sendo no direito português o crime continuado uma figura


atenuante, pressupõe-se uma unificação jurídica de todas as ações da
continuação. Assim, poderia aplicar-se o critério dos crimes
permanentes, aplicando-se a última lei do período de continuação.
Mesmo sendo a lei nova mais gravosa seria possível, pois nesse caso
ainda se estaria a aplicar uma pena relativa a um único crime por uma
lei que antecederia o termo da ação continuada. A aplicação da lei
anterior menos grave seria paradoxalmente uma atenuação da pena de
uma série de crimes (incluindo o crime já praticado na vigência da lei
nova) relativamente à prática de um único crime sob a vigência da lei
nova agravante. Isto só não se resolveria assim no caso de uma lei nova
incriminadora que não se pudesse aplicar retroativamente ou no caso
extremo em que a punição segundo lei posterior pudesse ser mais
gravosa do que resultaria do concurso efetivo dos crimes (art.30º/1 e
art.77º CPC).

Uma questão interessante é saber se, sujeita a esta proibição de retroatividade, está, além
da lei, também a jurisprudência? Ou seja, será que uma corrente jurisprudencial, definida
e estabilizada, pode ser alterada contra o agente, mesmo que a lei não tenha sido alterada?
A aplicação de uma nova corrente jurisprudencial não viola o princípio da legalidade, porem não
deixa de colocar em causa valores que lhe estão associados – existe uma frustração de expetativas
por parte dos cidadãos, uma vez que achavam que a conduta não tinha relevância penal, de acordo
com uma interpretação judicial publicada no Diário da República.
Assim sendo, devem os tribunais ser extremamente cuidadosos no que toca à aplicação de uma
nova corrente jurisprudencial contra o agente, sendo aqui ainda mais exigente o respeito pelo
‘quadro’ de significados em que se traduz o texto da lei.
Ainda assim, o cidadão que atuou com base em expetativas fundadas numa corrente
jurisprudencial primitiva, não se encontra completamente desprotegido, uma vez que pode
amparar-se numa falta de consciência do ilícito, não censurável, que determinará a exclusão da
culpa e, consequentemente, da sua punição – artigo 17º/1. Tal como sabemos a culpa é um limite
do direito penal – se não há culpa, não se aplica a pena.

Retroatividade Das Medidas De Segurança

Art.29º/1 e 3 CRP e art.2º CP – afasta a retroatividade das medidas de segurança, o fundamento


desta proibição não é essencialmente a culpa, mas sim a segurança dos destinatários do Direito
própria de um Estado de Direito democrático – a retroatividade das medidas de segurança iria
permitir uma intervenção sem controlo do poder punitivo na liberdade dos cidadãos.

A tese defendida na doutrina portuguesa por Maria João Antunes e apoiada pelo Professor
Figueiredo Dias, segundo a qual a proibição da retroatividade nas medidas de segurança seria
excetuada no momento da formulação pelo Tribunal do juízo de perigosidade, aplicando-se

40
a lei vigente no momento da formulação do juízo de perigosidade é uma redução teleológica do
art.2º/1 CP, contra o arguido.

→ Com efeito, a chamada tese diferenciadora excluiria, na prática, da proibição de


retroatividade os factos reveladores da perigosidade que justificam a medida de
segurança, com o argumento de que os referidos pressupostos são essenciais para escolher
a medida adequada à perigosidade do agente no momento em que é condenado –
proibição da retroatividade apenas referente à medida em si e não aos pressupostos.
→ Crítica: quebrar-se-ia a conexão dos indícios de perigosidade como pressuposto que é a
prática de um facto típico e ilícito, admitindo-se, desse modo, uma medida de segurança
para uma perigosidade desligada do facto típico e ilícito.

Retroatividade Do Processo Penal

Art.5º/1 CPP – aplicabilidade imediata da nova lei processual penal.


 O nº2 deste artigo limita a aplicabilidade imediata relativamente aos processos
iniciados anteriormente à sua vigência, nos casos de agravamento sensível da
situação processual do arguido e de quebra de harmonia e unidade de vários atos
do processo.
 Há assim limites à aplicabilidade imediata resultantes diretamente do princípio
constitucional da proibição da retroatividade e do próprio subprincípio contido no
art.5º/2 CPP.

O primeiro tipo de limites exclui a aplicabilidade imediata de todas as normas de Processo


Penal que não se possam caracterizar como puras normas processuais, mas que sejam de
natureza substantiva penal.

