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DIREITOS HUMANOS
CFHP PMPE 2021
SUMÁRIO
7. TEXTOS COMPLEMENTARES
7.8 Filtragem racial: a cor como na seleção do suspeito (Geová Barros) ....................103
7.9 Segurança Pública e população LGBT: formação, representações e
homofobia ......................................................................................................... 125
8. Referências Bibliográficas ................................................................................ 148
2
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
DE 1988
DIGNIDADE HUMANA
I. Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e
consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.[5]
Art. 5º, I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição.
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...
NÃO DISCRIMINAÇÃO
II. Todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta
Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião,
opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou
qualquer outra condição.
Além disso, não se fará distinção alguma baseada na condição política, jurídica ou
internacional, do país ou do território cuja jurisdição dependa uma pessoa, quer se trate de
país independente, como de território de administração fiduciária, não autônomo ou
submetido a qualquer outra limitação de soberania.[6]
Art. 5º, XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais:
Art. 5º, XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável imprescritível, sujeito à pena
de reclusão, nos termos da lei;
TORTURA
V. Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou
degradante.
Art. 5º, III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
Art. 5º, XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a
prática da tortura...
Art. 5º, XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
Art. 5º, L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com
seus filhos durante o período de amamentação.
PESSOA HUMANA
VI. Todo homem tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa
humana, perante a lei.. [9]
Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e Distrito Federal, constituiu-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: ... III - a dignidade da pessoa humana
IGUALDADE
VII. Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da
lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente
Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
Art. 5º, I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição.
ACESSO À JUSTIÇA
VIII. Todo homem tem direito a receber, dos tribunais nacionais competentes, remédio efetivo
para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela
constituição ou pela lei..[10]
Art. 5º, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
Art. 5º, LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.
Art. 5º, LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar
ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, pela ilegalidade
ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de
atribuições do Poder Público.
Art. 5º, LXIX - conceder-se-á mandato de segurança para proteger direito líquido e certo, não
amparado por habeas corpus ou habeas data quando o responsável por ilegalidade ou abuso
de poder
Art. 5º, LXXI - conceder-se-á mandato de injunção sempre que a falta da norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais, e das
prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
Art. 5º, LXXII - conceder-se-á habeas data : a) para assegurar o conhecimento de
informações relativas à pessoa do impetrante... b) para a retificação de dados...
Art. 5º, LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos.
Art. 5º, LXXVII - são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data e, na forma da lei,
os atos necessários ao exercício da cidadania.
X. Todo homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte
de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do
fundamento de qualquer acusação criminal contra ele. [12]
PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA
XI. Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente, até
que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no
qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. Ninguém
será condenado por atos ou omissões que, no momento em que foram cometidos, não
tenham sido delituosos segundo o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta
penalidade mais grave do que a aplicável no momento em que foi cometido o delito. [13]
Art. 5º, XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação
legal;
Art. 5º, XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
Art. 5º, XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de
reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos
sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;
Art. 5º, XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, a seguinte:
a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social
alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos;
Art. 5º, XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos
termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e)
cruéis;
Art. 5º, LIV - ninguém será privado de liberdade ou de seus bens, sem o devido processo
legal;
Art. 5º, LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral
são assegurados o contraditório e ampla defesa, com meios e recursos a ele inerentes;
Art. 5º, LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;
Art. 5º, LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória
DIREITO À INTIMIDADE
XII. Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou
na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Todo homem tem direito
à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
Art. 5º, X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Art. 5º, XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre ou para prestar
socorro, ou durante o dia, por determinação judicial;
Art. 5º, XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de
dados, e das comunicações telefônicas, salvo no último caso, por ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal;
LIBERDADE DE IR E VIR
XIII. Todo homem tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de
cada Estado. Todo homem tem direito a sair de qualquer país, inclusive do próprio, e a ele
regressar.[15]
Art. 5º, XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer
pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dela sair com seus bens;
NACIONALIDADE
XV. Todo homem tem direito a uma nacionalidade. Não se privará ninguém arbitrariamente
da sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.
Art. 12, §2º - A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados,
salvo nos casos previstos nesta Constituição.
FAMÍLIA
PROPRIEDADE
XVII. Todo homem tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. Ninguém será
arbitrariamente privado de sua propriedade. [18]
LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA
XVIII. Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião. Este direito
inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião
ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente,
em público ou em particular.
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
XIX. Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão. Este direito inclui a
liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações
e ideias por quaisquer meios e independente de fronteiras.
Art. 5º, XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte,
quando necessário ao exercício profissional;
Art. 5º, IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença;
ASSOCIAÇÃO
XX. Todo homem tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas. Ninguém pode
ser obrigado a fazer parte de uma associação.
Art. 5º, XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ou
públicos, independente de autorização/o, desde que não frustrem outra reunião
anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à
autoridade competente;
Art. 5º, XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter
paramilitar;
Art. 5º, XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de
autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;
Art. 5º, XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas
atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se no primeiro caso o trânsito em julgado;
SEGURANÇA SOCIAL
XXII. Todo homem, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à
realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a
organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais
indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade.
Art. 5º, XXXIII - todos têm o direito a receber dos órgãos públicos informações de seu
interesse particular, coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de
responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da
sociedade ou do Estado;
Art. 5º, XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do paga mento de taxas: a) o
direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso
de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e
esclarecimento de situações de interesse pessoal;
XXIII. Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha do emprego, a condições justas e
favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. Todo homem, sem qualquer
distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. Todo homem que trabalha tem
direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família,
uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se
necessário, outros meios de proteção social. Todo homem tem direito a organizar sindicatos
e a neles ingressar para a proteção de seus interesses.
Art. 5º, XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer;
LAZER
XXIV. Todo homem tem direito a repouso e lazer, inclusive à limitação razoável das horas
de trabalho e a férias remuneradas periódicas.
BEM-ESTAR
XXV. Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família,
saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os
serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença,
invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em
circunstâncias fora de seu controle.
A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças,
nascidas de matrimônio ou fora dele, têm direito a igual proteção social.
Art. 230 - A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas,
assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e
garantindo-lhes o direito à vida.
INSTRUÇÃO
XXVI. Todo homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus
elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-
profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, está baseada no mérito.
A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana
e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas suas liberdades
fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas
as nações e grupos raciais ou religiosos e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em
prol da manutenção da paz. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de
instrução que será ministrada a seus filhos.
Art. 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e a sua qualificação para o trabalho.
CULTURA
XXVII. Todo homem tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade,
de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios. Todo homem
tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção
científica, literária ou artística da qual seja autor.
Art. 215 – O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às
fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das
manifestações culturais.
ORDEM SOCIAL
XVIII. Todo homem tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e
liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.
Art. 193 - A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar
e a justiça social.
GARANTIAS
Artigo 1º
Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem sempre cumprir o dever que a lei lhes
impõe, servindo a comunidade e protegendo todas as pessoas contra atos ilegais, em
conformidade com o elevado grau de responsabilidade que a sua profissão requer.
Comentário
O termo "funcionários responsáveis pela aplicação da lei" inclui todos os agentes da lei, quer
nomeados, quer eleitos, que exerçam poderes policiais, especialmente poderes de detenção ou
prisão. Nos países onde os poderes policiais são exercidos por autoridades militares, quer em
uniforme, quer não, ou por forças de segurança do Estado, será entendido que a definição dos
funcionários responsáveis pela aplicação da lei incluirá os funcionários de tais serviços.
Artigo 2º
Artigo 3º
Comentário
O emprego da força por parte dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei deve ser
excepcional. Embora se admita que estes funcionários, de acordo com as circunstâncias, possam
empregar uma força razoável, de nenhuma maneira ela poderá ser utilizada de forma
desproporcional ao legítimo objetivo a ser atingido. O emprego de armas de fogo é considerado
uma medida extrema; devem-se fazer todos os esforços no sentido de restringir seu uso,
especialmente contra crianças. Em geral, armas de fogo só deveriam ser utilizadas quando um
suspeito oferece resistência armada ou, de algum outro modo, põe em risco vidas alheias e
medidas menos drásticas são insuficientes para dominá-lo. Toda vez que uma arma de fogo for
disparada, deve-se fazer imediatamente um relatório às autoridades competentes.
Artigo 4º
LEGISLAÇÃO CITADA ANEXADA PELA
COORDENAÇÃO DE ESTUDOS LEGISLATIVOS - CEDI
Artigo 5º
Nenhum funcionário responsável pela aplicação da lei pode infligir, instigar ou tolerar qualquer
ato de tortura ou qualquer outro tratamento ou pena cruel, desumano ou degradante, nem nenhum
destes funcionários pode invocar ordens superiores ou circunstâncias excepcionais, tais como o
estado de guerra ou uma ameaça de guerra, ameaça à segurança nacional, instabilidade política
interna ou qualquer outra emergência pública, como justificativa para torturas ou outros
tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Comentário
A Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou
Degradantes define tortura como: "...qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos
ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira
pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha
cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas;
ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou
sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções
públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará
como tortura as dores ou sofrimentos que sejam conseqüência unicamente de sanções legítimas,
ou que sejam inerentes a tais sanções ou dela decorram."
Artigo 6º
Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem garantir a proteção da saúde de todas as
pessoas sob sua guarda e, em especial, devem adotar medidas imediatas para assegurar-lhes
cuidados médicos, sempre que necessário.
Artigo 7º
Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei não devem cometer quaisquer atos de
corrupção. Também devem opor-se vigorosamente e combater todos estes atos.
Comentário
Qualquer ato de corrupção, tal como qualquer outro abuso de autoridade, é incompatível com a
profissão dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei. A lei deve ser aplicada com rigor a
qualquer funcionário que cometa um ato de corrupção. Os governos não podem esperar que os
cidadãos respeitem as leis se estas também não foram aplicadas contra os próprios agentes do
Estado e dentro dos seus próprios organismos.
LEGISLAÇÃO CITADA ANEXADA PELA
COORDENAÇÃO DE ESTUDOS LEGISLATIVOS - CEDI
Artigo 8º
Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem respeitar a lei e este Código. Devem,
também, na medida das suas possibilidades, evitar e opor-se com rigor a quaisquer violações da
lei e deste Código.
Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei que tiverem motivos para acreditar que houve
ou que está para haver uma violação deste Código, devem comunicar o fato aos seus superiores e,
se necessário, a outras autoridades competentes ou órgãos com poderes de revisão e reparação.
Comentário
As disposições contidas neste Código serão observadas sempre que tenham sido incorporadas à
legislação nacional ou à sua prática; caso a legislação ou a prática contiverem disposições mais
limitativas do que as deste Código, devem observar-se essas disposições mais limitativas.
Subentende-se que os funcionários responsáveis pela aplicação da lei não devem sofrer sanções
administrativas ou de qualquer outra natureza pelo fato de terem comunicado que houve, ou que
está prestes a haver, uma violação deste Código; como em alguns países os meios de
comunicação social desempenham o papel de examinar denúncias, os funcionários responsáveis
pela aplicação da lei podem levar ao conhecimento da opinião pública, através dos referidos
meios, como último recurso, as violações a este Código. Os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei que cumpram as disposições deste Código merecem o respeito, o total apoio e a
colaboração da sociedade, do organismo de aplicação da lei no qual servem e da comunidade
policial.
Fonte:
http://www.mp.ma.gov.br/site/centrosapoio/DirHumanos/codConduta.htm
PRINCÍPIOS BÁSICOS SOBRE O USO DA FORÇA E ARMAS DE FOGO PELOS FUNCIONÁRIOS
RESPONSÁVEIS PELA APLICAÇÃO DA LEI
Adotados por consenso em 7 de setembro de 1990, por ocasião do Oitavo Congresso das Nações
Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes.
Considerando o Plano de Ação de Milão, adotado pelo Sétimo Congresso das Nações unidas sobre a
Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes e aprovado pela Assembléia Geral através da
Resolução 40/32 de 29 de novembro de 1985;
Considerando também a Resolução do Sétimo Congresso pela qual o Comitê de Prevenção e Controle
do Crime foi solicitado a considerar medidas visando tornar mais efetivo o Código de Conduta para os
Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei;
Tendo em conta, com o devido reconhecimento, o trabalho realizado em conformidade com a Resolução
14 do Sétimo Congresso, pelo Comitê, pela reunião inter-regional preparatória do Oitavo Congresso das
Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes, relativamente às normas
e diretrizes das Nações Unidas sobre prevenção do crime, justiça e execução penal e às prioridades
referentes ao posterior estabelecimento de padrões, e pelas reuniões regionais preparatórias do Oitavo
Congresso;
1. ADOTA os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei contidos no anexo à presente resolução;
2. RECOMENDA os Princípios Básicos para adoção e execução nacional, regional e inter-regional,
levando em consideração as circunstâncias e as tradições políticas, econômicas, sociais e
culturais de cada país;
3. CONVIDA os Estados membros a ter em conta e respeitar os Princípios Básicos no contexto da
legislação e das práticas nacionais;
4. CONVIDA TAMBÉM os Estados membros a levar os Princípios Básicos ao conhecimento dos
funcionários responsáveis pela aplicação da lei e de outros agentes do Executivo, magistrados,
advogados, legisladores e público em geral;
5. CONVIDA AINDA os Estados membros a informar o Secretário-Geral, de cinco em cinco anos, a
partir de 1992, sobre o progresso alcançado na implementação dos Princípios Básicos, incluindo
sua disseminação, sua incorporação à legislação, à prática, aos procedimentos e às políticas
internas; sobre os problemas encontrados na aplicação dos mesmos à nível nacional, e sobre a
possível necessidade de assistência da comunidade internacional, solicitando ao Secretário-
Geral que transmita tais informações ao Nono Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção
do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes;
6. APELA a todos os governos para que promovam seminários e cursos de formação, a nível
nacional e regional, sobre a função da aplicação das leis e sobre a necessidade de restrições ao
uso da força e de armas de fogo pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei;
7. EXORTA as comissões regionais, as instituições regionais e inter-regionais encarregadas da
prevenção do crime e da justiça penal, as agências especializadas e outras entidades no âmbito
do sistema das Nações Unidas, outras organizações intergovernamentais interessadas e
organizações não-governamentais com estatuto consultivo junto ao Conselho Econômico e
Social, para que participem ativamente da implementação dos Princípios Básicos e informem o
Secretário-Geral sobre os esforços feitos para disseminar e implementar tais Princípios e sobre o
grau em que se concretizou tal implementação, solicitando ao Secretário-Geral que inclua essas
informações no seu relatório ao Nono Congresso;
8. APELA à Comissão de Prevenção e Controle do Crime para que considere, como questão
prioritária, meios e formas de assegurar a implementação efetiva da presente resolução;
9. SOLICITA ao Secretário-Geral:
(a) Que tome medidas, conforme for adequado, para levar a presente resolução à
atenção dos governos e de todos os órgão pertinentes das Nações Unidas, e que se
encarregue de dar aos Princípios Básicos a máxima divulgação possível;
(b) Que inclua os Princípios Básicos na próxima edição da publicação das Nações
Unidas intitulada Direitos Humanos: Uma Compilação de Normas Internacionais
(publicação das Nações Unidas, número de venda E.88.XIV.1);
(c) Que forneça aos governos, mediante pedido dos mesmos, serviços de especialistas e
consultores regionais e inter-regionais para prestação de assistência na implementação
dos Princípios Básicos, e que apresente relatório ao Nono Congresso sobre a
assistência e a formação técnicas prestadas;
10. SOLICITA ao Nono Congresso e respectivas reuniões preparatórias que examinem o progresso
obtido na implementação dos Princípios Básicos.
ANEXO
Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela
Aplicação da Lei
Considerando que o trabalho dos funcionários encarregados da aplicação da lei (*) é de alta relevância e
que, por conseguinte, é preciso manter e, sempre que necessário, melhorar as condições de trabalho e
estatutárias desses funcionários;
(*) De acordo com as observações relativas ao artigo 10 do Código de Conduta para os Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei, a expressão encarregados da aplicação da lei" refere-se a todos os
executores da lei, nomeados ou eleitos, que exerçam poderes de natureza policial, especialmente o
poder de efetuar detenções ou prisões. Nos países em que os poderes policiais são exercidos por
autoridades militares, uniformizadas ou não, ou por forças de segurança do Estado, a definição de
encarregados da aplicação da lei" deverá incluir os agentes desses serviços.
Considerando que qualquer ameaça à vida e à segurança dos funcionários responsáveis pela aplicação
da lei deve ser encarada como uma ameaça à estabilidade da sociedade em geral;
Considerando que as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros prevêem as circunstâncias nas
quais é aceitável o uso da força pelos funcionários das prisões, no cumprimento das suas obrigações;
Considerando que o artigo 30 do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação
da Lei prevê que os funcionários encarregados da aplicação da lei somente podem fazer uso da força
quando estritamente necessário e no grau em que for essencial ao desempenho das suas funções;
Considerando que a reunião preparatória para o Sétimo Congresso das Nações Unidas sobre a
Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes, realizada em Varena, Itália, chegou a um acordo
sobre os elementos a serem considerados nos trabalhos posteriores sobre as limitações ao uso da força
e de armas de fogo pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei;
Considerando que o Sétimo Congresso, através da 14ª Resolução, salientou, entre outras coisas, que o
uso da força e de armas de fogo pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei deve ser aferido
pelo devido respeito aos direitos humanos;
Considerando que o Conselho Econômico e Social, na sua Resolução 1986/10, seção IX, de 21 de maio
de 1986, recomendou aos Estados membros darem uma especial atenção, por ocasião da
implementação do Código, ao uso da força e de armas de fogo pelos funcionários responsáveis pela
aplicação da lei, e que a Assembléia Geral, na sua Resolução 41/149, de 4 de dezembro de 1986, dentre
outras coisas corroborou aquela recomendação do Conselho;
Considerando ser justo que, com a devida consideração pela segurança pessoal desses funcionários,
seja levado em conta o papel dos responsáveis pela aplicação da lei em relação à administração da
justiça, à proteção do direito à vida, à liberdade e à segurança da pessoa humana, à responsabilidade
desses funcionários por velar pela segurança pública e pela paz social e à importância das habilitações,
da formação e da conduta dos mesmos,
Os Princípios Básicos enunciados a seguir, que foram formulados com o propósito de assistir os Estados
membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missão dos funcionários responsáveis pela
aplicação da lei, devem ser tomados em consideração e respeitados pelos governos no âmbito da
legislação e da prática nacionais, e levados ao conhecimento dos funcionários responsáveis pela
aplicação da lei e de outras pessoas, tais como juízes, agentes do Ministério Público, advogados,
membros do Executivo e do Legislativo, bem como do público em geral.
Disposições gerais
1. Os governos e entidades responsáveis pela aplicação da lei deverão adotar e implementar normas e
regulamentos sobre o uso da força e de armas de fogo pelos responsáveis pela aplicação da lei. Na
elaboração de tais normas e regulamentos, os governos e entidades responsáveis pela aplicação da lei
devem examinar constante e minuciosamente as questões de natureza ética associadas ao uso da força
e de armas de fogo.
2. Os governos e entidades responsáveis pela aplicação da lei deverão preparar uma série tão ampla
quanto possível de meios e equipar os responsáveis pela aplicação da lei com uma variedade de tipos de
armas e munições que permitam o uso diferenciado da força e de armas de fogo. Tais providências
deverão incluir o aperfeiçoamento de armas incapacitantes não-letais, para uso nas situações
adequadas, com o propósito de limitar cada vez mais a aplicação de meios capazes de causar morte ou
ferimentos às pessoas. Com idêntica finalidade, deverão equipar os encarregados da aplicação da lei
com equipamento de legítima defesa, como escudos, capacetes, coletes à prova de bala e veículos à
prova de bala, a fim de se reduzir a necessidade do emprego de armas de qualquer espécie.
4. No cumprimento das suas funções, os responsáveis pela aplicação da lei devem, na medida do
possível, aplicar meios não-violentos antes de recorrer ao uso da força e armas de fogo. O recurso às
mesmas só é aceitável quando os outros meios se revelarem ineficazes ou incapazes de produzirem o
resultado pretendido.
5. Sempre que o uso legítimo da força e de armas de fogo for inevitável, os responsáveis pela aplicação
da lei deverão:
(a) Exercer moderação no uso de tais recursos e agir na proporção da gravidade da infração e do
objetivo legítimo a ser alcançado;
(c) Assegurar que qualquer indivíduo ferido ou afetado receba assistência e cuidados médicos o
mais rápido possível;
(d) Garantir que os familiares ou amigos íntimos da pessoa ferida ou afetada sejam notificados o
mais depressa possível.
6. Sempre que o uso da força e de armas de fogo pelos responsáveis pela aplicação da lei der causa a
ferimento ou morte, os mesmos deverão comunicar imediatamente o fato aos seus superiores, nos
termos do Princípio 22.
7. Os governos deverão assegurar que o uso arbitrário ou abusivo da força e de armas de fogo por
responsáveis pela aplicação da lei seja punido como delito criminal, de acordo com a legislação em vigor.
8. Não será aceitável invocar circunstâncias excepcionais, tais como instabilidade política interna ou
outras situações de emergência pública, como justificativa para o abandono destes princípios básicos.
Disposições específicas
9. Os responsáveis pela aplicação da lei não usarão armas de fogo contra pessoas, exceto em casos de
legítima defesa própria ou de outrem contra ameaça iminente de morte ou ferimento grave; para impedir
a perpetração de crime particularmente grave que envolva séria ameaça à vida; para efetuar a prisão de
alguém que represente tal risco e resista à autoridade; ou para impedir a fuga de tal indivíduo, e isso
apenas nos casos em que outros meios menos extremados revelem-se insuficientes para atingir tais
objetivos. Em qualquer caso, o uso letal intencional de armas de fogo só poderá ser feito quando
estritamente inevitável à proteção da vida.
10. Nas circunstâncias previstas no Princípio 9, os responsáveis pela aplicação da lei deverão identificar-
se como tais e avisar prévia e claramente a respeito da sua intenção de recorrer ao uso de armas de
fogo, com tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideração, a não ser quando tal
procedimento represente um risco indevido para os responsáveis pela aplicação da lei ou acarrete para
outrem um risco de morte ou dano grave, ou seja claramente inadequado ou inútil dadas as
circunstâncias do caso.
11. As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos responsáveis pela aplicação da lei
deverão incluir diretrizes que:
(a) Especifiquem as circunstâncias nas quais os responsáveis pela aplicação da lei estão
autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os tipos de armas e munições
permitidas;
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstâncias apropriadas e de
modo a reduzir o risco de dano desnecessário;
(c) Proíbam o uso de armas de fogo e munições que causem ferimentos injustificáveis ou
representem riscos injustificáveis;
(f) Prevejam um sistema de comunicação aos superiores sempre que os responsáveis pela
aplicação da lei fizerem uso de armas de fogo no desempenho das suas funções.
12. Como todos têm o direito de participar de reuniões legítimas e pacíficas, de acordo com os princípios
expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos, os governos, entidades e os responsáveis pela aplicação da lei deverão reconhecer que a força
e as armas de fogo só podem ser usadas nos termos dos Princípios 13 e 14.
13. Ao dispersar grupos ilegais mas não-violentos, os responsáveis pela aplicação da lei deverão evitar o
uso da força, ou quando tal não for possível, deverão restringir tal força ao mínimo necessário.
14. Ao dispersar grupos violentos, os responsáveis pela aplicação da lei só poderão fazer uso de armas
de fogo quando não for possível usar outros meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente
necessários. Os responsáveis pela aplicação da lei não deverão fazer uso de armas de fogo em tais
casos, a não ser nas condições previstas no Princípio 9.
15. Ao lidarem com indivíduos sob custódia ou detenção, os responsáveis pela aplicação da lei não farão
uso da força, exceto quando tal for estritamente necessário para manter a segurança e a ordem na
instituição, ou quando existir ameaça à segurança pessoal.
16. Ao lidarem com indivíduos sob custódia ou detenção, os responsáveis pela aplicação da lei não farão
uso de armas de fogo, exceto em legítima defesa ou em defesa de outrem contra ameaça iminente de
morte ou ferimento grave, ou quando for estritamente necessário para impedir a fuga de indivíduo sob
custódia ou detenção que represente perigo do tipo descrito no Princípio 9.
17. Os princípios acima enunciados não prejudicam os direitos, deveres e responsabilidades dos
funcionários das prisões, consoante o estabelecido nas Regras Mínimas para o Tratamento de
Prisioneiros, em especial nas normas números 33, 34 e 54.
18. Os governos e organismos encarregados da aplicação da lei cuidarão para que todo o pessoal
responsável pela aplicação da lei seja selecionado por meio de processos adequados de seleção, tenha
as qualidades morais, psicológicas e físicas adequadas ao exercício efetivo de suas funções e seja
submetido a formação profissional contínua e meticulosa. A continuidade da aptidão desse pessoal para
o desempenho das respectivas funções deve ser verificada periodicamente.
19. Os governos e organismos encarregados da aplicação da lei deverão assegurar que todos os
responsáveis pela aplicação da lei recebam treinamento e sejam examinados com base em padrões
adequados de competência para o uso da força. Os responsáveis pela aplicação da lei que tenham de
trazer consigo armas de fogo só devem receber autorização para fazê-lo após terem completado o treino
necessário relativamente ao uso de tais armas.
20. Na formação profissional dos responsáveis pela aplicação da lei, os governos e organismos
encarregados da aplicação da lei devem dedicar atenção especial às questões de ética policial e direitos
humanos, especialmente durante o processo de investigação; a alternativas ao uso da força e armas de
fogo, incluindo a solução pacífica de conflitos, a compreensão do comportamento das multidões e os
métodos de persuasão, negociação e mediação, bem como os meios técnicos, destinados a limitar o uso
da força e armas de fogo. Os órgãos encarregados da aplicação da lei devem rever os seus programas
de treinamento e procedimentos operacionais à luz de eventuais incidentes concretos.
21. Os governos e organismos encarregados da aplicação da lei devem proporcionar orientação sobre
tensão psicológica aos responsáveis pela aplicação da lei envolvidos em situações em que haja o uso da
força e de armas de fogo.
23. Os indivíduos afetados pelo uso da força e armas de fogo, ou seus representantes legais, devem ter
direito a um inquérito independente, incluindo um processo judicial. Em caso de morte desses indivíduos,
a presente disposição aplicar-se-á de forma correspondente aos seus dependentes.
24. Os governos e organismos encarregados da aplicação da lei deverão assegurar que os oficiais
superiores sejam responsabilizados caso tenham ou devam ter tido conhecimento de que responsáveis
pela aplicação da lei sob seu comando estão, ou tenham estado, recorrendo ao uso ilegítimo da força e
armas de fogo, e caso os referidos oficiais não tenham tomado todas as providências ao seu alcance a
fim de impedir, reprimir ou comunicar tal uso.
25. Os governos e organismos encarregados da aplicação da lei deverão assegurar que não seja
imposta qualquer sanção criminal ou disciplinar a responsáveis pela aplicação da lei que, de acordo com
o Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei e com estes Princípios
Básicos, recusem-se a cumprir uma ordem para usar força e armas de fogo, ou que denunciem tal uso
por outros responsáveis pela aplicação da lei.
26. O cumprimento de ordens superiores não constituirá justificativa quando os responsáveis pela
aplicação da lei tenham conhecimento de que uma ordem para usar força e armas de fogo, que tenha
resultado na morte ou em ferimento grave a alguém, foi manifestamente ilegítima e caso os referidos
responsáveis tenham tido oportunidade razoável de se recusarem a cumprir essa ordem. Em qualquer
caso, a responsabilidade caberá também aos superiores que tenham dado ordens ilegítimas.
PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 4.226, DE 31 DE DEZEMBRO DE 2010
2. O uso da força por agentes de segurança pública deverá obedecer aos princípios
da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência.
4. Não é legítimo o uso de armas de fogo contra pessoa em fuga que esteja
desarmada ou que, mesmo na posse de algum tipo de arma, não represente risco
imediato de morte ou de lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros.
5. Não é legítimo o uso de armas de fogo contra veículo que desrespeite bloqueio
policial em via pública, a não ser que o ato represente um risco imediato de morte ou
lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros.
8. Todo agente de segurança pública que, em razão da sua função, possa vir a se
envolver em situações de uso da força, deverá portar no mínimo 2 (dois)
instrumentos de menor potencial ofensivo e equipamentos de proteção necessários
à atuação específica, independentemente de portar ou não arma de fogo.
9. Os órgãos de segurança pública deverão editar atos normativos disciplinando o
uso da força por seus agentes, definindo objetivamente:
a. os tipos de instrumentos e técnicas autorizadas;
b. as circunstâncias técnicas adequadas à sua utilização, ao
ambiente/entorno e ao risco potencial a terceiros não envolvidos no evento;
c. o conteúdo e a carga horária mínima para habilitação e atualização
periódica ao uso de cada tipo de instrumento;
d. a proibição de uso de armas de fogo e munições que provoquem lesões
desnecessárias e risco injustificado; e
e. o controle sobre a guarda e utilização de armas e munições pelo agente de
segurança pública.
10. Quando o uso da força causar lesão ou morte de pessoa( s), o agente de
segurança pública envolvido deverá realizar as seguintes ações:
a. facilitar a prestação de socorro ou assistência médica aos feridos;
b. promover a correta preservação do local da ocorrência;
c. comunicar o fato ao seu superior imediato e à autoridade competente; e
d. preencher o relatório individual correspondente sobre o uso da força,
disciplinado na Diretriz nº 22.
11. Quando o uso da força causar lesão ou morte de pessoa( s), o órgão de
segurança pública deverá realizar as seguintes ações:
a.facilitar a assistência e/ou auxílio médico dos feridos;
b.recolher e identificar as armas e munições de todos os envolvidos,
vinculando-as aos seus respectivos portadores no momento da ocorrência;
c.solicitar perícia criminalística para o exame de local e objetos bem como
exames médico-legais;
d.comunicar os fatos aos familiares ou amigos da(s) pessoa( s) ferida(s) ou
morta(s);
e.iniciar, por meio da Corregedoria da instituição, ou órgão equivalente,
investigação imediata dos fatos e circunstâncias do emprego da força;
f.promover a assistência médica às pessoas feridas em decorrência da
intervenção, incluindo atenção às possíveis seqüelas;
g.promover o devido acompanhamento psicológico aos agentes de segurança
pública envolvidos, permitindo-lhes superar ou minimizar os efeitos
decorrentes do fato ocorrido; e
h.afastar temporariamente do serviço operacional, para avaliação psicológica
e redução do estresse, os agentes de segurança pública envolvidos
diretamente em ocorrências com resultado letal.
