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DIREITOS HUMANOS – CFHP 2021

DIREITOS HUMANOS
CFHP PMPE 2021

Organizador: Major PM SCANONI


DIREITOS HUMANOS – CFHP 2021

SUMÁRIO

1. Declaração Universal dos Direitos Humanos na Consituição de 1988 .........................03

2. Código de Conduta dos Encarregados pela Aplicação da Lei......................................12

3. Princípios Básicos do Uso da Força e da Arma de fogo ...............................................15

4. Portaria Interministerial 4.226/2010 ................................................................................21

6. Lei 13.060/2014 ........................................................................................................ 28

7. TEXTOS COMPLEMENTARES

7.1. Os Direitos Humanos e os Direitos do Homem (Lynn Hunt) .................................31


7.2 Como os Direitos Humanos se tornaram Auto Evidentes (Lynn Hunt) ............... 32

7.3 Ossos dos seus ossos (Lynn Hunt) ................................................................................................................................................36


7.3.1 Tortura e crueldade ..........................................................................................38

7.3.2 O espetáculo público da dor ............................................................................41

7.4 Desumanização do Humano (Lindgren Alves) ........................................................44


7.5 As 13 Reflexões sobre Direitos Humanos e Polícia (Balestreri) ............................55

7.6 Política de Promoção de Direitos Humanos na Segurança Pública

em Pernambuco: o caso da DASDH da PMPE (Eduardo Scanoni) ............................. 63

7.7 A fábrica midiática de inimigos e o risco a democracia


(Wojciechowski) ........................................................................................................ 87

7.8 Filtragem racial: a cor como na seleção do suspeito (Geová Barros) ....................103
7.9 Segurança Pública e população LGBT: formação, representações e
homofobia ......................................................................................................... 125
8. Referências Bibliográficas ................................................................................ 148

2
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
DE 1988
DIGNIDADE HUMANA

I. Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e
consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.[5]

Art. 5º, I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição.

VIDA, LIBERDADE E SEGURANÇA

III. Todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.[7]

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...

NÃO DISCRIMINAÇÃO

II. Todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta
Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião,
opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou
qualquer outra condição.
Além disso, não se fará distinção alguma baseada na condição política, jurídica ou
internacional, do país ou do território cuja jurisdição dependa uma pessoa, quer se trate de
país independente, como de território de administração fiduciária, não autônomo ou
submetido a qualquer outra limitação de soberania.[6]

Art. 5º, XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais:
Art. 5º, XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável imprescritível, sujeito à pena
de reclusão, nos termos da lei;

TORTURA
V. Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou
degradante.
Art. 5º, III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
Art. 5º, XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a
prática da tortura...
Art. 5º, XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
Art. 5º, L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com
seus filhos durante o período de amamentação.

PESSOA HUMANA

VI. Todo homem tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa
humana, perante a lei.. [9]

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e Distrito Federal, constituiu-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: ... III - a dignidade da pessoa humana

IGUALDADE

VII. Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da
lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente
Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Art. 5º, I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição.

ACESSO À JUSTIÇA

VIII. Todo homem tem direito a receber, dos tribunais nacionais competentes, remédio efetivo
para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela
constituição ou pela lei..[10]

Art. 5º, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
Art. 5º, LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.
Art. 5º, LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar
ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, pela ilegalidade
ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de
atribuições do Poder Público.
Art. 5º, LXIX - conceder-se-á mandato de segurança para proteger direito líquido e certo, não
amparado por habeas corpus ou habeas data quando o responsável por ilegalidade ou abuso
de poder
Art. 5º, LXXI - conceder-se-á mandato de injunção sempre que a falta da norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais, e das
prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
Art. 5º, LXXII - conceder-se-á habeas data : a) para assegurar o conhecimento de
informações relativas à pessoa do impetrante... b) para a retificação de dados...
Art. 5º, LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos.
Art. 5º, LXXVII - são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data e, na forma da lei,
os atos necessários ao exercício da cidadania.

DEVIDO PROCESSO LEGAL

X. Todo homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte
de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do
fundamento de qualquer acusação criminal contra ele. [12]

Art. 5º, XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;


Art. 5º, XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,
assegurados: a) a plenitude da defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos
veredictos; d) a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida;

PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA

XI. Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente, até
que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no
qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. Ninguém
será condenado por atos ou omissões que, no momento em que foram cometidos, não
tenham sido delituosos segundo o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta
penalidade mais grave do que a aplicável no momento em que foi cometido o delito. [13]

Art. 5º, XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação
legal;
Art. 5º, XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
Art. 5º, XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de
reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos
sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;
Art. 5º, XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, a seguinte:
a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social
alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos;
Art. 5º, XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos
termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e)
cruéis;
Art. 5º, LIV - ninguém será privado de liberdade ou de seus bens, sem o devido processo
legal;
Art. 5º, LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral
são assegurados o contraditório e ampla defesa, com meios e recursos a ele inerentes;
Art. 5º, LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;
Art. 5º, LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória

DIREITO À INTIMIDADE

XII. Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou
na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Todo homem tem direito
à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

Art. 5º, X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Art. 5º, XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre ou para prestar
socorro, ou durante o dia, por determinação judicial;
Art. 5º, XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de
dados, e das comunicações telefônicas, salvo no último caso, por ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal;

LIBERDADE DE IR E VIR
XIII. Todo homem tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de
cada Estado. Todo homem tem direito a sair de qualquer país, inclusive do próprio, e a ele
regressar.[15]
Art. 5º, XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer
pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dela sair com seus bens;

NACIONALIDADE

XV. Todo homem tem direito a uma nacionalidade. Não se privará ninguém arbitrariamente
da sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.

Art. 12, §2º - A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados,
salvo nos casos previstos nesta Constituição.

FAMÍLIA

XVI. Os homens e as mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça,


nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam
de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e dissolução. O casamento não
será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes. A família é o núcleo
natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.[17]

Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.


Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
Art. 229 - Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores
têm o dever de ajudar e amparar na velhice, carência ou enfermidade.

PROPRIEDADE

XVII. Todo homem tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. Ninguém será
arbitrariamente privado de sua propriedade. [18]

Art. 5º, XXII - é garantido o direito de propriedade;


Art. 5º, XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
Art. 5º, XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou
utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro,
ressalvados os casos previstos na Constituição;
Art. 5º, XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de
propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;
Art. 5º, XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela
família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade
produtiva, dispondo a lei os meios de financiar o seu desenvolvimento;
Art. 5º, XXX - é garantido o direito de herança;

LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA

XVIII. Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião. Este direito
inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião
ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente,
em público ou em particular.

Art. 5º, VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre


exercício de cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção nos locais de culto e as
suas liturgias;
Art. 5º, VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas
entidades civis e militares de internação coletiva;

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

XIX. Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão. Este direito inclui a
liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações
e ideias por quaisquer meios e independente de fronteiras.

Art. 5º, XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte,
quando necessário ao exercício profissional;
Art. 5º, IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença;

ASSOCIAÇÃO
XX. Todo homem tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas. Ninguém pode
ser obrigado a fazer parte de uma associação.
Art. 5º, XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ou
públicos, independente de autorização/o, desde que não frustrem outra reunião
anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à
autoridade competente;
Art. 5º, XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter
paramilitar;
Art. 5º, XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de
autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;
Art. 5º, XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas
atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se no primeiro caso o trânsito em julgado;

SEGURANÇA SOCIAL

XXII. Todo homem, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à
realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a
organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais
indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade.

Art. 5º, XXXIII - todos têm o direito a receber dos órgãos públicos informações de seu
interesse particular, coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de
responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da
sociedade ou do Estado;
Art. 5º, XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do paga mento de taxas: a) o
direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso
de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e
esclarecimento de situações de interesse pessoal;

XXIII. Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha do emprego, a condições justas e
favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. Todo homem, sem qualquer
distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. Todo homem que trabalha tem
direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família,
uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se
necessário, outros meios de proteção social. Todo homem tem direito a organizar sindicatos
e a neles ingressar para a proteção de seus interesses.

Art. 5º, XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer;
LAZER

XXIV. Todo homem tem direito a repouso e lazer, inclusive à limitação razoável das horas
de trabalho e a férias remuneradas periódicas.

Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a


previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados...

BEM-ESTAR

XXV. Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família,
saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os
serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença,
invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em
circunstâncias fora de seu controle.
A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças,
nascidas de matrimônio ou fora dele, têm direito a igual proteção social.

Art. 230 - A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas,
assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e
garantindo-lhes o direito à vida.

INSTRUÇÃO

XXVI. Todo homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus
elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-
profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, está baseada no mérito.
A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana
e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas suas liberdades
fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas
as nações e grupos raciais ou religiosos e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em
prol da manutenção da paz. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de
instrução que será ministrada a seus filhos.

Art. 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e a sua qualificação para o trabalho.
CULTURA

XXVII. Todo homem tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade,
de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios. Todo homem
tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção
científica, literária ou artística da qual seja autor.

Art. 215 – O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às
fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das
manifestações culturais.

ORDEM SOCIAL

XVIII. Todo homem tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e
liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.

Art. 193 - A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar
e a justiça social.

GARANTIAS

XXX. Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o


reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa do direito de exercer qualquer atividade
ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer direitos e liberdades aqui
estabelecidos.
Art. 5º, LXXVII - § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata. § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
LEGISLAÇÃO CITADA ANEXADA PELA
COORDENAÇÃO DE ESTUDOS LEGISLATIVOS - CEDI

CÓDIGO DE CONDUTA PARA OS FUNCIONÁRIOS RESPONSÁVEIS PELA


APLICAÇÃO DA LEI
Adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, no dia 17 de Dezembro de 1979, através da
Resolução nº 34/169.

Artigo 1º

Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem sempre cumprir o dever que a lei lhes
impõe, servindo a comunidade e protegendo todas as pessoas contra atos ilegais, em
conformidade com o elevado grau de responsabilidade que a sua profissão requer.

Comentário
O termo "funcionários responsáveis pela aplicação da lei" inclui todos os agentes da lei, quer
nomeados, quer eleitos, que exerçam poderes policiais, especialmente poderes de detenção ou
prisão. Nos países onde os poderes policiais são exercidos por autoridades militares, quer em
uniforme, quer não, ou por forças de segurança do Estado, será entendido que a definição dos
funcionários responsáveis pela aplicação da lei incluirá os funcionários de tais serviços.

Artigo 2º

No cumprimento do dever, os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem respeitar e


proteger a dignidade humana, manter e apoiar os direitos humanos de todas as pessoas.

Artigo 3º

Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei só podem empregar a força quando


estritamente necessária e na medida exigida para o cumprimento do seu dever.

Comentário
O emprego da força por parte dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei deve ser
excepcional. Embora se admita que estes funcionários, de acordo com as circunstâncias, possam
empregar uma força razoável, de nenhuma maneira ela poderá ser utilizada de forma
desproporcional ao legítimo objetivo a ser atingido. O emprego de armas de fogo é considerado
uma medida extrema; devem-se fazer todos os esforços no sentido de restringir seu uso,
especialmente contra crianças. Em geral, armas de fogo só deveriam ser utilizadas quando um
suspeito oferece resistência armada ou, de algum outro modo, põe em risco vidas alheias e
medidas menos drásticas são insuficientes para dominá-lo. Toda vez que uma arma de fogo for
disparada, deve-se fazer imediatamente um relatório às autoridades competentes.

Artigo 4º
LEGISLAÇÃO CITADA ANEXADA PELA
COORDENAÇÃO DE ESTUDOS LEGISLATIVOS - CEDI

Os assuntos de natureza confidencial em poder dos funcionários responsáveis pela aplicação da


lei devem ser mantidos confidenciais, a não ser que o cumprimento do dever ou necessidade de
justiça estritamente exijam outro comportamento.

Artigo 5º

Nenhum funcionário responsável pela aplicação da lei pode infligir, instigar ou tolerar qualquer
ato de tortura ou qualquer outro tratamento ou pena cruel, desumano ou degradante, nem nenhum
destes funcionários pode invocar ordens superiores ou circunstâncias excepcionais, tais como o
estado de guerra ou uma ameaça de guerra, ameaça à segurança nacional, instabilidade política
interna ou qualquer outra emergência pública, como justificativa para torturas ou outros
tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.

Comentário
A Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou
Degradantes define tortura como: "...qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos
ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira
pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha
cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas;
ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou
sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções
públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará
como tortura as dores ou sofrimentos que sejam conseqüência unicamente de sanções legítimas,
ou que sejam inerentes a tais sanções ou dela decorram."

Artigo 6º

Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem garantir a proteção da saúde de todas as
pessoas sob sua guarda e, em especial, devem adotar medidas imediatas para assegurar-lhes
cuidados médicos, sempre que necessário.

Artigo 7º

Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei não devem cometer quaisquer atos de
corrupção. Também devem opor-se vigorosamente e combater todos estes atos.

Comentário
Qualquer ato de corrupção, tal como qualquer outro abuso de autoridade, é incompatível com a
profissão dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei. A lei deve ser aplicada com rigor a
qualquer funcionário que cometa um ato de corrupção. Os governos não podem esperar que os
cidadãos respeitem as leis se estas também não foram aplicadas contra os próprios agentes do
Estado e dentro dos seus próprios organismos.
LEGISLAÇÃO CITADA ANEXADA PELA
COORDENAÇÃO DE ESTUDOS LEGISLATIVOS - CEDI

Artigo 8º

Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem respeitar a lei e este Código. Devem,
também, na medida das suas possibilidades, evitar e opor-se com rigor a quaisquer violações da
lei e deste Código.

Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei que tiverem motivos para acreditar que houve
ou que está para haver uma violação deste Código, devem comunicar o fato aos seus superiores e,
se necessário, a outras autoridades competentes ou órgãos com poderes de revisão e reparação.

Comentário
As disposições contidas neste Código serão observadas sempre que tenham sido incorporadas à
legislação nacional ou à sua prática; caso a legislação ou a prática contiverem disposições mais
limitativas do que as deste Código, devem observar-se essas disposições mais limitativas.
Subentende-se que os funcionários responsáveis pela aplicação da lei não devem sofrer sanções
administrativas ou de qualquer outra natureza pelo fato de terem comunicado que houve, ou que
está prestes a haver, uma violação deste Código; como em alguns países os meios de
comunicação social desempenham o papel de examinar denúncias, os funcionários responsáveis
pela aplicação da lei podem levar ao conhecimento da opinião pública, através dos referidos
meios, como último recurso, as violações a este Código. Os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei que cumpram as disposições deste Código merecem o respeito, o total apoio e a
colaboração da sociedade, do organismo de aplicação da lei no qual servem e da comunidade
policial.

Fonte:
http://www.mp.ma.gov.br/site/centrosapoio/DirHumanos/codConduta.htm
PRINCÍPIOS BÁSICOS SOBRE O USO DA FORÇA E ARMAS DE FOGO PELOS FUNCIONÁRIOS
RESPONSÁVEIS PELA APLICAÇÃO DA LEI

Adotados por consenso em 7 de setembro de 1990, por ocasião do Oitavo Congresso das Nações
Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes.

Considerando o Plano de Ação de Milão, adotado pelo Sétimo Congresso das Nações unidas sobre a
Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes e aprovado pela Assembléia Geral através da
Resolução 40/32 de 29 de novembro de 1985;

Considerando também a Resolução do Sétimo Congresso pela qual o Comitê de Prevenção e Controle
do Crime foi solicitado a considerar medidas visando tornar mais efetivo o Código de Conduta para os
Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei;

Tendo em conta, com o devido reconhecimento, o trabalho realizado em conformidade com a Resolução
14 do Sétimo Congresso, pelo Comitê, pela reunião inter-regional preparatória do Oitavo Congresso das
Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes, relativamente às normas
e diretrizes das Nações Unidas sobre prevenção do crime, justiça e execução penal e às prioridades
referentes ao posterior estabelecimento de padrões, e pelas reuniões regionais preparatórias do Oitavo
Congresso;

1. ADOTA os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei contidos no anexo à presente resolução;
2. RECOMENDA os Princípios Básicos para adoção e execução nacional, regional e inter-regional,
levando em consideração as circunstâncias e as tradições políticas, econômicas, sociais e
culturais de cada país;
3. CONVIDA os Estados membros a ter em conta e respeitar os Princípios Básicos no contexto da
legislação e das práticas nacionais;
4. CONVIDA TAMBÉM os Estados membros a levar os Princípios Básicos ao conhecimento dos
funcionários responsáveis pela aplicação da lei e de outros agentes do Executivo, magistrados,
advogados, legisladores e público em geral;
5. CONVIDA AINDA os Estados membros a informar o Secretário-Geral, de cinco em cinco anos, a
partir de 1992, sobre o progresso alcançado na implementação dos Princípios Básicos, incluindo
sua disseminação, sua incorporação à legislação, à prática, aos procedimentos e às políticas
internas; sobre os problemas encontrados na aplicação dos mesmos à nível nacional, e sobre a
possível necessidade de assistência da comunidade internacional, solicitando ao Secretário-
Geral que transmita tais informações ao Nono Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção
do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes;
6. APELA a todos os governos para que promovam seminários e cursos de formação, a nível
nacional e regional, sobre a função da aplicação das leis e sobre a necessidade de restrições ao
uso da força e de armas de fogo pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei;
7. EXORTA as comissões regionais, as instituições regionais e inter-regionais encarregadas da
prevenção do crime e da justiça penal, as agências especializadas e outras entidades no âmbito
do sistema das Nações Unidas, outras organizações intergovernamentais interessadas e
organizações não-governamentais com estatuto consultivo junto ao Conselho Econômico e
Social, para que participem ativamente da implementação dos Princípios Básicos e informem o
Secretário-Geral sobre os esforços feitos para disseminar e implementar tais Princípios e sobre o
grau em que se concretizou tal implementação, solicitando ao Secretário-Geral que inclua essas
informações no seu relatório ao Nono Congresso;
8. APELA à Comissão de Prevenção e Controle do Crime para que considere, como questão
prioritária, meios e formas de assegurar a implementação efetiva da presente resolução;
9. SOLICITA ao Secretário-Geral:

(a) Que tome medidas, conforme for adequado, para levar a presente resolução à
atenção dos governos e de todos os órgão pertinentes das Nações Unidas, e que se
encarregue de dar aos Princípios Básicos a máxima divulgação possível;
(b) Que inclua os Princípios Básicos na próxima edição da publicação das Nações
Unidas intitulada Direitos Humanos: Uma Compilação de Normas Internacionais
(publicação das Nações Unidas, número de venda E.88.XIV.1);

(c) Que forneça aos governos, mediante pedido dos mesmos, serviços de especialistas e
consultores regionais e inter-regionais para prestação de assistência na implementação
dos Princípios Básicos, e que apresente relatório ao Nono Congresso sobre a
assistência e a formação técnicas prestadas;

(d) Que relate à Comissão, quando da realização da sua décima-segunda sessão, as


providências tomadas visando implementar os Princípios Básicos.

10. SOLICITA ao Nono Congresso e respectivas reuniões preparatórias que examinem o progresso
obtido na implementação dos Princípios Básicos.

ANEXO

Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela
Aplicação da Lei

Considerando que o trabalho dos funcionários encarregados da aplicação da lei (*) é de alta relevância e
que, por conseguinte, é preciso manter e, sempre que necessário, melhorar as condições de trabalho e
estatutárias desses funcionários;

(*) De acordo com as observações relativas ao artigo 10 do Código de Conduta para os Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei, a expressão encarregados da aplicação da lei" refere-se a todos os
executores da lei, nomeados ou eleitos, que exerçam poderes de natureza policial, especialmente o
poder de efetuar detenções ou prisões. Nos países em que os poderes policiais são exercidos por
autoridades militares, uniformizadas ou não, ou por forças de segurança do Estado, a definição de
encarregados da aplicação da lei" deverá incluir os agentes desses serviços.

Considerando que qualquer ameaça à vida e à segurança dos funcionários responsáveis pela aplicação
da lei deve ser encarada como uma ameaça à estabilidade da sociedade em geral;

Considerando que as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros prevêem as circunstâncias nas
quais é aceitável o uso da força pelos funcionários das prisões, no cumprimento das suas obrigações;

Considerando que o artigo 30 do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação
da Lei prevê que os funcionários encarregados da aplicação da lei somente podem fazer uso da força
quando estritamente necessário e no grau em que for essencial ao desempenho das suas funções;

Considerando que a reunião preparatória para o Sétimo Congresso das Nações Unidas sobre a
Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes, realizada em Varena, Itália, chegou a um acordo
sobre os elementos a serem considerados nos trabalhos posteriores sobre as limitações ao uso da força
e de armas de fogo pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei;

Considerando que o Sétimo Congresso, através da 14ª Resolução, salientou, entre outras coisas, que o
uso da força e de armas de fogo pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei deve ser aferido
pelo devido respeito aos direitos humanos;

Considerando que o Conselho Econômico e Social, na sua Resolução 1986/10, seção IX, de 21 de maio
de 1986, recomendou aos Estados membros darem uma especial atenção, por ocasião da
implementação do Código, ao uso da força e de armas de fogo pelos funcionários responsáveis pela
aplicação da lei, e que a Assembléia Geral, na sua Resolução 41/149, de 4 de dezembro de 1986, dentre
outras coisas corroborou aquela recomendação do Conselho;
Considerando ser justo que, com a devida consideração pela segurança pessoal desses funcionários,
seja levado em conta o papel dos responsáveis pela aplicação da lei em relação à administração da
justiça, à proteção do direito à vida, à liberdade e à segurança da pessoa humana, à responsabilidade
desses funcionários por velar pela segurança pública e pela paz social e à importância das habilitações,
da formação e da conduta dos mesmos,

Os Princípios Básicos enunciados a seguir, que foram formulados com o propósito de assistir os Estados
membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missão dos funcionários responsáveis pela
aplicação da lei, devem ser tomados em consideração e respeitados pelos governos no âmbito da
legislação e da prática nacionais, e levados ao conhecimento dos funcionários responsáveis pela
aplicação da lei e de outras pessoas, tais como juízes, agentes do Ministério Público, advogados,
membros do Executivo e do Legislativo, bem como do público em geral.

Disposições gerais

1. Os governos e entidades responsáveis pela aplicação da lei deverão adotar e implementar normas e
regulamentos sobre o uso da força e de armas de fogo pelos responsáveis pela aplicação da lei. Na
elaboração de tais normas e regulamentos, os governos e entidades responsáveis pela aplicação da lei
devem examinar constante e minuciosamente as questões de natureza ética associadas ao uso da força
e de armas de fogo.

2. Os governos e entidades responsáveis pela aplicação da lei deverão preparar uma série tão ampla
quanto possível de meios e equipar os responsáveis pela aplicação da lei com uma variedade de tipos de
armas e munições que permitam o uso diferenciado da força e de armas de fogo. Tais providências
deverão incluir o aperfeiçoamento de armas incapacitantes não-letais, para uso nas situações
adequadas, com o propósito de limitar cada vez mais a aplicação de meios capazes de causar morte ou
ferimentos às pessoas. Com idêntica finalidade, deverão equipar os encarregados da aplicação da lei
com equipamento de legítima defesa, como escudos, capacetes, coletes à prova de bala e veículos à
prova de bala, a fim de se reduzir a necessidade do emprego de armas de qualquer espécie.

3. O aperfeiçoamento e a distribuição de armas incapacitantes não-letais devem ser avaliados com


cuidado, visando minimizar o perigo para as pessoas não envolvidas, devendo o uso de tais armas ser
cuidadosamente controlado.

4. No cumprimento das suas funções, os responsáveis pela aplicação da lei devem, na medida do
possível, aplicar meios não-violentos antes de recorrer ao uso da força e armas de fogo. O recurso às
mesmas só é aceitável quando os outros meios se revelarem ineficazes ou incapazes de produzirem o
resultado pretendido.

5. Sempre que o uso legítimo da força e de armas de fogo for inevitável, os responsáveis pela aplicação
da lei deverão:

(a) Exercer moderação no uso de tais recursos e agir na proporção da gravidade da infração e do
objetivo legítimo a ser alcançado;

(b) Minimizar danos e ferimentos, e respeitar e preservar a vida humana;

(c) Assegurar que qualquer indivíduo ferido ou afetado receba assistência e cuidados médicos o
mais rápido possível;

(d) Garantir que os familiares ou amigos íntimos da pessoa ferida ou afetada sejam notificados o
mais depressa possível.

6. Sempre que o uso da força e de armas de fogo pelos responsáveis pela aplicação da lei der causa a
ferimento ou morte, os mesmos deverão comunicar imediatamente o fato aos seus superiores, nos
termos do Princípio 22.
7. Os governos deverão assegurar que o uso arbitrário ou abusivo da força e de armas de fogo por
responsáveis pela aplicação da lei seja punido como delito criminal, de acordo com a legislação em vigor.

8. Não será aceitável invocar circunstâncias excepcionais, tais como instabilidade política interna ou
outras situações de emergência pública, como justificativa para o abandono destes princípios básicos.

Disposições específicas

9. Os responsáveis pela aplicação da lei não usarão armas de fogo contra pessoas, exceto em casos de
legítima defesa própria ou de outrem contra ameaça iminente de morte ou ferimento grave; para impedir
a perpetração de crime particularmente grave que envolva séria ameaça à vida; para efetuar a prisão de
alguém que represente tal risco e resista à autoridade; ou para impedir a fuga de tal indivíduo, e isso
apenas nos casos em que outros meios menos extremados revelem-se insuficientes para atingir tais
objetivos. Em qualquer caso, o uso letal intencional de armas de fogo só poderá ser feito quando
estritamente inevitável à proteção da vida.

10. Nas circunstâncias previstas no Princípio 9, os responsáveis pela aplicação da lei deverão identificar-
se como tais e avisar prévia e claramente a respeito da sua intenção de recorrer ao uso de armas de
fogo, com tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideração, a não ser quando tal
procedimento represente um risco indevido para os responsáveis pela aplicação da lei ou acarrete para
outrem um risco de morte ou dano grave, ou seja claramente inadequado ou inútil dadas as
circunstâncias do caso.

11. As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos responsáveis pela aplicação da lei
deverão incluir diretrizes que:

(a) Especifiquem as circunstâncias nas quais os responsáveis pela aplicação da lei estão
autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os tipos de armas e munições
permitidas;

(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstâncias apropriadas e de
modo a reduzir o risco de dano desnecessário;

(c) Proíbam o uso de armas de fogo e munições que causem ferimentos injustificáveis ou
representem riscos injustificáveis;

(d) Regulamentem o controle, o armazenamento e a distribuição de armas de fogo, o que deverá


incluir procedimentos para assegurar que os responsáveis pela aplicação da lei sejam
considerados responsáveis pelas armas de fogo e munições a eles confiadas;

(e) Providenciem avisos, quando apropriado, previamente ao disparo de armas de fogo;

(f) Prevejam um sistema de comunicação aos superiores sempre que os responsáveis pela
aplicação da lei fizerem uso de armas de fogo no desempenho das suas funções.

Policiamento de reuniões ilegais

12. Como todos têm o direito de participar de reuniões legítimas e pacíficas, de acordo com os princípios
expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos, os governos, entidades e os responsáveis pela aplicação da lei deverão reconhecer que a força
e as armas de fogo só podem ser usadas nos termos dos Princípios 13 e 14.

13. Ao dispersar grupos ilegais mas não-violentos, os responsáveis pela aplicação da lei deverão evitar o
uso da força, ou quando tal não for possível, deverão restringir tal força ao mínimo necessário.

14. Ao dispersar grupos violentos, os responsáveis pela aplicação da lei só poderão fazer uso de armas
de fogo quando não for possível usar outros meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente
necessários. Os responsáveis pela aplicação da lei não deverão fazer uso de armas de fogo em tais
casos, a não ser nas condições previstas no Princípio 9.

Policiamento de indivíduos sob custódia ou detenção

15. Ao lidarem com indivíduos sob custódia ou detenção, os responsáveis pela aplicação da lei não farão
uso da força, exceto quando tal for estritamente necessário para manter a segurança e a ordem na
instituição, ou quando existir ameaça à segurança pessoal.

16. Ao lidarem com indivíduos sob custódia ou detenção, os responsáveis pela aplicação da lei não farão
uso de armas de fogo, exceto em legítima defesa ou em defesa de outrem contra ameaça iminente de
morte ou ferimento grave, ou quando for estritamente necessário para impedir a fuga de indivíduo sob
custódia ou detenção que represente perigo do tipo descrito no Princípio 9.

17. Os princípios acima enunciados não prejudicam os direitos, deveres e responsabilidades dos
funcionários das prisões, consoante o estabelecido nas Regras Mínimas para o Tratamento de
Prisioneiros, em especial nas normas números 33, 34 e 54.

Habilitação, formação e orientação

18. Os governos e organismos encarregados da aplicação da lei cuidarão para que todo o pessoal
responsável pela aplicação da lei seja selecionado por meio de processos adequados de seleção, tenha
as qualidades morais, psicológicas e físicas adequadas ao exercício efetivo de suas funções e seja
submetido a formação profissional contínua e meticulosa. A continuidade da aptidão desse pessoal para
o desempenho das respectivas funções deve ser verificada periodicamente.

19. Os governos e organismos encarregados da aplicação da lei deverão assegurar que todos os
responsáveis pela aplicação da lei recebam treinamento e sejam examinados com base em padrões
adequados de competência para o uso da força. Os responsáveis pela aplicação da lei que tenham de
trazer consigo armas de fogo só devem receber autorização para fazê-lo após terem completado o treino
necessário relativamente ao uso de tais armas.

20. Na formação profissional dos responsáveis pela aplicação da lei, os governos e organismos
encarregados da aplicação da lei devem dedicar atenção especial às questões de ética policial e direitos
humanos, especialmente durante o processo de investigação; a alternativas ao uso da força e armas de
fogo, incluindo a solução pacífica de conflitos, a compreensão do comportamento das multidões e os
métodos de persuasão, negociação e mediação, bem como os meios técnicos, destinados a limitar o uso
da força e armas de fogo. Os órgãos encarregados da aplicação da lei devem rever os seus programas
de treinamento e procedimentos operacionais à luz de eventuais incidentes concretos.

21. Os governos e organismos encarregados da aplicação da lei devem proporcionar orientação sobre
tensão psicológica aos responsáveis pela aplicação da lei envolvidos em situações em que haja o uso da
força e de armas de fogo.

Procedimentos de comunicação e revisão

22. Os governos e organismos encarregados da aplicação da lei deverão estabelecer procedimentos


eficazes de comunicação e revisão, aplicáveis a todos os incidentes mencionados nos Princípios 6 e 11
(f). Para os incidentes relatados de acordo com esses princípios, os governos e organismos
encarregados da aplicação da lei deverão assegurar que exista um processo de revisão efetivo e que
autoridades administrativas ou de perseguição criminal independentes tenham condições de exercer
jurisdição nas circunstâncias apropriadas. Nos casos de morte e ferimento grave ou outras
conseqüências sérias, um relatório pormenorizado deve ser prontamente enviado às autoridades
competentes responsáveis pelo controle administrativo e judicial.

23. Os indivíduos afetados pelo uso da força e armas de fogo, ou seus representantes legais, devem ter
direito a um inquérito independente, incluindo um processo judicial. Em caso de morte desses indivíduos,
a presente disposição aplicar-se-á de forma correspondente aos seus dependentes.
24. Os governos e organismos encarregados da aplicação da lei deverão assegurar que os oficiais
superiores sejam responsabilizados caso tenham ou devam ter tido conhecimento de que responsáveis
pela aplicação da lei sob seu comando estão, ou tenham estado, recorrendo ao uso ilegítimo da força e
armas de fogo, e caso os referidos oficiais não tenham tomado todas as providências ao seu alcance a
fim de impedir, reprimir ou comunicar tal uso.

25. Os governos e organismos encarregados da aplicação da lei deverão assegurar que não seja
imposta qualquer sanção criminal ou disciplinar a responsáveis pela aplicação da lei que, de acordo com
o Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei e com estes Princípios
Básicos, recusem-se a cumprir uma ordem para usar força e armas de fogo, ou que denunciem tal uso
por outros responsáveis pela aplicação da lei.

26. O cumprimento de ordens superiores não constituirá justificativa quando os responsáveis pela
aplicação da lei tenham conhecimento de que uma ordem para usar força e armas de fogo, que tenha
resultado na morte ou em ferimento grave a alguém, foi manifestamente ilegítima e caso os referidos
responsáveis tenham tido oportunidade razoável de se recusarem a cumprir essa ordem. Em qualquer
caso, a responsabilidade caberá também aos superiores que tenham dado ordens ilegítimas.
PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 4.226, DE 31 DE DEZEMBRO DE 2010

Estabelece Diretrizes sobre o Uso da Força


pelos Agentes de Segurança Pública.

O MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA e o MINISTRO DE ESTADO CHEFE DA


SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, no
uso das atribuições que lhes conferem os incisos I e II, do parágrafo único, do art.
87, da Constituição Federal e, CONSIDERANDO que a concepção do direito à
segurança pública com cidadania demanda a sedimentação de políticas públicas de
segurança pautadas no respeito aos direitos humanos;
CONSIDERANDO o disposto no Código de Conduta para os Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotado pela Assembléia Geral das Nações
Unidas na sua Resolução 34/169, de 17 de dezembro de 1979, nos Princípios
Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis
pela Aplicação da Lei, adotados pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas para a
Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes, realizado em Havana, Cuba,
de 27 de Agosto a 7 de setembro de 1999, nos Princípios orientadores para a
Aplicação Efetiva do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela
Aplicação da Lei, adotados pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas
na sua resolução 1989/61, de 24 de maio de 1989 e na Convenção Contra a Tortura
e outros Tratamentos ou penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotado pela
Assembléia Geral das Nações Unidas, em sua XL Sessão, realizada em Nova York
em 10 de dezembro de 1984 promulgada pelo Decreto nº 40, de 15 de fevereiro de
1991;
CONSIDERANDO a necessidade de orientação e padronização dos procedimentos
da atuação dos agentes de segurança pública aos princípios internacionais sobre o
uso da força;
CONSIDERANDO o objetivo de reduzir paulatinamente os índices de letalidade
resultantes de ações envolvendo agentes de segurança pública; e,
CONSIDERANDO as conclusões do Grupo de Trabalho, criado para elaborar
proposta de Diretrizes sobre Uso da Força, composto por representantes das
Polícias Federais, Estaduais e Guardas Municipais, bem como com representantes
da sociedade civil, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
e do Ministério da Justiça, resolvem:
Art. 1º Ficam estabelecidas Diretrizes sobre o Uso da Força pelos Agentes de
Segurança Pública, na forma do Anexo I desta Portaria.
Parágrafo único. Aplicam-se às Diretrizes estabelecidas no Anexo I, as definições
constantes no Anexo II desta Portaria.

Art. 2º A observância das diretrizes mencionadas no artigo anterior passa a ser


obrigatória pelo Departamento de Polícia Federal, pelo Departamento de Polícia
Rodoviária Federal, pelo Departamento Penitenciário Nacional e pela Força Nacional
de Segurança Pública.
§ 1º As unidades citadas no caput deste artigo terão 90 dias, contados a partir da
publicação desta portaria, para adequar seus procedimentos operacionais e seu
processo de formação e treinamento às diretrizes supramencionadas.
§ 2º As unidades citadas no caput deste artigo terão 60 dias, contados a partir da
publicação desta portaria, para fixar a normatização mencionada na diretriz Nº 9 e
para criar a comissão mencionada na diretriz Nº 23.
§ 3º As unidades citadas no caput deste artigo terão 60 dias, contados a partir da
publicação desta portaria, para instituir Comissão responsável por avaliar sua
situação interna em relação às diretrizes não mencionadas nos parágrafos
anteriores e propor medidas para assegurar as adequações necessárias.

Art. 3º A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e o Ministério


da Justiça estabelecerão mecanismos para estimular e monitorar iniciativas que
visem à implementação de ações para efetivação das diretrizes tratadas nesta
portaria pelos entes federados, respeitada a repartição de competências prevista no
art. 144 da Constituição Federal.

Art. 4º A Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça levará


em consideração a observância das diretrizes tratadas nesta portaria no repasse de
recursos aos entes federados.

Art. 5º Esta portaria entra em vigor na data de sua publicação.


LUIZ PAULO BARRETO
Ministro de Estado da Justiça
PAULO DE TARSO VANNUCHI
Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos
da Presidência da República
ANEXO I

DIRETRIZES SOBRE O USO DA FORÇA E ARMAS DE FOGO PELOS AGENTES


DE SEGURANÇA PÚBLICA
1. O uso da força pelos agentes de segurança pública deverá se pautar nos
documentos internacionais de proteção aos direitos humanos e deverá considerar,
primordialmente:
a. ao Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação
da Lei, adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas na sua Resolução
34/169, de 17 de dezembro de 1979;
b. os Princípios orientadores para a Aplicação Efetiva do Código de Conduta
para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados pelo
Conselho Econômico e Social das Nações Unidas na sua resolução 1989/61,
de 24 de maio de 1989;
c. os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos
Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados pelo Oitavo
Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento
dos Delinqüentes, realizado em Havana, Cuba, de 27 de Agosto a 7 de
setembro de 1999;
d. a Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Cruéis,
Desumanos ou Degradantes, adotada pela Assembléia Geral das Nações
Unidas, em sua XL Sessão, realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nº 40, de 15 de fevereiro de 1991.

2. O uso da força por agentes de segurança pública deverá obedecer aos princípios
da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência.

3. Os agentes de segurança pública não deverão disparar armas de fogo contra


pessoas, exceto em casos de legítima defesa própria ou de terceiro contra perigo
iminente de morte ou lesão grave.

4. Não é legítimo o uso de armas de fogo contra pessoa em fuga que esteja
desarmada ou que, mesmo na posse de algum tipo de arma, não represente risco
imediato de morte ou de lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros.

5. Não é legítimo o uso de armas de fogo contra veículo que desrespeite bloqueio
policial em via pública, a não ser que o ato represente um risco imediato de morte ou
lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros.

6. Os chamados "disparos de advertência" não são considerados prática aceitável,


por não atenderem aos princípios elencados na Diretriz nº 2 e em razão da
imprevisibilidade de seus efeitos.

7. O ato de apontar arma de fogo contra pessoas durante os procedimentos de


abordagem não deverá ser uma prática rotineira e indiscriminada.

8. Todo agente de segurança pública que, em razão da sua função, possa vir a se
envolver em situações de uso da força, deverá portar no mínimo 2 (dois)
instrumentos de menor potencial ofensivo e equipamentos de proteção necessários
à atuação específica, independentemente de portar ou não arma de fogo.
9. Os órgãos de segurança pública deverão editar atos normativos disciplinando o
uso da força por seus agentes, definindo objetivamente:
a. os tipos de instrumentos e técnicas autorizadas;
b. as circunstâncias técnicas adequadas à sua utilização, ao
ambiente/entorno e ao risco potencial a terceiros não envolvidos no evento;
c. o conteúdo e a carga horária mínima para habilitação e atualização
periódica ao uso de cada tipo de instrumento;
d. a proibição de uso de armas de fogo e munições que provoquem lesões
desnecessárias e risco injustificado; e
e. o controle sobre a guarda e utilização de armas e munições pelo agente de
segurança pública.
10. Quando o uso da força causar lesão ou morte de pessoa( s), o agente de
segurança pública envolvido deverá realizar as seguintes ações:
a. facilitar a prestação de socorro ou assistência médica aos feridos;
b. promover a correta preservação do local da ocorrência;
c. comunicar o fato ao seu superior imediato e à autoridade competente; e
d. preencher o relatório individual correspondente sobre o uso da força,
disciplinado na Diretriz nº 22.
11. Quando o uso da força causar lesão ou morte de pessoa( s), o órgão de
segurança pública deverá realizar as seguintes ações:
a.facilitar a assistência e/ou auxílio médico dos feridos;
b.recolher e identificar as armas e munições de todos os envolvidos,
vinculando-as aos seus respectivos portadores no momento da ocorrência;
c.solicitar perícia criminalística para o exame de local e objetos bem como
exames médico-legais;
d.comunicar os fatos aos familiares ou amigos da(s) pessoa( s) ferida(s) ou
morta(s);
e.iniciar, por meio da Corregedoria da instituição, ou órgão equivalente,
investigação imediata dos fatos e circunstâncias do emprego da força;
f.promover a assistência médica às pessoas feridas em decorrência da
intervenção, incluindo atenção às possíveis seqüelas;
g.promover o devido acompanhamento psicológico aos agentes de segurança
pública envolvidos, permitindo-lhes superar ou minimizar os efeitos
decorrentes do fato ocorrido; e
h.afastar temporariamente do serviço operacional, para avaliação psicológica
e redução do estresse, os agentes de segurança pública envolvidos
diretamente em ocorrências com resultado letal.
12. Os critérios de recrutamento e seleção para os agentes de segurança pública
deverão levar em consideração o perfil psicológico necessário para lidar com
situações de estresse e uso da força e arma de fogo.

13. Os processos seletivos para ingresso nas instituições de segurança pública e os


cursos de formação e especialização dos agentes de segurança pública devem
incluir conteúdos relativos a direitos humanos.
14. As atividades de treinamento fazem parte do trabalho rotineiro do agente de
segurança pública e não deverão ser realizadas em seu horário de folga, de maneira
a serem preservados os períodos de descanso, lazer e convivência sócio-familiar.

15. A seleção de instrutores para ministrarem aula em qualquer assunto que englobe
o uso da força deverá levar em conta análise rigorosa de seu currículo formal e
tempo de serviço, áreas de atuação, experiências anteriores em atividades fim,
registros funcionais, formação em direitos humanos e nivelamento em ensino. Os
instrutores deverão ser submetidos à aferição de conhecimentos teóricos e práticos
e sua atuação deve ser avaliada.

16. Deverão ser elaborados procedimentos de habilitação para o uso de cada tipo de
arma de fogo e instrumento de menor potencial ofensivo que incluam avaliação
técnica, psicológica, física e treinamento específico, com previsão de revisão
periódica mínima.

17. Nenhum agente de segurança pública deverá portar armas de fogo ou


instrumento de menor potencial ofensivo para o qual não esteja devidamente
habilitado e sempre que um novo tipo de arma ou instrumento de menor potencial
ofensivo for introduzido na instituição deverá ser estabelecido um módulo de
treinamento específico com vistas à habilitação do agente.

18. A renovação da habilitação para uso de armas de fogo em serviço deve ser feita
com periodicidade mínima de 1 (um) ano.

19. Deverá ser estimulado e priorizado, sempre que possível, o uso de técnicas e
instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública, de
acordo com a especificidade da função operacional e sem se restringir às unidades
especializadas.

20. Deverão ser incluídos nos currículos dos cursos de formação e programas de
educação continuada conteúdos sobre técnicas e instrumentos de menor potencial
ofensivo.

21. As armas de menor potencial ofensivo deverão ser separadas e identificadas de


forma diferenciada, conforme a necessidade operacional.

22. O uso de técnicas de menor potencial ofensivo deve ser constantemente


avaliado.

23. Os órgãos de segurança pública deverão criar comissões internas de controle e


acompanhamento da letalidade, com o objetivo de monitorar o uso efetivo da força
pelos seus agentes.

24. Os agentes de segurança pública deverão preencher um relatório individual


todas as vezes que dispararem arma de fogo e/ou fizerem uso de instrumentos de
menor potencial ofensivo, ocasionando lesões ou mortes. O relatório deverá ser
encaminhado à comissão interna mencionada na Diretriz nº 23 e deverá conter no
mínimo as seguintes informações:
a.circunstâncias e justificativa que levaram o uso da força ou de arma de fogo
por parte do agente de segurança pública;
b.medidas adotadas antes de efetuar os disparos/usar instrumentos de menor
potencial ofensivo, ou as razões pelas quais elas não puderam ser
contempladas;
c.tipo de arma e de munição, quantidade de disparos efetuados, distância e
pessoa contra a qual foi disparada a arma;
d. instrumento(s) de menor potencial ofensivo utilizado(s), especificando a
freqüência, a distância e a pessoa contra a qual foi utilizado o instrumento;
e. quantidade de agentes de segurança pública feridos ou mortos na
ocorrência, meio e natureza da lesão;
f. quantidade de feridos e/ou mortos atingidos pelos disparos efetuados
pelo(s) agente(s) de segurança pública;
g. número de feridos e/ou mortos atingidos pelos instrumentos de menor
potencial ofensivo utilizados pelo(s) agente(s) de segurança pública;
h. número total de feridos e/ou mortos durante a missão;
i. quantidade de projéteis disparados que atingiram pessoas e as respectivas
regiões corporais atingidas;
j. quantidade de pessoas atingidas pelos instrumentos de menor potencial
ofensivo e as respectivas regiões corporais atingidas;
k. ações realizadas para facilitar a assistência e/ou auxílio médico, quando for
o caso; e
l. se houve preservação do local e, em caso negativo, apresentar justificativa.

25. Os órgãos de segurança pública deverão, observada a legislação pertinente,


oferecer possibilidades de reabilitação e reintegração ao trabalho aos agentes de
segurança pública que adquirirem deficiência física em decorrência do desempenho
de suas atividades.
ANEXO II
GLOSSÁRIO
Armas de menor potencial ofensivo: Armas projetadas e/ou empregadas,
especificamente, com a finalidade de conter, debilitar ou incapacitar
temporariamente pessoas, preservando vidas e minimizando danos à sua
integridade.
Equipamentos de menor potencial ofensivo: Todos os artefatos, excluindo armas
e munições, desenvolvidos e empregados com a finalidade de conter, debilitar ou
incapacitar temporariamente pessoas, para preservar vidas e minimizar danos à sua
integridade.
Equipamentos de proteção: Todo dispositivo ou produto, de uso individual (EPI) ou
coletivo (EPC) destinado a redução de riscos à integridade física ou à vida dos
agentes de segurança pública.
Força: Intervenção coercitiva imposta à pessoa ou grupo de pessoas por parte do
agente de segurança pública com a finalidade de preservar a ordem pública e a lei.
Instrumentos de menor potencial ofensivo: Conjunto de armas, munições e
equipamentos desenvolvidos com a finalidade de preservar vidas e minimizar danos
à integridade das pessoas.
Munições de menor potencial ofensivo: Munições projetadas e empregadas,
especificamente, para conter, debilitar ou incapacitar temporariamente pessoas,
preservando vidas e minimizando danos a integridade das pessoas envolvidas.
Nível do Uso da Força: Intensidade da força escolhida pelo agente de segurança
pública em resposta a uma ameaça real ou potencial.
Princípio da Conveniência: A força não poderá ser empregada quando, em função
do contexto, possa ocasionar danos de maior relevância do que os objetivos legais
pretendidos.
Princípio da Legalidade: Os agentes de segurança pública só poderão utilizar a
força para a consecução de um objetivo legal e nos estritos limites da lei.
Princípio da Moderação: O emprego da força pelos agentes de segurança pública
deve sempre que possível, além de proporcional, ser moderado, visando sempre
reduzir o emprego da força.
Princípio da Necessidade: Determinado nível de força só pode ser empregado
quando níveis de menor intensidade não forem suficientes para atingir os objetivos
legais pretendidos.
Princípio da Proporcionalidade: O nível da força utilizado deve sempre ser
compatível com a gravidade da ameaça representada pela ação do opositor e com
os objetivos pretendidos pelo agente de segurança pública.
Técnicas de menor potencial ofensivo: Conjunto de procedimentos empregados
em intervenções que demandem o uso da força, através do uso de instrumentos de
menor potencial ofensivo, com intenção de preservar vidas e minimizar danos à
integridade das pessoas.
Uso Diferenciado da Força: Seleção apropriada do nível de uso da força em
resposta a uma ameaça real ou potencial visando limitar o recurso a meios que
possam causar ferimentos ou mortes.
Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 13.060, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2014

Disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial


ofensivo pelos agentes de segurança pública, em todo o
território nacional.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu


sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Esta Lei disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes
de segurança pública em todo o território nacional.

Art. 2o Os órgãos de segurança pública deverão priorizar a utilização dos instrumentos de


menor potencial ofensivo, desde que o seu uso não coloque em risco a integridade física ou psíquica
dos policiais, e deverão obedecer aos seguintes princípios:
I - legalidade;
II - necessidade;
III - razoabilidade e proporcionalidade.
Parágrafo único. Não é legítimo o uso de arma de fogo:
I - contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco imediato de morte
ou de lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros; e
II - contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato
represente risco de morte ou lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros.

Art. 3o Os cursos de formação e capacitação dos agentes de segurança pública deverão incluir
conteúdo programático que os habilite ao uso dos instrumentos não letais.

