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Aluno Olivia Oliveira Guimarães


DIREITO PENAL ESPECIAL CPF - 04326633123
PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

CRIMES CONTRA A VIDA

OS CRIMES CONTRA A VIDA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

No Capítulo I do Título I da Parte Especial do Código Penal estão previstos os crimes contra a
vida: homicídio, participação em suicídio, infanticídio e aborto (arts. 121 a 128).
Os crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados, e as infrações penais que lhes
sejam conexas são julgados pelo Tribunal do Júri, cuja soberania a Constituição Federal assegura em
termos peremptórios (CF, art. 5º, XXXVIII). Saliente-se, todavia, que por crimes dolosos contra a
vida se compreendem apenas os previstos no Capítulo I do Título I do Código Penal: homicídio (art.
121), participação em suicídio (art. 122), infanticídio (art. 123) e aborto (arts. 124 a 127).
Cumpre, porém, ressaltar que a Justiça Militar só tem competência para o julgamento dos
crimes dolosos contra a vida cometidos por militar contra militar, pois, com o advento da Lei n.
9.299 de 7 de agosto de 1996, o crime doloso contra a vida perpetrado por militar contra civil
passou a ser da competência do Tribunal do Júri.

HOMICÍDIO

CONCEITO

Homicídio é a morte de um homem causada por outro homem.


O homicídio é o delito máximo, por excelência, pois atenta contra a vida humana, bem
jurídico supremo, do qual irradiam todos os demais.
É pacífico que a eliminação da vida humana intrauterina caracteriza aborto, enquanto a
destruição da vida humana extrauterina constitui homicídio.
Observe-se que a partir do início do parto efetivado, com o rompimento do saco amniótico, a
eliminação do nascente não constitui mais delito de aborto. Assim sendo, nesse período de
transição entre a vida intrauterina e a vida extrauterina, desencadeado com o início do parto, antes
mesmo da expulsão do feto do útero materno, admissível é a prática do delito de infanticídio e, por
identidade de razões, a do homicídio.
Assim, o bem jurídico protegido é a vida humana extrauterina e o período de transição entre
a vida intrauterina e a vida extrauterina. Portanto, o sujeito que mata uma mulher grávida, após o
rompimento do saco amniótico, comete duplo homicídio, figurando como vítimas a mulher e a
criança. Se a conduta tivesse sido realizada antes do rompimento do saco amniótico, ter-se-ia o
concurso formal entre os delitos de homicídio e aborto.

SUJEITO PASSIVO

Qualquer pessoa humana viva pode ser sujeito passivo do homicídio.


Homem morto (cadáver) não pode ser sujeito passivo do delito diante da inexistência do bem
jurídico tutelado, caracterizando-se, destarte, em crime impossível (art. 17 do CP). É o caso do
agente que, pretendendo matar a vítima, aciona o gatilho do revólver, vindo, porém, depois, a
verificar que ela já estava morta.

Três são as hipóteses em que a pena do homicídio doloso aumentará em 1/3:


a) se a vítima for menor de 14 anos (art.121, § 4º);

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b) maior de 60 anos (art.121, § 4º, última parte – Lei nº 10.741/03);


c) se a vítima for índio não integrado (art.59 da Lei nº 6001/73).

MEIOS DE EXECUÇÃO

O homicídio é crime de forma livre, admitindo, portanto, uma infinidade de meios


executórios.
Não comungamos do posicionamento que enquadra a transmissão dolosa do vírus HIV no
delito de lesão corporal gravíssima, previsto no art.129, §2º, inciso II, do CP, porque não se pode
falar em lesão corporal, quando o agente procede com “animus necandi”.
Configura-se o homicídio por omissão quando o agente, com intenção de matar a vítima,
abstém-se da prática de determinada conduta que lhe era juridicamente exigível. Dispõe o art. 13, §
2º, do Código Penal, que:
“A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o
resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção e
vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu
comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado”.

Como se vê, o dispositivo deixou patenteado, com toda nitidez, a necessidade de


inadimplemento de um dever jurídico. Não basta o descumprimento de dever moral.
Com efeito, recusando-se a ceder o antídoto à vítima que sofreu uma picada de cobra, o
agente, tendo o dever jurídico de impedir o resultado, como, por exemplo, o médico contratado
pela família ou de plantão no hospital, responderá por homicídio, pois estará ao menos aceitando a
morte da vítima, caracterizando-se, destarte, o dolo eventual. Ausente, porém, o dever jurídico, se
tratar-se de um vizinho que responderá pelo delito de omissão de socorro (art. 135, do CP).
Convém esclarecer que a simples condição de médico não impõe ao agente o dever específico
de impedir o resultado. Urge, para que responda por homicídio, que tenha assumido o encargo,
contratual ou não, de velar pela vítima. O médico que simplesmente passava pelo local e não a
socorreu, responderá por omissão de socorro, pois não se pode olvidar que o Código de Ética
Médica, que impõe ao facultativo o dever de socorrer o próximo, não é lei, mas uma mera norma
de postura ética.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO

O elemento subjetivo do crime de homicídio é o dolo, consistente na vontade livre e


consciente de provocar a morte da vítima. O dolo, traduzido na intenção de matar, é revelado pela
expressão animus necandi ou occidendi.
O homicídio admite dolo direto e eventual.
O dolo direto de primeiro grau ocorre quando o agente quer produzir um resultado certo.
O dolo direto de segundo grau também chamado de dolo de consequências necessárias, se dá
quando o agente quer produzir um resultado certo, sabendo que outro ou outros, em razão dos meios
empregados, necessariamente ocorrerão. Exemplo: o agente atira para matar o xifópago “A”, mas sabe
que o xifópago “B” também morrerá. Responderá por dois homicídios em concurso formal, dolo direto
de primeiro grau em relação a “A” e dolo direto de segundo grau em relação a “B”.
Quanto ao dolo eventual, ocorre quando o agente com sua conduta assume o risco de
produzir o resultado (art. 18, I). O dolo eventual é, pois, plenamente equiparado ao dolo direto.
Como ensina Ary Azevedo Franco: “É inegável que arriscar-se conscientemente a produzir um

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evento vale tanto quanto querê-lo: ainda que sem interesse nele, o agente o ratifica ex ante, presta
anuência ao seu evento”. No dolo eventual, o agente não quer o resultado, mas realiza a conduta
na dúvida se irá ou não produzi-lo, ao passo que no dolo direto de segundo grau o agente também
não quer o outro resultado, mas realiza a conduta na certeza de que irá produzi-lo.
A doutrina ministra alguns critérios para identificação do animus necandi, extraindo-o das
circunstâncias exteriores ao delito. Os mais lembrados são: a sede da lesão, o tipo de arma
empregada, número de disparos, profundidade do golpe de faca, as precedentes relações entre o
agente e a vítima e os motivos do crime.
O critério mais seguro, contudo, é o da sede da lesão, pois nesse caso a própria natureza da
conduta revela o propósito do agente. Se, por exemplo, o disparo atingiu o tórax ou a cabeça é
porque, em princípio, houve intenção de matar. Se, diferentemente, atingiu a perna ou o pé, em
tese, seria excluído o animus necandi. Saliente-se, porém, que nenhum critério, isoladamente, é
absoluto, devendo o intérprete, na identificação do animus necandi, socorrer-se de todas as
circunstâncias exteriores possíveis.
Não havendo ânimo de matar, exclui-se o delito de homicídio, respondendo o agente por
lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º) ou por homicídio culposo (art. 121, § 3º), conforme
tenha atuado com animus laedendi (intenção de ferir) ou não.

CONSUMAÇÃO

Consuma-se o crime com a morte da vítima, resultante da conduta praticada pelo agente.
Trata-se de delito não transeunte, exigindo-se, para comprovação da materialidade, o exame
de corpo de delito, sob pena de nulidade do processo. Com efeito, prova-se a morte pelo exame de
corpo de delito direto denominado necropsia. Não sendo, porém, encontrado o corpo da vítima (v.
g., o agente o lançou ao mar) torna-se impossível, evidentemente, o exame necroscópico, podendo,
no entanto, supri-lo pelo exame de corpo de delito indireto (art. 167 do CPP), não o suprindo,
porém, a simples confissão do agente (art. 158 do CPP).

TENTATIVA

Trata-se de delito material, portanto, admite a possibilidade da tentativa. Ocorre esta


quando, empregados os meios executórios idôneos, a morte não se verifica por circunstâncias
alheias à vontade do agente.

HOMICÍDIO PRIVILEGIADO

Dispõe o Código Penal, no art. 121, § 1º, em forma lapidar:


“Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob
o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode
reduzir a pena de 1/6 a 1/3”.

Na acepção jurídica, homicídio privilegiado é uma causa especial de diminuição de pena,


discutindo os autores o caráter obrigatório ou facultativo da redução da pena.
Quando for reconhecido pelos jurados o homicídio privilegiado, o juiz-presidente não deve
deixar de reduzir a pena, dentro dos limites de 1/6 a 1/3.

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Três são, por conseguinte, as espécies de homicídio privilegiado reconhecidas pela ordem
jurídica:
1º) por motivo de relevante valor social;
2º) por motivo de relevante valor moral;
3º) sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima.

Preconiza Maggiore que o motivo “é o antecedente psíquico da ação, a força que põe em
movimento o querer e o transforma em ato: uma representação que impele à ação”.
O relevante valor social é aquele inspirado para satisfazer o interesse coletivo, como no
exemplo do agente que mata o traidor da pátria ou o perigoso bandido que apavora a comunidade
local.
O relevante valor moral compreende o interesse individual do agente, v. g., o pai que mata o
estuprador da filha.
Não se perca de vista, porém, que a circunstância de relevante valor moral ou social tem
caráter subjetivo e, por isso, não se comunica aos demais participantes do delito que não tenham
agido pelos mesmos motivos (art. 30 do CP).

Por outro lado, o denominado homicídio emocional deve preencher os seguintes requisitos:
1) provocação injusta da vítima;
2) domínio de violenta emoção;
3) reação logo após a provocação.
A nosso ver, entende-se por provocação injusta a conduta ilegal ou imoral, consoante os
padrões do homem normal.
Segundo mencionamos anteriormente, a provocação, além de injusta, deve ser a causa da
violenta emoção que domina o agente. Saliente-se, porém, que mister se faz o domínio de violenta
emoção, isto é, a emoção precisa ser intensa, absorvente. Havendo mera influência de violenta
emoção o privilégio será afastado, configurando-se, nesse caso, uma simples circunstância
atenuante genérica (art. 65, III, c, do CP).
Destaque-se, também, desde já, que, conquanto o Código se refira ao domínio de violenta
emoção, o privilégio é igualmente aplicável quando houver domínio de violenta paixão. Como dizia
Frederico Marques, por ser a paixão um estado emocional mais intenso e permanente está ela
abrangida pelo dispositivo legal do art. 121, § 1º, do CP. De fato, tanto a emoção como a paixão
provocam no agente um desequilíbrio psíquico, motivando-o a agir irrefletidamente, de maneira
impetuosa, com a diferença de que, enquanto a emoção é transitória, a paixão é duradoura.
Ainda quanto ao homicídio emocional, cumpre esclarecer que a reação deve ser quase
imediata, isto é, sem demora, in continenti a injusta provocação, pois não se pode esquecer a
expressão usada pelo legislador: “logo em seguida a injusta provocação da vítima” (art. 121, § 1º,
CP). Desse modo, o hiato imenso entre a provocação e a reação exclui o privilégio, pois, como
ensinava Aníbal Bruno, “o impulso emocional e o ato que dele resulta devem seguir-se
imediatamente à provocação da vítima. O fato criminoso objeto da minorante não poderá ser
produto de cólera que se recalca, transformada em ódio, para uma vingança intempestiva”.
Por outro lado, sobre a possibilidade da coexistência do homicídio privilegiado com a aberratio
ictus (erro na execução), prevista no art. 73 do CP, nenhuma divergência existe. Caracteriza-se, destarte,
o homicídio privilegiado com a aberratio ictus no exemplo do pai que dispara sua arma contra o
estuprador da filha, vindo, porém, por desvio de pontaria, a atingir outra pessoa.
Cumpre também registrar que a reação a uma agressão injusta configura legítima defesa,
impondo-se a absolvição do agente.

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Admite-se o homicídio híbrido (privilegiado-qualificado), desde que a qualificadora seja


objetiva, que são as do art. 121, § 2º, incisos III e IV, sendo inadmissível a coexistência do homicídio
privilegiado e qualificado, quando as qualificadoras forem subjetivas, que são as do art.121,§ 2º,
incisos I, II, V e VI.

HOMICÍDIO QUALIFICADO

O § 2º do art.121 do CP prevê o homicídio qualificado, cuja pena varia entre 12 e 30 anos de


reclusão. Trata-se de qualificadora, porque tem pena autônoma, desvinculada do tipo fundamental.
Advirta-se, desde já, que a premeditação e a relação de parentesco, por si sós, não qualificam o
homicídio. No tocante à premeditação, no expressivo dizer de Heleno Cláudio Fragoso, “nem sempre
ela revela maior frieza ou perversidade, podendo, ao contrário, indicar hesitação ou resistência em
relação à ação criminosa. Premeditadamente pode ser cometido um homicídio por motivo de relevante
valor social ou moral, e pode também o crime ser praticado ex improviso, por motivo fútil, revelando
excepcional insensibilidade moral por parte do agente”. O juiz poderá, porém, considerá-la na fixação da
pena-base, nos termos do art. 59 do CP.
No tocante à relação de parentesco, limita-se o Código Penal a considerar agravante genérica
a prática de crime contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge (art. 61, II, e). Específicas
denominações recebe o homicídio praticado contra parente próximo:
 parricídio (matar o pai);
 matricídio (matar a mãe);
 uxoricídio (matar a esposa);
 mariticídio (matar o marido);
 filicídio ou gnaticídio (matar o filho);
 fratricídio (matar o irmão).

Saliente-se, contudo, que com o advento da lei 13.104/2.015, o matricídio e uxoricídio


enquadram-se como feminicídio, que é uma das hipóteses de homicídio qualificado.
As circunstâncias qualificativas do homicídio estão sistematizadas do seguinte modo:
a) as que resultam dos motivos (art. 121, § 2º, I e II);
b) as que resultam dos meios (art. 121, § 2º, III);
c) as que resultam da forma (art. 121, § 2º, IV);
d) as que resultam da conexão (art. 121, § 2º, V);
e) as que resultam de condição de sexo feminino (art. 121, §2º, VI);
f) contra autoridade ou agente integrante do sistema prisional e da Força Nacional de
Segurança Pública ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro
grau (art.121, §2º, VII);
g) com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido (art.121, §2º, VIII);
h) contra menor de 14 (quatorze) anos (art. 121, §2 º, IX).

O art. 121, § 2º, I e II, do CP cuida das qualificadoras em razão dos motivos determinantes
do crime:

No inciso I está o homicídio cometido mediante paga e promessa de recompensa, ou por


outro motivo torpe. No inciso II está o cometido por motivo fútil.
A paga e a promessa de recompensa integram o denominado homicídio mercenário. Na paga
o recebimento é prévio, v. g., entrega de dinheiro para que o pistoleiro perpetre o crime. O

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homicídio cometido mediante paga é também denominado assassínio. Na promessa de


recompensa o recebimento da vantagem se verifica após a prática do delito. Há uma expectativa de
recompensa, cuja efetivação está condicionada à realização do homicídio. Não vindo, porém, o
agente a recebê-la, persiste, mesmo assim, a qualificadora.
Observe-se, ainda, que o homicídio mercenário é crime bilateral, exigindo o concurso de duas
pessoas: o mandante e o executor.
A lei qualifica o homicídio pela paga, promessa de recompensa ou outro motivo torpe. Motivo
torpe é o reprovável pela moralidade média. É o motivo repugnante, abjeto. Por exemplo, o filho
mata o pai para receber a herança ou o traficante mata o viciado que deixa de efetuar o pagamento
da droga adquirida.
A vingança, cumpre esclarecer, nem sempre se revela como motivo torpe, tudo dependerá do
móvel que a antecedeu. Suponha-se que o pai mate o estuprador da filha, conquanto vingativo, o
homicídio é privilegiado pelo relevante valor moral.
Por outro lado, o motivo fútil também qualifica o homicídio (art. 121, § 2º, II). Motivo fútil é o
insignificante, de somenos importância que, em regra, tomando-se por base o homo medius, não
leva ao crime. É aferido pela gritante desproporção entre o motivo e o crime, considerando-se a
sensibilidade moral do homem médio e não a opinião subjetiva do réu. Esclareça-se, porém, que na
ausência de motivo, por ser desconhecido o motivo, exclui-se a qualificadora.

O art. 121, §2º, III, do CP cuida dos meios empregados para a prática do crime:
Meio é o instrumento utilizado pelo agente para a prática criminosa. O homicídio é qualificado pelo
emprego de:
a) meio insidioso;
b) meio cruel;
c) meio de que possa resultar perigo comum.

Meio insidioso: é empregado sub-repticiamente, sem que a vítima dele tenha conhecimento,
como, por exemplo, o veneno. O homicídio cometido mediante emprego de veneno denomina-se
veneficio ou envenenamento.
Veneno é qualquer substância mineral, vegetal ou animal, capaz de provocar dano ao
organismo. Sendo assim, o açúcar ministrado ao diabético em dose profunda é considerado
veneno. É preciso, porém, ressaltar que o envenenamento só constitui meio insidioso quando a
vítima está insciente do fato. É necessário ainda que a perícia toxicológica constate a presença do
envenenamento. Atente-se, por fim, que, além do veneno, qualquer outro meio insidioso qualifica
o homicídio, v. g., sabotagem do motor de um carro.
Meio cruel: é o que causa sofrimento desnecessário à vítima.
O Código traz três exemplos de meios cruéis: tortura, fogo e asfixia.
Tortura é a inflição de sofrimento desnecessário ou fora do comum.
Por outro lado, o fogo e a asfixia também constituem meios cruéis, qualificando o homicídio.
No tocante ao fogo, Magalhães Noronha cita o exemplo dos playboys que o atearam em um
pobre homem que se achava dormindo num banco de jardim público.
Asfixia, dizia Costa e Silva, é o efeito da falta de ar e da suspensão, mais ou menos completa,
da respiração.
A asfixia mecânica pode ocorrer mediante: enforcamento, estrangulamento, esganadura,
sufocação, soterramento e afogamento. No enforcamento há a constrição do pescoço feita por laço
acionado pelo próprio peso da vítima; no estrangulamento há a constrição do pescoço feita por
laço acionado pela força muscular da própria vítima ou de estranhos; na esganadura a constrição

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do pescoço é feita com as mãos do agente; na sufocação há impedimento respiratório devido à


oclusão dos orifícios respiratórios (narinas e boca) ou pela compressão do tórax; no soterramento,
a asfixia se realiza pela permanência do indivíduo num meio sólido ou semi-sólido, onde a entrada
de ar está impedida; por fim, no afogamento há a submersão da vítima num meio líquido, que
penetra nas vias respiratórias.
A asfixia tóxica se dá mediante confinamento. O agente coloca ou mantém a vítima em local
onde não penetra ar, v. g., numa garagem fechada com o carro ligado.
O homicídio é ainda qualificado quando do meio empregado possa resultar perigo comum.
O fogo e o explosivo foram elencados no inciso III do § 2º do art. 121 do Código Penal como
exemplos legais de meios capazes de produzir perigo comum.
Perigo comum: é o que atinge um número indeterminado de pessoas. Se o meio empregado
atingir a vítima e ainda criar uma situação de perigo a um número indeterminado de pessoas, o
agente responderá por homicídio qualificado em concurso formal com o crime de perigo comum
(incêndio - art. 250; explosão - art. 251; inundação - art. 254; desabamento - art. 256, etc.). Há
quem sustente a tese da absorção do delito de perigo comum, argumentando-se que já funcionaria
como qualificadora de homicídio, invocando-se, destarte, o princípio da subsidiariedade implícita.
A nosso ver, não há falar-se em absorção, porquanto a razão da qualificadora não é o perigo
comum, mas o meio de que possa resultar esse perigo. A escolha de um meio desse porte revela a
periculosidade do agente, justificando-se a qualificadora, ainda que no plano prático não tenha
ocorrido o perigo comum. O que importa é a potencialidade do meio para causar este tipo de
perigo. Na hipótese de efetivamente se concretizar o perigo comum haverá concurso formal. Não
há nenhum “bis in idem” nesse ponto de vista. Com efeito, a escolha do meio é a razão da
qualificadora, ao passo que a ocorrência do perigo concreto comum é um novo fato, cujo sujeito
passivo é a coletividade. São dois fatos distintos, a escolha do meio e o perigo concreto comum. A
qualificadora do homicídio incide independentemente de ocorrer o perigo comum. Se este
sobrevier, haverá o concurso formal entre homicídio qualificado e o crime de incêndio ou explosão
ou inundação ou desabamento etc.

O art. 121, §2º, IV, do CP qualifica o delito em virtude do modo de execução (forma pela
qual se manifesta a conduta):

Estabelece que o homicídio é qualificado quando cometido à traição, de emboscada,


dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido. Referido
dispositivo qualifica o delito em virtude do modo de execução (forma pela qual se manifesta a
conduta).
A traição, emboscada e dissimulação compõem a fórmula casuística empregada pelo
legislador para exemplificar os modos de execução que dificultam ou tornam impossíveis a defesa
da vítima.
Há traição quando o agente quebra a confiança que a vítima lhe depositava. É a perfídia, a
deslealdade. É preciso, porém, que a vítima não perceba o ataque. Assim, não há traição se a vítima
viu o agente com a arma escondida.
Referentemente à surpresa, à semelhança da traição, constitui um ataque inesperado,
qualificando o homicídio à medida que dificulta ou torna impossível a defesa do ofendido.
Íntima é a ligação entre a traição e a surpresa. Num e noutro caso a vítima é atingida
inesperadamente, com a diferença de que, na traição, ela confiava no agente, enquanto na
surpresa não havia essa relação de confiança. Haverá surpresa se o agente matar pelas costas o seu
desafeto e traição se matar dessa forma um parente ou amigo.

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Igualmente, o homicídio é qualificado quando cometido mediante emboscada ou


dissimulação. Emboscada é o ato premeditado de aguardar escondido a presença da vítima para
atacá-la de surpresa. Há, pois, simultaneamente, premeditação e surpresa. Entre os indígenas é
conhecida como tocaia.
Dissimulação é a ocultação do intuito criminoso, v. g., disfarce colocado pelo agente para
aproximar-se da vítima.

O art. 121, §2º, V, do CP qualifica o delito quando cometido para assegurar a execução, a
ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

Como se percebe, o fundamento dessa qualificadora é a conexão teleológica ou


consequencial entre o homicídio e outro delito.
Há conexão teleológica quando o homicídio é cometido para assegurar a execução de outro
crime. Há conexão consequencial quando cometido para assegurar a ocultação, a impunidade ou a
vantagem de outro crime. Nessas duas hipóteses, observa Heleno Cláudio Fragoso, “é irrelevante
que o crime-fim seja praticado. Basta que o agente tenha praticado o homicídio com o fim de
assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou o proveito de outro crime, qualquer que seja.
Se o crime-fim foi cometido, haverá concurso material, aplicando-se cumulativamente as penas (art.
69, CP). É irrelevante, igualmente, que o homicídio seja praticado antes ou depois deste outro crime,
bem como a desistência do agente em relação a este”.
Cumpre não esquecer que a qualificadora da conexão só tem incidência quando o homicídio é
cometido para assegurar a execução, ocultação, impunidade e vantagem de outro crime. Se o
homicídio visa assegurar a prática de contravenção penal exclui-se a incidência da qualificadora em
apreço, podendo, porém, nesse caso, configurar-se a qualificadora do motivo torpe ou fútil. Afasta-
se, também, a qualificadora se o crime-fim é putativo ou impossível.
Vejamos alguns exemplos de homicídio qualificado pela conexão:
1º. Suponha-se que o agente provoque a morte do marido com a intenção de assegurar
a execução do estupro da esposa. Efetivando ou não a conjunção carnal, responderá por
homicídio qualificado pela conexão (art. 121, § 2º, V, do CP), em concurso material com o crime
sexual do art. 213 do Código Penal, consumado ou tentado. Imagine-se, porém, que tenha sido
preso em flagrante pelos vizinhos antes de iniciar a execução do estupro. Nesse caso, por ter
sido cometido com o fim de assegurar a execução do estupro, o homicídio será igualmente
qualificado pela conexão teleológica. Mas, como a lei penal pátria não pune os atos
preparatórios, desnecessário dizer que o estupro não se caracterizou nem mesmo na
modalidade tentada.
2º. Suponha-se que o agente falsifique um documento público e, depois, para ocultar o
fato, mate a única testemunha. Responderá por homicídio qualificado pela conexão
consequencial em concurso material com o crime de falso (art. 297 do CP).
3º. Suponha-se que o agente, após danificar dolosamente um objeto, mate a testemunha
para assegurar a sua impunidade. Note-se que ele matou para assegurar a sua impunidade e não
a ocultação do fato, pois a danificação permanecerá evidente. Responderá, nesse caso, por
homicídio qualificado pela conexão consequencial em concurso material com o crime de dano
(art. 163 CP).
4º. Suponha-se, por fim, que o ladrão mate o seu comparsa do furto para assegurar a
exclusividade da vantagem obtida com o delito patrimonial. Responderá por homicídio
qualificado pela conexão consequencial em concurso material com o crime de furto (art. 155
CP).

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A expressão vantagem do crime compreende o produto, o preço e o proveito. “Produto são


as coisas adquiridas diretamente com o crime (ex.: a res furtiva), ou mediante especificação (ex.: o
ouro resultante da fusão da jóia furtada), ou obtidas mediante alienação (ex.: dinheiro ganho com a
venda da coisa furtada), ou criadas pelo crime (ex.: mercadorias contrafeitas). Preço são os valores
recebidos ou prometidos para cometer o crime. Proveito, finalmente, é toda vantagem, patrimonial
ou não, derivada do crime e diversa do produto e do preço”.
Cumpre advertir que a lei não prevê como qualificadora a conexão ocasional, ocorrida
quando o agente comete um crime por ocasião da prática de outro (p. ex.: danifica o relógio da
vítima do homicídio). Mas, nesse caso, haverá, igualmente, concurso material entre o homicídio
simples ou qualificado por outra circunstância, exceto a conexão, e o crime de dano.

O art. 121, §2º, VI, do CP qualifica o delito quando cometido por razões da condição do sexo
feminino:

Feminicídio é matar mulher por razões da condição do sexo feminino.


Tem previsão legal no art. 121, §2º, VI do CP, introduzido pela lei 13.014/2015.
Reveste-se da natureza jurídica de homicídio qualificado e, como tal, é considerado crime
hediondo.
São duas as modalidades de feminicídio:
a) Quando o homicídio é praticado em ambiente de violência doméstica e
familiar.
b) Quando o homicídio for cometido com fim de menosprezo ou discriminação à
condição de mulher. É o chamado feminicídio homofóbico.

O feminicídio praticado em ambiente de violência doméstica e familiar é uma norma penal


em branco, pois o conceito de violência doméstica e familiar é fornecido pelo art. 5º da lei
11.340/2006, que exige que o fato seja praticado por razões de gênero contra mulher, nas
seguintes situações:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio
permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente
agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos
que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por
vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha
convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Na verdade, bastaria a lei ter se referido à violência doméstica, pois esta, consoante se
depreende do art. 5º da Lei 11.340/2.006, só se configura quando também houver razões de
gênero. Por consequência, menção às razões da condição do sexo feminino apenas repetiu, com
o intuito de reforçar, o que já é da essência do conceito de violência doméstica e familiar.
Não há, entretanto, a necessidade de menosprezar ou discriminar a condição de mulher, mas,
frise-se, é essencial, para a incidência da qualificadora, que a morte seja por razões de gênero.
Exemplo: marido mata a mulher por não concordar que ela trabalhe fora de casa.
Vê-se assim que o feminicídio cometido em ambiente de violência doméstica e familiar
abrange o homicídio praticado contra mulher com quem o agente mantém ou manteve convívio,

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ainda que esporádico e sem qualquer relação íntima de afeto, com ou sem vínculo familiar, bem
como o perpetrado contra a mulher com quem o agente tem vínculo de parentesco natural ou por
afinidade ou ainda um parentesco por vontade expressa (pessoa que o agente considerava como
sendo parente). Compreende também o homicídio praticado em qualquer relação íntima de afeto,
contra mulher com quem o agente convive ou tenha convivido, independentemente de coabitação,
isto é, de terem morado juntos ou mantido relações sexuais. Quem, portanto, mata ex-namorada,,
por razões de gênero, incide na qualificadora.
No concernente ao feminicídio misógino, o tipo penal exige que as razões de gênero
consistam no fim de menosprezar ou discriminar a condição de mulher. Em contrapartida, não se
exige a situação de violência doméstica ou familiar, podendo o crime ser cometido até contra uma
mulher que o agente nem conhecia. Menosprezar é desprezar ou inferiorizar pela condição de
mulher. Exemplo: mata uma mulher por não aceitar o fato de ter sido a vereadora mais votada.
Discriminar é tratar de forma injusta ou desigual pela condição de mulher. Exemplo: mata uma
mulher para que ela não seja promovida no emprego. O feminicídio misógino é, pois, o sentimento
negativo em relação ao sexo feminino, que leva o agente a um comportamento hostil e
discriminatório, a ponto de matar simplesmente por desprezo à condição de mulher.
Nas duas modalidades de feminicídio se exige que a morte seja por razões de gênero, ou seja,
de condições relacionadas ao sexo feminino. Matar a esposa, por si só, por exemplo, não é
feminicídio. Se o marido mata a mulher por razões financeiras, não é feminicídio, mas se ele pratica
o crime por não concordar que ela trabalhe, o feminicídio se caracteriza.
Assim, no feminicídio, é preciso examinar os motivos do crime.
Por isso, o feminicídio é uma qualificadora subjetiva, pois está relacionada ao motivo de
gênero, sendo que na segunda modalidade há dois aspectos subjetivos: o motivo (razões de
gênero) e a finalidade (fim de menosprezo ou discriminação à condição de mulher). O
inconveniente deste ponto de vista é que a referida qualificadora teria sido inocuamente incluída
pela Lei 13.014/2.015, posto que sobre o homicídio praticado por razões de condição de sexo
feminino já incidia, antes da aludida lei, a qualificadora do motivo torpe, que, doravante, para se
evitar o “bis in idem”, a rigor, não poderá conviver com o feminicídio.
O STJ, entretanto, decidiu que o feminicídio é uma qualificadora objetiva, salientando que as
razões de gênero podem ser analisadas objetivamente (informativo 628/2018).
O primeiro efeito prático dessa discussão é que, sendo objetiva, é possível a coexistência de
duas qualificadoras: motivo torpe e feminicídio, ao passo que, sendo subjetiva, o motivo torpe seria
absorvido, pois já integraria a qualificadora do feminicídio, sendo vedado o “bis in idem”, a dupla
valoração de uma circunstância.
Outro efeito prático consiste no fato de a qualificadora objetiva ser compatível com o
homicídio privilegiado, ao passo que o privilégio é inconciliável quando a qualificadora for subjetiva.
De acordo com o STJ, o feminicídio é uma qualificadora objetiva e, dessa forma, se torna viável o
feminicídio privilegiado, sobretudo, pelo domínio de violenta emoção, logo após a injusta
provocação da vítima, mas é difícil imaginar o feminicídio privilegiado pelo relevante valor moral ou
social, à medida que, ao matar por razões de gênero, procede com torpeza, sendo contraditório
falar-se em relevante valor moral ou social.
Quanto ao sujeito ativo, o crime é comum, podendo ser praticado tanto pelo homem quanto
pela mulher, pois a lei não faz qualquer distinção.
O §7º do art. 121 estabelece que a pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a
metade se o crime for praticado:

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I. Durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto. Quanto ao crime de aborto,
é absorvido, pois a condição de gestante já figura como qualificadora. Entendimento diverso geraria
“bis in idem”.
II. Contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiênciaou
portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física
ou mental. Quanto ao fato de matar deficiente, vale lembrar que pode ser o deficiente físico ou
mental. Nessas três situações, para incidir o aumento da pena, é ainda necessário que a vítima seja
mulher, pois se trata de uma majorante do feminicídio. Quanto à doença degenerativa, é aquela
que paulatinamente ocasiona a inutilização ou debilidade dos órgãos do corpo ou da saúde física ou
mental. Exemplos: distrofia muscular progressiva, osteoporose, diabetes, glaucoma, Alzheimer,
doença de Parkinson.
III. Na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima. Ainda que seja
na presença de descendente recém-nascido ou doente mental, incide a causa de aumento de pena,
cujo fundamento não é apenas o possível trauma que o delito possa causar nessas pessoas, mas
também o fato do desprezo pela vítima e a esses parentesrevelar-se mais intenso. Incide a
majorante ainda que o crime seja praticado na presença virtual, por exemplo, mata a mulher ciente
que o filho da vítima assiste tudo de uma câmera de computador. É mister, para a incidência da
majorante, que o ascendente ou descendente da vítima presencie o crime, de forma física ou
virtual, não basta que assista às filmagens somente após a ocorrência do delito.
IV - em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do
caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.”. Trata-se das medidas protetivas
impostas nos delitos praticados em ambiente de violência doméstica.

O art. 121, §2º, VII, do CP qualifica o delito quando cometido contra autoridade, ou agente
descritos nos artigos 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da
Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra
seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição:

A incidência dessa qualificadora, introduzida pela lei 13.142/2015, exige que a vítima do
homicídio seja uma das seguintes autoridades ou agentes:
a) agente ou autoridade mencionados no art.142 da CF. A hipótese compreende os
integrantes das Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica.
b) agente ou autoridade mencionados no art.144 da CF. Trata-se dos integrantes dos
órgãos da segurança pública, que são a polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária
federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros. Quanto à guarda civil municipal ou
metropolitana, encontra-se prevista no § 8º do art.144 da CF, integra também a segurança pública,
a meu ver, encontra-se incluída, pois a lei 13.142/2015 refere-se ao art.144 da CF e não apenas ao
caput desse dispositivo. Igualmente, integra a segurança pública os agentes de segurança viária,
previstos no §10 do art.144 da CF, acrescentado pela EC 82/2014.
c) agente ou autoridade integrantes do sistema prisional. Trata-se dos servidores
incumbidos de velar pela execução da pena ou medida de segurança. Exemplos: juiz da execução
penal, promotor da execução penal, diretor de penitenciária, agente penitenciário, membros da
comissão técnica de classificação dos presídios e membros dos demais órgãos da execução penal.
Não abrange, contudo, os órgãos incumbidos da execução das medidas socioeducativas aplicadas
aos adolescentes, pois é vedada a analogia “in malam partem”. Lamentavelmente, também não
abrange os magistrados e membros do Ministério Público que atuam na fase de conhecimento do
processo criminal.

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d) agente ou autoridade integrantes da Força Nacional de Segurança Pública. Este


órgão, criado pelo Decreto 5.289/2004, com base nos arts. 144 e 241 da CF, tem sede em Brasília e
é vinculado ao Ministério da Justiça, sendo composto pelos policiais mais destacados de cada
Estado, do Distrito Federal e da Polícia Federal, para atuar em situações especiais.
e) cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau dos agentes ou
autoridades mencionados acima. A expressão companheiro abrange a união estável e a união
homoafetiva. A redação da referida lei faz ainda menção aos parentes consanguíneos até terceiro
grau e, por consequência, em flagrante afronta à isonomia, deixa de fora os filhos adotivos e
socioafetivos. Também não faz menção ao parentesco por afinidade, por exemplo, sogro, enteado,
padrasto, cunhado, etc. Diante da vedação da analogia “in malam partem”, a lacuna não poderá ser
suprida. Os parentes até terceiro grau na linha reta são os pais, avós, bisavós, filhos, netos e
bisnetos, enquanto que os colaterais de segundo grau são os irmãos e os de terceiro grau os tios e
sobrinhos. A Constituição Federal assegura o princípio da igualdade entre os filhos, proibindo
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação (§6º do art.227). Ora, o homicídio contra
filho biológico de agente penitenciário seria qualificado, mas o praticado contra filho adotivo, não.
Diante disso, força convir que, em ambas as hipóteses, a qualificadora não poderá incidir, sob pena
de afrontar o princípio da isonomia. E, se contra filho não é qualificado, não pode ser também
qualificado contra os demais parentes consanguíneos, caso contrário se violaria o princípio da
razoabilidade, que é uma diretriz que deve ser seguida pelo legislador, estando, pois, proibido de
editar leis que ferem a lógica e o bom senso. Outra solução seria declarar a inconstitucionalidade da
expressão “consanguíneo”, eliminando-a do texto legal, viabilizando-se, destarte, a incidência da
qualificadora à filiação adotiva e socioafetiva.

É ainda preciso, para a incidência da qualificadora o nexo funcional, isto é, que a vítima
seja atingida no exercício da função ou em decorrência dela, ainda que em dia de folga. Quanto aos
parentes até terceiro grau, a incidência da qualificadora requer que eles sejam alvejados em razão
dessa condição de parentesco.
Trata-se de uma qualificadora subjetiva, posto que relacionada à qualidade da vítima e aos
motivos do crime, de modo que não se comunica aos demais coautores e partícipes (art.30 do CP).
Quanto à qualificadora prevista no art. 121, §2º, VIII, do CP, emprego de arma de arma de
fogo de uso restrito ou proibido, foi introduzida pela Lei 13.964/2019, através da derrubada do
veto presidencial pelo Congresso Nacional, em votação finalizada no dia 19 de abril de 2021.

