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Aula 2

Objectivos da aula:
 Discente conheça o conceito do Direito Processual Penal de modo a distingui-
lo de outras disciplinas jurídicas.
 Conheça o âmbito, a natureza e o objecto do Direito Processual Penal.
 Direito de Processual Penal como densificação (conformação) das normas
constitucionais.

Metodologia: expositiva e interactiva. Relacionamento, através de exemplos, com


o dia-a-dia do discente.

Material didáctico: CRM, CPP, CP, Manuais de Processo Penal.


Clássicos jurídicos, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.a edição,
Reimpressão 1974, Coimbra Editora, 2004.

1. Noções Gerais do Processo Penal


a) Conceito.

Não é unânime, como sempre acontece em Direito, o conceito de Processo


Penal. Havendo vários conceitos todos criticáveis. Pelo que o discente pode adoptar
qualquer dos conceitos doutrinários. Aliás, como diz MIRANDA, o estudo
universitário assenta na liberdade, no espírito crítico e no confronto de ideias.

Contudo, e apenas a título exemplificativo, o Prof. Figueiredo Dias define


formalmente o direito de processo penal como o conjunto das normas
jurídicas que orientam e disciplinam o processo penal.

b) Direito Penal Substantivo e Direito Penal Adjectivo.


Há quem diga, como Cavaleiro de Ferreira, que o Direito Processual Penal
constitui, em certo sentido, uma parte do direito penal. Chegando a dizer que o
direito processual e o direito substantivo penal forma uma unidade (direito penal
total), derivada da função específica que a esta extensa região do Direito compete:
só através do direito processual logra o direito substantivo, ao aplicar-se aos casos
reais da vida, a realização ou concretização para que originariamente tende.
O direito penal tem como função proteger os bens e valores essenciais da
vida em comunidade, através de prevenção de lesões que sejam de recear no futuro
(função preventiva) e da punição de lesões que tiveram já lugar (função repressiva).
Da ideia/Função do direito penal total extrai-se os três sectores: direito
penal substantivo ou material (1); direito processual penal ou adjectivo ou
ainda formal (2) e direito de execução das penas ou direito penitenciário
(3).
1. Direito Penal Substantivo ou material estabelece por forma geral
e abstracta, quais os factos (acções, condutas, comportamentos) que devem ser
considerados crimes e quais as penas que lhes correspondem.
2. Direito Processual Penal ou adjectivo ou formal é a
concretização do direito penal substantivo (complemento) com vista a disciplinar a
investigação e esclarecimento do crime concreto e permita a aplicação da
consequência jurídica àquele que, com a sua conduta, realizou um tipo de crime.
Dito de outro modo, o direito processual penal fixa as condições e os termos do
movimento processual destinados a averiguar se um certo agente praticou um certo
facto e qual é a reacção que lhe deve corresponder. Ou seja, existe uma relação
mútua de complementaridade funcional (artigo 1. o do novel CPP). Atenção,
instrumentalidade não significa falta de autonomia como ciência jurídica.
3. O direito de execução de penas (direito penitenciário) é de
índole inteiramente administrativa. Realização concreta da reacção criminal imposta
(exequibilidade da sentença). Noutros locais até há tribunais de execução de penas.
Moçambique, com a última reforma, instituiu os tribunais de execução de penas.
Atenção: para se saber se um instituto é do direito substantivo ou adjectivo
dever-se-á analisar a cada problema concreto (caso a caso) e não em generalizações
(teorias gerais, que não são aplicáveis nos dois ramos).

c) Âmbito do Direito Processual Penal.


Âmbito também significa o objecto da disciplina jurídica, isto é, aquilo a que
ela se propõe regular, as suas finalidades.
Ter em atenção que o mesmo facto (conduta) pode ser analisada (protegida)
pelo direito cível, penal e administrativo. Por exemplo, o pedido por perdas e danos
em resultado de um facto criminal (sistema de adesão). Também existe o sistema de
alternatividade ou de opção. Para além do sistema da obrigatoriedade de adesão
(sistema de dependência processual absoluta do pedido civil). Não se esquecer de
infracções disciplinares e fiscais.
Então o âmbito do processo penal abrange todas as questões que têm por
objecto a comprovação em concreto do crime ou infracção penal no sentido amplo
(próprias contravenções).
Também não se esquecer do âmbito de aplicação espacial (princípio da
territorialidade), que comporta certas excepções, citar normas dos artigos 45.º e ss
do CPP (antigo), actual artigo 23.º do C.P.P. Quer dizer actos processuais de um
estado terceiro não são obrigatórios na ordem interna moçambicana, ressalvando o
auxílio jurídico interestadual em matéria penal (artigo 271.º do C.P.P). Portanto, o
direito processual penal moçambicano aplica-se a todos indivíduos que tenham
praticado infracção criminal dentro do território nacional, independentemente de ser
estrangeiro.
Âmbito de aplicação temporal (artigo 12.º do CC)
Ter em atenção ao direito transitório (artigos 3.º, 4.º, 5.º e 6.º da Lei que
aprova o C.P.P). E recorrer a lei que não limite ou agrave o direito de defesa.

d) Objecto (fim) do Processo Penal.


