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Aluno Olivia Oliveira Guimarães


DIREITO PENAL PARTE GERAL CPF - 04326633123
PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

DEFINIÇÃO DO DIREITO PENAL

O Código Penal, porém, trata também das medidas de segurança, servindo-se delas como
sanção, razão pela qual preferimos conceituar o direito penal como o conjunto de princípios e
normas jurídicas estipuladas para combater o crime e a contravenção, através das penas e das
medidas de segurança.

DIREITO PENAL DO INIMIGO

CONCEITO

Direito Penal do Inimigo é o conjunto de princípios e normas elaboradas sem as garantias


materiais e processuais inerentes ao Estado Democrático de Direito, aplicáveis apenas aos criminosos
que registram perfil previamente definido, visando, com isso, a sua eliminação ou inocuização da
sociedade.
Foi idealizado pelo penalista alemão Gunther Jakobs, catedrático emérito de Direito Penal e
Filosofia do Direito pela Universidade de Bonn, Alemanha.

Referido penalista apregoa que devem existir duas espécies de direito penal, a saber:
a) direito penal normal ou do cidadão: é o que está de acordo com o Estado Democrático de
Direito, assegurando-se ao criminoso as garantias materiais e processuais, mantendo-o dentro da
normalidade do direito em atenção ao objetivo da pena, que é recuperá-lo e trazê-lo de volta ao
convívio social;
b) direito Penal do Inimigo: é o que se desvia dos princípios e das garantias jurídicas liberais do
Estado Democrático de Direito, constituindo um corpo punitivo especial no qual a pena não visa
recuperar o delinquente tachado de “inimigo”, e sim eliminá-lo ou inocuizá-lo do convívio social.

FONTES DO DIREITO PENAL

CONCEITO

No sentido jurídico, fonte indica a origem e a forma de manifestação da norma jurídica.


As fontes do direito subdividem-se em: fontes materiais e formais.

FONTES MATERIAIS

Fonte material, também chamada substancial ou de produção, é o órgão encarregado de


elaborar o direito penal.
A norma penal nasce do Poder Legislativo da União, pois compete à União legislar
privativamente sobre o direito penal (art. 22, I, da CF). Todavia, os Estados-Membros, desde que
autorizados por lei complementar, também podem legislar sobre questões específicas de direito
penal (CF, parágrafo único do art. 22).
No campo das normas penais não incriminadoras, admite-se que a consciência do povo, por
refletir as necessidades sociais e a realidade cultural, edite a chamada norma costumeira.
Resumindo: as fontes de produção do direito penal são a União e os Estados-Membros, que
elaboram a norma escrita (lei), bem como a consciência do povo, donde provém a norma

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costumeira.

FONTES FORMAIS

Fonte formal ou de cognição é a maneira pela qual se exterioriza o direito penal.

Distingue-se em:
a) fonte formal imediata: é a lei.
b) fonte formal mediata ou secundária: costume, princípios gerais do direito e ato
administrativo.

LEI PENAL

INTRODUÇÃO

A lei é a fonte formal mais importante do direito penal, pois só ela pode criar delitos e penas.

A lei penal incriminadora é estruturada da seguinte forma:


a) Preceito primário: contém a definição da conduta criminosa;
b) Preceito secundário: contém a sanção penal.

No delito de homicídio, por exemplo, o preceito primário é “matar alguém”, ao passo que o
preceito secundário se expressa na fórmula “pena: reclusão de seis a vinte anos”.

CLASSIFICAÇÃO DAS LEIS PENAIS

As leis penais classificam-se em:


1. Leis penais incriminadoras: são as que criam crimes e cominam penas. Estão contidas na
Parte Especial do CP e na legislação penal extravagante.

2. Leis penais não incriminadoras: são as que não criam crimes nem penas.
Subdividem-se em:

a) Leis penais permissivas: são as que autorizam o cometimento de certas condutas típicas.
Exemplos: legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular do direito e estrito cumprimento
do dever legal (art. 23 do CP). Ainda são encontradas na Parte Especial do CP, embora com escassez
(ex.: arts. 128 e 142).

b) Leis penais exculpantes: são as que estabelecem a inculpabilidade do agente ou a


impunidade de certas condutas típicas e antijurídicas. Exemplos: doença mental (art. 26, caput),
menoridade (art. 27), prescrição (art. l07, IV), perdão judicial (art. 107, IX) etc. Também existem na
Parte Especial do CP (ex.: arts. 312, § 3º, 1ª parte, 342, § 2º etc.).

c) Leis penais interpretativas: são as que esclarecem o conteúdo de outras leis. Exemplos: os
conceitos de “funcionário público” (art. 327) e “casa” (art. 150, § 4º); a que prevê a contagem de
prazo (art. 10); a que conceitua “causa” (art. 13, 2ª parte), etc.

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d) Leis penais de aplicação ou finais complementares: são as que fixam os limites da validade
das leis incriminadoras. Exemplos: arts. 2º e 5º do Código Penal.

e) Leis diretivas: são as que estabelecem os princípios de determinada matéria. Exemplo:


princípio da reserva legal (CP, art. 1º). Essas leis são mais fortes do que as demais. Com efeito, na
hipótese de dúvida acerca da adoção de uma ou outra interpretação, o hermeneuta deve adotar a
exegese que mais atenda ao princípio contido na sobredita lei diretiva.

3. Leis penais de extensão ou integrativas: são as que complementam a tipicidade do fato em


relação à tentativa e ao partícipe. Exemplos: arts. 14, II, e 29 do CP.
4. Leis penais completas: são as que definem todos os elementos da conduta criminosa.
Exemplo: art. 121 do CP.

5. Leis penais incompletas: são as que reservam o complemento da definição da conduta


criminosa a outra lei, a um ato administrativo ou ao magistrado. São as normas penais em branco e
os tipos penais abertos.

LEI PENAL EM BRANCO

Lei penal em branco é aquela cuja definição da conduta criminosa é complementada por outra
norma jurídica. Seu preceito secundário (sanctio juris) é completo, mas o preceito primário carece de
complementação. Classifica-se em:

a) Lei penal em branco em sentido lato ou fragmentária: ocorre quando o complemento


emana do mesmo órgão que elabora a norma incriminadora. Assim, no delito de apropriação de
tesouro, previsto no art. 169, parágrafo único, I, do CP, o complemento da lei penal é fixado pelo
Código Civil, quando define tesouro (arts. 1.264 a 1.266). Da mesma forma, no delito de contrair
casamento com violação dos impedimentos absolutos (art. 237 do CP), o complemento é fornecido
pelo Código Civil, que elenca esses impedimentos (art. 1.521). Note-se que o complemento, nesses
dois exemplos, emana do mesmo órgão que elabora a lei penal, qual seja, a União. De acordo com o
art. 22, I, da CF compete à União legislar sobre direito civil e direito penal.

b) Lei penal em branco em sentido estrito: ocorre quando o complemento emana de órgão
distinto daquele que elaborou a norma penal. Nos delitos da Lei n. 11.343/2006, o rol das substâncias
entorpecentes é especificado pelo Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e Farmácia, do
Ministério da Saúde.
O complemento da lei penal em branco passa a integrar a norma penal. É como se fosse “corpo
e alma”.
Finalmente, enquanto no tipo aberto a definição da conduta criminosa é complementada pelo
magistrado, na norma penal em branco o complemento advém de outra lei ou ato administrativo.

INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL

CONCEITO E OBJETO

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Interpretação é a atividade mental que procura estabelecer o conteúdo e significado contido na


lei.
A ciência que disciplina e orienta a interpretação das leis é chamada de hermenêutica jurídica.
Toda lei, por mais clara que seja, deve ser necessariamente interpretada. Sobremais, a clareza
só aflora após uma interpretação.

INTERPRETAÇÃO QUANTO AO SUJEITO

Quanto ao sujeito que a realiza, a interpretação pode ser: autêntica, doutrinária e judicial.

a) Interpretação autêntica ou legislativa: é a que emana do próprio legislador quando edita


uma norma com o objetivo de esclarecer o conteúdo de outra. É a chamada lei interpretativa. Essa
interpretação tem força obrigatória. Exemplos: o conceito de causa (art. 13 do CP) e o conceito de
funcionário público (art. 327 do CP). A interpretação autêntica pode ser:
 contextual: é a que se realiza no próprio texto da lei;
 posterior: é quando a lei interpretativa surge depois da lei interpretada.
A lei interpretativa posterior tem eficácia retroativa (ex tunc), ainda que milite contra o réu; só
não abrange os casos definitivamente julgados. A lei interpretativa não cria situação nova; ela
simplesmente torna obrigatória uma exegese que o juiz, antes mesmo de sua promulgação, já podia
adotar. Não há qualquer discrepância na doutrina no sentido de que a lei interpretativa posterior
retroage até a data da entrada em vigor da lei interpretada. Se, por exemplo, esta comporta duas
interpretações, uma favorável e outra prejudicial ao réu, o advento de uma lei interpretativa,
adotando a exegese gravosa, torna obrigatória a sua aplicação aos processos ainda não transitados
em julgado. Cumpre, porém, não confundir lei interpretativa, que simplesmente opta por uma
exegese razoável, que já era admitida antes de sua edição, com lei que cria situação nova, albergando
exegese até então inadmissível. Neste último caso, se prejudicial ao réu, não poderá retroagir.

b) Interpretação doutrinária ou científica: é a oriunda da doutrina, isto é, dos teóricos do


direito penal. Não tem força obrigatória.

c) Interpretação judicial ou jurisprudencial: é a realizada pelos magistrados na decisão do caso


concreto. Não tem força obrigatória, salvo para o caso concreto, quando a sentença que a adotou
transitar em julgado. É também obrigatória, vinculando todos os magistrados, a decisão do STF
declarando a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei, no controle por via de ação direta.
Já no controle por via de exceção, uma vez declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF, a
lei só perde a eficácia quando o Senado, por resolução, suspender sua aplicação.
A Exposição de Motivos do Código Penal não é interpretação autêntica, pois não é lei. É uma
simples interpretação doutrinária. Não tem, portanto, força obrigatória.

INTERPRETAÇÃO QUANTO AOS MÉTODOS

A interpretação é um processo unitário, desenvolvido, sucessivamente, por dois métodos: o


gramatical e o lógico.

a) Interpretação gramatical ou literal: prende-se à análise sintática das palavras, esclarecendo


se o termo foi empregado no sentido vulgar (ex.: animal — art. 164 do CP), jurídico (ex.: cheque - art.

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171, § 2º, VI, do CP) ou jurídico-penal (ex.: funcionário público - art. 327 do CP). A interpretação
lógica ou teleológica visa desvendar a finalidade da lei (ratio legis). De acordo com o art. 5º da Lei de
Introdução às normas do Direito Brasileiro, “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que
ela se dirige e às exigências do bem comum”.

b) Interpretação teleológica: na busca do verdadeiro escopo da lei, serve-se dos seguintes


elementos:
 Histórico: analisa a realidade social existente ao tempo da promulgação da lei, bem como os
trabalhos, discussões e debates que a antecederam. Todavia o que importa é o significado
atual da norma, e não o seu sentido pretérito.
 Sistemático: analisa a coerência entre a lei interpretada e os outros dispositivos legais,
buscando extrair uma harmonia entre ela e a ordem jurídica como um todo. Confronta-se a
lei interpretada com as outras, procurando harmonizá-la com o sistema jurídico. Uma lei não
deve ser interpretada isoladamente, mas em conjunto com as demais. Nessa interpretação, a
rubrica, isto é, o nomen juris do delito, acaba exercendo importante papel.
 Direito comparado: analisa a interpretação dada pelo direito estrangeiro sobre uma lei
semelhante à nacional.
 Extrajurídico: analisa o significado do termo à luz da medicina, filosofia, química etc.
Exemplos: as expressões “doença mental” (psiquiatria) e “veneno” (química).

INTERPRETAÇÃO QUANTO AO RESULTADO

Quanto ao resultado ou conclusão obtida, a interpretação pode ser: declaratória, extensiva,


restritiva e ab-rogante.

a) Interpretação declaratória: é a que apresenta coincidência entre o texto e a vontade da lei.


É uma interpretação normal, sem tropeços; nada há a suprimir ou acrescentar.

b) Interpretação extensiva: é a que amplia o texto da lei, adaptando-o à sua real vontade.
Ocorre quando a lei disse menos do que quis (minus dixit quam voluit). Exemplo: o art. 159 do CP,
que prevê o crime de extorsão mediante sequestro, contém também, implicitamente, o delito de
extorsão mediante cárcere privado. Na interpretação extensiva, o fato está implicitamente previsto
no texto da lei. É admissível o seu emprego até mesmo nas normas penais incriminadoras. Aplicam-
se, para justificar a interpretação extensiva, os argumentos da lógica dedutiva: a) argumento a
fortiori, se a lei prevê um caso deve estendê-la a outro caso em que a razão da lei se manifeste com
maior vigor; b) argumento a maiori ad minus, o que é válido para o mais deve também ser válido
para o menos; c) argumento a minori ad maius, o que é proibido para o menos é proibido para o
mais (ex.: se é crime a bigamia, com maior razão há de incriminar-se a poligamia).

c) Interpretação restritiva: é a que diminui a amplitude do texto da lei, adaptando-o à sua real
vontade. A lei disse mais do que quis (plus dixit quam voluit).

d) Interpretação ab-rogante: é aquela em que, diante da incompatibilidade absoluta e


irredutível entre dois preceitos legais ou entre um dispositivo de lei e um princípio geral do
ordenamento jurídico, conclui-se pela inaplicabilidade da lei interpretada.

O PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO REO”

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O princípio in dubio pro reo é característico do campo das provas, em que o juiz, na dúvida,
deve absolver o acusado. Excepcionalmente, porém, na análise das provas, vigora o princípio in dubio
pro societate: a) no momento do oferecimento da denúncia; b) no momento da sentença de
pronúncia; c) no julgamento da revisão criminal.
No concernente à interpretação das leis, o princípio in dubio pro reo não representa papel
importante. O juiz, na dúvida entre uma e outra interpretação, não é obrigado a escolher a exegese
mais favorável ao réu. Desde que ambas sejam igualmente razoáveis, o magistrado é livre para
decidir.
Se, todavia, pairar dúvida insolúvel sobre qual entre as interpre-tações possíveis é a mais
razoável, o juiz deve empregar o in dubio pro reo, acatando a exegese mais favorável. Frise-se,
porém, que apenas na hipótese de dúvida invencível pelos métodos hermenêuticos aplica-se, como
último recurso exegético, o princípio in dubio pro reo ou in dubio pro mitiore.

INTERPRETAÇÃO PROGRESSIVA

Interpretação progressiva, também chamada adaptativa ou evolutiva, é a que amolda a lei à


realidade atual. Na verdade, toda interpretação deve ser progressiva, sob pena de a lei desvirtuar-se
dos fins sociais e das exigências do bem comum.
É claro que a interpretação evolutiva não é direito livre. Com efeito, o juiz não pode criar
normas jurídicas; veda-lhe o princípio da separação dos Poderes. O intérprete, porém, deve adaptar
os termos da lei às concepções atuais.

INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA OU “INTRA LEGEM”

Admite-se a interpretação analógica quando o texto da lei abrange numa fórmula genérica os
fatos semelhantes aos enunciados numa fórmula casuística. Nesse caso, o intérprete, ainda que se
trate de norma penal incriminadora, deve estender o texto da lei ao fato semelhante.
O homicídio é qualificado se cometido: à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou
outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido (art. 121, § 2º, IV, do CP).
A fórmula casuística ou exemplificativa é composta pela traição, emboscada e dissimulação.
A fórmula genérica é composta pela expressão “ou outro recurso que dificulte ou torne
impossível a defesa do ofendido”. Assim, qualquer outro recurso que assuma esse perfil, como, por
exemplo, a surpresa, qualifica o homicídio.

DISTINÇÃO ENTRE ANALOGIA, INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA E INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA

→ Na analogia: o fato não está focalizado em lei, aplicando-se, por isso, a lei reguladora de
caso semelhante. Supre-se, destarte, a ausência ou lacuna da lei.
→ Na interpretação analógica: o fato está previsto na fórmula genérica da lei. Não há lacuna
na lei.
→ Na interpretação extensiva: o fato está previsto implicitamente no texto da lei. Aqui
também não há lacuna na lei.

ANALOGIA

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1. Integração do ordenamento jurídico


O legislador não poderia prever, de antemão, todas as hipóteses passíveis de ocorrência na
vida real. É, pois, natural que a lei contenha lacunas.
Na ausência ou lacuna da lei, surgem os mecanismos de integração do ordenamento jurídico:
analogia, costumes e princípios gerais do direito. Sobre os dois últimos já tivemos oportunidade de
falar, restando ainda a abordagem da analogia.
O direito não tem lacunas porque ele não se expressa apenas através da lei. Esta, sim, pode ser
lacunosa e até ausente na disciplina do caso concreto.
Analogia, costumes e princípios gerais do direito são outras formas de expressão do direito,
aplicáveis somente na ausência ou lacuna da lei.
Efetivamente, dispõe o art. 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro:
“Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito”.
A integração da lei penal, porém, só acontece no campo das normas não incriminadoras, que
beneficiam o réu. O nullum crimen, nulla poena sine lege impede que, na ausência ou lacuna da lei,
o delito seja criado pela analogia, costumes ou princípios gerais do direito.

2. Conceito e fundamento
A analogia é a aplicação, ao caso não previsto em lei, de lei reguladora de caso semelhante.
Não se trata de mera interpretação da lei, mas, sim, de um mecanismo de integração do
ordenamento jurídico.
O fundamento da analogia é o argumento pari ratione, da lógica dedutiva, segundo o qual
para a solução do caso omisso aplica-se o mesmo raciocínio do caso semelhante.

3. Espécies de analogia
A analogia pode ser: in malam partem e in bonam partem.
Analogia in malam partem é a que aplica ao caso omisso uma lei prejudicial ao réu,
reguladora de caso semelhante. É impossível empregar essa analogia no direito penal moderno,
que é pautado pelo princípio da reserva legal. Sobremais, a lei que incrimina restringe direitos. De
acordo com a hermenêutica, lei que restringe direitos não admite analogia.
Analogia in bonam partem é a que aplica, ao caso omisso, lei benéfica ao réu, reguladora de
caso semelhante. Admite-se o seu emprego no âmbito penal, salvo em relação às normas
excepcionais.
Efetivamente, normas excepcionais são as que disciplinam de modo contrário à regra geral,
abrindo-lhe exceções. De acordo com a hermenêutica, a lei excepcional não admite analogia. Por
exemplo, o rol do §2º do art. 348 do CP, que, no delito de favorecimento pessoal, isenta de pena o
ascendente, descendente, cônjuge ou irmão do criminoso, não pode ser ampliado para isentar
também o sobrinho. Trata-se, sem dúvida, de lei excepcional, uma vez que disciplina de modo
contrário à regra geral de que quem comete um delito deve responder por ele. Outra norma
excepcional é a prevista no art. 128, II, do CP, que isenta de pena o médico que realiza aborto
quando a gravidez resulta de estupro. Deve ser vedada a sua aplicação ao aborto em que a gravidez
é resultante de violação sexual mediante fraude (art. 215 do CP).
Por outro lado, as causas de exclusão da antijuridicidade ou culpabilidade, previstas na Parte
Geral do Código, não são normas excepcionais, pois seus preceitos são aplicáveis a todo o
ordenamento jurídico-penal. Admitem, por isso, a analogia in bonam partem. Algumas normas da
Parte Especial também têm caráter geral, como, por exemplo, o perdão judicial previsto para o
homicídio culposo ou lesão culposa (arts. 121, §5º, e 129, § 8º), que, por isso mesmo, deve ser

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aplicado analogicamente aos delitos de homicídio culposo e lesão culposa disciplinados no Código
de Trânsito.
Do exposto se conclui que, no direito penal, a analogia é admitida apenas em relação às
normas não incriminadoras benéficas ao réu (in bonam partem), desde que não se trate de normas
excepcionais.
O STF, entretanto, na ADO 26 e MI 4.733, equiparou a homofobia e a transfobia ao crime de
racismo, através da analogia “ in malam partem”, disfarçada de argumentações jurídicas baseadas,
sobretudo, no princípio da isonomia e na proibição do preconceito, em flagrante violação ao
princípio da reserva legal. A Excelsa Corte reconheceu expressamente a mora legislativa, ou seja, a
omissão da lei em relação à criminalização da homofobia e transfobia, ato contínuo, decidiu pela
aplicação da lei de racismo, que rege hipóteses semelhantes. O pressuposto da analogia é a
omissão da lei, mas, em matéria penal, não se pode fazer analogia “in malam partem”, sob pena de
violação do princípio da reserva legal, que é uma cláusula pétrea. Ademais, a rigor, tanto a
homofobia quanto a transfobia, é um preconceito relacionado à opção sexual e, dessa forma, não
havia omissão, pois os preconceitos relacionados ao sexo são expressamente tipificados como
contravenção penal, conforme lei 7437/1985.
A doutrina ainda costuma distinguir a analogia em legal e jurídica. A primeira aplica ao caso
omisso lei que regula caso seme-lhante. A segunda aplica ao caso omisso um princípio geral do
direito. A analogia jurídica distingue-se da aplicação direta do princípio geral do direito. Com efeito,
na analogia jurídica, aplica-se ao caso não previsto em lei um princípio geral do direito que rege
caso semelhante. Já o princípio geral do direito é aplicado diretamente ao caso omisso.

PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Abre-se o Código Penal com o princípio da reserva legal do crime ou da pena, redigido nos
seguintes termos:
“Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.
Verifica-se que a lei é a fonte única da criação dos delitos e das penas. O nosso Código
consagra a famosa máxima nullum crimen, nulla poena sine lege. Com isso, o arbítrio judicial, a
analogia, os costu-mes e os princípios gerais do direito não podem instituir delitos ou penas.
Entretanto, o STF equiparou a homofobia e transfobia ao crime de racismo, realizando, no fundo, a
analogia “in malam partem”, embora tenha invocado os princípios da isonomia e da proibição do
preconceito (ADO 26 e MI 4.733).
Sobre a origem do princípio da reserva legal, malgrado formulado em latim, prevalece a tese
de que teria surgido na Magna Carta do Rei João Sem Terra, em 1215, na Inglaterra. Mas há quem
proclame que as suas raízes encontram-se no direito ibérico, nas Cortes de Leão, em 1186, no
reinado de Afonso IX.
Não obstante o seu antigo traçado rudimentar, o certo é que na Idade Média permitia-se a
criação de crime por meio da analogia, do arbítrio judicial e do arbítrio do rei. Não se seguia a
regra nullum crimen, nulla poena sine lege, de modo que não havia liberdade de agir.
Foi somente no século XVIII que Montesquieu, em sua famosa obra O espírito das leis (1748),
dando sequência às ideias iniciadas por John Locke, no século XVII, desenvolveu a teoria da
separação dos Poderes, proibindo a analogia penal. Montesquieu dizia que só a lei pode proibir, e o
que não é proibido é permitido, dando assim inegável contribuição ao desenvolvimento do conceito
de liberdade.

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Beccaria, na obra Dos delitos e das penas, também preconiza que só as leis podem fixar as
penas de cada delito e que o direito de fazer as leis penais é tarefa exclusiva do legislador.
Todavia, com a nitidez atual surgiu o princípio da reserva legal, pela primeira vez, apenas na
legislação austríaca de 1787.
A Revolução Francesa, dois anos mais tarde, sob a influência da doutrina da divisão dos
Poderes de Montesquieu, consagrou-o na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26
de agosto de 1789. E, a partir de então, não se conteve mais a expansão do princípio, que se
generalizou, instalando-se nas Constituições de diversos países, chegando ao Brasil pelo texto da
Constituição do Império, em 1824, reproduzido pelas Constituições de 1891, 1934, 1937, 1946,
1967 e 1969. Na Constituição vigente, o princípio está consagrado no art. 5º, XXXIX.
No Brasil, o nullum crimen, nulla poena sine lege tem sido, tradicionalmente, um princípio
constitucional e uma norma de direito penal. Além de figurar entre as garantias constitucionais,
sempre foi texto expresso no art. 1º de nossos Códigos, desde o Código Criminal de 1830 até o
Código Penal vigente.
O princípio da reserva legal é reforçado pela regra do nulla poena sine juditio (não há pena
sem julgamento). A exigência do devido processo legal obstaculiza a criação da chamada norma-
sentença, que impõe pena sem julgamento. O direito penal moderno é de coação indireta,
porquanto não se pode impor pena sem o due process of law.

FUNDAMENTO JURÍDICO. PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE

O tipo penal incriminador deve conter um mínimo de determinação na definição da figura


típica. Deve, porém, fixar com precisão a sanctio juris aplicável.
A incriminação genérica, vaga e indeterminada de certos fatos viola o princípio da legalidade. O
tipo penal deve estabelecer taxativamente o mínimo necessário para se identificar aquilo que é
penalmente ilícito (princípio da taxatividade ou determinação). Assim, o princípio da taxatividade,
também denominado princípio da determinação, ou taxatividade-determinação, ou princípio da
certeza, ou ainda do mandato de certeza, consiste na obrigatoriedade de a lei descrever com clareza
os elementos essenciais da conduta criminosa, abstendo-se da elaboração de tipos genéricos ou
vazios. O princípio da taxatividade deve ainda irradiar sobre a cominação da pena, que deve ser
determinada quanto à espécie e aos limites mínimo e máximo (margens penais).
A incriminação vaga e indeterminada, desprovida do mínimo de determinação, viola o nullum
crimen nulla poena sine lege.

O PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL E AS ESPÉCIES NORMATIVAS

O processo legislativo, nos termos do art. 59 da Constituição Federal, compreende a


elaboração de:
 emendas à Constituição;
 leis complementares;
 leis ordinárias;
 leis delegadas;
 medidas provisórias;
 decretos legislativos;
 resoluções.

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A tarefa de definir crimes e contravenções, cominando as respectivas penas, é precípua da lei


ordinária. Entretanto, as emendas constitucionais e leis complementares também podem definir
infrações e cominar penas.
No concernente às leis complementares, cumpre lembrar que a Constituição especifica as
matérias que elas podem versar (art. 61). Uma lei complementar baixada fora dos casos previstos na
Constituição, na verdade, não passará de uma lei ordinária e como tal deverá ser considerada.
Já as leis delegadas, que são aquelas elaboradas pelo Presidente da República mediante
solicitação de autorização ao Congresso Nacional, não podem criar delitos e penas, pois o art. 68, §
1º, II, da CF preceitua que não serão objeto de delegação a legislação sobre “direitos individuais”. Os
direitos individuais estão elencados no art. 5º da Constituição Federal. E um desses direitos é: “não
há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art. 5º, XXXIX). A
palavra “lei” está aí empregada em sentido restrito para abranger tão somente a lei ordinária. De
nada valeria a cláusula de reserva de lei se a matéria reservada pudesse ser veiculada por lei
delegada ou medida provisória.
Igualmente, as medidas provisórias também não podem criar infrações penais, pois, como
vimos, é vedada a sua edição sobre matéria de direito penal (CF, art. 62). Se, não obstante a vedação
constitucional, o Presidente da República baixar uma medida provisória e o Congresso Nacional
convertê-la em lei, a nulidade será absoluta, pois o vício de inconstitucionalidade é insanável.
Por outro lado, decretos legislativos e resoluções são editados apenas para disciplinar os
assuntos internos das Casas Legislativas, não podendo versar sobre direito penal. Em contrapartida,
emendas constitucionais podem criar delitos, porquanto situam-se num nível hierarquicamente
superior à lei ordinária.
Finalmente, lei estadual pode versar sobre questões específicas de direito penal, consoante se
depreende do parágrafo único do art. 22 da Lei Maior. Entende-se por questões específicas aquelas
pertinentes a um determinado Estado-Membro ou a certas regiões do País. Com efeito, a destruição
da vitória-régia pode ser incriminada por leis do Estado do Amazonas. O desperdício de água pode
ser incrimi-nado pelos Estados do Nordeste alcançados pela seca. Urge, porém, para que tal suceda
que uma lei complementar autorize a edição das leis estaduais. Vê-se, assim, que o direito penal
perdeu o seu caráter unitário. Com efeito, admite-se a existência de dois tipos de direito penal: o
geral e o local. O primeiro é privativo da União; o segundo advém dos Estados-Membros. O primeiro
é pertinente a todo o território nacional, ao passo que o segundo aborda questões de interesse
preponderante a determinado Estado-Membro ou região do País.

O PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL E AS NORMAS PENAIS NÃO INCRIMINADORAS

O princípio da reserva legal não se aplica às normas penais não incriminadoras. Admite-se
assim a existência de causas supralegais de exclusão da antijuridicidade, que são aquelas criadas pela
analogia, costumes e princípios gerais do direito, aumentando, destarte, o campo de licitude do
ordenamento jurídico. Medidas provisórias e leis delegadas também podem versar sobre normas
penais não incriminadoras.
É certo, pois, que o art. 62, § 1º, I, b, da CF proíbe medidas provisórias sobre matéria de direito
penal. A nosso ver, a Magna Carta disse mais do que quis, razão pela qual deve ser interpretada
restritivamente, circunscrevendo-se a proibição às normas penais incriminadoras. Com efeito, as
normas penais não incriminadoras podem nascer até dos costumes, de modo que nada obsta a sua
veiculação pela medida provisória e lei delegada.

PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE

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Dispõe o art. 1º do CP:

“Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.

O art. 1º do CP aloja dois princípios: o da reserva legal, já comentado, e o da anterioridade.


A lei que cria o crime e a pena ou medida de segurança deve ser anterior ao fato que se
pretende punir.
A lei penal não pode retroagir para prejudicar o réu. Não haveria garantia de liberdade se a
punição pudesse abranger condutas anteriores à vigência da lei penal incriminadora. Esta só é
aplicável aos fatos cometidos após a sua entrada em vigor. É vedada a sua aplicação até mesmo em
relação aos fatos praticados durante a vacatio legis.

A LEI PENAL NO TEMPO

CONFLITOS DE LEIS PENAIS NO TEMPO

O direito intertemporal é o conjunto de princípios e de normas que solucionam os conflitos de


leis no tempo.
Ocorre a sucessão de leis quando uma nova lei entra em vigor ab-rogando ou derrogando a
anterior.
Em regra, o conflito é solucionado pela máxima tempus regit actum, isto é, aplica-se a lei
vigente ao tempo do crime. Se, porém, a nova lei beneficiar o réu, impõe-se a sua retroatividade.
Retroatividade significa a aplicação da lei a fatos ocorridos antes da sua vigência.
A retroatividade da lei penal que beneficia o réu é mandamento constitucional (art. 5º, XL, da
CF). Nesse caso, a retroatividade é automática e independe de cláusula expressa, alcançando
inclusive os fatos já definitivamente julgados. É a única lei capaz de retroagir em detrimento da coisa
julgada.

Pode-se dar a retroatividade da lei penal benéfica em duas hipóteses: abolitio criminis e
novatio legis in mellius:

1) Abolitio criminis

Dá-se a abolitio criminis quando a nova lei torna atípico o fato incriminado. Tal ocorreu, por
exemplo, com a lei revogadora do delito de sedução (Lei n. 11.106/2005). Nesse caso, o agente não
pode ser punido, devendo ser decretada a extinção da punibilidade, se houver inquérito policial ou
processo em andamento (CP, art. 107, III). Se ainda não foi instaurado o inquérito, não poderá mais
sê-lo.
A abolitio criminis está prevista no art. 2º, caput, do CP, que assim dispõe:
“Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em
virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória”.
De acordo com o Código Penal, a abolitio criminis tem a natureza jurídica de causa extintiva da
punibilidade (art.107, III). O Estado perde a possibilidade de aplicar pena ou medida de segurança ao
agente. Trata-se, a nosso ver, de uma causa de exclusão da tipicidade.
A abolitio criminis atinge apenas a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.
Exclui, aliás, todos os efeitos penais, de modo que a sentença condenatória é considerada

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inexistente, não podendo prevalecer para efeito de reincidência, de maus antecedentes ou de


qualquer outro efeito penal.
Perduram, entretanto, os efeitos de natureza civil da sentença penal condenatória, de tal modo
que o réu continua obrigado a reparar o dano causado pelo delito (CP, art. 91, I). Assim, a sentença
condenatória transitada em julgado continua valendo como título executivo na esfera cível (art. 515,
VI, do CPC/2015).

2) Novatio legis in mellius

Está disciplinada no parágrafo único do art. 2º do CP, que assim estabelece:


“A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores,
ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”.
Novatio legis in mellius ocorre quando a lei posterior, mantendo a incriminação do fato, torna
menos grave a situação do réu. Exemplos: a) lei que comina pena menos rigorosa; b) lei que comina
circunstâncias atenuantes; c) lei que cria causas extintivas da antijuridicidade, culpabilidade e
punibilidade; d) lei que facilita a obtenção do sursis ou livramento condicional; e) lei que transforma
o crime em simples contravenção etc.
Em suma, a lei posterior que de qualquer modo favorecer o réu é uma novatio legis in mellius.
A expressão “qualquer modo” é para indicar qualquer outra circunstância que não seja a abolitio
criminis (art. 2º, caput).
No tocante à competência para aplicação da novatio legis in mellius, segue-se o mesmo critério
da abolitio criminis (art. 66, I, da LEP e Súmula 611 do STF). Após o trânsito em julgado, se a
aprecia-ção da matéria depender de dilação probatória, a medida cabível será a revisão criminal.

COMBINAÇÃO DE LEIS

Pode acontecer que as duas leis em conflito apresentem pontos favoráveis e prejudiciais ao
réu. Surge então o problema da combinação das partes benéficas de cada uma das leis, aplicando-se,
destarte, ao acusado o texto combinado favorável (lex tertia).
Variam profundamente as opiniões. Nélson Hungria adverte que “não podem ser entrosados
os dispositivos mais favoráveis da lex nova com os da lei antiga, pois, de outro modo, estaria o juiz
arvorando em legislador, formando uma terceira lei, dissonante, no seu hibridismo, de qualquer das
leis em jogo”.
Outros, ao revés, tomam a defesa da combinação das leis, salientando-lhe as vantagens que é
capaz de proporcionar ao réu. Frederico Marques preconiza: “Dizer que o juiz está fazendo lei nova,
ultrapassando assim suas funções constitucionais, é argumento sem consistência, pois o julgador, em
obediência a princípios de equidade consagrados pela própria Constituição, está apenas
movimentando-se dentro dos quadros legais para uma tarefa de integração perfeitamente legítima”.
O STJ, no entanto, em matéria de tráfico de drogas, vedou a combinação de leis, autorizando o
juiz a aplicar, na íntegra, a nova lei ou a lei anterior. Com efeito, dispõe a súmula 501 do STJ: “É
cabível a aplicação retroativa da Lei 11.343/06, desde que o resultado da incidência das suas
disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei 6.368/76,
sendo vedada a combinação de leis”. A pena mínima para o crime de tráfico de drogas, prevista na lei
anterior, era menor do que aquela estipulada pela nova lei. Esta, contudo, possui uma causa de
redução de pena (art. 33, §4º) que não era prevista na lei antiga. Desse modo, a combinação
consistia na pena mínima da lei antiga e a causa de diminuição de pena da nova lei. Esta prática,
porém, acabou sendo vedada pelo STJ, mas o tema ainda é polêmico no STF.

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“NOVATIO LEGIS” INCRIMINADORA E “NOVATIO LEGIS IN PEJUS”

Ocorre a novatio legis incriminadora quando uma nova lei considera crime fato até então
atípico.
Já na novatio legis in pejus, a nova lei agrava as consequências jurídico-penais do fato
criminoso existente, sem criar um novo tipo penal incriminador. Citemos alguns exemplos: a)
agravação da pena ou medida de segurança; b) exclusão de circunstâncias atenuantes ou de causas
de diminuição de pena; c) inclusão de agravantes, causas de aumento de pena e qualificadoras; d)
aumento dos requisitos para obtenção do sursis ou livramento condicional; e) aumento do prazo de
prescrição; f) exclusão de causas excludentes da ilicitude, culpabilidade ou punibilidade; g) imposição
do regime fechado de cumprimento de pena.
As leis penais severas não podem ter força retroativa. A irretroatividade da lex gravior é
consagrada na Constituição Federal (art. 5º, XL).

LEI TEMPORÁRIA OU EXCEPCIONAL

Considerações gerais
Reza o art. 3º do CP:

“A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as


circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência”.

O dispositivo supra prevê a regra da ultratividade das leis temporárias e excepcionais, que
consiste na aplicação da lei penal aos fatos praticados sob a sua vigência, embora o julgamento se
efetue depois.

 Temporária: é a lei promulgada para ter vigor somente dentro de certo período de tempo,
previamente fixado pelo legislador.
 Excepcional: é a lei promulgada para ter vigor enquanto persistir certa situação anormal
(terremoto, guerra, estado de sítio, inflação etc.).

Na lei temporária o termo ad quem é expressamente definido em data certa do calendário, ao


passo que na lei excepcional está ele condicionado à duração das circunstâncias extraordinárias.
A lei temporária é revogada pelo decurso do período de sua duração, e a lei excepcional, pela
cessação das circunstâncias que a determinaram. Na área penal, costuma-se dizer que essas leis são
autorrevogáveis, isto é, revogam-se automaticamente e independentemente do advento de uma
nova lei. Fora do direito penal, porém, os autores costumam designar esse fenômeno de caducidade,
abstendo-se de utilizar a expressão autorrevogação. Com efeito, caducidade é a ineficácia de uma lei
em razão da superveniência de uma situação cronológica ou factual, que retira a sua validade. A
questão é de perda da eficácia, e não propriamente da vigência, tendo em vista que a revogação só
pode operar-se quando sobrevém uma nova lei. Tomemos como exemplos de leis excepcionais os
crimes militares em tempo de guerra e os crimes eleitorais. Cessada a guerra ou a eleição, a lei não
perde a vigência, mas a eficácia, tanto é que, ressurgindo a guerra e a eleição, restaura-se a eficácia
da lei que estava suspensa. Se tivesse ocorrido a perda da vigência, haveria a necessidade de
elaboração de uma nova lei.

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TEMPO DO CRIME

Considerações gerais

Determina o art. 4º do CP: “Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão,


ainda que outro seja o momento do resultado”.

Ateve-se nosso Código à lição de que é no momento da conduta (ação ou omissão) que o
sujeito manifesta a sua vontade de violar a norma penal.
Existem três teorias a respeito do tempo do crime:
a) teoria da atividade;
b) teoria do resultado;
c) teoria mista.

A teoria da atividade: fixa o tempo do crime no momento em que o agente executa a conduta
criminosa.
A teoria do resultado (do evento, ou do efeito): considera que tempo do crime é o momento
do seu resultado.
A teoria mista (ou da ubiquidade): determina que o tempo do crime é tanto a data da conduta
como a data do resultado.
O Código Penal consagrou a teoria da atividade (art. 4º). Se se adotasse a teoria do resultado
ou a teoria mista, o sujeito que praticasse uma conduta lícita poderia ser punido na hipótese de a
consumação ocorrer após a entrada em vigor da lei penal incriminadora do fato.

A teoria da atividade, contudo, apresenta duas exceções. Com efeito, para fins de prescrição e
decadência, o tempo do crime não é o momento da conduta. De fato, a prescrição, em regra, começa
a fluir a partir da consumação do crime, enquanto a decadência tem por termo inicial a data em que
a vítima toma conhecimento da autoria do delito.

EFEITOS

Coerentes com a teoria da atividade, deparam-se as seguintes aplicações:


a) Aplica-se a lei vigente ao tempo da conduta, salvo se a do tempo do resultado for mais
benéfica.
b) A imputabilidade é aferida ao tempo da conduta. Não se pode assim punir criminalmente o
adolescente que, às vésperas de completar 18 anos, atira na vítima, que vem a falecer depois de ele
atingir a maioridade penal.
c) No crime permanente em que a conduta se tenha iniciado sob a vigência de uma lei,
prosseguindo sob o império de outra, aplica-se a lei nova, ainda que mais severa. É que no crime
permanente há uma persistente ofensa ao bem jurídico, pois a conduta continua sendo executada
após a entrada em vigor da nova lei. Por exemplo: “A” sequestra a vítima com o fim de obter certa
soma em dinheiro como preço do resgate. Alguns dias depois do sequestro, entra em vigor nova lei
aumentando a pena do art. 159 do CP. Se por ocasião da vigência dessa nova lei a vítima ainda
estiver sob o domínio do sequestrador, aplica-se a nova lei; se, porém, já tiver sido libertada, aplica-
se a lei anterior, que é mais benéfica.
d) No crime continuado em que os fatos anteriores já eram punidos, tendo ocorrido mera

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agravação da pena, aplica-se a lei nova a toda a série delitiva, desde que sob o seu império a conduta
antijurídica continue sendo praticada. Assim, persistindo na conduta criminosa, a nova lei abarcará
toda a série de delitos, pois o crime continuado, para efeito de aplicação da sanctio juris, é
considerado uma unidade delitiva. A propósito, dispõe a Súmula 711 do STF: “A lei penal mais grave
aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se sua vigência é anterior à cessação da
continuidade ou da permanência”.

LEI PENAL NO ESPAÇO

PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE

Preceitua o art. 5º do CP: “Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e
regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional”.
A regra, portanto, é a de que se aplica a lei brasileira aos crimes cometidos no território
nacional.
De acordo com o princípio da territorialidade, a lei penal brasileira só é aplicável aos crimes
cometidos dentro do nosso território.
Abrem-se diversas exceções ao princípio da territorialidade, que, no Brasil, não é adotado de
maneira absoluta, mas de forma temperada.
Há casos em que a lei penal brasileira é aplicada aos crimes cometidos no exterior
(extraterritorialidade). Há também casos em que a lei penal estrangeira é aplicada aos crimes
cometidos no Brasil (intraterritorialidade).

PRINCÍPIO DA PERSONALIDADE (OU DA NACIONALIDADE) E PRINCÍPIO DO DOMICÍLIO

De conformidade com o princípio da personalidade, aplica-se a lei penal da nacionalidade do


agente. Se, por exemplo, um brasileiro comete um crime na Itália, terá incidência a lei penal de
nosso país.
O princípio da personalidade subdivide-se em: personalidade ativa e personalidade passiva.
Na personalidade ativa, o agente é punido de acordo com a lei de seu país,
independentemente da nacionalidade do sujeito passivo e do bem jurídico ofendido. Esse princípio
é adotado no art. 7º, I, d, e II, b, do Código.
O princípio da personalidade passiva é aplicado quando a vítima do delito é nacional. Nesse
caso, o autor do delito, conquanto estrangeiro, deverá ser julgado de acordo com a lei brasileira.
Esse princípio é adotado no § 3º do art. 7º do CP.

PRINCÍPIO DA DEFESA

É também chamado princípio real ou da proteção.


De acordo com esse princípio, aplica-se a lei penal a que pertencer o bem jurídico lesado ou
exposto a perigo de lesão com a prática do crime, qualquer que seja a nacionalidade do agente e o
locus delicti.
O princípio da defesa é adotado no art. 7º, I, a, b e c, do CP.

PRINCÍPIO DA JUSTIÇA PENAL UNIVERSAL

Também chamado princípio da justiça cosmopolita, esse princípio determina a aplicação da lei

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penal do país em que se encontra o criminoso, qualquer que seja a nacionalidade do agente, o locus
delicti ou o bem jurídico atingido.
Fundamenta-se no dever de solidariedade na repressão de certos delitos cuja punição
interessa a todos os povos.
O princípio da justiça universal é adotado no art. 7º, II, a, do CP.

PRINCÍPIO DA REPRESENTAÇÃO

É também denominado princípio do pavilhão (ou da bandeira) e princípio subsidiário (ou da


substituição).
Determina a aplicação da lei penal a que pertencer a aeronave e embarcações privadas em
que o crime tenha sido cometido. Aplica-se, destarte, a lei penal da nacionalidade do meio de
transporte privado (aeronaves e embarcações) em que ocorreu o crime.
O princípio da representação é adotado no art. 7º, II, c, do CP.

CONCEITO DE TERRITÓRIO

Dispõe o art. 5º, caput, do CP:


“Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito
internacional, ao crime cometido no território nacional”.
Como vimos anteriormente, em todo crime praticado no território nacional, salvo raríssimas
exceções, aplica-se a lei penal brasileira. É a adoção do princípio da territorialidade.
O território brasileiro compreende:
a) o espaço territorial delimitado pelas nossas fronteiras, sem solução de continuidade,
inclusive rios, lagos, mares interiores e ilhas;
b) o mar territorial, ou marginal, que corre ao longo da costa como parte integrante do
território brasileiro e que tem uma faixa de doze milhas marítimas de largura (art. 1º da Lei n.
8.617/93); a nossa soberania alcança também o leito e o subsolo do mar territorial;
c) o espaço aéreo;
d) os navios e aeronaves, de natureza particular, em alto-mar ou no espaço aéreo
correspondente ao alto-mar;
e) os navios e as aeronaves, de natureza pública, onde quer que se encontrem.
O que se entende por território brasileiro por extensão? O § 1º do art. 5º do CP responde:
“Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e
aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se
encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade
privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar”.
Diante do expendido, verifica-se que o território brasileiro por extensão se agrupa em:
a) Embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo
brasileiro, mesmo que se achem em país estrangeiro ou em alto-mar. Assim, a justiça brasileira é a
competente para o processo e julgamento dos delitos ali perpetrados.
b) Embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza privada, quando em alto-mar ou no
espaço aéreo correspondente ao alto-mar. Se, no entanto, não estiverem em alto-mar, mas surtos
em mar territorial estrangeiro ou sobrevoando o espaço aéreo de país estrangeiro, aplica-se a lei
penal do país em que se encontram. Todavia, se o agente for brasileiro, ou então se um estrangeiro
cometer delito contra brasileiro ou contra um dos bens jurídicos previstos no art. 7º, I, do CP,

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conforme veremos oportunamente, a nossa justiça julgará o delito.


Finalmente, no que tange ao domínio aéreo, há três teorias:
a) da absoluta liberdade do ar, que preconiza a utilização do espaço aéreo por todos os países;
nenhum Estado poderia ter o domínio exclusivo do espaço aéreo;
b) da soberania até a altura dos prédios mais elevados do país subjacente;
c) da absoluta soberania do país subjacente. Segundo essa teoria, o país exerce exclusiva
soberania sobre o espaço aéreo acima de seu território e respectivas águas jurisdicionais.
O Brasil adotou esta última teoria (art. 11 da Lei n. 7.565/86).

LUGAR DO CRIME (“LOCUS DELICTI”)

Prescreve o art. 6º do CP:


“Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em
parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado”.
O dispositivo supra cuida do problema da validade no espaço da lei penal brasileira. Procura
solucionar as dúvidas suscitadas pelos denominados crimes à distância, que são aqueles em que a
conduta é perpetrada num país e o resultado produzido noutro. Por exemplo, um cidadão
brasileiro, do território nacional, atira e mata um boliviano, na fronteira Brasil-Bolívia, que se
encontra em solo boliviano.
Segundo a teoria da ubiquidade, lugar do crime é aquele em que ocorreu a conduta ou o
resultado, ou ainda o lugar do bem jurídico a ser atingido. No exemplo acima, o crime teria sido
cometido tanto no Brasil como na Bolívia. Note-se que, de acordo com essa teoria, o Brasil é o lugar
do crime ainda que a conduta e o resultado aqui não se verifiquem, bastando o fato de o bem
jurídico atacado situar-se em nosso país.
Adotou o Código Penal a teoria pura da ubiquidade (art. 6º), evitando, assim, o conflito
negativo de jurisdição, que as duas primeiras teorias poderiam gerar. Efetivamente, quando o
Estado em que se realiza a conduta adota a teoria do resultado, e aquele em que se produz o evento
adota a teoria da atividade, ocorre a impunidade do delinquente.
De acordo com a teoria da ubiquidade, para se aplicar a lei penal brasileira basta que um
único ato executório, dos diversos realizados pela conduta criminosa, toque em nosso território ou,
então, que o resultado aqui se verifique. Se, por exemplo, do Paraguai, um cidadão paraguaio envia
pelo correio uma bomba endereçada a um cidadão argentino, passando a bomba pelo correio
brasileiro, o Brasil dispõe de legitimidade para o julgamento do crime, porquanto uma parcela dos
atos executórios realizou-se em nosso país. Aliás, pela teoria da ubiquidade considera-se o crime
praticado nos três países.
No tocante à tentativa, o lugar do crime compreende aquele em que se desenvolveram os
atos de execução e também aquele onde deveria produzir-se o resultado. Não se considera a
intenção do agente, isto é, o lugar do crime não é aquele onde o agente desejava que ocorresse o
resultado, mas onde, de fato, teria se produzido o resultado se não fosse a presença de
circunstâncias alheias à vontade do agente.

EXTRATERRITORIALIDADE INCONDICIONADA

A extraterritorialidade incondicionada é regulada pelo art. 7º, I, do CP. Nesse caso, a simples
prática do delito no exterior já autoriza a aplicação da lei penal brasileira, independentemente de
qualquer outro requisito. O julgamento no Brasil não está condicionado ao não julgamento no
exterior, nem tampouco ao ingresso do delinquente no território brasileiro. A lei penal brasileira não

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é subsidiária em relação a esses delitos. Ainda que tenha sido aplicada a lei penal estrangeira,
impondo condenação ao criminoso, o Brasil dispõe de competência para julgar o agente.
De acordo com o art. 7º, I, ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro, os
seguintes crimes:
a) Contra a vida (v. g., homicídio) ou a liberdade (v. g., ameaça, sequestro etc.) do Presidente
da República.
b) Contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, do Estado, de Território,
de Município, de empresa pública, de sociedade de economia mista, autarquia ou fundação
instituída pelo Poder Público. Esses delitos estão definidos nos arts. 289 a 311 do Código Penal.
c) Contra a Administração Pública, por quem está a seu serviço. Tais delitos estão previstos nos
arts. 312 a 326 do Código Penal.
d) De genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil. O crime de genocídio
está previsto na Lei n. 2.889/56. Se o agente não for brasileiro, a nossa lei só é aplicada se a vítima
for brasileira, mas daí a extraterritorialidade será condicionada (art. 7º, § 3º, do CP).
Em relação a esses delitos, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou
condenado no estrangeiro (art. 7º, § 1º, do CP). Mas a pena cumprida no estrangeiro atenua a pena
imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas (art.
8º do CP).

EXTRATERRITORIALIDADE CONDICIONADA

A lei penal brasileira é subsidiária quanto aos crimes cometidos no estrangeiro referidos no
art. 7º, II, e § 3º, do CP. Nesses delitos, além de outras condições, exige-se, para aplicação da lei
penal brasileira, que o agente entre no território nacional.
Os delitos sujeitos à extraterritorialidade condicionada são os seguintes:
1º) Os que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir. São os denominados
delitos internacionais, ou delicta juris gentium, cujo interesse em puni-los ultrapassa as fronteiras de
qualquer país, razão pela qual foi adotado, em relação a eles, o princípio da justiça universal. Por
diversas convenções e tratados internacionais o Brasil se comprometeu a punir certos delitos, tais
como: tráfico de pessoas, comércio clandestino e tráfico de entorpecentes, danificação ou
destruição de cabos submarinos, difusões de publicações obscenas e pirataria.
2º) Os praticados por brasileiro no estrangeiro. Acolheu-se o princípio da personalidade ativa.
Ainda que a vítima ou o bem jurídico lesado seja estrangeiro, aplica-se a lei penal brasileira. A
punição não se estende às contravenções. Aliás, a lei penal brasileira só é aplicável à contravenção
praticada no território nacional (art. 2º da LCP). Não há assim extraterritorialidade de contravenção.
3º) Os praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade
privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. Adotou-se, nesse ponto, o
princípio da representação. Vimos que as aeronaves e embarcações brasileiras particulares, quando
em território estrangeiro, não são consideradas extensão do território nacional. Se, por exemplo,
autor e vítima são estrangeiros, aplica-se a lei penal do país em que ocorreu o crime. Se, no entanto,
esse país não manifestar interesse em processar o criminoso, aplicar-se-á a lei penal brasileira. A
jurisdição penal brasileira substitui a jurisdição estrangeira, daí o nome de princípio da
representação ou substituição. Note-se que a eficiência desse princípio só serve para justificar os
delitos que envolvem exclusivamente estrangeiros (autor e vítima), pois se o agente é brasileiro
aplica-se o princípio da personalidade ativa (art. 7º, II, b, do CP) e se a vítima for brasileira, o
princípio da proteção (art. 7º, § 3º, do CP).
4º) Os cometidos por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil. Alguns autores, como

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Nélson Hungria e Heleno Cláudio Fragoso, identificavam a hipótese, que no Código Penal de 1940
era idêntica a esta, como sendo a adoção do princípio da personalidade passiva, enquanto outros
apregoam que se trata do princípio da defesa, argumentando que o princípio da personalidade
passiva exige que autor e vítima sejam brasileiros, e, por isso, não teria sido adotado. Cumpre
salientar que, além das condições do § 2º do art. 7º do CP, exige-se, nesse ponto, mais duas
condições:
a) que o país a que pertence o estrangeiro não tenha pedido sua extradição, ou, se pediu, o
Brasil a tenha negado; portanto, a concessão da extradição inviabiliza o prosseguimento da ação
penal instaurada no Brasil;
b) que haja requisição do Ministro da Justiça. Denota-se que a instauração da ação penal
pública, nesse caso, depende de requisição do Ministro da Justiça.
Passemos agora à análise das condições necessárias para a caracterização da
extraterritorialidade.
A aplicação da lei penal brasileira aos crimes ocorridos fora do Brasil, previstos no art. 7º, II, e
§ 3º, do CP, depende, cumulativamente, dos seguintes requisitos:
1º) Entrar o agente no território nacional.
2º) Ser o fato punível também no país em que foi praticado. Se no Brasil o fato é punido como
contravenção e no exterior, como crime, exclui-se a incidência da lei penal brasileira, nos termos do
art. 2º da LCP. Igualmente, se no Brasil o fato é punido como crime e no país em que foi praticado,
como contravenção.
3º) Estar o crime entre aqueles para os quais a lei brasileira autoriza a extradição. Esses delitos
são aqueles cuja pena privativa de liberdade é igual ou superior a dois anos (lei 13.445/2017).
4º) Não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido pena.
5º) Não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a
punibilidade, segundo a lei mais favorável. Assim, não se aplica a lei penal brasileira se o agente foi
perdoa-do no estrangeiro ou se a punibilidade já estiver extinta de acordo com a nossa lei ou a lei
estrangeira.

“NON BIS IN IDEM”

Preceitua o art. 8º do CP:


“A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando
diversas, ou nela é computada, quando idênticas”.
O dispositivo cuida dos casos em que a lei brasileira é aplicável a crime praticado no
estrangeiro, prevendo a hipótese de o agente já ter cumprido pena no país onde delinquiu.
Evidente a importância do dispositivo, que, em verdade, evita o bis in idem ou a duplicidade
de repressão pelo mesmo fato.
A diversidade de penas pode ser: qualitativa e quantitativa.
Ocorre a diversidade qualitativa quando as penas são de espécies diferentes, como, por
exemplo, multa no estrangeiro e reclusão no Brasil. Nesse caso, a pena cumprida no estrangeiro
atenua a imposta no Brasil.
Já a diversidade quantitativa ocorre quando as penas são da mesma espécie. Por exemplo, o
sujeito é condenado no estrangeiro a dois anos de reclusão, e, no Brasil, a três anos de reclusão.
Nesse caso, o problema é de detração penal, pois a pena cumprida no estrangeiro é computada na
pena imposta no Brasil. Se, porém, a pena imposta no exterior for superior à imposta em nosso país,
cumprindo lá a pena, o condenado não terá mais de cumpri-la no Brasil. No tocante à competência
para fazer a detração penal, aplicam-se as mesmas observações feitas para a diversidade qualitativa.

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EFICÁCIA DA SENTENÇA PENAL ESTRANGEIRA

O direito brasileiro reconhece a sentença penal estrangeira, em relação aos delitos cometidos
fora do território nacional. Todavia, em relação a dois efeitos exige-se a homologação pelo STJ, a
saber:
a) obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e outros efeitos civis (art. 9º, I, do
CP);
b) sujeitá-lo a medida de segurança (art. 9º, II, do CP).
Compete ao STJ a homologação da sentença penal estrangeira.
Finalmente, cumpre observar que, para produzir outros efeitos penais, como, por exemplo,
gerar reincidência, não há necessidade de homologação. Esta só se faz necessária nas duas
hipóteses previstas no art. 9º do CP.

IMUNIDADES DIPLOMÁTICAS E CHEFES DE GOVERNO ESTRANGEIRO

Segundo frisamos anteriormente, intraterritorialidade é a aplicação da lei penal estrangeira


aos crimes cometidos no Brasil.
A intraterritorialidade encontra previsão no art. 5º, caput, do CP, que fixa a regra da
territorialidade, mas ressalva expressamente as convenções, os tratados e as regras de direito
internacional, possibilitando, destarte, a aplicação da lei penal estrangeira aos crimes cometidos no
território nacional.
Manifesta-se a intraterritorialidade em relação aos crimes cometidos por diplomatas e demais
funcionários estrangeiros do corpo da embaixada e seus respectivos familiares.
As imunidades dos diplomatas são concedidas por tratados internacionais em que há regime
de reciprocidade. A diplomacia política de respeito e consideração pelas autoridades de outro
Estado, quando há reciprocidade às autoridades homônimas de nosso país, justifica a imunidade.
As relações diplomáticas estão disciplinadas na Convenção de Viena, de 18 de abril de 1961,
aprovada pelo Decreto n. 56.435, de 8 de junho de 1965.
Os diplomatas e membros de sua família que com eles convivam e não sejam brasileiros, bem
como os funcionários administrativos da embaixada e familiares que com eles convivam, desde que
não sejam brasileiros nem tenham residência permanente no Brasil, são invioláveis, não podendo
ser detidos nem presos (art. 29 do Dec. n. 56.435/65). Não são obrigados a prestar depoimento
como testemunha, salvo se quiserem (art. 31). Note-se que gozam também de imunidades os
familiares dos membros do quadro diplomático (do embaixador ao terceiro secretário) e do quadro
administrativo e técnico da missão diplomática.
A lei, porém, não estende a imunidade aos agentes consulares, salvo em relação aos atos de
ofício. Com efeito, os cônsules e funcio-nários consulares só gozam de imunidade no tocante aos
atos de ofício, razão pela qual a imunidade não se estende aos seus familiares. Portanto, os crimes
comuns são punidos aqui no Brasil. Haverá imunidade apenas em relação aos delitos relacionados
diretamente com a função consular (concessão fraudulenta de passaporte, falsificação na lavratura
de guias de exportação etc.).
Em contrapartida, a imunidade dos diplomatas, funcionários estrangeiros da embaixada e dos
respectivos familiares, abrangem todo e qualquer tipo de delito, inclusive homicídio, roubo, estupro,
etc. Mas, como adverte Francisco Rezek, o que se espera, por óbvio, é que retornando à origem o
diplomata responda pelo delito praticado alhures. A imunidade não impede a polícia local de
investigar o crime, preparando a informação sobre a qual se presume a justiça do Estado de origem

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processará o agente beneficiado pelo privilégio diplomático.


Ressalte-se ainda que o beneficiário da imunidade não poderá renunciá-la. Todavia, admite-se
a renúncia por parte do Estado acreditante (o Estado de origem).
Sobre a natureza jurídica da imunidade diplomática, alguns entendem que é causa de exclusão
da pena, enquanto outros defendem a ideia de que se trata de causa de exclusão da jurisdição.
Preferimos esse último ponto de vista, pois, na verdade, os diplomatas não estão sujeitos à
jurisdição penal dos juízos e tribunais brasileiros. Assim, a rigor, não há exclusão do crime nem da
pena, mas da competência jurisdicional dos juízos e tribunais brasileiros. A matéria é relacionada ao
processo penal, que não pode ser instaurado. Nem por isso, porém, o fato permanecerá impune em
face da legislação penal estrangeira.
Finalmente, os chefes de governo têm as mesmas imunidades dos agentes diplomáticos.
Igualmente, o ministro das Relações Exteriores, quando se encontra em território estrangeiro. Com
efeito, não seria razoável conceder a imunidade aos agentes diplomáticos, seus familiares e
funcionários estrangeiros da embaixada, e negá-la às autoridades superiores, quais sejam, o chefe
de governo e o ministro das Relações Exteriores. Com efeito, o ministro das Relações Exteriores é o
chefe dos agentes diplomáticos do seu Estado nacional. Quanto ao chefe de governo, é a autoridade
máxima do Estado, que inclusive nomeia o ministro das Relações Exteriores (CF, art. 84, I). A
nomeação do chefe de missão diplomática de caráter permanente também é feita pelo Presidente
da República com a aprovação do Senado. Assim, não obstante a Convenção de Viena referir-se
apenas aos agentes diplomáticos, seus familiares e funcionários da embaixada, impõe-se, por razões
lógicas, a extensão do privilégio aos chefes de governo estrangeiro, ministro das Relações Exteriores,
bem como seus respectivos familiares e funcionários que o acompanham na missão no exterior.

CONTAGEM DO PRAZO

Dispõe o art. 10 do CP:


“O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo
calendário comum”.
Prazo é o lapso de tempo entre o termo a quo e o termo ad quem. Em sua contagem, inclui-se
o dia do começo. Se, por exemplo, o réu for preso às 23 horas e 59 minutos, computa-se essa
pequena fração do primeiro dia como um dia inteiro. Qualquer que seja a fração do dia do começo
computa-se como se fosse um dia inteiro. Uma pena de vinte dias, cujo cumprimento tenha iniciado
às 13 horas do dia 4 de dezembro, terminará à meia-noite do dia 23. Essa regra beneficia o réu.
Diferentemente, nos prazos processuais exclui-se o dia do começo, computando-se o do
vencimento (art. 798, § 1º, do CPP). Suponha-se, por exemplo, um prazo de três dias para
apresentar defesa prévia, cuja intimação do réu e seu defensor tenha ocorrido no dia 3 de outubro:
terminará no final do expediente forense do dia 6. Se, entretanto, fosse um prazo penal, encerraria
no dia 5.
O prazo de decadência do direito de queixa ou representação, conquanto disciplinado no CP
(art. 103) e no CPP (art. 38), pertence ao direito penal, pois a perda do prazo gera a decadência, que,
por sua vez, acarreta a extinção da punibilidade. E punibilidade é matéria afeta ao direito penal. Por
isso, na sua contagem, inclui-se o dia do começo.
“Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum” (2ª parte do art. 10 do CP).
Consoante o calendário comum (gregoriano), entende-se por dia o espaço de tempo que decorre
entre meia-noite e meia-noite. Os meses não têm invariavelmente 30 dias, e sim 28, 29, 30 ou 31, de
acordo com o calendário. Diga-se o mesmo em relação aos anos, que não têm invariavelmente 360 dias,
mas, sim, 365 dias, ou, se for bis-sexto, 366. O juiz que tiver de condenar o réu a um mês ou a um ano

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não pode dizer 30 dias ou 365 dias. A condenação só pode ser fixada em dias quando for inferior a um
mês.
O mês, em matéria penal, é contado até a véspera do mesmo dia do mês subsequente,
encerrando o prazo às 24 horas. Se, por exemplo, o réu, condenado a dois meses, iniciar o
cumprimento da pena às l5 horas de 7 de agosto, o prazo terminará às 24 horas do dia 6 de
outubro. Se iniciasse a pena no dia 31 de dezembro de 2012, o prazo terminaria às 24 horas do dia
28 de fevereiro de 2013. Note-se que na primeira hipótese o tempo de prisão foi maior. É,
entretanto, preferível que haja essas pequenas diferenças a adotar um calendário especial para o
direito penal, pois daí a confusão seria bem maior.
O ano é contado até o mesmo mês do ano seguinte, terminando o prazo às 24 horas da
véspera do dia idêntico ao do início. Se, por exemplo, uma pena de dois anos se iniciou às 14 horas
de 20 de março de 2012, terminará às 24 horas do dia 19 de março de 2014.

FRAÇÃO NÃO COMPUTÁVEL DA PENA

Prescreve o art. 11 do CP:


“Desprezam-se, nas penas privativas de liberdade e nas restritivas de direitos, as frações de
dia, e, na pena de multa, as frações de cruzeiro”.
O dispositivo em análise contém três regras:
a) Desprezam-se, nas penas privativas de liberdade, as frações de dia, que são as horas. Assim,
uma pena de vinte dias de detenção aumentada da terça parte totaliza vinte e seis dias de detenção,
pois a fração de dia, que no caso é de 16 horas, é desprezada.
b) Desprezam-se, nas penas restritivas de direitos, as frações de dia. Essa regra é destituída de
interesse, pois as penas restritivas de direitos são sempre substitutivas das privativas de liberdade.
Por consequência, o desprezo às frações de dia já é determinado quando o juiz fixa a pena privativa
de liberdade. Desse modo, por ocasião da aplicação de pena restritiva de direitos já ocorreu o
desprezo das frações de dia.
c) Desprezam-se, na pena de multa, as frações de cruzeiro. As frações de cruzeiro, agora real,
são os centavos.

LEGISLAÇÃO ESPECIAL

Estabelece o art. 12 do CP:


“As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não
dispuser de modo diverso”.
As regras gerais do Código são aplicáveis aos fatos incriminados por leis especiais. Consagra-se
assim o princípio da convivência das esferas autônomas. As normas gerais convivem em perfeita
harmonia com as especiais. Se, porém, a lei especial contiver algum preceito geral, igualmente
disciplinado no Código, prevalece a redação nela prevista, por força do princípio da especialidade.
Assim, por exemplo, não é punível a tentativa de contravenção penal, por força de preceito
específico da LCP (art. 4º), afastando-se, destarte, a norma geral prevista no art. 14, II, do CP.
Se, no entanto, a lei especial for omissa a respeito de alguma regra geral contida no Código,
aplica-se o art. 12, que determina a incidência das normas gerais à legislação penal extravagante.
As regras gerais do Código estão previstas na Parte Geral (arts. 1º a 120). Mas outras normas
penais não incriminadoras contidas na Parte Especial também podem apresentar a característica de
norma geral. É o que acontece, por exemplo, com as normas que conceituam “casa” (art. 150, §§ 4º
e 5º), “documento público” (art. 297, § 2º) e “funcionário público” (art. 327). A sensibilidade e a

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intuição do intérprete são os métodos mais eficazes na árdua tarefa de identificar as regras gerais
situadas na Parte Especial do Código Penal.

