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DIREITO CRIMINAL GERAL

1. Definição
Diz-se Direito Criminal ao conjunto de normas jurídicas que fixam os pressupostos de
aplicação de determinadas reacções legais: as reacções criminais, que englobam as
penas e medidas de segurança (Correia, 2010: p. 1).

Segundo Figueiredo Dias chama-se Direito Penal ao conjunto de normas jurídicas que
ligam a certos comportamentos, os crimes, determinadas consequências jurídicas
privativas deste ramo do direito. As consequências jurídicas a que o direito penal prevê
são as penas e as medidas de segurança; sendo a pena do ponto de vista quantitativo
e qualitativo (social) mais grave.

Direito penal é o sistema de normas jurídicas que atribuem aos agentes de certo
comportamento como pressuposto, uma pena ou medida de segurança criminais como
consequência.

Direito criminal é o conjunto de normas jurídicas que determinam quais os


factos/comportamentos humanos devem ser considerados como crimes e as sanções
criminais a aplicar aos respectivos infractores.

2. Direito criminal ou Direito penal?


Os doutorinadores têm discutido relativamente a questão da terminologia a ser
empregoue. Para se chegar a actual denominação houve uma longa e histórica
dialectização entre os doutrinadores, escolas e legisladores que disputavam o acerto
do melhor e mais científico rótulo a nomear referido ramo de direito público. Houve
varias sugestões interessantes. Puglia sustentou a locução “direito repressivo”,
Dourado Montero pretendeu um “derecho protector de los criminales” , José Maria
Maria Valdez sugeriu “direito restaurador” ou “direito Sancionador”. As mais antigas
fontes registram o uso de “jus criminale”, facto confirmado por Jescheck, que registra
teor sido a expressão “ direito penal” somente utilizada a partir do século XIX. Contudo,
queremos crer que o sentido utilizado por Jescheck é o da popularização do termo,
uma vez que Frank registrou já ter sido empregada a expressão “direito penal” na
Alemanha, pela primeira vez por Regnerus Engelhard no ano de 1756. Popularizou-se
depois da promulgacao do Código Penal Francês de 1810.

Actualmente, nos países de tradição jurídica germânico-romana é muito mais frequente


a denominação “direito penal”, “derecho penal” (países de língua hispanica), “diritto
penale” (italiano). Os franceses utilizam indistintamente as expressões “droit pénal” e
“droit criminel”. Os países de direito consuetudinário (common law) preferem a
expressão “criminal law” embora igualmente utilizem “penal law”.
Definição mais apropriada

A matéria que constitui objecto das nossas aulas é designada Direito Criminal ou
Direito Penal.

Nenhuma das duas denominações é plenamente satisfatória. Alguns advogam que


devido a dupla categoria de efeitos jurídicos previstos pelo Direito penal (pena e
medida de segurança), este é muito restritivo, colocando em evidência o seu objecto,
as penas, e deixando de fora as medidas de segurança, fazendo crer que neste ramo
estuda-se somente as penas. Já, o direito criminal tem como cerne o crime, mas ele
estuda também categorias de infracções menos graves, as contravenções.

A doutrina portuguesa (que é o ancestral do nosso direito penal) dominante considera


para efeitos de designação da disciplina, a adopção da nomenclatura Direito criminal
em detrimento de Direito penal, pois esta é a posição adoptada pelos autores clássicos
e o Direito criminal tem como cerne o crime que é o elemento central desta disciplina.

Direito criminal é historica, filosofica e etmologicamente a definição mais correcta, pois


a par de o crime ser o princípio gerador de direito punitivo, a expressao direito criminal
alarga o conceito das vestes gramaticais impostas pela ideia da pena, passando a
açambarcar ambas as consequências jurídicas do delito (pena e medida de
seguranca). O crime é o principal como aludiu Roberto Lyra, por outro lado não há
pena propriamente dita, sem crime, e pode haver crime sem pena.

Desde que não se perca a consciência da destrinça entre eles. Estes termos, Direito
Criminal e Direito Penal, podem reputar-se equivalentes, são correntemente
empregues como sinónimos. Todavia, por questões metodológicas a nível da nossa
instituição esta disciplina é designada Direito Penal.