O dispositivo legal que continha esta qualificadora havia sido vetado pelo Presidente da
República, pelas seguintes razões:
“A propositura legislativa, ao prever como qualificadora do crime de homicídio o emprego de
arma de fogo de uso restrito ou proibido, sem qualquer ressalva, viola o princípio da
proporcionalidade entre o tipo penal descrito e a pena cominada, além de gerar insegurança
jurídica, notadamente aos agentes de segurança pública, tendo em vista que esses servidores
poderão ser severamente processados ou condenados criminalmente por utilizarem suas armas,
que são de uso restrito, no exercício de suas funções para defesa pessoal ou de terceiros ou, ainda,
em situações extremas para a garantia da ordem pública, a exemplo de conflito armado contra
facções criminosas”.
As justificativas utilizadas para o veto foram extremamente frágeis.
De fato, não se visualiza, destarte, qualquer ofensa ao princípio da proporcionalidade da
pena, tendo em vista que o fato se reveste de extrema gravidade.

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Acrescente-se ainda que se a qualificadora houvesse ressalvado os agentes de segurança


pública, o princípio da isonomia seria violado, pela falta do nexo de compatibilidade lógica para o
tratamento diferenciado, premiando-se justamente os criminosos que deveriam dar o exemplo de
comportamento.
Quando, por seu turno, eles agirem em situação de defesa pessoal, própria ou de terceiro,
máxime em conflito com facções criminosas, não há falar-se em crime, quando presentes, é claro,
os requisitos da causa de exclusão da ilicitude invocada como justificativa.
Por outro lado, a qualificadora em análise é uma norma penal em branco heterogênea, pois o
conceito e espécies de arma de fogo advém de decreto presidencial, que tem a natureza de ato
administrativo.
A qualificadora é ainda objetiva, comunicando-se aos demais coautores e participes (art. 30
do CP).
Trata-se de “novatio legis in pejus”, sendo inaplicável a fatos ocorridos antes de sua vigência.
Sobre o início de sua vigência, o art. 20 da Lei 13.964/2019, dispõe que:
“Esta Lei entra em vigor após decorridos 30 (trinta) dias de sua publicação oficial”.
A publicação oficial da aludida qualificadora, que então a fez nascer como lei, só ocorreu com
a derrubada do veto presidencial, de tal sorte que, em relação a ela e a outros dispositivos legais
onde o veto foi derrubado, houve a reabertura do prazo da “vacatio legis”.
Feitas as considerações acima, passo à classificação legal das armas de fogo, que podem ser
de:
a) uso permitido;
b) uso restrito;
c) uso proibido.
As armas de fogo de uso permitido são aquelas cuja posse ou porte pode ser autorizado às
pessoas físicas e jurídicas, que preenchem os requisitos normativos.
As armas de fogo de uso restrito, por sua vez, são aquelas em que a posse ou porte só é
possível para os membros das Forças Armadas ou de determinadas instituições, outrossim, por
algumas pessoas físicas ou jurídicas, devidamente, habilitadas, como é o caso dos colecionadores e
competidores.
Por fim, as armas de fogo de uso proibido são aquelas cuja posse ou porte não pode ser
autorizada a nenhuma pessoa. Exemplos: canhão, tanque de guerra, arma de fogo no formato de
caneta ou de outros objetos inofensivos.
No delito de homicídio com emprego de arma de fogo, as situações serão as seguintes:
a) armas de fogo de uso restrito ou proibido: o homicídio será qualificado e, por força do
princípio da subsidiariedade tácita ou implícita, haverá a absorção dos delitos de posse, porte e
disparo de arma de fogo, evitando-se “bis in idem”. Quanto ao registro e a autorização de porte da
arma de fogo, não excluem a qualificadora.
b) arma de fogo de uso permitido: não incide a qualificadora, pois é vedada a analogia “in
malam partem”.
Na hipótese de homicídio com arma de fogo de uso permitido, é preciso considerar o
seguinte:
a) o disparo de arma de fogo será absorvido, pela aplicação do princípio da consunção, pois já
funciona como ato de execução do homicídio.
b) os delitos de posse ou porte de arma de fogo, para uma primeira corrente, serão também
absorvidos pelo princípio da consunção, pois já se situam, no contexto fático, como atos
preparatórios do homicídio. Outra corrente, porém, defende que só haverá a absorção, quando
houver a relação específica de meio e fim com o delito de homicídio, ou seja, na hipótese de

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aquisição da arma com o propósito específico de matar a vítima, hipótese em que se impõe a
aplicação do princípio da consunção. Se, antes da decisão de matar a vítima, o agente já tinha a
arma, responderá pelo crime de homicídio em concurso material com respectivo crime de posse ou
porte de arma de fogo.

Homicídio qualificado contra menor de 14 (quatorze) anos ( art. 121, § 2 º, IX, do CP)

É qualificado o homicídio contra menor de 14 (quatorze) anos, conforme art. 121, §2 º, IX, do
CP, introduzido pela Lei 14.344/2022.
Trata-se de qualificadora objetiva, comunicando-se aos coautores e partícipes (art. 30 do CP).
É importante destacar que, por força da teoria da atividade, prevista no art 4º do CP, a
menoridade deve ser apurada ao tempo da conduta criminosa, incidindo a qualificadora ainda que,
ao tempo da morte, a vítima já tivesse completado quatorze anos.
Quanto ao agente que mata a vítima no dia em que ela completa quatorze anos, não
responderá pela qualificadora em debate, que só abrange o menor de quatorze anos.
No dia do aniversário, a vítima tem exatos quatorze anos, não sendo assim menor de
quatorze anos, de tal sorte que a incidência da qualificadora implicaria em analogia “in malam
partem”.
Se o legislador tivesse se referido à vítima que “não é maior de quatorze anos”, como fez no
parágrafo único do art. 126 do CP, o dia do aniversário de 14 anos também estaria abrangido pelo
tipo penal.
A incidência da qualificadora em análise, para se evitar o “bis in idem”, exclui a agravante
genérica de ter sido o crime cometido contra criança (art. 61, II, “h”, do CP).
Quanto ao erro escusável ou inescusável acerca da idade da vítima, afasta a qualificadora, por
ausência de dolo, mas a dúvida, por caracterizar dolo eventual, é suficiente para qualificar o delito.
Por outro lado, o §2º-B do art. 121 do CP, também introduzido pela Lei 14.344/2022, prevê
que a “pena do homicídio contra menor de 14 (quatorze) anos é aumentada de:
I - 1/3 (um terço) até a metade se a vítima é pessoa com deficiência ou com doença que
implique o aumento de sua vulnerabilidade;
II - 2/3 (dois terços) se o autor é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge,
companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver
autoridade sobre ela”.
Sempre que presente uma destas causas de aumento de pena e, ao mesmo tempo, houver
outra qualificadora do homicídio, tendo em vista a impossibilidade de cumulá-las, o juiz dará
preferência para a qualificadora da menoridade, a fim de se viabilizar a incidência de uma das
referidas majorantes.
Assim, no concurso entre qualificadoras, se houver uma destas causas de aumento do §2º-B
do art. 121 do CP, o magistrado deve selecionar como qualificadora o fato de o homicídio ter sido
cometido contra menor de 14 (quatorze) anos (art. 121, §2º, IX, do CP), nestas condições, se revela
mais grave que as demais qualificadoras, que serão então utilizadas como agravantes genéricas ou
circunstâncias judiciais, conforme constem ou não do rol dos arts. 61 e 62 do CP.
Convém relembrar que, na primeira fase da aplicação da pena, incide a qualificadora e
circunstâncias judiciais, na segunda, as agravantes e atenuantes genéricas, e, na terceira fase, as
causas de aumento e diminuição de pena.
Oportuno também destacar que o parágrafo único do art. 68 do CP veda a cumulação de duas
ou mais causas de aumento de pena previstas na parte especial do Código Penal, hipótese em que o
juiz aplicará um só aumento, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente.

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Assim, caso o júri reconheça as duas majorantes do § 2º-B do art. 121 do CP, só incidirá a do
inciso II, que é de maior gravidade, e, nesse caso, a do inciso I, vítima com doença ou deficiência, o
juiz a utilizará, na segunda fase da pena, como agravante genérica de ter sido o crime cometido
contra enfermo (art. 61, II, “h” do CP).
A primeira majorante prevê o aumento de 1/3 (um terço) até a metade se a vítima é pessoa
com deficiência ou com doença que implique o aumento de sua vulnerabilidade.
O fundamento é a maior proteção conferida aos vulneráveis.
Tanto a deficiência quanto a doença podem se referir a aspectos físicos ou mentais, pois a lei
não faz qualquer distinção.
Contudo, para a caracterização da majorante, não basta a deficiência ou doença, sendo ainda
necessário que ela implique no aumento da vulnerabilidade da vítima, que é a fraqueza que diminui
a possibilidade de defesa.
A outra causa de aumento, exaspera a pena em 2/3 (dois terços) se o autor é ascendente,
padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador
da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela.
Esta majorante prevê a interpretação analógica ou “intra legem”, pois o legislador, após
mencionar a fórmula casuística, utiliza-se de uma fórmula genérica, através da qual manda
abranger os casos semelhantes.
A fórmula casuística consiste na seguinte enumeração exemplificava: “se o autor é
ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou
empregador da vítima”. Há a estranha previsão de o agente ser cônjuge ou companheiro da vítima,
mas, na verdade, o menor de quatorze anos não pode se casar nem viver em união estável, aliás, a
lei civil veda, sem abrir exceção, o matrimônio aos menores de dezesseis anos (art.1.520 do CC).
A fórmula genérica, por sua vez, recai sobre a seguinte oração: “ou por qualquer outro título
tiver autoridade sobre ela”.
Vê-se assim que a enumeração da fórmula casuística é exemplificava, porquanto através da
fórmula genérica se abarca outros fatos semelhantes, como a babá da criança.
Ressalte-se que o fundamento da majorante, consiste na maior ofensa à moralidade, tendo
em vista que o delito acaba sendo praticado por quem deveria proteger a vítima.
De outro giro, o homicídio contra menor de 14 quatorze) anos se tornou qualificado, a partir
do advento da Lei 14.344/2022, pois, até então, era causa de aumento de pena de um terço,
prevista na parte final do § 4º do art. 121 do CP.
A Lei 14.344/2022, porém, não revogou expressamente a citada parte final do § 4º do art. 121
do CP, de tal sorte que o assunto comporta duas interpretações:
a) não houve revogação tácita, pois esta só se verifica diante da incompatibilidade absoluta
entre o novo dispositivo legal e o anterior e, no caso, é possível a compatibilização quando houver
mais de uma qualificadora, hipótese em que só uma poderá ter incidência. Dessa forma, em
havendo mais de uma qualificadora, o juiz, ao aplicar a pena, fora das hipóteses do § 2º-B do art.
121 do CP, não se utilizaria da menoridade como qualificadora, aplicando-a, contudo, como causa
de aumento de pena, com base na parte final do § 4º do art. 121 do CP. De fato, se a jurisprudência
aceita que uma qualificadora, após ser reconhecida pelo júri e depois descartada pelo juiz
presidente em função da existência de outra, seja utilizada como agravante genérica ou
circunstância judicial, não há também razão lógica para impedir a sua incidência como causa de
aumento de pena.
b) houve revogação tácita, porquanto a circunstância, no âmbito do mesmo tipo penal, não
pode, no plano legislativo, figurar simultaneamente como qualificadora e causa de aumento de
pena, sob pena de violação do princípio constitucional da individualização da pena, em seu aspecto

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legislativo ou abstrato (art. 5 º, XLVI, da CF). Dessa forma, em havendo mais de uma qualificadora,
caso a escolhida pelo magistrado não seja a do art. 121, §2 º, IX, do CP, o juiz a utilizará como
agravante genérica de ter sido o crime cometido contra criança, nos termos do art. 61, II, “h”, do
CP; mas, se a vítima menor de quatorze anos já havia completado doze anos, não sendo assim mais
criança, o magistrado deverá então empregar a referida menoridade como circunstância judicial
(art. 59 do CP).
Filio-me aos adeptos da primeira exegese, porquanto se a qualificadora não utilizada como tal
pode ser empregada como agravante genérica ou circunstância judicial, conforme a hipótese, com
maior razão também poderá ser aplicada como causa de aumento de pena, pois esta tem maior
proximidade com a qualificadoras.

HOMICÍDIO CULPOSO

CONCEITO E ELEMENTOS

Homicídio culposo é a morte provocada por imprudência, negligência ou imperícia.

ESPÉCIES DE HOMICÍDIOS CULPOSOS

O Código Penal ocupa-se de duas formas de homicídios culposos: a simples e a qualificada.


O homicídio culposo simples está previsto no § 3º do art.121 do CP, cuja pena varia de um a
três anos de detenção. O conceito de homicídio culposo simples obtém-se por exclusão, tipificando-
se quando não ocorrer nenhuma das hipóteses do § 4º do art.121 do CP.
Com efeito, na primeira parte do § 4º do art.121 do CP está definido o homicídio culposo
qualificado ou circunstancial. Trata-se de causa de aumento de pena em quantidade fixa de um
terço.
O aumento da pena em 1/3, previsto no sobredito § 4º do art.121 do CP, tem lugar:

I.Se o agente não observa regra técnica de arte, profissão ou ofício;


II. Se o agente omite socorro à vítima;
III. Se o agente não procura diminuir as consequências de seu ato;
IV. Se o agente foge para evitar prisão em flagrante.

PERDÃO JUDICIAL

Perdão Judicial é o ato do magistrado que deixa de aplicar a pena ao réu em virtude da
presença de determinadas circunstâncias expressamente previstas em lei.
A Lei n. 6.416, de 24 de maio de 1977, introduziu o § 5º ao art. 121 do Código Penal, dispondo
que, “na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conse-
quências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne
desnecessária”.
Do exposto dá se conta de que o aludido perdão judicial é um benefício penal aplicável
exclusivamente ao homicídio culposo que tenha gerado graves consequências para o agente. As
consequências tanto podem ser físicas, como por exemplo, ferimentos graves no próprio agente,
ou morais, como no atropelamento do próprio filho.

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A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não


subsistindo qualquer efeito condenatório (Súmula n. 18 do STJ).
Não obstante o perdão judicial figurar no § 5º do art.121 do CP, o certo é que a doutrina
revela uniformidade de vistas no sentido de que o sobredito perdão também deve ser aplicado ao
homicídio culposo do Código de Trânsito.

INDUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO OU A AUTOMUTILAÇÃO

Considerações gerais
O suicídio, por si só, não constitui delito. Igualmente, a automutilação com justeza já se
afirmou o absurdo que seria o direito penal contemporâneo comportar-se como o direito canônico
da Idade Média, que aplicava pena ao cadáver do suicida e equiparava, ainda, a tentativa de
suicídio à tentativa de homicídio.
O legislador, porém, erigiu à categoria de crime a conduta de participação em suicídio ou em
automutilação.
Por outro lado, o art. 146, § 3o, II, do Código Penal tornou lícita a coação empregada para
impedir o suicídio e, por analogia “in bonam partem”, para impedir a automutilação. Sendo assim,
força convir que o suicídio é um fato antijurídico, porém desvestido de tipicidade. Igualmente, a
automutilação.
A tipicidade reside, tão-somente, nas condutas de induzir, instigar ou auxiliar alguém ao
suicídio ou à automutilação (CP, art. 122), à semelhança da prostituição que, por si só, não é
punida, residindo a criminalidade na conduta do proxeneta que induz alguém à prostituição (CP,
art. 228).
A lei 13.968/2019 alterou a redação do art. 122 do CP em inúmeros aspectos, com destaque
para os seguintes:
a) modificou o delito de participação em suicídio, responsabilizando criminalmente o terceiro
que concorre para uma tentativa frustrada de suicídio. Antes da aludida lei, o delito do art. 122 só
se configurava quando do fato resultava morte ou lesão grave, mas, agora, o crime se caracteriza
ainda que da tentativa resulte apenas lesão corporal leve ou então nenhuma lesão.
b) criou, no próprio art. 122 do CP, um novo crime, participação em automutilação.
c) alterou parcialmente o enquadramento típico na hipótese de o delito ser praticado contra
vítima vulnerável.
d) introduziu novas causas de aumento de pena.
A propósito, dispõe o art. 122 do CP:
”Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio
material para que o faça:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos”.
O tipo penal em análise se desdobra em 2 (dois):
a) participação em suicídio;
b) participação em automutilação.
No suicídio, a vítima tem o desejo de morrer; na automutilação, a vontade da vítima é de
apenas lesionar a própria integridade física.
Em ambos os delitos, o ato de execução é realizado pela própria vítima, ao passo que, nos
delitos de homicídio e lesão corporal, a execução provém de um terceiro.
Os dois delitos encontram-se inseridos no Capítulo I do Título I da Parte Especial do Código
Penal, que cuida dos crimes contra a vida.
No delito de participação em automutilação, conquanto a vítima não tenha a vontade de

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morrer, o certo é que o terceiro que participou do fato quer que ela morra ou então assume o risco
de lhe provocar a morte.
Com efeito, à medida que o delito de participação em automutilação fora inserido entre os
crimes contra a vida, força convir que o agente procede com dolo de matar, tanto é que a pena
abstrata do referido delito é a mesma do crime de participação em suicídio, sendo ambos os delitos
da competência do tribunal do júri.
O agente que, sem o dolo de matar, induz a vítima à automutilação, não responde pelo delito
em análise e, na verdade, diante da atipicidade do fato, permanecerá impune, pois é vedada a
analogia “in malam partem”.
Talvez não tenha sido esta a intenção do legislador, mas, como se sabe, uma vez promulgada,
a vontade da lei se desprende da vontade do legislador e, na análise do tipo penal, o intérprete não
pode se desvencilhar do bem jurídico tutelado que, no caso, é a vida, sendo, pois, necessário que o
dolo do agente seja o de matar ou assumir o risco de matar a vítima através da automutilação.
Noutras palavras, o referido tipo penal dificilmente terá aplicação prática.

CONCEITO

O suicídio, no dizer de Nélson Hungria, “é a eliminação voluntária e direta da própria vida”.

Dessa definição resultam os elementos constitutivos do suicídio:


I. eliminação voluntária da própria vida;
II. eliminação direta da própria vida.

Assim, se uma pessoa obriga a outra a ingerir veneno, mediante coação moral irresistível,
ocorre o delito de homicídio, pois no suicídio é curial o desejo de morrer da vítima.
Por outro lado, íntima é a ligação entre o suicídio e o homicídio consentido. No primeiro, a
execução é realizada pela própria vítima; no segundo, o ato executório de matar é operado por
terceiro.
Suponha-se que o agente encontre a vítima à beira de um despenhadeiro, com intenção de
despedir-se da vida, e resolva instigá-la ao salto letal. Nesse caso, responderá pelo delito de
participação em suicídio (art. 122 do CP), pois foi a própria vítima quem executou o ato
consumativo da morte. Se, entretanto, não tendo coragem de precipitar-se no despenhadeiro, a
vítima pede ao agente que a empurre, haverá delito de homicídio consentido (CP, art. 121), pois
dessa vez foi ele quem executou o ato consumativo da morte.

SUJEITO PASSIVO

Sujeito passivo deve ser pessoa ou pessoas determinadas, com capacidade de resistência e
discernimento para compreender o ato. No suicídio, a vítima conscientemente se auto-executa,
sendo, por isso, indispensável a capacidade de resistência ou discernimento em relação ao ato
praticado.
Por outras palavras, haverá homicídio se a capacidade de resistência da vítima for nula (art.
26, caput, do CP). Como adverte Euclides Custódio da Silveira: “Punir-se-á de acordo com o art. 121
aquele que induzir, instigar ou auxiliar um demente ou uma criança de tenra idade a se suicidar”.
Referentemente ao induzimento ou instigação de caráter genérico, isto é, dirigido a um
número indeterminado de pessoas, por exemplo, obra literária incentivando os leitores ao suicídio,

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não caracteriza o delito em estudo, pois, como já vimos, o sujeito passivo tem de ser pessoa ou
pessoas determinadas.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO

O crime se imputa a título de dolo, que consiste na vontade livre e consciente de provocar a
morte da vítima através do suicídio. Não basta, porém, o desejo do agente em provocar a morte da
vítima, urge ainda que esta também tenha a intenção de suicidar-se. Como esclarece Cezar Roberto
Bitencourt: “Não haverá crime se, por exemplo, a vítima estivesse zombando de alguém que
acreditava em sua insinuação e, por erro, vem a falecer”.
Basta, porém, para a configuração do delito, o dolo eventual, que se dá quando o agente, sem
querer diretamente o suicídio, pratica uma daquelas três condutas assumindo o risco de provocá-
lo. Por exemplo, responde pelo delito o pai que expulsa a filha de casa tendo sérias razões para
acreditar que ela iria se suicidar.
O delito, contudo, não admite a forma culposa. Há quem sustente que se a conduta culposa
do agente provocar o suicídio da vítima haverá homicídio culposo. Rendemo-nos à posição
contrária, porque o crime culposo tem caráter excepcional, caracterizando-se apenas nos casos
expressos em lei. A lacuna não pode ser suprida, porque é vedada a analogia “in malam partem”.

CONSUMAÇÃO

O delito é material e, por isso, só se consuma com a ocorrência da morte ou lesão corporal
grave. São dois os resultados previstos na lei aptos a ensejarem a consumação, a saber: a morte e
as lesões corporais graves previstas nos §§ 1º e 2º do art. 129 do CP.
O Código Penal de 1890 só punia a participação em suicídio quando este se consumava. A
simples tentativa de suicídio, ainda que dela resultasse lesão corporal grave, não era punível. O
Código Penal vigente inovou, nesse aspecto, alargando a punição, considerando consumado o
delito quando da tentativa de suicídio resultar lesões corporais graves.
Cumpre registrar o posicionamento minoritário, esposado por Hungria, segundo o qual a
consumação ocorre com o simples induzimento, instigação ou prestação de auxílio. O ilustre
penalista vislumbrava na morte e lesão grave condições objetivas de punibilidade, necessárias à
instauração da persecução penal, e não propriamente para a consumação. Semelhante raciocínio
não pode prevalecer. Com efeito, as condições objetivas da punibilidade são fatos exteriores ao
tipo legal e cuja ocorrência independe da vontade do agente. Ora, no caso em apreço, a morte e a
lesão grave situam-se dentro do tipo legal e a sua ocorrência está compreendida no dolo do agente.
Não temos dúvida em afirmar que a morte e a lesão corporal grave são os resultados
necessários à consumação do delito do art.122 do CP.

TENTATIVA

Trata-se de delito de atentado ou de empreendimento, pois a tentativa de suicídio geradora


de lesão grave é punida como crime consumado.
Não é possível tentativa, pois a lei condicionou a tipicidade do fato à ocorrência da morte ou
da lesão corporal grave. Se a tentativa de suicídio não provocar lesão ou apenas gerar lesão leve, o
fato será atípico. É um dos únicos crimes materiais que não admitem a tentativa.

CAUSAS DE AUMENTO DE PENA

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São três as causas de majoração da pena:


a) se o crime é praticado por motivo egoístico;
b) se a vítima é menor;
c) se a vítima tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

Motivo egoístico: ocorre quando o agente provoca o suicídio para obter vantagem pessoal,
de cunho patrimonial ou extrapatrimonial. Exemplos: induz o pai ao suicídio visando o recebimento
da herança; auxilia o jovem ao suicídio para conquistar-lhe a namorada.
Na segunda causa de aumento de pena, menoridade da vítima, o legislador não indicou
expressamente o limite dessa idade, obrigando o intérprete a socorrer-se do método lógico-
sistemático de hermenêutica, cotejando os diversos dispositivos legais, no intuito de apurar a
verdadeira ratio legis.
Assim, o menor aludido no texto legal deve ter capacidade de discernimento para entender o
ato praticado, isto é, de esboçar livremente a sua vontade, o que só acontece a partir dos quatorze
anos. Efetivamente, o art. 217-A do Código Penal, não considera válida a manifestação de vontade
de quem é menor de 14 anos. Desse modo, se a vítima é menor de 14 anos, responderá por
homicídio aquele que a induziu, instigou ou a auxiliou ao suicídio. Se a vítima já tiver 14 anos, mas
for menor de 18 anos, o agente responderá pelo delito de participação em suicídio com a pena
duplicada. A partir dos 18 anos, a pena do art. 122 não é mais duplicada. Portanto, a expressão
menor compreende a pessoa com quatorze até antes dos dezoito anos. De fato, o dispositivo fala
em menor, e a menoridade penal cessa aos dezoito anos (CP, art. 27).
A terceira causa de aumento de pena, diminuição da capacidade de resistência da vítima,
aplica-se quando a situação amoldar-se numa das hipóteses do parágrafo único do art. 26, do
Código Penal, ou então quando a vítima encontrar-se gravemente enferma, completamente
embriagada, altamente depressiva, etc., justificando-se, portanto, a duplicação da sanctio juris.
Enquadrando-se, porém, a vítima nas hipóteses do art. 26, caput, sendo, pois, absolutamente
incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento, v. g., idiotas, oligofrênicos, etc., haverá o delito de homicídio.

QUESTÕES ESPECIAIS

Dentre as questões que suscita o delito em apreço, a que exige raciocínio mais aguçado é a do
suicídio a dois.
Suponha-se que “A” e “B” tenham feito um pacto de suicídio, trancando-se num quarto
hermeticamente fechado, onde está instalada uma torneira de gás. Antes de elencarmos as
diversas hipóteses possíveis, cumpre destacar a presença de instigação recíproca à medida que o
pacto de morte foi combinado pelos dois.
Não se perca também de vista que no suicídio a vítima realiza diretamente o ato de execução
da morte. Nunca é demais salientar que o ato de execução, no exemplo ministrado, reside na
abertura da torneira de gás. Abrir a aludida torneira equivale a acionar o gatilho do revólver.
Feitas essas considerações preliminares, vamos à análise das hipóteses:

1. “A” abre a torneira e morre. “B” responde por participação em suicídio. Se


morre “B”, o sobrevivente “A” responde por homicídio. Se os dois sobrevivem, por
circunstâncias alheias à vontade, “A” responde por tentativa de homicídio, ao passo que a
conduta de “B” é atípica, pois o delito do art. 122 do Código não admite a tentativa. Se,

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entretanto, “A” sofre lesões graves, “B” responde pelo delito consumado de participação
em suicídio.
2. Os dois abrem a torneira de gás, mas sobrevivem por circunstâncias alheias à
vontade. Ambos respondem por tentativa de homicídio. “A” em relação a “B”; “B” em
relação a “A”.

Urge também se formule a questão da roleta russa. Suponha-se que “A” e “B” rolem o tambor
do revólver que contém um só projétil, disparando, cada um em sua vez, a arma na própria direção.
O sobrevivente responde por participação em suicídio, pois, aderindo a essa prática, instigou a
vítima ao suicídio.
Por último, responde por homicídio culposo aquele que, pretendendo suicidar-se, erra o alvo
e mata um terceiro.

INFANTICÍDIO

CONCEITO

Dispõe o art. 123 do Código Penal:


“Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após.
Pena — detenção, de dois a seis anos”.

Dessa definição resultam os elementos constitutivos do infanticídio:


I. matar a mãe o feto nascente ou o recém-nascido;
II. influência do estado puerperal.

Pela nossa lei penal, o primeiro elemento indispensável à caracterização do delito é que o
fato lesivo seja executado pela própria mãe. Se o agente for o pai, responderá por homicídio.
Em segundo lugar exige-se a influência do estado puerperal. Este critério chama-se fisiológico.
Abandonou-se o critério psicológico, adotado no direito anterior, que exigia o motivo de honra,
verificado nos casos de gravidez resultante de relações extraconjugais, que procurava justificar o
infanticídio pelo receio da desonra e da reprovação social.
No Código vigente, contudo, a morte do recém-nascido provocada pela mãe que teme a
própria desonra caracteriza delito de homicídio privilegiado pelo relevante valor moral (CP, art.
121, § 1º).

SUJEITO ATIVO

Trata-se de crime próprio, uma vez que só pode ser cometido pela mãe.
O terceiro que concorre para o crime, na condição de coautor ou partícipe, responde pelo
delito. Efetivamente pela teoria monista da ação quem, de qualquer modo, concorre para o crime
responde pelo mesmo crime (CP, art. 29). Assim, o terceiro (partícipe) que induz, instiga ou auxilia
uma mãe a cometer infanticídio, responde também por infanticídio.

SUJEITO PASSIVO

Sujeito passivo do crime só pode ser o neonato (recém-nascido morto após o parto) ou o
nascente (feto morto durante o parto).

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Questão que também merece breve alusão é a morte de outro filho pela mãe, sob a
influência o estado puerperal, durante o parto ou logo após.
Nesse caso, não haverá infanticídio, mas homicídio, com o benefício do parágrafo único do
art. 26 do Código Penal. Efetivamente, o sujeito passivo do infanticídio é o filho enquanto nasce
(nascente) ou o recém-nascido (neonato), cuja vida a mãe destrói, sob a influência do estado
puerperal. Se, no entanto, por erro, a parturiente, influenciada pelo puerpério, durante o parto ou
logo após, mata outro filho, confundindo-o com o nascente ou neonato, responderá por delito de
infanticídio.

INFLUÊNCIA DO ESTADO PUERPERAL

COMPATIBILIDADE DO INFANTICÍDIO COM O ART. 26 E PARÁGRAFO ÚNICO DO CP

Há certos casos em que a mulher, após o parto, se vê acometida da chamada psicose


puerperal, doença mental que lhe tira totalmente o poder de autodeterminação, erigindo-a a
categoria dos absolutamente inimputáveis mencionados no art. 26, caput, do Código Penal.
A culpabilidade é evidentemente excluída, por força da aludida doença mental. A mãe
infanticida é isenta de pena, nos termos do art. 26, caput, do Código Penal. A denúncia é oferecida,
imputando-lhe o art. 123 c/c o art. 26, caput, ambos do Código Penal, devendo, no entanto, a
sentença absolvê-la sumariamente, aplicando a medida de segurança somente na hipótese de
persistência da periculosidade.
Se, por outro lado, além da influência do estado puerperal, houver outra causa de semi-
imputabilidade, consistente em perturbação da saúde mental, que não lhe retire a inteira
capacidade de entendimento ou autodeterminação, aplicar-se-á o parágrafo único do art. 26 do
Código Penal, podendo a pena do infanticídio ser reduzida de um a dois terços, ou então
substituída por medida de segurança.

Podemos sintetizar as seguintes hipóteses:

1ª.A parturiente que mata o filho, sem estar influenciada pelo estado puerperal,
responde por homicídio (CP, art. 121).
2ª.A parturiente que mata o filho, sob a influência do estado puerperal, responde por
infanticídio (CP, art. 123). Inadmissível a invocação do parágrafo único do art. 26 do Código
para obter-se a redução da pena, pois a influência do estado puerperal (causa de semi-
imputabilidade) já está compreendida no tipo legal do art. 123 do Código.
3ª.A parturiente que mata o filho, influenciada pelo estado puerperal e também por
apresentar alguma outra causa que lhe tire a plenitude do poder de autodeterminação,
responde pelos arts. 123 e 26, parágrafo único do CP, podendo assim beneficiar-se da
redução da pena de um a dois terços, ou então obter medida de segurança.
4ª.A parturiente que mata o filho, por estar acometida de doença mental (psicose
puerperal), responde pelo art. 123 c/c o art. 26, caput, ambos do Código Penal, devendo ser
absolvida sumariamente, em razão da causa excludente da culpabilidade.

ABORTO

CONCEITO

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Modernamente, entende-se que aborto é a interrupção do curso da gravidez antes do termo


normal, com a consequente morte do produto da concepção.
Cumpre anotar, desde já, a desnecessidade da expulsão do produto da concepção, pois a
morte pode ocorrer dentro do útero, permanecendo o feto absorvido e calcificado pelo organismo
materno.
Dessa definição sobressaem os seguintes elementos necessários à constituição do delito:
 estado fisiológico da gravidez;
 emprego de meios dirigidos à provocação do aborto;
 morte do produto da concepção;
 dolo.

ESTADO FISIOLÓGICO DA GRAVIDEZ

Urge salientar a necessidade de uma gravidez fisiológica (normal) para a caracterização do


aborto. Realmente, a interrupção de gravidez patológica (extrauterina e molar) não constitui crime
de aborto, pois o produto da concepção não atingirá vida própria.
Tem-se a gravidez extrauterina quando o ovo se desenvolve fora do útero, por exemplo, nas
trompas, colocando em risco a vida da gestante.
A gravidez molar é a que dá origem à formação de uma mola carnosa, geralmente sem
embrião ou então um embrião degenerado, inapto a produzir uma nova vida. As molas não são
fetos; não têm vida.
No aborto, é imprescindível o exame de corpo de delito, direto ou indireto, comprovando a
gravidez fisiológica e sua interrupção dolosa. A gravidez suposta ou putativa exclui o crime, pois em
tal caso o emprego de meio abortivo é crime impossível (CP, art. 17).

EMPREGO DE MEIOS DIRIGIDOS À PROVOCAÇÃO DO ABORTO

O aborto é crime de forma livre, admitindo uma infinidade de meios executórios. Os meios
abortivos mais citados são:
a) processos químicos: introdução de certas substâncias químicas no organismo, como o
fósforo, chumbo, álcool, ácido etc.;
b) processos físicos mecânicos: curetagem, jogos esportivos, quedas voluntárias, etc.;
c) processos físicos térmicos: bolsas de água quente e bolsas de gelo;
d) processos psíquicos: susto, sugestão, incutimento de terror, etc.

MORTE DO PRODUTO DA CONCEPÇÃO

Fator indispensável à consumação do aborto é a morte do produto da concepção. Se este é


expulso vivo e continua a viver haverá mera tentativa de aborto.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO

O delito de aborto somente admite a forma dolosa, consistente na vontade livre e consciente
de interromper a gravidez, provocando a morte do produto da concepção.
O dolo pode ser direto (quando há vontade de eliminar o produto da concepção) e eventual

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(quando assume o risco de matar o feto). A dúvida quanto à gravidez caracteriza dolo eventual.
Por outro lado, não há crime de aborto culposo ou preterintencional. O terceiro que
culposamente der causa ao aborto responderá por lesão corporal culposa. Se, porém, agir com dolo
em relação à lesão corporal produzida na mulher grávida (cuja gravidez desconhecia, mas com a
diligência normal poderia conhecer), sobrevindo o aborto culposo, responde por lesão corporal
gravíssima (art. 129, § 2º, V, do CP).
A necessidade da presença do dolo exclui a tipicidade do aborto acidental, provocado por um
traumatismo involuntário, como, por exemplo, queda da escada. Igualmente, não há crime no aborto
natural, consistente num processo patológico manifestado na gestante ou no nascituro que conduz
espontaneamente ao aborto, sem qualquer provocação intencional.
CONSUMAÇÃO

No crime de aborto, o momento consumativo se dá com a morte do produto da concepção,


resultante da interrupção da gravidez. Já procuramos mostrar anteriormente que a morte do feto pode
ocorrer dentro ou fora do útero. Se, por exemplo, com a manobra abortiva, o feto prematuro é expulso
vivo, mas vem a morrer alguns dias depois em razão da interrupção da gravidez, haverá delito de aborto.
Da mesma forma, se o organismo materno reabsorver o feto no seu interior, calcificando-o, o delito
também será de aborto.
Tenha-se presente, todavia, que o aborto é delito contra a vida. Se por ocasião das manobras
abortivas o feto já estiver morto, o crime é impossível, por falta do objeto jurídico (CP, art. 17).
Igualmente, quando não houver gravidez.
Por outro lado, o aborto eugenésico não foi disciplinado pelo nosso legislador. Aborto
eugenésico ou piedoso é o provocado para impedir o nascimento de crianças com anomalias
físicas ou mentais.
Na atualidade, porém, o direito penal pátrio proíbe essa prática, constituindo delito, por
exemplo, o aborto praticado por médico em nascituro portador do vírus da AIDS.
Cumpre, porém, registrar que, na prática, alguns juízes autorizam o aborto eugenésico,
quando o feto apresenta anomalia impeditiva da sobrevida prolongada da criança. Essas anomalias
incompatíveis com a vida, cujo tratamento intra ou extrauterino mostra-se totalmente inviável, vão
desde agenesia renal (ausência de rins) até a ausência de hemisférios cerebrais (anencefalia). A
permissão judicial do aborto é amparada pelo princípio da inexigibilidade de conduta diversa. Trata-
se de uma causa supralegal de exclusão da culpabilidade. Os fetos anencéfalos e com agenesia
renal não atingiram o mínimo de desenvolvimento biológico para a entrada na humanidade. Não se
trata de uma vida propriamente humana, porque é incapaz de uma existência autônoma. O aludido
aborto tem o escopo de evitar o nascimento de um feto cientificamente sem vida. A propósito, a
questão encontra-se pacificada no STF no sentido da admissibilidade desse aborto.