TEORIA GERAL DO CRIME

CRIME, DELITO E CONTRAVENÇÃO

O gênero infração penal, segundo a gravidade da sanção, pode ser dividido em dois sistemas:
a) critério tricotômico;
b) critério dicotômico.
No primeiro, o gênero infração penal comporta três espécies: crime, delito e contravenção.
Crimes são os fatos ilícitos a que se cominam abstratamente penas mais severas. Já nos delitos as
penas são menos severas, reservando-se às contravenções as penas mais brandas.
No segundo, o gênero infração penal comporta duas espécies: crime (ou delito) e
contravenção. Ao crime (ou delito) cominam-se penas mais severas do que as previstas para a
contravenção.
O Brasil adotou o critério dicotômico, pois não há distinção entre crime e delito, que são
expressões sinônimas.
Entre o crime e a contravenção também não há diferença ontológica, isto é, de essência. A
diferença é apenas de grau e quantidade. A contravenção, que Nélson Hungria designa de “crime
anão”, compreende os fatos que, sob a ótica do legislador, são considerados de menor gravidade
social, razão pela qual a pena a ela cominada é de prisão simples ou multa, ou ambas, alternativa ou
cumulativamente, consoante dispõe o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal. Já para o crime
a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou
cumulativamente com a pena de multa. Como bem se vê, o critério da cominação da pena é o mais
eficiente para saber se um ilícito penal constitui crime ou contravenção.
Repita-se, porém, que não há diferença ontológica. O fato contravencional pode, com a
renovação dos valores sociais, ser erigido a crime, da mesma forma que o crime pode ser
transformado em contravenção. Evidente que só a lei pode realizar essa metamorfose. Note-se que
o fato em si continuará sendo o mesmo, alterando-se apenas o critério de política criminal do
legislador.

CONCEITO DE CRIME

No prisma jurídico, o crime pode ser conceituado sob três aspectos: formal, material e
analítico.

CONCEITO FORMAL

O conceito formal não se preocupa com o aspecto ontológico, nem em sublinhar os


elementos essenciais do delito; é a definição fornecida pelo legislador, variando, por isso, conforme
a lei que o define.
No Brasil, o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal apresenta a seguinte definição:
“Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer
isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração
penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa
ou cumulativamente”.

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CONCEITO MATERIAL

Sob o aspecto material ou substancial, crime é o fato humano que lesa ou expõe a perigo bens
jurídicos penalmente protegidos. Essa noção material não é falsa, porém nela sobreleva-se apenas a
ontologia do crime.

CONCEITO ANALÍTICO

O conceito analítico do crime põe em relevo os seus valores essenciais, variando as opiniões a
respeito da composição dos elementos estruturais de sua definição. Basileu Garcia destaca os
seguintes elementos: fato típico, ilicitude, culpabilidade e punibilidade. Já Francisco de Assis Toledo
elenca apenas três: fato típico, ilicitude e culpabilidade. Por sua vez, Júlio Fabbrini Mirabete indica
apenas dois: fato típico e ilicitude.
Como se vê, no conceito de crime, a teoria bipartida atribui ao comportamento humano
apenas duas ordens de valoração: tipicidade e ilicitude. Portanto, crime é ação ou omissão típica e
ilícita. A culpabilidade não é elemento do crime; funciona, porém, como pressuposto de aplicação
da pena.
Tipicidade é a adequação de uma conduta a um tipo legal de crime.
Ilicitude ou antijuridicidade é a contrariedade existente entre a conduta típica e o
ordenamento jurídico, em virtude de lesar ou expor a perigo de lesão bens jurídicos penalmente
protegidos. Suponha-se, por exemplo, que “A” mate “B” em legítima defesa. A despeito da
tipicidade dessa conduta, não há ilicitude.
Culpabilidade é o juízo de reprovação que recai sobre a conduta típica e ilícita realizada por
agente imputável, que tenha possibilidade de conhecer a ilicitude do fato e de evitar a prática do
fato criminoso. É, pois, o juízo de censura decisivo à fixação da pena, que recai predominantemente
sobre o agente, e não sobre o fato criminoso. É o elo entre o crime (conduta típica e ilícita) e a
aplicação da pena. Sem culpabilidade não há possibilidade de aplicação da pena. A culpabilidade é o
pressuposto de aplicação da pena.

Os elementos da culpabilidade, de acordo com a teoria normativa, são:


 imputabilidade;
 potencial consciência de ilicitude;
 exigibilidade de conduta diversa.
Como bem se vê, na culpabilidade analisa-se predominantemente o perfil do agente, sem,
contudo, desvincular-se do fato, ao passo que nos juízos da tipicidade e da ilicitude analisa-se
predominantemente o fato.
Punibilidade é a possibilidade jurídica de ser imposta pena ao criminoso. Não é requisito do
crime, mas sim consequência jurídica. As causas extintivas da punibilidade estão arroladas no art.
107 do CP e em outros dispositivos legais. A ocorrência de uma dessas causas, como, por exemplo, a
prescrição, impede a aplicação da pena. Se esta já foi aplicada, impede a sua execução. Entretanto, o
delito não desaparece. Há, porém, duas causas extintivas da punibilidade que fazem com que o
delito desapareça: anistia e abolitio criminis.

TEORIA BIPARTIDA

A teoria bipartida foi sustentada aqui no Brasil, pela primeira vez, por René Ariel Dotti, mas a

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ideia foi logo abraçada pelos penalistas Damásio Evangelista de Jesus, Júlio F. Mirabete, Celso
Delmanto, etc, e a cada dia vem conquistando mais simpatizantes.
A nosso ver, a teoria bipartida é a que melhor soluciona os problemas da ciência penal, pois,
com a predominância do finalismo, e agora também da teoria jurídico-penal da conduta, o dolo e a
culpa deixam de pertencer à culpabilidade e passam a integrar a conduta. Esvaziou-se, destarte, a
culpabilidade, que, por isso, deve ser tratada como pressuposto da pena, e não mais como
elemento do delito.
Antes do advento do finalismo, acreditava-se que os elementos anímicos integravam a
culpabilidade. Separava-se o conceito de ação causal do conteúdo da vontade (dolo e culpa). E é
claro que sem dolo e culpa não há falar-se em delito. Enquanto se imaginava que o dolo e a culpa
pertenciam à culpabilidade, a doutrina, de forma unânime, não hesitava em posicioná-la entre os
elementos do crime, ao lado da tipicidade e da antijuridicidade.
Nessa época, entendia-se pacificamente que a tipicidade e a antijuridicidade integravam a
relação física, enquanto a culpabilidade era a expressão da relação psíquica.
Demonstrado, porém, através do finalismo, que o dolo e a culpa pertencem à conduta,
expurgaram-se da culpabilidade os principais elementos do delito, quais sejam, o dolo e a culpa, de
modo que no juízo da culpabilidade o magistrado deve ter a mente voltada à pena, investigando a
imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. A ausência
de um desses elementos exclui a culpabilidade, impedindo a aplicação da pena, mas o crime
continua intacto, pois, para a sua caracterização, bastam a tipicidade e a antijuridicidade.
A culpabilidade, como se vê, é o juízo de reprovação sobre o comportamento passado do
criminoso. É, pois, um juízo de valoração posterior, isto é, destacado do fato criminoso praticado
pelo agente, que é antecedente, razão pela qual não se pode dizer que ela integra esse fato
criminoso.
O Código Penal, ao tratar das causas de exclusão da culpabilidade, usa as expressões “é isento
de pena” (p. ex., art. 26, caput) ou “só é punível” (p. ex., art. 22), ao passo que para as causas de
exclusão da antijuridicidade adota a locução “não há crime” (p. ex., art. 23). Portanto, a afirmação de
que a culpabilidade é pressuposto da pena e não um elemento do delito encontra também apoio em
nosso ordenamento jurídico.
Por outro lado, dentro de uma visão tripartida, os inimputáveis não seriam vítimas do delito
de calúnia, porque caluniar é imputar falsamente um fato definido como crime. Dizer que um rapaz
de 17 anos furtou o carro de Beltrano configura delito de calúnia para a teoria bipartida, ao passo
que os adeptos da teoria tripartida encontram dificuldades para enquadrar o fato como calúnia.
Desnecessário dizer a injustiça de se tipificar o fato como mera difamação, pois nesse delito é
vedada a exceção da verdade, havendo risco de se condenar o agente que imputou fato criminoso
verdadeiro ao inimputável.
Finalmente, se por um lado essa nova concepção bipartida inspirou- -se no finalismo,
cumpre recordar que Welzel, precursor do finalismo, mantinha a culpabilidade dentro do crime.
Outros finalistas também perfilham desse entendimento, porque estão apegados à antiga
compreensão tripartida do delito.

OBJETO JURÍDICO

É o valor jurídico tutelado pela norma penal. A esse valor a doutrina dá o nome de bem ou
interesse, ou bem-interesse.
Todo crime, sem exceção, tem um objeto jurídico.

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OBJETO MATERIAL DO CRIME

Objeto material é a pessoa ou coisa sobre a qual é executada a conduta. Nos crimes de
homicídio e lesão corporal (arts. 121 e 129), o objeto material é a pessoa; no furto (art. 155), é a
coisa alheia móvel; no roubo (art. 157), é a pessoa e a coisa alheia móvel.
Entretanto, nem todo tipo penal tem objeto material. Há, efetivamente, certos delitos cuja
conduta não recai sobre pessoa nem coisa, estando, por isso, destituídos de objeto material. Tal
ocorre com os delitos de mera conduta (ex.: reingresso de estrangeiro expulso - art. 338 do CP) e
com todos os crimes omissivos puros (ex.: omissão de socorro - art. 135 do CP). Os crimes formais
podem ou não ter objeto material. No falso testemunho, por exemplo, não há objeto material.
Finalmente, o morto e o animal, devido à sua natureza de coisa, podem ser objeto material de
crime.

RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

A Magna Carta passou a admitir a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes contra
a ordem econômica e financeira, contra a economia popular e contra o meio ambiente, autorizando
o legislador ordinário a cominar penas compatíveis com sua natureza, independentemente da
responsabilidade individual dos dirigentes (arts. 173, § 5º, e 225, § 3º). Cumpre, porém, registrar
que uma parcela da doutrina entende que esses dispositivos constitucionais não autorizam a
punição penal, e sim sanções administrativas e civis. O argumento não procede quanto aos crimes
contra o meio ambiente, pois, no que respeita a estes, a expressão “sanção penal” vem expressa no
próprio texto constitucional (art. 225, § 3º). Aliás, a Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, tipificou
os crimes contra o meio ambiente, atribuindo responsabilidade penal à pessoa jurídica desde que haja
os seguintes requisitos cumulativos: a) o delito tenha sido cometido por decisão de seu representante
legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado; b) o delito tenha sido cometido no interesse ou em
benefício da entidade.
Todavia, a responsabilidade da pessoa jurídica não exclui a das pessoas físicas, autoras,
coautoras ou partícipes do mesmo fato (art. 3º e parágrafo único). Denota-se, portanto, a prevalência,
pelo menos na doutrina, do sistema da dupla imputação, consagrado no parágrafo único do art. 3º da
Lei n. 9.605/98, segundo o qual a responsabilidade penal da pessoa jurídica implica necessariamente a
responsabilidade criminal das pessoas físicas que participaram do mesmo delito. Força convir,
destarte, que os crimes praticados pela pessoa jurídica são plurissubjetivos, porque necessariamente
devem ser também perpetrados por pessoas físicas. Entretanto, a posição do STF é a que não vigora o
sistema da dupla imputação, de modo que a pessoa jurídica pode ser processada criminalmente,
independentemente das pessoas físicas responsáveis pela deliberação ou execução do ato criminoso.
O argumento da Excelsa Corte é que o § 3º do art. 225 da CF refere-se aos infratores pessoas físicas ou
jurídicas, e não pessoas físicas e jurídicas.
No tocante aos delitos contra a economia popular e a ordem econômica e financeira, ainda não
sobreveio a lei definidora dos crimes da pessoa jurídica, inviabilizando a sua incriminação.

SUJEITO PASSIVO DO CRIME

Sujeito passivo é o titular do bem jurídico lesado ou exposto a perigo de lesão pela conduta
criminosa. É, pois, o titular do bem jurídico protegido pela norma penal violada.
O sujeito passivo é designado vítima, ofendido ou querelante.
A doutrina classifica o sujeito passivo em constante e material.

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Sujeito passivo constante ou formal, também chamado geral, genérico ou indireto, é o Estado,
titular do direito público subjetivo à observância da norma penal. Em todos os delitos, sem exceção,
o Estado figura como sujeito passivo, pois a prática do crime lesa um interesse que lhe pertence,
qual seja, o de não ser violado o preceito penal.
Sujeito passivo material ou eventual, também chamado particular, acidental ou direto, é o
titular do bem jurídico especificamente protegido pela norma penal violada. A sua identificação não
é tarefa irrelevante, porque, no plano processual, ele figura como vítima, e não como testemunha.
Encontra-se, portanto, excluído do delito de falso testemunho (CP, art. 342). Ademais, nos delitos
com pena privativa de liberdade igual ou superior a quatro anos, a acusação e a defesa podem
arrolar até 8 (oito) testemunhas, e se a pena for inferior a quatro anos, até 5 (cinco). Nesse número,
porém, não se computam as vítimas (sujeitos passivos), que podem ser arroladas sem limite.
Diferentemente do que ocorre em relação ao sujeito ativo, a pessoa jurídica pode figurar
como sujeito passivo de diversos delitos (ex.: crimes contra o patrimônio, de violação de
correspondência, de difamação, etc.).
Admite-se também o sujeito passivo indeterminado, que tem lugar nos crimes vagos, ou seja,
aqueles que têm por sujeito passivo um ente sem personalidade jurídica, como os delitos que
atentam contra a coletividade ou a família. Entende-se que a coletividade e a família, embora
destituídas de personalidade jurídica, titularizam certos interesses penalmente protegidos. O ato
obsceno e o tráfico de entorpecentes são exemplos de crimes vagos, pois ofendem interesses
pertencentes à coletividade, e não apenas ao Estado como pessoa jurídica.
O nascituro também pode ser sujeito passivo em relação ao delito de aborto. A lei penal
antecipa-lhe a personalidade para o efeito de aquisição do direito à vida. Sob o prisma penal, o
nascituro é equiparado a pessoa, e tanto é assim que o aborto está classificado no Título I do CP,
que disciplina os “crimes contra a pessoa”.
Igualmente, o incapaz pode figurar como vítima de diversos delitos (arts. 121, 123, 129, 130
etc.).
Por outro lado, o Estado, além de sujeito passivo constante, às vezes também é sujeito passivo
material. Tal ocorre nos crimes contra a organização política e naqueles cometidos contra a pessoa
que personifica o Estado (ex.: peculato, corrupção passiva etc.).
Em contrapartida, o morto e o animal não podem ser sujeitos passivos. No crime de crueldade
contra animais, o sujeito passivo é a coletividade. Na calúnia contra os mortos, prevista no § 2º do
art. 138 do CP, sujeitos passivos são o cônjuge, ascendente, descendente ou irmão do defunto.
Finalmente, ninguém pode cometer um delito contra si próprio. A pessoa não pode ser sujeito
ativo e passivo do delito em face de sua própria conduta. Se o indivíduo lesa o próprio corpo para
receber o valor de seguro, ele é sujeito ativo de estelionato (art. 171, § 2º, V, do CP), e o sujeito
passivo é a empresa seguradora. Na autoacusação falsa, o sujeito passivo é o Estado (art. 341). No
autoaborto, a gestante é apenas sujeito ativo (art. 124, 1ª parte), pois sujeito passivo é o feto. E, no
delito de rixa, cada rixoso só é sujeito ativo de sua própria conduta, figurando como sujeito passivo
apenas da conduta do outro, e não de sua própria conduta.

PREJUDICADO PELO CRIME

Prejudicado é qualquer pessoa que, na esfera cível, tem direito à reparação do dano causado
pelo crime. Não se confunde com o sujeito passivo, que é titular do bem jurídico, apesar de ambos
terem direito de ação de reparação de dano na esfera civil.
Assim, num crime de homicídio, o sujeito passivo será a pessoa cuja vida foi destruída,
enquanto os prejudicados serão seus familiares.

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CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES

CRIMES DE DANO E DE PERIGO

Segundo a intensidade do mal visado pela conduta, os delitos podem ser de dano e de perigo.
Crimes de dano ou de lesão são os que só se consumam com a perda real do bem jurídico.
Exemplos: homicídio, lesão corporal, furto, dano, etc.
Crimes de perigo são os que se consumam com a probabilidade de lesão ao bem jurídico.
Basta, para a consumação, que se produza uma situação de perigo para o bem jurídico tutelado.
Os delitos de perigo comportam a seguinte divisão:
a) De perigo presumido ou abstrato ou de simples desobediência: é o que se consuma com a
simples conduta, independentemente da efetiva demonstração do perigo. Há, pois, uma presunção
juris et de jure de que de determinada conduta advém uma situação de perigo. Exemplos: omissão
de socorro (art. 135), quadrilha ou bando (art. 288) etc.
b) De perigo concreto: é o que só se consuma com a efetiva demonstração do perigo. É
preciso demonstrar, no caso concreto, que a conduta produziu a probabilidade do dano. Exemplos:
perigo de vida (art. 132), incêndio (art. 250) etc.
c) De perigo individual: é o que atinge uma pessoa ou um número determinado de pessoas.
Exemplos: arts. 130 a 137.
d) De perigo comum ou coletivo: é aquele que só se consuma se o perigo atingir um número
indeterminado de pessoas. Exemplos: incêndio (art. 250), explosão (art. 251).

DELITOS INSTANTÂNEOS, PERMANENTES E A PRAZO

Segundo o tempo da consumação, os delitos podem ser instantâneos, permanentes e a prazo.


Delitos instantâneos ou de estado são os que se consumam num determinado momento, sem
continuidade no tempo. Assim, “o fato estará consumado” e “acabado” com a verificação do
resultado típico. Exemplos: homicídio, lesão corporal, furto, etc.
Crimes permanentes são aqueles em que a consumação, por vontade do agente, prolonga-se
no tempo. Há, pois, a manutenção da situação contrária ao direito. O bem jurídico é
continuadamente agredido. A característica do crime permanente é que a cessação da situa-ção
ilícita depende apenas da vontade do agente. Exemplos: sequestro (CP, art. 148), redução a
condição análoga à de escravo (CP, art. 149), casa de prostituição (CP, art. 229), etc.
Observe-se, nessa oportunidade, a profunda distinção entre crime permanente e crime
instantâneo de efeitos permanentes. No primeiro, há a manutenção da conduta criminosa, por
vontade do próprio agente. No segundo, perduram, independentemente da vontade do agente,
apenas as consequências produzidas por um delito já acabado, como, por exemplo, o homicídio e a
lesão corporal.
Os crimes permanentes classificam-se em necessariamente permanentes e eventualmente
permanentes.
Os primeiros são os delitos para os quais é essencial à sua consumação a manutenção da
conduta ilícita, por um tempo juridicamente relevante. Exemplo: sequestro.
Os segundos são os delitos normalmente instantâneos, mas, no caso concreto, por vontade do
agente, ocorre a manutenção da situação ilícita. Exemplo: furto de energia elétrica (art. 155, § 3º,
do CP) e usurpação de função pública (art. 328 do CP).
O estudo dos crimes permanentes reveste-se de suma importância nos seguintes temas:

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sucessão de leis, legítima defesa, concurso de agentes, prescrição, consumação, prisão em flagrante
e competência territorial.
Por último, crime a prazo é aquele em que a consumação depende de um determinado lapso de
tempo. Exemplos: art. 129, § 1º, I, do CP (mais de 30 dias), art. 148, § 1º, III, do CP (mais de 15 dias),
art. 159, § 1º, do CP (mais de 24 horas), art. 169, parágrafo único, II, do CP (15 dias).

CRIMES COMUNS, PRÓPRIOS E DE MÃO PRÓPRIA

Segundo a sua execução pelo possível número de agentes, os delitos podem ser comuns,
próprios e de mão própria.
Crimes comuns ou gerais são os que podem ser executados por qualquer pessoa. A lei não
exige nenhum requisito especial para que alguém possa ser autor. Exemplos: homicídio, lesão
corporal, sequestro, furto, etc.
Nos crimes próprios ou especiais o tipo legal exige que o autor apresente uma qualidade
pessoal diferenciada. Assim, no infanticídio, a autora deve ser parturiente; no peculato, deve ser
funcionário público; nos omissivos impróprios, deve ter o dever jurídico específico de impedir o
resultado.
Por outro lado, crime de mão própria, também chamado de atuação pessoal ou de conduta
infungível, é o que deve ser cometido pessoalmente pelo autor designado no tipo legal. Exemplos:
falso testemunho, prevaricação, deserção, etc.
Enquanto o crime próprio admite a autoria mediata, a participação e a coautoria, o delito de
mão própria só admite a participação, sendo incompatível com a coautoria e a autoria mediata, uma
vez que não se pode delegar a outrem a sua execução.

CRIMES UNISSUBSISTENTES E PLURISSUBSISTENTES

Quanto ao aspecto numérico dos atos executórios, os crimes podem ser:


a) unissubsistentes: ocorrem quando a conduta exterioriza-se com um só ato executório,
suficiente para a consumação. Exemplos: os delitos cometidos verbalmente (crimes contra a honra,
ameaça, concussão, desacato, etc.);
b) plurissubsistentes: ocorrem quando a conduta exterioriza-se em dois ou mais atos
executórios, cuja força deve somar-se para a consumação. Exemplos: os delitos cometidos por escrito
(crimes contra a honra, ameaça, concussão, etc.) e ainda outros (homicídio, este-lionato, furto, etc.).
Enquanto os delitos unissubsistentes não admitem a tentativa, diante da impossibilidade de
fracionamento da conduta, nos crimes plurissubsistentes o “conatus” é perfeitamente possível.

CRIMES DE FORMA LIVRE E DE FORMA VINCULADA

Segundo a especificação dos meios de execução, os delitos podem ser:


a) de forma livre: admitem inúmeros meios de execução; exemplos: homicídio, lesão corporal,
crimes contra a honra, furto, etc.
b) de forma vinculada: só podem ser executados através dos meios especificados no tipo
legal. O exemplo clássico é o curandeirismo (CP, art. 284). O delito de perigo de contágio de
moléstia venérea, previsto no art. 130 do CP, também é um bom exemplo, porque os meios
executórios possíveis são apenas a relação sexual e o ato libidinoso.

CRIMES PRINCIPAIS E ACESSÓRIOS

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Segundo o seu pressuposto de existência, os delitos podem ser:


a) principais: são os que têm existência autônoma, isto é, independente de outros delitos;
exemplos: furto, estupro etc.
b) acessórios ou de fusão ou parasitários: são os que pressupõem a existência de outro
crime; exemplos: receptação (art. 180), favorecimento pessoal (art. 348), favorecimento real (art.
349).
Observe-se, porém, que a extinção da punibilidade do crime principal não se estende ao
acessório (CP, art. 108). Assim, prescrito o furto, subsiste ainda assim a receptação.
Entre o crime principal e o acessório verifica-se a conexão instrumental ou probatória,
consubstanciada no fato de a prova de um delito influir na do outro, impondo-se, por consequência,
a reunião dos processos para julgamento simultâneo, nos termos do art. 76, III, do CPP.

CRIMES CONEXOS E INDEPENDENTES

Os delitos, relativamente ao elo de ligação que apresentam entre si, podem ser
independentes e conexos.
Delitos independentes são os que não estão ligados a outras infrações penais.
Delitos conexos são os que estão interligados.
A conexão material ou penal ou objetiva pode ser: teleológica, consequencial e ocasional.
Dá-se a conexão teleológica ou ideológica quando um crime é praticado para assegurar a
execução de outro. Exemplo: matar o marido para estuprar a esposa.
Opera-se a conexão consequencial ou causal ou lógica quando um delito é cometido para
assegurar a ocultação, impunidade ou vantagem de outro. Exemplos: “A” furta o dinheiro da casa,
incendiando-a, em seguida, para ocultar a subtração; “A” destrói o orelhão público e em seguida
mata a única testemunha; “A” rouba um relógio de ouro e depois mata o seu comparsa para
assegurar só para si a vantagem. Note-se que no primeiro exemplo o delito-fim foi para ocultar o
delito-meio; no segundo, para assegurar a impunidade, e não a ocultação; no terceiro, para
assegurar a vantagem. Como se vê, a ocultação refere-se ao fato; a impunidade, ao agente; e a
vantagem, ao crime.
Tanto a conexão teleológica quanto a consequencial qualificam o homicídio (CP, art. 121, § 2º,
V) e funcionam como agravantes genéricas dos demais crimes (art. 61, II, b). Entre o crime-meio e o
crime-fim haverá concurso material. Ressalte-se, porém, que a conexão se caracteriza ainda que não
se inicie a execução do crime-fim. Basta a intenção do agente em realizá-lo. É claro que se não
houver sequer tentativa em relação ao crime-fim não haverá concurso material, embora subsista a
qualificadora para o homicídio e a agravante em relação aos demais crimes. A extinção da
punibilidade do crime-fim não exclui a qualificadora (se homicídio) ou a agravante resultante da
conexão (art. 108). E, ainda, nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, estende-se
aos demais a interrupção da prescrição relativa a qualquer deles (§ 1º do art. 117 do CP).
Finalmente, na conexão ocasional um delito é cometido em virtude da oportunidade surgida
pela prática de outro. É o caso do ladrão que resolve estuprar a vítima. Conquanto não prevista no
Código como agravante ou qualificadora, subsiste o concurso material entre o crime-meio e o crime-
fim.

CRIMES A DISTÂNCIA, PLURILOCAIS E EM TRÂNSITO

Segundo o lugar do evento, os crimes podem ser:

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a) à distância: quando a conduta e o resultado se desenvolvem em dois ou mais países. O


assunto está relacionado ao problema da lei penal no espaço.
b) plurilocal: quando a conduta e o resultado se desenvolvem em duas ou mais comarcas,
dentro do mesmo país. Exemplo: a vítima é ferida na cidade de Piraju, mas morre em Bauru. A
questão é relevante no tema da competência territorial (art. 70 do CPP).

CRIMES TRANSEUNTES E NÃO TRANSEUNTES

Quanto à necessidade ou não de exame de corpo de delito, podem ser:


a) delitos não transeuntes ou delitos de fatos permanentes: são os que deixam vestígios
mate-riais; exemplos: homicídio, lesão corporal, aborto, crimes contra a honra cometidos por
escrito, etc.;
b) delitos transeuntes: são os que não deixam vestígios de ordem material; exemplos: delitos
cometidos verbalmente (calúnia, injúria, desacato).
Nos delitos não transeuntes, a falta de exame de corpo de delito gera a nulidade do processo.
Já nos delitos transeuntes, não se realiza o aludido exame.

OUTROS DELITOS

a) Delito de atentado ou de empreendimento: ocorre nos tipos legais que preveem a punição
da tentativa com a mesma pena do crime consumado. Exemplo: art. 352 do CP (“evadir-se ou tentar
evadir-se”); art. 309 do Código Eleitoral (“votar ou tentar votar duas vezes”); art. 11 da LSN
(“desmembrar ou tentar desmembrar”).
b) Crime de opinião ou de palavra: é o cometido pelo abuso da exteriorização do
pensamento. Pode ser escrito ou verbal. Exemplos: crimes contra a honra, desacato, etc.
c) Crime multitudinário: é o cometido pela multidão em tumulto. Exemplo: linchamento do
estuprador. Incide a atenuante genérica (CP, art. 65, III, e), salvo em relação ao agente que provocou
a multidão.
d) Crime vago: é o que tem por sujeito passivo ente sem personalidade jurídica. Assim, na
quadrilha ou bando, sujeito passivo é a coletividade.
e) Crime remetido: ocorre quando a sua definição se reporta a outros delitos que passam a
integrá-lo. O exemplo clássico é o art. 304 do CP: “Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou
alterados, a que se referem os arts. 297 a 302”.
f) Crime habitual: é o composto pela reiteração de atos que revelam um estilo de vida do
agente. Exemplos: rufianismo (CP, art. 230); exercício ilegal da medicina, arte dentária ou
farmacêutica (CP, art. 282); curandeirismo (CP, art. 284); contravenção de exercício ilegal de
profissão ou atividade (art. 47 da LCP). Enquanto no crime habitual cada ato isolado constitui fato
atípico, de modo que a tipicidade depende da reiteração de um número de atos, no crime
continuado cada ato isolado, por si só, já constitui crime. Cumpre, ainda, não confundir o crime
habitual com a habitualidade no crime. No primeiro, a reiteração do mesmo comportamento é
elemento necessário à tipicidade, sendo, pois, característica do fato. Na segunda, a repetição é
uma característica do delinquente, que adquiriu o hábito de praticar delitos.
g) Crimes funcionais ou delicta in officio: são aqueles em que o tipo legal exige que o autor
seja funcionário público. Podem ser próprios e impróprios. No primeiro, a condição de ser o agente
funcionário público é essencial à tipicidade do fato; faltando-lhe essa condição, ocorre a atipicidade
absoluta (ex.: prevaricação e corrupção passiva). No segundo, se o agente não for funcionário
público, persiste a tipicidade do fato, em relação a outro tipo legal (ex.: no peculato, se o agente não

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for funcionário público, o fato constitui delito de apropriação indébita). Os crimes funcionais estão
previstos nos arts. 312 a 326 do CP e em outros dispositivos (arts. 150, § 2º, 299, parágrafo único
etc.). Tratando-se de crimes funcionais afiançáveis, oferecida a denúncia ou queixa, antes de recebê-
la, deverá o juiz notificar o acusado para, dentro em quinze dias, apresentar a defesa preliminar
(CPP, art. 514), embora haja entendimento de que essa defesa preliminar só é necessária quando a
denúncia não houver sido instruída com inquérito policial (RTJ 110/601).
h) Crimes de responsabilidade: são infrações político-administrativas cuja prática acarreta a
imposição de sanção política (perda do cargo e inabilitação temporária para o exercício de função
pública). Os crimes de responsabilidade do Presidente da República, Ministros de Estado, Ministros do
STF, Procurador-Geral da República, Governador e Secretário de Estado estão definidos na Lei n.
1.079/50. Na verdade, não são crimes, mas infrações político-administrativas, pois a lei não prevê
cominação de pena criminal. Os crimes de responsabilidade submetem-se à jurisdição política. O
Presidente da República é julgado pelo Senado; o Governador, por um Tribunal Especial; e o Prefeito,
pela Câmara dos Vereadores. Em contrapartida, nos crimes comuns, que abrangem todas as infrações
penais, inclusive os delitos funcionais e as contravenções penais, o Presidente da República é julgado
pelo STF; o Governador, pelo STJ; e o Prefeito, pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal,
conforme seja o delito da competência da Justiça Estadual ou Federal.
i) Quase crime: é a denominação dada ao crime impossível (CP, art. 17) e à participação
impunível (CP, art. 31). Também não constitui crime.
j) Crimes militares: são os definidos no Código Penal Militar (Dec.-Lei n. 1.001/69). Podem ser
próprios e impróprios. Os primeiros são os definidos apenas no Código Penal Militar (ex.: dormir em
serviço). Os segundos também estão definidos na legislação penal comum (p. ex.: homicídio, furto,
roubo, estupro, etc.).

FATO TÍPICO

CONCEITO E CARACTERES

Fato típico é o comportamento humano descrito em lei como crime ou contravenção. Fato
atípico, ao revés, é aquele que não se encontra descrito em lei como infração penal. Por exemplo:
dano culposo.
Na análise dos elementos do fato típico, ganha fundamental relevância a divisão dos delitos
em material, formal e de mera conduta, classificação que procura fixar a relação entre a conduta e o
resultado.
O crime de mera conduta não tem resultado naturalístico. O tipo penal só descreve a conduta.
Exemplo: reingresso de estrangeiro expulso (CP, art. 338). Esse delito se consuma com a simples
realização da conduta típica.
No crime formal, o tipo legal descreve a conduta e o resultado naturalístico, mas não exige,
para a consumação, a ocorrência do resultado. Assim, por exemplo, no delito de extorsão o tipo
legal descreve a conduta (“constranger”) e o resultado (“intuito de obter indevida vantagem
econômica”), mas para a consumação não é preciso a efetivação do recebimento da vantagem;
basta que a extorsão se realize com esse fim.
Já no crime material, o tipo penal descreve a conduta e o resultado, exigindo, para a
consumação, a ocorrência do resultado. Exemplo: homicídio (art.121 do CP).
Nos crimes materiais, os elementos do fato típico são:
a) a conduta;

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b) o resultado;
c) o nexo causal entre a conduta e o resultado;
d) a tipicidade.
Nos crimes formais e de mera conduta, os componentes do fato típico são a conduta e a
tipicidade.

CONDUTA

TEORIA NATURALÍSTICA

É também denominada causal ou mecanicista.


A conduta, de acordo com essa teoria, é o comportamento humano voluntário que produz
modificação no mundo exterior.
A vontade é a causa da conduta, e esta, a causa do resultado. Essa teoria não diferencia a
conduta dolosa da conduta culposa, pois não faz nenhuma indagação sobre a relação psíquica do
agente para com o resultado.
Essa teoria relega para o plano da culpabilidade o questionamento do conteúdo da vontade,
isto é, do “querer interno” do agente.
Efetivamente, a definição de conduta como o movimento corpóreo voluntário, que produz
uma modificação no mundo exterior, não encontra argumentos para explicar os crimes omissivos
nem os crimes de mera conduta. Também não explica a tentativa.
A omissão, por si só, não produz resultado naturalístico. A causalidade na omissão depende de
seu aspecto normativo; o omitente responde por que não evitou o resultado, descumprindo a
norma que lhe impunha o dever de agir.
Da mesma forma, no crime de mera conduta, não se verifica a modificação do mundo exterior,
isto é, o resultado naturalístico. Se a conduta é a causação voluntária de uma modificação no
mundo exterior, como então explicar a sua existência nos delitos de mera conduta, que não têm
resultado naturalístico, e nos delitos tentados, em que o resultado não se produz por circunstâncias
alheias à vontade do agente?

TEORIA FINALISTA

A teoria finalista foi criada por Hans Welzel no início da década de 1930. O jurista alemão
preconizava que conduta é um acontecimento final e não um processo puramente causal. Conduta
é o comportamento humano, voluntário e consciente, dirigido a um fim. Uma conduta pode ser
contrária ou conforme o direito, consoante a atitude subjetiva do agente. O dolo e a culpa integram
a conduta; nisso reside a diferença com o conceito clássico de conduta. Sob o prisma externo, a
morte de uma pessoa causada por uma conduta dolosa ou por uma conduta culposa é a mesma. É
que a causalidade exterior é “cega”, não analisa o “querer interno” do agente. Já a finalidade, por
ser guiada, é “vidente”. O médico que toca nas partes íntimas da paciente pode ou não cometer o
delito do art. 215 do CP. Tudo vai depender do seu “querer interno”. Se assim agiu para melhor
realizar o diagnóstico, não haverá crime. Se, ao inverso, quis satisfazer a sua lascívia, responderá
pelo delito.
A teoria finalista introduz na conduta o dolo e a culpa, retirando-os da culpabilidade,
antecipando, destarte, a análise desses dois elementos.

CARACTERÍSTICAS DA CONDUTA

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Não se pode conceber o crime sem conduta.


A conduta apresenta as seguintes características:
a) Só o homem pode realizar uma conduta. Sobre a capacidade penal da pessoa jurídica
predomina ainda o entendimento de que ela não pode delinquir, abrindo-se exceção aos crimes
contra o meio ambiente.
b) Só a conduta voluntária interessa ao direito penal. Nem todo comportamento humano,
ainda que se enquadre num tipo penal, é conduta criminosa. Sem a existência de vontade não há
conduta, nem fato típico. Pouco importa se o agente tem ou não consciência da ilicitude do fato,
circunstância cuja análise é relegada à culpabilidade. O requisito essencial da conduta é a vontade.
c) Só os atos projetados no mundo exterior ingressam no conceito de conduta. O simples
querer interno (cogitação) não exteriorizado em atos concretos é irrelevante para o direito penal.

ELEMENTOS DA CONDUTA

Diante do expendido, verifica-se que dois são os elementos da conduta:


a) Ato de vontade dirigido a um fim.
b) Exteriorização da vontade no mundo exterior por meio de uma ação ou omissão.

AUSÊNCIA DE CONDUTA
A doutrina prevê os seguintes casos de exclusão da conduta:
a) Movimentos reflexos, que consistem numa reação motora (muscular) ou secretora
(glandular) que respondem automaticamente a uma excitação sensitiva (ex.: a tosse, o espirro, o
rubor e a palidez emocional). Nesses casos, o movimento corporal não é impulsionado pelo
elemento psíquico (querer interno), e, sim, fisiológico. O estímulo a um centro sensitivo provoca a
reação automática, sem qualquer interferência da consciência ou da vontade. É sempre lembrado o
exemplo do dano causado pelo reflexo rotuliano. Nesse caso, não há conduta, pois não há vontade
dominável.
b) Comportamento realizado em completo estado de inconsciência (sonambulismo ou
hipnose).
c) Coação física irresistível (vis absoluta). Nesse tipo de coação, o coacto não tem liberdade de
agir. O ato é realizado pela vontade exclusiva do coactor. Ao coacto não resta a mínima liberdade de
opção. Por exemplo: pressionar o dedo de uma pessoa numa folha de papel para deixar marcada a
sua impressão digital.
Já na coação moral (vis compulsiva), o coacto tem opção de vontade: ou realiza a conduta
desejada pelo coactor, ou sofre as consequências do ato ameaçado. O coactor que, sacando sua
arma, aponta na direção do coacto, obrigando-o, assim, a matar alguém, oferece-lhe uma
alternativa: ou mata a vítima, ou sofre as consequências da ameaça (perda da vida). Optando por
matar a vítima, a sua vontade é suficiente para caracterizar a conduta. Todavia, será absolvido por
ausência de culpabilidade, pois, em tais circunstâncias, não era de se lhe exigir comportamento
diferente.
d) Caso fortuito e força maior são os acontecimentos imprevisíveis e inevitáveis, que
escapam do domínio da vontade do homem.

FORMAS DE CONDUTA

São duas as formas de conduta: ação e omissão.

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Denomina-se comissivo o crime cometido por uma ação; omissivo, o realizado pela omissão.

AÇÃO

A ação consiste num movimento corpóreo externo. Exige do agente uma atuação positiva, um
fazer.
Em regra, os tipos penais são comissivos, isto é, descrevem uma conduta positiva, um fazer.
Exemplos: homicídio (“matar”), lesão corporal (“ofender”), furto (“subtrair”) e outros.
OMISSÃO

Os delitos omissivos podem ser: próprios e impróprios.

OMISSIVOS PRÓPRIOS

No crime omissivo próprio (ou puro), a conduta negativa (non facere) é descrita no preceito
primário da lei penal. Exemplos: omissão de socorro (art. 135 do CP), abandono material (art. 244
do CP), abandono intelectual (art. 246 do CP), omissão de notificação de doença (art. 269 do CP) e
outros.
Nesses delitos, a simples omissão é suficiente para a consumação, independentemente de
qualquer resultado ulterior.
A tentativa, porém, é inadmissível, pois com a simples omissão da ação exigida o delito já
estará consumado.

OMISSIVOS IMPRÓPRIOS

Nos crimes omissivos impróprios (impuros, espúrios ou comissivos por omissão), o núcleo do
tipo é uma ação, mas a tipicidade compreende também a conduta daquele que não evitou o
resultado, por atuação ativa. A tipicidade consiste na violação do dever jurídico de impedir o
resultado. Responde, por exemplo, por homicídio a mãe que, apossada de animus necandi, deixa de
amamentar o filho, que vem a morrer de inanição. Note-se que o núcleo do tipo é o verbo “matar”,
que envolve uma ação (facere). Todavia, o agente transgride a norma que lhe impõe o dever jurídico
de agir para evitar o resultado. O omitente responde por não ter evitado o resultado.
Os crimes omissivos impróprios são crimes próprios ou especiais, já que só podem ser
cometidos por quem tem o dever jurídico de impedir o resultado.

O dever jurídico, reza o § 2º do art. 13 do CP, incumbe a quem:


a) tenha por lei a obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
Só pode ser autor do crime aquele que tem o dever jurídico, emanado de uma das três
situações acima mencionadas. Trata-se de rol taxativo, que não pode ser ampliado a outras
hipóteses ali não contempladas, pois é inadmissível a analogia in malam partem.
Os omissivos impróprios admitem a tentativa; os omissivos próprios, não.

O DEVER JURÍDICO DE AGIR

Antes da reforma penal de 1984, as fontes do dever de agir emanavam da doutrina, que

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elencava as seguintes: a lei, o contrato e a ingerência. O legislador de 1984, porém, avocou para si
essa missão, tipificando no §2º do art. 13 do CP que “o dever de agir incumbe a quem: a) tenha por
lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de
impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado”.
Manteve-se, destarte, a lei e a ingerência como fontes do dever de agir. Em relação ao contrato, no
entanto, foi além. No expressivo dizer de Alberto Silva Franco, “o dever de atuar não se origina
apenas da relação contratual, mas da assunção da responsabilidade de evitar o resultado, qualquer
que seja a forma com que se assume essa responsabilidade”.
O legislador de 1984 desvencilhou-se do caminho preconizado por alguns penalistas, dentre
eles Everardo da Cunha Luna, de ampliar o âmbito do dever de agir para o plano ético da
solidariedade humana, que impõe a todos, indistintamente, de modo genérico, o dever de
comunidade de vida e perigo. Segundo essa doutrina, responderia por homicídio o transeunte que
deixasse de salvar uma criança de tenra idade que caísse numa fonte de água pública. Todavia,
perante o Código Penal brasileiro, a hipótese se amolda no art. 135, parágrafo único, do CP, em
virtude da inexistência do dever jurídico específico de agir. Se o socorro fosse omitido pelos pais ou
por outras pessoas titulares do dever específico de agir, consignado no §2º do art. 13 do CP, daí, sim,
configurar-se-ia o crime de homicídio.
A inserção do dever ético de agir tem o inconveniente de ampliar demasiadamente a função
complementar do juiz, deixando-o com a árdua tarefa de dizer se há ou não a violação do dever de
comunidade. Esse sistema coloca em risco a liberdade das pessoas.
A ideia pedagógica do solidarismo do homem para com os outros homens, isto é, do dever de
comunidade, deveria ser aproveitada em outros ramos do direito, como, por exemplo, no campo da
responsabilidade civil, incentivando as pessoas a se transformarem em bons samaritanos, evitando,
assim, a lesão de bens jurídicos penalmente protegidos. Sobremais, esse dever de comunidade já se
encontra previsto no Código Penal no crime de omissão de socorro (art. 135), transformando o
egoísta em criminoso; não há, pois, razão para transformá-lo também em homicida.
Estudemos agora as hipóteses de dever jurídico de agir.
A primeira é aquela em que a lei impõe à pessoa a obrigação de cuidado, proteção ou
vigilância em relação a outra pessoa. Exemplos: dever de guarda e proteção dos filhos, previsto no
art. 1.634, I e II, do Código Civil. Por isso, responde por homicídio a mãe que deixa o filho morrer de
inanição.
A segunda hipótese de dever de agir ocorre quando uma pessoa, por qualquer forma, assume
a responsabilidade de impedir o resultado. Antes da reforma penal de 1984, a doutrina elencava a
relação contratual ou negócio jurídico como fonte do dever de agir. Alargou-se, destarte, o dever de
“garante”, que, além do contrato, passou também a abranger as situações em que o agente assume,
de fato, a posição de impedir o resultado, independentemente de qualquer vinculação jurídica entre
as partes. A nulidade do contrato não exclui o dever de agir, respondendo, por exemplo, por
homicídio, a babá que deixa o bebê morrer de inanição, ainda que o contrato de trabalho seja nulo.
Mesmo que o contrato não obrigue o agente ao dever de agir, vindo, porém, a assumir esse
encargo, responde pela omissão. Exemplo, a enfermeira que continua trabalhando após seu horário
de expediente tem o dever jurídico de cuidar dos doentes. Da mesma forma, o pedestre que resolve
auxiliar um cego a atravessar a via pública não pode abandoná-lo em meio ao tráfego perigoso de
veículos, e comete crime se sobrevém lesão corporal ou morte em virtude de atropelamento
(exemplo de Fragoso). Exige-se, para se atribuir a alguém a posição de garantidor, que ele realmente
tenha assumido o dever de evitar o resultado. Sobre o assunto, dispõe o Enunciado da I Jornada de
Direito e Processo Penal do CEJ/CFJ: “A responsabilidade a título de omissão imprópria deve
observar a assunção fática e real de competências que fundamentam a posição de garantidor”.

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A terceira hipótese de dever de agir ocorre quando o agente, com o seu comportamento
anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. É a denominada ingerência. Quem cria o perigo de
dano com uma conduta precedente tem o dever jurídico de impedir o resultado. Exemplos: um
nadador profissional convida alguém a acompanhá-lo na travessia do rio e, a certa altura, vendo o
companheiro afogar-se, deixa de socorrê-lo; o caseiro que põe fogo na casa do patrão e deixa de
socorrer a pessoa que estava dentro dela. Nesses dois exemplos, o causador do perigo, que não
impede a morte da vítima, responde por homicídio doloso ou culposo, conforme o caso.
Interessante observar que a criação do perigo por meio de uma lesão culposa seguida de uma
omissão de socorro dolosa caracteriza o delito de homicídio culposo qualificado, previsto no § 4º do
art. 121 do CP ou art. 302, parágrafo único, III, do CTB, caso sobrevenha a morte da vítima. De fato,
esses dois preceitos legais prevalecem sobre a norma geral do art. 13, § 2º, c, do CP, por força do
princípio da especialidade, instaurando-se um certo paradoxo. Com efeito, quando a missão dolosa
antecede um perigo culposo criado pelo agente, destituído de lesão, sobrevindo a morte da vítima,
responderá por homicídio doloso, mas se à omissão dolosa antecede uma lesão culposa, que evolui
para a morte, o enquadramento será no homicídio culposo qualificado. Ora, o fato mais grave, que é
o perigo culposo revestido de lesão corporal, enseja apenas a responsabilidade por homicídio
culposo qualificado, sendo incoerente que o fato menos grave, perigo culposo destituído de lesão
corporal, seja incriminado como homicídio doloso.
Cumpre observar a propósito que, nos crimes dolosos comissivos por omissão, o agente deve
ter a vontade consciente de não observar o dever de agir, com o objetivo de alcançar o resultado
criminoso (dolo direto) ou no mínimo assumindo o risco de produzi-lo (dolo eventual). A ausência
do dolo direto ou eventual pode, contudo, dar ensejo ao crime comissivo por omissão culposo,
desde que o resultado seja previsível ao homem médio da sociedade e o delito punível na
modalidade culposa.

O PODER DE AGIR

A possibilidade de cumprir o dever jurídico de agir é requisito essencial à caracterização dos


crimes omissivos. O § 2º do art. 13 do CP estabelece que “a omissão é penalmente relevante
quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado” (grifo nosso).

RESULTADO

RESULTADO NORMATIVO OU JURÍDICO

De acordo com a concepção jurídica ou normativa, resultado é a lesão ou perigo de lesão do


bem jurídico tutelado pela norma penal.
Sob o aspecto jurídico, não há crime sem resultado, porquanto, sem lesão ou perigo de lesão
do bem jurídico, inexiste a antijuridicidade, que é um dos elementos essenciais do crime. Nesse
conceito jurídico, até mesmo os crimes de mera conduta, os omissivos próprios e os delitos
tentados contêm resultado.

RESULTADO NATURALÍSTICO

Do ponto de vista naturalístico (físico ou material), resultado é a modificação do mundo

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exterior produzida pela conduta do agente. É, pois, o efeito da conduta.

Parece-nos absolutamente correta a afirmação de que há crime sem evento. São os seguintes:
a) crimes formais;
b) crimes de mera conduta;
c) crimes omissivos puros;
d) crimes materiais tentados.
Na verdade, apenas nos crimes materiais consumados o resultado naturalístico é essencial à
tipicidade.

DA RELAÇÃO DE CAUSALIDADE

TEORIAS
Pela teoria da equivalência das condições ou da condictio sine qua non, considera-se causa
todo fato sem o qual o resultado não teria sido produzido. Em 1894, o professor sueco Thyrén
desenvolveu uma fórmula prática para revelar se determinado antecedente é causa do resultado.
Esse método, que Thyrén denominou “processo hipotético de eliminação”, resume-se no seguinte:
causa é todo fato que, suprimido mentalmente, o resultado não teria ocorrido “como ocorreu” ou
“no momento em que ocorreu”. O resultado é antecedido de uma série de fatos. Dificilmente um
único fato produz o evento. Assim, de acordo com a teoria da condictio sine qua non, basta que a
conduta constitua um desses antecedentes, um desses fatos, para ser considerada causa do evento.
O decisivo é que sem a conduta do agente o resultado não tenha ocorrido “como ocorreu” e “no
momento em que ocorreu”.
Por outro lado, a teoria da causalidade adequada preconiza que causa é a condição idônea a
produzir o resultado, segundo a experiência comum e o julgamento normal dos homens. Não é,
portanto, qualquer fato que recebe o nome de causa; urge que se apresente como uma ação
humana idônea à realização do evento.

TEORIA ADOTADA

O Código Penal, no art. 13, caput, adotou a teoria da equivalência dos antecedentes causais
ou da condictio sine qua non, dispondo que “considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o
resultado não teria ocorrido”.
Cumpre lembrar, mais uma vez, o processo hipotético de eliminação de Thyrén, segundo o
qual uma conduta faz jus ao nome de causa quando, excluída mentalmente, o resultado não se teria
produzido “como ocorreu” ou “no momento em que ocorreu”.
Suponha-se que o agente desligue o aparelho que mantinha vivo o doente, cuja morte era
inevitável, ou corte o ramo de árvore no qual a vítima se encontrava já prestes a cair num
despenhadeiro. Nos dois casos, suprimindo in mente a conduta do agente, o resultado ainda assim
teria ocorrido em momento subsequente. Todavia, o agente responde pelo evento, pois sem a sua
conduta a morte da vítima não teria ocorrido no momento em que ocorreu.
Dentre as objeções levantadas contra a doutrina da condictio sine qua non destaca-se a do
regressus ad infinitum. Os opositores sustentam que de causa em causa se remonta logicamente ao
infinito, respondendo por homicídio os genitores do homicida apenas porque o geraram, ou o
fabricante da arma, apenas porque a fabricou.
A objeção do regressus ad infinitum, porém, não tem procedência, pois a teoria da condictio
sine qua non não se propõe a resolver todos os problemas da causalidade.

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A análise do nexo causal não se esgota evidentemente na aplicação da teoria da condictio sine
qua non. A complementação do juízo do nexo causal depende ainda da causalidade psíquica
(imputatio delicti), isto é, da existência de dolo ou culpa. Conjugando-se a causalidade física com a
causalidade psíquica completa-se o estudo do nexo causal, eliminando-se, destarte, a odiosa
responsabilidade objetiva. A ausência de dolo ou culpa exclui a conduta, que, por sua vez, inviabiliza
a concretização do nexo causal.
Assim, quando dissemos que o Código adotou a teoria da condictio sine qua non, referíamo-nos
à causalidade física, pois no tocante à integração total do nexo causal consagrou o nosso Código uma
teoria mista ou eclética, à medida que a causalidade depende ainda da existência de dolo ou culpa.

EXCEÇÃO À TEORIA DA “CONDICTIO SINE QUA NON”

No plano físico da causalidade, o Código abre uma exceção à teoria da equivalência,


consagrando, no § 1º do art. 13, a doutrina da causalidade adequada.
Dispõe o citado § 1º:
“A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só,
produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou”.
Só se justifica a exceção quanto a causa superveniente relativamente independente que por si
só produziu o resultado. Desnecessária a invocação do aludido preceito legal na hipótese de causas
absolutamente independentes, preexistentes, concomitantes e supervenientes.
As causas absolutamente independentes são as que surgem sem ser provocadas pela conduta
do agente. Podem ser: preexistentes, concomitantes e supervenientes. Nesse caso, vindo a produzir
por si só o resultado, o agente não responderá pelo mesmo, pois suprimindo in mente a sua
conduta o evento teria ocorrido como ocorreu. O art. 13, caput, do CP resolve a questão, excluindo
o nexo causal, subsistindo, porém, a responsabilidade pelos atos anteriores ao resultado.
Exemplo de causa preexistente absolutamente independente da conduta do agente: “A” fere
“B” com um tiro de revólver e este, ao ser levado para o pronto-socorro, falece em consequência do
veneno que ingeriu antes de ser alvejado.
Exemplo de causa concomitante absolutamente independente da conduta do agente: “A” fere
“B” no mesmo momento em que este está sendo atacado por um leão faminto, que deixa na
mandíbula as suas vísceras, causando-lhe a morte.
Exemplo de causa superveniente absolutamente independente da conduta do agente: “A” fere
mortalmente o barqueiro “B”, mas este, antes que sobrevenha a morte em consequência do
ferimento, perece afogado porque um tufão fez soçobrar o barco (exemplo de Von Liszt).
Nesses três exemplos, o agente não deu causa ao resultado, pois suprimindo in mente a sua
conduta a morte teria igualmente ocorrido. Exclui-se, destarte, o nexo causal, com a simples
invocação da teoria da condictio sine qua non, consagrada no caput do art. 13 do CP. É óbvio que o
agente responde pelos atos praticados antes da ocorrência do resultado. Assim, nos exemplos,
haverá tentativa de homicídio se presente o animus necandi (vontade de matar) ou lesão corporal,
na hipótese de animus laedendi (vontade de ferir).
Cumpre agora examinar as causas relativamente independentes, que também subdividem-se
em três: preexistentes, concomitantes e supervenientes.
Exemplo de causa preexistente relativamente independente em relação à conduta do agente:
Tício fere Caio (diabético), que vem a falecer em virtude da diabete agravada pelos ferimentos.
Exemplo de causa concomitante relativamente independente em relação à conduta do agente:
João fere José numa noite extremamente fria, vindo este a morrer por um processo de congelamento,
auxiliado pela hemorragia que reduziu as possibilidades de resistência do organismo.

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No tocante a essas duas causas relativamente independentes, o agente responde pelo


resultado, porquanto suprimindo in mente a sua conduta a morte não teria ocorrido como ocorreu.
Já em relação à causa superveniente relativamente independente, devem-se distinguir duas
modalidades:
a) superveniente que não produziu por si só o resultado;
b) superveniente que produziu por si só o resultado.
Cumpre lembrar que ao lado dessas duas, como já vimos, há ainda a causa superveniente
absolutamente independente da conduta do agente.
Exemplo de causa superveniente relativamente independente que não produziu por si só o
resultado: “A” fere “B”, que, conduzido a um hospital, vem a morrer, dias depois, em consequência do
agravamento das lesões provocado por imperícia médica. No caso, “A” responde pelo resultado, pois
sem a sua conduta a morte de “B” não se teria verificado. Não se aplica o § 1º do art. 13 do CP, pois a
imperícia médica não produziu por si só o resultado. Aplica-se, portanto, a teoria da condictio sine qua
non.
Exemplo de causa superveniente relativamente independente que produziu por si só o
resultado: “A” fere mortalmente “B”, que, conduzido a um hospital, vem a morrer em consequência
de um incêndio na enfermaria em que se encontrava internado. Medite-se agora no exemplo de
Hungria: “Tício fere mortalmente Mévio, mas este, recolhido a um hospital, vem a morrer pela
ingestão de uma substância tóxica, que, ao invés do medicamento prescrito, lhe ministra,
inadvertidamente, a enfermeira”. Figure-se, por fim, o exemplo formulado por Aníbal Bruno, em
que “o ferido vem a morrer, não por força dos ferimentos, mas pelo acidente de tráfego, na
ambulância que o transportava ao posto de assistência”.
Nesses casos, a aplicação da teoria da condictio sine qua non levaria o agente a responder
pelo resultado, pois, suprimindo in mente a sua conduta, a morte não teria ocorrido como ocorreu.
Todavia, nesse ponto, o nosso Código abre uma exceção à teoria da equivalência, dispondo no § 1º
do art. 13 que a “superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando,
por si só, produziu o resultado”. A expressão “por si só” indica a autonomia da causa superveniente,
que não se encontra na mesma “linha de deslocamento físico” da conduta do agente. Significa que,
após o rompimento do nexo causal, a nova causa desempenha sua eficácia etiológica, provocando o
resultado por sua própria força, isto é, incumbe-se sozinha do resultado.
Não se pode, porém, olvidar que se trata de uma causa relativamente independente,
porquanto o seu surgimento se deve à conduta do agente, que, por sua vez, só não responde pelo
resultado porque o nexo causal é excluído pelo § 1º do art. 13 do CP.
É certo, pois, que do ponto de vista naturalístico não há rompimento do nexo causal. Esse
“rompimento”, que na verdade emana da lei, surge quando a concausa superveniente inaugura um
curso causal autônomo, fora do perigo provocado pela conduta do agente.
Nos exemplos ministrados acima, o agente responde apenas pelos atos anteriores à
ocorrência do resultado. Ser-lhe-á imputado o delito de homicídio tentado se agiu com animus
necandi, e o delito de lesões corporais, se atuou com animus laedendi.
Por outro lado, o § 1º do art. 13 do Código Penal alude apenas à superveniência de causa
relativamente independente. Todavia, a analogia in bonam partem permite que a norma seja
estendida às concausas preexistentes ou concomitantes, relativamente independentes, que tenham
produzido por si sós o resultado.

TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA

De acordo com a teoria da imputação objetiva, o agente só responderá criminalmente

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quando realizar uma conduta criadora de risco acima do permitido, exigindo-se, ainda, nos delitos
materiais, que este risco tenha sido a causa do resultado, e, por fim, que o resultado esteja
compreendido no âmbito de abrangência do tipo penal.
São, pois, requisitos dessa teoria:

 que a conduta tenha criado um risco socialmente inadequado, isto é, acima do permitido;
 que este risco tenha sido a causa do resultado;
 abrangência do resultado pelo tipo penal.

Esses três requisitos são exigidos para os delitos materiais, ao passo que, nos delitos formais e
de mera conduta, bastam o primeiro requisito, tendo em vista a ausência de resultado naturalístico.
Passemos à análise desses requisitos.
O primeiro, criação pela conduta de um risco acima do permitido, torna evidente que o
direito não pode incriminar uma conduta juridicamente permitida. Se, por exemplo, o sobrinho
instiga o tio a ir pescar na barranca de um rio, na esperança de que este venha a cair e morrer, nao
há falar-se em delito, uma vez que a conduta inicial de instigar alguém a ir pescar é lícita, não
obstante a má-intenção do agente. Quando a conduta em si é lícita não se pode transmudá-la em
ilícita simplesmente porque o agente encontra-se motivado por uma intenção criminosa, pois,
conforme ja diziam os romanos, ninguém sofre pena pelo simples pensamento.
O segundo requisito, liame entre o perigo e o resultado, consiste na exigência da constatação
de que a conduta socialmente inadequada produziu, de fato, o resultado criminoso. No exemplo do
farmacêutico, que fornece um remédio vencido ao paciente que lhe apresenta uma receita médica,
constata-se, inegavelmente, a prática de uma conduta criadora de risco acima do permitido. Ao
apurar-se, porém, que a morte do paciente ocorreu em razão do remédio, e não pelo fato deste
estar vencido, força convir que o farmacêutico não tem qualquer responsabilidade pelo evento
lesivo, respondendo, tão somente, pela venda proibida e não pelo homicídio.
O terceiro requisito é o que exige a abrangência do resultado pelo tipo penal. De acordo com
a teoria da imputação objetiva, estão excluídos do âmbito de abrangência do tipo penal dois
resultados, a saber:

a) O resultado advindo de perigo assumido voluntariamente pela vítima. Este asunto que, na
doutrina, é conhecido como auto-colocação da vítima em risco, é o que tem suscitado as maiores
polêmicas. Não há, por exemplo, que se imputar o delito de homicício ao médico do clube de
futebol que, diante das insistências do jogador cardiáco, que queria a qualquer custo jogar, o
liberou para o jogo, concorrendo, no plano físico da causalidade, para a sua morte, decorrente de
infarto fulminante, durante a partida de futebol. Outro exemplo: o alpinista experiente que induz o
alpinista inexperiênte a escalar a Cordilheira dos Andes, não responde pela eventual morte deste. O
fundamento para que o fato seja atípico nessas situações baseia-se no princípio da reserva legal.
Com efeito, à medida que o Código Penal, no art. 122, incrimina a participação em suicídio, que é
uma hipótese em que o resultado é assumido voluntariamente pela vítima, não há falar-se em
delito noutras hipóteses similares, tendo em vista o silêncio da lei e a vedação da analogia “in
malam partem”. De fato, fora da hipótese do art. 122 do CP, não há lei incriminando o induzimento,
instigação ou auxílio ao perigo à vida ou a saúde assumido voluntariamente por alguém. E também
não há falar-se na incidência do art. 132 do CP, cuja incidência se restringe à exposição de perigos
não assumidos voluntariamente pela vítima.
b) O resultado oriundo de fluxo causal desencadeado por uma conduta perigosa, mas cuja
ocorrência principal se deve a outra conduta sucessiva, emanada de pessoa que tinha o dever

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jurídico de impedí-lo.Nesse caso, a segunda conduta, porque advinda de alguém que tinha o dever
jurídico específico de impedir o resultado, tem o condão de excluir do primeiro agente a
responsabilidade criminosa pelo evento lesivo. No exemplo em que “A” fere levemente “B” na
perna direita e esta posteriormente vem a ser amputada erroneamente pelo médico que atendeu a
vítima, não se pode, de acordo com a teoria da imputação objetiva, imputar o resultado maior, isto
é, a perda do membro inferior direito a “A”, mas apenas ao médico, apesar de a conduta deste
último integrar a mesma linha de desdobramento físico da conduta iniciada pelo agente, já que
ambas as condutas atingiram a perna direita da vítima. Note-se que o § 1o do art. 13 do CP quando
exclui o resultado do âmbito da responsabilidade do agente pelo advento de causa superveniente
relativamente independente que produz, por si só, o resultado, refere-se a uma nova causa que não
se encontra na mesma linha de desdobramento físico iniciada pela conduta do agente (exemplo:
“A” fere “B” na perna direita e o médico, por erro, amputa a perna esquerda). Portanto, a hipótese
versada pela teoria da imputação objetiva não se confunde com o § 1o do art. 13 do CP, porquanto
versa sobre uma situação em que a causa superveniente encontra-se na mesma linha de perigo
desencadeada pela conduta do agente, eliminando-se, no entanto, a responsabilidade do primeiro
agente pelo fato de esta nova causa emanar de pessoa que tinha o dever jurídico específico de
impedir o resultado. A meu ver, este ponto de vista pode ser acolhido no direito brasileiro,
aplicando-se por analogia “in bonam partem” o § 1º do art. 13 do CP, imputando-se ao agente
apenas os atos anteriores ao resultado.

TEORIA DA TIPICIDADE

INTRODUÇÃO

Os tipos legais de crime estão descritos na Parte Especial do Código Penal e na legislação
penal extravagante.
Tipo legal é a descrição abstrata do crime feita pelo legislador. No homicídio, o tipo legal está
redigido assim: “Matar alguém: Pena — reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos”.
Tipicidade é a mera adequação entre a conduta da vida real e o tipo legal. Há, por exemplo,
tipicidade se “A” mata “B”, pois a conduta de “matar alguém” subsume-se no tipo legal previsto no
art. 121 do CP.

ADEQUAÇÃO TÍPICA

Sob duas formas apresenta-se a adequação típica:

 adequação típica de subordinação imediata;


 adequação típica de subordinação mediata ou ampliada.

Na adequação típica de subordinação imediata, a conduta da vida real se amolda diretamente


em um tipo legal, sem que haja necessidade do auxílio de qualquer outra norma jurídica. Exemplo:
“A” subtrai bens de “B”. O fato se enquadra diretamente na figura típica do furto (CP, art. 155).
Na adequação típica de subordinação mediata (ampliada ou por extensão), a conduta da vida
real não se enquadra de imediato no tipo legal, sendo necessário, para complementar a tipicidade,
a interposição de outra norma penal. A conjugação dessas duas normas integraliza o tipo legal,

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conferindo-lhe a amplitude suficiente para abarcar a conduta da vida real. É o que ocorre com a
tentativa, a participação e os crimes omissivos impróprios.
Na tentativa, há uma ampliação temporal do tipo legal, que, por força da norma do art. 14, II,
do CP, compreende em seu texto o período anterior à consumação, no qual o agente realiza os atos
executórios do crime. Nota-se, por exemplo, que o art. 121 do CP não descreve a conduta de
“tentar matar”, que só é incorporada ao texto legal graças à norma prevista no art. 14, II, do mesmo
estatuto. Por isso a denúncia do Ministério Público deve enquadrar o fato no art. 121 c/c o art. 14,
II, ambos do CP.
Na participação há uma ampliação espacial e pessoal do tipo legal, que, por força da norma
do art. 29 do CP, aumenta o seu texto para compreender as condutas das pessoas que, de qualquer
modo, concorrem para a realização do crime. Note-se, por exemplo, que o tipo legal não descreve a
conduta de “mandar matar”, que só é incorporada ao seu texto legal graças à norma prevista no
art. 29. Por isso que a denúncia do Ministério Público deve enquadrar o fato no art. 121 c/c o art.
29, ambos do Código Penal.

TEORIA DO TIPO

INTRODUÇÃO

Tipo é a descrição abstrata da conduta criminosa ou da conduta permitida.