Aplicabilidade imediata justifica-se, apenas, relativamente a normas que regulem o


modo de proceder dos tribunais na definição concreta do Direito Penal e não já
relativamente a normas que se refiram às condições de procedibilidade ou causas de
extinção do procedimento criminal, como acontece com as normas que regulam os prazos
prescricionais, na medida em que estas delimitem direta e exclusivamente a relação
jurídica punitiva.

Normas que aumentam prazo de procedimento prescricional


Prescrição – extinção da responsabilidade criminal pelo decurso do tempo, a contar desde o
momento da prática do facto. A partir do momento da prática do facto, começa a correr o prazo
da prescrição. Findo esse prazo, a responsabilidade extingue-se, e o arguido já não pode ser
punido criminalmente. Enquanto não haja transito em julgado, a questão da prescrição é sempre
relevante.
A extensão do prazo prescricional não afeta realmente um direito subjetivo dos autores dos
crimes, mas revelam uma alteração da necessidade de punir e uma intensificação da dignidade
punitiva comparativamente com a vigente no momento da prática do crime. Mas a aplicação
imediata do prazo prescricional revelaria a punição de um crime praticado no passado, o que
enfraqueceria a limitação que o direito outrora criou, não assegurando a autolimitação própria do
Estado de Direito – e o Estado tem de vincular o direito ao princípio da confiança, daí que se
proíba a retroatividade.

→ O Estado altera os prazos prescricionais que se aplicariam aos processos pendentes.


Também aqui não há como ultrapassar o argumento de que o Estado tem de se vincular
ao direito que cria e não pode interferir em casos já conhecidos criando legislação que se

41
vai aplicar para compensar os efeitos de alguma inércia. Não é aceitável, para a
Professora Fernanda Palma, por razões de confiança e segurança. Estas leis estão
sujeitas à proibição da retroatividade.

Normalmente, entende-se que a prescrição é processual-material. Tem relevância material,


relevância substantiva, penal, porque influi diretamente na situação de responsabilidade do
agente, logo, à questão da prescrição podem aplicar-se as regras gerais do 29º/4 CRP e 1º e 2º CP
– uma lei posterior não pode ter como efeito o ressuscitar de uma responsabilidade penal
que já se extingui.
Entendimento do TEDH – diz que a pessoa não tem o direito à prescrição, ou seja, não tem a
expectativa do seu crime prescrever. Esta pessoa não pode ser protegida face a uma lei posterior
desfavorável – as leis prescricionais posteriores desfavoráveis aplicam-se desde que, entretanto,
o prazo prescricional ainda não tenha decorrido. Se entrar em vigor durante o decurso do prazo,
aplica-se a lei nova. Entende que esta solução não viola a Carta dos Direitos Humanos.
→ Críticas Professora Maria Fernanda Palma:
→ Quem trata dos prazos de prescrição é o CP e o CPP, tem, portanto, uma natureza
substantiva e não processual;
→ Manipulação da prescrição através da lei, o que permitiria ao Estado utilizar este
instituto para os seus próprios interesses.

Crimes públicos, semi-públicos e particulares


→ Crimes públicos – competência do MP para iniciar a ação penal. Ex.: homicídio;
→ Crimes semi-públicos – competência do MP para iniciativa de ação penal depende de
uma queixa do ofendido. Ex.: crimes sexuais;
→ Crimes particulares – além da queixa, tem de haver uma atuação particular. Quem tem
a iniciativa e dirige a ação penal é o ofendido. Ex.: crimes menos graves e associados à
privacidade do próprio ofendido.

De semi-público a público
Rejeita-se a aplicação imediata da lei que transforma um crime particular ou semi-público em
público, de modo que o facto criminoso cometido no passado, contra o qual não foi deduzida a
queixa, não pode vir a ser objeto de processo penal
De público a semi-público
Como antes era crime público, toda e qualquer iniciativa estava nas mãos do Ministério Público
não havia necessidade de queixa – com a conversão passa a haver necessidade de queixa. O
princípio do Estado de Direito – como regra de objetividade, previsibilidade e segurança jurídica
geral – que impõe, neste caso, que as expectativas do titular do direito de queixa não sejam
defraudadas, dando-se-lhe a oportunidade processual de exercer o seu direito após a entrada
em vigor da lei nova.

Aplicação retroativa da lei penal mais favorável


Art.29º/4 CRP e Art.2º/4 CP

É admissível a aplicação da lei penal mais favorável – o fundamento da retroatividade in melius


é simultaneamente a igualdade e a necessidade da pena. A retroatividade in melius surge como
um princípio e não apenas como uma exceção à proibição da retroatividade – se a lei penal
posterior suprimir uma norma incriminadora, será injusto que agentes de factos idênticos recebam
tratamentos radicalmente diferente.