TENTATIVA

Urge, porém, antes de mais nada, salientar que o delito de aborto contém duplicidade
de resultados: interrupção da gravidez e morte do nascituro. Assim, haverá tentativa quando,
malgrado o emprego de meios abortivos idôneos, não sobrevier a morte do produto da concepção,
por circunstâncias alheias à vontade do agente.
Mister, porém, a idoneidade do meio empregado, isto é, aptidão para interromper a gravidez.
Se este foi absolutamente inidôneo (v. g., rezas ou despachos) não se pode falar nem em tentativa
de aborto, pois o crime é impossível (CP, art. 17).
O caso mais típico de tentativa de aborto é quando o agente, pretendendo interromper a

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gravidez, apenas acelera o parto e o feto nasce com vida e sobrevive. Nessa hipótese, a ação
ulterior contra o recém-nascido, depois da expulsão, tendo este maturidade suficiente para
continuar a viver, constitui crime de infanticídio ou homicídio.
Questão interessante é a relatada por José Frederico Marques: um homem desfere violenta
facada no ventre de mulher grávida, para matá-la, e o delito se consuma. O feto, porém, é expulso
vivo e vem a perecer, poucos dias depois, em consequência de ter sido atingido pela facada. Houve
aí, segundo o genial jurista, concurso formal de homicídio e aborto provocado. Realmente, essa é a
única solução, pois a morte do feto foi decorrente da interrupção da gravidez.
Outro caso revelado pela doutrina, narrado por Magalhães Noronha, concerne a certo
indivíduo que desfere facadas no ventre de mulher grávida de nove meses, sem matá-la; dias
depois nasce a criança, que, entretanto, vem a falecer dez dias após, devido à lesão que lhe foi
produzida, quando no ventre materno. Anote-se, desde já, que não houve a interrupção da
gravidez, operando-se o nascimento no termo normal. A solução da questão é a seguinte:

1. Tentativa de homicídio em relação à gestante, pois o animus necandi revelou-se de modo


inequívoco.
2. Homicídio consumado em relação ao produto da concepção. Efetivamente, como a
gravidez não se interrompeu, torna-se insustentável punir o fato como aborto consumado. Mais
absurdo ainda seria enquadrá-lo como tentativa de aborto, uma vez que sobreveio a morte da
criança.
Com sabedoria, Magalhães Noronha dirimiu a questão, nos seguintes termos: “O sujeito quis
matar o feto, mas, ao agir ele assume o risco de matá-lo fora do claustro materno, e, por via de
consequência, a imputação desse resultado não foge ao dolo com que agiu; não há falar, então, em
culpa muito menos em responsabilidade objetiva”. E adiante acrescenta: “cremos, destarte, que o
crime é homicídio, sob pena de ficar impune o agente, já que abortamento não houve, e tentativa
de aborto com homem morto não só não corresponde a princípios elementares de justiça como
também nos parece uma contradictio in adejecto”.

ESPÉCIES DE ABORTO

O Código prevê quatro modalidades de aborto:


a) autoaborto (art. 124, 1ª parte);
b) aborto consentido (art. 124, 2ª parte);
c) aborto consensual (art. 126);
d) aborto sem o consentimento da gestante (art. 125 e parágrafo único do art. 126).

AUTOABORTO (ART. 124, 1ª PARTE)

O autoaborto é o praticado pela própria gestante.


Sujeito ativo do delito é a gestante. Ela quem executa diretamente a conduta criminosa.
Os estranhos podem atuar como partícipes, mas não como coautores.
Nessa ordem de ideias, o terceiro que induz, instiga ou auxilia a gestante a realizar o
autoaborto responde como partícipe do autoaborto, por força da teoria monista da ação (CP, art.
29). Se, no entanto, executar junto com a gestante os atos executórios do abortamento,
responderá pelo art. 126 (aborto consensual), permanecendo a gestante incursa no art. 124, 1ª
parte (autoaborto), ocorrendo, destarte, uma exceção pluralística à teoria monista da ação, pois a
lei penal descreve dois crimes distintos, ao invés de tratar a hipótese como crime único.

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ABORTO CONSENTIDO E ABORTO CONSENSUAL

O aborto consentido ocorre quando a gestante permite que outrem lho provoque. Encontra-
se definido na 2ª parte do art. 124 do Código Penal. É essencial ao crime o concurso dos dois
elementos seguintes: a) consentimento da gestante; b) execução do aborto por terceiro.
Observe-se, porém, desde logo, que o aborto consentido é crime bilateral, exigindo a
presença de duas pessoas: a gestante e o terceiro executor.
Ressalte-se ainda que o terceiro responde pelo art. 126 do Código Penal, enquanto a
gestante, pelo art. 124, 2ª parte, do mesmo codex, operando-se assim uma exceção pluralística à
teoria monista da ação, pois cada um dos protagonistas responde por delito autônomo e distinto.
Por outro lado, cuidando especificamente do aborto consensual, dispõe o art. 126: “Provocar
aborto com o consentimento da gestante: Pena — reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos”.
Aborto consensual é o praticado por terceiro com o consentimento da gestante. Íntima,
portanto, a sua relação com o delito de aborto consentido.
É necessária a capacidade para consentir, isto é, que a gestante tenha mais de 14 (quatorze)
anos e não seja alienada ou débil mental. A falta de capacidade para consentir é disciplinada no
parágrafo único do art. 126 do Código, dando ensejo à figura típica do art. 125 do Código Penal.
Urge não esquecer que o consentimento precisa ser esboçado livremente pela gestante capaz
de consentir. Assim, se o consentimento for obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência,
configurar-se-á o delito previsto no art. 125 do Código Penal.
Questão que os tribunais têm enfrentado com certa frequência é a da adequação típica
daquele que concorre para o aborto provocado com o consentimento da gestante, instigando-a,
encaminhando-a ao médico aborteiro. Facilmente se vê que a gestante estará incursa no art. 124,
2ª parte (aborto consentido), e o médico, no art. 126 (aborto consensual). O enquadramento da
conduta daquele que a conduziu, porém, requer exame pormenorizado. Efetivamente, se executou
diretamente o abortamento, atuando como coautor do delito juntamente com o médico,
responderá pelo art. 126 do Código Penal. Se, entretanto, teve participação meramente acessória,
limitando-se a induzir, instigar ou auxiliar a gestante a procurar o médico inescrupuloso,
concorrendo exclusivamente no processo de seu convencimento, sem provocar materialmente o
aborto, responderá como partícipe do art. 124, 2ª parte, do Código Penal.

ABORTO PRATICADO SEM O CONSENTIMENTO DA GESTANTE

O art. 125 do Código pune, com reclusão de 3 (três) a 10 (dez) anos, o aborto provocado sem
o consentimento da gestante.
O dissenso da gestante é o elemento essencial à configuração do delito. Pode ser expresso ou
presumido. Expresso ou real ocorre quando a gestante opõe-se ao aborto, mas é vencida pela
violência física (v. g., pontapé no ventre), grave ameaça (v. g., obriga a gestante a fazer o aborto,
sob ameaça de morte) e fraude (v. g., introduz substância abortiva na alimentação da gestante).
Fraude é o artifício empregado pelo agente para induzir ou manter a gestante em erro. Anote-se
que para a configuração do delito em apreço basta a ausência do consentimento, sendo
desnecessária a violência, grave ameaça ou fraude. Assim, responde pelo crime quem provoca o
aborto em gestante que se encontra dormindo, fazendo-a ingerir um gás tóxico.
Presumido é o dissenso decorrente de certas condições em que a lei fixa a incapacidade de
consentir. Essas condições estão previstas no parágrafo único do art. 126 do Código Penal. Assim,
por presunção legal, entende-se haver falta de consentimento quando:

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 a gestante não é maior de catorze anos;


 a gestante é alienada mental (doente mental) ou débil mental
(desenvolvimento mental retardado).

Com a expressão “alienada ou débil mental”, refere-se o Código à mulher absolutamente


inimputável do art. 26, caput, isto é, totalmente incapaz de entendimento ou de autodeterminação
de seus atos.

ABORTO QUALIFICADO (ART. 127)

O art. 127 do Código Penal dispõe que as penas cominadas nos dois artigos anteriores são
aumentadas de um terço se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-
lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas se, por qualquer dessas
causas, lhe sobrevém a morte. O art. 127 prevê duas hipóteses de aborto qualificado:

1º) aborto qualificado pela morte;


2º) aborto qualificado pela lesão corporal de natureza grave.

As lesões graves, vale salientar, são aquelas tipificadas nos §§ 1º e 2º do art. 129 do Código
Penal.

Os dois resultados qualificativos do delito, isto é, a morte e a lesão grave, devem ser
imputados ao agente a título de culpa. Trata-se de crime preterdoloso, pois o agente age com dolo
(direto ou eventual) em relação ao aborto e culpa em relação ao resultado (morte ou lesão grave).
Atuando com dolo em relação à morte ou lesão grave, fica excluída a norma do art. 127 do Código
Penal, respondendo, contudo, o agente pelo delito de aborto (arts. 125 ou 126) em concurso formal
imperfeito com o crime de homicídio doloso (CP, art. 121) ou lesão grave (CP, art. 129, §§ 1º e 2º),
conforme o caso.
Para a configuração do art. 127 não é necessária a consumação do aborto. Basta que a morte
ou lesão grave resultem dos meios empregados para provocá-lo. Destarte, resultando a morte ou
lesão grave dos meios empregados para a realização do aborto, ainda que não ocorra a morte do
feto, estará consumado o delito do art. 127 do Código.
Cumpre, ainda, salientar que o art. 127 só se aplica aos dois artigos anteriores (arts. 125 e 126
do CP). Não existe, portanto, autoaborto (art. 124, 1ª parte) e aborto consentido (art. 124, 2ª
parte), qualificados. Se fosse diferente, estar-se-ia punindo a autolesão. Assim, se o terceiro se
limita a induzir a gestante a praticar autoaborto, ou a consentir que outrem lhe provoque o aborto,
vindo esta a morrer ou a sofrer lesão grave, questiona-se por qual delito aquele deveria responder,
formando-se, a respeito, duas posições:
1ª) art. 124 do Código Penal, na condição de partícipe (CP, art. 29);
2ª) art. 124 do Código Penal em concurso formal com o delito de homicídio culposo ou lesão
culposa, conforme o caso. Esse ponto de vista, que pune a conduta culposa daquele que concorreu
para o resultado morte ou lesão grave, nos parece mais razoável, estando, pois, em harmonia com
a teoria da conditio sinequa non, consagrada expressamente no art. 13 do Código Penal.

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ABORTO LEGAL

O texto do art. 128 prevê duas modalidades em que o aborto não constitui delito, desde que
praticado por médico:
1) se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
2) se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou,
quando incapaz, de seu representante legal.

O Código usa a expressão “não é punível” o aborto em tais circunstâncias. Não se trata,
porém, de causa extintiva da punibilidade. Na verdade, exclui-se a antijuridicidade, pois a norma
penal permite expressamente o abortamento, estabelecendo, destarte, a licitude do fato. Em razão
disso, mais correta seria a expressão: “não há crime”.
Aborto necessário é o praticado por médico, se não há outro meio de salvar a vida da
gestante. No art. 128, I, o Código reconhece expressamente a licitude do aborto necessário, desde
que presentes três requisitos: a) perigo real à vida da gestante; b) que não haja outro meio de
salvar-lhe a vida; c) execução por médico.
Aborto sentimental é aquele praticado para interromper a gravidez resultante do estupro.
Perante o Código Penal brasileiro não há restrição, no tempo, para que a estuprada decida pelo
abortamento.
Os requisitos necessários para a exclusão da ilicitude do aborto humanitário são:
a) gravidez resultante de estupro;
b) prévio consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal;
c) execução por médico.

LESÃO CORPORAL

CONCEITO

Considera-se lesão corporal, reza o art. 129, caput, do Código Penal, a ofensa à integridade
física ou à saúde de outrem.
A integridade corporal ou física é ofendida quando ocorre o dano físico (anatômico) nos
tecidos internos ou externos do corpo. Por exemplo: escoriações, feridas, mutilações e equimoses.
Com o dano anatômico opera-se, em regra, a solução de continuidade nos tecidos, causando a
desordem da integridade física. O dano anatômico, físico, não precisa ser perceptível
exteriormente, pois, não raro, são lesados os tecidos internos, v. g, escoriações no útero ou
rompimento de um rim.
A saúde é ofendida com o comprometimento da regularidade do funcionamento dos órgãos
ou do cérebro. A saúde é, pois, encarada sob o aspecto físico e mental. A saúde física (ou
fisiológica) é lesada quando ocorre o desequilíbrio funcional dos órgãos do corpo, v. g., a vítima fica
paraplégica em razão do rompimento da medula. A saúde mental (psíquica) é ofendida com o
comprometimento da regularidade do funcionamento do cérebro, causando a desordem das
funções psíquicas, como, por exemplo, quando a vítima, em virtude da conduta criminosa do
agente, vem a sofrer convulsões, desmaios ou doença mental.

SUJEITO ATIVO

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Trata-se de crime comum ou geral, que pode ser praticado por qualquer pessoa.
No tocante à autolesão, se volvermos ao delito de participação em suicídio recordar -
nos-emos de que o legislador não pune a tentativa de suicídio. Coerente com esse
posicionamento a autolesão também não é punida como crime de lesão corporal. Realmente,
o art. 129 está redigido da seguinte forma: “ofender a integridade corporal ou a saúde de
outrem”.
Contudo, a autolesão cometida para alcançar algum fim ilícito poderá configurar outro delito.
Por exemplo: autolesão para fugir do serviço militar (art. 160 do CPM), para receber o prêmio do
seguro (CP, art. 171, § 2º, V) e para realizar aborto (CP, art. 124).

OBJETIVIDADE JURÍDICA

Tutela-se a integridade física (corporal) e fisiopsíquica (saúde física e mental) da pessoa


humana.
A dor, por si só, não caracteriza lesão corporal, porque é fenômeno subjetivo e de difícil
comprovação. Se o laudo médico não constata a existência de lesão, registrando, tão-somente, as
queixas de dores da vítima, identificar-se-á o delito de tentativa de lesão corporal ou contravenção de
vias de fato (art. 21 do CP), dependendo da presença ou não do animus laedendi, sem excluir, porém, a
possibilidade da configuração da injúria real (art. 140, § 2º, do CP) ou ameaça (art. 147, do CP).

SUJEITO PASSIVO

Sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa humana viva. Todavia, nas lesões previstas
no § 1º, inciso IV e § 2º, inciso V, o sujeito passivo é somente a mulher grávida.
Em todas as modalidades da lesão dolosa, a pena aumenta de 1/3 se o crime for praticado: a)
contra índio não integrado (art. 59, da lei nº 6.001/73 – Estatuto do Índio); b) pessoa menor de 14
anos ou maior de 60 (sessenta) anos ( § 7º do art.129 ) .

ELEMENTO SUBJETIVO

O elemento subjetivo do tipo é identificado pelo animus laedendi ou vulnerandi, consistente


na vontade livre e consciente de causar as lesões em outrem.
Pode ocorrer o dolo direto, quando o agente tem a intenção de produzir a lesão, e o dolo
eventual, quando o agente assume o risco de ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem.
Responde por lesão corporal, a título de dolo eventual, o agente que ao atirar uma pedra na vítima
faz com que esta se desvie, caia no chão e se machuque. Entendimento diverso violaria a teoria da
“conditio sinequa non “ , prevista no art. 13, “caput” , do CP.
Cumpre não confundir delito de lesão corporal com tentativa cruenta de homicídio. Na lesão
corporal há animus laedendi, na tentativa de homicídio, animus necandi. A identificação do animus
laedendi ou necandi, como já afirmado anteriormente, é feita pelas circunstâncias objetivas do
delito, tais como, sede da lesão, tipo de arma etc.
Por outro lado, a lesão corporal causada como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de
caráter preventivo pode caracterizar o delito de tortura, previsto no inciso II do art.1º da lei nº
9.455/97, cujo teor é o seguinte: “Submeter alguém, sob guarda, poder ou autoridade, com o
emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de
aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”. Note-se que o sujeito ativo é quem
exerce sobre o ofendido a guarda, poder ou autoridade. O castigo aplicado por outras pessoas

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configura delito de lesão corporal. Urge ainda, para a configuração do crime de tortura, que o
castigo tenha causado intenso sofrimento físico ou mental. Se não for intenso esse sofrimento,
poderá haver o crime de lesão corporal, ainda que o sujeito ativo exerça sobre a vítima a guarda,
poder ou autoridade.

CONSUMAÇÃO

Trata-se de crime material (de conduta e resultado), consumando-se, portanto, com a


ocorrência do resultado consistente numa lesão à integridade física, fisiológica ou psíquica. Exige-
se, para a comprovação da materialidade, exame de corpo de delito.

TENTATIVA

Perfeitamente admissível a tentativa (conatus) quando o agente, com animus laedendi,


pratica a conduta criminosa, mas o resultado não ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade.
Por exemplo, o agente arremessa uma pedra na direção da vítima, mas erra o alvo.
Na hipótese de lesão leve, prevista no tipo legal fundamental (CP, art. 129, caput), a tentativa,
necessariamente, é branca ou incruenta, pois, se ocorre a lesão, o delito estará consumado.
Tentativa branca, vale a pena recordar, é aquela em que, não obstante a conduta típica
praticada pelo agente, o objeto material não é atingido, não sofre qualquer lesão.
Por outro lado, na lesão corporal grave ou gravíssima (art. 129, §§ 1º e 2º, do CP) é também
possível a tentativa. O exemplo mais citado é o do arremesso de ácido sulfúrico nos olhos da vítima,
que, porém, desvia, saindo ilesa. A tentativa é inadmissível em duas hipóteses: a) § 1º, inciso II (
perigo de vida) ; b) § 2º inciso V (aborto). Esses dois delitos são preterdolosos, excluindo qualquer
possibilidade de tentativa.
Ainda sob o aspecto da tentativa branca, cumpre deixar acentuado que no delito de lesão
corporal grave ou gravíssima a tentativa não é, necessariamente, branca. Veja-se o exemplo
ministrado por Damásio E. de Jesus: “suponha-se que o agente pretenda amputar a perna da vítima
empregando um machado. Dado o primeiro golpe, que apenas a fere, vem a ser interrompido por
terceiro. Trata-se de tentativa de lesão corporal gravíssima (CP, art. 129, § 2º, III)”.
Cumpre desde logo arredar qualquer confusão entre a tentativa de lesão corporal e a
contravenção de vias de fato (LCP, art. 21).
Vias de fato é a agressão física que não produz lesão corporal, como, por exemplo, apertar
fortemente o braço da vítima ou desferir-lhe um tapa no rosto ou um puxão de cabelo. Se, porém,
resultar lesão corporal, não há falar-se em vias de fato, pois o princípio da subsidiariedade expressa
inserido no art. 21 da Lei das Contravenções Penais a exclui para dar ensejo ao delito do art. 129 do
Código Penal.
A prática de atos violentos contra a pessoa física da vítima, v. g., empurrão ou puxão de
cabelo, sem resultar lesão, pode constituir tanto vias de fato (LCP, art. 21) como tentativa de
lesão corporal (art. 129 c/c o art. 14, II, ambos do CP). A diferença é que na tentativa de lesão
corporal é necessário o animus laedendi (intenção de produzir lesões), ao passo que na
contravenção por vias de fato o agente não se acha apossado de animus laedendi.

LESÃO CORPORAL LEVE

No “caput” do art. 129 do Código Penal concentra-se a lesão leve, também denominada lesão
simples ou comum ou fundamental.

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Lesão leve, como dizia Nélson Hungria, em forma lapidar, “é a lesão típica. O seu conceito
obtém-se por exclusão: é a lesão que, compreendida na fórmula genérica do art. 129, não acarreta
nenhum dos resultados previstos nos §§ 1º, 2º e 3º do mesmo artigo”. Trata-se de delito de menor
potencial ofensivo, ao qual é aplicável a lei nº 9.099/95, que prevê: a) o termo circunstanciado, ao
invés de inquérito policial; b) boletim médico para comprovação da materialidade; c) conciliação,
tendo em vista que a ação penal depende de representação; d) transação.

LESÕES CORPORAIS GRAVES E GRAVÍSSIMAS

Conquanto o Código Penal empregue indistintamente a mesma terminologia - “lesão corporal


de natureza grave” - para fatos de gravidades distintas, didaticamente, é mais conveniente reservar
a expressão “lesão corporal grave” aos resultados do § 1º e a acepção “lesão corporal gravíssima”
aos do § 2º.
Não se perca de vista, porém, que o delito de lesões graves ou gravíssimas é qualificado pelo
resultado. Crime qualificado pelo resultado é aquele em que o legislador acrescenta à figura típica
fundamental um evento agravador da pena. Assim, os resultados agravadores da pena estão
intimamente relacionados ao tipo fundamental previsto no “caput”do art. 129.
Desse modo, a caracterização do delito como lesão grave ou gravíssima está condicionada à
presença necessária do dolo em relação à lesão corporal. O que pode ocorrer a título de dolo ou
culpa são, tão-somente, os resultados previstos nos §§ 1º e 2º do art. 129 do Código.
Ocorrendo dolo em relação à lesão corporal e culpa no tocante ao resultado agravador, ou
dolo em relação à lesão corporal e dolo no tocante ao resultado agravador, a adequação típica do
fato será a mesma.
Suponha-se que o agente ao desferir um soco na direção do rosto da vítima tenha atingido a
sua vista esquerda, provocando a perda da visão desse olho. Podem ocorrer duas hipóteses:

1ª) o agente agiu com dolo em relação ao resultado, isto é, quis ou assumiu o risco de cegá-la;
2ª) o agente agiu com culpa em relação ao resultado, pois queria apenas feri-la levemente no
rosto.

Em ambas as hipóteses o agente será enquadrado no art. 129, § 1º, III, do Código Penal.
Evidentemente, tendo agido com culpa em relação ao resultado, o magistrado, na fixação da
pena, lhe dará tratamento mais benéfico do que se tivesse agido com dolo, nos termos do art. 59
do Código.
Havendo dolo em relação à lesão corporal e culpa em relação ao resultado fala-se em delito
preterdoloso ou preterintencional.
Os resultados dos §§ 1º e 2º, como já dito, podem ocorrer a título de dolo ou culpa. Todavia,
os resultados do § 1º, II (perigo de vida) e do § 2º, V (aborto) só podem ocorrer a título de culpa.
Nesses dois casos, se houver dolo, o agente responderá por tentativa de homicídio e por delito de
aborto, respectivamente.

ANÁLISE DAS HIPÓTESES DE LESÃO CORPORAL GRAVE

INCAPACIDADE PARA AS OCUPAÇÕES HABITUAIS POR MAIS DE 30 (TRINTA) DIAS (ART. 129, §
1º, I)

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Trata-se de crime a prazo, pois a configuração da aludida qualificadora está condicionada ao


decurso de um certo lapso de tempo.
O prazo de 30 dias é contado a partir da data do delito, com a inclusão do dia do começo (CP,
art. 10).
Importantíssimo salientar que para a caracterização da qualificadora não basta o exame de
corpo de delito, é preciso ainda, após o trigésimo dia, a efetivação de um exame complementar
(CPP, art. 168, § 2º).
Por outro lado, cumpre esclarecer que no caso de lesões corporais culposas, previstas no § 6º
do art.129 do CP, não há necessidade da realização de exame complementar, pois a sobredita
qualificadora só é aplicável às lesões dolosas.
O conceito de ocupações habituais é funcional, abrangendo não só o trabalho (conceito
econômico) como qualquer outra atividade lícita em geral. Assim, caracteriza-se o delito se a
vítima, em virtude das lesões, permanecer mais de 30 dias sem frequentar a academia de ginástica
ou sem poder ir ao colégio.
Crianças e velhos, ainda que não exerçam nenhum tipo de trabalho, estão abrangidos pela
tutela penal, no pertinente às suas ocupações habituais. Por exemplo, uma pessoa idosa fica mais
de 30 dias sem poder exercitar a sua habitual caminhada.
Exclui-se, porém, a qualificadora se a vítima reúne condições de retornar às suas ocupações
habituais antes do trigésimo dia, mas só não o faz por vergonha dos sinais ou cicatrizes causadas
pela lesão.
De outro lado, só em caso de atividade lícita é possível a configuração da qualificadora.
Suponha-se, assim, que um ladrão contumaz permaneça incapacitado por mais de 30 (trinta) dias
para exercer as suas ocupações habituais (roubar). Nesse caso, a qualificadora ficará excluída diante
da falta de interesse do Estado em amparar as ocupações antissociais. Todavia, se a par da
atividade ilícita a vítima exercia outra atividade lícita a qualificadora não será excluída. Como bem
explica Euclides Custódio da Silveira, “somente quando a ocupação ilícita for exclusiva ou a única
desempenhada pelo ofendido é que poderá excluir a agravação”.

PERIGO DE VIDA (ART. 129, § 1º, II)

Perigo de vida é, pois, a probabilidade concreta e atual da morte. Não basta que a lesão tenha
provocado a possibilidade do perigo. É preciso que o perigo tenha efetivamente ocorrido. O perigo
deve ser concreto e atual (presente), e não remoto ou presumido, pois, como dizia Alimena, não há
lesão alguma que, através de sucessivas complicações, não possa pôr a vida de alguém em perigo.
É necessário o diagnóstico do perigo de vida e não o mero prognóstico. Como bem observa
Euclides Custódio da Silveira: “Não bastará, por exemplo, a possibilidade de uma peritonite oriunda
de facada no ventre, pois é necessário que ocorra efetivamente”.
No tocante ao elemento subjetivo, o perigo de vida deve ter sido provocado
involuntariamente pelo agente. Para a aplicabilidade de tal circunstância, já dizia Manzini, sempre
se pressupõe que o perigo de vida não foi causado intencionalmente, pois, se assim acontecesse, o
delito seria de tentativa de homicídio.
Por outras palavras, no inciso II do § 1º do art. 129, o agente age com dolo (direto ou
eventual) em relação à lesão e culpa em relação ao resultado perigo de vida. Atuando com dolo
direto ou eventual em relação ao perigo de vida responderá por tentativa de homicídio.

DEBILIDADE PERMANENTE DE MEMBRO, SENTIDO OU FUNÇÃO (ART. 129, § 1º, III)

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O texto em análise, porém, alude à debilidade permanente, o que significa diminuição


duradoura da capacidade funcional. Permanente, porém, não significa perpetuidade. Entretanto, a
debilidade transitória, com duração limitada, não qualifica o delito. É preciso que seja permanente,
isto é, de duração ilimitada e indefinida.
Por outro lado, a debilidade permanente deve recair sobre o membro, sentido ou função.
Membros são os apêndices do corpo, isto é, as partes do corpo prendidas no tronco. Podem
ser superiores (braço, antebraço e mão) e inferiores (coxa, perna e pé).
Sentidos são as faculdades pelas quais o homem entra em contato com o mundo
exterior. São cinco: visão, audição, tato, olfato e paladar (ou gustação).
Função é a atuação ou atividade específica exercida por um órgão. As sete funções principais
são: digestiva, respiratória, circulatória, secretora, reprodutora, sensitiva e locomotora.
Tratando-se de órgãos duplos ou geminados (rins, olhos, pulmões, testículos, orelhas etc.), a
perda ou inutilização de apenas um é considerada debilidade permanente, pois acarreta mera
redução da capacidade funcional. Ocorrendo porém a perda ou inutilização de ambos a lesão
corporal será gravíssima (art. 129, § 2º, III).
No tocante aos membros, a perda ou inutilização de apenas um, conquanto duplos,
caracteriza lesão corporal gravíssima (art. 129, § 2º, III). Por exemplo: perda de uma mão ou de uma
perna.
A perda ou inutilização de um ou mais dedos das mãos ou dos pés é debilidade de membro
ou função, caracterizando-se, destarte, a qualificadora em apreço.
No tocante à perda de um ou mais dentes, a melhor solução é a análise do caso concreto.
Os dentes, dizia Manzini, são, anatomicamente, órgãos destinados à mastigação e
integrantes, também, da função de falar. Se a perda dos dentes causar perda ou inutilização da
função mastigatória ou de falar a lesão corporal será gravíssima (art. 129, § 2º, III, do CP); se causou
apenas debilidade permanente a lesão corporal será grave (art. 129, § 1º, III); se não causou sequer
debilidade permanente a lesão corporal será leve (art. 129,“caput”, do CP), como, por exemplo, a
perda de dentes de leite.
Remate-se, por fim, que a perda da membrana himenal caracteriza, tão-somente, lesão
corporal leve, pois o hímen não desempenha nenhuma função orgânica.

ACELERAÇÃO DO PARTO (ART. 129, § 1º, IV)

Empregou-se, então, o termo aceleração do parto para indicar o parto prematuro, isto é, a
expulsão precoce do produto da concepção.
É necessário, para o reconhecimento da qualificadora, que o agente tenha ciência da gravidez
ou, pelo menos, a possibilidade de ciência da prenhes, ignorada por erro inescusável. Se ignorava a
gravidez da ofendida e não lhe era possível percebê-la, dá-se um erro de tipo invencível, que exclui
a qualificadora, respondendo o agente por lesão corporal de natureza leve.
A incidência da qualificadora depende ainda que o feto nasça vivo e sobreviva. Se o feto
morre, dentro ou fora do útero, em consequência da conduta, a lesão passa a ser gravíssima em
razão do aborto (§ 2º, V, do art. 129).

ANÁLISE DAS HIPÓTESES DE LESÃO CORPORAL GRAVÍSSIMA

INCAPACIDADE PERMANENTE PARA O TRABALHO (ART. 129, § 2º, I)

Nítida a correlação da qualificadora em apreço com a prevista no § 1º, I, do art. 129.

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Realmente, em ambas sobressai um ponto comum, a incapacidade da pessoa. Mas, suas diferenças
são fundamentais: na lesão grave, a incapacidade é temporária (por mais de trinta dias) e se
relaciona com as ocupações habituais; na lesão gravíssima, a incapacidade é permanente e se
relaciona com o trabalho.
Permanente é a incapacidade duradoura, longa e dilatada, de tal sorte que não se possa
calcular a época da sua cessação. É suficiente o prognóstico de incapacidade definitiva. Não há,
entretanto, necessidade de diagnóstico de perpetuidade, isto é, de incapacidade por toda a vida.
É necessário, para a existência da qualificadora, que a incapacidade seja para o trabalho.
O vocábulo trabalho é utilizado para indicar a função lucrativa, isto é, a atividade econômica.
Na jurisprudência prevalece a orientação de que, se a incapacidade não for total e
permanente, desclassifica-se do § 2º, I, para o § 1º, III (RT, 550:284).

ENFERMIDADE INCURÁVEL (ART. 129, § 2º, II)

Enfermidade é o processo patológico físico ou mental.


É necessário, para o reconhecimento da qualificadora, que a doença seja incurável.
Incurável é a doença cuja cura não é possível de se obter pelos recursos atuais da medicina.
Basta um prognóstico da incurabilidade, tendo em vista a natureza da doença e as condições
pessoais do ofendido.

PERDA OU INUTILIZAÇÃO DE MEMBRO, SENTIDO OU FUNÇÃO (ART. 129, § 2º, III)

Como vimos anteriormente, a debilidade permanente de membro, sentido ou função


caracteriza lesão corporal de natureza grave, ao passo que a perda ou inutilização configura lesão
gravíssima.
Perda é a ablação do órgão. Destaca-se o órgão do corpo, por mutilação (tira por força não
cirúrgica) ou amputação (tira por força cirúrgica). É a ausência anatômica do órgão ou membro.
Na inutilização o órgão subsiste anatomicamente, mas de maneira impotente. É a perda
funcional do órgão ou membro, que, porém, não se separam do corpo. Exemplos: a perna ou braço
ficam paralisados por grave lesão.
Vale a pena repetir que a perda de um olho, de um ouvido, de um rim, mantendo-se o outro
intacto, caracteriza apenas debilidade permanente (art. 129, § 1º, III), pois não houve perda ou
inutilização da função.
A perda ou inutilização de um dos membros (braço, antebraço, mão, coxa, perna e pé),
conquanto duplos, caracteriza lesão gravíssima, aplicando-se, destarte, o preceito em análise.
Por fim, as impotências generandi (para procriar) e coeundi (para o ato sexual) se qualificam como
lesões corporais gravíssimas (art. 129, § 2º, III).
DEFORMIDADE PERMANENTE (ART. 129, § 2º, IV)

Entende-se por deformidade permanente, consoante lição de Euclides Custódio da Silveira, o


dano estético de certa monta, irreparável, visível e capaz de causar impressão vexatória.
É necessário, para o reconhecimento da qualificadora, a presença dos seguintes requisitos:
1. dano estético de certa monta;
2. irreparável;
3. visível;
4. que seja capaz de causar impressão vexatória.
A deformidade precisa ser visível, isto é, localizada em zonas do corpo habitualmente

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descobertas ou que seja perceptível apesar das roupas (por exemplo: marcha claudicante). A
dissimulação da lesão, como, por exemplo, olho de vidro, orelha de borracha, dentes postiços,
crescimento da barba etc., não exclui a qualificadora. A reparação, diz Flamínio Fávero, deve ser
natural e de tal sorte que não dê ao portador do dano a impressão de que este subsiste mal
dissimulado aos olhos estranhos, e presente sempre à sua impressão subjetiva, lembrando-lhe o
trauma sofrido, e daí o incômodo, o vexame, o mal-estar que lhe produziu.
A deformidade deve ser capaz de causar impressão vexatória. Não se exige impressão
horripilante ou insuportável de fixar os olhos. Basta a provocação de uma impressão desagradável.
Na análise da existência ou não do dano estético, diversos fatores influem: idade, sexo e
condição social. Efetivamente, é possível que o dano estético situado no rosto de um velho fique
encoberto pelas rugas, excluindo-se, assim, a qualificadora. Salta aos olhos, lembra Magalhães
Noronha, a disparidade existente entre um gilvaz no peito de um estivador e no colo de uma dama
da alta sociedade. Uma cicatriz na coxa de uma mulher que frequenta o banho de mar ou academia
de ginástica caracteriza dano estético; diferentemente, exclui-se a qualificadora quando a mesma
lesão atingir uma freira.

ABORTO (ART. 129, § 2º, V)

A lesão corporal é gravíssima se ocasionar o aborto.


Trata-se de crime preterdoloso. O agente age com dolo em relação à lesão e culpa no tocante ao aborto.
Se atua com dolo direto (quer o aborto) ou eventual (assume o risco de produzir o aborto) responde pelo
delito de aborto.
É necessário, para a existência da qualificadora, que o agente tenha ciência da gravidez ou,
pelo menos, que seja inescusável o erro quanto à gravidez. Se ignorava a prenhez da ofendida e
razão não tinha para conhecê-la, incide em erro escusável, excluindo-se, destarte, a qualificadora,
sob pena de consagrar-se a proscrita figura da responsabilidade objetiva. Assim, porém, não pensa
Euclides Custódio da Silveira, que reconhece a existência da qualificadora ainda quando o agressor
ignora e não tem meios para perceber a gravidez da ofendida.
Nunca é demais frisar que o aborto, no caso, é provocado involuntariamente. O agente não o
quer e nem assume o risco de produzi-lo. O resultado lhe é imputado a título de culpa.
A lesão corporal seguida de aborto não admite a tentativa. O caráter preterdoloso do delito
inviabiliza o conatus.
Cumpre, porém, não confundir os tipos dos arts. 127 e 129, § 2º, V, do Código Penal. A antítese
entre ambos ressalta à evidência com a análise do elemento subjetivo-normativo. No tipo penal do art.
127, o agente age com dolo em relação ao aborto e culpa no tocante à lesão grave. No tipo penal do
art. 129, § 2º, V, o agente age com dolo quanto à lesão corporal e culpa quanto ao aborto.

LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE (ART. 129, § 3º, DO CP)

A forma mais grave de lesão corporal está prevista no § 3º do art. 129 do Código Penal, que
assim dispõe:
“Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem
assumiu o risco de produzi-lo: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos”.
Urge salientar os elementos constitutivos do delito: 1) lesão dolosa; 2) morte culposa; 3) nexo
causal entre a lesão dolosa e a morte culposa.
O tipo subjetivo revelador do propósito criminoso do agente se limita ao animuslaedendi, isto
é, intenção de ferir (dolo direto) ou de assumir o risco de ferir (dolo eventual). Relativamente à

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lesão, há assim necessariamente uma conduta dolosa.


Por outro lado, a conduta dolosa direcionada à lesão produz involuntariamente a morte da
vítima. O resultado morte é imputado ao agente a título de culpa, pois ele não quis e nem assumiu
o risco de produzi-lo. Tenha-se presente que o dolo direto ou eventual em relação à morte exclui o
delito em apreço, respondendo o agente por homicídio doloso.
Não se perca de vista, outrossim, que é imprescindível o nexo causal entre a lesão dolosa e a
morte culposa. No tocante a esse ponto crucial, algumas hipóteses merecem ser elencadas:

1) A morte culposa decorre de um gesto de ameaça ou de vias de fato (art. 21 da LCP), como,
por exemplo, empurrão numa pessoa cardíaca. O agente responde por homicídio culposo.
2) A morte culposa decorre de lesão culposa, como, por exemplo, atropelamento. O agente
responde por homicídio culposo.
3) O agente age com dolo em relação à lesão, mas a morte ocorre por caso fortuito ou força
maior. Responde apenas pelo crime de lesões leve, grave ou gravíssima, conforme o caso. Por
exemplo, “A” fere “B”, que vem a falecer em consequência de um desabamento ocorrido quando
se dirigia à farmácia para comprar remédios. No caso, não há como atribuir-lhe o resultado morte.
Filiou-se assim o Código aos sistemas jurídicos que limitam a responsabilidade penal à presença de
culpa. Efetivamente, dispõe o art. 19 do Código Penal que, “pelo resultado que agrava espe-
cialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente”. A
primitiva ideia de punição com base na responsabilidade objetiva, isto é, independentemente de
culpa, não encontra seguidores no direito penal atual.