É a realização do direito penal substantivo.
Alguns autores, como J. Goldshmidt, defendem que o fim do processo penal
ou civil é a obtenção de uma sentença com força de caso julgado.
Outros alegam que o fim do processo penal, posição seguida por alguma
jurisprudência portuguesa, só pode ser a descoberta da verdade e a realização da
justiça.
Para outros é a segurança jurídica. Todas posições criticáveis.
Pelo que avança-se uma posição eclética, o processo visa lograr uma decisão
de modo processualmente admissível e válido; justa segundo o direito substantivo; e
tornar seguro e estável o direito declarado. A função do direito processual penal
cumpre-se na decisão.

e) Natureza Jurídica do Processo Penal.


Tal como o Direito Penal, também o Direito Processual Penal constitui uma
parte do direito público; não só porque, como em todo o direito processual, nele
intervém sempre o Estado no exercício de uma das suas funções, a função
jurisdicional, mas sobretudo porque a perseguição e condenação dos criminosos é,
matéria exclusiva da colectividade estatal (Estado). Há uma relação entre o Estado e
o indivíduo, e posição deste na comunidade (posição situacional).
Conclui-se que o processo penal tem uma natureza e uma estrutura
publícistica.
Pode se chegar a tal conclusão socorrendo-se aos princípios que o enformam.
Por exemplo, não há repartição de ónus de prova; casos há em que o ofendido não
pode dispor do processo.

f) Direito Processual Penal como parte do Direito Público


É exclusiva, modernamente, nem sempre foi, a tarefa do Estado de
investigar, esclarecer, perseguir e sentenciar os crimes cometidos dentro da sua
jurisdição. É o reverso do princípio da exclusão da auto defesa ou do monopólio
estadual da função jurisdicional. Lembram-se das outras cadeiras que é proibido
fazer justiça por próprias, salvo limitadas excepções?

Tal como o Direito Penal, também o Direito Processual Penal constitui uma
parte do direito público; não só porque, como em todo o direito processual, nele
intervém sempre o Estado no exercício de uma das suas funções, a função
jurisdicional, mas sobretudo porque a perseguição e condenação dos criminosos é,
matéria exclusiva da colectividade estatal (Estado). Há uma relação entre o Estado e
o indivíduo, e posição deste na comunidade (posição situacional).

4. Direito Processual Penal e sua conformação com a


Constituição
Afirma H. Henkel o direito processual penal é verdadeiro direito constitucional
aplicado.
Veja-se, a regulamentação ordinária, não deve eliminar o núcleo essencial dos
direitos. Tais sejam, estrito controlo judicial da actividade de todos os órgãos do
Estado; proibição das jurisdições de excepção (juiz legal ou natural); proibição de
provas obtidas com violação da autonomia ética da pessoa e por fim, a aplicação e
interpretação dos preceitos legais deve se fazer a partir da constituição e de acordo
com ela. Ver os respectivos artigos na CRM sob pena de inconstitucionalidade
material [artigos 2, n.os 3 e 4; 3; 38; 40; 41; 42; 43; 56; 57; 59;60; 61; 62; 64; 65;
66; 68; 71, 72; 134; 212; 214; 215; 217; 218, n. o 2; 219; 223, n.o 6].
Princípios:
Nulla poena sine processu (sine judicio)
Actividade e função do juiz.
Publicidade da audiência.
Inviolabilidade do direito a defesa e da tutela da liberdade pessoal.
Estado de Direito.

Aula 4
Objectivos da aula:
Discente conheça:
As fontes do Direito Processual Penal.
O âmbito de aplicação do Direito Processual Penal.
A interpretação e a integração de lacunas no Direito Processual Penal.

Metodologia: expositiva e interactiva. Relacionamento, através de exemplos, com


o dia-a-dia do discente.
Material didáctico: CRM, CPP, CP, Manuais de Processo Penal, CC.
Clássicos jurídicos, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.a edição,
Reimpressão 1974, Coimbra Editora, 2004.

2. Fontes do Direito Processual Penal Moçambicano.


Ter em atenção o artigo 1.º do CC

Fontes de direito são modos prescritos para a sua manifestação. Mais aonde
podemos encontrar matéria que fala do processo penal?

 Fonte imediata e material

Quando falamos de fontes imediatas queremos nos referir as leis e outras


normas jurídicas. Pelo contrário, são fontes materiais os vários princípios que
enforma o Direito de Processo Penal, artigo 12.º do CPP.

 Fontes imediatas
 Fontes legislativas e internacionais

Nas fontes imediatas (formais) temos desde logo o (1) “Direito Constitucional
do Processo Penal”. A Constituição da República de Moçambique é instrumento por
excelência e de hierarquia superior do Direito do Processo Penal (ler os artigos 43,
56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71.).