12. Os critérios de recrutamento e seleção para os agentes de segurança pública
deverão levar em consideração o perfil psicológico necessário para lidar com
situações de estresse e uso da força e arma de fogo.
15. A seleção de instrutores para ministrarem aula em qualquer assunto que englobe
o uso da força deverá levar em conta análise rigorosa de seu currículo formal e
tempo de serviço, áreas de atuação, experiências anteriores em atividades fim,
registros funcionais, formação em direitos humanos e nivelamento em ensino. Os
instrutores deverão ser submetidos à aferição de conhecimentos teóricos e práticos
e sua atuação deve ser avaliada.
16. Deverão ser elaborados procedimentos de habilitação para o uso de cada tipo de
arma de fogo e instrumento de menor potencial ofensivo que incluam avaliação
técnica, psicológica, física e treinamento específico, com previsão de revisão
periódica mínima.
18. A renovação da habilitação para uso de armas de fogo em serviço deve ser feita
com periodicidade mínima de 1 (um) ano.
19. Deverá ser estimulado e priorizado, sempre que possível, o uso de técnicas e
instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública, de
acordo com a especificidade da função operacional e sem se restringir às unidades
especializadas.
20. Deverão ser incluídos nos currículos dos cursos de formação e programas de
educação continuada conteúdos sobre técnicas e instrumentos de menor potencial
ofensivo.
Art. 1o Esta Lei disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes
de segurança pública em todo o território nacional.
Art. 3o Os cursos de formação e capacitação dos agentes de segurança pública deverão incluir
conteúdo programático que os habilite ao uso dos instrumentos não letais.
Art. 4o Para os efeitos desta Lei, consideram-se instrumentos de menor potencial ofensivo
aqueles projetados especificamente para, com baixa probabilidade de causar mortes ou lesões
permanentes, conter, debilitar ou incapacitar temporariamente pessoas.
Art. 5o O poder público tem o dever de fornecer a todo agente de segurança pública
instrumentos de menor potencial ofensivo para o uso racional da força.
Art. 6o Sempre que do uso da força praticada pelos agentes de segurança pública decorrerem
ferimentos em pessoas, deverá ser assegurada a imediata prestação de assistência e socorro médico
aos feridos, bem como a comunicação do ocorrido à família ou à pessoa por eles indicada.
DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Claudinei do Nascimento
1
1.2 Os direitos humanos e "os direitos do homem"
Uma breve incursão na história dos termos ajudará a fixar o momento do surgimento dos direitos
humanos. As pessoas do século XVIII não usavam frequentemente a expressão "direitos humanos" e, quando o
faziam, em geral queriam dizer algo diferente do significado que hoje lhe atribuímos. Antes de 1789, Jefferson,
por exemplo, falava com muita frequência de "direitos naturais". Começou a usar o termo "direitos do homem"
somente depois de 1789. Quando empregava "direitos humanos", queria dizer algo mais passivo e menos
político do que os direitos naturais ou os direitos do homem. Em 1806, por exemplo, usou o termo ao se referir
aos males do tráfico de escravos:
Eu lhes felicito, colegas cidadãos, por estar próximo o período em que poderão interpor
constitucionalmente a sua autoridade para afastar os cidadãos dos Estados Unidos de toda
participação ulterior naquelas violações dos direitos humanos que têm sido reiteradas por
tanto tempo contra os habitantes inofensivos da África, e que a moralidade, a reputação e os
melhores interesses do nosso país desejam há muito proscrever.
Ao sustentar que os africanos gozavam de direitos humanos, Jefferson não tirava nenhuma ilação sobre
os escravos negros no país. Os direitos humanos, pela definição de Jefferson, não capacitava os africanos —
muito menos os afro-americanos — a agir em seu próprio nome.
Durante o século XVIII, em inglês e em francês, os termos "direitos humanos", "direitos do gênero
humano" e "direitos da humanidade" se mostraram todos demasiado gerais para servir ao emprego político
direto. Referiam-se antes ao que distinguia os humanos do divino, numa ponta da escala, e dos animais, na
outra, do que a direitos politicamente relevantes como a liberdade de expressão ou o direito de participar na
política. Assim, num dos empregos mais antigos (1734) de "direitos da humanidade "em francês, o acerbo
crítico literário Nicolas Lenglet-Dufresnoy, ele próprio um padre católico, satirizava "aqueles monges
inimitáveis do século VI, que renunciavam tão inteiramente a todos 'os direitos da humanidade' que pastavam
como animais e andavam por toda parte completamente nus". Da mesma forma, em 1756, Voltaire podia
proclamar com ironia que a Pérsia era a monarquia em que mais desfrutava dos "direitos da humanidade",
porque os persas tinham os maiores "recursos contra o tédio". O termo "direito humano " apareceu em francês
pela primeira vez em 1763 significando algo semelhante a "direito natural", mas não pegou, apesar de ser usado
por Voltaire no seu amplamente influente Tratado sobre a tolerância!'
Enquanto os ingleses continuaram a preferir "direitos naturais" ou simplesmente "direitos" durante todo o
século XVIII, os franceses inventaram uma nova expressão na década de 1760 —"direitos do homem" {droits
de l'homme}. "O(s) direito(s) natural(is)" ou "a lei natural" (droit naturel tem ambos os significados em francês)
tinham histórias mais longas que recuavam centenas de anos no passado, mas talvez como consequência "o(s)
direito(s) natural(is)" tinha um número exagerado de possíveis significados. Às vezes significava simplesmente
fazer sentido dentro da ordem tradicional. Assim, por exemplo, o bispo Bossuet, um porta-voz a favor da
monarquia absoluta de Luís XIV, usou "direito natural" somente ao descrever a entrada de Jesus Cristo no céu
("ele entrou no céu pelo seu próprio direito natural").
O termo "direitos do homem" começou a circular em francês depois de sua aparição em O contrato
social (1762), de Jean-Jacques Rousseau, ainda que ele não desse ao termo nenhuma definição e ainda que —
ou talvez porque — o usasse ao lado de "direitos da humanidade","direitos do cidadão"e"direitos da soberania".
Qualquer que fosse a razão, por volta de junho de 1763, "direitos do homem" tinha se tornado um termo
comum, segundo um a revista clandestina:
Os atores da Comédie française representaram hoje, pela primeira vez, Manco [uma peça
sobre os incas no Peru ], de que falamos antes. É uma das piores tragédias já construídas. Há
nela um papel para um selvagem que poderia ser muito belo: ele recita cm verso tudo o que
temos lido espalhado sobre reis, liberdade e os direitos do homem, em A desigualdade de
condições, em Emílio, em O contrato social.
2
Embora a peça não empregue de fato a expressão precisa "os direitos do homem", mas antes a
relacionada "direitos de nosso ser", é claro que o termo havia entrado no uso intelectual e estava de fato
diretamente associado com as obras de Rousseau. Outros escritores do Iluminismo, com o barão D'Holbach,
Raynal e Mercier, adotaram a expressão nas décadas de 1770 e 1780.
Antes de 1789, "direitos do homem" tinha poucas incursões no inglês. Mas a Revolução Americana
incitou o MARQUÊS DE CONDORCET, defensor do Iluminismo francês, a dar o primeiro passo para definir
"os direitos do homem", que para ele incluíam a segurança da pessoa, a segurança da propriedade, a justiça
imparcial e idônea e o direito de contribuir para a formulação das leis. No seu ensaio de 1786, "De
l'influence de la révolution d'Amérique sur l'Europe", Condorcet ligava explicitamente os direitos do homem à
Revolução Americana: "O espetáculo de um grande povo em que os direitos do homem são respeitados é útil
para todos os outros, apesar da diferença de clima, costumes e constituições". A Declaração da Independência
americana, ele proclamava, era nada menos que "uma exposição simples e sublime desses direitos que são, ao
mesmo tempo, tão sagrados e há tanto tempo esquecidos". Em janeiro de 1789, Emmanuel-Joseph Sieyès usou a
expressão no seu incendiário panfleto contra a nobreza, O que é o Terceiro Estado?. O rascunho de uma
declaração dos direitos, feito por Lafayette em janeiro de 1789, referia-se explicitamente aos "direitos do
homem", referência também feita por Condorcet no seu próprio rascunho do início de 1789. Desde a primavera
de 1789 — isto é, mesm o antes da queda da Bastilha em 14 de julho — muitos debates sobre a necessidade de
uma declaração dos "direitos do homem" permeavam os círculos políticos franceses.
Quando a linguagem dos direitos humanos apareceu, na segunda metade do século XVIII, havia a
princípio pouca definição explícita desses direitos. Rousseau não ofereceu nenhuma explicação quando usou o
termo "direitos do homem". O jurista inglês William Blackstone os definiu como "a liberdade natural da
humanidade", isto é, os "direitos absolutos do homem, considerado como um agente livre, dotado de
discernimento para distinguir o bem do mal". A maioria daqueles que usavam a expressão nas décadas de 1770
e 1780 na França, como D'Holbach e Mirabeau, figuras controversas do Iluminismo, referia-se aos direitos do
homem como se fossem óbvios e não necessitassem de nenhum a justificação ou definição; eram, em outras
palavras, autoevidentes. D'Holbach argumentava, por exemplo, que se os homens temessem menos a morte "os
direitos do homem seriam defendidos com mais ousadia". Mirabeau denunciava os seus perseguidores, que não
tinham "nem caráter nem alma, porque não têm absolutamente nenhum a ideia dos direitos dos homens".
Ninguém apresentou uma lista precisa desses direitos antes de 1776 ( a data da Declaração de Direitos da
Virgínia redigida por George Mason)."
A ambiguidade dos direitos humanos foi percebida pelo pastor calvinista jean-Paul Rabaut Saint-Étienne,
que escreveu ao rei francês em 1787 para se queixar das limitações de um projeto de edito de tolerância para
protestantes como ele próprio. Encorajado pelo sentimento crescente em favor dos direitos do homem, Rabaut
insistiu: "sabemos hoje o que são os direitos naturais, e eles certamente dão aos homens muito mais do que o
edito concede aos protestantes. [...] Chegou a hora em que não é mais aceitável que uma lei invalide
abertamente os direitos da humanidade, que são muito bem conhecidos em todo o mundo". Talvez eles fossem
bem conhecidos, mas o próprio Rabaut admitia que um rei católico não podia sancionar oficialmente o direito
calvinista ao culto público. Em suma, tudo dependia—com o ainda depende — da interpretação dada ao que não
era "mais aceitável".
Os direitos humanos são difíceis de determinar porque sua definição, e na verdade a sua própria
existência, depende tanto das emoções quanto da razão. A reivindicação de autoevidência se baseia em última
análise num apelo emocional: ela é convincente se ressoa dentro de cada indivíduo. Além disso, temos
muita certeza de que um direito humano está em questão quando nos sentimos horrorizados pela sua violação.
Rabaut Saint-Étienne sabia que podia apelar ao conhecimento implícito do que não era "mais aceitável". Em
1755, o influente escritor do Iluminism o francês Denis Diderot tinha escrito, a respeito do droit naturel, que "o
3
uso desse termo é tão familiar que quase ninguém deixaria de ficar convencido, no interior de si mesmo, de que
a noção lhe é obviamente conhecida. Esse sentimento interior é comum tanto para o filósofo quanto para o
homem que absolutamente não refletiu". Como outros de seu tempo, Diderot dava apenas um a indicação vaga
do significado de direitos naturais: "como homem", concluía, "não tenho outros direitos naturais que sejam
verdadeiramente inalienáveis a não ser aqueles da humanidade". Mas ele tocara na qualidade mais
importante dos direitos humanos: eles requeriam certo "sentimento interior" amplamente partilhado.
Até Jean-Jacques Burlamaqui, o austero filósofo suíço da lei natural, insistia que a liberdade só podia ser
experimentada pelos sentimentos interiores de cada homem: "Tais provas de sentimento estão acima de toda
objeção e produzem a convicção mais profundamente arraigada". Os direitos humanos não são apenas uma
doutrina formulada em documentos: baseiam-se numa disposição em relação às outras pessoas, um
conjunto de convicções sobre como são as pessoas e como elas distinguem o certo e o errado no mundo
secular. As ideias filosóficas, as tradições legais e a política revolucionária precisaram ter esse tipo de ponto de
referência emocional interior para que os direitos humanos fossem verdadeiramente "autoevidentes". E, como
insistia Diderot, esses momentos tinham de ser experimentados por muitas pessoas, e não somente pelos
filósofos que escreviam sobre eles.".
O que sustentava essas noções de liberdade e direitos era um conjunto de pressuposições sobre a
autonomia individual. Para ter direitos humanos, as pessoas deviam ser vistas com o indivíduos separados que
eram capazes de exercer um julgamento moral independente; como dizia Blackstone, os direitos do homem
acompanhavam o indivíduo "considerado como um agente livre, dotado de discernimento para distinguir o bem
do mal". Mas, para que se tornassem membros de uma comunidade política baseada naqueles julgamentos
morais independentes, esses indivíduos autônomos tinham de ser capazes de sentir EMPATIA pelos outros.
Todo mundo teria direitos somente se todo mundo pudesse ser visto, de um modo essencial, como semelhante.
A igualdade não era apenas um conceito abstrato ou um slogan político. Tinha de ser internalizada de alguma
forma.
Embora consideremos naturais as ideias de autonomia e igualdade, junto com os direitos humanos, elas
só ganharam influência no século XVIII. O filósofo moral contemporâneo J. B. Schneewind investigou o que ele
chama de "a invenção da autonomia". "A nova perspectiva que surgiu no fim do século XVIII", afirma ele,
"centrava-se na crença de que todos os indivíduos normais são igualmente capazes de viver juntos num a
moralidade de autocontrole." Por trás desses "indivíduos normais" existe uma longa história de luta. No século
XVIII (e de fato até o presente) não se imaginavam todas as "pessoas" como igualmente capazes de autonomia
moral. Duas qualidades relacionadas mas distintas estavam implicadas: a capacidade de raciocinar e a
independência de decidir por si mesmo. Ambas tinham de estar presentes para que um indivíduo fosse
moralmente autônomo. Às crianças e aos insanos faltava a necessária capacidade de raciocinar, mas eles
poderiam algum dia ganhar ou recuperar essa capacidade. Assim como as crianças, os escravos, os criados, os
sem propriedade e as mulheres não tinham a independência de status requerida para serem plenamente
autônomos. As crianças, os criados, os sem propriedade e talvez até os escravos poderiam um dia tornar-se
autônomos, crescendo, abandonando o serviço, adquirindo um a propriedade ou comprando a sua liberdade.
Apenas as mulheres não pareciam ter nenhuma dessas opções: eram definidas com o inerentemente
independentes de seus pais ou maridos. Se os proponentes dos direitos humanos naturais, iguais e universais
excluíam automaticamente algumas categorias de pessoas do exercício desses direitos, era primariamente
porque viam essas pessoas como menos do que plenamente capazes de autonomia moral.
Entretanto, o poder recém-descoberto da empatia podia funcionar até contra os preconceitos mais
duradouros. Em 1791, o governo revolucionário francês concedeu direitos iguais aos judeus; em 1792, até os
homens sem propriedade foram emancipados; e em 1794, o governo francês aboliu oficialmente a escravidão.
Nem a autonomia, nem a empatia, estavam determinadas: eram habilidades que podiam ser aprendidas, e as
limitações "aceitáveis" dos direitos podiam ser — e foram — questionadas. Os direitos não podem ser definidos
de uma vez por todas, porque a sua base emocional continua a se deslocar, em parte como reação às declarações
de direitos. Os direitos permanecem sujeitos à discussão porque a nossa percepção de quem tem direitos e
do que são esses direitos muda constantemente. A revolução dos direitos humanos é, por definição, contínua.
A autonomia e a empatia são práticas culturais e não apenas ideias, e portanto são incorporadas de forma
bastante literal, isto é, têm dimensões tanto físicas com o emocionais. A autonomia individual depende de uma
percepção crescente da separação e do caráter sagrado dos corpos humanos: o seu corpo é seu, e o meu corpo é
meu, e devemos ambos respeitar as fronteiras entre os corpos um do outro. A empatia depende do
reconhecimento de que outros sentem e pensam com o fazemos, de que nossos sentimentos interiores são
semelhantes de um modo essencial. Para ser autônoma, uma pessoa tem de estar legitimamente separada e
protegida na sua separação; mas, para fazer com que os direitos acompanhem essa separação corporal, a
4
individualidade de uma pessoa deve ser apreciada de forma mais emocional. Os direitos humanos dependem
tanto do domínio de si mesmo como do reconhecimento de que todos os outros são igualmente senhores de si. É
o desenvolvimento incompleto dessa última condição que dá origem a todas as desigualdades de direitos que
nos têm preocupado ao longo de toda a história.
A autonomia e a empatia não se materializaram a partir do ar rarefeito do século XVIII: elas tinham
raízes profundas. Durante o longo período de vários séculos, os indivíduos tinham começado a se afastar das
teias da comunidade, tornando-se agentes cada vez mais independentes tanto legal com o psicologicamente. Um
maior respeito pela integridade corporal e linhas de demarcação mais claras entre os corpos individuais haviam
sido produzidos pelo limiar cada vez mais elevado da vergonha a respeito das funções corporais e pelo senso
crescente de decoro corporal. Com o tempo, as pessoas começaram a dormir sozinhas ou apenas com um
cônjuge na cama. Usavam utensílios para comer e começaram a considerar repulsivo um comportamento antes
tão aceitável, como jogar comida no chão ou limpar excreções corporais nas roupas. A constante evolução de
noções de interioridade e profundidade da psique, desde a alma cristã à consciência protestante e às noções de
sensibilidade do século XVIII, preenchia a individualidade com um novo conteúdo. Todos esses processos
ocorreram durante um longo período.
Mas houve um avanço repentino no desenvolvimento dessas práticas na segunda metade do século
XVIII. A autoridade absoluta dos pais sobre os filhos foi questionada. O público começou a ver os espetáculos
teatrais ou a escutar música em silêncio. Os retratos e as pinturas de gênero desafiaram o predomínio das
grandes telas mitológicas e históricas da pintura acadêmica. Os romances e os jorrnais proliferaram, tornando as
histórias das vidas comuns acessíveis a um amplo público. A tortura como parte do processo judicial e as formas
mais extremas de punição corporal começaram a ser vistas como inaceitáveis. Todas essas mudanças
contribuíram para uma percepção da separação e do autocontrole dos corpos individuais, junto com a
possibilidade de empatia com outros.
As noções de integridade corporal e individualidade empática, investigadas nos próximos capítulos, têm
histórias não dessemelhantes da dos direitos humanos, aos quais estão intimamente relacionadas. Isto é, as
mudanças nos pontos de vista parecem acontecer todas ao mesmo tempo, em meados do século XVIII.
Considere-se, por exemplo, a tortura. Entre 1700 e 1750, a maioria dos empregos da palavra "tortura" em
francês se referia às dificuldades que um escritor experimentava para encontrar uma expressão apropriada.
Assim, Marivaux em 1724 se referia a "torturar a mente para extrair reflexões". A tortura, isto é, a tortura
legalmente autorizada para obter confissões de culpa ou nomes de cúmplices, tornou-se uma questão de grande
importância depois que Montesquieu atacou a prática no seu Espírito das leis (1748). Numa das suas passagens
mais influentes, Montesquieu insiste que "Tantas pessoas inteligentes e tantos homens de gênio escreveram
contra esta prática [a tortura judicial] que não ouso falar depois deles". Acrescenta então, um tanto
enigmaticamente: "Eu ia dizer que talvez ela fosse apropriada para o governo despótico, no qual tudo que
inspira medo contribui para o vigor do governo; ia dizer que os escravos entre os gregos e os romanos... Mas
escuto a voz da natureza gritando contra mim". Aqui também a autoevidência — " a voz da natureza gritando"
— fornece o fundamento para o argumento. Depois de Montesquieu, Voltaire e muitos outros, especialmente o
italiano Beccaria, se juntariam à campanha. Na década de 1780, a abolição da tortura e das formas bárbaras de
punição corporal tinha m se tornado artigos essenciais na nova doutrina dos direitos humanos.
As mudanças nas reações aos corpos e individualidades das outras pessoas forneceram um suporte crítico
para o novo fundamento secular da autoridade política. Embora Jefferson escrevesse que o "seu Criador" tinha
dotado os homens de direitos, o papel do Criador terminava ali. O governo já não dependia de Deus, muito
menos da interpretação da vontade de Deus apresentada por uma igreja. "Governos são instituídos entre os
homens", disse Jefferson, "para assegurar esses Direitos", e eles derivam o seu poder "do Consentimento dos
Governados". Da mesma forma, a Declaração francesa de 1789 mantinha que o "objetivo de toda associação
política é a preservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem" e que o "princípio de toda soberania
reside essencialmente na nação". A autoridade política, nessa visão, derivava da natureza mais interior dos
indivíduos e da sua capacidade de criar a comunidade por meio do consentimento. Os cientistas políticos e os
historiadores têm examinado essa concepção da autoridade política a partir de ângulos variados, mas têm
prestado pouca atenção à visão dos corpos e das individualidades que a tornou possível.
Meu argumento fará grande uso da influência de novos tipos de experiência, desde ver imagens em
exposições públicas até ler romances epistolares imensamente populares sobre o amor e o casamento. Essas
experiências ajudaram a difundir as práticas da autonomia e da empatia. O cientista político Benedict Anderson
argumenta que os jornais e os romances criaram a "comunidade imaginada" que o nacionalismo requer para
florescer. O que poderia ser denominado "empatia imaginada" antes serve como fundamento dos direitos
humanos que do nacionalismo. É imaginada não no sentido de inventada, mas no sentido de que a empatia
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requer um salto de fé, de imaginar que alguma outra pessoa é como você. Os relatos de tortura produziam essa
empatia imaginada por meio de novas visões da dor.
Os romances a geravam induzindo muitas sensações a respeito do eu interior. Cada um à sua maneira
reforçava a noção de uma comunidade baseada em indivíduos autônomos e empáticos, que podiam se
relacionar, para além de suas famílias imediatas, associações religiosas ou até nações, com valores universais
maiores.
Não há nenhum modo fácil ou óbvio de provar ou mesmo medir o efeito das novas experiências culturais
sobre as pessoas do século XVIII, muito menos sobre as suas concepções dos direitos. Os estudos científicos das
reações atuais à leitura e ao ato de ver televisão revelaram-se bastante difíceis, e eles têm a vantagem de
examinar sujeitos vivos que podem ser expostos a estratégias de pesquisa sempre mutáveis. Ainda assim, os
neurocientistas e os psicólogos cognitivos têm feito algum progresso em ligar a biologia do cérebro a resultados
psicológicos e no fim das contas até lociais e culturais. Mostraram, por exemplo, que a capacidade de construir
narrativas é baseada na biologia do cérebro, sendo crucial para o desenvolvimento de qualquer noção do eu.
Certos tipos de lesões cerebrais afetam a compreensão narrativa, e doenças como o autismo mostram que a
capacidade de empatia — o reconhecimento de que os outros têm mentes como a nossa — tem uma base
biológica. Na sua maior parte, entretanto, esses estudos só examinam um lado da equação: o biológico. Mesmo
que a maioria dos psiquiatras e até alguns neurocientistas concordem que o próprio cérebro é influenciado por
forças sociais e culturais, essa interação tem sido mais difícil de estudar. Na verdade, o próprio eu tem se
mostrado muito difícil de examinar. Sabemos que temos a experiência de ter um eu, mas os neurocientistas não
conseguiram determinar o local dessa experiência, muito menos explicar como ela funciona.
Se a neurociência, a psiquiatria e a psicologia ainda estão perdidos sobre a natureza do eu, então talvez
não seja surpreendente que os historiadores tenham se mantido totalmente afastados do assunto. A maioria dos
historiadores provavelmente acredita que o eu é, em alguma medida, modelado por fatores sociais e culturais,
isto é, que a individualidade no século X significava algo diferente do que significa para nós hoje em dia. Mas
pouco se sabe sobre a história da pessoa como um conjunto de experiências. Os estudiosos têm escrito bastante
sobre o surgimento do individualismo e da autonomia como doutrinas, porém muito menos sobre como o
próprio eu poderia mudar ao longo do tempo. Concordo com outros historiadores que o significado do eu muda
ao longo do tempo, e acredito que a experiência — e não apenas a ideia — da individualidade muda de forma
decisiva para algumas pessoas no século XVIII.
Meu argumento depende da noção de que ler relatos de tortura ou romances epistolares teve efeitos
físicos que se traduziram em mudanças cerebrais e tornaram a sair do cérebro como novos conceitos sobre a
organização da vida social e política. Os novos tipos de leitura (e de visão e audição) criaram novas experiências
individuais (empatia), que por sua vez tornaram possíveis novos conceitos sociais e políticos (os direitos
humanos). Nestas páginas tento desemaranhar como esse processo se realizou. Como a história, minha
disciplina, tem desdenhado por tanto tempo qualquer forma de argumento psicológico — nós historiadores
falamos frequentemente de reducionismo psicológico, mas nunca de reducionismo sociológico ou cultural —,
ela tem omitido em grande parte a possibilidade de um argumento que depende de um relato sobre o que
acontece dentro do eu.
Estou tentando voltar de novo a atenção para o que acontece dentro das mentes individuais. Esse poderia
parecer um lugar óbvio para procurar um a explicação das mudanças sociais e políticas transformadoras, mas as
mentes individuais — salvo as dos grandes pensadores e escritores — têm sido surpreendentemente
negligenciadas nos trabalhos recentes das ciências humanas e sociais. A atenção tem se voltado para o contexto
social e cultural, e não para o modo como as mentes individuais compreendem e remodelam esse contexto.
Acredito que a mudanç a social e política — nesse caso, os direitos humanos — ocorre porque muitos
indivíduos tiveram experiências semelhantes, não porque todos habitassem o mesmo contexto social, mas
porque, por meio de suas interações entre si e com suas leituras e visões, eles realmente criaram um novo
contexto social. Em suma, estou insistindo que qualquer relato de mudança histórica deve no fim das contas
explicar a alteração das mentes individuais. Para que os direitos humanos se tornassem autoevidentes, as pessoas
comuns precisaram ter novas compreensões que nasceram de novos tipos de sentimentos.
6
3.0 "Ossos dos seus ossos" Abolindo a tortura
Em 1762, no mesmo ano em que Rousseau usou pela primeira vez o termo "direitos do homem", um
tribunal na cidade de Toulouse, no sul da França, condenou um protestante francês de 64 anos chamado
Jean Calas por assassinar seu filho para impedir que ele se convertesse ao catolicismo. Os juízes
condenaram Jean à morte pelo suplício da roda. Antes da execução, Calas primeiro teve de suportar uma tortura
judicialmente supervisionada conhecida como a "questão preliminar", que se destinava a conseguir que aqueles
já condenados nomeassem seus cúmplices. Com os punhos atados bem apertados a uma barra atrás dele, Calas
foi esticado por um sistema de manivelas e roldanas que puxava firmemente seus braços para cima, enquanto
um peso de ferro mantinha os pés no lugar (figura 3). Quando Calas se recusou a fornecer nomes depois de duas
aplicações, foi atado a um banco e jarros de água foram despejados à força pela sua garganta, enquanto a boca
era mantida aberta por dois pauzinhos (figura 4). Pressionado de novo a citar nomes, diz-se que ele respondeu:
"Onde não há crime, não pode haver cúmplices".
A morte não se seguia imediatamente, nem se pretendia que assim fosse. O suplício da roda, reservado
aos homens condenados por homicídio ou assalto na estrada, ocorria em dois estágios. Primeiro, o carrasco
atava o condenado a um a cruz em forma de X e esmagava sistematicamente os ossos de seus antebraços,
pernas, coxas e braços, desferindo em cada um deles dois golpes brutais. Por meio de um sarilho preso à corda
2
ao redor do pescoço do condenado, um
assistente embaixo do cadafalso então
deslocava as vértebras do pescoço com puxões
violentos na corda. Enquanto isso, o carrasco
fustigava a cintura com três golpes fortes da
vara de ferro. Depois o carrasco descia o corpo
quebrado e o prendia, com os membros
torturantemente inclinados para trás, a uma
roda de carruagem em cima de um poste de
três metros. Ali o condenado permanecia
bastante tempo depois da morte, concluindo
"um espetáculo muito terrível". Numa
instrução secreta, o tribunal concedeu a Calas a
graça de ser estrangulado depois de duas horas
de tormento, antes que seu corpo fosse ligado à
roda. Calas morreu ainda protestando
inocência.
O "caso" Calas galvanizou a atenção
quando foi adotado por Voltaire alguns meses
depois da execução. Voltaire arrecadou
dinheiro para a família, escreveu cartas em
nome de vários membros da família Calas com
o intuito de apresentar suas visões originais
dos lados e depois publicou um panfleto e um
livro baseados no caso. O mais famoso desses
foi o seu Tratado sobre a tolerância por ocasião
da morte de Jean Calas, no qual ele usou pela
primeira vez a expressão "direito humano"; o
ponto principal de seu argumento era que a
intolerância não podia ser um direito humano
(ele não propunha o argumento positivo de que
a liberdade de religião era um direito humano
). Voltaire não protestou inicialmente nem contra a tortura, nem contra o suplício da roda. O que o
enfureceu foi o fanatismo religioso que ele concluiu ter motivado a polícia e os juízes: "É impossível ver
como, seguindo esse princípio [o direito humano] ,um homem pode dizer a outro, 'acredite no que eu acredito e
no que você não pode acreditar, senão vai morrer'. É assim que eles falam em Portugal, Espanha e Goa [países
infames pelas suas inquisições]".