Também não pode ser esquecido que na hipótese de concurso de agentes nem todos os
coautores e partícipes respondem pelo delito de lesão corporal seguida de morte. Diz o § 2º do art.
29 do Código Penal que, “se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-
á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o
resultado mais grave”. Por exemplo: “A” manda “B” agredir “C”. “B” age com excesso e acaba
produzindo culposamente a morte de “C”. “A” responde por crime de lesões corporais leve, grave
ou gravíssima, conforme o caso, cuja pena será aumentada até a metade se a morte da vítima era
previsível ao homem médio. “B” responde por lesão corporal seguida de morte. Ora, o mandante
“A” deveria também responder por lesão corporal seguida de morte, uma vez que o evento letal lhe
era previsível. No entanto, a reforma penal de 1984, no § 2º do art. 29 do Código Penal, tratou a
questão de maneira diferente, mitigando a aplicação da teoria monista da ação.
Inadmissível a tentativa em face do caráter preterdoloso do delito, que exige dolo no antecedente
(lesão corporal) e culpa no subsequente (evento morte). A tentativa pressupõe sempre a vontade
dirigida ao resultado, que o agente não obtém por circunstâncias alheias à sua vontade. No caso, não
sendo a vontade dirigida ao evento morte, é incorreto dizer-se que o agente tentou obter a morte da
vítima. Finalmente, aproxima-se a lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º, do CP) do homicídio
culposo (art. 121, § 3º, do CP). Realmente, em ambos sobressai um ponto comum, a morte culposa.
Mas suas diferenças são nítidas: na lesão corporal seguida de morte, o resultado letal deriva de um
crime de lesão corporal dolosa; no homicídio culposo, o evento morte resulta de um comportamento
penalmente indiferente ou de lesão culposa ou de vias de fato

LESÃO CORPORAL QUANDO COMETIDA CONTRA AUTORIDADE, OU AGENTE DESCRITOS NOS


ARTIGOS 142 E 144 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, INTEGRANTES DO SISTEMA PRISIONAL E DA
FORÇA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA, NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO OU EM DECORRÊNCIA
DELA, OU CONTRA SEU CÔNJUGE, COMPANHEIRO OU PARENTE CONSANGUÍNEO ATÉ TERCEIRO

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GRAU, EM RAZÃO DESSA CONDIÇÃO ( ART. 129, §12 DO CP, INTRODUZIDO PELA LEI 13.142/2015)

Dispõe o §12 do art. 129 do CP:


“Se a lesão for praticada contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da
Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da força nacional de segurança pública, no
exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente
consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição, a pena é aumentada de um a dois
terços”.
A hipótese já foi abordada no estudo do homicídio qualificado do art. 121, §2º, VII, do CP, ao
qual o leitor deve se reportar.
A incidência dessa causa de aumento de pena de um a dois terços, introduzida pela lei
13.142/2015, exige os seguintes requisitos:
a) autoridade, ou agente descritos nos artigos 142 e 144 da constituição federal, integrantes
do sistema prisional e da força nacional de segurança pública, ou contra seu cônjuge, companheiro
ou parente consanguíneo até terceiro grau.
b) nexo funcional. É preciso, para a concretização da majorante, que a vítima seja atingida no
exercício da função ou em decorrência dela. Quanto aos parentes até terceiro grau, a incidência da
qualificadora requer que eles sejam alvejados em razão dessa condição de parentesco.
Esta causa de aumento de pena, tendo em vista a sua posição topográfica posterior, é
aplicável às lesões corporais dolosas leves, graves, gravíssimas e à seguida de morte.

LESÃO CORPORAL HEDIONDA

O art. 1º, I-A, da lei 8.072/90 considera crime hediondo a “lesão corporal dolosa de natureza
gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas
contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do
sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em
decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau,
em razão dessa condição”.
Vê-se assim que a hediondez depende de dois requisitos cumulativos:
Lesão gravíssima (art. 129, § 2o) ou lesão seguida de morte (art. 129, § 3o);
Que o delito seja praticado contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da
Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no
exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente
consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição.

LESÕES CULPOSAS (art. 129, §§ 6º e 7º, do CP)

O estudo das lesões culposas é idêntico ao homicídio culposo, inclusive no tocante ao perdão
judicial (§8º), ao qual reporto o leitor.

LESÃO CORPORAL PRATICADA CONTRA MULHER, POR RAZÕES DA CONDIÇÃO DO SEXO


FEMININO

Conceito

Dispõe o §13 do art. 129 do CP:

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“Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos
termos do §2º-A do art. 121 deste Código:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro anos)."
O tipo penal acima, introduzido pela Lei 14.188/2021, apresenta as seguintes características:
a) é uma qualificadora, pois tem pena própria.
b) é aplicável apenas à lesão corporal leve, prevista no “caput” do art. 129 do CP, pois as
lesões corporais graves, gravíssimas e seguida de morte, previstas respectivamente nos §§ 1º e 2º e
3º do art. 129 do CP, incidem sobre o caso concreto, independentemente de o delito ser praticado
contra mulher, por razões da condição do sexo feminino.
c) o sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher. Exemplo: mãe agride a filha por
não aceitar que ela exerça a profissão de taxista, reputando ser tradicional dos homens.
d) o sujeito passivo é somente a mulher, sendo vedada a analogia para se abranger as vítimas
biologicamente masculinas, mas socialmente femininas. É a posição do STJ. Outra corrente, porém,
considera também que as mulheres transexuais e/ou travestis poderiam também figurarem como
vítimas, conferindo-se ao termo “mulher” um sentido sociológico.
e) é um tipo penal remetido, pois se reporta expressamente ao delito de feminicídio. previsto
no §2º-A do art. 121 do CP, que passa a integrá-lo.
f) exige o cometimento do crime por razões de gênero.
g) não há a incidência das causas de aumento de pena, previstas para o feminicídio no §7º do
art. 121 do CP, pois o §13 do art. 129 do CP não se reportou a elas; nem a incidência, diante da
lacuna da lei, das majorantes previstas no §10 do art. 129 do CP.

Espécies

Reza o §2º-A do art. 121 do CP:


“Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher”
O §13 do art. 129 do CP, à medida que se reporta expressamente ao §2º-A do art. 121 do CP,
consagra, na verdade, duas qualificadoras.
Primeira, lesão corporal leve praticada em ambiente de violência doméstica e familiar.
Segunda, lesão corporal leve cometida com fim de menosprezo ou discriminação à condição
de mulher.
No tocante aos efeitos, as duas qualificadoras se distinguem em três aspectos.
Na primeira, violência doméstica e familiar:
a) a ação penal é pública incondicionada (súmula 542 do STJ);
b) é vedada a suspensão condicional do processo (art. 41 da Lei n. 11.340/2006 e súmula 536
do STJ);
c) aplica-se a Lei Maria da Penha.

Na segunda qualificadora, lesão corporal leve com fim de menosprezo ou discriminação à


condição de mulher:
a) a ação penal é pública condicionada à representação;
b) em tese, é possível a suspensão condicional do processo. Com efeito, não há vedação
expressa à suspensão condicional do processo, de tal sorte que o benefício, no plano abstrato, é
possível, mas o motivo, por se revelar torpe, pode dificultar, no plano concreto, o seu deferimento;
c) não se aplica a Lei Maria da Penha.

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Nas duas modalidades, se exige o cometimento da lesão corporal leve por razões de gênero,
que consiste nas condições relacionadas ao sexo feminino.
As razões de gênero, dentre outras hipóteses, compreendem:
a) o ataque ao feminismo;
b) o ataque por não aceitar, como sendo possível à mulher, a realização de determinados
comportamentos tradicionalmente masculinos.
Eis alguns exemplos de incidência do tipo penal em análise:
a) o marido agride a esposa por não concordar que ela trabalhe;
b) o companheiro agride a companheira por ela ter usado roupas curtas;
c) o marido agride a mulher porque ela o traiu.
Em contrapartida, não responde pelo tipo penal em análise:
a) o marido que agride a mulher por razões financeiras;
b) o ex-marido que agride a ex-mulher pelo fato de ela não cumprir a ordem judicial que lhe
concedia o direito de visitar o filho menor;
c) irmão que agride a irmã, por discussão sobre herança.

Lesão corporal leve praticada em ambiente de violência doméstica e familiar

A lesão corporal leve praticada em ambiente de violência doméstica e familiar é uma norma
penal em branco.
Com efeito, o conceito de violência doméstica e familiar é fornecido pelo art. 5º da lei
11.340/2006, que exige que o fato seja praticado por razões de gênero contra mulher, nas
seguintes situações:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente
de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são
ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a
ofendida, independentemente de coabitação.
Fora das três situações acima, não há falar-se em violência doméstica e familiar contra
mulher.
Vê-se assim que a lesão corporal leve em análise, cometida em ambiente de violência
doméstica e familiar, abrange as seguintes situações:
a) lesão corporal leve praticada contra mulher com quem o agente mantém ou manteve
convívio, ainda que esporádico e sem qualquer relação íntima de afeto, com ou sem vínculo
familiar.
É o vínculo de unidade doméstica. Exemplo: patrão que, por razões de gênero, agride a
empregada doméstica. Outro exemplo: agredir a colega de trabalho por não aceitar que ela exerça
determinada função. Mais um exemplo: república de mulheres em que uma agride a outra, por não
aceitar o lesbianismo. A hipótese ainda abrange as pessoas esporadicamente agregadas. Se, por
exemplo, uma amiga convida outra para morar um mês em sua casa, agredindo-a por razões de
gênero, impõe-se a incidência da lei.
b) lesão corporal leve perpetrada contra a mulher com quem o agente tem vínculo de
parentesco natural ou por afinidade ou ainda um parentesco por vontade expressa.
É o vínculo familiar, que abrange o parentesco natural, por afinidade e por vontade
própria. Parentesco natural é o consanguíneo, que na linha reta, ascendente ou
descendente, é infinito e, na linha colateral, vai somente até o quarto grau. Não há. por

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exemplo, parentesco com a filha do primo, pois se trata de colateral de quinto grau.
Parentesco por afinidade é o vínculo entre o cônjuge ou companheiro e os parentes do outro.
Exemplos: sogro, sogra, genro, nora, padrasto, madrasta, enteado, enteada e cunhado.
O parentesco por vontade expressa é que resulta da adoção.
Outrossim, o socioafetivo. Por exemplo, filho de criação. Outro exemplo: mulher que o
agressor considera como sendo sua irmã.
c) lesão corporal leve praticada em qualquer relação íntima de afeto, contra mulher com
quem o agente convive ou tenha convivido, independentemente de coabitação, isto é, de terem
morado juntos ou mantido relações sexuais.
É o vínculo de afeto. Exemplo: lesão corporal leve contra a ex-noiva, por razões de gênero.
No tocante à agressão da namorada, por razões de gênero, para a incidência da qualificadora
em análise, é preciso verificar no caso concreto se havia ou não a relação íntima de afeto, o que
poderá ser excluído num namoro breve.
A relação intima de afeto, para uns, abrange o amor, o sexo e também a amizade.
Dessa forma, se, por exemplo, o agente que agride uma amiga, com quem convive quase que
diariamente, responderia pelo §13 do art. 129 do CP.
Outros, porém, restringem a expressão à intimidade amorosa e sexual, excluindo-se a
amizade.
De fato, trata-se de uma relação íntima de afeto e não relação íntima de amizade.
Não se aplica, por exemplo, a lei em análise ao sujeito que agride a sua vizinha.
Por outro lado, a violência doméstica e familiar, seja o vínculo de unidade doméstica, familiar
ou afetivo, consoante se depreende do art. 5º da Lei 11.340/2.006, só se configura quando houver
razões de gênero.
Por consequência, a menção às razões da condição do sexo feminino, prevista no § 13 do art.
129 do CP, apenas repetiu, com o intuito de reforçar, o que já é da essência do conceito de
violência doméstica e familiar.
Não há, porém, a necessidade, para a incidência desta primeira qualificadora do §13 do art.
129 do CP, da intenção de menosprezar ou discriminar a condição de mulher.
Frise-se, entretanto, que, para a incidência da qualificadora em análise, é essencial que a
lesão corporal leve seja cometida por razões de gênero.
Outra questão interessante diz respeito ao fato de a lei ter dispensado a coabitação, pois a
Convenção de Belém do Pará, nas relações íntimas de afeto, exige que as partes convivam ou
tenham convivido sob o mesmo teto.
Uma primeira exegese impõe também esta exigência, pois as Convenções de Direitos
Humanos são hierarquicamente superiores às leis internas.
Outra corrente, que é a adotada no STJ, aplica o princípio “pro homine”, que, em matéria de
conflito de leis internas e tratados sobre direitos humanos, prioriza a norma que confere a maior
proteção e, nessa linha de raciocínio, prevalece a Lei Maria da Penha, que dispensa a convivência
sob o mesmo teto.
Assim, nos três vínculos acima, para a configuração da violência doméstica e familiar prevista
no artigo 5º da Lei n.11.340/2006 não se exige a coabitação entre autor e vítima (súmula 600 do
STJ).
Quanto ao local do crime, pode ser qualquer um, não precisa ser o recinto do convívio das
partes.
Por fim, cumpre analisar a questão da vulnerabilidade da vítima, que é também requisito
necessário à configuração da violência doméstica e familiar.
A vulnerabilidade da vítima é a sua inferioridade física, econômica, moral, social, intelectual

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ou de qualquer outra natureza, em relação ao agressor ou agressora.


Não se trata apenas da inferioridade física.
Em sendo o fato praticado por homem, a doutrina defende que a lei instituiu uma presunção
absoluta de vulnerabilidade, nas agressões por razões de gênero.
Assim, o fato de a mulher ser financeiramente independente do marido, exercendo um cargo
público importante, não elimina a sua vulnerabilidade que, por força de lei, é presumida, em
relação às agressões por razões de gênero.
Se, no entanto, o sujeito ativo for também mulher, a presunção é relativa, admitindo a prova
em sentido contrário.
Numa união homoafetiva entre duas mulheres, por exemplo, incide a Lei Maria da Penha
quando a agressora, em razão de sua condição financeira, exercia uma superioridade hierárquica
sobre a vítima, a quem incumbia as tarefas domésticas, mas, na hipótese inversa, impõe-se a
exclusão da referida lei, de tal sorte que não haverá a incidência da qualificadora prevista no § 13
do art. 129 do CP.

Lesão corporal leve praticada com o fim de menosprezar ou discriminar a condição de


mulher

A segunda qualificadora, prevista no § 13 do art. 129 do CP, consiste no fim de menosprezar


ou discriminar a condição de mulher.
Trata-se, pois, da lesão corporal misógina, que é o sentimento negativo em relação ao sexo
feminino, que leva o agente a um comportamento hostil e discriminatório, a ponto de agredir
simplesmente pelo desprezo à condição de mulher.
Menosprezar é desprezar ou inferiorizar pela condição de mulher. Exemplo: agredir
fisicamente uma mulher por não aceitar o fato de ela ter sido a vereadora mais votada do
município.
Discriminar é tratar de forma injusta ou desigual pela condição de mulher. Exemplo: agredir a
mulher por não aceitar seja ela promovida no emprego.
Não se exige, para a incidência desta qualificadora, a situação de violência doméstica ou
familiar, podendo o crime ser cometido até contra uma mulher que o agente nem conhecia.
Dessa forma, presente a situação de violência doméstica e familiar, o §13 do art. 129 do CP se
configura, na primeira modalidade, quaisquer que sejam as razões da condição do sexo feminino.
Em contrapartida, ausente a situação de violência doméstica e familiar, o §13 do art. 129 do
CP, para ser aplicado, em sua segunda modalidade, exige que as razões de gênero do sexo feminino
consistam na misoginia, que é o fim de menosprezar ou discriminar a condição de mulher.

Natureza das qualificadoras

Discute-se se as qualificadoras em debate são objetivas ou subjetivas.


Uma primeira corrente sustenta que são subjetivas, pois estão relacionadas ao motivo de
gênero.
Outra corrente, porém, defende que são qualificadoras objetivas, porquanto as razões de
gênero podem ser analisadas objetivamente (informativo 628/2018 do STJ).
O principal efeito prático dessa discussão consiste no fato de a qualificadora objetiva ser
compatível com a lesão corporal privilegiada pelo domínio de violenta emoção, logo após a injusta
provocação da vítima, prevista no §4° do art. 129 do CP, que reduz a pena de um sexto a um terço.,
Entretanto, ainda que as qualificadoras sejam consideradas objetivas, é difícil se imaginar a

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lesão corporal leve privilegiada pelo relevante valor moral ou social, à medida que, ao lesionar a
vítima por razões de gênero, o agente procede com torpeza, sendo assim contraditório falar-se em
relevante valor moral ou social.

Distinção com a qualificadora do §9º do art. 129 do CP

Dispõe o §9º do art. 129 do CP:


“Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro,
ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações
domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos”.
É importante não confundir a citada qualificadora do §9º com as qualificadoras do §13 do art.
129 do CP.
Eis, dentre outras, as seguintes diferenças:
a) no § 9º, a vítima pode ser homem ou mulher; no §13, só a mulher pode ser vítima.
b) no §9º, ao contrário do §13, o delito, em regra, não é cometido por razões do sexo
feminino.
c) no §9º, a pena é de detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos, no §13, a pena é reclusão,
de 1 (um) a 4 (quatro anos).
A lesão corporal leve qualificada do §9º do art. 129 do CP pode, excepcionalmente, se
caracterizar, por razões de gênero, quando não houver a situação de violência doméstica e familiar
contra mulher nem o fim de menosprezar ou discriminar a condição de mulher.
Esta situação, só será possível quando a agressão, por razões de gênero, ocorrer por ocasião
das relações de hospitalidade e, excepcionalmente, em virtude das relações domésticas. Exemplo:
João convida Maria, sua amiga, para tomar um chá em sua casa, agredindo-a no local, por ciúme,
por ela ter trocado olhares com Pedro, que também havia sido convidado.
É importante observar, porém, que, dentre as situações previstas no §9º do art. 129 do CP,
em havendo razões de gênero contra vítima mulher, apenas nas relações de hospitalidade, e
excepcionalmente nas relações domésticas, é que será possível se afastar a incidência do §13 do
art. 129 do CP.
Com efeito, no §9º do art. 129 do CP, haverá:
a) vínculo de unidade doméstica: quando a lesão corporal leve houver sido praticada com
quem o agente conviva ou tenha convivido ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações
domésticas ou de coabitação. De fato, tanto nas relações de coabitação quanto nas relações
domésticas se denota a presença de um convívio, o que é suficiente para a caracterização do
vínculo de unidade doméstica.
b) vínculo familiar: quando a lesão corporal leve for praticada contra ascendente,
descendente e irmão.
c) vínculo afetivo: na lesão corporal leve praticada contra cônjuge ou companheiro.
Como se vê, a relação de hospitalidade, que consiste numa recepção eventual ou passageira,
é, em regra, a única hipótese do §9º do art. 129 do CP que não se enquadra na situação de violência
doméstica e familiar contra mulher, de tal sorte que, nesse caso, o § 13 do art. 129 do CP só
poderá ser aplicado quando houver o fim de menosprezar ou discriminar a condição de mulher.
Convém, porém, observar que, nas relações domésticas, entre patrões e empregadas, antes
de se instaurar uma convivência entre eles, será igualmente possível a aplicação do §9º do art. 129
do CP, pois, nesse caso, não há situação de violência doméstica e familiar contra mulher. Exemplo:
o patrão, por razões de gênero, agride a empregada no primeiro dia de trabalho.

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Por outro lado, as circunstâncias indicadas no § 9º não funcionam como causas de aumento
de pena do §13.
A propósito, dispõe o §10 do art. 129 do CP:
“Nos casos previstos nos §§ 1º a 3º deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no §9º
deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço)”.
Em relação às qualificadoras do §13 do art. 129 do CP, as circunstâncias do § 9º funcionarão
como agravantes genéricas nos seguintes termos:
a) crime cometido contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge (art. 61, II, “e”, do CP);
b) quando o agente se prevalecer das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade
(art. 61, II, “f”, do CP).

AÇÃO PENAL

É pública condicionada à representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais
leves e lesões culposas (art. 88 da Lei n. 9.099, de 26-9-1995).
Entretanto, na lesão corporal leve contra mulher praticada em ambiente de violência
doméstica, a ação penal é pública incondicionada.
A propósito, dispõe a súmula 542 do STJ:
“A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a
mulher é pública incondicionada”.
Já em relação aos crimes de lesões corporais graves ou gravíssimas e lesões seguida de morte
a ação penal é pública incondicionada.

RIXA

SISTEMAS DE PUNIÇÃO DA RIXA QUANDO RESULTA MORTE OU LESÃO GRAVE

O Código Penal brasileiro adotou o sistema da autonomia, incriminando a rixa por si só,
independentemente da morte ou lesão grave. Tais resultados, porém, funcionam como
circunstâncias qualificadoras da rixa.

OBJETIVIDADE JURÍDICA

Tutela-se a vida e a saúde da pessoa. E, secundariamente, a tranqüilidade e a ordem pública.


Trata-se de crime de perigo presumido.

CONCEITO

Dispõe o art. 137 do Código Penal:


“Participar de rixa, salvo para separar os contendores: Pena — detenção, de 15 (quinze) dias a
2 (dois) meses, ou multa. Parágrafo único. Se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave,
aplica-se, pelo fato da participação na rixa, a pena de detenção de seis meses a dois anos”.
Rixa é a briga desordenada com recíprocas ofensas entre mais de duas pessoas. Trata-se de
tipo aberto, tendo em vista que a definição da conduta criminosa é complementada pelo
magistrado.

SUJEITO ATIVO

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Trata-se de crime plurissubjetivo ou coletivo, porquanto exige o concurso de pelo menos três
rixosos, computando-se nesse número os menores, inimputáveis e desconhecidos. Mas não são
computados os que intervêm para separar os contendores.
Carrara e Manzini admitem a rixa com apenas duas pessoas. Esse ponto de vista, porém, não
tem encontrado ressonância no direito pátrio, pois somente com o número mínimo de três
rixadores é possível distinguir-se a rixa do delito de lesões corporais recíprocas; entre duas pessoas
as agressões são sempre bem definidas.

SUJEITO PASSIVO

Os próprios rixosos são também sujeitos passivos, bem como as pessoas estranhas
porventura atingidas pela briga.
Assim, os rixosos (também chamados de rixadores ou rixantes ou rixentos) são ao mesmo
tempo sujeitos ativos e passivos do delito. Observe-se, todavia, que ninguém pode ser ao mesmo
tempo sujeito ativo e passivo do delito em face de sua própria conduta. No caso, o rixoso é sujeito
ativo da conduta que praticou e sujeito passivo das condutas realizadas pelos demais participantes.
A rixa ingressa na categoria dos crimes de concurso necessário de condutas contrapostas à medida
que há reciprocidade de agressões. Diferentemente, na associação criminosa temos um crime de
concurso necessário de condutas convergentes (art. 288).

ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO

O núcleo do tipo é o verbo participar, que significa tomar parte, concorrer para o
desencadeamento ou manutenção da rixa.
Anote-se, desde já, que não basta para a configuração da rixa a simples altercação ou troca de
palavras injuriosas ou ameaçadoras. É indispensável a violência física entre os contendores, o que
requer, no mínimo, vias de fato (v. g., empurrão, puxão de cabelo, etc). Dispensável, no entanto, o
corpo a corpo, isto é, o contato corpóreo entre os rixosos, porquanto a violência física pode
perfeitamente caracterizar-se sem a presença desse requisito, como, por exemplo, troca de tiros ou
arremesso de pedras à distância.
Cumpre também salientar que a rixa é uma luta desorganizada, caracterizada pela
reciprocidade de ofensas materiais entre os contendores, tornando-se, por isso mesmo, muito
difícil distinguir-se a atividade hostil de cada rixoso. Na verdade, cada rixoso age por si mesmo
contra qualquer um dos contendores, de modo que a agressão bem individuada entre dois grupos
definidos não caracteriza o delito de rixa. Efetivamente, para a configuração da rixa, os três ou mais
rixosos devem lutar entre si, agredindo indistintamente os contendores. Se dois ou mais indivíduos
investem contra outros três, de modo que os elementos de um grupo agridam apenas os desafetos
do outro grupo e vice-versa, não se trata de rixa, mas de lesões corporais recíprocas.
A leitura dos dois julgados abaixo elucidarão a questão.
Efetivamente, já se decidiu:
“O instituto da rixa é de aplicação limitada, somente se convertendo em realidade penal
quando os fatos se apresentam, originária e conceitualmente, obscuros e confusos. Assim, não há
falar no delito em cuidando de agressão recíproca entre grupos rivais, identificados em cada um
dos respectivos membros, e sabendo-se abinitio como e porque teve início a briga” (TACrim-SP, AC,
rel. Azevedo Júnior, Jutacrim, 39:241).
“Bem definida a posição dos contendores no desenrolar da luta, ficando certo que três

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homens brigaram, dois de um lado e um de outro, não se pode cogitar do delito de rixa” (TACrim-
SP, AC, rel. Camargo Aranha, RT, 502:304).
Todavia, se dois grupos se desafiam, marcando lugar e hora para a luta, vindo a generalizar-se
a confusão, com agressões indistintas, tornando-se a briga indiscriminada, com agressões aos
elementos do próprio grupo e do outro grupo, não há como deixar de reconhecer a existência da
rixa.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO

O elemento subjetivo do tipo é o dolo — animus rixandi — consistente na vontade livre e


consciente de participar da rixa.
O delito não é punido na modalidade culposa.
A rixa simulada ou jocandi animo não constitui delito, ainda que por imprudência se
provoquem ferimentos ou a morte de alguém. Nesse caso, o agente responderá por lesão ou
homicídio culposos.
Não responde pelo delito quem tem intenção de apaziguar ou de separar os contendores.
Falta-lhe o animus rixandi. Aliás, a fim de dirimir eventual dúvida, o Código excluiu expressamente
da punição a conduta destinada a separar os contendores.

CONSUMAÇÃO

Trata-se de crime de perigo presumido juriset de jure, consumando-se com a prática de vias
de fato ou violência recíproca. Nesse momento, presume-se a ocorrência do resultado, que é o
próprio perigo.
Observe-se, todavia, que somente com o emprego de, no mínimo, vias de fato recíprocas o
delito estará consumado. Contudo, não se exige a efetiva lesão corporal em um dos rixosos. A rixa,
cumpre lembrar, ganhou autonomia em nosso direito, sendo incriminada pelo simples perigo
resultante de sua prática.

TENTATIVA

A rixa ex proposito admite a tentativa. Suponha-se, por exemplo, que na hora e local do
desafio entre três ou mais baderneiros a polícia compareça, impedindo o início da briga.
Já a rixa ex improviso não admite a tentativa. Ou pelo menos três rixosos praticam atos de
execução e o delito estará consumado, ou então apenas dois realizam atos executórios idôneos e
haverá contravenção de vias de fato (art. 21 da LCP), lesões corporais (CP, art. 129) ou homicídio
(CP, art. 121).
RIXA QUALIFICADA

No parágrafo único do art. 137 está prevista a rixa qualificada, passando a pena a ser de seis
meses a dois anos de detenção se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave.
Efetivamente, dispõe o aludido parágrafo único: “Se ocorre morte ou lesão corporal de
natureza grave, aplica-se, pelo fato da participação na rixa, a pena de detenção de seis meses a dois
anos”.
Trata-se, como se vê, de crime qualificado pelo resultado. Todos os rixosos, inclusive os que
não praticaram os atos de que derivou a morte ou lesão grave, pelo simples fato da participação na
rixa, respondem pela rixa qualificada.

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Anote-se ainda que o Código não qualifica a rixa em que ocorre tentativa de homicídio. Salvo
na hipótese em que esta tentativa causar uma lesão grave, não é possível, diante da omissão,
reconhecer-se a rixa qualificada. Todos responderão por rixa simples. No entanto, o rixoso autor da
tentativa responderá também por tentativa de homicídio em concurso com o crime de rixa simples.
Tenha-se em vista que ocorrendo morte ou lesão grave, conquanto não apurada a autoria, todos
os rixosos responderão por rixa qualificada, mas nenhum dos participantes responderá pelo delito de
homicídio ou pelo crime de lesões corporais. Se, porém, lograr-se apurar a autoria, os responsáveis (co-
autores e partícipes) pela morte ou lesão grave responderão por homicídio doloso ou lesão corporal de
natureza grave em concurso material com o delito de rixa simples, pois, como assevera Euclides
Custódio da Silveira, não se pode admitir que um mesmo resultado seja concomitantemente imputado
a alguém a título de crime doloso e de circunstância agravante de outro crime. Realmente, como o
agente já irá responder por homicídio doloso ou lesão corporal grave não tem sentido, sob pena de
consagrar-se o bis in idem, imputar-lhe o delito de rixa qualificada.

CONCURSO DE CRIMES

A rixa é punida autonomamente, independentemente da lesão corporal. Todavia, sobrevindo


lesão leve, o autor dos ferimentos responderá por rixa simples em concurso material com o delito
de lesão corporal leve. Haverá também concurso material entre os delitos de rixa e desacato,
injúria, furto etc. As vias de fato e a ameaça, porém, são absorvidas pelo delito de rixa. De observar-
se, porém, conforme já salientado anteriormente, a existência de concurso entre o delito de rixa e
o crime de homicídio doloso ou lesão corporal dolosa de natureza grave, malgrado a opinião
contrária de Altavilla.

CRIMES CONTRA A HONRA

CONCEITO

Honra, segundo definição de Euclides Custódio Silveira, “é o conjunto de dotes morais,


intelectuais, físicos, e todas as demais qualidades determinantes do apreço que cada cidadão
desfruta no meio social em que vive”.
A doutrina costuma distinguir entre honra subjetiva e honra objetiva.
Honra subjetiva é o sentimento de dignidade ou decoro que cada pessoa possui a respeito de
si própria. A estima própria, revelada pelo senso de dignidade e decoro, traduz a exata noção de
honra subjetiva. Dignidade é o atributo moral, ao passo que decoro compreende os dotes
intelectuais e físicos. Assim, haverá ofensa à dignidade quando se atribuir a alguém as qualidades
de desonesto, desleal, velhaco etc. O decoro será violado quando se imputar as qualidades de
ignorante, coxo, louco, etc.
Honra objetiva é a reputação, a boa fama que cada pessoa desfruta no meio social em que
vive. É ultrajada quando se imputar a alguém a prática de um fato determinado.
A ofensa à honra subjetiva constitui delito de injúria, ao passo que a violação da honra
objetiva caracteriza crime de calúnia ou difamação.
Na injúria, o agente atribui à vítima uma qualidade negativa (por exemplo, ladrão). Não lhe
imputa fato determinado.
Na calúnia e na difamação, o agente atribui à vítima um fato determinado. É calúnia, por
exemplo, dizer falsamente que fulano furtou o veículo de beltrano. É difamação dizer que uma
certa mulher mantém caso amoroso com outra.

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DISPONIBILIDADE DO BEM JURÍDICO TUTELADO

O bem jurídico honra é disponível. Exclui-se o crime se a vítima anuir à ofensa. Não há delito,
por exemplo, na hipótese de o noivo que, desejando livrar-se da noiva, autoriza um amigo a injuriá-
lo, difamá-lo ou caluniá-lo na frente dela e da família.
Anote-se que o representante legal do menor ou do incapaz não pode por ele consentir.

CALÚNIA

CONCEITO

Dispõe o art.138 do Código Penal:


“Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa“.
O § 1º acrescenta que: “Nas mesmas penas incorre quem, sabendo falsa a imputação,
apropala ou divulga”.
Como se vê, calúnia é a falsa atribuição a alguém de fato definido como crime.

SUJEITO PASSIVO

Caluniar é imputar a alguém um crime.


Magalhães Noronha, adepto da teoria tripartida, entende que menor de 18 anos e doente
mental não pratica crime. Por consequência, não podem ser caluniados. Para o ilustre penalista, o
fato criminoso a eles atribuído caracteriza delito de difamação.
Filiamo-nos à corrente bipartida. O menor de dezoito anos e o enfermo mental, cometem
crime. Este é fato típico e antijurídico. A culpabilidade não é elemento do delito; funciona apenas
como pressuposto de aplicação da pena. Aliás, como ensina Soler: “Dizer de um menino de treze
anos, que cometeu determinado roubo, com conhecimento da falsidade do fato, é tanto calúnia,
como dizê-lo de um maior”.
No tocante à pessoa jurídica, deixando de lado a discussão doutrinária acerca da sua
capacidade penal para delinqüir, matéria afeta à Parte Geral, o certo é que, no Brasil, prevalece a
teoria da ficção, excluindo-se a responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Se não pode cometer
crime, a falsa imputação de fato definido como crime não constitui calúnia contra a pessoa jurídica,
podendo a imputação configurar calúnia contra os seus dirigentes.
No presente momento, porém, o único delito que a pessoa jurídica pode cometer é o
ambiental, previsto na lei nº 9.605/98. Quanto aos crimes ambientais, portanto, a pessoa jurídica
pode figurar como sujeito passivo do crime de calúnia.

ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO

Os núcleos do tipo são: imputar, propalar e divulgar.


Imputar é atribuir a alguém alguma coisa. Na calúnia, o verbo imputar é reservado ao autor
original do fato ofensivo. Se, por exemplo, digo que vi fulano furtando o carro do vizinho, estarei
lhe imputando um fato criminoso. Imputar é, pois, atribuir o fato pela primeira vez. Está previsto na
cabeça do art. 138 do Código Penal, assim redigido:

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“Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena — detenção, de
6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa”.
Os outros dois núcleos do tipo constam do § 1º, que assim dispõe:
“Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga”.
Nos verbos propalar e divulgar o agente repete o que ouviu.
Propalar é o relato oral, ao passo que divulgar é o relato escrito ou por qualquer outro meio
que não seja verbal.
Urge, ainda, destacar a presença de dois elementos imprescindíveis à caracterização da
calúnia: falsidade da imputação e fato tido como crime.
A falsidade da imputação pode recair sobre o fato ou autoria. Haverá calúnia quando se
atribuir a alguém a prática de crime inexistente (falsidade sobre o fato) ou quando atribuir crime
existente, porém, cometido por outra pessoa (falsidade sobre a autoria).
Mister a imputação falsa de fato criminoso. A imputação de fato contravencional (por
exemplo, dizer que fulano é dono de uma banca de jogo do bicho) não caracteriza calúnia, mas
difamação. Com efeito, no delito de denunciação caluniosa, previsto no art.339 do CP, o código
admite expressamente a prática de contravenção (§ 2º), ao passo que no crime de calúnia há uma
lacuna, sendo vedada a analogia “ in malam partem “ .

ELEMENTO SUBJETIVO

Trata-se de crime doloso. Não se pune a calúnia culposa, que poderá ter repercussão no
campo da responsabilidade civil.
O crime de calúnia, no caput do art. 138 do Código, na modalidade imputação, admite o dolo
direto e eventual.
O dolo é direto caracterizando-se quando o agente faz a imputação sabendo de sua falsidade;
eventual se, malgrado a dúvida quanto à falsidade, mesmo assim realiza a imputação.
Urge, porém, salientar que nas modalidades propalar e divulgar, a lei exige o dolo direto ao
empregar a expressão “sabendo falsa a imputação”; é mister que o agente tenha certeza da
falsidade. Se for praticada com dolo eventual, como, por exemplo, na dúvida quanto à falsidade, o
agente propala ou divulga o fato caluniador, o crime não se configurará.

CONSUMAÇÃO

Os crimes contra a honra são formais ou de consumação antecipada, não exigindo a efetiva
lesão à honra. Basta que a conduta seja manifestada com o propósito ofensivo à honra.
No tocante à calúnia, consuma-se quando a imputação é conhecida por alguém, que não o
sujeito passivo.
Imputando o fato diretamente à vítima, sem ser ouvido por uma terceira pessoa, não haverá
delito de calúnia, mas sim injúria, tendo em vista o propósito de ofender apenas a honra subjetiva.

TENTATIVA

A figura da tentativa é perfeitamente admissível nos crimes plurissubsistentes.


A calúnia é tentada quando a imputação não se torna conhecida de outrem por circunstâncias
alheias à vontade do agente. Por exemplo, “A “envia a “B” missiva caluniosa contra “C”, mas por
uma circunstância qualquer, a carta é extraviada e acaba chegando às mãos do próprio “C”. A
calúnia é tentada. Seria consumada se tivesse chegado às mãos de “B”.

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CALÚNIA CONTRA OS MORTOS

Dispõe o § 2º do art. 138 que é punível a calúnia contra os mortos.


O sujeito passivo do delito não é o morto, mas os seus parentes.
Estranhamente, o Código Penal não pune a injúria e difamação contra os mortos.

EXCEÇÃO DA VERDADE

Exceção da verdade é a defesa apresentada pelo acusado para demonstrar a veracidade da


imputação, propalação ou divulgação.
A calúnia é, por essência, a imputação falsa de um crime. É natural o interesse social em não
deixar impune o autor do crime. Assim, a lei penal admite a exceção da verdade, permitindo que o
caluniador demonstre que é verdade o que disse.
A procedência da exceção da verdade exclui o crime de calúnia, gerando, por consequência, a
absolvição do agente, por ausência de tipicidade do fato, erigindo a antiga vítima à condição de
criminosa, devendo o juiz sentenciante, após o trânsito em julgado, remeter as cópias ao Ministério
Público para eventual propositura da ação penal.
Em regra, a calúnia admite a exceção da verdade como meio de defesa utilizado para exclusão
do crime.
Excepcionalmente, porém, o Código proíbe a prova da verdade, em três hipóteses previstas
no § 3º do art. 138. Nessas três hipóteses do § 3º do art. 138 do Código Penal, ainda que verdadeira
a imputação, o crime de calúnia não será excluído.
A primeira ocorre quando o fato imputado constituir delito de ação privada e o ofendido não
houver sido condenado por sentença transitada em julgado. A vedação da exceptioveritatis é
explicada pelo princípio da disponibilidade da ação penal privada, que pode ou não ser ajuizada,
consoante a exclusiva vontade do ofendido ou de seu representante legal.
A segunda hipótese em que não se admite a exceção da verdade é quando a ofensa for
irrogada contra o presidente da República, ou chefe de governo estrangeiro.
A terceira hipótese de proibição da demonstratioveri se dá quando o ofendido tiver sido
absolvido por sentença transitada em julgado do fato criminoso que lhe é imputado. O escopo da
vedação é o respeito à coisa julgada. Realmente, se a Justiça já o declarou inocente, ainda que por
insuficiência de provas, não tem sentido a reabertura das investigações, mesmo porque o art. 621
do Código de Processo Penal proíbe a revisão criminal pro societate.