Problemática do art.29º/4 CRP: parece sugerir a aplicação retroativa da lei penal mais favorável
mesmo nos casos que já tenham transitado em julgado, na medida em que refere as ‘’leis penais

42
de conteúdo mais favorável ao arguido’’. Contudo, o trânsito em julgado não parece adequar-se
ao fundamento do princípio da retroatividade in milius – a referência a arguido não é sinónimo de
‘’caso julgado’’.

O art.2º/4 CP partindo do princípio geral da aplicabilidade da lei mais favorável, prevê a cessação
da condenação e de todos os seus efeitos, logo que a ‘’parte da pena que se encontrar cumprida
atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior’’. A aplicação retroativa da lei penal
de conteúdo mais favorável impõem que se determine em concreto o regime mais favorável
para o arguido, isto é, que se considere qual seria a medida da pena mais favorável, em face de
todas as causas de justificação, desculpa, atenuação, agravação e procedibilidade de uma
determinada lei.
Delimitação da sucessão de leis no tempo
A retroatividade in milus pressupõe uma verdadeira sucessão de leis no tempo, ou seja, as normas
penais sucessivas têm de fundamentar a decisão dos mesmos casos, ainda que de modo diverso.
Por isso, não haverá verdadeira sucessão de leis se o comportamento que é objeto de juízo
de ilicitude for parcialmente reproduzido na lei posterior – a sucessão de leis depende de o
comportamento anteriormente contemplado não implicar necessariamente a verificação da
conduta prevista na lei posterior.
O problema que se coloca é o de saber se nesses casos houve uma alteração do regime punitivo
(art.2º/4 CP) ou antes um fenómeno de desincriminação, com as consequências do art.2º/2 CP.
Conversão de crimes em contraordenações
A conversão de crimes em contraordenações implicaria a extinção pura e simples de
qualquer responsabilidade jurídica, de modo que o desaparecimento da incriminação
corresponderia a uma extinção de toda e qualquer responsabilidade pelo facto passado.

A contraordenação é uma infração de natureza administrativa, logo,


distinta, na sua natureza e fins, da infração penal: constitui um cenário de
despenalização da respetiva conduta, que tem eficácia retroativa (artigo
29º/4/2ª parte CRP; art.2º/2 do Código Penal). Conclusão: a partir da
entrada em vigor da lei que alterou a qualificação não poderá aplicar-se a
L2; se a sentença tiver já transitado em julgado, cessam a execução da
pena e os efeitos penais da condenação.
Conversão de contraordenações em crimes
É uma lei penalizadora, visto que passa a qualificar como infração penal uma conduta que,
anteriormente, consistir em ilícito de mera ordenação social.
Professor Taipa de Carvalho: para que se aplique a lei contra-ordenacional, ou seja, a lei
anterior, é preciso que a lei que procede à conversão preveja um regime transitório; não o fazendo,
o agente não é punido.
Conversão de um crime de perigo abstrato em crime de perigo concreto
No caso da Lei 1 dispensar a prova efetiva do perigo para bens jurídicos e a Lei 2 requerer uma
tal prova. Como tal, se na lei 1 se dispensava esta prova, abrangendo-se mais factos, na lei 2 há
uma restrição que abrange ainda assim factos causadores de perigo. Por exemplo, se o crime de
incêndio for um crime de perigo abstrato e passar a concreto, os incêndios reveladores de perigo
para pessoas, praticados ao abrigo da lei 1, não deixariam de ser puníveis pela lei 2, que tenha
vindo a excluir o mero perigo presumido, exigindo uma efetivação do perigo.

43
Conversão de um crime de perigo concreto em crime de perigo abstrato
Envolve uma ampliação da responsabilidade, mas os comportamentos de perigo concreto são
incluídos no novo conjunto de factos por maioria de razão.