Como o culto calvinista público tinha sido proibido na França desde 1685, as autoridades aparentemente
não precisavam se esforçar muito para acreditar que Calas tivesse matado o filho para impedir a sua conversão
ao catolicismo. Certa noite, depois do jantar, a família tinha encontrado Mare-Antoine pendendo num vão de
porta que abria para uma despensa nos fundos da casa, um aparente suicídio. Para evitar o escândalo, afirmaram
ter descoberto o corpo no chão, presumivelmente vítima de assassinato. O suicídio era punível pela lei na
França: uma pessoa que cometesse suicídio não podia ser enterrada em chão consagrado e, se considerada
culpada num julgamento, o corpo podia ser exumado, arrastado pela cidade, pendurado pelos pés e atirado no
lixo.
A polícia se aproveitou das incoerências no testemunho da família e logo prendeu o pai, a mãe e o irmão
junto com seu criado e um visitante, acusando todos de assassinato. Um tribunal local condenou o pai, a mãe e o
irmão à tortura para obter confissões de culpa (chamada a "questão preparatória"), mas na apelação o Parlement1
de Toulouse revogou a sentença do tribunal local, recusou-se a aplicar a tortura antes da condenação e
considerou culpado apenas o pai, esperando que ele nomeasse os outros quando torturado pouco antes da sua
execução. A publicidade inexorável dada por Voltaire ao caso valeu para o resto da família, que ainda não tinha
sido inocentada. O Conselho Real primeiro anulou os veredictos por razões técnicas em 1763 e 1764 e
depois, em 1765, votou a favor da absolvição de todos os envolvidos e da devolução dos bens confiscados
da família.
1
Parlement: corte de justiça. (N.T.)
3
Durante a tempestade a respeito do caso Calas, o foco de atenção de Voltaire começou a mudar, e cada
vez mais o próprio sistema de justiça criminal, e especialmente o seu emprego da tortura e da crueldade, passou
a ser criticado. Nos seus textos iniciais sobre Calas, em 1762-3, Voltaire não usou nem uma única vez o termo
geral "tortura" (empregando em seu lugar o eufemismo legal "a questão"). Ele denunciou a tortura judicial pela
primeira vez em 1766 e depois estabeleceu frequentemente a ligação entre Calas e a tortura. A compaixão
natural leva todo mundo a detestar a crueldade da tortura judicial, insistia Voltaire, embora ele próprio não
tivesse dito essas palavras antes. "A tortura tem sido abolida em outros países, e com sucesso: a questão está,
portanto, decidida."As visões de Voltaire mudaram tanto que em 1769 ele se sentiu compelido a acrescentar um
artigo sobre "Tortura" a seu Dicionário filosófico, publicado pela primeira vez em 1764 e já no índex papal dos
livros proibidos. No artigo, Voltaire emprega a sua alternância habitual do ridículo e do ataque fulminante para
condenar as práticas francesas como incivilizadas: os estrangeiros julgam a França pelas suas peças teatrais,
romances, versos e belas atrizes, sem saber que não há nação mais cruel que a França. Uma nação civilizada,
conclui Voltaire, já não pode seguir "antigos costumes atrozes". O que há muito tempo tinha parecido aceitável
a ele e a muitos outros passava a ser posto em dúvida.
Assim como aconteceu com os direitos humanos de modo mais geral, as novas atitudes sobre a tortura e
sobre uma punição mais human a se cristalizaram primeiro na década de 1760, não apenas na França, mas em
outros países europeus e nas colônias americanas. Frederico, o Grande, da Prússia, amigo de Voltaire, já linha
abolido a tortura judicial nas suas terras em 1754. Outros imitaram seu exemplo nas décadas seguintes: a Suécia
em 1772, a Áustria e a Boêmia em 1776. Em 1780, a monarquia francesa eliminou o uso da tortura para extrair
confissões de culpa antes da condenação, e em 1788 aboliu provisoriamente o uso da tortura pouco antes da
execução para obter os nomes de cúmplices. Em 1783, o governo britânico descontinuou a procissão pública
para Tyburn, onde as execuções tinham se tornado um importante entretenimento popular, e introduziu o uso
regular da "queda", uma plataforma mais elevada que o carrasco deixava cair para assegurar enforcamentos mais
rápidos e mais humanos. Em 1789, o governo revolucionário francês renunciou a todas as formas de tortura
judicial, e em 1792 introduziu a guilhotina, que tinha a intenção de tornar a execução da pena de morte uniforme
e tão indolor quanto possível. No final do século XVII, a opinião pública parecia exigir o fim da tortura judicial
e de muitas indignidades infligidas aos corpos dos condenados. Como o médico americano Benjamin Rush
insistia em 1787, não devemos esquecer que até os criminosos "possuem almas e corpos compostos dos mesmos
materiais que os de nossos amigos e conhecidos. São ossos dos seus ossos".
A tortura judicialmente supervisionada para extrair confissões tinha sido introduzida ou reintroduzida na
maioria dos países europeus no século XIII, como consequência do reflorescimento da lei romana e do exemplo
da Inquisição católica. Nos séculos XVI, XVII e XVIII, muitas das mais refinadas inteligências legais da Europa
dedicaram-se a codificar e regularizar o uso da tortura judicial para impedir abusos perpetrados por juízes
exageradamente zelosos ou sádicos. A Grã-Bretanha tinha supostamente substituído a tortura judicial pelos júris
no século XIII, mas a tortura ainda ocorria nos séculos XVI e XVII nos casos de sedição e feitiçaria. Contra as
bruxas, por exemplo, os magistrados escoceses mais severos empregavam ferroadas, privação de sono, tortura
pelas "botas" (esmagar as pernas), queimaduras com ferro em brasa e outros métodos. A tortura para obter os
nomes de cúmplices era permitida pela lei colonial de Massachusetts, mas aparentemente nunca era ordenada.
As formas brutais de punição depois da condenação eram ubíquas na Europa e nas Américas. Embora a
Bill of Rights britânica de 1689 proibisse expressamente o castigo cruel, os juízes ainda sentenciavam os
criminosos ao poste dos açoites, ao banco dos afogamentos, ao tronco, ao pelourinho, ao ferro de marcar, à
execução por arrastamento e esquartejamento (desmembramento do corpo por meio de cavalos) ou, para as
mulheres, arrastamento, esquartejamento e morte na fogueira. O que constituía uma punição "cruel" dependia
claramente das expectativas culturais. Foi somente em 1790 que o Parlamento britânico proibiu queimar as
mulheres na fogueira. Antes, entretanto, havia aumentado dramaticamente o número de ofensas capitais, que
segundo algumas estimativas triplicou no século XVIII e em 1753 tinha contribuído para tornar as punições por
assassinato ainda mais horríveis a fim de aumentar seu poder de dissuasão. O Parlamento também ordenou que
os corpos de todos os assassinos fossem entregues a cirurgiões para dissecação — naquele tempo considerada
um a ignomínia — e concedeu aos juízes a autoridade discricionária de ordenar que o corpo de qualquer
assassino masculino fosse dependurado acorrentado depois da execução. Apesar do crescente desconforto com
4
esse escarnecer do cadáver dos assassinos, a prática só foi definitivamente abolida em 1834.
Não surpreende que a punição nas colónias tenha seguido os padrões estabelecidos no centro imperial.
Assim, um terço de todas as sentenças na Corte Superior de Massachusetts, mesmo na última metade do século
XVIII, exigia humilhações públicas que iam desde usar cartazes até a perda de uma orelha, a marcação a ferro e
o açoite. Um contemporâneo em Boston descreveu como "as mulheres eram tiradas de uma imensa jaula, na
qual eram arrastadas sobre rodas desde a prisão, e atadas num poste com as costas nuas, nas quais eram
aplicadas trinta ou quarenta chicotadas entre os gritos das culpadas e o tumulto da turba". A Bill of Rights
britânica não protegia os escravos, porque eles não eram considerados pessoas com direitos legais. Virginia e
Carolina do Norte permitiam expressamente a castração de escravos por ofensas hediondas, e em Maryland, nos
casos de pequena traição ou incêndio criminoso por parte de um escravo, a mão direita era cortada e o escravo
depois enforcado, a cabeça cortada, o corpo esquartejado e as
partes desmembradas exibidas em público. Ainda na década
de 1740, os escravos em Nova York podiam ser queimados
até a morte de forma torturantemente lenta, supliciados na
roda ou dependurados por correntes até morrerem por falta de
alimento.
A maioria das sentenças determinadas pelos tribunais
franceses na última metade do século XVIII ainda incluía
alguma forma de castigo corporal público, como a marcação a
ferro, o açoite ou o uso do colarinho de ferro (que ficava
preso a um poste ou ao pelourinho — figura 5). No mesmo
ano em que Calas foi executado, o Parlement de Paris2
sentenciou apelações de processos penais contra 235 homens
e mulheres julgados em primeira instância no tribunal de
Châtelet (um tribunal de instância inferior) de Paris: 82 foram
sentenciados ao banimento e à marcação a ferro, em geral
combinados com açoites; nove à mesma combinação mais o
colarinho de ferro; dezenove à marcação a ferro e ao
aprisionamento; vinte ao confinamento no Hospital Geral3,
depois de serem marcados a ferro e/ou terem de usar o
colarinho de ferro; doze ao enforcamento; três ao suplício da
roda; e um a morrer queimado na fogueira. Se todos os outros
tribunais de Paris fossem incluídos na conta, o número de
humilhações públicas e mutilações aumentaria para
quinhentas ou seiscentas, com umas dezoito execuções — em
apenas um ano, numa única jurisdição.
A pena de morte podia ser imposta de cinco maneiras
diferentes na França: decapitação para os nobres;
enforcamento para os criminosos comuns; arrastamento e esquartejamento por ofensas contra o soberano
conhecidas com o lèse-majesté; morte na fogueira por heresia, magia, incêndio criminoso, envenenamento,
bestialidade e sodomia; e o suplício da roda por assassinato ou salteamento. Os juízes ordenavam arrastamento e
esquartejamento e morte na fogueira com pouca frequência no século XVIII, mas o suplício da roda era muito
comum: na jurisdição do Parlement de Aix-en-Provence, no sul da França, por exemplo, quase a metade das 53
sentenças de morte impostas entre 1760 e 1762 era pelo suplício da roda.
Mas da década de 1760 em diante, campanhas de vários tipos levaram à abolição da tortura sancionada
pelo estado e a uma crescente moderação nos castigos (até para os escravos). Os reformadores atribuíam suas
realizações à difusão do humanitarismo do Iluminismo. Em 1786, o reformador inglês Samuel Romilly olhou
para trás e afirmou cheio de confiança que "à medida que os homens refletem e raciocinam sobre esse tema
importante, as noções absurdas e bárbaras de justiça que prevaleceram por eras têm sido demolidas, e têm sido
adotados princípios humanos e racionais em seu lugar". Muito do impulso imediato para pensar sobre o assunto
veio do curto e vigoroso Dos delitos e das penas, publicado em 1764 por um aristocrata italiano de 24 anos,
Cesare Beccaria. Promovido pelos círculos em torno de Diderot, traduzido rapidamente para o francês e o inglês
e avidamente lido por Voltaire no decorrer do caso Calas, o pequeno livro de Beccaria examinava o sistema de
2
O Parlementde Paris era a mais alta corte de justiça do Antigo Regime. (N.T.)
3
Fundado por Luís XIV, o Hospital Geral servia para recolher marginais, indigentes etc. (N. T.)
5
justiça criminal de cada nação. O sistema italiano recente não rejeitava apenas a tortura e o castigo cruel, mas
também—numa atitude extraordinária para a época— a própria pena de morte. Contra o poder absoluto dos
governantes, a ortodoxia religiosa e os privilégios da nobreza, Beccaria propunha um padrão democrático de
justiça: "a maior felicidade do maior número". Virtualmente todo reformador a partir de então, de Philadelphia a
Moscou, o citava.
Beccaria ajudou a valorizar a nova linguagem do sentimento. Para ele, a pena de morte só podia ser
"perniciosa para a sociedade, pelo exemplo de barbárie que proporciona", e ao objetar a "tormentos e crueldade
inútil" na punição ele os ridicularizava como "o instrumento de um fanatismo furioso". Além disso, ao justificar
a sua intervenção ele expressava a esperança de que se "eu contribuir para salvar da agonia da morte uma vítima
infeliz da tirania, ou da ignorância igualmente fatal, a sua bênção e lágrimas de êxtase serão para mim um
consolo suficiente para o desprezo de toda a humanidade". Depois de ler Beccaria, o jurista inglês William
Blackstone estabeleceu a conexão que se tornaria característica após a visão do Iluminismo: a lei criminal,
afirmava Blackstone, deve sempre "se conformar aos ditados da verdade e da justiça, aos sentimentos
humanitários e aos direitos indeléveis da humanidade".
Entretanto, como mostra o exemplo de Voltaire, a elite educada, e até muitos dos principais
reformadores, não compreendeu imediatamente a conexão entre a linguagem nascente dos direitos e a tortura e o
castigo cruel. Voltaire escarneceu do malogro da justiça no caso Calas, mas não objetou originalmente ao fato
de que o velho fora torturado ou supliciado na roda. Se a compaixão natural leva todo mundo a detestar a
crueldade da tortura judicial, como Voltaire disse mais tarde, por que isso não era óbvio antes da década de
1760, nem mesmo para ele? Evidentemente, antolhos de algum tipo haviam atuado para inibir a operação da
empatia antes desse período.
Quando os escritores e os reformadores legais do Iluminismo começaram a questionar a tortura e a
punição cruel, ocorreu uma viravolta quase completa de atitude ao longo de algumas décadas. A descoberta do
sentimento de companheirismo constituía parte dessa mudança, mas apenas parte. O que era preciso além da
empatia — na verdade, nesse caso, uma precondição necessária para a empatia com o condenado pela justiça—
era um novo interesse pelo corpo humano. Antes sagrado apenas dentro de uma ordem religiosamente definida,
em que os corpos individuais podiam ser mutilados ou torturados para o bem comum, o corpo se tornou sagrado
por si próprio numa ordem secular que se baseava na autonomia e inviolabilidade dos indivíduos. Esse
desenvolvimento ocorre em duas partes. Os corpos ganharam um valor mais positivo quando se tornaram mais
separados, mais senhores de si mesmos e mais individualizados durante o desenrolar do século XVIII, enquanto
as violações dos corpos provocavam mais e mais reações negativas.
6
3.3 O espetáculo público da dor
Caminhar pelo jardim, escutar música em silêncio, usar um lenço e ver retratos são todas ações que
parecem acompanhar a imagem do leitor empático, e que parecem completamente incongruentes com a tortura e
execução de Jean Calas. Mas os próprios juízes e legisladores que sustentavam o sistema legal tradicional e
defendiam até a sua dureza sem dúvida escutavam música em silêncio, encomendavam retratos e possuíam
casas com quartos de dormir, embora talvez não tivessem lido os romances por causa da sua associação com a
sedução e a devassidão. Os magistrados endossavam o sistema tradicional de crime e castigo porque
acreditavam que os culpados do crime só podiam ser controlados por um a força externa. Na visão
tradicional, as pessoas comuns não sabiam regular suas próprias paixões. Tinham de ser lideradas,
estimuladas para fazer o bem e dissuadidas de seguir seus instintos mais baixos. Essa tendência para o mal na
humanidade resultava do pecado original, a doutrina cristã de que todos são inatamente predispostos para o
pecado desde que Adão e Eva foram privados da graça de Deus no jardim do Éden.
Os escritos de Pierre-François Muyart de Vouglans nos dão uma compreensão rara da posição
tradicionalista, pois ele foi um dos poucos juristas que aceitaram o desafio de Beccaria e publicaram defesas dos
métodos antigos. Além de suas muitas obras sobre a lei criminal, Muyart também escreveu ao menos dois
panfletos defendendo o cristianismo e atacando seus críticos modernos, especialmente Voltaire. Em 1767,
publicou uma refutação, ponto por ponto, das ideias de Beccaria. Opôs-se nos termos mais fortes à tentativa de
Beccaria de fundamentar o seu sistema sobre "os sentimentos inefáveis do coração". "Eu me orgulho de ter tanta
sensibilidade quanto qualquer pessoa", insistia, "mas sem dúvida não tenho uma organização de fibras
[terminações nervosas] tão frouxa quanto a de nossos modernos criminalistas, pois não senti esse
estremecimento suave de que falam." Em vez disso, Muyart sentiu surpresa, para não dizer choque, quando viu
que Beccaria construiu seu sistema sobre as ruínas de todo o senso comum.
Muyart zombou da abordagem racionalista de Beccaria. "Sentado no seu gabinete, [o autor] começa a
redigir as leis de todas as nações e nos leva a compreender que até agora nunca tivemos um pensamento exato
ou sólido sobre esse assunto crucial." A razão de
ser tão difícil reformar a lei criminal, segundo
Muyart, era que ela estava baseada sobre a lei
positiva e dependia menos do raciocínio que da
experiência e da prática. O que a experiência
ensinava era a necessidade de controlar os
indisciplinados, e não a lagar as suas
sensibilidades: "Quem, de fato, não sabe que,
como os homens são modelados pelas suas
paixões, o seu temperamento domina muito
frequentemente os seus sentimentos?". Os
homens devem ser julgados como são, não como
deveriam ser, ele insistia, e só o poder de uma
justiça vingadora que inspira um temor reverente
podia refrear esses temperamentos.
A ostentação da dor no cadafalso era
destinada a insuflar o terror nos espectadores
e dessa forma servia como um instrumento de
dissuasão. Os que a presenciavam— e as
multidões eram frequentemente imensas—eram
levados a se identificar com a dor da pessoa
condenada e, por meio dessa experiência, a sentir
a majestade esmagadora da lei, do Estado e, em
última instância, de Deus. Muyart, portanto,
achava revoltante que Beccaria tentasse justificar
os seus argumentos por referência à
"sensibilidade em relação à dor do culpado". Essa
sensibilidade fazia o sistema tradicional
funcionar. "Precisamente porque cada homem se
identificava com o que acontecia ao outro e
porque ele tinha um horror natural à dor, era
7
necessário preferir, na escolha dos castigos, aquele que fosse mais cruel para o corpo do culpado."
Pela compreensão tradicional, as dores do corpo não pertenciam inteiramente à pessoa condenada
individual. Essas dores tinham os propósitos religiosos e políticos mais elevados da redenção e reparação
da comunidade. Os corpos podiam ser mutilados com o objetivo de impor a autoridade, e quebrados ou
queimados com o objetivo de restaurar a ordem moral, política e religiosa. Em outras palavras, o ofensor servia
como um a espécie de vítima sacrifical, cujo sofrimento restauraria a integridade da comunidade e a ordem do
Estado. A natureza sacrifical do rito na França era sublinhada pela inclusão de um ato formal de penitência ( a
amende honorablé) em muitas sentenças francesas, quando o criminoso condenado carregava um a tocha de
fogo e parava na frente de uma igreja para pedir perdão a caminho do cadafalso.
Como a punição era um rito sacrifical, a festividade inevitavelmente acompanhava e às vezes eclipsava o
medo. As execuções públicas reuniam milhares de pessoas para celebrar a recuperação comunitária do dano do
crime. As execuções em Paris ocorriam na mesma praça — a Place de Greve — em que os fogos de artifício
celebravam os nascimentos e os casamentos da família real. Como os observadores frequentemente relatavam,
entretanto, essa festividade tinha em si uma qualidade imprevisível. As classes inglesas educadas expressavam
cada vez mais a sua desaprovação das "cenas espantosas de embriaguez e devassidão" que acompanhavam toda
execução em Tyburn (figura 9). Em cartas, os observadores deploravam que a multidão ridicularizasse os
clérigos enviados para prestar assistência aos prisioneiros, que os aprendizes de cirurgiões e os amigos dos
executados brigassem pelos cadáveres, e de modo geral que houvesse a expressão de uma "espécie de Alegria,
como se o Espetáculo que tinham presenciado lhes proporcionasse Prazer em vez de Dor". Relatando um
enforcamento no inverno de 1776, o Morning Post de Londres reclamava que a "multidão impiedosa se
comportava com uma indecência extremamente desumana—gritando, rindo, atirando bolas de neve uns nos
outros, principalmente naqueles poucos que manifestavam uma compaixão apropriada pelas desgraças de seus
semelhantes".
Mesmo quando a multidão era mais moderada, só o seu tamanho já podia ser perturbador. Um visitante
britânico em Paris relatou uma execução pelo suplício da roda em 1787: "O barulho da multidão era como o
murmúrio rouco causado pelas ondas do mar quebrando ao longo de uma costa rochosa: por um momento
amainava; e num silêncio terrível a multidão contemplava o carrasco pegar uma barra de ferro e dar início à
tragédia, golpeando o antebraço da vítima". Muito perturbador para este e muitos outros observadores era o
grande número de espectadoras: "É espantoso que a parte mais delicada da criação, cujos sentimentos são tão
requintadamente ternos e refinados, venha em grandes números para ver um espetáculo tão sangrento; mas, sem
dúvida, é a piedade, a compaixão bondosa que sentem o que as torna tão ansiosas sobre as torturas infligidas a
nossos semelhantes". Desnecessário dizer, não é "sem dúvida" que essa fosse a emoção predominante das
mulheres. A multidão já não sentia as emoções que o espetáculo se destinava a provocar.
A dor, o castigo e o espetáculo público do sofrimento perderam todos as suas amarras religiosas na
segunda metade do século XVIII, mas o processo não aconteceu de repente e não era muito bem compreendido
à época. Mesmo Beccaria deixou de ver todas as consequências do novo pensamento que ele tanto
contribuiu para cristalizar. Queria pôr a lei numa base rousseauniana em vez de religiosa: as leis "devem
ser convenções entre os homens num estado de liberdade", sustentava. Mas embora argumentasse em favor
de uma moderação do castigo—que deveria ser "o menor possível no caso dado" e "proporcional ao crime" —,
Beccaria ainda insistia que ele deveria ser público. Para ele, a exposição pública garantia a transparência da lei.
Na visão individualista e secular que nascia, as dores pertenciam apenas ao sofredor, aqui e agora. A
atitude em relação à dor não mudou por causa do aperfeiçoamento médico no tratamento da dor. Os que
exerciam a medicina tentavam certamente aliviar a dor à época, mas os verdadeiros passos pioneiros em
anestesia só aconteceram em meados do século XIX, com o uso do éter e do clorofórmio. Em vez disso, a
mudança de atitude surgiu como uma consequência da reavaliação do corpo individual e de suas dores.
Como a dor e o próprio corpo agora pertenciam somente ao indivíduo, e não à comunidade, o indivíduo já não
podia ser sacrificado para o bem da comunidade ou para um propósito religioso mais elevado. Como o
reformador inglês Henry Dagge insistia, "o bem da sociedade é promovido com mais sucesso pelo respeito aos
indivíduos". Em vez da expiação de um pecado, o castigo devia ser visto como o pagamento de
uma"dívida" com a sociedade, e claramente nenhum pagamento podia ser esperado de um corpo
mutilado. Se a dor tinha servido como o símbolo da reparação no antigo regime, agora a dor parecia um
obstáculo a qualquer quitação significativa. Num exemplo dessa mudança de visão, muitos juízes nas colônias
britânicas na América do Norte começaram a impor multas por delitos contra a propriedade em vez de
chibatadas.
Na nova visão, consequentemente, o castigo cruel executado num cenário público constituía um ataque à
sociedade, em vez de sua reafirmação. A dor brutalizava o indivíduo — e por identificação os espectadores —
8
em vez de abrir a porta para a salvação por meio do arrependimento. Assim, o advogado inglês William Eden
denunciou a exposição dos cadáveres: "deixamo-nos apodrecer com o espantalhos nas sebes, e nossas forcas
estão amontoadas de carcaças humanas. Alguma dúvida de que uma familiaridade forçada com esses objetos
possa ter qualquer outro efeito que não seja o de embotar os sentimentos e destruir os preconceitos benevolentes
das pessoas?". Em 1787, Benjamin Rush podia afastar até as últimas dúvidas. “A reforma de um criminoso
jamais pode ser levada a efeito por um castigo público", afirmava sem rodeios. O castigo público destrói
qualquer sensação de vergonha, não produz mudança s de atitude e , em vez de funcionar com o um instrumento
de dissuasão, tem o efeito oposto nos espectadores. Embora concordasse com Beccaria na sua oposição à pena
de morte, o dr. Rush o abandonava ao argumentar que o castigo devia ser privado, ministrado por trás das
paredes de uma prisão e orientado para a reabilitação, isto é, a readaptação do criminoso à sociedade e à sua
liberdade pessoal, "tão cara a todos os homens".
9
BALESTRERI Ricardo Brisola. Direitos Humanos: Coisa de Polícia – Passo fundo-RS, CAPEC, Paster
Editora, 1998
DIREITOS HUMANOS: COISA DE POLÍCIA
Treze reflexões sobre polícia e direitos humanos
Polícia, então, foi uma atividade caracterizada pelos segmentos progressistas da sociedade,
de forma equivocadamente conceitual, como necessariamente afeta à repressão
antidemocrática, à truculência, ao conservadorismo. “Direitos Humanos” como militância, na
outra ponta, passaram a ser vistos como ideologicamente filiados à esquerda, durante toda a
vigência da Guerra Fria (estranhamente, nos países do “socialismo real”, eram vistos como
uma arma retórica e organizacional do capitalismo). No Brasil, em momento posterior da
história, à partir da rearticulação democrática, agregou-se a seus ativistas a pecha de
“defensores de bandidos” e da impunidade.
Aproximar a policia das ONGs que atuam com Direitos Humanos, e vice-versa, é tarefa
impostergável para que possamos viver, a médio prazo, em uma nação que respire “cultura de
cidadania”. Para que isso ocorra, é necessário que nós, lideranças do campo dos Direitos
Humanos, desarmemos as “minas ideológicas” das quais nos cercamos, em um primeiro
momento, justificável , para nos defendermos da polícia, e que agora nos impedem de aproximar-
nos. O mesmo vale para a polícia.
Podemos aprender muito uns com os outros, ao atuarmos como agentes defensores da
mesma democracia.
Nesse contexto, à partir de quase uma década de parceria no campo da educação para
os direitos humanos junto à policiais e das coisas que vi e aprendi com a polícia, é que gostaria
de tecer as singelas treze considerações a seguir: CIDADANIA, DIMENSÃO PRIMEIRA
1ª - O policial é, antes de tudo um cidadão, e na cidadania deve nutrir sua razão de ser.
Irmana-se, assim, a todos os membros da comunidade em direitos e deveres. Sua condição de
cidadania é, portanto, condição primeira, tornando-se bizarra qualquer reflexão fundada sobre
suposta dualidade ou antagonismo entre uma “sociedade civil” e outra “sociedade policial”. Essa
afirmação é plenamente válida mesmo quando se trata da Polícia Militar, que é um serviço
público realizado na perspectiva de uma sociedade única, da qual todos os segmentos estatais
são derivados. Portanto não há, igualmente, uma “sociedade civil” e outra “sociedade militar”. A
“lógica” da Guerra Fria, aliada aos “anos de chumbo”, no Brasil, é que se encarregou de
solidificar esses equívocos, tentando transformar a polícia, de um serviço à cidadania, em
ferramenta para enfrentamento do “inimigo interno”. Mesmo após o encerramento desses anos
de paranoia, sequelas ideológicas persistem indevidamente, obstaculizando, em algumas áreas,
a elucidação da real função policial.
BALESTRERI Ricardo Brisola. Direitos Humanos: Coisa de Polícia – Passo fundo-RS, CAPEC, Paster
Editora, 1998
POLICIAL: CIDADÃO QUALIFICADO
3ª - Há, assim, uma dimensão pedagógica no agir policial que, como em outras profissões
de suporte público, antecede as próprias especificidades de sua especialidade.
A IMPORTÂNCIA DA AUTO-ESTIMA
PESSOAL E INSTITUCIONAL
A elevação dos padrões de auto-estima pode ser o caminho mais seguro para uma boa
prestação de serviços.
E ‘SUPEREGO’ SOCIAL
BALESTRERI Ricardo Brisola. Direitos Humanos: Coisa de Polícia – Passo fundo-RS, CAPEC, Paster
Editora, 1998
no cotidiano e repressivamente em momentos de crise, uma vez que democracia nenhuma se
sustenta sem a contenção do crime, sempre fundado sobre uma moralidade mal constituída e
hedonista, resultante de uma complexidade causal que vai do social ao psicológico.
Assim como nas famílias é preciso, em “ocasiões extremas”, que o adulto sustente, sem
vacilar, limites que possam balizar moralmente a conduta de crianças e jovens, também em nível
macro é necessário que alguma instituição se encarregue da contenção da sociopatia.
Para isso é que a polícia recebe desses mesmos cidadãos a unção para o uso da força,
quando necessário.
METODOLOGIAS ANTAGÔNICAS
Ao olhar para uns e outros, é preciso que a sociedade perceba claramente as diferenças
metodológicas ou a “confusão arquetípica” intensificará sua crise de moralidade, incrementando
a ciranda da violência. Isso significa que a violência policial é geradora de mais violência da qual,
mui comumente, o próprio policial torna-se a vítima.
Ao policial, portanto, não cabe ser cruel com os cruéis, vingativo contra os anti-sociais,
hediondo com os hediondos. Apenas estaria com isso, liberando, licenciando a sociedade para
fazer o mesmo, à partir de seu patamar de visibilidade moral. Não se ensina a respeitar
desrespeitando, não se pode educar para preservar a vida matando, não importa quem seja. O
policial jamais pode esquecer que também o observa o inconsciente coletivo. A ‘VISIBILIDADE
MORAL’ DA POLÍCIA: IMPORTÂNCIA DO EXEMPLO
8ª - Essa dimensão “testemunhal”, exemplar, pedagógica, que o policial carrega
irrecusavelmente é, possivelmente, mais marcante na vida da população do que a própria
intervenção do educador por ofício, o professor.
BALESTRERI Ricardo Brisola. Direitos Humanos: Coisa de Polícia – Passo fundo-RS, CAPEC, Paster
Editora, 1998
Esse fenômeno ocorre devido à gravidade do momento em que normalmente o policial
encontra o cidadão. À polícia recorre-se, como regra, em horas de fragilidade emocional, que
deixam os indivíduos ou a comunidade fortemente “abertos” ao impacto psicológico e moral da
ação realizada.