DIFAMAÇÃO (ART. 139 DO CP)

CONCEITO

Difamar é imputar a alguém fato não criminoso, porém ofensivo à sua reputação.
Difere nitidamente da calúnia.
Efetivamente, a calúnia requer a imputação falsa de fato criminoso, ao passo que na
difamação o fato imputado não pode ser criminoso. Sobremais, a difamação não exige a falsidade
da imputação. Se, por exemplo, digo que certa mulher manteve um caso amoroso com outra
mulher, conquanto verdadeira a imputação, cometerei difamação.
Tal como na calúnia, o fato difamatório deve ser determinado, caso contrário o crime será de
injúria. De fato, a imputação de fatos vagos, genéricos, como, por exemplo, dizer que fulano é

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frequentador de prostíbulos, caracteriza injúria. Diferentemente, dizer que ele é frequentador de


tal prostíbulo, caracteriza difamação.
A imputação de fato contravencional, v. g., dizer que fulano tem uma banca de jogo do bicho,
caracteriza difamação. Na difamação, o legislador empregou apenas o verbo imputar, silenciando
acerca da propagação e divulgação.

SUJEITO PASSIVO

Qualquer pessoa física ou jurídica pode figurar como sujeito passivo do crime de difamação.
Realmente, tutelando a lei penal a honra objetiva, força convir que o menor, o doente mental
ou a pessoa jurídica, seja de direito público ou privado, podem ser sujeitos passivos, pois podem ser
atingidos em sua reputação social.

CONSUMAÇÃO
Ocorre no momento em que um terceiro, que não a vítima, toma conhecimento da
imputação ofensiva à reputação alheia.
O momento consumativo não difere do crime de calúnia.
Assim, tanto na calúnia como na difamação ocorre a consumação no exato instante em que
uma terceira pessoa toma conhecimento da imputação. Pouco importa se esta pessoa tenha ou não
dado crédito ao fato ofensivo. Basta que a ofensa seja capaz de lesar a honra alheia e seja
pronunciada com a intenção de ofender, não se exigindo, porém, a efetiva lesão à honra, pois,
conforme já salientado, os crimes contra a honra são formais.

TENTATIVA

Admite-se a tentativa quando o fato ofensivo à reputação não entra na esfera do


conhecimento de uma terceira pessoa, por circunstâncias alheias à vontade do agente.
Vimos anteriormente o exemplo da missiva enviada por AaB caluniando C, mas que, em
virtude do extravio, acabou chegando nas mãos do próprio C. Esse mesmo exemplo é válido para a
difamação, que, no caso, seria punida na modalidade tentada.

EXCEÇÃO DA VERDADE

Há pouco fizemos alusão à irrelevância do fato difamatório ser ou não falso.


É punível a difamação sobre fato verdadeiro, pois a lei não atribui às pessoas a liberdade de
censurar o comportamento alheio.
Excepcionalmente, porém, admite-se a exceptioveritatis, se o ofendido é funcionário público
e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções (parágrafo único do art. 139 do CP).
Nesse caso, procedente a exceção da verdade, exclui-se o crime de difamação, provocando,
destarte, a absolvição do agente.
A hipótese é regida pelo parágrafo único do art. 139 do Código, que assim dispõe: “A exceção
da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício
de suas funções”. É preciso que a imputação se refira à vida funcional da pessoa. A razão da
permissão da prova da verdade reside na moralidade inerente aos serviços públicos, a qual todo
cidadão tem o direito de fiscalizar. Se a ofensa não está relacionada com a função, como, por
exemplo, dizer que um funcionário, após o término do expediente, teve relações homossexuais
com fulano, não tem cabimento a exceptioveritatis. Diferentemente, dizer que o encontro

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libidinoso se deu no exercício do cargo, é fato referente à vida funcional, permitindo-se, assim, a
exceção da verdade.

INJÚRIA

CONCEITO

Injúria é a ofensa à dignidade e ao decoro, por meio da imputação de uma qualidade


negativa.
Seu traço característico é a imputação de uma qualidade negativa, como, por exemplo,
ladrão, desonesto, coxo etc. Não se confunde com a calúnia e difamação. Nestas, a honra é
ofendida pela atribuição de um fato determinado, ao passo que na injúria nenhum fato é imputado
à vítima, sendo, por isso mesmo, delito menos grave que aqueles outros.
Cumpre ressaltar que a imputação de fatos vagos, genéricos, como, por exemplo, dizer que
fulano tem o costume de não pagar as suas dívidas ou que fulano vive cometendo infrações penais,
constitui delito de injúria. Diferentemente, dizer que fulano não pagou beltrano caracteriza
difamação; e dizer que ele furtou um relógio de beltrano, configura calúnia.
Acrescente-se, também, que a imputação de um fato determinado assacado diretamente à
vítima, de forma reservada, isto é, sem que uma terceira pessoa presencie, caracterizará o delito de
injúria, tendo em vista a ofensa à honra subjetiva. Em tal situação, não haverá calúnia nem
difamação, porque nesses dois delitos a lei visa tutelar a honra objetiva.

SUJEITO PASSIVO

Prevalece a tese de que o sujeito passivo da injúria deve ter consciência da dignidade ou
decoro. Conseguintemente, não se consideram injuriados o doente mental, a criança de tenra idade
e nem a pessoa jurídica.
Realmente, injúria é a ofensa à honra subjetiva, consistente no juízo que cada pessoa faz de si
mesma acerca de sua dignidade ou decoro. Mister que a vítima tenha consciência de estar sendo
ofendida para que o delito se caracterize.
Uma criança de dez anos, por exemplo, tem condições de aferir o caráter ofensivo da
expressão. O mesmo não ocorre a uma criança de dois ou três anos.
No tocante à criança e ao doente mental, cremos que a solução deve ser analisada à luz do
caso concreto, para considerar-se caracterizado o delito somente na hipótese de ter sido
compreendido o caráter ofensivo da expressão empregada pelo agente injuriador.
A pessoa jurídica, por sua vez, não possui honra subjetiva, não podendo assim ser vítima de
injúria. Mas a ofensa pode ferir a honra dos responsáveis pela pessoa jurídica, que passarão, então,
a figurar como sujeitos passivos do delito.

MEIOS DE EXECUÇÃO

Pertence a injúria aos delitos de forma livre, admitindo, assim, inúmeros meios de execução,
tais como: gestos, palavras, símbolos, atitudes, figuras etc.
Por omissão também se pratica injúria, quando nítida a intenção de ofender, como acontece
na recusa ao cumprimento à pessoa que lhe estende as mãos. Diferentemente, calúnia e
difamação, por envolverem imputação de fatos determinados, não admitem a forma omissiva.
A ofensa pode ser:

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 Imediata — quando proferida pelo próprio agente.


 Mediata — quando o agente se vale de outra pessoa, de um animal ou de um
meio mecânico. Por exemplo, ensina uma criança ou um papagaio a proferir palavras
ofensivas ao vizinho, ou, então, liga o gravador que contém palavras injuriosas (meio
mecânico).
 Direta — quando o agente se refere a qualidades negativas da própria vítima.
 Oblíqua — quando, para ofender a vítima, faz referência a qualidades
negativas de pessoa a quem o ofendido estima. Por exemplo, “teu pai é ladrão”.
 Indireta ou reflexa — quando a qualidade negativa imputada a alguém
também ofende outra pessoa. Dizer, por exemplo, que fulano é chifrudo, ofende também a
sua esposa.
 Irônica — quando a qualidade negativa é imputada com sarcasmo ou
zombaria (por exemplo, chamar cultíssimo o homem analfabeto).
 Explícita - quando a ofensa é induvidosa. Exemplo, chamar alguém de
pederasta.
 Equívoca - quando a ofenda se reveste de uma certa vacilação. Dizer, por
exemplo, que a opção sexual de certa pessoa é duvidosa.
Impossível enumerar todos os meios, em face da variedade infinita de executar uma injúria.
Vale a pena citar a injúria simbólica, mencionada por Hungria, nos seguintes termos: dar-se o
nome de alguém a um cão ou asno; imprimir o retrato de alguém em folhas de papel higiênico;
pendurar chifres à porta de um homem casado.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO

Trata-se de crime doloso. É imprescindível o animus injuriandi, isto é, a intenção de injuriar,


de ofender. Não se caracteriza o crime, por ausência de dolo, quando o agente proceder com: a)
“animus jocandi” (intenção de caçoar ou brincar); b) “animus consulendi” (intenção de aconselhar,
advertir); c) “animus corrigendi” (intenção de corrigir). Em todas essas hipóteses, haverá injúria se
houver o propósito de ofender mascarado do subterfúgio desses “animus“.
Admite o dolo direto e eventual. Se, por exemplo, com suas palavras o agente assume o risco
de ofender a honra alheia, caracteriza-se a injúria por dolo eventual.
Na análise do valor ofensivo da expressão, não se pode olvidar que a honra subjetiva varia de
pessoa para pessoa, com o modo de dizer, no tempo, no espaço e à vista de certas circunstâncias.
Dizer que um homem é macho pode ser motivo de elogio para alguns e ofensa para outros. Chamar
uma mulher de macho é injúria, mas entre duas namoradas, adeptas do tribadismo, é manifestação
de carinho. Hoje, a expressão “nazista”, diferentemente da Alemanha de Hitler, é ofensiva.
Ainda que a palavra corresponda à verdade não se descaracteriza o delito. Dizer que fulano é
corcunda, paralítico, negro, etc., com o propósito de humilhar, constitui delito de injúria.

CONSUMAÇÃO

A honra subjetiva, traduzida no sentimento de estima própria que cada pessoa faz de si
mesma, só é violada quando o ofendido toma conhecimento da injúria.
Portanto, consuma-se o delito no momento em que a qualidade negativa imputada pelo
agente entra na esfera do conhecimento da vítima.
Se a ofensa é dita a um terceiro, e não diretamente à vítima, haverá o delito de injúria

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somente na hipótese de o agente ter desejado ou assumido o risco de este terceiro comunicar o
fato ao ofendido. Se o agente acreditava sinceramente que o terceiro não comunicaria o fato à
vítima, exclui-se o delito, tendo em vista que a lei não incrimina a injúria culposa.
Anote-se, no entanto, mais uma vez, que os delitos contra a honra são formais, pouco
importando à consumação se a vítima sentiu-se efetivamente ofendida. Basta a conduta idônea a
ofender, praticada com o animus injuriandi, para que o delito se tenha como consumado.

TENTATIVA

Admite-se a tentativa, sobretudo na injúria escrita. Por exemplo, A envia missiva ultrajante a
B, que se extravia, indo parar nas mãos de terceiro.

EXCEÇÃO DA VERDADE

O delito de injúria não admite a exceptioveritatis.


Evidentemente, justo não seria permitir a prova da verdade. Admiti-la seria consagrar o
direito de humilhação.

PERDÃO JUDICIAL

O § 1º do art. 140 do Código dispõe que o juiz pode deixar de aplicar a pena:

I. quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;


II. no caso de retorsão imediata, que consiste em outra injúria.

Trata-se do perdão judicial, cuja natureza jurídica já foi discutida na análise do homicídio
culposo, a qual reportamos o leitor.
No tocante à injúria, são dois os casos de perdão judicial, que se justificam pelo fato da ofensa
ter sido assacada em estado emocional.
O primeiro consiste na provocação direta e reprovável do ofendido. Diante disso, o injuriador
revida a ofensa recebida, injuriando o provocador. O legislador, reconhecendo que a injúria foi
assacada num momento de ira ou irritação, prevê o benefício do perdão judicial ao injuriador.
Note-se, porém, que a provocação deve ser direta, isto é, na presença do agente, e
reprovável, isto é, censurável. A provocação pode consistir num crime de calúnia ou difamação,
ameaça, lesão corporal etc., exceto injúria. Veja-se o seguinte exemplo: certa pessoa imputa a
outro fato difamatório. Esta reage, imputando-lhe uma injúria. Se ambos vierem a ser processados,
o difamador será condenado e o injuriador beneficiado pelo perdão judicial.
A segunda hipótese ocorre quando o ofendido responde com uma injúria à ofensa injuriosa. É
o instituto da retorsão imediata, consistente na injúria pela injúria. Veja-se o exemplo de
Magalhães Noronha: “Certo professor, irritado com o aluno que não sabia o ponto, bradou ao
bedel: ‘Sr. F., traga um feixe de capim’; ao que o discípulo retrucou: ‘Para mim uma xícara de café’.
Noutras palavras, o professor injuriou o aluno. Este, por sua vez, respondeu com uma nova injúria
ao professor, pedindo uma xícara de café, dando, pois, a entender que o feixe de capim era para o
professor. Na hipótese de um processar o outro, o professor seria condenado e o aluno receberia o
perdão judicial”. Como se vê, a retorsão imediata não gera a compensação de injúrias, pois o
perdão judicial é concedido apenas àquele que respondeu com injúria à injúria.

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INJÚRIA REAL

Injúria real é a cometida mediante violência ou vias de fato aviltantes por sua própria
natureza ou pelo meio empregado.
Dispõe o § 2º do art. 140 do Código Penal:
“Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio
empregado, se considerem aviltantes”.
Justifica-se a maior gravidade do delito, punido com detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano,
além da pena correspondente à violência, pela intensa humilhação sofrida pela vítima, lesada
simultaneamente em sua honra e na integridade física ou fisiopsíquica.
Na injúria real, as vias de fato e a violência física são empregadas para ofender a dignidade ou
decoro da vítima. A lei não contempla a injúria real mediante grave ameaça.
Indispensável, portanto, a presença do animus injuriandi, caso contrário o delito a identificar-
se será o de lesão corporal (CP, art. 129) ou a contravenção de vias de fato (LCP, art. 21).
Saliente-se, contudo, que, identificado o animus injuriandi, o agente responderá por injúria
real em concurso material com o delito de lesão corporal do art. 129 do Código Penal. É o que
expressamente dispõe o preceito secundário do § 2º do art. 140 do Código. Malgrado a presença
do concurso formal, pois o agente com uma só conduta ofende a honra e a integridade corporal ou
a saúde da vítima, o estatuto penal determina a aplicação da regra do concurso material, somando-
se, então, as penas (CP, art. 69).
Todavia, a injúria real cometida mediante vias de fato recebe tratamento distinto. A aludida
contravenção do art. 21 da Lei das Contravenções Penais é absorvida pela aplicação do princípio da
consunção, respondendo o agente apenas pelo delito de injúria real.
A caracterização da injúria real, a par do animus injuriandi, está condicionada ao caráter
aviltante, isto é, humilhante, da violência ou vias de fato.
A violência (termo designado para abranger a lesão corporal) e as vias de fato podem ser
aviltantes:

a) por sua própria natureza. Exemplos: rompimento de vestes femininas com o intuito de
submeter a vítima ao ridículo da nudez; arrancamento de um fio de barba com o propósito
aviltante;
b) pelo meio empregado: é o instrumento aviltante. Exemplos: surrar com chicote de rabo de
tatu; atirar excremento ao rosto.

Como bem se vê por esses vários exemplos, hauridos no ensinamento de Euclides Custódio
Silveira, na injúria real é indispensável o propósito de injuriar, caso contrário o agente responderá
apenas pelas infrações do art. 129 do Código Penal ou do art. 21 da Lei das Contravenções Penais.

INJÚRIA PRECONCEITUOSA OU DISCRIMINATÓRIA

Dispõe o §3º do art.140 do CP:


“Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem
ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) e
multa”.
O aludido § 3º foi acrescentado pela lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997, e alterado pela lei
nº 10.741 de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso). Trata-se de uma qualificadora, porque
tem pena própria. Cumpre salientar o exagero do legislador, que prevê para o delito a mesma pena

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cominada aos delitos de autoaborto (CP art.124) e homicídio culposo (CP, art.121 § 3º).
Urge, para que o delito se caracterize, que a ofensa contenha elementos referentes à raça,
cor, etnia, religião, origem, idade ou deficiência. Não basta que a motivação seja discriminatória. É
essencial que o dito ofensivo contenha, em termos objetivos, uma expressão discriminatória. Não
configura o delito quando se chama, por exemplo, um árabe de “pão duro“. Ao revés, haverá o
delito quando se disser: “você é um árabe pão duro”. Como se pode perceber, nesse último
exemplo, a ofensa contém a utilização de elementos discriminatórios referentes à etnia.
Caracteriza-se também o delito quando se chama alguém de “judeu”, “baiano”, “japa”, “velho”,
“cego”, “surdo”, “aleijado”, etc., com o propósito de ofender-lhe a honra subjetiva.
Raça é o conjunto de indivíduos cujos caracteres somáticos, tais como a cor da pele, a
conformação do crânio e do rosto, o tipo de cabelo, etc., são semelhantes e se transmitem por
hereditariedade, embora variem de indivíduo para indivíduo. Trata-se de um conceito biológico.
Etnia é o grupo biológico e culturalmente homogêneo. A expressão é empregada para
designar os costumes de um povo. Trata-se de um conceito cultural, tendo em vista que o aspecto
biológico da etnia já integra o conceito de raça.
Cor é o colorido da pele. Trata-se de um dos componentes da raça.
Religião é qualquer doutrina que cultua a existência de uma força superior ou sobrenatural.
Origem é a procedência da pessoa, referente a lugar ou ascendência.
Idoso, para efeitos desta qualificadora, é a pessoa de 60 anos ou mais (art.1º da lei nº
10.741/2003).
A deficiência para caracterizar esta circunstância majorante pode ser mental ou física
adotando-se os critérios de Organização Mundial de Saúde. Num e noutro caso a lei pune mais
severamente o desrespeito a essas pessoas.
A lei não prevê a qualificadora quando a ofensa contém elementos referentes a sexo e
convicção política.
Note-se que não abrange a discriminação por orientação sexual. Entretanto, de acordo com o
STF, os tipos penais que incriminam o preconceito racial também se aplicam à homofobia e, nessa
linha de raciocínio, a discriminação por preconceito sexual também poderá caracterizar crime de
injúria preconceituosa, mas o assunto certamente ensejará polêmica.
O delito em estudo assemelha-se ao crime de racismo previsto no art. 20 da lei nº 7.716/89,
cujo teor é o seguinte:
“Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional. Pena - reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa”.
No delito de racismo, acima transcrito, o agente realiza uma conduta de apologia à
discriminação ou preconceito. Não objetiva a ofensa a pessoa ou pessoas determinadas, e sim a
incitação do preconceito, de maneira impessoal. Portanto, o sujeito passivo é a coletividade de
pessoas que integram o grupo ofendido. Caracteriza-se, por exemplo, o delito de racismo quando
se instiga uma certa pessoa a odiar membros de uma determinada raça ou então quando se publica
uma mensagem instigadora do preconceito de raça, cor, etc.
Na injúria qualificada, ao contrário, a ofensa se dirige a pessoa ou pessoas determinadas, e
não ao grupo como um todo. Se, porém, a ofensa preconceituosa for assacada contra uma pessoa
com a intenção de incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, etc, haverá concurso
formal entre a injúria qualificada e o delito de racismo. Tal ocorre quando, por exemplo, o agente
ofende publicamente uma pessoa com a intenção de incitar os presentes ao preconceito de raça,
cor, etc.
Convém salientar que no delito de racismo a ação é pública incondicionada, ao passo que na
injúria qualificada a ação é pública condicionada à representação da vítima, conforme Lei

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12.033/2009. O racismo é imprescritível; a injúria é prescritível.


O racismo é um crime inafiançável e imprescritível.
Sobre a injúria preconceituosa, há duas correntes:
1ª) É um crime contra a honra. Não se trata de uma espécie de crime de racismo, pois não se
encontra arrolado na lei 7.716/89, que prevê as modalidades criminosas de racismo, sendo vedada
a analogia in malam partem. Ademais, a ação penal depende de representação, logo seria ilógico
considerar imprescritível um crime que se sujeita à decadência. Portanto, a injúria preconceituosa é
um crime afiançável e sujeito à prescrição.
2ª) É uma espécie de crime de racismo, pois o rol da lei 7.716/89, que define as modalidades
criminosas de racismo, não é taxativo. O racismo é a discriminação social de que existem raças
humanas superiores, baseando-se em características físicas e outros traços do comportamento
humano. Por interpretação lógica, a injúria preconceituosa se enquadra nesse conceito. A
Constituição, no art. 5º, XLII, ao fazer menção ao racismo, como sendo um crime inafiançável e
imprescritível, deve ser interpretada à luz do conceito sociológico de racismo. O STF e STJ adotam
este ponto de vista. Por consequência, a injúria preconceituosa seria um crime inafiançável e
imprescritível, pois esse tipo de ofensa é uma conduta de racismo, à medida que o tipo penal mira a
punição do preconceito racista. Quanto à ação penal, a lei a considera pública condicionada, mas,
por se tratar de espécie de racismo, se tornou sustentável, por razões lógicas, a tese de que seria
pública incondicionada.

DISPOSIÇÕES COMUNS AOS CRIMES CONTRA A HONRA

O art. 141 contém regras sobre o aumento da pena nos crimes contra a honra, em suas três
modalidades: calúnia, difamação e injúria.
Dispõe que as penas cominadas a estes delitos aumentam-se de um terço, se cometidos:
I. contra presidente da República ou chefe de governo estrangeiro;
II. contra funcionário público, em razão de suas funções, ou contra os Presidentes do Senado
Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal;
III. na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, injúria e
difamação;
IV. contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto em caso de
injúria.
A primeira dessas causas, crime cometido contra a honra do presidente da República ou de
chefe de governo estrangeiro, tem seu fundamento na alta relevância política desses cargos,
dispensando-se, para a incidência da majorante, o nexo entre a ofensa e a função pública, sendo
imprescindível, porém, que o agente tenha consciência do cargo ocupado pelo ofendido.
Tratando-se de ofensa a chefe de governo estrangeiro, como esclarece Heleno Cláudio
Fragoso, de nenhuma importância é o fato de manter o Brasil relações diplomáticas com o país de
que se trata. A expressão “Chefe de Governo Estrangeiro” compreende o Presidente da República e
o Primeiro - Ministro, tendo em vista que essas duas autoridades são representativas do governo
estrangeiro, ocupando o cargo máximo do Estado.
A segunda majorante, crime contra funcionário público, em razão de suas funções, ou contra
os Presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal, visa
amparar o respeito a função pública.
A inclusão da majorante em relação aos Presidentes do Senado Federal, da Câmara dos
Deputados ou do Supremo Tribunal Federal, ocorreu com o advento da Lei 14.197/2021, que
revogou a Lei de Segurança Nacional.

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Antes da Lei 14.197/2021, as ofensas por motivo político-subversivo contra os Presidentes da


República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal, se
enquadravam na Lei 7.170/83 (antiga Lei de Segurança Nacional), que, entretanto, não previa o
crime de injúria, mas apenas a calúnia e a difamação.
Com a revogação da Lei de Segurança Nacional, o fato passou a ser disciplinado apenas pelo
Código Penal, incidindo o aumento da pena na calúnia, difamação e injúria, quer haja ou não
motivação político-subversivo.
No tocante ao ofendido, que é funcionário público, para a incidência da majorante, é
necessário que a ofensa seja em razão da função, mas, em relação aos Presidentes do Senado
Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal, aplica-se o aumento da pena
ainda que a ofensa não tenha nexo com a função pública.
Feitas as considerações acima, passo agora à análise exclusiva da majorante em que o
ofendido é funcionário público.
É preciso, para que haja o aumento da pena, que o ofendido possua no momento da ofensa a
qualidade de funcionário público e que o agravo lhe tenha sido irrogado em razão de suas funções.
Aliás, como ensina Aníbal Bruno, “a alegação desonrosa que se prende a fato da sua vida privada
não é atingida pela agravante. Mas, de qualquer modo, se a ofensa é feita estando o funcionário
presente e no exercício de suas funções, já não é um ataque à honra que se configura, mas
desacato, que é crime contra a Administração Pública”.
Essa pertinente colocação do brilhante mestre da Universidade do Recife traz à tona a
distinção entre desacato e crime contra a honra de funcionário público.
No desacato, a ofensa é irrogada na presença do funcionário, que dela toma conhecimento
direto, por si próprio, embora não haja necessidade de que seja face a face. Quando o funcionário
público está no exercício das funções (in officio) é irrelevante à tipificação do desacato o fato de a
ofensa relacionar-se ou não com o exercício funcional. Estando, porém, fora do exercício funcional,
o desacato está condicionado à relação da ofensa com o exercício funcional (propter officium).
Diferentemente, nos crimes contra a honra, a ofensa não é irrogada na presença do
funcionário público, relacionando-se, porém, às funções públicas.
Alguns exemplos irão elucidar o assunto:
a) O agente que vai até a repartição pública dizer diretamente ao funcionário palavras
ofensivas, relacionadas ou não à função, tais como: corno, ladrão e corrupto, comete desacato. Se o
funcionário estivesse ausente o crime seria de injúria;
b) O credor que, num final de semana, aborda o funcionário público, fora do exercício de suas
atividades, assacando expressões estranhas à função (v. g., caloteiro), responde por injúria.
Diferentemente, haverá desacato, caso a ofensa se relacione às funções públicas;
c) Ofensa irrogada por escrito, telefone ou televisão, ainda que relacionada às funções
públicas, configura delito contra a honra, e não desacato, pois, como vimos, nesse último delito, é
essencial a presença de funcionário no local dos fatos.
A terceira causa de aumento de pena se dá quando o crime é cometido na presença de várias
pessoas. Prende-se a majorante na maior ofensa causada à honra pelo número de pessoas que
tomam conhecimento da expressão ultrajante. O termo várias indica no mínimo três pessoas,
segundo a doutrina dominante. Uma ligeira interpretação teleológico-sistemática revelará a ratio
legis. Efetivamente, cotejando o preceito legal com outros referentes ao agrupamento de pessoas,
denota-se, à evidência, que quando o Código Penal pretende que bastem dois agentes emprega a
expressão: “concurso de duas ou mais pessoas” (arts. 155, § 4º, IV, 157, § 2º, II etc.); se pretende no
mínimo quatro a oração utilizada é: “mais de três pessoas” (arts. 146, § 1º). Conseguintemente, o
termo várias, conforme inúmeros doutrinadores, indica a necessidade mínima de três pessoas. A

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meu ver, com o advento da lei 12.850/2013, que alterou a redação do art.288 do CP e passou a
exigir para a caracterização do crime de associação criminosa “3 (três) ou mais pessoas”, o
significado do termo “várias” também sofreu mutação, para abranger no mínimo 5 (cinco) pessoas,
pois se a lei quisesse abarcar apenas 3 (três) teria dito 3 (três) ou mais pessoas. A doutrina,
entretanto, ainda não se atentou para isso e continua interpretando a expressão “várias” como
sendo no mínimo 3 (três) pessoas.
Pondere-se, porém, que nesse número não se computam as vítimas e nem os demais
coautores e partícipes. Excluem-se, também, as pessoas que não têm capacidade de entender a
ofensa, como as crianças, loucos e surdos. É preciso ainda que o agente tenha consciência de estar
na presença de várias pessoas. Urge ainda, para a incidência da majorante, que o agente tenha
consciência da pluralidade de pessoas presentes. A quarta causa de aumento de pena se configura
quando o crime for cometido por meio que facilite a divulgação. A ratio legis é idêntica à hipótese
anterior. Exemplos: imprensa (televisão, rádio, jornal e periódicos), pintura, vitrola e cartaz. Não se
exige a efetiva divulgação, mas é preciso o emprego efetivo de meio capaz de facilitar a divulgação.
Finalmente, a majorante do inciso IV abrange as seguintes situações:
a) vítima maior de 60 (sessenta) anos;
b) vítima portadora de deficiência, que pode ser física ou mental, pois a lei não faz qualquer
distinção.
c) vítima criança ou adolescente. Criança é a pessoa que ainda não atingiu doze anos.
Adolescente é a pessoa entre doze anos completos e dezoito incompletos (art. 2º da Lei 8.069/90).
As duas primeiras situações foram introduzidas pela Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) e a
última, vítima criança ou adolescente, pela Lei 14.344/2022.
Esta majorante do inciso IV não se aplica ao crime de injúria preconceituosa, previsto como
qualificadora no § 3º do art. 140 do CP, que consiste na utilização de elementos referentes à raça,
cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.
Caso a ofensa não contenha nenhum dos elementos acima, a injúria será simples, hipótese
em que incidirá o aumento da pena do inciso IV.
Se a ofensa contiver elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem, mas não se
referir à condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, ainda assim não será aplicada a
majorante do inciso IV, que excluiu a injúria preconceituosa do âmbito de sua incidência, sem
fazer qualquer ressalva.
Antes do advento da Lei 14.344/2022, a majorante do inciso IV não se aplicava a nenhum tipo
de injúria, mas a partir de sua edição a exclusão se restringe à injúria qualificada do §3º do art. 140
do CP.

CRIMES CONTRA A HONRA COMETIDOS EM REDES SOCIAIS DA INTERNET

Dispõe o §2º do art. 141 do CP:


“Se o crime é cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede
mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena”.
Trata-se de mais uma disposição comum aos crimes contra a honra, aplicável à calúnia,
difamação e injúria.
A majorante em análise foi introduzida pela Lei 13.964/2019, através da derrubada do veto
presidencial pelo Congresso Nacional, em votação finalizada no dia 19 de abril de 2021.
O dispositivo legal, que contêm esta causa de aumento de pena, havia sido vetado pelo
Presidente da República, por suposta violação do princípio da proporcionalidade da pena.

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A pena, ao ser aumentada no triplo, entretanto, se revela proporcional, em função da maior


gravidade de que se reveste o delito, causada pela publicidade dada à ofensa à honra.
Trata-se de causa de aumento de pena em quantidade fixa, o que se deduz da oração “aplica-
se a pena em triplo”, e não “até o triplo”, eliminando-se assim qualquer discricionariedade do
magistrado para realizar o aumento abaixo deste patamar.
É ainda uma circunstância objetiva, comunicável aos coautores e partícipes, que tinham
conhecimento do fato (art. 30 do CP).
A aludida majorante contém dois verbos, cometer e divulgar, deixando claro que quem
divulga ofensas cometidas por outrem também se enquadra na majorante.
A duplicidade de verbos se revela salutar, pois, como se sabe, não há participação em crime
consumado.
No delito de calúnia, já havia a previsão do verbo divulgar, mas o mesmo não ocorria com os
crimes de injúria e difamação, de tal sorte que o divulgador de uma difamação ou injúria, em rede
social da internet, e não apenas o de uma calúnia, também sofrerá, sem qualquer controvérsia, a
incidência do aumento triplicado da pena.
Se não houvesse a menção do verbo divulgar, a majorante seria aplicada à calúnia, mas
geraria controvérsia em relação à difamação e à injúria.
Questão interessante é saber se haverá concurso de pessoas ou crimes autônomos entre o
divulgador e o que cometeu originariamente a calúnia, difamação e injúria.
Se, antes da consumação, o agente tinha ciência que fulano de tal faria a divulgação do delito
em rede social da internet, a situação será de concurso de pessoas, com um só crime para ambos,
ainda que não haja entre eles um acordo prévio.
Se, porém, não tinha consciência que alguém divulgaria o delito em rede social da internet,
não há falar-se em concurso de pessoas, hipótese em que a majorante em debate só será aplicada
ao divulgador, pois, diante da ausência de vínculo subjetivo entre eles, força convir que cada um
praticou um delito autônomo.
Quanto ao agente que, após cometer o delito contra a honra, em determinado lugar, resolve
divulgá-lo em rede social da internet, responderá apenas por este último delito, absorvendo-se o
primeiro, por força do princípio da consunção.
No caso em que o delito é cometido diretamente em rede social da internet, o agente se
enquadra em ambos os verbos, cometer e divulgar, mas responderá por um só crime, por força do
princípio da alternatividade, aplicável por se tratar de um tipo derivado misto alternativo.
Se, através de uma única postagem em rede social, o agente ofender a honra de mais de uma
pessoa haverá tantos crimes quanto forem as vítimas, triplicando a pena em relação a cada um
deles.
É, necessário ainda, para a incidência da majorante, seja o delito cometido ou divulgado em
quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores.
A rede mundial de computadores ou internet é a que está aberta para o acesso de todos os
computadores do mundo, sem qualquer restrição.
Distingue-se da intranet, que é a rede restrita de computadores, utilizável somente por
pessoas previamente autorizadas.
No tocante às redes sociais, são as plataformas de comunicação através da rede
computadores.
Na internet há, dentre outras, as seguintes redes sociais, Facebook, Instagram, YouTube,
WhatsApp, LinkedIn, Pinterest, Twitter, etc.

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A causa de aumento de pena em análise não se aplica às redes sociais da intranet, pois é
vedada a analogia “in malam partem”.
Quanto às redes sociais da internet, embora disponíveis a todos, nem sempre é aberta ao
público, pois inúmeras delas podem ser utilizadas em caráter privado, onde o acesso é restrito a
pessoas autorizadas pelo usuário, hipótese em que também não se justifica o aumento em triplo da
pena, pois a situação se assemelha à intranet. Exemplos: grupo fechado de WhatsApp, Facebook
privado, Twitter privado.
De fato, não teria cabimento em se triplicar a pena quando, por exemplo, o delito for
praticado numa rede de WhatsApp, cujo acesso é restrito aos pais, filhos, tios e avós.
Interpretação diversa feriria o princípio da proporcionalidade da pena.
Por fim, a majorante em análise afasta a incidência da prevista no inciso III do art. 141 do
CP, pois se refere a um meio específico de divulgação.

EXCLUSÃO DO CRIME

Estabelece o art. 142 do Código Penal que não constituem injúria ou difamação punível:

I. a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador;
II. a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a
intenção de injuriar ou difamar;
III. o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação
que preste no cumprimento de dever de ofício.

Trata-se de dispositivo oriundo do Código alemão, que o nosso direito anterior desconhecia.
Vê-se, desde logo, que o preceito em análise não se refere à calúnia, limitando-se a
imunidade à difamação e injúria.
A primeira causa de exclusão do crime é a chamada imunidade judiciária. Assim, não constitui
crime a injúria ou a difamação irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou seu pro-
curador.
O motivo preponderante da ofensa é o animus defendendi, pouco importando se
simultaneamente houve o propósito de ofender.
A imunidade aproveita apenas às partes e aos seus procuradores. A palavra parte
compreende todos os sujeitos da relação processual, diversos do juiz, a saber: autor, réu, Ministério
Público, assistente, opoente e litisconsorte. A expressão procurador abrange o constituído, o dativo
e o ad hoc.
No tocante ao Ministério Público, ousamos divergir de Hungria ao dizer que o representante
do parquet só pode invocar a imunidade quando for autor da ação. Ora, nos processos em que atua
como custos legis, o promotor de justiça não deixa de ser parte. No sentido puramente processual,
parte compreende todo aquele que atua no contraditório, não se podendo negar esse atributo ao
representante do Ministério Público, mesmo nas hipóteses em que funciona como fiscal da lei.
A imunidade só tem incidência se a ofensa irrogada em juízo tiver nexo com a discussão da
causa.
Mister a presença de dois requisitos:

a) Irrogada em juízo. Pode ser oral (interrogatório, debates em audiência, debates no


julgamento do júri, sustentação oral de recurso etc.) ou escrita (petição, alegações finais, razões de
recurso etc.). Ofensa irrogada no recinto do fórum, e não em juízo, não está acobertada pela

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imunidade (RT, 543:431). O benefício alcança qualquer forma de processo (civil, penal, trabalhista,
administrativo etc.).
b) Relação entre a ofensa e a causa em discussão. Exclui-se a imunidade se, por exemplo, nos
debates orais ou por escrito um advogado chamar o outro de homossexual.

O Estatuto da OAB prevê a imunidade em relação aos crimes de injúria, difamação e desacato.
Quanto à calúnia, não há imunidade. Andou bem o legislador em omiti-la, porque na calúnia é
admitida a exceção da verdade. Não há, portanto, necessidade de imunidade, diante da amplitude
da defesa, que permite a demonstração da verdade como causa de exclusão o crime.
No tocante ao desacato, o Supremo Tribunal Federal, em liminar concedida aos 06 de outubro
de 1994, na ação declaratória de inconstitucionalidade (ADIn) nº 1127-8, suspendeu a eficácia do
termo desacato.
A segunda causa de exclusão do crime é a denominada imunidade literária. Dispõe o inciso II
do art. 142 do Código que não constitui injúria ou difamação a opinião desfavorável da crítica
literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar.
A última causa de exclusão do crime é a denominada imunidade funcional. Dispõe o inciso III
do art. 142 do Código que não constituem injúria ou difamação o conceito desfavorável emitido por
funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever de ofício.