Questão: a sucessão de leis que origina a conversão do crime público em semi-público é uma
verdadeira sucessão de leis penais para efeitos da aplicação do art.2º/2 e 4 do CP?
A pergunta justifica-se por se entender que tal violaria uma não aplicação retroativa da lei penal
posterior a factos que foram cometidos antes da sua vigência, sendo esta última mais favorável.
Acontece que isto pode alterar o direito de queixa, questão que não é estritamente penal no sentido
dos arts.2º/4 CP e 29º/4 CRP.
Sendo justificada a retroatividade in melius pela igualdade e necessidade de pena, a exigência do
exercício do direito de queixa para o desencadeamento do processo penal não significa
diretamente a diminuição da necessidade de punir nem pretende necessariamente favorecer
a posição do autor do crime, embora esses efeitos possam ser reflexamente produzidos. Com
efeito, a despublicização de crimes pode ter um fim de mera proteção da vítima ou então
revelar um desinteresse do Estado pela iniciativa processual, devido a razões de política
criminal. Nesses casos, a fundamentação normativa do direito de queixa seria negada com uma
aplicação retroativa da lei posterior que levasse a um automático arquivamento dos processos e à
total impossibilidade do exercício do mesmo direito.

Nesse sentido, nunca se poderia dizer que tais casos se submeteriam exclusivamente ao
art.29º/4 CRP. Onde não haja qualquer sentido desincriminador (isto é, relacionável com a
necessidade de punir da despublicização), o art.29º/4 da CRP tem difícil aplicação na sua
plenitude lógica. Já nos casos em que a despublicização revele uma menor intensidade do
direito de punir, seria mais compreensível uma decisão segundo o art.29º/4 CRP, sem que,
no entanto, essa aplicação pudesse ser absolutamente limitativa dos direitos do ofendido. Assim,
tanto nos últimos casos como nos primeiros (em que o art.29º/4 CRP não estaria em causa), a
solução jurídica mais harmoniosa será a da atribuição ao ofendido da oportunidade processual
para o exercício do direito de queixa.

→ Nos casos de despublicização para proteção da vítima (que não se submetem


plenamente à ratio dos arts.29º/4 CRP e 2º/4 CP), a ultratividade da lei anterior (crime
público) levaria a uma desigualdade entre os arguidos pelos mesmos crimes antes e depois
da despublicização, se não se viesse a exigir o exercício do direito de queixa.
→ Nos outros casos, em que se divisa um sentido relativamente descriminalizador (uma
menor necessidade de punir), a aplicação retroativa da lei que despubliciza implicaria
uma desproteção dos titulares do direito de queixa que o art.29º/4 não pode em rigor
produzir, impondo-se uma contenção do seu alcance pelo princípio do Estado de Direito
democrático (art.2º CRP).

Por todas estas razões se impõe uma única solução jurídica para estes casos: a atribuição de
oportunidade de exercício do direito de queixa. O seu fundamento não decorre direta e
exclusivamente do art.29º/4 CRP, mas sim dos princípios jurídicos que a este subjazem (igualdade
e necessidade da pena), articuladamente com a proteção da confiança emanada do Estado de

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Direito democrático. Justifica-se, simultaneamente, a aplicação imediata da lei nova e a proteção
do exercício do direito de queixa.

Leis temporárias e de emergência


Professor Taipa de Carvalho: A lei penal temporária é a lei penal que, visando prevenir a prática
de determinadas condutas numa situação de emergência ou de anormalidade social, se destina a
vigorar apenas durante essa situação de emergência, pré-determinando ela própria a data de
cessação da sua vigência.
A especialidade do regime da lei temporária reside no facto da sua aplicabilidade a todas as
condutas nela previstas e praticadas durante a sua vigência, independentemente de, no
momento do julgamento, a lei temporária já não estar em vigor
A retroatividade da lei penal de conteúdo mais favorável não abrange as leis temporárias e
de emergência – art.2º/3 CP ‘’quando a lei valer para um determinado período de tempo, continua
a ser punível o facto praticado durante esse período’’. Contudo, o conteúdo normativo deste
preceito não pretende referir-se a uma sucessão de leis penais em sentido próprio. A doutrina a
que o preceito se refere considera que a lei posterior que descriminaliza a conduta (ou que lhe
atribui uma pena menos grave) não inclui entre os seus elementos típicos a situação de crise ou
excecional, havendo uma alteração essencial no ilícito típico, entre as duas leis temporalmente
sucessivas, mas não sucessivas segundo critérios jurídicos5.
Professor Maria Fernanda Palma: uma tal doutrina explica melhor a solução legal para as leis
de emergência do que para as leis temporárias. É, na verdade, discutível que a intenção
manifestada pelo legislador quanto à vigência temporária de uma lei baste para legitimar a ultra-
atividade da lei e a não aplicação do princípio da retroatividade in melius. O tempo seria, no caso
de tais leis, um elemento típico essencialmente constitutivo do ilícito penal que orientaria as
expectativas dos destinatários para a ultra-atividade antecipadamente.
A exceção ao princípio da retroatividade in melius determinada pelo caráter temporário das leis
não é, todavia, uma restrição, constitucionalmente indiscutível, em face do art.29º/4 CRP. O
caráter temporário que não esteja associado a uma excecionalidade historicamente objetiva
da situação típica prevista pelo legislador não se subtrai pela sua própria natureza aos
princípios da necessidade da pena e da igualdade, que delimitam o conteúdo do art.29º/4 CRP.
O art.2º/3 CP não pode ultrapassar aqueles princípios constitucionais apenas apoiado na
prevalência da intenção legislativa quanto ao caráter temporário de uma lei.
Assim como o legislador ordinário não pode legitimamente decretar que a retroatividade in melius
não se aplica quando descriminaliza, também a atribuição de caráter temporário a uma lei, em
situações em que subsista uma verdadeira sucessão de leis, tem de ser disciplinada pelos
princípios da igualdade e da necessidade da pena.
Por outro lado, em situações de sucessão de leis de emergência, a aplicação retroativa da lei
mais favorável deve impor-se sempre que persista como elemento constante do tipo