Função ético-social e o conteúdo do direito penal

O Direito penal prende-se com a protecção de valores fundamentais para a


subsistência do corpo social (a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade, arrolados
entre os demais bens jurídicos), deste modo o direito penal preenche sua função 1ético-
social. Essa protecção é exercida não apenas pela intimidação colectiva, mais
conhecida como prevenção geral e exercida mediante a difusão do temor aos possíveis
infractores do risco da sanção penal, mas sobretudo pela celebração de compromissos
éticos entre o Estado e o individuo, pelos quais se consiga o respeito as normas.

1
Alicénia Pensar Abudo/2023
Objecto do Direito penal

No tocante ao seu objecto, tem-se que o direito penal somente pode dirigir os seus
comandos legais, mandando ou proibindo que se faça algo, ao homem, pois somente
este é capaz de executar acções com consciência do fim. Disso resulta a exclusão do
âmbito de aplicação do direito penal de seres como animais, que não têm consciência
do fim do seu agir, fazendo-o por instinto bem como dos movimentos corpóreos
causais, como reflexos, não domináveis pelo homem.

3. Divisão do Direito criminal/ estrutura do Código Penal

O direito criminal (direito substantivo) em sentido restrito, assim como o próprio Código
Penal, subdivide-se em duas partes, a parte geral e a parte especial.

Importa referir que, a revisão do Código Penal Moçambicano de 1886 contribuiu para o
que poderíamos considerar de “infracção legislativa”. No âmbito da evolução legislativa,
aprovou-se o código Penal Moçambicano pela lei n°35/2014 de 31 de Dezembro e
entrou em vigor no dia 1 de Julho de 2015. Recentemente entrou em vigou o Código
penal aprovado pela lei n°24/2019 de 24 de Dezembro. O código penal encontra-se
dividido em duas partes, a parte geral e a parte especial:

A parte geral está contida no livro primeiro do CP, nos artigos 1 à 158; e a parte
especial, consta do livro segundo do CP, nos artigos 159 à 449. Podemos igualmente
encontrar normas penais na legislação avulsa ou extravagante2.

Importa referir que a parte geral do CP trata das normas penais não incriminadoras,
permissivas3 e explicativas ou complementares4, estipula as partes constitutivas das
infracções penais e de suas sanções, causas de imputabilidade e regras gerais de
fixação da pena, além de prever os princípios comuns de aplicação do direito. Ou seja,
na parte geral definem-se os fundamentos gerais de todo o direito criminal, os
pressupostos de aplicação da lei penal, trata-se da teoria geral da infracção penal, da
responsabilidade criminal e das sanções criminais (penas e medidas de segurança).

Em síntese, a parte geral estuda as regras aplicáveis a todas as infracções, trata da


aplicação da lei penal, do crime, da responsabilidade, do concurso de agentes, das

2
Maria Helena Diniz define lei extravagante como «Lei esparsa, ou seja, editada isoladamente (...). Em regra,
advém após a promulgação de um código, para completá-lo ou para revogar alguns de seus preceitos relativos à
matéria que a ele diz respeito» Dicionário Jurídico, Vol. 3, pág. 91.
3
São as que excluem a tipicidade ou a antijuricidade do facto, a culpabilidade do sujeito ou a punibilidade do crime.
4
São as que servem a interpretação de outras disposições, uma vez que definem princípios de aplicação de outras.
penas e das medidas de segurança; enquanto a parte especial descreve os delitos e
impõe as sanções.

Historicamente, o direito penal geral é mais recente que o direito penal especial, porque
supõe um maior grau de abstracção, ignorado nas primeiras eras da humanidade.

Já, a parte especial trata da definição legal dos crimes em especial, trata dos delitos
propriamente ditos, estabelecendo o elenco de infraccões. Isto significa que, a
definição legal de crimes em especial não se encontrada na parte geral mas na parte
especial, embora a parte geral contenha algumas normas de extensão como é o caso
das previstas nos artigos 14 e 131 do CP que tratam respectivamente, da figura da
tentativa e do concurso de agentes. Nos dois casos, as normas servem de
complemento das normas penais incriminadoras. Em suma, na parte especial
estabelecem-se os crimes em particular e as consequências jurídicas que estes
acarretam, ou seja, tem por objecto o estudo de cada infracção considerada
isoladamente, a determinação dos crimes ou delitos tendo em atenção os seus
elementos constitutivos e as respectivas penas (ex. aborto, homicídio, roubo, burla,
rapto, branqueamento de capitais, etc).