FUNÇÕES DO TIPO LEGAL

Dentre as diversas funções do tipo legal destacam-se duas: a função de garantia e a de


fundamentar a ilicitude (antijuridicidade) do fato.
Efetivamente, no tipo legal o legislador despeja os elementos que contêm a descrição do
crime, criando para as pessoas a garantia de não serem surpreendidas com a incriminação de
condutas desalojadas do tipo. Só a lei pode criar o tipo legal incriminador (princípio da reserva
legal). Por conter a descrição abstrata do crime, o tipo se traduz em garantia de liberdade, corolário
lógico do princípio da reserva legal.
A outra função do tipo, de fundamentar, isto é, indiciar a antijuridicidade, permite a inversão
do ônus da prova, competindo ao acusado a prova de ter agido acobertado por alguma excludente
da ilicitude (CP, art. 23).

ELEMENTOS DO TIPO LEGAL

Os elementos objetivos ou descritivos do tipo compreendem os termos ou expressões que,


por exprimirem um juízo de certeza sobre o seu significado e se situarem fora do mundo psíquico
do agente, podem ser constatados por outras pessoas. Esses elementos são os que descrevem o
aspecto externo do fato criminoso e todas as demais circunstâncias apreensíveis pelos sentidos do
homem. Na identificação de tais elementos dispensa-se qualquer valoração de ordem cultural ou
jurídica. Exemplos: matar alguém; subtrair uma coisa; mulher; veneno; emboscada etc.
Os elementos normativos do tipo compreendem os termos ou expressões de índole jurídica
ou cultural, cujo significado é aferido por um especial juízo de valor da situação de fato.
Os elementos normativos do tipo podem referir-se:

a) À antijuridicidade, como os expressos pelos termos: “indevidamente” (arts. 151, 316, 317,

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319 etc.), “sem justa causa” (arts. 153, 154, 244 etc.), “fraudulentamente” (arts. 171, 177), “sem as
formalidades legais” (art. 350).
b) A termos ou expressões jurídicas, como “documento” (arts. 297, 298 e 299), “funcionário
público” (art. 312), “alheia” (art. 155), “função pública” (art. 328), “cheque” (art. 171, § 2º, VI),
“duplicata” (art. 172) etc. Costuma-se designar de elementos normativos impróprios os termos ou
expressões de natureza jurídica.
c) A termos ou expressões extrajurídicos, como “dignidade e decoro” (art. 140), “moléstia
grave” (art. 131), “saúde” (art. 132) etc.
Por outro lado, os elementos subjetivos do tipo compreendem os termos ou expressões
relacionadas com o mundo anímico do agente. São os elementos referentes à intenção do agente.
Exemplos: “com o intuito de obter ... indevida vantagem econômica” (art. 158); “para o fim de
cometer crimes” (art. 288); “com o fim de prejudicar direitos” (art. 299); “para si ou para outrem”
(art. 155); “com abuso de confiança” (art. 155, § 4º, II); “abusando da situação de alguém” (art.
160) etc.

TIPO NORMAL E TIPO ANORMAL

Tipo normal é o que contém apenas elementos objetivos. Nesse caso, fala-se em tipicidade
normal. Exemplo: “matar alguém” (art. 121).
Tipo anormal é o que contém também elementos normativos ou subjetivos. Nessa hipótese,
fala-se em tipicidade anormal. Exemplo: “deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de
filho em idade escolar” (art. 246) etc.
Vimos, porém, que, de acordo com o finalismo e com a teoria jurídico-penal, o dolo e a culpa
integram a conduta, que, por sua vez, aloja-se dentro do tipo penal. Assim, o dolo (elemento
subjetivo) e a culpa (elemento normativo) situam-se no tipo penal. Portanto inexiste tipo normal,
pois no interior do tipo sempre haverá o dolo ou a culpa. Por consequência, todo tipo legal é
anormal.

TIPO FECHADO E TIPO ABERTO

Tipo fechado é o que contém a definição pormenorizada da conduta criminosa. Exemplo: art.
121 do CP.
Tipo aberto é o que não contém a definição completa do crime, devendo o magistrado
complementar a tipicidade através de um juízo valorativo. Exemplos: crimes culposos; rixa (art.
137); ato obsceno (art. 233) etc.

CONFLITO APARENTE DE NORMAS

Dá-se o conflito aparente de normas quando um fato único subsume-se em dois ou mais tipos
legais, aplicando-se, porém, apenas um deles.
Requisitos:
 unidade de fato, que pode ser simples ou complexa;
 pluralidade de normas nas quais se enquadram esse fato delituoso;

PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE

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A escolha pela lei especial é determinada pela comparação abstrata. Lendo-se a lei especial
percebe-se também a geral. A definição do homicídio é a seguinte: “matar alguém”. Já o infanticídio
encampa os elementos do homicídio, agregando-os a outros elementos especializantes: “matar,
sob influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após”. Note-se que os
elementos do homicídio (“matar alguém”) estão contidos na lei que incrimina o infanticídio.

PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE

De acordo com o princípio da subsidiariedade, a norma que prevê a ofensa maior do bem
jurídico exclui a aplicação da norma que prevê a ofensa menor desse mesmo bem jurídico.
Esse princípio é consagrado através da máxima Lex primaria derogat legi subsidiariae, isto é, a
lei primária exclui a aplicação da lei subsidiária.
O delito menos grave, dizia Nélson Hungria, atua como “soldado de reserva”.
A subsidiariedade pode ser:

 expressa ou explícita;
 tácita ou implícita.

Na subsidiariedade expressa, a própria lei declara formalmente que só será aplicada se o fato
não constituir crime mais grave. O art. 132 do CP, por exemplo, prevê em seu preceito secundário a
seguinte locução: “Pena — detenção, de 3 (três) meses a 1(um) ano, se o fato não constitui crime
mais grave”. Outros exemplos podem ser vistos nos arts. 163, parágrafo único, II, 177, § 1º, 238,
239, 249, 307, 325 e ainda nos arts. 21, 29 e 46 da LCP.
Na subsidiariedade tácita, o fato previsto em uma norma menos grave funciona como
elemento constitutivo, circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena de outra norma
mais grave.
De conformidade com essa definição, o crime de dano (art. 163) é subsidiário do furto
qualificado pelo rompimento ou destruição de obstáculo (art. 155, § 4º, I); o sequestro (art. 148) e a
extorsão (art. 158) são subsidiários do delito de extorsão mediante sequestro (art. 159); o dano
(art. 163) é subsidiário do incêndio (art. 250), e assim por diante.
Os princípios da subsidiariedade e especialidade são parecidos, mas não idênticos. Na
especialidade, a norma especial é aplicada ainda que mais branda do que a norma genérica. Na
subsidiariedade, ao inverso, a norma subsidiária é sempre excluída pela norma mais grave. Na
especialidade, a identificação do caráter geral ou especial das normas se estabelece in abstracto,
enquanto a subsidiariedade prima pela comparação das normas à luz do caso concreto. De fato,
quando o núcleo do tipo é o mesmo entre as duas normas em conflito é porque estamos diante do
princípio da especialidade, caracterizado pela relação de gênero e espécie. Tal ocorre, por
exemplos, entre os delitos de estupro e constrangimento ilegal, furto e roubo, etc Finalmente, na
especialidade existe relação de gênero e espécie entre as normas; na subsidiariedade, uma norma
não é espécie da outra.

PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO

Dá-se consunção quando “a norma incriminadora de fato que é meio necessário, fase normal
de preparação ou execução, ou conduta anterior ou posterior de outro crime, é excluída pela
norma deste”.

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Os fatos absorvidos pela norma consuntiva podem classificar-se em quatro grupos:

 crime progressivo;
 progressão criminosa;
 antefato (ou ante factum) impunível;
 pós-fato (ou post factum) impunível.

Ocorre o crime progressivo quando a prática de um delito pressupõe necessariamente a


prática de outro. Não há homicídio sem a precedente lesão corporal, ou bigamia sem falsificação
ideológica. O delito consumido é conhecido por crime de ação de passagem.
Por outro lado, configura-se a progressão criminosa quando, no mesmo contexto, o dolo do
agente sofre mutações. Há, pois, a multiplicidade do dolo. Aquele que, após injuriar, resolve ferir e
depois decide matar, responde apenas por homicídio.
Na realidade, como ensina Marcelo Fortes Barbosa, “a única diferença conceitual que se pode
estabelecer entre ambos os institutos situa-se no aspecto mutativo existente na progressão
criminosa no tocante ao elemento subjetivo e não presente no crime progressivo”. De fato, no
crime progressivo o agente, desde o início, desejava o resultado mais grave. Na progressão
criminosa, o agente, de início, pretendia apenas o crime menos grave, alterando, porém, a sua
intenção no desenrolar dos fatos até decidir produzir o resultado mais grave. No crime progressivo,
o dolo do agente é um só, do começo ao fim; na progressão criminosa, o dolo passa por uma série
de mutações (dolo de injuriar, de ferir e de matar).
Dá-se o ante factum impunível quando um delito menos grave é fase normal de preparação
ou execução de outro mais grave. O crime de arma de fogo é absorvido pelo delito de homicídio, a
menos que a arma não tenha sido usada pelo agente.
Note-se que enquanto no crime progressivo há incursão obrigatória pelo delito menos grave,
no ante factum tal não ocorre, uma vez que o delito mais grave pode ser cometido sem violação da
norma menos grave. Assim, é impossível matar sem antes ferir. Todavia, é possível matar sem arma
de fogo ou furtar sem chave falsa.
Por outro lado, o post factum impunível, no dizer de Aníbal Bruno, é aquele que se insere no
curso normal da intenção do agente, realizando o que realmente este se propunha a realizar, ou
aquele que já não representa maior dano para o bem jurídico anteriormente violado: “o ladrão
oculta a coisa furtada, ou a vende, ou a destrói; o moedeiro falso põe em circulação a moeda que
acaba de fabricar”. A nosso ver, não há necessidade de o fato posterior atingir o mesmo bem
jurídico e o mesmo sujeito passivo que o fato anterior. Basta, para a absorção, que o novo fato seja
uma consequência normal do anterior.
Vimos que a unidade de fato é requisito essencial à configuração do conflito aparente de
normas.
De acordo com Oscar Stevenson, a unidade de fato pode ser simples e complexa.
Na unidade simples o agente realiza um só comportamento. Na complexa, diz Stevenson, há
uma aglutinação de comportamentos que a lei disciplina como um só comportamento. Tal ocorre
com progressão criminosa, ante factum e post factum impuníveis. Essa unidade complexa, na
verdade, não deriva da lei.

PRINCÍPIO DA ALTERNATIVIDADE

Pelo princípio da alternatividade, a aplicação de uma norma exclui a aplicação da outra pelo

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mesmo fato. Assim, a infração patrimonial não poderá ser simultaneamente furto, apropriação
indébita e estelionato. Aqui, a nosso ver, não há qualquer conflito, porque o fato se enquadra em
apenas uma das normas. Falta, assim, um dos pressupostos do conflito aparente, qual seja, a
subsunção do fato em duas ou mais normas. Se, por exemplo, o mecânico se apodera do motor do
carro, que havia sido deixado em sua oficina para conserto, trocando-o por outro, sem que a vítima
houvesse consentido, surge o problema da adequação típica. Qual delito ele cometeu? Furto
fraudulento, apropriação indébita ou estelionato? Indubitavelmente, o fato, por ser único,
caracteriza apenas um delito, excluindo-se o eventual concurso de crimes. No caso, configurou-se o
delito de apropriação indébita, porque ele desfrutava de posse lícita e desvigiada. A fraude foi
posterior à apropriação, isto é, após o apoderamento do motor ele devolve o carro à vítima,
silenciando sobre a sua manobra inescrupulosa. No furto fraudulento e no estelionato, a fraude é
empregada para se obter a posse do bem. No exemplo em tela não houve fraude para a tomada da
posse, pois o carro fora deixado voluntariamente pela vítima na oficina.
O princípio da alternatividade também tem sido empregado para solucionar os conflitos
internos da norma penal, quando esta prevê várias condutas como formas de realização do mesmo
crime. Tal ocorre nos chamados crimes de ação múltipla. A realização sucessiva das diversas
condutas dá ensejo a um crime único. No art. 33 da Lei n. 11.343/06., a norma penal faz menção a
dezoito condutas. A realização de uma, de algumas ou de todas constitui crime único. Aqui também
não há conflito aparente de normas, porque o fato é regido por uma única norma. Não há duas
normas em conflito. Este se verifica dentro da própria norma.

DOLO

INTRODUÇÃO

Dispõe o art. 18, I:


“Diz-se o crime doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”.

TEORIAS DO DOLO

Sobre a discussão de concentrar-se o dolo na consciência ou na vontade, desenvolveram-se


três teorias: a teoria da representação, a teoria da vontade e a teoria do assentimento.
De acordo com a teoria da representação, para a configuração do dolo basta a previsão do
resultado. Essa doutrina, delineada por Frank e que mereceu o apoio de Liszt, não pode prevalecer,
pois confunde dolo com culpa consciente.
Já a teoria da vontade preconiza que, para a existência do dolo, não basta que o agente tenha
previsto o resultado, urge ainda o desejo de realizá-lo. Segundo essa doutrina, o dolo pode ser
definido como a vontade consciente de realizar o fato criminoso. A consciência exprime a ideia de
previsão do resultado, e a vontade, o desejo de concretizá-lo.
Por outro lado, a teoria do consentimento ou assentimento ou anuência apenas
complementa a teoria da vontade, acatando suas ideias, porém acrescentando que há também
dolo quando o agente não quer propriamente o resultado, mas realiza a conduta prevendo e
aceitando que ele ocorra, isto é, assumindo o risco de produzi-lo.
O Código, no art. 18, I, filiou-se à teoria da vontade, completada pela teoria do
consentimento, deixando de lado a superada teoria da representação, que acabou abandonada até
por Von Liszt e Frank, seus mais árduos defensores.

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ELEMENTOS DO DOLO

O conhecimento (elemento intelectual) e a vontade (elemento volitivo) são os dois elementos


do dolo.
Deve o conhecimento abranger todos os elementos constitutivos do tipo. Não pense, porém,
que o agente deva ter consciência dos fatos não mencionados no tipo penal. A consciência só
precisa ir até as circunstâncias do fato previstas no tipo legal. Se, por exemplo, “A” mata “B”, por
confundi-lo com “C”, não há exclusão do dolo, diante da consciência de que estava matando
alguém (“ser humano”). Se, por exemplo, “A” subtrai um relógio dourado pensando que é de ouro,
subsiste o dolo, pois há a consciência de que se trata de coisa alheia.
Quanto ao elemento volitivo, o dolo é a vontade de realização da conduta típica.

DOLO DIRETO DE PRIMEIRO GRAU (DETERMINADO, INTENCIONAL, INCONDICIONADO) E


DOLO INDETERMINADO (INDIRETO)

No dolo direto de primeiro grau, o agente visa produzir um evento certo. Sua vontade se fixa
numa só direção. Pedro atira contra Paulo para matá-lo.
No dolo indeterminado ou indireto, a vontade do agente não se fixa num só sentido ou
direção. Não há a vontade exclusiva de produzir determinado evento. Subdivide-se em: dolo
alternativo e dolo eventual.
Verifica-se o dolo alternativo quando o agente visa produzir, com igual intensidade, um ou
outro resultado. Exemplo: o agente atira para ferir ou para matar. Nesse caso, deve ser imputado
ao agente o crime mais grave, porquanto a sua vontade projetou-se também para esse sentido.
No dolo eventual, o agente não quer propriamente o resultado, mas assume o risco de
produzi-lo. Ele prevê a hipótese de produzir o resultado e mesmo assim realiza a conduta,
assumindo e aceitando o risco de produzi-lo. Note-se, porém, que o agente não quer o resultado,
caso contrário o dolo seria direto. O agente que realiza a conduta, na dúvida sobre se o resultado
irá ou não verificar-se, responde pelo dolo eventual.
Um médico, para fim científico, experimenta in anima nobili certa substância química, que
talvez possa (juízo dubitativo) causar a morte do paciente, e o resultado letal vem, realmente, a
ocorrer. Dá-se, aqui, incontestavelmente, um homicídio com dolo eventual (exemplo de Nélson
Hungria).
Ao contrário do que ocorre no dolo direto, observa Aníbal Bruno, “no eventual a vontade do
agente não se dirige propriamente ao resultado, mas apenas ao ato inicial, que nem sempre é
ilícito, e o resultado não é representado como certo, mas só como possível. Mas o agente prefere
que ele ocorra, a desistir da conduta”.
Sutil a linha divisória entre o dolo eventual e a culpa consciente, pois em ambos sobressai um
ponto comum: a previsão do resultado.
No dolo eventual, porém, o agente realiza a conduta sem afastar a hipótese de produzir o
resultado ilícito. Segundo a fórmula de Frank, desenvolvida para a teoria positiva do
consentimento, no dolo eventual o agente diz consigo mesmo: “seja como for, dê no que der, em
qualquer caso não deixo de agir”. Já na culpa consciente, o agente realiza a conduta acreditando
sinceramente que o resultado previsto não se realizará. Ele atua descartando a hipótese de
produzir o resultado. Um caçador avista uma ave e resolve alvejá-la com a sua espingarda,
prevendo que pode errar o alvo e atingir uma pessoa. Atira e fere a pessoa. Se, malgrado a
previsão, considerava improvável a ocorrência do resultado, descartando a hipótese de produzi-lo,

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haverá culpa consciente. Se, no entanto, aceitou o resultado como uma das hipóteses prováveis,
atuando sem descartar a possibilidade de realizá-lo, haverá dolo eventual.

DOLO GENÉRICO E DOLO ESPECÍFICO

Verifica-se o dolo genérico nos tipos penais em que a vontade do agente se esgota com a
prática da conduta objetivamente criminosa. Exemplo: “matar alguém” (CP, art. 121).
Já o dolo específico projeta-se nos tipos penais que exigem do agente uma finalidade
particular, que ultrapassa os limites do fato material: “matar alguém para assegurar a execução,
ocultação, impunidade ou vantagem de outro crime” (CP, art. 121, §2º, V). Outros exemplos: “com
o fim de transmitir” (CP, art. 131); “para satisfazer interesse ou sentimento pessoal” (art. 319).

DOLO GERAL (“DOLUS GENERALIS”) OU ERRO SUCESSIVO

Verifica-se o dolo geral quando o agente, supondo ter produzido o resultado visado, realiza
nova conduta com finalidade diversa, sendo que esta é que acaba efetivamente produzindo o
evento de início desejado.

O exemplo clássico, reproduzido por Nélson Hungria, é o seguinte: um indivíduo, depois de


haver, occidendi animo, golpeado outro, e supondo erroneamente que este já está sem vida, atira o
presumido cadáver em um rio, vindo a verificar-se, pela autópsia, que a morte ocorreu por
afogamento, e não em consequência da lesão anterior.
Diversos autores vislumbram na hipótese uma tentativa de homicídio em concurso com
homicídio culposo.
Perante nosso Código, porém, torna-se insustentável semelhante ponto de vista, diante da
adoção da teoria da conditio sine qua non. A ação ulterior, de lançar a vítima ao rio, encontra-se na
mesma linha de desdobramento físico da conduta anterior, de modo que o agente deve responder
por homicídio doloso consumado. Suprimindo in mente a conduta inicial o resultado não teria
ocorrido como ocorreu. Por consequência, a sua conduta deu causa à morte da vítima (art. 13,
caput). O erro sobre o nexo causal não exclui o dolo, devendo o agente responder pelo resultado
ainda que este não se verifique de acordo com o que foi inicialmente projetado.
Sobremais, como vimos, o dolo não precisa encontrar-se presente no momento da eclosão do
resultado. Basta que a conduta inicial se desencadeie dolosamente.
“DOLUS IN RE IPSA” OU DOLO PRESUMIDO

Dolo presumido é o que não precisa ser demonstrado no caso concreto. É evidente que não
existe dolo presumido, pois o direito penal moderno não se compactua com a denominada
responsabilidade objetiva.
A presença do dolo no ânimo do agente deve ser demonstrada no caso concreto. Admitem-se
todos os meios lícitos de prova. A prova torna-se mais difícil quando se trata do dolo eventual.

DOLO DIRETO DE SEGUNDO GRAU OU DOLO DE CONSEQUÊNCIAS NECESSÁRIAS

Dolo de consequências necessárias é o que abrange os resultados derivados obrigatoriamente


da prática da conduta criminosa. Exemplo: desejando eliminar o desafeto, o sujeito coloca uma
bomba-relógio no avião onde a sua vítima devia viajar. A morte de outros passageiros do avião é
uma consequência obrigatória do meio empregado para alcançar o seu objetivo.

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Nesse caso, a morte dos outros passageiros deve ser imputada ao agente a título de dolo
direto de segundo grau, pois ele tinha certeza da morte dos demais passageiros.
Finalmente, cumpre não confundir o dolo direto de segundo grau e dolo eventual. Em ambos,
o agente não quer produzir o resultado. Todavia, no dolo direto de segundo grau, o agente tem
certeza de que, dos meios empregados, ocorrerá necessariamente o resultado indesejado, ao passo
que, no dolo eventual, o agente não tem essa certeza, mas apenas dúvida.

CRIME CULPOSO

CONCEITO E ELEMENTOS

Dispõe o art. 18, II, do CP:


“Diz-se o crime culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência,
negligência ou imperícia”.
Arriscamo-nos, porém, a propor a seguinte definição:
“Diz-se o crime culposo quando o agente, deixando de observar o cuidado necessário, realiza
conduta que produz resultado, não previsto nem querido, mas previsível, e excepcionalmente
previsto e querido, que podia, com a atenção devida, ter evitado”.
Assim, em regra, o crime culposo apresenta os seguintes elementos: conduta inicial
voluntária; violação do dever de cuidado, por imprudência, negligência ou imperícia; resultado
involuntário; nexo causal entre a conduta e o resultado; previsibilidade objetiva do resultado;
ausência de previsão; tipicidade.

CONDUTA INICIAL VOLUNTÁRIA

No crime culposo, a vontade limita-se à realização da conduta perigosa. Não há, todavia,
vontade dirigida à produção do resultado naturalístico.
Tenha-se presente, destarte, que no crime culposo a conduta inicial é sempre voluntária. Por
exemplo, o motorista que se aventura a imprimir alta velocidade em local inadequado realiza, sem
dúvida, um ato de vontade.

VIOLAÇÃO DO DEVER DE CUIDADO

Na essência de todo crime culposo encontra-se uma falta de atenção inescusável, consistente
na violação do dever de cuidado.
A vida em comunidade social impõe, a cada pessoa, o dever de abster-se da prática de
condutas perigosas, exigindo do homem as cautelas necessárias para evitar que de seus atos
possam resultar dano a bens jurídicos alheios.
É relativo, entretanto, esse dever de evitar situações de perigo para bens jurídicos alheios.
Por outro lado, ainda nesse tópico, cumpre examinar as três modalidades de culpa —
imprudência, negligência e imperícia — responsáveis pela violação do cuidado objetivo necessário.
Imprudência é a culpa in agendo, que consiste na prática de uma ação perigosa sem as
cautelas oportunas. Exemplo: municiar arma de fogo na frente de outras pessoas.
Negligência é a culpa in omitendo, consistente na inobservância dos cuidados exigidos pelas
circunstâncias. Negligenciar é omitir a ação que o caso requer.

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Imperícia é a chamada culpa profissional, que se traduz na falta de aptidão para o exercício de
arte, profissão ou ofício. Verifica-se sempre no exercício de uma atividade em que o agente, não
obstante autorizado a exercê-la, não dispõe dos conhecimentos teóricos ou práticos para bem
desempenhá-la. É o caso do médico que, não possuindo cabedal suficiente para efetuar certa
operação, provoca a morte do paciente.
É mister não confundir imperícia com negligência ou imprudência cometida no exercício de
arte, profissão ou ofício. Na imperícia, o profissional inobserva a regra técnica ou prática que,
devido ao despreparo, ele desconhecia. Na negligência, o profissional inobserva por desleixo uma
regra que ele conhecia. Exemplo: o médico esquece uma pinça dentro do abdômen do paciente. Na
imprudência, o profissional pratica um ato perigoso (ex.: o médico realiza a cirurgia por um
processo complexo quando podia efetuá-la por processo simples).
Não se perca de vista, porém, que a imperícia deve sempre ocorrer no exercício de uma
atividade (arte, profissão ou ofício) que o agente esteja autorizado a exercer, caso contrário, sob o
prisma jurídico, será imprudência ou negligência. O motorista que tem habilitação legal, mas não
sabe dirigir o veículo que conduz, será imperito. Se, além de não saber dirigir, ainda não tem
carteira de habilitação, será imprudente.

RESULTADO INVOLUNTÁRIO

No crime culposo, o resultado funciona como elemento constitutivo do tipo.


Não há crime culposo, nem mesmo na forma tentada, se da conduta culposa não advém o
resultado lesivo.

NEXO CAUSAL

A consumação do crime culposo depende da ocorrência do evento naturalístico. Assim, os


delitos culposos ingressam na categoria dos denominados crimes materiais, que são aqueles em
que o tipo penal descreve a conduta e o resultado, exigindo, para a consumação, que este último se
verifique.

PREVISIBILIDADE OBJETIVA DO RESULTADO

O cerne da culpa reside na imprevisão do previsível.


A previsibilidade, no plano da tipicidade do crime culposo, deve ser apurada de acordo com o
grau de atenção do homo medius.
Há previsibilidade quando o homem médio, nas circunstâncias em que se encontrava o
agente, teria antevisto o resultado.
O homo medius é uma figura hipotética que o juiz imagina reunir a inteligência e perspicácia
inerentes à maioria das pessoas que integram a comunidade social. É, pois, o representante
hipotético do homem comum.

AUSÊNCIA DE PREVISÃO

No crime culposo, o agente não prevê o resultado previsível ao homo medius; caso contrário,
estaríamos diante do dolo.
Excepcionalmente, porém, na chamada culpa consciente, como veremos, há previsão do
resultado.

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TIPICIDADE

Os crimes culposos são tipos abertos, pois a complementação da definição da figura típica
depende de um juízo valorativo do magistrado.
A tipicidade depende da concretização de todos os elementos do crime culposo, dos quais
merecem destaque a violação do dever de cuidado e a previsibilidade objetiva do resultado.

ESPÉCIES DE CULPA

Hão que se distinguir quatro espécies de culpa: a inconsciente (comum), a consciente (com
previsão), a própria e a imprópria (por extensão, equiparação ou assimilação).
Na culpa inconsciente (culpa ex ignorantia), o agente não prevê o resultado previsível.
Na culpa consciente ou por representação (culpa ex lascivia), o agente, após prever o
resultado, realiza a conduta acreditando sinceramente que ele não ocorrerá.
Por outro lado, verifica-se a culpa própria quando o agente não quer o resultado nem assume
o risco de produzi-lo.
Já na denominada culpa imprópria, o agente, após ter previsto o resultado, realiza a conduta
por erro inescusável quanto à ilicitude do fato. Nesse caso, o erro inescusável pode incidir sobre as
chamadas descriminantes putativas ou sobre o excesso nas justificativas. Na culpa imprópria, o
agente recai em erro quanto à ilicitude do resultado. Ele acredita encontrar-se em situação que, se
realmente existisse, excluiria a ilicitude do fato. São as chamadas descriminantes putativas (legítima
defesa putativa, estado de necessidade putativo etc.).
Exemplo: “A” atira em “B”, supondo que estava prestes a ser alvejado, quando, na verdade,
“B” enfiara a mão no bolso para pegar um cigarro. Se escusável o erro, exclui-se a culpabilidade
(legítima defesa putativa); se inescusável, responde pelo crime a título de culpa.
Na verdade, na denominada culpa imprópria o agente procede com dolo, pois realiza a
conduta com a intenção de produzir o resultado. Todavia, por razões de política criminal, o Código
aplica ao fato a pena do crime culposo.

CULPA PRESUMIDA (OU “IN RE IPSA”)

Culpa presumida é a que deriva da simples inobservância de disposição regulamentar.


O CP de 1890 consagrou-a, de modo que da conduta que violasse leis ou regulamentos
emergia, juris et de jure, a responsabilidade do agente. Do atropelamento provocado pelo condutor
de veículo que dirigisse sem habilitação legal, presumia-se a sua culpa, ainda que no caso concreto
a culpa tivesse sido exclusivamente da vítima.
Esse sistema da presunção de culpa, que consagrava a monstruosa responsabilidade objetiva,
atentava contra o princípio da presunção de inocência.
Felizmente, porém, o Código de 1940 eliminou a culpa presumida, que, na reforma penal de
1984, continuou sepultada.
Já não existe culpa presumida. Em nosso Código há somente a culpa efetiva: toda culpa
necessita de demonstração real, em cada caso concreto.

GRAUS DE CULPA

De acordo com a sua intensidade, subdivide-se a culpa em grave (lata), leve e levíssima.

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A primeira se identificaria quando qualquer pessoa pudesse prever o evento (ex.: deixar arma
de fogo nas mãos de uma criança). A segunda ocorreria no caso em que apenas o homem médio
pudesse prever o resultado (ex.: guardar a arma carregada em cima do guarda-roupa). A terceira
ocorreria quando o resultado fosse previsível apenas para o homem de excepcional cautela (ex.:
guardar o revólver em lugar quase inacessível às crianças). A culpa levíssima equipara-se ao caso
fortuito, culminando com a absolvição do agente.
No que tange à chamada culpa levíssima, desde que o evento não seja previsível ao homo
medius, exclui-se o crime, equiparando-se, portanto, ao caso fortuito. Exemplo: no Brasil,
terremoto derruba um prédio construído sem qualquer aparato para evitá-lo. Em nosso país, não
há previsão da ocorrência de terremotos, de modo que o engenheiro responsável pela obra não
pode ser responsabilizado penalmente pelos danos causados aos moradores. Noutros países, como,
por exemplo, o Japão, o fenômeno é corriqueiro, recaindo a responsabilidade sobre o engenheiro
que não providenciou o aparato necessário para suportar o tremor, deixando, nesse caso, a culpa
de ser levíssima.

COMPENSAÇÃO DE CULPAS

Dá-se a compensação de culpas quando a culpa do acusado é anulada pela presença da culpa
da vítima. Assim, o motorista que culposamente provocasse o atropelamento não poderia ser
punido na hipótese de culpa concorrente da vítima.
Semelhante ponto de vista afrontaria por certo a teoria da conditio sine qua non.
No direito penal, não existe compensação de culpas porque a apuração da responsabilidade
penal é obrigatória. A culpa da vítima não exclui a culpa do réu. O fenômeno da compensação de
culpas só tem sentido no direito privado, para reduzir ou anular o valor da indenização.
Cumpre, porém, anotar que a culpa da vítima, apesar de não excluir a culpa do agente,
funciona como circunstância judicial favorável ao acusado, devendo o juiz considerá-la na fixação
da pena-base (CP, art. 59).

CONCORRÊNCIA DE CULPAS

Dá-se a concorrência de culpas quando dois ou mais agentes, culposamente, contribuem para
a eclosão do resultado naturalístico. Todos respondem pelo evento lesivo, por força da teoria da
conditio sine qua non.
Não se confunde a co-autoria, em que diversos agentes realizam de comum acordo a conduta
culposa, com a concorrência de culpas, em que diversos agentes realizam a conduta culposa sem
que haja entre eles qualquer liame psicológico.

CARÁTER EXCEPCIONAL DO CRIME CULPOSO

É o que rege o parágrafo único do art. 18 do CP:


“Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime,
senão quando o pratica dolosamente”.
Como se vê, só há crime culposo nos casos expressos em lei (p. ex.: arts. 121, § 3º, 129, § 6º, e
outros), que, por sinal, são diminutos.

CAUSAS DE EXCLUSÃO DA CULPA

São causas de exclusão da culpa: o caso fortuito ou força maior, o erro profissional e o
princípio da confiança.

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a) Caso fortuito ou força maior é o acontecimento imprevisível e inevitável. Como vimos, para
efeitos penais, equipara-se ao caso fortuito a chamada culpa levíssima.
b) Já o erro profissional é o que decorre da falibilidade das regras da ciência. Difere da
imperícia. No erro profissional, o agente observa as regras do ofício, que, no entanto, por estarem
em constante evolução, mostram-se imperfeitas em determinado caso concreto (ex.: o anestesista
ministra corretamente o medicamento na paciente, observando com rigor as regras da medicina,
mas mesmo assim a morte sobrevém). O erro profissional exclui a culpa, pois a falha já não é do
agente, e sim da própria ciência. Diferentemente, na imperícia, o agente inobserva as regras
recomendadas pela profissão, arte ou ofício. A imperícia constitui uma das modalidades de culpa,
visto que a falha não deriva da ciência, mas do próprio agente.
c) De acordo com o princípio da confiança, o usuário da via pública que respeita as normas de
circulação de veículos tem o direito de acreditar que os demais também irão conduzir-se
corretamente. Se, por exemplo, diante do sinal aberto, o motorista ingressa no cruzamento,
mesmo prevendo que um tresloucado veículo poderá desrespeitar o sinal, que para ele se encontra
fechado, vindo a ocorrer a colisão, exclui-se a culpa do primeiro em atenção ao princípio da
confiança. Tratando-se, porém, de pedestre que inadvertidamente vaga pelo centro da rua, não
poderá o motorista, malgrado a abertura do sinal para ele, avançar com o seu veículo, matando e
estropiando impunemente, pois, caso contrário, como dizia Nélson Hungria, “estaria implantada, na
vida social, a lei do mato virgem”.
CRIME PRETERDOLOSO

Dá-se o crime preterdoloso quando a conduta dolosa produz um resultado culposo mais grave
do que o querido pelo agente. Há, como se vê, dolo no antecedente e culpa no consequente.
Nesse tipo de delito, o agente produz resultado diverso do pretendido. Há, pois, divergência
entre a sua vontade e o resultado maior produzido. O exemplo clássico é o da lesão corporal
seguida de morte (art. 129, § 3º), em que o agente dá um soco na vítima, que, durante a queda,
bate a cabeça no chão e morre. Note-se que o agente realiza a conduta com a intenção de ferir
(animus laedendi), sobrevindo, por culpa, a morte da vítima.
No crime preterdoloso, o agente não quer nem assume o risco de produzir o resultado mais
grave, todavia este sobrevém por sua culpa. A existência de dolo direto ou eventual em relação ao
evento agravador elimina o caráter preterdoloso do delito.
São, pois, seus elementos:

 conduta dolosa direcionada a resultado menos grave;


 resultado culposo mais grave;
 nexo causal entre a conduta dolosa e o resultado culposo.

Perante nosso Código, porém, o resultado maior que o desejado só pode ser atribuído ao
agente que o houver causado ao menos culposamente. É o que dispõe o art. 19 do CP: “Pelo
resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos
culposamente”. Urge, portanto, que o evento seja previsível ao homo medius. Eliminou-se,
destarte, o sistema da responsabilidade objetiva, de modo que o agente não responde mais pelo
caso fortuito ou força maior, isto é, pelos eventos que escapam da perspicácia do homem médio.
Se, por exemplo, “A” fere uma das falanges de “B”, que, por falta de higiene, deixa o ferimento
infeccionar-se, vindo a contrair tétano e a morrer, não se lhe pode imputar o evento fortuito, cuja
previsibilidade de verificação não podia ser captada pelo homo medius. Dir-se-á que a morte se

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encontra na mesma linha de desdobramento físico da conduta do agente, consoante o


procedimento hipotético de eliminação de Thyrén. Todavia, não se pode olvidar que à causalidade
física conjuga-se a causalidade psicológica (dolo e culpa), e, no caso, no tocante ao evento morte,
não ocorreu dolo ou culpa, devendo por isso atribuir-se o evento ao acaso.

ERRO DE TIPO

CONCEITO

Ocorre o erro de tipo quando o agente se engana sobre os elementos da figura típica. A esse
verdadeiro erro de tipo, que incide sobre os elementos do tipo legal, dá-se o nome de erro de tipo
essencial. O caçador acredita matar um animal e, no entanto, mata uma pessoa. O agente se crê
dono do objeto subtraído, que, no entanto, pertence a terceiro.

ESPÉCIES

O erro de tipo pode ser invencível ou vencível.


Erro invencível ou escusável é o que não emana da culpa do agente. Ainda que ele
empregasse a atenção do “homem médio” o erro ter-se-ia verificado.
Erro vencível ou inescusável é o que emana da culpa do agente. Para evitá-lo bastaria a
atenção normal do “homem médio”.
É a análise do caso concreto que irá concluir pelo caráter escusável ou inescusável do erro.

EFEITOS

Determina o art. 20 do CP:


“O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a
punição por crime culposo, se previsto em lei”.

Do exposto se dá conta que o erro escusável exclui o dolo e a culpa, permanecendo o agente
impune, ao passo que o erro inescusável elimina apenas o dolo, subsistindo a culpa, mas a punição
por crime culposo só ocorre se o fato, na modalidade culposa, estiver previsto em lei.
No exemplo do caçador que, diante de um vulto, atirou em uma pessoa pensando tratar-se
de animal, se o erro for escusável, nenhum crime ser-lhe-á imputado, mas, se for inescusável,
responderá por homicídio culposo. Já o agente que, por engano, subtrai objeto de terceiro,
supondo-o próprio, não responderá por nada, seja o erro escusável, seja inescusável, porque o
furto não é punido na forma culposa.

ERRO DETERMINADO POR TERCEIRO

Dispõe o § 2º do art. 20 do CP: “Responde pelo crime o terceiro que determina o erro”.
a) espontâneo: quando o agente erra sozinho, isto é, sem ter sido provocado por outrem;
b) provocado: quando uma terceira pessoa, por dolo ou culpa, induz o agente a cometê-lo.

Atuando o provocador dolosamente, ser-lhe-á imputado, a título de dolo, o delito cometido


pelo provocado. Este, por sua vez, se o erro for escusável, por nada responderá; mas, se
inescusável, será incriminado na forma culposa, caso o delito seja punível nesta modalidade. O

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exemplo clássico que os autores costumam apontar é o de Tício, que, desejando matar Caio,
entrega uma arma carregada a Mévio, que atira em Caio, matando-o, após ter sido convencido de
que o revólver estava desmuniciado. Tício, o provocador, responde por homicídio doloso. Mévio,
que queria apenas brincar com Caio, responde por homicídio culposo, se o erro for inescusável,
mas, se for escusável, nenhum delito lhe será imputado. Na verdade, sendo o erro escusável, a
questão é resolvida nos moldes da autoria mediata, uma vez que Tício, para cometer o crime,
serviu-se de Mévio, que atuou sem culpabilidade. Não se pense, porém, que o § 2º do art. 20 do CP
contenha preceito inútil, porque se o erro for inescusável não há autoria mediata e muito menos
concurso de pessoas, já que não há participação dolosa em crime culposo, de modo que é o aludido
§ 2º do art. 20 que nos fornece a solução do problema.
Suponha-se, ainda no exemplo acima, que Mévio, percebendo o propósito de Tício, atire em
Caio ciente de que a arma está carregada. Tício e Mévio respondem por homicídio doloso,
caracterizando-se, aí, verdadeiro concurso de pessoas. Em tal hipótese, não há falar-se em erro,
porque Mévio tinha pleno conhecimento da realidade.
Ao inverso, se Tício, de boa-fé, supondo descarregada a arma, a entrega a Mévio, vindo este a
atirar em Caio, matando-o, a solução será a seguinte: Tício e Mévio respondem por homicídio
culposo, se o erro for inescusável, ou por nada respondem, na hipótese de erro escusável. Note-se
que se ambos agissem sob erro inescusável ter-se-ia o concurso de pessoas, devido à
homogeneidade de elementos normativos. Se Mévio atirasse ciente de que o revólver estava
carregado, ser-lhe-ia imputado o delito de homicídio doloso, respondendo Tício, no caso de erro
inescusável, por homicídio culposo, mas aí já não haveria entre eles o concurso de pessoas, porque
não há participação culposa em crime doloso.

DESCRIMINANTES PUTATIVAS

Dispõe o § 1º do art. 20 do CP:


“É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação
de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de
culpa e o fato é punível como crime culposo”.
Vê-se assim que nas descriminantes putativas o agente, por erro, supõe situação de fato que,
se realmente existisse, tornaria a sua conduta lícita. As descriminantes putativas, também
chamadas de erro de tipo permissivo, a nosso ver, não constituem erro de tipo, mas um caso
especial de erro de proibição. É, pois, um erro sobre a ilicitude do fato, e não sobre os elementos
do tipo legal.
As descriminantes putativas podem projetar-se em todas as excludentes da ilicitude (legítima
defesa, estado de necessidade, exercício regular do direito e estrito cumprimento do dever legal).
Se o erro é escusável, exclui-se a culpabilidade; se inescusável, subsiste a punição por crime
culposo, a menos que o fato não seja previsto na forma culposa. Se o erro é inescusável não há
exclusão do dolo, porque o agente atua com intenção de produzir o evento lesivo. Trata-se, na
verdade, de crime doloso, que o legislador, por política criminal, resolveu punir na modalidade
culposa. É o que a doutrina resolveu chamar de culpa imprópria.

ERRO ACIDENTAL

Erro acidental é o que versa sobre a pessoa ou objeto, bem como sobre o nexo causal e a
execução do crime, ou então sobre circunstâncias qualificadoras.
O erro acidental deixa intacto o crime e não elimina a responsabilidade penal.

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Enumeramos as seguintes hipóteses de erro acidental:

 erro sobre o objeto (error in objecto);


 erro na execução (aberratio ictus);
 resultado diverso do pretendido (aberratio delicti ou aberratio criminis);

Ocorre o erro sobre o objeto quando o agente acredita que sua conduta recai sobre uma
coisa e, no entanto, recai sobre outra. Tal se dá quando se crê de ouro o relógio dourado, ou vice-
versa. Não haverá, contudo, lugar para amenização da pena, porque esse erro é irrelevante.
Já o erro sobre a pessoa ocorre quando o agente confunde a sua vítima com outra. João,
querendo matar José, atira em Pedro, irmão gêmeo de José. Trata-se de hipótese dificilmente
verificável. O Código, porém, a disciplina no § 3º do art. 20: “O erro quanto à pessoa contra a qual o
crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades
da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime”. Se “A”, pretendendo
matar “B”, seu irmão, desfecha, na escuridão da noite, um tiro em “C”, supondo tratar-se de “B”,
incide a agravante genérica de ter sido o crime cometido contra irmão (art. 61, II, e). Se, ao inverso,
matasse o irmão, supondo-o ser outra pessoa, o homicídio não teria a aludida agravante genérica.
Por outro lado, tem-se a aberratio ictus quando, por acidente ou erro no uso dos meios de
execução, o agente atinge alguém que não aquele que pretendia ofender. Distingue-se do erro
sobre a pessoa porque, neste, a pessoa visada não corre perigo, à medida que o agente a toma por
outra. Na aberratio ictus, o agente dirige a sua conduta contra a pessoa visada, mas por erro no
ataque ou algum acidente de execução acaba atingindo outra. Aqui não há confusão de uma pessoa
por outra, tanto é assim que o indivíduo visado também corre perigo.
Na aberratio ictus o agente erra no uso dos meios de execução, geralmente por imperícia. Ele
tem a clara percepção da realidade e da pessoa que pretende atingir. O réu não pensa, por
equívoco, que João é José, do contrário haveria erro sobre a pessoa.
Se, na aberratio ictus, o agente atinge pessoa diversa, porém, não atinge a pessoa que
pretendia ofender, a questão se resolve nos moldes do erro sobre a pessoa (art. 73, 1ª parte). O
agente responde como se tivesse atingido a pessoa contra quem ele queria praticar o crime.
Suponha-se que “A”, com animus necandi, dispare um tiro em “B”, mas erra o alvo, matando uma
outra pessoa. Responde por homicídio doloso, como se tivesse atingido “B”. Não se consideram,
neste caso, as condições ou qualidades da vítima “C”, mas as de “B”. Se “B” era irmão de “A”, incide
a agravante do art. 61, II, e, do CP. Se, ao inverso, “C” era o irmão de “A”, não incide a agravante. A
rigor, “A” teria cometido uma tentativa de homicídio contra “B” em concurso formal com homicídio
culposo contra “C”. Todavia, o Código soluciona o problema de maneira diferente, imputando um
único delito ao agente. Se, diferentemente, tivesse apenas ferido “C”, “A” responderia por tentativa
de homicídio doloso, como se tivesse atingido “B”. Cumpre acrescentar ainda que na aberratio com
resultado duplo, o Código se desvencilha do sistema do crime único, enveredando-se pelo concurso
formal de crimes. Dispõe o art. 73, segunda parte, do CP: “No caso de ser também atingida a pessoa
que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código”. Como se vê, reconhece-
se na aberratio ictus com resultado duplo a existência de um concurso de crimes. Exemplo: “A”,
com animus necandi, dispara um tiro em “B”, matando-o e ferindo “C”. Responde por homicídio
doloso consumado em concurso formal com o crime de lesão corporal culposa. Aplica-se a pena do
homicídio, aumentada de um sexto até a metade (art. 70). Se, porém, fere “B” e mata “C”, a
doutrina não tem um entendimento uniforme. Para Damásio E. de Jesus, “A” responderia por
homicídio doloso consumado, como se tivesse matado “B”, em concurso formal com lesão culposa,
como se tivesse ferido “C”. A nosso ver, porém, a melhor solução é a de Fragoso, que imputa a “A”

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o delito de tentativa de homicídio contra “B” em concurso formal com o delito de homicídio
culposo. De fato, a segunda parte do art. 73 reporta-se ao art. 70, sem fazer menção ao § 3º do art.
20 do mesmo Codex.
Se, ainda no mesmo exemplo, “A” atirasse em “B”, desejando também a morte de “C”, ter-se-
ia o chamado “desígnio autônomo”, aplicando-se, destarte, a segunda parte do art. 70 do CP, que
prevê o concurso formal imperfeito, impondo-se, nesse caso, o somatório das penas. “A”
responderia por homicídio doloso consumado em concurso material com o delito de tentativa de
homicídio. Não nos parece, porém, que haja aí aberratio ictus, pois não houve acidente nem erro
nos meios de execução; o agente desejava os dois resultados.
Temos ainda a aberratio delicti, que ocorre quando, por acidente ou erro na execução do
crime, sobrevém resultado diverso do pretendido. Enquanto na aberratio ictus o agente atinge
pessoa diversa da pretendida, na aberratio delicti, ao invés de atingir a pessoa que pretendia,
atinge uma coisa, ou, ao invés de atingir uma coisa, ofende uma pessoa. O exemplo clássico,
formulado por Maggiore, é o do agente que, querendo quebrar a janela alheia com uma pedrada,
fere um transeunte. Nesse caso, ele responde apenas por lesão culposa, que absorve a tentativa de
dano (art. 74, 1ª parte). Se, ao inverso, querendo ferir a pessoa, erra o alvo, acertando a janela, já
não se poderá aplicar a solução do art. 74 do CP, porque o delito de dano não é punido na forma
culposa, de modo que o bom-senso recomenda puni-lo por tentativa de lesão corporal. O art. 74, 1ª
parte, do CP, deve ser interpretado restritivamente, sob pena de gerar soluções absurdas. Tome-se
o seguinte exemplo: “A” atira em “B”, para matá-lo, erra o alvo e, por culpa, acaba destruindo uma
planta. Vale lembrar que o art. 49, parágrafo único, da Lei n. 9.605/98, passou a incriminar o dano
culposo em plantas de ornamentação de logradouros públicos ou em propriedade privada alheia.
Uma interpretação gramatical do art. 74 do CP faria com que o agente respondesse apenas pelo
delito do art. 49 da citada lei. Por isso, deve ser interpretado restritivamente, porque disse mais do
que quis. Assim, quando o art. 74 do CP enuncia que o agente deve responder tão-somente pelo
resultado produzido, leia-se: “desde que o resultado produzido seja um crime mais grave do que o
visado pelo agente”. Desnecessário dizer a incoerência de um dano culposo absorver uma tentativa
de homicídio. Portanto, no exemplo ministrado, haverá tão-somente a tentativa de homicídio. A
segunda parte do art. 74 do CP determina que “se ocorre também o resultado pretendido, aplica-se
a regra do art. 70 deste Código”. Assim, se, além de quebrar a janela que pretendia quebrar, o
agente fere um transeunte, haverá concurso formal entre o crime de dano e o delito de lesão
corporal culposa. Em contrapartida, se pretendia ferir a pessoa, e, além de feri-la, ainda quebra a
janela, não haverá concurso formal, diante da inexistência do delito de dano culposo, restando-lhe
apenas a punição por lesão dolosa.
Cumpre ainda salientar que se o agente pretende quebrar a janela, mas a pedra lançada fere
uma pessoa, só haverá a responsabilidade pelo delito de lesão corporal culposa se agiu com culpa.
A lei veda a responsabilidade objetiva. Se não houver culpa, a única opção será puni-lo pelo delito
de tentativa de dano. Pode ocorrer ainda que ele queira, com uma pedrada, ferir a pessoa e ainda
quebrar a janela alheia. Há aí desígnios autônomos, aplicando-se o somatório das penas, nos
moldes do concurso formal imperfeito (art. 70, 2ª parte). Vindo a produzir os dois resultados,
responderá por lesão corporal dolosa em concurso material com o delito de dano.

CRIME CONSUMADO

CONCEITO

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Consoante o inciso I do art. 14 do CP, diz-se o crime consumado, “quando nele se reúnem
todos os elementos de sua definição legal”.
Para a consumação do crime não é necessário que o agente alcance todos os fins a que se
propusera. Basta que o fato concreto reproduza todos os elementos essenciais do tipo legal. Nesse
momento de coincidência entre o fato concreto e o tipo legal ocorre a consumação do crime.

CRIME EXAURIDO (OU ESGOTADO)

Diz-se o crime exaurido quando, após a consumação, ainda produz outros efeitos lesivos. O
exaurimento compreende os ulteriores efeitos da conduta criminosa. Por exemplo, o falso
testemunho consuma-se quando a testemunha encerra o depoimento falso, assinando o respectivo
termo. As consequências advindas depois disso, como a condenação ou absolvição do réu, integram
o exaurimento do crime.
No plano da tipicidade, o exaurimento não exerce influência, pois o iter criminis termina com
a consumação. Todavia, a pesquisa da existência do delito exaurido tem relevância na aplicação da
pena, porquanto o exaurimento insere-se nas consequências do crime, influenciando na fixação da
pena-base (CP, art. 59). Às vezes ainda a lei erige o exaurimento à condição de qualificadora ou
causa de aumento de pena, utilizando-o para construir os denominados tipos derivados. Assim, por
exemplo, a corrupção passiva consuma-se quando o funcionário solicita a vantagem indevida; mas
se, além disso, o funcionário retarda ou deixa de praticar ato de ofício ou o pratica infringindo
dever funcional, essa consequência ulterior à consumação, isto é, o exaurimento, passa a funcionar
como causa de aumento de pena (CP, art. 317, § 1º).

A CONSUMAÇÃO NAS DIVERSAS ESPÉCIES DE CRIMES

O momento consumativo varia conforme a natureza do crime.


Nos crimes materiais, incluindo-se os culposos e os omissivos impróprios, a consumação se dá
com a verificação do resultado naturalístico.
Nos crimes formais e de mera conduta, incluindo-se entre os segundos os omissivos próprios,
o momento consumativo verifica-se com a prática da conduta criminosa, independentemente de
qualquer resultado naturalístico.
Nos crimes qualificados pelo resultado, o momento consumativo ocorre quando se verifica o
evento. Assim, no art. 129, § 3º, do CP a consumação se dá com a morte da vítima.
Nos delitos permanentes, o momento consumativo se protrai no tempo, em virtude da
persistente ofensa ao bem jurídico. Enquanto não houver a cessação da permanência o delito
mantém-se na fase da consumação. Assim, por exemplo, no sequestro, enquanto a vítima não for
restituída à liberdade, o delito estará na fase de consumação.
Já o crime de perigo concreto se consuma quando se verifica a probabilidade do dano. É
mister a demonstração do perigo. Em contrapartida, o crime de perigo abstrato se consuma com a
simples prática da conduta criminosa, independentemente da verificação da existência real do
perigo.

FASES DA REALIZAÇÃO DO CRIME

“ITER CRIMINIS”

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O iter criminis ou “caminho do crime” compreende o conjunto das fases desenvolvidas pelo
fato criminoso. Para chegar à fase de consumação (meta optata), o delinquente realiza uma série
de atos, que se sucedem, cronologicamente, no desenvolvimento da conduta criminosa, quais
sejam: cogitação; atos preparatórios; atos executórios.
Como se vê, o iter criminis desenvolve-se da cogitação até a consumação. As consequências
ulteriores integram o exaurimento, que, no plano da tipicidade, não tem qualquer repercussão.

COGITAÇÃO

É na fase da cogitação que se forma na mente do agente a ideia de cometer o delito. A


cogitação processa-se inteiramente na esfera do pensamento do homem, não se traduzindo em
atos exteriores. É, pois, uma fase exclusivamente interna (subjetiva), não merecendo por isso a
preocupação do legislador.
Assim, a cogitação não constitui delito; nem tentativa há. Trata-se de fato atípico.

ATOS PREPARATÓRIOS

Nos atos preparatórios ainda não há crime, porquanto a tentativa depende da realização de
atos executórios. Assim, em regra, os atos preparatórios permanecem livres do direito penal, não
passam de fatos atípicos. Excepcionalmente, porém, a lei resolve tipificá-los em crimes autônomos.
Exemplos: “incitação ao crime” (art. 286), “quadrilha ou bando” (art. 288), “petrechos para
falsificação de moeda” (art. 291), e outros.

ATOS EXECUTÓRIOS

No art. 14, II, dispõe o CP:


“Diz-se o crime tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias
alheias à vontade do agente”.
Consagrou-se, destarte, a vinculação da tentativa à prática de atos executórios. Os atos de
tentativa são, obrigatoriamente, atos de execução.
Estes devem revestir-se de duas qualidades: idoneidade e univocidade.
Assim, inicia-se execução do crime com atos idôneos e inequívocos.
Ato idôneo de execução é aquele capaz de lesar o bem jurídico. É o que possui eficácia causal
suficiente para lesar o bem jurídico. A idoneidade não é aferida em abstrato, e, sim, diante do caso
concreto, devendo o juiz colocar-se na posição do agente e da vítima e examinar se o ato poderia
ter eficiência causal em relação ao evento visado. Bettiol observa que “é necessário indagar sobre
qualidade e quantidade dos meios utilizados, sobre as condições do sujeito passivo, sobre o tempo
e o lugar da ação, e assim por diante. Uma dose insuficiente de veneno não poderá dar lugar à
tentativa, enquanto a água açucarada ministrada regularmente a um diabético deve ser
considerada idônea para provocar a morte e pode, portanto, dar lugar a uma configuração de delito
tentado”.
Ato inequívoco é o que se dirige à lesão do bem jurídico, isto é, à produção do evento lesivo.
É o que revela, por si só, de modo unívoco, o propósito criminoso do agente.
Diversas teorias procuram esclarecer a ideia de idoneidade do ato executório, dentre as
principais, destacam-se as seguintes:

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a) Teoria da hostilidade ao bem jurídico (Mayer, Nélson Hungria e outros): atos executórios
são aqueles que atacam o bem jurídico, criando-lhe uma situação concreta de perigo. É o
denominado critério material, cujo fundamento repousa no perigo efetivo sofrido pelo bem
jurídico.
b) Teoria objetivo-formal (Von Liszt, Frederico Marques e outros): ato executório é o que
inicia a realização do “núcleo do tipo” (ação típica). Exige-se que o agente tenha realizado, no
mínimo, uma parte da conduta típica, ingressando no núcleo do tipo. Assim, inicia-se a execução do
homicídio quando o agente começa a matar; do furto, quando começa a subtrair, e assim por
diante.
c) Teoria objetivo-individual (Welzel, Zaffaroni, Pierangelli e outros): atos executórios são
aqueles que, de acordo com o plano do agente, realizam-se no período imediatamente anterior ao
começo da execução da ação típica. Essa teoria complementa o critério objetivo-formal, com a
introdução de dois novos elementos: o plano do agente e a proximidade do ato ao “núcleo do
tipo”.

Na verdade, nenhum desses critérios resolve integralmente a questão. O ideal é conjugá-los


para obter maiores subsídios à identificação da idoneidade do ato executório.
O critério material, que analisa a questão sob o prisma do perigo ao bem jurídico, é muito
vago, pois não fixa o momento em que se dá o ataque ao bem jurídico. Sobremais, em certos atos
preparatórios, como, por exemplo, a formação de quadrilha, o bem jurídico já corre risco de lesão.
Já o critério objetivo formal tem o mérito de identificar o exato instante do perigo ao bem
jurídico, tomando como referencial o núcleo do tipo. Ninguém nega atributo executório ao ato que
inicia a realização do “núcleo do tipo”. Todavia, essa teoria peca pelo exagero de aguardar a
execução da ação típica para só então atribuir ao ato o caráter executório.
Em contrapartida, a teoria objetiva individual, que no Brasil encontra em José Henrique
Pierangelli seu verdadeiro paladino, elimina a paciência da corrente anterior, enquadrando também
como executórios os atos que, consoante o plano do agente, sejam imediatamente anteriores ao
início da execução do núcleo do tipo. Essa teoria faz distinção entre o início da execução do crime e
o início da execução da ação típica. Este coincide com o começo da realização do “núcleo do tipo”,
ao passo que o início da execução do crime, ensina Pierangelli, “abarca aqueles atos que, conforme
o plano do autor, são imediatamente anteriores ao começo da execução da ação típica”. Contenta-
se, para a caracterização da tentativa, em que haja o início da execução do crime, uma vez que o
nosso Código, no art. 14, II, não exige o início da execução da ação típica. Se, por exemplo, o ladrão
é surpreendido no interior da residência, caso ainda não tenha iniciado a subtração, isto é, posto a
mão na coisa, para a teoria objetivo-formal não há tentativa, subsistindo, no máximo, o delito de
violação de domicílio, ao passo que para a teoria objetiva individual a hipótese se enquadra
perfeitamente no conceito de “início da execução do crime”, configurando-se, destarte, a tentativa
de furto.
Alguns exemplos de atos preparatórios: a aquisição de arma; o encalço ao adversário; o sacar
a arma etc.
Exemplos de atos executórios: o disparo da arma, o brandir o punhal, o deitar o veneno no
alimento da vítima etc.

TENTATIVA

CONCEITO

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Tentativa é a execução iniciada de um crime, que não se consuma por circunstâncias alheias à
vontade do agente (CP, art. 14, II). É um crime imperfeito, porquanto a figura típica não se realiza
em sua plenitude, contrapondo-se, assim, ao crime consumado (perfeito).
Na tentativa, o iter criminis cessa ainda na fase da execução, por circunstâncias alheias à
vontade do agente, não se alcançando, destarte, a meta optata (consumação).

ELEMENTOS DA TENTATIVA

A tentativa compreende os seguintes elementos:

a) início da execução do crime;


b) não consumação, por circunstâncias alheias à vontade do agente;
c) o dolo de consumação.

PUNIBILIDADE DA TENTATIVA

Duas correntes têm procurado fundamentar a punibilidade da tentativa.


A escola subjetiva, que busca na vontade delituosa do agente o fundamento da punição da
tentativa, preconiza que a pena da tentativa deve ser a mesma do crime consumado.
Já a teoria objetiva, que sustenta a punição da tentativa no perigo acarretado ao bem jurídico,
ensina que a tentativa deve ser punida com pena mais branda que o crime consumado, porque
neste último há um dano maior.
No Brasil, o Código consagrou, como regra, a teoria objetiva, dispondo no parágrafo único do
art. 14 que “salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao
crime consumado, diminuída de um a dois terços”.
Assim, no plano da aplicação da pena, a tentativa figura como causa obrigatória de redução
da pena.
O quantum da redução, de um a dois terços, deve orientar-se pelo grau do perigo acarretado
ao bem jurídico. Quanto maior o perigo, menor a redução. Para bem compreender a questão, basta
tomar por base o iter criminis. Quanto maior a proximidade entre os atos executórios e a
consumação, menor a diminuição da pena (um terço); quanto menor essa proximidade, maior deve
ser a redução da pena (dois terços).
Excepcionalmente, o Código adota a teoria subjetiva, que é admitida na expressão “salvo
disposição em contrário”. Isso ocorre naqueles delitos em que a pena da tentativa é a mesma do
crime consumado. Exemplos: “evadir-se ou tentar evadir-se” (art. 352 do CP); “votar ou tentar
votar mais de uma vez, ou em lugar de outrem” (art. 309 da Lei n. 4.737/65) etc.

INADMISSIBILIDADE DA TENTATIVA

Na tentativa, a vontade do agente é direcionada à consumação. Isso não acontece no crime


culposo, porque o evento ocorre contra a vontade do agente. Por consequência, não existe
tentativa de crime culposo. Todavia, na denominada culpa imprópria admite-se a tentativa, porque
há a intenção de produzir o evento.
Nos crimes preterdolosos, como vimos, o evento mais grave não é desejado pelo agente,
excluindo-se, também, por razões ontológicas, a admissibilidade da tentativa.

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Em relação às contravenções penais, a tentativa não é punida por força de lei (art. 4º da LCP).
Por outro lado, os crimes dolosos, quer sejam materiais, quer formais ou de mera conduta,
desde que plurissubsistentes, admitem a tentativa. De fato, a essência da admissibilidade da
tentativa reside no caráter unissubsistente ou plurissubsistente do delito, e não na classificação dos
delitos em materiais, formais e de mera conduta.
Os crimes unissubsistentes são aqueles que se consumam com um único ato, inviabilizando-
se, destarte, a interrupção do iter criminis, como, por exemplo, a injúria verbal. Logo, não admitem
a tentativa.
Já os crimes plurissubsistentes desenvolvem-se numa série de atos executórios, admitindo-se,
assim, a interrupção do iter criminis. Exemplos: homicídio, furto, roubo etc.
Também não admitem a tentativa os crimes omissivos próprios, mesmo porque pertencem à
categoria dos delitos unissubsistentes. Exemplo: omissão de socorro (art. 135 do CP). Em
contrapartida, os delitos omissivos impróprios admitem a tentativa.

TENTATIVA PERFEITA E IMPERFEITA

Ocorre a tentativa imperfeita (ou inacabada) quando o agente não chega a realizar os atos
executórios necessários à consumação por circunstâncias alheias à sua vontade.
Já na tentativa perfeita (acabada ou crime falho), o agente realiza os atos executórios
suficientes para a consumação do crime, que não se verifica por circunstância alheia à sua vontade.
A doutrina nacional costuma dizer que na tentativa imperfeita o agente não esgota os meios
executórios, ao passo que na perfeita esses meios são exauridos.
Preferimos, porém, fixar a diferença na realização ou não de atos executórios suficientes para
a consumação, pois às vezes o agente não chega a esgotar os meios executórios disponíveis, e nem
por isso a tentativa será imperfeita. Exemplo: “A” dispara três tiros no tórax da vítima; em seguida,
deixa o local do crime, embora tivesse mais três projéteis no tambor do revólver. Note-se que os
meios de execução não foram exauridos. Mas, certamente, ninguém se animaria em considerar
esse fato uma tentativa imperfeita.
Assim, segundo Mirabete, dá-se a tentativa perfeita quando a consumação não ocorre, apesar
de ter o agente praticado os atos necessários à produção do evento (a vítima de envenenamento
ou de disparos é salva por intervenção dos médicos, p. ex.), e a tentativa imperfeita, quando o
sujeito ativo não consegue praticar todos os atos necessários à consumação por interferência
externa (o agressor é seguro quando está desferindo os golpes; o sujeito é preso antes de obter a
posse da coisa alheia que pretendia subtrair etc.).
Por outro lado, enquanto a tentativa imperfeita é compatível com a desistência voluntária, a
tentativa perfeita compactua com o arrependimento eficaz.
Finalmente, na tentativa perfeita há maior proximidade da consumação e por isso menor
redução da pena; na tentativa imperfeita, essa proximidade é menor, acarretando maior redução
da pena.

TENTATIVA BRANCA (OU INCRUENTA)

Dá-se a tentativa branca quando o objeto material não é atingido. Exemplo: “A” atira em “B”,
mas erra o alvo.
Já a tentativa cruenta ou vermelha é a que atinge o objeto material e causa sangramento.
Exemplo: tentativa de homicídio que causa ferimentos na vítima.

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DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ

Assim, dispõe o art. 15 do CP:


“O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o
resultado se produza, só responde pelos atos já praticados”.
A distinção entre desistência voluntária e arrependimento eficaz depende do momento da
interrupção dos atos executórios, trazendo à tona novamente a divisão da tentativa em perfeita e
imperfeita.
Na desistência voluntária, o agente, por ato próprio, interrompe o processo executivo,
abstendo-se de prosseguir na prática dos demais atos necessários à consumação.
No arrependimento eficaz, o agente, por vontade própria, após realizar os atos necessários à
consumação, interrompe o processo executivo, realizando uma ação que impede a ocorrência do
resultado naturalístico.
Assim, a desistência voluntária só é possível com relação à tentativa imperfeita, ao passo que
o arrependimento eficaz só pode ocorrer na tentativa perfeita.
Na desistência voluntária, o agente simplesmente cessa a atividade criminosa, interrompendo
o processo de execução (ex.: após desferir a primeira facada, que atinge a vítima de raspão, o
agente deixa de efetuar o golpe mortal). No arrependimento eficaz, o processo de execução é
inteiramente percorrido, já que o agente realiza os atos necessários à consumação, de modo que
não basta a interrupção da atividade criminosa, sendo preciso nova ação que frustre a produção do
resultado (ex.: o agente, após envenenar fortemente a vítima, fornece-lhe o antídoto, salvando-lhe
a vida).
Ambos têm dois pontos comuns: a voluntariedade e o impedimento da consumação do crime.
Se, malgrado o esforço do agente, a consumação se verifica, subsiste a sua responsabilidade pelo
crime consumado, com a atenuante genérica do art. 65, III, b, do Código Penal.
Na desistência e no arrependimento o efeito é o mesmo: o agente não responde pela
tentativa do crime inicialmente visado, subsistindo apenas a responsabilidade pelos atos já
praticados.

ARREPENDIMENTO POSTERIOR OU PONTE DE PRATA

Prescreve o art. 16 do CP: “Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa,
reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato
voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços”.

Trata-se de causa obrigatória de redução da pena. Note-se que o art. 16 diz: “a pena será
reduzida de um a dois terços” (grifo nosso).