(2) Código de Processo Penal novel.

(3) Ao lado destes há muita legislação extravagante que regula os diversos


âmbitos particulares do Direito Processual Penal. Com o novo Código houve
condensação (ver artigo 2.º da Lei n. o 25/2019, de 26 de Dezembro - e que aprova
o C.P.P).

(4) Os tratados internacionais (fonte: artigos 17, 18, 42 e 43 do texto


constitucional).

 Fonte doutrinária e jurisprudencial.

Há também o chamado direito judicial, criado por via jurisprudencial (não


em sentido formal), mas tem a função criadora do direito. Visto que peca por não
ter uma obrigatoriedade geral. Só a jurisprudência vive factos concretos e
particulares da vida (um homicídio é diferente do outro).
Aqui assume problema a questão de assento, artigo 2.º do CC. Até de
constitucionalidade duvidosa.

O Conselho Constitucional tem nos brindado com vários acórdãos que


declaram várias normas do ancien CPP inconstitucionais, com força obrigatória, e
como tais, inaplicáveis.

Como fonte material do DPP temos a doutrina que compete a construção


dogmática jurídico-processual penal. Exige-se uma certa racionalidade e um critério
de validade.

 Outras fontes

Há despachos, circulares e ofícios que dão linhas de orientação (TS e


Procuradoria-Geral da República).

O costume (só serve quando para contextualizar certos procedimentos, dar


exemplo de assinar as actas, a indumentária, a configuração do tribunal).

3. Aplicação da lei processual penal


 Âmbito da aplicação temporal da Lei Processual Penal.

Dispõe para o futuro, artigo 12.º do CC e artigos 3.º e 9.º da Lei n. o 25/2019,
de 26 de Dezembro - e que aprova o C.P.P. É assim porque o princípio da legalidade
só tem incidência substantiva e não processual. Posição criticada por Dias. Lembrar
o direito transitório, artigo 6.º da Lei n.o 25/2019, de 26 de Dezembro.

 Âmbito Material.

O âmbito de aplicação material do DPP coincide com os limites da jurisdição


moçambicana em matéria penal (artigo 10.º do C.P.P).

Vigora o princípio da territorialidade (artigos 23.º - 35.º do CPP), sem excluir


o auxílio judicial (tratados – 271.º a 276.º do C.P.P). [excepção quando se aplica o
Direito Substantivo moçambicano, vg extradição artigo 67 do texto constitucional
moçambicano e 56.º do CP].
Através do artigo 80.º do CPP o legislador moçambicano inspirou-se no
sistema de adesão da acção civil à acção penal, com possibilidade de se juntar o
sistema de alternatividade ou de opção, até ao ponto de estabelecer o princípio
da obrigatoriedade de adesão (sistema de dependência processual absoluta do
pedido civil).

Atenção a reparação de perdas e danos em processo penal tem natureza


especificamente penal (com a revisão legislativa passou a acção de natureza cível,
ver artigos 82.º a 94.º do C.P.P).

 Âmbito pessoal.

O DPP aplica-se a todas as pessoas encontradas no território nacional [dentro


das fronteiras do Estado moçambicano] [artigo 35 da CRM]. No entanto, há
restrições: a) isenções fundadas em preceitos de direito internacional
(extraterritorialidade), atingem chefes de Estado e outros, b) ligadas ao direito
constitucional moçambicano (verdadeiros pressupostos=obstáculos=processuais) e
c) garantia administrativa, segundo a qual é necessária autorização para o
procedimento criminal instaurado contra certas autoridades em razão de actos
funcionais. Duvidosa constitucionalidade (António Muchanga caso, deputados em
exercício de funções, membros das assembleias provinciais, entre outros).

Vg. Artigos 154 (actual 153); 174 (actual 173); 176, n.º 2 (actual 175, n. o 2);
211 (actual 210) do texto constitucional moçambicano.

4. Interpretação e integração da lei processual penal.

É o problema de todo o Direito como saber científico (metodologia e


epistemologia). Não é questão particular do DPP [artigo 9.º do CC].

Ter sempre o fim1 do processo e o princípio da interpretação conforme a


Constituição.

 Analogia.

1
Este assume, em conformidade, a ideia-mestra segundo a qual o processo penal tem por fim a
realização de justiça no caso, por meios processualmente admissíveis e por forma a assegurar a paz
jurídica dos cidadãos.
Alguns defendem que não há nada de novo.

Outros defendem que não é aplicável em respeito ao princípio da legalidade.


Não se esquecer que o processo tem o seu próprio fim 2.

Artigo 11.º do CC.

 Lacunas e sua integração.

O artigo 12.º do C.P.P indica tríplice caminho para o processo integrativo:

Analogia (não deve haver desfavorecimento do arguido).


Regras do processo civil que harmonizam com o processo penal e
Princípios gerais do Direito Processual Penal.

Revisão da complementaridade: ler os artigos 62.º, n. o 2 do novel C.P. e


1.º e 22.º do C.P.P

2
Op cit.

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