A parte geral e a parte especial são complementares, estas interrelacionam-se,


articulam-se sendo necessária uma visão ou conhecimento da parte geral para o
estudo da parte especial e para aquisição duma visão global deste. Em outras palavras
a parte especial se conjuga e se completa com a parte geral, obedecendo ambas a um
princípio de unidade integrativa e vital do direito penal retratado pela justa interpretação
de seus códigos.

4. Direito Criminal como ramo do direito público e suas relações com outros
ramos de Direito

Quanto a sua natureza, o Direito criminal é por excelência um ramo do direito público, é
autónomo e criador de ilicitude. Qualquer que seja o critério que se eleja para fixar a
fronteira entre Direito público e Direito privado (critério da natureza dos interesses
protegidos, da qualidade dos sujeitos e da posição dos sujeitos), o DP ter-se-á que
incluir no direito público.

Neste ramo de direito é nítida a relação de supra/infra ordenação entre o Estado


soberano (dotado do ius imperi/puniendi) e o particular, sujeito aquele poder. É nesta
disciplina jurídica que se pode constatar com maior ênfase a função estadual de
preservação das condições essenciais da vida em sociedade, e em nome dessa
preservação o poder que o Estado dispõe de aplicar sanções.

O DP tem por função proteger os valores ou bens jurídicos assumidos pela consciência
ético-social como indispensáveis para a realização pessoal e a convivência
comunitária. Deste modo, a violação desse núcleo fundamental de valores protegidos
pelo Direito Penal constitui uma ofensa a toda a comunidade social, e não apenas em
relação a pessoa em que se tenha concretizado a lesão do bem jurídico.

À título de exemplo, no crime de furto ou de violação, os bens jurídicos lesados, e cuja


protecção o direito penal assume não está no valor da coisa furtada e na concreta e
individual autonomia sexual da pessoa violada mas, no interesse de toda a sociedade,
no respeito da propriedade alheia e da autodeterminação sexual de todos e cada um
dos membros da sociedade.

Direito criminal e Direito constitucional

Estes dois ramos do direito apresentam afinidades no tocante ao conceito de Estado,


direitos individuais, políticos, sociais, etc. o direito penal subordina-se, evidentemente,
ao direito constitucional já que um código penal não pode fugir a índole da constituição.
Enfim, tutelando os direitos fundamentais do homem e cuidando do funcionamento dos
órgãos de soberania estatal, a constituição traça limites, além dos quais, as leis e
portanto, as penais não poderão ir, sob pena de inconstitucionalidade.

Direito Criminal e Direito Processual Penal

O direito criminal estabelece de forma geral e abstracta quais os factos constituem


crime e as respectivas penas a aplicar aos infractores. O Direito Processual penal fixa
os termos e o processo de modo a averiguar se num dado caso se verificou o facto
previsto na lei criminal e qual a pena que lhe corresponde.

Direito Criminal e Direito Penitenciário

Ciência penitenciária estuda o regime das penas, isto é, as condições de execução das
penas de forma a assegurar a sua eficácia/ os seus fins.

O direito penitenciário enquanto modo de execução da pena de prisão e da medida de


segurança privativa da liberdade, não pode ser visto como um apêndice
(prolongamento) secundário e estranho ao Direito penal. Bem pelo contrário é nele que
se joga e se realiza ou não o sucesso ou o fracasso da política criminal.

Distinção entre o Direito penal e o Direito Civil

O direito penal é um ramo do direito público enquanto o direito civil é um ramo de


direito privado.

No que diz respeito sanção, a sanção penal visa reparar o dano causado a ordem
jurídica, já a sanção civil visa reparar o prejuízo/dano individual. A infracção penal dá
lugar a uma acção penal/pública e a infracção civil dá origem a uma acção civil.

Em direito penal, a culpa constitui o fundamento da responsabilidade criminal,


enquanto no direito civil a culpa e o risco constituem o duplo fundamento da
responsabilidade civil.