A reparação do dano ou a restituição da coisa deve ser pessoal, completa e voluntária.


A reparação do dano ou a restituição da coisa, de que cuida o art. 16 do CP, só compreende
os crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, e, mesmo nesses casos, deve
efetivar-se antes do recebimento da denúncia ou queixa.
Por outro lado, o momento máximo da incidência do art. 16 do CP é o recebimento (e não o
oferecimento) da denúncia ou queixa. Ora, se a política criminal era incentivar o ressarcimento da

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vítima, o legislador deveria ter prorrogado esse prazo até a sentença ou então até a defesa prévia.
Entretanto, no sistema vigente, o ressarcimento efetuado após a publicação do despacho de
recebimento da denúncia ou queixa exclui o art. 16 do CP, dando ensejo à atenuante genérica do
art. 65, III, b, in fine, do mesmo Código.
A reparação do dano é circunstância objetiva, comunicando-se, nos termos do art. 30 do CP,
aos demais participantes do crime.

NORMAS ESPECIAIS SOBRE A REPARAÇÃO DO DANO

No peculato culposo, a reparação do dano, se efetuada antes do trânsito em julgado da


sentença, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta (art. 312, §
3º, do CP). Essa norma especial exclui a incidência da norma geral do art. 16 do CP.
No Juizado Criminal, o acordo sobre a reparação do dano, se preceder o oferecimento da
denúncia ou queixa, implica renúncia ao direito de queixa ou representação (parágrafo único do
art. 74 da Lei n. 9.099/95). Essa norma especial, atinente aos crimes de ação privada e de ação
pública condicionada à representação, afasta também a incidência do art. 16 do CP.
No Juizado Criminal, o acordo sobre a reparação do dano, se preceder oferecimento da
denúncia ou queixa, implica renúncia ao direito de queixa ou representação (parágrafo único do art.
74 da Lei n. 9.099/95). Essa norma especial, atinente aos crimes de ação privada e de ação pública
condicionada à representação, afasta também a incidência do art. 16 do CP.
A reparação do dano feita após o recebimento da denúncia ou queixa é atenuante genérica
(art. 65, III, b, in fine).

A SÚMULA 554 DO STF

De acordo com a Súmula 554 do STF, o pagamento do cheque emitido sem provisão de
fundos antes do recebimento da denúncia exclui a justa causa para a propositura da ação penal.
DELITO PUTATIVO

No crime putativo, o agente pensa que está delinquindo, quando está realizando algo
penalmente irrelevante. O erro do agente é a sua marca característica, caso contrário, o direito
penal nem sequer ter-se-ia preocupado em estudar o assunto.
A doutrina apelidou-o de crime suposto ou imaginário, dividindo-o em quatro espécies: delito
putativo por erro de proibição; delito putativo por erro de tipo; delito putativo por obra do agente
provocador; e crime impossível.

DELITO PUTATIVO POR ERRO DE PROIBIÇÃO

Ocorre quando o agente supõe infringir uma norma penal que não existe. É o caso do pai que
mantém conjunção carnal consentida com sua filha de 20 anos de idade, supondo erroneamente
que está cometendo delito de incesto. No caso, não há nenhum delito porque o incesto não é
tipificado pelo Código Penal. Não há como incriminar o agente, sob pena de violação do princípio
da reserva legal (art. 1º do CP).

DELITO PUTATIVO POR ERRO DE TIPO

Verifica-se quando o agente supõe presente um elemento do crime que, na realidade, não
existe. Tal se dá, por exemplo, na conduta de quem subtrai o próprio chapéu, supondo-o alheio. No

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caso, a norma que o agente pretende violar existe (art. 155 do CP), mas a sua conduta não se
encontra revestida de todos os elementos do tipo legal. Esse delito putativo não passa de um crime
impossível por impropriedade absoluta do objeto (CP, art. 17).

DELITO PUTATIVO POR OBRA DO AGENTE PROVOCADOR

Dá-se quando as circunstâncias fáticas, preordenadas por outrem, induzem o agente a


realizar a conduta criminosa, ao mesmo tempo em que são tomadas providências inviabilizadoras
da consumação.
A hipótese, que é conhecida como crime de ensaio ou de experiência, depende de dois
requisitos:

a) ato de provocação: o agente é induzido por outrem à prática da conduta criminosa;


b) providências que tornam absolutamente impossível a consumação.
Presentes os dois requisitos, o agente não responde sequer pela tentativa. O fato permanece
impune. Aplica-se, por analogia in bonam partem, o disposto no art. 17 do CP, que disciplina o
crime impossível, uma vez que não há lesão nem perigo de lesão ao bem jurídico. Na realidade, o
seu autor, como dizia Hungria, é apenas o protagonista inconsciente de uma comédia. Sob o prisma
subjetivo, o crime existe, mas objetivamente a norma penal não é violada e sequer exposto a perigo
o bem jurídico por ela protegido.
O exemplo clássico é o do policial disfarçado que simula a venda de cocaína ao viciado,
prendendo-o no ato da compra. Bem como o do falso comerciante, que oferece propina ao fiscal,
dando-lhe voz de prisão após averiguar a sua desonestidade. Também é provocado o flagrante
efetuado por delegado de polícia que, fingindo-se de bicheiro, prende em flagrante todos os que se
lhe dirigiam para realizar apostas.
Em todos esses exemplos, o agente permanece impune, diante da ausência de probabilidade
de lesão ao bem jurídico. A propósito, o Excelso Pretório editou a Súmula 145: “Não há crime
quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.
Se, por outro lado, a provocação ocorrer após a consumação, o agente responde pelo delito.
Nesse caso, não há falar-se em delito putativo. Se o policial disfarçado aproximar-se do traficante
para comprar cocaína, prendendo-o tão logo a droga lhe seja oferecida, o flagrante é válido, porque
o delito é permanente e já se havia consumado antes da venda, com o simples depósito. É claro que
se o traficante não possuía a droga, comprando-a de um terceiro para satisfazer o desejo do falso
cliente, anula-se o flagrante, porque a provocação ocorreu antes da consumação.
Outro bom exemplo é o da desprevenida empregada que no ato de subtrair as jóias da
patroa, expostas propositadamente ao seu fácil alcance, recebe a voz de prisão do provocador, que
armou a arapuca para comprovar a sua desconfiança sobre a serviçal. Trata-se, sem dúvida, de
flagrante provocado. Se, porém, malgrado o empenho do provocador, a empregada conseguir
ludibriar sua vigilância, subtraindo com sucesso as joias da patroa, caracteriza-se o delito de furto.
Nesse caso, não há crime de ensaio, porque a tomada de providência não tornou absolutamente
impossível a consumação; se o provocador agiu com dolo eventual, assumindo o risco de a larápia
consumar a subtração, ser-lhe-á também imputado o delito de furto, na condição de partícipe. Se,
ao invés, o êxito da gatuna deveu-se à imprudência do provocador, este por nada responderá, uma
vez que não há participação culposa em crime doloso. Se houvesse em nosso Código a figura do
furto culposo, este delito lhe seria imputado.
Por último, cumpre não confundir flagrante provocado e flagrante esperado. No primeiro, a
iniciativa do crime é do provocador; no segundo, a iniciativa emana do próprio agente. O flagrante

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provocado é nulo, não há sequer tentativa. O flagrante esperado é válido, subsistindo a tipicidade
da conduta realizada pelo agente.
Dá-se o flagrante esperado quando a polícia toma conhecimento de que alguém irá cometer
um delito, comparecendo ao local para dar voz de prisão ao delinquente. É o que ocorre quando a
vítima da extorsão, não suportando mais as ameaças, avisa a polícia, que a instrui a levar o dinheiro
no lugar combinado pelo extorsionário, que acaba sendo preso no local. Note-se que a conduta de
extorquir foi realizada sem qualquer provocação, de modo que o flagrante é válido, por ser
esperado, e não provocado.

POLICIAL DISFARÇADO

O policial, para surpreender o criminoso em flagrante, pode se disfarçar, fazendo-se passar


por outra pessoa, desde que haja elementos probatórios razoáveis de uma conduta criminal
preexistente.
Trata-se de uma postura legítima, introduzida pela Lei 13.964/2019, em relação aos crimes do
§2º do art. 17 e parágrafo único do art. 18, ambos do Estatuto do Desarmamento, outrossim, no
art. 33, §1º, IV, da Lei de Drogas, desde que haja elementos probatórios razoáveis de uma conduta
criminal preexistente.
Com relação a outros delitos, há duas exegeses.
Primeira, o flagrante será válido, desde que haja elementos probatórios razoáveis de uma
conduta criminal preexistente, pois o ordenamento jurídico admite todos os meios de prova
moralmente legítimos.
Segunda, o flagrante será nulo, pois o ato de induzir ou instigar a conduta criminal atenta
contra os preceitos morais.
O instituto em análise comporta duas situações:
a) há elementos probatórios razoáveis preexistentes acerca da autoria. Nesse caso, é lícito o
disfarce para se obter a prova da materialidade. Exemplo: o policial disfarçado, após a coleta das
provas da autoria do delito de venda de drogas, se oferece para comprar droga, com o intuito de
comprovar a materialidade, prendendo o traficante em flagrante no ato da entrega da droga. Ainda
que o traficante não possuísse a droga, comprando-a de um terceiro para satisfazer o desejo do
falso cliente, o flagrante será válido, diante da presença de elementos probatórios razoáveis
preexistentes acerca da autoria. Se, ao revés, não havia elementos probatórios razoáveis
preexistentes acerca da autoria, o flagrante será nulo, nos termos da súmula 145 do STF. Antes da
Lei 13.964/2019, que criou os tipos penais acima, o flagrante era nulo, ainda que houvessem
elementos probatórios razoáveis preexistentes acerca da autoria.
b) há elementos probatórios razoáveis preexistentes acerca da materialidade. Nesse caso,
também é lícito o disfarce para se obter a prova da autoria. Exemplo: o policial disfarçado, após
obter a prova da materialidade, ou seja, de que há drogas em determinado balcão, se oferece para
comprar drogas do suspeito, assim agindo com o escopo de comprovar a autoria, prendendo-o em
flagrante quando ele lhe traz a droga do referido local.
Assim, nos referidos delitos, o flagrante provocado por policial disfarçado pode ser válido ou
nulo, conforme haja ou não elementos probatórios razoáveis da conduta criminal preexistente.
Imagine o seguinte exemplo: o policial disfarçado que provoca a conduta criminal,
oferecendo-se para comprar drogas de uma pessoa, mas sem que houvessem elementos
probatórios razoáveis de uma conduta criminal preexistente. Caso obtenha êxito, por se tratar
coincidentemente de um traficante de drogas, o flagrante será válido? Creio que não, pois, de
acordo com os tipos penais acima referidos, o policial só poderá utilizar-se do disfarce quando

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houver elementos probatórios razoáveis de uma conduta criminal preexistente. De fato, não se
pode estimular este tipo de diligência, que se revela como sendo de caráter excepcional, à medida
que é tênue a linha divisória que a separa do campo da imoralidade.
Outra corrente, porém, sustenta que, mesmo diante de elementos probatórios razoáveis, o
ato de provocação do policial disfarçado será crime impossível, em relação aos verbos vender ou
entregar, exegese que torna inócua a inovação trazida pela Lei 13.964/2019.
Sobre o assunto, dispõe o Enunciado da I Jornada de Direito e Processo Penal do CEJ/CFJ:
“Não fica caracterizado o crime do inciso IV do § 1o do artigo 33 da Lei 11.343/2006, incluído
pela Lei Anticrime, quando o policial disfarçado provoca, induz, estimula ou incita alguém a vender
ou a entregar drogas ou matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à sua preparação
(flagrante preparado), sob pena de violação do art. 17 do Código Penal e da Súmula 145 do
Supremo Tribunal Federal”.

CRIME IMPOSSÍVEL

Diz-se impossível o crime quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta
impropriedade do objeto, jamais ocorrerá a consumação.
São duas as espécies de crime impossível:
a) crime impossível por ineficácia absoluta do meio (ex.: “A”, com intenção de matar “B”,
efetua um disparo com arma de brinquedo, supondo-a verdadeira);
b) crime impossível por absoluta impropriedade do objeto (ex.: “A” atira em “B” quando este
já estava morto).

O crime impossível é causa de atipicidade, pois o fato concreto não se amolda em nenhum
tipo legal.
CRIME IMPOSSÍVEL POR INEFICÁCIA ABSOLUTA DO MEIO

O primeiro caso de crime impossível é o que deriva da inidoneidade absoluta do meio.


Meio é o instrumento que o agente utiliza para cometer o crime. O meio, para a
caracterização da tentativa, deve revestir-se, no mínimo, de idoneidade relativa, já que a
inidoneidade absoluta configura crime impossível.
Há inidoneidade absoluta quando o meio, antes mesmo do início da execução do crime, por
mais que se reitere o seu emprego, não tem eficiência concreta para colocar em perigo o bem
jurídico. Nesse caso, verifica-se ab ovo, a impossibilidade da consumação. Exemplos: rezas e
despachos empregados para a prática abortiva; açúcar ministrado em vez de veneno; emprego de
arma de brinquedo ou sem projétil etc. O emprego de quantidade irrisória de veneno, em dose
insuficiente para matar qualquer pessoa, não pode caracterizar a tentativa de homicídio, a menos
que se prove que o agente iria reiterá-la, noutras oportunidades sucessivas, minando com o tempo
a resistência da vítima.
Por outro lado, a inidoneidade relativa ocorre quando a ineficácia do meio surge
simultaneamente ou após o início da execução do crime. Exemplos: a arma carregada nega fogo; a
vítima receosa, sub-repticiamente, descarrega a arma de seu algoz, segundos antes do desfecho
dos tiros. Nesses casos, há tentativa, pois a consumação poderia ter ocorrido.

CRIME IMPOSSÍVEL POR IMPROPRIEDADE ABSOLUTA DO OBJETO

O segundo caso de crime impossível ocorre em virtude da impossibilidade absoluta do objeto


material.

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Objeto material é a pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta do agente.


Dá-se a impropriedade absoluta do objeto material quando este já é inexistente antes do
início dos atos executórios. Exemplos: “A” atira em “B” desconhecendo que este já estava morto; o
ladrão enfia a mão nos bolsos vazios da calça da vítima; a parteira realiza manobras abortivas em
moça que não está grávida etc.
Dá-se a impropriedade relativa do objeto material quando a sua inexistência ou impertinência
se verifica concomitantemente ou após o início dos atos executórios. Exemplos: o larápio enfia a
mão no bolso esquerdo, mas a carteira da vítima está no bolso direito; o agente desfecha tiros de
revólver no leito da vítima que, segundos antes, pulara a janela etc. Nesses casos, configura-se a
tentativa, diante do perigo acarretado ao bem jurídico.
A simples existência do objeto material é suficiente para tipificar a tentativa. “A” atira em “B”,
mas o projétil vai de encontro a vidro a prova de balas do automóvel em que se encontrava “B”
(exemplo de Frederico Marques). Outro exemplo: o colete de aço da vítima neutraliza o projétil
desfechado por Tício, salvando-lhe a vida. Nesses dois casos, a inidoneidade do objeto é apenas
relativa, subsistindo, destarte, a tentativa. Desde que haja um perigo ao bem jurídico, ainda que
mínimo, não se pode excluir a tentativa.

DA ANTIJURIDICIDADE

CONCEITO

Na conceituação da antijuridicidade, duas correntes merecem destaque: a formal e a


material.
Antijuridicidade formal é a contrariedade existente entre a conduta e a norma penal. É, pois,
a simples violação da norma penal. Essa concepção tem sido rejeitada porque confunde
antijuridicidade com tipicidade. Sobremais, casos há em que o crime deve ser excluído pela
ausência de lesão ou perigo ao bem jurídico, apesar da violação da norma penal. Como lembra
Damásio E. de Jesus, “prender um perigoso bandido sem mandado e sem flagrante é formalmente
antijurídico e materialmente jurídico”. A antijuridicidade formal relega exclusivamente ao legislador
a função de determinar a licitude ou não dos fatos, atando as mãos do juiz, que fica impedido de
investigar a valoração social da conduta e a sua pertinência às exigências do bem comum. Os seus
adeptos se esquecem, porém, das lacunas do ordenamento jurídico. Não se lembram também da
lição de Bettiol, de que “o direito penal é na sua essência tutelar de valores, complexo de normas
predispostas à garantia das exigências ético-sociais dominantes”. Assim, a mera adequação do fato
ao tipo legal não basta para definir a antijuridicidade, pois esta não existe quando falta a lesão ou
perigo de lesão ao bem jurídico tutelado.
Antijuridicidade material ou substancial é a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico
protegido pela norma penal violada. É, portanto, o caráter antissocial do fato típico. Nessa
concepção material permite-se a construção das chamadas causas supralegais de exclusão da
ilicitude. Todavia, para a caracterização da antijuridicidade, não basta que o fato lese interesses
sociais; urge ainda que se revista de tipicidade (antijuridicidade formal), pois o princípio da reserva
legal veda a criação de delito por analogia ou arbítrio judicial.

CARÁTER DA ANTIJURIDICIDADE

CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE

As causas legais de exclusão da ilicitude, elencadas no art. 23 do Código Penal, são as


seguintes:

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 estado de necessidade;
 legítima defesa;
 estrito cumprimento do dever legal;
 exercício regular do direito.

Além dessas, o Código Penal ainda prevê outras causas, nos arts. 128 e 142.

CAUSAS SUPRALEGAIS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE

Desse modo, reconhece-se a existência das chamadas justificativas supralegais, que são as
causas excludentes da antijuridicidade não elencadas expressamente na lei.
Podemos enumerar quatro causas supralegais de exclusão da ilicitude: ação socialmente
adequada; princípio da insignificância; princípio do balanço dos bens; consentimento do ofendido
em relação aos bens disponíveis.

PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL

Denomina-se ação socialmente adequada a que se realiza dentro do âmbito da normalidade


admitida pelas regras de cultura do povo. Exemplos: as pequenas lesões que ocorrem em jogos
esportivos advindas da violação de certas normas, cuja inobservância é prática corriqueira no jogo;
o corte de cabelo do calouro aprovado no vestibular etc.

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA (OU DA BAGATELA)

De acordo com esse princípio, o direito penal só deve ser acionado quando necessário à proteção
do bem jurídico. As lesões insignificantes ao bem jurídico devem ser excluídas da esfera de atuação do
direito penal, que, cada vez mais, vai se transformando num direito de intervenção mínima. Exemplos:
descaminho de perfume barato; peculato-desvio de algumas amêndoas; dádivas de pequeno valor
feitas a funcionário público, por ocasião de festas de fim de ano; furto de uma caixa de fósforos etc.
O princípio da insignificância impede que a tipicidade seja indício de antijuridicidade,
produzindo efeitos idênticos aos do princípio da adequação social. A irrelevância do fato exclui, de
antemão, a antijuridicidade material, em face da inexistência de significativa lesão ou perigo de
lesão ao bem jurídico penalmente protegido.

PRINCÍPIO DO BALANÇO DOS BENS OU DA PROPORCIONALIDADE

Segundo esse princípio, a licitude pode ser extraída quando o sacrifício de um bem tem por
fim preservar outro mais valioso. Inspira-se, à semelhança do estado de necessidade, na avaliação
comparativa dos bens, não exigindo, porém, a atualidade do perigo ou outros requisitos inerentes
ao estado de necessidade.

CONSENTIMENTO DO OFENDIDO

Para excluir a tipicidade ou a ilicitude dos delitos que afrontam contra bens disponíveis, o
consentimento deve ser manifestado antes da consumação do crime. A aquiescência posterior à
consumação não exclui o crime.

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Deve ainda o ofendido ter capacidade para consentir, o que ocorre, em regra, aos 18 anos de
idade. Mas, às vezes, a partir dos 14 anos, a própria lei reconhece a validade do consentimento.
Isso acontece no delito do art. 213 e 217-A do CP, que são excluídos quando o ato sexual é
consentido, e também no aborto em que a gravidez resulta de estupro (art. 128, II, do CP).
O consentimento da vítima, expressado nos casos de bem jurídico disponível, ora exclui a
tipicidade, ora a antijuridicidade.
Efetivamente, quando o dissenso da vítima figura como elemento constitutivo do tipo, como
na violação de domicílio (art. 150) e no estupro (art. 213), o consentimento funciona como causa de
exclusão da tipicidade.
Todavia, quando o dissenso da vítima não é elemento do tipo, o consentimento funciona
como causa de exclusão da antijuridicidade. Assim, por exemplo, não há crime de dano, injúria ou
furto, quando a própria vítima autoriza a danificação ou a ofensa.

ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS DAS CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE

Uma parcela da doutrina condiciona o reconhecimento das causas de exclusão da ilicitude


apenas à presença dos requisitos objetivos, atinentes ao lado externo do fato, sem questionar a
existência do requisito subjetivo, relacionado com o lado interno do agente.
Outra corrente doutrinária, porém, preconiza que o reconhecimento da excludente da
antijuridicidade está vinculado à vontade do agente de atuar conforme o direito. De acordo com
essa doutrina, aquele que não tem consciência dos pressupostos fáticos das causas de justificação
realiza uma conduta contrária ao direito, ainda que a despeito do desconhecimento do agente se
verifiquem esses pressupostos no caso concreto.

Vejamos alguns exemplos:

a) o médico realiza aborto com animus lucrandi, salvando a vida da gestante, cujo perigo ele
desconhecia;
b) “A” mata “B”, por vingança, sem saber que “B” havia acabado de sacar o revólver para
atirar em “C”;
c) o policial prende o inimigo desconhecendo que havia um mandado de prisão contra ele.

Nesses casos, o agente não tinha consciência de estar agindo juridicamente, uma vez que
desconhecia os pressupostos fáticos das causas de justificação. Discute-se, na doutrina, sobre a
licitude ou não da conduta praticada.
A nosso ver, para o reconhecimento das excludentes da ilicitude, não há necessidade de que
o agente tenha querido atuar conforme o direito, bastando que o fato praticado se encontre
acobertado pelos requisitos de índole objetiva.

ESTADO DE NECESSIDADE

CONCEITO

Dispõe o art. 24 do CP:


“Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que
não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo
sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”.

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O pressuposto do estado de necessidade é a presença de dois interesses lícitos em conflito,


numa situação tal em que um não pode continuar a existir se o outro sobreviver, razão pela qual o
direito autoriza o sacrifício de um deles. Exemplos: “A”, quase a morrer de fome, subtrai um pão
(furto famélico); antropofagia para saciar a fome dos náufragos abandonados em alto-mar; o
capitão, para salvar a vida dos tripulantes, ordena que a carga do navio seja lançada ao mar etc.
O estado de necessidade, num conceito sintético, é a situação de perigo para determinado
bem jurídico cuja preservação depende do sacrifício inevitável de outro bem jurídico de igual valor
ou de valor inferior.
Em nosso Código Penal, o estado de necessidade é uma causa de exclusão da antijuridicidade.

REQUISITOS DO ESTADO DE NECESSIDADE

No estado de necessidade, distinguem-se dois conceitos: situação de estado de necessidade e


fato cometido em estado de necessidade; mais sinteticamente, situação de necessidade e fato
necessitado.
Os requisitos da situação de necessidade são: perigo atual; ameaça a direito próprio ou
alheio; perigo não provocado voluntariamente pelo agente; inexistência do dever legal de enfrentar
o perigo.
Presentes esses requisitos, o agente pode realizar o fato necessitado, desde que:

a) haja impossibilidade de evitar por outro modo o perigo;


b) haja proporção entre o fato e o perigo.

O fato necessitado é a conduta lesiva, revestida de tipicidade, cuja antijuridicidade fica


excluída, diante da verificação dos pressupostos acima mencionados.

PERIGO ATUAL

O primeiro requisito da situação de necessidade é a existência de perigo atual, que ameaça


bem jurídico próprio ou alheio.

AMEAÇA A DIREITO PRÓPRIO OU ALHEIO

O segundo elemento exigido para a situação de necessidade é que o perigo concreto ameace
direito próprio ou alheio.

PERIGO NÃO PROVOCADO VOLUNTARIAMENTE PELO AGENTE

A causa do perigo pode advir de um fato da natureza, de seres irracionais ou de um fato do


homem, lícito ou ilícito. Por exemplo, “A”, que provocou voluntariamente uma pane no avião, não
pode subtrair o paraquedas, salvando a sua vida em detrimento da dos demais.
Como se vê, o causador voluntário do perigo não pode invocar a justificativa. Não há dúvida
quando se trata de perigo causado dolosamente, como no exemplo ministrado. Mas no perigo
causado culposamente, a doutrina não apresenta uniformidade de vistas. De acordo com o nosso
Código, não pode alegar estado de necessidade quem por sua vontade provocou o perigo. No real
significado do termo “vontade” concentra-se toda a discussão. Alguns escritores, dentre eles

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Basileu Garcia, Aníbal Bruno e Heleno Cláudio Fragoso, sustentam que a expressão “vontade” é
indicativa do dolo, admitindo a alegação do estado de necessidade por parte de quem causou
culposamente o perigo. Outros, como Frederico Marques e Nélson Hungria, argumentam que o
causador do perigo culposo não pode invocar o estado de necessidade. Assim, o motorista que, em
velocidade excessiva, adentra no cruzamento, invadindo o sinal fechado, para desviar-se do fluxo
de veículos não pode atropelar o pedestre na calçada.

INEXISTÊNCIA DO DEVER LEGAL DE ENFRENTAR O PERIGO

Esse quarto requisito da situação de necessidade encontra-se previsto no § 1º do art. 24 do


CP, que assim dispõe:
“Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo”.

O FATO NECESSITADO

Presentes os requisitos da situação de necessidade, o agente pode realizar o fato necessitado,


que deve revestir-se de dois atributos: inevitabilidade e proporcionalidade.
O primeiro requisito, consistente na inevitabilidade da conduta lesiva, revela o caráter
subsidiário do estado de necessidade. De fato, o estado de necessidade só é invocado quando o
perigo não pode ser evitado de outro modo. Assim, o fato necessitado deve ser o único meio de
afastar o perigo, pois só como recurso extremo o Código o admite. Se o perigo pode ser afastado
pela fuga, pelo auxílio da polícia ou de terceiros, ou ainda por outro meio menos lesivo, mas o
agente prefere matar ou ferir, exclui-se o estado de necessidade. É claro que na análise do meio
menos lesivo o juiz há de atentar para o homo medius, verificando se este, nas condições de
espírito do agente, para afastar o perigo teria se utilizado de outro recurso.
O segundo requisito, consistente na proporção entre o fato necessitado e o perigo, diz
respeito ao grau de importância do bem jurídico preservado em confronto com o bem jurídico
sacrificado. Se este for de maior valor, exclui-se o estado de necessidade. Sendo de valor igual ou
inferior, o fato necessitado passa a ser legítimo. Prevalece, mais uma vez, o critério objetivo do
“homem médio”, considerando-se também o estado de ânimo do agente. O juiz imagina o homo
medius na situação de espírito do agente e pondera como ele teria procedido em tal circunstância.
Se, para o homem comum, não era razoável exigir o sacrifício do bem ameaçado, é porque o fato
necessitado revestiu-se do atributo da proporcionalidade.

CAUSA DE REDUÇÃO DE PENA

Dispõe o § 2º do art. 24: “Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a
pena poderá ser reduzida de um a dois terços”.
Verifica-se a hipótese quando o agente, para preservar bem jurídico inferior, sacrifica outro
de maior valor. Nesse caso, o normal, isto é, o razoável, era que o agente preservasse o bem
sacrificado. Todavia, a despeito da exclusão do estado de necessidade, a pena poderá ser reduzida
de um a dois terços, a critério do juiz.

ESPÉCIES DE ESTADO DE NECESSIDADE

Quanto à titularidade do bem jurídico protegido, o estado de necessidade pode ser:

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a) Próprio: é o invocado para preservar bem jurídico pertencente ao autor do fato


necessitado.
b) De terceiro: é o invocado para preservar bem jurídico alheio.

Quanto à pessoa que sofreu o sacrifício do bem jurídico, o estado de necessidade pode ser:

a) Agressivo: ocorre quando, para preservar bem jurídico próprio ou alheio, o agente sacrifica
bem jurídico pertencente a um terceiro inocente. Nesse caso, o autor do fato necessitado, ainda
que não culpado pelo perigo, deve reparar o dano sofrido pelo terceiro inocente (art. 929 do CC);
todavia, ele terá ação de regresso contra o causador do perigo (art. 930 do CC). A lógica porém
recomendava que o terceiro inocente, cujo bem foi sacrificado, movesse ação direta contra o
causador do perigo, pleiteando a indenização devida, mas o Código Civil orientou-se no sentido
diferente.
b) Defensivo: ocorre quando, para preservar bem jurídico próprio ou alheio, o agente sacrifica
bem jurídico pertencente ao causador da situação de perigo. Exemplo: o agente, para safar-se das
chamas, destrói a porta da casa do causador do incêndio. Nesse caso, não há obrigação de
indenizar o dano proporcionado ao causador do perigo (art. 929 do CC).

Quanto ao conhecimento da situação de perigo, o estado de necessidade pode ser:

a) Real: ocorre quando se verificam, de fato, todos os requisitos da situação de necessidade,


excluindo-se, portanto, a antijuridicidade.
b) Putativo: ocorre quando não subsistem, de fato, todos os requisitos legais da situação de
necessidade, mas o agente os julga presentes. Nesse caso, havendo erro escusável, exclui-se a
culpabilidade, e não a antijuridicidade (art. 20, § 1º, 1ª parte, do CP). Se, porém, o erro for
inescusável, o agente responde por crime culposo, caso o fato seja punível na forma culposa (art.
20, § 1º, parte final, do CP).

ESTADO DE NECESSIDADE RECÍPROCO

É possível que duas pessoas se encontrem em estado de necessidade, uma em face da outra.
É o denominado estado de necessidade recíproco. Exemplo: dois náufragos disputam o único salva-
vidas. Nesse caso, o instinto de conservação do homem orienta o direito a excluir a antijuridicidade
do fato, permanecendo neutro nesse conflito.
Inadmissível, porém, a legítima defesa contra o estado de necessidade, uma vez que ela
pressupõe agressão injusta, ao passo que no estado de necessidade o ataque é lícito. Quem reage a
um ataque justificado pelo estado de necessidade estará também em estado de necessidade, e não
em legítima defesa.

COMUNICABILIDADE DO ESTADO DE NECESSIDADE

O estado de necessidade exclui o crime. Por consequência, estende-se a sua aplicação aos
coautores e partícipes do fato necessitado.

DA LEGÍTIMA DEFESA

A legítima defesa é causa de exclusão da antijuridicidade (art. 23, II, do CP).

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Dispõe o art. 25 do CP:


“Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários,
repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.
A legítima defesa apresenta os seguintes requisitos: agressão injusta, atual ou iminente;
direito próprio ou alheio, atacado ou posto em perigo de agressão; reação com os meios
necessários; uso moderado de tais meios.
A ausência de um desses requisitos descaracteriza a legítima defesa. Urge, para que a defesa
seja legítima, o preenchimento de todos esses pressupostos.

AGRESSÃO INJUSTA, ATUAL OU IMINENTE

Agressão é o ato humano que lesa ou põe em perigo um interesse juridicamente protegido.
Nem sempre a agressão constitui violência; o ataque ao bem jurídico, destituído de violência,
também autoriza o uso da legítima defesa (ex.: reação contra o punguista que, sorrateiramente,
subtraia a carteira). A agressão pode também promanar de uma omissão injusta (ex.: o
sentenciado, esquecido na prisão após o término da pena, força o carcereiro a soltá-lo). Note-se
que, na agressão, o essencial não é a violência, e sim o dano ou perigo ao bem jurídico. Cumpre
frisar que a agressão deve partir de uma pessoa, pois o ataque de seres irracionais constitui estado
de necessidade.
A agressão deve ser injusta, isto é, contrária às normas do direito. Não precisa ser um ilícito
penal (ex.: reação contra o furto de uso); basta que a pessoa não esteja obrigada a suportar a
agressão para tê-la como injusta. Se a norma jurídica impõe à pessoa a obrigação de suportar
determinada conduta, descaracteriza-se a injustiça da agressão, que passa a ser lícita,
inviabilizando, destarte, a legítima defesa. Assim, caracteriza delito a agressão praticada para
resistir à ordem legal de prisão.
A agressão deve ser atual ou iminente.
A simples ameaça ou o fantasma de agressão, isto é, o medo, não autoriza a legítima defesa.
Da mesma forma, uma agressão passada também exclui a legítima defesa, transmudando-se a
reação em vingança. Exemplo: “A”, após ser agredido, retorna ao bar e mata o seu agressor. Não há
legítima defesa, porque esta não existe para punir, mas para prevenir.
Assim, a reação deve ser imediata e contemporânea à agressão atual ou iminente, pois o
fundamento da legítima defesa é a necessidade de proteção urgente ao bem jurídico ameaçado.
Consumada a ofensa ao bem jurídico, o revide torna-se tardio, deixando de ser legítimo, visto que
não se presta mais à proteção do direito; já não há instinto de defesa, e sim de vingança. Todavia,
enquanto se mantém a agressão, já dizia Aníbal Bruno, a legítima defesa tem lugar. Mesmo se a
lesão já se deu, procede a defesa se persiste o perigo de que o dano seja continuado ou agravado.
Em relação aos crimes permanentes, que são aqueles em que há uma contínua ofensa ao
bem jurídico, a agressão é sempre atual, justificando-se a legítima defesa enquanto perdurar a
consumação. Vale lembrar que nesses delitos o momento consumativo se protrai no tempo.
Exemplo: a vítima do sequestro, para obter êxito na fuga, mata o sequestrador que o vigiava.

DIREITO PRÓPRIO OU ALHEIO, ATACADO OU POSTO EM PERIGO DE AGRESSÃO

Todos os bens jurídicos podem ser defendidos pela legítima defesa, e não apenas a vida ou
integridade corporal.

REAÇÃO COM OS MEIOS NECESSÁRIOS

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Meio necessário é o que o agente dispõe no momento para eliminar o perigo. Como explica
Wessels, “entre muitas possibilidades de defesa, igualmente eficientes, é de se escolher aquela que
conduza ao menor dano. O agredido não precisa se pôr no risco de uma insuficiente defesa e de
ocorrência de um dano aos seus bens jurídicos”. Assim, se o ataque pode ser contido com um
bastão, não posso valer-me do revólver.
O meio necessário, desde que o único disponível para rechaçar o perigo, pode ser
desproporcional à agressão injusta, justificando a legítima defesa, desde que empregado de
maneira moderada. Exemplo: para fazer cessar a subtração de jabuticaba, o agente aponta fuzil
para os larápios. É evidente que não poderá efetuar disparos, sobretudo na direção dos ladrões,
sob pena de incidir em excesso.
A possibilidade de fuga ou de recebimento de socorro da autoridade pública não inviabiliza o
exercício da legítima defesa, podendo o agredido reagir, malgrado a oportunidade de safar-se do
perigo por aqueles meios menos lesivos.
USO MODERADO DO MEIO

Diz-se moderado o uso do meio quando é empregado na medida suficiente para repelir a
agressão.
A moderação implica a proporção que deve existir entre a agressão e a reação. Se, para
afastar o perigo, basta ferir, o agente não pode matar. Não se pode ferir o garoto que furta laranjas
no pomar, já que para afastar o perigo é suficiente adverti-lo.
Na avaliação do meio proporcional, invoca-se novamente o “homem médio”, indagando-se
qual seria a sua atitude nas circunstâncias do caso concreto

PROVOCAÇÃO DA AGRESSÃO

O provocador pode agir em legítima defesa contra o provocado que, tomado de ira, o agride
injustamente. Exemplo: “A”, após surpreender “B” com sua esposa em colóquio amoroso, saca do
revólver para matá-lo, mas “B” é mais rápido e atira primeiro, matando-o. Nem o direito nem a
moral autorizam o provocado a matar o provocador, de modo que este poderá reagir em legítima
defesa à agressão daquele. Se, no exemplo ministrado, “A”, o marido traído, tivesse matado “B”, o
amante de sua esposa, configurar-se-ia o delito de homicídio privilegiado pela violenta emoção (art.
121, § 1º, do CP). Isso prova que a agressão de “A” era injusta, razão pela qual “B” não deve
responder pelo crime, visto que em seu favor milita a excludente da legítima defesa.
Há, porém, duas hipóteses em que o provocador não pode invocar a legítima defesa:
a) Quando a provocação constitui verdadeira agressão. Exemplo: “A” provoca “B”, desferindo-
lhe socos “B”, para conter a fúria do desafeto, reage com moderação, aplicando-lhe golpes de
bastão. Nesse caso, vindo “A” a matar “B”, não poderá arguir a legítima defesa.
b) Quando a provocação constitui pretexto de legítima defesa, isto é, tem o escopo de criar
uma situação de legítima defesa para justificar a morte do provocado. Aliás, diga-se de passagem,
esse tipo de provocação constitui agressão. Exemplo: “A”, desejando eliminar “B”, faz este
surpreendê-lo em flagrante adultério com sua esposa, matando-o quando ele sacava do revólver e
estava prestes a atirar. Nesse caso, “A” responde pelo crime.
Por outro lado, o “desafio” para a luta também constitui provocação. Quem o aceita pode
invocar a legítima defesa, desde que não dê o primeiro passo à luta. É que dando o primeiro passo
terá iniciado a agressão, descaracterizando-se a legítima defesa.

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ESPÉCIES DE LEGÍTIMA DEFESA

Quanto ao tipo de reação, a legítima defesa pode ser:


a) agressiva ou ativa: quando a reação constitui fato típico (ex.: matar em legítima defesa).
Nesse caso, fala-se que há reagressão em virtude de a reação constituir agressão.
b) passiva: quando a reação limita-se a conter os atos agressivos, sem a realização de fato
típico (ex.: “A” apara com os braços os socos de “B”). Aqui, há uma postura meramente defensiva; o
agente não agride o agressor. A reação ao ataque de crianças, velhos ou enfermos, sempre que
possível, deve adotar essa postura defensiva, sob pena de o agente incidir em excesso.

Quanto à titularidade do interesse protegido, a legítima defesa pode ser:


a) própria;
b) de terceiro.

Quanto ao aspecto subjetivo do agente, a legítima defesa pode ser:


a) real: ocorre quando existe a agressão injusta, atual ou iminente. É a verdadeira legítima
defesa, que exclui a antijuridicidade (arts. 23, II, e 25).
b) putativa: ocorre quando o agente supõe erroneamente existir a agressão injusta, atual ou
iminente. Exemplo: “A” atira em “B” supondo que este iria sacar do revólver, quando na verdade
enfiara a mão no bolso para pegar um cigarro. Nesse caso, subsiste a antijuridicidade. Se o erro for
escusável (art. 20, § 1º, 1ª parte), exclui-se a culpabilidade; se inescusável, o agente responde pelo
crime culposo, desde que o fato seja punível na modalidade culposa (art. 20, § 1º, última parte).
c) subjetiva (ou excessiva): ocorre quando o agente, por erro escusável, excede-se aos limites
da legítima defesa. É o chamado excesso acidental. Difere da legítima defesa putativa porque nesta
o erro incide desde o início, uma vez que não há nenhuma agressão, ao passo que naquela há uma
agressão injusta, atual ou iminente, que permite o exercício da legítima defesa, dentro dos limites
dos meios necessários e moderado.

LEGÍTIMA DEFESA SUCESSIVA

Legítima defesa sucessiva é a reação contra o excesso. Admite-se, portanto, a legítima defesa
contra o excesso, já que este sempre constitui uma agressão injusta.

LEGÍTIMA DEFESA RECÍPROCA

Não há legítima defesa real recíproca porque o pressuposto da legítima defesa é a existência
de uma agressão injusta. Se a agressão de um dos contendores é injusta, significa que a do outro é
justa; logo, apenas este último estará em legítima defesa. Às vezes, porém, não se logra apurar
quem deu início à agressão. Nesse caso, aplica-se o brocardo “melhor absolver um culpado a
condenar um inocente”, absolvendo-se os dois por insuficiência de provas, e não por legítima
defesa recíproca. Tal solução evita que aquele que estava em legítima defesa seja condenado
injustamente.
Admite-se, entretanto, a legítima defesa putativa recíproca. Exemplo: dois inimigos, ao se
avistarem, na falsa suposição de que um vai agredir o outro, ferem-se mutuamente, trocando tiros
de revólver.
Admite-se, também, a legítima defesa real contra a legítima defesa putativa. Exemplo: “A”,
supondo que “B” enfiara a mão no bolso para sacar do revólver, lança mão de sua arma para atirar

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em “B”, que no bolso só procurava um lenço, mas que, diante da agressão de “A”, saca
rapidamente a sua arma, atirando. Assim, “A” agiu em legítima defesa putativa (excludente da
culpabilidade) e “B”, em legítima defesa real (excludente da antijuridicidade).
É possível ainda a coexistência da legítima defesa com o estado de necessidade, quando o
agredido, para safar-se da agressão, ofende bem jurídico de terceiro inocente. Exemplo: “A”, para
defender-se de “B”, que o agride injustamente, subtrai o revólver de “C”.
Finalmente, também é admissível a legítima defesa putativa contra legítima defesa real. “Vejo
um estranho prestes a atirar em meu pai. Supondo agir em legítima defesa de terceiro, atiro e o
mato. Prova-se depois que o estranho estava em legítima defesa, na iminência de agressão injusta
de meu pai. Pratiquei o ato em legítima defesa putativa contra legítima defesa real do estranho”
(exemplo de Damásio).

Legítima defesa dos agentes de segurança pública

Dispõe o parágrafo único do art. 25 do CP:


”Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima
defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida
refém durante a prática de crimes.”
O dispositivo em análise, introduzido pela lei 13.964/2019, não configura uma licença para
matar, pois a reação deve ser feita através do uso moderado do meio necessário. O excesso poderá
configurar o delito de violência arbitrária, previsto no art. 322 do Código Penal, além da pena
correspondente à violência, ou seja, lesão corporal e homicídio, conforme ressalva expressa no
parágrafo único do citado art. 322.
Trata-se de uma hipótese de legítima defesa de terceiro, que autoriza o agente de segurança
pública a reagir em favor da vítima que é mantida refém durante a prática de crimes.
A reação é autorizada para repelir agressão atual ou iminente, ou seja, prestes a ocorrer.
O dispositivo em análise, a rigor, era desnecessário, pois a situação descrita é evidentemente
de legítima defesa de terceiro. Na verdade, o policial, na situação descrita no parágrafo único do
art. 25 do CP, encontra-se acobertado por duas excludentes da antijuridicidade: legítima defesa e
estrito cumprimento do dever legal.
A permissão para agir em legítima defesa na situação acima foi atribuída aos agentes de
segurança pública, que abrange os policiais em geral, previstos no art. 144 da CF, mas o particular
também poderá ser beneficiado pela referida excludente, com base no art. 25, “caput”, do CP.

EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO

O fato típico praticado no exercício regular do direito não constitui crime, consoante dispõe o
art. 23, III, parte final, do CP.
Vejamos alguns exemplos de licitude decorrente de normas extrapenais:
a) o particular que prende o bandido em flagrante não comete delito de seqüestro ou
constrangimento ilegal (art. 301 do CPP);
b) quem retém coisa alheia para ressarcir-se da dívida não comete o delito de exercício
arbitrário das próprias razões (CC, art. 1.219);
c) os atos praticados por pais com o fim de correção aos filhos, previsto no art. 1.634, I, do CC,
ainda que envolvam castigo corporal, não constituem delito de maus-tratos, salvo se o castigo for
imoderado;

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d) o possuidor esbulhado que logo após a perda da posse a recupera pelo desforço imediato
(art. 1.210, § 1º, do CC). Nesse caso, exclui-se o delito do art. 345 do CP, em face do exercício
regular do direito. A recuperação da posse, quando ocorrida durante os atos de turbação, isto é,
antes de o larápio obter a posse pacífica, constitui legítima defesa. Entretanto o desforço para
recuperar a posse, efetivado depois de o larápio obter a posse pacífica, não é mais legítima defesa,
pois falta-lhe a atualidade, incidindo, nesse caso, a justificativa do exercício regular do direito,
desde que a recuperação da coisa tenha-se dado logo após a posse pacífica.
Em todas essas hipóteses, o exercício do direito, para excluir a antijuridicidade penal, há de
ser regular, isto é, dentro dos limites fixados pela norma jurídica. O extravasamento dos limites
constitui abuso de direito, subsistindo, destarte, a antijuridicidade.

LESÕES EM JOGOS ESPORTIVOS

A prática de certos esportes pode gerar lesão corporal e até morte. Exemplos: boxe, luta livre,
jiu-jitsu, futebol etc.
A lesão corporal ou morte ocorrida dentro do estrito cumprimento das normas
regulamentares do esporte constitui exercício regular do direito, excluindo a antijuridicidade do
fato, porque o esporte é uma atividade autorizada pelo Estado. Exemplo: não há crime se um golpe
no rosto provoca a morte do pugilista.
Se, entretanto, a lesão ou a morte derivar da violação das normas esportivas, o agente
responderá pelo delito, a título de dolo ou culpa.

INTERVENÇÕES MÉDICAS E CIRÚRGICAS

A atividade médica ou cirúrgica é regulamentada pelo Estado. Para o seu exercício exige-se
habilitação técnica. Assim, o médico que executa uma cirurgia atua no exercício regular do direito,
e não em estado de necessidade.
A intervenção médica ou cirúrgica só caracteriza estado de necessidade em dois casos:
a) quando o leigo, na ausência absoluta do médico, realiza ato de medicina, para salvar a vida ou
saúde de outrem de perigo atual e inevitável;
b) quando o médico executa a medicina contra a vontade do paciente ou de seu representante
legal para salvá-lo de iminente perigo de vida (art. 146, § 3º, I, do CP).

Excetuando a hipótese de iminente perigo de vida, a operação médica requer consentimento


do paciente ou de seu representante legal, sob pena de o médico responder pelo delito de
constrangimento ilegal (CP, art. 146).

OFENDÍCULOS

Ofendículos são meios ofensivos predispostos à defesa da propriedade. Exemplo: correntes


elétricas, armas de fogo que disparam automaticamente, armadilhas, cacos de vidro no muro, cerca
de arame farpado etc. O proprietário prepara a defesa, de antemão, quando o perigo ainda é
futuro, mas o aparelho só é acionado ante uma agressão atual ou iminente.
Ninguém nega a licitude do uso desses engenhos mecânicos predispostos à defesa, que
equivale ao cão de guarda solto à noite no quintal para a proteção da residência.
Todavia, para que se configure a legítima defesa, urge que o instrumento só entre em
funcionamento diante de agressão injusta, atual ou iminente. Presente esses requisitos, exclui-se a

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antijuridicidade, desde que o seu emprego tenha sido moderado. Na hipótese de imoderação, o
agente responde pelo excesso, excluindo-se, portanto, a legítima defesa.
Configura-se, por exemplo, o excesso, subsistindo o delito, a título de dolo ou culpa, predispor
armas de fogo automáticas para prevenir furtos de melancia, matando ou mutilando gravemente o
invasor da plantação, uma vez que não há proporção entre o ataque e a defesa. Já não se poderá
dizer o mesmo, explica Bettiol, a propósito das ofendículos que os bancos predisponham em torno
de suas caixas-fortes, visto que o valor social do conteúdo das próprias caixas pode justificar o
ferimento eventual ou morte do arrombador. Será necessário portanto balancear entre si em
concreto os bens que entram em conflito, com critérios que respeitem o valor moral e social dos
próprios bens. Imagine-se caixas-fortes que contenham documentos secretos abusivos à segurança
militar do País.

ESTRITO CUMPRIMENTO DE DEVER LEGAL

No estrito cumprimento do dever legal não há apenas a faculdade, mas a obrigação de agir,
diferindo, nesse passo, da excludente do exercício regular do direito.
O dever de agir emana da lei. Esta, porém, deve ser entendida em sentido amplo,
compreendendo tanto a lei penal como a extrapenal, bem como o decreto, regulamento e qualquer
norma de caráter geral formulada por autoridade pública na esfera de sua competência. Quem age
para fazer cumprir dever social, religioso ou moral não se encontra acobertado pela justificativa em
apreço, que alberga apenas os deveres legais. Assim, responde pelo delito de violação de domicílio
o sacerdote que, contra a vontade do morador, adentra à residência para pregar o evangelho.
Segundo Nélson Hungria, a justificativa do estrito cumprimento do dever legal pressupõe no
executor um funcionário ou agente do Estado, agindo por ordem da lei, a que deve estrita
obediência. Todavia, o restante da doutrina nacional, à exceção de Mirabete, entende que a
justificativa também se aplica ao particular que atua no cumprimento do dever legal. Assim, o
advogado processado pelo delito de falso testemunho, porque se recusou a depor sobre os fatos
envolvendo segredo profissional, pode invocar a justificativa do estrito cumprimento do dever
legal. Se, porém, o cliente havia autorizado a revelação do segredo, o advogado que, mesmo assim,
recusa-se a depor pode invocar a excludente do exercício regular do direito.
Em regra, no entanto, a justificativa tem maior incidência entre os que exercem função
pública. Vejamos alguns exemplos:

 policial que cumpre mandado de prisão;


 oficial da justiça que executa mandado de despejo;
 policial que evita a fuga do presidiário;
 delegado que, ao relatar o inquérito, emite conceito desfavorável ao indiciado.
O agente deve limitar-se ao estrito cumprimento do dever, observando os limites fixados pela
lei, para não incidir no excesso.

DO EXCESSO PUNÍVEL

O Código Penal, após elencar as causas de exclusão da ilicitude, dispõe, no parágrafo único do
art. 23, que "o agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou
culposo".
Verifica-se o excesso quando o agente intensifica desnecessariamente a ação inicialmente

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justificada. Exemplo: "A" mata "B" para defender-se, quando era suficiente feri-lo.
O excesso pode ser:
a. doloso: quando a intensificação desnecessária é consciente e proposital (ex.: o fazendeiro
atira no garoto que adentrara em seu pomar);
b. culposo: quando a intensificação desnecessária é oriunda de imprudência, negligência ou
imperícia;
c. acidental ou casual: quando a intensificação desnecessária promana de acontecimento
imprevisível (caso fortuito ou força maior);
d. exculpante: quando a intensificação desnecessária resulta da perturbação de ânimo do
agente, medo ou susto advindos da situação concreta (ex.: o presidiário mata o seu agressor, no
interior da cela, tomado pelo medo que este lhe proporcionava).

Em qualquer de suas modalidades, o excesso constitui fato típico e antijurídico. No excesso


doloso, o agente responde pelo crime, beneficiando-se apenas da atenuante genérica do art. 65, III,
c, parte final, do Código Penal, ou, conforme o caso, do art. 121, § 1º, do mesmo Código (homicídio
privilegiado). No excesso culposo, o agente responde por crime culposo, se o delito for punível na
forma culposa; no excesso acidental e no excesso exculpante, o agente é absolvido por falta de
culpabilidade, com fulcro na inexigibilidade de conduta diversa.

CULPABILIDADE

O fato típico e a antijuridicidade são insuficientes para imposição da pena ao autor. No direito
penal moderno vigora a máxima nullum poena sine culpa. Urge, portanto, a presença da
culpabilidade.
Culpabilidade é o juízo de censura que recai sobre a formação e a manifestação da vontade do
agente, com o objetivo de imposição da pena. É, pois, o pressuposto da aplicação da pena.
De acordo com a teoria normativa pura, a culpabilidade apresenta os seguintes elementos:
a) imputabilidade;
b) potencial consciência da ilicitude;
c) exigibilidade de conduta diversa.

DA IMPUTABILIDADE

Imputável é o homem que, ao tempo da conduta, apresenta maturidade mental para


entender o caráter criminoso do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento.

O Código menciona as seguintes causas da exclusão da imputa-bilidade: doença mental (art.


26, caput); desenvolvimento mental incompleto (arts. 26, caput, e 27); desenvolvimento mental
retardado (art. 26, caput); embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior (art.
28, § 1º).
Com exceção da menoridade, para a exclusão da imputabilidade não basta a causa (p. ex.:
doença mental); exige-se ainda o efeito, isto é, a incapacidade de entender e de querer.

SISTEMAS DE APURAÇÃO DA INIMPUTABILIDADE

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Três sistemas procuram sublinhar os traços distintivos da inimputabilidade:


a) sistema biológico;
b) sistema psicológico;
c) sistema biopsicológico ou misto.
De acordo com o sistema biológico, a inimputabilidade decorre da simples presença de causa
mental deficiente. Não há qualquer indagação psicológica acerca da capacidade de
autodeterminação do agente. Presente uma das causas mentais deficientes (doença mental,
desenvolvimento mental incompleto ou retardado e embriaguez completa, proveniente de caso
fortuito ou força maior), exclui-se a imputa-bilidade penal, ainda que o agente tenha se mostrado
lúcido no momento da prática do crime.
Pelo segundo sistema, a inimputabilidade só ocorre quando o agente, ao tempo do crime,
encontra-se privado de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento. Nesse sistema, não há necessidade que a incapacidade de entender ou querer
promane de uma causa mental preexistente.
Finalmente, no sistema biopsicológico, a inimputabilidade decorre da conjugação dos dois
critérios anteriores. Com efeito, inimputável é o sujeito que, ao tempo do crime, apresenta uma
causa mental deficiente, não possuindo ainda capacidade de compreender o caráter ilícito do fato
ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
O nosso Código filiou-se ao sistema biopsicológico. Para que se exclua a imputabilidade,
exigem-se os elementos seguintes:
a) base biológica ou causa mental deficiente: doença mental, desenvolvimento mental
incompleto ou retardo e embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior;
b) base psicológica: inteira incapacidade de compreender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
Verifica-se assim que, para a caracterização da inimpu-tabili-dade, não basta a doença mental,
urge ainda que, ao tempo do crime, o sujeito não se encontre em situação de entender e querer.
Durante os intervalos lúcidos, o doente mental é considerado imputável, respondendo pelos crimes
praticados. Não é impossível que ao tempo do crime o doente mental se encontre com capacidade de
entender e querer. Medite-se, com efeito, no exemplo de Basileu Garcia: “o portador de monomania
paranóica, isto é, o doente com mania de perseguição, que pode matar o seu pretenso perseguidor,
em imaginária legítima defesa. Mas pode praticar um crime estranho àquele exclusivismo do seu
entendimento conturbado, contingência em que, consoante a férrea previsão legal, seria
responsabilizado por ter agido com inteligência e vontade. Assim é também a propósito da epilepsia.
O epiléptico pode cometer um crime em circunstância alheia ao mal comicial, fora do acesso próprio
da moléstia”.
Em contrapartida, sem a base biológica não se pode falar em inimputabilidade. A pessoa
mentalmente sã, que, ao tempo do crime, não se encontra em situação de entender e querer,
responde pelo crime, ainda que não pudesse controlar seus impulsos. Aquele que, após ingerir uma
dose de chá de cogumelos, vier a perder os sentidos e a sair nu por aí, responde pelo crime de ato
obsceno.
Uma exceção, entretanto, comporta citado sistema biopsicológico: para os menores de 18
anos não é necessária a incapacidade de entender ou querer. Aqui o Código abraçou o sistema
biológico, fixando uma presunção absoluta de inimputabilidade, sem qualquer questionamento
sobre a real incapacidade de entender ou querer o fato praticado. Em relação aos demais
inimputáveis, prevalece o critério biopsicológico.

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MOMENTO DE AFERIÇÃO DA IMPUTABILIDADE

A imputabilidade é aferida ao tempo da prática da conduta criminosa. A superveniência da


doença mental provoca a suspensão do processo, até o restabelecimento do réu, que, porém,
continua a ser tratado como imputável.

MENORIDADE PENAL

A Magna Carta, repetindo os dizeres do art. 27 do CP, dispõe em seu art. 228 que “são
penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.
Adotou-se assim o chamado critério biológico, que já tivemos oportunidade de aludir. Há aí
uma presunção absoluta, a de que os menores de 18 anos não reúnem a capacidade de
autodeterminação. Trata-se, porém, de mera ficção, pois nenhum critério científico pode demarcar
o exato momento em que se dá o pleno desenvolvimento de sua personalidade moral.
INIMPUTABILIDADE POR DOENÇA MENTAL OU DESENVOLVIMENTO

IMPUTABILIDADE DIMINUÍDA OU RESTRITA

As doenças da mente, à semelhança do que ocorre com as doenças do corpo, passam por
diversos estágios. Antes de chegar ao topo da inimputabilidade, percorrem uma zona cinzenta onde
não há capacidade plena nem inimputabilidade. Nessa faixa fronteiriça, de vício parcial da mente,
situam-se certas psicoses, certas oligofrenias, alguns casos de neurastenias sexuais e tantas outras
doenças.
Durante esse vício parcial da mente, o indivíduo costuma conviver no meio social, e a sua
doença às vezes passa despercebida aos olhos das demais pessoas. Isso certamente aumenta a sua
periculo-sidade. Essa anomalia mental, que não exclui, mas apenas reduz a capacidade, está
disciplinada no parágrafo único do art. 26 do CP, que assim preceitua:
“A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de
saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz
de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.
Aqui também o Código consagra o sistema biopsicológico, exigindo, para o reconhecimento da
semi-imputabilidade, a presença de dois requisitos:
a) base biológica: perturbação da saúde mental ou desenvolvimento mental retardado ou
incompleto ou então embriaguez completa acidental;
b) base psicológica: diminuição da capacidade de entender ou de querer.
Com efeito, não basta a diminuição da capacidade de autodeterminação; é preciso que a
aludida diminuição seja oriunda de perturbação da saúde mental ou desenvolvimento mental
retardado ou incompleto. Nos delitos passionais, por exemplo, malgrado a redução da capacidade
de autodeterminação, não se exclui a imputabilidade, porque falta ao agente a base biológica.
Por outro lado, aproxima-se a inimputabilidade da semi-impu-tabilidade, pois, em ambas,
comum é a existência de uma anomalia mental. Ambas afetam a capacidade de autodeterminação.
Mas suas diferenças são fundamentais: na inimputabilidade, o agente se acha inteiramente privado
da capacidade de autodeterminação; na semi-imputabilidade, a capacidade de autodeterminação
encontra-se apenas diminuída. Na inimputabilidade, a única sanção cabível é a medida de
segurança, ao passo que na semi-imputabilidade o magistrado pode aplicar pena reduzida de um a
dois terços ou medida de segurança, conforme o agente necessite ou não de especial tratamento
curativo.

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Como claramente se vê, a reforma penal de 1984 adotou o sistema vicariante (ou unitário), já
que o réu cumpre pena ou medida de segurança, não podendo acumular essas duas sanções penais.
A antiga Parte Geral do Código de 1940 adotava o sistema do duplo binário (também denominado
de dois trilhos, dualista ou de dupla via). De acordo com esse sistema, o semi-imputável, depois de
cumprir a pena, tinha ainda de cumprir a medida de segurança. Desnecessário dizer o absurdo
consistente em se ordenar a prisão de indivíduo que necessitava de tratamento psiquiátrico e
depois ainda submetê-lo, após o cumprimento da pena, a medida de segurança.

CONCURSO DE PESSOAS

A teoria do concurso de pessoas foi desenvolvida em torno dos crimes de concurso eventual,
que são aqueles praticados por duas ou mais pessoas, mas que podem ser cometidos
individualmente. Exemplos: homicídio, lesão corporal, calúnia, injúria, difamação, estupro etc.
Ressalte-se que a sua característica reside no caráter monossubjetivo do tipo penal, que na
definição da conduta criminosa não faz menção à pluralidade de agentes.

AUTORIA

Em princípio, o autor é quem executa diretamente a conduta típica, ao passo que o partícipe
apenas induz, instiga ou auxilia a sua realização. Quem mata é autor; quem manda matar é
partícipe.
No entanto, como logo se verá, casos há em que o autor realiza indiretamente a conduta
típica, aproximando-se ainda mais do partícipe. Refiro-me à autoria mediata, segundo a qual o
agente, para cometer o crime, utiliza-se de uma pessoa que atua sem culpabilidade. Quem manda
um louco ou um menor matar alguém não é partícipe, e, sim, autor mediato.
Autor é quem realiza a conduta típica (“núcleo do tipo”), bem como aquele que, para cometer
o crime, utiliza-se de uma pessoa que atua sem culpabilidade (autoria mediata).
Em contrapartida, partícipe é aquele que concorre, de qualquer modo, para o crime, sem
realizar diretamente o núcleo do tipo.

FORMAS DE CONCURSO DE AGENTES

Coautoria e participação são as duas formas de concurso de agentes.


Dá-se a coautoria quando a conduta típica é realizada por duas ou mais pessoas. Ambas
realizam diretamente o núcleo do tipo. Há, pois, uma divisão de trabalho; cada um dos coautores
realiza uma parcela da conduta típica.
Na participação, o agente não realiza diretamente o núcleo do tipo, porém concorre, de
qualquer modo, para o crime.
A linha separativa entre as duas modalidades é o núcleo do tipo. Na coautoria, imprescindível
é a realização direta do núcleo do tipo; na participação o agente não realiza o núcleo do tipo. Se “A”
aponta a arma para a vítima, enquanto “B” a subtrai, estaremos diante da coautoria. Outro
exemplo, igualmente de coautoria: “A” segura a vítima para “B” manter conjunção carnal. Note-se
que os núcleos do tipo (“constran­ger” e “subtrair” — no roubo; “constranger” e “manter” — no
estupro) foram realizados por “A” e “B”. Se, ao inverso, “A” tivesse instigado “B” a roubar ou estuprar
a vítima, “A” seria partícipe e “B”, autor.
A participação pode ser: moral e material.

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Na participação moral, o agente se limita a induzir ou instigar alguém a cometer o crime.


Induzir é incutir na mente de outrem o propósito criminoso, até então inexistente. Instigar é
reforçar a ideia criminosa já preexistente na mente do agente. No induzimento, a ideia do crime é
do partícipe. Na instigação, ao inverso, a ideia do crime parte do autor, o partícipe simplesmente a
reforça. Uma e outra devem ser dirigidas à prática de crime determinado. Aliás, no induzimento ou
instigação genérica não há falar em participação. Se, por exemplo, “A” induz “B” a cometer furto de
veículos, sem porém especificar as futuras vítimas, “A” não será partícipe de furto, mas responderá
por receptação, caso venha a adquirir de “B” a res furtiva. Se, ao inverso, “A” diz para “B” furtar o
veículo de “C”, “A” será partícipe de furto, e não responderá por receptação ainda que venha a
adquirir veículo furtado por “B”.
Na participação material, o agente presta auxílio ao autor do crime. O partícipe que auxilia é
chamado pela doutrina de cúmplice. Auxiliar é facilitar a execução do crime sem, porém, executar o
núcleo do tipo. O auxílio pode-se dar durante os atos preparatórios ou executórios. Exemplos de
auxílio:
a) emprestar o dinheiro para a compra de remédio abortivo;
b) ensinar a fórmula do veneno que se irá ministrar à vítima;
c) vigiar o local do crime para o agente executar o roubo.

AUTORIA MEDIATA

Na autoria mediata, o agente, para cometer o crime, utiliza-se de outra pessoa, que atua sem
culpabilidade.
Vê-se, assim, que, na autoria mediata, o executor direto do crime atua sem culpabilidade. Tal
se dá nos seguintes casos: a) menoridade penal; b) inimputabilidade por doença mental; c) coação
moral irresistível provocada por terceiro; d) obediência hierárquica.
Em todos esses casos, apenas o autor mediato responde pelo crime.
Note-se que, enquanto na participação o executor direto do crime atua com culpabilidade, na
autoria mediata isso não ocorre.

REQUISITOS DO CONCURSO DE PESSOAS

São quatro os pressupostos do concurso de pessoas: pluralidade de agentes culpáveis;


relevância causal de cada uma das condutas; vínculo subjetivo e normativo entre os agentes;
identidade de infrações penais para todos os agentes.
Faltando um desses requisitos, descaracteriza-se o concurso de pessoas.

PLURALIDADE DE AGENTES CULPÁVEIS


A pluralidade de agentes é essencial ao concursus delinquentium. Todavia, não se pode falar
em concurso de agentes quando, de dois participantes, um é inimputável ou atua sem
culpabilidade. Em tal caso, haverá autoria mediata.

RELEVÂNCIA CAUSAL DAS CONDUTAS

Dispõe o art. 29 do CP:


“Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na
medida de sua culpabilidade”.
A conduta do partícipe deve ter provocado ou facilitado a conduta principal ou a eclosão do

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resultado. Aplica-se, aqui, a teoria da conditio sine qua non ou da equivalência dos antecedentes,
segundo a qual “considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”
(art. 13, 2ª parte).
A participação inócua, que em nada contribui para a produção do crime, é desprezada pelo
direito penal. Igualmente não há concurso de pessoas quando a conduta insere-se dentro dos riscos
permitidos. Assim, não responde por homicídio, consoante ensinamentos da teoria da imputação
objetiva, o balconista do açougue que vende carne para o cliente que diz que vai envenená-la para
matar a mulher.
Ausente, porém, o dever jurídico de agir, fala-se em conivência ou participação negativa. Em
tal hipótese, o agente não será partícipe de estupro, mas autor de delito de omissão de socorro (art.
135 do CP); se, em vez do estupro, o delito que o particular deixasse de impedir fosse um furto, nem
omissão de socorro haveria.
A ideia de relevância causal pressupõe uma atuação anterior à consumação. A participação
posterior não configura concurso de agentes. O funcionário público que, no exercício da função,
deixa de comunicar o crime de ação pública incondicionada responde pela contravenção do art. 66,
I, da LCP. Não se trata de participação, e, sim, de conivência posterior à prática do crime. É claro que
se fosse um particular que deixasse de realizar essa delação nem contravenção haveria.
No caso de induzimento, a participação ocorre antes da cogitação.
Por outro lado, o auxílio pode até efetivar-se após a consumação, desde que a promessa de
auxílio tenha ocorrido antes. Se, antes da execução do homicídio, “A” diz para “B” que o ajudará a
esconder o cadáver da vítima, “A” será partícipe de homicídio, ainda que depois se negue a ocultar o
defunto. Se, ao inverso, esconder o cadáver, sem ter feito a promessa anterior à consumação, já não
será partícipe, e, sim, autor do crime de ocultação de cadáver (art. 211).
Nos delitos permanentes, a qualquer momento, enquanto não cessar a permanência, a
atuação do agente poderá dar ensejo à participação. Será, por exemplo, partícipe aquele que, após
o sequestro, emprestar o automóvel para os sequestradores conduzirem a vítima a outro lugar mais
distante.