Art. 4o Para os efeitos desta Lei, consideram-se instrumentos de menor potencial ofensivo
aqueles projetados especificamente para, com baixa probabilidade de causar mortes ou lesões
permanentes, conter, debilitar ou incapacitar temporariamente pessoas.

Art. 5o O poder público tem o dever de fornecer a todo agente de segurança pública
instrumentos de menor potencial ofensivo para o uso racional da força.

Art. 6o Sempre que do uso da força praticada pelos agentes de segurança pública decorrerem
ferimentos em pessoas, deverá ser assegurada a imediata prestação de assistência e socorro médico
aos feridos, bem como a comunicação do ocorrido à família ou à pessoa por eles indicada.

Art. 7o O Poder Executivo editará regulamento classificando e disciplinando a utilização dos


instrumentos não letais.
Art. 8o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 22 de dezembro de 2014; 193o da Independência e 126o da República.

DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Claudinei do Nascimento
1
1.2 Os direitos humanos e "os direitos do homem"

Uma breve incursão na história dos termos ajudará a fixar o momento do surgimento dos direitos
humanos. As pessoas do século XVIII não usavam frequentemente a expressão "direitos humanos" e, quando o
faziam, em geral queriam dizer algo diferente do significado que hoje lhe atribuímos. Antes de 1789, Jefferson,
por exemplo, falava com muita frequência de "direitos naturais". Começou a usar o termo "direitos do homem"
somente depois de 1789. Quando empregava "direitos humanos", queria dizer algo mais passivo e menos
político do que os direitos naturais ou os direitos do homem. Em 1806, por exemplo, usou o termo ao se referir
aos males do tráfico de escravos:

Eu lhes felicito, colegas cidadãos, por estar próximo o período em que poderão interpor
constitucionalmente a sua autoridade para afastar os cidadãos dos Estados Unidos de toda
participação ulterior naquelas violações dos direitos humanos que têm sido reiteradas por
tanto tempo contra os habitantes inofensivos da África, e que a moralidade, a reputação e os
melhores interesses do nosso país desejam há muito proscrever.

Ao sustentar que os africanos gozavam de direitos humanos, Jefferson não tirava nenhuma ilação sobre
os escravos negros no país. Os direitos humanos, pela definição de Jefferson, não capacitava os africanos —
muito menos os afro-americanos — a agir em seu próprio nome.
Durante o século XVIII, em inglês e em francês, os termos "direitos humanos", "direitos do gênero
humano" e "direitos da humanidade" se mostraram todos demasiado gerais para servir ao emprego político
direto. Referiam-se antes ao que distinguia os humanos do divino, numa ponta da escala, e dos animais, na
outra, do que a direitos politicamente relevantes como a liberdade de expressão ou o direito de participar na
política. Assim, num dos empregos mais antigos (1734) de "direitos da humanidade "em francês, o acerbo
crítico literário Nicolas Lenglet-Dufresnoy, ele próprio um padre católico, satirizava "aqueles monges
inimitáveis do século VI, que renunciavam tão inteiramente a todos 'os direitos da humanidade' que pastavam
como animais e andavam por toda parte completamente nus". Da mesma forma, em 1756, Voltaire podia
proclamar com ironia que a Pérsia era a monarquia em que mais desfrutava dos "direitos da humanidade",
porque os persas tinham os maiores "recursos contra o tédio". O termo "direito humano " apareceu em francês
pela primeira vez em 1763 significando algo semelhante a "direito natural", mas não pegou, apesar de ser usado
por Voltaire no seu amplamente influente Tratado sobre a tolerância!'
Enquanto os ingleses continuaram a preferir "direitos naturais" ou simplesmente "direitos" durante todo o
século XVIII, os franceses inventaram uma nova expressão na década de 1760 —"direitos do homem" {droits
de l'homme}. "O(s) direito(s) natural(is)" ou "a lei natural" (droit naturel tem ambos os significados em francês)
tinham histórias mais longas que recuavam centenas de anos no passado, mas talvez como consequência "o(s)
direito(s) natural(is)" tinha um número exagerado de possíveis significados. Às vezes significava simplesmente
fazer sentido dentro da ordem tradicional. Assim, por exemplo, o bispo Bossuet, um porta-voz a favor da
monarquia absoluta de Luís XIV, usou "direito natural" somente ao descrever a entrada de Jesus Cristo no céu
("ele entrou no céu pelo seu próprio direito natural").
O termo "direitos do homem" começou a circular em francês depois de sua aparição em O contrato
social (1762), de Jean-Jacques Rousseau, ainda que ele não desse ao termo nenhuma definição e ainda que —
ou talvez porque — o usasse ao lado de "direitos da humanidade","direitos do cidadão"e"direitos da soberania".
Qualquer que fosse a razão, por volta de junho de 1763, "direitos do homem" tinha se tornado um termo
comum, segundo um a revista clandestina:

Os atores da Comédie française representaram hoje, pela primeira vez, Manco [uma peça
sobre os incas no Peru ], de que falamos antes. É uma das piores tragédias já construídas. Há
nela um papel para um selvagem que poderia ser muito belo: ele recita cm verso tudo o que
temos lido espalhado sobre reis, liberdade e os direitos do homem, em A desigualdade de
condições, em Emílio, em O contrato social.

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Embora a peça não empregue de fato a expressão precisa "os direitos do homem", mas antes a
relacionada "direitos de nosso ser", é claro que o termo havia entrado no uso intelectual e estava de fato
diretamente associado com as obras de Rousseau. Outros escritores do Iluminismo, com o barão D'Holbach,
Raynal e Mercier, adotaram a expressão nas décadas de 1770 e 1780.
Antes de 1789, "direitos do homem" tinha poucas incursões no inglês. Mas a Revolução Americana
incitou o MARQUÊS DE CONDORCET, defensor do Iluminismo francês, a dar o primeiro passo para definir
"os direitos do homem", que para ele incluíam a segurança da pessoa, a segurança da propriedade, a justiça
imparcial e idônea e o direito de contribuir para a formulação das leis. No seu ensaio de 1786, "De
l'influence de la révolution d'Amérique sur l'Europe", Condorcet ligava explicitamente os direitos do homem à
Revolução Americana: "O espetáculo de um grande povo em que os direitos do homem são respeitados é útil
para todos os outros, apesar da diferença de clima, costumes e constituições". A Declaração da Independência
americana, ele proclamava, era nada menos que "uma exposição simples e sublime desses direitos que são, ao
mesmo tempo, tão sagrados e há tanto tempo esquecidos". Em janeiro de 1789, Emmanuel-Joseph Sieyès usou a
expressão no seu incendiário panfleto contra a nobreza, O que é o Terceiro Estado?. O rascunho de uma
declaração dos direitos, feito por Lafayette em janeiro de 1789, referia-se explicitamente aos "direitos do
homem", referência também feita por Condorcet no seu próprio rascunho do início de 1789. Desde a primavera
de 1789 — isto é, mesm o antes da queda da Bastilha em 14 de julho — muitos debates sobre a necessidade de
uma declaração dos "direitos do homem" permeavam os círculos políticos franceses.
Quando a linguagem dos direitos humanos apareceu, na segunda metade do século XVIII, havia a
princípio pouca definição explícita desses direitos. Rousseau não ofereceu nenhuma explicação quando usou o
termo "direitos do homem". O jurista inglês William Blackstone os definiu como "a liberdade natural da
humanidade", isto é, os "direitos absolutos do homem, considerado como um agente livre, dotado de
discernimento para distinguir o bem do mal". A maioria daqueles que usavam a expressão nas décadas de 1770
e 1780 na França, como D'Holbach e Mirabeau, figuras controversas do Iluminismo, referia-se aos direitos do
homem como se fossem óbvios e não necessitassem de nenhum a justificação ou definição; eram, em outras
palavras, autoevidentes. D'Holbach argumentava, por exemplo, que se os homens temessem menos a morte "os
direitos do homem seriam defendidos com mais ousadia". Mirabeau denunciava os seus perseguidores, que não
tinham "nem caráter nem alma, porque não têm absolutamente nenhum a ideia dos direitos dos homens".
Ninguém apresentou uma lista precisa desses direitos antes de 1776 ( a data da Declaração de Direitos da
Virgínia redigida por George Mason)."
A ambiguidade dos direitos humanos foi percebida pelo pastor calvinista jean-Paul Rabaut Saint-Étienne,
que escreveu ao rei francês em 1787 para se queixar das limitações de um projeto de edito de tolerância para
protestantes como ele próprio. Encorajado pelo sentimento crescente em favor dos direitos do homem, Rabaut
insistiu: "sabemos hoje o que são os direitos naturais, e eles certamente dão aos homens muito mais do que o
edito concede aos protestantes. [...] Chegou a hora em que não é mais aceitável que uma lei invalide
abertamente os direitos da humanidade, que são muito bem conhecidos em todo o mundo". Talvez eles fossem
bem conhecidos, mas o próprio Rabaut admitia que um rei católico não podia sancionar oficialmente o direito
calvinista ao culto público. Em suma, tudo dependia—com o ainda depende — da interpretação dada ao que não
era "mais aceitável".

1.3 Como os direitos se tornaram autoevidentes

Os direitos humanos são difíceis de determinar porque sua definição, e na verdade a sua própria
existência, depende tanto das emoções quanto da razão. A reivindicação de autoevidência se baseia em última
análise num apelo emocional: ela é convincente se ressoa dentro de cada indivíduo. Além disso, temos
muita certeza de que um direito humano está em questão quando nos sentimos horrorizados pela sua violação.
Rabaut Saint-Étienne sabia que podia apelar ao conhecimento implícito do que não era "mais aceitável". Em
1755, o influente escritor do Iluminism o francês Denis Diderot tinha escrito, a respeito do droit naturel, que "o

3
uso desse termo é tão familiar que quase ninguém deixaria de ficar convencido, no interior de si mesmo, de que
a noção lhe é obviamente conhecida. Esse sentimento interior é comum tanto para o filósofo quanto para o
homem que absolutamente não refletiu". Como outros de seu tempo, Diderot dava apenas um a indicação vaga
do significado de direitos naturais: "como homem", concluía, "não tenho outros direitos naturais que sejam
verdadeiramente inalienáveis a não ser aqueles da humanidade". Mas ele tocara na qualidade mais
importante dos direitos humanos: eles requeriam certo "sentimento interior" amplamente partilhado.
Até Jean-Jacques Burlamaqui, o austero filósofo suíço da lei natural, insistia que a liberdade só podia ser
experimentada pelos sentimentos interiores de cada homem: "Tais provas de sentimento estão acima de toda
objeção e produzem a convicção mais profundamente arraigada". Os direitos humanos não são apenas uma
doutrina formulada em documentos: baseiam-se numa disposição em relação às outras pessoas, um
conjunto de convicções sobre como são as pessoas e como elas distinguem o certo e o errado no mundo
secular. As ideias filosóficas, as tradições legais e a política revolucionária precisaram ter esse tipo de ponto de
referência emocional interior para que os direitos humanos fossem verdadeiramente "autoevidentes". E, como
insistia Diderot, esses momentos tinham de ser experimentados por muitas pessoas, e não somente pelos
filósofos que escreviam sobre eles.".
O que sustentava essas noções de liberdade e direitos era um conjunto de pressuposições sobre a
autonomia individual. Para ter direitos humanos, as pessoas deviam ser vistas com o indivíduos separados que
eram capazes de exercer um julgamento moral independente; como dizia Blackstone, os direitos do homem
acompanhavam o indivíduo "considerado como um agente livre, dotado de discernimento para distinguir o bem
do mal". Mas, para que se tornassem membros de uma comunidade política baseada naqueles julgamentos
morais independentes, esses indivíduos autônomos tinham de ser capazes de sentir EMPATIA pelos outros.
Todo mundo teria direitos somente se todo mundo pudesse ser visto, de um modo essencial, como semelhante.
A igualdade não era apenas um conceito abstrato ou um slogan político. Tinha de ser internalizada de alguma
forma.
Embora consideremos naturais as ideias de autonomia e igualdade, junto com os direitos humanos, elas
só ganharam influência no século XVIII. O filósofo moral contemporâneo J. B. Schneewind investigou o que ele
chama de "a invenção da autonomia". "A nova perspectiva que surgiu no fim do século XVIII", afirma ele,
"centrava-se na crença de que todos os indivíduos normais são igualmente capazes de viver juntos num a
moralidade de autocontrole." Por trás desses "indivíduos normais" existe uma longa história de luta. No século
XVIII (e de fato até o presente) não se imaginavam todas as "pessoas" como igualmente capazes de autonomia
moral. Duas qualidades relacionadas mas distintas estavam implicadas: a capacidade de raciocinar e a
independência de decidir por si mesmo. Ambas tinham de estar presentes para que um indivíduo fosse
moralmente autônomo. Às crianças e aos insanos faltava a necessária capacidade de raciocinar, mas eles
poderiam algum dia ganhar ou recuperar essa capacidade. Assim como as crianças, os escravos, os criados, os
sem propriedade e as mulheres não tinham a independência de status requerida para serem plenamente
autônomos. As crianças, os criados, os sem propriedade e talvez até os escravos poderiam um dia tornar-se
autônomos, crescendo, abandonando o serviço, adquirindo um a propriedade ou comprando a sua liberdade.
Apenas as mulheres não pareciam ter nenhuma dessas opções: eram definidas com o inerentemente
independentes de seus pais ou maridos. Se os proponentes dos direitos humanos naturais, iguais e universais
excluíam automaticamente algumas categorias de pessoas do exercício desses direitos, era primariamente
porque viam essas pessoas como menos do que plenamente capazes de autonomia moral.
Entretanto, o poder recém-descoberto da empatia podia funcionar até contra os preconceitos mais
duradouros. Em 1791, o governo revolucionário francês concedeu direitos iguais aos judeus; em 1792, até os
homens sem propriedade foram emancipados; e em 1794, o governo francês aboliu oficialmente a escravidão.
Nem a autonomia, nem a empatia, estavam determinadas: eram habilidades que podiam ser aprendidas, e as
limitações "aceitáveis" dos direitos podiam ser — e foram — questionadas. Os direitos não podem ser definidos
de uma vez por todas, porque a sua base emocional continua a se deslocar, em parte como reação às declarações
de direitos. Os direitos permanecem sujeitos à discussão porque a nossa percepção de quem tem direitos e
do que são esses direitos muda constantemente. A revolução dos direitos humanos é, por definição, contínua.
A autonomia e a empatia são práticas culturais e não apenas ideias, e portanto são incorporadas de forma
bastante literal, isto é, têm dimensões tanto físicas com o emocionais. A autonomia individual depende de uma
percepção crescente da separação e do caráter sagrado dos corpos humanos: o seu corpo é seu, e o meu corpo é
meu, e devemos ambos respeitar as fronteiras entre os corpos um do outro. A empatia depende do
reconhecimento de que outros sentem e pensam com o fazemos, de que nossos sentimentos interiores são
semelhantes de um modo essencial. Para ser autônoma, uma pessoa tem de estar legitimamente separada e
protegida na sua separação; mas, para fazer com que os direitos acompanhem essa separação corporal, a

4
individualidade de uma pessoa deve ser apreciada de forma mais emocional. Os direitos humanos dependem
tanto do domínio de si mesmo como do reconhecimento de que todos os outros são igualmente senhores de si. É
o desenvolvimento incompleto dessa última condição que dá origem a todas as desigualdades de direitos que
nos têm preocupado ao longo de toda a história.
A autonomia e a empatia não se materializaram a partir do ar rarefeito do século XVIII: elas tinham
raízes profundas. Durante o longo período de vários séculos, os indivíduos tinham começado a se afastar das
teias da comunidade, tornando-se agentes cada vez mais independentes tanto legal com o psicologicamente. Um
maior respeito pela integridade corporal e linhas de demarcação mais claras entre os corpos individuais haviam
sido produzidos pelo limiar cada vez mais elevado da vergonha a respeito das funções corporais e pelo senso
crescente de decoro corporal. Com o tempo, as pessoas começaram a dormir sozinhas ou apenas com um
cônjuge na cama. Usavam utensílios para comer e começaram a considerar repulsivo um comportamento antes
tão aceitável, como jogar comida no chão ou limpar excreções corporais nas roupas. A constante evolução de
noções de interioridade e profundidade da psique, desde a alma cristã à consciência protestante e às noções de
sensibilidade do século XVIII, preenchia a individualidade com um novo conteúdo. Todos esses processos
ocorreram durante um longo período.
Mas houve um avanço repentino no desenvolvimento dessas práticas na segunda metade do século
XVIII. A autoridade absoluta dos pais sobre os filhos foi questionada. O público começou a ver os espetáculos
teatrais ou a escutar música em silêncio. Os retratos e as pinturas de gênero desafiaram o predomínio das
grandes telas mitológicas e históricas da pintura acadêmica. Os romances e os jorrnais proliferaram, tornando as
histórias das vidas comuns acessíveis a um amplo público. A tortura como parte do processo judicial e as formas
mais extremas de punição corporal começaram a ser vistas como inaceitáveis. Todas essas mudanças
contribuíram para uma percepção da separação e do autocontrole dos corpos individuais, junto com a
possibilidade de empatia com outros.
As noções de integridade corporal e individualidade empática, investigadas nos próximos capítulos, têm
histórias não dessemelhantes da dos direitos humanos, aos quais estão intimamente relacionadas. Isto é, as
mudanças nos pontos de vista parecem acontecer todas ao mesmo tempo, em meados do século XVIII.
Considere-se, por exemplo, a tortura. Entre 1700 e 1750, a maioria dos empregos da palavra "tortura" em
francês se referia às dificuldades que um escritor experimentava para encontrar uma expressão apropriada.
Assim, Marivaux em 1724 se referia a "torturar a mente para extrair reflexões". A tortura, isto é, a tortura
legalmente autorizada para obter confissões de culpa ou nomes de cúmplices, tornou-se uma questão de grande
importância depois que Montesquieu atacou a prática no seu Espírito das leis (1748). Numa das suas passagens
mais influentes, Montesquieu insiste que "Tantas pessoas inteligentes e tantos homens de gênio escreveram
contra esta prática [a tortura judicial] que não ouso falar depois deles". Acrescenta então, um tanto
enigmaticamente: "Eu ia dizer que talvez ela fosse apropriada para o governo despótico, no qual tudo que
inspira medo contribui para o vigor do governo; ia dizer que os escravos entre os gregos e os romanos... Mas
escuto a voz da natureza gritando contra mim". Aqui também a autoevidência — " a voz da natureza gritando"
— fornece o fundamento para o argumento. Depois de Montesquieu, Voltaire e muitos outros, especialmente o
italiano Beccaria, se juntariam à campanha. Na década de 1780, a abolição da tortura e das formas bárbaras de
punição corporal tinha m se tornado artigos essenciais na nova doutrina dos direitos humanos.
As mudanças nas reações aos corpos e individualidades das outras pessoas forneceram um suporte crítico
para o novo fundamento secular da autoridade política. Embora Jefferson escrevesse que o "seu Criador" tinha
dotado os homens de direitos, o papel do Criador terminava ali. O governo já não dependia de Deus, muito
menos da interpretação da vontade de Deus apresentada por uma igreja. "Governos são instituídos entre os
homens", disse Jefferson, "para assegurar esses Direitos", e eles derivam o seu poder "do Consentimento dos
Governados". Da mesma forma, a Declaração francesa de 1789 mantinha que o "objetivo de toda associação
política é a preservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem" e que o "princípio de toda soberania
reside essencialmente na nação". A autoridade política, nessa visão, derivava da natureza mais interior dos
indivíduos e da sua capacidade de criar a comunidade por meio do consentimento. Os cientistas políticos e os
historiadores têm examinado essa concepção da autoridade política a partir de ângulos variados, mas têm
prestado pouca atenção à visão dos corpos e das individualidades que a tornou possível.
Meu argumento fará grande uso da influência de novos tipos de experiência, desde ver imagens em
exposições públicas até ler romances epistolares imensamente populares sobre o amor e o casamento. Essas
experiências ajudaram a difundir as práticas da autonomia e da empatia. O cientista político Benedict Anderson
argumenta que os jornais e os romances criaram a "comunidade imaginada" que o nacionalismo requer para
florescer. O que poderia ser denominado "empatia imaginada" antes serve como fundamento dos direitos
humanos que do nacionalismo. É imaginada não no sentido de inventada, mas no sentido de que a empatia

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requer um salto de fé, de imaginar que alguma outra pessoa é como você. Os relatos de tortura produziam essa
empatia imaginada por meio de novas visões da dor.
Os romances a geravam induzindo muitas sensações a respeito do eu interior. Cada um à sua maneira
reforçava a noção de uma comunidade baseada em indivíduos autônomos e empáticos, que podiam se
relacionar, para além de suas famílias imediatas, associações religiosas ou até nações, com valores universais
maiores.
Não há nenhum modo fácil ou óbvio de provar ou mesmo medir o efeito das novas experiências culturais
sobre as pessoas do século XVIII, muito menos sobre as suas concepções dos direitos. Os estudos científicos das
reações atuais à leitura e ao ato de ver televisão revelaram-se bastante difíceis, e eles têm a vantagem de
examinar sujeitos vivos que podem ser expostos a estratégias de pesquisa sempre mutáveis. Ainda assim, os
neurocientistas e os psicólogos cognitivos têm feito algum progresso em ligar a biologia do cérebro a resultados
psicológicos e no fim das contas até lociais e culturais. Mostraram, por exemplo, que a capacidade de construir
narrativas é baseada na biologia do cérebro, sendo crucial para o desenvolvimento de qualquer noção do eu.
Certos tipos de lesões cerebrais afetam a compreensão narrativa, e doenças como o autismo mostram que a
capacidade de empatia — o reconhecimento de que os outros têm mentes como a nossa — tem uma base
biológica. Na sua maior parte, entretanto, esses estudos só examinam um lado da equação: o biológico. Mesmo
que a maioria dos psiquiatras e até alguns neurocientistas concordem que o próprio cérebro é influenciado por
forças sociais e culturais, essa interação tem sido mais difícil de estudar. Na verdade, o próprio eu tem se
mostrado muito difícil de examinar. Sabemos que temos a experiência de ter um eu, mas os neurocientistas não
conseguiram determinar o local dessa experiência, muito menos explicar como ela funciona.
Se a neurociência, a psiquiatria e a psicologia ainda estão perdidos sobre a natureza do eu, então talvez
não seja surpreendente que os historiadores tenham se mantido totalmente afastados do assunto. A maioria dos
historiadores provavelmente acredita que o eu é, em alguma medida, modelado por fatores sociais e culturais,
isto é, que a individualidade no século X significava algo diferente do que significa para nós hoje em dia. Mas
pouco se sabe sobre a história da pessoa como um conjunto de experiências. Os estudiosos têm escrito bastante
sobre o surgimento do individualismo e da autonomia como doutrinas, porém muito menos sobre como o
próprio eu poderia mudar ao longo do tempo. Concordo com outros historiadores que o significado do eu muda
ao longo do tempo, e acredito que a experiência — e não apenas a ideia — da individualidade muda de forma
decisiva para algumas pessoas no século XVIII.
Meu argumento depende da noção de que ler relatos de tortura ou romances epistolares teve efeitos
físicos que se traduziram em mudanças cerebrais e tornaram a sair do cérebro como novos conceitos sobre a
organização da vida social e política. Os novos tipos de leitura (e de visão e audição) criaram novas experiências
individuais (empatia), que por sua vez tornaram possíveis novos conceitos sociais e políticos (os direitos
humanos). Nestas páginas tento desemaranhar como esse processo se realizou. Como a história, minha
disciplina, tem desdenhado por tanto tempo qualquer forma de argumento psicológico — nós historiadores
falamos frequentemente de reducionismo psicológico, mas nunca de reducionismo sociológico ou cultural —,
ela tem omitido em grande parte a possibilidade de um argumento que depende de um relato sobre o que
acontece dentro do eu.
Estou tentando voltar de novo a atenção para o que acontece dentro das mentes individuais. Esse poderia
parecer um lugar óbvio para procurar um a explicação das mudanças sociais e políticas transformadoras, mas as
mentes individuais — salvo as dos grandes pensadores e escritores — têm sido surpreendentemente
negligenciadas nos trabalhos recentes das ciências humanas e sociais. A atenção tem se voltado para o contexto
social e cultural, e não para o modo como as mentes individuais compreendem e remodelam esse contexto.
Acredito que a mudanç a social e política — nesse caso, os direitos humanos — ocorre porque muitos
indivíduos tiveram experiências semelhantes, não porque todos habitassem o mesmo contexto social, mas
porque, por meio de suas interações entre si e com suas leituras e visões, eles realmente criaram um novo
contexto social. Em suma, estou insistindo que qualquer relato de mudança histórica deve no fim das contas
explicar a alteração das mentes individuais. Para que os direitos humanos se tornassem autoevidentes, as pessoas
comuns precisaram ter novas compreensões que nasceram de novos tipos de sentimentos.

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3.0 "Ossos dos seus ossos" Abolindo a tortura

Em 1762, no mesmo ano em que Rousseau usou pela primeira vez o termo "direitos do homem", um
tribunal na cidade de Toulouse, no sul da França, condenou um protestante francês de 64 anos chamado
Jean Calas por assassinar seu filho para impedir que ele se convertesse ao catolicismo. Os juízes
condenaram Jean à morte pelo suplício da roda. Antes da execução, Calas primeiro teve de suportar uma tortura
judicialmente supervisionada conhecida como a "questão preliminar", que se destinava a conseguir que aqueles
já condenados nomeassem seus cúmplices. Com os punhos atados bem apertados a uma barra atrás dele, Calas
foi esticado por um sistema de manivelas e roldanas que puxava firmemente seus braços para cima, enquanto
um peso de ferro mantinha os pés no lugar (figura 3). Quando Calas se recusou a fornecer nomes depois de duas
aplicações, foi atado a um banco e jarros de água foram despejados à força pela sua garganta, enquanto a boca
era mantida aberta por dois pauzinhos (figura 4). Pressionado de novo a citar nomes, diz-se que ele respondeu:
"Onde não há crime, não pode haver cúmplices".

A morte não se seguia imediatamente, nem se pretendia que assim fosse. O suplício da roda, reservado
aos homens condenados por homicídio ou assalto na estrada, ocorria em dois estágios. Primeiro, o carrasco
atava o condenado a um a cruz em forma de X e esmagava sistematicamente os ossos de seus antebraços,
pernas, coxas e braços, desferindo em cada um deles dois golpes brutais. Por meio de um sarilho preso à corda

2
ao redor do pescoço do condenado, um
assistente embaixo do cadafalso então
deslocava as vértebras do pescoço com puxões
violentos na corda. Enquanto isso, o carrasco
fustigava a cintura com três golpes fortes da
vara de ferro. Depois o carrasco descia o corpo
quebrado e o prendia, com os membros
torturantemente inclinados para trás, a uma
roda de carruagem em cima de um poste de
três metros. Ali o condenado permanecia
bastante tempo depois da morte, concluindo
"um espetáculo muito terrível". Numa
instrução secreta, o tribunal concedeu a Calas a
graça de ser estrangulado depois de duas horas
de tormento, antes que seu corpo fosse ligado à
roda. Calas morreu ainda protestando
inocência.
O "caso" Calas galvanizou a atenção
quando foi adotado por Voltaire alguns meses
depois da execução. Voltaire arrecadou
dinheiro para a família, escreveu cartas em
nome de vários membros da família Calas com
o intuito de apresentar suas visões originais
dos lados e depois publicou um panfleto e um
livro baseados no caso. O mais famoso desses
foi o seu Tratado sobre a tolerância por ocasião
da morte de Jean Calas, no qual ele usou pela
primeira vez a expressão "direito humano"; o
ponto principal de seu argumento era que a
intolerância não podia ser um direito humano
(ele não propunha o argumento positivo de que
a liberdade de religião era um direito humano
). Voltaire não protestou inicialmente nem contra a tortura, nem contra o suplício da roda. O que o
enfureceu foi o fanatismo religioso que ele concluiu ter motivado a polícia e os juízes: "É impossível ver
como, seguindo esse princípio [o direito humano] ,um homem pode dizer a outro, 'acredite no que eu acredito e
no que você não pode acreditar, senão vai morrer'. É assim que eles falam em Portugal, Espanha e Goa [países
infames pelas suas inquisições]".
Como o culto calvinista público tinha sido proibido na França desde 1685, as autoridades aparentemente
não precisavam se esforçar muito para acreditar que Calas tivesse matado o filho para impedir a sua conversão
ao catolicismo. Certa noite, depois do jantar, a família tinha encontrado Mare-Antoine pendendo num vão de
porta que abria para uma despensa nos fundos da casa, um aparente suicídio. Para evitar o escândalo, afirmaram
ter descoberto o corpo no chão, presumivelmente vítima de assassinato. O suicídio era punível pela lei na
França: uma pessoa que cometesse suicídio não podia ser enterrada em chão consagrado e, se considerada
culpada num julgamento, o corpo podia ser exumado, arrastado pela cidade, pendurado pelos pés e atirado no
lixo.
A polícia se aproveitou das incoerências no testemunho da família e logo prendeu o pai, a mãe e o irmão
junto com seu criado e um visitante, acusando todos de assassinato. Um tribunal local condenou o pai, a mãe e o
irmão à tortura para obter confissões de culpa (chamada a "questão preparatória"), mas na apelação o Parlement1
de Toulouse revogou a sentença do tribunal local, recusou-se a aplicar a tortura antes da condenação e
considerou culpado apenas o pai, esperando que ele nomeasse os outros quando torturado pouco antes da sua
execução. A publicidade inexorável dada por Voltaire ao caso valeu para o resto da família, que ainda não tinha
sido inocentada. O Conselho Real primeiro anulou os veredictos por razões técnicas em 1763 e 1764 e
depois, em 1765, votou a favor da absolvição de todos os envolvidos e da devolução dos bens confiscados
da família.

1
Parlement: corte de justiça. (N.T.)

3
Durante a tempestade a respeito do caso Calas, o foco de atenção de Voltaire começou a mudar, e cada
vez mais o próprio sistema de justiça criminal, e especialmente o seu emprego da tortura e da crueldade, passou
a ser criticado. Nos seus textos iniciais sobre Calas, em 1762-3, Voltaire não usou nem uma única vez o termo
geral "tortura" (empregando em seu lugar o eufemismo legal "a questão"). Ele denunciou a tortura judicial pela
primeira vez em 1766 e depois estabeleceu frequentemente a ligação entre Calas e a tortura. A compaixão
natural leva todo mundo a detestar a crueldade da tortura judicial, insistia Voltaire, embora ele próprio não
tivesse dito essas palavras antes. "A tortura tem sido abolida em outros países, e com sucesso: a questão está,
portanto, decidida."As visões de Voltaire mudaram tanto que em 1769 ele se sentiu compelido a acrescentar um
artigo sobre "Tortura" a seu Dicionário filosófico, publicado pela primeira vez em 1764 e já no índex papal dos
livros proibidos. No artigo, Voltaire emprega a sua alternância habitual do ridículo e do ataque fulminante para
condenar as práticas francesas como incivilizadas: os estrangeiros julgam a França pelas suas peças teatrais,
romances, versos e belas atrizes, sem saber que não há nação mais cruel que a França. Uma nação civilizada,
conclui Voltaire, já não pode seguir "antigos costumes atrozes". O que há muito tempo tinha parecido aceitável
a ele e a muitos outros passava a ser posto em dúvida.
Assim como aconteceu com os direitos humanos de modo mais geral, as novas atitudes sobre a tortura e
sobre uma punição mais human a se cristalizaram primeiro na década de 1760, não apenas na França, mas em
outros países europeus e nas colônias americanas. Frederico, o Grande, da Prússia, amigo de Voltaire, já linha
abolido a tortura judicial nas suas terras em 1754. Outros imitaram seu exemplo nas décadas seguintes: a Suécia
em 1772, a Áustria e a Boêmia em 1776. Em 1780, a monarquia francesa eliminou o uso da tortura para extrair
confissões de culpa antes da condenação, e em 1788 aboliu provisoriamente o uso da tortura pouco antes da
execução para obter os nomes de cúmplices. Em 1783, o governo britânico descontinuou a procissão pública
para Tyburn, onde as execuções tinham se tornado um importante entretenimento popular, e introduziu o uso
regular da "queda", uma plataforma mais elevada que o carrasco deixava cair para assegurar enforcamentos mais
rápidos e mais humanos. Em 1789, o governo revolucionário francês renunciou a todas as formas de tortura
judicial, e em 1792 introduziu a guilhotina, que tinha a intenção de tornar a execução da pena de morte uniforme
e tão indolor quanto possível. No final do século XVII, a opinião pública parecia exigir o fim da tortura judicial
e de muitas indignidades infligidas aos corpos dos condenados. Como o médico americano Benjamin Rush
insistia em 1787, não devemos esquecer que até os criminosos "possuem almas e corpos compostos dos mesmos
materiais que os de nossos amigos e conhecidos. São ossos dos seus ossos".

3.1 Tortura e crueldade

A tortura judicialmente supervisionada para extrair confissões tinha sido introduzida ou reintroduzida na
maioria dos países europeus no século XIII, como consequência do reflorescimento da lei romana e do exemplo
da Inquisição católica. Nos séculos XVI, XVII e XVIII, muitas das mais refinadas inteligências legais da Europa
dedicaram-se a codificar e regularizar o uso da tortura judicial para impedir abusos perpetrados por juízes
exageradamente zelosos ou sádicos. A Grã-Bretanha tinha supostamente substituído a tortura judicial pelos júris
no século XIII, mas a tortura ainda ocorria nos séculos XVI e XVII nos casos de sedição e feitiçaria. Contra as
bruxas, por exemplo, os magistrados escoceses mais severos empregavam ferroadas, privação de sono, tortura
pelas "botas" (esmagar as pernas), queimaduras com ferro em brasa e outros métodos. A tortura para obter os
nomes de cúmplices era permitida pela lei colonial de Massachusetts, mas aparentemente nunca era ordenada.
As formas brutais de punição depois da condenação eram ubíquas na Europa e nas Américas. Embora a
Bill of Rights britânica de 1689 proibisse expressamente o castigo cruel, os juízes ainda sentenciavam os
criminosos ao poste dos açoites, ao banco dos afogamentos, ao tronco, ao pelourinho, ao ferro de marcar, à
execução por arrastamento e esquartejamento (desmembramento do corpo por meio de cavalos) ou, para as
mulheres, arrastamento, esquartejamento e morte na fogueira. O que constituía uma punição "cruel" dependia
claramente das expectativas culturais. Foi somente em 1790 que o Parlamento britânico proibiu queimar as
mulheres na fogueira. Antes, entretanto, havia aumentado dramaticamente o número de ofensas capitais, que
segundo algumas estimativas triplicou no século XVIII e em 1753 tinha contribuído para tornar as punições por
assassinato ainda mais horríveis a fim de aumentar seu poder de dissuasão. O Parlamento também ordenou que
os corpos de todos os assassinos fossem entregues a cirurgiões para dissecação — naquele tempo considerada
um a ignomínia — e concedeu aos juízes a autoridade discricionária de ordenar que o corpo de qualquer
assassino masculino fosse dependurado acorrentado depois da execução. Apesar do crescente desconforto com

4
esse escarnecer do cadáver dos assassinos, a prática só foi definitivamente abolida em 1834.
Não surpreende que a punição nas colónias tenha seguido os padrões estabelecidos no centro imperial.
Assim, um terço de todas as sentenças na Corte Superior de Massachusetts, mesmo na última metade do século
XVIII, exigia humilhações públicas que iam desde usar cartazes até a perda de uma orelha, a marcação a ferro e
o açoite. Um contemporâneo em Boston descreveu como "as mulheres eram tiradas de uma imensa jaula, na
qual eram arrastadas sobre rodas desde a prisão, e atadas num poste com as costas nuas, nas quais eram
aplicadas trinta ou quarenta chicotadas entre os gritos das culpadas e o tumulto da turba". A Bill of Rights
britânica não protegia os escravos, porque eles não eram considerados pessoas com direitos legais. Virginia e
Carolina do Norte permitiam expressamente a castração de escravos por ofensas hediondas, e em Maryland, nos
casos de pequena traição ou incêndio criminoso por parte de um escravo, a mão direita era cortada e o escravo
depois enforcado, a cabeça cortada, o corpo esquartejado e as
partes desmembradas exibidas em público. Ainda na década
de 1740, os escravos em Nova York podiam ser queimados
até a morte de forma torturantemente lenta, supliciados na
roda ou dependurados por correntes até morrerem por falta de
alimento.
A maioria das sentenças determinadas pelos tribunais
franceses na última metade do século XVIII ainda incluía
alguma forma de castigo corporal público, como a marcação a
ferro, o açoite ou o uso do colarinho de ferro (que ficava
preso a um poste ou ao pelourinho — figura 5). No mesmo
ano em que Calas foi executado, o Parlement de Paris2
sentenciou apelações de processos penais contra 235 homens
e mulheres julgados em primeira instância no tribunal de
Châtelet (um tribunal de instância inferior) de Paris: 82 foram
sentenciados ao banimento e à marcação a ferro, em geral
combinados com açoites; nove à mesma combinação mais o
colarinho de ferro; dezenove à marcação a ferro e ao
aprisionamento; vinte ao confinamento no Hospital Geral3,
depois de serem marcados a ferro e/ou terem de usar o
colarinho de ferro; doze ao enforcamento; três ao suplício da
roda; e um a morrer queimado na fogueira. Se todos os outros
tribunais de Paris fossem incluídos na conta, o número de
humilhações públicas e mutilações aumentaria para
quinhentas ou seiscentas, com umas dezoito execuções — em
apenas um ano, numa única jurisdição.
A pena de morte podia ser imposta de cinco maneiras
diferentes na França: decapitação para os nobres;
enforcamento para os criminosos comuns; arrastamento e esquartejamento por ofensas contra o soberano
conhecidas com o lèse-majesté; morte na fogueira por heresia, magia, incêndio criminoso, envenenamento,
bestialidade e sodomia; e o suplício da roda por assassinato ou salteamento. Os juízes ordenavam arrastamento e
esquartejamento e morte na fogueira com pouca frequência no século XVIII, mas o suplício da roda era muito
comum: na jurisdição do Parlement de Aix-en-Provence, no sul da França, por exemplo, quase a metade das 53
sentenças de morte impostas entre 1760 e 1762 era pelo suplício da roda.
Mas da década de 1760 em diante, campanhas de vários tipos levaram à abolição da tortura sancionada
pelo estado e a uma crescente moderação nos castigos (até para os escravos). Os reformadores atribuíam suas
realizações à difusão do humanitarismo do Iluminismo. Em 1786, o reformador inglês Samuel Romilly olhou
para trás e afirmou cheio de confiança que "à medida que os homens refletem e raciocinam sobre esse tema
importante, as noções absurdas e bárbaras de justiça que prevaleceram por eras têm sido demolidas, e têm sido
adotados princípios humanos e racionais em seu lugar". Muito do impulso imediato para pensar sobre o assunto
veio do curto e vigoroso Dos delitos e das penas, publicado em 1764 por um aristocrata italiano de 24 anos,
Cesare Beccaria. Promovido pelos círculos em torno de Diderot, traduzido rapidamente para o francês e o inglês
e avidamente lido por Voltaire no decorrer do caso Calas, o pequeno livro de Beccaria examinava o sistema de

2
O Parlementde Paris era a mais alta corte de justiça do Antigo Regime. (N.T.)
3
Fundado por Luís XIV, o Hospital Geral servia para recolher marginais, indigentes etc. (N. T.)

5
justiça criminal de cada nação. O sistema italiano recente não rejeitava apenas a tortura e o castigo cruel, mas
também—numa atitude extraordinária para a época— a própria pena de morte. Contra o poder absoluto dos
governantes, a ortodoxia religiosa e os privilégios da nobreza, Beccaria propunha um padrão democrático de
justiça: "a maior felicidade do maior número". Virtualmente todo reformador a partir de então, de Philadelphia a
Moscou, o citava.
Beccaria ajudou a valorizar a nova linguagem do sentimento. Para ele, a pena de morte só podia ser
"perniciosa para a sociedade, pelo exemplo de barbárie que proporciona", e ao objetar a "tormentos e crueldade
inútil" na punição ele os ridicularizava como "o instrumento de um fanatismo furioso". Além disso, ao justificar
a sua intervenção ele expressava a esperança de que se "eu contribuir para salvar da agonia da morte uma vítima
infeliz da tirania, ou da ignorância igualmente fatal, a sua bênção e lágrimas de êxtase serão para mim um
consolo suficiente para o desprezo de toda a humanidade". Depois de ler Beccaria, o jurista inglês William
Blackstone estabeleceu a conexão que se tornaria característica após a visão do Iluminismo: a lei criminal,
afirmava Blackstone, deve sempre "se conformar aos ditados da verdade e da justiça, aos sentimentos
humanitários e aos direitos indeléveis da humanidade".
Entretanto, como mostra o exemplo de Voltaire, a elite educada, e até muitos dos principais
reformadores, não compreendeu imediatamente a conexão entre a linguagem nascente dos direitos e a tortura e o
castigo cruel. Voltaire escarneceu do malogro da justiça no caso Calas, mas não objetou originalmente ao fato
de que o velho fora torturado ou supliciado na roda. Se a compaixão natural leva todo mundo a detestar a
crueldade da tortura judicial, como Voltaire disse mais tarde, por que isso não era óbvio antes da década de
1760, nem mesmo para ele? Evidentemente, antolhos de algum tipo haviam atuado para inibir a operação da
empatia antes desse período.
Quando os escritores e os reformadores legais do Iluminismo começaram a questionar a tortura e a
punição cruel, ocorreu uma viravolta quase completa de atitude ao longo de algumas décadas. A descoberta do
sentimento de companheirismo constituía parte dessa mudança, mas apenas parte. O que era preciso além da
empatia — na verdade, nesse caso, uma precondição necessária para a empatia com o condenado pela justiça—
era um novo interesse pelo corpo humano. Antes sagrado apenas dentro de uma ordem religiosamente definida,
em que os corpos individuais podiam ser mutilados ou torturados para o bem comum, o corpo se tornou sagrado
por si próprio numa ordem secular que se baseava na autonomia e inviolabilidade dos indivíduos. Esse
desenvolvimento ocorre em duas partes. Os corpos ganharam um valor mais positivo quando se tornaram mais
separados, mais senhores de si mesmos e mais individualizados durante o desenrolar do século XVIII, enquanto
as violações dos corpos provocavam mais e mais reações negativas.

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3.3 O espetáculo público da dor

Caminhar pelo jardim, escutar música em silêncio, usar um lenço e ver retratos são todas ações que
parecem acompanhar a imagem do leitor empático, e que parecem completamente incongruentes com a tortura e
execução de Jean Calas. Mas os próprios juízes e legisladores que sustentavam o sistema legal tradicional e
defendiam até a sua dureza sem dúvida escutavam música em silêncio, encomendavam retratos e possuíam
casas com quartos de dormir, embora talvez não tivessem lido os romances por causa da sua associação com a
sedução e a devassidão. Os magistrados endossavam o sistema tradicional de crime e castigo porque
acreditavam que os culpados do crime só podiam ser controlados por um a força externa. Na visão
tradicional, as pessoas comuns não sabiam regular suas próprias paixões. Tinham de ser lideradas,
estimuladas para fazer o bem e dissuadidas de seguir seus instintos mais baixos. Essa tendência para o mal na
humanidade resultava do pecado original, a doutrina cristã de que todos são inatamente predispostos para o
pecado desde que Adão e Eva foram privados da graça de Deus no jardim do Éden.
Os escritos de Pierre-François Muyart de Vouglans nos dão uma compreensão rara da posição
tradicionalista, pois ele foi um dos poucos juristas que aceitaram o desafio de Beccaria e publicaram defesas dos
métodos antigos. Além de suas muitas obras sobre a lei criminal, Muyart também escreveu ao menos dois
panfletos defendendo o cristianismo e atacando seus críticos modernos, especialmente Voltaire. Em 1767,
publicou uma refutação, ponto por ponto, das ideias de Beccaria. Opôs-se nos termos mais fortes à tentativa de
Beccaria de fundamentar o seu sistema sobre "os sentimentos inefáveis do coração". "Eu me orgulho de ter tanta
sensibilidade quanto qualquer pessoa", insistia, "mas sem dúvida não tenho uma organização de fibras
[terminações nervosas] tão frouxa quanto a de nossos modernos criminalistas, pois não senti esse
estremecimento suave de que falam." Em vez disso, Muyart sentiu surpresa, para não dizer choque, quando viu
que Beccaria construiu seu sistema sobre as ruínas de todo o senso comum.
Muyart zombou da abordagem racionalista de Beccaria. "Sentado no seu gabinete, [o autor] começa a
redigir as leis de todas as nações e nos leva a compreender que até agora nunca tivemos um pensamento exato
ou sólido sobre esse assunto crucial." A razão de
ser tão difícil reformar a lei criminal, segundo
Muyart, era que ela estava baseada sobre a lei
positiva e dependia menos do raciocínio que da
experiência e da prática. O que a experiência
ensinava era a necessidade de controlar os
indisciplinados, e não a lagar as suas
sensibilidades: "Quem, de fato, não sabe que,
como os homens são modelados pelas suas
paixões, o seu temperamento domina muito
frequentemente os seus sentimentos?". Os
homens devem ser julgados como são, não como
deveriam ser, ele insistia, e só o poder de uma
justiça vingadora que inspira um temor reverente
podia refrear esses temperamentos.
A ostentação da dor no cadafalso era
destinada a insuflar o terror nos espectadores
e dessa forma servia como um instrumento de
dissuasão. Os que a presenciavam— e as
multidões eram frequentemente imensas—eram
levados a se identificar com a dor da pessoa
condenada e, por meio dessa experiência, a sentir
a majestade esmagadora da lei, do Estado e, em
última instância, de Deus. Muyart, portanto,
achava revoltante que Beccaria tentasse justificar
os seus argumentos por referência à
"sensibilidade em relação à dor do culpado". Essa
sensibilidade fazia o sistema tradicional
funcionar. "Precisamente porque cada homem se
identificava com o que acontecia ao outro e
porque ele tinha um horror natural à dor, era

7
necessário preferir, na escolha dos castigos, aquele que fosse mais cruel para o corpo do culpado."
Pela compreensão tradicional, as dores do corpo não pertenciam inteiramente à pessoa condenada
individual. Essas dores tinham os propósitos religiosos e políticos mais elevados da redenção e reparação
da comunidade. Os corpos podiam ser mutilados com o objetivo de impor a autoridade, e quebrados ou
queimados com o objetivo de restaurar a ordem moral, política e religiosa. Em outras palavras, o ofensor servia
como um a espécie de vítima sacrifical, cujo sofrimento restauraria a integridade da comunidade e a ordem do
Estado. A natureza sacrifical do rito na França era sublinhada pela inclusão de um ato formal de penitência ( a
amende honorablé) em muitas sentenças francesas, quando o criminoso condenado carregava um a tocha de
fogo e parava na frente de uma igreja para pedir perdão a caminho do cadafalso.
Como a punição era um rito sacrifical, a festividade inevitavelmente acompanhava e às vezes eclipsava o
medo. As execuções públicas reuniam milhares de pessoas para celebrar a recuperação comunitária do dano do
crime. As execuções em Paris ocorriam na mesma praça — a Place de Greve — em que os fogos de artifício
celebravam os nascimentos e os casamentos da família real. Como os observadores frequentemente relatavam,
entretanto, essa festividade tinha em si uma qualidade imprevisível. As classes inglesas educadas expressavam
cada vez mais a sua desaprovação das "cenas espantosas de embriaguez e devassidão" que acompanhavam toda
execução em Tyburn (figura 9). Em cartas, os observadores deploravam que a multidão ridicularizasse os
clérigos enviados para prestar assistência aos prisioneiros, que os aprendizes de cirurgiões e os amigos dos
executados brigassem pelos cadáveres, e de modo geral que houvesse a expressão de uma "espécie de Alegria,
como se o Espetáculo que tinham presenciado lhes proporcionasse Prazer em vez de Dor". Relatando um
enforcamento no inverno de 1776, o Morning Post de Londres reclamava que a "multidão impiedosa se
comportava com uma indecência extremamente desumana—gritando, rindo, atirando bolas de neve uns nos
outros, principalmente naqueles poucos que manifestavam uma compaixão apropriada pelas desgraças de seus
semelhantes".
Mesmo quando a multidão era mais moderada, só o seu tamanho já podia ser perturbador. Um visitante
britânico em Paris relatou uma execução pelo suplício da roda em 1787: "O barulho da multidão era como o
murmúrio rouco causado pelas ondas do mar quebrando ao longo de uma costa rochosa: por um momento
amainava; e num silêncio terrível a multidão contemplava o carrasco pegar uma barra de ferro e dar início à
tragédia, golpeando o antebraço da vítima". Muito perturbador para este e muitos outros observadores era o
grande número de espectadoras: "É espantoso que a parte mais delicada da criação, cujos sentimentos são tão
requintadamente ternos e refinados, venha em grandes números para ver um espetáculo tão sangrento; mas, sem
dúvida, é a piedade, a compaixão bondosa que sentem o que as torna tão ansiosas sobre as torturas infligidas a
nossos semelhantes". Desnecessário dizer, não é "sem dúvida" que essa fosse a emoção predominante das
mulheres. A multidão já não sentia as emoções que o espetáculo se destinava a provocar.
A dor, o castigo e o espetáculo público do sofrimento perderam todos as suas amarras religiosas na
segunda metade do século XVIII, mas o processo não aconteceu de repente e não era muito bem compreendido
à época. Mesmo Beccaria deixou de ver todas as consequências do novo pensamento que ele tanto
contribuiu para cristalizar. Queria pôr a lei numa base rousseauniana em vez de religiosa: as leis "devem
ser convenções entre os homens num estado de liberdade", sustentava. Mas embora argumentasse em favor
de uma moderação do castigo—que deveria ser "o menor possível no caso dado" e "proporcional ao crime" —,
Beccaria ainda insistia que ele deveria ser público. Para ele, a exposição pública garantia a transparência da lei.
Na visão individualista e secular que nascia, as dores pertenciam apenas ao sofredor, aqui e agora. A
atitude em relação à dor não mudou por causa do aperfeiçoamento médico no tratamento da dor. Os que
exerciam a medicina tentavam certamente aliviar a dor à época, mas os verdadeiros passos pioneiros em
anestesia só aconteceram em meados do século XIX, com o uso do éter e do clorofórmio. Em vez disso, a
mudança de atitude surgiu como uma consequência da reavaliação do corpo individual e de suas dores.
Como a dor e o próprio corpo agora pertenciam somente ao indivíduo, e não à comunidade, o indivíduo já não
podia ser sacrificado para o bem da comunidade ou para um propósito religioso mais elevado. Como o
reformador inglês Henry Dagge insistia, "o bem da sociedade é promovido com mais sucesso pelo respeito aos
indivíduos". Em vez da expiação de um pecado, o castigo devia ser visto como o pagamento de
uma"dívida" com a sociedade, e claramente nenhum pagamento podia ser esperado de um corpo
mutilado. Se a dor tinha servido como o símbolo da reparação no antigo regime, agora a dor parecia um
obstáculo a qualquer quitação significativa. Num exemplo dessa mudança de visão, muitos juízes nas colônias
britânicas na América do Norte começaram a impor multas por delitos contra a propriedade em vez de
chibatadas.
Na nova visão, consequentemente, o castigo cruel executado num cenário público constituía um ataque à
sociedade, em vez de sua reafirmação. A dor brutalizava o indivíduo — e por identificação os espectadores —

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em vez de abrir a porta para a salvação por meio do arrependimento. Assim, o advogado inglês William Eden
denunciou a exposição dos cadáveres: "deixamo-nos apodrecer com o espantalhos nas sebes, e nossas forcas
estão amontoadas de carcaças humanas. Alguma dúvida de que uma familiaridade forçada com esses objetos
possa ter qualquer outro efeito que não seja o de embotar os sentimentos e destruir os preconceitos benevolentes
das pessoas?". Em 1787, Benjamin Rush podia afastar até as últimas dúvidas. “A reforma de um criminoso
jamais pode ser levada a efeito por um castigo público", afirmava sem rodeios. O castigo público destrói
qualquer sensação de vergonha, não produz mudança s de atitude e , em vez de funcionar com o um instrumento
de dissuasão, tem o efeito oposto nos espectadores. Embora concordasse com Beccaria na sua oposição à pena
de morte, o dr. Rush o abandonava ao argumentar que o castigo devia ser privado, ministrado por trás das
paredes de uma prisão e orientado para a reabilitação, isto é, a readaptação do criminoso à sociedade e à sua
liberdade pessoal, "tão cara a todos os homens".