Relação entre Direito Criminal e Direito Civil é que alguns conceitos como de coisa,
património, propriedade, família, casamento são utilizados pelos dois ramos do direito.
Bens institutos e relações jurídicas contidas em preceitos do direito privado fazem
objecto de preceitos sancionados penalmente. Além disso, o direito civil e o direito
penal não são separados por uma linha rigorosamente impermeável: factos do direito
civil passa para o direito penal, outros deixam o direito penal e persistem no direito civil,
sendo certo que entre o ilícito civil e o ilícito penal, não há diferença de essência, mas
simplesmente de grau. Se o preceito necessita de mais enérgica protecção passa a
figurar a sanção penal com a respectiva sanção repressiva. Frequentemente um delito
penal é também um delito civil. É o caso do crime de roubo e de ofensas corporais
voluntárias. Nestes casos, os crimes dão lugar a duas acções, nomeadamente a acção
penal/pública e a acção civil. Outrossim,

5. Direito criminal e outras ciências auxiliares

Para satisfazer as exigências particulares inerentes ao seu objecto (infracção penal/


fenómeno criminal) o direito criminal se socorre de outras ciências e da técnica.
Algumas das ciências auxiliares do direito criminal são a criminologia, criminalística,
política criminal, Direito penitenciário ou Penologia.

Criminologia

Delito, delinquente e pena não são estudados exclusivamente sob o ponto de vista
jurídico. Outras ciências com eles se ocupam e, dentre elas a criminologia.
Etimologicamente o termo criminologia deriva do latim crimino (crime) e do grego logos
(tratado ou estudo), seria portanto o "estudo do crime" 5. A criminologia estuda as
causas da criminalidade e propõe soluções para combater a criminalidade.

A criminologia é um conjunto de conhecimentos que se ocupa do crime, da


criminalidade e suas causas, da vítima, do controle social do acto criminoso, bem como
da personalidade do criminoso e da maneira de ressocializá-lo.

Segundo Carvalho a Criminologia é o ramo da ciência criminal que baseado na


observação e experimentação estabelece a relação entre determinados factores (bio-
psicológicos e sociais) e as diferentes espécies de delinquência. São dois os ramos da
criminologia, a Biologia criminal e a sociologia criminal. A biologia criminal centra-se
fundamentalmente nos factores bio-psicológicos favoráveis a delinquência; a Sociologia
criminal tem por objecto primordial a investigação de factores sociais (económicos,
culturais, religiosos, etc.) geradores de comportamentos desviantes.

A criminologia é importante para o DP na medida em que, uma política criminal para


ser justa e eficaz não pode esquecer as informações dadas pela criminologia.

Criminalística

A Criminalística investiga os crimes analisando o local do crime para ver os vestígios. A


análise cuidadosa dos vestígios pode dar pistas sobre os autores do crime bem como
os instrumentos usados. A criminalística agrupa as ciências que tem por objecto a
investigação das infracções e dos seus autores. Algumas das quais são a medicina
legal, toxicologia e a polícia científica.

A Medicina Legal (...) é a Ciência que tem como objectivo o estudo das questões que
se apresentam no exercício profissional do Jurista cuja resolução se fundamenta total
ou parcialmente em certos conhecimentos médicos ou biológicos prévios» (António
Eugénio Zacarias).

Palmieri define-a como a aplicação de noções médicas e biológicas as finalidades da


justiça e a evolução do direito. Compreende concomitantemente o estudo das questões
jurídicas, que podem ser resolvidas exclusivamente com conhecimentos biológicos e
principalmente médicos, e o estudo dos fenómenos biológicos e clínicos que servem a
solução dos problemas judiciários.

A Medicina Legal auxilia o Direito Criminal em várias áreas, podendo-se destacar:

5
https://pt.wikipedia.org/wiki/Criminologiaconsultadoem 22/02/2016
 Em processos criminais de homicídio. Em caso de morte violenta ou suspeita de
morte violenta, a polícia, o procurador ou juiz podem requerer um exame
médico-legal do cadáver para determinar as circunstâncias e a causa jurídica
da morte da vítima.

 Em caso de ferimentos provocados por acidentes, por acções criminosas pode-


se solicitar o exame médico-legal à pessoa que sofreu o acidente ou violência.
Pode ser necessário que a Medicina Legal determine a percentagem da
incapacidade que o acidentado terá sofrido.