RETRATAÇÃO

Efetivamente, dispõe o art. 143 do estatuto penal:


“O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou difamação, fica
isento de pena”.
O preceito legal prevê, pois, a retratação como causa extintiva da punibilidade em relação à
calúnia e à difamação.
Retratação é o ato de desdizer-se, de retirar o que se disse. O agente confessa a falsidade
daquilo que afirmou anteriormente. Não constitui retratação a alegação de que não houve a
intenção de ofender. Também não é retratação a negativa do fato. É necessário que o agente
reconheça a afirmação anterior, retirando-a por completo. A retratação é, pois, a reconsideração de
uma afirmação anterior.
Observa-se, porém, que a retratação só é admissível nos delitos de calúnia e difamação,
quando se tratar de ação penal privada. Efetivamente, o preceito em análise reserva a retratação
apenas ao querelado, pessoa acusada na ação penal privada. Tratando-se de ação penal pública,
como, por exemplo, ofensa assacada contra funcionário público, em razão de suas funções, a
retratação do réu não exclui a punibilidade, funcionando como simples circunstância judicial (CP,
art. 59). Justifica-se a proibição da retratação no princípio da indisponibilidade da ação penal
pública, outrossim, no interesse do Estado em preservar a integridade moral de seus funcionários
públicos.
Tenha-se ainda presente que no delito de injúria a retratação não extingue a punibilidade.
Dizer, por exemplo, que fulano é burro e depois retratar-se, chamando-o de sábio, certamente
macularia ainda mais a sua honra subjetiva.
A retratação deve ser completa, incondicional e ficar constando, por escrito, nos autos.
Completa no sentido de abranger cabalmente todo o fato criminoso, isto é, tudo o que foi
dito pelo querelado.
Incondicional porque é ato unilateral do querelado, que produz efeitos independentemente
de aceitação da vítima.

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A retratação deve ser feita pelo querelado ou procurador com poderes especiais. Não exige
fórmula sacramental, mas deve abranger todo o fato criminoso.
A oportunidade para o ofensor retratar-se é até antes da sentença de primeira instância na
ação penal.

AÇÃO PENAL (CP, ART. 145)

Em regra, a ação penal nos crimes contra a honra tem natureza privada (art. 145 do CP).
Excepcionalmente, porém, a ação é pública. Senão vejamos:
a) Quando o crime é cometido contra funcionário público, em razão da função, a ação penal é
de natureza pública condicionada à representação. Por exemplo: ofensa contra prefeito, juiz de
direito, deputado, escrevente etc. O Supremo Tribunal Federal, porém, acertadamente, vem
admitindo, para a hipótese, a chamada “legitimação concorrente”, sustentando que a ação penal
tanto pode ser privada quanto pública condicionada à representação do ofendido. Argumenta-se
que a honra é um direito individual constitucional, previsto no art. 5º, X, da CF, razão pela qual o
funcionário público pode defendê-la pessoalmente como qualquer outro cidadão. Trata-se, a rigor,
de aplicação do princípio da isonomia.
b) Quando o crime é cometido contra o presidente da República ou chefe de governo
estrangeiro, a ação penal tem natureza pública condicionada à requisição do ministro da Justiça.
c) Na injúria real, resultando lesão corporal grave ou gravíssima, a ação penal é de natureza
pública incondicionada. Mas se houver apenas lesão leve a ação penal será pública condicionada à
representação (art. 101 do CP c/c o art. 88 da Lei n. 9.099/95). E, no caso de vias de fato, a ação
será privada.
d) No crime contra honra eleitoral, a ação é pública incondicionada (art. 355 do Código
Eleitoral).
e) No crime de injúria qualificada, previsto no parágrafo 3º do art. 140 do CP, a ação penal é
pública condicionada à representação da vítima, conforme Lei 12.033, de 29 de setembro de 2009,
que alterou o parágrafo único do art. 145 do CP.

DELITO DE PERSEGUIÇÃO OU STALKING

Introdução

O stalking, que é o fato de perseguir alguém, de forma contínua, começou a ser seriamente
discutido somente nos anos de 1980, desencadeado pela perseguição e morte de algumas
celebridades, por fãs, como foi o caso do cantor John Lennon.
A partir dos anos de 1990, passou a ser incriminado nos EUA e nos países europeus, de forma
ampla, não se restringindo apenas à perseguição de celebridades.
No Brasil, o fato se enquadrava como contravenção de perturbação da tranquilidade, prevista
no art. 65 da LCP.
Com o advento da Lei 14.132/2021, que introduziu no Código Penal o art. 147-A, o stalking se
tornou crime e a contravenção de perturbação da tranquilidade foi expressamente revogada.
O tipo penal em análise tem potencial pedagógico similar à da Lei Maria da Penha, para
impulsionar o comportamento humano no rumo da civilidade, coibindo todo e qualquer tipo de
perseguição, inclusive, a que atenta contra a liberdade de autodeterminação, violada com
frequência no próprio núcleo familiar, tendo as mulheres como principais vítimas.

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Conceito

Dispõe o art. 147-A do CP:


“Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física
ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou
perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa”.

O delito em análise, que foi introduzido pela Lei 14.132/2021, também é conhecido como
“stalking”, palavra da língua inglesa que significa perseguição.

Sujeito ativo

Trata-se de crime comum praticável pelo homem ou mulher.


É, no entanto, mais frequente a sua prática por homens, enraizados na cultura machista de
opressão à liberdade de autodeterminação da mulher.

Objetividade jurídica

Tutela-se a liberdade pessoal, assegurada no art. 5º, caput, da CF, em seus dois aspectos:
a) liberdade psíquica. É o direito à tranquilidade, à paz interna, à privacidade.
b) a liberdade física. É o direito de locomoção, ou seja, de ir, vir e permanecer livremente no
local de escolha.
O consentimento da vítima, desde que ela seja maior e capaz, exclui o delito.

Sujeito passivo

Tanto o homem quanto a mulher podem figurar como sujeitos passivos.


Igualmente, os funcionários públicos e os políticos que exercem mandato eletivo.
O crime será impossível, por impropriedade absoluta do objeto material, na hipótese de a
perseguição recair sobre criança de tenra idade e insanos profundos, sem a mínima capacidade de
compreensão dos fatos (art. 17 do CP). Nestes casos, porém, por via indireta ou reflexa, os
representantes legais poderão figurar como sujeitos passivos, pois a perseguição é uma
perturbação à liberdade ao exercício do instituto da representação legal.
Com relação à pessoa jurídica, não tem ela liberdade física nem psíquica, razão pela qual não
poderá ser vítima do delito.
Entretanto, a conduta dirigida a ela acaba recaindo sobre os seus dirigentes, que passam
então a figurarem como sujeitos passivos, mas, nessa hipótese, haverá um só delito contra todos
eles.
A perseguição, para caracterizar o delito em análise, deve ser dirigida a pessoa determinada.
Não é preciso, porém, que o perseguidor individualize a vítima pelo nome, sendo suficiente
que, através dos meios empregados, seja possível identificá-la.
Se, porventura, a perseguição recair sobre várias pessoas, haverá diversos delitos, tantos
quantos forem os perseguidos, em concurso formal, aplicando-se, porém, a pena pela regra do
concurso material, em razão dos desígnios autônomos (art. 70, 2ª parte, do CP).
Não é necessário que a vítima conheça o seu perseguidor, que pode ser um desconhecido ou
alguém próximo, inclusive, do seu próprio núcleo familiar.

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Aliás, no âmbito do casamento, união estável, união homoafetiva ou de outra entidade


familiar é comum a prática do fato criminoso por um dos cônjuges ou companheiro.
No ambiente de trabalho e até mesmo no meio eclesiástico, também é possível a ocorrência
do delito.

Elementos objetivos do tipo

A conduta típica consiste em perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio.


Trata-se, pois, de um terrorismo psicológico.
O núcleo do tipo é o verbo perseguir, que significa seguir, procurar ou incomodar com
frequência ou insistência.
O delito é habitual, pois exige a reiteração do comportamento, a ponto de caracterizar que
realmente se trata de uma perseguição.
Um ou alguns atos isolados não caracterizam o delito em análise.
É assim essencial, para a configuração do delito, em todas as suas modalidades, que haja
cumulativamente três requisitos:
a) o comportamento de perseguição, exteriorizado por atos repetitivos do sujeito ativo;
b) o dissenso da vítima;
c) o dolo.
O comportamento de perseguição, que é a prática de atos repetitivos, ainda que num curto
período de tempo, se desdobra em duas espécies:
a) comportamento composto por atos que, isoladamente, são socialmente aceitos, mas cuja
reiteração excessiva, contra a vontade da outra pessoa, podem se transmudar em crime.
Exemplos: telefonemas, e-mails, convites insistentes, remessas de flores, espera na saída do local
de trabalho, postagens em redes sociais, etc.
b) comportamento composto por atos que, isoladamente, já são ilícitos. Exemplos: violação
de correspondência, violação de domicílio, ameaças, ofensas à honra, etc.
Nas duas situações, o crime de stalking, para se configurar, exige a repetição do
comportamento e o dissenso da vítima.
É claro que, em relação aos comportamentos criminosos, um ato isolado pode configurar
crime diverso do delito de stalking. Exemplo: injúria (art. 140 do CP). Outro exemplo: ameaça (art.
147 do CP). Mais um exemplo: violação de domicílio (art. 150 do CP).
O stalking pode se classificar em:
a) familiar: é o que ocorre entre parentes, cônjuges ou companheiros de união estável ou de
outra entidade familiar.
b) ocupacional: é o que se verifica no ambiente de trabalho. Trata-se do assédio moral ou
mobbing, que é a exposição repetitiva do empregado a situações humilhantes e constrangedoras. É
claro que nem todo assédio moral configura crime de stalking, pois a tipicidade depende do
enquadramento do fato no tipo penal em análise.
c) de celebridades: é o que se dirige a pessoas famosas.
d) emocional: é o motivado pelo término de um relacionamento amoroso.

É fundamental acrescentar que não é qualquer perseguição que caracteriza o delito em


análise, pois o tipo penal exige que a conduta contenha pelo menos uma das seguintes formas:
a) perseguição com ameaça à integridade física ou psicológica;
b) perseguição que restringe a capacidade de locomoção;
c) perseguição que invada ou perturbe a esfera de liberdade;

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d) perseguição que invada ou perturbe a esfera de privacidade.


À exceção da primeira modalidade, às demais não exigem ameaça.
Questão interessante é saber se a habitualidade da perseguição, que é exigida pelo tipo
penal, deve ser analisada isoladamente em relação a cada uma das formas acima ou se pode ser
considerada em conjunto.
Imagine, por exemplo, que durante um período de três meses, o agente tenha perseguido a
vítima através de duas ameaças à integridade física ou psicológica, dois atos de restrição da
capacidade de locomoção, dois atos de perturbação da liberdade e dois atos de invasão da
privacidade, num total de oito atos, mas com alternância da forma.
No exemplo acima, a análise isolada de cada forma de conduta afasta a habitualidade, mas,
no conjunto, ela se caracteriza.
Creio que o delito se configura, ainda que haja a mudança do “modus operandi”, porquanto o
núcleo do tipo é um só, que é o verbo perseguir, cuja reiteração pode se verificar por qualquer
meio.
Em contrapartida, a unicidade do núcleo do tipo afasta qualquer possibilidade de se
considerar o tipo penal como sendo misto alternativo ou misto cumulativo.
O tipo é simples, pois contém um único núcleo, de modo que, ainda que a habitualidade
recaia em mais de uma de conduta prevista no tipo penal, haverá um só crime. Exemplo: no espaço
de um mês, o stalker realizou 500 (quinhentos) telefonemas para vítima, que desde logo pediu que
ele parasse, e ainda a aguardou na saída do trabalho durante 20 (vinte) dias, contra a vontade dela.
Por outro lado, as perseguições que não se enquadram em nenhuma das modalidades
criminosas acima mencionadas permanecerão impunes, pois a contravenção de perturbação da
tranquilidade, prevista no art. 65 do CP, que, em matéria de adequação típica, poderia servir de
“soldado de reserva”, foi expressamente revogada.
O delito, em todas as suas modalidades, é de forma livre, pois, se admite qualquer meio de
execução, podendo ser praticado tanto em ambiente físico quanto virtual. Exemplos: e-mails,
telefonemas, cartazes.
Aliás, o delito, quando cometido através da internet, recebe o nome doutrinário de
cyberstalking.

Perseguição com ameaça à integridade física ou psicológica

Conquanto o tipo penal se refira apenas à perseguição com ameaça à integridade física ou
psicológica, por interpretação extensiva, também se encontra abrangido pelo tipo penal o fato mais
grave, que é a perseguição com efetiva violência física ou psicológica.
Aliás, no caso de violência física, haverá concurso material entre o delito de stalking e o delito
correspondente à violência (por exemplo, homicídio ou lesão corporal), nos termos do §2º do art.
147-A do CP.
Ameaça é a intimidação ou atemorização pela promessa de malefício.
Não se exige, ao contrário do delito de ameaça do art. 147 do CP, que se trate de um mal
injusto e grave.
Se o mal prometido for justo, ou seja, permitido pelo ordenamento jurídico, o seu emprego
reiterado, que extrapola os limites do razoável, como instrumento de perseguição, também
ensejará o delito em análise. Exemplos: ameaças continuas feitas pelo credor ao devedor de propor
ação de cobrança, de protestar o título de requerer a penhora de bens.
A integridade física é violada com a lesão nos tecidos internos ou externos do corpo.

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Exemplo: marido que, com frequência, ameaça bater na mulher.


A integridade psicológica é ultrajada com ofensas à honra, à tranquilidade e à saúde mental
ou psíquica. Exemplo: ameaças de difamar a pessoa na internet.
Não há no tipo penal a menção da ameaça de causar dano patrimonial. Neste caso, contudo,
o delito também pode se caracterizar, quando a conduta tiver idoneidade para causar dano
psicológico.
O dano prometido pode se referir à própria vítima ou à pessoa ligada a ela por laços
familiares ou de amizade (ameaça indireta).
Quanto ao crime de ameaça, será absorvido, pois já funciona como elemento do tipo penal
em estudo.
Não se exige a intenção de cumprir a ameaça. Ou seja, a ameaça não precisa ser real.
O critério para se apurar se conduta representa ou não uma ameaça não é o perfil subjetivo
do homem médio, mas, sim, o da vítima.
Finalmente, a praga ou esconjuro (“que o diabo te carregue”, “quero que você morra
atropelado”) não constitui ameaça, pois a ocorrência do mal prenunciado não depende da vontade
do agente.

Perseguição que restrinja a capacidade de locomoção

A liberdade de locomoção é o direito de ir e vir ou de permanecer livremente no local de


escolha.
A supressão da liberdade de locomoção, que é a sua privação, caracteriza delito de sequestro
ou cárcere privado, previsto no art. 148 do CP.
A restrição, a que se refere o tipo em análise, é a diminuição da liberdade de locomoção, de
tal sorte que se distingue do sequestro.
Se, por exemplo, o marido tranca as portas da casa, com o intuito de impedir a saída de sua
mulher, que tinha outros meios de livrar-se (v.g., pular uma janela baixa), não há falar-se em
sequestro, mas, sim, no delito de stalking, se houver a reiteração desse comportamento, pois sem a
reiteração o fato será atípico.
Igualmente, comete o delito em análise o namorado que, de forma reiterada, proíbe a
namorada de ir a determinados lugares.
Não há necessidade, para a tipificação desta modalidade do crime de stalking, que haja
ameaça.

Perseguição que invada ou perturbe a esfera de liberdade

A liberdade é o direito de agir por si só, com autonomia e independência.


É, pois, o poder de autodeterminação.
Invadir a liberdade é suprimir ou anular totalmente o direito de agir por si só.
Perturbar a liberdade é abalar, atrapalhar ou diminuir o direito de agir por si só.
Comete, por exemplo, o delito, o marido que oprime reiteradamente a mulher, proibindo-a
de utilizar determinadas roupas ou lhe impondo determinados comportamentos.
Outro exemplo: o namorado proíbe reiteradamente a namorada de estudar para
determinado concurso.
Nesta modalidade criminosa, também não há necessidade de ameaça.

Perseguição que invada ou perturbe a esfera de privacidade

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A privacidade é o direito de viver em paz, sem ser incomodado por terceiros, nos aspectos da
vida privada.
Na invasão, o stalker tem acesso às informações de caráter privado. Não é necessário, para o
delito, que os fatos sejam reservados ou sigilosos.
Exemplo: o marido vasculha com frequência o WhatsApp e os e-mails de sua mulher, ou vice-
versa. Outro exemplo: o sujeito, ao ser bloqueado, usa, de forma reiterada, perfis falsos para fazer
parte das redes sociais da vítima.
Na perturbação, por sua vez, o stalker importuna, incomoda ou irrita a vítima. Exemplo: o ex-
namorado manda flores todos os dias. Outro exemplo: e-mails sucessivos para galantear a vítima.
Mais um exemplo: o namorado, com frequência, aborda os fatos do passado íntimo de sua
namorada. É claro que o delito para se caracterizar exige a ciência do dissenso da vítima.
Nesta modalidade criminosa, também não há necessidade de ameaça.
Convém esclarecer que, no casamento ou união estável, também existe privacidade em
relação ao outro cônjuge ou companheiro, em relação a determinados fatos ou assuntos que não
sejam do interesse comum do casal.
No tocante à vida pública, inerente às pessoas que exercem funções públicas, não há falar-se
em privacidade, mas o delito pode se configurar quando houver invasão ou perturbação dos fatos
de sua vida privada.
A privacidade também existe em local público, pois se trata do direito de não ser
incomodado.
Quanto às pessoas famosas, perseguidas, de forma contínua, pelos “paparazzis” e fãs, é
preciso distinguir duas situações:
a) a celebridade se encontra em local público ou aberto ao público, sendo então fotografada.
Nesse caso, diante do consentimento tácito, ainda que o stalker faça isso centenas de vezes, não há
falar-se em crime. O delito, porém, pode se caracterizar na abordagem em local público, para obter
um autógrafo ou tirar uma foto, que já lhe havia sido negado, por exemplo, em outras vinte
oportunidades, pois a reiteração desse comportamento caracteriza uma perturbação criminosa ao
direito de liberdade.
b) a celebridade se encontra em sua residência ou em recinto privado, não aberto ao público.
Nesse caso, as sucessivas perseguições dos paparazzis ou fãs, que invadem o local, podem
caracterizar o delito em estudo, mas o ato de ficar esperando na rua para fotografar a
personalidade, não chega a caracterizar crime, pois o assédio é inerente à fama.
Por fim, a invasão de dispositivo informático com o fim de obter, adulterar ou destruir dados
ou informações, é delito do art. 154-A do CP.

Elemento subjetivo do tipo

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, que consiste vontade de perseguir alguém, por
qualquer meio, através da reiteração de uma das condutas descritas no tipo penal, consciente do
dissenso da vítima.
Se a vítima adere ou estimula o comportamento, não há falar-se em crime.
A pessoa que expõe nas redes sociais certos acontecimentos de sua vida privada não poderá
reclamar da invasão da privacidade por estes fatos, mas, em relação aos demais fatos de sua vida
privada, se mantém intacto o seu direito à privacidade.
O dolo será direto ou eventual, conforme o agente tenha certeza ou dúvida acerca do
dissenso da vítima.

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Quanto à culpa, constitui fato atípico. Exemplo: o ex-namorado, estimulado pela mãe da
vítima, acreditando estar sendo correspondido, manda flores durante cem dias.

Consumação

O delito é habitual, consumando-se com a reiteração do comportamento descrito no tipo


penal.
Um ou alguns atos isolados são insuficientes, sendo necessário a repetição, a ponto de se
apurar que se trata de um modo de agir, relativamente constante, do agente.

Tentativa

Não é possível a tentativa, pois se trata de crime habitual.

Causas de aumento de pena

O §1º do art. 147-A do CP prevê que a pena é aumentada de metade se o crime é cometido:
I – contra criança, adolescente ou idoso.
Criança é a pessoa que ainda não completou doze anos (art. 2º da Lei 8.069/90).
Adolescente é a pessoa com doze anos completos e dezoito incompletos.
Idoso é o maior de sessenta anos (Lei 10.741/2003).
Adotou-se, para as três situações, o critério cronológico em detrimento da aparência, pouco
importando se esta é frágil ou forte.

II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do §2º-A do art. 121
do CP.
Trata-se da perseguição por razões de gênero, que é a motivada pelo fato de a vítima ser
mulher.
Nesse caso, é preciso verificar se há ou não uma das situações de violência doméstica e
familiar, que estão previstas no art. 5º da Lei 11.340/2006.
Presente uma destas situações de violência doméstica e familiar, para a incidência da
majorante, basta a perseguição por razões de gênero, ainda que não haja o fim de menosprezar ou
discriminar a condição de mulher. Exemplo: ex-namorado persegue a vítima por não concordar que
ela trabalhe.
Fora das situações de violência doméstica e familiar, porém, para incidir a majorante, além da
perseguição por razões de gênero, é ainda preciso a finalidade de menosprezar ou discriminar a
condição de mulher.
Ou seja, se houver as razões de gênero, mas sem o fim de menosprezar ou discriminar a
condição de mulher, exclui-se a majorante, salvo quando presente uma das situações de violência
doméstica e familiar.

III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.


No tocante ao concurso de duas ou mais pessoas, computam-se os inimputáveis (menores e
doentes mentais) e os desconhecidos.
Tratando-se de comparsa menor, o agente responderá pelo delito em análise, com a pena
majorada, em concurso formal impróprio com o crime de corrupção de menores, previsto no art.
244-B do ECA.

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Este delito do art. 244-B do ECA, segundo a súmula 500 do STJ, é formal, independe da prova
da efetiva corrupção do menor.
Outra corrente, porém, acertadamente, o encara como crime material, dependente da prova
da efetiva corrupção.
Por outro lado, a majorante do emprego de arma, para se caracterizar, exige o uso ou porte
ostensivo da arma durante a prática da conduta.
A arma pode ser:
a) própria: é a que tem a finalidade específica de ataque ou defesa. Exemplos: armas de fogo,
punhal, soco inglês.
b) imprópria: é a que serve para ataque ou defesa, embora não seja esta a sua finalidade
específica. Exemplos: tesoura, caco de vidro, pedaço de pau.
Quanto à arma de brinquedo, não é arma e, dessa forma, não majora a pena do delito.
Com relação à arma de fogo, é preciso distinguir as seguintes situações:
a) o agente tem o registro, mas não tem o porte da arma. Nesse caso, se o delito de
perseguição for praticado no interior de sua residência, incide a majorante em análise, mas se
praticado fora, será excluído, para se evitar o “bis in idem”, pois ele já responderá pelo crime de
porte de arma de fogo, previsto no Estatuto do Desarmamento, que é mais grave.
b) o agente tem o registro e o porte da arma de fogo. Nesse caso, incidirá a majorante em
análise, tendo em vista a não caracterização dos crimes de posse ou porte de arma de fogo.
c) o agente não tem o registro nem o porte de arma de fogo. Nesse caso, exclui-se a
majorante, para se evitar, o “bis in idem”, pois ele já responderá pelo crime de posse ou porte ilegal
de arma de fogo.
Noutras palavras, nas hipóteses em que o emprego da arma de fogo caracterizar o crime de
porte ou posse de arma de fogo, exclui-se a majorante, para se evitar o “bis in idem”.
Se, ao revés, não se tipificar o delito de posse ou porte de arma de fogo, incide a majorante
quando houver o seu emprego na conduta de perseguir.
Quanto ao agente que adquire a arma de fogo com a finalidade específica de perseguir a
vítima, utilizando-a apenas para isso, há duas interpretações.
Primeira, responde somente pelo delito de stalking, com a majorante em análise, impondo-se
a absorção do crime de posse ou porte de arma de fogo, por força do princípio da consunção.
Segunda, responde pelo delito de stalking, sem a referida majorante, em concurso com o
crime de posse ou porte de arma de fogo, que é mais grave que aquele, o que inviabiliza a sua
absorção, por razões lógicas.
Por fim, a incidência da aludida majorante pressupõe que haja também a habitualidade no
“perseguir com emprego de arma”.
Em havendo, destarte, o emprego da arma em apenas um dos atos de perseguição, não há
falar-se na majorante em análise, aplicando-se o mesmo raciocínio para a majorante do concurso
de pessoas.
O assunto, porém, ensejará polêmica, certamente se sustentará que um único ato praticado
com emprego de arma ou em concurso de pessoas já será suficiente para a incidência das referidas
majorantes.

Concurso material

Dispõe o §2º do art. 147-A do CP:


“As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência”.
Trata-se apenas da violência física, pois, para se referir à violência moral, a lei usa a expressão

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“grave ameaça”, que não aparece no citado §2º.


Assim, ter-se-á o concurso material entre o delito de perseguição e os crimes de homicídio ou
lesão corporal.
Quanto ao crime de ameaça e a contravenção de vias de fato, são absorvidos pelo delito em
debate.

Medidas protetivas

As medidas protetivas, previstas na Lei Maria da Penha, só podem ser aplicadas ao delito de
stalking quando a vítima for mulher em situação de violência doméstica e familiar.
Assim, uma mulher que é, por exemplo, perseguida, nas redes sociais, por um desconhecido,
não poderá pleitear as referidas medidas protetivas.
O ideal seria que, através de lei, houvesse a ampliação da possibilidade de aplicação das
medidas protetivas, para toda e qualquer situação em que o delito de stalking for praticado.
Será, entretanto, possível a aplicação das medidas cautelares pessoais, previstas no art. 319
do CPP, com destaque para a proibição de frequentar determinados lugares ou de manter contato
com a vítima, previstas, respectivamente, nos incisos II e III.

Distinção entre stalker, bullying e mobbing

A perseguição reiterada é o gênero, que se desdobra em três espécies:


a) stalking;
b) bullying;
c) mobbing.
De acordo com o §1º do art. 1º da Lei 13.185/2015, considera-se intimidação sistemática
(bullying) todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem
motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo
de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de
poder entre as partes envolvidas.
Assim, o bullying exige os seguintes requisitos:
a) atos repetitivos e intencionais, sem motivação evidente;
b) violência física ou psicológica;
c) fim de intimidação ou agressão;
d) resultado, que consiste na dor ou angústia da vítima;
e) relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.
É disciplinado pela Lei 13.185/2015, que não exige que os autores e vítimas sejam crianças ou
adolescentes nem que ocorra em ambiente escolar.
Assim, o bullying pode se verificar em qualquer local e não apenas na escola.
Quando cometido através da rede mundial de computadores, recebe o nome de cyberbulling.
De acordo com o art. 2º da Lei, caracteriza-se a intimidação sistemática (bullying) quando há
violência física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação e, ainda:

I - ataques físicos;
II - insultos pessoais;
III - comentários sistemáticos e apelidos pejorativos;
IV - ameaças por quaisquer meios;
V - grafites depreciativos;

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VI - expressões preconceituosas;
VII - isolamento social consciente e premeditado;
VIII - pilhérias.
Como se pode verificar, o stalking, na sua primeira modalidade, perseguição com ameaça à
integridade física ou psicológica, se assemelha ao bullying, pois ambos se referem à ameaça à
integridade física ou psicológica.
O bullying, entretanto, exige que a conduta cause dor ou angústia à vítima, sendo, pois, um
ilícito material, ao passo que, no stalking, os aludidos resultados são dispensados, revelando-se,
destarte, nesta modalidade, um crime formal.
A relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas é exigida no bullying e
dispensada no stalking.
Assim, o bullying deve ser vertical descendente, ou seja, praticado de cima para baixo, ao
passo que o stalking pode ser vertical descendente, paritário ou horizontal (pessoas em situação de
pé de igualdade) e vertical ascendente (praticado de baixo para cima).
Não há o delito específico de bullying, mas o fato se enquadra como crime de stalking em sua
forma de ameaça à integridade física ou psicológica.
Aliás, antes de se consumar o bullying, que é um ilícito material, já pode se consumar o crime
correspondente de stalking, que é formal.
Por fim, há ainda o mobbing, que é o assédio moral, caracterizado pela humilhação ou
constrangimento, repetitivo e prolongado, no ambiente laborativo. Não há uma lei específica sobre
o assunto, mas algumas situações se confundem com o bullying e outras podem caracterizar crime
de stalking, ainda que não se enquadrem como bullying. E há também assédios morais que não se
tipificam como bullying nem stalking.

VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER

Conceito

Dispõe o art. 147-B do CP, introduzido pela Lei 14.188/2.021:


“Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou
que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante
ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização,
limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e
autodeterminação:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime
mais grave."
Em síntese, o delito, cujo caráter é subsidiário, consiste em causar dano emocional à mulher.

Sujeito ativo

Trata-se de crime comum, praticável por qualquer pessoa, tanto pelo homem quanto pela
mulher.
O funcionário público, também pode cometer o delito. Exemplo: o policial humilha
determinada mulher durante uma blitz, causando-lhe dano emocional.

Objetividade jurídica

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O bem jurídico protegido é a saúde psicológica da mulher, bem como a sua liberdade de
autodeterminação.
A saúde psicológica é o sofrimento oriundo do dano emocional.
A liberdade pessoal ou de autodeterminação compreende a liberdade física e a liberdade
psíquica ou interna.
A liberdade física é o direito de locomoção, que consiste no poder de ir, vir e permanecer
livremente no local de sua escolha.
A liberdade psíquica ou interna é o direito de formar livremente a vontade e de agir conforme
a própria consciência.

Sujeito passivo

Somente a mulher pode ser sujeito passivo do delito de violência psicológica.


Uma primeira corrente interpreta o termo mulher apenas no sentido biológico, excluindo-se
assim os travestis e transexuais, tendo em vista a vedação da analogia “in malam partem”.
Outra corrente, porém, amplia a interpretação para conferir duplo sentido ao termo, o
biológico e o sociológico, o que permite, destarte, também abranger, no âmbito do sujeito passivo,
as pessoas do sexo masculino que, no meio social, apresentam comportamento feminino.
Quanto à criança do sexo feminino e a mulher enferma mental, podem ser vítimas do delito,
quando ainda lhes restarem o mínimo de discernimento para perceberem a violência psicológica e,
por consequência, serem acometidas do dano emocional.
Se, porém, em razão da tenra idade ou de algum problema mental ou em função de
embriaguez completa, não tiverem a capacidade de entendimento para sentirem a violência
psicológica, o fato deverá ser considerado crime impossível por absoluta impropriedade do objeto
material (art.17 do CP).
No tocante à violência psicológica praticada contra homem, não é abrangida pelo tipo penal
em análise e, nesse aspecto, não há falar-se em violação do princípio da isonomia, pois a
diversidade física e o histórico de opressão à mulher justificam a exclusividade da proteção
feminina.
O princípio da isonomia não consiste apenas em tratar igual os iguais, mas também em tratar
desigual os desiguais, até o limite em que se desigualam, justamente para que possam se igualar.

Elementos objetivos do tipo

A ação típica consiste em causar dano emocional à mulher.


O núcleo do tipo é o verbo causar, que significa provocar o dano emocional ou concorrer para
o seu agravamento.
Aquele que presencia inerte à violência psicológica, nas situações em que tinha o dever
jurídico específico de agir, nos termos do art 13, § 2º, do CP, também responde pelo crime, como
participe por omissão (art. 29 do CP).
No tocante aos meios de execução, o tipo penal, após relacionar alguns, em caráter
exemplificativo, se utilizou de uma fórmula genérica.
Trata-se da interpretação analógica ou “intra legem”, muito usual no direito penal, onde a lei
prevê uma fórmula casuística e, em seguida, uma fórmula genérica, através da qual ela manda
abranger os casos semelhantes.
Os meios de execução que compõem a fórmula casuística da lei são os seguintes:
a) ameaça, que é a promessa de malefício.

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b) constrangimento, que é envergonhar, causar mal-estar.


c) humilhação, que é rebaixar moralmente.
d) manipulação, que é pressionar ou influenciar para pensar e agir de determinada forma.
e) isolamento, que é excluir, afastar, discriminar, separar, deixar só.
f) chantagem, que é a pressão para se obter alguma vantagem.
g) ridicularização, que é ironizar, zombar, caçoar, escarnecer, achincalhar.
h) limitação do direito de ir e vir, que é a imposição de restrições à liberdade de locomoção.
Após ter relacionado os meios acima, o legislador previu a seguinte fórmula genérica: “ ou
qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação”.
Convém observar que, dentre os meios contidos na fórmula casuística, não se encontram os
relacionados com a violência física, como tapas, empurrões, puxões de cabelo e ferimentos.
É fundamental então saber se a violência física causadora de dano emocional poderá ou não
ser enquadrada no âmbito da fórmula genérica do delito de violência psicológica.
Creio seja possível o enquadramento das agressões físicas no tipo penal de violência
psicológica, que é de forma livre, admitindo inúmeros meios de execução.
É possível, entretanto, se raciocinar em sentido contrário, argumentando que os outros meios
oriundos da fórmula genérica devem ser similares aos anteriores, que se referem apenas aos maus-
tratos psíquicos.
Outrossim, que a causação do dano emocional, malgrado a omissão do tipo penal, deve se
dar através da violência psicológica, para que haja sintonia com o “nomen iuris” do delito.
Rebatendo os argumentos acima, destaco que se a lei relacionou os meios que constituem
maus-tratos psíquicos, com maior razão também pretendeu considerar os maus-tratos físicos.
De fato, como o tipo penal faz menção à ameaça, que abrange a promessa de causar violência
física, se revela evidente que a própria violência física também configura meio de execução.
Com embasamento no argumento “a fortiori”, que justifica a interpretação extensiva, é fácil
concluir que não faz qualquer sentido se punir o fato menos grave e deixar de fora o mais grave.
Força assim convir, portanto, que a violência física se encontra implicitamente embutida no
tipo penal como sendo um dos meios de execução da violência psicológica contra mulher.
Dessa forma, a violência física causadora de dano emocional à mulher, que se constitui em
vias de fato, será enquadrada no crime de violência psicológica, impondo-se a absorção da
contravenção do art. 21 da LCP, por força do princípio da consunção.
No tocante à violência física contra mulher, que além do dano emocional, também lhe tenha
causado lesão corporal leve, será examinada mais adiante.
Quanto violência moral, que consiste na calúnia, difamação ou injúria, também pode ser
utilizada como meio de execução do delito de violência psicológica contra mulher, tanto é que o
dispositivo em análise se refere expressamente ao constrangimento, humilhação e ridicularização.
Exemplo: acusar a mulher de traição, causando-lhe dano emocional. Outro exemplo: rebaixar a
mulher por meio de xingamentos ou pelo modo de ela se vestir, causando-lhe dano emocional.
Por outro lado, no tipo penal em análise, exige-se que da violência psicológica resulte num
dano emocional à mulher.
É importante então não confundir o dano emocional, que é o resultado do crime de violência
psicológica, com o dano psíquico, que é o resultado do crime de lesão corporal por ofensa à saúde
psíquica.
O dano emocional é o sofrimento mental de natureza exclusivamente psicológico, que não
constitui doença psíquica. Exemplos: diminuição da autoestima, crises de choros, insegurança para
tomar decisões, medo de professar determinada crença, aversão ao contato físico, isolamento,
depressão, transtorno do sono, comportamento agressivo, comportamento submisso, fadiga,

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aversão ao sexo, etc.


Não se trata de uma patologia somática, mas de um forte abalo sentimental, que, embora
não seja propriamente uma doença, atinge a saúde psicológica e a liberdade de autodeterminação
da mulher.
O dano psíquico, por sua vez, é uma patologia somática, que afeta a saúde mental,
classificando-se como uma das modalidades de lesão corporal, prevista no art. 129 do CP, em sua
vertente de ofensa à saúde psíquica. Exemplos: desmaios, perda da memória, problemas mentais,
etc.
O tipo penal em análise não exige que a conduta seja praticada em ambiente de violência
doméstica e familiar contra mulher.
Convém esclarecer que a violência psicológica contra mulher, que enseja a aplicação da Lei
Maria da Penha, exige cumulativamente:
a) que o delito seja praticado contra mulher por razões de gênero, ou seja, relacionadas às
condições do sexo feminino.
b) que haja entre o agente e a vítima um vínculo (de unidade doméstica ou familiar ou
afetivo), previsto no art. 5º da Lei 11.340/2.006.
Somente quando presentes os dois requisitos acima, é que o delito de violência psicológica
contra mulher ensejará a aplicação da Lei Maria da Penha.
As razões de gênero, fora das situações de violência doméstica e familiar contra mulher, não
acarretam a incidência da Lei Maria da Penha.
Em suma, o crime de violência psicológica contra mulher, assim como acontece com os
demais delitos praticados contra ela, pode ou não se enquadrar na Lei Maria da Penha.

Elementos subjetivos do tipo

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, que consiste na vontade consciente de causar o dano
emocional na mulher.
Não há necessidade do dolo direto, que é o fato de o agente querer causar o dano emocional,
pois também se admite o dolo eventual, que é a assunção do risco de produzir este dano.
A conduta culposa de violência psicológica contra mulher, que lhe causa dano emocional, não
configura o delito em análise, por falta de previsão legal. Exemplo: o marido escreve em sua agenda
secreta as supostas traições da mulher, sem a intenção de lhe entregar, mas ela acaba tomando
ciência, ao vasculhar a gaveta onde se encontrava a referida agenda e, em razão disso, acaba
sofrendo dano emocional.
No tocante à conduta dolosa de violência psicológica, que produz culposamente o dano
emocional à mulher, não configura o delito em análise, pois este se revela incompatível com o
preterdolo.
Insustentável, data venia, o ponto de vista que admite a incidência do tipo penal em análise
quando da violência psicológica contra mulher sobrevier um dano emocional culposo, pois,
consoante se depreende do art. 19 do CP, não se pode admitir o preterdolo senão em relação aos
delitos que sejam qualificados pelo resultado.
Ainda sobre o elemento subjetivo, convém relembrar que não se exige as razões de gênero
nem a situação de violência doméstica e familiar contra mulher, prevista na Lei 11.340/2.006.

Consumação

Trata-se de crime material, consumando-se com dano emocional, que é o resultado

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naturalístico, de natureza psicológica, previsto no tipo penal.