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BALESTRERI Ricardo Brisola. Direitos Humanos: Coisa de Polícia – Passo fundo-RS, CAPEC, Paster
Editora, 1998
DIREITOS HUMANOS: COISA DE POLÍCIA
Treze reflexões sobre polícia e direitos humanos

Durante muitos anos o tema “Direitos Humanos” foi considerado antagônico ao de


Segurança Pública. Produto do autoritarismo vigente no país entre 1964 e 1984 e da
manipulação, por ele, dos aparelhos policiais, esse velho paradigma maniqueísta cindiu
sociedade e polícia, como se a última não fizesse parte da primeira.

Polícia, então, foi uma atividade caracterizada pelos segmentos progressistas da sociedade,
de forma equivocadamente conceitual, como necessariamente afeta à repressão
antidemocrática, à truculência, ao conservadorismo. “Direitos Humanos” como militância, na
outra ponta, passaram a ser vistos como ideologicamente filiados à esquerda, durante toda a
vigência da Guerra Fria (estranhamente, nos países do “socialismo real”, eram vistos como
uma arma retórica e organizacional do capitalismo). No Brasil, em momento posterior da
história, à partir da rearticulação democrática, agregou-se a seus ativistas a pecha de
“defensores de bandidos” e da impunidade.

Evidentemente, ambas visões estão fortemente equivocadas e prejudicadas pelo


preconceito.

Estamos há mais de um década construindo uma nova democracia e essa paralisia de


paradigmas das “partes” (uma vez que assim ainda são vistas e assim se consideram),
representa um forte impedimento à parceria para a edificação de uma sociedade mais civilizada.

Aproximar a policia das ONGs que atuam com Direitos Humanos, e vice-versa, é tarefa
impostergável para que possamos viver, a médio prazo, em uma nação que respire “cultura de
cidadania”. Para que isso ocorra, é necessário que nós, lideranças do campo dos Direitos
Humanos, desarmemos as “minas ideológicas” das quais nos cercamos, em um primeiro
momento, justificável , para nos defendermos da polícia, e que agora nos impedem de aproximar-
nos. O mesmo vale para a polícia.

Podemos aprender muito uns com os outros, ao atuarmos como agentes defensores da
mesma democracia.

Nesse contexto, à partir de quase uma década de parceria no campo da educação para
os direitos humanos junto à policiais e das coisas que vi e aprendi com a polícia, é que gostaria
de tecer as singelas treze considerações a seguir: CIDADANIA, DIMENSÃO PRIMEIRA

1ª - O policial é, antes de tudo um cidadão, e na cidadania deve nutrir sua razão de ser.
Irmana-se, assim, a todos os membros da comunidade em direitos e deveres. Sua condição de
cidadania é, portanto, condição primeira, tornando-se bizarra qualquer reflexão fundada sobre
suposta dualidade ou antagonismo entre uma “sociedade civil” e outra “sociedade policial”. Essa
afirmação é plenamente válida mesmo quando se trata da Polícia Militar, que é um serviço
público realizado na perspectiva de uma sociedade única, da qual todos os segmentos estatais
são derivados. Portanto não há, igualmente, uma “sociedade civil” e outra “sociedade militar”. A
“lógica” da Guerra Fria, aliada aos “anos de chumbo”, no Brasil, é que se encarregou de
solidificar esses equívocos, tentando transformar a polícia, de um serviço à cidadania, em
ferramenta para enfrentamento do “inimigo interno”. Mesmo após o encerramento desses anos
de paranoia, sequelas ideológicas persistem indevidamente, obstaculizando, em algumas áreas,
a elucidação da real função policial.

BALESTRERI Ricardo Brisola. Direitos Humanos: Coisa de Polícia – Passo fundo-RS, CAPEC, Paster
Editora, 1998
POLICIAL: CIDADÃO QUALIFICADO

2ª - O agente de Segurança Pública é, contudo, um cidadão qualificado: emblematiza o


Estado, em seu contato mais imediato com a população. Sendo a autoridade mais comumente
encontrada tem, portanto, a missão de ser uma espécie de “porta voz” popular do conjunto
de autoridades das diversas áreas do poder. Além disso, porta a singular permissão para o
uso da força e das armas, no âmbito da lei, o que lhe confere natural e destacada autoridade
para a construção social ou para sua devastação. O impacto sobre a vida de indivíduos e
comunidades, exercido por esse cidadão qualificado é, pois, sempre um impacto extremado
e simbolicamente referencial para o bem ou para o mal-estar da sociedade.

POLICIAL: PEDAGOGO DA CIDADANIA

3ª - Há, assim, uma dimensão pedagógica no agir policial que, como em outras profissões
de suporte público, antecede as próprias especificidades de sua especialidade.

Os paradigmas contemporâneos na área da educação nos obrigam a repensar o agente


educacional de forma mais includente. No passado, esse papel estava reservado unicamente
aos pais, professores e especialistas em educação. Hoje é preciso incluir com primazia no rol
pedagógico também outras profissões irrecusavelmente formadoras de opinião: médicos,
advogados, jornalistas e policiais, por exemplo.

O policial, assim, à luz desses paradigmas educacionais mais abrangentes, é um pleno


e legitimo educador. Essa dimensão é inabdicável e reveste de profunda nobreza a função
policial, quando conscientemente explicitada através de comportamentos e atitudes.

A IMPORTÂNCIA DA AUTO-ESTIMA

PESSOAL E INSTITUCIONAL

4ª - O reconhecimento dessa “dimensão pedagógica” é, seguramente, o caminho mais


rápido e eficaz para a reconquista da abalada auto-estima policial. Note-se que os vínculos de
respeito e solidariedade só podem constituir-se sobre uma boa base de auto-estima. A
experiência primária do “querer-se bem” é fundamental para possibilitar o conhecimento de como
chegar a “querer bem o outro”. Não podemos viver para fora o que não vivemos para dentro.

Em nível pessoal, é fundamental que o cidadão policial se sinta motivado e orgulhoso de


sua profissão. Isso só é alcançável à partir de um patamar de “sentido existencial”. Se a função
policial for esvaziada desse sentido, transformando o homem e a mulher que a exercem em
meros cumpridores de ordens sem um significado pessoalmente assumido como ideário, o
resultado será uma auto-imagem denegrida e uma baixa auto-estima.

Resgatar, pois, o pedagogo que há em cada policial, é permitir a ressignificação da


importância social da polícia, com a consequente consciência da nobreza e da dignidade dessa
missão.

A elevação dos padrões de auto-estima pode ser o caminho mais seguro para uma boa
prestação de serviços.

Só respeita o outro aquele que se dá respeito a si mesmo. POLÍCIA

E ‘SUPEREGO’ SOCIAL

5ª - Essa “dimensão pedagógica”, evidentemente, não se confunde com “dimensão


demagógica” e, portanto, não exime a polícia de sua função técnica de intervir preventivamente

BALESTRERI Ricardo Brisola. Direitos Humanos: Coisa de Polícia – Passo fundo-RS, CAPEC, Paster
Editora, 1998
no cotidiano e repressivamente em momentos de crise, uma vez que democracia nenhuma se
sustenta sem a contenção do crime, sempre fundado sobre uma moralidade mal constituída e
hedonista, resultante de uma complexidade causal que vai do social ao psicológico.

Assim como nas famílias é preciso, em “ocasiões extremas”, que o adulto sustente, sem
vacilar, limites que possam balizar moralmente a conduta de crianças e jovens, também em nível
macro é necessário que alguma instituição se encarregue da contenção da sociopatia.

A polícia é, portanto, uma espécie de superego social indispensável em culturas urbanas,


complexas e de interesses conflitantes, contenedora do óbvio caos a que estaríamos expostos
na absurda hipótese de sua inexistência. Possivelmente por isso não se conheça nenhuma
sociedade contemporânea que não tenha assentamento, entre outros, no poder da polícia. Zelar,
pois, diligentemente, pela segurança pública, pelo direito do cidadão de ir e vir, de não ser
molestado, de não ser saqueado, de ter respeitada sua integridade física e moral, é dever da
polícia, um compromisso com o rol mais básico dos direitos humanos que devem ser garantidos
à imensa maioria de cidadãos honestos e trabalhadores.

Para isso é que a polícia recebe desses mesmos cidadãos a unção para o uso da força,
quando necessário.

RIGOR versus VIOLÊNCIA

6ª - O uso legítimo da força não se confunde, contudo, com truculência.

A fronteira entre a força e a violência é delimitada, no campo formal, pela lei, no


campo racional pela necessidade técnica e, no campo moral, pelo antagonismo que deve
reger a metodologia de policiais e criminosos.

POLICIAL versus CRIMINOSO:

METODOLOGIAS ANTAGÔNICAS

7ª - Dessa forma, mesmo ao reprimir, o policial oferece uma visualização pedagógica, ao


antagonizar-se aos procedimentos do crime.

Em termos de inconsciente coletivo, o policial exerce função educativa arquetípica:


deve ser “o mocinho”, com procedimentos e atitudes coerentes com a “firmeza moralmente reta”,
oposta radicalmente aos desvios perversos do outro arquétipo que se lhe contrapõe: o bandido.

Ao olhar para uns e outros, é preciso que a sociedade perceba claramente as diferenças
metodológicas ou a “confusão arquetípica” intensificará sua crise de moralidade, incrementando
a ciranda da violência. Isso significa que a violência policial é geradora de mais violência da qual,
mui comumente, o próprio policial torna-se a vítima.

Ao policial, portanto, não cabe ser cruel com os cruéis, vingativo contra os anti-sociais,
hediondo com os hediondos. Apenas estaria com isso, liberando, licenciando a sociedade para
fazer o mesmo, à partir de seu patamar de visibilidade moral. Não se ensina a respeitar
desrespeitando, não se pode educar para preservar a vida matando, não importa quem seja. O
policial jamais pode esquecer que também o observa o inconsciente coletivo. A ‘VISIBILIDADE
MORAL’ DA POLÍCIA: IMPORTÂNCIA DO EXEMPLO
8ª - Essa dimensão “testemunhal”, exemplar, pedagógica, que o policial carrega
irrecusavelmente é, possivelmente, mais marcante na vida da população do que a própria
intervenção do educador por ofício, o professor.

BALESTRERI Ricardo Brisola. Direitos Humanos: Coisa de Polícia – Passo fundo-RS, CAPEC, Paster
Editora, 1998
Esse fenômeno ocorre devido à gravidade do momento em que normalmente o policial
encontra o cidadão. À polícia recorre-se, como regra, em horas de fragilidade emocional, que
deixam os indivíduos ou a comunidade fortemente “abertos” ao impacto psicológico e moral da
ação realizada.

Por essa razão é que uma intervenção incorreta funda marcas traumáticas por anos ou
até pela vida inteira, assim como a ação do “bom policial” será sempre lembrada com satisfação
e conforto.

Curiosamente, um significativo número de policiais não consegue perceber com clareza


a enorme importância que têm para a sociedade, talvez por não haverem refletido
suficientemente a respeito dessa peculiaridade do impacto emocional do seu agir sobre a
clientela. Justamente aí reside a maior força pedagógica da polícia, a grande chave para a
redescoberta de seu valor e o resgate de sua auto-estima.

É essa mesma “visibilidade moral” da polícia o mais forte argumento para convencê-la
de sua “responsabilidade paternal” (ainda que não paternalista) sobre a comunidade. Zelar pela
ordem pública é, assim, acima de tudo, dar exemplo de conduta fortemente baseada em
princípios. Não há exceção quando tratamos de princípios, mesmo quando está em questão a
prisão, guarda e condução de malfeitores. Se o policial é capaz de transigir nos seus princípios
de civilidade, quando no contato com os sociopatas, abona a violência, contamina-se com o que
nega, conspurca a normalidade, confunde o imaginário popular e rebaixa-se à igualdade de
procedimentos com aqueles que combate.

Note-se que a perspectiva, aqui, não é refletir do ponto de vista da “defesa do bandido”,
mas da defesa da dignidade do policial.

A violência desequilibra e desumaniza o sujeito, não importa com que fins seja cometida,
e não restringe-se a áreas isoladas, mas, fatalmente, acaba por dominar-lhe toda a conduta. O
violento se dá uma perigosa permissão de exercício de pulsões negativas, que vazam
gravemente sua censura moral e que, inevitavelmente, vão alastrando-se em todas as direções
de sua vida, de maneira incontrolável.

“ÉTICA” CORPORATIVA versus ÉTICA CIDADÃ

9ª - Essa consciência da auto-importância obriga o policial a abdicar de qualquer lógica


corporativista.

Ter identidade com a polícia, amar a corporação da qual participa, coisas essas
desejáveis, não se podem confundir, em momento algum, com acobertar práticas abomináveis.
Ao contrário, a verdadeira identidade policial exige do sujeito um permanente zelo pela “limpeza”
da instituição da qual participa.

Um verdadeiro policial, ciente de seu valor social, será o primeiro interessado no


“expurgo” dos maus profissionais, dos corruptos, dos torturadores, dos psicopatas. Sabe que o
lugar deles não é polícia, pois, além do dano social que causam, prejudicam o equilíbrio
psicológico de todo o conjunto da corporação e inundam os meios de comunicação social com
um marketing que denigre o esforço heróico de todos aqueles outros que cumprem corretamente
sua espinhosa missão. Por esse motivo, não está disposto a conceder-lhes qualquer tipo de
espaço.

Aqui, se antagoniza a “ética da corporação” (que na verdade é a negação de qualquer


possibilidade ética) com a ética da cidadania (aquela voltada à missão da polícia junto a seu
cliente, o cidadão).

BALESTRERI Ricardo Brisola. Direitos Humanos: Coisa de Polícia – Passo fundo-RS, CAPEC, Paster
Editora, 1998
O acobertamento de práticas espúrias demonstra, ao contrário do que muitas vezes
parece, o mais absoluto desprezo pelas instituições policiais. Quem acoberta o espúrio permite
que ele enxovalhe a imagem do conjunto da instituição e mostra, dessa forma, não ter qualquer
respeito pelo ambiente do qual faz parte.

CRITÉRIOS DE SELEÇÃO,

PERMANÊNCIA E ACOMPANHAMENTO

10ª - Essa preocupação deve crescer à medida em que tenhamos clara a preferência da
psicopatia pelas profissões de poder. Política profissional, Forças Armadas, Comunicação
Social, Direito, Medicina, Magistério e Polícia são algumas das profissões de encantada
predileção para os psicopatas, sempre em busca do exercício livre e sem culpas de seu poder
sobre outrem.

Profissões magníficas, de grande amplitude social, que agregam heróis e mesmo santos,
são as mesmas que atraem a escória, pelo alcance que têm, pelo poder que representam.

A permissão para o uso da força, das armas, do direito a decidir sobre a vida e a morte,
exercem irresistível atração à perversidade, ao delírio onipotente, à loucura articulada.

Os processos de seleção de policiais devem tornar-se cada vez mais rígidos no bloqueio
à entrada desse tipo de gente. Igualmente, é nefasta a falta de um maior acompanhamento
psicológico aos policiais já na ativa.

A polícia é chamada a cuidar dos piores dramas da população e nisso reside um


componente desequilibrador. Quem cuida da polícia?

Os governos, de maneira geral, estruturam pobremente os serviços de atendimento


psicológico aos policiais e aproveitam muito mal os policiais diplomados nas áreas de saúde
mental.

Evidentemente, se os critérios de seleção e permanência devem tornar-se cada vez mais


exigentes, espera-se que o Estado cuide também de retribuir com salários cada vez mais dignos.

De qualquer forma, o zelo pelo respeito e a decência dos quadros policiais não cabe
apenas ao Estado mas aos próprios policiais, os maiores interessados em participarem de
instituições livres de vícios, valorizadas socialmente e detentoras de credibilidade histórica.

DIREITOS HUMANOS DOS POLICIAIS —HUMILHAÇÃO versus HIERARQUIA

11ª - O equilíbrio psicológico, tão indispensável na ação da polícia, passa também pela
saúde emocional da própria instituição. Mesmo que isso não se justifique, sabemos que policiais
maltratados internamente tendem a descontar sua agressividade sobre o cidadão.

Evidentemente, polícia não funciona sem hierarquia. Há, contudo, clara distinção entre
hierarquia e humilhação, entre ordem e perversidade.

Em muitas academias de polícia (é claro que não em todas) os policiais parecem ainda
ser “adestrados” para alguma suposta “guerra de guerrilhas”, sendo submetidos a toda ordem de
maus-tratos (beber sangue no pescoço da galinha, ficar em pé sobre formigueiro, ser “afogado”
na lama por superior hierárquico, comer fezes, são só alguns dos recentes exemplos que tenho
colecionado à partir da narrativa de amigos policiais, em diversas partes do Brasil).

BALESTRERI Ricardo Brisola. Direitos Humanos: Coisa de Polícia – Passo fundo-RS, CAPEC, Paster
Editora, 1998
Por uma contaminação da ideologia militar (diga-se de passagem, presente não apenas
nas PMs mas também em muitas polícias civis), os futuros policiais são, muitas vezes,
submetidos a violento estresse psicológico, a fim de atiçar-lhes a raiva contra o “inimigo” (será,
nesse caso, o cidadão?).

Essa permissividade na violação interna dos Direitos Humanos dos policiais pode dar
guarida à ação de personalidades sádicas e depravadas, que usam sua autoridade superior
como cobertura para o exercício de suas doenças.

Além disso, como os policiais não vão lutar na extinta guerra do Vietnã, mas atuar nas
ruas das cidades, esse tipo de “formação” (deformadora) representa uma perda de tempo,
geradora apenas de brutalidade, atraso técnico e incompetência.

A verdadeira hierarquia só pode ser exercida com base na lei e na lógica, longe, portanto,
do personalismo e do autoritarismo doentios.

O respeito aos superiores não pode ser imposto na base da humilhação e do medo. Não
pode haver respeito unilateral, como não pode haver respeito sem admiração. Não podemos
respeitar aqueles a quem odiamos.

A hierarquia é fundamental para o bom funcionamento da polícia, mas ela só pode ser
verdadeiramente alcançada através do exercício da liderança dos superiores, o que pressupõe
práticas bilaterais de respeito, competência e seguimento de regras lógicas e suprapessoais.

DIREITOS HUMANOS DOS POLICIAIS —HUMILHAÇÃO versus HIERARQUIA

12ª - No extremo oposto, a debilidade hierárquica é também um mal. Pode passar uma
imagem de descaso e desordem no serviço público, além de enredar na malha confusa da
burocracia toda a prática policial.

A falta de uma Lei Orgânica Nacional para a polícia civil, por exemplo, pode propiciar um
desvio fragmentador dessa instituição, amparando uma tendência de definição de conduta, em
alguns casos, pela mera junção, em “colcha de retalhos”, do conjunto das práticas de suas
delegacias.

Enquanto um melhor direcionamento não ocorre em plano nacional, é fundamental que


os estados e instituições da polícia civil direcionem estrategicamente o processo de maneira a
unificar sob regras claras a conduta do conjunto de seus agentes, transcendendo a mera
predisposição dos delegados localmente responsáveis (e superando, assim, a “ordem”
fragmentada, baseada na personificação). Além do conjunto da sociedade, a própria polícia civil
será altamente beneficiada, uma vez que regras objetivas para todos (incluídas aí as condutas
internas) só podem dar maior segurança e credibilidade aos que precisam executar tão
importante e ao mesmo tempo tão intrincado e difícil trabalho.

A FORMAÇÃO DOS POLICIAIS

13ª - A superação desses desvios poderia dar-se, ao menos em parte, pelo


estabelecimento de um “núcleo comum”, de conteúdos e metodologias na formação de ambas
as polícias, que privilegiasse a formação do juízo moral, as ciências humanísticas e a tecnologia
como contraponto de eficácia à incompetência da força bruta.

Aqui, deve-se ressaltar a importância das academias de Polícia Civil, das escolas
formativas de oficiais e soldados e dos institutos superiores de ensino e pesquisa, como bases
para a construção da Polícia Cidadã, seja através de suas intervenções junto aos policiais
ingressantes, seja na qualificação daqueles que se encontram há mais tempo na ativa. Um bom

BALESTRERI Ricardo Brisola. Direitos Humanos: Coisa de Polícia – Passo fundo-RS, CAPEC, Paster
Editora, 1998
currículo e professores habilitados não apenas nos conhecimentos técnicos, mas igualmente nas
artes didáticas e no relacionamento interpessoal, são fundamentais para a geração de policiais
que atuem com base na lei e na ordem hierárquica, mas também na autonomia moral e
intelectual. Do policial contemporâneo, mesmo o de mais simples escalão, se exigirá, cada vez
mais, discernimento de valores éticos e condução rápida de processos de raciocínio na tomada
de decisões.

CONCLUSÃO

A polícia, como instituição de serviço à cidadania em uma de suas demandas mais


básicas — Segurança Pública — tem tudo para ser altamente respeitada e valorizada. Para
tanto, precisa resgatar a consciência da importância de seu papel social e, por conseguinte, a
auto-estima.

Esse caminho passa pela superação das sequelas deixadas pelo período ditatorial:
velhos ranços psicopáticos, às vezes ainda abancados no poder, contaminação anacrônica pela
ideologia militar da Guerra Fria, crença de que a competência se alcança pela truculência e não
pela técnica, maus-tratos internos a policiais de escalões inferiores, corporativismo no
acobertamento de práticas incompatíveis com a nobreza da missão policial.

O processo de modernização democrática já está instaurado e conta com a parceria de


organizações como a Anistia Internacional (que, dentro e fora do Brasil, aliás, mantém um notável
quadro de policiais a ela filiados).

Dessa forma, o velho paradigma antagonista da Segurança Pública e dos Direitos


Humanos precisa ser substituído por um novo, que exige desacomodação de ambos os campos:
“Segurança Pública com Direitos Humanos”.

O policial, pela natural autoridade moral que porta, tem o potencial de ser o mais
marcante promotor dos Direitos Humanos, revertendo o quadro de descrédito social e
qualificando-se como um personagem central da democracia. As organizações não
governamentais que ainda não descobriram a força e a importância do policial como agente de
transformação, devem abrir-se, urgentemente, a isso, sob pena de, aferradas a velhos
paradigmas, perderem o concurso da ação impactante desse ator social.

BALESTRERI Ricardo Brisola. Direitos Humanos: Coisa de Polícia – Passo fundo-RS, CAPEC, Paster
Editora, 1998
GT4: VIOLÊNCIA, SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA NA AMÉRICA
LATINA.

POLÍTICA DE PROMOÇÃO DE DIREITOS HUMANOS NA SEGURNAÇA PÚBLICA


EM PERNAMBUCO: O CASO DA DIREITORIA DE ARTICULAÇÃO SOCIAL E
DIREITOS HUMANOS DA POLÍCIA MILITAR DE PERNAMBUCO.

Eduardo Henrique Scanoni do Couto1


Universidade Federal de Pernambuco
edu.scanoni@gmail.com

Maria José de Matos Luna 2


Universidade Federal de Pernambuco
mjmatosluna@gmail.com

RESUMO

O histórico das ações das polícias no Brasil possui um aspecto repressor, com o surgimento do
Estado Democrático de Direito em 1988, surgiu a necessidade de cumprir o que estava descrito
na constituição brasileira, que cabe as Polícias Militares brasileiras o policiamento ostensivo e
preventivo. O presente artigo tem por objetivo descrever o processo de institucionalização dos
direitos humanos na Polícia Militar de Pernambuco, bem como fazer uma análise descritiva das
ações desenvolvidas e coordenadas pela sua Diretoria de Articulação Social e Direitos
Humanos. Partindo da premissa das ações preventivas e sob a ideia de que o problema da
violência deve ser tratado nessa mesma perspectiva, surgiu a partir da década de 1980 alguns
programas que tem a prevenção como meio de ação. A Diretoria de Articulação Social e
Direitos Humanos surge como uma ferramenta de gestão com staff de supervisão, reunindo os
diversos programas de prevenção e de promoção dos direitos humanos da Polícia Militar de
Pernambuco. Ela agrega os programas de Polícia Comunitária, Assessoria da Criança e do
Adolescente, Patrulha Escolar, Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Racismo Institucional,
Patrulha Maria da Penha, Programa Educacional de Resistência as Drogas e Banda de Música,
com seus programas sociais. Acredita-se que a experiência vivenciada no Estado de
Pernambuco através dos diversos programas traz reflexões importantes atinentes as políticas de
promoção dos direitos humanos na segurança pública, uma vez que cada uma dessas ações com
especificações peculiares trabalham e resgatam a cidadania e os direitos humanos,
demonstrando dessa forma que a pluralidade de ações permeiam a Secretaria de Defesa Social,
numa política efetiva de ações em prol do cidadão. Revela ainda, que a filosofia de policiamento

1
Oficial da Polícia Militar de Pernambuco, Mestrando do Programa de Pós Graduação em Direitos
Humanos da Universidade Federal de Pernambuco (PPGDH-UFPE) e Especialista em Políticas
Públicas de Segurança (FACIPE/SENASP). Chefe a Seção Técnica de Ensino do Campus responsável
pela Formação e Capacitação dos Policiais Militares do Estado de Pernambuco.
2
Professora do Programa de Pós Graduação em Direitos Humanos da UFPE e Presidente da Comissão
de Direitos Humanos Dom Hélder Câmara da UFPE.
comunitário está cada vez mais inserida nas atividades de prevenção, o que nos leva a observar
a interação com a comunidade, o empoderamento, o desenvolvimento de projetos comunitário
de inserção social.
Palavras-Chave: Direitos humanos. Segurança pública. Política pública de promoção dos
direitos humanos.

1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo descrever o processo de institucionalização dos
direitos humanos na PMPE3, bem como fazer uma análise descritiva das ações desenvolvidas e
coordenadas pela DASDH4 da PMPE.

Para tanto buscou-se fazer um relato de experiência tomando como base a experiência
do autor, associado aos documentos oficiais que tratam das ações da DASDH desde sua criação
até o ano de 2015.

Inicialmente destacamos o processo de construção dos direitos humanos no Brasil.


Buscando diferenciar o papel dos organismos de segurança pública antes de depois da
Constituição de 1988. Tomando como ponto de partida a Carta Magna, evidencia-se a definição
constitucional da segurança pública, convergindo para o papel das polícias militares brasileiras.

No que tange a DASDH, ela surge como um representante institucional da PMPE junto
a Câmara de Prevenção Social do Programa do Governo de Pernambuco, apresentando sob sua
coordenação ações preventivas desenvolvidas pelos seguintes programas: Polícia Comunitária,
Patrulha Escolar, Assessoria da Criança e do Adolescente, Grupo de Trabalho de
Enfrentamento ao Racismo Institucional, Patrulha Maria da Penha, Programa Educacional de
Resistência as Drogas e Banda de Música.

É através desses programas que a Polícia Militar de Pernambuco realiza o policiamento


preventivo, a interação com a comunidade, a inclusão social, o enfrentamento ao aliciamento
às drogas, a proteção das minorias e dos grupos vulneráveis, buscando respeitar e garantir os
direitos humanos.

3
PMPE – Polícia Militar de Pernambuco
4
DASDH – Diretoria de Articulação Social e Direitos Humanos

2
2. INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA POLÍCIA MILITAR
DE PERNAMBUCO
A discussão acerca da temática dos Direitos Humanos teve seu início no Brasil na
década de 1930, que segundo Mondaini (2013, p.14) restringiu-se ao reconhecimento de
determinados direitos e garantias sociais. Mas com o surgimento do estado de exceção em 1964,
o Brasil, não diferente de outros países latino-americanos que experimentaram ditaduras
militares, surge como um estado violador dos direitos individuais e políticos provenientes desse
regime.

Os anos se passaram e em 1985 o regime ditatorial brasileiro se acaba, fazendo com que
o país inicie um processo de redemocratização. Em 1988, o Brasil assume, em sua constituição,
o Estado Democrático de Direito, como descreve o caput do Art. 1º da Constituição de 1988:
“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito”. BRASIL, Constituição
(1988, p. 1).

Neste processo da redemocratização brasileira, a segurança pública passou a ser


entendida como, “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” BRASIL,
Constituição (1988, p. 73), e em seu parágrafo quinto, afirma ser missão das Polícias Militares
o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública.

Nesse diapasão, referenciamos Marcineiro (2009, p. 76), quando afirma que o


entendimento de preservação está inserido no contexto de manutenção e restauração. Mendes
(2001, p. 7) ainda afirma ser a preservação um conceito suficientemente elástico para abarcara
a atividade preventiva e repressiva.

Já no que se refere ao conceito de ordem pública, destacamos Lazzarini (apud


Marcineiro, p. 53), quando estabelece a noção de ordem pública como gênero que abarca quatro
espécies: segurança pública, tranquilidade pública, salubridade pública e dignidade da pessoa
humana.

• SEGURANÇA PÚBLICA, que é o “estado antidelitual que resulta da observância


dos preceitos tutelados pelos códigos penais comuns e pela lei de contravenções
penais, com as ações de polícia repressiva ou preventiva típicas (...)’;
• TRANQUILIDADE PÚBLICA, que “exprime o estado de ânimo tranquilo,
sossegado, sem preocupações nem incômodos, que traz às pessoas uma serenidade,
ou uma paz de espírito.”;

3
• SALUBRIDADE PÚBLICA, cuja “expressão designa, também, o estado de
sanidade e de higiene de um lugar, em razão do qual se mostram propícias às
condições de vida de seus habitantes”; e
• DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, (...) visa atribuir ao Estado, no uso do seu
poder de polícia, restringir a possibilidade de alguém se sujeitar ou sujeitar alguém a
situação aviltante ou constrangedora, em nome da preservação da dignidade da pessoa
humana.

Ainda sobre ordem pública, Moreira Neto (apud Mendes, 2001) afirma que o referencial
não está obrigatoriamente apenas no ordenamento jurídico, ela possui uma dimensão moral
associados aos princípios éticos da sociedade, definindo ordem pública como a “disposição
pacífica e harmoniosa da convivência pública” e esta deve ser “legal, legítima e moral”.

Marcineiro (2009, p. 77) conclui estabelecendo que a ordem pública não deve ser
imposta, deve surgir de uma parceria sinérgica que envolva todos os atores sociais, servindo os
agentes de segurança pública como catalisadores desse sistema, em razão de seu conhecimento
técnico-profissional. Nesse mesmo sentido é que o texto constitucional define ser
“responsabilidade de todos”.

Já o termo incolumidade das pessoas e do patrimônio faz referência à segurança daquilo


que é público e privado. Mendes (2001, p. 6) afirma que no texto constitucional, incolumidade
é a extensão do conceito de ordem pública e se refere a violação pessoal e patrimonial na ruptura
de convivência pacífica e harmoniosa.

Diante dessa realidade, pode-se dizer que é inadmissível se pensar, e até mesmo, praticar
segurança pública, no Brasil, um Estado Democrático de Direito, sem fazer referência aos
direitos humanos, uma vez que a polícia existe para defender os direitos das pessoas, definido
por Balestreri (2003, p. 100) quando que em uma sociedade democrática, o policial é instituído
para ser o defensor “número um” dos direitos humanos.

Nesse processo de redemocratização, havia a necessidade de uma adequação das


instituições policiais para essa realidade. Entretanto, para mudar ações, posturas e crenças de
pessoas que fazem parte de uma instituição na qual, historicamente, agia em defesa do Estado
e não da sociedade, era preciso investir em um novo modelo de formação desses profissionais.
Então as instituições policiais brasileiras tiveram que começar a pensar nessa educação tomando
outros modelos e filosofias de policiamento a partir de estados democráticos do mundo. Foi
quando surgiu no Brasil a filosofia do policiamento comunitário, baseados nos exemplos de
países como Canadá, Estados Unidos, e Japão.

4
O policiamento comunitário é a filosofia de policiamento que converge com os
princípios dos direitos humanos, pois visa uma interação entre o Estado e a comunidade,
garantindo a essa última uma participação efetiva nas ações de segurança e garantias dos
direitos humanos, como afirma Bayley e Skolnick (2001, p. 225) implica que a polícia sirva à
comunidade, aprenda com ela e seja responsável por ela [...] a polícia e o público são
coprodutores da prevenção do crime.

Com o surgimento do policiamento comunitário no Brasil também surgiu a necessidade


de capacitar esse profissional para uma ação que não fosse a ação de combate. Começou a se
questionar a sua formação, pois diferentemente do militar das Forças Armadas Brasileira que é
formado para combater um possível “inimigo” em defesa da pátria, o policial militar deve ser
formado sob uma perspectiva de preservação da ordem pública e a incolumidade das pessoas e
do patrimônio, assim definida a missão do profissional de segurança pública.

Então, a formação desse profissional teve que ser repensada e adaptada a uma nova
realidade e não uma simples repetição daquilo que está posto, como afirma Silveira (2007, p.
315):

Uma educação que não seja desafiadora, que não se proponha a formar iniciativas,
que não prepare para a mobilização, que não instrumente a mudança, que não seja
emancipatória, é mera fábrica de repetição das formas de ação já conhecidas.
Nesse ideal, muitas foram as resistências institucionais a esse novo padrão, sendo
necessário a implementação de diversas políticas públicas advindas do governo Federal,
impulsionando os Estados membros a cumprirem o que era demandado. Com o passar dos anos
as resistências foram diminuindo e hoje as temáticas atinentes aos Direitos Humanos é uma
realidade nas instituições policiais do Brasil.

3. DIRETORIA DE ARTICULAÇÃO SOCIAL E DIREITOS HUMANOS DA POLÍCIA


MILITAR DE PERNAMBUCO

Em 2011 o Governo de Pernambuco instituiu o Programa Governo Presente de Ações


Integradas para a Cidadania, que tem por objetivo a estabelecer uma estratégia de prevenção
social da violência e de intervenção estruturadora de uma Política Integrada de
Desenvolvimento Social.

A criação desse programa visa principalmente fazer com que as ações preventivas
realizadas pelas mais diversas secretarias do governo a desenvolverem suas ações de forma

5
integrada. Verificou-se que o problema da violência não é um problema de segurança pública
apenas, trata-se antes de tudo de um problema social, e como tal, deve ser enfrentado pelos
diversos secretarias do estado, cada uma dentro da sua especificidade, juntamente com a
população.

Ou seja, a principal função do Programa é nortear as ações de prevenção realizadas pelas


diversas secretarias de estado, transformando ações singulares de um determinado órgão em
ações integradas de prevenção da violência.

A DASDH foi criada para servir de representação institucional da PMPE na Câmara de


Prevenção Social do Programa do Governo Presente. Isso não significa que anteriormente ao
Programa a PMPE não desenvolvia ações preventivas. Muito pelo contrário, existem ações
preventivas que serão elencadas mais abaixo que vêm sendo desenvolvidas desde 1985. A
despeito do que aparentemente foi realizado, a criação da DASDH veio reunir todas as ações
preventivas que a PMPE realizava através de programas “isolados” em uma diretoria,
formatando ações preventivas coordenadas.

A criação da DASDH veio substituir a Coordenação de Programas Preventivos


Comunitários (CPPCOM). Essa mudança, aparentemente nominativa, veio dar a real
importância às ações preventivas desenvolvidas na PMPE, quando coloca em nível de Diretoria
a ações preventivas, pareando-as com as Diretorias Operacionais.

A DASDH, em questões funcionais se encontra subordinada ao Subcomandante Geral


da PMPE. E atualmente é o representante da instituição na Câmara de Prevenção Social. Foi
criada através da Lei 15.186/13, sob a perspectiva de dar uma maior aproximação entre a PMPE
e a comunidade.

Atualmente a DASDH desenvolve suas ações preventivas através dos seguintes


programas:

• Polícia Comunitária
• Assessoria da Criança e do Adolescente – ASCRIAD
• Patrulha Escolar
• Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Racismo Institucional – GT Racismo
• Patrulha Maria da Penha – Lançado 23/09/2013 1º, 6º e 12ºBPM
• Programa Educacional de Resistência as Drogas – PROERD
• Banda de Música

6
3.1 POLÍCIA COMUNITÁRIA

Em que consiste o policiamento comunitário? Para Trojanowicz e Bucqueroux (1994,


p. 4) tratar-se de uma “filosofia e uma estratégia organizacional que proporciona uma nova
parceria entre a população e a polícia”. É um processo de construção e manutenção de um bem-
estar social realizado através dessa parceria. Nesse sentido a participação comunitária para
prevenção e elucidação de crimes é primordial.

Para Neto (2002, p. 61) para a consolidação do policiamento comunitário se faz


necessário que o policial compreenda a complexidade social e ajuste suas práticas a uma
realidade urbana heterogênea e dinâmica. Então, observou-se que confinado no interior do
automóvel, atendendo continuamente a chamados, o policial não interage plenamente com a
comunidade, restringindo seu contato apenas em momentos conflituosos. A prática do
policiamento comunitário visa reverter esse quadro, e é o contato direto e cotidiano entre o
policial e o cidadão que se estabelece uma relação dialógica entre ambos.

Não obstante, ser um policial comunitário está associado diretamente com a


responsabilidade de respeitar a dignidade de pessoa humana, o que não descaracteriza a
utilização do uso legal da força, como afirma Marcineiro (2009, p. 84) com o objetivo de
subordinar o comportamento individual infracional aos interesses de paz e tranquilidade do
coletivo.

Igualmente, não isenta a utilização do poder de polícia definido por Meireles (2006,
p.131) como a “faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir
o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do
próprio Estado”, e que Mendes (Brasil, 2001) discorre que o poder de polícia é desenvolvido
em quatro fases: a ordem de polícia, o consentimento de polícia, a fiscalização de polícia e a
sanção de polícia.

A ordem de polícia se refere a uma reserva legal e a discricionariedade que a


administração pública possui. O consentimento de polícia é a anuência vinculada a
discricionariedade do Estado, relacionada a atividade exercida. A fiscalização de polícia é a
forma de atuação administrativa exercida para verificar o cumprimento da ordem de polícia. E
a sanção de polícia diz respeito a autoexecutoriedade destinada a repressão de uma infração.

O que a despeito das definições acima citadas, alinhando-as a participação comunitária


na gestão da segurança pública, o policiamento comunitário proporciona o empoderamento da

7
comunidade nesse processo de participação na segurança pública local, como afirma Skolnicke
Bayley (2002, p. 18) que “o público deve ser visto como ‘coprodutor’ da segurança e da ordem,
juntamente com a polícia”. Não obstante a isso, é importante salientar que esse empoderamento
não significa delegar a comunidade a função da polícia, como afirma Lazzarini (1999, p. 51) “o
poder de polícia, que legitima o poder da polícia e a própria razão desta existir, é um conjunto
de atribuições da Administração Pública, como poder público e indelegável aos particulares”,
de uma coparticipação, tornando-o também responsável.

A parceria com a comunidade então, faz parte de uma das diretrizes para uma integração
com a comunidade, pois é o reconhecimento potencial de que ela pode oferecer as organizações
responsáveis pela segurança pública, que pode variar desde a identificação de problemas até o
planejamento de uma ação para combater e solucionar algum problema mais amplo, para tanto
é necessário um policial participante da rotina da comunidade e que, principalmente, seja um
policial dialógico.

É através da ação preventiva que o policiamento comunitário identifica as causas da


violência e atua de forma planejada, objetivando impedir o ato delituoso na sua origem.

Por fim, Marcineiro (2009, p. 89) afirma que o policiamento comunitário é uma filosofia
de trabalho policial, extremamente adequada ao exercício do poder de polícia num Estado
Democrático de Direito, voltada para a preservação da ordem pública e engajada na construção
de comunidades mais seguras e solidárias.

3.1.1 POLICIAMENTO COMUNITÁRIO NO ESTADO DE PERNAMBUCO

Inserido nos princípios do policiamento comunitário apresentadas é que no Estado de


Pernambuco surge, ainda na década de 1980, com a primeira iniciativa de implementação do
policiamento comunitário, que segundo Couto (2010, p. 41) houve três iniciativas de
implementação de policiamento comunitário. O primeiro projeto se deu em 1985, com a criação
dos Núcleos Comunitários de Segurança Preventiva (NUSEP), seguindo em 1986 com a criação
das Patrulhas do Bairro (PB), proporcionando uma aproximação com a comunidade.

A criação dos NUSEPs foi inspirada na experiência vivenciada pela Polícia Militar do
Paraná, quando da criação dos Conselhos Comunitários de Segurança. Em Pernambuco os
NUSEPs forneciam uma estrutura de suporte para uma melhor integração comunitária com a
PMPE.

8
No ano seguinte, foi criado o programa chamado Patrulha do Bairro. Tratava-se de um
policiamento essencialmente preventivo e voltado para a comunidade, numa concepção de
policiamento moderno, através da ação de presença, numa conduta eminentemente proativa,
utilizando-se da modalidade de policiamento a pé e do motorizado, para uma cobertura policial
mais abrangente junto à comunidade.

Em 1988 houve a implantação dos Postos de Policiamento Ostensivo (PPO), os quais


foram alocados na Região Metropolitana do Recife (RMR), em locais estratégicos de uma área
de Policiamento. A concepção inicial estava respaldada em atender aos anseios, necessidades e
solicitações da comunidade. Além disso, procurava apoiar outras variáveis do policiamento
existentes em seus subsetores de responsabilidade, como primar pelo bom relacionamento com
o público externo, atendendo os anseios da população e registrando em livro próprio, todas as
ações desenvolvidas, solicitações, ocorrências e outras julgadas necessárias.

A segunda iniciativa iniciou no ano de 2000 com o projeto de Gestão Operacional


Comunitária, através do Curso de Polícia Comunitária, ministrado em um convênio com a
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde foram capacitados 3.292 profissionais de
segurança pública, 2.902 Policiais Militares, 254 Policiais Civis e 136 Bombeiros Militares. O
foco era que esses profissionais, no primeiro momento trabalhassem a integração entre as
instituições de defesa social do Estado de Pernambuco; e em um segundo momento, iriam
executar o policiamento comunitário nos Núcleos de Segurança Comunitária.

O desenvolvimento do Projeto de Gestão Operacional Comunitária foi concebido a


partir de uma área Piloto (zona Sul), onde foi prevista a instalação de 10 (dez) Núcleos de
Segurança Comunitária (NSC) e 02 (dois) Núcleos Integrados de Segurança Comunitária
(NISC).

O critério para escolha da zona sul foi estabelecido diante da necessidade de se


desenvolver a descentralização operacional e estrutural dos batalhões com respectivas
companhias, tendo como ponto de partida a área de controle do 6º BPM.

Sobre esta área projetou-se 12 (doze) núcleos com o respectivo Comando Operacional
de Área (COA), e considerou-se também a diversidade econômica, cultural, geográfica,
habitacional, bem como outros aspectos que trouxeram impacto ao desenho urbano daquela
localidade.

9
A ideia era que o COA, para a Polícia Militar, estaria em nível de Comando de Batalhão
e os NSC e NISC, estariam no nível de comando de companhia, bem como, para a Polícia Civil
o COA estaria no nível da Delegacia Seccional e os NISCs em nível de Delegacias Distritais.

O projeto piloto pretendia trabalhar a descentralização do comando do policiamento,


dando mais autonomia aos Gerentes de Núcleos (Comandantes de Companhias), onde os
mesmos iriam desenvolver o policiamento comunitário nas suas respectivas subáreas.

Depois da inauguração dos núcleos, o policiamento comunitário contou com a seguinte


logística: uma viatura de médio porte, tipo trailler, com quatro componentes, acompanhada de
uma viatura de pequeno porte com três policiais juntamente com uma dupla de motociclistas.
O policiamento tinha suas atividades desenvolvidas da seguinte forma: o efetivo policial tinha
os pontos que deveria parar, onde havia o desembarque das viaturas e em seguida era realizado
o policiamento comunitário a pé, juntamente com o motopatrulhamento. Nesse policiamento
eram realizadas visitas, reuniões, apresentações, ou seja, havia uma interação real entre a polícia
e a comunidade, todas essas ações eram coordenadas pelo Gerente do Núcleo.

Durante os cinco anos (1999 a 2004) em que esse modelo de Gestão perdurou foram
construídos 55 (cinquenta e cinco) Núcleos entre NSC e NISC. O projeto produzia resultados
favoráveis em relação a aceitação por parte de o efetivo policial que trabalhava nesta atividade,
bem como, pela população beneficiada, passando a ser desenvolvido em diversas localidades
do Recife e Região Metropolitana, e em seguida para o interior do Estado.

Em 2008 houve a terceira iniciativa de implementação do policiamento comunitário em


Pernambuco. Ainda como projeto, o Polícia Amiga teve sua implantação como projeto piloto
no Bairro de Santo Amaro, localizado no Recife, capital do Estado de Pernambuco.

Santo Amaro foi escolhido em razão do seu elevado índice de criminalidade. Em


princípio começou apenas com uma viatura de pequeno porte e um trio de motos, era formado
por duas equipes que exerciam o policiamento comunitário em dias alternados.

O policiamento comunitário começou a ser desenvolvido no bairro através de reuniões


com lideranças, ações preventivas na comunidade e nas escolas da comunidade, foram
realizadas palestras de cunho preventivo na comunidade e escolas, a comunidade passou a
conhecer o policial e o policial a conhecer a comunidade.