Por essa razão é que uma intervenção incorreta funda marcas traumáticas por anos ou
até pela vida inteira, assim como a ação do “bom policial” será sempre lembrada com satisfação
e conforto.
É essa mesma “visibilidade moral” da polícia o mais forte argumento para convencê-la
de sua “responsabilidade paternal” (ainda que não paternalista) sobre a comunidade. Zelar pela
ordem pública é, assim, acima de tudo, dar exemplo de conduta fortemente baseada em
princípios. Não há exceção quando tratamos de princípios, mesmo quando está em questão a
prisão, guarda e condução de malfeitores. Se o policial é capaz de transigir nos seus princípios
de civilidade, quando no contato com os sociopatas, abona a violência, contamina-se com o que
nega, conspurca a normalidade, confunde o imaginário popular e rebaixa-se à igualdade de
procedimentos com aqueles que combate.
Note-se que a perspectiva, aqui, não é refletir do ponto de vista da “defesa do bandido”,
mas da defesa da dignidade do policial.
A violência desequilibra e desumaniza o sujeito, não importa com que fins seja cometida,
e não restringe-se a áreas isoladas, mas, fatalmente, acaba por dominar-lhe toda a conduta. O
violento se dá uma perigosa permissão de exercício de pulsões negativas, que vazam
gravemente sua censura moral e que, inevitavelmente, vão alastrando-se em todas as direções
de sua vida, de maneira incontrolável.
Ter identidade com a polícia, amar a corporação da qual participa, coisas essas
desejáveis, não se podem confundir, em momento algum, com acobertar práticas abomináveis.
Ao contrário, a verdadeira identidade policial exige do sujeito um permanente zelo pela “limpeza”
da instituição da qual participa.
BALESTRERI Ricardo Brisola. Direitos Humanos: Coisa de Polícia – Passo fundo-RS, CAPEC, Paster
Editora, 1998
O acobertamento de práticas espúrias demonstra, ao contrário do que muitas vezes
parece, o mais absoluto desprezo pelas instituições policiais. Quem acoberta o espúrio permite
que ele enxovalhe a imagem do conjunto da instituição e mostra, dessa forma, não ter qualquer
respeito pelo ambiente do qual faz parte.
CRITÉRIOS DE SELEÇÃO,
PERMANÊNCIA E ACOMPANHAMENTO
10ª - Essa preocupação deve crescer à medida em que tenhamos clara a preferência da
psicopatia pelas profissões de poder. Política profissional, Forças Armadas, Comunicação
Social, Direito, Medicina, Magistério e Polícia são algumas das profissões de encantada
predileção para os psicopatas, sempre em busca do exercício livre e sem culpas de seu poder
sobre outrem.
Profissões magníficas, de grande amplitude social, que agregam heróis e mesmo santos,
são as mesmas que atraem a escória, pelo alcance que têm, pelo poder que representam.
A permissão para o uso da força, das armas, do direito a decidir sobre a vida e a morte,
exercem irresistível atração à perversidade, ao delírio onipotente, à loucura articulada.
Os processos de seleção de policiais devem tornar-se cada vez mais rígidos no bloqueio
à entrada desse tipo de gente. Igualmente, é nefasta a falta de um maior acompanhamento
psicológico aos policiais já na ativa.
De qualquer forma, o zelo pelo respeito e a decência dos quadros policiais não cabe
apenas ao Estado mas aos próprios policiais, os maiores interessados em participarem de
instituições livres de vícios, valorizadas socialmente e detentoras de credibilidade histórica.
11ª - O equilíbrio psicológico, tão indispensável na ação da polícia, passa também pela
saúde emocional da própria instituição. Mesmo que isso não se justifique, sabemos que policiais
maltratados internamente tendem a descontar sua agressividade sobre o cidadão.
Evidentemente, polícia não funciona sem hierarquia. Há, contudo, clara distinção entre
hierarquia e humilhação, entre ordem e perversidade.
Em muitas academias de polícia (é claro que não em todas) os policiais parecem ainda
ser “adestrados” para alguma suposta “guerra de guerrilhas”, sendo submetidos a toda ordem de
maus-tratos (beber sangue no pescoço da galinha, ficar em pé sobre formigueiro, ser “afogado”
na lama por superior hierárquico, comer fezes, são só alguns dos recentes exemplos que tenho
colecionado à partir da narrativa de amigos policiais, em diversas partes do Brasil).
BALESTRERI Ricardo Brisola. Direitos Humanos: Coisa de Polícia – Passo fundo-RS, CAPEC, Paster
Editora, 1998
Por uma contaminação da ideologia militar (diga-se de passagem, presente não apenas
nas PMs mas também em muitas polícias civis), os futuros policiais são, muitas vezes,
submetidos a violento estresse psicológico, a fim de atiçar-lhes a raiva contra o “inimigo” (será,
nesse caso, o cidadão?).
Essa permissividade na violação interna dos Direitos Humanos dos policiais pode dar
guarida à ação de personalidades sádicas e depravadas, que usam sua autoridade superior
como cobertura para o exercício de suas doenças.
Além disso, como os policiais não vão lutar na extinta guerra do Vietnã, mas atuar nas
ruas das cidades, esse tipo de “formação” (deformadora) representa uma perda de tempo,
geradora apenas de brutalidade, atraso técnico e incompetência.
A verdadeira hierarquia só pode ser exercida com base na lei e na lógica, longe, portanto,
do personalismo e do autoritarismo doentios.
O respeito aos superiores não pode ser imposto na base da humilhação e do medo. Não
pode haver respeito unilateral, como não pode haver respeito sem admiração. Não podemos
respeitar aqueles a quem odiamos.
A hierarquia é fundamental para o bom funcionamento da polícia, mas ela só pode ser
verdadeiramente alcançada através do exercício da liderança dos superiores, o que pressupõe
práticas bilaterais de respeito, competência e seguimento de regras lógicas e suprapessoais.
12ª - No extremo oposto, a debilidade hierárquica é também um mal. Pode passar uma
imagem de descaso e desordem no serviço público, além de enredar na malha confusa da
burocracia toda a prática policial.
A falta de uma Lei Orgânica Nacional para a polícia civil, por exemplo, pode propiciar um
desvio fragmentador dessa instituição, amparando uma tendência de definição de conduta, em
alguns casos, pela mera junção, em “colcha de retalhos”, do conjunto das práticas de suas
delegacias.
Aqui, deve-se ressaltar a importância das academias de Polícia Civil, das escolas
formativas de oficiais e soldados e dos institutos superiores de ensino e pesquisa, como bases
para a construção da Polícia Cidadã, seja através de suas intervenções junto aos policiais
ingressantes, seja na qualificação daqueles que se encontram há mais tempo na ativa. Um bom
BALESTRERI Ricardo Brisola. Direitos Humanos: Coisa de Polícia – Passo fundo-RS, CAPEC, Paster
Editora, 1998
currículo e professores habilitados não apenas nos conhecimentos técnicos, mas igualmente nas
artes didáticas e no relacionamento interpessoal, são fundamentais para a geração de policiais
que atuem com base na lei e na ordem hierárquica, mas também na autonomia moral e
intelectual. Do policial contemporâneo, mesmo o de mais simples escalão, se exigirá, cada vez
mais, discernimento de valores éticos e condução rápida de processos de raciocínio na tomada
de decisões.
CONCLUSÃO
Esse caminho passa pela superação das sequelas deixadas pelo período ditatorial:
velhos ranços psicopáticos, às vezes ainda abancados no poder, contaminação anacrônica pela
ideologia militar da Guerra Fria, crença de que a competência se alcança pela truculência e não
pela técnica, maus-tratos internos a policiais de escalões inferiores, corporativismo no
acobertamento de práticas incompatíveis com a nobreza da missão policial.
O policial, pela natural autoridade moral que porta, tem o potencial de ser o mais
marcante promotor dos Direitos Humanos, revertendo o quadro de descrédito social e
qualificando-se como um personagem central da democracia. As organizações não
governamentais que ainda não descobriram a força e a importância do policial como agente de
transformação, devem abrir-se, urgentemente, a isso, sob pena de, aferradas a velhos
paradigmas, perderem o concurso da ação impactante desse ator social.
BALESTRERI Ricardo Brisola. Direitos Humanos: Coisa de Polícia – Passo fundo-RS, CAPEC, Paster
Editora, 1998
GT4: VIOLÊNCIA, SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA NA AMÉRICA
LATINA.
RESUMO
O histórico das ações das polícias no Brasil possui um aspecto repressor, com o surgimento do
Estado Democrático de Direito em 1988, surgiu a necessidade de cumprir o que estava descrito
na constituição brasileira, que cabe as Polícias Militares brasileiras o policiamento ostensivo e
preventivo. O presente artigo tem por objetivo descrever o processo de institucionalização dos
direitos humanos na Polícia Militar de Pernambuco, bem como fazer uma análise descritiva das
ações desenvolvidas e coordenadas pela sua Diretoria de Articulação Social e Direitos
Humanos. Partindo da premissa das ações preventivas e sob a ideia de que o problema da
violência deve ser tratado nessa mesma perspectiva, surgiu a partir da década de 1980 alguns
programas que tem a prevenção como meio de ação. A Diretoria de Articulação Social e
Direitos Humanos surge como uma ferramenta de gestão com staff de supervisão, reunindo os
diversos programas de prevenção e de promoção dos direitos humanos da Polícia Militar de
Pernambuco. Ela agrega os programas de Polícia Comunitária, Assessoria da Criança e do
Adolescente, Patrulha Escolar, Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Racismo Institucional,
Patrulha Maria da Penha, Programa Educacional de Resistência as Drogas e Banda de Música,
com seus programas sociais. Acredita-se que a experiência vivenciada no Estado de
Pernambuco através dos diversos programas traz reflexões importantes atinentes as políticas de
promoção dos direitos humanos na segurança pública, uma vez que cada uma dessas ações com
especificações peculiares trabalham e resgatam a cidadania e os direitos humanos,
demonstrando dessa forma que a pluralidade de ações permeiam a Secretaria de Defesa Social,
numa política efetiva de ações em prol do cidadão. Revela ainda, que a filosofia de policiamento
1
Oficial da Polícia Militar de Pernambuco, Mestrando do Programa de Pós Graduação em Direitos
Humanos da Universidade Federal de Pernambuco (PPGDH-UFPE) e Especialista em Políticas
Públicas de Segurança (FACIPE/SENASP). Chefe a Seção Técnica de Ensino do Campus responsável
pela Formação e Capacitação dos Policiais Militares do Estado de Pernambuco.
2
Professora do Programa de Pós Graduação em Direitos Humanos da UFPE e Presidente da Comissão
de Direitos Humanos Dom Hélder Câmara da UFPE.
comunitário está cada vez mais inserida nas atividades de prevenção, o que nos leva a observar
a interação com a comunidade, o empoderamento, o desenvolvimento de projetos comunitário
de inserção social.
Palavras-Chave: Direitos humanos. Segurança pública. Política pública de promoção dos
direitos humanos.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo descrever o processo de institucionalização dos
direitos humanos na PMPE3, bem como fazer uma análise descritiva das ações desenvolvidas e
coordenadas pela DASDH4 da PMPE.
Para tanto buscou-se fazer um relato de experiência tomando como base a experiência
do autor, associado aos documentos oficiais que tratam das ações da DASDH desde sua criação
até o ano de 2015.
No que tange a DASDH, ela surge como um representante institucional da PMPE junto
a Câmara de Prevenção Social do Programa do Governo de Pernambuco, apresentando sob sua
coordenação ações preventivas desenvolvidas pelos seguintes programas: Polícia Comunitária,
Patrulha Escolar, Assessoria da Criança e do Adolescente, Grupo de Trabalho de
Enfrentamento ao Racismo Institucional, Patrulha Maria da Penha, Programa Educacional de
Resistência as Drogas e Banda de Música.
3
PMPE – Polícia Militar de Pernambuco
4
DASDH – Diretoria de Articulação Social e Direitos Humanos
2
2. INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA POLÍCIA MILITAR
DE PERNAMBUCO
A discussão acerca da temática dos Direitos Humanos teve seu início no Brasil na
década de 1930, que segundo Mondaini (2013, p.14) restringiu-se ao reconhecimento de
determinados direitos e garantias sociais. Mas com o surgimento do estado de exceção em 1964,
o Brasil, não diferente de outros países latino-americanos que experimentaram ditaduras
militares, surge como um estado violador dos direitos individuais e políticos provenientes desse
regime.
Os anos se passaram e em 1985 o regime ditatorial brasileiro se acaba, fazendo com que
o país inicie um processo de redemocratização. Em 1988, o Brasil assume, em sua constituição,
o Estado Democrático de Direito, como descreve o caput do Art. 1º da Constituição de 1988:
“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito”. BRASIL, Constituição
(1988, p. 1).
3
• SALUBRIDADE PÚBLICA, cuja “expressão designa, também, o estado de
sanidade e de higiene de um lugar, em razão do qual se mostram propícias às
condições de vida de seus habitantes”; e
• DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, (...) visa atribuir ao Estado, no uso do seu
poder de polícia, restringir a possibilidade de alguém se sujeitar ou sujeitar alguém a
situação aviltante ou constrangedora, em nome da preservação da dignidade da pessoa
humana.
Ainda sobre ordem pública, Moreira Neto (apud Mendes, 2001) afirma que o referencial
não está obrigatoriamente apenas no ordenamento jurídico, ela possui uma dimensão moral
associados aos princípios éticos da sociedade, definindo ordem pública como a “disposição
pacífica e harmoniosa da convivência pública” e esta deve ser “legal, legítima e moral”.
Marcineiro (2009, p. 77) conclui estabelecendo que a ordem pública não deve ser
imposta, deve surgir de uma parceria sinérgica que envolva todos os atores sociais, servindo os
agentes de segurança pública como catalisadores desse sistema, em razão de seu conhecimento
técnico-profissional. Nesse mesmo sentido é que o texto constitucional define ser
“responsabilidade de todos”.
Diante dessa realidade, pode-se dizer que é inadmissível se pensar, e até mesmo, praticar
segurança pública, no Brasil, um Estado Democrático de Direito, sem fazer referência aos
direitos humanos, uma vez que a polícia existe para defender os direitos das pessoas, definido
por Balestreri (2003, p. 100) quando que em uma sociedade democrática, o policial é instituído
para ser o defensor “número um” dos direitos humanos.
4
O policiamento comunitário é a filosofia de policiamento que converge com os
princípios dos direitos humanos, pois visa uma interação entre o Estado e a comunidade,
garantindo a essa última uma participação efetiva nas ações de segurança e garantias dos
direitos humanos, como afirma Bayley e Skolnick (2001, p. 225) implica que a polícia sirva à
comunidade, aprenda com ela e seja responsável por ela [...] a polícia e o público são
coprodutores da prevenção do crime.
Então, a formação desse profissional teve que ser repensada e adaptada a uma nova
realidade e não uma simples repetição daquilo que está posto, como afirma Silveira (2007, p.
315):
Uma educação que não seja desafiadora, que não se proponha a formar iniciativas,
que não prepare para a mobilização, que não instrumente a mudança, que não seja
emancipatória, é mera fábrica de repetição das formas de ação já conhecidas.
Nesse ideal, muitas foram as resistências institucionais a esse novo padrão, sendo
necessário a implementação de diversas políticas públicas advindas do governo Federal,
impulsionando os Estados membros a cumprirem o que era demandado. Com o passar dos anos
as resistências foram diminuindo e hoje as temáticas atinentes aos Direitos Humanos é uma
realidade nas instituições policiais do Brasil.
A criação desse programa visa principalmente fazer com que as ações preventivas
realizadas pelas mais diversas secretarias do governo a desenvolverem suas ações de forma
5
integrada. Verificou-se que o problema da violência não é um problema de segurança pública
apenas, trata-se antes de tudo de um problema social, e como tal, deve ser enfrentado pelos
diversos secretarias do estado, cada uma dentro da sua especificidade, juntamente com a
população.
• Polícia Comunitária
• Assessoria da Criança e do Adolescente – ASCRIAD
• Patrulha Escolar
• Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Racismo Institucional – GT Racismo
• Patrulha Maria da Penha – Lançado 23/09/2013 1º, 6º e 12ºBPM
• Programa Educacional de Resistência as Drogas – PROERD
• Banda de Música
6
3.1 POLÍCIA COMUNITÁRIA
Igualmente, não isenta a utilização do poder de polícia definido por Meireles (2006,
p.131) como a “faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir
o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do
próprio Estado”, e que Mendes (Brasil, 2001) discorre que o poder de polícia é desenvolvido
em quatro fases: a ordem de polícia, o consentimento de polícia, a fiscalização de polícia e a
sanção de polícia.
7
comunidade nesse processo de participação na segurança pública local, como afirma Skolnicke
Bayley (2002, p. 18) que “o público deve ser visto como ‘coprodutor’ da segurança e da ordem,
juntamente com a polícia”. Não obstante a isso, é importante salientar que esse empoderamento
não significa delegar a comunidade a função da polícia, como afirma Lazzarini (1999, p. 51) “o
poder de polícia, que legitima o poder da polícia e a própria razão desta existir, é um conjunto
de atribuições da Administração Pública, como poder público e indelegável aos particulares”,
de uma coparticipação, tornando-o também responsável.
A parceria com a comunidade então, faz parte de uma das diretrizes para uma integração
com a comunidade, pois é o reconhecimento potencial de que ela pode oferecer as organizações
responsáveis pela segurança pública, que pode variar desde a identificação de problemas até o
planejamento de uma ação para combater e solucionar algum problema mais amplo, para tanto
é necessário um policial participante da rotina da comunidade e que, principalmente, seja um
policial dialógico.
Por fim, Marcineiro (2009, p. 89) afirma que o policiamento comunitário é uma filosofia
de trabalho policial, extremamente adequada ao exercício do poder de polícia num Estado
Democrático de Direito, voltada para a preservação da ordem pública e engajada na construção
de comunidades mais seguras e solidárias.
A criação dos NUSEPs foi inspirada na experiência vivenciada pela Polícia Militar do
Paraná, quando da criação dos Conselhos Comunitários de Segurança. Em Pernambuco os
NUSEPs forneciam uma estrutura de suporte para uma melhor integração comunitária com a
PMPE.
8
No ano seguinte, foi criado o programa chamado Patrulha do Bairro. Tratava-se de um
policiamento essencialmente preventivo e voltado para a comunidade, numa concepção de
policiamento moderno, através da ação de presença, numa conduta eminentemente proativa,
utilizando-se da modalidade de policiamento a pé e do motorizado, para uma cobertura policial
mais abrangente junto à comunidade.
Sobre esta área projetou-se 12 (doze) núcleos com o respectivo Comando Operacional
de Área (COA), e considerou-se também a diversidade econômica, cultural, geográfica,
habitacional, bem como outros aspectos que trouxeram impacto ao desenho urbano daquela
localidade.
9
A ideia era que o COA, para a Polícia Militar, estaria em nível de Comando de Batalhão
e os NSC e NISC, estariam no nível de comando de companhia, bem como, para a Polícia Civil
o COA estaria no nível da Delegacia Seccional e os NISCs em nível de Delegacias Distritais.
Durante os cinco anos (1999 a 2004) em que esse modelo de Gestão perdurou foram
construídos 55 (cinquenta e cinco) Núcleos entre NSC e NISC. O projeto produzia resultados
favoráveis em relação a aceitação por parte de o efetivo policial que trabalhava nesta atividade,
bem como, pela população beneficiada, passando a ser desenvolvido em diversas localidades
do Recife e Região Metropolitana, e em seguida para o interior do Estado.
10
estabelecido um convênio entre o Estado de Pernambuco, por intermédio da SDS e PMPE, e a
União por intermédio da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), tem por objeto
a implementação na Polícia Militar de Pernambuco, da filosofia e práticas de Policiamento
Comunitário, mediante a implantação do Projeto Polícia Amiga, no âmbito do Programa de
Segurança Pública com Cidadania – PRONASCI, de acordo com o Plano de Trabalho e Projeto
Básico aprovados pela SENASP/MJ.
Como principal resultado desse convênio, pode-se citar a criação de Conselhos
Comunitários de Segurança, com eleição dos seus representantes das comunidades. Salienta-se
ainda que uma equipe multidisciplinar realiza o acompanhamento do programa.
Atualmente o Programa Polícia Amiga tem desenvolvido suas atividades nos seguintes
bairros da capital Pernambucana, região metropolitana e cidades do interior, com um total de
576 policiais militares envolvidos diretamente com as atividades de policiamento comunitário,
distribuídos em 12 (doze) bases com 48 (quarenta e oito) viaturas.
As áreas beneficiadas pelo programa estão descritas na tabela abaixo:
11
Mas, o que na verdade ocorre para que essa violência ultrapasse os muros das escolas?
Será que existe violência nas escolas porque a sociedade é violenta? Quais violências estão
inseridas no contexto escolar? E, qual a solução dessa violência?
Existem diversas pesquisas que buscam responder as perguntas, assim como suas causas
e efeitos sobre todos que fazem a comunidade escolar. No entanto, segundo Abramovay (2002
P. 30); afirme que se tratam de estudos ainda incipientes, por focarem, em sua maioria, situações
regionais ou localizadas, os resultados obtidos apontam os principais tipos de violência.
Na década de 1970 a preocupação maior da violência escolar tinha relação com as taxas
de violência e cometimento de crimes. Já na década de 1980 a maior preocupação tinha relação
com as depredações do patrimônio escolar. Na década de 1990 e no início do século XXI, as
preocupações em torno da violência tomaram uma maior dimensão, pois além das agressões
interpessoais, através do bullying, verificou-se também os problemas da exclusão social, o
crescimento do consumo e do tráfico de drogas, bem como ações de gangues no entorno e
dentro da escola.
A falta de segurança pode ser apontada como um fator preponderante para o aumento
da violência, muito, embora existam opiniões desaprovando a convivência da vigilância policial
no contexto escolar, acrescentando que tal convívio potencializaria ainda mais a violência.
Em Pernambuco, a experiência de policiamento comunitário vivenciada no ano de 2000
no município de Palmares, localizado na Zona da Mata Sul do Estado fez com que os policiais
militares interagissem com a comunidade escolar, proporcionando bons resultados no que se
refere a prevenção da criminalidade, a diminuição do envolvimento de alunos com as drogas, e
uma sensação de segurança interna e externa da escola.
A experiência foi tão exitosa que no mesmo ano o governo do estado lançou um projeto
que foi intitulado de “Padrinho da Escola”, recebendo em seguida o nome de “Patrulha
Escolar”, alcançando todo o Estado de Pernambuco.
Para que pudesse participar do Programa o policial militar teria que passar por uma
entrevista e posteriormente por capacitação específica, além de apresentar o perfil de um
policial comunitário. O Policial selecionado para compor a Patrulha Escolar, não realiza apenas
o policiamento ostensivo no entorno da escola e na área interna, além das atividades de
policiamento ostensivo, o patrulheiro escolar também desenvolve atividades junto aos alunos,
pais e gestão da escola.
No que tange aos alunos além da própria interação no ambiente escolar, os policiais
ministram palestras sobre cidadania, drogas, segurança escolar, direito da criança e do
adolescente, etc. Com a gestão da escola serve de apoio pedagógico no que se refere a situações
12
de invasão de pessoas estranhas a escola, segurança no entorno da escola, principalmente nos
horários de entrada e saída de alunos.
Além dessas palestras que os policiais militares ministram, existem diversos projetos
sociais desenvolvidos também por esses profissionais. Onde podemos destacar projetos de
inclusão social envolvendo música, artes cênicas, artesanato, artes marciais, esportes coletivos
como futebol, futebol de salão, voleibol, basquetebol, etc. Nesses projetos sociais que esses
policiais desenvolvem faz com que os alunos se sintam inseridos na sociedade, proporcionando
um sentimento de pertencimento, ora inexistente.
No ano de 2015 a Patrulha Escolar desenvolveu suas atividades em 160 (cento e
sessenta) escolas estaduais, das quais 129 (cento e vinte e nove) são da capital e região
metropolitana e 31 (trinta e uma) no interior do estado. Aproximadamente, 1000 (mil) policiais
militares desenvolve a função de patrulheiro escolar, divididos entre policiamento a pé nas
escolar e motorizado, esse último destinado a chamados de ocorrências mais específicas.
Em estudo realizado, estima-se que aproximadamente 232.665 (duzentos e trina e dois
mil seiscentos e sessenta e cinco) pessoas são beneficiadas diretamente com o policiamento da
Patrulha Escolar, incluindo o policiamento a pé e motorizado. E de forma indireta, alcança um
quantitativo aproximado de 323.584 (trezentos e vinte e três mil quinhentos e oitenta e quatro)
pessoas.
É através da proatividade que a Patrulha Escolar realiza o policiamento comunitário nas
escolas, focado num aspecto preventivo que não se pode aferir, no entanto, quando se pensa em
quantas crianças e adolescentes tiveram uma nova perspectiva de vida, sob o aspecto de
inclusão social e pertencimento comunitário, deixando de se envolver com as drogas e com a
criminalidade.
Em 1989 a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a resolução 44/25, que trata
da proteção das crianças e dos adolescentes. A Convenção Internacional sobre os Direitos da
Criança é um tratado que visa à proteção de crianças e adolescentes de todo o mundo, aprovada
na Resolução 44/25 da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989.
13
subsidiária específica para a criança - a UNICEF - a partir da década de 1950, que os países
passaram a mais detidamente debruçar-se sobre a situação dos menores. Em 1959 é aprovada a
Declaração Universal dos Direitos das Crianças, aprimorada com as chamadas:
2- Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas não Privativas de
Liberdade (Regras de Tóquio) Adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua
resolução 45/110, de 14 de Dezembro de (1990), e;
O ECA surge como norma nacional, estabelecendo que todas as crianças e adolescentes
têm direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
14
Público, Tribunal de Justiça, etc.), e de atuar preventivamente através do policiamento
ostensivo motorizado em locais de vulnerabilidade as diversas situações de risco envolvendo
crianças e adolescentes incluindo: trabalho infantil, mendicância, venda de bebidas alcoólicas,
maus tratos, exploração sexual, dependência de drogas ilícitas e outras afins.
TOTAL 31 141 36
Fonte: DASDH/PMPE
No ano de 2015 foram capacitados em grandes eventos 1.603 (Mil seiscentos e três)
policiais militares e a ASCRIAD participou de 37 (trinta e sete) eventos dentre palestras,
audiências e seminários.
15
3.4 GRUPO DE TRABALHO DE COMBATE AO RACISMO INSTITUCIONAL
A despeito disso, vale ressaltar que além de racista, essa teoria está em desuso há muito
tempo pela sustentação de outras teorias, as quais relacional o crime com outros aspectos
sociais, culturais, etc.
A ideia de Cesare Lombroso é certamente racista, pois focava sua tese nos negros, no
entanto, mais de cem anos depois, podemos observar a existência de preconceitos sociais e
raciais. A nova “cara” do criminoso não está mais associada à forma do seu rosto como
propunha Lombroso, mas sim a fatores sociais.
16
da Saúde, Secretaria Executiva de Direitos Humanos, organizações não governamentais,
movimentos sociais, comunidades tradicionais e de terreiros, população LGBT, pessoas com
deficiência, etc. Trabalha com Instituições Governamentais e não Governamentais, para poder
desenvolver o processo de Capacitação, Sensibilização e Conscientização do Público Interno e
Externo, como: Ministério Público, Secretaria Especial da Mulher, Secretaria de Direitos
Humanos, Comitê Estadual de Promoção da Igualdade Racial (CEPIR), Assessoria Especial de
Diversidade; Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes (Secretaria de Direitos Humanos),
Prefeitura de Olinda (Secretaria de Direitos Humanos), Movimento Negro Unificado
(MNU); Rede de Mulheres de Terreiros (Estadual e Nacional), Quilombolas, Povos Indígenas,
Ciganos, Judeus, e Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Ministério da República
No ano de 2015 o GT Racismo participou na formação dos 1.120 novos soldados, além
de 24 (vinte e quatro) palestras sobre racismo, racismo nas escolas, grupos vulneráveis e busca
pessoal em público LGBT. Além dessas ações, o GT Racismo participou de 17 (dezessete)
audiências públicas relativas as temáticas trabalhadas pelo Grupo. Além de ser o responsável
institucional na participação de eventos como fórum de diálogos, encontros e debates sobre
temas relacionados aos direitos humanos, conferências, oficinas, etc.
No Brasil, Maria da Penha Fernandes era uma mulher que depois de anos sofrendo
diversas agressões do seu marido, resolve se separar e denunciá-lo à polícia. Mas em maio de
1983, foi alvejada por tiros desferidos pelo seu ex marido, enquanto dormia, para acobertar a
tentativa de homicídio, ele simula um assalto.
17
Maria da Penha passou por diversas cirurgias e como resultado do atentado teve como
sequela permanente a paraplegia. Além do cárcere privado, seu ex marido ainda tenta contra
sua vida mais uma vez, tentando eletrocutá-la enquanto tomava banho.
Por sua vez, a violência doméstica apresenta características peculiares, haja vista ocorrer
em ambiente privado. Restando apenas a prevenção do cometimento do crime após a denúncia.
18
Nesse sentido, a Patrulha Maria da Penha, realiza suas ações com base nas informações
prestadas pelas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, como estratégia de
consolidação do acompanhamento das medidas protetivas de urgência solicitadas pela
autoridade policial, conforme previsto na Lei Maria da Penha.
Como descrito no quadro abaixo, em 2015 foram alcançadas 143.420 (cento e quarenta
e três mil, quatrocentos e vinte) crianças pelo PROERD, com um total de 102 (cento e dois)
policiais militares formadores, em 518 (quinhentos e dezoito) escolas, em 83 (oitenta e três)
municípios do Estado pernambucano.
4. CONSLUSÕES
Como foi visto, as temáticas dos direitos humanos já se encontram bem sedimentadas
na Polícia Militar de Pernambuco. Dentro de uma construção histórica podemos verificar que
20
houve muita resistência institucional que foi vencida, e podemos dizer que ainda está sendo
trabalhada, pois ainda podemos encontrar alguma resistência.
Acreditamos que ainda temos um longo caminho a percorrer, mas podemos dizer que a
Polícia Militar de Pernambuco está cada vez mais “humana”, servindo de exemplo para outras
instituições de segurança pública no sistema interamericano.