Convém desde já salientar que se o agente agir sem o fim de degradar ou controlar as ações,
comportamentos, crenças e decisões da mulher, o delito só se consumará se ocorrer um dano
emocional daqueles que a prejudique e a perturbe em seu pleno desenvolvimento.
Em contrapartida, presente esta intenção, a consumação se verificará com o advento de um
dano emocional, ainda que este não prejudique nem perturbe a mulher em seu pleno
desenvolvimento.
O dano emocional pode ser transitório ou permanente.
Trata-se de crime instantâneo, pois basta, para a consumação, um único ato de violência
psicológica, desde que dele advenha um dano emocional.
Não se trata, portanto, de crime habitual, cuja tipicidade se condiciona à repetição do
comportamento criminoso, através de um conjunto de atos.
Haverá, porém, crime único, quando um único dano emocional da mesma natureza advier de
um conjunto de atos anteriores.
O dano emocional deve ser comprovado em exame de corpo de delito, que consistirá numa
perícia psicológica ou psiquiátrica, sob pena de nulidade absoluta do processo (CPP, artigo 564, III,
"b").
De fato, por se tratar de delito não transeunte, que deixa vestígios, não se pode abrir mão da
realização do exame de corpo de delito.
No direito civil, no campo da ação de indenização por danos morais, se admite a presunção
do dano emocional, mas, na seara penal, não se pode admitir semelhante raciocínio, pois o ônus da
prova da ocorrência dos fatos descritos na peça acusatória compete sempre à acusação, não
podendo ser invertido, sob pena de violação do princípio da presunção de inocência.
Outra corrente, porém, dispensa a perícia, aceitando, para a comprovação do dano
emocional, a simples declaração da vítima, o que não me parece razoável, pois, à medida que se
inseriu no tipo penal um resultado naturalístico que deixa vestígios, impõe-se que a sua
comprovação ocorra por meio de exame de corpo de delito.
Por outro lado, para efeito de melhor compreensão do tipo penal, classifiquei o dano
emocional em duas espécies;
a) dano emocional simples: é o sofrimento psicológico que não prejudica nem perturba a
forma de a vítima pensar, agir e se locomover.
b) dano emocional qualificado: é o sofrimento psicológico que prejudica e perturba a forma
de a vítima pensar, agir e se locomover. É, pois, este o sentido que se deve conferir à oração
prevista no tipo penal: “que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento”. Trata-se do
“pleno desenvolvimento” da liberdade psíquica e da liberdade física.
Com efeito, de acordo com o tipo penal em estudo, quando não houver o fim de degradar ou
controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões da mulher, o delito só se consumará com o
dano emocional qualificado.
Nesta hipótese, é necessário para a consumação do crime, que o dano emocional leve a
mulher a pensar ou a se comportar de forma diversa da que pensava ou se comportava
anteriormente, retrocedendo em algum aspecto da sua liberdade física ou psíquica. Exemplo: a
mulher passa a ter medo de professar determinada crença. Outro exemplo: a mulher se isola.
Em contrapartida, presente o fim de degradar ou controlar as ações, comportamentos,
crenças e decisões da mulher, bastará, para a consumação, a ocorrência do dano emocional
simples.
Há, como se vê, uma lógica interessante no tipo penal.
Com efeito, quando o agente age para alterar o modo de pensar, de agir ou de se locomover

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da mulher, conduta que se reveste de maior gravidade, o delito se consuma com o dano emocional
simples, facilitando-se, destarte, a sua consumação.
Se, ao revés, o agente não age para prejudicar nem perturbar o modo de pensar, de agir ou
de se locomover da vítima, conduta que se reveste de menor gravidade, o delito, para se consumar,
exige o dano emocional qualificado, dificultando-se assim a sua consumação, conferindo-se uma
importância maior ao resultado naturalístico.
Por fim, o dano emocional deverá ser concretamente descrito na denúncia do Ministério
Público, sob pena de inépcia da peça acusatória.

Tentativa

Admite-se a tentativa, quando o dano emocional previsto no tipo penal não ocorrer por
circunstâncias alheia à vontade do agente.

Ação Penal

A ação penal é pública incondicionada.

Concurso de crimes

O crime de violência psicológica contra mulher, conforme consta expressamente em seu


preceito secundário, é subsidiário, só sendo aplicado quando o fato não constituir crime mais grave.
Dessa forma, será necessariamente absorvido pelo crime mais grave, ainda que os bens
jurídicos violados sejam distintos.
Impõe-se assim a sua absorção, dentre outros, pelos delitos de lesão corporal grave e
gravíssima (§§1º e 2º do art. 129 do CP), lesão corporal leve qualificada (§§ 9º e 13 do CP), injúria
qualificada (§ 3o do art. 141 do CP), “stalking” (art. 147-A do CP), sequestro (art. 148 do CP), roubo
(art. 157 do CP), extorsão (art. 158 do CP), estupro (art. 213 do CP).
Se, no entanto, o crime de violência psicológica contra mulher se revestir de maior gravidade
que o delito que lhe serviu de meio de execução, impõe-se pacificamente a absorção deste último,
por força do princípio da consunção, nos casos em que ambos os delitos tenham ofendido o mesmo
bem jurídico.
Dessa forma, o crime de violência psicológica contra mulher, por se revestir de maior
gravidade, absorverá os crimes de constrangimento ilegal (art. 146 do CP) e ameaça (art. 147 do
CP), que tutelam o mesmo bem jurídico, ou seja, a liberdade de autodeterminação.
Quando, porém, o meio de execução do crime de violência psicológica contra mulher é um
delito menos grave, que tutela bem jurídico diverso, o assunto enseja polêmica.
Uma primeira corrente sustenta acertadamente a absorção do delito menos grave, por força
do princípio da consunção, enquadrando o agente apenas no crime de violência psicológica contra
mulher, absorvendo-se, dentre outros, os delitos de lesão corporal leve (art. 129, “caput”, do CP),
dano simples (art. 163 do CP), calúnia (art. 138 do CP), difamação (art. 139 do CP) e injúria simples
(art. 141 do CP).
Outra corrente, porém, defende o concurso formal impróprio, que responsabiliza o agente
por ambos os crimes, negando-se a aplicar o princípio da consunção pelo fato de ter ocorrido a
lesão de bens jurídicos distintos. Aludida doutrina propõe o concurso entre o crime de violência
psicológica contra mulher e os delitos citados nos exemplos acima.

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Agravante do art. 61, II, “f”, do CP

No tocante à agravante prevista no art. 61, II, “f”, do CP, aplicável aos crimes cometidos “com
violência contra mulher na forma da lei específica”, há duas correntes.
Primeira, não incide no crime de violência psicológica, tendo em vista que a violência contra
mulher já é elemento do tipo.
Segunda, incide no crime de violência psicológica, mas somente quando houver
simultaneamente as razões de gênero e a situação de violência doméstica e familiar contra mulher,
que são os requisitos da lei específica, conforme art. 5º da Lei 11.340/2.006.
Esta última corrente é a mais correta, pois a aludida agravante não é elementar do tipo penal
de violência psicológica contra mulher, tanto é que, para a sua incidência, não basta a vítima ser
mulher.
Por consequência, à medida que não é elemento constitutivo do tipo penal, deverá
obrigatoriamente ser levada em consideração na aplicação da pena, quando presentes os seus
requisitos.

Distinção entre violência psicológica contra mulher e o crime de violência psicológica

A violência psicológica contra mulher, que é definida no art. 7o, II, da Lei 11.340/2.006
abrange, em síntese, duas situações:
a) a conduta que causa dano emocional à mulher.
b) a conduta que visa degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e
decisões, ainda que não lhe cause dano emocional.
Em contrapartida, o delito de violência psicológica contra mulher, previsto no art. 147-B do
CP, só se refere à primeira situação, ou seja, à violência psicológica que causa dano emocional.
É assim perfeitamente possível que haja violência psicológica contra mulher, sem que se
configure o respectivo crime de violência psicológica.
Qualquer crime pode se enquadrar na Lei Maria Penha, quando houver violência psicológica
contra mulher, nos termos do citado art. 7º, II, somada às razões de gênero e a uma das situações
de violência doméstica e familiar contra mulher, previstas no art. 5º da Lei 11.340/2.006.

Distinção entre os crimes de “stalking“ e de violência psicológica contra mulher

O delito de “stalking”, previsto no art. 147-A do CP, tem, dentre outras, as seguintes
características:

a) o sujeito passivo pode ser tanto o homem quanto a mulher;


b) não exige o dano emocional;
c) é crime habitual, pois a tipicidade depende da reiteração de atos de perseguição;
d) a ação penal é pública condicionada à representação.
O delito de violência psicológica contra mulher, previsto no art. 147-B, do CP, que é menos
grave que o crime de “stalking”, apresenta, dentre outros, os seguintes aspectos:
a) o sujeito passivo é somente a mulher;
b) exige o dano emocional para se consumar;
c) é crime instantâneo;
d) a ação penal é pública incondicionada.
É preciso acrescentar que o crime de “stalking” só incide quando houver uma das seguintes

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situações de violência psicológica:


a) ameaça à integridade física;
b) restrição à capacidade de locomoção;
c) invasão ou perturbação da esfera de liberdade;
d) invasão ou perturbação da privacidade.
Em contrapartida, o crime de violência psicológica contra mulher pode envolver qualquer
situação geradora de dano emocional, inclusive, estas que a lei prevê para o delito de “stalking”.
Nas situações acima, em havendo perseguição através de atos reiterados, haverá o delito de
“stalking”, ainda que não haja o dano emocional; ausente a habitualidade da conduta, haverá o
crime de violência psicológica contra mulher, desde que do fato resulte dano emocional.
Fora daquelas situações previstas para o crime de “stalking”, haverá o delito de violência
psicológica contra mulher, quer haja ou não habitualidade, cuja consumação dependerá da
ocorrência do dano emocional.
Por fim, o crime de “stalking”, por ser mais grave, absorve o delito de violência psicológica
contra mulher; mas se a vítima não apresentar a representação pelo delito de “stalking”, o
Ministério Público deverá ofertar a denúncia pelo crime de violência psicológica contra mulher, cuja
ação penal é pública incondicionada.

CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

FURTO

CONCEITO

Furto é a subtração, para si ou para outrem, de coisa alheia móvel.


Note-se que não há emprego de violência nem grave ameaça à pessoa, distinguindo-se, nesse
aspecto, do delito de roubo.
SUJEITO ATIVO

Trata-se de crime comum ou geral, podendo ser cometido por qualquer pessoa, exceção feita
ao furto qualificado pelo abuso de confiança, previsto no art. 155, § 4º, II, que se revela como crime
próprio.
Por outro lado, o possuidor e detentor da coisa também podem cometer delito de furto,
quando a posse ou detenção for vigiada. Exemplo: o aluno subtrai o livro que consultava no interior
da biblioteca. Se, porém, a posse ou detenção for desvigiada, haverá apropriação indébita, e não
furto. Exemplo: o aluno toma emprestado o livro da biblioteca e depois se recusa a devolvê-lo.

ELEMENTOS OBJETIVOS E NORMATIVOS DO TIPO

Note-se que o furto é delito de forma livre, admitindo inúmeros meios de execução. Assim,
responde por furto o agente que realiza a subtração valendo-se de um animal especialmente
adestrado para tal fim.
O objeto material do furto é a coisa alheia móvel.
O termo “alheia” é elemento normativo do tipo, pois se trata de expressão jurídica,
relacionando-se com a propriedade da coisa. Não há furto quando se trata de res nullius (coisa que
jamais teve dono) ou res derelicta (coisa abandonada), pois, a apropriação desses bens é o meio
lícito para obtenção do domínio (CC, art. 1263).

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Exclui-se o delito quando o agente realiza a subtração supondo erroneamente que a vítima
havia consentido.
Vale ainda ressaltar que o ouro da arcada dentária do esqueleto não constitui res nullius nem
res derelicta. Com a morte, a propriedade dos bens do de cujus é imediatamente transmitida aos
herdeiros (Princípio de Saisine). Portanto, todos os objetos sepultados com o morto pertencem aos
sucessores do defunto, que figuram como sujeitos passivos do eventual delito de furto. Ressalte-se,
porém, que o delito de violação de sepultura, previsto no art. 210 do Código Penal, é absorvido
pelo furto, previsto no art. 155, § 4º, I, do Código Penal, porque além de ter sido meio de execução
da subtração, ainda funciona como qualificadora do rompimento ou destruição de obstáculo. A
absorção é justificada pelos princípios da consunção e subsidiariedade implícita. Há, porém, quem
sustente que o ouro enterrado junto com o defunto é res derelicta, de modo que a subtração é fato
atípico, respondendo o agente apenas pelo crime de violação de sepultura do art.210 do CP.
Se, por outro lado, o agente subtrai a própria coisa, supondo-a alheia, não haverá furto, mas
crime impossível (CP, art. 17).
A subtração de pessoa não caracteriza furto, mas sequestro, extorsão mediante a subtração
de incapazes, conforme a hipótese. Todavia, as partes artificiais da pessoa podem ser objeto de
furto (exemplo: orelha de borracha e olho de vidro).
Aliás, é possível o furto de algumas partes naturais do corpo humano, passíveis de figurarem
numa relação jurídica (exemplo: subtração do cabelo com animus lucrandi). É claro que a subtração
de um rim ou outro órgão vital não é furto, e sim lesão corporal grave, podendo, dependendo da
intenção do agente, configurar delito de homicídio, consumado ou tentado.
A subtração de cadáver, em regra, constitui delito do art.211 do CP, mas desde que tenha
valor econômico, como o pertencente a alguma Faculdade de Medicina, haverá delito de furto.
Por coisas móveis, entende-se ser as que têm movimento próprio (semoventes) e as que
podem se deslocar de um lugar para outro. A árvore pode ser objeto de furto, pois, após ser
retirada do solo, torna-se bem móvel.
O direito civil, por ficção jurídica, considera bem imóvel os materiais separados
provisoriamente de um prédio demolido para nele mesmo se incorporarem, os navios e aeronaves
para o fim de hipoteca. Todavia, essas ficções civilísticas não se aplicam ao direito penal.
Quanto à energia elétrica, discutia-se no início do século passado se constituía ou não coisa
móvel. O legislador penal, com o intuito de prevenir-se de eventual celeuma, consagrou no § 3º do
art. 155 do CP uma norma penal explicativa, equiparando-se a coisa móvel a energia elétrica ou
qualquer outra que tenha valor econômico.
Toda e qualquer energia que apresenta valor econômico pode ser objeto de furto. Exemplos:
energia radioativa, energia cinética, energia atômica etc. Urge, porém, que a energia seja suscetível
de apossamento, isto é, que possa ser separada da coisa que a produz. Assim, não caracteriza furto
o apossamento da energia física do animal.
Dentre as diversas energias, merece destaque a genética, cujo valor econômico é inegável,
respondendo por furto o agente que introduz fêmea em propriedade alheia para ser fecundada
pelo animal do vizinho. Trata-se de furto de esperma, que constitui energia genética, operando-se a
consumação quando o líquido espermático é introduzido no organismo da fêmea, ainda que não
ocorra a fecundação, pois o lucro não é requisito do furto.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade consciente de subtrair coisa


alheia móvel. Além do animus furandi (vontade de subtrair), exige-se ainda o animus rem

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sibhabendi, isto é, o fim de assenhoreamento definitivo da coisa, porque o tipo faz menção à
subtração “para si ou para outrem”.
E é justamente em razão desse dolo específico, qual seja, o animus rem sibhabendi, que o
furto de uso constitui fato atípico, subsistindo, porém, a responsabilidade civil.
Verifica-se o furto de uso quando o agente subtrai a coisa, com o intuito de servir-se dela
momentaneamente para depois restituí-la. Não há o animus rem sibhabendi, qual seja, o fim de
apoderamento definitivo da coisa.
Vejamos alguns exemplos de furto de uso: o indivíduo subtrai uma bicicleta, devolvendo-a
após dar uma volta no quarteirão; o estudante subtrai um livro, devolvendo-o no dia seguinte; o
lenhador subtrai uma ovelha, devolvendo-a logo após utilizá-la no transporte de lenha.
Do exposto dessume-se que, para o reconhecimento do furto de uso, urge a presença de dois
requisitos:

a) uso momentâneo de coisa infungível. Assim, o uso duradouro constitui crime de furto.
Tratando-se de coisa fungível, como o dinheiro, nem o uso momentâneo seguido da pronta
restituição exclui o delito;
b) restituição imediata e integral da coisa.
No entanto, não há furto na hipótese de o credor subtrair bens do devedor para ressarcir-se.
Há aqui um delito específico, previsto no art. 345 do CP (exercício arbitrário das próprias razões).
Quanto ao furto famélico, isto é, para saciar a fome, não é estado de necessidade, salvo se a
subtração for o único meio de se alimentar (art.24 do CP).

CONSUMAÇÃO

Atualmente, predomina no Superior Tribunal de Justiça, a teoria da amotio, consumando-se o


furto quando o agente se apodera do bem, iniciando a remoção, independentemente da obtenção
da posse pacífica.
O furto é crime instantâneo, porque se consuma em momento certo (posse pacífica ou
desfazimento da coisa), admitindo, porém, o flagrante ficto ou presumido, mesmo após a
consumação, quando o agente é encontrado logo em seguida à subtração, na posse da res furtiva.
Excepcionalmente, contudo, admite-se o furto permanente (exemplo: subtração de energia
elétrica), viabilizando-se o flagrante a qualquer tempo, enquanto não cessar o estado de
permanência. O furto é ainda crime simétrico, porque há uma correspondência entre a vantagem
auferida pelo agente e o prejuízo sofrido pela vítima.

TENTATIVA

Admite-se a tentativa, quando o agente não consegue subtrair o bem, por circunstâncias
alheias à sua vontade. Exemplo: o ladrão é preso em flagrante, ao adentrar na residência da vítima.
No caso do punguista que tenta subtrair a carteira da vítima, enfiando a mão no bolso da
vítima, mas nada encontrando, haverá tentativa, à vista do perigo concreto, caso a carteira se
encontre no outro bolso e crime impossível se a vítima não trazia pertence algum em nenhum dos
bolsos. Nessa última hipótese, Hungria sustenta haver tentativa, porque foi meramente acidental a
inexistência de dinheiro no bolso do transeunte. Data venia, o bem jurídico não foi exposto a
perigo, porque sequer existia a coisa, havendo crime impossível, e não tentativa.
Sobre a tentativa, cumpre examinar duas teorias:
a) Teoria formal objetiva: só há tentativa quando o agente inicia o núcleo do tipo, a ação

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típica de subtrair, tocando na res furtiva.


b) Teoria objetiva individual: há tentativa quando se inicia o núcleo do tipo ou os atos
imediatamente anteriores que, de acordo com o plano do agente, revelam de modo inequívoco o
seu propósito criminoso. É que na tentativa basta o início da execução do crime, não se exigindo o
início da execução da ação típica. É a posição dominante.
Responde por tentativa, o ladrão que é surpreendido dentro da casa da vítima, ainda sem por
a mão em nada, ou então arrombando a porta da casa, ou ainda em cima do telhado. Para a teoria
formal objetiva, o fato é atípico. O ladrão que se encontra na área externa da casa, não pratica
tentativa, salvo se arrombou ou escalou muro alto.
O crime é impossível quando o ladrão entra em casa despojada de qualquer tipo de bem. No
caso do sujeito que subtrai bens no supermercado e é preso em flagrante logo após deixar o local,
tendo em vista a vigilância prévia que acompanhava a ação criminosa, haverá tentativa de furto,
pois houve perigo de consumação. Alguns julgados, no entanto, consideram o crime impossível
(art.17 do CP). Entretanto, é pacífico na jurisprudência que não se trata de crime impossível. Com
efeito, dispõe a súmula 567 do STJ: “Sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico
ou por existência de segurança no interior de estabelecimento comercial, por si só, não torna
impossível a configuração do crime de furto”.

FURTO NOTURNO

Dispõe o § 1º do art. 155 do CP:


“A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno”.
Trata-se de causa de aumento de pena em quantidade fixa, aplicável, segundo a doutrina
dominante, apenas ao furto simples, previsto no caput do art. 155 do CP, não incidindo sobre os
furtos qualificados dos §§ 4º e 5º do art. 155 do CP. Se o legislador quisesse estendê-la aos furtos
qualificados teria situado o aumento do repouso noturno em parágrafo subsequente aos das
qualificadoras.
Este ponto de vista, entretanto, não é pacífico, pois a argumentação topográfica não tem sido
acolhida pela jurisprudência, tanto é que o furto privilegiado (§2º) é compatível com o qualificado
(§4º), conforme súmula 511 do STJ, de modo que torna-se sustentável o entendimento que manda
aplicar o aumento do furto noturno (§1º) ao furto qualificado (§4º).
Finalmente, porém, o STJ pacificou, em julgamento de recurso especial repetitivo, no Tema
1.087, que a majorante de furto noturno não incide em furto qualificado.
Por outro lado, a expressão “repouso noturno” compreende o período da noite em que a
cidade dorme, variando conforme os costumes locais relativos à hora em que a população se
recolhe para descansar.
Trata-se, como se vê, de elemento normativo do tipo, cujo significado depende do juízo
valorativo do magistrado sobre o pedaço da noite em que a população se recolhe e desperta para a
vida cotidiana.
Primordial, para aferir o repouso noturno, a análise dos costumes locais. Em cidades
pequenas do interior e nas zonas rurais, o repouso noturno inicia-se mais cedo que nos grandes
centros urbanos.
Convém, porém, registrar que o furto cometido durante o repouso diurno não tem o
aumento de um terço. Entendimento diverso, consagraria a proscrita analogia in malam partem.
Com efeito, a lei prevê o aumento para repouso noturno, que é o situado na noite. De acordo com

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o critério físico-astronômico, noite é o período entre o crepúsculo e a aurora. A noite é mais ampla
que o repouso noturno, que abrange apenas um pedaço dela, qual seja, a “calada” da noite.
Sobre a necessidade de a casa estar habilitada e os moradores repousando, para que incida o
aumento de um terço, as opiniões divergem.
Segundo a teoria subjetiva, a razão de ser do aumento da pena é a maior proteção à
tranquilidade dos que repousam, bem como à incolumidade da vítima, que se encontra dormindo
e, portanto, desprotegida. Os adeptos dessa exegese restringem o aumento da pena ao furto
cometido em casa habitada com os moradores repousando.
Para a teoria objetiva, o fundamento do aumento da pena é a proteção do patrimônio, que,
nesse período, encontra-se vulnerável à subtração.
Essa última interpretação realiza melhor a finalidade da lei, que visa proteger
primordialmente o patrimônio, e secundariamente a tranquilidade.
Afinal, o repouso noturno, ensina Magalhães Noronha, é o tempo em que a vida das cidades e
dos campos desaparece, em que seus habitantes se retiram, e as ruas e as estradas despovoam,
facilitando essa circunstância a prática do crime. Seja ou não habitada a casa, estejam ou não seus
moradores dormindo, cabe a majoração se o crime ocorreu naquele período.
Assim, incide o aumento de um terço não só em furtos de residência, mas também em
bancos, joalherias, casas comerciais, bem como de automóveis estacionados na rua, de gado
(abigeato), em suma, a qualquer furto ocorrido na calada da noite, ainda que os moradores se
achem em festa.

FURTO PRIVILEGIADO

Dispõe o §2º do art.155 do CP:


“Se o criminoso é primário, é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de
reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa”.
Denota-se que no furto privilegiado, o magistrado tem três opções:

a) aplicar a pena de detenção ao invés da pena de reclusão, cumulativa com a pena de multa.
b) reduzir a pena de reclusão de um a dois terços;
c) aplicar só a pena de multa.
Urge, para o reconhecimento do furto privilegiado, a presença de dois requisitos:

 primariedade;
 pequeno valor da coisa.

Quanto à coisa de pequeno valor, consoante entendimento jurisprudencial, é a que não


excede ao valor do salário mínimo. É necessário o auto de avaliação. É claro que o referencial do
salário mínimo não é tão rígido, admitindo-se o privilégio quando a coisa excede modicamente esse
valor.
A fortuna ou pobreza da vítima não influencia na concessão do privilégio, porque o critério
para obtê-lo é o valor da coisa em si, e não as condições pessoais do ofendido. Aliás, a inexistência
de prejuízo pela posterior apreensão da coisa não autoriza a concessão do privilégio, mesmo
porque outra exegese transformaria em privilegiado todos os furtos tentados.
Mas é claro que se o valor da coisa for tão ínfimo a ponto de não ofender o patrimônio do
mais miserável dos homens, como o furto de uma caixa de fósforo, exclui-se até a instauração do
inquérito policial, aplicando-se o princípio da insignificância, que constitui causa supralegal de

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exclusão da ilicitude, sendo que para diversos autores é causa de destipificação da conduta.
O princípio da insignificância é aplicado quando houver irrisória ofensa ao bem jurídico e
ausência de periculosidade social da conduta. Exige-se esses dois requisitos, prescindindo-se da
análise do perfil subjetivo do criminoso, pouco importando se ele é reincidente ou portador de
maus antecedentes. A invasão de domicílio ou arrombamento para subtrair uma lata de sardinha,
por exemplo, caracteriza delito de furto qualificado, afastando-se a incidência do princípio da
insignificância, tendo em vista a periculosidade social da conduta.
Finalmente, o furto privilegiado aplica-se ao furto qualificado, conforme súmula 511 do STJ.

FURTO QUALIFICADO

Dispõe o § 4º do art. 155:


A pena é de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, se o crime é cometido:

 com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;


 com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
 com emprego de chave falsa;
 mediante concurso de duas ou mais pessoas.

Esse preceito legal consagra o furto qualificado, cuja pena é autônoma e desvinculada da
figura típica fundamental. Trata-se de qualificadora, pois tem pena própria, e não de mera causa de
aumento de pena.
À exceção do abuso de confiança, que é de caráter subjetivo, todas as demais são de natureza
objetiva, comunicando-se aos coautores e partícipes (CP, art. 30).

FURTO QUALIFICADO MEDIANTE DESTRUIÇÃO OU ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO

Destruir é desfazer, demolir. Por exemplo, explodir a porta. Romper é abrir brecha, arrombar,
arrebentar, serrar, forçar, rasgar etc. Por exemplo, abrir a porta com um “pé de cabra”.
Nos dois casos, o delito deixa vestígios, sendo imprescindível o exame de corpo delito (CPP,
art. 158). Em ambos há uma danificação, que é total no verbo “destruir”, sendo parcial no verbo
“romper”.
O delito de dano é absorvido pelo furto qualificado, por força do princípio da subsidiariedade
implícita.
A destruição e o rompimento devem ser praticadas contra obstáculo, e não sobre a própria
coisa furtada. Como diz Hungria, não é furto qualificado a subtração da árvore serrada pelo agente,
ou da porção de pano por ele cortada, pois a violência recaiu sobre a própria res furtiva.
Obstáculo é o empecilho que protege a coisa, dificultando a subtração. Vejamos alguns
exemplos de incidência da qualificadora: a) arrombar a porta da casa; b) matar o cão de guarda da
residência; c) destruir as telhas para adentrar na residência; d) cortar os fios do alarme do
automóvel ou da cerca eletrificada.
A mera remoção de obstáculo, quando destituída da danificação, não qualifica o furto.
Exemplos: desparafusar o farol do automóvel; desatar o nó da corda que prende a canoa; remoção
de telhas, etc.
Sobre o conceito de obstáculo, paira controvérsia. Para uns, deve ser exterior à coisa, e não
inerente a ela, de modo que a destruição do quebra-vento para subtrair o automóvel constitui furto
simples, porque a danificação recaiu sobre a própria coisa furtada, e, por razões lógicas, o fato

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menos grave, qual seja, destruição do quebra-vento para furtar o toca-fitas do automóvel,
caracteriza também furto simples, embora o quebra-vento seja exterior ao automóvel. Para outros,
obstáculo é tudo aquilo que dificulta a subtração, seja exterior ou inerente à coisa furtada, sendo o
furto qualificado nas duas hipóteses, isto é, destruição do quebra-vento para subtrair o veículo ou o
toca-fitas. Preferimos essa última exegese, porque obstáculo é qualquer coisa que dificulta a
subtração, seja inerente ou exterior àquilo que se pretende furtar. Exemplos: o quebra-vento do
veículo; o vidro do carro; a campainha da casa; o alarme; a trava da direção do veículo; a parede da
casa, etc.

FURTO QUALIFICADO PELO ABUSO DE CONFIANÇA

A qualificadora em apreço depende de dois requisitos:

 relação de confiança entre o agente e a vítima (requisito subjetivo)


 que a coisa esteja à disposição do agente em razão dessa confiança (requisito
objetivo).

O exemplo clássico é o famulato, isto é, furto praticado por empregado. Entretanto, para que
o famulato seja furto qualificado, é necessária a presença dos dois requisitos. Ausente um ou
ambos os requisitos, exclui-se qualificadora, mas incide a agravante genérica do art. 61, inciso II,
“g”, do CP. Caracterizada a qualificadora, exclui-se a sobredita agravante, pois é vedado o bis in
idem. O simples vínculo empregatício é insuficiente para a configuração da relação de confiança.
Esta se traduz na lealdade ou fidelidade, a ponto de a coisa permanecer à disposição do agente. Se
as pessoas se conhecem há pouco tempo, não há falar-se em confiança. A simples relação de
parentesco também é insuficiente para o reconhecimento da qualificadora.
O furto qualificado pelo abuso de confiança distingue-se da apropriação indébita. Nesta, o
agente tem a posse ou detenção desvigiada da coisa; naquele, a posse ou detenção é vigiada.
Finalmente, a qualificadora do abuso de confiança é subjetiva, não se comunicando aos
demais agentes (art.30 do CP).

FURTO QUALIFICADO PELA FRAUDE

Fraude é qualquer meio apto a enganar a vítima, permitindo uma maior facilidade na
subtração do bem. Urge, no entanto, que a fraude seja empregada antes ou durante a subtração.
Exclui-se a qualificadora, quando a fraude é posterior à consumação, como no exemplo do agente
que engana uma pessoa para esconder o veículo furtado.
A fraude é qualificadora do furto e elemento do estelionato. Todavia, os dois delitos
distinguem-se nitidamente. No furto, a fraude é empregada para distrair o detentor, facilitando a
ação de subtrair. No estelionato, a fraude induz o detentor a entregar livremente a coisa, iludindo-o
a ponto de ele permitir que o agente se afaste do local levando consigo o objeto material.
Assim, o furto fraudulento é caracterizado pela clandestinidade da ação de subtrair ou então
pelo transporte da coisa contra a vontade do detentor, ao passo que o estelionato é pautado pela
tradição do bem seguida da permissão para deslocá-lo do local em que se encontra.
Como exemplo de estelionato vale lembrar o caso do falso manobrista que leva o automóvel
da pessoa, quando esta estaciona o veículo no restaurante. Igualmente, o sujeito que se apresenta
no lava rápido como encarregado da retirada do veículo, pagando a conta e dele se apropriando.
Em contrapartida, responde por furto fraudulento, o agente que distrai o vendedor enquanto

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o seu comparsa subtrai os bens. Outrossim, aquele que adentra a uma loja de calçados e sai com o
sapato novo no pé, deixando o velho na caixa. Igualmente, o sujeito que, após botar gasolina no seu
veículo, distrai o frentista, afastando-se do local sem pagar a conta. Por fim, a falsa empregada
doméstica que adentra a residência da vítima, subtraindo diversos objetos.
O agente que coloca a mercadoria valiosa na embalagem da barata, pagando o valor menor,
comete furto fraudulento. Se, no entanto, troca apenas as etiquetas ao passar pelo caixa, haverá
estelionato, diante da ausência de clandestinidade.
O agente que adultera o relógio de energia elétrica para pagar menos comete estelionato, se
realiza instalação clandestina dessa energia é furto.

FURTO QUALIFICADO PELA ESCALADA

Escalada é a entrada do agente, por via anormal, em edifício, local destinado à habitação ou
em suas adjacências, valendo-se, para tanto, de esforço incomum, meios artificiais ou particular
agilidade. Exemplos: entrar pelo telhado, pular o muro, etc.
Escalada não é só galgar altura.Também se caracteriza quando o agente cava um túnel para
adentrar a casa da vítima. De fato, o essencial é a entrada por via imprópria de acesso ao local do
furto.
A subida em poste para furto de fio elétrico não configura escalada. Esta exige a entrada em
edifício, local destinado à habitação ou em suas adjacências.
Modernamente, para o reconhecimento da qualificadora, não basta a entrada por via
anormal, urge ainda que o agente realize esforço incomum (por exemplo: saltar um muro alto) ou
utilize meios artificiais (exemplos: escada, corda, etc.) ou revele particular agilidade (exemplo: muro
alto saltado por um campeão em salto em altura).
Finalmente, a prova pericial só é necessária quando a escalada deixa vestígios. Caso contrário,
a qualificadora pode ser provada por outro meio.

FURTO QUALIFICADO PELA DESTREZA

Destreza é a especial habilidade do agente para retirar os pertences em poder direto da


vítima, a ponto de ela não perceber a subtração. O exemplo clássico é a punga dos batedores de
carteira. Também revela destreza o larápio que corta clandestinamente a bolsa da vítima para
subtrair os objetos.
Não há a qualificadora quando a vítima percebe a subtração. Em tal situação, o agente
responde por tentativa de furto simples, ou furto simples consumado, caso consiga arrebatar o
objeto. Trata-se, porém, de tema polêmico, pois alguns autores, para o reconhecimento da
qualificadora, contentam-se com o fato de o objeto material encontrar-se na posse pessoal da
vítima, independentemente da habilidade ou canhestrismo do agente. Acrescente-se a persistência
da discussão na hipótese de o larápio ser percebido por terceiro. Nesse último caso, filiamo-nos à
corrente de que o furto deve ser qualificado.
Finalmente, não incide a qualificadora se a vítima estava dormindo ou embriagada durante a
subtração, pois nessas circunstâncias não se exige destreza. Igualmente, exclui-se a qualificadora
quando o agente é especialista em abrir cofres, porquanto a destreza é uma ação que recai sobre a
vítima e não sobre coisas.

FURTO QUALIFICADO PELA CHAVE FALSA

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Chave falsa é todo e qualquer instrumento apto a abrir fechaduras. Exemplos: gazuas, pedaço
de arame, micha, clips, etc. Anote-se que a chave falsa pode ou não ter formato de chave. Discute-
se na jurisprudência se a ligação direta do veículo caracteriza ou não chave falsa.
A abertura com a chave verdadeira, obtida ilicitamente pelo agente, não caracteriza chave
falsa, pois não se pode fazer analogia in malam partem. Discordamos da corrente que justifica
qualificadora, considerando como sendo chave falsa qualquer abertura ilícita, desconsiderando o
princípio da tipicidade.
A cópia da chave verdadeira, quando obtida licitamente, não é chave falsa. Se, no entanto, for
tirada clandestinamente, incide a qualificadora em apreço.

FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE PESSOAS

O reconhecimento da qualificadora depende de pelo menos duas pessoas. Computam-se os


inimputáveis (menores e doentes mentais) e os desconhecidos.
Tratando-se de comparsa menor de dezoito anos, o agente responderá por furto qualificado
em concurso material com o delito de corrupção de menores, previsto no art.244-B do ECA, desde
que haja prova da efetiva corrupção do menor. De fato, o crime de corrupção é material, e não
meramente formal. Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça considera o delito formal,
consumando-se quando o agente pratica o crime junto com o menor, ou o induz a praticar,
independentemente da efetiva corrupção. A propósito, dispõe a súmula 500 do STJ: “A
configuração do crime previsto no art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente independe da
prova da efetiva corrupção do menor, por se tratar de delito formal”.
Sobre a presença no local do crime, desenvolveram-se duas correntes. A primeira
sustentando que só há a qualificadora quando duas ou mais pessoas atuam na fase de execução. A
segunda contenta-se com a simples participação, independentemente da presença na fase da
execução. Filiamo-nos a esse último ponto de vista, pois se o legislador tivesse a intenção de exigir
a presença na fase da execução, tê-lo-ia dito expressamente como no §1º do art.146 do CP. Trata-
se de uma interpretação sistemática.
Por outro lado, a absolvição do coautor nem sempre exclui a qualificadora. De fato, havendo
prova da pluralidade de agentes, a qualificadora deve ser reconhecida.
No delito de roubo, o concurso de pessoas gera aumento de pena de 1/3 até ½ (metade), no
furto a pena dobra. Há quem sustente a violação do princípio da proporcionalidade da pena,
porque o roubo é mais grave, de modo que o furto qualificado pelo concurso de pessoas deveria
sofrer apenas o aumento de 1/3 até ½. No plano legislativo, contudo, a função de individualizar a
pena é do Poder Legislativo e por isso, o STJ editou a súmula 442: “É inadmissível aplicar no furto
qualificado pelo concurso de agentes a majorante do roubo”.
Acrescente-se ainda que se um dos agentes consuma o delito, todos respondem por furto
qualificado consumado, por força da teoria monista da ação.

FURTO QUALIFICADO PELO EMPREGO DE EXPLOSIVO

O §4º-A do art. 155 do CP, introduzido pela Lei 13.654/2.018, dispõe que:
“A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver emprego de explosivo
ou de artefato análogo que cause perigo comum”.
Trata-se de qualificadora, pois tem pena própria, cominada cumulativamente com a multa.
É o único furto que é crime hediondo (art. 1º, IX, da lei 8072/90, com redação dada pela lei
13.964/2019).