5
Faz-se uma lei penal para casos de emergência (ex: incêndios, catástrofes e etc.) em que se incorpora a
própria situação de emergência (é elemento específico do tipo incriminador).
Passando a crise de emergência ela caduca, pois o elemento da factualidade que ela prevê já não se
verifica pois não tem nenhuma justificação numa situação fáctica.
E se só depois de caducada a lei é que se julga o arguido? As leis são diferentes. Não há sucessão de leis.
A lei que caducou ainda está em vigor para o passado, ela é ultra-ativa. Ela tem de ser aplicada.

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incriminador a mesma situação de excecionalidade. Fora desses casos, porém, a sucessão de
leis de emergência cabe na previsão do art.2º/3 CP.
No caso das leis temporárias, a valoração jurídico-penal das condutas, praticadas durante a
vigência da lei temporária, mantém-se e, por isso, se compreende, político-criminalmente e
jurídico-constitucionalmente, que, apesar de a lei já não estar em vigor (porque o facto deixou,
por força da normalização da situação social, de revestir o perigo que tinha para os respetivos
bens jurídico-penais), que a conduta, praticada durante a vigência da lei temporária, deve e
continue a ser punível.
Lei penal inconstitucional e problema da sucessão de leis no tempo
Outro problema que se coloca sobre a aplicação da lei penal no momento é a sucessão de leis em
que a lei mais favorável, que deveria ser aplicável, venha a ser declarada inconstitucional. Ou
seja, pode uma lei inconstitucional ser ainda assim aplicável por ser mais favorável, de
acordo com o art.29º/4 CRP ou outra norma constitucional?
A doutrina diverge:
Segundo a primeira posição, a lei penal inconstitucional é inválida e, por isso, não pode
produzir quaisquer efeitos.

→ Tal como indica o art.282º CRP a declaração de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade)


produz efeitos desde a entrada em vigor de norma declarada inconstitucional (ou
ilegal) e determina a repristinação das normas que ela haja revogado. Assim, deixará
de existir qualquer sucessão de leis no tempo e, no caso de a lei inconstitucional ser a lei
posterior mais favorável, não se estaria sequer perante a situação prevista no art.29º/4
CRP;
→ A repristinação da norma revogada, embora menos favorável, torna-se inevitável;
→ Como nestes casos pode ter havido um erro sobre a ilicitude do facto, se o agente agiu
durante a vigência da norma inconstitucional, esse erro excluirá em princípio a
culpabilidade do agente ao abrigo do art.17º CP. Aplica-se também a parte geral do CP;
→ Se já tiver sido aplicado a lei mais favorável, nos termos do art.282º/1 CRP,
preserva-se o caso julgado. A única exceção a esta preservação do caso julgado está
prevista no nº3, precisamente para situações diferentes das que se analisam em que a lei
penal inconstitucional aplicável for menos favorável, situação em que se levantará o caso
julgado para repristinar a lei penal revogada mais favorável, de acordo com a regra geral
estabelecida no art.282º/1 CRP.
A posição contrária defende que não se poderá interpretar rigidamente o art.282º em
conjugação com outros critérios constitucionais como o do art.29º/4 CRP, ou do princípio
do Estado de Direito assente na confiança.