Em 2009, o projeto se estendeu para os demais bairros do Recife e Região


Metropolitana, tomando-se como base, os elevados índices de criminalidade. E em 2010 foi

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estabelecido um convênio entre o Estado de Pernambuco, por intermédio da SDS e PMPE, e a
União por intermédio da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), tem por objeto
a implementação na Polícia Militar de Pernambuco, da filosofia e práticas de Policiamento
Comunitário, mediante a implantação do Projeto Polícia Amiga, no âmbito do Programa de
Segurança Pública com Cidadania – PRONASCI, de acordo com o Plano de Trabalho e Projeto
Básico aprovados pela SENASP/MJ.
Como principal resultado desse convênio, pode-se citar a criação de Conselhos
Comunitários de Segurança, com eleição dos seus representantes das comunidades. Salienta-se
ainda que uma equipe multidisciplinar realiza o acompanhamento do programa.
Atualmente o Programa Polícia Amiga tem desenvolvido suas atividades nos seguintes
bairros da capital Pernambucana, região metropolitana e cidades do interior, com um total de
576 policiais militares envolvidos diretamente com as atividades de policiamento comunitário,
distribuídos em 12 (doze) bases com 48 (quarenta e oito) viaturas.
As áreas beneficiadas pelo programa estão descritas na tabela abaixo:

RELAÇÃO DOS BAIRROS CONTEMPLADOS PELO PROGRAMA POLÍCIA AMIGA


UNIDADE
BAIRROS (CIDADES)
RESPONSÁVEL
SANTO AMARO (Recife) 16º BPM
AGUA FRIA (Recife) 13º BPM
PINA - Bode/Brasília (Recife) 19º BPM
IBURA-UR5 (Recife) 19º BPM
NOVA DESCOBERTA (Recife) 11º BPM
PRAZERES/GUARARAPES (Jaboatão dos Guararapes) 6º BPM
RIO DOCE – I e II Etapas (Olinda) 1º BPM
TORRÕES (Recife) 12º BPM
CABO DE SANTO AGOSTINHO (PONTE DOS CARVALHOS) 18º BPM
DR. ALVINHO (Vitória de Santo Antão) 21º BPM
CARUARU 4º BPM
JOÃO DE DEUS (Petrolina) 5º BPM
Fonte: DASDH/PMPE

3.2 PATRULHA ESCOLAR

O fenômeno da violência escolar é um problema que tem afligido pais, professores e


alunos em todo o país. Por excelência ela, a escola, deveria ser o local dedicado à educação e
à socialização da criança e do adolescente. No entanto, o que se tem verificado é uma prática
que se apresenta dissociada dessas premissas.

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Mas, o que na verdade ocorre para que essa violência ultrapasse os muros das escolas?
Será que existe violência nas escolas porque a sociedade é violenta? Quais violências estão
inseridas no contexto escolar? E, qual a solução dessa violência?
Existem diversas pesquisas que buscam responder as perguntas, assim como suas causas
e efeitos sobre todos que fazem a comunidade escolar. No entanto, segundo Abramovay (2002
P. 30); afirme que se tratam de estudos ainda incipientes, por focarem, em sua maioria, situações
regionais ou localizadas, os resultados obtidos apontam os principais tipos de violência.
Na década de 1970 a preocupação maior da violência escolar tinha relação com as taxas
de violência e cometimento de crimes. Já na década de 1980 a maior preocupação tinha relação
com as depredações do patrimônio escolar. Na década de 1990 e no início do século XXI, as
preocupações em torno da violência tomaram uma maior dimensão, pois além das agressões
interpessoais, através do bullying, verificou-se também os problemas da exclusão social, o
crescimento do consumo e do tráfico de drogas, bem como ações de gangues no entorno e
dentro da escola.
A falta de segurança pode ser apontada como um fator preponderante para o aumento
da violência, muito, embora existam opiniões desaprovando a convivência da vigilância policial
no contexto escolar, acrescentando que tal convívio potencializaria ainda mais a violência.
Em Pernambuco, a experiência de policiamento comunitário vivenciada no ano de 2000
no município de Palmares, localizado na Zona da Mata Sul do Estado fez com que os policiais
militares interagissem com a comunidade escolar, proporcionando bons resultados no que se
refere a prevenção da criminalidade, a diminuição do envolvimento de alunos com as drogas, e
uma sensação de segurança interna e externa da escola.
A experiência foi tão exitosa que no mesmo ano o governo do estado lançou um projeto
que foi intitulado de “Padrinho da Escola”, recebendo em seguida o nome de “Patrulha
Escolar”, alcançando todo o Estado de Pernambuco.
Para que pudesse participar do Programa o policial militar teria que passar por uma
entrevista e posteriormente por capacitação específica, além de apresentar o perfil de um
policial comunitário. O Policial selecionado para compor a Patrulha Escolar, não realiza apenas
o policiamento ostensivo no entorno da escola e na área interna, além das atividades de
policiamento ostensivo, o patrulheiro escolar também desenvolve atividades junto aos alunos,
pais e gestão da escola.
No que tange aos alunos além da própria interação no ambiente escolar, os policiais
ministram palestras sobre cidadania, drogas, segurança escolar, direito da criança e do
adolescente, etc. Com a gestão da escola serve de apoio pedagógico no que se refere a situações

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de invasão de pessoas estranhas a escola, segurança no entorno da escola, principalmente nos
horários de entrada e saída de alunos.
Além dessas palestras que os policiais militares ministram, existem diversos projetos
sociais desenvolvidos também por esses profissionais. Onde podemos destacar projetos de
inclusão social envolvendo música, artes cênicas, artesanato, artes marciais, esportes coletivos
como futebol, futebol de salão, voleibol, basquetebol, etc. Nesses projetos sociais que esses
policiais desenvolvem faz com que os alunos se sintam inseridos na sociedade, proporcionando
um sentimento de pertencimento, ora inexistente.
No ano de 2015 a Patrulha Escolar desenvolveu suas atividades em 160 (cento e
sessenta) escolas estaduais, das quais 129 (cento e vinte e nove) são da capital e região
metropolitana e 31 (trinta e uma) no interior do estado. Aproximadamente, 1000 (mil) policiais
militares desenvolve a função de patrulheiro escolar, divididos entre policiamento a pé nas
escolar e motorizado, esse último destinado a chamados de ocorrências mais específicas.
Em estudo realizado, estima-se que aproximadamente 232.665 (duzentos e trina e dois
mil seiscentos e sessenta e cinco) pessoas são beneficiadas diretamente com o policiamento da
Patrulha Escolar, incluindo o policiamento a pé e motorizado. E de forma indireta, alcança um
quantitativo aproximado de 323.584 (trezentos e vinte e três mil quinhentos e oitenta e quatro)
pessoas.
É através da proatividade que a Patrulha Escolar realiza o policiamento comunitário nas
escolas, focado num aspecto preventivo que não se pode aferir, no entanto, quando se pensa em
quantas crianças e adolescentes tiveram uma nova perspectiva de vida, sob o aspecto de
inclusão social e pertencimento comunitário, deixando de se envolver com as drogas e com a
criminalidade.

3.3 ASSESSORIA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Em 1989 a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a resolução 44/25, que trata
da proteção das crianças e dos adolescentes. A Convenção Internacional sobre os Direitos da
Criança é um tratado que visa à proteção de crianças e adolescentes de todo o mundo, aprovada
na Resolução 44/25 da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989.

Na Declaração de Genebra, de 1924, já se nota a preocupação internacional em


assegurar os direitos de crianças e adolescentes, como foco de discussão entre as nações. Foi,
entretanto, somente depois do fim da Segunda Guerra Mundial, com a criação da ONU e sua

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subsidiária específica para a criança - a UNICEF - a partir da década de 1950, que os países
passaram a mais detidamente debruçar-se sobre a situação dos menores. Em 1959 é aprovada a
Declaração Universal dos Direitos das Crianças, aprimorada com as chamadas:

1- "Regras de Beijing", de (1985);

2- Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas não Privativas de
Liberdade (Regras de Tóquio) Adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua
resolução 45/110, de 14 de Dezembro de (1990), e;

3- As "Diretrizes de Riad", para prevenção da delinquência juvenil (1990). No Continente


Americano, o tratado celebrado em 1969 - o Pacto de São José da Costa Rica - estabelece, em
seu artigo 19, que “toda criança tem direito às medidas de proteção que sua condição de menor
requer por parte da família, da sociedade e do Estado”.

Dentre os princípios consagradas pela Convenção, estão o direito à vida, à liberdade, as


obrigações dos pais, da sociedade e do Estado em relação à criança e adolescente. Os estados
signatários ainda se comprometem a assegurar a proteção dos menores contra as agressões,
ressaltando em seu artigo 19 o combate à sevícia, exploração e violência sexual. As crianças,
como pessoas e sujeitos de direito, podem e devem expressar suas opiniões nos temas que lhes
afetam. Suas opiniões devem ser escutadas e levadas em conta na agenda política, econômica
ou educacional de um país. Desta maneira se cria um novo tipo de relação entre crianças e
adolescentes e aqueles que decidem por parte do Estado e da sociedade civil.

O Brasil surge como signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança em 21 de


novembro de 1990. No entanto, em 13 de julho do mesmo ano, o Brasil surge como pioneiro
quanto a consolidação da matéria dos direitos da criança e do adolescente, ao lançar o Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA).

O ECA surge como norma nacional, estabelecendo que todas as crianças e adolescentes
têm direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

A Assessoria da Criança e do Adolescente (ASCRIAD) foi criada em1998 sob um olhar


da necessidade institucional de promoção dessas garantias. Para tanto possui a missão de
capacitar o público interno nos assuntos pertinentes a doutrina da proteção integral, de fortalecer
a rede de proteção à infância e juventude, através da socialização das informações e construção
de ações integradas com órgãos que labutam na esfera da criança e adolescente (Ministério

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Público, Tribunal de Justiça, etc.), e de atuar preventivamente através do policiamento
ostensivo motorizado em locais de vulnerabilidade as diversas situações de risco envolvendo
crianças e adolescentes incluindo: trabalho infantil, mendicância, venda de bebidas alcoólicas,
maus tratos, exploração sexual, dependência de drogas ilícitas e outras afins.

No ano de 2015 as ações desenvolvidas pela ASCRIAD se divide em Operações e visitas


realizadas em conjunto como o Núcleo de Proteção aos Direitos da Infância e Juventude
(NUDIJ-TJPE), mediante a promoção de ações preventivas contra as violações dos direitos da
Criança e do Adolescente com intuito de fiscalizar casas de shows nas Áreas Integradas da
Região Metropolitana, nos finais de semana; participação em palestras, audiências públicas e
seminários; e a capacitação de policiais em grandes eventos.

RESUMO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS PELA ASCRIAD EM 2015


QUANTIDADE QUANTIDADE DE QUANTIDADEDE
ANO 2015 OPERAÇÕES ESTABELECIMENTOS ESTABELECIMENTOS
C/ TJPE VISITADOS NOTIFICADOS
JANEIRO 01 06 02
FEVEREIRO 00 00 00
MARÇO 03 06 03
ABRIL 04 08 03
MAIO 04 17 06
JUNHO 04 18 08
JULHO 04 37 00
AGOSTO 03 15 05
SETEMBRO 04 17 04
OUTUBRO 04 17 05

TOTAL 31 141 36
Fonte: DASDH/PMPE

No ano de 2015 foram capacitados em grandes eventos 1.603 (Mil seiscentos e três)
policiais militares e a ASCRIAD participou de 37 (trinta e sete) eventos dentre palestras,
audiências e seminários.

15
3.4 GRUPO DE TRABALHO DE COMBATE AO RACISMO INSTITUCIONAL

O Grupo de Trabalho Racismo é fruto de uma pesquisa científica realizada em 2006, na


qual verificou que 65,1% dos policiais militares classificaram a cor da pele é o principal fator
de suspeição. O GT Racismo foi criado em 2009 com o objetivo de combater o racismo
institucional e a intolerância religiosa.

Nesse sentido é importante destacar a perspectiva segregadora e discriminatória da


teoria criminológica bioantropológica relacionadas à tradição lombrosiana, quando estabelece
a identidade do criminoso, afirmando que essa suposta identidade está relacionada com sua
aparência, que no caso de Lombroso era o negro, representando o imigrante na Itália.

A despeito disso, vale ressaltar que além de racista, essa teoria está em desuso há muito
tempo pela sustentação de outras teorias, as quais relacional o crime com outros aspectos
sociais, culturais, etc.

No entanto, existe uma evolução na qual encontramos e traduz o mesmo preconceito


que sempre existiu na raça humana, um senso de superioridade que certas camadas têm sobre
as outras. Identificar alguém como criminoso se traduziu em verdadeiros excessos quando
relacionados à segurança pública, que notoriamente possui dois tipos de tratamento, um para o
rico e outro para o pobre, surge nesse momento um novo estereótipo: negro, morador de favela,
vestindo bermuda, boné e uma camisa de time. Essas são apenas uma das características que
hoje reforça ainda mais a presença da discriminação racial e social emanadas pela sociedade.

A ideia de Cesare Lombroso é certamente racista, pois focava sua tese nos negros, no
entanto, mais de cem anos depois, podemos observar a existência de preconceitos sociais e
raciais. A nova “cara” do criminoso não está mais associada à forma do seu rosto como
propunha Lombroso, mas sim a fatores sociais.

Sob essa perspectiva, o GT Racismo surge como política pública no sentido de


proporcionar um tratamento igualitário. Para tanto, desenvolve suas ações visando instruir,
capacitar o público interno e externo acerca dessas desigualdades, proporcionando o
reconhecimento das minorias e dos grupos vulneráveis sob o aspecto de um tratamento
igualitário.

O GT Racismo ministra palestra para os policiais militares em diversas unidade da


PMPE, ministra palestras nas escolas, etc. Participa ainda de eventos diversos sobre a temática,
com o Ministério Público, Polícia Civil, Secretaria Estadual de Educação, Secretaria Estadual

16
da Saúde, Secretaria Executiva de Direitos Humanos, organizações não governamentais,
movimentos sociais, comunidades tradicionais e de terreiros, população LGBT, pessoas com
deficiência, etc. Trabalha com Instituições Governamentais e não Governamentais, para poder
desenvolver o processo de Capacitação, Sensibilização e Conscientização do Público Interno e
Externo, como: Ministério Público, Secretaria Especial da Mulher, Secretaria de Direitos
Humanos, Comitê Estadual de Promoção da Igualdade Racial (CEPIR), Assessoria Especial de
Diversidade; Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes (Secretaria de Direitos Humanos),
Prefeitura de Olinda (Secretaria de Direitos Humanos), Movimento Negro Unificado
(MNU); Rede de Mulheres de Terreiros (Estadual e Nacional), Quilombolas, Povos Indígenas,
Ciganos, Judeus, e Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Ministério da República

O GT Racismo também realizou uma política de combate ao racismo na formação dos


novos Policiais Militares de Pernambuco, visto que a disciplina de Relações Étnicos Raciais foi
inserida nos cursos de formação da PMPE desde 2010, para tanto, houve a realização de uma
capacitação específica aos docentes para a ministração da aludida disciplina.

No ano de 2015 o GT Racismo participou na formação dos 1.120 novos soldados, além
de 24 (vinte e quatro) palestras sobre racismo, racismo nas escolas, grupos vulneráveis e busca
pessoal em público LGBT. Além dessas ações, o GT Racismo participou de 17 (dezessete)
audiências públicas relativas as temáticas trabalhadas pelo Grupo. Além de ser o responsável
institucional na participação de eventos como fórum de diálogos, encontros e debates sobre
temas relacionados aos direitos humanos, conferências, oficinas, etc.

3.5 PATRULHA MARIA DA PENHA

Em uma sociedade hierarquizada e historicamente contextualizada sob e égide da


predominância do mais forte e associado ao conceito de “honra”, determinando que o homem
deve ter o controle sobre as mulheres são estruturas fundamentais para a persecução da
violência doméstica contra a mulher.

No Brasil, Maria da Penha Fernandes era uma mulher que depois de anos sofrendo
diversas agressões do seu marido, resolve se separar e denunciá-lo à polícia. Mas em maio de
1983, foi alvejada por tiros desferidos pelo seu ex marido, enquanto dormia, para acobertar a
tentativa de homicídio, ele simula um assalto.

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Maria da Penha passou por diversas cirurgias e como resultado do atentado teve como
sequela permanente a paraplegia. Além do cárcere privado, seu ex marido ainda tenta contra
sua vida mais uma vez, tentando eletrocutá-la enquanto tomava banho.

Nesse momento com a ajuda de familiares, conseguiu autorização judicial para


abandonar seu lar com suas filhas. No ano seguinte depôs na polícia e em 1991 seu ex marido
foi a júri popular, sendo condenado a 15 (quinze) anos de prisão. A defesa impetrou recursos e
em 1996 houve novo julgamento, onde fora condenado a 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de
prisão, sendo novamente impetrado um novo recurso, tendo o Tribunal acatado e anulado o
julgamento.

O sentimento de impunidade fez com que Maria da Penha recorresse a Comissão


Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). No mês
de outubro de 2000, a Comissão da OEA aprova o relatório sobre o caso e não houve qualquer
manifestação do governo brasileiro. Em março do ano seguinte, a OEA reencaminha o relatório
ao Brasil dando prazo final de 30 dias para pronunciamento. Em abril, as denúncias são aceitas
e o relatório passa a ser público, exigindo-se providências por parte do governo brasileiro. No
mês de março do ano subsequente, há nova audiência sobre o caso na OEA e o governo
finalmente apresenta considerações, comprometendo-se a cumprir as recomendações da
Comissão. Foi apenas após 15 dias da segunda reunião da OEA, em setembro de 2002 que
Marco Antônio Heredia Viveros, ex marido de Maia da Penha, finalmente é preso.

É de suma importância a apresentação desse histórico, pois, infelizmente, ele não é um


caso isolado. No Brasil, a violência doméstica é uma verdadeira constante e visando isso é que
foi registrado, a partir do ano de 1999, diversos projetos de lei versando sobre a violência
doméstica. Culminando em 2006 na aprovação da Lei nº 11.340, sendo homenageada a Maria
da Penha, em razão do sofrimento e da luta dessa mulher

Em Pernambuco, podemos observar que houve um aumento no feminicídio de 9,52%


entre os anos de 2012 e 2013 e que segundo a GACE/SDS (Gerência de Análise Criminal e
Estatística da Secretaria de Defesa Social), “historicamente, os homicídios de mulheres estão
associados, prioritariamente, à violência doméstica”.

Por sua vez, a violência doméstica apresenta características peculiares, haja vista ocorrer
em ambiente privado. Restando apenas a prevenção do cometimento do crime após a denúncia.

18
Nesse sentido, a Patrulha Maria da Penha, realiza suas ações com base nas informações
prestadas pelas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, como estratégia de
consolidação do acompanhamento das medidas protetivas de urgência solicitadas pela
autoridade policial, conforme previsto na Lei Maria da Penha.

A patrulha Maria da Penha realizou no ano de 2015 na Capital e Região Metropolitana


pernambucana 3.275 (três mil duzentos e setenta e cinco) visitas a mulheres que denunciaram
seus familiares e estavam asseguradas sob medida protetiva. Essas visitas estão relacionadas ao
total de 625 (seiscentos e vinte e cinco) medidas judiciais protetivas, promovendo dessa forma
a garantia da preservação da vida, integridade física, moral, sexual psíquica dessas mulheres.

3.6 PROGRAMA EDUCACIONAL DE RESISTÊNCIA ÀS DROGAS

O Programa Educacional de Resistência às Drogas (PROERD) tem como base o


D.A.R.E. (Drug Abuse Resistance Education), e foi criado pela Professora Ruth Rich, em
conjunto com o Departamento de polícia da cidade de Los Angeles, EUA, em 1983.

O Programa está presente nos cinquenta estados americanos, e em cinquenta e oito


países. No Brasil ele chegou em 1992 através da polícia militar do Estado do Rio de Janeiro,
sendo aplicado desde 2002 em todos os estados brasileiros. Em Pernambuco vem sendo
desenvolvido desde o ano de 2000.

Trata-se de uma ação conjunta entre policial militar, professores, especialistas,


estudantes, pais e comunidade e tem por objetivo a prevenção do uso das drogas, bem como a
violência entre os estudantes.

O PROERD é desenvolvido no ambiente escolar, Centros Sociais, envolvendo Pais,


adolescentes e crianças a partir da educação infantil, 5º e 7º ano. O desenvolvimento do
programa é feito por Policial Militar fardado. É trabalhado em 12(doze) encontros semanais de
uma hora de duração.

A metodologia baseia-se na Teoria de Aprendizagem Socioemocional, buscando


identificar no aluno o autoconhecimento para uma tomada de decisão responsável. Busca
também o exercício da alteridade, construindo habilidades de comunicação e relacionamento
interpessoal, lidando com desafios e responsabilidades. Ensina também aos jovens como
controlar seus impulsos e pensar nos riscos e consequências, o que resultará em escolhas
responsáveis.
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O profissional de segurança pública para atuar como instrutor do PROERD, precisa se
enquadrar num perfil rigoroso, ter facilidade de expressão em público, não ser fumante, não
fazer uso abusivo de álcool, ter criatividade e ter perfil para desenvolver atividades
educacionais, o policial interessado é encaminhado para exame psicológico, entrevista e
dinâmica. Se conseguir aprovação nessas etapas, o escolhido faz um Curso de Formação de
Instrutores com duração de 80 horas. O curso habilita o policial militar a desenvolver o
Programa para as 5ª e 7ª séries do 1º grau, além das séries iniciais (1ª a 4ª).

Como descrito no quadro abaixo, em 2015 foram alcançadas 143.420 (cento e quarenta
e três mil, quatrocentos e vinte) crianças pelo PROERD, com um total de 102 (cento e dois)
policiais militares formadores, em 518 (quinhentos e dezoito) escolas, em 83 (oitenta e três)
municípios do Estado pernambucano.

RESUMO GERAL PROERD 2015


QTD. ALUNOS ED.INFANTIL 92.322 ESCOLAS ESTADUAIS 22
QTD. ALUNOS 5º ANO 34.853 ESCOLAS MUNICIPAIS 467
QTD. ALUNOS 7º ANO 10.016 ESCOLAS PARTICULARES 19
QTD. ALUNOS PAIS 6.229 FILANTRÓPICAS 9
FEDERAIS 1
TOTAL DE ESCOLAS 518
TOTAL DE MUNICÍPIOS 83
TOTAL GERAL 143.420
INSTRUTORES 102
FONTE: DASDH/PMPE

3.7 CORPO MUSICAL


O Corpo musical da PMPE, também conhecido como Banda de Música da PMPE foi
instituído em 1873, além de realizar atividades nas solenidades e eventos militares o Corpo
musical se utiliza do mesmo princípio desenvolvido em alguns outros programas descritos
anteriormente no que se refere a inserção social.

Através do desenvolvimento de um projeto social que utiliza a música como fator de


inclusão social em comunidades menos favorecidas. Buscando através da música proporcionar
uma nova perspectiva de vida para algumas crianças e adolescentes.

4. CONSLUSÕES
Como foi visto, as temáticas dos direitos humanos já se encontram bem sedimentadas
na Polícia Militar de Pernambuco. Dentro de uma construção histórica podemos verificar que

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houve muita resistência institucional que foi vencida, e podemos dizer que ainda está sendo
trabalhada, pois ainda podemos encontrar alguma resistência.

Outro aspecto importantíssimo que comprova a sedimentação dos direitos humanos na


PMPE é a quantidade de projetos de ações preventivos existentes, alguns que datam de 1998,
bem como o interesse de agregar todas essas ações preventivas a partir da Diretoria de
Articulação Social e Direitos Humanos, demonstra ainda mais as ações voltadas para uma
prevenção da criminalidade e o respeito à dignidade da pessoa humana através de um tratamento
diferenciado.

Verifica-se nos diversos projetos coordenados pela DASDH que a filosofia do


policiamento comunitário está cada vez mais inserida nas atividades de prevenção, na interação
com a comunidade, no empoderamento, no desenvolvimento de projetos comunitário de
inserção social.

Acreditamos que ainda temos um longo caminho a percorrer, mas podemos dizer que a
Polícia Militar de Pernambuco está cada vez mais “humana”, servindo de exemplo para outras
instituições de segurança pública no sistema interamericano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRAMOVAY, Miriam. Violência nas escolas. Brasília: UNESCO, 2002.
BALESTRERI, Ricardo Brisolla. Direitos Humanos: Coisa de Polícia, Edições CAPEC,
Gráfica Editora Berthier, Passo Fundo, 2003.
___________. Agentes da manutenção ou construtores da transformação? A educação em
direitos humanos e o protagonismo social dos profissionais de segurança pública. In:
Políticas e Fundamentos da Educação em Direitos Humanos. Orgs. SILVA, A.M.M e
TAVARES, C. São Paulo: Ed. Cortez, 2010.
BAYLEY, David H; SKOLNICK, Jerome H. Policiamento comunitário: questões e práticas
através do mundo. São Paulo: Edusp, 2001.
___________. Nova polícia: inovações nas polícias de seis cidades norte-americanas. São
Paulo: Edusp, 2001.
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível
em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
Acessado em; 10 fevereiro 2013.
___________. Lei 8.069 de 13 de julho de 1990 / Estatuto da Criança e do Adolescente.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm. Acessado em 20
fevereiro 2016.

21
___________. Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006 / Lei Maria da Penha. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acessado em: 20
fevereiro 2016.
___________. Plano Nacional de Educação e Direitos Humanos. 2009/ Comitê Nacional de
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ISSN 2177-6784

: http://dx.doi.org/10.15448/2177-6784.2015.1.18596

Sistema Penal
& Violência
Revista Eletrônica da Faculdade de Direito
Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS

Porto Alegre • Volume 7 – Número 1 – p. 49-65 – janeiro-junho 2015

Violência, crime e Segurança Pública


A fábrica midiática de inimigos e o risco à democracia
Uma análise do papel dos grandes meios de comunicação
na elaboração e adoção de leis penais casuísticas no Brasil
Media’s manufacturing of enemies and the risk for democracy
An analysis of the role played by mass media in the development
and adoption of casuistic penal laws in Brazil

Paola Bianchi WojciechoWski

Editor-Chefe
José Carlos Moreira da silva Filho
Organização de
José Carlos Moreira da silva Filho

Este artigo está licenciado sob forma de uma licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional,
que permite uso irrestrito, distribuição e reprodução em qualquer meio, desde que a publicação
original seja corretamente citada. http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR
Violência, crime e Segurança Pública
Violence, crime and Public Safety

A fábrica midiática de inimigos e o risco à democracia


Uma análise do papel dos grandes meios de comunicação
na elaboração e adoção de leis penais casuísticas no Brasil
Media’s manufacturing of enemies and the risk for democracy
An analysis of the role played by mass media in the development
and adoption of casuistic penal laws in Brazil

Paola Bianchi WojciechoWskia

Resumo
Este artigo tem por objetivo analisar, sob um viés crítico, o papel exercido pelos grandes meios de comunicação
na elaboração e adoção de leis e medidas penais recrudescentes, no Brasil. Para tanto, defende-se que a
colonização das questões criminais pela mídia veriica-se, principalmente, por meio da disseminação de
um discurso punitivista centrado em episódios criminosos, a partir dos quais se identiicam os inimigos a
serem neutralizados. Esse voyeurismo midiático logo se transmuda em intervenção no processo legislativo
em matéria penal. A im de ilustrar esse processo, o presente estudo encontra seu norte na análise de dois
fenômenos: o casuísmo de alguns diplomas legislativos brasileiros, os quais reletem a crença de que a
intervenção penal é a primeira e única medida passível de solucionar conlitos sociais (senso comum penal);
e a fabricação midiática de um novo inimigo – “o vândalo” – pós-jornadas de junho de 2013.
Palavras-chave: mídia e sistema penal; punitivismo midiático; casuísmo legislativo; política criminal.

Abstract
This article aims to analyze from a critical standpoint, the role played by mass media in the development
and adoption of stiffer penal laws and it’s measures in Brazil. It is argued that the overexposure of criminal
issues by the media, occurs primarily through the dissemination of punitivist speech centered around these
criminal incidents, where they identify enemies to be counteracted and that this media voyeurism becomes
over time an interference in the criminal law-making process. To illustrate this situation, the study uses the
analysis of two phenomena: the casuistry of some Brazilian legal enactments, which denotes the belief that
penal intervention is the irst and only response capable of resolving social conlicts (legal common sense);
and the media’s manufacturing of a new social enemy, “the vandal”, after the June 2013 demonstrations.
Keywords: media and penal system; punitivism media; legislative casuistry; criminal policy.

a
Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Estado do Paraná e especialista latu sensu com área de
concentração em Direito Penal.

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Wojciechowski, P. B. A fábrica midiática de inimigos e o risco à democracia

Introdução
Em um Estado Democrático de Direito, em que os governantes assumam posturas de comprometimento
com os direitos humanos e com o empoderamento do indivíduo para a participação democrática, as leis e
medidas penais devem representar o último recurso (ou ultima ratio), na tentativa de solucionar ou conter
conlitos sociais.
Justamente por esse motivo – por se tratar de instrumento a que se deve recorrer apenas diante de problemas
graves, duradouros e incontornáveis a partir de medidas menos gravosas – a elaboração e promulgação das
leis de feição penal não podem prescindir de um amplo debate parlamentar e popular (realizado de modo a
garantir a participação da sociedade civil). Debate idealmente guiado por análises e estudos interdisciplinares
– jurídicos, sociológicos, ilosóicos, criminológicos – alinhados a im de realizar prognósticos sobre os efeitos
sociais da penalização ou criminalização de dada conduta.
Nas palavras de Alessandro Baratta, “os problemas que se deve enfrentar têm que estar suicientemente
decantados antes de por em prática uma resposta penal”1. Todavia, o que se tem observado, no Brasil, e arredor
do mundo, é exatamente o oposto. As leis e medidas penais encarnam respostas imediatas e apressadas –
tomadas em momentos de convulsão social – a eventos criminosos ou violentos colonizados pelos grandes
meios de comunicação2.
Tal fenômeno consubstancia um novo “popularismo penal”3, o qual invoca práticas demagógicas que
se amparam no sentimento de vingança e exploram o medo da população, tudo com vistas à aprovação de leis
penais casuísticas, mais rigorosas. Por isso mesmo, Zaffaroni defende que, sob a perspectiva política, trata-se
de “uma nova forma do autoritarismo”4, manejado da seguinte maneira:

Os mesmos autores dessa política de polarização da sociedade são os que hoje pedem mais repressão sobre
os setores vulneráveis da população. Querem mais mortos e, entre infratores e policiais, mais ‘guerra’. No
inal, eles são invulneráveis a essa violência. A ‘guerra’ que pedem é a ‘guerra’ entre pobres. Na medida em
que os pobres se matem entre si, não terão condições de tomar consciência da sua circunstância social e,
menos ainda, política. O perigo para os reacionários não é a morte nas favelas, nem a morte dos favelados,
nem a morte dos policiais, mas o risco de os pobres se juntarem e tomarem consciência da armadilha penal.
Essa política dos chamados comunicadores sociais e políticos sem programas, que só querem mais poder
policial, no fundo é a neutralização da incorporação das maiorias à democracia. É manter um mundo não
civilizado marginalizado do mundo civilizado. O mundo da favela e o mundo da Barra! Na medida em
que os da favela se matam (aí estão incluídos os policiais), a Barra não tem perigo de invasão, só algum
criminoso isolado, mas nada de reclamação política, nada da consciência dos excluídos, nada que possa pôr
em perigo as estruturas de classe, que se tornam estruturas de casta na medida em que a sociedade impede
a mobilidade vertical, máxima aspiração dos ‘popularistas penais’5.

A im de sublinhar as incompatibilidades entre esse “popularismo penal” e a busca democrática


por soluções alternativas ao Sistema Penal, optou-se por dividir o texto em três momentos. Em um

1
BARATTA, Alessandro. Principios de Derecho Penal Mínimo. In: BARATTA, Alessandro. Criminología y Sistema Penal (Compilacíon in memoriam).
Buenos Aires: Editorial B de F, 2004, p. 299-333.
2
A expressão “grandes meios de comunicação” é empregada, neste texto, de modo a designar as mídias tradicionais (principalmente redes de televisão,
grandes jornais e revistas) que, no Brasil, são manejadas por um grupo de famílias pertencentes às elites, em cujo interesse as informações são
transmitidas.
3
ZAFFARONI, Eugenio Rául. A esquerda tem medo, não tem política de segurança pública. Revista Brasileira de Segurança Pública, ano 01, n. 01,
p. 131-139, 2007.
4
Idem.
5
Idem.

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Wojciechowski, P. B. A fábrica midiática de inimigos e o risco à democracia

primeiro momento, analisa-se, de forma mais geral, as intrincadas relações cultivadas entre Sistema Penal e
Mídia, entre interesses das elites econômicas e políticas (incluindo-se aí o interesse midiático) e intensiicação
punitiva.
Em um segundo momento, parte-se para a análise do contexto de aprovação de alguns diplomas
legislativos brasileiros que – defende-se – foram arquitetados pelo poder constituído, em benefício de elites
econômicas e políticas, de modo a incorporar o clamor público-midiático por endurecimento penal.
Por im, com o desígnio de ilustrar o processo midiático de fabricação de inimigos, optou-se por enfocar
a cobertura conferida, pelos grandes meios de comunicação, aos manifestos que se espalharam pelo país a
partir de Junho de 2013. Isso porque tais protestos, que perduraram de maneira bastante difusa, em torno,
principalmente, da pauta “anti-Copa do Mundo”, foram alvo da sanha punitiva dos órgãos de segurança pública
cujas ações, sob o pretexto da necessidade de contenção de “atos de vandalismo” (do inimigo “vândalo”),
simbolizam cruamente o “popularismo penal” que assola a política (criminal) brasileira.
Esse é o objetivo perseguido no presente artigo: revelar alguns dos laços que, no Brasil, vão amarrando
as políticas de segurança pública a velhos esquemas bélicos, repressivos e autoritários, de modo que, mesmo
nos governos de esquerda6, o modelo de sistema penal permanece cumprindo seu papel de encarceramento das
parcelas mais vulneráveis da população e de perpetuação da ordem política e econômica vigentes.

1 A relação antiga e intrínseca entre Mídia e Sistema Penal


O Direito Penal parece atrair de maneira muito peculiar o interesse da população, desde o estarrecimento
promovido pelos espetáculos públicos de punição corporal, à época dos suplícios 7, até o interesse pelo
sensacionalismo maniqueísta das notícias veiculadas nos diversos meios de comunicação, fato é que o Direito
Penal mantém uma relação híbrida – de fascínio e expiação – com os grandes públicos.
Assim, mesmo após o desaparecimento da punição corporal e dos suplícios, a partir do inal do séc.
XVIII e começo do século XIX8, permaneceu latente na sociedade o empenho na ampla difusão dos crimes e
seus agentes, sempre acompanhados – nos noticiários, jornais e revistas – de adjetivações estigmatizantes e
grotescas: “o bandido”, “o assassino”, “o latrocida”, “a crueldade”, “o monstro”, “o abjeto”, mais recentemente,
“os vândalos”, “arruaceiros”, “baderneiros” e “mascarados”, e uma série de outras denominações que se
prestam a reduzir distintos indivíduos e distintas situações penais a rótulos generalizáveis9, em busca não só
de audiência, mas também visando perpetuar a ideologia dominante e manter o status quo.
Apercebendo-se desse fascínio histórico pelo crime e suas implicações sociais, a mídia logo avocou
para si a tarefa de difundi-los. Dessa forma, o discurso midiático passou a intermediar de maneira cada vez
mais intrusiva a relação entre a população e o Direito Penal – em benefício e a serviço das classes sociais

6
Sobre o crescente alinhamento entre os discursos da esquerda e da direita conservadora, quanto à questão da violência e da repressão penal, e a
incapacidade da esquerda em constituir novos moldes de políticas de segurança pública, Zaffaroni aponta que: “A esquerda tem medo, sabe que a
imputação da direita a ela é sempre a de ser desordeira e caótica. Por causa disso, para obter o voto da direita, procura providenciar uma imagem
de ordem. No inal, a esquerda é usada, porque a reclamação por vingança não tem limites e porque a segurança pública jamais pode ser absoluta.
Assim é que o trabalhismo inglês fez leis mais repressivas do que os conservadores [...].”ZAFFARONI, Eugenio Rául. A esquerda tem medo, não
tem política de segurança pública. Revista Brasileira de Segurança Pública, ano 01, n. 01, p. 131-139, 2007.
7
Michel Foucault, no início de sua célebre obra Vigiar e Punir, relata com riqueza de detalhes de que forma os suplícios (graves punições corporais)
eram aplicados aos condenados, perante a multidão estupefata. Nesse sentido, vale ler o relato do esquartejamento público do condenado Damiens,
ocorrido no século XVIII (FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Nascimento da Prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 28. ed. Petrópolis: Vozes,
2004, p. 09).
8
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Mídia e Crime. In: Estudos Criminais em Homenagem a Evandro Lins e Silva. São Paulo: Método, 2001, p. 354.
9
O estudo dos estigmas, sob o aspecto criminal, foi realizado de maneira minuciosa pelos integrantes da denominada Criminologia da Reação Social,
que compreende as teorias da rotulação, cujos expoentes são Becker, Kitsuse e Lemert; as teorias do estigma, cujo expoente é Goffman; e a teoria
do esteriótipo, cujo autor mais representativo é Chapman (CASTRO, Lola Aniyar de. Criminologia da Reação Social. Tradução de Ester Kosovski.
Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 96.)

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Wojciechowski, P. B. A fábrica midiática de inimigos e o risco à democracia

dominantes –, transcendendo, muitas vezes, a realidade dos acontecimentos, para transformá-los em uma forma
dantesca de entretenimento, conforme fenômeno descrito, já em 1957, por Francesco Carnelutti, em sua obra
As misérias do Processo Penal, cujo trecho vale transcrever:

Um pouco em todos os tempos, mas na atualidade cada vez mais o processo penal interessa à opinião
pública. Os jornais ocupam boa parte de suas páginas para a crônica dos delitos e dos processos. Quem
as lê, aliás, tem a impressão de que existem mais delitos do que boas ações neste mundo. A eles é que os
delitos assemelham-se às papoulas que, quando se tem uma em um campo, todos delas se apercebem; e as
boas ações se escondem, como as violetas entre as ervas do prado. Se dos delitos e dos processos penais os
jornais se ocupam com tanta assiduidade, é que as pessoas por estes se interessam muito; sobre os processos
penais assim ditos célebres a curiosidade do público se projeta avidamente. E é também esta uma forma
de diversão: foge-se da própria vida ocupando-se da dos outros; e a ocupação nunca é tão intensa como
quando a vida dos outros assume o aspecto de drama. O problema é que assistem ao processo do mesmo
modo com que deliciam o espetáculo cinematográico, que, de resto, simula com muita freqüência, assim, o
delito com o relativo processo. Assim como a atitude do público voltado aos protagonistas do drama penal
é a mesma que tinha, uma vez, a multidão para com os gladiadores que combatiam no circo, e tem ainda,
em alguns países do mundo, para com a corrida de touros, o processo penal não é, infelizmente, mais que
uma escola de incivilização.10

Para além da espetacularização do Direito Penal promovida pela mídia, observada no decorrer da
história, já na pós-modernidade capitalista, vislumbra-se um fenômeno ainda mais preocupante descrito
como a “executivização das agências de comunicação social do sistema penal”11, caracterizada pela superação
do desempenho meramente comunicativo dos grandes meios de comunicação, que passam a atuar como
verdadeiras agências de execução e de legitimação do sistema penal12.
Nesse contexto, os agentes de segurança pública assumem a ilusória tarefa de combate13 aos conlitos
sociais e às mazelas intrínsecas ao sistema capitalista. Temas relacionados às ciências criminais passam a ser
cotidianamente, supericialmente e dissimuladamente, debatidos em noticiários, jornais, revistas, sem qualquer
embasamento político, jurídico, ilosóico ou criminológico, formando-se um “senso comum penal”14 – uma
espécie de “every day theories”15 – constituído fundamentalmente pelos mass media.
Ainda, a concorrência entre os diversos meios de comunicação (jornais, revistas, televisão, internet,
rádio) desencadeia uma busca desenfreada por audiência, o que acaba por gerar uma urgência na coleta e
disseminação das informações, tecendo-se uma rede de informações vazias, simplórias e não condizentes com
a realidade. Esta forçosa urgência na coleta de informações, sob a perspectiva de Pierre Bourdieu, representa
um fator agravante da ausência de preocupação formal ou teórica com o que se expõe na mídia16, e favorece
a formação de uma massa de “fast thinkers”, conforme expressão cunhada pelo autor em apreço da seguinte
forma:

10
CARNELUTTI, Francesco. As misérias do Processo Penal. Tradução de Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: Russel, 2007. p. 12-13.
11
BATISTA, Nilo. Mídia e Sistema Penal no Capitalismo Tardio. Biblioteca on-line de ciências da comunicação. Disponível em: <http://www.bocc.
uff.br/pag/batista-nilo-midia-sistema-penal.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2014.
12
ROSA, Alexandre Morais da; SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço. Para um Processo Penal Democrático: Crítica à Metástase do Sistema de Controle
Social. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 03.
13
A palavra combate foi utilizada propositadamente, eis que expressões como essa – usadas cotidianamente nos grandes meios de comunicação – indicam
o caráter bélico e militarista da agenda de segurança pública no país.
14
ROSA; SILVEIRA FILHO, op. cit., p. 07.
15
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. Introdução à sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Cirino dos
Santos. 3. ed. Rio de Janeiro: ICC: Revan, 2002, p. 42.
16
BOURDIEU, Pierre. Sobre la televisión. Tradución de Thomas Kauf. Barcelona: Anagrama, 1997, p. 38-40.

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Wojciechowski, P. B. A fábrica midiática de inimigos e o risco à democracia

Si la televisión privilegia a cierto número de fast thinkers que proponen fast food cultural, alimento cultural
predigerido, prepensado, no es sólo porque (y eso también forma parte de la sumisión a la urgencia) cada
cadena tiene un papel de expertos, siempre los mismos, evidentemente (sobre Rusia, Fulano o Mengano,
sobre Alemania, Zutano): hay también serviciales bustos parlantes que eximen de la necesidad de buscar
a alguien que tenga verdaderamente algo que decir. A menudo se trataría de jóvenes, desconocidos aún,
comprometidos con su investigación, poco propensos a frecuentar los medios de comunicación, a los que
habría que preocuparse de buscar, cuando las cadenas tienen a mano, siempre disponibles y con el rollito
bien a punto y dispuestos a conceder su entrevista, a los habituales de los medios de comunicación. También
cuenta el hecho que, para ser capaz de ‘pensar’ en unas condiciones en las que a nadie le es posible hacerlo,
hay que ser un pensador muy particular.17

Interessante notar que Pierre Bourdieu concentrava-se na crítica à televisão. Hoje, para além dos
tradicionais meios de comunicação, não se pode olvidar do punitivismo que se espraia pelo mundo virtual,
especialmente através das redes sociais (facebook, twitter, orkut, etc.), sites de compartilhamento de vídeos
em formato digital (youtube, vimeo, etc.), mensagens eletrônicas (e-mail) e portais de notícias.
Por mais que exerça um importante (e paradoxalmente questionável) papel na democratização das
formas de se produzir conteúdo informativo, a web parece estimular o surgimento e a proliferação desses “fast
thinkers”, na medida em que tantas vezes é possível observar a ausência de preocupação, sequer, com a fonte
ou a veracidade daquilo que é reproduzido e compartilhado18.
Nesse contexto, os usuários se reúnem em torno de nichos e guetos virtuais, encastelados e protegidos
pela tela de seus computadores, tablets e smartphones, no interior dos quais se sentem à vontade para dar vazão
ao ódio e à intolerância compartilhados em relação a um dado objeto – sempre materializado no “outro”, não
raras vezes, no “outro criminoso”. Tal ódio compartilhado usualmente se constitui como fator de agregação
de dado grupo.
O novo locus consubstancia, portanto, um terreno fértil para a supericialidade no trato do crime e de suas
implicações. Salo de Carvalho capta as peculiaridades desse evento social, ao descrevê-lo da seguinte maneira:

Perceptível fenômeno atual, nos distintos veículos de informação e entretenimento (televisão, periódicos,
música, literatura, cinema, teatro, artes plásticas, moda, esporte), na urbe underground e no mundo virtual, a
proliferação de imagens do crime e da violência. O nível de exposição e os espaços que se abrem à recepção
destas imagens – novos locais de publicação e inúmeras ferramentas de divulgação, sobretudo através do
cyber-espaço –, poluem de questão criminal a cultura contemporânea. Outrossim, a velocidade na qual as
representações da violência circulam torna a experiência do crime e do desvio alheia a quaisquer barreira
espaço-temporais.19

Assim, a expansão da mídia, notadamente das mídias eletrônicas e de massa – que permitem a difusão
global e instantânea de notícias –, incrementa a inluência dos grandes meios de comunicação sobre a política
criminal do Estado20, de modo que os órgãos legislativos e judiciários veem-se muitas vezes compelidos a se
curvar perante a opinião pública.

17
Ibidem, p. 40-41.
18
A fertilidade das redes sociais para o compartilhamento de falsas notícias/informações restou evidenciada no debate acerca da maioridade penal, ocasião
em que uma falsa lista – indicativa de que países como Alemanha, Argentina, Áustria e Inglaterra preveem a imputabilidade penal de menores de
18 anos – circulou amplamente pelas redes sociais. O fato ganhou notoriedade, após o compartilhamento da lista pelo Senador Álvaro Dias do Paraná.
A lista falsa pode ser vista em: <https://www.facebook.com/ad.alvarodias/photos/a.204364062954183.52831.199599520097304/524105937646659/>.
A respeito da postagem falsa e sua repercussão: <http://www.boatos.org/politica-2/maioridade-penal-no-mundo-lista-falsa-circula-na-web.html>.
19
CARVALHO, Salo de. Antimanual de criminologia. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 85.
20
PRITTWITZ, Cornelius. O Direito Penal entre Direito Penal do Risco e Direito Penal do Inimigo: tendências atuais em direito penal e política
criminal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 47, p. 31-45, 2004. p. 32.

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Wojciechowski, P. B. A fábrica midiática de inimigos e o risco à democracia

Pode-se airmar, portanto, que o discurso midiático sub-repticiamente usurpa o papel estatal no processo
de escolha e tutela dos bens jurídicos, instrumentalizando a ediicação ideológica de um Direito Penal máximo,
o qual se torna a forma supostamente mais eiciente (pois mais popular sob o ponto de vista eleitoral) de lidar
com problemas de natureza social.
Cabe acentuar a contundente inluência exercida pela mídia no que concerne à propagação de um
discurso do medo, que visa difundir a sensação de insegurança e fomentar o clamor social por “mais do
mesmo”: penas mais graves, mais tipos penais, mais cárcere, mais polícia. A essa reivindicação o poder
estabelecido responde com o recrudescimento legislativo e com políticas criminais de lei e ordem, “sob o
aplauso insano da mídia e da população em geral”21, disseminando-se a crença e a ilusão de que um sistema penal
rigoroso e dilatado – fortalecido por medidas nada éticas ou até mesmo ilegais – resultará em mais segurança
urbana.
Assim, aos poucos e midiaticamente, o Sistema Penal – que deveria ser a ultima ratio – passa a ocupar
a posição de primeiro e mais popular recurso na resolução de conlitos sociais. Ainda pior, a atuação da mídia
deturpa e manipula os dados, estatísticas e episódios criminais, explorando sofrimentos e emoções humanas
de maneira tendenciosa, sensacionalista e seletiva, a im de cumprir uma agenda de segurança pública bélica
e militarizada que – acima de tudo – desenvolve-se em benefício das elites (inclusive da própria mídia
tradicional).
Louk Hulsman considera que tais agências propagadoras de um falso sistema penal encarnam, portanto, o
papel de verdadeiras empresas de “desinformação”, na medida em que, propositadamente, mantêm a população
alheia às informações dignas de crédito, ou seja, desenvolvidas por estudiosos da área penal, criminólogos,
sociólogos, etc. Neste sentido o autor em comento aponta que:

El sentimiento de inseguridad se extiende en las poblaciones a la manera difusa de un gas en la atmósfera,


sin que haya medios para evitarlo. Es una fuerza psicológica prácticamente incontrolable sobre la cual,
curiosamente, las informaciones serias tienen poco efecto. Las ideas desarrolladas por criminólogos y
sociólogos sobre la naturaleza sociopolítica de las respuestas sociales a los fenómenos de la desviación
no llegan al público. Raramente son recogidas por los medios de comunicación de masas. Muy pocas
personas las han interiorizado. ¿Hay que renunciar, por esto, a la lucha contra los imponderables que
alimentan esta psicosis colectiva? Desde luego que no. Por lo menos hay que combatir ciertas empresas
de desinformación22.