 Medicina legal informa à justiça sobre as circunstâncias duma violação, de um


aborto, entre outras.

Em suma é de valiosa importância no estudo dos crimes contra a vida, contra a


liberdade sexual, etc.

A toxicologia permitir aferir o poder tóxico de algumas substâncias;

Polícia científica, segundo Grispigni, consiste no estudo dos meios sugeridos por
diversas ciências como os mais adequados aos fins da polícia judiciária de
identificação dos agentes e o estabelecimento dos elementos de prova do crime.

Política Criminal

O penalista alemão Feuerbach6 foi um dos primeiros a empregar esta expressão no


início do século XIX. Vabres define política criminal como conjunto de procedimentos
susceptíveis de serem propostos ao legislador, ou efectivamente empregues por este
em determinado momento, num dado pais, para lutar contra a criminalidade.

Política criminal é o conjunto de princípios directores que visam orientar a acção das
instituições públicas ou privadas com vista à prevenção da criminalidade. A política
criminal deve ter em conta as implicações económicas das medidas previstas (J. Leroy,
p.78).

Teoria do Bem jurídico

Welzel define bem jurídico como “um bem vital do grupo ou individuo, que em razão da
sua significação social é amparado juridicamente”7. Roxin considera bens jurídicos
como “circunstâncias dadas ou finalidades que são úteis para o individuo e seu livre
6
Feuerbach, Lehrbuch, 1803.
7
Betencourt, Cesar Robert, tratado de direito penal : parte geral, vol.1, 13éd., São Paulo : Saraiva, 2008, p.14.
desenvolvimento no marco de um sistema social global estruturado sobre a base dessa
concepção dos fins ou para o funcionamento do próprio sistema”8.

A literatura penal geral emprega as expressões valor e interesse para conceituar bens
jurídicos: valores relevantes para a vida humana individual ou colectiva; valores ou
interesses mais significativos da sociedade.

Segundo o critério ético-social do bem jurídico, é na consciência ético social de uma


comunidade historicamente situada no tempo e espaço que se vai buscar a referência
para a definição de bem jurídico-penal e para a determinação das condutas
criminalizáveis. Assim, só podem se considerados bens jurídico-penais “os valores
considerados pelo ethos social comunitário, como essenciais ou indispensáveis para a
realização pessoal de cada um dos membros da sociedade”.

Os bens jurídico-criminais devem derivar sempre da constituição da República, a lei


fundamental do Estado de direito democrático.

6. Fontes do Direito Penal

Fonte é o lugar de onde o direito provém. São os modos de revelação e de formação


das normas jurídicas de

As fontes de DC são essencialmente internas ou nacionais pois o direito de punir


continua a ser um dos atributos essenciais da soberania do Estado.

 Lei (fonte imediata9)

Lei em sentido formal – é o diploma emanado do órgão do Estado que detém a


competência Legislativa por excelência, AR, segundo as regras estabelecidas no seu
regimento e sancionada pelo Chefe do Estado. Em Moçambique as leis em sentido
formal são as que emanam da Assembleia da República (AR). Mas a AR, nos termos
do nº 3 do artigo 179 da CRM, pode autorizar o Governo a legislar aprovando decretos-
lei. Regulamento é um acto do poder executivo que regula de forma geral e abstracta
determinadas matérias.

Lei em sentido material – é a declaração de uma ou mais normas jurídicas pela


autoridade competente.
8
Roxin, Claus cit in
9
Fontes imediatas ou directas são as que criam leis/ normas jurídicas que impõem direitos e obrigações. Fontes
mediatas ou indirectas não criam leis, não revogam leis, ou seja, não criam normas jurídicas mas estas servem para
integrar a norma, para auxiliar o intérprete
Constituição da República de Moçambique (CRM)

Nos termos do nº 4 do artigo 2 da CRM «as normas constitucionais prevalecem sobre


todas as restantes normas do ordenamento jurídico». A CRM é a lei fundamental,
suprema. A CRM é uma lei em sentido formal e material.

Regulamento é um acto do poder executivo que regula de forma geral e abstracta


determinadas matérias.