VÍNCULO SUBJETIVO E NORMATIVO

Além da pluralidade de agentes e da relevância causal de cada conduta, urge ainda que os
diversos participantes estejam ligados por um vínculo subjetivo, nos crimes dolosos, e normativo,
nos culposos.
Nos crimes dolosos, os participantes devem atuar com vontade homogênea, no sentido de
todos visarem a realização do mesmo tipo penal. A esse fenômeno dá-se o nome de princípio da
convergência. Não se exige o prévio acordo entre os agentes. A ideia de exigir o conluio para a
caracterização do concurso de pessoas de há muito encontra-se superada. Para a configuração do
liame subjetivo é suficiente que o partícipe atue consciente de que está contribuindo para o delito
do autor principal, ainda que este desconheça o auxílio que está recebendo daquele. Responde
como partícipe de furto a empregada que, para vingar-se do patrão, deixa a porta aberta, facilitando
a entrada do ladrão que rondava a residência. É claro que se deixasse a porta aberta por mera
negligência se descaracterizaria o concurso de pessoas, uma vez que não há participação culposa
em crime doloso. Nessa hipótese, a empregada permaneceria impune, devido à inexistência do
furto culposo. A propósito, Damásio E. de Jesus cita o seguinte exemplo: “um médico,
negligentemente, entrega a uma enfermeira um veneno, supondo-o substância medicinal. Ela,
percebendo o engano, com intenção de matar o doente, ministra-lhe a substância fatal. Há dois
crimes: homicídio culposo por parte do médico; doloso em relação à enfermeira”.

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Por outro lado, nos delitos culposos também é possível o concurso de agentes quando houver
a consciência de estar contribuindo para a conduta culposa de outrem. Na culpa, a vontade não é
dire-cionada ao resultado criminoso, razão pela qual Florian e Carrara pronunciavam-se
contrariamente à possibilidade do concurso em crime culposo. A objeção, contudo, não tem
cabimento, porque no crime culposo a vontade é também direcionada à realização da conduta.
Desde que os agentes atuem com a mesma vontade de realizar a conduta culposa, não há por que
excluir o concurso de pessoas. Assim, responde também por lesão culposa o passageiro que instiga
o motorista a dirigir em alta velocidade, disso resultando o atropelamento de um pedestre.
Convém, todavia, observar que, no exemplo ministrado, passageiro e motorista figuram como
coautores do delito culposo. Consoante se vê, realmente, do art. 18, II, do CP, o núcleo do tipo penal
culposo é a violação do dever de cuidado. Aquele que é imprudente, negligente ou imperito viola,
sem dúvida, o dever de cuidado. Instigar o motorista a correr em lugar inadequado revela
imprudência, isto é, violação do dever de cuidado. Coautor é quem viola o núcleo do tipo: o dever
de cuidado. Por consequência, todo aquele que dá causa ao resultado por imprudência, negligência
ou imperícia ingressa no conceito de coautor. A conclusão a que se chega é de que não é possível
partícipe em crime culposo, mas apenas a coautoria. Este assunto, porém, não é pacífico, porquanto
diversos penalistas admitem a participação em crime culposo, salientando que autor é quem realiza
a conduta principal descrita no tipo, como, por exemplo, a ação de matar, enquanto o partícipe
limita-se a induzir, instigar ou auxiliar, como no exemplo acima do passageiro que instiga o
motorista a dirigir em alta velocidade.
Enfim, também não há participação dolosa em crime culposo. Se Tício determina a Caio que
conduza seu automóvel em velocidade excessiva nas imediações de uma curva perigosa, porque
espera (dolo eventual) que desse modo seja atropelado e morto um ciclista a quem odeia,
responderá Tício, se a morte do ciclista ocorrer, por homicídio doloso, e Caio, por homicídio
culposo. Note-se que, nesse exemplo, haurido do ensinamento de Esther de Figueiredo Ferraz, não
há concurso de pessoas, mas crimes autônomos e distintos.

IDENTIDADE DE INFRAÇÕES PENAIS PARA TODOS OS AGENTES

Não se pode falar em concurso de agentes se não houver um crime, ainda que tentado. Tanto
é assim que “o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em
contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado” (CP, art. 31). Suponha-
se que “A” contrate “B” para matar a vítima, mas a execução do delito não chega sequer a iniciar-se,
devido ao arrependimento de “B”. “A” por nada responderá.
De acordo com a teoria unitária, também chamada igualitária ou monista, adotada em nosso
Código Penal, quem concorre para o crime incide nas penas a este cominadas (art. 29). Todos os
coautores e partícipes se enquadram no mesmo tipo penal. Há, pois, um único crime com múltiplos
agentes.

Vejamos algumas exceções pluralistas à teoria monista:


a) Aborto provocado por terceiro com consentimento da gestante. O terceiro executor
responde por aborto consensual (art. 126); a gestante, por aborto consentido (art. 124, 2ª parte).
b) No delito de bigamia, aquele que, sendo casado, contrai novo casamento, responde pelo
art. 235, caput, do CP, enquanto aquele que não é casado incide no § 1º do mesmo artigo.
c) O funcionário público que, em razão da função, recebe vantagem indevida, responde por
corrupção passiva (art. 317), ao passo que o corruptor, que lhe oferece a vantagem, comete
corrupção ativa (art. 333).

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PUNIBILIDADE

Dispõe o Código, no § 1º do art. 29, que “se a participação for de menor importância, a pena
pode ser diminuída de um sexto a um terço”.
Participação mínima ou de somenos importância é a de leve eficiência causal.
É claro que se a participação for inócua, isto é, desprovida de qualquer relevância causal, não
haverá concurso de pessoas, pois nem sequer terá sido causa do crime. Assim, quando se fala em
participação de somenos importância, pressupõe-se a sua relevância causal, no sentido de que
abstraída mentalmente o delito não teria ocorrido como ocorreu. Todavia, a relevância há de ser
mínima, isto é, de leve eficiência causal.

DA COOPERAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA OU DESVIOS

SUBJETIVOS ENTRE OS AGENTES

Dispõe o § 2º do art. 29 que “se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave,
ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido
previsível o resultado mais grave”.

Exemplificando:
“A” manda “B” aplicar uma surra em “C”. “B” age com animus necandi, matando “C”. Em tal
situação, “B” responde por homicídio e “A”, por lesão corporal. É claro que se “A” tivesse assumido o
risco da morte de “C”, o delito de homicídio ser-lhe-ia também imputado a título de dolo eventual,
caracterizando-se, destarte, o concurso de pessoas.
Outro exemplo: “A” manda “B” agredir “C”. “B” age com excesso e acaba produzindo
culposamente a morte de “C”. “A” responde por crime de lesões corporais leves, graves ou
gravíssimas, conforme o caso, cuja pena será aumentada até a metade se a morte da vítima era
previsível ao homem médio. “B” responde por lesão corporal seguida de morte. Ora, o mandante
“A” deveria também responder por lesão corporal seguida de morte, uma vez que o evento letal era
previsível. No entanto, o § 2º do art. 29 do CP tratou a questão de maneira diferente,
excepcionando a teoria monista da ação. Aqui, sim, houve exceção à teoria monista, porque ambos
(autor e partícipe) agiram com culpa em relação ao resultado agravador, caracterizando-se, destarte,
o concurso de pessoas, devido à homogeneidade dos elementos subjetivo e normativo. Ressalte-se,
porém, que uma parcela considerável da jurisprudência tem ignorado a regra do § 2º do art. 29,
enquadrando também o partícipe no delito de lesão corporal seguida de morte. Argumenta-se que
nos delitos preterdolosos não se aplica a segunda parte do § 2º do art. 29 do CP. A solução é mais
justa porém contra legem, uma vez que a lei não abre essa exceção aos delitos preterdolosos. O § 2º
do art. 29 é aplicável a todo e qualquer caso em que um dos agentes quis participar de crime menos
grave.
Damásio E. de Jesus fornece-nos o exemplo de dois assaltantes que combinam “a prática de
um roubo. Um deles permanece fora da residência da vítima. Outro nela penetra e comete um
latrocínio. Demonstrado que a morte da vítima não ingressou na esfera do dolo direto ou eventual
do partícipe, este deverá responder por roubo qualificado, mas não por latrocínio. Se, entretanto,
lhe era previsível a morte do sujeito passivo, sem ter agido com dolo direto ou eventual, a pena do
roubo qualificado será aumentada até a metade”. Também comungamos do mesmo ponto de vista,
não obstante a existência de julgados enquadrando ambos no delito de latrocínio.

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Outro exemplo, desta vez de Júlio F. Mirabete: “A fornece a B uma gazua para que este
pratique um furto em casa cujos moradores saíram em viagem. B, ao penetrar na residência, depara
com um imprevisto vigia e pratica violência contra este para obter a subtração. Nos termos da lei, B
é responsável por roubo enquanto a A será imputada apenas a prática de furto qualificado com
emprego de chave falsa, já que queria crime menos grave. Se a presença do vigia fosse previsível
para A, a ele ainda será imputada a prática do furto, mas a pena deverá ser aumentada até a
metade”.

PARTICIPAÇÃO IMPUNÍVEL

O art. 31 do CP estabelece: “O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo


disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser
tentado”.
Casos há, entretanto, em que o ajuste, a determinação, a instigação e o auxílio são puníveis
como delitos autônomos.
Exemplos: quadrilha ou bando (art. 288) e incitação ao crime (art. 286).

AUTORIA COLATERAL

Na autoria colateral, também chamada coautoria lateral ou coautoria imprópria ou ainda


autoria parelha, dois ou mais agentes realizam atos de execução do mesmo crime, cada qual
desconhecendo o comportamento do outro. Entende-se assim que não há concurso de pessoas,
devido à ausência do liame subjetivo, de modo que cada agente só responde pelo ato que executou.
Se o indivíduo “A” lesiona a vítima, deixando-a inconsciente, vindo “B” a aproveitar-se da si-tuação,
subtraindo-lhe os valores, cada qual responderá pelo que fez. “A” será punido por lesão corporal e
“B”, por furto. Se, no entanto, estiverem unidos pelo mesmo propósito, configurar-se-á o concurso
de agentes, de tal sorte que ambos responderão pelo delito de roubo qualificado (art. 157, § 2º, II,
do CP).
É, pois, o vínculo subjetivo existente entre os coautores que distingue a coautoria da autoria
colateral. Nesta, cada autor atua desconhecendo a conduta do outro.

AUTORIA INCERTA

Dá-se a autoria incerta quando mais de uma pessoa é apontada como autor, porém não se
logra apurar qual delas produziu o resultado.
O problema envolve duas hipóteses:
a) Cada um dos agentes tinha conhecimento da atuação do outro. Nesse caso, configura-se o
concurso de pessoas, independentemente do prévio acordo de vontades. Aplicando-se, destarte, a
teoria monista, todos respondem pelo crime, ainda que não se apure quem, entre os diversos
agentes, executou o golpe mortal.
b) Cada um dos agentes desconhece a atuação do outro. Tem-se aqui a autoria incerta dentro
da autoria colateral. Não se apurando quem produziu o resultado lesivo, não há como imputar o
evento a todos os concorrentes, diante da inexistência do concurso de pessoas. Não se depara em
nossa legislação regras sobre autoria incerta na autoria colateral. É evidente, porém, que não se
pode aplicar a teoria monista da ação, que tem sua incidência restrita ao plano do concurso de
pessoas. Em tal circunstância, a solução é a seguinte: se ambos os agentes praticam atos de
execução do crime, ambos devem ser condenados somente a título de tentativa (in dubio pro reo);

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se um dos agentes só praticou atos preparatórios, impõe-se a absolvição de todos (in dubio pro reo).
Suponha-se que “A” e “B” atirem, simultaneamente, contra a mesma vítima, matando-a. Se
eles atuam unidos por um vínculo subjetivo, os dois respondem por homicídio consumado, quer se
tenha quer não se tenha apurado qual dos disparos provocou o resultado lesivo. É que, diante do
concurso de pessoas, impõe-se a aplicação da teoria monista da ação. Se, ao inverso, “A”
desconhecesse a presença de “B”, e vice-versa, já não haveria o concurso de pessoas, e afastada
estaria a possibilidade de invocar-se a teoria monista da ação. Em tal situação, se o tiro mortal
emanasse da arma de “A”, este responderia por homicídio consumado, e “B”, por homicídio tentado;
não se apurando, porém, qual dos tiros produziu a morte, ambos responderiam por tentativa de
homicídio, por força do brocardo in dubio pro reo.
Mais um exemplo: o sujeito está sendo vítima de veneno ministrado por sua esposa e por sua
concubina; ambas desejam matá-lo. Meses depois, sobrevém a sua morte por envenenamento. A
perícia toxicológica encontra duas substâncias em seu organismo: veneno e vitamina. Apura-se que
a esposa, por engano, ministrava-lhe vitamina, em vez do veneno. O veneno, porém, ele ingeria
durante o café ardilosamente preparado por sua concubina. Em tal situação, havendo conluio entre
elas, ambas responderiam por homicídio qualificado (art. 121, § 2º, III), diante do concurso de
pessoas, caracterizado pela instigação recíproca. Se, todavia, uma desconhecesse a atuação da
outra, apenas a concubina responderia pelo homicídio qualificado, uma vez que a esposa realizou
crime impossível (art. 17). Suponhamos, porém, que a perícia não apurasse qual das duas
ministrava o veneno ou a vitamina. Estaríamos então diante do tormentoso problema da autoria
incerta dentro da autoria colateral. A solução preconizada unanimemente pela doutrina é a
seguinte: as duas deveriam ser absolvidas, já que uma delas teria praticado crime impossível. É
melhor absolver um culpado que condenar um inocente.

COMUNICABILIDADE DAS ELEMENTARES E CIRCUNSTÂNCIAS

Dispõe o art. 30 do CP:


“Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando
elementares do crime”. dica.
Resumindo: elementar é tudo aquilo que compõe a definição do crime, ao passo que
circunstância é o dado acessório que apenas agrava ou atenua a pena prevista para o crime. As
elementares são: no homicídio, “matar alguém”; no furto: “subtrair, para si ou para outrem, coisa
alheia móvel”. Motivo fútil ou motivo torpe são circunstâncias do homicídio; repouso noturno,
chave falsa, escalada etc. são circunstâncias do furto.
Ao lado das elementares e das circunstâncias, o art. 30 do CP ainda faz menção às condições
de caráter pessoal. Entende-se por condições pessoais as qualidades ou estados subjetivos que
acompanham o agente, independentemente da prática do delito (ex.: o estado de filho ou cônjuge,
a qualidade de funcionário público, a reincidência etc.).
Em regra, porém, as condições pessoais já funcionam como elementares, como a qualidade de
pai no delito de abandono intelectual (art. 246), ou circunstâncias, como a reincidência (art. 61, I),
de tal sorte que sua menção não era necessária.

As circunstâncias ainda podem ser:


a) Objetivas (materiais ou reais): são as que dizem respeito ao aspecto exterior do fato
criminoso, como o modo de execução, o tempo ou lugar onde o delito é cometido e as qualidades
da vítima. Exemplos: veneno, fogo, emboscada, repouso noturno etc.
b) Subjetivas ou pessoais: são as que dizem respeito às qualidades do agente, seu estado

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anímico e suas relações com a vítima. Exemplos: reincidência, motivo torpe, motivo de relevante
valor moral ou social, a qualidade de irmão da vítima etc.
Feitas essas considerações preliminares, cabe-nos agora fixar as três regras do art. 30 do CP:
1ª) não se comunicam as circunstâncias de caráter pessoal;
2ª) comunicam-se as circunstâncias de caráter objetivo, desde que tenham entrado na esfera
de conhecimento dos demais agentes;
3ª) as elementares se comunicam, desde que tenham entrado na esfera de conhecimento dos
demais agentes.
A primeira regra, da incomunicabilidade das circunstâncias pessoais, é absoluta; não comporta
exceção. Poder-se-ia dizer que o próprio legislador teria aberto uma exceção ao inserir no art. 30 a
expressão “salvo quando elementares do crime”. O argumento não procede porque não se trata aí
de circunstância, e, sim, de elementares de caráter subjetivo, como a qualidade de funcionário
público, no peculato. A expressão que funciona como elementar não é circunstância, mas elemento
constitutivo da figura delituosa.
Ainda que o partícipe ou coautor tenha ciência da circunstância pessoal, esta não se lhe
comunica. Trata-se, sem dúvida, de regra absoluta. Suponha-se que “A”, por motivo torpe
(circunstância subjetiva), cometa homicídio, auxiliado por “B”. “A” responde por homicídio
qualificado (art. 121, § 2º, I); “B”, por homicídio simples (art. 121). Se “A” tivesse matado por
relevante valor moral, a solução seria a seguinte: “A” responderia por homicídio privilegiado (art.
121, § 1º); “B”, por homicídio simples (art. 121).
A segunda regra, da comunicabilidade das circunstâncias objetivas, não está muito clara no
texto do art. 30 do CP. Por raciocínio lógico, se não se comunicam as circunstâncias pessoais, a
contrario sensu, comunicam-se as circunstâncias objetivas. A regra, porém, é relativa, uma vez que
não se comunicam as circunstâncias ignoradas pelos partícipes ou coautores. Costa e Silva dizia que
as circunstâncias objetivas, conhecidas ou não, comunicam-se. Há, nesse entendimento, uma
responsabilidade objetiva. Inadmissível o seu ponto de vista, porque os partícipes e coautores
respondem segundo sua própria culpabilidade (art. 29). É claro que não há culpabilidade quando a
circunstância é ignorada por eles. Assim, se “A” manda “B” matar a vítima, deixando de especificar-
lhe o modus operandi, vindo este a executar o delito mediante veneno, a solução será a seguinte:
“A” responde por homicídio simples (art. 121); “B”, por homicídio qualificado (art. 121, § 2º, III).
A terceira regra, da comunicabilidade das elementares, também não é absoluta, porque não
se comunicam as elementares ignoradas pelos coautores e partícipes. As elementares, sejam de
caráter pessoal ou objetivo, comunicam-se, desde que tenham entrado na esfera de conhecimento
dos agentes.
Um particular que concorre para que um funcionário público cometa peculato também irá
responder por peculato uma vez que a elementar (funcionário público) a ele se comunica. Se,
todavia, ignorar essa qualidade pessoal de seu comparsa, responderá pelo delito de apropriação
indébita.

CRIME PRÓPRIO

No crime próprio ou especial, o autor deve preencher certos requisitos previstos no tipo legal.
Isso ocorre, por exemplo, com o peculato, pois o autor deve ser funcionário público.
O crime próprio é plenamente compatível com o concurso de pessoas, admitindo a coautoria
e a participação. Note-se que o crime próprio admite coautoria, participação e também autoria
mediata. De fato, responde por peculato o particular que auxilia o funcionário público a subtrair
bens da repartição pública. Igualmente, é autor mediato de peculato o particular que coage

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funcionário público a praticar a conduta acima.

CASOS DE INADMISSIBILIDADE DA COAUTORIA

Dois delitos não admitem coautoria: os de mão própria e os omissivos próprios.


No crime de mão própria, também chamado de delito de atuação pessoal ou de conduta
infungível, o agente não pode delegar a outrem a sua execução. Deve realizá-lo pessoalmente.
Exemplos: falso testemunho, deserção, prevaricação etc. Não admitem, por isso, nem a coautoria
nem a autoria mediata. No entanto, nada obsta a presença do partícipe.
Nos crimes omissivos próprios ou puros, a omissão vem descrita no tipo penal. O exemplo
clássico é a omissão de socorro (art. 135 do CP). Se “A” e “B”, de comum acordo, deixam de prestar
socorro a alguém, cada qual será, isoladamente, autor de um delito de omissão de socorro. Como se
vê, não há coautoria nos delitos omissivos próprios. Isso porque a característica do concurso de
pessoas é a união de esforços; urge que se fracionem entre os agentes os diversos atos executórios
da conduta típica. A omissão, porém, não é fracionável. Não há como proporcionar aos coautores
uma “divisão de trabalho”, no sentido de cada um realizar apenas uma parcela da figura típica. Nos
delitos omissivos próprios, a omissão de cada um realiza por inteiro a conduta criminosa descrita no
tipo penal, daí a razão da inexistência de coautoria. Se dois médicos, de comum acordo, deixarem
de comunicar a doença contagiosa, cada qual terá realizado integralmente a conduta criminosa
descrita no art. 269 do CP. Cada um responderá, isoladamente, como autor do delito de omissão de
notificação de doença.
Não se pense, porém, que os delitos omissivos próprios são totalmente avessos às regras do
concurso de pessoas. Tais delitos admitem a participação por ação. Suponha-se, por exemplo, que,
deparando na estrada com uma pessoa gravemente ferida, o motorista, de seu celular, resolve
consultar a esposa sobre a viabilidade ou não de prestar ajuda ao moribundo, obtendo dela uma
resposta negativa. O motorista responde pelo delito de omissão de socorro, figurando a sua esposa
como partícipe. É claro que se ela estivesse no local do acidente cada qual responderia,
isoladamente, por um delito de omissão de socorro.
Em contrapartida, os crimes omissivos impróprios admitem a coautoria e a participação.
Nesses delitos, a omissão, por si só, não realiza por inteiro os elementos do tipo legal. Referidos
delitos são materiais, isto é, de conduta e resultado, sendo possível o fraciona-mento da conduta
omissiva. Se, por exemplo, marido e mulher, de comum acordo, resolvem matar o filho de inanição,
ambos respondem por homicídio, a título de coautoria.

DA EMBRIAGUEZ

CONCEITO

Embriaguez é a intoxicação produzida pelo álcool ou substância de efeitos análogos.


Nessa definição transparece um extraordinário detalhe: a embriaguez também pode originar-
se de substâncias de efeitos análogos aos do álcool, tais como morfina, cocaína, éter, clorofórmio e
outros tipos de entorpecente. O Código não elenca essas substâncias estupefacientes, cujo caráter
intoxicante deve ser apurado pela perícia em cada caso concreto. É certo, pois, que uma portaria do
Ministério da Saúde enumera as substâncias entorpecentes para os fins da Lei de Drogas (Lei n.
11.343/2006). Todavia, para efeito de embriaguez, além dessas, outras substâncias ainda podem ser
consideradas.

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FASES DA EMBRIAGUEZ

A embriaguez comum, caracterizada pela intoxicação aguda e transitória, apresenta três fases:
excitação, depressão e coma.
Na primeira, o ébrio mostra-se vivo, loquaz, falante, desinibido, liberando atitudes cômicas e
até indecorosas. Há uma redução de sua capacidade de entender ou de querer. É a chamada “fase
do macaco”.
Na segunda, o ébrio começa a sofrer uma perturbação mental que o torna violento, com
marcha titubeante e a palavra pastosa, além de falar alto. É a chamada “fase do leão”, visto que ele
ruge surdamente e de modo incoerente.
Na terceira, ele entra em sono profundo, só podendo cometer delitos comissivos por omissão.
É a chamada “fase do porco”.

CLASSIFICAÇÃO DA EMBRIAGUEZ

Quanto à sua intensidade, a embriaguez pode ser:


a) completa (plena): é a que atingiu a segunda ou a terceira fase;
b) incompleta (semiplena): compreende apenas a primeira fase.

Quanto à sua origem, a embriaguez pode ser:


a) voluntária: quando o agente quer beber para embriagar-se;
b) culposa: quando o agente quer apenas beber, sem embriagar-se, mas excede-se, por
imprudência, ao uso da bebida;
c) preordenada ou dolosa: quando o agente embriaga-se propositadamente para cometer o
crime; é a embriaguez com o escopo de encorajar a pessoa a delinquir, e funciona como
circunstância agravante genérica (art. 61, II, l);
d) acidental: quando a embriaguez promana de caso fortuito ou força maior.

A SITUAÇÃO DA EMBRIAGUEZ PERANTE O CÓDIGO PENAL

A embriaguez voluntária ou culposa, quer seja completa quer incompleta, não exclui a
imputabilidade penal. A embriaguez preordenada, conforme acabamos de mencionar, ainda
provoca o agravamento da pena (art. 61, II, l, do CP).
A embriaguez acidental completa, desde que suprima a capacidade de o agente entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, exclui a imputabilidade
penal (art. 28, § 1º, do CP); mas se apenas diminui a capacidade de entender ou de querer, a pena
ainda pode ser reduzida de um a dois terços (art. 28, § 2º, do CP).

“ACTIO LIBERA IN CAUSA”

A actio libera in causa foi a teoria desenvolvida para explicar a punição daqueles delitos em
que o agente não procede com dolo ou culpa, no momento de sua prática. De acordo com essa
teoria, imputa-se-lhe o delito pelo dolo ou culpa existente no período anterior à prática do crime,
isto é, no momento anterior à embriaguez. O exemplo que se tornou clássico é o da embriaguez
preordenada, em que o agente põe-se em estado de inconsciência para a prática de determinado
crime, que lhe é imputado em virtude do dolo manifestado no momento anterior à embriaguez.
Aplica-se a máxima causa causae est causa causati (a causa da causa é também a causa do que foi

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causado). Poder-se-ia dizer que, no momento em que o agente executa o crime, não há dolo, pois
lhe falta a consciência. Doutrinariamente, a opinião dominante é pela admissão dessa teoria,
sustentando-se que o dolo existe no início da série causal, quando o agente deliberadamente se
embriaga.
Se no início a actio libera in causa aplicava-se apenas à embriaguez preordenada, com o
passar do tempo a doutrina estendeu-lhe os efeitos àqueles casos em que o agente, no momento
em que se embriaga, prevê o resultado e assume o risco de produzi-lo (dolo eventual), ou prevê o
resultado, mas espera sinceramente que ele não ocorra (culpa consciente) ou então não o prevê,
embora devesse prevê-lo (culpa inconsciente).
Vejamos dois exemplos:
a) o guarda-chaves da estrada de ferro, querendo provocar um choque entre os trens,
embriaga-se propositadamente, para, no momento oportuno, deixar de abrir os desvios e ocasionar
a colisão;
b) o motorista que se embriaga e depois toma a direção do automóvel, adormecendo no
volante, e provoca acidente fatal.
Nesses dois casos, a inconsciência ou semiconsciência, manifestada ao tempo do crime, não
exclui imputabilidade, que passa a ser apurada no momento anterior ao crime, quando o agente se
embriaga. No primeiro exemplo, ocorreu dolo direto, já que a embriaguez foi preordenada; no
segundo, conforme as circunstâncias, o agente será punido por crime doloso ou culposo. Vê-se
assim que, se ao tempo da embriaguez, o agente procede com dolo ou culpa em relação ao
resultado lesivo, a teoria da actio libera in causa se encaixa como uma luva, antecipando a análise
do dolo ou culpa para o momento em que o agente se coloca em estado de embriaguez.
Não se pode absolutamente pensar que a justificativa da punibilidade estaria no fato de o
dolo ou culpa manifestar-se durante a execução do crime. A embriaguez não é ato executório; trata-
se, sem dúvida, de mero ato preparatório, tanto que se a execução não se iniciar o agente
permanece impune. Na verdade, o dolo e a culpa manifestam-se nos atos de preparação,
exteriorizados pela embriaguez. O fundamento da punibilidade é a causalidade mediata. A hipótese
assemelha-se à autoria mediata, em que o agente se utiliza de um inimputável para cometer o
crime. Só que na actio libera in causa, o indivíduo é ao mesmo tempo o agente mediato e o agente
imediato. Como dizia Aníbal Bruno, “o agente figura como mandante, na fase anterior, da
imputabilidade, e faz executar o mandato criminoso, por si mesmo, como instrumento, em estado
de inimputabilidade”.
Por outro lado, a actio libera in causa não se limita à embriaguez. Aplica-se também a outras
hipóteses em que o agente, dolosa ou culposamente, põe-se em estado de inconsciência. Tal ocorre,
por exemplo, quando o agente procura hipnotizar-se, colocando-se em estado de inconsciência,
para delinquir. Ainda pode ser lembrado o exemplo da mãe que, desejando a morte do recém-
nascido, coloca-o junto de si no leito, convicta de que ao dormir irá esmagá-lo.
Não é certo, porém, considerar que a teoria da actio libera in causa seja a panaceia de todos os
males. Ela não consegue explicar os crimes cometidos em estado de inconsciência pelo agente que, ao
tempo da embriaguez, nem sequer podia prever a sua prática. Em tal situação, o dolo e a culpa não se
manifestam ao tempo do crime nem ao tempo da embriaguez. A única forma de se lhe imputar o
delito é através da responsabilidade objetiva. Foi o que desastrosamente fez o nosso Código, ao
preceituar que a embriaguez voluntária ou culposa não exclui a imputabilidade penal. Assim, o
indivíduo que se embriaga pela primeira vez, se vier a cometer um delito qualquer, em estado de
inconsciência, não se eximirá da imputabilidade penal, conforme se depreende do art. 28, II, do CP,
ainda que o evento lesivo, ao tempo da embriaguez, nem sequer seja previsível ao homem médio.
Note-se que ao tempo da embriaguez não há dolo nem culpa. Portanto, não se pode invocar a teoria

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do actio libera in causa. Nélson Hungria, árduo defensor do sistema do Código, dizia que o agente
responde por dolo ou culpa consoante a sua vontade residual existente ao tempo do crime. O
argumento provocou revolta na doutrina, pois Hungria admitia a vontade no ébrio inconsciente. Se
assim é, ironizava Magalhães Noronha, “não sabemos por que invocar a teoria da ‘actio libera in
causa’. Se o ébrio pode agir com dolo ou culpa, a esse título será responsabilizado, sem ser necessária
qualquer incursão nos domínios da citada teoria”.
Na verdade, no estado de inconsciência, não existe vontade residual. Trata-se de mais uma
ficção legal para impor a política criminal de punição do ébrio. Essa orientação, a nosso ver, fere o
princípio da culpabilidade. Nullum crimen sine culpa. Recentemente, a doutrina, apoiada no
princípio da presunção de inocência, tem excluído a responsabilidade penal nos casos em que o
agente comete o crime em total estado de inconsciência, desde que ao tempo da embriaguez o
resultado lesivo não pudesse nem mesmo ser previsto pelo homem médio.
Perante a linguagem de nosso Código Penal, porém, subsiste no bêbado inconsciente uma vontade
residual, pela qual ele responde a título de dolo ou culpa. Assim, se um bêbado dispara contra uma
pessoa e a mata, responderá por homicídio doloso, se deixa cair imprudentemente um fósforo aceso no
feno, responderá por incêndio culposo. Esses exemplos, hauridos do ensinamento de Bettiol, não
refletem a realidade fática, porquanto no bêbado inconsciente não há dolo nem culpa. Trata-se, sem
dúvida, de mais uma odiosa ficção jurídica. Ao aceitar que o ébrio inconsciente procede com dolo ou
culpa, o Código criou uma espécie de imputabilidade legal, violando a regra nulla poena sine culpa. O
ébrio inconsciente é um inimputável, que o nosso Código, inspirado numa rígida política criminal,
presume imputável, em detrimento da máxima nulla poena sine culpa.
Ora, se há uma imputabilidade presumida, não há necessidade, em nenhuma hipótese, de se
invocar a teoria da actio libera in causa, cuja finalidade é justificar os delitos cometidos em estado
de inimputabilidade, antecipando-se a análise do dolo e da culpa para o momento anterior ao
estado de inconsciência.
A nosso ver, o ébrio que executa o crime em total estado de inconsciência, para responder
pelo crime, precisa proceder com dolo ou culpa no momento anterior à embriaguez. Com efeito,
aplica-se a teoria da actio libera in causa aos seguintes casos:
a) o agente se embriaga para cometer o crime (dolo direto);
b) o agente se embriaga assumindo o risco de vir a cometer o crime (dolo eventual);
c) o agente se embriaga prevendo a prática do crime, mas acredita sinceramente que não irá
executá-lo (culpa consciente);
d) o agente se embriaga sem prever a prática do crime, embora devesse prevê-la, uma vez que
o resultado era previsível ao homem médio (culpa inconsciente).
Nas alíneas a e b responderá pelo crime a título de dolo.
Nas alíneas c e d, só responderá pelo crime se este for punível na forma culposa. Como lembra
Bettiol, “não se pode violar em verdade o princípio da legalidade ‘nullum crimen sine lege’ e nem se
pode admitir realizações culposas quando a natureza ontológica do delito as excluem (exemplo:
furto, injúria, desacato). Consequentemente, é verdade que no caso de embriaguez seguida da
prática de um delito poder-se-á encontrar o esquema da culpa, mas é igualmente exato que dever-
se-á admitir uma responsabilidade penal a tal título somente se o fato cometido admitir realização a
título de culpa”.
O agente que se embriaga apenas para descontrair ou espantar a tristeza, sem que seja
previsível o delito, que a final vem a praticar em estado de inconsciência, não pode ser punido.
Todavia, no sistema do Código, o delito lhe é imputado a título de dolo ou culpa, isto é, consoante a
sua “vontade residual”. Essa tal vontade residual não passa de um mecanismo de camuflagem da
responsabilidade objetiva.

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EMBRIAGUEZ ACIDENTAL

Embriaguez acidental é a proveniente de caso fortuito ou força maior. Na primeira, o agente


desconhece o efeito inebriante da bebida ou a particular condição fisiológica que o torna sensível
ao álcool. Na segunda, isto é, força maior, o agente é coagido a beber ou, então, por motivos de
trabalho ou outro qualquer, vê-se obrigado a permanecer em ambiente que contém vapores de ál-
cool; isso ocorre com o operário que trabalha em local com exalações etílicas.
A embriaguez acidental completa exclui a imputabilidade penal, desde que ao tempo do crime
o agente esteja inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se
de acordo com esse entendimento (art. 28, §1º, do CP). Nesse caso, a sentença é absolutória, nem
medida de segurança se lhe impõe. Se, ao inverso, o agente, ao tempo do crime, apenas apresenta
uma diminuição da capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento, o juiz pode reduzir a pena de um a dois terços (art. 28, § 2º). Nesse
último caso, há uma situação de semi-imputabilidade.
Cumpre ainda recordar que o Código adotou o sistema biopsicológico. Não basta, destarte,
para a caracterização da inimputabilidade ou semi-imputabilidade, a embriaguez fortuita; urge
ainda, ao tempo do crime, a supressão ou diminuição da capacidade intelectiva-volitiva. Do
contrário, subsiste, na íntegra, a imputabilidade.

A EMOÇÃO E A PAIXÃO
Emoção é a perturbação psíquica transitória. Exemplos: a cólera, o medo, a alegria, a
ansiedade, o prazer erótico, a surpresa, a vergonha, o pudor, o susto etc.
Paixão é a perturbação psíquica duradoura. Exemplos: amor, ciúme, vingança, ódio, inveja,
fanatismo, ambição etc.
Emoção e paixão provocam a instabilidade da alma, afrouxando os freios do autocontrole. A
diferença entre uma e outra é apenas quanto à duração. A emoção é um sentimento passageiro, ao
passo que a paixão é duradoura.
Dispõe o art. 28, I, do CP que não exclui a imputabilidade penal “a emoção ou a paixão”.
Código, quando preceitua que a emoção ou a paixão não exclui a imputabilidade penal,
refere-se às emoções ou paixões de fundo normal, que não eliminam a capacidade de entender a
ilicitude do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
As emoções ou paixões de fundo mórbido ou patológico equiparam-se às psicoses, inserindo-
se no rol das enfermidades mentais. Nesse caso, a hipótese se enquadra no art. 26, caput, ou em
seu parágrafo único. Trata-se, sem dúvida, de indivíduo inimputável ou semi-imputável.

POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE

INTRODUÇÃO

Modernamente, não se concebe uma culpabilidade desprovida de potencial consciência da


ilicitude do fato. A pena só se justifica em relação ao agente que, ao cometer o fato danoso, tinha
pelo menos a possibilidade de entender o seu caráter ilícito.

CONCEITO DE ERRO DE PROIBIÇÃO

Verifica-se o erro de proibição quando o agente desconhece a ilicitude do fato.

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Vejamos alguns exemplos:


a) o agente mantém conjunção carnal consentida com alienada mental, ignorando a ilicitude
de sua conduta;
b) o homem rústico abate um tatu-galinha desconhecendo a proibição de matar animal
silvestre;
c) o estrangeiro cheira lança-perfume no Brasil, supondo lícita essa conduta, que é liberada
em seu país.

DISTINÇÃO ENTRE ERRO DE TIPO E ERRO DE PROIBIÇÃO

No erro de tipo, o agente desconhece a realidade fática. Tal ocorre, por exemplo, quando o
agente, ao sair do restaurante, retira o chapéu alheio, supondo-o próprio.
No erro de proibição, o agente conhece a realidade fática, porém desconhece a sua ilicitude.
O erro de tipo sempre exclui o dolo, quer seja escusável quer inescusável, porquanto o agente não
tem consciência do fato praticado. Se inescusável, o agente responde por crime culposo, se previsto em
lei (art. 20).
Ao inverso, o erro de proibição escusável exclui a culpabilidade, mas deixa intacto o dolo. De
fato, para que haja dolo, não se exige a consciência da ilicitude do fato. Se inescusável, o agente
responde pelo crime, mas o juiz pode diminuir a pena de um sexto a um terço (art. 21).
Em suma, o erro de tipo incide sobre os elementos constitutivos da figura típica, ao passo que
o erro de proibição recai sobre a ilicitude do fato.

ERRO DE PROIBIÇÃO ESCUSÁVEL E INESCUSÁVEL

Erro de proibição escusável é o inevitável, isto é, aquele em que o agente, ainda que tivesse
empreendido o esforço normal, não teria possibilidade de conhecer a ilicitude do fato. Nesse caso,
exclui-se a culpabilidade.
Erro de proibição inescusável é o evitável, isto é, aquele em que o agente, empreendendo o
esforço normal, teria possibilidade de conhecer a ilicitude do fato. Nesse caso, subsiste a
culpabilidade, mas a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. A redução de pena, para
alguns autores, é mera faculdade do juiz, ao passo que para outros, acertadamente, constitui direito
público subjetivo do réu, de modo que o juiz estaria obrigado a reduzir a pena.
Ressalte-se que o ponto de referência da escusabilidade ou inescusabilidade do erro não é o
homem médio, mas as condições particulares do agente. Analisa-se a sua inteligência, cultura e o
meio social em que vive. Com efeito, o homo medius não pode servir de critério valorativo no
temário da culpabilidade, em que se procura aferir a responsabilidade individual de cada um e não
o padrão de conduta exigido pelo direito.

ERRO DE PROIBIÇÃO E DELITO PUTATIVO POR ERRO DE

PROIBIÇÃO

Cumpre não confundir o erro de proibição com o delito putativo por erro de proibição.
No erro de proibição, o agente atua convicto da licitude de sua conduta, mas objetivamente
realiza um crime, ao passo que, no delito putativo por erro de proibição, ele atua convicto de que
sua conduta é ilícita, mas objetivamente não comete nenhum fato criminoso.

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O delito putativo existe apenas na psique do agente. Ele quer cometer o crime, mas na
realidade objetiva o fato que ele pratica não constitui infração penal. Tal ocorre, por exemplo,
quando o agente seduz mulher virgem, convicto de que está violando uma norma penal
incriminadora, desconhecendo que a sedução não é mais crime no Brasil.
Em contrapartida, no erro de proibição, o agente subjetivamente não quer cometer o crime,
mas objetivamente a sua conduta viola uma norma penal incriminadora, o que ocorre, por exemplo,
quando o agente mantém relacionamento sexual com doente mental, supondo que a sua conduta é
lícita, já que o ato sexual deriva de uma grande paixão.
Finalmente, enquanto o erro de proibição escusável exclui a culpabilidade, subsistindo a
tipicidade e a antijuridicidade, no delito putativo por erro de proibição não há sequer tipicidade.

EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA

Verificou-se, no estudo da culpabilidade, que sua caracterização não depende apenas da


imputabilidade do agente e da consciência potencial da ilicitude de sua conduta; urge ainda que a
conduta ilícita tenha sido realizada em circunstâncias normais, de modo que o agente podia e devia
proceder conforme o direito.
Assim, a inexigibilidade de uma conduta conforme o direito exclui a culpabilidade. Razões
humanitárias e lógicas demonstram que, em circunstâncias anormais, o comportamento contrário
ao direito não é reprovável quando o agente não podia proceder de outra maneira. Tome-se, desde
logo, como exemplo, o homicídio cometido sob coação moral irresistível.
A transgressão da norma jurídica em circunstâncias anormais, em que não se podia exigir do
agente um comportamento diferente, por via de consequência, faz desaparecer a culpabilidade, o
que representa, sem dúvida, grande avanço da ciência penal, porque o direito não pode exigir o
cumprimento do inexigível. A culpabilidade só se justifica quando o ilícito penal é cometido dentro
da normalidade das condições motivadoras da vontade.
Assim, de acordo com a concepção normativa, a culpabilidade é excluída toda vez que não se
pode exigir do agente uma conduta diferente daquela efetivamente realizada.
No Brasil, a adoção da teoria normativa da culpabilidade é evidenciada nos institutos da
coação moral irresistível e obediência hierárquica de ordem não manifestamente ilegal. Ambas
constituem causas legais de exclusão da culpabilidade, inspiradas na inexigibilidade de conduta
diversa. De conformidade com essa teoria, a culpabilidade apresenta os seguintes elementos, como
já referimos retro: imputabilidade; potencial consciência de ilicitude; exigibilidade de conduta
diversa.
COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL

Dispõe o art. 22 do CP que “se o fato é cometido sob coação irresistível... só é punível o autor
da coação...”.
O dispositivo legal não define coação nem fixa o critério de apuração da irresistibilidade,
relegando à doutrina e jurisprudência essa árdua missão.
Em sentido amplo, coação é o emprego de violência física ou moral para constranger alguém a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa.
Verifica-se, assim, que a coação pode ser física (vis absoluta ou corporalis) e moral (vis
compulsiva ou conditionalis).
Na coação física, o coator, para alcançar o fim ilícito, coordena o movimento ou a passividade
muscular do coagido. Exemplo: João segura a mão de José, conduzindo-a a desferir socos no rosto

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de Maria. Outro exemplo: Tício sequestra a babá, impedindo-a de cuidar da criança, que, na sua
ausência, fere-se gravemente.
Na coação moral, o coator, para alcançar o fim ilícito, ameaça gravemente o coagido, que, por
medo, acaba realizando a conduta criminosa. Exemplo: o ladrão, de arma em punho, obriga o
gerente a abrir o cofre do banco.
O Código fala apenas em coação irresistível, sem distinguir a vis absoluta da vis compulsiva.
A doutrina moderna, com acerto, vem entendendo que o dispositivo legal compreende
somente a coação moral.
Efetivamente, a coação física irresistível elimina por completo a vontade do coagido, que não
chega nem mesmo a agir, não passando de mero instrumento nas mãos do coator. Trata-se de causa
de exclusão da própria conduta, diante da total ausência de vontade.
Na coação moral irresistível, ao inverso, o coagido, premido pelo medo, realiza a conduta
criminosa para satisfazer a vontade do coator. Essa coação atua sobre o ânimo do agente, levando-o
a praticar um crime. Ao coagido, porém, há uma liberdade de opção: sofrer a ameaça ou cometer o
crime. Ainda que o mal prometido seja a sua própria morte, não se pode negar que lhe resta uma
opção. A morte, sem dúvida, é uma opção, por sinal heroica. Se ele opta pelo crime, satisfazendo o
desejo do coagido, exclui a sua culpabilidade, devido à inexigibilidade de conduta diversa. Nesse
caso, porém, não há exclusão da conduta, pois ele manifestou a sua vontade: entre sofrer a
concretização do mal ameaçado e praticar o delito, a sua vontade debandou por este último
caminho. Portanto, houve uma viciada manifestação da vontade.
Essa opção não existe na coação física irresistível. Nesta, o coagido não tem a mínima
possibilidade de evitar o mal do qual seu corpo é apenas o instrumento.
A coação moral irresistível exclui a culpabilidade do coagido, devendo o coator responder pelo
crime por este praticado. É um caso de autoria mediata. Além disso, não se pode olvidar que o
coagido também figura como vítima do delito de tortura, previsto na Lei n. 9.455/97. O coator
responde, destarte, pelo crime cometido pelo coagido em concurso material com o delito de
tortura. Cumpre observar, porém, que, ao contrário do que pensa a maioria dos autores, não há a
incidência agravante do art. 62, II, do CP, uma vez que a aludida agravante já funciona como
elemento do delito de tortura.
Finalmente, na coação moral resistível subsiste a culpabilidade do coagido. Entre ele e o
coator há verdadeiro concurso de agentes; mas enquanto a pena do coagido é atenuada (art. 65, III,
c, 1ª parte, do CP), a do coator é agravada (art. 62, II, do CP).

OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA

Verifica-se a obediência hierárquica quando o funcionário público subalterno executa a ordem


expedida pelo superior hierárquico.
A ordem pode ser:
a) Legal. Nesse caso, não há crime da parte do superior nem do subalterno. Este terá agido no
estrito cumprimento do dever legal (art. 23 do CP).
b) Manifestamente ilegal. Nesse caso, os dois respondem pelo crime. Há entre eles concurso
de pessoas. Todavia, em favor do subalterno existe a atenuante genérica do art. 65, III, c, do CP.
c) Ordem não manifestamente ilegal. Nesse caso, apenas o superior responde pelo crime,
excluindo-se a culpabilidade do subalterno. Com efeito, dispõe o art. 22 do CP: “Se o fato é
cometido... em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é
punível o autor da... ordem”.

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Note-se, porém, que, para a incidência da dirimente, deve haver “estrita” obediência. Se o ato
do subalterno ultrapassa os limites fixados na ordem, ele responde pelo excesso.

A obediência a ordem não manifestamente ilegal constitui causa de exclusão da culpabilidade,


e não da antijuridicidade, e tanto é assim que o responsável pela expedição da ordem responde
pelo crime. É claro que o cumprimento de ordem legal constitui estrito cumprimento do dever legal,
excluindo a antijuridicidade.

SANÇÃO PENAL

CONCEITO E ESPÉCIES

Sanção penal é a medida com que o Estado reage contra a violação da norma punitiva. É, pois,
a resposta dada pelo Estado ao infrator da norma incriminadora.
Pena e medida de segurança são as duas espécies de sanções penais de que o Estado lança
mão no seu combate à criminalidade.

DAS PENAS

TEORIAS

a) Teoria absoluta: a pena é a retribuição justa do mal injusto cometido pelo criminoso.
Apega-se no raciocínio de que a justiça consiste em retribuir ao criminoso um mal proporcional ao
fato por ele praticado. De acordo com essa teoria, a pena não tem qualquer finalidade prática. Não
visa a recuperação social do criminoso, que é punido simplesmente porque cometeu o crime.
b) Teoria relativa ou utilitária: a razão de ser da pena está na necessidade de segurança social,
isto é, de prevenção do crime. A pena serve a uma dupla prevenção: a geral e a especial. Prevenção
geral porque a intimidação que se supõe alcançar através da ameaça da pena surte efeitos em todos
os membros da coletividade, atemorizando os virtuais infratores. Prevenção especial porque atua
sobre a consciência do infrator da lei penal, fazendo-o medir o mal que praticou, inibindo-o, através
do sofrimento que lhe é inerente, a cometer novos delitos. De acordo com Romagnosi, a
legitimidade da pena reside na prevenção que através dela se visa alcançar, de modo que, se depois
do primeiro crime houvesse a certeza moral de que o agente não viria a cometer nenhum outro, a
sociedade não teria o direito de puni-lo.
c) Teoria mista ou unitária ou intermediária ou conciliatória: a pena tem caráter retributivo-
preventivo. Retributivo porque consiste numa expiação do crime, imposta até mesmo aos
delinquentes que não necessitam de nenhuma ressocialização. Preventivo porque vem
acompanhada de uma finalidade prática, qual seja, a recuperação ou reeducação do criminoso,
funcionando ainda como fator de intimidação geral. É a teoria adotada em nosso sistema penal, que
no art. 59 do CP estabelece que a pena deve ser necessária e suficiente para reprovação e
prevenção do crime. Exige, pois, que a pena seja retributiva (reprovação), proporcional (suficiente)
e preventiva (prevenção geral e especial).

PRINCÍPIOS OU CARACTERES DA PENA

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a) Princípio da reserva legal (CF, art. 5º, XXXIX, e art. 1º do CP): só a lei pode criar a pena. Nulla
poena sine lege.
b) Princípio da anterioridade: nenhuma pena pode ser imposta sem que esteja prevista em lei
anterior à prática do fato.
c) Princípio da personalidade ou intransmissibilidade ou individualidade ou intranscendência
(art. 5º, XLV, da CF): nenhuma pena passará da pessoa do delinquente. A pena não pode atingir
terceiros estranhos ao delito. A Magna Carta abre duas exceções a esse princípio ao estatuir que a
perda de bens e valores e a obrigação de reparar o dano transmitem-se aos sucessores (inter vivos
ou causa mortis) do condenado até o limite do patrimônio transferido. É inegável o reflexo da
condenação aos familiares do detento, que se veem privados de seu convívio e de seu apoio
econômico. Visando amenizar esse inconveniente efeito, a nossa legislação consagra o direito de
visita ao preso e o auxílio-reclusão aos dependentes do condenado.
d) Princípio da proporcionalidade ou individualização (CF, art. 5º, XLVI): a pena deve graduar-
se de acordo com a relevância do bem jurídico tutelado, levando-se também em conta a pessoa do
delinquente. Esse princípio está relacionado com o caráter retributivo da pena. O inciso XLVI do art.
5º da CF estatui que “a lei regulará a individualização da pena...”. Individualizar a pena nada mais é
do que “retribuir o mal concreto do crime, com o mal concreto da pena, na concreta personalidade
do criminoso” (Nélson Hungria).
Projeta-se sob três aspectos a individualização da pena: o legislativo, o judicial e o executório
ou administrativo.
A individualização legislativa é operada pelo legislador quando comina a pena abstrata, de
acordo com a maior ou menor gravidade do delito. A lei deve prever a espécie de pena, as margens
penais (quantidade mínima e máxima da pena) e, se for o caso, a sua substituição por outras penas
mais leves.
A individualização judicial é efetuada pelo magistrado quando, na sentença, impõe a pena
concreta ao réu, dosando-a com base nos critérios previstos no art. 59 do CP, que prevê o princípio
da suficiência da pena.
A individualização administrativa ou executiva é concretizada na fase da execução da pena,
quando se confere para cada condenado um tratamento específico dentro dos estabelecimentos
prisionais. Assim, de acordo com o inciso XLIX do art. 5º da CF “é assegurado aos presos o respeito à
integridade física e moral”. O inciso XLVIII do aludido art. 5º prevê que o cumprimento da pena se
dará em estabelecimentos distintos, atendendo a natureza do delito, a idade e o sexo do
condenado. E no inciso L do art. 5º assegura-se às presidiárias “condições para que possam
permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”.
Conquanto os réus possam sofrer penas idênticas, é essencial a fixação separada da pena, a
análise individual, sendo vedada a aplicação da pena de forma conjunta para todos os corréus.
A reformatio in pejus inviabiliza que, no caso de anulação da sentença por recurso exclusivo da
defesa, seja ultrapassado o limite da pena anteriormente fixada.
e) Princípio da inderrogabilidade ou inevitabilidade: a pena, desde que presentes os seus
pressupostos, deve ser aplicada e fielmente cumprida. Esse princípio é excepcionado por diversos
institutos penais, a saber: sursis, livramento condicional, perdão judicial, anistia, prescrição etc.
f) Princípio da humanização (CF, art. 5º, XLIX): a pena não pode violar a integridade física e
moral do condenado. Nenhum tratamento cruel, desumano ou degradante pode ser infligido à
pessoa detida, presa ou custodiada pelo Estado. O inciso XLVII do art. 5º da CF proíbe as seguintes
penas: a) de morte; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.
Abre-se exceção à pena de morte, que pode ser decretada em caso de guerra externa, declarada

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nos termos do art. 84, XIX, da Constituição Federal.

DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

CONCEITO E ESPÉCIES

Pena privativa de liberdade é a que restringe o direito de ir e vir do condenado, infligindo-lhe


um determinado tipo de prisão.
As penas privativas de liberdade são três: reclusão, detenção e prisão simples. As duas
primeiras estão previstas no CP (art. 33) e a terceira, na LCP (art. 5º).

REGIMES OU SISTEMAS PENITENCIÁRIOS

Regime é o modo pelo qual é cumprida a pena privativa de liberdade.


O CP, no § 1º do art. 33, prevê três regimes:
a) regime fechado: a pena é executada em estabelecimento de segurança máxima ou média;
b) regime semiaberto: a pena é executada em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento
similar;
c) regime aberto: a pena é executada em casa de albergado ou estabelecimento adequado.

FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL DA PENA

O regime de cumprimento da pena deve ser fixado na sentença, de forma fundamentada,


dispensando-se a fundamentação apenas quando se tratar dos crimes da Lei n. 8.072/90, cujo
regime, por força de lei, é o fechado, mas o STF, mesmo nesses delitos, exige a fundamentação, por
força do princípio da individualização das penas. Acerca da necessidade de fundamentação, convém
destacar o teor da Súmula 719 do STF: “A imposição do regime de cumprimento mais severo do que
a pena aplicada permitir exige motivação idônea”. Atualmente, a jurisprudência do STF exige
fundamentação inclusive para imposição de regime fechado nos crimes da lei 8.072/90 e
equiparados.
De acordo com o CP, a qualidade da pena, a quantidade da pena e a reincidência são os três
fatores determinantes na fixação do regime inicial, mas devem também ser levadas em conta a
reeducação do agente e a segurança da sociedade.
Aliás, a fixação da pena no mínimo legal nem sempre justifica o regime mais brando. Com
efeito, a aplicação da pena é pautada pela dosagem das circunstâncias que a influenciam, sobretudo
as do art. 59 do CP. Conquanto estas circunstâncias também sejam consideradas na definição do
regime, este também é fixado visando à reeducação do agente e à segurança social.

PENA DE RECLUSÃO

A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto (art. 33,
caput, do CP). Assim, nem sempre ela se inicia no regime fechado.
As regras são as seguintes:
a) o reincidente sempre iniciará o cumprimento no regime fechado, qualquer que seja a
quantidade da pena a que tenha sido condenado; todavia, a Súmula 269 do STJ admite que o
reincidente condenado a pena igual ou inferior a quatro anos inicie o cumprimento da pena no regime

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semiaberto, se favoráveis as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP;


b) o não reincidente condenado a pena superior a oito anos deverá começar a cumpri-la no
regime fechado;
c) o não reincidente, cuja condenação seja superior a quatro anos e não exceda a oito anos,
poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto;
d) o não reincidente condenado a pena igual ou inferior a quatro anos poderá, desde o início,
cumpri-la em regime aberto.
Nada impede, porém, que o réu não reincidente, condenado a pena de reclusão inferior a oito
anos, inicie o cumprimento da pena no regime fechado, pois, consoante dispõe o § 3º do art. 33 do
CP, “a determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios
previstos no art. 59 deste Código”. Todavia, conforme salienta a Súmula 719 do STF, a imposição do
regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.
Finalmente, a Súmula 718 do STF preceitua que: “A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato
do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido
segundo a pena aplicada”.

PENA DE DETENÇÃO

A pena de detenção deve ser cumprida em regime semiaberto ou aberto (CP, art. 33, caput, 2ª
parte). Nunca se inicia no regime fechado.
As regras são as seguintes:
a) o condenado reincidente deve iniciar o cumprimento no regime semiaberto, qualquer que
seja a quantidade da pena;
b) o não reincidente condenado a pena superior a quatro anos deve iniciar o cumprimento no
regime semiaberto;
c) o não reincidente condenado a pena igual ou inferior a quatro anos deve iniciar o
cumprimento no regime aberto.
Nada impede, porém, que o réu não reincidente, condenado a pena de detenção igual ou
inferior a quatro anos, inicie o cumprimento no regime semiaberto, desde que as circunstâncias do
art. 59 do CP lhe sejam desfavoráveis. Saliente-se, contudo, que a gravidade abstrata do crime, por
si só, não pode justificar a fixação de regime mais severo, quando a pena comporta regime menos
rigoroso, sendo necessárias, para tanto, a demonstração da periculosidade do agente e a
necessidade da segurança social.
Como se vê, a pena de detenção, à exceção do crime organizado, nunca se inicia no regime
fechado. Admite-se, no entanto, durante a execução, a regressão para esse regime.

O RÉU REINCIDENTE

Numa ligeira interpretação gramatical do § 2º do art. 33 do CP, verifica-se que o reincidente,


quando a pena for de reclusão, deve começar a cumpri-la no regime fechado; se de detenção, no
regime semiaberto.
Urge, porém, que se faça a interpretação restritiva, pois o texto escrito extrapolou a vontade
da lei. Por isso, aquelas regras acima devem prevalecer apenas ao reincidente em crime doloso.
A nosso ver, o reincidente em crime culposo ou, então, o reincidente que cometeu um crime
doloso e outro culposo, ou vice-versa, pode iniciar o cumprimento da pena de reclusão no regime
semiaberto ou aberto.
É certo, pois, que o § 2º do art. 33, b e c, não faz distinção entre os reincidentes. Porém, o

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reincidente em crime culposo ou o reincidente em que o crime anterior é culposo e o posterior


doloso, ou vice-versa, pode obter o sursis (CP, art. 77, I). Seria ilógico negar-lhe o benefício menor,
qual seja, o regime semiaberto ou aberto. Desnecessário dizer o absurdo que seria o juiz fixar o
regime fechado a condenado que obtém o sursis.
Aliás, até o reincidente em crime doloso, desde que a condenação anterior tenha sido de
multa, pode obter a concessão do sursis (§ 1º do art. 77 do CP). Portanto, nesse caso, malgrado a
sua condição de reincidente em crime doloso, reunindo condições para a concessão do sursis, o juiz
deverá fixar-lhe o regime aberto, pois é contrária à lógica a fixação de regime fechado. Sim, pois
quem tem direito ao sursis, com maior razão, faz jus ao regime aberto.
A propósito, o STJ, visando amenizar o rigor excessivo da lei, editou a Súmula 269: “É
admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou
inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais”.

PENA DE PRISÃO SIMPLES

A pena de prisão simples deve ser cumprida sem rigor penitenciário em estabelecimento
especial ou seção especial da prisão comum, em regime semiaberto ou aberto, separado dos presos
de reclusão ou detenção. Quanto ao trabalho é facultativo se a pena não exceder a quinze dias.

DISTINÇÃO ENTRE AS PENAS DE RECLUSÃO E DE DETENÇÃO

A pena de reclusão pode se iniciar no regime fechado, semiaberto ou aberto; a pena de


detenção não se inicia no regime fechado, salvo quando se tratar de crime organizado.
Na pena de reclusão, a medida de segurança é detentiva, consistente na internação em
hospital psiquiátrico ou outro estabelecimento adequado, ao passo que na pena de detenção é
cabível a medida de segurança detentiva ou a medida de segurança restritiva, esta última
consistente em tratamento ambulatorial (art. 97 do CP).
Nos crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou
curatelado, se prevê como efeito da condenação a perda do poder familiar, tutela ou curatela (art.
92, II, do CP); na pena de detenção, não há esse efeito da condenação.
Finalmente, o juiz só pode autorizar interceptação telefônica em crimes de reclusão (Lei
9296/96) e na execução penal primeiro se cumpre a pena de reclusão e depois a de detenção (art.
76 do CP).

DELITOS DE REGIME FECHADO

Os delitos em que o regime é obrigatoriamente fechado, quer o réu seja reincidente ou não,
são os seguintes:
a) crime de tortura, exceto quando praticado por omissão (Lei n. 9.455/97);
b) crimes hediondos, tráfico ilícito de entorpecentes e terrorismo (Lei n. 8.072/90).
Todavia, o STF, estabeleceu, por maioria de oito votos contra três, no HC 111840/ES (Rel. Min.
DIAS TOFFOLI, j. 27/06/2012), que esta determinação é inconstitucional, pela violação do princípio
da individualização da pena (artigo 5º, inciso XLVI), porque a Constituição Federal não contempla a
obrigatoriedade de imposição de regime fechado para início do cumprimento de pena do inciso
XLIII, do artigo 5º.
Tal posicionamento tem sido adotado por ambas as Turmas do STF, a exemplo dos seguintes
julgados: HC 113562/SP (1ª Turma, Rel. Min. ROSA WEBER, j. 30/10/2012) e HC 113944/SP (2ª

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Turma, Rel. Min. GILMAR MENDES, j. 30/10/2012).

CARACTERÍSTICAS DOS REGIMES

A rigor, o regime fechado deve ser cumprido em penitenciária afastada do centro urbano, isto
é, for a da cidade, alojando-se o condenado em cela individual, com área mínima de seis metros
quadrados, que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório (arts. 88 e 90 da LEP), pois a
cadeia pública destina- -se ao recolhimento de presos provisórios (art. 102 da LEP). Aliás, a cadeia
pública localiza-se em centro urbano e os presos permanecem juntos em compartimento coletivo.
Vale a pena ainda destacar que, no regime fechado, o condenado será obrigatoriamente
submetido, no início do cumprimento da pena, a exame criminológico de classificação para
individualização da execução (CP, art. 34). Esse exame, que no regime semiaberto é facultativo
(parágrafo único do art. 8º da LEP), é realizado pela Comissão Técnica de Classificação de cada
presídio e só pode ser feito após o trânsito em julgado da sentença. Não se realiza esse exame
quando a sentença impõe o regime aberto ou pena restritiva de direitos.
No regime fechado, o condenado fica sujeito a trabalho no período diurno e a isolamento
durante o repouso noturno (§ 1º do art. 34 do CP). O trabalho será em comum dentro do
estabelecimento, na conformidade das aptidões ou ocupações anteriores do condenado, desde que
compatíveis com a execução da pena (§ 2º do art. 34 do CP). O trabalho a que alude o texto legal é o
interno, pois o trabalho externo, no regime fechado, só é admissível em serviços ou obras públicas
realizados por órgãos da administração direta ou indireta, ou entidades privadas, desde que
tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina (art. 36 da LEP). O limite máximo do
número de presos será de 10% do total de empregados na obra. Caberá ao órgão da administração,
à entidade ou à empresa empreiteira a remuneração desse trabalho. A prestação de trabalho a
entidade privada depende do consentimento expresso do preso (§§ 1º, 2º e 3º do art. 36 da LEP).
Urge, ainda, para que se admita o trabalho externo, o cumprimento de no mínimo 1/6 da pena. A
autorização para este tipo de trabalho será dada pela direção do estabelecimento penitenciário (art.
37 da LEP).
Por outro lado, o regime semiaberto deve ser cumprido em colônia agrícola, industrial ou
similar, alojando-se o condenado em compartimento coletivo, atentando-se para o limite da
capacidade máxima que atenda aos objetivos de individualização da pena (arts. 91 e 92 da LEP).
Nesse regime semiaberto, o condenado fica sujeito a trabalho em comum durante o período diurno.
O trabalho externo é admissível, bem como a frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de
instrução de segundo grau ou superior (§ 2º do art. 35 do CP). O art. 92 da LEP, como vimos, prevê
que as colônias contenham, facultativamente, compartimento coletivo para o alojamento dos
condenados.
O juiz também pode no regime semiaberto autorizar a saída temporária do estabelecimento,
sem vigilância direta, para que o condenado visite a sua família, frequente curso supletivo
profissionalizante de segundo grau ou superior na comarca do juízo da execução, bem como
participe de atividades que concorram para o retorno ao convívio social. Para obter este benefício é
preciso cumprir 1/6 da pena se for primário e ¼ se reincidente (art. 122 da LEP), sendo certo que a
súmula 40 do STJ dispõe que para obtenção dos benefícios de saída temporária e trabalho externo,
considera-se o tempo de cumprimento da pena no regime fechado Todavia, de acordo com a Lei n.
12.258/2010, o juiz poderá definir a fiscalização por meio da monitoração eletrônica, que é um
equipamento de vigilância indireta que se agrega ao condenado, quando autorizar a saída
temporária do regime semiaberto. Vale lembrar que a ausência de vigilância direta não impede a
utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o

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juiz da execução (parágrafo único do art. 122 e art. 146-B, II, da LEP). Ao conceder o benefício da
saída temporária o juiz imporá ao condenado, dentre outras condições pertinentes, as seguintes
(art. 124, § 1º, da LEP):
“I — fornecimento do endereço onde reside a família a ser visitada ou onde poderá ser
encontrado durante o gozo do benefício;
II — recolhimento à residência visitada no período noturno;
III — proibição de frequentar bares, casas noturnas e estabelecimentos congêneres”.
O condenado que se beneficiou de uma saída temporária somente poderá obter outra após
45 (quarenta e cinco) dias, conforme § 3º do art. 124 da LEP, salvo quando se tratar de frequência a
curso profissionalizante, de ensino médio ou superior, quando então o tempo de saída será o
necessário para o cumprimento das atividades discentes.
Não terá direito à saída temporária a que se refere o caput deste artigo o condenado que
cumpre pena por praticar crime hediondo com resultado morte (§2º do art. 122 da LEP).
O benefício da saída temporária, nos termos do art. 125 da LEP, será automaticamente
revogado quando o condenado:
a) praticar crime doloso;
b) for punido por falta grave;
c) violar as condições impostas na autorização;
d) revelar baixo grau de aproveitamento do curso.
A recuperação do direito à saída temporária dependerá da absolvição no processo penal, do
cancelamento da punição disciplinar ou da demonstração do merecimento do condenado.
Vale ressaltar que a revogação do benefício da saída temporária não implica necessariamente
em regressão do regime semiaberto para o fechado, pois as hipóteses de regressão somente são
aquelas previstas nos arts. 118 e 146-C, parágrafo único, ambos da LEP.
Já no regime aberto, cujo fundamento é a autodisciplina e senso de responsabilidade, o
condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, frequentar curso ou exercer
outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga.
O ingresso do condenado em regime aberto supõe a aceitação de seu programa e das
condições impostas pelo juiz (art. 113 da LEP).
Somente poderá ingressar no regime aberto o condenado que estiver trabalhando ou
comprovar a possibilidade de fazê-lo imediatamente, sendo que as pessoas referidas no art. 117 da
LEP poderão ser dispensadas do trabalho. O condenado ainda deve apresentar, pelos seus
antecedentes ou pelo resultado dos exames a que foi submetido, fundados indícios de que irá
ajustar-se, com autodisciplina e senso de responsabilidade, ao novo regime (art. 114 da LEP).
Acrescente-se ainda que a Lei n. 9.613/98 prevê o regime aberto para quem colaborar
espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das
infrações penais e da sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime de
lavagem de dinheiro.
O regime aberto é cumprido em casa de albergado ou estabelecimento adequado. Admite-se,
excepcionalmente, o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular
quando se tratar de (art. 117 da LEP):
“I — condenado maior de 70 (setenta) anos;
II — condenado acometido de doença grave;
III — condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;
IV — condenada gestante”.
Fora dessas hipóteses torna-se inadmissível a prisão domiciliar, de modo que, nas comarcas
onde ainda não se encontram instaladas as casas de albergado, o magistrado poderá determinar o

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cumprimento do regime aberto em cela especial do estabelecimento carcerário. Na prática, porém,


diante da ausência de casa de albergado, generalizou-se a concessão do albergue domiciliar a
qualquer condenado. Todavia, o art. 146-B da LEP, introduzido pela Lei n. 12.258/2010, estabelece
que o juiz poderá definir a fiscalização por meio da monitoração eletrônica quando determinar a
prisão domiciliar.