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ISSN 2177-6784
: http://dx.doi.org/10.15448/2177-6784.2015.1.18596
Sistema Penal
& Violência
Revista Eletrônica da Faculdade de Direito
Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS
Editor-Chefe
José Carlos Moreira da silva Filho
Organização de
José Carlos Moreira da silva Filho
Este artigo está licenciado sob forma de uma licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional,
que permite uso irrestrito, distribuição e reprodução em qualquer meio, desde que a publicação
original seja corretamente citada. http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR
Violência, crime e Segurança Pública
Violence, crime and Public Safety
Resumo
Este artigo tem por objetivo analisar, sob um viés crítico, o papel exercido pelos grandes meios de comunicação
na elaboração e adoção de leis e medidas penais recrudescentes, no Brasil. Para tanto, defende-se que a
colonização das questões criminais pela mídia veriica-se, principalmente, por meio da disseminação de
um discurso punitivista centrado em episódios criminosos, a partir dos quais se identiicam os inimigos a
serem neutralizados. Esse voyeurismo midiático logo se transmuda em intervenção no processo legislativo
em matéria penal. A im de ilustrar esse processo, o presente estudo encontra seu norte na análise de dois
fenômenos: o casuísmo de alguns diplomas legislativos brasileiros, os quais reletem a crença de que a
intervenção penal é a primeira e única medida passível de solucionar conlitos sociais (senso comum penal);
e a fabricação midiática de um novo inimigo – “o vândalo” – pós-jornadas de junho de 2013.
Palavras-chave: mídia e sistema penal; punitivismo midiático; casuísmo legislativo; política criminal.
Abstract
This article aims to analyze from a critical standpoint, the role played by mass media in the development
and adoption of stiffer penal laws and it’s measures in Brazil. It is argued that the overexposure of criminal
issues by the media, occurs primarily through the dissemination of punitivist speech centered around these
criminal incidents, where they identify enemies to be counteracted and that this media voyeurism becomes
over time an interference in the criminal law-making process. To illustrate this situation, the study uses the
analysis of two phenomena: the casuistry of some Brazilian legal enactments, which denotes the belief that
penal intervention is the irst and only response capable of resolving social conlicts (legal common sense);
and the media’s manufacturing of a new social enemy, “the vandal”, after the June 2013 demonstrations.
Keywords: media and penal system; punitivism media; legislative casuistry; criminal policy.
a
Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Estado do Paraná e especialista latu sensu com área de
concentração em Direito Penal.
Introdução
Em um Estado Democrático de Direito, em que os governantes assumam posturas de comprometimento
com os direitos humanos e com o empoderamento do indivíduo para a participação democrática, as leis e
medidas penais devem representar o último recurso (ou ultima ratio), na tentativa de solucionar ou conter
conlitos sociais.
Justamente por esse motivo – por se tratar de instrumento a que se deve recorrer apenas diante de problemas
graves, duradouros e incontornáveis a partir de medidas menos gravosas – a elaboração e promulgação das
leis de feição penal não podem prescindir de um amplo debate parlamentar e popular (realizado de modo a
garantir a participação da sociedade civil). Debate idealmente guiado por análises e estudos interdisciplinares
– jurídicos, sociológicos, ilosóicos, criminológicos – alinhados a im de realizar prognósticos sobre os efeitos
sociais da penalização ou criminalização de dada conduta.
Nas palavras de Alessandro Baratta, “os problemas que se deve enfrentar têm que estar suicientemente
decantados antes de por em prática uma resposta penal”1. Todavia, o que se tem observado, no Brasil, e arredor
do mundo, é exatamente o oposto. As leis e medidas penais encarnam respostas imediatas e apressadas –
tomadas em momentos de convulsão social – a eventos criminosos ou violentos colonizados pelos grandes
meios de comunicação2.
Tal fenômeno consubstancia um novo “popularismo penal”3, o qual invoca práticas demagógicas que
se amparam no sentimento de vingança e exploram o medo da população, tudo com vistas à aprovação de leis
penais casuísticas, mais rigorosas. Por isso mesmo, Zaffaroni defende que, sob a perspectiva política, trata-se
de “uma nova forma do autoritarismo”4, manejado da seguinte maneira:
Os mesmos autores dessa política de polarização da sociedade são os que hoje pedem mais repressão sobre
os setores vulneráveis da população. Querem mais mortos e, entre infratores e policiais, mais ‘guerra’. No
inal, eles são invulneráveis a essa violência. A ‘guerra’ que pedem é a ‘guerra’ entre pobres. Na medida em
que os pobres se matem entre si, não terão condições de tomar consciência da sua circunstância social e,
menos ainda, política. O perigo para os reacionários não é a morte nas favelas, nem a morte dos favelados,
nem a morte dos policiais, mas o risco de os pobres se juntarem e tomarem consciência da armadilha penal.
Essa política dos chamados comunicadores sociais e políticos sem programas, que só querem mais poder
policial, no fundo é a neutralização da incorporação das maiorias à democracia. É manter um mundo não
civilizado marginalizado do mundo civilizado. O mundo da favela e o mundo da Barra! Na medida em
que os da favela se matam (aí estão incluídos os policiais), a Barra não tem perigo de invasão, só algum
criminoso isolado, mas nada de reclamação política, nada da consciência dos excluídos, nada que possa pôr
em perigo as estruturas de classe, que se tornam estruturas de casta na medida em que a sociedade impede
a mobilidade vertical, máxima aspiração dos ‘popularistas penais’5.
1
BARATTA, Alessandro. Principios de Derecho Penal Mínimo. In: BARATTA, Alessandro. Criminología y Sistema Penal (Compilacíon in memoriam).
Buenos Aires: Editorial B de F, 2004, p. 299-333.
2
A expressão “grandes meios de comunicação” é empregada, neste texto, de modo a designar as mídias tradicionais (principalmente redes de televisão,
grandes jornais e revistas) que, no Brasil, são manejadas por um grupo de famílias pertencentes às elites, em cujo interesse as informações são
transmitidas.
3
ZAFFARONI, Eugenio Rául. A esquerda tem medo, não tem política de segurança pública. Revista Brasileira de Segurança Pública, ano 01, n. 01,
p. 131-139, 2007.
4
Idem.
5
Idem.
primeiro momento, analisa-se, de forma mais geral, as intrincadas relações cultivadas entre Sistema Penal e
Mídia, entre interesses das elites econômicas e políticas (incluindo-se aí o interesse midiático) e intensiicação
punitiva.
Em um segundo momento, parte-se para a análise do contexto de aprovação de alguns diplomas
legislativos brasileiros que – defende-se – foram arquitetados pelo poder constituído, em benefício de elites
econômicas e políticas, de modo a incorporar o clamor público-midiático por endurecimento penal.
Por im, com o desígnio de ilustrar o processo midiático de fabricação de inimigos, optou-se por enfocar
a cobertura conferida, pelos grandes meios de comunicação, aos manifestos que se espalharam pelo país a
partir de Junho de 2013. Isso porque tais protestos, que perduraram de maneira bastante difusa, em torno,
principalmente, da pauta “anti-Copa do Mundo”, foram alvo da sanha punitiva dos órgãos de segurança pública
cujas ações, sob o pretexto da necessidade de contenção de “atos de vandalismo” (do inimigo “vândalo”),
simbolizam cruamente o “popularismo penal” que assola a política (criminal) brasileira.
Esse é o objetivo perseguido no presente artigo: revelar alguns dos laços que, no Brasil, vão amarrando
as políticas de segurança pública a velhos esquemas bélicos, repressivos e autoritários, de modo que, mesmo
nos governos de esquerda6, o modelo de sistema penal permanece cumprindo seu papel de encarceramento das
parcelas mais vulneráveis da população e de perpetuação da ordem política e econômica vigentes.
6
Sobre o crescente alinhamento entre os discursos da esquerda e da direita conservadora, quanto à questão da violência e da repressão penal, e a
incapacidade da esquerda em constituir novos moldes de políticas de segurança pública, Zaffaroni aponta que: “A esquerda tem medo, sabe que a
imputação da direita a ela é sempre a de ser desordeira e caótica. Por causa disso, para obter o voto da direita, procura providenciar uma imagem
de ordem. No inal, a esquerda é usada, porque a reclamação por vingança não tem limites e porque a segurança pública jamais pode ser absoluta.
Assim é que o trabalhismo inglês fez leis mais repressivas do que os conservadores [...].”ZAFFARONI, Eugenio Rául. A esquerda tem medo, não
tem política de segurança pública. Revista Brasileira de Segurança Pública, ano 01, n. 01, p. 131-139, 2007.
7
Michel Foucault, no início de sua célebre obra Vigiar e Punir, relata com riqueza de detalhes de que forma os suplícios (graves punições corporais)
eram aplicados aos condenados, perante a multidão estupefata. Nesse sentido, vale ler o relato do esquartejamento público do condenado Damiens,
ocorrido no século XVIII (FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Nascimento da Prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 28. ed. Petrópolis: Vozes,
2004, p. 09).
8
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Mídia e Crime. In: Estudos Criminais em Homenagem a Evandro Lins e Silva. São Paulo: Método, 2001, p. 354.
9
O estudo dos estigmas, sob o aspecto criminal, foi realizado de maneira minuciosa pelos integrantes da denominada Criminologia da Reação Social,
que compreende as teorias da rotulação, cujos expoentes são Becker, Kitsuse e Lemert; as teorias do estigma, cujo expoente é Goffman; e a teoria
do esteriótipo, cujo autor mais representativo é Chapman (CASTRO, Lola Aniyar de. Criminologia da Reação Social. Tradução de Ester Kosovski.
Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 96.)
dominantes –, transcendendo, muitas vezes, a realidade dos acontecimentos, para transformá-los em uma forma
dantesca de entretenimento, conforme fenômeno descrito, já em 1957, por Francesco Carnelutti, em sua obra
As misérias do Processo Penal, cujo trecho vale transcrever:
Um pouco em todos os tempos, mas na atualidade cada vez mais o processo penal interessa à opinião
pública. Os jornais ocupam boa parte de suas páginas para a crônica dos delitos e dos processos. Quem
as lê, aliás, tem a impressão de que existem mais delitos do que boas ações neste mundo. A eles é que os
delitos assemelham-se às papoulas que, quando se tem uma em um campo, todos delas se apercebem; e as
boas ações se escondem, como as violetas entre as ervas do prado. Se dos delitos e dos processos penais os
jornais se ocupam com tanta assiduidade, é que as pessoas por estes se interessam muito; sobre os processos
penais assim ditos célebres a curiosidade do público se projeta avidamente. E é também esta uma forma
de diversão: foge-se da própria vida ocupando-se da dos outros; e a ocupação nunca é tão intensa como
quando a vida dos outros assume o aspecto de drama. O problema é que assistem ao processo do mesmo
modo com que deliciam o espetáculo cinematográico, que, de resto, simula com muita freqüência, assim, o
delito com o relativo processo. Assim como a atitude do público voltado aos protagonistas do drama penal
é a mesma que tinha, uma vez, a multidão para com os gladiadores que combatiam no circo, e tem ainda,
em alguns países do mundo, para com a corrida de touros, o processo penal não é, infelizmente, mais que
uma escola de incivilização.10
Para além da espetacularização do Direito Penal promovida pela mídia, observada no decorrer da
história, já na pós-modernidade capitalista, vislumbra-se um fenômeno ainda mais preocupante descrito
como a “executivização das agências de comunicação social do sistema penal”11, caracterizada pela superação
do desempenho meramente comunicativo dos grandes meios de comunicação, que passam a atuar como
verdadeiras agências de execução e de legitimação do sistema penal12.
Nesse contexto, os agentes de segurança pública assumem a ilusória tarefa de combate13 aos conlitos
sociais e às mazelas intrínsecas ao sistema capitalista. Temas relacionados às ciências criminais passam a ser
cotidianamente, supericialmente e dissimuladamente, debatidos em noticiários, jornais, revistas, sem qualquer
embasamento político, jurídico, ilosóico ou criminológico, formando-se um “senso comum penal”14 – uma
espécie de “every day theories”15 – constituído fundamentalmente pelos mass media.
Ainda, a concorrência entre os diversos meios de comunicação (jornais, revistas, televisão, internet,
rádio) desencadeia uma busca desenfreada por audiência, o que acaba por gerar uma urgência na coleta e
disseminação das informações, tecendo-se uma rede de informações vazias, simplórias e não condizentes com
a realidade. Esta forçosa urgência na coleta de informações, sob a perspectiva de Pierre Bourdieu, representa
um fator agravante da ausência de preocupação formal ou teórica com o que se expõe na mídia16, e favorece
a formação de uma massa de “fast thinkers”, conforme expressão cunhada pelo autor em apreço da seguinte
forma:
10
CARNELUTTI, Francesco. As misérias do Processo Penal. Tradução de Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: Russel, 2007. p. 12-13.
11
BATISTA, Nilo. Mídia e Sistema Penal no Capitalismo Tardio. Biblioteca on-line de ciências da comunicação. Disponível em: <http://www.bocc.
uff.br/pag/batista-nilo-midia-sistema-penal.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2014.
12
ROSA, Alexandre Morais da; SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço. Para um Processo Penal Democrático: Crítica à Metástase do Sistema de Controle
Social. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 03.
13
A palavra combate foi utilizada propositadamente, eis que expressões como essa – usadas cotidianamente nos grandes meios de comunicação – indicam
o caráter bélico e militarista da agenda de segurança pública no país.
14
ROSA; SILVEIRA FILHO, op. cit., p. 07.
15
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. Introdução à sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Cirino dos
Santos. 3. ed. Rio de Janeiro: ICC: Revan, 2002, p. 42.
16
BOURDIEU, Pierre. Sobre la televisión. Tradución de Thomas Kauf. Barcelona: Anagrama, 1997, p. 38-40.
Si la televisión privilegia a cierto número de fast thinkers que proponen fast food cultural, alimento cultural
predigerido, prepensado, no es sólo porque (y eso también forma parte de la sumisión a la urgencia) cada
cadena tiene un papel de expertos, siempre los mismos, evidentemente (sobre Rusia, Fulano o Mengano,
sobre Alemania, Zutano): hay también serviciales bustos parlantes que eximen de la necesidad de buscar
a alguien que tenga verdaderamente algo que decir. A menudo se trataría de jóvenes, desconocidos aún,
comprometidos con su investigación, poco propensos a frecuentar los medios de comunicación, a los que
habría que preocuparse de buscar, cuando las cadenas tienen a mano, siempre disponibles y con el rollito
bien a punto y dispuestos a conceder su entrevista, a los habituales de los medios de comunicación. También
cuenta el hecho que, para ser capaz de ‘pensar’ en unas condiciones en las que a nadie le es posible hacerlo,
hay que ser un pensador muy particular.17
Interessante notar que Pierre Bourdieu concentrava-se na crítica à televisão. Hoje, para além dos
tradicionais meios de comunicação, não se pode olvidar do punitivismo que se espraia pelo mundo virtual,
especialmente através das redes sociais (facebook, twitter, orkut, etc.), sites de compartilhamento de vídeos
em formato digital (youtube, vimeo, etc.), mensagens eletrônicas (e-mail) e portais de notícias.
Por mais que exerça um importante (e paradoxalmente questionável) papel na democratização das
formas de se produzir conteúdo informativo, a web parece estimular o surgimento e a proliferação desses “fast
thinkers”, na medida em que tantas vezes é possível observar a ausência de preocupação, sequer, com a fonte
ou a veracidade daquilo que é reproduzido e compartilhado18.
Nesse contexto, os usuários se reúnem em torno de nichos e guetos virtuais, encastelados e protegidos
pela tela de seus computadores, tablets e smartphones, no interior dos quais se sentem à vontade para dar vazão
ao ódio e à intolerância compartilhados em relação a um dado objeto – sempre materializado no “outro”, não
raras vezes, no “outro criminoso”. Tal ódio compartilhado usualmente se constitui como fator de agregação
de dado grupo.
O novo locus consubstancia, portanto, um terreno fértil para a supericialidade no trato do crime e de suas
implicações. Salo de Carvalho capta as peculiaridades desse evento social, ao descrevê-lo da seguinte maneira:
Perceptível fenômeno atual, nos distintos veículos de informação e entretenimento (televisão, periódicos,
música, literatura, cinema, teatro, artes plásticas, moda, esporte), na urbe underground e no mundo virtual, a
proliferação de imagens do crime e da violência. O nível de exposição e os espaços que se abrem à recepção
destas imagens – novos locais de publicação e inúmeras ferramentas de divulgação, sobretudo através do
cyber-espaço –, poluem de questão criminal a cultura contemporânea. Outrossim, a velocidade na qual as
representações da violência circulam torna a experiência do crime e do desvio alheia a quaisquer barreira
espaço-temporais.19
Assim, a expansão da mídia, notadamente das mídias eletrônicas e de massa – que permitem a difusão
global e instantânea de notícias –, incrementa a inluência dos grandes meios de comunicação sobre a política
criminal do Estado20, de modo que os órgãos legislativos e judiciários veem-se muitas vezes compelidos a se
curvar perante a opinião pública.
17
Ibidem, p. 40-41.
18
A fertilidade das redes sociais para o compartilhamento de falsas notícias/informações restou evidenciada no debate acerca da maioridade penal, ocasião
em que uma falsa lista – indicativa de que países como Alemanha, Argentina, Áustria e Inglaterra preveem a imputabilidade penal de menores de
18 anos – circulou amplamente pelas redes sociais. O fato ganhou notoriedade, após o compartilhamento da lista pelo Senador Álvaro Dias do Paraná.
A lista falsa pode ser vista em: <https://www.facebook.com/ad.alvarodias/photos/a.204364062954183.52831.199599520097304/524105937646659/>.
A respeito da postagem falsa e sua repercussão: <http://www.boatos.org/politica-2/maioridade-penal-no-mundo-lista-falsa-circula-na-web.html>.
19
CARVALHO, Salo de. Antimanual de criminologia. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 85.
20
PRITTWITZ, Cornelius. O Direito Penal entre Direito Penal do Risco e Direito Penal do Inimigo: tendências atuais em direito penal e política
criminal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 47, p. 31-45, 2004. p. 32.
Pode-se airmar, portanto, que o discurso midiático sub-repticiamente usurpa o papel estatal no processo
de escolha e tutela dos bens jurídicos, instrumentalizando a ediicação ideológica de um Direito Penal máximo,
o qual se torna a forma supostamente mais eiciente (pois mais popular sob o ponto de vista eleitoral) de lidar
com problemas de natureza social.
Cabe acentuar a contundente inluência exercida pela mídia no que concerne à propagação de um
discurso do medo, que visa difundir a sensação de insegurança e fomentar o clamor social por “mais do
mesmo”: penas mais graves, mais tipos penais, mais cárcere, mais polícia. A essa reivindicação o poder
estabelecido responde com o recrudescimento legislativo e com políticas criminais de lei e ordem, “sob o
aplauso insano da mídia e da população em geral”21, disseminando-se a crença e a ilusão de que um sistema penal
rigoroso e dilatado – fortalecido por medidas nada éticas ou até mesmo ilegais – resultará em mais segurança
urbana.
Assim, aos poucos e midiaticamente, o Sistema Penal – que deveria ser a ultima ratio – passa a ocupar
a posição de primeiro e mais popular recurso na resolução de conlitos sociais. Ainda pior, a atuação da mídia
deturpa e manipula os dados, estatísticas e episódios criminais, explorando sofrimentos e emoções humanas
de maneira tendenciosa, sensacionalista e seletiva, a im de cumprir uma agenda de segurança pública bélica
e militarizada que – acima de tudo – desenvolve-se em benefício das elites (inclusive da própria mídia
tradicional).
Louk Hulsman considera que tais agências propagadoras de um falso sistema penal encarnam, portanto, o
papel de verdadeiras empresas de “desinformação”, na medida em que, propositadamente, mantêm a população
alheia às informações dignas de crédito, ou seja, desenvolvidas por estudiosos da área penal, criminólogos,
sociólogos, etc. Neste sentido o autor em comento aponta que:
Por meio dessa sistemática, o “popularismo penal” agrega-se às promessas políticas. Candidatos,
embalados pelo discurso midiático, aproveitam-se dos momentos de instabilidade: utilizam-se sem qualquer
mal-estar e sem luto do sofrimento das vítimas para oferecer respostas milagreiras, mais rápidas e “viáveis”
administrativamente, porém sabidamente ineicazes do ponto de vista de redução da criminalidade ou de
resolução deinitiva dos conlitos sociais. Tais respostas envolvem, inclusive e tantas vezes, o aumento da
arbitrariedade policial e implicam – direta ou indiretamente – na legitimação do uso da violência contra as
parcelas mais vulneráveis da população ou mesmo contra aqueles que ousam contestar o discurso da mídia
tradicional.
21
BUSATO, Paulo César. Quem é o inimigo, quem é você? Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 66, p. 315-367, 2007.
22
HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat de. Sistema penal y seguridad ciudadana: hacia uma alternativa. Tradução de Sérgio Politoff. Barcelona:
Editorial Ariel, 1984. p. 98.
Assim, a esfera pública oicial – contentando-se com e amparando-se em um direito penal enlatado
servido pelos grandes meios de comunicação – simplesmente ignora e segue alheia a debates sérios e embasados
acerca da criminalidade, da reação social ao delito, da marginalização, etc.
Deste modo, tantas alternativas políticas comprovadamente mais eicientes23 para lidar com os conlitos
e problemas sociais são preteridas perante a lógica do encarceramento. Ressalte-se que esta lógica envolve
subtrair de tais conlitos sua real feição política, pois, a mídia tradicional e as elites políticas e econômicas
tratam o conlito – crime – como problema pontual veriicado em momento e lugar determinados e que, por
consequência, requer uma resposta meramente técnica (penal).
Ao airmar o aspecto aparentemente técnico das respostas penais a determinado conlito social, a mídia
tradicional despolitiza esse conlito e o apresenta por meio de categorias utilizadas para homogeneizar os
autores de práticas delitivas e reforçar a imagem do delinquente desprovido de humanidade, naturalmente
violento. Assim, o discurso midiático, por meio de seus rótulos e categorias, inluencia de modo decisivo – se
não determina – a opinião pública e a legitimação social das instâncias repressivas penais e de leis autoritárias
e, tantas vezes, inconstitucionais.
No Brasil, sobram exemplos de leis penais elaboradas e promulgadas no fervor de momentos sensíveis,
posteriormente à superexposição nos meios de comunicação de crimes graves, o que alimenta o clamor público
por “justiça” (justiça que, neste contexto, sempre signiica intensiicação punitiva).
Interessante observar que, quando os crimes atingem as elites e a classe média, a ênfase e repercussão
midiáticas são ininitamente maiores e diferenciadas: a vítima tem identidade (um nome, uma família, uma
biograia, desejos e aspirações). Já quando a vítima é o “outro” – pertencente à classe de marginalizados
– torna-se número, estatística, objeto de headlines despersonalizantes (reduzem vidas a números, a dados
quantitativos): “Chacina em Feira Santana deixa 04 mortos.”24
Deste modo, o fenômeno do “popularismo penal” materializa-se em discursos políticos de autoridades
públicas que – logo após a notícia da perpetração de algum crime ”bárbaro” divulgado exaustivamente pela
imprensa – buscam os veículos de comunicação de massa, propondo medidas legislativas penais mais duras.
Essas medidas legislativas compõem uma “legislação penal do terror”25, na qual se mitigam direitos e garantias
fundamentais, em prol de uma resposta rápida ao crime divulgado e, tantas vezes, distorcido pelos grandes
meios de comunicação.
23
Ao sintetizar algumas relações entre direitos humanos e os sistemas penais na América Latina, Zaffaroni ressalta o papel do desenvolvimento de
políticas sociais que tenham por inalidade reforçar e recriar as relações comunitárias (enfraquecidas pelo sistema penal), de modo a criar “loci de
poder alternativos” aptos a preterir a intervenção penal na resolução de conlitos (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Derechos Humanos y Sistemas
Penales en America Latina. Disponível em: <http://derechoshumanosenmovimiento.wikispaces.com/ile/view/DerechosHumanos_SistemasPenales_
Am%C3%A9ricaLatina+-+ERZaffaroni.pdf>. Acesso em: 28 jan. 2014).
24
Headline encontrada no Jornal Folha de São Paulo: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2009/10/637558-chacina-em-feira-de-santana-ba-deixa-
quatro-mortos.shtml>.
25
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no Direito Penal. Tradução de Sérgio Lamarão. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p. 354.
26
Notícia disponível no Banco de Dados Folha: <http://almanaque.folha.uol.com.br/cotidiano_22jun1990.htm>. Acesso em: 10 mar. 2014.
Porque a gente tem que aglutinar todas as forças do outro lado, do lado da justiça. Nós temos que fazer
uma justiça menos morosa, urgente! Nós temos que fazer uma legislação no Congresso mais eicaz, nós
temos que fazer uma mobilização do Governo Federal e do Governo Estadual imediata, amanhã! Amanhã!
Porque pode ser amanhã a outra pessoa. Amanhã!27
“Sr. Presidente, parece-me que seria melhor se tivéssemos possibilidade de ler o substitutivo. Estamos
votando uma proposição da qual tomo conhecimento através de uma leitura dinâmica. Estou sendo
consciente. Pelo menos gostaria de tomar conhecimento da matéria. [...] quero que me dêem, pelo menos,
um avulso, para que possa saber o que vamos votar.” – Deputado Érico Pegoraro (PFL)
“[...] Por uma questão de consciência, ico um pouco preocupado em dar meu voto a uma legislação que
não pude examinar. [...] Tenho todo o interesse em votar a proposição, mas não quero fazê-lo sob a ameaça
de, hoje à noite, na TV Globo, ser acusado de estar a favor do seqüestro. Isso certamente acontecerá se eu
pedir adiamento da votação.” – Deputado Plínio de Arruda Sampaio (PT)
“[...] eu gostaria apenas, em nome do PSDB e principalmente em meu nome, de declarar que mais uma
vez, infelizmente, estaremos votando aqui, neste instante, matéria da maior importância sem termos tido a
oportunidade de um exame completo dos seus efeitos [...]. Agora, posteriormente, com mais tempo, quando
retornarmos aos trabalhos normais, em agosto, entendo que o Senado deveria reexaminar essa matéria, para
ver se deveríamos fazer ou não alguma modiicação nessa legislação” – Senador Jutahy Magalhães (PSDB)
“[...] eu estou com graves dúvidas sobre a parte técnica desta matéria. Pergunto a V. Exª, Sr. Presidente, não
pode haver uma pausa, pelo menos de cinco minutos, para examinarmos isso? Porque, do contrário, vou me
negar a votar. [...] quero que conste dos Anais da Casa que considero um mau trabalho, que considero isso
que acabamos de aprovar uma má solução, principalmente sob o aspecto do Direito Penal Brasileiro e do
Direito processual penal. São emendas que aqui ocorrem e que vão alterar a legislação nacional, quer no
processo penal, quer no Direito Penal, com muita emotividade que, de certo modo, prejudica os princípios
mais sérios, os princípios mais gerais do Direito.” – Senador Cid Sabóia de Carvalho (PMDB)
A respeito do contexto em que foi aprovada a Lei de Crimes Hediondos, somam-se às críticas dos
parlamentares, acima delineadas, contundente crítica de Miguel Reale Jr., o qual defende expressamente
que tal diploma legislativo representou uma resposta direta e imediata ao sequestro de Roberto Medina.
27
A entrevista coletiva foi transmitida, em 16 de junho, por meio do Plantão da emissora Rede Globo, e se encontra disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=KMigih7dIrU>. Acesso em: 10 mar. 2014.
O jurista – ao tratar do casuísmo da Lei dos Crimes Hediondos – chega a airmar que as “fontes legislativas
no Brasil são: a lei, a doutrina, a jurisprudência e a televisão”.28
Para além de suas imperfeições congênitas (nasceu inconstitucional por “impedir o cumprimento
individualizado da pena e a progressão de regime”29), a Lei de Crimes Hediondos deformou-se, ainda mais,
pouco tempo depois, perante a superveniência de outro episódio criminal explorado exaustivamente pelos
noticiários, jornais e revistas: o falecimento da atriz Daniella Perez, ilha da roteirista e escritora Glória Perez
(ambas contratadas pela Rede Globo de Televisão).
Daniella Perez foi vítima de crime de homicídio, peculiar pelo excesso de brutalidade, eis que praticado
por meio do desferimento de dezoito golpes de tesoura, pelo também ator Guilherme de Pádua (com quem
contracenava), em coautoria com sua cônjuge Paula Thomaz. O crime comoveu o país e teve intensa repercussão
social, estimulada pelos grandes meios de comunicação, notadamente pela Rede Globo de Televisão.30
A partir da notícia do falecimento de sua ilha, Glória Perez enceta um amplo movimento, bradando
por “justiça!”31 Não se resignando com a “benevolência e lentidão” do Judiciário em relação aos autores do
crime e inconformada, principalmente, com o fato de que os mesmos respondiam ao processo em liberdade,
a escritora global lança mão de um abaixo-assinado em prol da inclusão do homicídio qualiicado na Lei de
Crimes Hediondos. O desígnio foi alcançado, em 1994, quando – após a obtenção de 1.300.000,00 assinaturas 32
– ineditamente, no Brasil, uma iniciativa popular de projeto de lei (Projeto 4146/93) foi “adotada” pelo Poder
Executivo e aprovada no Congresso, resultando na promulgação da Lei 8.930/1994.
Imprescindível ressaltar que o projeto de lei de iniciativa popular, à época dos fatos, encontrava amparo
no art. 14, inc. III, da Constituição da República, cuja regulamentação foi realizada somente em 1998, por
meio da Lei 9.709, de 18 de novembro de 1998.
No mesmo sentido, o contexto de aprovação da Lei 12.737/2012, popularmente conhecida como Lei
Carolina Dieckmann (denominação que, por si só, escancara o casuísmo penal), evidencia de modo cristalino
os efeitos da inluência e pressão midiáticas (instrumento da pressão de elites políticas e econômicas) exercidas
sobre a atividade legislativa.