A lei constitui a principal fonte do Direito criminal, no caso moçambicano esta


corresponde a CRM, ao código penal e a demais legislação avulsa ou extravagante
(legislação complementar) que regulam matérias que não estão previstas no código
penal. A lei é única fonte competente para a determinação das infracções mais graves.
Os regulamentos constituem fontes de DC, cita-se o código de estradas 10 que prevêem
e reprimem as infracções contra a segurança rodoviária.

 Jurisprudência

É o conjunto de decisões tomadas pelos tribunais na solução dos litígios a si


interpostos pelos interessados.

Decorrente dos princípios da legalidade e da separação de poderes, a jurisprudência


não constitui fonte de direito criminal. O juiz não pode criar crimes nem penas; nem
aplicar infracções ou penas fora dos casos previstos na lei 11. A jurisprudência constitui
uma fonte interpretativa, ela pode clarificar e definir o alcance de uma lei.

 Assentos

A Jurisprudência reveste de forma de assento quando proferida pelo Tribunal Supremo


(TS) e pressupõe:

1) Existência de dois acórdãos contraditórios, proferidos em secções diferentes


(mas que tratam da mesma matéria, por exemplo duas secções criminais) do
Tribunal Supremo ou por dois Tribunais Superiores de Apelação;

2) Essa contradição diz respeito a mesma questão de Direito.

10
Aprovado pelo Decreto-Lei nº 1/2011, de 23 de Março; publicado no BR nº 12, 4º Suplemento, de 23 de Março de
2011. Tem uma rectificação publicada no BR nº 17, I Série, de 29 Abril de 2011.
11
Paralelamente cf. a CRM, o poder executivo não pode criar incriminações (criar crimes), nem penas; ele intervém
no estabelecimento de infracções menores tais como as contravenções ;
Quando isto acontece TS reúne-se em Plenária onde toma a sua decisão em forma de
Assento, uniformizando a Jurisprudência contraditória das secções em conflito de
entendimento.

 Costume

É uma prática reiterada de conduta social acompanhada de convicção de


obrigatoriedade da norma seguida por certos membros de uma sociedade, fixados num
espaço e num certo tempo histórico.

Costume é o conjunto de normas de comportamento a que as pessoas obedecem de


maneira uniforme e constante, pela convicção de sua obrigatoriedade.

Beccarie chamou-o de legislador ordinário dos povos, actualmente, perde prestigio


como consequência do principio da reserva legal, que impede que crie crimes ou
penas.

O costume não constitui fonte de direito criminal pois este baseia-se no princípio da
legalidade, ou seja, o princípio da reserva legal impede que o costume defina crimes,
comine penas ou as agrave. Não pode também derrogar ou ab-rogar a norma penal. O
costume não tem valor criativo, modificativo ou revogatório em DC. O costume não
pode criar novas infracções ou penas, nem modificar as infracções ou penas
existentes. Contudo, não se pode negar valor ao direito consuetudinário, mesmo no
campo da nossa disciplina, o costume pode auxiliar na interpretação da lei. De facto,
ele recorre a questões extrapenais que por vezes devem ser interpretadas em função
do sentido que os usos e costumes progressivamente o atribuíram.

Existem tipos penais que invocam o costume, ao aludirem certos elementos como a
honra, o pudor, a honestidade.

 Doutrina

São as opiniões ou estudos dos jurisconsultos sobre determinada matéria do Direito.


Não constitui fonte do DC. É porem de grande utilidade na interpretação da lei,
estudando-a desde o nascedouro, acompanhando-a na evolução examinando os
elementos jurídicos e meta jurídicos que a informam.

 Tratados internacionais
É um acordo de vontades entre dois ou mais sujeitos do Direito Internacional,
formalizada num texto escrito, com o objectivo de produzir efeitos jurídicos no plano
internacional12.