→ Defende, então, que, neste caso difícil, a lei penal posterior inconstitucional deve ser
aplicada, porque foi ela que orientou o comportamento do agente e o Estado
vinculou através dela o comportamento dos destinatários.
→ O fundamento para esta solução é:
→ Por um lado, uma prevalência do princípio da igualdade subjacente ao art.29º/4
CRP ou, como parece preferível, do princípio do Estado de Direito, como
expressão de vinculação do Estado ao Direito que cria perante os destinatários. E
ainda a prevalência do valor constitucional do princípio do Estado de Direito e
da sua expressão de confiança perante os destinatários das normas penais;
→ Por outro, sempre se poderá argumentar que existe, no art.282º CRP, uma lacuna,
na medida em que, configurando a não salvaguarda do caso julgado nos casos de

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lei penal inconstitucional menos favorável, dando prevalência ao princípio da lei
mais favorável, não tem em conta a situação inversa, de lei inconstitucional mais
favorável.
Professora Maria Fernanda Palma: a segunda solução parece preferível, porque não recorre a
uma verificação fictícia de erro sobre a ilicitude e a um mero expediente de recurso ao art.17º CP
para deixar de punir o agente pela lei mais severa. No caso de o art.17º CP não ser aplicável,
restaria apenas atenuar a pena de acordo com a medida da lei inconstitucional mais favorável.
Invoca o princípio da autovinculação do Estado ao Direito que produz, atendendo ao princípio do
Estado de Direito democrático.
Por outro lado, para além dos inconvenientes de uma ficção na solução destes casos, também não
se tem em conta que o problema colocado se situa nas fendas de duas normas constitucionais e
de vários princípios e que, dada a importância da aplicação da lei mais favorável em termos de
direitos, igualdade, e de restrição mínima da liberdade, haverá uma lacuna a ser integrada pela
articulação dos princípios.
Com efeito, se no art.282º CRP a proteção do caso julgado prevalece sobre as consequências da
declaração de inconstitucionalidade, em geral, e essa prevalência só é afastada devido à exceção
prevista no nº3 de a lei penal ser menos favorável, verifica-se uma prevalência do princípio da
aplicabilidade da lei mais favorável que tem um papel de revogação do próprio caso julgado.
Ora tal supremacia do referido princípio mostra bem que uma articulação semelhante se deverá
fazer na situação não contemplada no art.282º, do qual deveria constar uma norma que para além
das situações de caso julgado por lei penal menos favorável, que caberão sempre no art.282º/1
CRP, salvaguardaria, ainda, por razões de igualdade, de necessidade da lei penal e da confiança
inerente ao Estado de Direito, a aplicação da lei penal inconstitucional mais favorável.

As leis intermédias
O princípio da aplicação da lei mais favorável vale ainda mesmo relativamente ao que na doutrina
chama leis intermédias, ou seja, leis que entraram em vigor posteriormente à prática do facto, mas
já que já não vigoravam ao tempo da apreciação judicial deste. Esta solução é completamente
coberta tanto pela letra do art.29º/4, 2ª parte CRP, como pelo art.2º/4, 1ª parte CP. E justifica-se
teleológica e funcionalmente porque com a vigência da lei mais favorável (intermédia) o agente
ganhou uma posição jurídica que deve ficar a coberto da proibição de retroatividade da lei mais
grave anterior.

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ESQUEMA DE RESOLUÇÃO DE CASOS SOBRE LEI PENAL NO TEMPO

PASSO 1
Identificar o problema: lei no tempo, associado ao princípio da legalidade, no corolário da lei
prévia que diz que é necessário que haja uma lei anterior à prática do facto que preveja a conduta
como crime, que é o que resulta do art.29º/1 e 3 CRP e art.1º/1 CP.
PASSO 2
Aplicar a lei em vigor no momento da prática do facto (art.29º/1 e 3 CRP + art.2º/1 e 3 CP).
PASSO 3
Identificar o momento da prática do facto (critério unilateral de conduta) – art.3º CP.
Fundamentos deste critério: razões de segurança e culpa, de modo a garantir que o agente tem as
condições necessárias para decidir praticar o facto ou não.
PASSO 4
Comparar a solução da lei 1 e da lei 2, porque só se a lei 2 for mais favorável é que a vamos
aplicar ao agente – temos mesmo que dizer qual é a pena respetiva que seria aplicada.
PASSO 5
Se a lei 2 for mais favorável aplica-se retroativamente, se for menos favorável aplica-se a lei 1.
PASSO 6
Explicar as consequências da aplicação da lei que aplicarmos.

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