No início do mês de maio de 2012, divulgaram-se, por meio da internet, 36 fotograias íntimas, em que
a atriz televisiva Carolina Dieckmann (contratada pelo canal brasileiro Rede Globo de Televisão) aparecia
nua e seminua. As imagens foram obtidas por meio da invasão do computador particular da atriz. Amplamente
difundido em todos os meios de comunicação, o fato obteve repercussão nacional e logo se converteu em
mais uma peleja sensacionalista em busca de “justiça”33! Até este episódio, não havia no Brasil um tipo penal
28
REALE, Miguel Jr. No país do BBB, Judiciário é instrumento de paz social. In:entrevista concedida à revista Consultor Jurídico, 12 mar. 2014.
Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-abr-12/pais-bbb-judiciario-instrumento-harmonia-social>. Acesso em: 14 mar. 2014.
29
Idem.
30
Os vídeos dos jornais televisivos que transmitiram as notícias estão disponíveis em: <http://www.youtube.com/watch?v=xEDrWnc21P4>. Acesso
em: 07 set. 2014. É interessante observar como a notícia da renúncia do Presidente Fernando Collor é apresentada em um segundo momento, de
modo menos enfático.
31
O clamor por “justiça” pode ser visto, a título exempliicativo, em noticiário da Revista Veja publicada à época: <http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/
capa_10021993.shtml>.
32
Glória Perez fala a respeito do abaixo-assinado e dos crimes hediondos em entrevista fornecida à Rede Globo: <https://www.youtube.com/
watch?v=LfzjfXeOV-k&feature=player_embedded>. Acesso em: 05 set. 2014. Recentemente, Glória Perez manifestou satisfação em observar que a
Lei de Crimes Hediondos prestou-se a legitimar a prisão do “casal Nardoni”. Ela fazia menção ao casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá
condenados, em júri popular, pelo homicídio qualiicado da menina Isabella Nardoni, 05 anos, ilha de Alexandre Nardoni. A vítima foi asixiada e
arremessada pela janela, sendo que, após a prática do delito, os autores ainda tentaram alterar a cena do crime, a im de ocultá-lo, incorrendo no crime
de fraude processual. Em seu Twitter Glória Perez escreveu: “A campanha de assinaturas que incluiu o homicídio qualiicado entre os crimes hediondos
vai deixar o casal Nardoni mais tempo na cadeia. Caso contrário eles icariam mais três anos na cadeia e rua! Me orgulho muito de ter encabeçado
esse movimento.” Notícia completa sobre o tweet: <http://noticias.r7.com/sao-paulo/noticias/gloria-perez-diz-que-campanha-de-assinaturas-resultou-
em-pena-maior-para-os-nardoni-20100327.html>. Acesso em 15 mar. 2014.
33
“Justiça! Quero o que for justo!” – airmou a atriz Carolina Dieckmann, em primeira entrevista fornecida após os fatos narrados. Íntegra da entrevista
em: <http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2012/05/carolina-dieckmann-fala-pela-1-vez-sobre-roubo-de-fotos-intimas.html>. Acesso em: 07 mar. 2014.
especíico que criminalizasse a invasão de computadores, de tal modo que a atividade de hackers só recebia
punição caso resultasse ou envolvesse, por exemplo, a prática de outros delitos como furto ou dano.
Em evidente resposta à demanda social-midiática decorrente dos fatos narrados, em 30 de novembro
de 2012, a Presidente Dilma Roussef sanciona a Lei 12.737/201234, por meio da qual se alterou o Código
Penal nos seguintes pontos: (i) acréscimo do art. 156-A, que tipiicou a conduta de “invasão de dispositivo
informático”; (ii) inclusão do § 1º ao art. 266 (“interrupção ou perturbação de serviço telegráico ou telefônico”),
por meio do qual se ampliou o âmbito de proteção da norma penal aos serviços informáticos, telemáticos ou
de informação de utilidade pública.
Por im, não se poderia deixar de fazer menção, aqui, ao Projeto de Lei 499/2013. Tal Projeto visa
tipiicar, no país, o crime de terrorismo. Tipo penal que – pela sua abstração e abrangência – foi (e continua
sendo) historicamente manejado de modo a suprimir dissidência política e a restringir liberdades individuais
e coletivas. Ademais, no Brasil, o aspecto antidemocrático deste delito potencializou-se diante do contexto em
que sua criação voltou a ser discutida, sob o pretexto da garantia de fornecer maior segurança para a realização
de grandes eventos como a Copa do Mundo 2014 e as Olimpíadas 2016.
No dia 06 de fevereiro de 2014, o cinegraista Santiago Ilídio Andrade, empregado da TV Bandeirantes,
foi atingido, fatalmente, na cabeça, por um artefato explosivo, no momento em que registrava um confronto
entre policiais e manifestantes durante protesto contra o aumento das tarifas de ônibus no Rio de Janeiro. Na
mesma data, o Projeto de Lei 499/2013 avançou nos trâmites legislativos e voltou a ser discutido no Senado.
A lei antiterror (como foi cunhada pela opinião pública) encarna essa lógica demagógica de criação de
leis penais, e sua má-redação – que tipiica de modo mais severo e de forma propositadamente abrangente
e abstrata condutas que já poderiam ser punidas pelo rol de delitos hoje existente no país – materializa um
sobressalto autoritário, não à toa o Projeto foi taxado por movimentos sociais e por muitos que a ele se opuseram
(e ainda se opõem) como “AI-5 da Copa”35.
Nesse sentido, Orlando Faccini Neto chamou atenção para o fato de que, embora a Constituição da
República, em seu art. 5º, inc. XLIII, tenha emanado verdadeira ordem de criminalização do terrorismo, aquele
não seria o momento adequado (tampouco a redação apropriada) para criar um tipo penal que exige uma ampla
e séria discussão a respeito dos intricados direitos constitucionais envolvidos.
Embora tal lei não tenha sido aprovada até a realização da Copa do Mundo, segue tramitando no
Congresso Nacional.
Outro exemplo clássico dos efeitos do “popularismo penal” no Brasil consubstancia-se na questão da
redução da maioridade penal. Basta que se noticie um crime violento envolvendo adolescente(s) para que se
reacenda o discurso midiático difusor de uma suposta necessidade de que adolescentes, a partir dos 16 anos,
passem a ser imputáveis penalmente. Estima-se que 10 em cada 09 brasileiros almejam a redução da maioridade
penal36, por acreditarem que este seria um modo eicaz de contenção da criminalidade entre adolescentes.
Por óbvio, os setores conservadores do Congresso Nacional, movidos por ins eleitoreiros, alinha-
ram-se com essa demanda social. Em 2011, formou-se a Frente Parlamentar pela Redução da Maioridade
Penal, coordenada pelos deputados Fernando Francischini e Abelardo Camarinha e composta por
213 deputados37.
34
A Lei originou-se do Projeto de Lei n. 2.793/11 apresentado à Câmara, em 29 de novembro de 2011, pelo Deputado Luiz Paulo Teixeira Ferreira.
35
Nesse sentido ver: <http://www.apublica.org/2012/02/pl-quer-punir-terroristas-grevistas-na-copa/>.
36
Relatório da Pesquisa CNT MDA nº 113 – junho de 2013 encontra-se disponível em: <http://www.cnt.org.br/Paginas/Pesquisas_Detalhes.aspx?p=8>.
Acesso em: 14 mar. 2014.
37
Número de deputados em 08 de setembro de 2014, conforme lista disponível no site: <http://www.camara.gov.br/internet/deputado/Frente_
Parlamentar/53397.asp>. Acesso em: 08 set. 2014.
[...] não se pode questionar o fato de que sob a proteção deste mesmo estatuto [ECA], menores infratores,
muitas das vezes patrocinados por maiores criminosos, praticam reiterada e acintosamente delitos que vão
desde pequenos furtos, até crimes como tráico de drogas e mesmo homicídios, coniantes na impunidade
que a Constituição e o ECA lhes conferem.
É o caso, por exemplo, de Genilson Torquato, de Jaguaretama, no Ceará, hoje já maior de idade e livre,
assassino confesso de 11 pessoas, dos 15 aos 18 anos. Ou do adolescente de Maringá, conhecido como o
“Cão de Zorba” que confessou ter matado 3 pessoas e teria encomendada a morte de mais 4.
Ou ainda de M.B.F., o ‘Dimenor’, ligado à facção criminosa paulista P.C.C., que aos 17 anos confessou a
morte de 6 pessoas a mando de traicantes, a primeira delas quando tinha apenas 12 anos de idade.
Muitos hão de lembrar-se do menino ‘Champinha’, que comandou o sequestro e morte de um casal de jovens
em São Paulo. Ressalte-se que este garoto já houvera sido assistido e recolhido por diversas instituições
especializadas na recuperação de menores infratores, antes de praticar tão odioso crime.
Mais recentemente, tivemos notícia do menor no Rio Grande do Sul, autor de 112 atos infracionais, no
momento de uma audiência tentou matar a promotora de um dos seus casos.
Compreendemos perfeitamente os riscos de se legislar em função de casos especíicos, dando um caráter
geral ao que poderia ser tratado de forma particular, especialmente em se tratando de reforma da nossa
ainda jovem Constituição. Também somos contra o que se convencionou chamar de ‘legislação penal de
urgência’, em que o legislativo se move motivado por tragédias ou crimes que chocam a comunidade, com
grande repercussão midiática.
Mas algo precisa ser feito em relação a determinados e especíicos casos, que infelizmente têm se proliferado
à sombra da impunidade e longe do alcance de nossas leis.”
Desperta curiosidade observar que, por um lado, os deputados airmam repudiar a aprovação de uma
“legislação penal de urgência”, cujo móvel consista em “tragédias ou crimes que chocam a comunidade, com
grande repercussão midiática”. Mas, por outro lado, amparam a justiicação da lei, precisamente, em casos
emblemáticos sob o ponto de vista da repercussão/reprovação midiática e social.
Recentemente, após manobra legislativa realizada pelo Presidente da Câmara Eduardo Cunha, foi
aprovada, na Câmara, proposta de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, nos casos de crimes
hediondos, inserta em emenda aglutinativa à PEC nº 171/199338.
Dessa maneira, os parlamentares espelham e alimentam o imaginário popular segundo o qual a redução
da maioridade penal seria uma forma direta de evitar que casos assemelhados aos descritos na justiicação
legislativa ocorressem. Sem dúvida, tal senso comum se deve em grande medida à (des)informação propagada
pelos grandes meios de comunicação.
Não é demais destacar que é compreensível e natural que as vítimas, seus familiares e amigos sejam
tomados pela indignação, sensação de injustiça e sintam-se compelidas a lutar por medidas que acreditam
ser aptas a prevenir ou impedir a reiteração de tais tragédias. Aliás, sob hipótese alguma, pretende-se exigir
38
A respeito ver: <http://www.revistaforum.com.br/blog/2015/07/entenda-o-golpe-de-cunha-na-votacao-da-reducao-da-maioridade-penal/>. Acesso
em: 10 jul. 2015.
das vítimas e seus familiares que suportem passivamente e com resignação a ruptura, a descontinuidade, que
trazem consigo a morte de um ente querido ou uma grande violência sentida na pele.
O inadmissível é a atuação da mídia e de agentes públicos que fazem uso do sofrimento alheio para
manipular dados, forjar soluções penais mágicas e dissimular problemas sociais e de violência estrutural que
subjazem às práticas delitivas.
Como a comunicação em massa alcançou o maior grau de globalização, o discurso do atual autoritarismo
norte-americano é o mais difundido no mundo. Seu simplismo popularesco (völkisch) é imitado em todo
o planeta por comunicadores ávidos de rating, embora tenha maior êxito na América Latina, dada a sua
precariedade institucional. A difusão mundial desse discurso é favorecida pela brevidade e pelo impacto
emocional do estilo vindicativo, que se encaixa perfeitamente na lógica discursiva da televisão, dado o alto
custo de operação e a escassa disposição dos espectadores a todo e qualquer esforço pensante40.
de comunicação trabalham para adequar a igura do criminoso (real ou ictício) a tais constructos – sempre
moldados a partir de rótulos e estereótipos que se prestam a indicar uma suposta natureza má e violenta. O
inimigo encarna o mal na sociedade: é ele o responsável por afastar “o cidadão de bem”43 de um ideal de
segurança pública e tranquilidade para usufruir de seus bens e propriedades.
No Brasil, os diversos manifestos desencadeados, desde o mês de Junho de 2013, a partir de protesto
organizado pelo Movimento Passe Livre (MPL), que pugnava a redução das tarifas de transporte público, deram
vazão a uma nova onda repressiva cujo alvo central seria o “vândalo”, “baderneiro”, “arruaceiro”, “mascarado”
39
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no Direito Penal. Tradução de Sérgio Lamarão. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p. 57.
40
Ibidem. p. 72.
41
Após a revelação e exposição, por Edward Snowden, dos esquemas de espionagem estadunidenses, promovidos pela Agência de Segurança Nacional
(NSA), as nações vão tomando conhecimento da amplitude desta caçada desenfreada por terroristas, que levou ao desrespeito absoluto da soberania
das nações e a incontáveis violações a direitos humanos e fundamentais, contidos nas Constituições e nos mais diversos tratados e convenções
internacionais.
42
BATISTA, Nilo, op. cit., p. 05.
43
Utiliza-se a expressão cidadão de bem a im de chamar atenção à separação maniqueísta realizada por setores da população entre os “cidadãos de
bem” e os “delinquentes” (que seriam naturalmente voltados à delinquência). Causa espanto o fato de que tal expressão – carregada de intolerância
e segregacionismo – foi, recentemente, agregada às propostas do Partido Militar Brasileiro (ainda em processo de validação da legenda) que defende
o porte de arma para o “cidadão de bem”. Ver em: <http://www.partidomilitar.com.br/wp-content/uploads/2012/11/PROGRAMA.pdf>. Acesso em:
14 set. 2014.
ou “black bloc”44. Os meios de comunicação de massa promoveram uma guerra midiática ao vandalismo45,
que encarnou (e ainda encarna) um claro potencial antidemocrático e autoritário.
As manifestações que, inicialmente, concentraram-se em torno da questão da mobilidade urbana e
das tarifas de transporte público, logo foram menosprezadas pela mídia tradicional, que recriminava seus
participantes pela prática de “atos de vandalismo”. A headline do jornal Folha de São Paulo do dia 12 de
junho de 2013 (data posterior à realização do terceiro grande ato organizado pelo MPL) é bastante simbólica:
“Contra tarifa, manifestantes vandalizam centro e Paulista”46.
Todavia, no quarto ato contra o reajuste das passagens de ônibus (dia 13 de junho) jornalistas do próprio
jornal Folha de São Paulo foram alvos de repressão policial: dois repórteres foram atingidos no rosto por
disparos de bala de borracha. Esse fato foi suiciente para que o Jornal retratasse os fatos ocorridos a partir de
uma perspectiva inversa daquela anteriormente adotada47, legitimando os protestos e denunciando a violência
policial48, conforme ica evidente na seguinte headline: “Polícia reage com violência a protesto e SP vive
noite de caos”49 e neste trecho extraído do corpo da reportagem: “O quarto dia de protestos contra a alta da
tarifa de transporte em São Paulo foi marcado pela repressão violenta da Polícia Militar, que deixou feridos
manifestantes, jornalistas – sete deles da Folha – e pessoas que não tinham qualquer relação com os atos”50.
A violência policial sofrida por jornalistas e o consequente apoio dos meios de comunicação, que
passaram a criticar a brutalidade policial e ressaltar o aspecto democrático e legítimo das manifestações, foram
considerados os fatores catalisadores para os demais protestos que – organizados principalmente por meio dos
eventos criados nas redes sociais – reuniram milhares de pessoas51.
Os protestos que se espalharam pelo Brasil logo começaram a ocorrer em torno de pautas difusas
(reclamações contra a corrupção, por melhorias na educação, saúde pública, infraestrutura urbana) e
caracterizaram-se, em grande medida, por sua pluralidade (participação de movimentos sociais, partidos,
indivíduos apresentando-se enquanto indivíduos, etc.), horizontalidade, ausência de lideranças e pela prática
de ações espontâneas.
À medida que os protestos passaram a envolver, de maneira crescente, danos ao patrimônio público e
resistência à violência policial, a mídia voltou a cumprir o seu velho papel de legitimadora da repressão em
prol da garantia da “ordem e da paz” e da segurança pública, notadamente ao estabelecer divisões estanques
44
A título ilustrativo, faz-se menção à reportagem desenvolvida pela revista Época, que apresenta os “black blocs” como uma organização criminosa
altamente soisticada e revela o processo de modelamento midiático da igura do “inimigo”. Reportagem disponível em: <http://epoca.globo.com/
tempo/noticia/2013/11/bpor-dentro-da-mascarab-dos-black-blocs.html>. Acesso em: 14 mar. 2014.
45
Para se ter noção da exploração midiática exaustiva e histérica de expressões como “vandalismo”, “quebra-quebra”, “baderneiros”, “arruaceiros”,
“mascarados”, “baderna”, “depredações”, ver: <https://www.youtube.com/watch?v=04XYSEl2ln4>. Acesso em: 03 mar. 2014. Exemplo do uso
da expressão em jornais pode-se ver em: fac-símile do jornal Folha de São Paulo do dia 13 de junho de 2013 <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/
cp13062013.shtml>; fac-símile da capa do jornal Folha de São Paulo de 16 de outubro de 2013 <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cp16102013.
shtml>. A abordagem do lornal O Globo (dia 17 de outubro de 2013) sobre prisões de manifestantes ocorridas durante o protesto do dia 15 de outubro
– em apoio aos professores da rede pública de ensino – deixa claro o viés punitivista e vindicativo do jornal. A headline aclamava: “Lei mais dura
leva 70 vândalos para presídios”. Foto da capa disponível em: <http://marciokenobi.iles.wordpress.com/2013/10/globo.jpg>.
46
Fac-símile da capa disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cp12062013.shtml>. Acesso em: 07 set.2014.
47
Vale ressaltar que, no próprio dia 13 de junho (dia em que seus repórteres foram vítimas de violência policial), o jornal Folha de São Paulo exaltava
a repressão policial aos manifestos, conforme se extrai da headline “Governo de SP diz que será mais duro contra o vandalismo: Polícia acionará
Tropa de Choque em ato hoje, e Alckmin cobrará manifestantes por prejuízos”. Fac-símile da capa disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
fsp/cp13062013.shtml>. Acesso em: 10 set.2014.
48
Esse pequeno documentário, realizado pela TVFolha, acerca da repórter Giuliana Vallone, enfoca os abusos e a violência policial, e aborda os manifestos
como a expressão mais legítima da participação democrática. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=AOtENl4KS-g>. Acesso em: 10
set. 2014.
49
Fac-símile da capa disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cp14062013.shtml>. Acesso em: 30 maio.2014.
50
Reportagem completa disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/113957-novo-protesto-tem-reacao-violenta-da-pm.shtml>. Acesso
em: 10 set.2014.
51
A título exempliicativo: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/20/em-dia-de-maior-mobilizacao-protestos-levam-centenas-
de-milhares-as-ruas-no-brasil.htm>.
entre: (i) manifestações legítimas e pacíicas (aquelas em que não se veriicam atos de desobediência ou de
resistência, danos a patrimônio público ou privados ou quaisquer outras práticas delitivas); e (ii) “atos de
vandalismo” – sequer considerados e noticiados como atos políticos ou de protesto – imputados aos “vândalos”,
“arruaceiros”, “baderneiros”, “black blocs”, “mascarados”, aos que escondem seus rostos.
Em meio à heterogeneidade dos manifestos e à multiplicidade de pessoas que estiveram nas ruas,
os grandes meios de comunicação encontraram o seu inimigo52 e, com ele, uma forma de homogeneizar,
deslegitimar e fomentar a criminalização dos manifestos: bastou jogar sob o guarda-chuva “vandalismo”,
“baderna” ou “quebra-quebra” qualquer ação que não fosse vista como aceitável para os padrões midiáticos
(desde pichações e danos a patrimônio público e privado, até a mera resistência a ações policiais abusivas).
Assim, iniciou-se uma caçada repressiva a esses grupos (alimentada pelos grandes meios de comunicação)
um quadro – que perdurou até as recentes manifestações contrárias à realização da Copa do Mundo no Brasil
– de ampla legitimação (midiática, social e política) de ações violentas e abusivas por parte dos órgãos
repressivos. Essas ações envolveram o uso em larga escala de gás lacrimogênio, bombas de efeito moral, spray
de pimenta e balas de borracha, prisões arbitrárias e “prisões para averiguação”, lagrantes forjados – com
implantação de provas –, revistas abusivas e violentas.
As prisões do servidor público Fábio Hideki Harano e do professor Rafael Lusvarghi, ocorridas, em
23 de junho de 2014, durante um protesto contra a Copa do Mundo, ilustram de forma bastante contundente
as ilegalidades praticadas pelos órgãos de segurança pública no afã de reprimir e conter “atos de vandalismo”.
Segundo a narrativa policial, ambos portavam coquetéis molotov. Tal versão foi refutada pelos laudos elaborados
pelo Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) da própria Polícia Militar e pelo Instituto de Criminalística,
ambos atestaram que os materiais apreendidos com os ativistas não representavam riscos, pois não possuíam
quaisquer substâncias explosivas em sua composição53.
Não obstante a inconsistência dos fatos inicialmente alegados pelos agentes policiais, Fábio Hideki Harano
foi denunciado pela prática dos crimes de incitação ao crime, associação criminosa armada, desobediência e
posse de artefato explosivo; e Rafael Marques Lusvargh foi denunciado pela prática dos crimes de incitação
ao crime, associação criminosa armada, resistência e posse de artefato explosivo54. A denúncia claramente
relete a sanha punitivista desencadeada pelo cerco midiático aos “vândalos”.
Assim, neste caso e em tantos outros (veriicados no contexto das manifestações ou fora dele), já
se veriicou o “prejulgamento” do crime pela sociedade55. Prejulgamento diretamente inluenciado pela
publicização tendenciosa e apressada do crime e seus detalhes.
Vislumbra-se portanto que, no contexto das manifestações, os meios de comunicação tradicionais
exerceram o papel habitual – cobraram maior rigor punitivo e mais medidas de criminalização – ao que o poder
político constituído respondeu com medidas inconstitucionais e com a legitimação da repressão e violência
articulados pelos órgãos de segurança pública.
52
Esse inimigo, antes das manifestações, era (e permanece sendo) bastante deinido – tinha cor, classe social e localização geográica. Se a classe
média, em vista das manifestações, entrou em contato com a violência policial, nas periferias essa violência bate às (ou arromba as) portas todos os
dias, literalmente. A repressão desmesurada que se viu nas ruas ocorreu porque, no contexto das manifestações, todos os que dela participaram (e não
apenas “mascarados” ou “vândalos”, como quis fazer crer a mídia de massas) foram transformados em suspeitos e, portanto, em inimigos. Importante
ressaltar que a criminalização dos movimentos sociais, no Brasil, não é fato novo.
53
Tais prisões culminaram, inclusive, na elaboração de manifesto por parte de diversos juristas, em repúdio às práticas repressivas e à criminalização
dos movimentos sociais ocorridas desde as jornadas de junho de 2013. O intitulado “Manifesto de Juristas contra a criminalização das lutas sociais”
encontra-se disponível em: <http://www.brasildefato.com.br/node/29208>. Acesso em: 10 set. 2014.
54
Consoante noticiado no site do Ministério Público de São Paulo: <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/noticias/noticia?id_noticia=12140451&id_
grupo=%20118&id_style=1>. Acesso em: 10 set. 2014.
55
FABRIS, Leonardo Prates; ROCHA, Álvaro Oxley. Sociedade, mídia e crime: a compreensão social dos transgressores. In: CONGRESSO
INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS CRIMINAIS, 4., 2013, Porto Alegre. Anais eletrônicos. Disponível em: <http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/
cienciascriminais/IV/35.pdf>. Acesso em: 10 set. 2014.
Conclusão
Em defesa de uma agenda pautada em medidas penais recrudescentes, os grandes meios de comunicação
e seus “popularistas penais”, ultrajam frontalmente os valores democráticos sobre os quais se sustenta (ou
deveria sustentar) a nossa República.
Dessa forma, representam verdadeira força-antidemocrática, pois sabem – e ocultam e distorcem tal
conhecimento – que o Direito Penal, como única medida, não apresenta qualquer efeito pedagógico de respeito
à norma.
Mídia tradicional e elites econômicas e políticas atuam em conjunto a im de mascarar o fato de que o
fortalecimento de instituições democráticas, o empoderamento do indivíduo para a participação democrática
e o fortalecimento dos canais de diálogo e comunicação entre governo e população atuam de maneira mais
eiciente em relação à prevenção e contenção de conlitos sociais. De tal forma estes grupos sociais abastados
operam em favor da manutenção do status quo, da desigualdade social e da clientela do Direito Penal.
Ao mesmo tempo, o indivíduo – fascinado e convencido pelo discurso midiático, apoiado no senso
comum penal – luta por remédios repressivos, sem se preocupar com os efeitos do medicamento que toma:
analgesia-se com os efeitos imediatistas da lei penal mais severa, até o próximo crime.
Assim, ofusca-se a verdadeira violência: a estrutural. As câmeras não se voltam para o que deveria ser
enfocado, encobrem-se sob os panos pretos não só os corpos de vítimas de crimes violentos e estrategicamente
ilmados a im de estarrecer o espectador, gerando o duplo efeito desejado – audiência e medo –, mas a
responsabilidade social, a ausência das garantias e direitos, a ausência do Estado.
Alterar esse modelo bélico de segurança pública e buscar políticas alternativas de controle social, para
muito além de mudanças institucionais e políticas, exige, portanto, projetos de mudanças sociais profundas,
consoante foi delineado por Alessandro Baratta:
Ningún cambio democrático en la política del control social puede ser realizable si los sujetos de necesidades
y derechos humanos no logran passar de ser sujetos pasivos de um tratamiento institucional y burocrático,
a ser sujetos activos em la deinición de los conlitos de que forman parte y en la construcción de las
formas y de los instrumentos de intervención institucional y comunitária idóneos para resolverlos según
sus propias necesidades reales.
La articulación autónoma de la percepción y de la consciência de los conlitos, de las necesidades reales y
de los derechos humanos por parte de sus próprios portadores, em uma comunicación no condicionada por
el poder, y la ideia de la democracia y de la soberanía popular son los princípios-guía para la transformación
del Estado, no sólo hacia um modelo formal de Estado de derecho, sino también hacia el modelo sustancial
del Estado de los derechos humanos.56
Todavia, enquanto a sociedade não inicia esse processo ideal de ressigniicação do seu próprio papel na
composição dos conlitos sociais, demonstra-se urgente conter o “popularismo penal” e os avanços autoritários
instrumentalizados por meio de leis penais casuísticas e rigorosas.
Essa tarefa – que envolve a adoção de posturas críticas perante o discurso vindicativo da mídia tradicional
e a construção de um contra-discurso – não pode ser incumbência de alguns poucos penalistas, criminólogos,
sociólogos, mas deve ser assumida por todos aqueles comprometidos com o fortalecimento da democracia.
56
BARATTA, Alessandro. Principios de Derecho Penal Mínimo. In: BARATTA, Alessandro. Criminología y Sistema Penal (Compilacíon in memoriam).
Buenos Aires: Editorial B de F, 2004, p. 299-333.
Conter esse punitivismo constitui, portanto, um desaio urgente imposto não só aos governantes, mas à
sociedade civil como um todo, e faz parte de um desaio maior (talvez ideal) de mudanças sociais profundas que
operem no sentido de promover uma reeducação democrática na percepção e solução de conlitos, a partir da
qual o diálogo e o debate serão precedentes – quando não substituírem – a criminalização e o encarceramento.
Referências
BARATTA, Alessandro. Principios de Derecho Penal Mínimo. In: BARATTA, Alessandro. Criminología y sistema penal (Compilacíon
in memoriam). Buenos Aires: Editorial B de F, 2004. p. 299-333.
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ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no Direito Penal. Tradução de Sérgio Lamarão. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
Geová da Silva Barros é licenciado em História, especialista em Políticas Públicas de Segurança, especialista em formação de
educadores, mestre em Ciência Política, é oicial da Polícia Militar de Pernambuco, atualmente exercendo a função de chefe
da Divisão de Ensino do campus de Ensino Metropolitano I da Academia Integrada de Defesa Social.
geobarros@globo.com
Resumo
Compondo estudo detalhado sobre discriminação racial na abordagem policial, este artigo tem por objetivo veriicar em
que medida a cor da pele constitui fator de suspeição, bem como identiicar se os policiais têm a percepção da prática
do racismo institucional. Para tanto, foi montado um banco de dados a partir da aplicação de questionários e da análise
de boletins de ocorrências de sete unidades da Polícia Militar de Pernambuco. Como resultado, veriicou-se que 65,05%
dos proissionais percebem que os pretos e pardos são priorizados nas abordagens, o que corrobora as percepções dos
alunos do Curso de Formação de Oiciais e do Curso de Formação de Soldados, com 76,9% e 74%, respectivamente.
Palavras-Chave
Racismo institucional. Racismo. Discriminação racial.
a entender que o preconceito de classe predo- se, atingir, versar. Em termos policiais, o ato
mina em detrimento do preconceito racial. Este de abordar é o primeiro contato do policial
artigo tem por objetivo identificar, na prática com o público. Tanto os atos de orientar ou
policial, a existência do componente racial na esclarecer, quanto os de corrigir, prender ou
seleção do indivíduo a ser abordado. Além de investigar são formas de abordagem. Para
comprovar a prática da filtragem racial, procura efeito deste estudo, abordagem será enten-
também aferir a percepção dos policiais quanto dida como a maneira pela qual um policial
ao racismo institucional. identifica, corrige, prende ou investiga um
suspeito de vir a cometer ou ter cometido um
Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito
Geová da Silva Barros
Artigos
principal fator motivacional da ação policial é der filtragem racial na identificação do suspei-
a cor da pele. to (AMAR, 2005, p. 242).