REMIÇÃO

Remição é o benefício instituído ao preso, consistente no desconto de um dia de pena por


três de trabalho ou por doze horas de frequência escolar.
Todos os crimes, inclusive os hediondos, admitem a remição, pois nenhuma vedação se
encontra na Lei n. 8.072/90.
A remição só era possível por trabalho. Com o advento da Lei nº 12.433/2011, passou a ser
admitida também por frequência escolar. O objetivo da lei é a reinserção social do preso, mediante
política criminal que estimula o trabalho e o estudo, revelando-se como sendo um eficiente meio
de combate à ociosidade.
A remição por trabalho só é aceita ao condenado que cumpre pena em regime fechado ou
semiaberto, outrossim, no caso de prisão cautelar, que é a decretada antes do trânsito em julgado
da condenação. A cada três dias de trabalho abate-se um dia de pena.
Para o preso provisório, o trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior do
estabelecimento. A jornada normal de trabalho não poderá ser inferior a 6 (seis), nem superior a 8
(oito) horas, com descanso nos domingos e feriados. O artesanato é também uma forma de
trabalho (§1º do art.32 da LEP).
Por outro lado, a remição por frequência escolar, no regime fechado, só abrange o ensino
oficial, isto é, o ensino fundamental, o ensino médio profissionalizante ou não, o ensino superior e
o ensino de requalificação profissional. Ensino oficial é o reconhecido pelo Governo, podendo ser
ministrado por instituições públicas ou particulares. A cada 12 (doze) horas de frequência escolar,
divididas, no mínimo, em 3 (três) dias, abate-se um dia de pena. Referidas atividades de estudo
poderão ser desenvolvidas de forma presencial ou por metodologia de ensino a distância e deverão
ser certificadas pelas autoridades educacionais competentes dos cursos frequentados.
O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 no caso de conclusão
do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada
pelo órgão competente do sistema de educação. O fato de o preso ser reprovado é irrelevante,
porquanto a lei se contenta com a frequência escolar.
O condenado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e o que usufrui liberdade
condicional (sursis e livramento condicional) poderão remir, não só pelo ensino oficial como
também pela frequência a cursos de ensino regular ou de educação profissional, parte do tempo de
execução da pena ou do período de prova. Note-se que, nessas hipóteses, admite-se a remição pela
frequência a cursos livres, isto é, não oficiais, como por exemplo, curso de inglês, curso
preparatório para concurso público etc. Exige-se apenas que se trate de curso regular, que envolva
uma sequência de aulas ou palestras, ou então de curso profissionalizante, como é o caso dos
cursos para cabeleireiros, operadores de telemarketing etc. Em relação à prisão cautelar, admite-se
também a remição pela frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional, pois o
§7º do art.126 da LEP não impõe qualquer restrição.
O preso impossibilitado de prosseguir no trabalho ou nos estudos por acidente continuará a
beneficiar-se com a remição (§ 4º do art. 126 da LEP).
A remição será declarada pelo juiz da execução, ouvido o Ministério Público e a Defesa (§ 8º

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do art. 126 da LEP). O deferimento do pedido depende de comprovação da execução da jornada


mínima de 6 horas, sendo que a jornada diária não pode exceder 8 horas. Na remição por estudo, a
cada 12 (doze) horas de frequência escolar abate-se um dia de pena. Transitada em julgado a
decisão que a reconheceu, a remição não pode mais ser revista, sob pena de violação da coisa
julgada.
O tempo remido será computado como pena cumprida para todos os efeitos, e não apenas
para o fim de concessão do livramento condicional e indulto (art. 128 da LEP).
O condenado que foi punido por falta grave poderá perder no máximo 1/3 do tempo remido,
começando o novo período a partir da data da infração disciplinar (art. 127 da LEP). Compete ao
juiz da execução a decisão sobre a perda do tempo remido. O magistrado não poderá analisar o
mérito da punição disciplinar, pois, como é sabido, o mérito administrativo escapa à apreciação
jurisdicional. Poderá, porém, anular a decisão administrativa, caso ela tenha inobservado os
requisitos extrínsecos. Antes do advento da Lei nº 12.433/2011, a falta grave ensejava a perda de
todo o tempo remido.
A autoridade administrativa encaminhará mensalmente ao juízo da execução cópia do
registro de todos os condenados que estejam trabalhando ou estudando, com informação dos dias
de trabalho ou das horas de frequência escolar ou de atividades de ensino de cada um deles. O
condenado autorizado a estudar fora do estabelecimento penal deverá comprovar mensalmente,
por meio de declaração da respectiva unidade de ensino, a frequência e o aproveitamento escolar.
Ao condenado dar-se-á a relação de seus dias remidos. O art. 130 da LEP preceitua que “constitui o
crime do art. 299 do Código Penal declarar ou atestar falsamente prestação de serviço para fim de
instruir pedido de remição”. Essa regra, tipificando o fato na falsidade ideológica do art. 299 do CP,
não é supérflua, pois exclui a norma do art. 301 do mesmo Código. Efetivamente, a falsidade
ideológica de certidão ou atestado constitui delito previsto no art. 301, mas se se destina a instruir
pedido de remição, o fato é enquadrado no art. 299, cuja pena é bem mais severa.

PROGRESSÃO DE REGIMES

São três os sistemas penitenciários clássicos: o de Filadélfia, o de Aurbun e o inglês ou


progressivo.
No sistema da Filadélfia, o condenado permanece em isolamento absoluto, fechado na cela,
sem poder sair, salvo esporadicamente para passeio em pátios cerrados.
No sistema de Aurbun, o condenado trabalha em silêncio, durante o dia, juntamente com
outros, permanecendo isolado apenas no período noturno.
No sistema inglês ou progressivo, o condenado inicia a pena em isolamento. Depois, passa a
trabalhar junto com os outros detentos. E, na última fase, é posto em liberdade condicional.
A reforma penal de 1984 adotou o sistema progressivo ou evolutivo, com características
próprias.
Efetivamente, o condenado a cumprir pena em regime fechado fica sujeito a trabalho em
comum no período diurno e a isolamento durante o repouso noturno (§§ 1ºe 2º do art. 34 do CP).
E, depois de cumprir um percentual legal da pena, pode requerer a transferência para o regime
semiaberto, onde o trabalho é comum durante o período diurno, sendo que o repouso noturno
também pode ser coletivo (art. 92 da LEP). E, vindo a cumprir mais um percentual da pena, previsto
em lei, passa para o regime aberto, quando, então, permanece solto durante o período diurno,
recolhendo-se no período noturno à casa de albergado.

Percentuais de progressão de regime

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Até o advento da Lei 13.964/2019, bastava cumprir 1/6 (um sexto) da pena para pleitear a
progressão de regimes, mas com o advento desta lei instituiu-se inúmeros percentuais, cujos
critérios são:
a) a reincidência e a primariedade;
b) o fato de o crime ser ou não cometido com violência ou grave ameaça à pessoa;
c) o fato de se tratar de crime hediondo ou equiparado, com ou sem resultado morte.
Assim, de acordo com o art. 112 da LEP, com redação dada pela Lei 13.964/2019, a pena
privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime
menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido
sem violência à pessoa ou grave ameaça. Neste aspecto, a nova lei pode ou não se revelar mais
branda, pois 16% (dezesseis por cento) é um pouco mais favorável que 1/6 (um sexto), impondo-se
a retroatividade, nas situações benéficas ao réu. A violência, a que se refere o texto legal, é a física,
que abrange as vias de fato, a lesão corporal e a morte. Não abarca a violência imprópria, que é o
fato de o agente, sem aplicar violência ou grave ameaça, reduzir a vítima à impossibilidade de
resistência, por exemplo, hipnotizar ou drogar a vítima antes de praticar o delito de
constrangimento ilegal, previsto no art. 146 do CP. Assim, o delito de constrangimento ilegal
praticado por réu primário, mediante violência imprópria, admitirá a progressão com percentual de
16% (dezesseis por cento). No tocante à violência culposa, por exemplo, homicídio ou lesão
culposos, também admitirá a progressão com base neste percentual.
II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem
violência à pessoa ou grave ameaça. Este percentual, assim como os dos incisos posteriores, é mais
rigoroso que o anterior, que era de 1/6 (um sexto), e, por isso, não há falar-se em retroatividade. O
texto legal não faz distinção entre o reincidente em crime doloso e o reincidente em crime culposo.
Quanto ao tecnicamente primário, que é o réu que ostenta condenação definitiva sem ser
reincidente, diante da omissão da lei, deve se enquadrar no inciso anterior, que exige apenas o
cumprimento de 16% (dezesseis por cento) da pena.
III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido
cometido com violência à pessoa ou grave ameaça. Esta hipótese revela-se injusta em relação às
infrações penais de menor potencial ofensivo cometidas com violência ou grave ameaça à pessoa,
mas como a lei não faz qualquer distinção, elas também terão que seguir o percentual 25% (vinte e
cinco por cento). Tratando-se de violência imprópria não se aplica este percentual, mas, sim, o
previsto no inciso I, de 16% (dezesseis por cento).
IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com
violência à pessoa ou grave ameaça. Tratando-se de violência imprópria não se aplica este
percentual, mas, sim, o previsto no inciso II, de 20% (vinte por cento). O texto legal não se refere a
qualquer reincidente, mas apenas ao reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou
grave ameaça. Se um dos crimes, que gera a reincidência, houver sido cometido sem e o outro com
violência ou grave ameaça à pessoa, o percentual, diante da lacuna da lei, será de 20% (vinte por
cento).
V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime
hediondo ou equiparado, se for primário. Antes da Lei 13.964/2019, o percentual de progressão de
crime hediondo ou equiparado era de 2/5 (dois quintos), quando o apenado era primário. Na
verdade, 2/5 (dois quintos) é a mesma coisa que 40% (quarenta por cento). Portanto, trata-se de
uma alteração puramente semântica. Os delitos hediondos são os catalogados na Lei 8.072/90. Os
equiparados são o tráfico de drogas, terrorismo e tortura. Não há vedação do livramento

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condicional.
VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:
a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for
primário, vedado o livramento condicional. Este percentual só será aplicado ao não reincidente em
crime hediondo e equiparado, mas nada obsta que seja reincidente noutros delitos. De fato, o
reincidente em crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, para obter a progressão, terá
que cumprir 70% (setenta por cento) da pena. Na hipótese de tentativa, onde não ocorre a morte
por circunstâncias alheias à vontade do agente, não se aplica este percentual, mas, sim, o de 40%
(quarenta por cento), previsto no inciso V.
b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa
estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado. A hipótese não faz menção à
associação criminosa, prevista no art. 288 do CP, mas apenas à organização criminosa, sendo
vedada a analogia “in malam partem”. Aqui, não há a vedação do livramento condicional, pois a
condenação é pelo crime de organização criminosa e não por crime hediondo ou equiparado.
c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada. A hipótese não faz
menção à associação criminosa, prevista no art. 288 do CP, nem ao crime de organização criminosa,
mas apenas à milícia privada, tipificada no art. 288-A do CP, sendo vedada a analogia “in malam
partem”. Aqui, não há a vedação do livramento condicional, pois a condenação é pelo crime de
milícia privada e não por crime hediondo ou equiparado.
VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime
hediondo ou equiparado. Aqui, também se exige a reincidência específica em crime hediondo ou
equiparado. Este percentual só é aplicável quando não houver o resultado morte. Não há a vedação
do livramento condicional.
VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou
equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional. Exige-se uma reincidência
específica em crime hediondo ou equiparado com o resultado morte.
Para efeito didático, as regras são as seguintes:
I - Primário e tecnicamente primário:
a) 16% (dezesseis por cento) da pena, nos crimes sem violência ou grave ameaça à pessoa.
b) 25% (vinte e cinco por cento) da pena, nos crimes cometidos com violência à pessoa ou
grave ameaça.
II - Reincidente:
a) 20% (vinte por cento) da pena, quando reincidente em crime cometido sem violência à
pessoa ou grave ameaça. Outrossim, quando um dos crimes for com e o outro sem violência ou
grave ameaça à pessoa.
b) 30% (trinta por cento) da pena, quando reincidente em crime cometido com violência à
pessoa ou grave ameaça.
III - Crimes hediondos e equiparados, tanto ao primário quanto ao não reincidente específico
nesses crimes:
a) 40% (quarenta por cento);
b) 50% (cinquenta por cento), quando houver morte.
IV - Crimes hediondos e equiparados, ao reincidente específico nesses crimes:
a) 60% (sessenta por cento);
b) 70 % (setenta por cento), quando houver morte
V - Regras específicas:
a) 50% (cinquenta por cento), ao condenado por exercer o comando de organização
criminosa estruturada para a prática de crimes hediondos e equiparados.

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b) 50% (cinquenta por cento), ao condenado por crime constituição de milícia privada.
Vê-se assim que o critério principal do percentual de progressão não é o tipo de crime
cometido, mas, sim, o fato de o agente ser primário ou reincidente em determinadas categorias de
delitos. O agente que, por exemplo, é reincidente em crime cometido com violência ou grave
ameaça à pessoa para obter a progressão de regimes terá que cumprir 30% (trinta por cento) da
pena, mesmo em relação aos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa.
Da mesma forma, por exemplo, o reincidente em crime hediondo com o resultado morte
terá, para obter a progressão, que cumprir 70% (setenta por cento) da pena, mesmo em relação
aos crimes que não sejam hediondos nem equiparados.
Quanto ao reincidente em contravenções penais, a lei é omissa e, por isso, para efeito de
progressão, o agente deverá ser tratado como primário.
Em todos os casos, o apenado só terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta
carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a
progressão (§ 1º do art. 112 da LEP). Não basta, para se obter a progressão, cumprir um percentual
da pena; é preciso ainda que o condenado tenha méritos para obter a progressão, isto é, bom
comportamento carcerário. A única forma de comprovação da boa conduta carcerária é através do
atestado do diretor do estabelecimento penal, mas se houver má-fé do aludido diretos, o juiz da
execução poderá anular o atestado e deferir a progressão.
Na execução penal, o não pagamento da multa pecuniária ou a ausência do seu parcelamento
não impedem a progressão de regime, desde que os demais requisitos a tanto estejam preenchidos
e que se demonstre a impossibilidade econômica de o apenado adimpli-la (Enunciado 18 da I
Jornada de Direito e Processo Penal do CEJ/CJF).
No caso de a condenação ser superior a 40 (quarenta) anos, é preciso cumprir um percentual
da pena total, e não dos 40 (quarenta) anos (Súmula 715 do STF).
O princípio da legalidade impõe que se observe, quando da soma das penas, o cálculo
diferenciado para fins de progressão de regime (Enunciado 13 da I Jornada de Direito e Processo
Penal do CEJ/CJF).
Observe-se ainda que o condenado por crime contra a administração pública terá progressão
do regime de cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução
do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais (§4º do art. 33 do CP).
A decisão do juiz que determinar a progressão de regime será sempre motivada e precedida
de manifestação do Ministério Público e do defensor, procedimento que também será adotado na
concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos
previstos nas normas vigentes (§2º do art. 112 da LEP).
Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de
drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006 (§ 5º do art. 112 da
LEP). Trata-se do tráfico de drogas privilegiado, que se verifica quando o agente é primário, de bons
antecedentes, não se dedica às atividades criminosas nem integra a organização criminosa. O
aludido delito, para efeito de progressão, deverá observar os percentuais previstos para os delitos
não hediondos ou equiparados.
O cometimento de falta grave durante a execução da pena privativa de liberdade interrompe
o prazo para a obtenção da progressão no regime de cumprimento da pena, caso em que o reinício
da contagem do requisito objetivo terá como base a pena remanescente (§ 6º do art. 112 da LEP). É
flagrante a violação do princípio constitucional da presunção da inocência, pois a lei presume a
culpabilidade pelo simples cometimento de falta grave. Na verdade, a interrupção só poderá
ocorrer após a condenação definitiva pela falta grave, em processo administrativo disciplinar,
observando-se o contraditório e a ampla defesa. A partir da interrupção, inicia-se uma nova

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contagem do percentual de cumprimento de pena, tomando-se por base a pena remanescente, e


não o total da pena inicialmente imposta.
Por outro lado, o ideal seria que só após a concessão do regime aberto o condenado pudesse
progredir para o livramento condicional. Todavia, a lei não impõe esse requisito, de modo que o
livramento condicional pode ser deferido aos criminosos que estejam cumprindo pena em regime
fechado.
Cabe também ressaltar que o caráter progressivo do sistema, consistente na transferência do
regime mais rigoroso para o imediatamente menos rigoroso, veda, por raciocínio lógico, a
progressão “por saltos”, isto é, a passagem direta do regime fechado para o aberto. Se, porém, não
houver vaga no semiaberto, o condenado deverá aguardar a vaga no regime aberto, conforme
Súmula Vinculante 56.
Finalmente, dispõe a Súmula 192 do STJ que compete ao Juízo das Execuções Penais do
Estado a execução das penas impostas a sentenciados pela Justiça Federal, Militar ou Eleitoral,
quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos à administração estadual.

PROGRESSÃO ESPECIAL

A progressão especial é a que exige o cumprimento de apenas 1/8 (um oitavo) da pena no
regime anterior.
Só é possível este benefício à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou
pessoas com deficiência.
O benefício é vedado nos crimes com violência ou grave ameaça contra pessoa e também
àquelas que integram ou integraram organizações criminosas. Outrossim, nos crimes contra seu
filho ou dependente. Exige-se ainda a primariedade e o bom comportamento carcerário.
A propósito dispõe o §3º do art. 112 da LEP, introduzido pela lei 13.771/2018:
“No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com
deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente:
I - não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
II - não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente;
III - ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior;
IV - ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do
estabelecimento;
V - não ter integrado organização criminosa”.
O cometimento de novo crime doloso ou falta grave implicará a revogação do benefício (§ 4º
do art. 112 da LEP).
A aludida progressão especial, que exige o cumprimento de apenas 1/8 (um oitavo) da pena no
regime anterior, também se aplica aos crimes hediondos e equiparados, quando não houver
violência nem grave ameaça contra pessoa, desde que preenchidos os demais requisitos acima (§2º
do art. 2º da lei 8.072/90, com redação dada pela lei 13.769/2018).

Vedação da progressão de regimes e de outros benefícios prisionais

O condenado expressamente em sentença por integrar organização criminosa ou por crime


praticado por meio de organização criminosa não poderá progredir de regime de cumprimento de
pena ou obter livramento condicional ou outros benefícios prisionais se houver elementos
probatórios que indiquem a manutenção do vínculo associativo (§9º do art. 2º).

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EXECUÇÃO PROVISÓRIA

Antes mesmo de transitar em julgado a sentença penal condenatória, a progressão de regimes


já pode ser requerida ao juízo competente. Esse fenômeno dá-se o nome de execução provisória. A
súmula 716 do STF preceitua que é possível a progressão de regime antes do trânsito em julgado da
sentença condenatória. A súmula 717 do STF esclarece que o fato de o réu se encontrar em prisão
especial não impede a progressão de regime antes do trânsito em julgado da sentença.

REGRESSÃO

Regressão é a transferência do condenado para um regime mais rigoroso do que o


inicialmente deferido. O pedido de regressão deve ser dirigido ao juízo da execução penal.
Admite-se a regressão para qualquer dos regimes mais rigorosos. É, portanto, admissível a
regressão direta do regime aberto para o fechado.
As hipóteses de regressão, previstas no citado art. 118 da LEP, são as seguintes:
a) Se o condenado praticar fato definido como crime doloso ou falta grave. Para o deferimento
da regressão, a lei exige a oitiva prévia do condenado (§ 2º do art. 118 da LEP). A prática de crime
culposo ou contravenção, por si só, não autoriza a regressão, salvo se revelar que o condenado está
frustrando os fins da execução. A regressão depende apenas da prática do crime doloso ou falta
grave; a lei não exige condenação ou trânsito em julgado da sentença ou decisão. A nosso ver, a
hipótese é inconstitucional, porque viola o princípio da presunção da inocência (CF, art. 5º, LVII).
b) Se o condenado sofrer condenação por crime anterior cuja pena, somada ao restante da
pena em execução, tornar incabível o regime. Nesse caso, a regressão pode ser apreciada sem a
prévia inquirição do condenado.
c) Violação dos deveres previstos no art. 146-C da LEP decorrentes da implantação da
monitoração eletrônica. O juiz, nesse caso, poderá, após ouvir o Ministério Público e a defesa,
determinar uma das seguintes medidas: regressão do regime aberto para o semiaberto ou deste
para o fechado; revogação apenas da autorização de saída temporária concedida no regime
semiaberto; revogação da prisão domiciliar (volvendo o condenado ao regime aberto normal); ou
advertência por escrito. Note- -se que são várias opções, sendo que a regressão é apenas uma
delas.
Aquele que cumpre pena no regime aberto, além das hipóteses anteriores, também será
regredido, mediante a sua prévia oitiva, quando:
— Frustrar os fins da execução. Exemplos: desobediência a ordens recebidas, provocação de
rescisão de contrato de trabalho ou seu abandono, prática de contravenção ou crime culposo,
prática de falta leve ou média etc. Nesses exemplos, hauridos do ensinamento de Júlio Fabbrini
Mirabete, desde que revelem a falta de autodisciplina e de senso de responsabilidade do
condenado, será de rigor a regressão.
— Não pagar, podendo, a multa cumulativamente imposta. A nosso ver, com o advento da Lei
n. 9.268/96, que proíbe a conversão da multa em pena privativa de liberdade, operou-se a
revogação tácita dessa causa de regressão. Seria ilógico que o não pagamento da multa continuasse
a figurar como causa de regressão se a própria lei veda a conversão da multa em pena privativa de
liberdade.

REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO (RDD)

As características desse regime são:

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I — o isolamento, a suspensão e a restrição de direitos. Anote-se que apenas no regime


disciplinar diferenciado o isolamento, a suspensão e a restrição de direitos podem exceder a 30
(trinta) dias (art. 58 da LEP);
II — recolhimento em cela individual;
III — visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;
IV — saída da cela por duas horas diárias para banho de sol.
A duração máxima de permanência no regime disciplinar diferenciado é de 360 dias, mas não
pode exceder a 1/6 (um sexto) da pena aplicada. É cabível a prorrogação se o condenado praticar
nova falta grave da mesma espécie, até o limite de 1/6 (um sexto) da pena aplicada.

São três os fatos autorizadores do ingresso no sobredito regime:


I — Prática de fato previsto como crime doloso, que ocasione subversão da ordem ou
disciplinas internas. Não basta, como se vê, a prática do crime doloso, sendo ainda necessária a
subversão, isto é, o tumulto da ordem (organização) ou disciplina (obediência às normas e aos
superiores) do presídio. Não é preciso o trânsito em julgado da condenação para o ingresso no RDD,
sendo suficiente a prática do crime. Inegável o caráter cautelar da medida extrema, cuja frustração
seria fatal se a lei tivesse exigido o trânsito em julgado.
II — Apresentação de alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da
sociedade.
III — Fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações
criminosas, quadrilha ou bando. Vale ressaltar a ausência de lei definindo o tipo penal de
organização criminosa, restringindo-se, portanto, a aplicação do aludido preceito ao crime de
quadrilha ou bando, previsto no art. 288 do CP e art. 8º da Lei n. 8.072/90.
Nas três hipóteses, a LEP autoriza a inclusão no Regime Disciplinar Diferenciado tanto para os
presos provisórios quanto para os presos definitivos, mas apenas na hipótese referida no item II,
acima mencionada, a lei permite o abrigo de presos estrangeiros (§ 1º do art. 52). Portanto, as
outras duas hipóteses são apenas para presos brasileiros, pois normas restritivas de direitos não
admitem analogia.
Saliente-se, ainda, que, malgrado a omissão da lei, o ingresso no regime disciplinar
diferenciado é tão somente para quem se encontra no regime fechado, ou cujo prognóstico seja de
cumprimento da pena nesse regime, quando se tratar de preso provisório, sendo incoerente, sem a
prévia regressão, incluir no regime excepcional os presos que se encontram no semiaberto ou
aberto.
Batizado doutrinariamente de regime “fechadíssimo”, na verdade, não se trata de um novo
regime penitenciário, mas de uma forma de se cumprir o regime fechado. Reveste-se da natureza
jurídica de sanção disciplinar, conforme se depreende da análise do art. 53 da LEP. Faz parte do
direito penitenciário, e não propriamente do direito penal, razão pela qual, conquanto mais severa,
a nova lei tem aplicação imediata, abrangendo também fatos anteriores à sua vigência.

DETRAÇÃO

Dispõe o art. 42 do CP:


“Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão
provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer
dos estabelecimentos referidos no artigo anterior”.

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O dispositivo transcrito cuida da detração penal. De acordo com esse instituto, computa-se na
pena privativa de liberdade e na medida de segurança o período de prisão provisória, o de prisão
administrativa e o de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico.
Detração penal é, pois, o abatimento na pena ou medida de segurança do tempo de prisão ou
internação já cumprido pelo agente.
A medida de segurança tem prazo mínimo de um a três anos e o período de prisão ou de
internação provisória é computado nesse prazo mínimo da medida de segurança.
A expressão “prisão provisória” compreende toda e qualquer prisão decretada pelo juiz
criminal, que antecede o trânsito em julgado de uma sentença condenatória. Abrange a prisão em
flagrante (arts. 301 a 310 do CPP), a prisão temporária (Lei n. 7.960/89) e a prisão preventiva (CPP,
arts. 311 a 316).
Suponha-se que o agente, em razão de flagrante, permaneça preso por dois meses. Vindo a
ser condenado a um ano e dois meses de reclusão, terá de cumprir apenas um ano, pois os dois
meses do flagrante são computados como pena cumprida.
Por outro lado, no tocante às penas restritivas de direitos, no caso de conversão em prisão,
desconta-se o tempo cumprido, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão,
operando-se, portanto, a detração penal (CP, art. 44, § 4º).

PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS

CONCEITO E ESPÉCIES

Pena restritiva de direitos é a sanção imposta em substituição à pena privativa de liberdade,


consistente na supressão ou diminuição de um ou mais direitos do condenado.
As penas restritivas de direitos são de cinco espécies:
a) prestação pecuniária;
b) perda de bens e valores;
c) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, também chamada de
prestação social alternativa;
d) limitação de fim de semana;
e) interdição temporária de direitos.

CRITÉRIOS PARA APLICAÇÃO

As penas restritivas de direitos não são cominadas abstratamente no tipo penal incriminador,
salvo nos artigos 302 e 303 do CTB, que prevê a pena de suspensão ou proibição de obter a
habilitação ou permissão para dirigir veículo automotor, outrossim, o art. 28 da Lei 11.343/2006 que
no crime de porte de droga para uso próprio prevê a pena de advertência sobre os efeitos da droga,
a pena de prestação de serviço à comunidade e pena de comparecimento à curso educativo. Nas
demais hipóteses, elas estão previstas na Parte Geral do CP, apresentando duas características:
a) autonomia: não podem ser cumuladas com as penas privativas de liberdade. Distinguem-se,
assim, das extintas penas acessórias, eliminadas na reforma penal de 1984, que eram aplicadas
cumulativamente com as penas privativas de liberdade. O Código de Trânsito Nacional prevê a
multa reparatória, que é uma pena acessória, pois é cumulada com a pena privativa de liberdade.
b) substitutividade: primeiro o juiz fixa a pena privativa de liberdade e, depois, na mesma
sentença, a substitui pela pena restritiva de direitos, cuja duração é a mesma da pena privativa de
liberdade substituída. É claro que, na pena de prestação pecuniária e perda de bens e valores, o fator

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temporal não exerce influência em seu cumprimento. As outras três penas, contudo, têm a mesma
duração da pena privativa de liberdade. Vê-se para logo, porém, que na pena de prestação de serviços
à comunidade ou a entidades públicas, sendo a pena substituída superior a um ano, é facultado ao
condenado cumpri-la em menor tempo, nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade
substituída (§ 4º do art. 46 do CP).
Para beneficiar-se da pena restritiva de direitos, urge que o réu preencha os seguintes
requisitos:
a) não seja reincidente específico em crime doloso. Verifica-se a reincidência específica
quando os crimes forem da mesma natureza. Para alguns penalistas, para que a reincidência seja
específica, basta que os delitos apresentem características comuns, ofendendo o mesmo bem
jurídico, como, por exemplo, o furto fraudulento e o estelionato. Outros, ao revés, preconizam que
reincidente específico é aquele que comete delitos previstos no mesmo tipo penal, como, por
exemplo, furto simples e furto qualificado. Tratando-se, porém, de reincidente específico, cuja
condenação anterior tenha sido a multa, mostra-se razoável o direito de obter a pena restritiva,
aplicando-se por analogia in bonam partem o § 1º do art. 77 do CP. Por outro lado, se o condenado
for reincidente genérico, isto é, na prática de crime de natureza diversa do delito precedente, o juiz
poderá aplicar a substituição, desde que, em face da condenação anterior, a medida seja
socialmente recomendável (§ 3º do art. 44). Não se pode deixar de registrar a contradição do
legislador. Com efeito, o reincidente em crime doloso, seja ele genérico ou específico, não pode
obter regime aberto nem sursis, sendo manifesta a incoerência do Código ao habilitar esse
criminoso a receber uma medida mais branda (pena restritiva de direitos);
b) que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado,
bem como os motivos e as circunstâncias, indiquem que essa substituição seja suficiente. Como
circunstâncias impeditivas da substituição, citemos, entre outras, os maus antecedentes, a
culpabilidade acentuada etc. Todavia, a decisão negativa deve ser fundamentada. O fato de
responder por outro processo não é óbice para o benefício, diante do princípio da presunção da
inocência.
Presentes esses requisitos subjetivos, é possível aplicar a pena restritiva de direitos quando:
a) o réu for condenado por crime doloso a uma pena privativa de liberdade igual ou inferior a
quatro anos, excluída a hipótese de crime cometido com violência ou grave ameaça contra a pessoa.
Tratando-se, porém, de violência imprópria, que é aquela em que o agente reduz a vítima à
impossibilidade de resistência, sem contudo empregar violência física ou grave ameaça, a nosso ver,
deve ser viabilizada a aplicação da pena restritiva de direitos. Com efeito, a lei veda esse tipo de
pena aos crimes com violência ou grave ameaça. A expressão “violência” compreende tão somente
a violência física (vis absoluta), sendo que a violência moral está inserida na locução “grave
amea-ça” (vis compulsiva). Tivesse o legislador a intenção de abranger vio-lência imprópria teria
dito expressamente, como nos arts. 146 e 157, caput, do CP.Na lei de lavagem de capital é possível
substituir por pena restritiva de direito a pena privativa de liberdade, qualquer que seja a
quantidade da pena, para quem colaborou de forma voluntária com as autoridades públicas na
apuração da autoria do crime ou localização dos bens.
b) o réu for condenado por crime culposo, qualquer que seja a quantidade da pena privativa
de liberdade. Nesse caso, ainda que seja reincidente específico em crime doloso poderá obter o
benefício.
A substituição é feita na própria sentença. A pena privativa de liberdade, quer o crime seja
doloso ou culposo, é substituída por multa ou por uma pena restritiva de direitos, quando a
condenação for igual ou inferior a um ano. Se superior a um ano, far-se-á a substituição por uma
pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos (§ 2º do art. 44).

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No concurso formal e no crime continuado, analisa-se se a pena total, isto é, unificada,


comporta ou não a aludida substituição.
Já no concurso material, o juiz, na sentença, fixa a pena de cada crime, separadamente,
analisando, também, de forma isolada, a pertinência ou não da substituição quanto a cada um dos
delitos. Não obstante, a jurisprudência enveredou-se por caminho oposto, determinando a soma das
penas quando houver concurso material, negando a aplicação da pena restritiva quando o total for
superior a quatro anos. Ora, conforme preceitua o § 1º do art. 69 do CP, se em relação a um dos
crimes tiver sido negado o sursis, para os demais será incabível a substituição por pena restritiva de
direitos, e, por isso, força convir pela análise separada da pena de cada delito. Quando for aplicada
pena restritiva de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si
(ex.: limitação de fim de semana), consoante dispõe o § 2º do art. 69 do Código Penal, mas se as
penas forem incompatíveis como, por exemplo, duas penas de limitação de fim de semana elas devem
ser cumpridas sucessivamente.
Por outro lado, tratando-se de delito de tráfico de drogas previsto nos arts. 33, caput e § 1º, e
34 a 37 da Lei n. 11.343/2006, não se admite a conversão de suas penas em restritivas de direitos,
por força do art. 44 da citada lei. Quanto aos crimes hediondos a tendência é admitir as penas
restritivas de direitos, tendo em vista que a lei não a proíbe, mas como a lei prevê para esses delitos
o regime inicial fechado uma outra corrente nega a possibilidade de se aplicar penas restritivas de
direitos. Saliente-se, contudo, que a exigência do regime inicial fechado foi declarada
inconstitucional pelo STF, por atentar contra o princípio da individualização da pena.
Quanto aos crimes de menor potencial ofensivo, regidos pela Lei n. 9.099/95, ainda que
cometidos com violência ou grave ameaça, como, por exemplo, os dos arts. 129, caput, e 147 do
CP, não se pode negar a aplicação de pena restritiva de direitos. Aludidos delitos admitem a
transação penal, na qual se impõem penas restritivas de direitos ou multa, razão por que a lógica
nos permite concluir que também podem ser aplicadas na sentença.
Finalmente, nos crimes ou contravenções praticados contra a mulher em ambiente
doméstico, ainda que sem violência ou grave ameaça, é vedada as aplicações das seguintes penas:
cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como substituição da pena privativa de
liberdade pelo pagamento isolado de multa (art. 17, lei 11.340/2006).
Dispõe ainda a súmula 588 do STJ:
“A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher, com violência ou grave ameaça,
no ambiente doméstico impossibilita a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos”.
A lei de violência doméstica proíbe a substituição da pena privativa de liberdade por cesta
básica, multa ou outras de natureza pecuniária, entretanto, nos crimes ou contravenções com
violência ou grave ameaça contra a mulher, em ambiente doméstico, a vedação da substituição
estende-se a qualquer pena restritiva de direito, por força da referida súmula do STJ que, a rigor,
repete a proibição que já é ditada pelo art. 44, I, do CP.
Nos crimes com violência ou grave ameaça de menor potencial ofensivo, que não sejam
praticados contra mulher em ambiente doméstico, cuja pena abstrata não exceda a dois anos, a
jurisprudência tem admitido a substituição por pena restritiva de direito, posto que esta
substituição é cabível no âmbito da transação penal do JECRIM. Caso a hipótese seja de violência
doméstica contra a mulher a substituição por pena restritiva de direito não será possível quando
envolver violência física ou grave ameaça.
Os crimes ou contravenções contra a mulher no ambiente doméstico podem ter a pena
privativa de liberdade substituída por pena restritiva de direito, desde que não haja violência ou
grave ameaça, ressalvando-se que substituição por cesta básica, multa ou outra prestação

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pecuniária não é cabível nem mesmo nos crimes ou contravenções, em ambiente doméstico, sem
violência ou grave ameaça contra mulher.

MOMENTO DA SUBSTITUIÇÃO

A substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos é feita na própria
sentença condenatória.
Admite-se, todavia, a substituição pelo juízo da execução desde que:
a) o agente tenha sido condenado a pena privativa de liberdade igual ou inferior a dois anos;
b) tenha sido cumprido pelo menos um quarto da pena;
c) o agente esteja cumprindo a pena no regime aberto;
d) os elementos e a personalidade do condenado indiquem ser a conversão recomendável.
Esses requisitos, previstos no art. 180 da LEP, devem existir simultaneamente.
Efetuada a substituição, a pena restritiva de direitos deverá ter a mesma duração do restante
da pena substituída, descontando-se, portanto, o tempo de pena privativa de liberdade cumprida.

CONVERSÃO

A pena restritiva de direitos, preceitua o § 4º do art. 44 do CP, converte-se em privativa de


liberdade quando ocorre o descum-primento injustificado da restrição imposta. Nesse caso, a
conversão é obrigatória. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o
tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de
detenção ou reclusão. A conversão, como se vê, é pelo tempo restante da pena, operando-se,
assim, a detração penal. Se, no entanto, restava um tempo inferior a trinta dias, a detração ficará
prejudicada, pois o réu deverá cumprir, no mínimo, trinta dias de reclusão ou detenção.
A conversão, por outro lado, é facultativa quando sobrevém condenação a pena privativa de
liberdade por outro crime, não bastando a mera prática de crime. O juiz poderá deixar de aplicar a
conversão se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior. Assim, se na nova
condenação o réu obtém sursis ou é apenado com multa ou pena restritiva de direitos, o juiz,
percebendo a viabilidade de cumprimento simultâneo das sanções impostas, poderá deixar de
aplicar a conversão. Se, ao revés, sobrevier condenação por outro crime, no regime fechado ou
semiaberto, cuja execução não tenha sido suspensa, a conversão será inevitável, a menos que a
pena restritiva de direitos consista em prestação pecuniária ou perda de bens e valores, quando
então será também possível ao condenado cumpri-la simultaneamente com a pena privativa de
liberdade. Como a jurisprudência determina a soma das penas, para o fim de cabimento ou não da
substituição, força convir que a revogação só será facultativa se a soma total das penas for inferior a
quatro anos. Excedendo-se, impõe-se a revogação obrigatória.
Finalmente, convém acrescentar que a condenação a multa ou por contravenção penal não
enseja a conversão, pois é vedada a analogia in malam partem. Outrossim, as penas restritivas de
direitos previstas no preceito secundário dos artigos 302 e 303 do CTB e 28 da Lei. 11.343/06 não
podem ser convertidas em prisão, pois a lei não prevê a conversão nessas hipóteses.

PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA

A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro ou em prestação de outra


natureza em favor da vítima, seus dependentes ou entidade pública ou privada com destinação
social. Pode ser aplicada independentemente da aceitação do beneficiário.

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Com efeito, dispõe o § 1º do art. 45 do CP que:


“A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou
a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1
(um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será
deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os
beneficiários”. Os critérios para aplicação desta pena são o prejuízo da vítima, a situação econômica
do réu e a sua culpabilidade.
E o § 2º do art. 45 do CP ainda preceitua que:
“No caso do parágrafo anterior, se houver aceitação do beneficiário, a prestação pecuniária
pode consistir em prestação de outra natureza”. Trata-se da chamada pena inominada. Nos crimes
de violência doméstica não se pode aplicar a pena de prestação pecuniária e a pena inominada (art.
16 da Lei 11.340/2006).

PERDA DE BENS E VALORES

A perda de bens e valores consiste na expropriação de coisas corpóreas ou incorpóreas


pertencentes ao condenado, destinando-as ao Fundo Penitenciário Nacional. A expressão “bens”
designa as coisas corpóreas de valor econômico (casa, animal, veículo etc.). Já o termo “valores”
compreende todo título ou papel representativo de obrigação em dinheiro ou mercadoria (apólices,
bônus, cheques, notas promissórias etc.).
De fato, dispõe o § 3º do art. 45 do CP:
“A perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação
especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como teto — o que for maior —
o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em
consequência da prática do crime”. Nota-se que a lei não fixa o valor mínimo, mas apenas o
máximo.
Primeiramente, cumpre elucidar que o fundamento dessa pena é o art. 5º, XLVI, b, da
Constituição Federal. O limite máximo da pena é o montante do prejuízo causado ou do provento
obtido pelo agente ou por terceiro, em consequência da prática do crime. Portanto, para aplicar a
pena de perda de bens ou valores, é preciso estar demonstrado nos autos o teto máximo da pena,
qual seja, o montante do provento auferido pelo agente ou por terceiro, em consequência da
prática do crime, ou então o montante do prejuízo causado.

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE OU A ENTIDADES PÚBLICAS

A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição ao


condenado de tarefas gratuitas junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros
estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais.
As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do conde-nado, devendo ser cumpridas à
razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixada de modo a não prejudicar a jornada
normal de trabalho.
Aludida penalidade, conforme se depreende do art. 46 do CP, só é aplicável às condenações
superiores a seis meses de privação da liberdade.
Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena
substitutiva em menor tempo (art. 55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada
(§ 4º do art. 46) sem alterar a carga horária. Aqui o legislador consagrou a ilógica. Se o agente é

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condenado a um ano, as horas deverão ser distribuídas até o último dia do término da pena. Se,
porém, é condenado a tempo superior a um ano, como por exemplo um ano e dois meses, a pena
poderá ser cumprida em sete meses.
O trabalho é gratuito, inexistindo, portanto, vínculo empregatício. Cada dia de prisão passa a
corresponder a uma hora de trabalho.

LIMITAÇÃO DE FIM DE SEMANA

A limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos,


por cinco horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado. Durante a
permanência poderão ser ministrados ao condenado cursos e palestras ou atribuídas atividades
educativas (art. 48 e parágrafo único). É uma prisão descontínua.

INTERDIÇÃO TEMPORÁRIA DE DIREITOS

O Código, no art. 47, prevê as seguintes penas de interdição temporária de direitos:


I — proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato
eletivo.
Essa pena só se aplica ao crime cometido no exercício de profissão, atividade, ofício, cargo ou
função, sempre que houver a violação dos deveres que lhes são inerentes (CP, art. 56). A interdição
de que se trata, como lembra Mirabete, não é apenas a suspensão daquele que exerce o cargo,
função, atividade pública ou mandato eletivo, mas também a proibição para aquele que deixou de
exercê-la (voluntariamente ou não) após a prática do crime. Nessa hipótese constitui uma
incapacidade temporária para o exercício da função pública155.
A pena restritiva de direitos, por ser temporária, não se confunde com a perda do cargo,
função ou atividade pública ou mandato eletivo, que é definitiva e está prevista no art. 92, I, do CP,
como efeito da condenação. Essa pena de proibição de exercer mandato é inócua, pois a
condenação penal transitada em julgado já gera automaticamente a suspensão dos direitos
políticos, conforme art. 15,III, da CF.
II — proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação
especial, de licença ou autorização do poder público.
Profissão é o trabalho remunerado, predominantemente intelectual (ex.: médico, advogado,
professor etc.). Ofício é o trabalho remunerado, preponderantemente manual ou mecânico (ex.:
sapateiro, barbeiro etc.). Atividade é qualquer outro trabalho remunerado ou não.
O condenado fica proibido de exercer a profissão, ofício ou atividade, pelo tempo da pena.
Observe-se que essa pena também só se aplica ao crime cometido no exercício de profissão,
atividade, ofício, cargo ou função, sempre que houver violação dos deveres que lhes são inerentes
(CP, art. 56). Pode ser aplicada, por exemplo, ao médico ou advogado que viola segredo profissional;
ao advogado que comete delito de patrocínio infiel; ao professor que pratica maus-tratos no
aluno; ao médico que emite atestado falso etc. Além disso, o profissional ainda pode ser punido
administrativamente pelos órgãos competentes (OAB, CRM etc.).
III — suspensão de autorização ou habilitação para dirigir veículo.
Tal pena, na sistemática do Código Penal, era restrita aos crimes culposos de trânsito (CP, art.
57). Com o advento do novo Código de Trânsito, a suspensão ou proibição de se obter a permissão
ou a habilitação para dirigir veículo automotor pode ser imposta como penalidade principal, isolada
ou cumulativamente com outras penalidades, não tendo mais o caráter substitutivo das penas
privativas de liberdade, operando-se a revogação tácita do inciso III do art. 47 e do art. 57 do CP.

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Pode ser aplicada a qualquer delito previsto no Código de Trânsito, seja ele doloso ou culposo.
Ressalte-se, todavia, que a imposição cumulativa da pena de suspensão ou proibição de se obter a
permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor só é cabível se o réu for reincidente na
prática de crime previsto no aludido Código de Trânsito (arts. 292 e 296 da Lei n. 9.503/97). Se,
porém, o preceito secundário do tipo penal previsto no Código de Trânsito já prevê essa pena, como
é o caso do homicídio culposo, lesão culposa, embriaguez ao volante e participação em competição
não autorizada, ela será aplicada cumulativamente com a pena privativa de liberdade,
independentemente de o réu ser reincidente em crime dessa natureza. Convém ressalvar que a pena
restritiva prevista no art. 47, III, do CP, ainda subsiste em relação à suspensão de autorização para
dirigir veículo. Essa autorização é necessária para veículos ciclomotores, com menos de cinquenta
cilindradas. Em tal situação, não é aplicável o Código de Trânsito Brasileiro, mas o Código Penal,
sendo perfeitamente possível a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de
suspensão de autorização para dirigir veículo. Note-se que para esse tipo de veículo não se exige
habilitação e sim a autorização.
IV — Proibição de frequentar determinados lugares.
Cumpre ao magistrado atentar para que não sejam violados direitos constitucionais do
condenado. Recomenda-se seja esta pena imposta aos delitos praticados em lugar de influência
criminógena. Assim, padece de flagrante inconstitucionalidade impor como pena a proibição de
frequentar cultos religiosos. Cabe ainda chamar a atenção para a semelhança entre essa pena e o
sursis especial. Neste, porém, o condenado, além das condições judiciais, deverá cumprir
cumulativamente, no primeiro ano do período de prova, as seguintes condições: a) proibição de
frequentar determinados lugares; b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside sem
autorização do juiz; c) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e
justificar suas atividades. Ademais, o sursis especial tem duração fixa, podendo o período de prova
ser fixado entre dois e quatro anos. E, uma vez revogado, o condenado terá de cumprir
integralmente a pena privativa de liberdade que estava suspensa. Já a pena de proibição de
frequentar determinados lugares tem a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída.
E, uma vez revogada, será deduzido o tempo cumprido, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de
detenção ou reclusão (§ 4º do art. 44 do CP).
Vê-se assim que as penas de interdição temporária de direitos são específicas para certos
delitos, à exceção da proibição de frequentar determinados lugares, que é genérica e aplicável a
todos os delitos.

DA PENA DE MULTA

A pena de multa é aplicada em duas fases. Na primeira, o juiz fixa a quantidade dos dias-
multa, que varia entre o mínimo de dez e o máximo de trezentos e sessenta.
Fixada a quantidade dos dias-multa, o próximo passo é estabelecer o valor de cada dia, olhos
fitos, dessa vez, na situação econômica do réu.
O valor do dia-multa não pode ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo vigente ao
tempo do fato, nem superior a cinco vezes esse salário (CP, art. 49, § 1º). O valor da multa será
atualizado, quando da execução, pelos índices de correção monetária (§ 2º do art. 49).
O pagamento é a execução da multa.
A multa deve ser paga voluntariamente dentro de dez dias depois do trânsito em julgado da
sentença (CP, art. 50).
Não há previsão legal para a execução provisória da pena de multa que, dessa forma, não

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poderá ser executada antes do trânsito em julgado.


Sobre o assunto dispõe o Enunciado 25 da I Jornada de Direito e Processo Penal do CEJ/CJF:
“As obrigações pecuniárias (pena de multa, custas processuais e obrigação de reparar os danos)
advindas da sentença penal condenatória recorrível, não podem ser executadas antes do trânsito
em julgado”.
O dinheiro arrecadado com o pagamento da multa deve ser enviado ao Fundo Penitenciário
Nacional, nos termos do art. 2º, V, da Lei Complementar n. 79/94.
O art. 51 do CP, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei n. 9.268/96, dispõe que
“transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor,
aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que
concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição”. Portanto, incide sobre a pena de
multa a prescrição quinquenal na hipótese de a execução permanecer suspensa por falta de bens à
penhora, tendo em vista que essa prescrição é aplicada às dívidas tributárias, por força da lei
6.830/80.
Como se vê, não há mais lugar para a conversão da multa em detenção.

SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA MULTA

É suspensa a execução da multa se sobrevém ao condenado doença mental (CP, art. 52, e art.
167 da LEP).
Suspende-se também a execução da multa se o condenado for absolutamente insolvente.

MULTA SUBSTITUTIVA OU VICARIANTE

Dispõe o § 2º do art. 60 do CP:


“A pena privativa de liberdade aplicada, não superior a 6 (seis) meses, pode ser substituída
pela multa, observados os critérios dos incisos II e III do art. 44 deste Código”.
O dispositivo em apreço franqueia a substituição por multa quando a pena privativa de
liberdade aplicada não for superior a seis meses. Todavia, o § 2º do art. 44, com a nova redação
dada pela Lei n. 9.714, de 25 de novembro de 1998, preceitua que, na condenação igual ou
inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos.
Todavia, não se operou a revogação do § 2º do art. 60 do CP. Com efeito, o § 2º do art. 44 proíbe a
substituição por multa ou por pena restritiva de direitos em relação aos crimes cometidos com
violência ou grave ameaça à pessoa. Esses delitos, porém, continuam regidos pelo § 2º do art. 60.
Assim, desde que a pena privativa de liberdade aplicada seja igual ou inferior a seis meses, nada
obsta a sua substituição pela pena pecuniária. E, quanto aos delitos cometidos sem violência ou
grave ameaça à pessoa, passou a ser admitida a substituição por multa, quando a pena privativa
de liberdade aplicada for igual ou inferior a um ano (§ 2º do art. 44). Guilherme Nucci sustenta
que a condenação até seis meses pode ser substituída por multa ou pena restritiva de direitos e a
condenação superior a seis meses só poderia ser substituída por pena restritiva de direitos,
procurando com essa exegese conciliar os dois dispositivos legais.
Para obter a substituição o réu não pode ser reincidente em crime doloso. Além disso, a
culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os
motivos e as circunstâncias, devem indicar que essa substituição seja suficiente.
O STF já decidiu que descabe a substituição por multa se esta é cominada cumulativamente
com pena privativa de liberdade (HC 70.445, DJU, 25 fev. 1994, p. 2592, rel. Min. Moreira Alves).
Aliás, a propósito, dispõe a Súmula 171 do STJ: “Cominadas cumulativamente, em lei especial, penas

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privativas de liberdade e pecuniária, é defeso a substituição da prisão por multa”. Nos crimes de
violência doméstica, o art. 16 da lei 11.340/2.006 proíbe que a pena privativa de liberdade seja
substituída por multa.

EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DA PENA DE MULTA SEM QUE HAJA PAGAMENTO

Questão interessante é saber se a extinção da punibilidade da pena privativa de liberdade ou


restritiva de direitos gera ou não a extinção da pena de multa, em relação aos condenados
hipossuficientes.
O assunto tem relevância prática, pois, enquanto não extinta a punibilidade da pena de
multa, o condenado não poderá obter a reabilitação penal, que lhe assegura o sigilo da
condenação. Em função disso, não conseguirá a certidão negativa de antecedentes criminais, com a
qual busca emprego formal.
Outrossim, não poderá regularizar o seu título de eleitor, pois os seus direitos políticos
permanecerão suspensos. Logo, estará proibido de votar, de se matricular em instituição de ensino
público e de exercer cargos públicos concursados.
A persistência dos efeitos acima militam contra o processo de ressocialização do condenado,
fazendo perdurar o seu estigma de “criminoso” por tempo superior à própria pena privativa de
liberdade, o que fere a lógica.
Sensibilizado com o problema, o Superior Tribunal de Justiça afirmou, em recurso especial
repetitivo, a seguinte tese:
"Nos casos em que haja condenação a pena privativa de liberdade e multa, cumprida a
primeira (ou a restritiva de direitos que eventualmente a tenha substituído), o inadimplemento da
sanção pecuniária não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade” (REsp 1.785.383 e
REsp 1.785.861).
É claro que a extinção da punibilidade da pena de multa, sem que haja o respectivo
pagamento ou a prescrição, é um benefício que se aplica exclusivamente aos condenados pobres,
estando assim amparado pelo princípio da isonomia, que possibilita a conferência de tratamento
desigual aos desiguais.
Quanto à prova da pobreza, a meu ver, por analogia, é feita através de simples declaração do
condenado, sujeita, porém, a verificação, tal como ocorre na esfera cível, mas o assunto ainda será,
certamente, debatido com maior profundidade pela jurisprudência.

DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA

Às medidas de segurança aplicam-se os seguintes princípios:


a) Legalidade: só a lei pode criar medida de segurança.
b) Anterioridade: a medida de segurança só pode ser aplicada se a sua cominação legal
preceder à prática do crime, pois em relação a ela também vigora o princípio da irretroatividade da
lex gravior (CF, art. 5º, XL).
c) Jurisdicionalidade: a medida de segurança só pode ser aplicada pelo juiz criminal, mediante a
observância do due process of law.
A aplicação da medida de segurança pressupõe:
a) a prática de um fato definido como crime ou contravenção;
b) periculosidade.
Assim, o louco que realiza um fato típico em legítima defesa ou em outra situação que exclua
a ilicitude não comete crime algum, estando, pois, isento de medida de segurança.

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Também não se aplica medida de segurança quando as provas da autoria e materialidade são
insuficientes para atribuir o fato ao agente.
Periculosidade, ensina Ataliba Nogueira, é a probabilidade, e não a mera possibilidade, de que
venha alguém a reincidir no crime.
É, pois, necessário um prognóstico concreto de que o agente voltará a delinquir. Note-se que
enquanto o juízo da periculosidade tem em vista o futuro, o juízo da culpabilidade volta-se para o
pas-sado do criminoso.
A periculosidade pode ser:
a) presumida: ocorre quando a própria lei penal estabelece que determinado indivíduo é
perigoso, devendo o juiz sujeitá-lo à medida de segurança, sem necessidade de ser avaliada a
situação de perigo que a lei presume ter o agente;
b) real: ocorre quando a periculosidade deve ser averiguada pelo juiz no caso concreto.
No Brasil, ainda persiste, lamentavelmente, por força do art. 97 do CP, a presunção juris et de
jure de periculosidade em relação aos inimputáveis do art. 26, caput. Conquanto demonstrada no
caso concreto a ausência de periculosidade do inimputável, o juiz, mesmo assim, sujeitá-lo-á à
medida de segurança.
No tocante ao semi-imputável do parágrafo único do art. 26, vigora o sistema da
periculosidade real, ficando a cargo do juiz investigá-la no caso concreto. A avaliação da
periculosidade real, como dizia Ataliba Nogueira, deve ter em vista não só o comportamento do réu,
isto é, a sua personalidade, como também o crime, pois este é um precioso sintoma da
periculosidade, sendo ainda indispensável o exame da vida pretérita do agente.
Na prática, porém, a perícia psiquiátrica funciona como braço direito do magistrado, auxiliando-
o no juízo de prognose da periculosidade real.
O Código Penal prevê duas espécies de medidas de segurança:
a) detentiva: consiste em internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à
falta, em outro estabelecimento adequado (art. 96, I);
b) restritiva: consiste em sujeição a tratamento ambulatorial (art. 96, II). Nesse caso, não há
internação; o agente permanece livre, realizando tratamento em clínica psiquiátrica.
Se o crime é punido com reclusão, seja o agente inimputável, seja semi-imputável, torna-se
obrigatória a medida de segurança detentiva, isto é, a internação, mas se não houver vaga em
hospital psiquiátrico a medida de segurança deve consistir no tratamento ambulatorial, sendo
constrangimento ilegal exigir que seja cumprida em penitenciária.
Se, todavia, o fato for punível com detenção, poderá o juiz optar entre a internação e o
tratamento ambulatorial (CP, art. 97). A escolha deve nortear-se pelo grau de periculosidade. O fato
de o enfermo mental achar-se em condição de ser confiado a seus pais ou pessoas que têm a
obrigação de prover-lhe a assistência ou educação também deve influenciar na escolha do juiz.
O inimputável do art. 26, caput, do CP que comete fato típico e antijurídico é absolvido, porém a
sentença lhe impõe medida de segurança. Trata-se, como se vê, de sentença absolutória imprópria,
pois o agente sofre uma sanção penal (medida de segurança). Saliente-se, contudo, que, na
inimputabilidade oriunda de embriaguez acidental, não há previsão legal para a aplicação de medida
de segurança, devendo o magistrado limitar-se a absolver o réu, sem a imposição de qualquer sanção
penal.
Já o semi-imputável do parágrafo único do art. 26, que comete fato típico e antijurídico,
submete-se ao chamado sistema vicariante ou unitário, pois a sentença lhe fixará pena reduzida ou
medida de segurança. A partir da reforma penal de 1984, aboliu-se o sistema do duplo binário ou
dos dois trilhos, que aplicava cumulativamente a pena e a medida de segurança, para que fossem
cumpridas sucessivamente. Primeiro ele cumpria a pena e depois iria tratar-se no regime da medida

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de segurança.
No sistema vicariante, o juiz aplica ao semi-imputável pena reduzida ou medida de segurança,
devendo a opção por uma ou outra sanção nortear-se pela necessidade ou não de tratamento
curativo a ser aplicado ao acusado. Se esse tratamento médico for necessário, deverá submetê-lo a
medida de segurança; caso contrário, ser-lhe-á aplicada a pena reduzida de um a dois terços.
Discute-se se a redução da pena é mera faculdade ou dever do Magistrado. Não obstante a lei
utilizar-se da expressão “a pena pode ser reduzida”, cremos que, em matéria penal, não se pode
consagrar as antigas noções de favor judicial, devendo a redução ser entendida como obrigatória,
traduzindo-se em direito público subjetivo do réu.
Finalmente, a sentença que concede a medida de segurança, seja o réu inimputável, seja semi-
imputável, deve fixar o prazo mínimo de internação, ou tratamento ambulatorial, que pode ser de
um a três anos.

APLICAÇÃO DA PENA

DIFERENÇAS ENTRE AGRAVANTES GENÉRICAS E CAUSAS DE AUMENTO DE PENA

As agravantes genéricas estão situadas na Parte Geral (arts. 61 e 62). Já as causas de aumento
localizam-se na Parte Geral e também na Parte Especial do CP (ex.: arts. 70, 71, 155, § 1º, 157, § 2º,
etc.). Nas agravantes, a quantidade de aumento é fixada pelo juiz, sem que a lei lhe forneça
parâmetros, ao passo que nas causas de aumento, a quantidade é prevista na lei, podendo ser fixa
ou variável. Na agravante, a pena não pode ser elevada acima do máximo legal; na causa de
aumento, a pena pode até extrapolar o máximo legal previsto abstratamente para o crime.

DIFERENÇAS ENTRE ATENUANTES GENÉRICAS E CAUSAS DE DIMINUIÇÃO DE PENAS

As atenuantes genéricas estão situadas na Parte Geral (arts. 65 e 66). As causas de diminuição
localizam-se na Parte Geral e também na Parte Especial (ex.: arts. 26, parágrafo único, e 155, § 2º).
Nas primeiras, a quantidade de diminuição é fixada pelo juiz, sem que a lei lhe forneça parâmetros.
Nas segundas, a diminuição é prevista em lei, em quantidade fixa ou variável.
Na atenuante, a pena não pode ser trazida abaixo do mínimo legal, embora haja opiniões em
contrário. Na causa de diminuição, a pena pode ficar aquém do mínimo abstrato.

DIFERENÇAS ENTRE CAUSAS DE AUMENTO DE PENAS E QUALIFICADORAS

A qualificadora tem pena própria, isto é, desvinculada do tipo fundamental. No homicídio


qualificado, por exemplo, a pena é de doze a trinta anos de reclusão (CP, art. 121, § 2º). Já a causa
de aumento não tem pena própria, representando apenas um percentual fixo ou variável de
majoração da pena. O furto noturno, previsto no § 1º do art. 155 do CP, é mera causa de aumento,
pois eleva a pena em um terço. Já o § 4º do art. 155 é uma qualificadora, porque tem pena própria,
isto é, a pena mínima é de dois e a máxima, de oito anos de reclusão.
Por outro lado, as causas de aumento podem estar previstas na Parte Geral e na Parte
Especial, ao passo que a qualificadora situa-se apenas na Parte Especial do Código.
Finalmente, a qualificadora é definida antes da primeira fase da aplicação da pena, pois é sobre
ela que se fixa a pena-base; a causa de aumento, diversamente, só é considerada na terceira fase da
aplicação da pena.

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A TÉCNICA DE APLICAÇÃO DA PENA

Prescreve o art. 68 do CP:


“A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão
consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de
aumento”.
Adotou-se, como se vê, o critério trifásico, preconizado por Hungria. Portanto, a pena deve ser
fixada em três fases distintas e sucessivas:
a) fase da pena-base (art. 59, caput);
b) fase das atenuantes e agravantes genéricas (arts. 61 a 66);
c) fase das causas de diminuição e de aumento. Se a circunstância encaixar-se em mais de
uma fase, ela será considerada na fase posterior, que é mais específica, em detrimento das fases
anteriores. Assim, no homicídio, o relevante valor moral funcionará como causa de diminuição de
pena, em vez de atenuante genérica.
A fixação da pena em somente duas fases, como pretendia Roberto Lyra, embutindo na pena-
base, ao lado das circunstâncias judiciais, as agravantes e atenuantes genéricas, para só depois, num
segundo momento, aplicar as causas de aumento e diminuição, afronta o citado art. 68 do CP,
provocando a nulidade da sentença.
O critério trifásico é o que mais satisfaz às exigências sociais de individualização da pena, pois
enaltece, com maior clareza, cada passo da operação de sua fixação.
Assim, o magistrado, na sentença, primeiro fixa a pena-base, com fundamento nas
circunstâncias judiciais do art. 59, caput, do CP. Em seguida, sobre a pena-base faz incidir as
circunstâncias legais (atenuantes e agravantes), previstas nos arts. 61 a 66 do CP. E, depois, sobre a
pena revelada na operação anterior, aplica as causas de diminuição e aumento.
Cada uma dessas etapas precisa ser devidamente fundamentada, com o escopo de preservar
o direito de ampla defesa do réu. É nula a sentença que deixa de fundamentar as etapas da
operação de aplicação da pena.
Desde já cumpre fixar algumas regras básicas:
a) a pena-base não pode ser fixada abaixo do mínimo legal nem acima do máximo;
b) a presença de atenuantes não pode diminuir a pena abaixo do mínimo legal;
c) a presença de agravantes não pode elevar a pena acima do máximo legal;
d) as causas de diminuição e aumento de pena incidem sobre a pena revelada pela segunda
etapa da operação, e não sobre a pena-base, fixada na primeira fase;
e) a presença de causa de diminuição de pena pode trazer a pena abaixo do mínimo legal;
f) a presença de causa de aumento de pena pode elevar a pena acima do máximo legal;
g) proibição da dupla valoração: uma elementar ou qualificadora não pode ser utilizada para
fixar a pena-base acima do mínimo, porque já são utilizadas para a adequação típica. Assim, no
delito de peculato, a qualidade de funcionário público não pode exasperar a pena, porquanto
integra o tipo legal. Outro exemplo: a conduta grosseira do acusado é elemento do tipo penal de
resistência e, por isso, não pode influenciar na dosagem da pena-base;
h) ordem dos dados penais: 1) elementar ou qualificadora; 2) majorante ou minorante; 3)
agravante ou atenuante; 4) circunstância judicial. Incidindo na hipótese mais próxima, não poderá
incidir na mais remota, sob pena de bis in idem;
i) em razão da adoção do sistema trifásico, não é possível a compensação entre circunstâncias
de uma e outra fase. Ainda que o resultado final seja o mesmo, o magistrado deve analisar cada
circunstância nas respectivas fases;
j) o limite de 40 (quarenta) anos é relativo ao tempo de cumprimento da pena. Portanto, a

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pena, em sua terceira fase, pode ultrapassar esse limite;


k) obrigatoriedade da motivação: o juiz deve fundamentar a aplicação da pena, em todas as
fases, apontando as provas, sendo insuficiente a simples referência ao art. 59 do CP, sem analisar
concretamente cada uma das circunstâncias. O princípio da motivação judicial está consagrado nos
arts. 5º, XLVI, e 93, IX, ambos da CF.
Fixada a quantidade da pena aplicada, o próximo passo é estabelecer o regime inicial
(fechado, semiaberto ou aberto) de cumprimento da pena privativa de liberdade.
E, depois de fixado o regime inicial, o juiz, na própria sentença, deve analisar a possibilidade
de substituição da pena privativa de liberdade por outra espécie de penalidade, se cabível, ou por
sursis. Nesse aspecto da substituição, a ordem é a seguinte:
1º) Análise da possibilidade de se aplicar multa substitutiva, quando a pena privativa de
liberdade fixada na sentença for igual ou inferior a 1 (um) ano, nos delitos sem violência ou grave
ameaça à pessoa (§ 2º do art. 44 do CP).
2º) Análise da possibilidade de se aplicar pena restritiva de direitos quando o réu for
condenado por crime culposo, qualquer que seja a quantidade da pena privativa de liberdade, ou
por crime doloso a uma pena privativa de liberdade igual ou inferior a 4 (quatro) anos, nos crimes
cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa.
3º) Análise da possibilidade de se conceder ao acusado a suspensão condicional da pena
(sursis), quando a condenação for igual ou inferior a dois anos. Toda vez que a condenação for igual
ou inferior a dois anos, o juiz, sob pena de nulidade da sentença, deve pronunciar-se sobre o sursis,
ainda que seja para negá-lo ao réu.
Finalmente, após fixar a pena privativa de liberdade, não sendo cabível nenhuma dessas três
substituições, o juiz, na sentença, deve conferir ou negar ao acusado o direito de apelar em
liberdade, analisando ainda se se encontram ou não presentes os requisitos para manutenção ou
imposição da prisão preventiva.