Por meio dessa sistemática, o “popularismo penal” agrega-se às promessas políticas. Candidatos,
embalados pelo discurso midiático, aproveitam-se dos momentos de instabilidade: utilizam-se sem qualquer
mal-estar e sem luto do sofrimento das vítimas para oferecer respostas milagreiras, mais rápidas e “viáveis”
administrativamente, porém sabidamente ineicazes do ponto de vista de redução da criminalidade ou de
resolução deinitiva dos conlitos sociais. Tais respostas envolvem, inclusive e tantas vezes, o aumento da
arbitrariedade policial e implicam – direta ou indiretamente – na legitimação do uso da violência contra as
parcelas mais vulneráveis da população ou mesmo contra aqueles que ousam contestar o discurso da mídia
tradicional.

21
BUSATO, Paulo César. Quem é o inimigo, quem é você? Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 66, p. 315-367, 2007.
22
HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat de. Sistema penal y seguridad ciudadana: hacia uma alternativa. Tradução de Sérgio Politoff. Barcelona:
Editorial Ariel, 1984. p. 98.

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Wojciechowski, P. B. A fábrica midiática de inimigos e o risco à democracia

Assim, a esfera pública oicial – contentando-se com e amparando-se em um direito penal enlatado
servido pelos grandes meios de comunicação – simplesmente ignora e segue alheia a debates sérios e embasados
acerca da criminalidade, da reação social ao delito, da marginalização, etc.
Deste modo, tantas alternativas políticas comprovadamente mais eicientes23 para lidar com os conlitos
e problemas sociais são preteridas perante a lógica do encarceramento. Ressalte-se que esta lógica envolve
subtrair de tais conlitos sua real feição política, pois, a mídia tradicional e as elites políticas e econômicas
tratam o conlito – crime – como problema pontual veriicado em momento e lugar determinados e que, por
consequência, requer uma resposta meramente técnica (penal).
Ao airmar o aspecto aparentemente técnico das respostas penais a determinado conlito social, a mídia
tradicional despolitiza esse conlito e o apresenta por meio de categorias utilizadas para homogeneizar os
autores de práticas delitivas e reforçar a imagem do delinquente desprovido de humanidade, naturalmente
violento. Assim, o discurso midiático, por meio de seus rótulos e categorias, inluencia de modo decisivo – se
não determina – a opinião pública e a legitimação social das instâncias repressivas penais e de leis autoritárias
e, tantas vezes, inconstitucionais.
No Brasil, sobram exemplos de leis penais elaboradas e promulgadas no fervor de momentos sensíveis,
posteriormente à superexposição nos meios de comunicação de crimes graves, o que alimenta o clamor público
por “justiça” (justiça que, neste contexto, sempre signiica intensiicação punitiva).
Interessante observar que, quando os crimes atingem as elites e a classe média, a ênfase e repercussão
midiáticas são ininitamente maiores e diferenciadas: a vítima tem identidade (um nome, uma família, uma
biograia, desejos e aspirações). Já quando a vítima é o “outro” – pertencente à classe de marginalizados
– torna-se número, estatística, objeto de headlines despersonalizantes (reduzem vidas a números, a dados
quantitativos): “Chacina em Feira Santana deixa 04 mortos.”24
Deste modo, o fenômeno do “popularismo penal” materializa-se em discursos políticos de autoridades
públicas que – logo após a notícia da perpetração de algum crime ”bárbaro” divulgado exaustivamente pela
imprensa – buscam os veículos de comunicação de massa, propondo medidas legislativas penais mais duras.
Essas medidas legislativas compõem uma “legislação penal do terror”25, na qual se mitigam direitos e garantias
fundamentais, em prol de uma resposta rápida ao crime divulgado e, tantas vezes, distorcido pelos grandes
meios de comunicação.

2 As leis penais casuísticas no Brasil


No Brasil, o diploma legislativo que se encaixa perfeitamente neste paradigma de legislação penal
casuística e excessivamente repressiva é a Lei 8.702, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes
hediondos. A lei em questão foi votada quando ainda fervilhavam no país notícias do seqüestro de dois grandes
empresários, Abílio Diniz, em 17 de dezembro de 1989, e Roberto Medina, em 05 de junho de 1990. Logo
após a sua libertação pelos sequestradores, Roberto Medina, em 16 de junho de 199026, fornece uma entrevista
coletiva, cujo trecho vale transcrever:

23
Ao sintetizar algumas relações entre direitos humanos e os sistemas penais na América Latina, Zaffaroni ressalta o papel do desenvolvimento de
políticas sociais que tenham por inalidade reforçar e recriar as relações comunitárias (enfraquecidas pelo sistema penal), de modo a criar “loci de
poder alternativos” aptos a preterir a intervenção penal na resolução de conlitos (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Derechos Humanos y Sistemas
Penales en America Latina. Disponível em: <http://derechoshumanosenmovimiento.wikispaces.com/ile/view/DerechosHumanos_SistemasPenales_
Am%C3%A9ricaLatina+-+ERZaffaroni.pdf>. Acesso em: 28 jan. 2014).
24
Headline encontrada no Jornal Folha de São Paulo: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2009/10/637558-chacina-em-feira-de-santana-ba-deixa-
quatro-mortos.shtml>.
25
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no Direito Penal. Tradução de Sérgio Lamarão. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p. 354.
26
Notícia disponível no Banco de Dados Folha: <http://almanaque.folha.uol.com.br/cotidiano_22jun1990.htm>. Acesso em: 10 mar. 2014.

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Wojciechowski, P. B. A fábrica midiática de inimigos e o risco à democracia

Porque a gente tem que aglutinar todas as forças do outro lado, do lado da justiça. Nós temos que fazer
uma justiça menos morosa, urgente! Nós temos que fazer uma legislação no Congresso mais eicaz, nós
temos que fazer uma mobilização do Governo Federal e do Governo Estadual imediata, amanhã! Amanhã!
Porque pode ser amanhã a outra pessoa. Amanhã!27

É espantoso observar a proximidade entre as datas da entrevista e da aprovação do diploma legislativo.


A Lei de Crimes Hediondos foi aprovada pouco mais de um mês após os fatos, em decorrência da articulação e
pressão de setores inluentes da sociedade, notadamente elites políticas e econômicas, amplamente amparados
pelos meios de comunicação de massa.
O próprio debate travado em torno da votação do projeto legislativo no Congresso Nacional transparece
a insegurança e incerteza dos parlamentares em torno da aprovação da lei, sendo que muitos fazem questão de
consignar, inclusive, a coação exercida pela Rede Globo de Televisão e a ausência de conhecimento sequer em
relação à matéria que estaria sendo votada, devido à celeridade de sua tramitação. É de extremo valor acentuar
as seguintes ponderações extraídas do Diário do Congresso Nacional, publicadas em 29/06/1990 e 11/07/1990:

“Sr. Presidente, parece-me que seria melhor se tivéssemos possibilidade de ler o substitutivo. Estamos
votando uma proposição da qual tomo conhecimento através de uma leitura dinâmica. Estou sendo
consciente. Pelo menos gostaria de tomar conhecimento da matéria. [...] quero que me dêem, pelo menos,
um avulso, para que possa saber o que vamos votar.” – Deputado Érico Pegoraro (PFL)

“[...] Por uma questão de consciência, ico um pouco preocupado em dar meu voto a uma legislação que
não pude examinar. [...] Tenho todo o interesse em votar a proposição, mas não quero fazê-lo sob a ameaça
de, hoje à noite, na TV Globo, ser acusado de estar a favor do seqüestro. Isso certamente acontecerá se eu
pedir adiamento da votação.” – Deputado Plínio de Arruda Sampaio (PT)

“[...] eu gostaria apenas, em nome do PSDB e principalmente em meu nome, de declarar que mais uma
vez, infelizmente, estaremos votando aqui, neste instante, matéria da maior importância sem termos tido a
oportunidade de um exame completo dos seus efeitos [...]. Agora, posteriormente, com mais tempo, quando
retornarmos aos trabalhos normais, em agosto, entendo que o Senado deveria reexaminar essa matéria, para
ver se deveríamos fazer ou não alguma modiicação nessa legislação” – Senador Jutahy Magalhães (PSDB)

“[...] eu estou com graves dúvidas sobre a parte técnica desta matéria. Pergunto a V. Exª, Sr. Presidente, não
pode haver uma pausa, pelo menos de cinco minutos, para examinarmos isso? Porque, do contrário, vou me
negar a votar. [...] quero que conste dos Anais da Casa que considero um mau trabalho, que considero isso
que acabamos de aprovar uma má solução, principalmente sob o aspecto do Direito Penal Brasileiro e do
Direito processual penal. São emendas que aqui ocorrem e que vão alterar a legislação nacional, quer no
processo penal, quer no Direito Penal, com muita emotividade que, de certo modo, prejudica os princípios
mais sérios, os princípios mais gerais do Direito.” – Senador Cid Sabóia de Carvalho (PMDB)

A respeito do contexto em que foi aprovada a Lei de Crimes Hediondos, somam-se às críticas dos
parlamentares, acima delineadas, contundente crítica de Miguel Reale Jr., o qual defende expressamente
que tal diploma legislativo representou uma resposta direta e imediata ao sequestro de Roberto Medina.

27
A entrevista coletiva foi transmitida, em 16 de junho, por meio do Plantão da emissora Rede Globo, e se encontra disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=KMigih7dIrU>. Acesso em: 10 mar. 2014.

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O jurista – ao tratar do casuísmo da Lei dos Crimes Hediondos – chega a airmar que as “fontes legislativas
no Brasil são: a lei, a doutrina, a jurisprudência e a televisão”.28
Para além de suas imperfeições congênitas (nasceu inconstitucional por “impedir o cumprimento
individualizado da pena e a progressão de regime”29), a Lei de Crimes Hediondos deformou-se, ainda mais,
pouco tempo depois, perante a superveniência de outro episódio criminal explorado exaustivamente pelos
noticiários, jornais e revistas: o falecimento da atriz Daniella Perez, ilha da roteirista e escritora Glória Perez
(ambas contratadas pela Rede Globo de Televisão).
Daniella Perez foi vítima de crime de homicídio, peculiar pelo excesso de brutalidade, eis que praticado
por meio do desferimento de dezoito golpes de tesoura, pelo também ator Guilherme de Pádua (com quem
contracenava), em coautoria com sua cônjuge Paula Thomaz. O crime comoveu o país e teve intensa repercussão
social, estimulada pelos grandes meios de comunicação, notadamente pela Rede Globo de Televisão.30
A partir da notícia do falecimento de sua ilha, Glória Perez enceta um amplo movimento, bradando
por “justiça!”31 Não se resignando com a “benevolência e lentidão” do Judiciário em relação aos autores do
crime e inconformada, principalmente, com o fato de que os mesmos respondiam ao processo em liberdade,
a escritora global lança mão de um abaixo-assinado em prol da inclusão do homicídio qualiicado na Lei de
Crimes Hediondos. O desígnio foi alcançado, em 1994, quando – após a obtenção de 1.300.000,00 assinaturas 32
– ineditamente, no Brasil, uma iniciativa popular de projeto de lei (Projeto 4146/93) foi “adotada” pelo Poder
Executivo e aprovada no Congresso, resultando na promulgação da Lei 8.930/1994.
Imprescindível ressaltar que o projeto de lei de iniciativa popular, à época dos fatos, encontrava amparo
no art. 14, inc. III, da Constituição da República, cuja regulamentação foi realizada somente em 1998, por
meio da Lei 9.709, de 18 de novembro de 1998.
No mesmo sentido, o contexto de aprovação da Lei 12.737/2012, popularmente conhecida como Lei
Carolina Dieckmann (denominação que, por si só, escancara o casuísmo penal), evidencia de modo cristalino
os efeitos da inluência e pressão midiáticas (instrumento da pressão de elites políticas e econômicas) exercidas
sobre a atividade legislativa.
No início do mês de maio de 2012, divulgaram-se, por meio da internet, 36 fotograias íntimas, em que
a atriz televisiva Carolina Dieckmann (contratada pelo canal brasileiro Rede Globo de Televisão) aparecia
nua e seminua. As imagens foram obtidas por meio da invasão do computador particular da atriz. Amplamente
difundido em todos os meios de comunicação, o fato obteve repercussão nacional e logo se converteu em
mais uma peleja sensacionalista em busca de “justiça”33! Até este episódio, não havia no Brasil um tipo penal

28
REALE, Miguel Jr. No país do BBB, Judiciário é instrumento de paz social. In:entrevista concedida à revista Consultor Jurídico, 12 mar. 2014.
Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-abr-12/pais-bbb-judiciario-instrumento-harmonia-social>. Acesso em: 14 mar. 2014.
29
Idem.
30
Os vídeos dos jornais televisivos que transmitiram as notícias estão disponíveis em: <http://www.youtube.com/watch?v=xEDrWnc21P4>. Acesso
em: 07 set. 2014. É interessante observar como a notícia da renúncia do Presidente Fernando Collor é apresentada em um segundo momento, de
modo menos enfático.
31
O clamor por “justiça” pode ser visto, a título exempliicativo, em noticiário da Revista Veja publicada à época: <http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/
capa_10021993.shtml>.
32
Glória Perez fala a respeito do abaixo-assinado e dos crimes hediondos em entrevista fornecida à Rede Globo: <https://www.youtube.com/
watch?v=LfzjfXeOV-k&feature=player_embedded>. Acesso em: 05 set. 2014. Recentemente, Glória Perez manifestou satisfação em observar que a
Lei de Crimes Hediondos prestou-se a legitimar a prisão do “casal Nardoni”. Ela fazia menção ao casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá
condenados, em júri popular, pelo homicídio qualiicado da menina Isabella Nardoni, 05 anos, ilha de Alexandre Nardoni. A vítima foi asixiada e
arremessada pela janela, sendo que, após a prática do delito, os autores ainda tentaram alterar a cena do crime, a im de ocultá-lo, incorrendo no crime
de fraude processual. Em seu Twitter Glória Perez escreveu: “A campanha de assinaturas que incluiu o homicídio qualiicado entre os crimes hediondos
vai deixar o casal Nardoni mais tempo na cadeia. Caso contrário eles icariam mais três anos na cadeia e rua! Me orgulho muito de ter encabeçado
esse movimento.” Notícia completa sobre o tweet: <http://noticias.r7.com/sao-paulo/noticias/gloria-perez-diz-que-campanha-de-assinaturas-resultou-
em-pena-maior-para-os-nardoni-20100327.html>. Acesso em 15 mar. 2014.
33
“Justiça! Quero o que for justo!” – airmou a atriz Carolina Dieckmann, em primeira entrevista fornecida após os fatos narrados. Íntegra da entrevista
em: <http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2012/05/carolina-dieckmann-fala-pela-1-vez-sobre-roubo-de-fotos-intimas.html>. Acesso em: 07 mar. 2014.

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especíico que criminalizasse a invasão de computadores, de tal modo que a atividade de hackers só recebia
punição caso resultasse ou envolvesse, por exemplo, a prática de outros delitos como furto ou dano.
Em evidente resposta à demanda social-midiática decorrente dos fatos narrados, em 30 de novembro
de 2012, a Presidente Dilma Roussef sanciona a Lei 12.737/201234, por meio da qual se alterou o Código
Penal nos seguintes pontos: (i) acréscimo do art. 156-A, que tipiicou a conduta de “invasão de dispositivo
informático”; (ii) inclusão do § 1º ao art. 266 (“interrupção ou perturbação de serviço telegráico ou telefônico”),
por meio do qual se ampliou o âmbito de proteção da norma penal aos serviços informáticos, telemáticos ou
de informação de utilidade pública.
Por im, não se poderia deixar de fazer menção, aqui, ao Projeto de Lei 499/2013. Tal Projeto visa
tipiicar, no país, o crime de terrorismo. Tipo penal que – pela sua abstração e abrangência – foi (e continua
sendo) historicamente manejado de modo a suprimir dissidência política e a restringir liberdades individuais
e coletivas. Ademais, no Brasil, o aspecto antidemocrático deste delito potencializou-se diante do contexto em
que sua criação voltou a ser discutida, sob o pretexto da garantia de fornecer maior segurança para a realização
de grandes eventos como a Copa do Mundo 2014 e as Olimpíadas 2016.
No dia 06 de fevereiro de 2014, o cinegraista Santiago Ilídio Andrade, empregado da TV Bandeirantes,
foi atingido, fatalmente, na cabeça, por um artefato explosivo, no momento em que registrava um confronto
entre policiais e manifestantes durante protesto contra o aumento das tarifas de ônibus no Rio de Janeiro. Na
mesma data, o Projeto de Lei 499/2013 avançou nos trâmites legislativos e voltou a ser discutido no Senado.
A lei antiterror (como foi cunhada pela opinião pública) encarna essa lógica demagógica de criação de
leis penais, e sua má-redação – que tipiica de modo mais severo e de forma propositadamente abrangente
e abstrata condutas que já poderiam ser punidas pelo rol de delitos hoje existente no país – materializa um
sobressalto autoritário, não à toa o Projeto foi taxado por movimentos sociais e por muitos que a ele se opuseram
(e ainda se opõem) como “AI-5 da Copa”35.
Nesse sentido, Orlando Faccini Neto chamou atenção para o fato de que, embora a Constituição da
República, em seu art. 5º, inc. XLIII, tenha emanado verdadeira ordem de criminalização do terrorismo, aquele
não seria o momento adequado (tampouco a redação apropriada) para criar um tipo penal que exige uma ampla
e séria discussão a respeito dos intricados direitos constitucionais envolvidos.
Embora tal lei não tenha sido aprovada até a realização da Copa do Mundo, segue tramitando no
Congresso Nacional.
Outro exemplo clássico dos efeitos do “popularismo penal” no Brasil consubstancia-se na questão da
redução da maioridade penal. Basta que se noticie um crime violento envolvendo adolescente(s) para que se
reacenda o discurso midiático difusor de uma suposta necessidade de que adolescentes, a partir dos 16 anos,
passem a ser imputáveis penalmente. Estima-se que 10 em cada 09 brasileiros almejam a redução da maioridade
penal36, por acreditarem que este seria um modo eicaz de contenção da criminalidade entre adolescentes.
Por óbvio, os setores conservadores do Congresso Nacional, movidos por ins eleitoreiros, alinha-
ram-se com essa demanda social. Em 2011, formou-se a Frente Parlamentar pela Redução da Maioridade
Penal, coordenada pelos deputados Fernando Francischini e Abelardo Camarinha e composta por
213 deputados37.

34
A Lei originou-se do Projeto de Lei n. 2.793/11 apresentado à Câmara, em 29 de novembro de 2011, pelo Deputado Luiz Paulo Teixeira Ferreira.
35
Nesse sentido ver: <http://www.apublica.org/2012/02/pl-quer-punir-terroristas-grevistas-na-copa/>.
36
Relatório da Pesquisa CNT MDA nº 113 – junho de 2013 encontra-se disponível em: <http://www.cnt.org.br/Paginas/Pesquisas_Detalhes.aspx?p=8>.
Acesso em: 14 mar. 2014.
37
Número de deputados em 08 de setembro de 2014, conforme lista disponível no site: <http://www.camara.gov.br/internet/deputado/Frente_
Parlamentar/53397.asp>. Acesso em: 08 set. 2014.

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Entre as inúmeras Propostas de Emenda Constitucional apresentadas com o intento de reduzir a


maioridade penal, destaca-se a PEC nº 33/2012 de autoria do senador Aloysio Nunes Ferreira. Vale transcrever
a Justiicação à referida proposta:

[...] não se pode questionar o fato de que sob a proteção deste mesmo estatuto [ECA], menores infratores,
muitas das vezes patrocinados por maiores criminosos, praticam reiterada e acintosamente delitos que vão
desde pequenos furtos, até crimes como tráico de drogas e mesmo homicídios, coniantes na impunidade
que a Constituição e o ECA lhes conferem.
É o caso, por exemplo, de Genilson Torquato, de Jaguaretama, no Ceará, hoje já maior de idade e livre,
assassino confesso de 11 pessoas, dos 15 aos 18 anos. Ou do adolescente de Maringá, conhecido como o
“Cão de Zorba” que confessou ter matado 3 pessoas e teria encomendada a morte de mais 4.
Ou ainda de M.B.F., o ‘Dimenor’, ligado à facção criminosa paulista P.C.C., que aos 17 anos confessou a
morte de 6 pessoas a mando de traicantes, a primeira delas quando tinha apenas 12 anos de idade.
Muitos hão de lembrar-se do menino ‘Champinha’, que comandou o sequestro e morte de um casal de jovens
em São Paulo. Ressalte-se que este garoto já houvera sido assistido e recolhido por diversas instituições
especializadas na recuperação de menores infratores, antes de praticar tão odioso crime.
Mais recentemente, tivemos notícia do menor no Rio Grande do Sul, autor de 112 atos infracionais, no
momento de uma audiência tentou matar a promotora de um dos seus casos.
Compreendemos perfeitamente os riscos de se legislar em função de casos especíicos, dando um caráter
geral ao que poderia ser tratado de forma particular, especialmente em se tratando de reforma da nossa
ainda jovem Constituição. Também somos contra o que se convencionou chamar de ‘legislação penal de
urgência’, em que o legislativo se move motivado por tragédias ou crimes que chocam a comunidade, com
grande repercussão midiática.
Mas algo precisa ser feito em relação a determinados e especíicos casos, que infelizmente têm se proliferado
à sombra da impunidade e longe do alcance de nossas leis.”

Desperta curiosidade observar que, por um lado, os deputados airmam repudiar a aprovação de uma
“legislação penal de urgência”, cujo móvel consista em “tragédias ou crimes que chocam a comunidade, com
grande repercussão midiática”. Mas, por outro lado, amparam a justiicação da lei, precisamente, em casos
emblemáticos sob o ponto de vista da repercussão/reprovação midiática e social.
Recentemente, após manobra legislativa realizada pelo Presidente da Câmara Eduardo Cunha, foi
aprovada, na Câmara, proposta de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, nos casos de crimes
hediondos, inserta em emenda aglutinativa à PEC nº 171/199338.
Dessa maneira, os parlamentares espelham e alimentam o imaginário popular segundo o qual a redução
da maioridade penal seria uma forma direta de evitar que casos assemelhados aos descritos na justiicação
legislativa ocorressem. Sem dúvida, tal senso comum se deve em grande medida à (des)informação propagada
pelos grandes meios de comunicação.
Não é demais destacar que é compreensível e natural que as vítimas, seus familiares e amigos sejam
tomados pela indignação, sensação de injustiça e sintam-se compelidas a lutar por medidas que acreditam
ser aptas a prevenir ou impedir a reiteração de tais tragédias. Aliás, sob hipótese alguma, pretende-se exigir

38
A respeito ver: <http://www.revistaforum.com.br/blog/2015/07/entenda-o-golpe-de-cunha-na-votacao-da-reducao-da-maioridade-penal/>. Acesso
em: 10 jul. 2015.

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das vítimas e seus familiares que suportem passivamente e com resignação a ruptura, a descontinuidade, que
trazem consigo a morte de um ente querido ou uma grande violência sentida na pele.
O inadmissível é a atuação da mídia e de agentes públicos que fazem uso do sofrimento alheio para
manipular dados, forjar soluções penais mágicas e dissimular problemas sociais e de violência estrutural que
subjazem às práticas delitivas.

3 Os manifestos de Junho no Brasil e o processo midiático


de fabricação de inimigos
Os grandes meios de comunicação – além de estimular o enrijecimento das leis penais e a adoção de
medidas repressivas – disseminam campanhas publicitárias völkisch (ou popularescas), que, sob o ponto
de vista de Eugenio Raúl Zaffaroni, é uma técnica bastante antiga na produção de inimigos e consiste em
“alimentar e reforçar os piores preconceitos para estimular publicamente a identiicação do inimigo da vez”,39
funcionando da seguinte maneira:

Como a comunicação em massa alcançou o maior grau de globalização, o discurso do atual autoritarismo
norte-americano é o mais difundido no mundo. Seu simplismo popularesco (völkisch) é imitado em todo
o planeta por comunicadores ávidos de rating, embora tenha maior êxito na América Latina, dada a sua
precariedade institucional. A difusão mundial desse discurso é favorecida pela brevidade e pelo impacto
emocional do estilo vindicativo, que se encaixa perfeitamente na lógica discursiva da televisão, dado o alto
custo de operação e a escassa disposição dos espectadores a todo e qualquer esforço pensante40.

A reação da imprensa e dos políticos norte-americanos aos ataques terroristas de 11 de setembro de


2001 consiste em um clássico exemplo dessas campanhas publicitárias popularescas. Em nome do “combate
ao terrorismo e aos terroristas” o povo estadunidense – embalado por um discurso midiático de terror e medo
– abriu mão de liberdades individuais e coletivas e se manteve complacente frente à destruição de uma nação,
às violações aos direitos humanos e ao total desrespeito à soberania de outros países41.
Essa fábrica midiática de inimigos e emergências opera de modo a manipular a seletividade do sistema
penal . O inimigo é um constructo alinhado aos interesses das elites e do poder constituído, e os grandes meios
42

de comunicação trabalham para adequar a igura do criminoso (real ou ictício) a tais constructos – sempre
moldados a partir de rótulos e estereótipos que se prestam a indicar uma suposta natureza má e violenta. O
inimigo encarna o mal na sociedade: é ele o responsável por afastar “o cidadão de bem”43 de um ideal de
segurança pública e tranquilidade para usufruir de seus bens e propriedades.
No Brasil, os diversos manifestos desencadeados, desde o mês de Junho de 2013, a partir de protesto
organizado pelo Movimento Passe Livre (MPL), que pugnava a redução das tarifas de transporte público, deram
vazão a uma nova onda repressiva cujo alvo central seria o “vândalo”, “baderneiro”, “arruaceiro”, “mascarado”

39
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no Direito Penal. Tradução de Sérgio Lamarão. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p. 57.
40
Ibidem. p. 72.
41
Após a revelação e exposição, por Edward Snowden, dos esquemas de espionagem estadunidenses, promovidos pela Agência de Segurança Nacional
(NSA), as nações vão tomando conhecimento da amplitude desta caçada desenfreada por terroristas, que levou ao desrespeito absoluto da soberania
das nações e a incontáveis violações a direitos humanos e fundamentais, contidos nas Constituições e nos mais diversos tratados e convenções
internacionais.
42
BATISTA, Nilo, op. cit., p. 05.
43
Utiliza-se a expressão cidadão de bem a im de chamar atenção à separação maniqueísta realizada por setores da população entre os “cidadãos de
bem” e os “delinquentes” (que seriam naturalmente voltados à delinquência). Causa espanto o fato de que tal expressão – carregada de intolerância
e segregacionismo – foi, recentemente, agregada às propostas do Partido Militar Brasileiro (ainda em processo de validação da legenda) que defende
o porte de arma para o “cidadão de bem”. Ver em: <http://www.partidomilitar.com.br/wp-content/uploads/2012/11/PROGRAMA.pdf>. Acesso em:
14 set. 2014.

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Wojciechowski, P. B. A fábrica midiática de inimigos e o risco à democracia

ou “black bloc”44. Os meios de comunicação de massa promoveram uma guerra midiática ao vandalismo45,
que encarnou (e ainda encarna) um claro potencial antidemocrático e autoritário.
As manifestações que, inicialmente, concentraram-se em torno da questão da mobilidade urbana e
das tarifas de transporte público, logo foram menosprezadas pela mídia tradicional, que recriminava seus
participantes pela prática de “atos de vandalismo”. A headline do jornal Folha de São Paulo do dia 12 de
junho de 2013 (data posterior à realização do terceiro grande ato organizado pelo MPL) é bastante simbólica:
“Contra tarifa, manifestantes vandalizam centro e Paulista”46.
Todavia, no quarto ato contra o reajuste das passagens de ônibus (dia 13 de junho) jornalistas do próprio
jornal Folha de São Paulo foram alvos de repressão policial: dois repórteres foram atingidos no rosto por
disparos de bala de borracha. Esse fato foi suiciente para que o Jornal retratasse os fatos ocorridos a partir de
uma perspectiva inversa daquela anteriormente adotada47, legitimando os protestos e denunciando a violência
policial48, conforme ica evidente na seguinte headline: “Polícia reage com violência a protesto e SP vive
noite de caos”49 e neste trecho extraído do corpo da reportagem: “O quarto dia de protestos contra a alta da
tarifa de transporte em São Paulo foi marcado pela repressão violenta da Polícia Militar, que deixou feridos
manifestantes, jornalistas – sete deles da Folha – e pessoas que não tinham qualquer relação com os atos”50.
A violência policial sofrida por jornalistas e o consequente apoio dos meios de comunicação, que
passaram a criticar a brutalidade policial e ressaltar o aspecto democrático e legítimo das manifestações, foram
considerados os fatores catalisadores para os demais protestos que – organizados principalmente por meio dos
eventos criados nas redes sociais – reuniram milhares de pessoas51.
Os protestos que se espalharam pelo Brasil logo começaram a ocorrer em torno de pautas difusas
(reclamações contra a corrupção, por melhorias na educação, saúde pública, infraestrutura urbana) e
caracterizaram-se, em grande medida, por sua pluralidade (participação de movimentos sociais, partidos,
indivíduos apresentando-se enquanto indivíduos, etc.), horizontalidade, ausência de lideranças e pela prática
de ações espontâneas.
À medida que os protestos passaram a envolver, de maneira crescente, danos ao patrimônio público e
resistência à violência policial, a mídia voltou a cumprir o seu velho papel de legitimadora da repressão em
prol da garantia da “ordem e da paz” e da segurança pública, notadamente ao estabelecer divisões estanques

44
A título ilustrativo, faz-se menção à reportagem desenvolvida pela revista Época, que apresenta os “black blocs” como uma organização criminosa
altamente soisticada e revela o processo de modelamento midiático da igura do “inimigo”. Reportagem disponível em: <http://epoca.globo.com/
tempo/noticia/2013/11/bpor-dentro-da-mascarab-dos-black-blocs.html>. Acesso em: 14 mar. 2014.
45
Para se ter noção da exploração midiática exaustiva e histérica de expressões como “vandalismo”, “quebra-quebra”, “baderneiros”, “arruaceiros”,
“mascarados”, “baderna”, “depredações”, ver: <https://www.youtube.com/watch?v=04XYSEl2ln4>. Acesso em: 03 mar. 2014. Exemplo do uso
da expressão em jornais pode-se ver em: fac-símile do jornal Folha de São Paulo do dia 13 de junho de 2013 <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/
cp13062013.shtml>; fac-símile da capa do jornal Folha de São Paulo de 16 de outubro de 2013 <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cp16102013.
shtml>. A abordagem do lornal O Globo (dia 17 de outubro de 2013) sobre prisões de manifestantes ocorridas durante o protesto do dia 15 de outubro
– em apoio aos professores da rede pública de ensino – deixa claro o viés punitivista e vindicativo do jornal. A headline aclamava: “Lei mais dura
leva 70 vândalos para presídios”. Foto da capa disponível em: <http://marciokenobi.iles.wordpress.com/2013/10/globo.jpg>.
46
Fac-símile da capa disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cp12062013.shtml>. Acesso em: 07 set.2014.
47
Vale ressaltar que, no próprio dia 13 de junho (dia em que seus repórteres foram vítimas de violência policial), o jornal Folha de São Paulo exaltava
a repressão policial aos manifestos, conforme se extrai da headline “Governo de SP diz que será mais duro contra o vandalismo: Polícia acionará
Tropa de Choque em ato hoje, e Alckmin cobrará manifestantes por prejuízos”. Fac-símile da capa disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
fsp/cp13062013.shtml>. Acesso em: 10 set.2014.
48
Esse pequeno documentário, realizado pela TVFolha, acerca da repórter Giuliana Vallone, enfoca os abusos e a violência policial, e aborda os manifestos
como a expressão mais legítima da participação democrática. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=AOtENl4KS-g>. Acesso em: 10
set. 2014.
49
Fac-símile da capa disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cp14062013.shtml>. Acesso em: 30 maio.2014.
50
Reportagem completa disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/113957-novo-protesto-tem-reacao-violenta-da-pm.shtml>. Acesso
em: 10 set.2014.
51
A título exempliicativo: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/20/em-dia-de-maior-mobilizacao-protestos-levam-centenas-
de-milhares-as-ruas-no-brasil.htm>.

Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, v. 7, n. 1, p. 49-65, jan.-jun. 2015 62


Wojciechowski, P. B. A fábrica midiática de inimigos e o risco à democracia

entre: (i) manifestações legítimas e pacíicas (aquelas em que não se veriicam atos de desobediência ou de
resistência, danos a patrimônio público ou privados ou quaisquer outras práticas delitivas); e (ii) “atos de
vandalismo” – sequer considerados e noticiados como atos políticos ou de protesto – imputados aos “vândalos”,
“arruaceiros”, “baderneiros”, “black blocs”, “mascarados”, aos que escondem seus rostos.
Em meio à heterogeneidade dos manifestos e à multiplicidade de pessoas que estiveram nas ruas,
os grandes meios de comunicação encontraram o seu inimigo52 e, com ele, uma forma de homogeneizar,
deslegitimar e fomentar a criminalização dos manifestos: bastou jogar sob o guarda-chuva “vandalismo”,
“baderna” ou “quebra-quebra” qualquer ação que não fosse vista como aceitável para os padrões midiáticos
(desde pichações e danos a patrimônio público e privado, até a mera resistência a ações policiais abusivas).
Assim, iniciou-se uma caçada repressiva a esses grupos (alimentada pelos grandes meios de comunicação)
um quadro – que perdurou até as recentes manifestações contrárias à realização da Copa do Mundo no Brasil
– de ampla legitimação (midiática, social e política) de ações violentas e abusivas por parte dos órgãos
repressivos. Essas ações envolveram o uso em larga escala de gás lacrimogênio, bombas de efeito moral, spray
de pimenta e balas de borracha, prisões arbitrárias e “prisões para averiguação”, lagrantes forjados – com
implantação de provas –, revistas abusivas e violentas.
As prisões do servidor público Fábio Hideki Harano e do professor Rafael Lusvarghi, ocorridas, em
23 de junho de 2014, durante um protesto contra a Copa do Mundo, ilustram de forma bastante contundente
as ilegalidades praticadas pelos órgãos de segurança pública no afã de reprimir e conter “atos de vandalismo”.
Segundo a narrativa policial, ambos portavam coquetéis molotov. Tal versão foi refutada pelos laudos elaborados
pelo Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) da própria Polícia Militar e pelo Instituto de Criminalística,
ambos atestaram que os materiais apreendidos com os ativistas não representavam riscos, pois não possuíam
quaisquer substâncias explosivas em sua composição53.
Não obstante a inconsistência dos fatos inicialmente alegados pelos agentes policiais, Fábio Hideki Harano
foi denunciado pela prática dos crimes de incitação ao crime, associação criminosa armada, desobediência e
posse de artefato explosivo; e Rafael Marques Lusvargh foi denunciado pela prática dos crimes de incitação
ao crime, associação criminosa armada, resistência e posse de artefato explosivo54. A denúncia claramente
relete a sanha punitivista desencadeada pelo cerco midiático aos “vândalos”.
Assim, neste caso e em tantos outros (veriicados no contexto das manifestações ou fora dele), já
se veriicou o “prejulgamento” do crime pela sociedade55. Prejulgamento diretamente inluenciado pela
publicização tendenciosa e apressada do crime e seus detalhes.
Vislumbra-se portanto que, no contexto das manifestações, os meios de comunicação tradicionais
exerceram o papel habitual – cobraram maior rigor punitivo e mais medidas de criminalização – ao que o poder
político constituído respondeu com medidas inconstitucionais e com a legitimação da repressão e violência
articulados pelos órgãos de segurança pública.

52
Esse inimigo, antes das manifestações, era (e permanece sendo) bastante deinido – tinha cor, classe social e localização geográica. Se a classe
média, em vista das manifestações, entrou em contato com a violência policial, nas periferias essa violência bate às (ou arromba as) portas todos os
dias, literalmente. A repressão desmesurada que se viu nas ruas ocorreu porque, no contexto das manifestações, todos os que dela participaram (e não
apenas “mascarados” ou “vândalos”, como quis fazer crer a mídia de massas) foram transformados em suspeitos e, portanto, em inimigos. Importante
ressaltar que a criminalização dos movimentos sociais, no Brasil, não é fato novo.
53
Tais prisões culminaram, inclusive, na elaboração de manifesto por parte de diversos juristas, em repúdio às práticas repressivas e à criminalização
dos movimentos sociais ocorridas desde as jornadas de junho de 2013. O intitulado “Manifesto de Juristas contra a criminalização das lutas sociais”
encontra-se disponível em: <http://www.brasildefato.com.br/node/29208>. Acesso em: 10 set. 2014.
54
Consoante noticiado no site do Ministério Público de São Paulo: <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/noticias/noticia?id_noticia=12140451&id_
grupo=%20118&id_style=1>. Acesso em: 10 set. 2014.
55
FABRIS, Leonardo Prates; ROCHA, Álvaro Oxley. Sociedade, mídia e crime: a compreensão social dos transgressores. In: CONGRESSO
INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS CRIMINAIS, 4., 2013, Porto Alegre. Anais eletrônicos. Disponível em: <http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/
cienciascriminais/IV/35.pdf>. Acesso em: 10 set. 2014.

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Wojciechowski, P. B. A fábrica midiática de inimigos e o risco à democracia

Conclusão
Em defesa de uma agenda pautada em medidas penais recrudescentes, os grandes meios de comunicação
e seus “popularistas penais”, ultrajam frontalmente os valores democráticos sobre os quais se sustenta (ou
deveria sustentar) a nossa República.
Dessa forma, representam verdadeira força-antidemocrática, pois sabem – e ocultam e distorcem tal
conhecimento – que o Direito Penal, como única medida, não apresenta qualquer efeito pedagógico de respeito
à norma.
Mídia tradicional e elites econômicas e políticas atuam em conjunto a im de mascarar o fato de que o
fortalecimento de instituições democráticas, o empoderamento do indivíduo para a participação democrática
e o fortalecimento dos canais de diálogo e comunicação entre governo e população atuam de maneira mais
eiciente em relação à prevenção e contenção de conlitos sociais. De tal forma estes grupos sociais abastados
operam em favor da manutenção do status quo, da desigualdade social e da clientela do Direito Penal.
Ao mesmo tempo, o indivíduo – fascinado e convencido pelo discurso midiático, apoiado no senso
comum penal – luta por remédios repressivos, sem se preocupar com os efeitos do medicamento que toma:
analgesia-se com os efeitos imediatistas da lei penal mais severa, até o próximo crime.
Assim, ofusca-se a verdadeira violência: a estrutural. As câmeras não se voltam para o que deveria ser
enfocado, encobrem-se sob os panos pretos não só os corpos de vítimas de crimes violentos e estrategicamente
ilmados a im de estarrecer o espectador, gerando o duplo efeito desejado – audiência e medo –, mas a
responsabilidade social, a ausência das garantias e direitos, a ausência do Estado.
Alterar esse modelo bélico de segurança pública e buscar políticas alternativas de controle social, para
muito além de mudanças institucionais e políticas, exige, portanto, projetos de mudanças sociais profundas,
consoante foi delineado por Alessandro Baratta:

Ningún cambio democrático en la política del control social puede ser realizable si los sujetos de necesidades
y derechos humanos no logran passar de ser sujetos pasivos de um tratamiento institucional y burocrático,
a ser sujetos activos em la deinición de los conlitos de que forman parte y en la construcción de las
formas y de los instrumentos de intervención institucional y comunitária idóneos para resolverlos según
sus propias necesidades reales.
La articulación autónoma de la percepción y de la consciência de los conlitos, de las necesidades reales y
de los derechos humanos por parte de sus próprios portadores, em uma comunicación no condicionada por
el poder, y la ideia de la democracia y de la soberanía popular son los princípios-guía para la transformación
del Estado, no sólo hacia um modelo formal de Estado de derecho, sino también hacia el modelo sustancial
del Estado de los derechos humanos.56

Todavia, enquanto a sociedade não inicia esse processo ideal de ressigniicação do seu próprio papel na
composição dos conlitos sociais, demonstra-se urgente conter o “popularismo penal” e os avanços autoritários
instrumentalizados por meio de leis penais casuísticas e rigorosas.
Essa tarefa – que envolve a adoção de posturas críticas perante o discurso vindicativo da mídia tradicional
e a construção de um contra-discurso – não pode ser incumbência de alguns poucos penalistas, criminólogos,
sociólogos, mas deve ser assumida por todos aqueles comprometidos com o fortalecimento da democracia.

56
BARATTA, Alessandro. Principios de Derecho Penal Mínimo. In: BARATTA, Alessandro. Criminología y Sistema Penal (Compilacíon in memoriam).
Buenos Aires: Editorial B de F, 2004, p. 299-333.

Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, v. 7, n. 1, p. 49-65, jan.-jun. 2015 64


Wojciechowski, P. B. A fábrica midiática de inimigos e o risco à democracia

Conter esse punitivismo constitui, portanto, um desaio urgente imposto não só aos governantes, mas à
sociedade civil como um todo, e faz parte de um desaio maior (talvez ideal) de mudanças sociais profundas que
operem no sentido de promover uma reeducação democrática na percepção e solução de conlitos, a partir da
qual o diálogo e o debate serão precedentes – quando não substituírem – a criminalização e o encarceramento.

Referências
BARATTA, Alessandro. Principios de Derecho Penal Mínimo. In: BARATTA, Alessandro. Criminología y sistema penal (Compilacíon
in memoriam). Buenos Aires: Editorial B de F, 2004. p. 299-333.
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em: 12 ago. 2015.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no Direito Penal. Tradução de Sérgio Lamarão. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007.

Recebido em: 15/09/2014


Aceito em: 15/07/2015

Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, v. 7, n. 1, p. 49-65, jan.-jun. 2015 65


Filtragem racial:
Artigos

a cor na seleção do suspeito


Geová da Silva Barros

Geová da Silva Barros é licenciado em História, especialista em Políticas Públicas de Segurança, especialista em formação de
educadores, mestre em Ciência Política, é oicial da Polícia Militar de Pernambuco, atualmente exercendo a função de chefe
da Divisão de Ensino do campus de Ensino Metropolitano I da Academia Integrada de Defesa Social.
geobarros@globo.com

Resumo
Compondo estudo detalhado sobre discriminação racial na abordagem policial, este artigo tem por objetivo veriicar em
que medida a cor da pele constitui fator de suspeição, bem como identiicar se os policiais têm a percepção da prática
do racismo institucional. Para tanto, foi montado um banco de dados a partir da aplicação de questionários e da análise
de boletins de ocorrências de sete unidades da Polícia Militar de Pernambuco. Como resultado, veriicou-se que 65,05%
dos proissionais percebem que os pretos e pardos são priorizados nas abordagens, o que corrobora as percepções dos
alunos do Curso de Formação de Oiciais e do Curso de Formação de Soldados, com 76,9% e 74%, respectivamente.

Palavras-Chave
Racismo institucional. Racismo. Discriminação racial.

Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 2 Edição 3 Jul/Ago 2008


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Artigos
A violência nem sempre é percebida;
muitas vezes está mascarada por rotinas
e práticas assimiladas pela cultura, sem a devida
cepção de que não há conflitos nas relações ra-
ciais no Brasil, todos “sabem que existe precon-
ceito e discriminação racial”. Em conseqüên-
reflexão. A visibilidade da violência é “o grau de cia, evita-se falar em racismo por medo de que-
transparência com que uma sociedade torna mais brar regras de convivência social estabelecidas.

Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito


Geová da Silva Barros
ou menos visíveis suas violências” (CIIIP1, 2002, Com efeito, o conflito continua a existir em
p. 26). Entretanto, não significa dizer que a sim- sua forma velada.
ples visualização da violência implique o restabe-
lecimento imediato da paz, porém, “a possibili- Criou-se, no Brasil, uma idéia de que não
dade de uma sociedade construir um processo de havia uma linha racial demarcatória que li-
paz efetivo é maior na medida em que consiga mitasse a realização dos sonhos de ascensão
determinar o caráter violento, até então abafado, profissional e social, bem como que moldasse
de determinadas instituições e práticas sociais” comportamentos, marcadamente, sem precon-
(CIIIP, 2002, p. 27). ceitos e discriminações (GUIMARÃES, 2002,
p. 139). Assim, mutatis mutandis, tornou-se
O preconceito racial, sem dúvida, constitui lugar comum pensar que o preconceito que os
uma violência que, muitas vezes, não apresenta pretos e pardos sofrem é devido muito mais à
a visibilidade necessária para ser identificada. classe do que à raça.
No Brasil, o preconceito assume a natureza de
preconceito de marca, contrapondo-se ao pre- O racismo sofre adaptações, muda de estra-
conceito de origem. Este último é caracteriza- tégia, conforme as circunstâncias, dando a en-
do pela forma contundente como se apresenta, tender que está ultrapassado e moribundo. En-
havendo uma explícita política segregacionista, tretanto, continua tão vivo quanto antes e muito
sem flexibilidades, enquanto o primeiro se ma- mais perigoso, pois essa aparente invisibilidade
nifesta “em relação à aparência, isto é, quando permite que se instalem e produzam seus efeitos
toma por pretexto para os seus julgamentos sem serem percebidos. Esse racismo mimético,
não seria melhor, os traços físicos do indiví- que se confunde com o meio, assumindo discur-
duo, a fisionomia, os gestos, o sotaque”, ha- sos politicamente corretos, que caminha ombro a
vendo mesmo uma tendência de flexibilizá-lo e ombro com suas vítimas, deve ser erradicado das
dissimulá-lo (NOGUEIRA, 1979, p. 79 ). práticas institucionais.

Para Hasenbalg (1996, p.244), apesar de o Entre os policiais, quando se provoca um


mito da democracia racial dar sustentação à con- diálogo sobre o perfil do suspeito policial, en-

Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 2 Edição 3 Jul/Ago 2008


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trementes surgem palavras tais como “favela” e Semanticamente, verifica-se que abordar,
“vestimenta”, entre outras que, no contexto, dão entre outros, significa achegar-se, aproximar-
Artigos

a entender que o preconceito de classe predo- se, atingir, versar. Em termos policiais, o ato
mina em detrimento do preconceito racial. Este de abordar é o primeiro contato do policial
artigo tem por objetivo identificar, na prática com o público. Tanto os atos de orientar ou
policial, a existência do componente racial na esclarecer, quanto os de corrigir, prender ou
seleção do indivíduo a ser abordado. Além de investigar são formas de abordagem. Para
comprovar a prática da filtragem racial, procura efeito deste estudo, abordagem será enten-
também aferir a percepção dos policiais quanto dida como a maneira pela qual um policial
ao racismo institucional. identifica, corrige, prende ou investiga um
suspeito de vir a cometer ou ter cometido um
Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito
Geová da Silva Barros

Para tanto, foi aplicado questionário para crime ou infração.


78 alunos do Curso de Formação de Oficiais
(CFO) e 376 do Curso de Formação de Solda- Se não houver solicitação para intervir, um
dos (CFSD), a fim de se aferir a percepção do policial militar fará a busca pessoal em indiví-
racismo institucional dos futuros profissionais da duos quando tiver uma suspeita fundada para
Polícia Militar. Ademais, entre os já profissionais, assim proceder. O artigo 244 do Código de
469 responderam ao questionário e foram rea- Processo Penal prescreve que: “A busca pessoal
lizadas 24 entrevistas, havendo assim condições independerá de mandado, no caso de prisão ou
de se estabelecer um paralelo entre as percepções quando houver fundada suspeita de que a pes-
dos policiais experientes e os que ainda estão nas soa esteja de posse de arma proibida ou objetos
escolas de formação. Além disso, a partir dos Bo- ou papéis que constituam corpo de delito, ou
letins de Ocorrências (BOs) de sete unidades da quando a medida for determinada no curso de
Polícia Militar2, foi montado um banco de dados busca domiciliar” (grifo nosso). Ora, excetuan-
com 1.538 registros de pessoas que foram consi- do-se os casos de cumprimento de mandado e
deradas suspeitas ou imputadas em ocorrências de prisão, a busca pessoal será seletiva baseada
policiais, em 2004. na suspeita fundada.