Entretanto, essa filtragem racial não é ex- Amar (2005, p. 234) considera racismo ins-
plicitamente declarada, como mostra Amar titucional “quando uma organização ou estru-
(2005, p. 242): tura social cria um fato social racial hierárquico
[...] nos Estados Unidos, as normas profis- – um estigma visível, identidades incorporadas
sionais modernizadoras tendem a incenti- e geografias sociais”. É engano pensar que um
var os policiais a criarem perfis de suspei- ato, para ser considerado racista, tenha que ter
Artigos
é mais suspeito em condutores de veículos
Região Metropolitana do Recife – 2005
A Tabela 1 revela que, com exceção da op- constitui o “filtro” principal de suspeição. Os
ção “independe”, os profissionais consideram dados da Tabela 2 mostram que, excetuan-
que a situação mais suspeita entre pessoas pre- do-se a opção “independe”, na abordagem
tas e brancas, quando na direção de um veícu- de condutores tanto de carro de luxo como
lo, é a preta dirigindo um carro de luxo. Nes- popular, os profissionais tendem a priorizar
se aspecto, não havendo qualquer referência primeiro os pretos, depois os pardos e, por
a outras variáveis, pode-se deduzir que a cor último, os brancos.
Tabela 2
Distribuição dos policiais militares, segundo prioridade para
parar um veículo
Região Metropolitana do Recife – 2005
Artigos
segundo opinião a respeito de quem o trio de policiais abordaria
primeiro, em uma situação de suspeição de um homem branco e
outro preto
Região Metropolitana do Recife – 2005 Em porcentagem
Quem primeiro
Policiais militares Alunos CFO Alunos CFSD
será abordado?
A B A B A B
Branco depois preto 8,3 11,0 0,0 5,2 3,9 11,9
Preto depois branco 51,3 28,0 83,1 27,3 67,9 26,4
Conforme mostra a Tabela 4, entre os alu- que se pode fazer desse fenômeno é que é mais
nos do CFO, na situação “A”, ninguém res- fácil reconhecer o preconceito nos outros do
pondeu que o trio tenderia a abordar primei- que em si mesmo, confirmando o “preconcei-
ro o branco. Nas três categorias, na situação to de ter preconceito”, de Florestan Fernandes
“A”, verifica-se que as proporções referentes a (SCHWARCZ, 2001, p.34).
abordar primeiro o preto e depois o branco são
bem superiores àquelas para a categoria outra. Também chama a atenção, na Tabela 4,
Entretanto, na situação “B”, o resultado se in- a semelhança entre os percentuais na situa-
verte, com a variável outra assumindo os maio- ção “B” das três categorias, na opção aborda-
res valores: neste caso, os policiais geralmente ria primeiro o preto depois o branco: 28,0%
responderam que abordariam o mais próximo; para policiais; 27,3% para alunos do CFO; e
abordariam a ambos de forma simultânea, ou 26,4% para os do CFSD. A proximidade en-
abordariam o que apresentasse uma atitude tre os percentuais dos profissionais, muitas ve-
mais suspeita, não havendo qualquer motiva- zes com mais de 15 anos de atividade, e dos
ção racial. Ora, o que é alternativa para si mes- alunos, em especial os do CFSD com menos
mo, não o é para os demais. Assim, a leitura de três meses de curso, permite inferir que os
Artigos
ram abordadas a partir da iniciativa dos compo- tradas em BOs, 28 foram abordadas a partir
nentes da guarnição. Desses,4 27 eram pardos, da iniciativa dos componentes da guarnição.
correspondendo a 65,8%; três eram brancos Desses,5 doze eram pardos, correspondendo
(7,3%); e onze eram pretos (26,8%). De acor- a 48,0%, nove eram brancos (36,0%) e qua-
do com o Censo Demográfico 2000 (IBGE), tro eram pretos (16,0%). Segundo o Censo
os brancos respondiam por 41,12% da popula- Demográfico 2000 (IBGE), os brancos repre-
ção total do município, os pardos por 51,68% sentavam 42,4% da população total do muni-
e os pretos por 5,4%. Dessa forma, verifica-se cípio, os pardos respondiam por 51,6% e os
que os brancos estão sub-representados na ini- pretos por 4,4%. Dessa forma, observa-se que
Tabela 5
População e pessoas abordadas por iniciativa própria da
guarnição policial em serviço, segundo cor
Município de Olinda – 2000-2004
Tabela 6
População e pessoas abordadas por iniciativa própria da
guarnição policial em serviço, segundo cor
Município de Paulista – 2000-2004
va dos componentes da guarnição. Desses6, 175 “Já me deparei com algumas situações
eram pardos, correspondendo a 58,3%; 55 eram que posteriormente me arrependi.”
brancos (18,4%); e, 70 eram negros (23,3%). (Capitão PM)
De acordo com o Censo Demográfico 2000 “Já aconteceu comigo e não acredito
(IBGE), os brancos respondiam por 45,76% que esteja isento de não acontecer de
da população total do município, os pardos por novo, pois no dia-a-dia, nessa ques-
47,86% e os negros por 5,36%. Assim, verifica- tão de abordar, fazer uma triagem para
se que os brancos estão sub-representados; e os abordar, a tendência é falhar nisso aí.”
pretos e os pardos, sobre-representados: (Soldado PM)
Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito
Geová da Silva Barros
Tabela 7
População e pessoas abordadas por iniciativa própria da
guarnição policial em serviço, segundo cor
Município do Recife – 2000-2004
Durante as entrevistas, foi percebido o ru- Sob a perspectiva de trabalhar diversos mo-
bor facial dos que relataram que já abordaram mentos da abordagem, seja nos processos de
tendo como filtro a cor da pele. Esse constran- policiamento a pé ou motorizado, seja a pesso-
gimento sinaliza que havia um entendimento as ou a veículos, alguns alunos do CFSD relata-
das implicações e desdobramentos da aborda- ram suas experiências em abordagens, quando
gem realizada: estavam em coletivos. Os relatos confirmaram
“Lamentavelmente, com franqueza, eu te- que os policiais geralmente utilizaram a filtra-
nho que dizer que sim [...] talvez por in- gem racial na seleção dos suspeitos:
fluência [...] talvez por ser uma forma da “O negro que estava ao meu lado foi revis-
gente se livrar de um problema [...] isto já tado e eu, não.” (Aluno de cor branca)
aconteceu.” (Major PM) “Eu, não. Mas já presenciei casos em que os
“Numa abordagem a coletivos mesmo, a policiais, nos ônibus, só revistaram as pes-
gente escolheu alguns, sendo que os pou- soas negras.” (Aluno de cor preta)
Artigos
ou mesmo à ação mecânica, tentando assim ate- cos não são dignos de honrar a roupa que
nuar a culpa do cometimento da discriminação: veste e o negro, sim.” (Soldado PM)
“Já, infelizmente. A gente sempre no dia-a- “[...] tenho um soldado que está comigo
dia, infelizmente, acontece esse imprevis- amanhã, um pretinho, um negrinho, mas é
to.” (Soldado PM) um negro da alma branca.” (Cabo PM)
“[...] a questão do preconceito dentro da
polícia não existe de fato, de forma forte,
o que existe é uma ação mecânica [...] às A percepção do racismo institucional na
vezes até a minha própria ação de aborda- comunidade policial
continuidade da vigilância sobre pretos e par- cia por negros na abordagem, normalmente
dos. Segundo Sampaio (2003, p. 82), na defi- os policiais relataram que nunca ouviram esse
nição de racismo institucional, ora hegemônica tipo de diálogo, entretanto já haviam presen-
na Inglaterra, perpassa a idéia de que seja uma ciado brincadeiras que envolviam a cor negra:
prática coletiva, em vez de ações esporádicas “A brincadeira surge normalmente [...] a
ou isoladas. No depoimento do policial que brincadeira surge. Ninguém nunca conver-
mencionou que “todos poderiam dizer que já sou comigo a respeito dessa situação, mas
presenciaram” fica explícita a banalidade dessas que brinca, brinca.” (Soldado PM)
ações. Por sua vez, essa normalidade sinaliza “[...] acho que uma vez ou duas já escutei.
Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito
Geová da Silva Barros
que tais práticas foram incorporadas à cultura Uma forma até, nessas duas vezes, em tom
policial, ou seja, fazem parte dos “traços com- de brincadeira.” (Sargento PM)
partilhados por todos” (MONJARDET, 2003, “[...] quando colocamos o preto, somos
p.163). Entretanto, houve casos em que os viúvo ou somos Zorro, porque é o que
entrevistados negaram agir com discriminação dizem. Olha lá! Vem ali o Zorro. Não, ra-
racial, mas confirmaram a existência da prefe- paz. Ele está viúvo. Uma gozação, não é?”
rência em abordar o negro:7 (Cabo PM)
“Quando estou pela cidade e estou à pai- “Já ouvi comentários pejorativos [...]
sana, a gente vê, qualquer abordagem, não é aquele neguinho com cabelo rastafari.
pode passar um negro e a turma vai logo Termos mais pejorativos. Mas preferência,
abordando, é o preconceito racial”. (Sar- não.” (Capitão PM)
gento PM) “Não conversar, mas proceder.” (Tenen-
te PM)
Torna-se evidente a tentativa do entrevis-
tado em não assumir que já presenciara atos No seu estudo, Ramos e Musumeci (2005,
de discriminação racial, estando no exercício p.167) verificaram que 59,9% dos entrevistados
da atividade policial. Por sua vez, há o caso responderam que a polícia é tão racista quanto
do policial autodeclarado negro, que reco- o restante da sociedade, enquanto 29,7% disse-
nhece existir a preferência na abordagem de ram que é mais racista. Assim, os dados sugerem
negros e, inclusive, declara que há policiais que a própria população assume esse “lugar-
negros que também discriminam, mas ele comum” da polícia como espelho da sociedade.
não discrimina: Entretanto, em um Estado Democrático de Di-
“A população já vê isso, já discrimina o reito, as instituições não deveriam refletir a desi-
próprio negro. Então, o policial militar, gualdade de tratamento nas relações raciais.
por pertencer à sociedade, vive isso, porém
não é 100%. Há casos de policiais negros Nessa situação, torna-se mister identificar
vivenciarem isso. Eu, particularmente ne- qual a percepção dos profissionais sobre o racis-
gro, não vivo.” (Sargento PM) mo institucional nos questionários aplicados. O
Artigos
em primeiro lugar, enquanto 34,95% responde- predisponente para o cometimento do crime.
ram que não há preferência. Ora, isto é o “crime na cor” (PIRES, 2003).
Entre os entrevistados, o “crime na cor” tam-
A Tabela 8 torna visível, pela perspectiva bém foi identificado:
dos profissionais, as causas da prioridade em “[...] a velha cisma que se tem [...] aquela visão
abordar os pretos e pardos. Aproximadamen- que se tem que o negro é ladrão [...] comigo
te 22% responderam que o motivo era que a não acontece, graças a Deus.” (Sargento PM)
34,95 65,05
Os pretos não são Os pretos são priorizados
priorizados na abordagem na abordagem
Tabela 8
Distribuição dos policiais militares, segundo motivos
da preferência em abordar os pretos/pardos
Região Metropolitana do Recife – 2005
Motivos da preferência %
Questões culturais 22,6
Maioria dos presos/detidos é preta ou parda 21,9
Maioria dos pretos/pardos mora em favelas 14,3
Não sei explicar 10,9
Falha na formação policial 10,4
Não há preferência 9,5
Ocorre de forma automática 5,4
Outra 5,0
Total 100,0
Fonte: Barros (2006, p. 112)
Nota: 27 não responderam.
imaginar que um criminoso possa haver a ram que essa é uma temática recorrente:
maior probabilidade de ser um negro ao “A relação pobreza ainda existe, persis-
invés de um branco.” (Tenente PM) te, e normalmente há uma associação, não
“[...] que a maioria dos pretos que a gen- sei se inconsciente, coletiva, de quem está,
te vê está em decadência, por isso que há vamos dizer, naquela condição de pobre,
geralmente essas abordagens sempre mais com aquele biótipo, com aquela cor, ter-
com pretos, primeiro lugar com os pretos.” mina sendo alvo de diferenciação.” (Capi-
(Soldado PM) tão PM)
“Eu tenho assim uma ligeira impressão que
Filtragem racial: a cor na seleção do suspeito
Geová da Silva Barros
Esse estereótipo do negro como tendente isso (a discriminação racial) acontece às ve-
ao crime torna válida a definição de racismo zes [...] decorrente da própria pobreza, e
institucional trabalhada por Sampaio (2003, até porque a pobreza traz em si um aspec-
p.82), quando expõe que o racismo institucio- to de marginalização.” (Soldado PM)
nal “pode ser visto ou detectado em processos, “Quer queira, quer não, é na comunida-
atitudes e comportamentos que totalizam em de pobre, carente, onde a gente encontra
discriminação por preconceito involuntário, a maior quantidade de meliantes, não é?
ignorância, negligência e estereotipação ra- De marginais.” (Capitão PM)
cista” (grifos nossos). Dos 24 entrevistados, “O negro mora em favela, lugares assim,
apenas um foi peremptório em afirmar que que dá suspeita a abordagem do elemen-
não há preferência, entretanto entrou em con- to.” (Sargento PM)
tradição ao relatar que “uma parte” pode não
estar fazendo o que deveria fazer, ou seja, uma Os relatos indicam que os policiais tendem
parcela do efetivo policial pode estar discri- a relacionar cor negra, pobreza e criminalida-
minando. O Soldado PM que assim declarou de. Essa relação tem um viés histórico. Santos
procurou, durante toda a entrevista, esquivar- (2001) revela bem essa situação com a trilha do
se do tema para não se comprometer. círculo vicioso, que estabelece seis passos que, co-
nectados, procuram traduzir a situação atual dos
No presente estudo, observa-se que 14,3% afro-descendentes. Apesar de ser uma relação es-
responderam que o motivo da preferência era tapafúrdia, pois não existe nenhum gene que seja
que maioria dos pretos/pardos mora em favelas determinante biológico da violência, e tampouco
(Tabela 8), sugerindo, por um lado, que a dis- a pobreza é fator determinante de comportamen-
criminação tem sua gênese na classe e não na cor to criminal, os relatos deixam transparecer a idéia
da pele e, por outro, que há uma mudança de de que a situação de pobreza antecede ao fator
comportamento com a variação do espaço so- cor da pele na determinação do suspeito.
cial. Em Racismo institucional: a cor da pele como
principal fator de suspeição (BARROS, 2006), A se acreditar na perspectiva explícita no
observou-se que o policial tende a mudar de parágrafo anterior, haveria mais preconcei-
Artigos
termos, a veste assumiria preponderância na chos a seguir:
identificação do suspeito. Entretanto, quando Entrevistador: se você tivesse de identificar
se observam os dados da Tabela 4, essa idéia um suspeito, o que mais lhe motivaria, a
se esvai, pois, no caso citado em que dois ho- situação social ou racial?
mens estão vestidos de forma semelhante, não “O maltrapilho seria o ponto inicial”.
há condições de se aferir a situação social de Entrevistador: se duas pessoas estivessem
ambos. Um sargento, quando questionado maltrapilhas, sendo uma negra e outra
sobre a situação em que uma patrulha se de- branca, qual delas seria abordada em pri-
parava com dois homens em rua erma, ambos meiro lugar?
Tabela 9
Distribuição dos alunos do CFO e do CFSD, segundo percepção
da prioridade dos policiais em abordar negros
2005 Em porcentagem
Artigos
darem os pretos e pardos, entretanto, brinca- Direitos do Homem e do Cidadão de 1789,
deiras e anedotários que surgem do imaginário em seu artigo 12, explicita que “a garantia
policial dão conta da presença do preconcei- dos direitos do homem e do cidadão carece
to racial e condiciona a práxis policial. Com de uma força pública; esta força é, portanto,
efeito, não basta reconhecer a existência do constituída em proveito de todos, e não para a
racismo institucional; é necessário desenvolver utilidade particular daqueles a quem é confia-
mecanismos que democratizem a prática po- da” (grifos nossos), instituindo a primazia da
licial. Nesse sentido, considero pertinentes as defesa do cidadão como novo paradigma.
adoções das medidas apresentadas a seguir.
esteja cônscio de que é um “legítimo educa- que homens, mulheres e instituições podem
dor” (BALESTRERI, 2003, p. 24), inserido evoluir a fim de alcançarem níveis de compor-
totalmente no processo civilizador, entendido tamento que espelhem o mais lídimo respeito
como “uma mudança na conduta e sentimen- pela dignidade humana.
4. Entre esses 58, Dezesseis indivíduos não tiveram sua cor registrada; a categoria “amarela”, que teve apenas
um registro, não foi considerada para efeito deste estudo.
5. Entre esses 28, três indivíduos não tiveram a sua cor registrada.
6. Desses 378, 73 indivíduos não tiveram sua cor registrada; a categoria “amarela”, com cinco registros, não foi
considerada para efeito deste estudo.
7. Nas entrevistas, a maioria falou especiicamente a palavra “negro”. Assim, foi mantida.
Artigos
AMAR, Paul. Táticas e termos da luta contra o racismo _________; SILVA, Nelson do Valle. Educação e dife-
institucional nos setores de polícia e de segurança. In: renças raciais na mobilidade ocupacional no Brasil. In:
RAMOS, S.; MUSUMECI, L. Elemento suspeito: aborda- HASENBALG, Carlos Alfredo; SILVA, Nelson do Valle;
gem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro. LIMA, Márcia (Orgs). Cor e estratiicação social. Rio de
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 229-281. Janeiro: Contra Capa Livraria, 1999, p. 217-230.
BALESTRERI, Ricardo Brisolla. Direitos humanos: coisa _________. Perspectivas sobre raça e classe no Brasil.
de polícia. 3 ed. Passo Fundo: Edições Capec, 2003. In: HASENBALG, Carlos Alredo;SILVA, Nelson do Valle;
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BARROS, Geová da Silva. Racismo institucional: a cor de Janeiro: Contra Capa Livraria, 1999, p. 7-33.
Artigos
Geová da Silva Barros
Resumen Abstract
Filtros raciales: el color en la selección del sospechoso Racial proiling: color in the selection of a suspect
Componiendo un estudio detallado sobre discriminación Composing a detailed study on racial discrimination in
racial en el abordaje policial, este artículo tiene como police work, this article aims to prove that the trait of
objetivo veriicar en qué medida el color de la piel skin color contributes to the factor of suspicion, as well
constituye factor de sospecha, así como identiicar si as identifying if the police have a perception of the
RESUMO
Oàte to,àaàsegui ,àap ese taàa lisesàdaàpes uisaàso eàsegu a çaàpú li aàeàpopulaç oàdeàL s i as,à
Ga s,àBisse uais,àT a esisàeàT a se uaisà LGBT ,àaàpa i àdoà e o teàfeitoàpeloàestudoàdasàpolí iasàCi ilà PC ,à
Milita à PM àeàdaàGua daàMu i ipalà GM àdeàà i oàà apitaisàdeàestadosà asilei os,àà o te pla doàtodasà
asà egi esàdoàpaís.àásà uest esà ueà o tea a àaài esigaç oàpe passa àaàfo aç oàe àdi eitosàhu a osà
eà o ateà àho ofo iaàdosàage tesàdaàsegu a çaàpú li a,àsuasàfo asàdeàt ata e toàdeàde ú iasàdeà
i esàho of i os,àsuasà ep ese taç esàso eàasàe pe i iasàLGBT,à e à o oàasà ep ese taç esàdeà
g uposà o ga izadosà LGBTà so eà aà atuaç oà dessesà p oissio ais.à áà pes uisaà di ididaà e à uat oà etapasà
o te plouà ta toà aà a liseà íi aà dosà do u e tosà elai osà à fo aç oà dessesà age tes,à o oà g uposà
fo aisàeàe t e istasà o àosàefei os.àásàa lisesàà ost a à ue,àde t oàdessasài situiç es,àoàp e o eitoà
ho of i oà à pa teà o situi teà daà di i aà i situ io alà eà daà fo aç oà dosà age tes,à e à o oà seà
e p essaà asàf agilidadesàdeà e epç oàdeàde ú iasàeài esigaç oàdeà i esàho of i os.àásàpopulaç esà
deà t a esisà eà t a se uaisà apa e e à o oà à asà aisà afetadas.à I te a e teà sà i situiç es,à oà fo a à
o se adasàpolíi asàdeàapoioàouàe uidadeàdeàdi eitosàaàp oissio aisàLGBT,àapesa àdeàse à la aàeà o u àaà
p ese çaàdosà es os.àáàdespeitoàdessesàdesaios,àfo a àide ii adasàalgu asàp i asàpo tuaisàe itosasà
eà ueàt à oaà epe uss o,àpode doàse à elho àlegii adasà o oàpolíi asàpú li asàdeàe f e ta e toà à
iol iaàho of i aàeàt a sf i a.
Pala as- ha e:à “egu a çaà Pú li a;à Di eitosà Hu a os;à Ho ofo ia;à Populaç oà LGBT;à Fo aç oà
Policial
ABSTRACT
Theàfollo i gàpape àp ese tsàa àa al sisàofàtheà esea hào àpu li àsafet àa dàpopulaio àofàLes ia ,à
Ga ,à Bise ualà a dà T a sge de à LGBT ,à f o à theà f a e o kà adeà à theà stud à ofà theà Ci ilà Poli eà CP ,à
Milita àPoli eà MP àa dàMu i ipalàGua dsà MG ài ài eà apitalsàofàB azilia àstates,à o e i gàallà egio sàofà
theà ou t .ààTheà uesio sàthatàguidedàtheà esea hàpe eateàth oughàhu a à ightsàt ai i gàa dàtheàightà
agai stàho opho iaàofàtheàe fo e e tàoi ials,àthei à a sàofàdeali gà ithà o plai tsàofàho opho i à
i es,àthei àapp ehe sio àofàtheàLGBTàe pe ie esàasà ellàasàtheà aluaio àofàtheàLGBTào ga izedàg oupsà
o à theà pe fo a eà ofà theseà p ofessio als.à Theà su e à asà di idedà i toà fou à stages,à i ludi gà ii alà
a al sisà ofà theà do u e tsà elai gà toà theà fo aio à ofà theseà age ts,à fo usà g oupsà a dà i te ie sà ithà
t oops.àTheàa al zesàsuggestàthatà ithi àtheseài situio s,àho opho i àp ejudi eàisàpa tàofàtheài situio alà
àE uipeàdeàpes uisa:àMa oàáu lioàM i oàP adoà–àCoo de ado ;àJo oàBaistaàMo ei aàPi toà-àCo-Coo de ado àGe al;àCa ol eà
‘eisà Ba os,à Da ielà á udaà Ma i s,à Juliaà Noguei aà Do igo,à ‘afaelaà Vas o elosà F eitas,à Guilhe eà ‘o e osà daà Fo se a,à Ni oleà
Go çal esàdaàCosta,à‘es gelaàPi hei oàdeà“ouza,àGuilhe eàCa dosoàVas o elos.
àDouto àe àPsi ologiaà“o ialàpelaàPUC“P.àCoo de ado àdoàNú leoàdeàDi eitosàHu a osàeàCidada iaàLGBTàeàp ofesso àpes uisado à
daàU i e sidadeàFede alàdeàMi asàGe ais.àPes uisado àCNP /Fape ig
àDouto àe àDi eitoàPú li oàpelaàU i e sit àdeàPa isàX.àP ofesso àeàPes uisado àdaàEs olaà“upe io àDo àHelde àC a a.àDi eto àdoà
I situtoàDH.
àMest eàe àPsi ologiaàpelaàUFMG.àDouto a daàe àPsi ologiaà“o ialàeàT a alhoàpelaàU“P.
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àMest a daàe àPsi ologiaà aàUFMG.
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d a i sàa dàofàtheàage tsàt ai i g,àasà ellàde o st atedàtheà eak essesàofàde ou e e tà e epio à
a dài esigaio àofàho opho i à i es.àTheàt a s esitesàa dàt a sse ualàpopulaio sàappea àasàtheà ostà
afe ted.àWithi àtheài situio s,àthe eà asà otàpolii alàsuppo tào àe uita leàofà ightsàtoàLGBTàp ofessio als,à
despiteà ei gà lea à a dà o o à thei à p ese e.à Ne e thelessà theseà halle ges,à so eà su essfulà a dà
spe ii àp a i esà e eàide iiedàasàha i gàgoodàefe tàa dà a à eà ete àlegii izedàasàpu li àpoli iesàtoà
add essàho opho i àa dàt a spho i à iole e.
INTRODUÇÃO
Esteàa igoàp op eàu aàdis uss oàa alíi aàdosà esultadosàdaàpes uisaài ituladaà
“egu a çaà Pú li aà eà Populaç oà LGBT,à ueà i esigou,à aoà lo goà doà a oà deà ,à aà
ap op iaç o,àe à í elài situ io alàeàfo ai o,àdasà uest esà ela io adasà àho ofo iaà
eàaosàdi eitosàdaàpopulaç oàLGBTàpelasài situiç esàdeà“egu a çaàPú li a,àeàaà epe uss oà
dessaàap op iaç oà oàate di e toàaoàpú li oàeà aàfo aàdeàt ata e toàaosàpoli iaisà
LGBTà de t oà dasà o po aç es.à Bus ou-seà i esiga ,à po ta to,à aà fo aç oà e à di eitosà
hu a osàeà o ateà àho ofo iaàdosàage tesàdeàsegu a çaàpú li a,àoàlu oàdasàde ú iasà
deà i esà ho of i os,à asà ep ese taç esà so eà asà e pe i iasà LGBT,à e à o oà asà
ep ese taç esàdeàg uposàdoà o i e toàso ialàLGBTàso eàaàatuaç oàe à adaà idadeà
dasài situiç esàestudadas.àTalào jei oàfoiài esigadoàe àduasàp i ipaisàf e tes:àu aàdeà
a liseài situ io alàeàout aàdeàa liseàdasà ep ese taç esàeàp i asàso iais.àáàpes uisaà
o te plouà asà i oà egi esà asilei as,à à est i gi do-seà sà segui tesà i situiç esà deà
“egu a çaàPú li a:àPolí iaàCi ilà PC ,àPolí iaàMilita à PM àeàGua daàMu i ipalà GM àdasà
apitaisàdosàestadosàdeàálagoas,àMi asàGe ais,à“a taàCata i a,àPa àeàGoi s.à
áp ese ta e osà essaàa liseà o oàaàho ofo iaàeàaàt a sfo iaàseà ep oduze à
asài situiç esàdeà“egu a çaàPú li a,à o oàseàe p essa à aàfo aç oàdosàage tesàdeà
segu a çaàpú li a,à e à o oà asàf agilidadesàdeà e epç oàdasàde ú iasàeài esigaç oà
deà i esà ho of i os.à Ta à se oà ap ese tadasà algu asà p i asà e itosasà ueà
e e e àdesta ue.àái daà ueàpo tuaisàeài ipie tes,àelasàj àap ese ta à oaà epe uss oà
eàpode àse à elho àlegii adasà o oàpolíi asàpú li asàdeàe f e ta e toà à iol iaà
p ai adaà o t aà pessoasà LGBTà oà B asil.à Pa aà tal,à esteà a igoà à di ide-seà e à i oà
pa tesà o te doà dis uss oà te i aà eà etodol gi a,à a liseà deà dadosà eà o side aç esà
i aisà e ide ia doà algu sà i di ai osà eà p oposiç esà deà i te e ç esà ju toà à políi aà
deàfo aç oàdosàage tesàdeàsegu a çaàpú li aà oàse idoàdeàe f e ta àoàp e o eitoà
ho of i oàeàga a i àosàdi eitosàdaàpopulaç oàLGBT.
à
Pa i osàdeàu à a oà o eitualà ueà o p ee deàoà a poàdosàdi eitosàhu a osà
o oà se doà u à a poà deà disputasà políi asà eà al a esà ue,à o t adito ia e te,à
podeà seà a i ula à o à osà di eitosà se uaisà eà deà g e o.à ássi ,à e pli ita os,à a ai o,à oà
a oà o eitualà dosà di eitosà hu a osà eà doà o eitoà deà ho ofo ia,à pa aà pe sa à aà
o te po eidadeàdasài situiç esàpú li asà aàso iedadeà asilei a,à e à o oàalgu sà
ele e tosà o eituaisàso eàdi e sidadeàse ualàeàdeàg e oàeàpolíi asàpú li as.
.àá“PECTO“àMETODOLÓGICO“
áà pes uisaà foià ealizadaà aà pa i à deà uat oà etapasà ueà des e e e osà aà segui :à
I à p epa aç oà daà pes uisaà deà a po,à o à aà ealizaç oà deà u à se i ioà i te o;à II à
à
ealizaç oàdaàpes uisaàdeà a po;à III ào ga izaç o,àt ata e toàeàa liseàdosàdados;à IV à
a liseài al,àela o aç oàdoà elat ioài alàeàe a i ha e tosài aisàdaàpes uisa.
áàe e uç oàdaàpes uisaàju toà sài situiç esà o touà o àu aàg a deàdi e sidadeà
aà e epç oàdoàte aàeàdasàe uipes,àpo àestadoàeàpo ài situiç o.àE àg a deàpa te,àosà
g uposà oàfo a à ealizadosà o àoà ú e oàtotalàdeàage tesàsoli itadosàpelaàpes uisaà
à i teg a tes .à áà aio iaà dosà pa i ipa tesà doà g upoà seà ost ouà des o iadaà doà
o iteà pa aà pa i ipa à deà u aà ai idadeà ueà a o daà aà uest oà daà populaç oà LGBTà eà
uesio ouàseàha e iaàalgu aà az oàpa aàte e àsidoàes olhidosàpa aàa uelaàai idade.àTalà
des o ia çaàj ài haàsidoàle a tadaàdu a teàaà o o aç oàeàseàto ouà oi oàdeàpiadaà
e t eàosà olegasàdeàt a alhoà asàespe íi asàdelega ias.àDe t oàdosàg upos,àoà es oàseà
epeteàaoàfala e àdeàga s,àl s i as,àt a esisàeàt a se uais,àeàaà aio iaàdosàpa i ipa tesà
se ia-seà o st a gidaàe p essa doàpiadasàeà isadasàso eàasàe pe i iasàLGBT.àHou eà
esist iasà aà o ess oàdeàe t e istasàpo àpa teàdeàalgu sà o a dosàeàsu situiç esà
dosà e t e istadosà espo s eisà pelosà seto esà deà e si o,à es oà o à a aç esà o à
uitaàa te ed ia.