A FIXAÇÃO DA PENA-BASE

A pena-base não pode ser fixada abaixo do mínimo legal e deve ser imposta de maneira
fundamentada; do contrário, haverá a nulidade da sentença. Todavia, quando fixada no mínimo
legal, a falta de fundamentação não anula a sentença, porque não há prejuízo ao réu.
Os critérios de fixação da pena-base, previstos no art. 59, caput, do CP, são os seguintes:
a) culpabilidade;
b) antecedentes;
c) conduta social;
d) personalidade;
e) motivos do crime;
f) circunstâncias do crime;
g) consequências do crime;
h) comportamento da vítima.
Eis aí as chamadas circunstâncias judiciais, cuja valoração é conferida ao poder discricionário
do juiz.

CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES

As circunstâncias agravantes genéricas incidem na segunda fase da aplicação da pena. O


quantum da majoração não é indicado pela lei, reservando-se o aumento à discricionariedade do juiz,

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que porém não pode elevar a pena acima do máximo legal abstratamente previsto para o delito.
As agravantes genéricas têm incidência obrigatória, conforme se vê claramente na redação
dos arts. 61 e 62 do CP. O juiz não pode deixar de considerá-las, salvo quando:
a) a pena-base é fixada no máximo legal;
b) já funcionam como elementar, qualificadora ou causa de aumento de pena do tipo legal.
Nesses casos, a incidência da agravante geraria o bis in idem, isto é, o agente estaria sendo punido
duas vezes pela mesma circunstância. Assim, no delito de abandono material, previsto no art. 244
do CP, não incide a agravante de ter sido o crime cometido contra ascendente, descendente ou
cônjuge (art. 61, II, e, do CP), pois essa agravante já constitui elemento do crime. E, no delito de
homicídio qualificado pelo motivo torpe, previsto no art. 121, § 2º, I, do CP, não incide a agravante
do motivo torpe, prevista no art. 61, II, a, do CP, porque ela já qualifica homicídio. Da mesma forma,
no estupro cometido contra irmã não incide a agravante do art. 61, II, e, do CP, porque ela já
funciona como causa de aumento de pena (CP, art. 226, II).
Feitas essas considerações, vejamos o que diz o art. 61 do CP:
“São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o
crime:
I — a reincidência;
II — ter o agente cometido o crime:
a) por motivo fútil ou torpe;
b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro
crime;
c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou
tornou impossível a defesa da vítima;
d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de
que podia resultar perigo comum;
e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;
f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se das relações domésticas, de coabitação ou de
hospitalidade;
g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão;
h) contra criança, velho, enfermo ou mulher grávida;
i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade;
j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de
desgraça particular do ofendido;
l) em estado de embriaguez preordenada”.
Trata-se de rol taxativo, não se admitindo o emprego da analogia, porque seria in malam
partem, além de violar o princípio da reserva legal. De fato, se não há pena sem previsão legal, por
desdobramento lógico, também não há agravante sem previsão legal.
O rol em apreço não contempla a premeditação, que, por isso mesmo, não pode ser utilizada
como agravante. Aliás, andou bem o legislador, pois a premeditação nem sempre revela a frieza ou
pericu-losidade do agente. Caso, porém, ele venha a apresentar esse perfil, o juiz pode utilizá-la
como circunstância judicial (CP, art. 59).
Finalmente, as agravantes, à exceção da reincidência, só incidem nos crimes dolosos. Na
doutrina alguns autores sustentam que todas as agravantes poderiam ser aplicadas também aos
crimes culposos, pois a lei não faz qualquer distinção ao seu âmbito de incidência. Passemos à
análise de cada uma delas. A reincidência, porém, será objeto de estudo em separado.

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CONCURSO DE CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES E ATENUANTES

Dispõe o art. 67 do CP que, “no concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-
se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que
resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência”.
Como se vê, as circunstâncias preponderantes são as referentes:
a) aos motivos do crime (ex.: torpe, fútil, relevante valor moral ou social);
b) à personalidade do agente (ex.: menoridade e velhice);
c) à reincidência.
Fácil notar que as circunstâncias preponderantes, todas elas, são subjetivas.
Se, no entanto, houver concurso entre agravantes e ate-nuantes preponderantes, como a
reincidência e o relevante valor moral, uma exclui a outra. Ambas devem ser desconsideradas pelo
magistrado. A menoridade do agente, porém, de acordo com boa parcela da jurisprudência, é
circunstância preponderante por excelência, prevalecendo sobre todas as outras. Portanto, a
diminuição emanada da menoridade deve superar o aumento da recidiva.
Se, por outro lado, ocorrer a presença de atenuantes e de agravantes não preponderantes,
como o veneno e o desconhecimento da lei, uma neutraliza a outra.
Convém especificar algumas regras:
a) compensa-se a agravante com a atenuante, quando nenhuma delas for preponderante;
b) compensa-se a agravante com a atenuante, quando ambas forem preponderantes,
ressalvando-se, porém, a menoridade, que, segundo a Excelsa Corte, deve prevalecer sobre todas as
circunstâncias;
c) atenuantes e agravantes incidem sobre a pena-base. Assim, a atenuante não pode incidir
sobre a agravante e vice-versa. Entendimento diverso violaria o regime de igualdade entre essas
circunstâncias;
d) é razoável compensar duas agravantes não preponderantes com uma atenuante
preponderante ou vice-versa.
No tocante à atenuante da confissão espontânea, está relacionada à personalidade do agente,
tendo assim caráter preponderante.
É, portanto, possível, de acordo com o STJ, na segunda fase da dosimetria da pena, a
compensação integral da atenuante da confissão espontânea com agravante da reincidência, seja
ela específica ou não.
Todavia, nos casos de multirreincidência, deve ser reconhecida a preponderância da agravante
prevista no artigo 61, inciso I do CP, sendo admissível sua compensação proporcional com a
atenuante da confissão espontânea, em estrito atendimento aos princípios da individualização da
pena e da proporcionalidade.

CAUSAS DE AUMENTO OU MAJORANTES E DE DIMINUIÇÃO OU MINORANTES DE PENAS

Fixada a pena-base e aplicada sobre ela as atenuantes e agravantes genéricas, o próximo


passo é aplicar sobre o total da pena revelada na segunda fase, e não sobre a pena-base, as causas
de diminuição e de aumento de pena.
A terceira fase é a da pena definitiva, prevalecendo o método sucessivo ou em cascata ou da
incidência cumulativa, segundo o qual a primeira majorante incide sobre a pena da segunda fase,
enquanto as outras majorantes e minorantes incidem sobre a pena imediatamente anterior. Em
contraposição, há o método simples, preconizando pela aplicação de todas as operações da terceira
fase sobre a pena-base. Mas este último sistema não pode prevalecer, porquanto poderia gerar a

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“pena zero”. Basta imaginar um exemplo de duas minorantes de dois terços incidindo sobre uma
pena-base de três anos, o que resultaria em uma pena abaixo de zero. Indiscutivelmente, o melhor
sistema é o sucessivo, de modo que no exemplo acima, após a primeira redução de dois terços, a
pena diminuiria para um ano, recaindo a segunda minorante de dois terços sobre este último
resultado, totalizando uma pena de quatro meses.
É claro que deve ser fundamentada a majorante, quando aplicada acima do máximo,
outrossim, a minorante cuja redução não atingiu o máximo previsto.
Saliente-se ainda a impossibilidade de compensar majorante com minorante, porque ambas
devem ter incidência. De fato, a compensação poderia prejudicar o réu. Se, por exemplo, sobre uma
pena de seis anos incide uma diminuição de um terço e um aumento também de um terço, a
compensação manteria a pena em seis anos, ao passo que a aplicação de ambas geraria uma pena
de cinco anos e quatro meses. Com efeito, 6 anos – 1/3 = 4 anos; e 4 anos + 1/3 = 5 anos e 4 meses. A
propósito, matematicamente, é irrelevante primeiro aumentar e depois diminuir e vice-versa.
Tomemos o exemplo de uma pena de seis anos que deva sofrer a diminuição da metade e o aumento
de um terço. A solução é a seguinte: 6 + 1/3 = 8; e 8 – 1/2 = 4. Vejamos agora o inverso: 6 – 1/2 = 3; e 3
+ 1/3 = 4.
Acrescente-se ainda que, por sequência lógica do tipo e por aplicação do princípio da
especialidade, cumpre primeiro fazer incidir as majorantes e minorantes da parte especial do Código
Penal e, por último, a parte geral do mesmo Codex. Observe-se também que a majorante do
concurso formal perfeito ou crime continuado só é aplicada após a incidência das demais
majorantes e minorantes.
Por outro lado, o parágrafo único do art. 68 do CP determina que:
“No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz
limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais
aumente ou diminua”.
Desse preceito podemos extrair as seguintes regras:
1ª) Se houver duas ou mais causas de aumento previstas na Parte Geral, todas elas terão
incidência. Dificilmente ocorrerá essa hipótese, porque são raras as causas de aumento previstas na
Parte Geral do CP.
2ª) Se houver duas ou mais causas de aumento previstas na Parte Especial, o juiz limitar-se-á a
aplicar a causa que mais aumenta, devendo as outras atuar como agravantes genéricas ou
circunstâncias judiciais, conforme constem ou não no rol das agravantes (arts. 61 e 62 do CP). Cumpre,
porém, registrar que, tratando-se de causas de aumento de pena em quantidade variável (por
exemplo: de 1/3 até metade), o STF já decidiu que, em havendo mais de uma, pode o juiz,
concomitantemente, levá-las em consideração impondo na fixação da pena o aumento máximo,
tendo em vista o maior grau de reprovabilidade que a conduta do agente encerra (STF, HC 70.117-5,
Rel. Paulo Brossard, DJU, 4 fev. 1994, p. 910). Assim, de conformidade com a aludida jurisprudência, o
parágrafo único do art. 68, quando preceitua que, no concurso de causas de aumento previstas na
parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento, prevalecendo a que mais aumenta, deve ser
interpretado restritivamente, aplicando-se tão somente às causas de aumento em quantidade fixa.
Tratando-se de causa de aumento em quantidade variável, todas seriam usadas como causas de
aumento, impondo-se o aumento acima do mínimo previsto. Entretanto, a súmula 443 do STJ dispõe
que o aumento na terceira fase da aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige
fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número
de majorantes”.
3ª) Se houver uma causa de aumento e outra de diminuição, as duas terão incidência.
4ª) Se houver duas ou mais causas de diminuição previstas na Parte Geral, todas elas terão

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incidência. Se, por exemplo, um semi-imputável comete uma tentativa de furto, a pena, em razão
da tentativa, é diminuí-da de um a dois terços. Pela semi-imputabilidade também há uma
diminuição de um a dois terços. Note-se que só após a primeira diminuição (tentativa) o juiz aplica a
segunda diminuição (semi-imputabilidade) sobre a pena já diminuída pela tentativa, e não sobre a
pena-base, porque do contrário haveria risco de a pena vir abaixo de zero.
5ª) Se houver duas ou mais causas de diminuição previstas na Parte Especial, o juiz limitar-se-á a
aplicar apenas a causa que mais diminua. As outras devem ser aplicadas na pena-base, como
circunstâncias judiciais (CP, art. 59), ou como atenuantes genéricas, na segunda fase, na hipótese de
estarem catalogadas no rol do art. 65 do CP.
6ª) Se houver uma causa de diminuição prevista na Parte Geral e outra na Parte Especial, as
duas têm incidência. Na tentativa de homicídio privilegiado, por exemplo, incidem duas minorantes,
as previstas nos arts. 14, II, e 121, § 1º, ambos do CP.
7ª) Se houver uma causa de aumento prevista na Parte Geral e outra na Especial, as duas
também devem ter incidência. No furto noturno continuado, por exemplo, incidem as duas causas
de aumento, previstas nos arts. 155, § 1º, e 71, ambos do CP.

REINCIDÊNCIA

CONCEITO E PRESSUPOSTO

Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime depois de transitar em julgado
a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior (art. 63 do CP).
Como se vê, o pressuposto da reincidência é a existência de uma sentença penal condenatória
transitada em julgado. Só há reincidência se o novo crime for cometido depois do trânsito em
julgado. Se é cometido no dia do trânsito em julgado da sentença ainda não há reincidência.
Pode ocorrer de o réu ostentar diversas condenações definitivas sem apresentar o estigma da
reincidência. Basta que os delitos, que deram ensejo às condenações, não tenham sido cometidos
depois do trânsito em julgado de uma condenação definitiva.
O trânsito em julgado de uma condenação no estrangeiro, por crime, também é pressuposto
da reincidência.
Se, após o trânsito em julgado de uma condenação por crime, no Brasil ou no estrangeiro, o
agente vier a cometer novo crime, aqui ou no estrangeiro, ou contravenção, no Brasil, caracteriza-se
a reincidência (arts. 63 do CP e 7º da LCP). Igualmente, se após o trânsito em julgado de uma
condenação aqui, por contravenção, o agente vier a cometer nova contravenção. Mas não se
caracteriza a reincidência se, após o trânsito em julgado de uma condenação, no Brasil, por
contravenção, ele vier a cometer, aqui ou no estrangeiro, novo crime. É evidente a falta de lógica
desta última hipótese, que não é contemplada pelo art. 63 do CP nem pelo art. 7º da LCP, sendo
certo que a lacuna não poderá ser suprida pela analogia in malam partem.
O trânsito em julgado de sentença que impõe multa ou sursis também é pressuposto da
reincidência, porque a lei não faz distinção ao tipo de sanção aplicada, contentando-se com a
existência de sentença condenatória definitiva, que abrange inclusive a que impõe medida de
segurança ao semi-imputável.
A sentença concessiva do perdão judicial não funciona como pressuposto da reincidência.
Trata-se de sentença meramente decla-ratória. Ademais, a lei lhe veda expressamente a
reincidência (CP, art. 120).
Finalmente, é absolutória a sentença que impõe medida de segurança ao inimputável (art. 26,
caput); logo não tem o condão de gerar a reincidência. Igualmente, não gera reincidência a

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sentença que homologa a transação penal.

EFEITOS DA REINCIDÊNCIA

A reincidência é a agravante que produz maior número de efeitos desfavoráveis ao réu. Senão,
vejamos:
a) É agravante genérica da pena (art. 61, I, do CP). O fundamento da exasperação da pena é a
maior intensidade de rebelar-se contra a ordem jurídica. Nos crimes culposos, porém, é a
insuficiência da primeira condenação.
b) A reincidência em crime doloso impede a obtenção do sursis, salvo na hipótese do § 1º do
art. 77 do Código.
c) A reincidência em crime doloso aumenta o prazo para obtenção do livramento condicional
(art. 83, II).
d) A reincidência antecedente aumenta o prazo da prescrição da pretensão executória (art.
110, caput) e a subsequente interrompe a prescrição executória (art. 117, VI).
e) A reincidência impede a obtenção do furto privilegiado, da apropriação indébita
privilegiada e do estelionato privilegiado (arts. 155, § 2º, 170 e 171, § 1º).
f) A reincidência impede a transação e a suspensão processual (arts. 76, § 2º, I, e 89 da Lei n.
9.099/95). Outrossim, o acordo de não persecução penal (art. 28-A, §2º, II, do CPP).
g) Imposição de regime fechado ao reincidente que praticar crime de reclusão (art. 33 do CP).
h) A reincidência específica em crimes da Lei n. 8.072/90 impede o livramento condicional em
relação aos crimes hediondos, terrorismo, tortura e tráfico de entorpecentes.
i) A reincidência é causa de revogação da reabilitação, salvo quando a pena for de multa (art.
95 do CP).

CRIMES MILITARES E POLÍTICOS

A reincidência pode ocorrer entre: a) dois crimes dolosos ou dois culposos; b) um crime
doloso e outro culposo e vice-versa; c) dois crimes consumados ou dois tentados; d) um crime
consumado e outro tentado ou vice-versa.
Em regra, como se vê, qualquer crime pode gerar reincidência, salvo os crimes militares
próprios e os crimes políticos (art. 64, II, do CP).
Crimes militares próprios são aqueles previstos exclusivamente no Código Penal Militar (p.
ex.: dormir em serviço). Já os crimes militares impróprios, que são os previstos simultaneamente no
Código Penal Militar e na legislação penal comum, são considerados para efeito de reincidência (p.
ex.: lesão corporal, furto, estupro etc.).
Por outro lado. a Constituição Federal faz alusão aos crimes políticos em duas passagens:
a) art. 109, IV, que fixa. para o seu processo e julgamento, a competência da justiça federal;
b) art. 5º, LII, que proíbe a extradição, em casos de crimes políticos.
A definição dos crimes políticos, porém, não é fornecida pela Constituição Federal nem pelas
leis.
O STF considerava que os crimes políticos eram aqueles definidos na Lei de Segurança
Nacional, que exigia, para a sua caracterização, a motivação político-subversivo.
Com a revogação da Lei 7.170/83, que definia os crimes contra a segurança nacional, é válido
sustentar que os crimes políticos são os praticados com motivação político-subversivo para atentar
contra o Estado Democrático de Direito.
Vê-se assim os crimes políticos não se confundem com os crimes eleitorais.

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Os crimes políticos exigem dois requisitos cumulativos:


a) enquadramento num dos delitos previstos nos arts. 359-I a 359-R do CP, que atentam
contra o Estado Democrático de Direito;
b) motivação político-subversivo, que é o fim de contestar o modelo vigente de Estado
Democrático de Direito.
Os crimes políticos podem ser:
a) puros ou próprios: são os que atentam exclusivamente contra o Estado Democrático de
Direito.É o caso dos crimes de atentado à soberania (art.359-I do CP) e espionagem (art.359-K do
CP);
b) impuros ou impróprios ou relativos: são os que, além de atentar contra o Estado
Democrático de Direito, ainda lesam bem jurídico tutelado pela legislação penal ordinária. É o caso
do delito de atentado à integridade nacional (art.359-J do CP), onde há o emprego de violência ou
grave ameaça.
A lei não faz distinção entre crimes políticos próprios e impróprios, de modo que em ambos
os casos exclui-se a reincidência.
O criminoso político, lembra Jair Leonardo Lopes, “sempre teve tratamento privilegiado
porque, em verdade, somente é criminoso quando vencido; mesmo assim, no curso da História,
costuma transformar-se em mártir”.
Aliás, o criminoso político tem outras regalias: dispensa de trabalho prisional (art. 200 da Lei
n. 7.210/84), asilo político, sendo ainda proibida a sua extradição (CF, art. 5º, LII).
Não pense, porém, seja tão fácil caracterizar o delito como infração política.
Com efeito, o §4º do art. 82 da Lei 13.445/2017 autoriza o Supremo Tribunal Federal a deixar
de considerar crime político o atentado contra chefe de Estado ou quaisquer autoridades, bem
como crime contra a humanidade, crime de guerra, crime de genocídio e terrorismo.
Aliás, como ensina Bento de Faria, deve preponderar o crime comum quando a violação do
interesse privado sobrepuja em gravidade a do delito político. Assim, um latrocínio cometido para
financiar revolução dificilmente será considerado crime político pelo STF.

A DURAÇÃO DA CONDENAÇÃO ANTERIOR PARA EFEITO DE REINCIDÊNCIA

Para efeito de reincidência, dispõe o inciso I do art. 64 do CP que “não prevalece a


condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior
tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da
suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação”.
Como se vê, o Código, a partir da reforma de 1984, adotou o sistema da temporariedade,
cedendo à pressão da doutrina e de outras legislações estrangeiras, de modo que a sentença
condenatória definitiva perde o efeito de gerar a reincidência quando o novo crime é cometido mais
de cinco anos depois do cumprimento da pena (e não do trânsito em julgado) ou da extinção da
punibilidade. Esse prazo é chamado de período depurador ou ainda de prescrição da reincidência.
Todavia, na hipótese de sursis e livramento condicional, o prazo de cinco anos é contado do
início do período de prova, e não da extinção da pena, que só ocorre após o término do período de
prova. Assim, o agente que pratica novo crime no dia seguinte ao cumprimento ou extincão da
pena será reincidente, salvo no livramento condicional ou sursis cujo período de prova tenha
durado mais de cinco anos.

CONCURSO DE CRIMES

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CONCEITO

Dá-se o concurso de crimes quando o agente, mediante uma ou várias condutas, pratica duas
ou mais infrações penais.

O concurso de crimes apresenta-se sob três formas: concurso material (art. 69); concurso formal
(art. 70); e crime continuado (art. 71).

CONCURSO MATERIAL

Ocorre quando o agente, mediante mais de uma conduta, pratica dois ou mais crimes,
idênticos ou não (CP, art. 69, caput).
Urge, para a caracterização do concurso material, a existência de dois requisitos:
a) pluralidade de condutas;
b) pluralidade de crimes.
O concurso material se diz homogêneo quando os crimes são idênticos (p. ex.: dois
homicídios) e heterogêneos quando o agente viola diferentes normas penais (p. ex.: homicídio e
estupro).
Por outro lado, no concurso material, o magistrado deve fixar, separadamente, a pena de cada
um dos delitos. E, depois, na própria sentença, somá-las. A aplicação conjunta viola o princípio da
individualização da pena, anulando a sentença. Urge, assim, que se fixe, separadamente, a pena de
cada crime, somando-as em seguida, porque a prescrição incidirá sobre a pena de cada um,
isoladamente (CP, art. 119). Sendo aplicada pena de reclusão para um delito e de detenção para
outro, executa-se primeiro aquela (art. 69, 2ª parte, do CP).
Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente
as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais (§ 2º do art. 69). Se, porém, para um
dos delitos o juiz negar o sursis, para os demais será incabível a aplicação de penas restritivas de
direitos (§ 1º do art. 69).

CONCURSO FORMAL

Tem lugar quando o agente, mediante uma só conduta, pratica dois ou mais crimes, idênticos
ou não. Se os delitos são idênticos, o concurso formal é homogêneo; se diversos, heterogêneo.
Urge, para a caracterização do concurso formal, a existência de dois requisitos:
a) unidade de conduta;
b) pluralidade de crimes.
O concurso formal pode ser perfeito e imperfeito.
No concurso formal perfeito ou próprio o agente realiza a conduta sem atuar com desígnios
autônomos. Por exemplo: concurso formal entre crimes culposos ou entre um crime doloso e outro
culposo. Nesse caso, adota-se o sistema da exasperação, aplicando-se a pena do crime mais grave,
ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até a metade.
Assim, no atropelamento de que tenha resultado duas mortes culposas, o juiz aplica a pena do
homicídio culposo, aumentada de um sexto até a metade. Se resultou morte e lesão culposas,
aplica-se a pena do homicídio culposo, aumentada de um sexto até a metade.
O critério de aumento é o número de crimes.
Veja a seguinte tabela:

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NÚMERO PERCENTUAL
DE CRIMES DE AUMENTO
2 1/6
3 1/5
4 1/4
5 1/3
6 ou + 1/2

O concurso formal perfeito é uma causa de aumento de pena. É, portanto, aplicado na terceira
fase da aplicação da pena. Não poderá a pena, no concurso formal, exceder a que seria cabível pela
regra do concurso material (parágrafo único do art. 70 do CP). De fato, o concurso formal foi
idealizado para beneficiar o acusado, afastando o malefício do concurso material. Se o prejudica,
deve ser excluído. Quando isso ocorre fala-se que há concurso material benéfico, porque a soma
das penas é mais vantajosa do que o sistema da exasperação. Suponha-se um homicídio doloso
qualificado em concurso formal com lesão culposa. Aplicando-se a pena mais grave, isto é, do
homicídio qualificado, de doze anos, aumentada de um sexto, totaliza-se uma pena de catorze anos.
Somando-se porém as duas penas, isto é, a do homicídio e a da lesão culposa, o resultado será doze
anos e dois meses. Note-se que, no exemplo ministrado, o concurso mate-rial é mais benéfico.
Por outro lado, o concurso formal imperfeito ou impróprio ocorre quando a conduta dolosa e
os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos. Nesse caso, vigora o sistema da
acumulação mate-rial, somando-se as penas de cada um dos delitos.
Desígnio autônomo ou pluralidade de desígnios é a intenção de produzir, com uma só conduta,
mais de um resultado lesivo. Ocorre quando o agente de forma deliberada pretende cometer mais de
um crime. É o caso de estupro cometido com a intenção de satisfazer o instinto sexual e de transmitir
doença venérea. Outrossim, quando o agente coloca uma bomba na casa com a intenção de matar
todos os moradores.

CRIME CONTINUADO

CONCEITO

Caracteriza-se quando o agente, mediante mais de uma conduta, pratica dois ou mais crimes da
mesma espécie, e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes,
devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro (art. 71, caput, do CP).

PRESSUPOSTOS

O reconhecimento do crime continuado depende da coexistência dos seguintes pressupostos:


a) pluralidade de condutas;
b) pluralidade de crimes da mesma espécie;
c) conexão de continuação temporal, espacial, modal e ocasional.

PLURALIDADE DE CONDUTAS

O crime continuado, à semelhança do concurso material, requer uma pluralidade de condutas,

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e não apenas uma pluralidade de atos.

PLURALIDADE E CRIMES DA MESMA ESPÉCIE

Sobre a definição de crimes da mesma espécie, a doutrina se divide em duas correntes. Para a
primeira, são os previstos no mesmo tipo legal, seja em sua forma simples, privilegiada, qualificada,
consumada ou tentada. Para a segunda, são os que, além de ofenderem o mesmo bem jurídico,
apresentam, ainda, em sua substância, caracteres comuns.
Tomando partido nessa contenda filiamo-nos à segunda corrente. A nosso ver a primeira
confunde crimes da mesma espécie com crimes idênticos. Quisesse a lei limitar o crime continuado
às infrações penais previstas no mesmo artigo, a expressão utilizada seria “crimes idênticos”,
conforme se depreende da análise do art. 70 do CP.
Assim, enquanto a primeira corrente repudia o crime continuado entre roubo e extorsão,
furto fraudulento e estelionato, a segunda recebe essas hipóteses de braços abertos.

CONEXÃO TEMPORAL

Não pode haver um hiato muito grande entre um delito e outro. Entre um e outro crime,
conforme jurisprudência dominante, não pode decorrer mais do que trinta dias.

CONEXÃO ESPACIAL

A circunstância de lugar entre um e outro delito também deve ser semelhante. Os delitos
devem ser cometidos na mesma cidade ou em cidades vizinhas, isto é, bem próximas.

CONEXÃO MODAL

O modus operandi utilizado pelo agente na prática dos delitos deve ser semelhante. O furto
fraudulento, por exemplo, não guarda nexo de continuidade com um furto mediante arrombamento
ou escalada.
Também não se pode chegar ao exagero de alguns julgados no sentido de excluir o crime
continuado simplesmente porque o agente trocou de comparsa na prática do furto subsequente.

CONEXÃO OCASIONAL

O agente, na prática do crime posterior, deve aproveitar-se da mesma ocasião ou da mesma


situação propícia nascida com o crime anterior. Por exemplo, o ladrão, após efetuar o primeiro furto,
percebe que os moradores da casa ao lado estão viajando e resolve furtá-la também.

ESPÉCIES DE CRIME CONTINUADO

Perante o Código Penal, denota-se a existência de três espécies de crimes continuados: o


simples, o qualificado e o específico.
No crime continuado simples, as penas dos diversos delitos são idênticas (p. ex.: três furtos
simples). Nesse caso, o juiz aplica a pena de um só, aumentando-a de um sexto a dois terços. O

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critério de aumento é o número de crimes.


Eis a tabela:

NÚMERO
DE CRIMES AUMENTO
2 1/6
3 1/5
4 1/4
5 1/3
6 1/2
7 ou + 2/3
No crime continuado qualificado, as penas são diversas (ex.: dois furtos simples e um
qualificado). O juiz aplica a pena do crime mais grave, aumentando-a de um sexto a dois terços,
conforme o número de crimes.
Por outro lado, dá-se o crime continuado específico nos crimes dolosos contra vítimas
diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa (parágrafo único do art. 71 do CP).
Nesse caso, o juiz aplica a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas,
aumentando-a até o triplo. A lei não fornece o percentual mínimo do aumento, mas a doutrina
entende que é de um sexto até o triplo.
Nesse crime continuado específico, introduzido pela Reforma Penal de 1984, o critério de
aumento da pena não se limita só ao número de crimes, mas também à culpabilidade, aos
antecedentes, à conduta social e à personalidade do agente, bem como ao motivos e às demais
circunstâncias do crime.
Admite-se, como se vê, o crime continuado contra bens jurídicos personalíssimos (p. ex.: entre
homicídios), porque a lei faz expressa alusão aos crimes dolosos cometidos com violência ou grave
ameaça à pessoa, encontrando-se superada a Súmula 605 do STF, que proibia a continuidade
delitiva nos crimes contra a vida. Também é possível o crime continuado contra vítimas diferentes.
Finalmente, nos crimes dolosos contra a mesma vítima, praticados em continuidade
delitiva, mediante violência ou grave ameaça, não se pode aplicar, sob pena de analogia in
malam partem, o parágrafo único do art. 71 do CP, prevalecendo a incidência do caput do art. 71,
incidindo a pena do delito mais grave, com aumento de um sexto a dois terços.

MULTAS NO CONCURSO DE CRIMES

Dispõe o art. 72 do CP que, “no concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e
integralmente”.
Consagrou-se, nesse dispositivo, o sistema da acumulação material, de tal sorte que as penas
pecuniárias são aplicadas, isoladamente, a cada delito. Se, por exemplo, o agente comete quatro
furtos simples em concurso formal, o juiz, após aplicar a pena de reclusão de um só dos delitos,
aumentando-a em um quarto, consoante tabela citada, passa a aplicar a pena de multa, que no
furto é cominada cumulativamente. Para cada delito o juiz fixa, por exemplo, dez dias-multa,
totalizando quarenta dias-multa. Se fosse aplicado o sistema da exasperação, o juiz fixaria a pena de
multa de um só dos crimes, em dez dias, aumentando-a em um quarto, o que totalizaria doze dias-
multa.
No tocante ao crime continuado, paira controvérsia se a pena de multa deve também reger-se
pela regra do art. 72 do CP. A doutrina majoritária perfilha o entendimento de que a aplicação

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cumulativa da pena de multa estende-se a todas as modalidades de concurso de crimes, inclusive ao


crime continuado, afastando, assim, o sistema da exasperação, consagrado no art. 71. Suponha-se
que o agente cometa dez estelionatos continuados. Para cada um dos crimes, o juiz, além da pena
de reclusão, no caso exasperada de dois terços, aplica no mínimo dez dias-multa, totalizando-se,
então, cem dias-multa. Adotada, porém, a regra do art. 71, a pena de multa seria uma só, por
exemplo, dez dias, aumentada de dois terços, o que totalizaria apenas dezesseis dias-multa.
Malgrado a firmeza da doutrina, insistindo na soma das penas pe-cuniárias, a jurisprudência
dominante, partindo do pressuposto de que o crime continuado é um só para efeito de aplicação de
pena, tem estendido a regra do art. 71 do CP à pena de multa.

LIMITE DAS PENAS

Com o advento da Lei 13.964/2019, o tempo máximo de cumprimento da pena, que era de 30
(trinta) anos, passou a ser de 40 (quarenta) anos.
A propósito, dispõe o art. 75 do CP:
“O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40
(quarenta) anos”.
O §1º do art. 75 acrescenta que:
“Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 40
(quarenta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo”.
Trata-se de “novatio legis in pejus”, aplicável apenas aos crimes ocorridos a partir de sua
vigência, sendo, pois, irretroativa.
O art. 10 da LCP, por sua vez, também determina que, nas contravenções penais, “a duração da
pena de prisão simples não pode, em caso algum, ser superior a 5 (cinco) anos”.
Estes dois dispositivos legais, inspirados na proibição constitucional da pena de prisão
perpétua, traçam limites à duração da pena privativa de liberdade.
Admite-se, porém, condenação superior a 40 (quarenta) anos de prisão. Nesse caso, o juízo da
execução unifica as penas no limite máximo de 40 (quarenta) anos. Essa unificação, conforme se
depreende do art. 75, é só para o efeito de cumprimento da pena, não se aplicando a livramento
condicional, remição, progressão de regimes, ou a outras finalidades. Sobre o assunto, dispõe a
Súmula 715 do STF: “A pena unificada para atender ao limite de 30 (trinta) anos de cumprimento,
determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros
benefícios, como o livramento condicional ou o regime mais favorável de execução”. Onde se consta
30 (trinta) anos, na súmula 715, deve ser lido 40 (quarenta) anos, por força da lei 13.964/2019.
Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova
unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido (§ 2º do art. 75 do CP).
Assim, vindo o agente a praticar outro crime durante o cumprimento da pena, far-se-á nova
unificação, somando-se o restante da pena com a nova condenação, respeitando, também, nessa
segunda unificação, o limite máximo de 40 (quarenta) anos. O sentenciado que, ao delinquir no
cárcere, tivesse ainda dez anos de reclusão a cumprir, a partir do novo crime, pelo qual, por
exemplo, foi condenado a trinta e cinco anos de reclusão, teria de cumprir mais 40 (quarenta) de
reclusão.
Imagine, porém, que, registrando trezentos anos de prisão, unificada na execução para o
limite de 40 (quarenta) anos, ele viesse, dentro do presídio, após cumprir 25 (vinte e cinco) anos, a
cometer um pequeno delito, sendo condenado a seis meses de reclusão. Nesse caso, far-se-á nova
unificação entre o restante da pena unificada, isto é, 15 (quinze) anos, e a nova condenação de 6
(seis) meses. Não me parece que a unificação deva ser feita pelo restante do total da pena, ou seja,

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275 (duzentos e setenta e cinco) anos, porque a expressão “far-se-á nova unificação”, prevista no §
2º do art. 75 do CP, deve ser interpretada no sentido de nova unificação da pena subsequente com
o restante da pena anteriormente unificada.
Sobre o momento da consideração da pena para o fim de unificação, não se pode olvidar a
norma consagrada no art. 4º do CP, consagrando a teoria da atividade, que considera praticado o
delito no momento da conduta. Sendo assim, toma-se o restante da pena ao tempo da conduta
criminosa, adicionando-se a ela a nova condenação, respeitando-se o limite máximo de 40 (quarenta)
anos, deduzindo-se ainda o tempo de pena cumprido após a prática do novo crime.
Miremos no exemplo de um condenado a 40 (quarenta) anos, que praticou novo delito quando
já havia cumprido 26 (vinte e seis) anos de pena, restando-lhe, portanto, ao tempo da conduta
delituosa, 14 (quatorze) anos. Ele é condenado, pelo novo crime, a 38 (trinta e oito) anos de reclusão.
Por consequência, terá que cumprir os 14 (quatorze) anos restantes da pena anterior mais 26 (vinte e
seis) anos da nova pena, totalizando 40 (quarenta) anos. Se por ocasião desta nova condenação,
em razão da demora do processo, restasse apenas 3 (três) anos da pena anterior, ele teria que
cumprir estes (três) anos da pena anterior mais 26 (vinte e seis) anos da nova pena, pois a
unificação deve ser tomar por base a pena restante ao tempo do crime, que no caso correspondia
a 14 (quatorze) anos.
Por fim, o condenado a 40 (quarenta) anos de reclusão que, nos primeiros dias de seu
ingresso no presídio, vier a cometer um homicídio, matando, por exemplo, o carcereiro,
permanecerá praticamente impune desse novo delito.

SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA

No Código Penal, sursis é a suspensão condicional da execução da pena privativa de liberdade,


ficando o condenado, durante o período da suspensão, sujeito à observação e ao cumprimento das
condições legais e judiciais.
Ocorrendo a revogação do sursis, o réu deverá cumprir integralmente a pena que estava
suspensa. Se, porém, expira-se o prazo do período de prova, sem que haja revogação, considerar-se-
á extinta a pena privativa de liberdade (CP, art. 82).
O nosso Código prevê duas espécies de sursis: o simples e o especial.
No sursis simples, o condenado, no primeiro ano do período de prova, presta serviços à
comunidade ou submete-se à limitação de fim de semana (§ 1º do art. 78). A escolha por uma outra
medida cabe ao juiz. Aplica-se esse sursis quando o réu deixa, sem motivo, de reparar o dano ou
quando as circunstâncias do art. 59 lhe forem desfavoráveis.
No sursis especial, o réu não presta serviços à comunidade nem se submete à limitação de fim
de semana. Em contrapartida, sujeita-se às condições do § 2º do art. 78. Ingressa nesse sursis o réu
que houver reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, desde ainda que as circunstâncias do
art. 59 lhe sejam inteiramente favoráveis.
A sentença ou acórdão que aplica pena privativa de liberdade igual ou inferior a dois anos
deve pronunciar-se, motivadamente, sobre a suspensão condicional, quer a conceda, quer a
denegue (art. 157 da LEP). Portanto, o sursis é analisado na sentença ou acórdão. Trata-se de
matéria a ser decidida no processo de conhecimento. Se a pena aplicada é igual ou inferior a dois
anos, a sentença deve pronunciar-se sobre o sursis, independentemente de pedido das partes,
ainda que para negá-lo. A omissão deve ser suprida por embargos declaratórios. E se a parte perder
o prazo dos embargos, resta-lhe ainda a apelação, sendo que, nesse caso, por economia processual,
os tribunais, em vez de anular a sentença, têm- -se pronunciado sobre o sursis.
Para obter o sursis, o acusado deve atender a certos requisitos de ordem objetiva e subjetiva.

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Os requisitos objetivos, isto é, os pertinentes à qualidade da pena, são os seguintes:


a) A pena deve ser privativa de liberdade (reclusão, detenção e prisão simples). Vê-se assim
que o sursis não se estende às penas restritivas de direitos nem à multa (art. 80). O STJ,
acertadamente, já decidiu pela concessão de sursis em crimes hediondos, porquanto o benefício
não é vedado pela Lei n. 8.072/90.
b) A pena concreta, isto é, fixada na sentença, deve ser igual ou inferior a dois anos. Todavia,
tratando-se de condenado maior de setenta anos de idade, ou com problemas de saúde, a pena
pode ser igual ou inferior a quatro anos (§ 2º do art. 77, com nova redação dada pela Lei n. 9.714,
de 25-11-1998). Tal idade é apurada ao tempo da sentença ou acórdão, por analogia com os arts.
65, I, e 115 do CP. Quanto ao sursis humanitário, previsto para o condenado em que as razões de
saúde justifiquem a sua concessão, o legislador não exige que a doença seja contagiosa. Basta,
portanto, que se trate de uma doença grave, cuja cura seja incompatível com a permanência do
condenado no presídio. Nos crimes contra o meio ambiente, o sursis pode ser concedido às
condenações de até três anos (art. 16 da Lei n. 9.605/98).
c) Que não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 do CP (art. 77, III).
Percebe-se que o juiz deve analisar a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade
por restritiva de direitos, concedendo o sursis somente na hipótese de não ser indicada ou cabível a
substituição. Na prática, porém, o sursis especial mostra-se mais vantajoso que a pena restritiva de
direitos.
Por outro lado, os requisitos subjetivos são os que dizem respeito aos antecedentes e às
qualidades pessoais do acusado. São os seguintes:
a) O réu não pode ser reincidente em crime doloso. Verifica-se tal reincidência quando, após o
trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória por crime doloso, o réu vem a cometer
outro crime doloso. Se o crime anterior é doloso e o posterior culposo, ou vice-versa, ou, então,
quando os dois delitos são culposos, admite-se, em princípio, a concessão do sursis. O § 1º do art.
77 prevê que a condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício. Trata-se
de exceção à regra de que o reincidente em crime doloso não pode obter o sursis. Aliás, o
dispositivo em apreço, introduzido na reforma penal de 1984, apenas repetiu os dizeres da Súmula
499 do STF.
b) Que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e perso-nalidade do agente, bem
como os motivos e as circunstâncias do crime, autorizem a concessão do benefício (art. 77, II).

Período de prova é o lapso de tempo fixado na sentença concessiva do sursis, dentro do qual o
condenado deverá revelar bom comportamento e cumprir as condições que lhe foram impostas.
Esse período tem quantidade fixa. No caso de crime, a pena é suspensa, por dois a quatro
anos (art. 77 do CP); no caso de contravenção, por um a três anos (art. 11 da LCP). Tratando-se,
porém, de sursis etário, o período de prova é de quatro a seis anos. Note-se que se o réu for maior
de 70 anos, mas a condenação for igual ou inferior a dois anos, o período de prova é o comum, isto
é, de dois a quatro anos, para crime, e de um a três anos, para contravenção. O longo período,
quatro a seis anos, só se justifica quando o acusado maior de 70 anos for condenado a pena que
seja superior a dois e não exceda a quatro anos de prisão. A mesma explicação é válida para o sursis
concedido ao condenado que apresenta problemas de saúde.
Deve ser fundamentada a decisão que fixa o período de prova acima do mínimo. Inicia-se o
período de prova com a audiência admonitória ou de advertência, realizada pelo juiz, após o
trânsito em julgado da sentença condenatória.
Revogado o sursis, o réu terá de cumprir, por inteiro, a pena privativa de liberdade que estava
suspensa.

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A revogação pode ser: obrigatória e facultativa. Em ambas, o juiz antes de revogar o benefício
deve ouvir o condenado, garantindo-lhe assim a ampla defesa.
Vejamos as hipóteses de revogação obrigatória (art. 81).
Com efeito, dá-se a revogação obrigatória se, no curso do prazo, o beneficiário:
a) É condenado, em sentença irrecorrível, por crime doloso. O sursis é revogado quer o crime
doloso tenha sido cometido antes, quer durante o período de prova.
b) Frustra, embora solvente, a execução da pena de multa. A hipótese compreende os casos
em que a pena privativa de liberdade, que ocasionou o sursis, tenha sido aplicada cumulativamente
com a pena de multa. Observe-se, porém, que o não pagamento da multa, por si só, não é causa de
revogação do sursis. É preciso que o réu frustre a execução da pena de multa, isto é, realize
manobras fraudulentas para alienar, ocultar, destruir ou desviar bens suscetíveis de penhora.
c) Não efetua, sem motivo justificado, a reparação do dano. Vimos que a injustificada falta de
reparação do dano impede o sursis especial, submetendo o acusado ao rigoroso sursis simples. E, se
depois de obtido o sursis, ele permanecer inadimplente, sem motivo justo, impõe a lei a revogação
do benefício.
d) Descumpre a condição do § 1º do art. 78 do CP. Ocorre quando o réu deixa de prestar
serviços à comunidade ou de submeter-se à limitação de fim de semana.
Vejamos agora as hipóteses de revogação facultativa. Com efeito, o sursis pode ser revogado
quando, no curso do período de prova, o beneficiário:
a) Descumpre qualquer outra condição imposta. As condições, aqui aludidas, são as do § 2º do
art. 78 do CP e as judiciais, porque o descumprimento das condições do § 1º do art. 78 gera
revogação obrigatória.
b) É irrecorrivelmente condenado, por crime culposo ou contravenção, a pena privativa de
liberdade ou restritiva de direitos. A condenação a pena de multa, como se vê, não é sequer causa
de revogação facultativa. Todavia a condenação a pena privativa de liberdade, por crime culposo ou
contravenção, só admitirá a manutenção do sursis se o juiz tiver fixado o regime aberto ou
concedido outro sursis. Imposto o regime semiaberto, o réu deve recolher-se a colônia agrícola ou
industrial, de modo que se torna incompatível a manutenção do sursis.
Verifica-se a prorrogação quando a duração do sursis ultrapassa o prazo do período de prova
fixado na sentença.
O nosso Código prevê duas causas de prorrogação.
A primeira ocorre quando o beneficiário está sendo processado por outro crime ou
contravenção (§ 2º do art. 81). Urge, porém, para que se opere a prorrogação, o recebimento da
denúncia ou queixa; não basta a simples prática do crime ou contravenção. Desde que ocorra o
recebimento da denúncia ou queixa, a prorrogação, para uma primeira corrente, é automática,
independe de despacho judicial, mas prevalece que a prorrogação só se opera com decisão do juízo
da execução penal, ou seja, não é automática (Súmula 617 do STJ). O processo pode referir-se a
crime ou contravenção cometido antes ou durante o período de prova ou até antes do delito em
que se concedeu o sursis. Observe-se ainda que o período de prova é prorrogado até o julgamento
definitivo, isto é, até o trânsito em julgado. Todavia, esgotado o período de prova normal não
perduram as condições fixadas na sentença, sendo certo que entendimento diverso violaria o
princípio da presunção da inocência. Na verdade, a prorrogação serve apenas para protelar a
decisão de extinção do sursis, diante do risco da revogação. Transitada em julgado a sentença, se o
réu for absolvido, o juiz prolata decisão extinguindo a pena, e se for condenado a crime culposo, ou
contravenção, a revogação do sursis é facultativa.
A segunda causa de prorrogação ocorre quando se verifica uma das hipóteses de revogação
facultativa (§ 3º do art. 81). Nesse caso, porém, a prorrogação não é automática; exige-se decisão

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do juiz (§ 3º do art. 81). Com efeito, se a revogação é facultativa, o juiz, se quiser, não revoga nem
prorroga o sursis. Alguns autores, todavia, apregoam a obrigatoriedade da prorrogação quando o
juiz não decreta a revogação. Não há nada que autorize essa exegese gravosa ao réu, que geraria
situações extremamente injustas. Finalmente, a prorrogação perdura até o máximo do período de
prova, se este não foi fixado.

SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO

É cabível quando o mínimo da pena privativa de liberdade, abstratamente cominada ao


delito, for igual ou inferior a um ano. Na hipótese de tentativa ou outra causa de diminuição de
pena, toma-se a pena abstrata mínima e se reduz ao máximo, obtendo-se assim a pena mínima.
Uma tentativa de furto qualificado (§ 4º do art. 155 do CP), por exemplo, cuja pena mínima é de
dois anos, mas que, reduzida no máximo de dois terços pela tentativa, totaliza oito meses, admite
a suspensão condicional do processo. Ao revés, quando houver causa de aumento de pena, toma-
se a pena mínima e se aumenta no mínimo, verificando se excede ou não a um ano. Na hipótese
de concurso de infrações penais, dispõe a Súmula 243 do STJ: “O benefício da suspensão do
processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material,
concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo so-matório,
seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um ano”. A propósito, ainda dispõe a
Súmula 723 do STF: “Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado se
a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento de um sexto for superior a um
ano”.
Além disso, para se obter o benefício o réu:
a) não pode estar sendo processado por outro crime;
b) não pode registrar condenação;
c) as circunstâncias do art. 59 do CP lhe devem ser favoráveis.
Conquanto previsto na Lei n. 9.099/95, o sursis processual é norma genérica, aplicável, por
isso, a todo o direito penal, inclusive aos delitos que apresentam procedimento especial, à exceção
dos militares, uma vez que a Lei n. 9.839/99 proibiu a esses crimes a aplicação das disposições
previstas na Lei n. 9.099/95.
O Ministério Público oferece a denúncia e, se entender cabível, propõe a suspensão do
processo. O juiz, se considerar que não é caso de arquivamento do inquérito, após receber a
denúncia, suspende o processo, submetendo o acusado a um período de prova. Dessa decisão que
suspende o processo é cabível o recurso de apelação (CPP, art. 593, II). É claro que, se o réu e o seu
defensor não aceitarem a proposta, o sursis não pode ser acolhido. Da decisão que denega o sursis
é cabível habeas corpus. Durante o período de prova, cujo prazo é idêntico ao do sursis do Código
Penal, o réu deve cumprir as condições legais do art. 89, § 1º, I a IV, da Lei n. 9.099/95 e outras que
o juiz eventualmente fixar.
Expirado o período de prova sem que tenha havido revogação, o juiz declarará extinta a
punibilidade (§ 5º do art. 89 da Lei n. 9.099/95). Dessa decisão é cabível o recurso em sentido
restrito (CPP, art. 581, IX).
Se, porém, ocorrer a revogação, o único efeito é o prosseguimento do processo. Note-se
que durante o período de prova a prescrição permanece suspensa (§ 6º do art. 89 da Lei n.
9.099/95).
Em dois casos revoga-se obrigatoriamente a suspensão do processo. O primeiro deles ocorre
quando o réu vier a ser processado por outro crime. A nosso ver, há violação do princípio da
presunção da inocência. A hipótese deveria figurar como causa de prorrogação. A segunda tem

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lugar quando o réu não efetuar, sem motivo justo, a reparação do dano.
Por outro lado, revoga-se facultativamente o benefício, isto é, a critério do juiz, quando o réu
vier a ser processado por contravenção ou descumprir qualquer das condições que lhe tenham sido
impostas.
Por outro lado, apresenta-se nítida a diferença entre o sursis do Código Penal e o processual.
No primeiro, o juiz condena o réu, suspendendo a execução da pena privativa de liberdade imposta
na sentença. No segundo, o juiz, após receber a denúncia, ou então no curso do processo, mas
sempre a pedido do promotor, suspende o prosseguimento da ação penal. No primeiro, o efeito da
revogação é o cumprimento integral da pena; no segundo, a revogação acarreta apenas o
prosseguimento da ação penal.

LIVRAMENTO CONDICIONAL

CONCEITO

Livramento condicional é a liberdade antecipada, mediante certas condições, conferida ao


condenado que cumpriu uma parte da pena que lhe foi imposta.
Enquanto no sursis o condenado não chega a iniciar o cumprimento da pena privativa de
liberdade, no livramento ele só conquista a liberdade no curso da execução, após cumprir uma
parcela da pena que lhe foi imposta. Sobremais, no sursis o período de prova é fixado entre dois e
quatro anos, ao passo que, no livramento, perdura pelo restante da pena. O sursis, em regra, é
concedido na sentença e o recurso cabível é a apelação; o livramento é concedido pelo juízo da
execução, cabendo de sua decisão o recurso de agravo de execução.

REQUISITOS

A concessão do livramento depende do preenchimento de uma série de requisitos objetivos e


subjetivos. Os primeiros dizem respeito à pena imposta e à reparação do dano. Os segundos
relacionam-se com o lado pessoal do condenado.
São quatro os requisitos objetivos.
O primeiro é que a pena deve ser privativa de liberdade (reclusão, detenção e prisão simples).
O segundo é que a pena concreta deve ser igual ou superior a dois anos de prisão, ainda quando
se trate de contravenção penal. As penas que correspondem a infrações diversas, ainda que impostas
em processos distintos, devem somar-se para efeito da concessão do livramento (art. 84 do CP).
Assim, o réu condenado a um ano de reclusão não pode obter o livramento. Se, porém, for
novamente condenado, noutro processo, a outra pena igual ou superior a um ano, já poderá obter o
benefício, porque a soma das penas atinge dois anos. Se a pena for igual a dois anos, é cabível
também o sursis, mas se este for negado, o condenado poderá, a posteriori, pleitear o livramento
condicional. Percebe-se que se a pena for inferior a dois anos, a lei fecha as portas para o livramento
condicional. Essa situação mostra-se injusta para o reincidente em crime doloso, porque ele também
não tem direito ao sursis, reinando assim a seguinte ilógica: o reincidente em crime doloso,
condenado a pena igual ou superior a dois anos, não terá direito ao sursis, mas poderá obter o
livramento condicional; se, porém, for condenado a pena inferior a dois anos, não terá direito ao
sursis nem ao livramento. Diante dessa falta de lógica, entendemos que o reincidente em crime
doloso, ainda que condenado a pena inferior a dois anos, também poderá obter o livramento
condicional.
O terceiro requisito objetivo é que haja o cumprimento de mais da metade da pena se o

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condenado for reincidente em crime doloso (livramento condicional ordinário); e de um terço se não
for reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes (livramento condicional especial). Note-se
que o não reincidente em crime doloso, mas que é portador de maus antecedentes, a nosso ver, deve
cumprir somente um terço da pena, pois o cumprimento da metade só é exigível para o reincidente
em crime doloso. Diante da omissão da lei, a dúvida deve ser resolvida em favor do condenado.
Mirabete, porém, prefere a exegese mais severa, considerando a hipótese implícita no inciso II do art.
83 do CP, exigindo o cumprimento de mais da metade da pena. Se, por exemplo, quando da prática do
primeiro delito o réu era primário e foi condenado a três anos e depois pratica novo delito na
qualidade de reincidente em crime doloso e é condenado a quatro anos, de modo que ambas as
penas somam sete anos, para o fim de cálculo do tempo do livramento condicional, tendo em vista a
teoria da atividade, que considera o tempo do crime como sendo o momento da conduta, terá que
cumprir um terço da primeira pena e metade da segunda, totalizando quatro anos. Portanto, as
penas, conquanto somadas, são analisadas separadamente, consoante a situação do condenado ao
tempo do crime.
Exige-se o cumprimento de mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime
hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, tráfico de pessoas e
terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza (livramento
condicional qualificado), conforme art. 83, V, do CP, com nova redação dada pela Lei 13.344/2016, que
acrescentou a este rol o tráfico de pessoas. O dispositivo em apreço trouxe à tona a antiga distinção
entre reincidente genérico e específico. O reincidente específico em crimes dessa natureza está
proibido de obter o livramento condicional. Quem não é reincidente específico, para obter o
livramento condicional, precisa cumprir mais de dois terços da pena. Sobre o exato significado da
expressão “reincidente em crimes dessa natureza”, duas correntes se desenvolveram. Uma, defendida
por Scarance Fernandes, compreende nos aludidos termos todos os crimes mencionados na Lei n.
8.072/90, quais sejam, os crimes hediondos, a prática de tortura, o tráfico de entorpecentes, tráfico de
pessoas e o terrorismo. Outra, sustentada por Alberto Silva Franco, reduz o alcance da expressão, que
deve abranger apenas os crimes idênticos ou os que apresentam certas características comuns, como,
por exemplo, o furto fraudulento e o estelionato. Filio-me a este segundo ponto de vista.
Referentemente ao crime de tráfico de entorpecentes, o livramento condicional só não é cabível se o
agente for reincidente específico nesse crime (art. 44, parágrafo único, da Lei 11.343/2.006). Os crimes
hediondos e equiparados, com resultado morte, ainda que o condenado seja primário, não admite
livramento condicional (art. 112, VI, “a” e VIII, da LEP).
O último requisito objetivo é a reparação do dano causado pela infração, salvo efetiva
impossibilidade de fazê-lo. A falta de reparação do dano, a nosso ver, só é óbice para a concessão do
livramento quando o réu solvente tiver sido notificado judicialmente para o pagamento de um título
líquido, certo e exigível. Antes disso, não há mora. Se a própria vítima não o notifica, através da via
judicial, para ressarcir-se do dano sofrido, não é justo sonegar-lhe o benefício do livramento. Na
prática, porém, a maioria dos condenados são insolventes e, por isso, não reparam o dano. E a vítima,
para evitar o constrangedor contato com o seu algoz, também não o procura para fazer valer o seu
direito à indenização. E assim o requisito da reparação do dano acaba sendo “letra morta”.
Por outro lado, para obter o livramento condicional, urge ainda o preenchimento de mais quatro
requisitos subjetivos.
O primeiro é o bom comportamento durante a execução da pena. Antes da Lei 13.964/2019, não
se exigia bom comportamento, mas, sim, o comportamento carcerário satisfatório. A ausência de falta
disciplinar, por si só, não preenche esse requisito. A boa conduta carcerária deve ser comprovada
pelo diretor do estabelecimento penal (§ 1º do art. 112 da LEP).
O segundo requisito, introduzido pela Lei 13.964/2019, é o não cometimento de falta grave nos

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últimos 12 (doze) meses. O mero cometimento da falta grave, segundo o texto da lei, é fator inibitório
do livramento condicional, sendo flagrante a violação do princípio da presunção da inocência. Se,
entretanto, sobrevier a absolvição em processo administrativo o obstáculo desaparecerá. Convém
esclarecer que a prática de falta grave não interrompe o prazo para se obter o livramento condicional
(súmula 441 do STJ). Mas, após a falta grave, para se obter o livramento condicional, é preciso revelar
bom comportamento carcerário. A ausência de falta grave nos últimos 12 (doze) meses como
requisito à obtenção do livramento condicional (art. 83, III, "b" do CP) aplica-se apenas às infrações
penais praticadas a partir de 23/01/2020, quando entrou em vigor a Lei 13.964/2019 (Enunciado 4 da I
Jornada de Direito e Processo Penal do CEJ/CJF). É prescindível a decisão final sobre a prática de falta
grave para obstar o livramento condicional com base no art. 83, III, "b" do CP (Enunciado 5 da I
Jornada de Direito e Processo Penal do CEJ/CJF).
O terceiro é a aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto. A lei fala
em aptidão, isto é, capacidade para arrumar trabalho honesto. Não é exigida a proposta de emprego,
mesmo porque isso não depende apenas do condenado. Na prática, porém, costuma-se fazer tal
exigência, embora descabida.
O quarto é a constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará
a delinquir. Esse requisito só é exigido para os crimes dolosos, cometidos com violência ou grave
ameaça à pessoa (por exemplo: roubo, homicídio, estupro com violência real, etc.), dispensando-o em
relação aos demais crimes. O objetivo da lei é denegar o benefício aos condenados que apresentam
periculosidade, isto é, personalidade voltada para o crime. Havendo um prognóstico de que o réu
voltará a delinquir, o livramento deve ser negado. Na análise desse requisito costuma-se determinar,
acertadamente, a realização de perícia psiquiátrica. Embora a lei não exija exame criminológico, é de
bom alvitre a sua realização, pois assim o juiz encontrará melhores subsídios para a apreciação do
fato. A propósito, dispõe a súmula 439 do STJ: “Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades
do caso, desde que em decisão motivada”.

PERÍODO DE PROVA E CONDIÇÕES

No livramento condicional, o período de prova é integrado pelo restante da pena. É nesse


lapso de tempo que o liberado se submete às condições legais e judiciais. O período de prova tem
início com a audiência admonitória, também chamada de cerimônia de concessão, realizada no
estabelecimento onde está sendo cumprida a pena (art. 137 da LEP).
São condições legais, isto é, obrigatórias:
a) Obter ocupação lícita, dentro de prazo razoável, se for apto para o trabalho.
b) Comunicar periodicamente ao juiz sua ocupação. É o juiz quem fixa o intervalo dessa
comunicação, que, na prática, costuma ser mensal.
c) Não mudar do território da comarca do juízo da execução sem prévia autorização deste.
Note-se que a lei não fala em mudança da residência, e, sim, da comarca.
Além dessas condições obrigatórias, previstas no § 1º do art. 132 da LEP, o juiz pode fixar as
seguintes condições judiciais (§ 2º do art. 132 da LEP):
a) não mudar de residência sem comunicação ao juiz e à autoridade incumbida da observação
cautelar e de proteção;
b) recolher-se à habitação em hora fixada;
c) não frequentar determinados lugares.
Ainda é possível outras condições judiciais adequadas ao fato e à situação pessoal do liberado.
Se o livramento é concedido pelo tribunal, em grau de recurso, as condições, a critério do tribunal,
podem ser fixadas pelo juízo da execução, aplicando-se, por analogia, o disposto no § 2º do art. 159

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da Lei de Execução Penal. Nada obsta que o juiz da execução altere de ofício as condições, ouvindo
o condenado (art.144 da LEP).

REVOGAÇÃO OBRIGATÓRIA DO LIVRAMENTO (ART. 86)

São duas as causas de revogação obrigatória do livramento condicional.


A primeira ocorre quando o liberado vem a ser condenado a pena privativa de liberdade, em
sentença irrecorrível, por crime cometido durante a vigência do benefício. Nesse caso, a revogação
produz três efeitos:
a) Não se computa na pena o tempo em que esteve solto.
b) Não se concederá, em relação à mesma pena, novo livramento (arts. 88 do CP e 142 da
LEP). Nada obsta que ele obtenha o livramento condicional em relação a segunda pena, desde que
cumpra integralmente o restante da primeira, pois no que respeita a esta lhe é vedado novo
livramento.
c) O restante da pena cominada ao crime, em sendo o livramento revogado, não pode somar-
se à nova pena para efeito da concessão de novo livramento. Suponha-se que, na primeira
condenação, a pena tenha sido fixada em seis anos. Após cumprir um terço, isto é, dois anos, ele
vem a obter o livramento com um período de prova de quatro anos. Durante esse período ele
comete novo delito, pelo qual acaba definitivamente condenado a seis meses de reclusão. O
livramento condicional é então revogado. Ele terá de cumprir quatro anos de reclusão (restante da
pena anterior) e mais seis meses da nova condenação. No tocante à primeira condenação, não
poderá obter novo livramento. E, no exemplo ministrado, o benefício não poderá ser concedido
nem em relação ao delito subsequente, pois a condenação inferior a dois anos não admite o
livramento condicional, sendo ainda vedada a soma do tempo das duas penas para a concessão de
novo livramento.
A segunda causa de revogação obrigatória ocorre se o liberado vem a ser condenado a pena
privativa de liberdade, em sentença irrecorrível, por crime anterior. Vê-se assim que a condenação
irrecorrível pela prática de crime anterior ao início do período de prova também é causa de
revogação obrigatória do livramento. Mas, nesse caso, os efeitos não são tão drásticos. Senão,
vejamos: a) o período de prova é computado como tempo de cumprimento da pena (art. 141 da
LEP); b) é possível a concessão de novo livramento, desde que o condenado tenha cumprido a
metade ou um terço, conforme seja ou não reincidente em crime doloso, da soma do tempo das
duas penas (art. 141 da LEP). Suponha-se, no entanto, que ao obter o livramento ainda lhe
restassem quatro anos de reclusão. Depois de dois anos e dez meses, transita em julgado nova
condenação de um ano de prisão. O livramento é então revogado. Porém, o tempo do período de
prova transcorrido, isto é, dois anos e dez meses, é computado como pena cumprida, restando-lhe,
portanto, apenas dois anos e dois meses — um ano e dois meses da pena anterior e um ano da
nova condenação. As duas penas podem ser somadas, possibilitando novo livramento, após o
cumprimento de mais um terço ou metade, conforme seja ou não reincidente em crime doloso. Se a
lei proibisse a soma das penas, tornar-se-ia inadmissível novo livramento, porque, isoladamente, as
penas são inferiores a dois anos.

REVOGAÇÃO FACULTATIVA (ART. 87)

Nos casos de revogação facultativa, se o juiz optar pela manutenção do livramento


condicional, deverá advertir o liberado ou agravar as condições (parágrafo único do art. 140 da LEP).
São duas as hipóteses de revogação facultativa.

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A primeira ocorre quando o liberado deixa de cumprir qualquer das condições constantes da
sentença. Se o juiz optar pela revogação, os efeitos serão os seguintes: a) não se computa na pena o
tempo em que o condenado esteve solto; b) não se concederá, em relação à mesma pena, novo
livramento.
A segunda ocorre se o liberado for irrecorrivelmente condenado, por crime ou contravenção,
a pena que não seja privativa da liberdade. Denota-se que, enquanto a condenação, por crime, a
pena privativa de liberdade, é causa de revogação obrigatória, a condenação, por crime ou
contravenção, a pena de multa ou restritiva de direitos, dá ensejo à revogação facultativa.
Finalmente, a condenação a pena privativa de liberdade (prisão simples), em razão da prática
de contravenção, não é causa de revogação obrigatória nem facultativa. O cochilo do legislador não
pode ser suprido pela analogia in malam partem. Há quem sustente que o benefício deve ser
revogado pois o condenado será recolhido à prisão, inviabilizando o cumprimento do livramento
condicional.

PRORROGAÇÃO DO PERÍODO DE PROVA E SUSPENSÃO DO LIVRAMENTO CONDICIONAL

Dá-se a prorrogação quando o liberado estiver sendo processado por crime cometido durante
a vigência do livramento. Nesse caso, enquanto não passar em julgado a sentença, o juiz não poderá
declarar extinta a pena, prorrogando-se o período de prova até o trânsito em julgado da sentença.
Trata-se de prorrogação automática, prescindindo-se de despacho judicial, conforme se depreende
da análise do art. 89 do CP. Convém observar que não se opera a prorrogação na hipótese de o réu
estar sendo processado por contravenção penal, pois não se pode fazer analogia in malam partem.

EFEITOS DA CONDENAÇÃO

CONCEITO DE CONDENAÇÃO

Condenação é o ato do juiz que, na sentença, aplica sanção ao acusado de uma infração
penal.
A sentença que impõe medida de segurança ao inimputável do art. 26, caput, do CP tem
natureza absolutória, conforme se depreende da análise do parágrafo único do art. 386 do CPP. Trata-
se de absolvição imprópria, porque o juiz aplica ao réu uma sanção penal (medida de segurança).

EFEITOS PRINCIPAIS

Os efeitos principais são os mais importantes, os que se coadunam com a finalidade da


pretensão punitiva. Esses efeitos são a imposição das penas privativas de liberdade, restritivas de
direitos, pecuniárias e medida de segurança (ao semi-imputável).

EFEITOS PENAIS SECUNDÁRIOS

Ainda no âmbito penal, a existência de condenação produz inúmeros efeitos secundários,


dentre os quais merecem destaque:
a) as consequências advindas da reincidência;
b) revogação do sursis e livramento condicional;
c) a caracterização dos maus antecedentes.