A abordagem policial Filtragem racial e racismo institucional


No momento em que diversos segmentos Segundo Amar (2005, p. 236), o termo
sociais exigem uma prática policial mais de- filtragem racial (racial profiling) é emprega-
mocrática, em que haja o reconhecimento e do hoje nos Estados Unidos para descrever as
a proteção dos direitos humanos, aferir se os “práticas racialmente tendenciosas de identi-
policiais militares, em suas abordagens, re- ficação de suspeitos usados em específico no
produzem o preconceito racial constitui fator contexto dos motoristas que são parados nas
de relevância no processo de depuração dessa rodovias”. Kenneth Meeks (apud AMAR,
prática. A abordagem é a ação mais simples da 2005, p. 236) o define como “a tática de
prática policial. mandar alguém parar só por causa da cor da

Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 2 Edição 3 Jul/Ago 2008


136
pele e uma vaga suspeita de que a pessoa esteja com que as instituições fiquem isentas de res-
tendo um comportamento delitivo”. Assim, o ponsabilidades quanto à acusação de empreen-

Artigos
principal fator motivacional da ação policial é der filtragem racial na identificação do suspei-
a cor da pele. to (AMAR, 2005, p. 242).

Entretanto, essa filtragem racial não é ex- Amar (2005, p. 234) considera racismo ins-
plicitamente declarada, como mostra Amar titucional “quando uma organização ou estru-
(2005, p. 242): tura social cria um fato social racial hierárquico
[...] nos Estados Unidos, as normas profis- – um estigma visível, identidades incorporadas
sionais modernizadoras tendem a incenti- e geografias sociais”. É engano pensar que um
var os policiais a criarem perfis de suspei- ato, para ser considerado racista, tenha que ter

Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito


Geová da Silva Barros
tos de determinados crimes ou de tipos ocorrido de forma intencional. Howard Wi-
que se acredita que cometam crimes es- nant (apud AMAR, 2005, p. 234), ao explicar
pecíficos. Tais perfis incluem marcadores a perpetuação do racismo mesmo sem haver
visuais e comportamentais que designam intencionalidade, discorre que:
um indivíduo como tendo uma probabili- [...] gostaríamos de pensar que hoje já
dade de ser ligado a um grupo cultural ou superamos a idéia ingênua de que, para
social criminogênico (produtor de crime). desenvolver práticas racistas, é preciso
Essa ligação criminogênica é encarada ter intenção de tratar as pessoas de forma
como uma espécie etnicidade visível, não diferente conforme sua identidade racial;
explicitamente raça, mas como constructo mas é claro que este ainda é o “senso co-
cultural que opera como um mix de este- mum” racial, especialmente nos EUA. As-
reótipos subnacionais, de classe, sexuais, sim, para ter-se uma compreensão séria
de gênero e de cultura jovem. Essas tipifi- do racismo, é preciso entender que são
cações estão identificadas com cultura de as práticas em si que contam. O racismo
pobreza, normas étnicas e, cada vez mais, tem de ser entendido em termos de suas
no sentido mais técnico, com “fatores de conseqüências, não como uma questão de
risco”. Através da filtragem, a racialização intenção ou crenças.
é reproduzida, mesmo se negada e deslo-
cada, reenquadrada como “mera” forma- Nesse sentido, apoiar-se na falta de inten-
ção subcultural de comportamento, como cionalidade de uma prática racista como jus-
uma perigosa etnicidade, como um regis- tificativa para desqualificá-la como tal não é
tro científico de traços criminogênicos, mais pertinente, pois o racismo deve ser con-
tudo quantificado e catalogado como “fa- siderado em virtude das conseqüências nega-
tores de risco”. tivas da ação. Assim, mesmo que os atores de
uma instituição não sejam racistas ou que não
Essa ênfase no perfil formado por “fatores tenham intenções de cometer práticas racis-
de risco”, ao mesmo tempo em que dá uma tas, a conseqüência das ações é o que contará
aparência técnica e neutra à ação policial, faz na caracterização.

Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 2 Edição 3 Jul/Ago 2008


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Sampaio (2003), em Racismo institucional: rodoviária os fazia parar no estado de Nova
desenvolvimento social e políticas públicas de caráter Jersey” (AMAR, 2005, p. 256). Entre outras
Artigos

afirmativo no Brasil, analisa o conceito de racismo questões, constava na metodologia um “cen-


institucional, ora trabalhado por instituições in- so populacional da rodovia”, a fim de aferir a
glesas, em especial a Comissão para a Igualdade “composição racial do público que trafegava
Racial (Comissão for Racial Equality-CRE), sen- por ali”. Essa pesquisa comprovou a existên-
do definido como: cia da “filtragem racial”. No Rio de Janeiro,
O fracasso coletivo de uma organização Ramos e Musumeci (2005, p. 210) procura-
para prover um serviço apropriado e pro- ram verificar a existência da filtragem racial
fissional para as pessoas por causa de sua a partir dos dados dos 2.250 questionários
cor, cultura ou origem étnica. Ele pode ser aplicados entre a população. Analisando as
Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito
Geová da Silva Barros

visto ou detectado em processos, atitudes respostas dos respondentes que possuíam


e comportamentos que totalizam em dis- carro e que já foram parados pela polícia, ve-
criminação por preconceito involuntário, rificaram que havia “uma sub-representação
ignorância, negligência e estereotipagem de negros parados nas blitze”.
racista, que causa desvantagem a pessoas de
minoria étnica. Em Pernambuco – como não há dados so-
bre número de condutores, por cor da pele,
O autor destaca que essa definição con- que trafegam nas principais rodovias estadu-
tribui para que haja uma maior “identifica- ais –, para verificar se havia “filtragem racial”
ção da institucionalização do racismo”, em na seleção dos condutores que são abordados,
virtude de incluir elementos que facilitam foi realizada uma pesquisa, entre março e
essa identificação, tais como: falha coletiva, agosto de 2005, com 469 policiais militares,
organização, serviços apropriados e proces- em sua maioria com mais de dez anos de ser-
sos (SAMPAIO, 2003, p.79). Depreende-se viço operacional. Na pesquisa, foi selecionada
que uma maior visibilidade permite o avan- uma amostra aleatória, com base em um nível
ço das discussões “sobre a institucionalização de significância de 95% e um erro de 4,52%,
de práticas racistas”, ensejando a formulação composta por 469 policiais militares, de um
de políticas públicas que permitam corrigir total de 16.520 que pertenciam à Polícia Mi-
práticas incompatíveis com o Estado Demo- litar de Pernambuco, na época. Os profissio-
crático de Direito. nais, que são de diversas regiões do estado,
responderam voluntariamente às perguntas:
“o que para você é mais suspeito?” “Tendo
A identiicação do suspeito pela cor que fazer uma triagem dos veículos a serem
Nos Estados Unidos, já nos anos 1990, o abordados, se você estivesse trabalhando no
Dr. John Lamberth, entre outros, desenvol- bloqueio, qual a sua prioridade de suspeição
veu um método estatístico que permitiu pre- para se fazer a triagem para realizar a aborda-
cisar “se a raça do motorista [...] estava rela- gem?” “O que para você é menos suspeito?”
cionada com a freqüência com que a polícia (Tabelas 1, 2 e 3).

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138
Tabela 1
Distribuição dos policiais militares, segundo percepcão do que

Artigos
é mais suspeito em condutores de veículos
Região Metropolitana do Recife – 2005

O mais suspeito Números absolutos %


Branco dirigindo carro de luxo 12 2,6
Preto dirigindo carro de luxo 99 21,7
Branco dirigindo carro popular 18 3,9
Preto dirigindo carro popular 17 3,7
Branco dirigindo carro popular velho 9 2,0
Preto dirigindo carro popular velho 12 2,6
Independe 259 56,7

Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito


Geová da Silva Barros
Outro 31 6,8
Total 457 100,0

Fonte: Barros (2006, p. 100)


Nota: Doze não responderam.

A Tabela 1 revela que, com exceção da op- constitui o “filtro” principal de suspeição. Os
ção “independe”, os profissionais consideram dados da Tabela 2 mostram que, excetuan-
que a situação mais suspeita entre pessoas pre- do-se a opção “independe”, na abordagem
tas e brancas, quando na direção de um veícu- de condutores tanto de carro de luxo como
lo, é a preta dirigindo um carro de luxo. Nes- popular, os profissionais tendem a priorizar
se aspecto, não havendo qualquer referência primeiro os pretos, depois os pardos e, por
a outras variáveis, pode-se deduzir que a cor último, os brancos.

Tabela 2
Distribuição dos policiais militares, segundo prioridade para
parar um veículo
Região Metropolitana do Recife – 2005

Prioridade Números absolutos


Carro de luxo dirigido por branco 19
Carro de luxo dirigido por preto 77
Carro de luxo dirigido por pardo 11
Carro popular dirigido por branco 17
Carro popular dirigido por preto 33
Carro popular dirigido por pardo 28
Independe 145
Outra 21

Fonte: Barros (2006, p. 100)

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139
Tabela 3
Distribuição dos policiais militares, segundo
Artigos

percepção do que é menos suspeito em condutores


de veículos
Região Metropolitana do Recife – 2005

O menos suspeito Números absolutos %


Branco dirigindo carro de luxo 78 17,3
Preto dirigindo carro de luxo 24 5,3
Branco dirigindo carro popular 21 4,7
Preto dirigindo carro popular 8 1,8
Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito
Geová da Silva Barros

Branco dirigindo carro popular velho 30 6,7


Preto dirigindo carro popular velho 20 4,4
Independe 239 53,1
Outro 30 6,7
Total 450 100,0

Fonte: Barros (2006, p. 101)


Nota: Dezenove não responderam.

Os resultados da Tabela 3 confirmam o eles (ocupantes) saíssem do carro; en-


que já havia sido identificado. Para os pro- quanto no segundo todos saíram.” (Alu-
fissionais, o menos suspeito é uma pessoa no de cor preta)
branca dirigindo um carro de luxo. Alunos
do CFSD, quando questionados se já pre- A Tabela 4 espelha as respostas das três
senciaram policiais agindo de forma discri- categorias (policiais e alunos do CFO e
minatória, descreveram também situações CFSD), no caso hipotético em que um trio
que identificam a filtragem racial em blitz de policiais é informado pela CIODS sobre a
de trânsito: existência de uma pessoa suspeita em deter-
“Fui abordado, mandaram que eu dei- minada rua e, ao chegar na rua, o trio avista
tasse no chão, tendo outro tratamento o dois homens em deslocamento, trajados de
motorista do carro que foi abordado em forma semelhante, em lados opostos da rua,
seguida.” (Aluno de cor preta) sendo um branco e outro preto, devendo
“Íamos dar aulas de Educação Física, fo- o trio escolher o primeiro a ser abordado.
mos abordados, porém os policiais inter- Na situação “A”, o respondente apenas está
rogaram mais meu amigo por ser negro, observando o trio de policiais trabalhar, de-
estávamos em seu carro.” (Aluno de cor vendo responder qual seria a tendência desse
branca) trio. Na situação “B”, o respondente é parte
“Os policiais abordaram um Vectra e um integrante do trio, tendo que responder qual
Fusca. Liberando o primeiro, sem que seria a sua tendência.

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140
Tabela 4
Distribuição dos policiais militares e alunos do CFO e CFSD,

Artigos
segundo opinião a respeito de quem o trio de policiais abordaria
primeiro, em uma situação de suspeição de um homem branco e
outro preto
Região Metropolitana do Recife – 2005 Em porcentagem

Quem primeiro
Policiais militares Alunos CFO Alunos CFSD
será abordado?
A B A B A B
Branco depois preto 8,3 11,0 0,0 5,2 3,9 11,9
Preto depois branco 51,3 28,0 83,1 27,3 67,9 26,4

Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito


Geová da Silva Barros
Nenhum 7,2 9,7 1,3 2,6 5,0 6,9
Outra 32,1 51,3 15,6 64,9 23,2 54,7
Total (1) 100,0 (2) 100,0 (3) 100,0 (4) 100,0 (5) 100,0 (6) 100,0

(1) Treze não responderam.


(2) Quinze não responderam.
(3) Um não respondeu.
(4) Um não respondeu.
(5) Dezoito não responderam.
(6) Dezesseis não responderam. Fonte: Barros (2006, p. 102)
Nota: Na situação “A”, o respondente está apenas observando o trio de policiais
trabalhar. Na situação “B”, o respondente é parte integrante do trio.

Conforme mostra a Tabela 4, entre os alu- que se pode fazer desse fenômeno é que é mais
nos do CFO, na situação “A”, ninguém res- fácil reconhecer o preconceito nos outros do
pondeu que o trio tenderia a abordar primei- que em si mesmo, confirmando o “preconcei-
ro o branco. Nas três categorias, na situação to de ter preconceito”, de Florestan Fernandes
“A”, verifica-se que as proporções referentes a (SCHWARCZ, 2001, p.34).
abordar primeiro o preto e depois o branco são
bem superiores àquelas para a categoria outra. Também chama a atenção, na Tabela 4,
Entretanto, na situação “B”, o resultado se in- a semelhança entre os percentuais na situa-
verte, com a variável outra assumindo os maio- ção “B” das três categorias, na opção aborda-
res valores: neste caso, os policiais geralmente ria primeiro o preto depois o branco: 28,0%
responderam que abordariam o mais próximo; para policiais; 27,3% para alunos do CFO; e
abordariam a ambos de forma simultânea, ou 26,4% para os do CFSD. A proximidade en-
abordariam o que apresentasse uma atitude tre os percentuais dos profissionais, muitas ve-
mais suspeita, não havendo qualquer motiva- zes com mais de 15 anos de atividade, e dos
ção racial. Ora, o que é alternativa para si mes- alunos, em especial os do CFSD com menos
mo, não o é para os demais. Assim, a leitura de três meses de curso, permite inferir que os

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141
policiais militares reproduzem o preconceito identificar o componente racial que motivou
racial que já trouxeram quando ingressaram na a abordagem:
Artigos

Polícia Militar. “Em uma festa, fui o único do meu grupo a


ser revistado, acho que por ser negro.”
Entre os entrevistados, prevaleceu a percep- “Estava indo para o campo com a camisa
ção de que a tendência do trio era a de abordar do Sport, fui revistado por completo de
primeiro o preto, confirmando o que foi visto maneira bruta.” (Aluno de cor preta)
na pesquisa quantitativa: “Abordaram um oficial do Exército, que es-
“[...] por instinto, iria coincidir com o má- tava à paisana, e o trataram mal, presumo
ximo racismo, é lógico.” (Sargento PM) que por ele ser negro. Mas a casa caiu para
“O cara vai logo ao negro, sempre foi as- os policiais.” (Aluno de cor parda)
Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito
Geová da Silva Barros

sim, sempre vai ser assim.” (Soldado PM)


“De imediato o preto, digo sem medo de Outra situação que pode dar indícios da
errar.” (Soldado PM) filtragem racial é o próprio registro da iniciati-
“O negro, com certeza.” (Capitão PM) va de emprego da guarnição policial. Normal-
mente as guarnições são empregadas por inicia-
Por outro lado, quando questionados sobre tiva própria, quando acionadas pelo CIODS,3
qual seria a sua tendência caso fizesse parte do ou quando solicitadas pela população. Assim,
trio, houve uma alternância entre abordar o para aferir se há filtragem racial em determi-
mais próximo, abordar os dois ou o que apre- nado espaço geográfico, deve-se: primeiro, tra-
sentasse atitude mais suspeita, confirmando balhar com a situação em que a guarnição é
também os dados quantitativos. Apesar disso, empregada por iniciativa própria; segundo, ter
quatro policiais indicaram que tenderiam a os registros dos BOs produzidos por iniciativa
priorizar abordar o negro: própria; terceiro, ter os dados populacionais da
“Abordaria os dois [...] caso não fosse possí- área ou região trabalhada. Dessa forma, é pos-
vel, a tendência seria abordar o negro, por sível verificar se há sub-representação ou sobre-
uma questão cultural.” (Capitão PM) representação de segmentos da população na
“Em primeiro lugar abordaria o negro.” abordagem policial.
(Capitão PM)
“Talvez o negro, inconscientemente.” (Te- Nessa perspectiva, para efeito de identificar
nente PM) se há indícios de discriminação racial na sele-
“No início da minha carreira, eu iria pela ção de quem será abordado, serão considerados
ação mecânica. Hoje, eu pondero mais apenas os registros das ocorrências oriundas da
[...]” (Sargento PM) iniciativa da guarnição de serviço, haja vista a
necessidade de reduzir as motivações exteriores
A experiência de ser selecionado para o quanto possível. Nesse sentido, as principais
uma abordagem, em virtude da cor da pele, naturezas dessas ocorrências foram suspeição,
foi vivenciada, inclusive, por alguns alunos roubo a transeunte, porte ilegal de armas, trá-
do CFSD. Em seus relatos, eles demonstram fico de drogas e roubo a veículo.

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142
Em Olinda, das 167 pessoas registradas em Em Paulista, outro município da Região
BOs, entre janeiro e dezembro de 2004, 58 fo- Metropolitana do Recife, das 83 pessoas regis-

Artigos
ram abordadas a partir da iniciativa dos compo- tradas em BOs, 28 foram abordadas a partir
nentes da guarnição. Desses,4 27 eram pardos, da iniciativa dos componentes da guarnição.
correspondendo a 65,8%; três eram brancos Desses,5 doze eram pardos, correspondendo
(7,3%); e onze eram pretos (26,8%). De acor- a 48,0%, nove eram brancos (36,0%) e qua-
do com o Censo Demográfico 2000 (IBGE), tro eram pretos (16,0%). Segundo o Censo
os brancos respondiam por 41,12% da popula- Demográfico 2000 (IBGE), os brancos repre-
ção total do município, os pardos por 51,68% sentavam 42,4% da população total do muni-
e os pretos por 5,4%. Dessa forma, verifica-se cípio, os pardos respondiam por 51,6% e os
que os brancos estão sub-representados na ini- pretos por 4,4%. Dessa forma, observa-se que

Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito


Geová da Silva Barros
ciativa da guarnição em abordar, enquanto os os brancos e pardos estão sub-representados,
pretos e os pardos estão sobre-representados, enquanto os pretos estão sobre-representados,
como se verifica na Tabela 5: como se verifica na Tabela 6:

Tabela 5
População e pessoas abordadas por iniciativa própria da
guarnição policial em serviço, segundo cor
Município de Olinda – 2000-2004

População – 2000 Abordagem – 2004


Cor
Números absolutos % Número absolutos %
Branca 151.276 41,12 3 7,3
Parda 190.131 51,68 27 65,8
Preta 19.980 5,43 11 26,8

Fonte: IBGE. Censo Demográico 2000; Barros (2006, p. 105)

Tabela 6
População e pessoas abordadas por iniciativa própria da
guarnição policial em serviço, segundo cor
Município de Paulista – 2000-2004

População – 2000 Abordagem – 2004


Cor
Números absolutos % Número absolutos %
Branca 111.209 42,41 9 36,0
Parda 135.497 51,67 12 48,0
Preta 11.517 4,39 4 16,0

Fonte: IBGE. Censo Demográico 2000; Barros (2006, p. 106)

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143
No Recife, das 938 pessoas registradas em cos escolhidos, geralmente eram as pesso-
BOs, 378 foram abordadas a partir da iniciati- as negras [...]” (Tenente PM)
Artigos

va dos componentes da guarnição. Desses6, 175 “Já me deparei com algumas situações
eram pardos, correspondendo a 58,3%; 55 eram que posteriormente me arrependi.”
brancos (18,4%); e, 70 eram negros (23,3%). (Capitão PM)
De acordo com o Censo Demográfico 2000 “Já aconteceu comigo e não acredito
(IBGE), os brancos respondiam por 45,76% que esteja isento de não acontecer de
da população total do município, os pardos por novo, pois no dia-a-dia, nessa ques-
47,86% e os negros por 5,36%. Assim, verifica- tão de abordar, fazer uma triagem para
se que os brancos estão sub-representados; e os abordar, a tendência é falhar nisso aí.”
pretos e os pardos, sobre-representados: (Soldado PM)
Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito
Geová da Silva Barros

Tabela 7
População e pessoas abordadas por iniciativa própria da
guarnição policial em serviço, segundo cor
Município do Recife – 2000-2004

População – 2000 Abordagem – 2004


Cor
Números absolutos % Número absolutos %
Branca 651.161 45,76 55 18,4
Parda 681.065 47,86 175 58,3
Preta 76.222 5,36 70 23,3

Fonte: IBGE. Censo Demográico 2000; Barros (2006, p. 107)

Durante as entrevistas, foi percebido o ru- Sob a perspectiva de trabalhar diversos mo-
bor facial dos que relataram que já abordaram mentos da abordagem, seja nos processos de
tendo como filtro a cor da pele. Esse constran- policiamento a pé ou motorizado, seja a pesso-
gimento sinaliza que havia um entendimento as ou a veículos, alguns alunos do CFSD relata-
das implicações e desdobramentos da aborda- ram suas experiências em abordagens, quando
gem realizada: estavam em coletivos. Os relatos confirmaram
“Lamentavelmente, com franqueza, eu te- que os policiais geralmente utilizaram a filtra-
nho que dizer que sim [...] talvez por in- gem racial na seleção dos suspeitos:
fluência [...] talvez por ser uma forma da “O negro que estava ao meu lado foi revis-
gente se livrar de um problema [...] isto já tado e eu, não.” (Aluno de cor branca)
aconteceu.” (Major PM) “Eu, não. Mas já presenciei casos em que os
“Numa abordagem a coletivos mesmo, a policiais, nos ônibus, só revistaram as pes-
gente escolheu alguns, sendo que os pou- soas negras.” (Aluno de cor preta)

Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 2 Edição 3 Jul/Ago 2008


144
Por outro lado, constatou-se que alguns po- “Com certeza, primeiro a patrulha vai abor-
liciais procuraram atribuir suas ações ao fortuito dar o negro [...] apesar que muitos bran-

Artigos
ou mesmo à ação mecânica, tentando assim ate- cos não são dignos de honrar a roupa que
nuar a culpa do cometimento da discriminação: veste e o negro, sim.” (Soldado PM)
“Já, infelizmente. A gente sempre no dia-a- “[...] tenho um soldado que está comigo
dia, infelizmente, acontece esse imprevis- amanhã, um pretinho, um negrinho, mas é
to.” (Soldado PM) um negro da alma branca.” (Cabo PM)
“[...] a questão do preconceito dentro da
polícia não existe de fato, de forma forte,
o que existe é uma ação mecânica [...] às A percepção do racismo institucional na
vezes até a minha própria ação de aborda- comunidade policial

Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito


Geová da Silva Barros
gem é uma ação mecânica [...] de uns anos Normalmente, os policiais apresentam di-
para cá, eu tenho tentado [...] talvez não re- ficuldades em discutir sobre preconceito ou
verter, mas talvez dar uma eliminada nessa discriminação racial, por ser ainda um tabu,
questão de, toda vez, tem um grupo lá, um um lugar proibido. Apesar disso, durante as
ou dois de cor e o restante branco, eu vou entrevistas, a maioria dos policiais relatou que
logo no de cor, estou tentando reverter há uma seleção de prioridade nas abordagens
isso.” (Sargento PM) em virtude da cor:
“[...] mas a própria tropa quando está com “Normalmente, numa abordagem, se abor-
a gente, em situação de abordagem, ela (a da primeiro os pretos.” (Soldado PM)
tropa) vai na frente e vai abordar sempre “Os negros são mais olhados diferente-
aqueles que são negros, a tropa vai fazer mente pela polícia.” (Sargento PM)
isso, é automático.” (Tenente PM) “[...] até, às vezes, pela aparência, no caso,
a cor negra, muita gente vai por uma ques-
Para Howard Winant (apud AMAR, tão do cabra ser negro.” (Cabo PM)
2005, p. 234), o racismo não é considerado “Com certeza, existe realmente essa discri-
apenas quando há intencionalidade na sua minação no ato da abordagem. Numa sim-
prática, mas também pelos resultados negati- ples abordagem você vai discriminar, não
vos advindos. Assim, mesmo alegando “ação sei o porquê, mas a preferência da aborda-
mecânica” ou “imprevisto”, o racismo não gem é, com certeza, a pessoa de cor, o ne-
deixou de estar presente. Por outro lado, às gro.” (Tenente PM)
vezes, ao tentar ser politicamente correto, não “Tenho 10 anos de Corporação e nenhum
assumindo discriminar em virtude da cor da oficial hoje que tem esse tempo [...] pode-
pele, o policial deixava transparecer, em seu ria dizer que nunca presenciou, acho que
discurso, a carga preconceituosa que carrega- todos poderiam dizer que já presencia-
va, caindo assim em contradição: ram.” (Tenente PM)
“[...] muitos negros, às vezes, têm o espí-
rito e a alma brancas, que muitos brancos Essa preferência por pretos e pardos na
não têm.” (Cabo PM) abordagem parece confirmar a tradição racis-

Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 2 Edição 3 Jul/Ago 2008


145
ta atribuída ao aparato policial por Mariano Quando questionados se já presenciaram
(2004, p.20), bem como tende a sustentar a ou já travaram algum diálogo sobre a preferên-
Artigos

continuidade da vigilância sobre pretos e par- cia por negros na abordagem, normalmente
dos. Segundo Sampaio (2003, p. 82), na defi- os policiais relataram que nunca ouviram esse
nição de racismo institucional, ora hegemônica tipo de diálogo, entretanto já haviam presen-
na Inglaterra, perpassa a idéia de que seja uma ciado brincadeiras que envolviam a cor negra:
prática coletiva, em vez de ações esporádicas “A brincadeira surge normalmente [...] a
ou isoladas. No depoimento do policial que brincadeira surge. Ninguém nunca conver-
mencionou que “todos poderiam dizer que já sou comigo a respeito dessa situação, mas
presenciaram” fica explícita a banalidade dessas que brinca, brinca.” (Soldado PM)
ações. Por sua vez, essa normalidade sinaliza “[...] acho que uma vez ou duas já escutei.
Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito
Geová da Silva Barros

que tais práticas foram incorporadas à cultura Uma forma até, nessas duas vezes, em tom
policial, ou seja, fazem parte dos “traços com- de brincadeira.” (Sargento PM)
partilhados por todos” (MONJARDET, 2003, “[...] quando colocamos o preto, somos
p.163). Entretanto, houve casos em que os viúvo ou somos Zorro, porque é o que
entrevistados negaram agir com discriminação dizem. Olha lá! Vem ali o Zorro. Não, ra-
racial, mas confirmaram a existência da prefe- paz. Ele está viúvo. Uma gozação, não é?”
rência em abordar o negro:7 (Cabo PM)
“Quando estou pela cidade e estou à pai- “Já ouvi comentários pejorativos [...]
sana, a gente vê, qualquer abordagem, não é aquele neguinho com cabelo rastafari.
pode passar um negro e a turma vai logo Termos mais pejorativos. Mas preferência,
abordando, é o preconceito racial”. (Sar- não.” (Capitão PM)
gento PM) “Não conversar, mas proceder.” (Tenen-
te PM)
Torna-se evidente a tentativa do entrevis-
tado em não assumir que já presenciara atos No seu estudo, Ramos e Musumeci (2005,
de discriminação racial, estando no exercício p.167) verificaram que 59,9% dos entrevistados
da atividade policial. Por sua vez, há o caso responderam que a polícia é tão racista quanto
do policial autodeclarado negro, que reco- o restante da sociedade, enquanto 29,7% disse-
nhece existir a preferência na abordagem de ram que é mais racista. Assim, os dados sugerem
negros e, inclusive, declara que há policiais que a própria população assume esse “lugar-
negros que também discriminam, mas ele comum” da polícia como espelho da sociedade.
não discrimina: Entretanto, em um Estado Democrático de Di-
“A população já vê isso, já discrimina o reito, as instituições não deveriam refletir a desi-
próprio negro. Então, o policial militar, gualdade de tratamento nas relações raciais.
por pertencer à sociedade, vive isso, porém
não é 100%. Há casos de policiais negros Nessa situação, torna-se mister identificar
vivenciarem isso. Eu, particularmente ne- qual a percepção dos profissionais sobre o racis-
gro, não vivo.” (Sargento PM) mo institucional nos questionários aplicados. O

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146
Gráfico 1 mostra que 65,05% dos profissionais maioria dos presos/detidos é preta ou parda, in-
têm a percepção de que os pretos são abordados ferindo-se daí que a cor preta ou parda é fator

Artigos
em primeiro lugar, enquanto 34,95% responde- predisponente para o cometimento do crime.
ram que não há preferência. Ora, isto é o “crime na cor” (PIRES, 2003).
Entre os entrevistados, o “crime na cor” tam-
A Tabela 8 torna visível, pela perspectiva bém foi identificado:
dos profissionais, as causas da prioridade em “[...] a velha cisma que se tem [...] aquela visão
abordar os pretos e pardos. Aproximadamen- que se tem que o negro é ladrão [...] comigo
te 22% responderam que o motivo era que a não acontece, graças a Deus.” (Sargento PM)

Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito


Geová da Silva Barros
Gráico 1
Distribuição dos policiais militares, segundo a percepção
da priorização de negros na abordagem
Região Metropolitana do Recife – 2005

34,95 65,05
Os pretos não são Os pretos são priorizados
priorizados na abordagem na abordagem

Fonte: Barros (2006, p. 112)

Tabela 8
Distribuição dos policiais militares, segundo motivos
da preferência em abordar os pretos/pardos
Região Metropolitana do Recife – 2005

Motivos da preferência %
Questões culturais 22,6
Maioria dos presos/detidos é preta ou parda 21,9
Maioria dos pretos/pardos mora em favelas 14,3
Não sei explicar 10,9
Falha na formação policial 10,4
Não há preferência 9,5
Ocorre de forma automática 5,4
Outra 5,0
Total 100,0
Fonte: Barros (2006, p. 112)
Nota: 27 não responderam.

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147
“[...] talvez dentro da maioria dos poli- comportamento de acordo com a mudança do
ciais esteja aquilo ali marcado e que leva a espaço social. As entrevistas, por sua vez, revela-
Artigos

imaginar que um criminoso possa haver a ram que essa é uma temática recorrente:
maior probabilidade de ser um negro ao “A relação pobreza ainda existe, persis-
invés de um branco.” (Tenente PM) te, e normalmente há uma associação, não
“[...] que a maioria dos pretos que a gen- sei se inconsciente, coletiva, de quem está,
te vê está em decadência, por isso que há vamos dizer, naquela condição de pobre,
geralmente essas abordagens sempre mais com aquele biótipo, com aquela cor, ter-
com pretos, primeiro lugar com os pretos.” mina sendo alvo de diferenciação.” (Capi-
(Soldado PM) tão PM)
“Eu tenho assim uma ligeira impressão que
Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito
Geová da Silva Barros

Esse estereótipo do negro como tendente isso (a discriminação racial) acontece às ve-
ao crime torna válida a definição de racismo zes [...] decorrente da própria pobreza, e
institucional trabalhada por Sampaio (2003, até porque a pobreza traz em si um aspec-
p.82), quando expõe que o racismo institucio- to de marginalização.” (Soldado PM)
nal “pode ser visto ou detectado em processos, “Quer queira, quer não, é na comunida-
atitudes e comportamentos que totalizam em de pobre, carente, onde a gente encontra
discriminação por preconceito involuntário, a maior quantidade de meliantes, não é?
ignorância, negligência e estereotipação ra- De marginais.” (Capitão PM)
cista” (grifos nossos). Dos 24 entrevistados, “O negro mora em favela, lugares assim,
apenas um foi peremptório em afirmar que que dá suspeita a abordagem do elemen-
não há preferência, entretanto entrou em con- to.” (Sargento PM)
tradição ao relatar que “uma parte” pode não
estar fazendo o que deveria fazer, ou seja, uma Os relatos indicam que os policiais tendem
parcela do efetivo policial pode estar discri- a relacionar cor negra, pobreza e criminalida-
minando. O Soldado PM que assim declarou de. Essa relação tem um viés histórico. Santos
procurou, durante toda a entrevista, esquivar- (2001) revela bem essa situação com a trilha do
se do tema para não se comprometer. círculo vicioso, que estabelece seis passos que, co-
nectados, procuram traduzir a situação atual dos
No presente estudo, observa-se que 14,3% afro-descendentes. Apesar de ser uma relação es-
responderam que o motivo da preferência era tapafúrdia, pois não existe nenhum gene que seja
que maioria dos pretos/pardos mora em favelas determinante biológico da violência, e tampouco
(Tabela 8), sugerindo, por um lado, que a dis- a pobreza é fator determinante de comportamen-
criminação tem sua gênese na classe e não na cor to criminal, os relatos deixam transparecer a idéia
da pele e, por outro, que há uma mudança de de que a situação de pobreza antecede ao fator
comportamento com a variação do espaço so- cor da pele na determinação do suspeito.
cial. Em Racismo institucional: a cor da pele como
principal fator de suspeição (BARROS, 2006), A se acreditar na perspectiva explícita no
observou-se que o policial tende a mudar de parágrafo anterior, haveria mais preconcei-

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to de classe do que racial, apesar do primei- da pele, em detrimento das vestes, também foi
ro não excluir totalmente o segundo. Nesses confirmada por um oficial, como se vê nos tre-

Artigos
termos, a veste assumiria preponderância na chos a seguir:
identificação do suspeito. Entretanto, quando Entrevistador: se você tivesse de identificar
se observam os dados da Tabela 4, essa idéia um suspeito, o que mais lhe motivaria, a
se esvai, pois, no caso citado em que dois ho- situação social ou racial?
mens estão vestidos de forma semelhante, não “O maltrapilho seria o ponto inicial”.
há condições de se aferir a situação social de Entrevistador: se duas pessoas estivessem
ambos. Um sargento, quando questionado maltrapilhas, sendo uma negra e outra
sobre a situação em que uma patrulha se de- branca, qual delas seria abordada em pri-
parava com dois homens em rua erma, ambos meiro lugar?

Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito


Geová da Silva Barros
maltrapilhos, qual seria a provável reação dessa “O negro seria abordado primeiro.” (Te-
patrulha, respondeu que “normalmente ela iria nente PM)
abordar ao negro, pois iria alegar que o bran-
co era mendigo”. Não menos importante é aferir qual o en-
tendimento dos alunos do CFO e do CFSD
Centrando-se nessas circunstâncias, não em relação à prioridade em se abordar os ne-
há como não identificar a desvantagem que os gros, a fim de traçar uma relação com a per-
negros sofrem nas ações policiais. Essa desvan- cepção dos profissionais. De acordo com a Ta-
tagem, em situações iguais, é a característica bela 9, os alunos dos cursos de formação têm a
crucial na definição de racismo institucional nítida concepção de que os policiais militares
(SAMPAIO, 2003, p.82). A priorização da cor priorizam abordar os negros.

Tabela 9
Distribuição dos alunos do CFO e do CFSD, segundo percepção
da prioridade dos policiais em abordar negros
2005 Em porcentagem

Os policiais priorizam abordar os pretos? Alunos CFO Alunos CFSD


Sim 76,9 74,0
Não 15,4 22,1
Outro 7,7 3,8
Total 100,0 (1) 100,0

Fonte: Barros (2006, p. 115)


Nota: dez não responderam.

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A percepção da comunidade policial é de Mesmo identificando que os futuros poli-
que o racismo institucional é uma realidade, ciais já apresentam concepções preconceituo-
Artigos

corroborando a opinião da população carioca, sas que tendem a moldar um comportamento


em que 40,1% acreditam que os policiais mili- discriminatório quando na atividade policial, a
tares selecionam pela cor da pele.8 instituição não está isenta de culpa, pois tem a
obrigação de desenvolver mecanismos de erra-
dicação ou inibição do racismo institucional.
Considerações inais Entretanto, essa identificação nos induz a re-
Os dados apresentados neste trabalho fletir quão complexa é a gênese da discrimina-
mostraram que a discriminação racial é evi- ção racial.
dente e inconteste. Inicialmente, verificou-
Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito
Geová da Silva Barros

se que, com exceção da opção "independe”, Ao se discutir o racismo institucional na


um carro de luxo dirigido por preto assumi- comunidade policial, verificou-se que 65,05%
ria a prioridade na seleção para ser parado; dos profissionais percebem que os pretos são
em contrapartida, um carro de luxo diri- priorizados nas abordagens policiais, o que
gido por branco é a situação considerada corrobora as percepções dos alunos do CFO
menos suspeita. e CFSD, com 76,9% e 74%, respectivamen-
te. Com isso, a comunidade policial percebe a
Nos BOs, quando se confrontaram os re- existência da filtragem racial.
gistros oriundos da iniciativa própria dos po-
liciais, nos municípios de Olinda, Paulista e Por outro lado, 22,6% dos profissionais
Recife, com a população desses municípios, atribuem essa prioridade às questões cultu-
constatou-se que, nas abordagens, os brancos rais; para 22% isso deve-se ao fato de a maio-
foram sub-representados nos três municípios, ria dos presos ou detidos ser preta ou parda;
os pardos apareceram sub-representados em e 14% relacionam pretos e pardos a favelas.
Paulista e sobre-representados em Recife e Ora, não há nenhuma justificativa técnica
Olinda, enquanto os pretos foram sobre-re- que possa fundamentar tais motivos. Na
presentados nas três localidades, havendo as- realidade, qualquer indivíduo, independen-
sim indícios da realização da filtragem racial. temente da cor da pele, quando privado de
Identificou-se também que, caso permaneçam oportunidade para se desenvolver e expandir
as circunstâncias atuais, as próximas gerações sua liberdade, ao se ver preso às estruturas
de policiais tenderão a dar continuidade à fil- constringentes impostas por uma sociedade
tragem racial. Essa tendência está sinalizada que foi construída com base na violência da
nos resultados apresentados por alunos do dominação e imposição do poder, tende a
CFO e do CFSD, na questão em que assu- rompê-las, muitas vezes, pela própria violên-
mem a tendência de abordar primeiro o preto cia. Por outro lado, a justificativa simplista
e depois o branco (Tabela 4). Esses percen- de que a maioria dos que cometem delitos
tuais coincidem com aquele registrado pelos é preta ou parda consolida o componente
profissionais na mesma questão. ideológico do “crime na cor”.

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Normalmente, os policiais não conversam zes opostas à essência da função policial na so-
sobre a preferência ou prioridade em se abor- ciedade moderna. A Declaração Universal dos

Artigos
darem os pretos e pardos, entretanto, brinca- Direitos do Homem e do Cidadão de 1789,
deiras e anedotários que surgem do imaginário em seu artigo 12, explicita que “a garantia
policial dão conta da presença do preconcei- dos direitos do homem e do cidadão carece
to racial e condiciona a práxis policial. Com de uma força pública; esta força é, portanto,
efeito, não basta reconhecer a existência do constituída em proveito de todos, e não para a
racismo institucional; é necessário desenvolver utilidade particular daqueles a quem é confia-
mecanismos que democratizem a prática po- da” (grifos nossos), instituindo a primazia da
licial. Nesse sentido, considero pertinentes as defesa do cidadão como novo paradigma.
adoções das medidas apresentadas a seguir.

Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito


Geová da Silva Barros
•Elaborar cartilha sobre o racismo insti- Lamentavelmente, outros segmentos sociais
tucional. Essa cartilha iniciará uma ampla têm suas cidadanias negadas ou sub-reconhecidas
discussão sobre a temática, o que facilitará por parte dos efetivos das corporações policiais
o trabalho de conscientização dos opera- no Brasil, o que dificulta ainda mais a consolida-
dores do sistema. É essencial lembrar que ção da “polícia cidadã”. Nessa perspectiva, é per-
ainda existem gestores que desconhecem a tinente estimular a realização de outras pesquisas,
própria definição de racismo institucional. a fim de serem identificados outros mecanismos
•Constituir comissão multidisciplinar atentatórios à cidadania. Discriminações quanto
para formatar padrões de identificação ao gênero, à faixa etária e à opção sexual devem
do suspeito policial. Esses padrões serão ser motivo de estudo, objetivando democratizar a
estabelecidos a partir dos olhares das múlti- práxis policial. Enquanto não houver a compro-
plas ciências que lidam com a criminalida- vação e o reconhecimento das práticas discrimi-
de. Dessa forma, os policiais terão um pa- natórias, não haverá o propósito de redirecionar
drão de identificação do suspeito mais pro- ou mudar o comportamento.
fissional. Em conseqüência, reduzir-se-á a
reprodução do “padrão” do senso comum. Amartya Sen (2000, p. 17-18) esclarece
•Tornar “racismo institucional” conteú- que o “desenvolvimento pode ser visto como
do programático nas disciplinas de um processo de expansão das liberdades reais
Ética e Cidadania e Direitos Humanos que as pessoas desfrutam”. O autor informa,
nos cursos de formação das instituições entre outras questões, que a “negligência de
policiais. Com efeito, aumentar-se-ão os serviços públicos” e a “ausência de instituições
momentos de discussão sobre a temática, eficazes para a manutenção da paz e da ordem
o que permitirá reforçar o cuidado em tra- locais” são fontes de privação de liberdade. No
balhar de forma profissional. contexto deste estudo, infere-se que, enquan-
to os policiais não espelharem a igualdade de
É comum reproduzir comportamentos sem tratamento e o respeito por todas as pessoas,
antes refletir sobre a lógica dos mesmos à luz persistirão mecanismos impeditivos do desen-
da ética, incorporando concepções muitas ve- volvimento individual e coletivo.

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Acredito na construção de uma nova cul- tos humanos rumo a uma direção muito espe-
tura policial. Uma cultura em que o policial cífica” (ELIAS, 1993, p.193). Acredito ainda
Artigos

esteja cônscio de que é um “legítimo educa- que homens, mulheres e instituições podem
dor” (BALESTRERI, 2003, p. 24), inserido evoluir a fim de alcançarem níveis de compor-
totalmente no processo civilizador, entendido tamento que espelhem o mais lídimo respeito
como “uma mudança na conduta e sentimen- pela dignidade humana.

1. Centro Internacional de Investigação e Informação para a Paz, localizado em Montevidéu e iliado à


Universidade para a Paz das Nações Unidas.
Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito
Geová da Silva Barros

2. Unidades localizadas na Região Metropolitana do Recife.

3. Centro Integrado Operações de Defesa Social.

4. Entre esses 58, Dezesseis indivíduos não tiveram sua cor registrada; a categoria “amarela”, que teve apenas
um registro, não foi considerada para efeito deste estudo.

5. Entre esses 28, três indivíduos não tiveram a sua cor registrada.

6. Desses 378, 73 indivíduos não tiveram sua cor registrada; a categoria “amarela”, com cinco registros, não foi
considerada para efeito deste estudo.

7. Nas entrevistas, a maioria falou especiicamente a palavra “negro”. Assim, foi mantida.

8. Ramos e Musumeci (2005, p. 209).

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Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito
Geová da Silva Barros

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Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito

Artigos
Geová da Silva Barros

Resumen Abstract
Filtros raciales: el color en la selección del sospechoso Racial proiling: color in the selection of a suspect
Componiendo un estudio detallado sobre discriminación Composing a detailed study on racial discrimination in
racial en el abordaje policial, este artículo tiene como police work, this article aims to prove that the trait of
objetivo veriicar en qué medida el color de la piel skin color contributes to the factor of suspicion, as well
constituye factor de sospecha, así como identiicar si as identifying if the police have a perception of the

Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito


Geová da Silva Barros
los policías tienen percepción de la práctica de racismo practice of institutional racism. Hence, a database was
institucional. Para eso, fue montado un banco de datos launched based on questionnaires and the analysis of
a partir de la aplicación de cuestionarios y de análisis reports of occurrence in seven units of the Military Police
de boletines de ocurrencia de siete unidades de la of Pernambuco. In doing so, it was veriied that 65.05%
Policía Militar de Pernambuco. Como resultado, se of professionals perceive that blacks and those of part-
veriicó que 65,05% de los profesionales perciben que black descent are prioritized in tactics, which corroborates
los negros y pardos son priorizados en los abordajes, lo perceptions of students in the Oficer Training Program
que corrobora las percepciones de los alumnos del Curso and the Soldier Training Program, with 76.9% and 74%,
de Formación de Oiciales y del Curso de Formación de respectively.
Soldados, con 76,9% y 74%, respectivamente.
Keywords: Institutional racism. Racism. Racial
Palabras Llave: Racismo institucional. Racismo. discrimination.
Discriminación racial.

Data de recebimento: 24/04/08


Data de aprovação: 06/06/08

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SEGURANÇA PÚBLICA E
2
POPULAÇÃO LGBT1

Segurança Pública e População LGBT - Formação, Representações e Homofobia


FORMAÇÃO, REPRESENTAÇÕES E HOMOFOBIA
Ma oàáu lioàM i oàP ado2;àJo oàBaistaàMo ei aàPi to3;àCa ol eà‘eisàBa os4;à
JuliaàNoguei aàDo igo ;àNi oleàGo çal esàdaàCosta àeà‘afaelaàVas o elosàF eitas

RESUMO
Oàte to,àaàsegui ,àap ese taàa lisesàdaàpes uisaàso eàsegu a çaàpú li aàeàpopulaç oàdeàL s i as,à
Ga s,àBisse uais,àT a esisàeàT a se uaisà LGBT ,àaàpa i àdoà e o teàfeitoàpeloàestudoàdasàpolí iasàCi ilà PC ,à
Milita à PM àeàdaàGua daàMu i ipalà GM àdeàà i oàà apitaisàdeàestadosà asilei os,àà o te pla doàtodasà
asà egi esàdoàpaís.àásà uest esà ueà o tea a àaài esigaç oàpe passa àaàfo aç oàe àdi eitosàhu a osà
eà o ateà àho ofo iaàdosàage tesàdaàsegu a çaàpú li a,àsuasàfo asàdeàt ata e toàdeàde ú iasàdeà
i esàho of i os,àsuasà ep ese taç esàso eàasàe pe i iasàLGBT,à e à o oàasà ep ese taç esàdeà
g uposà o ga izadosà LGBTà so eà aà atuaç oà dessesà p oissio ais.à áà pes uisaà di ididaà e à uat oà etapasà
o te plouà ta toà aà a liseà íi aà dosà do u e tosà elai osà à fo aç oà dessesà age tes,à o oà g uposà
fo aisàeàe t e istasà o àosàefei os.àásàa lisesàà ost a à ue,àde t oàdessasài situiç es,àoàp e o eitoà
ho of i oà à pa teà o situi teà daà di i aà i situ io alà eà daà fo aç oà dosà age tes,à e à o oà seà
e p essaà asàf agilidadesàdeà e epç oàdeàde ú iasàeài esigaç oàdeà i esàho of i os.àásàpopulaç esà
deà t a esisà eà t a se uaisà apa e e à o oà à asà aisà afetadas.à I te a e teà sà i situiç es,à oà fo a à
o se adasàpolíi asàdeàapoioàouàe uidadeàdeàdi eitosàaàp oissio aisàLGBT,àapesa àdeàse à la aàeà o u àaà
p ese çaàdosà es os.àáàdespeitoàdessesàdesaios,àfo a àide ii adasàalgu asàp i asàpo tuaisàe itosasà
eà ueàt à oaà epe uss o,àpode doàse à elho àlegii adasà o oàpolíi asàpú li asàdeàe f e ta e toà à
iol iaàho of i aàeàt a sf i a.

Pala as- ha e:à “egu a çaà Pú li a;à Di eitosà Hu a os;à Ho ofo ia;à Populaç oà LGBT;à Fo aç oà
Policial

ABSTRACT
Theàfollo i gàpape àp ese tsàa àa al sisàofàtheà esea hào àpu li àsafet àa dàpopulaio àofàLes ia ,à
Ga ,à Bise ualà a dà T a sge de à LGBT ,à f o à theà f a e o kà adeà à theà stud à ofà theà Ci ilà Poli eà CP ,à
Milita àPoli eà MP àa dàMu i ipalàGua dsà MG ài ài eà apitalsàofàB azilia àstates,à o e i gàallà egio sàofà
theà ou t .ààTheà uesio sàthatàguidedàtheà esea hàpe eateàth oughàhu a à ightsàt ai i gàa dàtheàightà
agai stàho opho iaàofàtheàe fo e e tàoi ials,àthei à a sàofàdeali gà ithà o plai tsàofàho opho i à
i es,àthei àapp ehe sio àofàtheàLGBTàe pe ie esàasà ellàasàtheà aluaio àofàtheàLGBTào ga izedàg oupsà
o à theà pe fo a eà ofà theseà p ofessio als.à Theà su e à asà di idedà i toà fou à stages,à i ludi gà ii alà
a al sisà ofà theà do u e tsà elai gà toà theà fo aio à ofà theseà age ts,à fo usà g oupsà a dà i te ie sà ithà
t oops.àTheàa al zesàsuggestàthatà ithi àtheseài situio s,àho opho i àp ejudi eàisàpa tàofàtheài situio alà

àE uipeàdeàpes uisa:àMa oàáu lioàM i oàP adoà–àCoo de ado ;àJo oàBaistaàMo ei aàPi toà-àCo-Coo de ado àGe al;àCa ol eà
‘eisà Ba os,à Da ielà á udaà Ma i s,à Juliaà Noguei aà Do igo,à ‘afaelaà Vas o elosà F eitas,à Guilhe eà ‘o e osà daà Fo se a,à Ni oleà
Go çal esàdaàCosta,à‘es gelaàPi hei oàdeà“ouza,àGuilhe eàCa dosoàVas o elos.
àDouto àe àPsi ologiaà“o ialàpelaàPUC“P.àCoo de ado àdoàNú leoàdeàDi eitosàHu a osàeàCidada iaàLGBTàeàp ofesso àpes uisado à
daàU i e sidadeàFede alàdeàMi asàGe ais.àPes uisado àCNP /Fape ig
àDouto àe àDi eitoàPú li oàpelaàU i e sit àdeàPa isàX.àP ofesso àeàPes uisado àdaàEs olaà“upe io àDo àHelde àC a a.àDi eto àdoà
I situtoàDH.
àMest eàe àPsi ologiaàpelaàUFMG.àDouto a daàe àPsi ologiaà“o ialàeàT a alhoàpelaàU“P.
àMest eàe àPsi ologiaàpelaàUFMG.àDouto a daàe àPsi ologiaà“o ialàeàT a alhoàpelaàU“P.
àMest a daàe àPsi ologiaà aàUFMG.
àDouto a daàe àPsi ologiaà aàUFMG.
d a i sàa dàofàtheàage tsàt ai i g,àasà ellàde o st atedàtheà eak essesàofàde ou e e tà e epio à
a dài esigaio àofàho opho i à i es.àTheàt a s esitesàa dàt a sse ualàpopulaio sàappea àasàtheà ostà
afe ted.àWithi àtheài situio s,àthe eà asà otàpolii alàsuppo tào àe uita leàofà ightsàtoàLGBTàp ofessio als,à
despiteà ei gà lea à a dà o o à thei à p ese e.à Ne e thelessà theseà halle ges,à so eà su essfulà a dà
spe ii àp a i esà e eàide iiedàasàha i gàgoodàefe tàa dà a à eà ete àlegii izedàasàpu li àpoli iesàtoà
add essàho opho i àa dàt a spho i à iole e.