Em DC os tratados internacionais desempenham um papel importante, não na


definição/determinação das penas (competência reservada ao legislador e, ao governo
para as infracções menos graves), mas na definição ou determinação de
comportamentos proibidos. Concretamente, estes textos muitas vezes prescrevem
obrigações ou interdições, contudo a sua violação só será criminalmente sancionada se
uma lei nacional o previr. O fundamento do que acabamos de referir encontra-se no n°1
do artigo 18 da CRM que dispõe o seguinte “os tratados e acordos internacionais
validamente aprovados e ratificados, vigoram na ordem jurídica moçambicana após a
sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado
moçambicano”. O n°2 estabelece que as normas de direito internacional são
infraconstitucionais (estão abaixo da CRM) e equiparam-se (têm o mesmo valor) aos
demais actos normativos da AR e do governo mediante a respectiva forma de
recepção.

De forma resumida, os tratados internacionais constituem fonte de direito quando


ratificados pelo Estado, e só vinculam o Estado e o povo quando feita a sua recepção
na ordem jurídica interna, isto quer dizer que os tratados so tem força apos a sua
ratificação pela AR, altura em que passa a qualidade de fontes imediatas como leis.

Exemplos: Verificar a convenção contra o terrorismo, tráfico de pessoas, etc.

 Princípios Gerais do Direito

Diogo Freitas do Amaral13 define Princípios gerais de Direito como «as máximas ou
fórmulas, enunciadas de forma condensada, que exprimem as grandes orientações e
valores que caracterizam uma dada ordem jurídica, ou um certo ramo ou sub-ramo do
Direito». Além da função hermenêutica14, os Princípios Gerais do Direito servem a
supressão de lacunas e as omissões da lei penal, possibilitando ao judiciário a
colmatação de tais lacunas- desde que não sejam de natureza incriminadora-
porquanto nesse particular, a lei penal contem uma plenitude (não é lacunosa). Estes
não constituem fonte de DC.

12
https://pt.wikipedia.org/wiki/Tratadoconsultadoem 22/02/2016
13
Manual, pag. 499
14
A hermenêutica jurídica é a parte da ciência jurídica que estuda os processos de interpretação da lei.
Fins das sanções Criminais

Princípios informadores do DC

Interpretação e Integração da Lei Penal

A integração da lei penal é um conceito fundamental do Direito Penal, que se refere aos mecanismos
pelos quais se preenchem as lacunas deixadas pela legislação penal. Quando uma conduta não está
prevista na lei penal, ou quando há dúvidas sobre a aplicação da norma a um determinado caso concreto,
é preciso recorrer a esses mecanismos para decidir como agir.

Princípios da integração da lei


penal
O primeiro princípio da integração da lei penal é o princípio da legalidade, que determina que
ninguém pode ser punido por uma conduta que não esteja prevista na lei penal. Isso significa
que, se uma conduta não está prevista na legislação, não é possível punir alguém por tê-la
praticado.

O segundo princípio é o da analogia, que permite aplicar uma norma a um caso semelhante ao
que está previsto na lei. Por exemplo, se uma pessoa comete um crime que não está previsto na
legislação, mas que é semelhante a um crime já previsto, é possível aplicar a norma existente por
analogia.

O terceiro princípio é o da equidade, que permite que o juiz decida com base em princípios de
justiça e equidade, mesmo que não haja uma norma clara e específica para o caso. Esse princípio
é aplicado com muita cautela, pois é preciso garantir que a decisão seja justa e não arbitrária.

A integração da lei penal é uma ferramenta fundamental para a aplicação da justiça e para garantir que
ninguém seja punido injustamente. Embora a legislação penal seja abrangente, sempre há situações que
não estão previstas ou que deixam dúvidas sobre a sua aplicação. Nesses casos, é importante recorrer aos
princípios da analogia e da equidade para preencher as lacunas e tomar decisões justas e equilibradas. Os
exemplos apresentados demonstram como a integração da lei penal pode ser aplicada na prática, sempre
com base em critérios de razoabilidade, proporcionalidade e justiça.

Ao lado de uma teoria geral da interpretação, tendo por objecto, principalmente, a consideração do
elemento formal da lei e das suas relações com as outras leis, existem tantas teorias particulares quanto
são os ramos do direito, as que visam, sobretudo, o conteúdo do preceito legal em relação aos
caracteres e aos fins de uma determinada esfera jurídica. Há pois, uma teoria especial de interpretação
da lei penal;

Quanto a origem, a interpretação pode ser:

a) Autêntica – Tendo forca obrigatória como a lei, a interpretação autentica desta pertence ao
poder legislativo, como

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