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EFEITOS EXTRAPENAIS DA CONDENAÇÃO

Os efeitos da condenação criminal extrapolam os limites jurídico-penais para adentrar nas


fronteiras pertencentes ao direito civil, direito comercial, direito trabalhista, direito administrativo
etc.
Limitar-nos-emos, para não alongarmos em demasia, à análise dos efeitos extrapenais
previstos no Código Penal. Esses efeitos podem ser genéricos e específicos. Os primeiros, presentes
no art. 91, são automáticos, isto é, independem de declaração expressa na sentença, ao passo que
os segundos, elencados nos arts. 91-A e 92 do CP, devem ser motivadamente declarados na
sentença (arts. 91-A, §3º, e 92, parágrafo único).
São efeitos genéricos da condenação: a reparação do dano e o confisco.
Os efeitos específicos são:
a) perda do patrimônio incompatível com o rendimento lícito;
b) Perda dos instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e
milícias;
c) incapacidade para o exercício do poder familiar, tutela ou curatela;
d) perda de cargo, função pública ou mandato eletivo;
e) inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso.
No crime de racismo há um outro efeito específico, que pode ser aplicado ao servidor público
condenado por este delito, podendo o juiz ordenar de forma fundamentada a perda do cargo ou função
pública (art. 16 da lei 7716/89).

A REPARAÇÃO CIVIL DO DANO

Visando facilitar o ressarcimento da vítima, o art. 91, I, do CP impõe que a condenação torna
certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime desde que este cause dano. E, por sua vez,
o art. 515, VI, do CPC/2015 preceitua que a sentença penal condenatória é título executivo judicial. A
execução, no juízo cível, pode ser proposta pela vítima, seu representante legal ou herdeiros (art. 63
do CPP). Se a vítima for pobre, o Ministério Público pode promover a execução (art. 68 do CPP). É
preciso, porém, que esta seja precedida do processo de liquidação pelo procedimento comum dessa
sentença penal condenatória, pois só assim será apurado, por sentença, o montante devido (quantum
debeatur).

CONFISCO

Confisco é a perda de bens do particular em favor do Estado.


“São efeitos da condenação”, dispõe o art. 91, II, do CP, “a perda em favor da União,
ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:
a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso,
porte ou detenção constitua fato ilícito;
b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo
agente com a prática do fato criminoso”.
Note-se que a lei não permite, como efeito da condenação, o confisco de bens particulares do
condenado, mas apenas o dos instrumentos e proveitos do crime.
Instrumento é o meio utilizado pelo agente para a prática do crime. Só pode ser confiscado se

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o seu fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constituir fato ilícito. Admite-se, por exemplo, o
confisco da arma do crime, salvo na hipótese de o agente possuir porte legal. Automóveis,
aeronaves , embarcações e outros instrumentos ou maquinários cujo porte, alienação, detenção ou
fabricação sejam lícitos não podem ser confiscados, salvo quando utilizados para a prática do delito
de tráfico de drogas (art. 62, § 2º, da Lei n. 11.343/2006) ou então quando sua fabricação ou uso
constituir fato ilícito (art. 91, II, a, do CP). Os instrumentos de contravenção não podem ser
confiscados porque a lei fala em confisco dos instrumentos do crime, sendo vedada a analogia in
malam partem.
Por outro lado, o proveito do crime abrange o produto, o preço e qualquer outra vantagem
obtida com a prática do crime. O proveito do crime pode ser exigido inclusive dos sucessores do
condenado, pois não é pena e por isso não há o obstáculo da intransmissibilidade. O produto do
crime abrange: a) a coisa adquirida diretamente com o crime (ex.: a joia furtada); b) a coisa obtida
me-diante especificação (p. ex.: o anel feito com o ouro roubado); c) a coisa adquirida em razão de
alienação (p. ex.: o dinheiro obtido com a venda de joia roubada). O Código determina o confisco do
produto do crime ou de qualquer outro bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente
com a prática do fato criminoso. Admite-se, assim, o confisco do preço do crime (quantia dada ao
agente para a prática do delito). O produto de contravenção (p. ex.: dinheiro obtido com a
mendicância) não pode ser confiscado.
Ressalte-se, contudo, a possibilidade de se confiscar apenas o proveito do crime, cuja
propriedade seja do réu, preservando-se, destarte, o interesse de terceiros de boa-fé. Saliente-se,
outrossim, a inviabilidade de o confisco recair sobre as passagens aéreas, que seriam utilizadas para
a prática do delito de tráfico de entorpecentes, porquanto não constituem proveito do crime.
Igualmente inadmissível o confisco do dinheiro, no crime de evasão de divisas, porque, a rigor, não
se trata de produto e sim do objeto material, sendo, pois, vedada a analogia in malam partem,
operando-se, contudo, a perda do valor excedente, mas como sanção administrativa, nos termos do
art. 65, § 3º, da Lei n. 9.069/95.
Finalmente, cumpre não confundir o confisco com a pena de perda de bens e valores. O
confisco não é pena e sim efeito da condenação, recaindo sobre o patrimônio criminoso, ao passo
que a perda de bens ou valores é pena e incide sobre o patrimônio lícito do condenado.

PERDA DE CARGO, FUNÇÃO PÚBLICA OU MANDATO ELETIVO

Preceitua o art. 92, I, do CP, com redação dada pela Lei n. 9.268/96, que “constitui efeito da
condenação:
I — a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a 1 (um) ano, nos
crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos
demais casos”.

INCAPACIDADE PARA O EXERCÍCIO DO PODER FAMILIAR, TUTELA OU CURATELA


A incapacidade para o exercício do poder familiar, tutela ou curatela só pode ocorrer nos
crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado. Esse
efeito também não é automático, devendo ser motivadamente declarado na sentença.
Somente os crimes dolosos punidos com reclusão possibilitam esse efeito. Não se cogita,
destarte, da quantidade da pena concreta. O Código, acertadamente, preferiu omitir esse detalhe,
contentando-se com a pena abstrata de reclusão.

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No tocante à incapacidade para o exercício do poder familiar, poderá ser decretada ainda que
a vítima não seja o filho ou filha sobre os quais se exerce o poder familiar.
Com efeito, de acordo com o art. 92, II, do CP, com nova redação dada pela 13. 718/2.018,
constitui também efeito específico da condenação:
“A incapacidade para o exercício do poder familiar, da tutela ou da curatela nos crimes
dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos contra outrem igualmente titular do mesmo poder
familiar, contra filho, filha ou outro descendente ou contra tutelado ou curatelado”.
Com o advento desta lei, não paira qualquer dúvida que este efeito da condenação poderá
ser imposto quando a vítima do crime for qualquer descendente, e não apenas o filho ou a filha
sobre os quais recaem o poder familiar. Outrossim, nos crimes de reclusão, cometido contra
o outro titular do poder familiar.
Convém destacar que a incapacidade, por força do princípio do melhor interesse da criança,
pode alcançar outros filhos e não apenas o que foi vítima do crime. Todavia, depois de reabilitado,
poderá exercer o poder familiar, tutela ou curatela em relação aos outros, mas nunca em relação à
vítima do crime (parágrafo único do art. 93 do CP). Como se vê, no respeitante à vítima do crime, a
incapacidade é permanente.

INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO

Também constitui efeito da condenação a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado
como meio para a prática de crime doloso.
Esse efeito não é automático, devendo ser motivadamente declarado na sentença.
Veículo é o meio de transporte de pessoas ou coisas. Exemplos: automóvel, motocicleta, avião
etc.
A aludida inabilitação só se aplica quando o veículo é utilizado como meio para a prática de crime
doloso. Exemplos: homicídio, roubo, racha etc.

REABILITAÇÃO

Em nosso direito, reabilitação é a medida jurídica destinada a produzir o sigilo dos


antecedentes criminais do acusado e a restaurar os direitos atingidos pelo efeito secundário
específico da condenação.
Presta-se, como se vê, a dois fins:
a) assegurar ao condenado o sigilo dos registros sobre seu processo e condenação (CP, art.
93);
b) extinguir os efeitos específicos da condenação, previstos no art. 92 do Código Penal.

Objetivamente, a reabilitação exige apenas dois requisitos:


a) decurso do prazo de dois anos a contar da extinção da pena; computa-se nesse prazo o
período de prova do sursis e do livramento condicional, se não sobrevier revogação;
b) reparação do dano, salvo impossibilidade de o fazer; exclui-se esse requisito se o crime não
produziu danos materiais ou se ocorreu a prescrição da dívida.
Para obtenção da reabilitação, o agente ainda deve preencher os seguintes requisitos
subjetivos:
a) domicílio no país nos dois anos posteriores à extinção da pena. Esse requisito, para alguns

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autores, viola a liberdade de ir e vir, sendo inconstitucional.


b) bom comportamento público e privado, durante esse tempo.
A reabilitação deve ser requerida pelo condenado, devidamente representado por advogado,
perante o juízo de primeira instância em que tramitou a sentença penal condenatória, ainda que a
condenação lhe tenha sido imposta em grau de recurso. Caso ostente mais de uma condenação, um
único pedido de reabilitação é suficiente. Na hipótese de falecimento, seus herdeiros não poderão
formular o pedido, mesmo porque nenhum interesse teriam. A inicial deve vir instruída com a prova
de todos os requisitos objetivos e subjetivos, previstos no art. 94 do CP.
“Negada a reabilitação, poderá ser requerida, a qualquer tempo, desde que o pedido seja
instruído com novos elementos compro-batórios dos requisitos necessários” (parágrafo único do art.
94 do CP).
E, uma vez concedida, “a reabilitação será revogada, de ofício ou a requerimento do
Ministério Público, se o reabilitado for condenado, como reincidente, por decisão definitiva, a pena
que não seja de multa” (art. 95 do CP).
A reabilitação não rescinde a condenação. Aliás, nem sequer constitui causa extintiva da
punibilidade.
Portanto, vindo a cometer novo delito, o agente será reincidente, a menos que tenha
decorrido período de tempo superior a cinco anos entre o cumprimento ou extinção da pena e a
prática desse novo delito (art. 64, I, do CP).

DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

CONCEITO DE PUNIBILIDADE

A partir da prática do crime surge, automaticamente, a puni-bilidade, traduzida na mera


possibilidade jurídica de o Estado aplicar a sanção ao sujeito ativo da infração penal.
A punibilidade surge com a prática do delito, antes mesmo da instauração do inquérito policial
ou da ação penal.

O ROL DO ART. 107 DO CP

Extingue-se a punibilidade, dispõe o art. 107 do CP:


“I — pela morte do agente;
II — pela anistia, graça ou indulto;
III — pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;
IV — pela prescrição, decadência ou perempção;
V — pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;
VI — pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;
(...)
IX — pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei”.
A doutrina revela uniformidade de vistas em relação ao caráter exemplificativo do aludido rol.
Outras causas extintivas da punibilidade são encontradas no Código Penal e na legislação
extravagante. Vejamos algumas delas:
a) término do período de prova, sem revogação, do sursis do CP, do livramento condicional e
do sursis processual do art. 89 da Lei n. 9.099/95;
b) escusa absolutória (CP, arts. 181 e 348, § 2º);
c) imunidade parlamentar nos crimes de opinião (CF, art. 53);

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d) reparação do dano, no peculato culposo, efetivada antes do trânsito em julgado da


sentença condenatória (CP, § 3º do art. 312);
e) morte da vítima no crime de induzimento a erro essencial ou ocultação de impedimento
matrimonial (art. 236 do CP).

MORTE DO AGENTE

A prova da morte só pode ser feita com a certidão de óbito original (art. 62 do CPP).
Sentença declaratória de ausência e guia de sepultamento não têm o condão de provar a
morte.
E se, após o trânsito em julgado da decisão, o réu aparecer vivo? A nossa lei é omissa,
pronunciando-se a doutrina dominante no sentido de que, diante da proibição da revisão criminal
pro societate, nada mais há a fazer, a não ser processar os responsáveis pelo delito de uso de
documento falso (CP, art. 304). Na jurisprudência, porém, tem prevalecido a tese da inexistência do
julgado, por ser oriundo de erro ou fraude, podendo ser reaberto o processo se ainda não tiver
ocorrido a prescrição.

ANISTIA

Dessas formas de indulgência soberana, a anistia é a que mais efeitos apaga, registrando força
semelhante à abolitio criminis.
Anistia é a exclusão de um ou mais fatos criminosos da órbita de atuação do direito penal.
É concedida por lei ordinária. A iniciativa do projeto de lei é comum, ainda quando se trate de
crime político. Exige-se a sanção do Presidente da República (CF, arts. 21, XVII, e 48, VIII), pois é veiculada
por lei ordinária, e não por decreto legislativo. É claro que, se o Presidente não se pronunciar em quinze
dias, a contar do recebimento do projeto de lei já aprovado no Congresso Nacional, ocorrerá a sanção
tácita (CF, art. 66, § 1º).
Em regra, qualquer delito pode ser anistiado, salvo os crimes hediondos, tortura, tráfico ilícito
de entorpecentes e o terrorismo (art. 5º, XLIII, da CF).
Anistia e abolitio criminis têm diversos pontos comuns. Ambas emanam de lei e apagam o fato
criminoso, rescindindo a eventual sentença condenatória e todos os seus efeitos penais. Todavia, na
anistia, mantém-se a vigência da norma penal incriminadora, que continua a ser aplicada aos fatos
não abrangidos pela lei alforriante. Já a abolitio criminis provoca o desaparecimento da norma
penal, que é revogada, de modo que o fato deixa de ser criminoso.

INDULTO E GRAÇA

Indulto é a indulgência, de caráter coletivo, que extingue ou abranda a pena aplicada.


Graça ou indulto individual é o perdão concedido a determinado criminoso, isentando ou
abrandando a sua pena. Como ensina Basileu Garcia, visa premiar o sentenciado exemplar, para
quem a pena já se mostrou manifestamente desnecessária, ou eximir de maior sofrimento o preso
enfermo que tem os dias contados em razão de algum mal cruciante e incurável. É claro que outras
razões louváveis também poderão motivar a concessão da graça.
A graça e o indulto podem ser:
a) plenos: quando extinguem a punibilidade;
b) parciais: quando se limitam a prever a diminuição ou comutação das penas; nesse caso, no
silêncio do decreto, eles não se estendem à pena de multa.

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Graça e indulto apresentam os seguintes pontos comuns:


a) São concedidos por decreto do Presidente da República, que pode delegar a atribuição aos
Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União (parágrafo
único do art. 84 da CF). Já a concessão da anistia depende de lei.
b) Só devem ser concedidos após o trânsito em julgado da condenação, diferentemente da
anistia, que pode ser concedida antes ou depois do trânsito em julgado. Na prática, porém, às vezes
se tem visto decreto de indulto beneficiando condenados com sentença ainda não transitada em
julgado, desvirtuando-se, assim, a estrutura desse instituto. No tocante à graça, não paira dúvida: só
pode ser concedida após o trânsito em julgado, por força do art. 734 do CPP, que usa o termo
“condenado”.
c) Não rescindem a sentença penal condenatória, que subsiste, intacta, com todos os seus
efeitos penais e civis. Se, posteriormente, o agente vier a cometer novo delito, será considerado
reincidente. Já a anistia extingue todos os efeitos penais, inclusive, para efeito de reincidência,
também se apaga a sentença do delito anistiado.
d) Para surtirem efeitos, dependem de decisão do juízo da execução penal.
e) Não admitem a recusa do beneficiado, salvo quando forem condicionados ou comutarem
penas, no sentido da substituição de uma pena por outra. A comutação que somente reduz a pena
imposta não pode ser objeto de recusa do beneficiado.
Conquanto apresentem tantas características comuns, indulto e graça têm também alguns
pontos de divergência. O indulto, tal como a anistia, é medida de caráter coletivo, de efeitos
impessoais, pois os seus beneficiários não são identificados nominalmente, e, sim, através de
circunstâncias em que o delito tenha sido cometido, ao passo que a graça tem caráter individual,
contemplando uma determinada pessoa. E tem mais. O indulto e a anistia têm caráter espontâneo,
pois são concedidos independentemente de requerimento. A graça, em regra, é requerida ao
Presidente da República, por petição do próprio condenado, do Ministério Público, do Conselho
Penitenciário, ou da autoridade administrativa (art. 188 da LEP). Nesse caso, em que a graça é
solicitada, colhe-se o parecer do Conselho Penitenciário antes de enviar o requerimento ao
Presidente da República (art. 189 da LEP). Na hipótese de pena de morte, imposta por tribunais
militares, em caso de guerra externa (CF, art. 5º, XLVII, a), transitada em julgado a condenação, cuja
execução é por fuzilamento, deverá ser comunicado o Presidente da República, que poderá, ou não,
em sete dias, exercer o direito de graça (arts. 707 e 708 do CPPM).
Dispõe a Constituição Federal que são insuscetíveis de graça e anistia a prática de tortura, o
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes hediondos (art. 5º, XLIII). A
Lei n. 8.072/90, porém, estende a proibição ao indulto (art. 2º, I). A nosso ver, a restrição ao indulto
é inconstitucional, devendo a proibição limitar-se à graça.

PERDÃO JUDICIAL

Perdão judicial é o ato do juiz que, na sentença, deixa de aplicar a pena ao réu, tendo em vista
certas circunstâncias legais.
O perdão judicial só pode ser concedido nos casos previstos em lei (CP, art. 107, IX). É vedada
a sua aplicação a delito para o qual a lei não prevê a extensão do benefício.
Em nosso Código, admite-se o perdão judicial nos seguintes casos:
a) homicídio culposo (art. 121, § 5º);
b) lesões culposas (art. 129, § 8º);
c) injúria (art. 140, § 1º, I e II);
d) fraude em refeição, alojamento ou transporte (art. 176, parágrafo único);

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e) receptação culposa (art. 180, § 5º);


f) parto suposto, supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido
(art. 242, parágrafo único);
g) subtração de incapazes (art. 249, § 2º).
Na Lei das Contravenções Penais, a ignorância da lei também autoriza o perdão judicial (art. 8º
da LCP).
No tocante ao homicídio e lesão culposos, cometidos na direção de veículo automotor, o Código
de Trânsito não prevê o perdão judi-cial. Todavia, urge que se aplique o § 5º do art. 121 do CP e o § 8º
do art. 129 do CP, que, a nosso ver, são normas de caráter geral (CP, art. 12).

O perdão judicial é causa extintiva da punibilidade (CP, art. 107, IX).


Por força do que diz expressamente o art. 120 do CP: “A sentença que conceder perdão
judicial não será considerada para efeitos de reincidência”.
A nosso ver, a sentença é meramente declaratória da extinção da punibilidade. Aliás, o
Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 18: “A sentença concessiva do perdão judicial é
decla­ratória de extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”.

DISTINÇÃO ENTRE PERDÃO JUDICIAL E ESCUSA ABSOLUTÓRIA

Tanto no perdão judicial quanto na escusa absolutória o fato é típico, antijurídico e o agente
culpável. Em ambos, o que se extingue é apenas a punibilidade, pois o delito subsiste.
Todavia, o perdão judicial só é concedido na sentença, após o réu ser regularmente
processado, ao passo que na escusa absolutória nem inquérito policial se instaura. Na escusa
absolutória há um perdão legal.
No Código Penal, a escusa absolutória manifesta-se em dois dispositivos: art. 181 e § 2º do
art. 348. Entendemos que as imunidades parlamentares, nos delitos de opinião, previstas no art. 53
da CF, também constituem escusas absolutórias.
A escusa absolutória e o perdão judicial são circunstâncias subjetivas, não se
comunicando aos coautores e partícipes do delito.

RETRATAÇÃO DO AGENTE

Retratação é o ato pelo qual o acusado admite a falsidade de sua afirmação criminosa.
Em regra, a retratação não extingue a punibilidade, funcionando como simples circunstância
judicial favorável ao acusado (CP, art. 59).
Excepcionalmente, porém, a retratação extingue a puni-bilidade, nos casos em que a lei a
admite (CP, art. 107, VI). Esses casos são:
a) calúnia, quando a ação penal for privada (CP, art. 143);
b) difamação, quando a ação penal for privada (CP, art. 143);
c) falso testemunho ou falsa perícia (§ 2º do art. 342 do CP).
Na injúria, como se vê, a retratação não extingue a punibilidade.
Quanto à calúnia e difamação, a retratação deve efetivar-se antes da sentença de primeiro
grau, caso contrário não haverá extinção da punibilidade.
No falso testemunho ou falsa perícia, a retratação deve ocorrer antes da sentença de
primeiro grau do processo onde ocorreu o depoimento falso, e não antes da sentença do
processo de falso testemunho.

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A retratação deve ser:


a) cabal, isto é, completa, no sentido de abranger todo o fato criminoso; a retratação parcial
não extingue a punibilidade;
b) incondicionada; a retratação é ato unilateral do agente, cujo efeito independe da aceitação
da vítima.

RENÚNCIA

Renúncia é o ato pelo qual a vítima abre mão do direito de propor a ação penal privada.
A renúncia é ato unilateral do ofendido, produzindo efeitos independentemente de aceitação
do beneficiado.
A renúncia constitui causa extintiva da punibilidade (CP, art. 107, V).
Só é possível antes do início da ação penal privada. Iniciada esta, com a propositura da queixa-
crime, já não é possível a renúncia, e, sim, a perempção e o perdão. Exemplo: o casamento do
agente com a vítima antes do recebimento da ação penal privada é renúncia tácita e no curso dela é
perdão tácito.
A renúncia em relação a um dos autores do crime estende-se a todos, por força do princípio da
indivisibilidade da ação penal privada (art. 49 do CPP). Em contrapartida, a renúncia de um dos
ofendidos não se comunica aos outros, que continuam com o direito de queixa. Se a queixa-crime
deixar de fora um dos autores ou partícipes do crime, haverá renúncia tácita. A nosso ver, nesse caso,
o promotor, a pretexto de zelar pela indivisibilidade, não pode aditar a queixa-crime, sob pena de
violação do princípio da oportunidade da ação penal privada.
Cumpre observar que o art. 104 do CP não restringe a renúncia às hipóteses de ação
exclusivamente privada, de modo que o ofendido também pode renunciar ao direito de oferecer a
queixa substitutiva na ação penal subsidiária da pública. É de convir, entretanto, esclarece Tourinho
Filho, “que a renúncia ao direito de queixa, na hipótese do art. 29 do CPP, é inoperante, uma vez
que, a todo tempo, enquanto não estiver extinta a punibilidade, poderá o órgão do Ministério
Público oferecer denúncia. Terá consequência apenas para o renunciante”169.

PERDÃO DO OFENDIDO

Perdão é o ato pelo qual o ofendido desiste de prosseguir com a ação penal privada.
Diferentemente da renúncia, o perdão só ocorre após o início da ação penal privada.
Enquanto a renúncia é unilateral, dispensando a aceitação do agente, o perdão é ato bilateral, pois,
para produzir efeitos, depende da aceitação do querelado. Quem aceita o perdão, moralmente
reconhece a culpa, daí a exigência da aceitação para que ele surta efeitos.
Desde que aceito, o perdão constitui causa extintiva da puni-bilidade (CP, art. 107, V).
O perdão pode ser concedido após o recebimento da queixa-crime e até o trânsito em julgado
da sentença condenatória. Depois que passa em julgado a sentença condenatória, torna-se
inadmissível (§ 2º do art. 106 do CP).
O perdão concedido a qualquer dos querelados, a todos aproveita, salvo se um deles resolver
não aceitá-lo. Nesse caso, ocorrerá uma exceção ao princípio da indivisibilidade da ação penal
privada (art. 106, III, do CP).
Por outro lado, o perdão concedido por um dos ofendidos não prejudica o direito dos outros
(art. 106, II, do CP). Assim, o perdão, por parte de um dos querelantes, não impede que os demais
prossigam na ação.

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Se o ofendido já completou 18 anos, o perdão pode ser exercido só por ele, pois, com o advento
do novo Código Civil, a partir dessa idade não há mais falar em representante legal. De acordo com o
art. 52 do CPP, que se encontra tacitamente revogado, se o ofendido tem entre 18 e 21 anos, o perdão
pode ser exercido por ele ou por seu representante legal, e, havendo conflito entre eles, prevalece a
vontade de não perdoar.
Da mesma forma, se o querelado já completou 18 anos, a aceitação do perdão só pode
emanar dele. O art. 54 do CPP estabelece que se o querelado tem entre 18 e 21 anos, a aceitação
do perdão pode emanar dele ou de seu representante legal, e, no caso de conflito, prevalece a
vontade de não aceitar o perdão. Esse art. 54 do CPP encontra-se revogado. Com o novo Código
Civil, a partir dos 18 anos adquire-se a maioridade civil, de modo que o perdão deve ser concedido
pelo ofendido e aceito pelo querelado, tendo em vista a extinção da representação legal.
Finalmente, tratando-se de ação penal privada subsidiária da pública, o perdão é inadmissível,
pois essa ação submete-se aos princípios da ação pública, tendo, pois, caráter indisponível.

DECADÊNCIA

Decadência é a perda do direito de queixa ou representação pelo decurso do tempo sem o seu
exercício.
A decadência é restrita à ação penal privada e à ação penal pública condicionada à
representação. Não há decadência no que respeita à ação penal pública condicionada à requisição
do Ministro da Justiça, porque a requisição pode ser oferecida a qualquer tempo, encon-trando o
seu limite na prescrição.
A decadência constitui causa extintiva da punibilidade (CP, art. 107, IV). O juiz deve decretá-la
de ofício, ouvindo previamente o Ministério Público (art. 61 do CPP).
Dispõe o art. 103 do CP: “Salvo disposição expressa em contrário, o ofendido decai do direito
de queixa ou de representação se não o exer-ce dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia
em que veio a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do § 3º do art. 100 deste Código, do dia
em que se esgota o prazo para oferecimento da denúncia”.
Do exposto se vê que o prazo de seis meses não se conta da data do delito, e, sim, do dia em
que a vítima veio a tomar conhecimento da autoria do crime.
Há, entretanto, exceção à aludida regra, prevista no próprio dispositivo em análise: a ação
penal privada subsidiária da pública deve ser proposta em seis meses a contar do dia em que se
esgota o prazo para oferecimento da denúncia. Vale recordar que, tratando-se de réu solto, a
denúncia deve ser oferecida em quinze dias, sendo que esse prazo é reduzido para cinco dias, na
hipótese de réu preso. Esgotado esse limite de tempo, começa a fluir o prazo decadencial de seis
meses.
Ainda há outras exceções. Efetivamente, na ação penal privada do crime de induzimento a
erro essencial ou ocultação de impedimento para o casamento, o prazo de seis meses para o
oferecimento da queixa do contraente enganado só começa a correr depois de transitar em julgado
a sentença anulatória do casamento (art. 236, parágrafo único, do CP).

PEREMPÇÃO

Perempção é a perda do direito de prosseguir a ação penal privada, em razão da inércia do


querelante.
A perempção é restrita à ação penal privada propriamente dita. Na ação penal privada
subsidiária da pública a inércia do querelante não prejudica o processo, que prosseguirá com o

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Ministério Público.
A perempção constitui causa extintiva da punibilidade (CP, art. 107, IV). A sua ocorrência se
opera no curso da ação, ao passo que a decadência ocorre antes da propositura da queixa.
O art. 60 do CPP enumera os casos em que a perempção se efetua:
a) Quando, iniciada a ação penal, o querelante deixar de promover o andamento do processo
durante trinta dias seguidos. Exemplo: retenção dos autos do processo pelo advogado do
querelante. Antes de decretar a extinção da punibilidade, o juiz deve notificar o querelante para dar
andamento ao processo.
b) Quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não comparecer em
juízo, para prosseguimento do processo, dentro do prazo de sessenta dias, qualquer das pessoas a
quem couber fazê-lo, ressalvado o disposto no art. 36 do CPP.
c) Quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do
processo a que deva estar presente. Observe-se, porém, que não há necessidade da presença do
querelante ou de seu advogado no interrogatório do querelado, porque o interrogatório é ato
judicial. Na audiência de instrução, basta o comparecimento do advogado do querelante, a menos
quando se exija o seu comparecimento para a prática de algum ato pessoal.
d) Quando o querelante, sem motivo justificado, deixar de formular o pedido de condenação
nas alegações finais. Diversamente da ação penal pública, em que é possível a condenação ainda
que o Ministério Público requeira a absolvição, na ação penal privada é imprescindível o pedido de
condenação. É claro que o pedido de condenação não exige fórmula sacramental, bastando que do
conteúdo das alegações se conclua, de modo inequívoco, que o querelante deseja ver a condenação
do querelado.
e) Quando, sendo querelante pessoa jurídica, esta extinguir-se sem deixar sucessor.
Além dos casos acima, nos delitos de ação privada perso-nalíssima a perempção se verifica com
a morte do querelante. Tal ocorre no delito de induzimento a erro essencial e ocultação de
impedimento (CP, art. 236).
Finalmente, nos crimes contra a honra, em que a ação penal for privada, o não
comparecimento do querelante à audiência de conciliação gerará a perempção, nos termos do art.
60, III, do CPP, salvo se justificar convincentemente o seu não comparecimento. Já o querelado que
não comparece a tal audiência poderá ser conduzido coercitivamente, nos termos do art. 260 do
CPP.

PRESCRIÇÃO

CONCEITO

Prescrição é a perda da pretensão punitiva ou executória, em razão do decurso do tempo.


Com a prescrição, o Estado perde o jus puniendi (pretensão punitiva) ou o direito de executar a pena
imposta (pretensão executória).
Efetivamente, com a prática da infração penal nasce a pretensão punitiva, consistente no
direito atribuído ao Estado de punir o criminoso, aplicando-lhe a sanção penal. E, a partir do
trânsito em julgado da sentença condenatória, o Estado adquire a pretensão executória, que é o
direito de obrigar o delinquente a cumprir a pena imposta.
Essas duas espécies de pretensão, quando não exercidas dentro do prazo fixado na lei, são
alcançadas pela prescrição.

DELITOS IMPRESCRITÍVEIS

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Em regra, a prescrição atinge todos os crimes, inclusive os hediondos, não dependendo, para
o seu reconhecimento, da cessação da periculosidade social do criminoso.
A Constituição Federal, porém, prevê a imprescritibilidade de dois crimes:
a) racismo (art. 5º, XLII);
b) ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado
democrático (art. 5º, XLIV).

ESPÉCIES DE PRESCRIÇÃO

No Código Penal, verifica-se a existência das seguintes modalidades de prescrição:


a) Prescrição da ação penal ou da pretensão punitiva, que se subdivide em:
— prescrição da pretensão punitiva propriamente dita;
— prescrição superveniente ou intercorrente;
— prescrição retroativa.
b) Prescrição da pretensão executória.
Enquanto a prescrição da pretensão punitiva, em suas três modalidades, ocorre antes do
trânsito em julgado da condenação, a prescrição da executória só se manifesta após a sentença
condenatória irrecorrível.

NATUREZA JURÍDICA

A prescrição é causa extintiva da punibilidade (CP, art. 107, IV).

EFEITOS

Os efeitos variam conforme se trate de prescrição da pretensão punitiva ou da executória.


A prescrição da pretensão punitiva impede a instauração da persecução penal (inquérito
policial e ação penal). Se já havia sido instaurada, a prescrição obsta o seu prosseguimento, devendo
o juiz, após ouvir o Ministério Público, declarar extinta a punibilidade, sem entrar no mérito da
prova dos autos, abstraindo-se, assim, de prolatar sentença absolutória ou condenatória. Dessa
decisão, que é me-ramente declaratória, é cabível o recurso em sentido estrito (CPP, art. 581, VIII).
Se, porventura, a sentença condenatória já havia sido pro-la-tada, o tribunal, diante da prescrição,
deve abster-se da análise do mérito das provas, limitando-se a decretar a extinção da punibili-da-de.
Desse acórdão é cabível o recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça ou embargos infringentes
quando houver voto vencido.
Na prescrição punitiva, a eventual sentença condenatória não é pressuposto da reincidência
nem vale como título executivo na área cível. Também não servirá como maus antecedentes. Em
suma, apagam-se todos os efeitos da sentença condenatória.
Já a prescrição executória, que, como vimos, ocorre após o trânsito em julgado da sentença
penal condenatória, é decretada pelo juiz da execução. De sua decisão é cabível o agravo de
execução. A condenação, porém, não é rescindida, continuando, dentro de cinco anos, a ser
pressuposto da reincidência, valendo ainda como maus antecedentes e título executivo na área
cível. Em suma, à exceção da aplicação da pena, perduram os demais efeitos da condenação.

PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA PROPRIAMENTE DITA OU PRESCRIÇÃO DA AÇÃO

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FORMA DE CONTAGEM

Essa prescrição é regulada pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao delito.
Pega-se o máximo da pena abstrata, enquadrando- -a na tabela do art. 109 do CP, encontrando-se,
assim, o prazo prescricional. O juiz no cálculo da prescrição levará em conta o crime que se adequa ao
fato descrito na denúncia e não necessariamente a tipificação jurídica que o Ministério Público tenha
dado ao fato.
Vejamos a tabela:
Pena máxima Prescrição
+ de 12 anos 20 anos
+ de 8 a 12 anos 16 anos
+ de 4 a 8 anos 12 anos
+ de 2 a 4 anos 8 anos
de 1 a 2 anos 4 anos
Menos de 1 ano 3 anos
Conforme o inciso VI do art. 109 do CP, com redação dada pela Lei n. 12.234, de 5 de maio de
2010, se o máximo da pena for inferior a um ano, a prescrição punitiva será de três anos, e não mais
de dois anos. Para os delitos cometidos antes do advento dessa lei, ainda vigora o antigo prazo de
dois anos, que é mais benéfico.
O roubo simples, por exemplo, previsto no art. 157, caput, do CP, cuja pena máxima
corresponde a dez anos de reclusão, prescreve em dezesseis anos. O furto qualificado, previsto no §
4º do art. 155, cuja pena máxima é igual a oito anos de reclusão, prescreve em doze anos. A lesão
corporal leve, prevista no art. 129, caput, do CP, registra pena máxima igual a um ano de detenção,
prescrevendo em quatro anos. Vale lembrar que a prescrição em três anos pressupõe pena máxima
inferior a um ano.
Se, porventura, houver alguma causa de aumento de pena, o cálculo deverá ser o seguinte:
pena máxima + o máximo de aumento permitido pela causa de majoração, enquadrando-se o
resultado na tabela acima.
Assim, no delito do § 2º do art. 157 do CP, a pena de quatro a dez anos de reclusão pode ser
aumentada de um terço até a metade. Para calcular a prescrição, o aumento da metade deve incidir
sobre a pena máxima de dez anos, totalizando uma pena de quinze anos de reclusão. Enquadrando
esse montante na tabela do art. 109 do CP, obtém-se uma prescrição de vinte anos.
Se, ao inverso, houver alguma causa de diminuição de pena, o cálculo deverá ser o seguinte:
pena máxima — o mínimo permitido pela causa de diminuição, enquadrando-se o resultado na
tabela acima. Assim, no roubo cometido por semi-imputável, a pena é reduzida de um a dois terços
(parágrafo único do art. 26 do CP). A pena máxima de dez anos de reclusão deve ser reduzida em
um terço, totalizando a pena de seis anos e oito meses de reclusão. Enquadrando esse montante na
tabela acima, obtém-se uma prescrição de doze anos.
Por outro lado, as agravantes genéricas não influem na prescrição punitiva propriamente dita.
As atenuantes genéricas, salvo a menoridade e a velhice, também não exercem influência no
cálculo da prescrição.
No tocante à menoridade e velhice, dispõe o art. 115 do CP:
“São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do
crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos”.
A menoridade aqui considerada é entre 18 e 21 anos ao tempo do crime, pouco importando
se durante o processo o réu venha a completar 21 anos. Trata-se de um benefício vinculado à idade

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e não à capacidade, tanto é que regra idêntica existe para os maiores de 70 anos, de modo que o
Código Civil, ao reduzir a maioridade para 18 anos, não suprimiu essa vantagem.
Já a velhice dos maiores de 70 anos é analisada ao tempo da sentença.
O art. 115 do CP é aplicável a todas as modalidades de prescrição: punitiva propriamente dita,
retroativa, superveniente e executória. No tocante à menoridade, o réu deverá prová-la por
documento hábil (Súmula 74 do STJ).
Por outro lado, de conformidade com o parágrafo único do art. 109 do CP, “aplicam-se às
penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade”. Não há
novidade no cálculo dessa prescrição, porque as penas restritivas são substitutivas das penas
privativas de liberdade. De fato, o prazo prescricional é o mesmo das penas privativas de liberdade.

TERMO INICIAL

Em regra a prescrição punitiva propriamente dita começa a fluir do dia em que o crime se
consumou (art. 111, I, do CP). Inclui-se na contagem o dia da consumação (CP, art. 10).
Abrem-se, porém, a essa regra, as seguintes exceções:
a) No caso de tentativa, a prescrição começa a correr do dia em que cessou a atividade
criminosa, isto é, do último ato de execução. Assim, por exemplo, no caso de venefício o marco
inicial do fluxo pres-cri--cional é o último dia em que o agente ministrou o veneno à vítima.
b) Nos crimes permanentes, a prescrição começa a correr do dia em que cessar a
permanência.
c) Nos crimes de bigamia e de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, a
prescrição começa a correr do dia em que o fato se tornou conhecido. Urge, para o início
prescricional, que o fato da falsificação tenha se tornado conhecido pela autoridade pública
competente para iniciar as providên-cias repressivas (juiz, promotor de justiça e delegado de
polícia).
d) Nos crimes contra a dignidade sexual das crianças e adolescentes, a prescrição só começa a
correr na data que vítima completar dezoito anos, a não ser que a ação pena houver iniciado antes.
Eis aí, previstas nos incisos II a IV do art. 111 do CP, as exceções à regra de que a prescrição
começa a correr do dia da consumação. Trata-se de rol taxativo, sendo vedado o emprego da
analogia. Assim, no crime continuado, mantém-se a autonomia em relação a cada um dos delitos
integrantes da série continuada, fluindo, a partir da consumação de cada crime, o lapso
prescricional da pretensão punitiva propriamente dita.

PERÍODOS PRESCRICIONAIS

A prescrição da pretensão punitiva pode verificar-se entre dois períodos:


a) da consumação (em regra) até o recebimento da denúncia ou queixa;
b) do recebimento da denúncia ou queixa até a publicação da sentença penal condenatória
recorrível.
Em regra, a prescrição punitiva manifesta-se num desses dois períodos. Nos processos do júri
ainda há o período que medeia entre a pronúncia e a decisão confirmatória da pronúncia,
diminuindo as chances da prescrição.

IMPEDIMENTO E SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO

Impedimento é o obstáculo que inviabiliza o início do fluxo prescricional. Na suspensão, esse

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obstáculo surge durante o prazo prescricional, paralisando temporariamente a sua fluência, mas
cessado o obstáculo, a prescrição volta a correr, computando-se o período anterior à suspensão.
O Código Penal, no art. 116, prevê quatro causas impeditivas e suspensivas, dispondo que a
prescrição, antes de passar em julgado a sentença final, não corre:
“I - enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento
da existência do crime;
II - enquanto o agente cumpre pena no exterior”;
III - na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores,
quando inadmissíveis; e
IV - enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não persecução penal.
A primeira delas é referente à questão prejudicial ainda não resolvida em outro processo.
Questão prejudicial é a que influi na tipicidade do delito. A sua resolução é imprescindível para a
existência do crime. O juiz penal, em regra, tem jurisdição para decidir qualquer questão, exceto a
que versa sobre o estado civil das pessoas, quando, então, a ação penal ficará obrigatoriamente
suspensa até o trânsito em julgado da sentença prolatada na esfera cível. É o que ocorre com o
delito de bigamia, cuja ação penal ficará suspensa na hipótese de pender, na área cível, ação de
anulação do primeiro casamento. No tocante às prejudiciais não referentes ao estado civil das
pessoas, a suspensão da ação penal é facultativa. Se, por exemplo, o réu processado por furto
estiver discutindo na área cível se a coisa é ou não alheia, a ação penal, a critério do juiz, ficará
suspensa até a resolução dessa questão. De fato, se a coisa lhe pertencer, não haverá furto, pois
este delito pressupõe que a coisa seja alheia. Se, no entanto, o juiz criminal resolver prosseguir na
ação penal, condenando o acusado, este, na hipótese de a sentença cível lhe ser favorável,
atribuindo-lhe o domínio da coisa, poderá ingressar com o pedido de revisão criminal.
Se, em recurso extraordinário, em razão da repercussão geral, o STF, com base no art. 1035,
§5º, do CPC, mandar suspender os processos penais que versam sobre a mesma questão, até que se
decida, se o fato é típico ou atípico, impõe-se a suspensão da prescrição, pois se trata de uma
questão prejudicial. Exemplo: recurso extraordinário nº 966.177, onde se discute se a contravenção
de jogo de azar (art. 50 da LCP) é ou não fato típico.
A segunda causa suspensiva, cumprimento de pena no exterior, justifica-se pela
impossibilidade em se obter a extradição do acusado. Observe-se, porém, que o cumprimento de
pena no Brasil não impede a fluência da prescrição da pretensão punitiva.
A terceira causa suspensiva consiste no fato de não correr prescrição na pendência de
embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis.
A hipótese comporta duas interpretações, pois a redação do art. 116, III, do CP é dúbia.
Primeira, os embargos de declaração, que suspendem a prescrição, são somente os
interpostos nos Tribunais Superiores.
Segunda, quaisquer embargos de declaração suspendem a prescrição, ainda que interpostos
contra decisão, sentença ou acórdão.
Gramaticalmente, as duas interpretações são possíveis.
A meu ver, a primeira exegese é a mais correta, pois os embargos de declaração também são
recursos. Ademais, não há razão plausível para que a prescrição se suspenda pela interposição de
embargos de declaração em outros juízos e tribunais e não se suspenda com os demais recursos
declarados inadmissíveis. O que o texto legal quis expressar foi o seguinte: “não corre prescrição na
pendência de embargos de declaração ou de quaisquer outros recursos aos Tribunais Superiores,
quando inadmissíveis. Convém ainda salientar que a lei fez expressa menção aos embargos de
declaração para se precaver da corrente doutrinária que não os considera recurso.
De qualquer maneira, trata-se de uma dúvida gramaticalmente insolúvel, razão pela qual

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deve ser aplicado excepcionalmente, em matéria de hermenêutica, o princípio “in dubio pro reo”,
de modo que a prescrição só não correrá em relação aos embargos de declaração declarados
inadmissíveis, que foram dirigidos aos Tribunais Superiores, pois a suspensão da prescrição é
prejudicial ao réu, mas o assunto certamente ensejará polêmica.
A prescrição permanecerá suspensa no período entre a interposição dos embargos de
declaração e a publicação da decisão de inadmissibilidade.
Conquanto a lei não faça distinção entre os embargos de declaração interpostos pela
acusação ou pela defesa, o seu objetivo foi evitar a interposição de recursos meramente
protelatórios, inerentes à defesa, e, por isso, a meu ver, a prescrição não se suspenderá nos
embargos de declaração oriundos do órgão acusatório, mas este tema ensejará polêmica, pois é
também possível argumentar que onde a lei não distingue ao intérprete não é lícito distinguir.
É, porém, necessário, para que se obste a fluência da prescrição, que os embargos de
declaração não sejam admitidos.
Cumpre não confundir a inadmissibilidade com o não provimento dos embargos de
declaração.
A não admissibilidade é o não preenchimento dos pressupostos de admissibilidade do
recurso. Exemplo: os embargos de declaração não descrevem os vícios da decisão embargada.
O não provimento é a sua rejeição, no mérito, após o recurso ter sido admitido. Exemplo: os
embargos de declaração descrevem o vício da omissão e, por isso, são conhecidos, mas o órgão
julgador, ao analisar o mérito, conclui que não houve a omissão alegada e, diante disso, nega
provimento ao recurso.
A prescrição não corre quando os embargos de declaração não são admitidos, mas, uma vez
admitidos, ainda que não providos, a prescrição fluirá. De fato, a suspensão da prescrição é
prejudicial ao acusado, sendo vedada a analogia “in malam partem”.
Igualmente, não corre a prescrição na pendência de recursos aos Tribunais Superiores,
quando inadmissíveis.
Há, pois, duas situações:
a) o recurso não é admitido, pois não preenche os requisitos admissibilidade. Neste caso, a
prescrição permanecerá suspensa entre a data do protocolo do recurso e a publicação da decisão
monocrática ou acórdão que o julgou inadmissível.
b) o recurso é admitido, mas, no mérito, o Tribunal Superior lhe nega provimento. Neste
caso, a prescrição não será tida como suspensa, fluindo normalmente.
Os Tribunais Superiores são: STJ, STM, TSE e TST. Este último, porém, não tem competência
penal.
Convém ressaltar que o STF não é tratado pela Constituição Federal como sendo um Tribunal
Superior, mas, sim, como um Tribunal Supremo, que está acima de todos os demais.
Diante disso, força convir que, na pendência de recurso extraordinário ao STF a prescrição
fluirá normalmente, pois é vedada a analogia “in malam partem”. Outra exegese, porém, também
deverá considerar o STF como sendo um Tribunal Superior, com base na interpretação extensiva.
Por fim, quanto aos recursos interpostos perante os Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais
Federais e Tribunais Regionais Eleitorais, ainda que não conhecidos, não suspenderão o curso da
prescrição.
A última causa de suspensão da prescrição, prevista no art. 116, IV, é o acordo de não
persecução penal. Na pendência deste acordo, a prescrição permanecerá suspensa e só voltará a
fluir na hipótese de descumprimento ou rescisão. O acordo de não persecução penal é o instituto
pelo qual o Ministério Público se abstém de oferecer a denúncia na hipótese de o autor da infração
penal confessar a autoria e ainda aceitar determinadas condições não privativas da liberdade. Este

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acordo, que deve ser homologado pelo juiz, só é possível nas infrações penais cometidas sem
violência ou grave ameaça à pessoa, cuja pena mínima seja inferior a 4 (quatro) anos, desde ainda
que não seja cabível a transação penal da lei 9.099/95. O reincidente não pode usufruir deste
benefício. A prescrição só será suspensa a partir da publicação da decisão judicial que homologou o
acordo de não persecução penal; e voltará a fluir a partir da publicação da decisão judicial que
declarar rescindido o referido acordo.

INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO

Na interrupção, o prazo prescricional começa a correr, novamente, do dia da interrupção (§ 2º


do art. 117 do CP). Fica sem efeito o período prescricional anterior. Na suspensão, ao inverso,
computa-se o tempo vencido antes.
Dispõe o art. 117 do CP que o curso da prescrição se interrompe:
“I — pelo recebimento da denúncia ou da queixa;
II — pela pronúncia;
III — pela decisão confirmatória da pronúncia;
IV — pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis (...)”.
Trata-se de rol taxativo. Não se admite, destarte, o emprego da analogia.
A primeira causa tem o seu marco interruptivo na data da publicação do despacho de
recebimento da denúncia ou queixa. Dá-se essa publicação quando o juiz entrega o despacho às
mãos do escrivão. Portanto, para a interrupção, não há necessidade de publicá-lo na imprensa. O
simples oferecimento da denúncia ou queixa não interrompe a prescrição. Portaria do delegado de
polícia instaurando o inquérito também não tem força interruptiva. O recebimento do aditamento
da denúncia, desde que para incluir fato novo, ou novo réu, interrompe a prescrição em relação ao
delito superveniente incluído e a todos os corréus. Não se trata de analogia, e sim de interpretação
exten-siva, perfeitamente admissível no direito penal. A denúncia ou queixa recebida perante juiz
incompetente não interrompe a prescrição. Nesse caso, a interrupção ocorrerá a partir da
publicação do despacho do juiz competente ratificando os atos praticados pelo juiz incom-petente.
Tratando-se de denúncia ou queixa rejeitada, em primeira instância, e posteriormente recebida pelo
tribunal, a interrupção ocorre na data do julgamento do recurso, e não na data da transcrição do
acórdão. A propósito, dispõe a súmula 709 do STF: “Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o
acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento
dela”.
A segunda causa interruptiva, decisão de pronúncia, só tem cabi-mento nos processos da
competência do Tribunal do Júri. Dá-se a interrupção a partir da publicação da sentença de
pronúncia. Se o réu é pronunciado por acórdão do tribunal, a interrupção é a partir da data da
sessão do julgamento. Persiste a força interruptiva da pronúncia ainda que o júri venha a
desclassificar o delito (Súmula 191 do STJ). A prescrição não se interrompe pela sentença de
impronúncia ou de absolvição sumária. Igualmente, não é interrompida pela decisão
desclassificatória do juízo singular.
A terceira causa, decisão confirmatória da pronúncia, também é exclusiva dos processos do
júri. Ocorre quando o juiz pronuncia o réu e este recorre, mas o tribunal mantém a pronúncia. Esse
acórdão confirmatório também interrompe a prescrição.
A última causa interruptiva é a publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis.
Opera-se a interrupção a partir da sua publicação, isto é, entrega da sentença nas mãos do escrivão.
Tratando-se de acórdão condenatório também há a interrupção da prescrição, mas a partir da
sessão do julgamento, pois este é o momento da sua publicação. De fato, a publicação é a

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proclamação do julgamento em sessão pública e não se confunde com a intimação, que é a


publicação do acórdão na imprensa. O STF rechaçou a tese de que a interrupção da prescrição só
ocorreria com a publicação formal do acórdão da imprensa.
A sentença condenatória nula não interrompe a prescrição. Igualmente, não há interrupção
pela sentença absolutória, ainda que se trate de absolvição imprópria, que impõe medida de
segurança ao inimputável. Em contrapartida, a sentença condenatória interromperá a prescrição
ainda que posteriormente haja um acórdão absolutório.
Quanto ao acórdão confirmatório, que mantém a sentença condenatória, paira controvérsia.
Primeira corrente, não interrompe a prescrição, pois só há acórdão condenatório quando a
sentença de primeiro grau for absolutória, sendo vedada a analogia “in malam partem”.
Segunda, interrompe, pois equipara-se ao acórdão condenatório.
Terceira, não interrompe a prescrição, salvo se aumentar a pena ou se cassar a condenação
anterior para condenar o réu por outro crime.
Prefiro a primeira, pois o único acórdão confirmatório que interrompe a prescrição é aquele
que confirma a sentença de pronúncia, sendo que, diante do silêncio do código sobre outras
situações, conclui-se pela existência de uma lacuna que não pode ser preenchida analogicamente.
Entretanto, o Pleno do STF, no ano de 2020, passou a adotar a segunda corrente, decidindo
que o acórdão confirmatório da sentença penal condenatória de primeiro grau, quer tenha
mantido, reduzido ou aumentado a pena anteriormente imposta, também interrompe a prescrição.
Finalmente, o acórdão condenatório irrecorrível, que é o prolatado nas ações originárias do
Supremo Tribunal Federal, não interrompe a prescrição, porque o inciso IV do art. 117 do CP
pressupõe a possibilidade de recurso da sentença ou acórdão. Finalmente, a sentença absolutória
ou anulada não interrompe a prescrição.

COMUNICABILIDADE DAS CAUSAS INTERRUPTIVAS DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO


PUNITIVA

Na hipótese de concurso de pessoas, a prescrição estende-se a todos os autores do crime,


ainda que eles sejam processados em processos diferentes. A palavra “autores”, prevista no § 1º do
art. 117 do CP, está empregada em sentido amplo, compreendendo também os partícipes. Se, por
exemplo, “A” e “B” são processados por furto, sendo “A” condenado e “B” absolvido, vindo o
Ministério Público a apelar, visando a condenação de “B”, o tribunal, na hora de julgar o recurso,
considerará também interrompida a prescrição para “B”, devido à sentença condenatória prolatada
contra “A”.
“Nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, estende-se aos demais a
interrupção relativa a qualquer deles” (CP, art. 117, § 1º, 2ª parte). Suponha-se um roubo em
conexão com o estupro. Se o réu for condenado pelo roubo e absolvido do estupro, vindo o
promotor a apelar, a sentença condenatória do roubo interrompe também a prescrição do estupro.
Essa comunicabilidade das causas interruptivas só se opera quando os crimes conexos forem objeto
do mesmo processo.

PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA OU PRESCRIÇÃO DA CONDENAÇÃO

FORMA DE CONTAGEM

A prescrição executória é regulada pela pena concreta, isto é, fixada na sentença ou acórdão.
Enquadra-se a pena concreta na tabela do art. 109 do CP, obtendo-se, assim, o prazo prescricional.

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Suponha-se um homicídio em que o réu tenha sido condenado a sete anos de reclusão. A
prescrição, nesse caso, ocorrerá em doze anos.
Na hipótese de reincidência, devidamente reconhecida, na sentença, o prazo de prescrição
aumenta de um terço (art. 110, caput, do CP). No exemplo acima, a prescrição passaria a ser de
dezesseis anos.
Tratando-se de livramento condicional ou de réu foragido da prisão, a prescrição executória é
regulada pelo restante da pena. Pega-se o restante da pena e enquadra-se na tabela do art. 109 do
CP, obten-do-se assim o prazo prescricional. Suponha um réu condenado a quinze anos de reclusão,
que fuja do presídio depois de ter cumprido quatorze anos e seis meses de pena. A prescrição
ocorrerá em três anos, a partir da fuga.

TERMO INICIAL

Inicialmente, cumpre não confundir o momento da análise com o termo inicial. A prescrição
executória só pode ser analisada após o trânsito em julgado da sentença condenatória para ambas
as partes (MP, assistente, réu, querelante e querelado). Dá-se o trânsito em julgado quando a
sentença se torna irrecorrível. Se ainda não transitou em julgado para uma das partes, não é
possível analisar a ocorrência da prescrição executória.
Malgrado a exigência do trânsito em julgado para ambas as partes, a prescrição executória
começa a correr do dia em que transita em julgado a sentença condenatória para a acusação (art.
112, I, do CP). Assim, com o trânsito em julgado para a acusação (MP, assistente e querelante), a
prescrição executória já começa a fluir, mas só poderá ser analisada a partir do trânsito em julgado
para ambas as partes.
Suponha-se um réu condenado a três meses de detenção cuja sentença tenha transitado em
julgado para a acusação no dia 3-7-2010. A defesa recorreu, mas o tribunal negou provimento ao
seu apelo, tendo os autos transitado em julgado em 4-8-2011. Só a partir desta última data, trânsito
em julgado para ambas as partes, a prescrição executória poderá ser analisada. Todavia, o termo
inicial é o dia 3-7-2010, de modo que a prescrição, que é de três anos, ocorrerá às 24 horas do dia 2-
7-2013.
Tratando-se de réu beneficiado com a suspensão condicional da pena ou livramento
condicional, o termo inicial da prescrição executória é o trânsito em julgado da decisão que revoga o
sursis ou o livramento condicional (CP, art. 112, I).
No caso de evadir-se o condenado, a prescrição começa a correr da data da fuga (art. 112, II,
do CP).
Vale frisar que, no caso de evadir-se o condenado ou de revogar-se o livramento condicional, a
prescrição é regulada pelo tempo que resta da pena (CP, art. 113). Enquadra-se o restante da pena
na tabela do art. 109 do CP, obtendo-se, assim, o prazo prescricional.
Finalmente, embora a lei seja omissa, é óbvio que durante o período de prova do sursis ou
livramento condicional, iniciado com a audiência admonitória, não corre a prescrição.

INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO “EXECUTÓRIA” (ART. 117, V E VI, DO CP)

O curso da prescrição executória interrompe-se:


a) Pelo início do cumprimento da pena. Enquanto o condenado estiver cumprindo pena, não
flui a prescrição executória. Note-se, porém, que a prescrição punitiva flui normalmente, salvo
quando ele cumpre pena no estrangeiro.

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b) Pela continuação do cumprimento da pena. Com a fuga da prisão, inicia-se a contagem da


prescrição executória. Vindo, porém, o condenado a ser recapturado, opera-se novamente a
interrupção em razão da continuidade do cumprimento da pena.
c) Reincidência. A reincidência subsequente interrompe o fluxo prescricional. A interrupção
ocorre desde a prática do novo crime, estando porém condicionada ao trânsito em julgado da
condenação. Se esta se tornar definitiva, isto é, transitar em julgado, a interrupção produz efeitos ex
tunc, isto é, a partir da data do delito. É claro que se o réu vier a ser absolvido do novo delito não há
falar-se em interrupção. Cumpre não confundir a reincidência antecedente, que aumenta o prazo
prescricional, com a reincidência subsequente, que interrompe o fluxo prescricional. Na primeira,
por ocasião da sentença condenatória, o réu já ostentava o estigma de reincidente. Na segunda, o
réu, por ocasião da condenação, ainda era primário, tornando-se reincidente apenas depois do
trânsito em julgado, em razão da prática de novo crime. No caso de reincidência subsequente, a
prescrição executória começa a correr a partir do próprio crime que a interrompeu. Já na hipótese
de interrupção pelo início ou continuação da pena, a prescrição não volta a correr enquanto
perdurar o cumprimento da pena, mas, com a fuga do condenado, a prescrição começa a correr
novamente.

PRESCRIÇÃO SUPERVENIENTE OU INTERCORRENTE

FORMA DE CONTAGEM

A prescrição intercorrente é regulada pela pena concreta. Enquadra- -se a pena concreta na
tabela do art. 109 do CP, obtendo-se, assim, o prazo prescricional.

TERMO INICIAL

O termo inicial da prescrição superveniente é a publicação da sentença penal condenatória.


Conquanto iniciado o fluxo prescricional a partir da publicação da sentença condenatória, a
análise da prescrição superveniente depende da ocorrência de um dos seguintes requisitos:
a) trânsito em julgado para a acusação;
b) que seja improvido o recurso da acusação.

MODOS DE OCORRÊNCIA

Tal prescrição pode verificar-se:


a) pela demora em se intimar o réu da sentença;
b) pela demora do julgamento do recurso da defesa. Suponha-se que o réu, condenado a
quatro meses de detenção por sentença publicada no dia 7-8-2008, venha a apelar e o tribunal
demore mais de três anos para apreciar o seu recurso. Nesse caso, o próprio tribunal, desde que
tenha ocorrido o trânsito em julgado para a acusação, ou o improvimento de seu recurso, decretará
a prescrição superve-niente. É comum a prescrição intercorrente durante a tramitação do recurso
especial ou extraordinário.
Questão interessante é se o provimento do recurso da acusação, agravando a pena de modo a
não alterar o prazo prescricional, pode ou não impedir a prescrição superveniente. Impõe-se a
negativa, sob pena de incentivar-se o recurso protelatório. Deve ser preferida a interpretação mais
benéfica ao réu, no sentido de que o provimento do recurso da acusação só impede a prescrição

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quando a agravação da pena for de tal molde a alterar o prazo prescricional. Da mesma forma, se o
promotor conformar-se com a pena e apelar apenas para cassar o sursis, obtendo provimento, não
há óbice em se analisar a prescrição superveniente.

PRESCRIÇÃO RETROATIVA

FORMA DE CONTAGEM

A prescrição retroativa também é regulada pela pena concreta.


A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, inicialmente, inclinava-se no sentido de que o
aumento de um terço da reincidência antecedente deveria ser aplicado à prescrição retroativa e
super-veniente. Mas, posteriormente, alterou-se essa jurisprudência, editando-se naquele tribunal
a Súmula 220: “A reincidência não influi no prazo da prescrição da pretensão punitiva”. A razão de
ser dessa súmula é a proibição da analogia in malam partem. Portanto, o aumento de um terço da
reincidência é aplicável exclusivamente à prescrição da pretensão executória.

TERMOS INICIAIS

Começa a fluir a partir da publicação da sentença condenatória.


Conta-se para trás, daí o nome “prescrição retroativa”.
A sua ocorrência deve ser verificada entre a publicação da sentença ou acórdão condenatório
e o recebimento da denúncia ou queixa.
A Lei n. 12.234, de 5 de maio de 2010, eliminou a possibilidade de prescrição retroativa no período
entre o recebimento da denúncia ou queixa e a consumação do crime. De fato, o § 1º do art. 110 do CP,
com nova redação dada pela referida lei, proíbe prescrição que tenha por termo inicial data anterior à da
denúncia ou queixa.
Manteve-se, a meu ver, malgrado valiosas opiniões em contrário, a prescrição retroativa no
período entre a publicação da sentença ou acórdão condenatório e o recebimento da denúncia ou
queixa, pois a proibição trazida pela citada lei refere-se tão somente ao período anterior à da
denúncia ou queixa, sendo vedada a analogia in malam partem.
É certo, pois, que a Lei n. 12.234/2010, anuncia em seu art. 1º a exclusão da prescrição
retroativa e ainda revoga expressamente o § 2º do art. 110, que cuidava especificamente da
sobredita prescrição. Mas tudo isso é insuficiente para a eliminação total da prescrição retroativa,
porquanto persiste no § 1º do art. 110 a brecha para mantê-la, na medida em que não há proibição
em analisá-la entre a publicação da sentença condenatória e o recebimento da denúncia ou queixa.
Desse modo, deve a exclusão prevista no art. 1º da lei submeter-se à interpretação restritiva — a lei
disse mais do que quis —, excluindo-se a prescrição retroativa apenas no período anterior à data da
denúncia ou queixa.
Suponha-se, ficticiamente, o réu condenado a três meses de detenção, por lesão leve (CP, art.
129) consumada em 4-3-2011. A denúncia foi recebida em 5-4-2014 e a sentença publicada em 6-9-
2015. A sentença transitou em julgado para a acusação. Note-se que, na lesão leve, a pena máxima
é um ano de detenção. Portanto, a prescrição punitiva propriamente dita ocorre em quatro anos.
Todavia, pela pena concreta de três meses de detenção, o prazo prescricional é reduzido para três
anos. Por consequência, antes da Lei n. 12.234/2010, operava-se a prescrição retroativa entre o
recebimento da denúncia e a consumação do crime, mas essa prescrição não é mais permitida. Se,
no entanto, entre a publicação da sentença condenatória e o recebimento da denúncia decorrer
período superior a três anos, a prescrição retroativa poderá ser decretada.

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Nos processos do júri, a prescrição retroativa deve ser analisada entre:


1) a sentença condenatória e o acórdão confirmatório da pronúncia;
2) deste acórdão confirmatório à decisão de pronúncia;
3) desta ao despacho de recebimento da denúncia ou queixa.

PRESSUPOSTO

Para analisar a prescrição retroativa, urge a presença de um dos dois requisitos:


a) trânsito em julgado para a acusação;
b) que seja improvido o recurso da acusação.
Aqui também vale a mesma observação de que o provimento do recurso da acusação,
agravando a pena, mas sem alterar o prazo prescricional, não obsta o reconhecimento da prescrição
retroativa.

MOMENTO DA DECRETAÇÃO

A prescrição retroativa, para uns, deve ser decretada pelo tribunal, porque o juiz, a partir da
prolação da sentença, esgota seu poder jurisdicional. Essa corrente é muito rigorosa, pois obriga o
réu a recorrer apenas para pleitear a prescrição. Por isso, deve prevalecer a corrente que admite a
decretação pelo juiz sentenciante ou juiz da execução penal. A prescrição é matéria de ordem
pública, passível de ser apreciada a qualquer tempo. A ausência de recurso do réu não impede o
reconhecimento da prescrição retroativa.
Entretanto, o reconhecimento da prescrição retroativa jamais pode ser decretado na sentença
condenatória. Com efeito, no momento da sentença ainda falta o pressuposto de análise da
prescrição retroativa, qual seja, o trânsito em julgado para a acusação ou o improvimento de seu
recurso.

PRESCRIÇÃO ANTECIPADA OU VIRTUAL OU RETROATIVA EM PERSPECTIVA

É a decretada com base na perspectiva de que, no caso de condenação, fatalmente ocorrerá a


prescrição retroativa.
Fundamenta-se na falta de interesse processual em dar prosseguimento a uma ação penal
cuja prescrição é irremediável.
Conquanto não prevista em lei e repudiada pelos tribunais, essa prescrição antecipada tem
sido aplicada por alguns magistrados, que procuram justificar seus atos na economia processual.
Com o advento da Lei n. 12.234/2010, essa prescrição sofreu sensível redução no seu campo de
incidência, pois não pode mais ser analisada no período anterior à data da denúncia ou queixa.
Nada obsta, contudo, seja reconhecida no curso do processo, antes da prolação da sentença, em
razão da demora verificada a partir do recebimento da denúncia ou queixa.
Suponha-se, hipoteticamente, um acusado de lesões corporais leves cujo crime tenha se
consumado em 5-10-2010, com denúncia recebida em 5-11-2011. Imaginemos que em dezembro
de 2014 o processo ainda esteja em fase de instrução. A prescrição punitiva propriamente dita, que
toma por base a pena abstrata, ainda não ocorreu, porque, no caso, o prazo prescri-cional é de
quatro anos. Todavia, o juiz, percebendo a primariedade do réu, verifica que, no caso de
condenação, ele jamais alcançará a pena máxima de um ano. A pena, raciocina o magistrado, será
certamente inferior a um ano, de modo que, se a sentença for prolatada, fatalmente ocorrerá a
prescrição retroativa, com base na pena concreta. E como entre o recebimento da denúncia e o

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estágio atual do processo decorreu período superior a três anos, que seria o tempo da prescrição
regulada pela pena concreta, o juiz se antecipa e decreta a prescrição, em vez de ouvir as
testemunhas para depois prolatar a sentença.

A PRESCRIÇÃO DA PENA DE MULTA

PRESCRIÇÃO PUNITIVA PROPRIAMENTE DITA

Nesse caso, a prescrição da pena de multa ocorrerá em dois anos, quando a multa for a única
cominada, ou no mesmo prazo estabelecido para a prescrição da pena privativa de liberdade,
quando a multa for alternativa ou cumulativamente cominada (CP, art. 114, I e II).

PRESCRIÇÃO EXECUTÓRIA, SUPERVENIENTE E RETROATIVA

Nesse caso, a prescrição ocorrerá em dois anos, quando a multa for a única aplicada, ou no
mesmo prazo estabelecido para a prescrição da pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos,
quando a multa for cumulativamente aplicada (CP, art. 114, I e II).

CAUSAS SUSPENSIVAS E INTERRUPTIVAS

No tocante à prescrição punitiva propriamente dita, as causas de suspensão e de interrupção


da prescrição da pena de multa são as mesmas previstas nos arts. 116, I e II, e 117, I a IV, do CP.
Já em relação à prescrição da pretensão executória, as causas suspensivas e interruptivas são
as previstas nas normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública (art. 51 do CP, com
redação dada pela Lei n. 9.268/96). Assim, o início ou continuação do cumprimento da pena
privativa de liberdade, bem como a reincidência subsequente, não suspendem nem interrompem a
prescrição executória da pena de multa.

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