Keywords:àpu li àsafet ;àhu a à ights;àho opho ia;àLGBTàpopulaio ;àpoli eàt ai i g

INTRODUÇÃO
Esteàa igoàp op eàu aàdis uss oàa alíi aàdosà esultadosàdaàpes uisaài ituladaà
“egu a çaà Pú li aà eà Populaç oà LGBT,à ueà i esigou,à aoà lo goà doà a oà deà ,à aà
ap op iaç o,àe à í elài situ io alàeàfo ai o,àdasà uest esà ela io adasà àho ofo iaà
eàaosàdi eitosàdaàpopulaç oàLGBTàpelasài situiç esàdeà“egu a çaàPú li a,àeàaà epe uss oà
dessaàap op iaç oà oàate di e toàaoàpú li oàeà aàfo aàdeàt ata e toàaosàpoli iaisà
LGBTà de t oà dasà o po aç es.à Bus ou-seà i esiga ,à po ta to,à aà fo aç oà e à di eitosà
hu a osàeà o ateà àho ofo iaàdosàage tesàdeàsegu a çaàpú li a,àoàlu oàdasàde ú iasà
deà i esà ho of i os,à asà ep ese taç esà so eà asà e pe i iasà LGBT,à e à o oà asà
ep ese taç esàdeàg uposàdoà o i e toàso ialàLGBTàso eàaàatuaç oàe à adaà idadeà
dasài situiç esàestudadas.àTalào jei oàfoiài esigadoàe àduasàp i ipaisàf e tes:àu aàdeà
a liseài situ io alàeàout aàdeàa liseàdasà ep ese taç esàeàp i asàso iais.àáàpes uisaà
o te plouà asà i oà egi esà asilei as,à à est i gi do-seà sà segui tesà i situiç esà deà
“egu a çaàPú li a:àPolí iaàCi ilà PC ,àPolí iaàMilita à PM àeàGua daàMu i ipalà GM àdasà
apitaisàdosàestadosàdeàálagoas,àMi asàGe ais,à“a taàCata i a,àPa àeàGoi s.à

Oàestudoàfoià ealizadoà o ju ta e teàpeloàI situtoàDHà-àP o oç o,àPes uisaàeà


I te e ç oàe àDi eitosàHu a osàeàCidada ia,àoàNú leoàdeàDi eitosàHu a osàeàCidada iaà
LGBTà daà U i e sidadeà Fede alà deà Mi asà Ge aisà NUH/UFMG à eà oà G upoà U i e sit ioà
e à Defesaà daà Di e sidadeà “e ualà GUDD“! ,à todosà o à sedeà eà atuaç oà p i ipalà e à
BeloàHo izo te,àMi asàGe ais.àCo touà o àoài a ia e toàdaà“e eta iaàNa io alàdeà
“egu a çaàPú li aàdoàMi ist ioàdaàJusiçaà “ENá“P ,à oà itoàdoàP ojetoàB‘á/ / à
–à“egu a çaàCidad :àPe sa doàaà“egu a çaàPú li a,ài adoà o àoàP og a aàdasàNaç esà
U idasàpa aàoàDese ol i e toà PNUD ,à o àoào jei oàdeàfo e ta àpes uisasàapli adasà
oà a poàdaàsegu a çaàpú li aàeàdaàjusiçaà i i al,àaài àdeà ualii a àeàsu sidia àseuà
t a alhoàdeàela o aç oàdeàpolíi asàpú li as.

áp ese ta e osà essaàa liseà o oàaàho ofo iaàeàaàt a sfo iaàseà ep oduze à
asài situiç esàdeà“egu a çaàPú li a,à o oàseàe p essa à aàfo aç oàdosàage tesàdeà
segu a çaàpú li a,à e à o oà asàf agilidadesàdeà e epç oàdasàde ú iasàeài esigaç oà
deà i esà ho of i os.à Ta à se oà ap ese tadasà algu asà p i asà e itosasà ueà
e e e àdesta ue.àái daà ueàpo tuaisàeài ipie tes,àelasàj àap ese ta à oaà epe uss oà
eàpode àse à elho àlegii adasà o oàpolíi asàpú li asàdeàe f e ta e toà à iol iaà
p ai adaà o t aà pessoasà LGBTà oà B asil.à Pa aà tal,à esteà a igoà à di ide-seà e à i oà
pa tesà o te doà dis uss oà te i aà eà etodol gi a,à a liseà deà dadosà eà o side aç esà
i aisà e ide ia doà algu sà i di ai osà eà p oposiç esà deà i te e ç esà ju toà à políi aà
deàfo aç oàdosàage tesàdeàsegu a çaàpú li aà oàse idoàdeàe f e ta àoàp e o eitoà
ho of i oàeàga a i àosàdi eitosàdaàpopulaç oàLGBT.

à
Pa i osàdeàu à a oà o eitualà ueà o p ee deàoà a poàdosàdi eitosàhu a osà
o oà se doà u à a poà deà disputasà políi asà eà al a esà ue,à o t adito ia e te,à
podeà seà a i ula à o à osà di eitosà se uaisà eà deà g e o.à ássi ,à e pli ita os,à a ai o,à oà
a oà o eitualà dosà di eitosà hu a osà eà doà o eitoà deà ho ofo ia,à pa aà pe sa à aà
o te po eidadeàdasài situiç esàpú li asà aàso iedadeà asilei a,à e à o oàalgu sà
ele e tosà o eituaisàso eàdi e sidadeàse ualàeàdeàg e oàeàpolíi asàpú li as.

Segurança Pública e População LGBT - Formação, Representações e Homofobia


Co p ee de osà ueàoà a poàdosàdi eitosàhu a osàap ese ta-seàe àdisputasàpo à
sig ii aç o,à ue,à o t adito ia e te,ài stala à essasàlutasàp o edi e tos,àp o essosàeà
a i ulaç esàe t eài situiç es,àg uposàeài di íduosà ueàseàposi io a àe à o te tosàdeà
ul e a ilidadesàeàso ia ilidadesàplu aisàeàhete og eas.àDista te,àpo ta to,àdaàideiaàdeà
ueàosàdi eitosàhu a osàs oàpautasàesta ele idas,àpa i osàdoàp i ípioàdeà ueàelesàs oà
u à a poàdoàpolíi oà ueà us a,àa i ulada e te,àp oduzi àefeitosàdeài lus o/e lus oà
deàdife e tesàe pe i iasàhu a asàeà ue,àe ata e teàpo àesseà oi o,àde eàa i ula àosà
alo esàdaàli e dadeàeàdaàigualdadeà aà adi alidadeà ueàessesàe seja ,àhisto i a e te,à
aàe p ess oàdeàe pe i iasàa jetasàeài fe io esàhie a ui a e te.

ásà se ualidadesà to a -seà u à de ateà pú li oà so eà di eitos,à o iu do,à


espe ii a e te,à daà legii idadeà doà dis u soà deà sujeitosà e ol idosà e à p i asà deà
ilit iaàeàai is oàpelaàa pliaç oàdaà oç oàdeàdi eitosàse uaisà o oàpo toà odalàdosà
di eitosàhu a os.àN oà à ueàaàse ualidadeà oàfosse,àa tes,àde aidaàpu li a e te,à o oà
sa e os,à asà às àaàpa i àdoàs uloàXXà ue,àdeàfato,àosàsujeitosàse uadosà o uista à
legii idadeàdis u si aàpú li aàpa aàalça à oà a poàdosàdi eitosàsuasà ei i di aç es.

Dessaà fo a,à u à olha à ate toà pa aà aà o te po a eidadeà pe ii à pe e e à


aà se ualidadeà eà asà uest esà deà g e oà o oà ele e tosà i te pelado esà daà l gi aà
u i e salistaà postaà oà a poà dosà di eitosà hu a os.à Nesteà o te to,à à edidaà ueà aà
se ualidadeà eà asà ide idadesà deà g e oà o eça à aà disputa à legii idadeà políi aà
–à e pe i ias,à a ai asà eà ide idadesà i staladasà po à sujeitosà eà o i e tosà deà
l s i as,àga s,à isse uais,àt a se uaisàeàt a esisà LGBT à–àa tago is osà esseà e ioà
seà e pli ita ,à de u ia doà oidia a e teà aà fala iosaà u i e salidadeà eà eut alidadeà
dosàdi eitosàhu a os,à e ela doàaàf agilidadeàe iste teà oàdis u soàdaà atu alidadeàdosà
di eitos,à e ete doàaàu aàte s oà ue,à ua doàe posta,àe pli itaàasàhie a uiasàso iaisà
p ese tesà aà o epç oà deà di eitosà hu a os,à espe ii a e teà asà e pe i iasà doà
g e oàeàdaàse ualidade.

Essaà o epç oàdeàu i e salidadeàdosàdi eitosàte ài pedidoà ueàseà ele e àosà


o litosàpolíi osàa igadosàso àtalà o eitoàeàsuasàp i as,àda doàaàfalsaài p ess oà
deà ue,à po à se e à u i e sais,à se ia à o situídosà aà pa i à deà p i ípiosà eut osà eà
i lude tesà daà hete oge eidadeà dasà e pe i iasà so iais.à Co oà e à apo touà La lauà
,à ual ue à u i e soà à u à pa i ula à hege i o,à po ta to,à à u aà te tai aà deà
p ee he àaàpolisse iaàdaàdife e ça.àOsàdi eitosàhu a os,à o p ee didosà o oà a poà
esulta teà daà elaç oà possí elà e t eà oà di eitoà i di idualà eà oà e à o u ,à de e ia à
e p essa à aisàosàpa ado osàdaàde o a iaà ode aà MOUFFE,à ,àasàa i ulaç esà
e t eàli e dadeàeàigualdade,à o st uídasàpo à elaç esàdeàa tago is os,àdoà ueàaàsi plesà
e id iaàdeàu àdi eitoà atu alà esulta teàdeàalgu à o se so.
Éà esteàse idoà ueàa gu e ta osà ueàp e isa osàes apa àdeà o epç esàli e aisà
ouà o u ita istasà dosà di eitosà hu a os,à so à oà is oà deà li uida osà seusà aspe tosà
políi os.à “egu doà P adoà ,à estasà duasà pe spe i asà –à li e aisà eà o u ita istasà
-à de e à osà faze à o p ee de à ta toà aà i po t iaà doà di eitoà i di idualà o oà daà
o st uç oà olei aà doà e à o u ,à u aà ezà ueà à e ata e teà esteà po toà ueà
esideàoà a poàdosàdi eitosàhu a osàeàasàlutasàpeloà a ejoàdessasàsig ii aç es.àEsseà
a gu e toààto a-seài po ta te,àpois:
áà adi alidadeà dosà alo esà de o i osà podeà se à pe sadaà so e teà o à aà
ga a iaàdaàso e i iaàdaàte s oàe t eàaàl gi aàdaàide idadeàeàaàl gi aàdaà
dife e ça,àeà osàpa e eà ueàosàdoisàp ojetos,àta toàdoàli e alis o,à o oàdoà
o u ita is o,àt à us adoà o pe àestaàte s oà P‘áDO,à ,àp.à .

Pa i osà doà p essupostoà ueà aà ho ofo iaà de eà se à istaà o oà u à siste aà deà


hu ilhaç oà Blu e feld,à à oidia oàeàge e alizadoà ueàseàe p essaàat a sàdeà
aç esà deà i di íduos,à g uposà eà i situiç es,à deà fo aà aà a te à ouà ia à e a is osà
oe ii osàdeàade uaç oàdosài di íduosà sà o asàhege i asàdeàg e o/se ualidade.à
Esseàsiste aàdeàhu ilhaç oàseà et oali e taàdoàsile ia e toàeàdaàaus iaàdeàpolíi asà
espe íi asà deà o ateà aoà p e o eitoà eà deà p o oç oà dosà di eitosà deà i o ias.à áà
ho ofo ia,àe ua toàu àsiste aàdeàhu ilhaç oà oe ii o,à o situiàele e toàde isi oà
aàedu aç oàeà aàfo aç oàp oissio al,ài doàdesdeàasàfo asàdeàe lus oà aisàse sí eisà
at àasàfo asàdeà iol iasàísi asàeàpsi ol gi asà aisà u is:
áà pe petuaç oà eà aà soisi aç oà desseà siste aà deà op ess oà oà pode à se à
o p ee didasà seà oà le a osà e à o taà aà e ist iaà deà i situiç esà ue,à
aoà lo goà daà hist ia,à est utu a -seà aà pa i à deà p essupostosà fo te e teà
t i ut iosàdeàu à o ju toàdi i oàdeà alo es,à o asàeà e çasà espo s elà
po à eduzi à àigu aàdoà out o à o side adoà est a ho ,à i fe io ,à pe ado ,à
doe te ,à pe e ido ,à i i oso à ouà o tagioso à todosà a ueles/asà ueà
oà seà si to izasse à o à osà a se aisà ujasà efe iasà e a à eà ai daà s oà
e t adasà oàadulto,à as uli o,à a o,àhete osse ual,à ist o,à u gu s,àísi aà
eà e tal e teà o al .àElasàto a a -se,àpo à o segui te,àespaçosàe à ueà
oi ei a e teàseàp oduze àeàseà ep oduze àp e o eitosà ueà olo a àe à
o i e toàdis i i aç esàdeà lasse,à o ,à aça/et ia,àse o,àg e o,ào ie taç oà
se ual,à apa idadeà ísi o- e tal,à e çaà et .à P‘áDO;à JUNQUEI‘á,à ,à
p. .

Co side a à aà ho ofo iaà oà aisà u à se i e toà ouà atoà i di idual,à as,à si ,à


o oàu àsiste aàdeàhu ilhaç oàeàop ess oà ueàdese ol eà e a is osà oe ii os,à
osà pe ii à o p ee de à o oà seà a i ula à aç esà deà i di íduos,à deà g uposà eà
i situiç es.àCo oàseàd oàasàlegii idadesàpa aà ueàatosài di iduaisàdeà iol iaàseja à
ep ese tadosà o oà atosà g upaisà eà deà ade uaç oà sà o asà i situ io ais.à Po à esseà
oi oà à ueàuiliza e osà esteàt a alhoàoà o eitoàdeàho ofo iaàe àsuaà o p ee s oà
a pliadaà ueàseàdes olaàdaào ige à o eitualàdeà eadosàdoàs uloàXXàeàseàposi io aàaà
pa i àdeàestudosà o te po eos.

.àá“PECTO“àMETODOLÓGICO“
áà pes uisaà foià ealizadaà aà pa i à deà uat oà etapasà ueà des e e e osà aà segui :à
I à p epa aç oà daà pes uisaà deà a po,à o à aà ealizaç oà deà u à se i ioà i te o;à II à

à
ealizaç oàdaàpes uisaàdeà a po;à III ào ga izaç o,àt ata e toàeàa liseàdosàdados;à IV à
a liseài al,àela o aç oàdoà elat ioài alàeàe a i ha e tosài aisàdaàpes uisa.

áàp i ei aàetapaàdaàpes uisaàà o igu ou-seàaàpa i àdoàle a ta e toàeàa liseà


dosàdo u e tosàdeàfo aç oàdasàa ade ias.àFo a àsoli itadosàalgu sàdo u e tosà ueà
o teia àaàfo aç oàe àdi eitosàhu a osàeàte i asàLGBTàeàta àdo u e tosàdeà
efe iaàpa aàaàatuaç oàdoàp oissio alàdeàsegu a çaàpú li a.àEssesàdo u e tosàfo a à

Segurança Pública e População LGBT - Formação, Representações e Homofobia


a alisadosàaàpa i àdeàu à otei o,àfa ilita do,àassi ,àaàpad o izaç oàdasài fo aç es.àOà
segu doà o e toàdeà oletaàdosàdadosào o euàpo à eioàdeàg uposàfo aisàeàe t e istasà
asà apitaisàdosà i oàestadosàpes uisados:àPa ,àálagoas,àMi asàGe ais,àGoi iaàeà“a taà
Cata i a,à o à poli iaisà ilita es,à i isà eà gua dasà u i ipais.à Osà g uposà fo aisà fo a à
fo adosà po à ope ado esà deà segu a çaà pú li aà deà a o doà o à oà it ioà deà a osà deà
fo aç oàeàg e o.àE àtodasàasà apitais,àaàPolí iaàMilita àeàaàPolí iaàCi ilàfo a àsepa adasà
po à g upos,à o side a doà oà g auà hie ui oà p açasà eà oi iaisà aà PM;à delegadosà
eà age tesà aà PC ,à e ita doà possí eisà at a essa e tosà hie ui osà aà dis uss oà eà
o duç oà doà g upo.à E à elaç oà à Gua daà Mu i ipal,à so e teà aà apitalà doà estadoà
deà Mi asà Ge aisà ealiza osà doisà g uposà dife e tes,à u aà ezà ueà pude osà ide ii a à
í eisà hie ui osà disi tos.à Nasà out asà apitais,à aà Gua daà Mu i ipalà foià a alisadaà
de t oàdeàu à es oàg upoàfo al.àásàe t e istasàfo a à ealizadasà o àoà espo s elà
pelaàfo aç oà aàa ade ia,à o àoà o a da teàdaài situiç oàeà o àou ido iasàe/ouà
o egedo iasàdasà espe i asài situiç es.ààTa àfo a à ealizadosàg uposàfo aisà o à
osà o i e tosàso iaisàLGBTàdasà espe i asà apitais,àe etoàBeloàHo izo teàeàMa ei ,à
o deàosà o i e tosàe o t a a -seà aàfaseàdeào ga izaç oàdaàPa adaàLGBT.

álgu asàdii uldadesàfo a àe o t adasà oàp o essoàdaàpes uisaàeàseà o e t a à


e àdoisà í eis:àa àu à í elàso ial,à ueàseà ela io aàdi eta e teà o àoà o te toà asilei oà
deàp otestosàeà iol iaàso ialàeàpolíi aàdu a teàosà esesà ueàesi e osàp epa a doà
aàpa teàdeà a poà o à oletaàdeàdadosà o àosàage tesàdeàsegu a çaàpú li a;àeà àu à
í elài situ io al,à ueàest à ela io adoàà àide ii aç oàdaàpes uisaà o àaà“ENá“Pàeà à
o p ee s oà i situ io alà destaà po à pa teà dosà g osà deà segu a çaà osà estados,à e à
espe ialà asàa ade iasàdeàpolí ia,à o oài di adoàa ai o.

Éà i po ta teà de la a à ueà essaà pes uisaà foià p oduzidaà du a teà u à pe íodoà


o tu adoà daà hist iaà doà país,à ua doà iosà o i e tos,à g uposà eà i di íduosà
o ga iza a à p otestosà deà ua,à o e t ados,à p i ei a e te,à asà uest esà daà
o ilidadeàu a aàe,àposte io e te,à asà uest esàso eàu a idadeàeà ep ese taç oà
políi a.àEssesàp otestosàeàasà eaç esàdeàalgu asàfo çasàpoli iaisàle a a àaàdis uss esà
aà so iedade,à oà pe íodoà es oàdeà ossaà pes uisaà deà a po,àe àto oà daà faltaàdeà
p epa aç oàdosàage tesàdeàsegu a çaàpú li aàpa aàagi àf e teà uelasà o ilizaç es;àoà
ueàle ouàaàdii uldadesà oàa e toàdeàalgu asàdasàai idadesàdaàpes uisaàp og a adas.
ál à disso,à faz-seà iste à e pli ita à ueà osà p azosà esipuladosà pa aà aà ealizaç oà desseà
t a alhoà oà ola o a a à pa aà u à aio à ade sa e toà íi oà eà a alíi o,à ta toà e à
elaç oàaoà o og a aàte po al,à ua toàaài e ist iaàdeàu à a oàdeàdadosàp io,à
o à o tatosàeàato esài situ io ais.àTalàa ui oàfa ilita iaàoà o tatoàe t eà ossaàe uipeà
eà asà a ade iasà deà polí ias,à u aà ezà ue,à o oà age tesà e te os,à ossaà legii idadeà
e àse p eàfo aà e à o side adaàpo àessasài situiç es,ài pedi do,àpo àe e plo,à ueà
algu asàe t e istasàfosse àg a adasàeàalgu sàdo u e tosà oàfosse àli e ados.

Out aà uda çaàfeitaàfoi:à oà asoàdaà oletaàdeàdadosà o ào ga izaç esàso iaisàLGBTà


deàMi asàGe ais,à ua doàfo osào ga iza àestaàidaàaà a po,àj àe aàoà sàdaàPa adaàdaà
Di e sidadeà“e ualàe àBeloàHo izo te,à ueàte eàdataàalte adaàpa aàsete o.àássi ,à oà
o segui osà age da à e o t os.à Noà e ta to,à t a alha osà o à dadosà ueà te osà deà
out aàpes uisaà ueà us ouàt aça àdadosàso iode og i osàe t eàaàpopulaç oàLGBTàdaà
idadeàdeàBeloàHo izo te,à o oàta àdadosàso eà iol iaàho of i a.àE à o tatoà
o àasài situiç es,àpe e eu-seà ueàaà“ENá“P,à o oàe àg a deàpa teàdasài situiç es,à
à ep ese tadaà o oà u à possí elà g oà i a iado ,à ueà te à aà suaà i po t iaà eà
espeitoàaàpa i àdestaàposiç o.àDia teàdaà esist iaàe àa o da àestasàte i as,àfoi-
osà espo dido,ài lusi e,à ueàessaà“e eta iaà oàpossuiàpode àdeài posiç o,àso e teà
deàsugest o,àu aà ezà ueàessesà g osàest oà i uladosàaàu àpode àdoàEstado.à

ápesa àdessasàdii uldades,à o segui osàle a ta àdadosàsui ie tesàpa aàe plo a à


oà p o le aà daà pes uisaà e à todosà osà estados.à áà ua idadeà eà aà ualidadeà deà dadosà
osà pe iiuà ide ii a à algu sà ele e tosà ueà s oà u ge tesà deà i te e ç oà ta toà aà
fo aç oà dosà age tesà deà segu açaà pú li aà o oà asà políi asà deà e f e ta e toà aoà
p e o eitoàho of i oàeàt a sf i oà oà oidia oàdoàt a alhoàpoli ial.àálgu sàdessesà
ele e tosàs oàa o dadosà esteàte to .

áàe e uç oàdaàpes uisaàju toà sài situiç esà o touà o àu aàg a deàdi e sidadeà
aà e epç oàdoàte aàeàdasàe uipes,àpo àestadoàeàpo ài situiç o.àE àg a deàpa te,àosà
g uposà oàfo a à ealizadosà o àoà ú e oàtotalàdeàage tesàsoli itadosàpelaàpes uisaà
à i teg a tes .à áà aio iaà dosà pa i ipa tesà doà g upoà seà ost ouà des o iadaà doà
o iteà pa aà pa i ipa à deà u aà ai idadeà ueà a o daà aà uest oà daà populaç oà LGBTà eà
uesio ouàseàha e iaàalgu aà az oàpa aàte e àsidoàes olhidosàpa aàa uelaàai idade.àTalà
des o ia çaàj ài haàsidoàle a tadaàdu a teàaà o o aç oàeàseàto ouà oi oàdeàpiadaà
e t eàosà olegasàdeàt a alhoà asàespe íi asàdelega ias.àDe t oàdosàg upos,àoà es oàseà
epeteàaoàfala e àdeàga s,àl s i as,àt a esisàeàt a se uais,àeàaà aio iaàdosàpa i ipa tesà
se ia-seà o st a gidaàe p essa doàpiadasàeà isadasàso eàasàe pe i iasàLGBT.àHou eà
esist iasà aà o ess oàdeàe t e istasàpo àpa teàdeàalgu sà o a dosàeàsu situiç esà
dosà e t e istadosà espo s eisà pelosà seto esà deà e si o,à es oà o à a aç esà o à
uitaàa te ed ia.

àPa aàu aàleitu aà aisàde saàdosà esultadosàdeàpes uisa,ài di a-seàoàa essoàaoà elat ioài alàdoàt a alhoà ueàest àdepositadoàju toà
aoà g oà espo s elàdaà“e asp.

à
.àGÊNE‘O,à“EXUáLIDáDE“àEà“EGU‘áNÇáàPÚBLICá
áà á i aà Lai aà e à passa doà po à p o essosà u iaisà deà essig ii aç oà dasà
elaç esà i is- ilita esà eà a pliaç oà dosà di eitosà i is,à polii os,à e o i osà eà so iaisà
D á aújo,à .àássi à o oàfo a àte sio adasàasà elaç esàdeàg e oà o àoài g essoà
deà ulhe esà asà o po aç es,à aisà e e te e teàosà uesio a e tosàso eàasàleisàdeà
pede asiaàeàsodo ia,àeàaàu i oà i ilàdeàpessoasàdoà es oàse o,àseàto a à uest esàdeà

Segurança Pública e População LGBT - Formação, Representações e Homofobia


de ateài te oàeàe te o.àNesteàse ido,à à e ess ioàe te de à o oàasà o epç esàdeà
se oàeàg e oà àse doà esig ii adasàpelasài situiç esàdeàsegu a çaàpú li aàdesdeàoà
i g essoàdeà ulhe esàe àseuàefei o,àoà e e teàde ateàa ad i oàso eàaàpe a iaà
deàho osse uaisà oà uad oàdeàp oissio ais,àal àdosà o te tosà ueàpossi ilita a àtalà
i o po aç o.à

át à oà i í ioà doà s uloà XX,à aà p e issaà daà oà i ilidade,à ueà e luíaà oà o poà deà
ulhe esàdoà u doàdaà ase a,àse àuilizadaà asàjusii ai asàsi li asàdaà e essidadeà
deài lus oàdeà ulhe esà esseàespaço,à o oàfo aàdeà i iliza àeà ode iza àasàfo çasà
poli iaisàeàasàfo çasàa adasà Mo ei a,à .à

Naà aio iaàdosàestadosà asilei os,àasàPMsà o eça a àaàad ii àpoli iaisàfe i i asà
aoà lo goà dosà a osà ,à oà o te toà daà ede o aizaç oà doà país,à po à “oa esà
eà Musu e ià à apo ta à ueà esseà fatoà oà de i ouà deà ei i di aç esà di etasà eà
o jei asàdeà o i e tosàso iaisàpelaà iaç oàdeàse içosàespe ializadosàouàpelaàa e tu aà
deàu à o oàespaçoàp oissio alàpa aàasà ulhe es,àeàsi ,àdoàp op sitoàdeàp opaga dea à
aà hu a izaç o àdasà o po aç es.à

Mo ei aà àa gu e taà ue,à oàB asil,àaà ea e tu aàdosàde atesàpú li osàse à


aà t i aà dessaà o epç oà i ilizado a/hu a izado aà daà p ese çaà deà ulhe esà asà
ai idadesàpoli iaisàeà ilita es:àap sàaàditadu aà a guistaà o à elaç oà sàpolí iasàeàap sàaà
ditadu aà ilita à oà ueà o e eà sàFo çasàá adas.àEssaài o po aç oàest à ela io adaà
aà uda çasà aà ultu aàpolíi aàeà asà ep ese taç esàa e aàdoàEstado.àNu aàte tai aà
deà odii a à aà i age à deà u à Estadoà deà u hoà i pe ialistaà eà deà e a e aç oà daà
a io alidadeàpautadosà aàe pa s oàgeog i a,àe o i aàeàpolíi a,àpa aàu àEstadoà
ate alàe/ouà e e e e te,à ueàdis u si a e teàseà olo aà o oàp oteto àdaàpopulaç oà
aàpa i àdeàpolíi asàpú li asàespe íi as.à

Pa aàCa ei asà ,àessaàdi e sidadeàdeà o posàeàg e osàde t oàdasài situiç esà


deàsegu a çaà o o aàpa aàoàde ateàdasà elaç esà i il- ilita es,àoàp o le aàdosàdi eitosà
i isàeàpolíi osàeàdaà ulipli aç oàdeàide idadesàg upais,à asàta àaà uest oàdaà
legii idadeàeàei iaà ilita es.à“egu doàaàauto a,à aisà ueàga a i àaàho oge eidadeà
daà t opa,à asà Fo çasà á adasà eà Poli iais,à passa a à aà o f o ta -seà o à aà e essidadeà
deà ge i à aà di e sidade.à ál à deà sele io a à eà e lui ,à osà p o essosà deà e uta e toà eà
t ei oà passa a à aà o ie ta -seà pa aà assegu a à aà i teg aç oà deà g uposà ujosà i te essesà
s oàf e ue te e teàdei idosài te a e teàdeàfo aà o litualàeàat àa tag i aà e :à
ho e s/ ulhe es;àhete osse uais/ho osse uais .à

G a deàpa teàdosàestudosàso eàaài lus oàdeà ulhe esà asà a ei asàdaàsegu a çaà
pú li aà seja à elasà ilita esà ouà o,à i fo aà ue,à ep ese ta doà u aà pa elaà uitoà
eduzidaàdestasàfo ças,àasà ulhe es,à o àpou asàe eç es,àai daàest oàlo geàdeà hega à
aosà postosà supe io esà dasà o po aç esà e,à po ta to,à deà pode à i lui à aà o duç oà dasà
políi asàeà asàto adasàdeàde is o.àPo àse e à aisàjo e sà asài situiç es,àai daà oà
al a ça a à osà postosà aisà ele adosà e,à po à se e à ulhe es,à e o t a à dii uldadesà
adi io aisà ueàalo ga àesseàp o esso,àjusii adasàe àto oàdaàf a uezaàísi aàeà o aç oà
eàdedi aç oà ate alàeàfa ilia ài o paí eisà o àaàp og ess oà asà a ei asà D á aújo,à
;à“oa esàEàMusu e i,à ;àCa ei as,à .

“oa esàeàMusu e ià àa gu e ta à ueàaàfaltaàdeàu aà is oài situ io alàdoà


luga àfe i i oà aà o po aç oàfazà o à ueàasàa aliaç esài te asàso eàessaàp ese çaà
seja à aseadasà asà ep ese taç esà o e tesà so eà oà g e o,à oà se soà o u à eà asà
e pe i iasàe pí i asàdeà adaàpoli ial.àál àdisso,àasàest utu asàeàhie a uiasàpolíi asà
eào ga iza io aisà ueàdii ulta àaào ga izaç oàdeàasso iaç esàdeàdefesaàdosài te essesà
dasà ulhe esàpoli iaisàouàu aà ultu aàpoli ialàfe i i aà ueà esgateàeà alo izeàaàhist iaà
eàasàsi gula idadesàdaà o t i uiç oàdasà ulhe es,àfazà o à ueàasàpe epç esàso eàseuà
papelà aà o po aç oà seja à aseadasà e à julga e tosà i di iduaisà eà o sta te e teà
jusii adasàe àfu ç oàdeàu aà o pleiç oàísi aàde ilitadaàe à elaç oàaoàho e .

“eà p ese çaà eà ei i iaà fe i i asà s oà a aliadasà eà li itadasà estasà i situiç esà
aseadasà e à supostosà it iosà iologi istasà deà fo çaà ísi a,à asà ho osse ualidadesà
s oà o e idasà o à o otaç esà egai asà doà po toà deà ista,à so ial,à o al,à eligiosoà
eàat àsa it io.à“egu doàD á aújoà àeà‘o haà ,àapesa àdeàdi e sosàpaísesàj à
possuí e à políi asà deà e t adaà eà pe a iaà deà ho osse uaisà e à seusà efei os,à aà
ho osse ualidade,à e àp ai a e teàtodasà asà pa tesàdaà á i aà Lai a,à ai daà à istaà
o oàdes ioàouàdep a aç oà o al,àu aàdoe ça,àu aàa o aliaàouài dig idadeàso ial.à
Osàa gu e tosà o t iosà ài lus oàeà àpe a iaàdeàho osse uaisà oài te io àdasà
t opasà oàdesdeàu aàpossí elài te fe iaà aàei iaàdaàFo ça,àau e toàpote ialàdeà
possi ilidadesàdeàass dioàse ualàpo àho osse uais,àaàele aç oàdoà is oàdeà o t gioàpeloà
HIV/áID“àe,àp i ipal e te,àaàdi i uiç oàdaà oes oàdasàt opas,àoà ueào asio a iaàu aà
uedaà deà ei ia.à J à osà fa o eis,à suste ta à ueà taisà a gu e tosà s oà fu dadosà e à
p e o eitoàe,àpo ta to,ài lidosà ‘o ha,à .

“a tosà à eà Ca ei asà à ha a à ate ç oà pa aà aà p i aà o e teà deà


uilizaç oà deà te osà dep e iai osà eà ofe si osà pa aà a uelesà ueà seà sup eà ouà deà fatoà
assu a àu aào ie taç oàse ualà oàhete osse ualàde t oàdasàCo po aç es,àal àdeà
p i asà deà isola e toà eà a gi alizaç oà doà p oissio alà pe a teà aà t opa,à oà ueà podeà
le a àaàu aàaitudeàdeàa a do oà olu t io,à ue,àai al,àfu io aà o oàu aàpu iç oàeà
at i uiàaoàp p ioàsujeitoàaà espo sa ilidadeàpelaàsuaài apa idadeàp oissio al.

Co o da osà o à‘o haà à ua doàelaàai aà ueàaàe lus oàouàaào st uç oà


aoà i g essoà deà ho osse uaisà osà o i ge tesà doà E ito,à Ma i haà eà áe o ui aà
Fo çasà á adas ,à assi à o oà asà pe seguiç esà eà iolaç esà deà di eitosà o t aà estasà
populaç esà asà Polí iasà Milita es,à Ci is,à Bo ei osà eà Gua dasà Mu i ipaisà Fo çasà
Poli iais à oà t à ape asà oà o jei oà deà esig aiz -losà doà o í ioà so ialà eà p otege à
aài age àdasài situiç es,à asà olo aàe à uest oàoàp p ioà o eitoàdeà idada iaàaoà
i pedi àaàpe a iaàdeàho e sàeà ulhe esàe ài situiç esàdesi adasà àdefesaàdoà
paísàeàdaàsegu a çaàpú li aàeà àga a iaàdosàpode esà o situ io ais,àe à az oàdeàsuaà
o ie taç oàse ualàeàide idadeàdeàg e o.

à
Pa aà aà auto a,à ega-seà aoà ho osse ualà seuà statusà i itaisà po à desitui -lheà aà
possi ilidadeàdeàpa i ipa àeàse i -seàdasài situiç esàestatais,àe igi do-oà à o diç oàdeà
idad oàdeàsegu daà atego ia,àoà ueàse iaàe ui ale teà àsu t aç oàdoàdi eitoàaoà otoàdasà
ulhe es,àouà es oàaàes a atu a,à ua doàosà eg os,à oàe a àsujeitosàdeàdi eitosàe à
fu ç oàdaàsuaà açaà ‘o ha,à .

Noà itoà daà se ualidade,à oà p e o eitoà so ialà p oduziuà aà i isi ilidadeà deà

Segurança Pública e População LGBT - Formação, Representações e Homofobia


e tasàide idadesàse uadas,àjusii a doàaàsu alte idadeàdeàdi e sosàdi eitosàso iaisà
eà legii a doà p i asà deà i fe io izaç esà so iais,à o oà aà ho ofo ia.à á ui,à e te didaà
o oà u à fe e oà psi osso ialà daà di i aà daà o ga izaç oà daà so iedadeà ode a,à
aoà p o o e à eà suste ta à o epç esà ideol gi asà eà og ii asà so eà aà legii idadeà eà
ilegii idadeàdeàdi eitosàdeàg uposàdeàse ualidadesà oàhege i asàeàaàlegalidadeà ouà
o àdasàfo asàdeài te pelaç oàdoà u doàpú li oà P ado;àMa hado,à .à

Ope a do,à si ulta ea e te,à asà di e s esà i di idualà eà olei a,à u aà ezà ueà
oàseà esu eà àdi e s oàdaà a io alidadeài di idual,àpoisàseàest utu aàaàpa i àdeàu à
o ju toàa st atoàdeà alo esàso iais.àássi ,àaàho ofo iaàatuaà aà igil iaà oàs àdasà
o dutasàse uais,à asàta àdasàe p ess esàdasàide idadesàdeàg e o,àde a a doà
osàli itesàdaà o alidade àe,àaoà es oàte po,à eite a doàseuà alo àe à o t aposiç oà
aoà ueà seà des iaà e,à o se ue te e te,à de eà se à a gi alizadoà P ado;à Ju uei a,à
.à Pa aà Welze -La gà ,à aà ho ofo iaà e igeà f o tei asà esta uesà e t eà osà
g e os,ào ga izaàaàdis i i aç oàfa eà uelesà ueàes apa à sài age sàeste eoipadasà
ueàseà o st oe àso eàosàg e os,àso etudoà ua doàseàpe saà ueàeles,àg e os,às oà
i ut eis.àNesteàse idoà ueà o p ee de àaàho ofo iaà o àu àsiste aà ola o aàpa aà
ueà seà possaà e ela à iasà deà suasà di e s esà ueà dispostasà e t eà osà i di íduosà eà aà
ultu aà o st iàeào ga izaàf o tei asàesta uesàeàoà o t oleàso eàelasàe t eàosàg e os.

.à“ÍNTE“EàáNáLÍTICá
Oà ate ialàge adoàaàpa i àdoà o tatoà o àasàt sài situiç esà osàpe iteài fe i à
eà ai a à u à astoà pa o a aà e t eà segu a çaà pú li a,à o epç esà so eà g e o,à
se ualidadeàeàho ofo iaà oàB asil.àá ai o,à elata osàosàp i ipaisàpo tosà ela io adosà
aosào jei osàdessaàpes uisa.àCa eà essalta à ueàh àu aàhete oge eidadeàdasài situiç esà
Polí iaàMilita ,àPolí iaàCi ilàeàGua daàMu i ipal à ueà e e eàse à espeitadaàpa aàu aà
de sidadeà o p ee si aàeàa alíi aàdoàp e o eito,à e à o oàpo à egi oàdoàpaís,àoà ueà
pode à pe ii à aà o st uç oà deà ele e tosà i te e i osà i situ io aisà ueà us ue à
o ate à asà p i asà pou oà ualii adasà dosà age tes,à assi à o oà asà alte aç esà osà
p o edi e tosà o ai os.

zàNosàg uposà o àasàPolí iasàMilita esà PM ,àdeàfo aàge al,àfo a àp ofe idosàosà
o e t iosà aisà p e o eituosos,à ag essi osà eà alheiosà à o p ee s oà doà ueà s oà
g uposà ul e eis.àDesta a-seà ueàosàg uposàdosàoi iaisàeàdelegadosàapa e e à o oà
osà aisà o se ado esà eà p e o eituososà e à elaç oà à populaç oà LGBT.à áp ese ta à
pou asà íi asà sà i situiç esà e,à e à g a deà edida,à asà ap ese ta à o oà odelos,à
suge i doà ueàseusà alo es,àespe ial e teàoà espeitoà àhie a uia,àde e ia àse à aisà
difu didosà oà u doàpa aàaàsoluç oàdeà uitasà uest esàso iais.à
Osà poli iaisà deà e o à pate teà aà hie a uiaà i situ io alà s oà osà ueà aisà
uesio a à aà est utu a,à oà e ta to,à uesio a à aisà aà est utu aà i situ io alà dasà
polí iasàeàaàsu iss oà àhie a uiaà ueàosào igaàaàsegui ào de sàse à uesio -lasàeà
apo ta à ue,à aà aio iaàdasà ezes,àoà o a doàdes o he eàaà ealidadeàdosà o a dadosà
eà oàseàp eo upaà o àasàdii uldadesàe f e tadasà oà oidia oàdeàt a alho.

Osà alo esà o aliza tes,à uitasà ezesàligadosà sà eligi esà ist s,àapa e e à o oà
osàp i ipaisàguiasàdeàsuaà o dutaàp oissio al,à es oà ie tesàdeà ueà ep ese ta àu à
Estadoàlai o.àTalàsepa aç oàe t eàEstado,à eligi oàeàatuaç oàp oissio alà oàpa e eài a à
la aàpa aàessesàp oissio ais,àassi à o oàpa aàta tosàout os.à

I po ta teà f isa à ueà uitosà depoi e tosà deà age tesà deà segu a çaà pú li aà
uiliza a -seà deà u aà et i aà o alà eligiosaà o oà fa íliaà à ho e à eà ulhe à
po ueà Deusà fezà assi .à Essaà et i aà to a-se,à uitasà ezes,à aà le teà i te p etai aà
dasàhie a uiasàdeàg e oàeàse ualidade,ài po doàu aài teligi ilidadeàp p iaàpa aàasà
e pe i iasà ueàseàafasta àdasà o ai asàhege i asàdeàg e oàeàse ualidadeà ueà
us a àat i ui àu aàsupo taà oe iaàe t eàasàposiç esàdeàg e o,ào ie taç esàse uaisà
eà o po alidades.

Éàu ge teàeà e ess io,àpa aàu à elho àe te di e toàso eàdi eitosàdaàpopulaç oà


LGBT,à u à de ateà so eà elaç esà deà g e o,à egulaç esà eà este e iposà aseadosà e à
o epç esà so eà ho e à eà ulhe .à áà fo çaà ísi aà eà aà apa idadeà li itadasà pa aà oà
se içoà ope a io alà s oà ai daà jusii ai asà pa aà aà i lus oà eguladaà deà ulhe esà asà
o po aç es ,ài depe de te e teàdosà asosàdeà ulhe esà e àsu edidas,à o side adosà
o oàe eç es.

. àNáàT‘ILHáàDá“à‘EP‘E“ENTáÇÕE“
Éà ot elà ueàasà ep ese taç esà ueà i ula à asài situiç es,àso eàaàpopulaç oà
LGBT,à s oà fo te e teà este eoipadasà eà p e o eituosas.à ái daà ueà aà o i iaà
o à out osà poli iaisà eà gua dasà oà hete osse uaisà sejaà deà g a deà ele iaà pa aà aà
essig ii aç oàdeàalgu asàe pe i ias.à

E àu àdosàdepoi e tosàdeàu àpoli ialà i ilà as uli oàso eàoàdelegadoàdeàsuaà


epa iç o,à eleà ilust aà asta teà o oà essaà o i iaà te à sido:à Oà o oà fu io ioà
daàdelega iaàa u ou,àdei ouàoàa ie teà aisào ga izadoà olo a doàlo esàeàtudo.àOà
delegadoà esta aà deà f iasà eà aà out aà se a aà oltouà aoà se iço.à Disseà ueà f es u aà à
essa,àa uià essaàsala? ,àosà olegasà espo de a à ueàe aàoà o oàes i oà ueàdeuàu aà
a u ada.à Viadi ho? ,àosà olegas,à-àÉ.à Poisàeuàestouàfaze doàoàoí ioàeàde ol e doàele,à
po ueàeuà oà ue oàt a alha à o à iadi ho,à o .àEàde ol euàoà olegaàse à e àte à
o he idoàpessoal e te. . PCàMas uli o .

ásà ep ese taç esàa e aàdasàe pe i iasàLGBTàs oà o e t adasàe àeste e iposà


egai os,à p e o eitosà o à jusii ai asà eligiosasà e/ouà daà atu eza,à i ula doà
se p eàasàe pe i iasàLGBTàaàu aà oç oàdeà olei idadeàpou oài di idualizada.àEstasà

àPa aàu àe e ploàape asà %àdaàpolí iaà ilita àeàdaàgua daà u i ipalàdoàestadoàdeàGoi sà àfo adaàpo à ulhe esàeàe à“a taà
Cata i aàesseà ú e oà aiàai daà ais,àpa aàosà %.

à
ep ese taç esà so iaisà s oà e p essasà o oà seà fosse à atu ezasà at i uídasà aà pessoasà
LGBTàeà ueàpa e e àsuste ta àoàu i e soà as uli oàhege i oàdasà o asàdeàg e oà
eàsuasà eite aç es.àEst o,àta ,à uitoà i uladasàaàu aàideiaàdeài situiç oà is ge aà
eà a hista,à se doà alo izadoà oà u i e soà daà fo çaà eà daà as uli idadeà hege i a,à
po ta to,à uitasà ezesàapa e e àapoiadasà aàp p iaà ultu aàdasài situiç esàpoli iais.à

Oà p o le aà à aà fo aà pelaà ualà estesà ho osse uaisà seà e p essa à de t oà deà

Segurança Pública e População LGBT - Formação, Representações e Homofobia


u aàdelega ia,àouàu àhospital.àPo ueàseà hegaàu àho osse ualàs io,àpassa doàpo à
u à p o le a,à eleà aià se à t atadoà deà fo aà s iaà ta à de t oà daà delega ia.à ágo aà
seà hega,à u àli guaja àpopula ,àu àespalhafatoso,à ue e doàse à ulhe ,à o à oupasà
i ade uadas,à ouà aà ulhe à ue e doà se à ho e ,à o à oupasà i ade uadas,à o à oà
li guaja ài ap op iadoàde t oàdeàu aàdelega iaà aiàge a àu à o st a gi e toàeàpodeà
ge a àsi àu àp e o eitoàeàt ata e toàdife e iado. à PCàMas uli o .

ásà ep ese taç esà a e aà dasà e pe i iasà LGBTà oà e o t a à o e tosà deà


ele oà ouà i te pelaç o,à e à pelaà l gi aà i situ io al,à e à peloà e o he i e toà deà
igualdadeàdeàdi eitos,àeà e àta pou oàpelaàfo aç oàe àdi eitosàhu a osàdasàp p iasà
Polí ias.à

áà aio iaà te à HIV,à issoà à estaísi a,à oà à dis i i aç o .à Eà te à suasà fo asà


deà o ga izaç oà eà ei i di aç oà deà di eitos,à deslegii adas:à [...]à ia à u aà i age à
disto ida,à à u à a su doà oà ueà a o te eà asà passeatas,à oà p e isa aà agi à da uelaà
a ei aàp aà o segui àseusàdi eitos à P aça

Elesà à ueàseài p e àu àpou ui hoàeàseàdis i i a à assi à o oàosà eg os ,à


olo a àissoà o oàes udo.àOà idad oà e à esol idoàseà o po taà o oàu aàpessoa.à
Elesàseà olo a à aà o diç oàdeàdife e tes,àpa aàte àalgu sà e eí iosàju ídi os.àQue e à
di eitosàal ,àj àpassaàdoàigualit io. à P aça

I te a e te,à aà di e sidadeà se ualà à elatadaà de t oà doà polii a e teà o eto,à


po à à isí elà ueà piadasà eà i adei asà s oà pe iidasà eà atu alizadasà seà pa i e à
deà olegasà hete osse uais.à Ope ado esà daà segu a çaà pú li aà LGBT,à aoà o pa ilha à
e pe i iasà pessoaisà ouà f e ue ta e à espaçosà pú li os,à o à seusà eà suasà pa ei as,à
o e à oà is oà deà se e à a usadosà deà fo ça à u aà ap o i aç oà eà a eitaç oà deà suaà
o diç o.