àPa aàu aàleitu aà aisàde saàdosà esultadosàdeàpes uisa,ài di a-seàoàa essoàaoà elat ioài alàdoàt a alhoà ueàest àdepositadoàju toà
aoà g oà espo s elàdaà“e asp.
à
.àGÊNE‘O,à“EXUáLIDáDE“àEà“EGU‘áNÇáàPÚBLICá
áà á i aà Lai aà e à passa doà po à p o essosà u iaisà deà essig ii aç oà dasà
elaç esà i is- ilita esà eà a pliaç oà dosà di eitosà i is,à polii os,à e o i osà eà so iaisà
D á aújo,à .àássi à o oàfo a àte sio adasàasà elaç esàdeàg e oà o àoài g essoà
deà ulhe esà asà o po aç es,à aisà e e te e teàosà uesio a e tosàso eàasàleisàdeà
pede asiaàeàsodo ia,àeàaàu i oà i ilàdeàpessoasàdoà es oàse o,àseàto a à uest esàdeà
át à oà i í ioà doà s uloà XX,à aà p e issaà daà oà i ilidade,à ueà e luíaà oà o poà deà
ulhe esàdoà u doàdaà ase a,àse àuilizadaà asàjusii ai asàsi li asàdaà e essidadeà
deài lus oàdeà ulhe esà esseàespaço,à o oàfo aàdeà i iliza àeà ode iza àasàfo çasà
poli iaisàeàasàfo çasàa adasà Mo ei a,à .à
Naà aio iaàdosàestadosà asilei os,àasàPMsà o eça a àaàad ii àpoli iaisàfe i i asà
aoà lo goà dosà a osà ,à oà o te toà daà ede o aizaç oà doà país,à po à “oa esà
eà Musu e ià à apo ta à ueà esseà fatoà oà de i ouà deà ei i di aç esà di etasà eà
o jei asàdeà o i e tosàso iaisàpelaà iaç oàdeàse içosàespe ializadosàouàpelaàa e tu aà
deàu à o oàespaçoàp oissio alàpa aàasà ulhe es,àeàsi ,àdoàp op sitoàdeàp opaga dea à
aà hu a izaç o àdasà o po aç es.à
G a deàpa teàdosàestudosàso eàaài lus oàdeà ulhe esà asà a ei asàdaàsegu a çaà
pú li aà seja à elasà ilita esà ouà o,à i fo aà ue,à ep ese ta doà u aà pa elaà uitoà
eduzidaàdestasàfo ças,àasà ulhe es,à o àpou asàe eç es,àai daàest oàlo geàdeà hega à
aosà postosà supe io esà dasà o po aç esà e,à po ta to,à deà pode à i lui à aà o duç oà dasà
políi asàeà asàto adasàdeàde is o.àPo àse e à aisàjo e sà asài situiç es,àai daà oà
al a ça a à osà postosà aisà ele adosà e,à po à se e à ulhe es,à e o t a à dii uldadesà
adi io aisà ueàalo ga àesseàp o esso,àjusii adasàe àto oàdaàf a uezaàísi aàeà o aç oà
eàdedi aç oà ate alàeàfa ilia ài o paí eisà o àaàp og ess oà asà a ei asà D á aújo,à
;à“oa esàEàMusu e i,à ;àCa ei as,à .
“eà p ese çaà eà ei i iaà fe i i asà s oà a aliadasà eà li itadasà estasà i situiç esà
aseadasà e à supostosà it iosà iologi istasà deà fo çaà ísi a,à asà ho osse ualidadesà
s oà o e idasà o à o otaç esà egai asà doà po toà deà ista,à so ial,à o al,à eligiosoà
eàat àsa it io.à“egu doàD á aújoà àeà‘o haà ,àapesa àdeàdi e sosàpaísesàj à
possuí e à políi asà deà e t adaà eà pe a iaà deà ho osse uaisà e à seusà efei os,à aà
ho osse ualidade,à e àp ai a e teàtodasà asà pa tesàdaà á i aà Lai a,à ai daà à istaà
o oàdes ioàouàdep a aç oà o al,àu aàdoe ça,àu aàa o aliaàouài dig idadeàso ial.à
Osàa gu e tosà o t iosà ài lus oàeà àpe a iaàdeàho osse uaisà oài te io àdasà
t opasà oàdesdeàu aàpossí elài te fe iaà aàei iaàdaàFo ça,àau e toàpote ialàdeà
possi ilidadesàdeàass dioàse ualàpo àho osse uais,àaàele aç oàdoà is oàdeà o t gioàpeloà
HIV/áID“àe,àp i ipal e te,àaàdi i uiç oàdaà oes oàdasàt opas,àoà ueào asio a iaàu aà
uedaà deà ei ia.à J à osà fa o eis,à suste ta à ueà taisà a gu e tosà s oà fu dadosà e à
p e o eitoàe,àpo ta to,ài lidosà ‘o ha,à .
à
Pa aà aà auto a,à ega-seà aoà ho osse ualà seuà statusà i itaisà po à desitui -lheà aà
possi ilidadeàdeàpa i ipa àeàse i -seàdasài situiç esàestatais,àe igi do-oà à o diç oàdeà
idad oàdeàsegu daà atego ia,àoà ueàse iaàe ui ale teà àsu t aç oàdoàdi eitoàaoà otoàdasà
ulhe es,àouà es oàaàes a atu a,à ua doàosà eg os,à oàe a àsujeitosàdeàdi eitosàe à
fu ç oàdaàsuaà açaà ‘o ha,à .
Noà itoà daà se ualidade,à oà p e o eitoà so ialà p oduziuà aà i isi ilidadeà deà
Ope a do,à si ulta ea e te,à asà di e s esà i di idualà eà olei a,à u aà ezà ueà
oàseà esu eà àdi e s oàdaà a io alidadeài di idual,àpoisàseàest utu aàaàpa i àdeàu à
o ju toàa st atoàdeà alo esàso iais.àássi ,àaàho ofo iaàatuaà aà igil iaà oàs àdasà
o dutasàse uais,à asàta àdasàe p ess esàdasàide idadesàdeàg e o,àde a a doà
osàli itesàdaà o alidade àe,àaoà es oàte po,à eite a doàseuà alo àe à o t aposiç oà
aoà ueà seà des iaà e,à o se ue te e te,à de eà se à a gi alizadoà P ado;à Ju uei a,à
.à Pa aà Welze -La gà ,à aà ho ofo iaà e igeà f o tei asà esta uesà e t eà osà
g e os,ào ga izaàaàdis i i aç oàfa eà uelesà ueàes apa à sài age sàeste eoipadasà
ueàseà o st oe àso eàosàg e os,àso etudoà ua doàseàpe saà ueàeles,àg e os,às oà
i ut eis.àNesteàse idoà ueà o p ee de àaàho ofo iaà o àu àsiste aà ola o aàpa aà
ueà seà possaà e ela à iasà deà suasà di e s esà ueà dispostasà e t eà osà i di íduosà eà aà
ultu aà o st iàeào ga izaàf o tei asàesta uesàeàoà o t oleàso eàelasàe t eàosàg e os.
.à“ÍNTE“EàáNáLÍTICá
Oà ate ialàge adoàaàpa i àdoà o tatoà o àasàt sài situiç esà osàpe iteài fe i à
eà ai a à u à astoà pa o a aà e t eà segu a çaà pú li a,à o epç esà so eà g e o,à
se ualidadeàeàho ofo iaà oàB asil.àá ai o,à elata osàosàp i ipaisàpo tosà ela io adosà
aosào jei osàdessaàpes uisa.àCa eà essalta à ueàh àu aàhete oge eidadeàdasài situiç esà
Polí iaàMilita ,àPolí iaàCi ilàeàGua daàMu i ipal à ueà e e eàse à espeitadaàpa aàu aà
de sidadeà o p ee si aàeàa alíi aàdoàp e o eito,à e à o oàpo à egi oàdoàpaís,àoà ueà
pode à pe ii à aà o st uç oà deà ele e tosà i te e i osà i situ io aisà ueà us ue à
o ate à asà p i asà pou oà ualii adasà dosà age tes,à assi à o oà asà alte aç esà osà
p o edi e tosà o ai os.
zàNosàg uposà o àasàPolí iasàMilita esà PM ,àdeàfo aàge al,àfo a àp ofe idosàosà
o e t iosà aisà p e o eituosos,à ag essi osà eà alheiosà à o p ee s oà doà ueà s oà
g uposà ul e eis.àDesta a-seà ueàosàg uposàdosàoi iaisàeàdelegadosàapa e e à o oà
osà aisà o se ado esà eà p e o eituososà e à elaç oà à populaç oà LGBT.à áp ese ta à
pou asà íi asà sà i situiç esà e,à e à g a deà edida,à asà ap ese ta à o oà odelos,à
suge i doà ueàseusà alo es,àespe ial e teàoà espeitoà àhie a uia,àde e ia àse à aisà
difu didosà oà u doàpa aàaàsoluç oàdeà uitasà uest esàso iais.à
Osà poli iaisà deà e o à pate teà aà hie a uiaà i situ io alà s oà osà ueà aisà
uesio a à aà est utu a,à oà e ta to,à uesio a à aisà aà est utu aà i situ io alà dasà
polí iasàeàaàsu iss oà àhie a uiaà ueàosào igaàaàsegui ào de sàse à uesio -lasàeà
apo ta à ue,à aà aio iaàdasà ezes,àoà o a doàdes o he eàaà ealidadeàdosà o a dadosà
eà oàseàp eo upaà o àasàdii uldadesàe f e tadasà oà oidia oàdeàt a alho.
Osà alo esà o aliza tes,à uitasà ezesàligadosà sà eligi esà ist s,àapa e e à o oà
osàp i ipaisàguiasàdeàsuaà o dutaàp oissio al,à es oà ie tesàdeà ueà ep ese ta àu à
Estadoàlai o.àTalàsepa aç oàe t eàEstado,à eligi oàeàatuaç oàp oissio alà oàpa e eài a à
la aàpa aàessesàp oissio ais,àassi à o oàpa aàta tosàout os.à
I po ta teà f isa à ueà uitosà depoi e tosà deà age tesà deà segu a çaà pú li aà
uiliza a -seà deà u aà et i aà o alà eligiosaà o oà fa íliaà à ho e à eà ulhe à
po ueà Deusà fezà assi .à Essaà et i aà to a-se,à uitasà ezes,à aà le teà i te p etai aà
dasàhie a uiasàdeàg e oàeàse ualidade,ài po doàu aài teligi ilidadeàp p iaàpa aàasà
e pe i iasà ueàseàafasta àdasà o ai asàhege i asàdeàg e oàeàse ualidadeà ueà
us a àat i ui àu aàsupo taà oe iaàe t eàasàposiç esàdeàg e o,ào ie taç esàse uaisà
eà o po alidades.
. àNáàT‘ILHáàDá“à‘EP‘E“ENTáÇÕE“
Éà ot elà ueàasà ep ese taç esà ueà i ula à asài situiç es,àso eàaàpopulaç oà
LGBT,à s oà fo te e teà este eoipadasà eà p e o eituosas.à ái daà ueà aà o i iaà
o à out osà poli iaisà eà gua dasà oà hete osse uaisà sejaà deà g a deà ele iaà pa aà aà
essig ii aç oàdeàalgu asàe pe i ias.à
àPa aàu àe e ploàape asà %àdaàpolí iaà ilita àeàdaàgua daà u i ipalàdoàestadoàdeàGoi sà àfo adaàpo à ulhe esàeàe à“a taà
Cata i aàesseà ú e oà aiàai daà ais,àpa aàosà %.
à
ep ese taç esà so iaisà s oà e p essasà o oà seà fosse à atu ezasà at i uídasà aà pessoasà
LGBTàeà ueàpa e e àsuste ta àoàu i e soà as uli oàhege i oàdasà o asàdeàg e oà
eàsuasà eite aç es.àEst o,àta ,à uitoà i uladasàaàu aàideiaàdeài situiç oà is ge aà
eà a hista,à se doà alo izadoà oà u i e soà daà fo çaà eà daà as uli idadeà hege i a,à
po ta to,à uitasà ezesàapa e e àapoiadasà aàp p iaà ultu aàdasài situiç esàpoli iais.à
. àáLGUN“àá“PECTO“àDáàFO‘MáÇÃOàPOLICIáLàEMàDI‘EITO“à
HUMáNO“.
“o eàaàfo aç o,àe àge al,àdosàage tesàeàope ado esàdaàsegu a çaàpú li aà osà
estadosà estudados,à o statou-seà ueà asà fo aç esà e iste tesà li ita -seà aà i fo a à
osà ope ado esà daà segu a çaà pú li aà so eà oà itoà ope a io alà deà ate di e toà
dessaà populaç o.à Talà a o dage à des o te tualizaà aà dis uss oà deà u à a poà aisà
a ploà deà e te di e toà so eà di eitosà hu a osà e,à p i ipal e te,à so eà idada ia,à
espe ial e teà ua doàseà o side aàaàpopulaç oàLGBT,à ueàpo àsuaà ezàte àe pe i iasà
di e sasà ela io adasà ào ie taç oàse ualàeàide idadeàdeàg e o.
Éà e ess iaàu aàa o dage àhist i aàeà o te tualizadaàso eàoàassu to,àeà o àaà
pa i ipaç oàp ese ialàdeàpa i ipa tesàdosà o i e tosàso iaisà ueàpode oàap ese ta à
u àdi logoà oà í elàdaàe pe i iaàeàdaà ele oàso eàela.àI te essa teàta àdis ui ,à
lo al e te,àasàe pe i iasàdeà adaàide idadeà aà idadeàe/ouà oàestado.àáàes assezàdeà
so ia ilidadeà o àaàpopulaç oàLGBTàta àseàap ese taà o oàu aà uest o,àu aà ezà
ueàh à is esàeste eoipadasà asài fe iasàdasàfalasàdosàope ado es.
áà fo aç oà o oà seà e o t a,à o oà t pi osà ouà dulosà deà out asà dis ipli as,à
ge a à i o p ee s es,à ouà o p ee s esà li itadasà deà i po ta tesà o eitosà o oà
ho ofo iaàeà a is o.àáàho ofo iaàe te didaàso e teà o oàfo aàdeà iol iaàísi aà
o t aàoà idad o/ idad àLGBTàeà oà o oàu àsiste aàdeàhu ilhaç oà ueàpe passaàasà
elaç esài di iduaisàeài situ io aisài luiàdi eta e teà oà itoàdaàope a io alizaç oàeà
ate di e toàdestaàpopulaç o,àu aà ezà ueàaàpopulaç oà àdeslegii adaàeà alàate didaà
ua doà oà à e àate dida à asàdelega iasàpa aàaàfeitu aàdoàBolei àdeàO o iaàouà
uais ue àout osà egist os.àál àdisso,àosà elatosà ueà o p e àessasàpeçasài situ io aisà
s oà o al e teààal oàdeàdis u sosà o alizado es,àpa i ula e teà ua doàseàt ataàdeà
pessoasà o àp i asàse uaisàdisside tes.
à
o à elaç esàaàg e oàs oà olo adasàeàaíài aà ago.àE t o,à o à àu àho i ídioàeàs à
depoisà ueà o à aià o eça àaài esiga à ueàpe e eà ueàseàt ata aàdeàu àt a se ualà
eàtal,à asàissoà oài aà oà ossoàsiste a,à oà ossoà olei àdeào o iaàeàdii ulta,à
o ia e te,àasàestaísi asà ueàaàge teà aiàte àso eàestasà uest es. à Delegada .
Oà it ioà deà seleç oà pa aà aà es olhaà dosà espo s eisà pelasà a ade iasà à u aà
uest oàaàse àde aida.àE àu àdosàestados,àaàdi eto aàdaàá ade iaàdeàPolí iaàCi là oà
sou eà epassa à e hu aài fo aç oàso eàaà o epç oà si aàdoà u soàdeàfo aç o.àáà
e pe i iaàdeàatuaç oà aà eaàeàaàt ajet iaàdeàt a alhoàpa e e à oàseà o situí e à
e àp io idadesàpa aàes olhaàdeàtalà a go.à
Oàdis u soà e o e teàdeà t ata à e àaàtodos àeà ueà todosàs oàt atadosàiguais à
i isi ilizaà asà espe ii idadesà daà populaç oà LGBTà eà jusii aà aà faltaà deà fo aç oà
espe íi a.à Po à out oà lado,à dis u sosà o oà edu aç oà fa ilia ,à edu aç oà deà e ço à
ouà pe so alidadeà deà adaà u ,à uitasà ezes,à s oà uilizadosà pa aà jusii a à aitudesà
iole tas,àho of i asàouàdis o da tes,à o oàalgoà atu al,ài t í se oàeài ut el,à ujaà
fo aç oà oà o segui iaà uda .
à
e ta to,àse àaàest utu aàdeàu aàdelega iaàeàse àpossi ilidadeàdeàatuaç oài esigai aà
ade uada.àDesta a-seà ueàosàp oissio aisàe t e istadosàa gu e ta a à o t a ia e teà
aà iaç oàdeàtaisàlo ais,àjusii a doà ueà oàh àde a daà e à oi oàpa aàaà iaç oàdasà
es as,à es oàse àestaísi asàso eàoàassu to.àU àdadoài po ta te,à o fo eàosà
dadosà oletados,à efe e-seà àdesig aç oàdeàp oissio aisàpa aàt a alha e à asàdelega iasà
espe ializadas,à o oàdelega iaàdaà ulhe àeàdaà ia çaàeàdoàadoles e te:àosàp oissio aisà
oà e e e à e hu à t ei a e toà espe ializadoà pa aà atua à e à taisà delega ias,à ueà
. àá“àLENTE“àDáà‘ECEPÇÃOàDEàDENÚNCIá“
Doà po toà deà istaà i situ io al,à pe e e-seà ueà osà lu osà deà ate di e toà aà
de ú iasàso eà iol iasàho of i asàs oà uitoài egula es.àFi ouàe ide iadoà ue,à
aàg a deà aio iaàdosà asos,à ue àde ideàosàp o edi e tosàf e teàaàessasàde ú iasà à
u i a e teàoàage teà ueài aà espo s elàpeloà aso,àoà ueàle aàaàfo teà i ulaç oàe t eà
osàlu osàdeàu aàdete i adaàde ú iaàeàaàa liseài te p etai aàdeàu àage teàdosàfatosà
elatados,àouàseja,à oàh àe id iasàdeàp o edi e tosài situ io aisàaàse e àseguidosà
pa aà al à daà fo aà deà e epç oà eà es utaà po à pa teà doà age te.à I po ta teà ta à
salie ta à ueàdadaàaàfaltaàdeàju isdiç oàdosà i esàho of i osà àpossí elàai a à ueà
asài esigaç esà apida e teàpe de àoà a te àdeà i esàdeà dioàe/ouà iol iasàpo à
p e o eitosà pa aà se e à i te p etadasà o oà iol iasà o u sà des a a te iza doà
po ta toà aà oi aç oà p i ei aà ueà o situià oà o ple oà siste aà deà hu ilhaç oà eà
iol iaàdaàho ofo iaà oàB asil;àu àdosàp i ipaisà oi osàpeloà ualàaàsegu a çaàpú li aà
oàseàse teà apazàdeàge a àdadosàso eà iol iaàho of i aà oàpaís.àCo àe eç oà
doàPa ,à ueà iouài i iai asà ueà e e e àse àp ese adasàeài situ io alizadasà o à
ga a iasàdeàp ese aç o,à oàseà àe àout osàestadosàalgu aài i iai aà ueàe f e teàaà
p o le i aàdaà iol iaàho of i aà o àalgu aàespe ialidade.à
Doàpo toàdeà istaài te o,àasà o asàeà egula e taç esài situ io aisàdeà espeitoà
eàp o oç oàdeàdi eitosàpa aàosàp oissio aisàdaàsegu a çaàpú li aà ueàseja àLGBTàs oà
pou oà o he idasàpo àpa teàdosàe ol idos.àU à elho à o he i e toàdessasà o asà
po àpa teàdasà o po aç esàpode iaà ola o a àpa aàu àa ie teàdeàfo aç oàpe a e teà
aoà o p ee de àaàpopulaç oàLGBT,ài lusi eàpoli iaisàeàgua dasàLGBT,à o oàsujeitosàdeà
di eitosàe àe ui al iaàso ial.
J àasàPolí iasàMilita àeàCi ilàt àu aàou ido iaàú i aàe àtodosàosàestadosà ueà à
u aàou ido iaàdeàsegu a çaàpú li a,à e e e doàde ú iasàouàelogiosàso eàosàdi e sosà
g uposàp oissio aisà ueàfaze àpa teàdosàfu io iosàdosàestadosà ueàt a alha à o à
segu a çaàpú li a.àásàde ú iasàpode àse àfeitasàdaà es aàfo aà ueà asàou ido iasàdaà
Gua daàMu i ipalàe,àe àalgu sàestados,à àpossí elàfaze àde ú iaà iaà edesàso iais.àEssasà
ou ido iasàs oàp esididasàpo àalgu àdaàso iedadeà i ilàe,àe àBel àeàMa ei ,àh àduasà
ulhe esàou ido asàdeàsegu a çaàpú li a.àásàou ido iasài a àe àp diosàsepa adosàdeà
out asà epa iç esàpú li as,àpa aàga a i àu àli eàa essoàdaàpopulaç oàaoàseuàespaço,à
o tudo,àpou asàpessoasàpa e e àsa e àsuaàlo alizaç o.
à
o po aç o.àJ à asà o egedo ias,à àdadoàoàdi eitoàdeàa plaàdefesaàaosàa usadosà ueà
pode à o o a àseusàad ogadosàeà eu i àp o asàpa aàseàdefe de e àdasàa usaç es.à
Cha aà aà ate ç o,à ta ,à oà ueà à feitoà o à asà de ú iasà pe pet adas,à ai daà
ueàpou as.àN oàh àu aàp opostaàdeà iaç oàdeà u sosàdeàfo aç o,àpo àe e plo,à ueà
p o u e à a o da à asà uest esà aisà f e ue tesà dasà de ú ias.à áà se saç oà ueà i aà
à ueà à p ai a e teà i úilà de u ia ,à ai daà ueà osà poli iaisà elate à ueà s oà uitoà
p ejudi adosàpo àessasàde ú ias.àáàú i aàsa ç oà ueàseàsa eà à ueàa ueleàouàa uelaà
ueà espo deàpo àu aài esigaç oà aà o egedo iaà oàpodeàse àp o o idoàdu a teàoà
pe íodo.
. àBOá“àINICIáTIVá“àáà“E‘EMàIMPLEMENTáDá“
OàEstadoàdoàPa àdesta ou-seàdu a teàasàai idadesàdeàpes uisaàpelasàp opostasà
deà o ateàaàho ofo iaàeàdeàedu aç oàpa aàoà espeitoà àdi e sidadeàse ualà ueàte à
o st uído.
U aàp opostaài te essa teà ueà i osàe à ossaà isitaà à apitalàfoiàoà Po toàdaàPaz ,à
ueà àu aàaç oàa i uladaàe t eàaàPolí iaàMilita àeàu aàONGà ha adaàG‘ETTáà-àG upoà
deà ‘esist iaà deà T a esisà eà T a se uaisà daà á az iaà -à ueà p op eà u aà a o dage à
o ju taà e t eà asà duasà e idades,à osà po tosà deà p osituiç oà deà t a esisà e à Bel .à
áài te ç oàdaàaç oà àdeài fo a à sàt a esisàeàaosàpoli iaisàso eàaà o dutaàade uadaà
du a teàu aàa o dage à oàlo alàdeàt a alho,àta toàpo àpa teàdosàpoli iais,à ua toàpo à
pa teàdasà e i asà ueàs oàa o dadas,à uaisàosàdi eitosàdeà adaàu àdelesàeà o oàagi à
esseà o e to.à
Essaàaç oà isaàaà elho a àaàa o dage à ueà àdadaà sàt a esis,ài fo a doàaosà
poli iaisà ilita esàso eà o oàseàdi igi à sà e i asàeàaàfo aà o oà o duzi àaà e ista,à
aoà es oàte poà ueài fo aà sàt a esisàso eàoàdi eitoàdosàpoli iasàdeàasà e ista e ,à
e à asosàdeàfu dadaàsuspeita,àeà o oàelasàde e àseàpo ta ,àsa e doàoà ueàse iaàu aà
aç oà o eta,àassi à o oàide ii a àosàpossí eisàe essosàdosàp oissio aisàdaàsegu a çaà
pú li a.à Estaà aç oà à ealizadaà aà pa i à doà deslo a e toà deà iatu asà daà Polí iaà Milita à
e deà eí ulosàdaàasso iaç oàat àasàt a alhado asàpa aài st uç o,àsoluç oàdeàdú idasàeà
e e i e toàdeàde ú iasàeà uesio a e tos.
Noà estadoà ta à est à se doà i pla tadaà aà a tei aà so ialà ú i aà ueà dispe saà
oà usoà daà a tei aà deà egist oà i ilà po à o te àtodasà asà i fo aç esà pessoais,à ueà se à
e pedidaà oài situtoàdeàide ii aç oàdaàPolí iaài il,àju toà sàde aisà a tei asàe pedidasà
peloàEstado.àál àdisso,àaàPolí iaàCi ilàdoàPa àte àu àNú leoàdeàáte di e toàaàG uposà
Vul e eisà NáV à ueà à o postoàpo à uat oàdelega iasàespe ializadas,àde t eàelasàaà
Delega iaàdeàCo ateà àHo ofo iaàeàC i esàdeàÓdio.
Desta a-seà ue,à apesa à deà algu asà p opostasà i te essa tesà deà o ateà à
ho ofo ia,àoà esultadoàai daà àpe ue o,àte doàe à istaàse e àe pe i iasà e e tes.à
Osàpoli iaisà i isàai daàde o st a àu àe o eàdes o he i e toàso eàaàdi e sidadeà
se ual,àassi à o oàoà ueàse ia àosàg uposà ul e eisàdeà odoàge al.àái daàh à uitoà
p e o eitoà e à elaç oà aà essaà populaç oà de t oà daà i situiç oà eà aà o p ee s oà dosà
di eitosàhu a osàa a aàdepe de doà uitoàdaà se si ilidade àdoàp oissio alàaoàte aà
ue,à dia teà deà u à i te esseà p p io,à us aà o p ee de à elho à asà uest esà ueà
e ol e àoàp o esso.
a àFo aç o:
• álte aç esà aà a gaà ho ia,à deà a ei aà aà da à desta ueà pa aà aà dis ipli aà deà
di eitosàhu a os;
• álte aç esà oà o teúdoà doà u soà deà di eitosà hu a os,à deà a ei aà aà lida à
o à u aà oç oà deà sujeitoà e osà a st ataà eà aisà o eta,à li adaà pelosà
a ado esàso iaisàdaàdife e ça;
à
• Fo aç oà doà o poà do e te,à o à atualizaç esà pa aà lida à o à u à o oà
o teúdoàdosàdi eitosàhu a os;
• á i ula àoà u soàdeàdi eitosàhu a osà o àaàpa i ipaç oàdaàso iedadeà i ilàeà
o àpessoasà o àe pe i iasàLGBT;
• I ple e ta àfo asàdeàde ú iaà asàou ido ias/ o egedo ias,ààdeàfo aà ueà
osàpoli iaisàLGBTà oàsof a à o st a gi e tosàe/ouàhu ilhaç es;
Doà po toà deà istaà so ial,à aà ho ofo iaà i pedeà ueà osà i di íduosà e o t e à
legii idadeàpa aà ueàoàesfo çoàpsí ui oài di idualàdeàseàassu i àho osse ualàà o solide-
seà e à u aà ide idadeà e osà su o di ada,à al à deà legii a à fo asà iole tasà deà
e p ess oàdeà dioàeàdeàp e o eitoà P‘áDO;àMáCHáDO,à .
ássi ,à aà ho ofo iaà seà ap o i aà deà out asà fo asà deà dis i i aç oà o oà aà
e ofo ia,àoà a is oàeàoàa isse iis o,àpoisà o sisteàe à o side a àoàout oà oà aso,à
à
oàho osse ualàeàt a sg e os à o oàdesigual,ài fe io àouàa o al.àál àdisso,à o oà
ual ue àout aàfo aàdeài tole ia,àaàho ofo iaààa i ula-seàe àto oàdeàe oç es,à
o dutasàeàdisposii osàideol gi osàeài situ io ais,àse doàu ài st u e toà ueà iaàeà
ep oduzàu àsiste aàdeàdife e çasàpa aàjusii a àaàe lus oàeàdo i aç oàdeàu sàso eà
out os.
Po ta to,à t ata-seà deà assu toà daà aisà altaà i po t iaà ua doà pe sa osà e à
políi asàdeàsegu a çaàpú li aàeàe pe i iasàdeàpessoasàLGBT,àu aà ezà ueàasàf e tesà
possí eisàdeàt a alhoà esseà o e toài di a à oàs àaà e essidadeàdeà ualii a à elho à
asàde ú iasàeài esigaç es,àpoisà uitasà ezesà ua doàseàt ataàdeà asosàdeà iol iasà
ho of i asà oàs oà a a te izadasàeà oàsegue àoàlu oài situ io alàp e isto,à o o,à
ta ,à ipii a à osà iposà deà i e,à u aà ezà ueà oà e isteà oà paísà e hu à a oà
legislai oàpa aàesteàipoàdeà i eàespe íi o.à
Nestaàpe spe i a,àaà elaç oàe t eàaà iol iaàho of i aàeàasàpolíi asàpú li asà
deà segu a çaà passa,à so etudo,à po à u aà elho à fo aç oà dosà age tesà daà segu a çaà
pú li a,à peloà o pi e toà doà sil ioà o à aà te i aà oà i te io à dasà o po aç esà
eà peloà t açadoà deà pla osà eà est at giasà políi asà deà o ateà aà esseà ipoà deà iol ia.à
Pe segui àu aà ate ialidadeàdosàdi eitosàhu a os,à esseà aso,àpassa,àespe ii a e te,à
po à a a do a à u aà a epç oà u i e salizado aà eà te aiza à osà aspe tosà eà ele e tosà
ultu aisàlo aisà ueài siste àe àesta ele e àaà iol iaà o oàu à e a is oàdeà oe ç oà
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