áà p oissio alà l s i aà ai daà apa e eà ep ese tadaà o oà uitoà as uli a,à


ope a io alà e,à uitasà ezes,à galea teado aà f e teà aà out asà ulhe esà daà i situiç o.à
Ho e sà ga sà s oà o al e teà a a te izadosà o oà e essi a e teà i i istas.à
T a esisàeàt a se uaisàapa e e à o oàasàe pe i iasà aisà a egadasàdeàeste e iposà
eàp e o eitos,àpo àpa teàdosàope ado es.àN oàh àu àe te di e toàso eàaàdife e çaà
e t eào ie taç oàse ualàeàide idadeàdeàg e oàeàe à e hu à o e toàfoià espeitadaàaà
ide idadeàdeàg e oàfe i i aàdessasàpessoas,à ueàai daàapa e e à o oàasàp i ipaisà
íi asàdeà auàate di e toàeàse à e u sosàdeàde ú ias.

Noà asoàdeàate di e toàaàu aàt a esià pa aàoàEstadoàeleà àu àho e à[...]àeuàseià


ueà uitasà ezesàd àp o le a,àd àpol i a,àpo ueàaàpessoaàseàse teà ulhe à[...]àp aà
sàfu io aàdestaàfo a,àde t oàdaàlegalidade à Delegada .
Ne hu à o a doàsou eà espo de àso eàga a iaàdeàdi eitosàp e ide i iosàeà
ai sàpa aàfu io iosàLGBTs.àNoàe ta to,àfo a à e io adosàe àe t e istasàeàg uposà
fo aisàdi e sosàp oissio aisà ueàpossue àu i oàest el,àadoç oàdeàilhosàpo à asalàdoà
es oàse oàe,ài lusi e,àope ado esàdeàsegu a çaàpú li aàt a se uais.

. àáLGUN“àá“PECTO“àDáàFO‘MáÇÃOàPOLICIáLàEMàDI‘EITO“à
HUMáNO“.
“o eàaàfo aç o,àe àge al,àdosàage tesàeàope ado esàdaàsegu a çaàpú li aà osà
estadosà estudados,à o statou-seà ueà asà fo aç esà e iste tesà li ita -seà aà i fo a à
osà ope ado esà daà segu a çaà pú li aà so eà oà itoà ope a io alà deà ate di e toà
dessaà populaç o.à Talà a o dage à des o te tualizaà aà dis uss oà deà u à a poà aisà
a ploà deà e te di e toà so eà di eitosà hu a osà e,à p i ipal e te,à so eà idada ia,à
espe ial e teà ua doàseà o side aàaàpopulaç oàLGBT,à ueàpo àsuaà ezàte àe pe i iasà
di e sasà ela io adasà ào ie taç oàse ualàeàide idadeàdeàg e o.

Éà e ess iaàu aàa o dage àhist i aàeà o te tualizadaàso eàoàassu to,àeà o àaà
pa i ipaç oàp ese ialàdeàpa i ipa tesàdosà o i e tosàso iaisà ueàpode oàap ese ta à
u àdi logoà oà í elàdaàe pe i iaàeàdaà ele oàso eàela.àI te essa teàta àdis ui ,à
lo al e te,àasàe pe i iasàdeà adaàide idadeà aà idadeàe/ouà oàestado.àáàes assezàdeà
so ia ilidadeà o àaàpopulaç oàLGBTàta àseàap ese taà o oàu aà uest o,àu aà ezà
ueàh à is esàeste eoipadasà asài fe iasàdasàfalasàdosàope ado es.

áà ho ofo ia,à seà e te didaà o oà u à siste aà deà hu ilhaç oà oidia oà eà


ge e alizado,à ueà seà e p essaà at a sà deà aç esà deà i di íduos,à g uposà eà i situiç esà
deà fo aà aà a te à ouà ia à e a is osà oe ii osà deà ade uaç oà dosà i di íduosà sà
o asàhege i asàdeàg e o/se ualidade,àpe ite- osà o side a à iosàaspe tosàdeà
suasà di e s es.à Esseà siste aà deà hu ilhaç oà seà et oali e taà doà sile ia e toà eà daà
aus iaàdeàpolíi asàespe íi asàdeà o ateàaoàp e o eitoàeàdeàp o oç oàdosàdi eitosà
deà i o ias.à áà ho ofo ia,à e ua toà u à siste aà deà hu ilhaç oà oe ii o,à o situià
ele e toà de isi oà aà edu aç oà eà aà fo aç oà p oissio al,à i doà desdeà asà fo asà deà
e lus oà aisàse sí eisàat àasàfo asàdeà iol iasàísi asàeàpsi ol gi asà aisà u is.

áà fo aç oà o oà seà e o t a,à o oà t pi osà ouà dulosà deà out asà dis ipli as,à
ge a à i o p ee s es,à ouà o p ee s esà li itadasà deà i po ta tesà o eitosà o oà
ho ofo iaàeà a is o.àáàho ofo iaàe te didaàso e teà o oàfo aàdeà iol iaàísi aà
o t aàoà idad o/ idad àLGBTàeà oà o oàu àsiste aàdeàhu ilhaç oà ueàpe passaàasà
elaç esài di iduaisàeài situ io aisài luiàdi eta e teà oà itoàdaàope a io alizaç oàeà
ate di e toàdestaàpopulaç o,àu aà ezà ueàaàpopulaç oà àdeslegii adaàeà alàate didaà
ua doà oà à e àate dida à asàdelega iasàpa aàaàfeitu aàdoàBolei àdeàO o iaàouà
uais ue àout osà egist os.àál àdisso,àosà elatosà ueà o p e àessasàpeçasài situ io aisà
s oà o al e teààal oàdeàdis u sosà o alizado es,àpa i ula e teà ua doàseàt ataàdeà
pessoasà o àp i asàse uaisàdisside tes.

Oà ueàeuàsi toàeà essi toà uito,àpo àe e plo,àoà ossoàsiste aàdeà oletasàdeàdados,à


doà“I“POL,ào deàaàge teà oletaàdados,ài feliz e teàpou asài fo aç es,àespe ial e teà

à
o à elaç esàaàg e oàs oà olo adasàeàaíài aà ago.àE t o,à o à àu àho i ídioàeàs à
depoisà ueà o à aià o eça àaài esiga à ueàpe e eà ueàseàt ata aàdeàu àt a se ualà
eàtal,à asàissoà oài aà oà ossoàsiste a,à oà ossoà olei àdeào o iaàeàdii ulta,à
o ia e te,àasàestaísi asà ueàaàge teà aiàte àso eàestasà uest es. à Delegada .

Out oàpo toàide ii adoà aà oletaàdeàdados,àeàdeàsu aài po t iaàpa aàoàsu essoà


daàfo aç o,à àu aà oe iaài te aàe t eàasài fo aç esà epassadasàaosàalu os.àÉà

Segurança Pública e População LGBT - Formação, Representações e Homofobia


e ess ioà ueà oà s à oà p ofesso à deà Di eitosà Hu a osà ouà deà T i asà Ope a io aisà
Pad oàte haàu àdis u soàdeà espeito,à asàsi àtodoàoà o poàdo e te,àpoisàseàa aliouà ue,à
dia teàdeài fo aç esàdis o da tes,àp e ale eàoàse soà o u àeàaç esàp e o eituosas.à
E à uaseàtodosàosàestadosàfoiàde la adoà ueàosàp ofesso esà espo s eisàpelaàte i a/
ei oàdeàDi eitosàHu a osàs oà istosà o oàu aà i o iaà ueàoà estoàdoà o poàdo e teà
oà o p ee deàsuaài po t ia.

“o eà fo aç oà o i uada,à o statou-seà ueà aà es aà à p o u adaà ua doà


o igat iaà de t oàdaàfo aç oà egula àouà i uladaàaà e eí iosà o oàaàe i taà olsaà
deàestudo,àouàp - e uisitoàpa aàp o oç oàeàa o oàsala ial.àá uelesà ueàp o u a àosà
u sosà olu ta ia e te,à o al e te,àt àalgu aàse si ilidadeàpa aàaàdis uss oàeàe à
uaseàtodosàosàestadosài ouàe ide iadoà ueàs oà uitoàpou os.àNesseàse ido,àout asà
pes uisasàouàle a ta e tosà aisàespe íi osàso eàessaà ealidadeàpode ia àpossi ilita à
à“ENá“Pàu àdiag si oà aisàa u adoàdessaàpe epç oài i ial,àoà ueàpode iaàle a àaà
u aà possí elà eest utu aç oà deà políi asà deà fo aç oà dosà ope ado esà deà segu a çaà
pú li a.à

Desta ou-se,àta ,àoàe essoàdeà e la aç oàdosàpoli iaisà i isàso eàaàaus iaà


deà u sosàso eàaàp i aàpoli ial;à o tudo,à ua doài te ogadosàso eàoà o teúdoàdessesà
u sos,àelesàfala àape asàdoà u soàdeài oàeàdoà u soàdeàdefesaàpessoal.àN oàapa e eà asà
falasàdosàpoli iaisà e hu aàa i ulaç oàdaài po t iaàdoà u soàdeàdi eitosàhu a osà
pa aàaàp i aàp oissio al.

ái daàso eà u sos,àfoià e o e teàaà e la aç oàso eàaà eduç o/ o teàdasà olsasà


deà fo aç oà ueà e a à ofe e idasà pelaà “ENá“P,à ueà pe iiaà ueà osà p oissio aisà
izesse à u sosà o ple e ta esà deà fo aç o.à áoà ueà tudoà i di a,à oà o e to,à h ,à
so etudo,à u sosà deà e si oà à dist iaà ueà pode à se à feitosà pelosà p oissio aisà ueà
seài te essa e ,à asà oàh à e hu àipoàdeà e o pe saài a ei a,àa o oàdeàho asà
deà t a alhoà ouà es oà oà usoà dessasà ho asà deà u sosà o oà it ioà pa aà p o oç oà
p oissio al.

Oà it ioà deà seleç oà pa aà aà es olhaà dosà espo s eisà pelasà a ade iasà à u aà
uest oàaàse àde aida.àE àu àdosàestados,àaàdi eto aàdaàá ade iaàdeàPolí iaàCi là oà
sou eà epassa à e hu aài fo aç oàso eàaà o epç oà si aàdoà u soàdeàfo aç o.àáà
e pe i iaàdeàatuaç oà aà eaàeàaàt ajet iaàdeàt a alhoàpa e e à oàseà o situí e à
e àp io idadesàpa aàes olhaàdeàtalà a go.à

Dessaàfo a,à o à elaç oàaosà u sosàdeàfo aç o,àpode-seàai a à ue,àai daàh à


uitoàaàa a ça ,àsejaà aàdist i uiç oàdeà a gasàho ias,à aàfo aç oàdosàp ofesso esà
ueà i ist a à osà u sos,à aà etodologiaà ueà de e iaà seà i ula à à p i aà oidia aà
deàt a alhoàdosàage tesàpú li os,à o oàta à oà o teúdoàso eàasà uest esàLGBT,à
u aà ezà ue,à ua doàelasàapa e e ,àte -seàaàse saç oà ueàs oà aisàilust aç esàouàs oà
fo adasà aàideiaàdeàa o dage àdasàPolí ias.àE t eta to,àaà oç oàdeàdi e sidadeàpou oà
seà àe p essa,àta toàe àdo u e tosà o oà asàe t e istasàeàfalas.

. à O“à P‘OFI““IONáI“à Dáà “EGU‘áNÇáà PÚBLICáà Eà áà


POPULáÇÃOàLGBT
Fi ouàe ide iadoàat a sàdosàdadosàdaàpes uisaà ueài esigaç esàdeà i esà ueà
te ha àpo à íi asài teg a tesàdaàpopulaç oàLGBTà oà e e e àoà es oài esi e toà
eàai oà asàapu aç es,à uitasà ezesàpo ueàoàp p ioàp oissio alà oàe te deàa uelaà
situaç oà o oà oi adaà pelaà ide idadeà deà g e oà ouà o ie taç oà se ualà da uelesà
sujeitos.àOàp p ioà a te àdeà ul e a ilidadeàdaàpopulaç o,à ua doà uesio adaàeà oà
e te didaàe àsuaà o ple idadeà aàdi i aàso ial,àfazà o à ueà uitosà i esàseja à
p e ia e teàdes a tadosàouà oài esigados,àpoisà oà àho ofo ia,à à i eàpassio al ,à
oà àho ofo ia,à à ou oàeà o teà o oà ual ue àu .N oàh àu aàleitu aàso eàosà
o te tosà ueàle a a àessesàsujeitosàaàesta e àe àluga esàeàsituaç esà aisà ul e eisà
doà ueàout osàsujeitosàhete osse uais.àÉài po ta teàle a à ueàaàho ofo iaài isi ilizaà
elaç esàeàpe daàdeàdi eitos,à atu aliza doà e tasàsituaç esàeà elaç es.

Di eitosà eà ei i di aç esà dessasà populaç esà s o,à e o e te e te,à e te didosà


o oàe ig iaàdeàp i il gios,àal àdosàdi eitosàdeà ual ue à idad o.àN oàh à ual ue à
e te di e toà deà pe daà eà faltaà deà a essoà aà di eitosà eà idada iaà e à fu ç oà deà suasà
sexualidades.

Oàdis u soà e o e teàdeà t ata à e àaàtodos àeà ueà todosàs oàt atadosàiguais à
i isi ilizaà asà espe ii idadesà daà populaç oà LGBTà eà jusii aà aà faltaà deà fo aç oà
espe íi a.à Po à out oà lado,à dis u sosà o oà edu aç oà fa ilia ,à edu aç oà deà e ço à
ouà pe so alidadeà deà adaà u ,à uitasà ezes,à s oà uilizadosà pa aà jusii a à aitudesà
iole tas,àho of i asàouàdis o da tes,à o oàalgoà atu al,ài t í se oàeài ut el,à ujaà
fo aç oà oà o segui iaà uda .

“o eà i st u e tosà eà p o edi e tos,à o statou-seà ueà aà i lus oà dosà a posà


deà o ie taç oà se ual/ide idadeà deà g e oà eà oi aç oà po à ho ofo iaà osà egist osà
à i po ta te,à po à i sui ie teà seà oà fo à a i uladaà aoà t ei a e toà doà ope ado à
ua toàaoàp ee hi e toàeài po t iaàdessesàdados.àE ata e teàpo àisso,àaàpolíi aà
deà segu a çaà pú li aà seà à i apazà deà ge a à dadosà so eà assassi atosà eà iol iasà
o t aà pessoasà LGBT,à oà ueà se iaà asta teà si plesà asoà osà p o edi e tosà usuaisà
fosse à ate didos.à Issoà s à e elaà ueà asà fo asà deà hu ilhaç oà ge adasà peloà siste aà
deà p e o eitoà ho of i oà ai ge à oà s à i di íduos,à asà p ejudi a à i situiç es,à
faze doàpa teàdoà i loàdeàsile ia e toàt oàpe e soàaoà o ateà à iol ia.àOuàseja,àoà
sile ia e toàdaà oàe ist iaàdeàdadosà et oali e taàoàsiste aàdeàhu ilhaç o,à oà
t a sfo a doà esseà ipoà deà iol iaà e à e o he i e toà po à pa teà dasà i situiç esà
pú li as.

N oàh àe à e hu àdosàestadosàdelega iasàespe ializadasàpa aàoàate di e toàdessaà


populaç o.àápe asàe àMi asàGe aisàe isteàu à ú leoàdeàate di e toàespe ializado,à oà

à
e ta to,àse àaàest utu aàdeàu aàdelega iaàeàse àpossi ilidadeàdeàatuaç oài esigai aà
ade uada.àDesta a-seà ueàosàp oissio aisàe t e istadosàa gu e ta a à o t a ia e teà
aà iaç oàdeàtaisàlo ais,àjusii a doà ueà oàh àde a daà e à oi oàpa aàaà iaç oàdasà
es as,à es oàse àestaísi asàso eàoàassu to.àU àdadoài po ta te,à o fo eàosà
dadosà oletados,à efe e-seà àdesig aç oàdeàp oissio aisàpa aàt a alha e à asàdelega iasà
espe ializadas,à o oàdelega iaàdaà ulhe àeàdaà ia çaàeàdoàadoles e te:àosàp oissio aisà
oà e e e à e hu à t ei a e toà espe ializadoà pa aà atua à e à taisà delega ias,à ueà

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s o,à ai daà deà a o doà o à osà elatos,à delega iasà uilizadasà o oà pu iç oà pa aà ausà
p oissio ais .

. àá“àLENTE“àDáà‘ECEPÇÃOàDEàDENÚNCIá“
Doà po toà deà istaà i situ io al,à pe e e-seà ueà osà lu osà deà ate di e toà aà
de ú iasàso eà iol iasàho of i asàs oà uitoài egula es.àFi ouàe ide iadoà ue,à
aàg a deà aio iaàdosà asos,à ue àde ideàosàp o edi e tosàf e teàaàessasàde ú iasà à
u i a e teàoàage teà ueài aà espo s elàpeloà aso,àoà ueàle aàaàfo teà i ulaç oàe t eà
osàlu osàdeàu aàdete i adaàde ú iaàeàaàa liseài te p etai aàdeàu àage teàdosàfatosà
elatados,àouàseja,à oàh àe id iasàdeàp o edi e tosài situ io aisàaàse e àseguidosà
pa aà al à daà fo aà deà e epç oà eà es utaà po à pa teà doà age te.à I po ta teà ta à
salie ta à ueàdadaàaàfaltaàdeàju isdiç oàdosà i esàho of i osà àpossí elàai a à ueà
asài esigaç esà apida e teàpe de àoà a te àdeà i esàdeà dioàe/ouà iol iasàpo à
p e o eitosà pa aà se e à i te p etadasà o oà iol iasà o u sà des a a te iza doà
po ta toà aà oi aç oà p i ei aà ueà o situià oà o ple oà siste aà deà hu ilhaç oà eà
iol iaàdaàho ofo iaà oàB asil;àu àdosàp i ipaisà oi osàpeloà ualàaàsegu a çaàpú li aà
oàseàse teà apazàdeàge a àdadosàso eà iol iaàho of i aà oàpaís.àCo àe eç oà
doàPa ,à ueà iouài i iai asà ueà e e e àse àp ese adasàeài situ io alizadasà o à
ga a iasàdeàp ese aç o,à oàseà àe àout osàestadosàalgu aài i iai aà ueàe f e teàaà
p o le i aàdaà iol iaàho of i aà o àalgu aàespe ialidade.à

Doàpo toàdeà istaài te o,àasà o asàeà egula e taç esài situ io aisàdeà espeitoà
eàp o oç oàdeàdi eitosàpa aàosàp oissio aisàdaàsegu a çaàpú li aà ueàseja àLGBTàs oà
pou oà o he idasàpo àpa teàdosàe ol idos.àU à elho à o he i e toàdessasà o asà
po àpa teàdasà o po aç esàpode iaà ola o a àpa aàu àa ie teàdeàfo aç oàpe a e teà
aoà o p ee de àaàpopulaç oàLGBT,ài lusi eàpoli iaisàeàgua dasàLGBT,à o oàsujeitosàdeà
di eitosàe àe ui al iaàso ial.

Cha aàaàate ç o,àe àtodosàosàestados,àaàpou aàe p essi idadeàdasàou ido iasàdeà


polí ia.àáà aio iaàdosàp oissio aisàdes o he eàsuaàe ist iaàeà editaà sà o egedo iasà
asàde ú ias,àse àse ue à o p ee de àoàseuàlu o.

Todasà asà Gua dasà Mu i ipaisà t à ou ido iaà p p ia,à o oà à e o e dadoà


osà estatutosà deà iaç oà dasà Gua das.à Elasà ostu a à e e e à de ú iasà po à a tas,à
p ese iaisà ouà po à e- ail,à se doà ueà asà de ú iasà pode à se à elai asà aoà p p ioà
de u ia teàouàaàte ei os,àal àdeà e e e e àde ú iasàa i as.

J àasàPolí iasàMilita àeàCi ilàt àu aàou ido iaàú i aàe àtodosàosàestadosà ueà à
u aàou ido iaàdeàsegu a çaàpú li a,à e e e doàde ú iasàouàelogiosàso eàosàdi e sosà
g uposàp oissio aisà ueàfaze àpa teàdosàfu io iosàdosàestadosà ueàt a alha à o à
segu a çaàpú li a.àásàde ú iasàpode àse àfeitasàdaà es aàfo aà ueà asàou ido iasàdaà
Gua daàMu i ipalàe,àe àalgu sàestados,à àpossí elàfaze àde ú iaà iaà edesàso iais.àEssasà
ou ido iasàs oàp esididasàpo àalgu àdaàso iedadeà i ilàe,àe àBel àeàMa ei ,àh àduasà
ulhe esàou ido asàdeàsegu a çaàpú li a.àásàou ido iasài a àe àp diosàsepa adosàdeà
out asà epa iç esàpú li as,àpa aàga a i àu àli eàa essoàdaàpopulaç oàaoàseuàespaço,à
o tudo,àpou asàpessoasàpa e e àsa e àsuaàlo alizaç o.

áàou ido iaàdeàálagoasàest àe àu aà asaàa iga,àe àu aà egi oàdeà i i alidadeà


alta,ào deàaàp p iaàou ido aàdesta aàse àu aà egi oàdeàaltaàpe i ulosidade.àNaà asa,à
i a àaàou ido a,à ueà àfu io iaàdoàestado,àeàu aàse et ia.àáà asaà uaseà oàte à
eisàeàai daàest à o eça doàaàse ào upada.àáàsalaàdaàou ido aà à oàsegu doàa da ,à
a essí elàpo àes adasàe,àpo àisso,àu aàsalaàaosàfu dosàdoàa da àt eoàte àsidoàusadaà
pa aà e e e àaàpopulaç oà ueàte àdii uldadesàdeàlo o oç o,à asàaoà hega ,àaàou ido aà
j àpe gu taàseàpode iaàsu i àpo ueàaàsalaàdoàt eoàest à asta teà ofada.

E à Bel ,à aà ou ido iaà est à lo alizadaà e à u aà asaà uitoà a iga,à oà e t oà daà


idade,à asta teà deg adadaà eà o à g ossasà o e tesà aà e t ada.à Nestaà ou ido ia,à
al à daà ou ido aà ueà à ilita teà deà di eitosà hu a osà eà se à e hu aà ligaç oà o à
oà fu io alis oà pú li oà estatal,à ta à t a alha à algu sà assesso es,à edidosà pelasà
o po aç esàdeàsegu a çaàpú li aàdoàestado,à o oàdoisà o ei os,àfo adosàe àdi eito,à
ueàau ilia à aà o fe ç oàdasàde ú iasàeà oàt a alha àfa dados.àEstaàou ido iaàte à
seà ost adoàai aà aài stau aç oàdeàde ú ias,àouàseja,àdia teàdeàalgu aà epo tage à
ueàde u ieàu aà o dutaà aisàag essi aàdeàu àp oissio alàdaàsegu a çaàpú li a,àpo à
e e plo,àelaàe iaàu aà piaàdoà elatoà à o egedo iaàdaài situiç oà espo s el,àPolí iaà
Ci il,àMilita ,à o ei osàouàage tesàdeàsegu a çaàpe ite i ia,àeàpedeàoàes la e i e toà
doào o ido.à‘e e te e te,àhou eàu àassaltoàaoàlo al,ào deàtodosà ueàaliàt a alha à
fo a à olo adosà so à aà i aà deà a asà eà ou ados,à se doà ueà algu sà a ui osà fo a à
dest uídosàeà o putado esàta àfo a àle ados.àDia teàdaàe posiç oàpelaà ualàtodosà
passa a ,àaàú i aàsoluç oàe o t adaàpa aàga a i àu aà aio àse saç oàdeàsegu a çaà
foiàa o e ta àoàpo t oàdeàe t ada,àat à ueà ude àpa aàu aà o aàsalaàouà asa,à ueàest à
se doàp o ide iada.

Noà Pa à eà e à álagoas,à asà ou ido iasà oà pa e e à e e e à ta tasà de ú ias,à


espe ial e teà seà le a osà e à o side aç oà ueà s oà ou ido iasà estatais.à Issoà suge eà
ueàai daà oà àu àespaçoà uitoà o he idoàdaàpopulaç oàe àge al.

Oà lu oà dasà de ú iasà e à todasà asà ou ido iasà à oà es o:à oà ou ido à ou eà aà


de ú iaàeàa aliaàseàoà ueàfoià elatadoà àpassí elàdaàa e tu aàdeàu àpedidoàdaàou ido ia,à
oà ueà o al e teàa o te e.àValeàdize à ueà àpossí elàfaze àu àelogioàpo àessesà a ais,à
asàs oàai daà aisà a os.

Oàou ido àp o u aàle a ta à o àate ç oàosàpo tosàpassí eisàdeà uesio a e toà


dasàaç esàp oissio aisàeàa e àu àp oto oloài stau a doàu àpedidoàdeàes la e i e toà
po à pa teà daà i situiç o.à áà pa i à daí,à aà de ú iaà à e a i hadaà sà o egedo iasà
i situ io ais,à osà o egedo es-ge aisà a olhe à oà pedidoà eà e a i ha à sà de idasà
o iss es.àCadaà o egedo iaàte àalgu asà o iss esà ueàa alia àosàdife e tesà asosà
e e idos,à pode doà segui à desdeà u à p o edi e toà ad i ist ai oà at à aà e puls oà daà

à
o po aç o.àJ à asà o egedo ias,à àdadoàoàdi eitoàdeàa plaàdefesaàaosàa usadosà ueà
pode à o o a àseusàad ogadosàeà eu i àp o asàpa aàseàdefe de e àdasàa usaç es.à

ásà ou ido iasà a o pa ha à oà a da e toà dasà de ú iasà à dist ia,à oà


pa i ipa doà aisà doà p o essoà deà a usaç o,à ape asà i fo a doà aosà de u ia tesà
oàa da e to.àE àalgu sàestados,àoàp o essoàge aàu àp oto oloàdigitalà ueàpodeàse à
a o pa hadoà peloà p p ioà de u ia te,à at a sà deà u à ú e oà eà deà u aà se haà deà

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acesso.

Oà o e toàdeà o p o aç oàdaàde ú iaàpa e eàse àoà aisàf gil.àE àp i ei oà


luga ,àseàaàde ú iaàfo àa i a,àpodeà oàha e à aisàp o asàdoà ueàasàap ese tadasà aà
a e tu aàdoàp o esso;à asoàoàde u ia teàseàide ii ue,àeleàse à o o adoàpa aàoii asà
de t oàdasà o egedo ias,à ueàs oàpa teàdasà o po aç esàdeàsegu a çaàpú li a,àoà ueà
podeàse àu àta toài i idado .àCa eàaoàestadoàap ese ta àtodasàasàp o asàdispo í eis,à
o oàg a aç esàdeà e asàpú li as,àpo àe e plo,à asà oài aà la oàat à ueà o e toà
issoà à o adoàeàpo à ue .àDessaàfo a,àpa e eà ueàaàde ú iaàa i aà oàfa o e eà
uitoàasài esigaç es,àf agiliza doàseuàa da e to.

Cha aà aà ate ç o,à ta ,à oà ueà à feitoà o à asà de ú iasà pe pet adas,à ai daà
ueàpou as.àN oàh àu aàp opostaàdeà iaç oàdeà u sosàdeàfo aç o,àpo àe e plo,à ueà
p o u e à a o da à asà uest esà aisà f e ue tesà dasà de ú ias.à áà se saç oà ueà i aà
à ueà à p ai a e teà i úilà de u ia ,à ai daà ueà osà poli iaisà elate à ueà s oà uitoà
p ejudi adosàpo àessasàde ú ias.àáàú i aàsa ç oà ueàseàsa eà à ueàa ueleàouàa uelaà
ueà espo deàpo àu aài esigaç oà aà o egedo iaà oàpodeàse àp o o idoàdu a teàoà
pe íodo.

. àBOá“àINICIáTIVá“àáà“E‘EMàIMPLEMENTáDá“
OàEstadoàdoàPa àdesta ou-seàdu a teàasàai idadesàdeàpes uisaàpelasàp opostasà
deà o ateàaàho ofo iaàeàdeàedu aç oàpa aàoà espeitoà àdi e sidadeàse ualà ueàte à
o st uído.

U aàp opostaài te essa teà ueà i osàe à ossaà isitaà à apitalàfoiàoà Po toàdaàPaz ,à
ueà àu aàaç oàa i uladaàe t eàaàPolí iaàMilita àeàu aàONGà ha adaàG‘ETTáà-àG upoà
deà ‘esist iaà deà T a esisà eà T a se uaisà daà á az iaà -à ueà p op eà u aà a o dage à
o ju taà e t eà asà duasà e idades,à osà po tosà deà p osituiç oà deà t a esisà e à Bel .à
áài te ç oàdaàaç oà àdeài fo a à sàt a esisàeàaosàpoli iaisàso eàaà o dutaàade uadaà
du a teàu aàa o dage à oàlo alàdeàt a alho,àta toàpo àpa teàdosàpoli iais,à ua toàpo à
pa teàdasà e i asà ueàs oàa o dadas,à uaisàosàdi eitosàdeà adaàu àdelesàeà o oàagi à
esseà o e to.à

Essaàaç oà isaàaà elho a àaàa o dage à ueà àdadaà sàt a esis,ài fo a doàaosà
poli iaisà ilita esàso eà o oàseàdi igi à sà e i asàeàaàfo aà o oà o duzi àaà e ista,à
aoà es oàte poà ueài fo aà sàt a esisàso eàoàdi eitoàdosàpoli iasàdeàasà e ista e ,à
e à asosàdeàfu dadaàsuspeita,àeà o oàelasàde e àseàpo ta ,àsa e doàoà ueàse iaàu aà
aç oà o eta,àassi à o oàide ii a àosàpossí eisàe essosàdosàp oissio aisàdaàsegu a çaà
pú li a.à Estaà aç oà à ealizadaà aà pa i à doà deslo a e toà deà iatu asà daà Polí iaà Milita à
e deà eí ulosàdaàasso iaç oàat àasàt a alhado asàpa aài st uç o,àsoluç oàdeàdú idasàeà
e e i e toàdeàde ú iasàeà uesio a e tos.

Noà estadoà ta à est à se doà i pla tadaà aà a tei aà so ialà ú i aà ueà dispe saà
oà usoà daà a tei aà deà egist oà i ilà po à o te àtodasà asà i fo aç esà pessoais,à ueà se à
e pedidaà oài situtoàdeàide ii aç oàdaàPolí iaài il,àju toà sàde aisà a tei asàe pedidasà
peloàEstado.àál àdisso,àaàPolí iaàCi ilàdoàPa àte àu àNú leoàdeàáte di e toàaàG uposà
Vul e eisà NáV à ueà à o postoàpo à uat oàdelega iasàespe ializadas,àde t eàelasàaà
Delega iaàdeàCo ateà àHo ofo iaàeàC i esàdeàÓdio.

áàatualàdelegadaàadju taàdeàPolí iaàCi ilàdoàestadoàfoiàaà espo s elàpelaà iaç oà


eà i ple e taç oà doà NáVà eà te à i ple e tadoà u aà s ieà deà aç esà pa aà elho a à aà
fo aç oàdosàpoli iaisà i isà es i es,ài esigado esàeàdelegados àso eàoà espeitoà à
di e sidadeàse ualàeàoà o ateà àho ofo ia.àáàp p iaàdelegadaàpa e eà uitoà o ilizadaà
e àdese ol e àaç esà ueàate da à sà e essidadesàdosàg uposà ul e eisàpo àj àte à
t a alhadoà aàdelega iaàdeà o ateàaoàt i oàdeàpessoas,àta àpa teàdoàNáVàe,àaoà
atua à estaà ea,àp deàpe e e àaàp e a iedadeàdeàaç esàpa aàe f e ta àaàdis i i aç oà
sof idaàpelaàpopulaç oàLGBT.

Co tudo,ài aàaàdú idaàseàtaisàaç esàseàto a a à eal e teàpolíi asàdeàfo aç oà


pe a e teàde t oàdaài situiç o,à ueàpassouàaà o p ee de àoàd i itàfo ai oàdeàseuà
pessoalàeàasà o se u iasà aàaç oàdosàpoli iaisà i is,àouàseàtaisàaç esàest oà i uladasà
ape asà àp ese çaàdestaàdelegadaà aà heiaàadju taàdaài situiç o,àoà ueàle a iaàaàu à
e f a ue i e toàeà eglige ia e toàfutu o,à ua doàdeàsuaàsu situiç o.à

Desta a-seà ue,à apesa à deà algu asà p opostasà i te essa tesà deà o ateà à
ho ofo ia,àoà esultadoàai daà àpe ue o,àte doàe à istaàse e àe pe i iasà e e tes.à
Osàpoli iaisà i isàai daàde o st a àu àe o eàdes o he i e toàso eàaàdi e sidadeà
se ual,àassi à o oàoà ueàse ia àosàg uposà ul e eisàdeà odoàge al.àái daàh à uitoà
p e o eitoà e à elaç oà aà essaà populaç oà de t oà daà i situiç oà eà aà o p ee s oà dosà
di eitosàhu a osàa a aàdepe de doà uitoàdaà se si ilidade àdoàp oissio alàaoàte aà
ue,à dia teà deà u à i te esseà p p io,à us aà o p ee de à elho à asà uest esà ueà
e ol e àoàp o esso.

. à FO‘MULáÇÃOà Eà áPE‘FEIÇOáMENTOà DEà INICIáTIVá“à


GOVE‘NáMENTáI“
álgu asàp oposiç esàde o e tesàdessaàpes uisaàpode àse àele adasàeàde e à
se àpe sadasàe àp azosàpa aàsuasàp oposiç esài te e i as:

a àFo aç o:

• álte aç esà aà a gaà ho ia,à deà a ei aà aà da à desta ueà pa aà aà dis ipli aà deà
di eitosàhu a os;

• álte aç esà oà o teúdoà doà u soà deà di eitosà hu a os,à deà a ei aà aà lida à
o à u aà oç oà deà sujeitoà e osà a st ataà eà aisà o eta,à li adaà pelosà
a ado esàso iaisàdaàdife e ça;

à
• Fo aç oà doà o poà do e te,à o à atualizaç esà pa aà lida à o à u à o oà
o teúdoàdosàdi eitosàhu a os;

• I te se io aliza à oà de ateà dasà o ie taç esà se uaisà eà ide idadesà deà g e oà


o àout asà atego iasàso iaisà oà a poàdosàdi eitosàhu a os;

• á i ula àoà u soàdeàdi eitosàhu a osà àp i aàdosàpoli iaisàeàaosàout osà u sosà


ofe e idos;

Segurança Pública e População LGBT - Formação, Representações e Homofobia


• á i ula à aà fo aç oà o igat iaà o à aà ofe taà deà u sosà espe íi osà aà
etodologiaàdeàe si oà àdist ia,àofe e idosàpelaà“ENá“P;

• á i ula àoà u soàdeàdi eitosàhu a osà o àaàpa i ipaç oàdaàso iedadeà i ilàeà
o àpessoasà o àe pe i iasàLGBT;

• áàfo aç oàdaàte i aàdosàdi eitosàLGBTàpode iaàse àa i uladaà o àosà e t osà


deà efe e iaàLGBTà asà idadesàe/ouàestadosào deàessesàC‘àfu io a .

àP o oç oàdeàdi eitosàeà o ateàaoàp e o eito:

• I ple e ta àfo asàdeàde ú iaà asàou ido ias/ o egedo ias,ààdeàfo aà ueà
osàpoli iaisàLGBTà oàsof a à o st a gi e tosàe/ouàhu ilhaç es;

• E pli ita àosàdi eitosàga a idosàdeàpoli iaisàLGBTà oà itoàdasài situiç esàdeà


t a alho,àdeàfo aàaàda à o he i e toàpa aàtodos;

• Deli ea àpolíi asàdeàp e e ç oà à iol iaàLGBT,àpa i ula e teà o àt a esisà


eà t a se uais,à aà pa i à deà a aisà o à aà so iedadeà i ilà o ga izadaà eà o à asà
e pe i iasàdeàt a esisà ueàt a alha à o àt a alhoàse ual.

àFlu oàeàp o edi e tosàdeàde ú iasàeài esigaç o:

• C ia à p o edi e tosà pad oà pa aà egist oà deà de ú iasà deà iol iaà


ho of i a/t a sf i aà o àa o pa ha e toàeàsiste aizaç o;à

• C ia à políi aà o igat iaà deà ge aç oà deà dados,à aà pa i à dosà olei sà deà


o o iaàeàouàsi ila es,à o oàoà‘egist oàdeàE e tosàdeàDefesaà“o ialà-à‘ED“à
e àMi asàGe ais;

• C ia à políi aà deà di ulgaç oà e t eà aà populaç oà LGBT,à pa aà esi ulaç oà deà


de a das,àdeàfo aàaà o pe àoàpa toàdoàsil ioài situ io alizadoàso eàesteà
ipoàdeà iol ia;

• C ia ,à aseadoà osàestudosàdasàfo asàdeà iol iaàho of i a/t a sf i a,à


p o edi e tosài esigai osào igat iosà o à o t oleàso ial;

• Deli ea àpolíi aàdeàate di e toàpa aàasàde ú iasàdoàdis ueà ;à

• Esta ele e àu aàpolíi aàdeàe f e ta e toàaosà asosài te osà ueàseài stala à


asà o egedo iasàeà ueà oàap ese ta à esultados.
.àCON“IDE‘áÇÕE“àFINáI“
ássi ,à pode osà i fe i à ueà aà hete osse ualidadeà à p oduzidaà eà to adaà o oà
o aàpo àu à egi eàdeàse ualidade.àásà o asàt àoàpode àdeàu i àosài di íduosàaàpa i à
deàu aà aseà i aàeàpolíi a,àe,àaoà es oàte po,àfu io a à o oàu àp o edi e toà
deà a io a e toàdaào de àso ial,àp o essoàesseà ueàesta ele eàaà oe iaàeào de à
so ialà BUTLE‘,à ,àesta ele e do,àpa ado al e te,àu à egi eàdeà e dadeàso eàoà
se oà ueài possi ilitaàu aà i iaàde o i aàdaàse ualidade,àto a doàdi eta e teà
aà uest oàdosàdi eitosàhu a osàeàdosàdi eitosàse uais.à

Dessaà a ei a,àtaisàhie a uiasàse uaisàag ega à o ple idadesàpa aàpe sa osà


osà de atesà so eà di eitosà hu a os,à uitasà ezesà i te pela do-osà o oà atego iasà
u i e salisa tes.à Esteà à oà desaioà deà pe sa osà aà fo aç oà e à di eitosà hu a osà aà
o te po a eidade.

Oà te oà ho ofo ia à te à sidoà o u e teà e p egadoà e à efe iaà aà u à


o ju toàdeàe oç esà egai asà a e s o,àdesp ezo,à dio,àdes o ia ça,àdes o fo toàouà
edo à e à elaç oà aà ho osse uais .à E te d -loà assi ,à oà e ta to,à i pli aà li ita à aà
o p ee s oàdoàfe e oàeàpe sa àoàseuàe f e ta e toàso e teàaàpa i àdeà edidasà
oltadasàaà i i iza àosàefeitosàdeàse i e tosàeàaitudesàdeà i di íduos àouàdeà g uposà
ho of i os .àásài situiç esàso iaisàpou oàouà adaàte ia àaà e à o àisso.àOà ueàde otaà
oà pe igoà deà i di idualiza osà oà fe e oà se à u aà a liseà ultu alà eà i situ io al,à
pois,à al à deà li ita à aà o p ee s oà daà o ple idadeà daà iol ia,à ta à pe iteà
assegu a àu aàzo aài to elàpa aàasà azelasài situ io ais.

Muitasàa lises,àaoàfo a à oài di íduoàeà u aà is oài di idualiza teàdoàfe e o,à


a a a à po à ig o a à e a is osà so iais,à ela io aisà eà i te su jei osà daà o st uç oà
daà ho ofo iaà o oà u à siste aà deà op ess oà ueà a a geà itosà i t ai di idual,à
i di idual,à i te a io al,à i situ io alà eà so ialà PELEG‘INNI,à .à Dessaà a ei a,à asà
pes uisasàpsi ol gi asà ueàt àestudadoàaàho ofo iaài te alizadaàpa e e àse ,àai da,à
li itadasàpa aàaàa liseàdaàho ofo iaà o oàu àsiste aài te est utu adoàdeàop ess oà
ueà us aàaà a ute ç oàdeàhie a uiasàso iaisàeàdeà o t oleàdeàalgu sàso eàout os.

Doàpo toàdeà istaàpsi ol gi o,à o pe à o àaàho ofo iaàassi iladaàdizà espeitoà


aàsupe a à a ei asài postasàpeloà o ju toàdeà alo esàassu idosà o oà o etos.àEsseà
o ju to,à uitasà ezes,à i p e-seà o oà u aà i possi ilidadeà deà ueà aà e pe i iaà
ho osse ualà sejaà i e iadaà o oà u aà e pe i iaà legíi a.à ássu i à aà legii idadeà
dessaàe pe i iaàsig ii a ia,àpo ta to,à a ega àpo àu à eposi io a e toà aàp p iaà
hist iaài di idualàeà olei a,àj à ueàosà alo esà o aisàs oà o situido esàdasàide idadesà
eàdasà ultu as.à

Doà po toà deà istaà so ial,à aà ho ofo iaà i pedeà ueà osà i di íduosà e o t e à
legii idadeàpa aà ueàoàesfo çoàpsí ui oài di idualàdeàseàassu i àho osse ualàà o solide-
seà e à u aà ide idadeà e osà su o di ada,à al à deà legii a à fo asà iole tasà deà
e p ess oàdeà dioàeàdeàp e o eitoà P‘áDO;àMáCHáDO,à .

ássi ,à aà ho ofo iaà seà ap o i aà deà out asà fo asà deà dis i i aç oà o oà aà
e ofo ia,àoà a is oàeàoàa isse iis o,àpoisà o sisteàe à o side a àoàout oà oà aso,à

à
oàho osse ualàeàt a sg e os à o oàdesigual,ài fe io àouàa o al.àál àdisso,à o oà
ual ue àout aàfo aàdeài tole ia,àaàho ofo iaààa i ula-seàe àto oàdeàe oç es,à
o dutasàeàdisposii osàideol gi osàeài situ io ais,àse doàu ài st u e toà ueà iaàeà
ep oduzàu àsiste aàdeàdife e çasàpa aàjusii a àaàe lus oàeàdo i aç oàdeàu sàso eà
out os.

Out oà i po ta teà aspe toà aà se à e faizado,à oà i tuitoà deà seà o p ee de à aà

Segurança Pública e População LGBT - Formação, Representações e Homofobia


ho ofo ia,à à ueàaà o ple idadeàeàdi e sidadeàdasàp i asàdis i i at iasàpo à o taà
daào ie taç oàse ualààa i ula -seà o àout asà atego iasàso iaisà o oàet ia/ aça,à lasseà
ouà g e o.à Dessaà a ei a,à aà ho ofo ia,à apesa à deà se à u aà dis i i aç oà o u à aà
ga s,àl s i as,à isse uais,àt a esisàeàt a se uais,àai geàdife e te e teà adaàu àdessesà
sujeitos,àsegu doàasàdife e tesà atego iasàso iaisà ueà o situe àaàp oduç oàdeàsuasà
su jei idadesàeà ueà a a àaàlo alizaç oàdosà es osà asàhie a uiasàso iaisà Má‘“IáJ,à
.

Nesteàse ido,à a eàapo ta à ue,àsegu doàCa a aàeàVia aà ,àaàpa i àdeàu à


estudoà ealizadoà oà‘ioàdeàJa ei o,à osàa osàdeà àeà ,àasàt a esisàs oàasàp i ipaisà
íi asà deà i esà deà e e uç oà a a te izadosà o oà i esà ho of i os.à ál à disso,à
essesà assassi atosà s oà pe e idosà po à poli iaisà o oà o se u iaà deà u à odoà deà
idaà o sta te e teàp i oàdaàilegalidadeàeà ueà[s oà e e idos]à o àpou asàp ess es,à
so etudoàfa ilia esàpo àsuaàapu aç oàeàpo àjusiça à Cá‘‘á‘á;àVIáNá,à ,àp.à .

Dessaàfo a,àpo à oàe e e àaàpe fo ai idadeàdeàg e oàdeàa o doà o àoàse oà


ie ii a e teàde o i adoàeà o st uí e àseusà o posà o fo eàoàg e oàide ii ado,à
o pe e à o àaàdualidadeàho e - ulhe ,àasàt a esisàs oà ep ese tadasàso ial e teà
o à e osà edi ilidade,àa íguasàeà o oàpessoasà e osàdig as.àássi ,àaàho ofo iaà
sàt a esisàseàe ide ia,àsegu doàCa a aàeàVia aà ,à oàsile ia e toàdosàapa atosà
deà segu a ça,à oà des asoà o à asà i esigaç es,à osà e a is osà op essi osà deà u à
siste aà ueàa a geàaspe tosàsi li os,àjudi iaisàeài situ io ais.

Po ta to,à t ata-seà deà assu toà daà aisà altaà i po t iaà ua doà pe sa osà e à
políi asàdeàsegu a çaàpú li aàeàe pe i iasàdeàpessoasàLGBT,àu aà ezà ueàasàf e tesà
possí eisàdeàt a alhoà esseà o e toài di a à oàs àaà e essidadeàdeà ualii a à elho à
asàde ú iasàeài esigaç es,àpoisà uitasà ezesà ua doàseàt ataàdeà asosàdeà iol iasà
ho of i asà oàs oà a a te izadasàeà oàsegue àoàlu oài situ io alàp e isto,à o o,à
ta ,à ipii a à osà iposà deà i e,à u aà ezà ueà oà e isteà oà paísà e hu à a oà
legislai oàpa aàesteàipoàdeà i eàespe íi o.à

ál àdisso,àasàfo asàdeàa o dage àdasàPolí iasàdeàt a alhoàoste si oà asà idadesà


eàoàt a alhoàdeàp e e ç oàdaà iol iaàe ige àu aàfo aç oà essasài situiç es,à ueà
ai daàest à asta teàdista teàdoà ueàseàdese ol eàatual e teà oài te io àdasàa ade iasà
deàPolí ia.

Nestaàpe spe i a,àaà elaç oàe t eàaà iol iaàho of i aàeàasàpolíi asàpú li asà
deà segu a çaà passa,à so etudo,à po à u aà elho à fo aç oà dosà age tesà daà segu a çaà
pú li a,à peloà o pi e toà doà sil ioà o à aà te i aà oà i te io à dasà o po aç esà
eà peloà t açadoà deà pla osà eà est at giasà políi asà deà o ateà aà esseà ipoà deà iol ia.à
Pe segui àu aà ate ialidadeàdosàdi eitosàhu a os,à esseà aso,àpassa,àespe ii a e te,à
po à a a do a à u aà a epç oà u i e salizado aà eà te aiza à osà aspe tosà eà ele e tosà
ultu aisàlo aisà ueài siste àe àesta ele e àaà iol iaà o oàu à e a is oàdeà oe ç oà
dasà e pe i iasà deà g e oà eà se uaisà ueà es a a à asà f o tei asà dasà o ai asà
hege i asà daà as uli idade.à Oà ueà i pli aà e à i te fe i à oà s à aà fo aç oà eà
ualii aç oàp oissio alàdosàage tesàdaàsegu a çaàpú li a,à ueàpossue à o p ee s esà
asta teà p e o eituosas,à asà ta ,à e à p oposiç esà i situ io aisà deà p o oç oà
dosàdi eitosàdeà i o ias.

álgu asàp oposiç esàde o e tesàdessaàpes uisaàpode àse àele adasàeàde e à


se àpe sadasàe àp azosàpa aàsuasàp oposiç esài te e i as:

áoà i alà desseà estudo,à faze -seà algu asà e o e daç esà i po ta tesà pa aà aà
“e eta iaàNa io alàdeà“egu a çaàPú li aà “ENá“P à oàse idoàde:

a à E f e ta à osà desaiosà daà fo aç oà e à di eitosà hu a osà dosà age tesà deà


segu a çaàpú li a;à

à Qualii a à osà lu osà o ai osà deà p oduç oà deà dadosà eà deà a olhi e toà eà
o ito a e toàdeà iol iaàho of i aà oàpaísàe;à

à I te fe i à asà di i asà i situ io aisà eà asà ep ese taç esà dosà age tesà deà
segu a çaà pú li aà pa aà u aà ualii aç oà doà ate di e toà aà populaç esà
ul e eis,à e à o oàaài stalaç oàdeàp o edi e tosài te osà ueà esgua de à
osàdi eitosàdeàpoli iaisàLGBT.

‘EFE‘ÊNCIá“àBIBLIOG‘ÁFICá“
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Segurança Pública e População LGBT - Formação, Representações e Homofobia


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DIREITOS HUMANOS – CFHP 2021

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