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O meio utilizado, explosivo ou artefato análogo, torna o fato mais grave, justificando-se o
rigor da reprimenda penal, em razão da provocação de perigo coletivo.
Meio explosivo é o que causa estrondo. Exemplos: dinamite, pólvora, gases comprimidos.
Difere do inflamável, que faz o fogo propagar rapidamente, como é o caso da gasolina, não sendo
abrangido pela qualificadora, diante da vedação da analogia “in malam partem”. Assim, não incide
a qualificadora em análise, por exemplo, quando se ateia fogo no caixa eletrônico, com intuito de
se realizar a subtração do dinheiro.
Importante destacar que o tipo penal, ao contrário do art. 251 do CP, não se refere a
substância explosiva, mas, sim, a meio explosivo.
A propósito, substância explosiva é a que provoca explosão, dissolvendo-se com o estrondo.
É, entretanto, possível explosão sem que haja substância explosiva, como é o caso da explosão do
ar ou do vapor d’agua.
O meio ou artefato explosivo, a que se refere a qualificadora em análise, abrange qualquer
explosão, seja ela oriunda de substância explosiva ou não explosiva, mas o assunto certamente
ensejará polêmica.
Sobre o artefato explosivo, trata-se de qualquer objeto confeccionado por trabalho mecânico
ou à mão. São as denominadas bombas caseiras, que podem ser fabricadas com bebidas, gel de
cabelo, etc.
É mister, para a incidência da qualificadora, que seja um explosivo ou artefato que causa
perigo comum, ou seja, que coloque em risco um número indeterminado de pessoas ou de
patrimônios.
De fato, o perigo comum, a que se refere o texto legal, é o que pode afetar pessoas ou coisas,
pois onde a lei não distingue ao intérprete não é lícito distinguir.
Sobre o significado da oração “emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo
comum”, é fácil concluir que, para a configuração da qualificadora, não basta portar o explosivo,
mas, sim, empregá-lo, pressupondo-se, portanto, a existência de uma explosão.
Além disso, exige-se um perigo comum concreto, efetivamente ocorrido, caso contrário a
redação seria similar à utilizada no art. 121, §2º, III do CP, que se refere a “meio de que possa
causar perigo comum”.
A interpretação sistemática não permite que se paire qualquer dúvida acerca da necessidade
de o perigo comum ter realmente se verificado.
O agente que se utiliza de um explosivo com potencial para causar perigo comum que,
entretanto, mesmo diante da explosão, não se concretiza, responderá, em caso de destruição ou
rompimento de obstáculo, pelo furto qualificado do art. 155, §4ª, I, do CP e não pela qualificadora
em análise, prevista no §4º-A.
Portanto, a nova qualificadora exige simultaneamente a explosão e a demonstração da
efetiva ocorrência do perigo comum, sendo ainda essencial o exame de corpo de delito, pois se
trata de infração penal que deixa vestígios.
O explosivo geralmente é utilizado em furtos de caixas eletrônicos de bancos, sendo que,
diante do advento desta nova qualificadora, encerra-se o antigo debate travado acerca da
adequação típica, que dividia as opiniões entre o furto qualificado pela destruição ou rompimento
de obstáculo (art. 155, §4º, I) e a explosão qualificada pelo intuito de obter vantagem pecuniária
(art. 251, §2º). Doravante, o enquadramento será no art. 155, §4º-A, do CP, absorvendo-se os
delitos de explosão e de dano, pois já funcionam como causa de aumento de pena, aplicando-se o
princípio da subsidiariedade tácita. Quanto aos que foram condenados em concurso formal
imperfeito pelos arts. 155, §4º, I e 251, §2º, impõe-se a retroatividade do §4ºA do art. 155 do CP,
por se tratar, neste aspecto, de uma lei mais benéfica.

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Sobre o assunto, cumpre ainda lembrar que configura crime, nos termos do art. 16, parágrafo
único, III, do estatuto do desarmamento: possuir, deter, fabricar ou empregar artefato explosivo ou
incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Este
delito, entretanto, será absorvido pelo crime do §4ºA do art. 155 do CP, pois já funciona como
qualificadora.

FURTO COM FRAUDE ELETRÔNICA

O furto fraudulento, quando cometido por meio de dispositivo eletrônico ou informático,


conectado ou não à rede de computadores, se enquadra na qualificadora do § 4º-B do art. 155 do
CP, incluída pela Lei 14.155/21, cujo teor é o seguinte:
“A pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, se o furto mediante fraude é
cometido por meio de dispositivo eletrônico ou informático, conectado ou não à rede de
computadores, com ou sem a violação de mecanismo de segurança ou a utilização de programa
malicioso, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo”.
Trata-se de qualificadora, pois tem pena própria.
Os meios de execução deste furto fraudulento são:
a) dispositivo eletrônico: qualquer equipamento que tem circuito eletrônico, ou seja, uma
placa eletrônica. Exemplos: gravador, rádio analógico, televisão, dvd, relógio digital, celular,
computador, telefone fixo, tablet, microondas, filmadora, etc.
b) dispositivo informático: é o que se relaciona com a tecnologia da informação, ainda que
não tenha circuito eletrônico. Exemplos: CD-ROM, pen drive, HD interno do computador, HD
externo, cabo de rede de computador, impressora.
Computador, convém definir, é o equipamento eletrônico que permite a entrada,
processamento, armazenamento e saída de dados. Exemplos de computadores: televisão smart,
celular, tablet.

Na verdade, o computador também é um dispositivo eletrônico.


c) qualquer outro meio fraudulento análogo.
O legislador se utilizou da interpretação analógica ou “intra legem”, pois, após fazer menção à
fórmula casuística, empregou a fórmula genérica, consistente na expressão “ou por qualquer outro
meio fraudulento análogo”, com o intuito de ampliar a abrangência da norma penal para novas
tecnologias que podem surgir.
Não é preciso, para a incidência da qualificadora, que o dispositivo esteja conectado à rede de
computadores (internet ou intranet).
É igualmente desnecessário que haja a violação de mecanismo de segurança ou a utilização
de programa malicioso.
O mecanismo de segurança é o aparato instalado especificamente para vedar o acesso ao
conteúdo digital ou eletrônico. Exemplos: senha, biometria, tokens, certificado digital.
Assim, ainda que a vítima tenha autorizado, haverá o delito em análise se o agente, ao
extrapolar os limites da autorização, realizar a subtração.
Nunca é demais relembrar a distinção entre furto fraudulento e estelionato. No furto, a
fraude é empregada para burlar a vigilância da vítima para que ela não perceba a subtração.
No estelionato, a própria vítima iludida entrega o bem ao agente.
Quanto ao delito de invasão de dispositivo informático, previsto no art. 154-A do CP, é
absorvido pelo furto fraudulento em análise, do qual constitui meio de execução, aplicando-se o
princípio da consunção.

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Na hipótese em que a subtração ocorrer mediante transferência de valores, a competência


será no local da consumação, nos termos da regra geral prevista no art. 70, “caput”, do CPP.
No tocante ao estelionato praticado por meio de dispositivo informático ou eletrônico, o §4º
do art. 70 do CPP prevê que, em havendo transferência de valores, a competência será definida
pelo local do domicílio da vítima, mas, por se tratar de norma excepcional, que abre exceção à
regra geral prevista no “caput” do art. 70 do CPP, não será possível o emprego da analogia, sendo,
pois, vedada a sua aplicação ao delito de furto fraudulento eletrônico ou informático.
Por outro lado, o §4º-C do art. 155 do CP prevê causas de aumento de pena à qualificadora
em análise, dispondo que:
“A pena prevista no § 4º-B deste artigo, considerada a relevância do resultado gravoso:
I – aumenta-se de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado mediante a
utilização de servidor mantido fora do território nacional;
II – aumenta-se de 1/3 (um terço) ao dobro, se o crime é praticado contra idoso ou
vulnerável”.
Antes de analisar as majorantes, é preciso verificar a amplitude da oração “ considerada a
relevância do resultado gravoso”, a que faz menção o texto legal.
Primeira corrente, a pena só será aumentada, quando o resultado gravoso se revestir de
relevância patrimonial.
Segunda corrente, a relevância do resultado não é condição do aumento da pena, influindo
apenas na dosagem da reprimenda penal entre o mínimo e o máximo legal.
Filio-me à segunda corrente, de tal sorte que, quanto maior a gravidade do resultado danoso,
em termos patrimoniais, maior será o aumento da pena.
De fato, o legislador, ao se referir à gravidade do resultado danoso, visou eliminar a dosagem
da majorante por critérios subjetivos, como a personalidade, maus antecedentes e a reincidência.
A primeira causa de aumento ocorre quando o crime é praticado mediante a utilização de
servidor mantido fora do território nacional.
Trata-se de uma causa de aumento de pena em quantidade variável de 1/3 (um terço) a 2/3
(dois terços).
A competência, só por este fato, não se desloca para a justiça federal, pois o art. 109 da CF,
não prevê esta situação.
O servidor pode ser nacional ou estrangeiro, pois, para a incidência da qualificadora, o que
interessa é que ele seja mantido fora do território nacional.
A utilização de servidor estrangeiro, que é mantido no território nacional, exclui a majorante,
diante da vedação da analogia “in malam partem”.
De fato, a razão da majorante é a dificuldade de se fazer o rastreamento até se chegar à
máquina utilizada para a prática do delito, tendo em vista que ela se encontra fora do território
nacional.
Cumpre não confundir servidor de internet com provedor de internet.
Provedor é a pessoa física ou jurídica que, através de servidores físicos, permite o acesso aos
inúmeros serviços relacionados à internet.
O provedor é assim o prestador de serviços relacionados com a internet que, para tanto, se
utiliza de inúmeros equipamentos físicos específicos, que se denominam servidores.
Servidor é o aparelho físico, instalado em determinado local, que disponibiliza algum tipo de
serviço relacionado com a internet. Exemplo: servidor para monitorar e controlar o acesso à
internet em uma empresa. Outro exemplo: servidor para evitar invasões digitais. Mais um exemplo:
servidor para armazenar dados.
É, pois, através de um servidor que é possível o acesso à internet, o envio e recebimento de e-

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mail, o armazenamento de dados em nuvem, a hospedagem de site, etc.


O servidor pode ser instalado no local onde se situa a empresa ou ainda na residência do
interessado ou em algum lugar que integra a estrutura física do provedor.
É, no entanto, possível que haja servidor sem que se tenha contratado um provedor.
Exemplo: do Brasil, alguém instala um vírus (programa informático malicioso) num determinado
computador, que se encontra em outro país e se torna assim um servidor, passando a utilizá-lo para
obter informações e realizar transferências bancárias.
A outra majorante ocorre quando o crime houver sido praticado contra idoso ou vulnerável.
Trata-se de causa de aumento de pena em quantidade variável de 1/3 (um terço) ao dobro.
Idoso é a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos (art. 1º da Lei
10.741/2003).
Vulnerável, por sua vez, nos termos do art. 217-A do CP, abrange três situações:
a) menor de 14 (catorze) anos;
b) enfermo ou deficiente mental sem o necessário discernimento;
c) pessoa que, por qualquer outra causa, não puder oferecer resistência.
É necessário, para que incida o aumento da pena, que o agente tenha consciência de que a
vítima é idosa ou vulnerável, tendo em vista a vedação da responsabilidade penal objetiva.

FURTO DE VEÍCULO AUTOMOTOR QUE VENHA A SER TRANSPORTADO PARA OUTRO


ESTADO OU PARA O EXTERIOR

O §5º do art.155 do CP prevê uma pena de reclusão de três a oito anos. Não basta, porém,
para a incidência da qualificadora, o furto de veículo automotor, pois ainda se exige o efetivo
transporte para outro Estado ou exterior.

FURTO DE SEMOVENTE DOMESTICÁVEL DE PRODUÇÃO

Dispõe o §6º do art. 155 do CP, introduzido pela lei 13.330/2.016:


"A pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos se a subtração for de semovente
domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes no local da subtração".
Conquanto o delito em apreço tenha sido instituído com o propósito de inibir o abigeato, que
é o furto de gado, não resta dúvida que se aplica a inúmeras outras situações.
Na prática, contudo, dificilmente esta qualificadora será aplicada, pois este tipo de delito
geralmente é praticado por mais de uma pessoa e, diante disso, incidirá a qualificadora do §4º, IV,
que é mais grave. Com efeito, presentes uma das qualificadoras do §4º, exclui-se a incidência da
qualificadora em apreço, pois sua pena é mais branda, podendo funcionar, nesse caso, como
circunstância judicial do art. 59 do CP, servindo de parâmetro apenas para dosagem da pena-base.
Cumpre registrar, entretanto, outra corrente mais favorável ao réu que, com base no princípio da
especialidade, afasta a qualificadora do §4º quando se tratar de semovente domesticável de
produção, impondo-se, nesse caso, a qualificadora específica do §6º, considerando-a “novatio legis
in melius”.
Note-se que o legislador não prevê multa para esta qualificadora do §6º, sendo nítida a falta
de coerência, tendo em vista que até ao furto simples do caput do art. 155 é cominada a pena de
multa.
O objeto material é o animal domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em
partes no local da subtração.

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Trata-se de um tipo penal aberto, porquanto a definição deste elemento normativo é


complementada pelo juiz.
Certamente haverá divergência sobre a extensão do objeto material, com duas possíveis
exegeses:
1ª corrente: abrange apenas o semovente (animal vivo), pois a expressão “ainda que abatido
ou dividido em partes” refere-se ao abatimento ou divisão do animal pelo próprio agente. Por
consequência, animais já abatidos ou divididos em partes pelo produtor, mas que se encontravam
no local e foram subtraídos, não ensejariam a incidência da qualificadora.
2ª corrente: abrange o semovente (animal vivo) e também o animal que, no local da
subtração, já estava abatido (morto) ou dividido em partes pelo produtor. Seria incoerente
qualificar o delito quando se furta o semovente vivo e afastar a qualificadora em relação ao larápio
que astuciosamente aguardou o abate e a divisão em partes do animal pelo próprio produtor para
só depois realizar a subtração. De fato, não haveria lógica em se qualificar a subtração de um
animal vivo e excluir a qualificadora quando o animal já estivesse abatido ou dividido em partes,
posto que o segundo fato se revela ainda mais grave que o primeiro.
Ademais, a expressão “dividido em partes” seria inócua se o tipo penal abarcasse apenas o
animal vivo, porquanto antes desta divisão o animal necessariamente precisa ser abatido. Bastaria
a lei ter dito “ainda que abatido no local”, caso o intuito fosse compreender apenas o abatimento
executado pelo próprio agente. Portanto, a expressão “ainda que abatido ou dividido em partes”
refere-se tanto ao abatimento ou divisão em partes feita pelo próprio agente ou executada
anteriormente pelo produtor.
De qualquer maneira, para a incidência da qualificadora, é mister que o agente subtraia o
animal por inteiro ou na sua essência. De fato, o tipo penal refere-se à subtração de semovente, e
não de partes dele, de modo que quando o animal já estava abatido ou dividido em partes a
incidência da qualificadora estará condicionada à subtração do todo ou das partes substanciais. É
claro que se o agente deixa no local apenas as patas do boi e subtrai o restante, persiste a
qualificadora. Entretanto, não teria cabimento, por exemplo, qualificar o delito pelo furto de uma
picanha extraída de um animal já abatido. Frise-se que a qualificadora se refere ao furto de
semovente e não de parte dele. Da mesma forma, não incide a qualificadora quando o próprio
agente abate o animal, subtraindo-lhe apenas uma de suas partes.
É mister, entretanto, que o animal ainda pertença ao produtor, posto que o intuito da lei foi
protegê-lo. A subtração, por exemplo, de um porco que se encontra no açougue ou de um cachorro
exposto à venda em alguma loja não qualifica o delito.
Não há falar-se também no delito em estudo quando se subtrai o leite da vaca ou outro bem
produzido pelo animal, porquanto o tipo penal refere-se à subtração do semovente e não dos bens
que ele produz. Nesta hipótese, o furto será simples.
Por outro lado, animal de produção é aquele criado de forma padronizada, em conjunto com
outros da mesma espécie, para satisfazer as necessidades do homem. Não é preciso que o fim da
produção seja o abate para alimentação humana. Admite-se qualquer outro fim lícito como
transporte, vestuário, desportivo, lazer, reprodução, etc., pois onde a lei não distingue ao
intérprete não é lícito distinguir. Desnecessário que se trate de uma atividade de produção
econômica, isto é, lucrativa.
É claro que haverá celeuma sobre a necessidade ou não do fim econômico da produção. Mais
uma vez a doutrina se dividirá em duas interpretações:
1ª corrente: só incide a qualificadora se o fim da produção for econômico, isto é, lucrativo.
2ª corrente: incide a qualificadora seja a finalidade da produção econômica ou não. Imagine,
por exemplo, uma granja mantida por uma fundação que cria gados para distribuir a carne

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gratuitamente às pessoas carentes. Parece-me que seria ilógico excluir a qualificadora


simplesmente pelo fato de ser uma produção que não visa lucro. Quisesse a lei exigir o fim
econômico teria dito expressamente.
Acrescente-se, contudo, que a produção deve visar a satisfação das necessidades alheias e
não do próprio produtor, caso contrário a qualificadora incidiria quando se furtasse galinhas criadas
para consumo próprio. Não é este o espírito da lei, que visa proteger os produtores que fornecem
bens de consumo a terceiros.
Não se pode olvidar que o tipo penal ainda exige que se trate de animal domesticável de
produção. Não basta, portanto, que seja um animal de produção.
O assunto está relacionado ao chamado esclavagismo, relação ecológica onde um ser vivo se
aproveita das atividades, do trabalho ou de produtos produzidos por outros seres vivos.
A atividade de domesticação feita pelo homem é de esclavagismo. A apicultura, por exemplo,
visa extrair das abelhas o mel, a cera, o pólen, o própolis e geleia real. Outro exemplo é a
ranicultura, atividade em que o homem cuida e protege as rãs para extrair-lhe carne e o couro.
Mais um exemplo: a bovinocultura, atividade humana que protege os bovinos para obter a carne, o
leite, o couro etc.
Vê-se assim que animal domesticável é todo aquele que for passível de ser criado licitamente
pelo homem fora de seu ambiente natural. Não creio que sejam apenas os que gostam de ter a
companhia e o carinho do homem, como é o caso dos cães, gatos, cavalos, bois, etc. A cobra, por
exemplo, criada em cativeiro para extração do soro antiofídico enquadra-se no conceito de animal
domesticável. Igualmente , a psicultura, que é o cultivo de peixes.
Por consequência, o tipo penal exige a presença de dois requisitos cumulativos:
a) que se trate de animal de produção: é o criado, de forma padronizada e em conjunto com
outros da mesma espécie, para satisfazer as necessidades do homem. Exemplo: animais que se
destinam à alimentação do homem; animais que visam satisfazer o vestuário humano; animais
criados para satisfazer o lazer do homem, como é o caso dos cães de caninos; animais destinados
ao transporte do homem ou de coisas, como é o caso da criação de cavalos; animais criados para
fins desportivos ou de reprodução, como é o caso dos cavalos de haras, etc.
b) que se trate de animal domesticável: é aquele que o homem pode criar licitamente fora do
seu habitat natural. Não são, por exemplo, domesticáveis a raposa, a onça, o elefante, etc.
O bem jurídico protegido é o patrimônio. Portanto, não se configura o delito em apreço
quando se tratar de animais silvestres ou abandonados, pois estes bichos não pertencem a
ninguém.
Acrescente-se ainda a divergência sobre a incidência a esta qualificadora da majorante do
furto praticado durante o repouso noturno, prevista no §1º do art. 155 do CP. Uma primeira
corrente acena positivamente; outra responde negativamente com base na argumentação
topográfica, isto é, parágrafo anterior não se aplica ao posterior.
Ao delito em apreço é também perfeitamente aplicável o princípio da insignificância, desde
que presentes os seus requisitos.
Por fim, sendo o réu primário e o animal de pequeno valor, impõe-se o reconhecimento do
privilégio insculpido no §2º do art. 155 do CP, conforme súmula 511 do STJ.

FURTO DE SUBSTÂNCIA EXPLOSIVA OU DE ACESSÓRIOS

Dispõe o §7º do art. 155 do CP, introduzido pela Lei 13.654/2018:


“A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtração for de substâncias
explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem

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ou emprego.”
Trata-se de qualificadora, pois tem pena própria, cominada cumulativamente com multa.
O objeto material consiste em substâncias explosivas ou acessórios que possibilitem
a fabricação, montagem ou emprego de substância explosiva.
Substância explosiva é a que causa estrondo, dissolvendo-se com a arrebentação. Exemplos:
pólvora, dinamite.
Quanto aos acessórios, são os elementos que, em conjunto (misturados com outros) ou
isoladamente, são capazes de se transformar quimicamente numa substância explosiva. Exemplos:
estopim, espoleta e cordel detonante.
Estes acessórios são os que possibilitam a fabricação, montagem ou emprego da substância
explosiva. Noutras palavras, são os acessórios que integram a substância para que ela se torne
explosiva.
Fabricação é a produção ou confecção. Montagem é a junção dos componentes. Emprego é a
utilização.
O tipo penal não se refere aos maquinários e outros objetos que também são utilizados para
fabricar, montar ou utilizar os explosivos, mas tão somente aos acessórios que compõe a própria
substância explosiva.
Note-se que no delito do art. 291 do CP, que cuida dos petrechos para fabricação de moeda, a
oração utilizada é “maquinário, aparelho ou objeto especialmente destinado à fabricação,
montagem ou emprego de moeda”, ao passo que o tipo em análise, que cuida de substância
explosiva, não faz menção a nada disso, sendo vedada a análoga “in malam partem”.
Sobre o assunto, cumpre ainda lembrar que configura crime, nos termos do art. 16, parágrafo
único, III, do estatuto do desarmamento: possuir, deter, fabricar ou empregar artefato explosivo ou
incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Este
delito, entretanto, será absorvido pelo crime do §6º do art. 155 do CP, pois já funciona como
qualificadora.

FURTO DE COISA COMUM

Dispõe o art.156 do CP:


Subtrair o condômino, coerdeiro ou sócio, para si ou para outrem, a quem legitimamente a
detém, a coisa comum:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa.
§1º Somente se procede mediante representação.
§2º Não é punível a subtração de coisa comum fungível, cujo valor não excede a quota a que
tem direito o agente.
Tratando-se de coisa fungível, exclui-se o delito, se a subtração não exceder ao valor da cota
pertencente ao agente. Se, por exemplo, “A” e “B” são proprietários de cem sacas de café, não se
configura o crime na hipótese de “A” subtrair exatamente a sua cota. Trata-se de uma norma penal
permissiva, prevista no § 2º do art.156 do CP.
Assim, o crime só se configura:
 se a coisa for infungível;
 se a coisa for fungível, mas a subtração exceder o valor da cota do agente.
A ação pública condicionada à representação (§ 1º do art. 156 do CP).

ROUBO

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CONCEITO

O roubo, previsto no art.157 do Código Penal, é a subtração de coisa alheia móvel, para si ou
para outrem, mediante violência contra pessoa. Conforme veremos adiante, a violência se
desdobra em três modalidades.
O roubo assemelha-se ao furto, uma vez que ambos exigem a subtração de coisa alheia móvel
para si ou para outrem. Distinguem-se, porém, quanto ao emprego da violência. No crime de furto
não há violência contra pessoa, podendo ocorrer, no máximo, uma violência contra coisa, ao passo
que no roubo, necessariamente, verifica-se uma das três modalidades de violência contra a pessoa.
Portanto, o furto atenta exclusivamente contra o patrimônio. O roubo, além de ofender o
patrimônio, atinge ainda a integridade física, a saúde, a tranquilidade, e eventualmente a própria
vida.

OBJETIVIDADE JURÍDICA

O roubo é delito pluriofensivo, porque ofende mais de um bem jurídico. Conforme


salientamos anteriormente, a incriminação do roubo visa a tutela do patrimônio, integridade
fisiopsíquica, a saúde e a tranquilidade. Na forma qualificada como latrocínio, protege-se também a
vida.

SUJEITO PASSIVO

O sujeito passivo pode ser tanto a pessoa que sofre a violência (física, moral e imprópria),
quanto aquela que sofre a lesão patrimonial.
A violência pode ser dirigida contra o proprietário, possuidor ou o detentor da coisa e até
mesmo contra policiais e terceiros. A pessoa jurídica também pode ser sujeito passivo de roubo,
quando atingida em sua esfera patrimonial.

ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO

O núcleo do tipo é o verbo subtrair, que significa o apossamento da coisa.


Urge ainda, para que o delito se caracterize, o emprego de violência contra pessoa.
A expressão violência deve ser compreendida sobre tríplice aspecto: a) violência física; b)
violência moral; c) violência imprópria.
A primeira é a vis absoluta, caracterizada pelo emprego de força bruta para vencer a
resistência da vítima. Bastam as vias de fato, embora na maioria das vezes, costuma ocorrer lesão
corporal. No caso de morte, haverá latrocínio.
A segunda é a vis compulsiva, isto é, a grave ameaça, traduzida na promessa de malefício. A
ameaça pode se dar por palavras, gestos, escritos e meios simbólicos. Ela deve referir-se a um mal
imediato, pois se for futuro, não caracterizará o roubo, mas sim o delito de extorsão. A ameaça,
para a tipificação do roubo, há de ser grave, a ponto de atemorizar a vítima.
A terceira, qual seja, a violência imprópria ocorre quando o agente reduz a vítima à
impossibilidade de resistência, sem contudo empregar força física ou grave ameaça. Por exemplos:
embriagar a vítima, hipnotizá-la, trancá-la num local onde ela já se encontra, etc.

ESPÉCIES

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O roubo pode ser próprio e impróprio.


O roubo próprio está previsto no caput do art.157, nos seguintes termos:
“Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a
pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: pena -
reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa”.
O roubo impróprio ou por aproximação, por sua vez, encontra-se previsto no § 1º do art.157,
com a seguinte redação:
“Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra
pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si
ou para terceiro”.
Como se vê, a diferença básica entre eles é quanto ao momento do emprego da violência. No
roubo próprio, a violência é empregada antes ou durante a tirada da coisa; no roubo impróprio, o
agente primeiro se apodera da coisa, sem qualquer violência , sendo que esta é empregada logo
depois desse apoderamento.
Outra diferença é quanto à espécie de violência empregada. Com efeito, o roubo próprio é
compatível com os três tipos de violência (física, moral e imprópria), configurando-se, por exemplo,
quando o agente oferece à vítima uma fruta narcotizada, levando-a a um sono profundo,
aproveitando-se para subtrair-lhe a carteira. Em contrapartida, o roubo impróprio admite apenas
dois tipos de violência (física e moral) , pois a lei é omissa em relação à violência imprópria, não se
podendo suprir a lacuna, porque é proibida a analogia in malem partem. Como ensina Magalhães
Noronha, “quem subtrai coisa móvel, e, depois, embriaga a vítima, ou a narcotiza, para garantir a
detenção daquela, ou assegurar a impunidade, não pratica roubo impróprio”.
A expressão “logo depois”, prevista no § 1º do art. 157 do CP, pressupõe uma relação de
quase imediatidade entre a subtração e a violência física ou grave ameaça empreendida. Desse
modo, dependendo do decurso de tempo existente entre a subtração e a violência (física ou moral)
afasta-se a configuração do roubo, devendo o agente responder por furto em concurso com outro
crime (lesão corporal ou ameaça ou resistência). Assim, responde por furto em concurso material
com o crime de resistência, o ladrão que ameaça os policiais algumas horas depois de já ter
realizado a subtração. Se, nas mesmas circunstâncias, tivesse ameaçado o ofendido, haveria furto
em concurso com o crime de ameaça. Em ambas as hipóteses, se a ameaça tivesse acontecido logo
depois da subtração, haveria delito de roubo, absorvendo-se os crimes de resistência e ameaça.

ROUBO QUALIFICADO, AGRAVADO OU CIRCUNSTANCIADO

Dispõe o § 2º do art.157 do CP que a pena aumenta de 1/3 até a metade:

1. Se há concurso de duas ou mais pessoas;


2. Se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal
circunstância;
3. Se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro
Estado ou para o exterior;
4. Se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade;
5. se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou
isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.
6. Se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma branca.

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Cumpre ainda salientar que, no §2º-A do art. 157, há ainda outras duas causas de
aumento de pena que serão analisadas em separado.
Vê-se assim, que no citado §1º, há a existência de cinco causas de aumento de pena, que são
aplicáveis ao roubo próprio e ao impróprio, mas que não incidem em relação ao roubo qualificado
pelo resultado, previsto no § 3º do art.157, porque as sobreditas causas de aumento antecedem à
qualificadora do § 3º.
A primeira, consistente no concurso de duas ou mais pessoas, justifica-se pela maior
organização do delito, aumentando a possibilidade de consumação à medida em que diminui a
chance de defesa da vítima. Os menores de 18 anos, os doentes mentais e os desconhecidos,
participantes da conduta criminosa, também são computados.
A segunda causa de aumento ocorre quando a vítima está em serviço de transporte de
valores e o agente conhece tal circunstância. Objetiva-se tutelar a segurança do transporte. A
expressão valores abrange o dinheiro, joias preciosas e qualquer outro bem passível de ser
convertido em pecúnia. O valor que a vítima transporta deve ser alheio, porque a lei fala em
serviço de transporte, de modo que não incide o aumento se a vítima transporta valores próprios. A
noção de serviço nada tem a ver com emprego, incidindo o aumento ainda que o transporte seja
gratuito ou acidental. O serviço de transporte consiste na condução da coisa de um local para
outro. Se a vítima estiver apenas portando valores alheios, o roubo será simples. Finalmente, urge
que o agente saiba que a vítima está em serviço de transporte. A lei exige o dolo direto, isto é, a
certeza acerca desse fato. A dúvida sobre a vítima estar ou não em serviço de transporte de valores
exclui o aumento, porque não se admite, em tal hipótese, o dolo eventual.
A terceira majorante consiste na subtração de veículo automotor que venha a ser
transportado para outro Estado ou Exterior. A expressão veículo automotor abrange aeronaves,
automóveis, motocicletas, lanchas, jet-ski, enfim qualquer veículo movido por motor de propulsão.
Exclui-se os veículos de tração humana (exemplo: bicicleta ) , bem como os de tração animal
(exemplo: charrete). Urge, para a incidência do aumento da pena, que o veículo seja efetivamente
transportado para outro Estado ou Exterior.
A quarta majorante ocorre quando o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo a
sua liberdade. Justifica-se o aumento, tendo em vista a violação da liberdade pessoal de
movimento, isto é, o direito de ir, vir e ficar no local. Urge salientar, todavia, que nem toda a
restrição da liberdade consiste na subtração da vítima
A quinta causa de aumento de pena, introduzida pela lei 13.654/2018, verifica-se quando a
subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente,
possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego. Sobre esta majorante, reporto o leitor aos
comentários feitos em relação à idêntica ao §7º do art. 155 do CP.
A última causa de aumento de pena, violência ou grave ameaça exercida com emprego de
arma branca, foi introduzida pela lei 13.964/2019. Arma branca é a que não é arma de fogo. Trata-
se de um conceito que se obtém por exclusão. Abrange as armas impróprias, que são os
instrumentos que servem para ataque ou defesa, embora não seja esta a sua finalidade, como a
tesoura, faca de cozinha, pedaço de pau, caco de vidro, etc., bem como as armas próprias que não
sejam de fogo, que são os instrumentos cuja finalidade específica é o ataque ou defesa, como o
punhal, a espada, o soco inglês e outros. Outra corrente, ao revés, só considera arma branca as
armas próprias, ou seja, o instrumento que tem a finalidade específica de ataque ou defesa. É
mister, para a majoração da pena, que haja o emprego da arma branca, que consiste no seu uso
efetivo ou exibição ostensiva. Caso a arma branca não tenha sido exibida nem anunciada pelo
assaltante, exclui-se a majorante.

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ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO

São três as majorantes do roubo com emprego de arma de fogo. São elas:
a) arma de fogo de uso permitido: é aquela cujo porte é passível de obtenção.
Nesse caso, a pena é aumentada de 2/3 (dois terços), por força do art. 157, §2º-A, I, do
CP, introduzido pela lei 13.654/2018.
b) arma de fogo de uso restrito: é aquela cujo porte é restrito a determinadas
pessoas. Neste caso, a pena é dobrada, nos termos do art. 157, §2º-B, do CP, introduzido
pela lei 13.964/2019.
c) arma de fogo de uso proibido: é aquela cujo porte é vedado. A pena também
é dobrada, nos termos do art. 157, §2º-B, do CP, introduzido pela lei 13.964/2019.
Justifica-se a majorante, em razão da maior potencialidade lesiva do fato, que cria risco de
morte à vítima.
O porte oculto não majora a pena do roubo, porque a lei exige o emprego da arma,
consistente no uso efetivo ou porte ostensivo. Assim, só incide a majorante quando a violência ou
grave ameaça é exercida com emprego de arma de fogo.
Por outro lado, o roubo majorado absorve o delito de arma de fogo, previsto na legislação
especial, que já funciona como causa de aumento de pena, sendo de rigor o afastamento dessa
última norma em face do princípio da subsidiariedade implícita. Outra corrente, entretanto,
sustenta que o crime de porte de arma só será absorvido quando o agente armar-se com a
finalidade específica de praticar o roubo, caso tenha se armado, independentemente do roubo,
responderá também pelo crime de porte de arma em concurso com o roubo majorado pelo
emprego de arma.

Quanto à arma de brinquedo, também denominada “arma finta”, não funciona como causa
de aumento de pena, pois não se trata de arma de fogo, mas é suficiente para servir de meio de
execução de um roubo simples. O agente que na calada da noite encosta o dedo nas costas da
vítima, simulando estar armado, responde por roubo simples, porque o dedo não pode ser
equiparado a arma. A situação é idêntica quando se trata de arma de brinquedo.
Quanto à arma descarregada, também não majora a pena do roubo, falta-lhe potencialidade
ofensiva e, portanto, não se trata de arma, respondendo o agente por roubo simples.
No tocante à arma não apreendida, compete ao agente exibi-la em juízo para que seja
periciada, sob pena de incidência da majorante diante da presunção de potencialidade ofensiva.

ROUBO MAJORADO PELA DESTRUIÇÃO OU ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO COM EMPREGO


DE EXPLOSIVO

Dispõe o art. 157, §2º-A, II, do CP, introduzido pela lei 13.654/2018:
“A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços):
II – se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de
artefato análogo que cause perigo comum”.
Aplica-se a esta majorante os comentários já feitos para o §4º-A do art. 155 do CP.
Cumpre, entretanto, observar que a qualificadora do art. 155, §4º-A, do CP tem incidência,
ainda que não haja destruição ou rompimento de obstáculo, bastando o emprego de explosivo ou
de artefato que cause perigo comum, ao passo, no roubo, a majorante em análise depende, além
do explosivo ou artefato que cause perigo comum, que haja ainda destruição ou rompimento de
obstáculo, expressões que também já foram objeto de análise no estudo do art. 155, §4º, I, do CP.

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Por fim, enquanto o art. 155, §4º-A é uma qualificadora, pois tem pena própria, o roubo em
análise é uma causa de aumento de pena, em quantidade fixa de 2/3 (dois terços) e, por se tratar
de “novatio in pejus”, também não se aplica aos fatos anteriores à sua vigência.

ROUBO QUALIFICADO PELA LESÃO CORPORAL GRAVE (§ 3º, I)

Dispõe o art.157, § 3º , I, do CP que:


“Se da violência resulta: lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 (sete) a 18 (dezoito)
anos, e multa”.
Com o advento da Lei 13.654/2018, elevou-se a pena máxima de 15 (quinze) para 18 (dezoito)
anos, mantendo-se a multa.
A autonomia do preceito secundário, que contém pena própria, revela que se trata de uma
qualificadora. Entende-se por lesão grave aqueles resultados previstos nos §§ 1º e 2º do art.129 do
CP. Se houver lesão leve, o roubo é simples.
Trata-se de crime qualificado pelo resultado. A lesão grave pode ocorrer a título de dolo ou
culpa, sendo que nessa última hipótese o delito será preterdoloso. Em ambos os casos, o delito de
lesão corporal é absorvido, porque já funciona como qualificadora (princípio da subsidiariedade
implícita).
Urge ainda que a lesão grave decorra da violência física. Se decorrer de grave ameaça ou de
violência imprópria, exclui-se a qualificadora, respondendo o agente por roubo simples em
concurso formal com o crime de lesão corporal. Com efeito, a expressão violência, quando
empregada isoladamente, abrange tão somente a vis corporalis, pois para referir-se a vis
compulsiva o legislador costuma usar a expressão grave ameaça, e para designar a violência
imprópria usa a expressão “depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de
resistência”.
Também não incide a qualificadora na hipótese de o próprio agente sofrer lesão grave, pois
ninguém pode ser sujeito ativo e passivo ao mesmo tempo.
Finalmente, se houver lesão grave consumada e subtração patrimonial tentada, para uns
autores haveria o crime do art. 157, § 3º, I, consumado, outros, porém, sustentam que o delito
seria tentado.

ROUBO QUALIFICADO PELO RESULTADO MORTE

Dispõe o art. 157, §3º, II, do CP que: Se da violência resulta: morte, a pena é de reclusão de 20
(vinte) a 30 (trinta) anos, e multa.”
Trata-se de qualificadora, porque o preceito secundário tem pena própria. O aludido delito é
denominado latrocínio, ingressando no rol dos delitos hediondos.
O sujeito passivo é tanto a pessoa que sofre a lesão patrimonial quanto aquela que é morta,
podendo esta última ser até mesmo um policial ou terceiro. Com efeito, trata-se de crime
pluriofensivo, que ofende mais de um bem jurídico, qual seja, o patrimônio e a vida. Não há
necessidade que morra a vítima do patrimônio, sendo suficiente, para a caracterização do delito, a
morte de qualquer outra pessoa. Não se tipifica, porém, o delito na hipótese de morte de coautor,
salvo quando houver aberractio ictus, isto é, o agente disparar contra a vítima e errar o alvo
matando o comparsa (CP, art.73). Com efeito, excepcionando-se a hipótese de aberractio ictus, a
morte de coautor ou partícipe não configura latrocínio, porque nesse delito quem deve morrer é o
sujeito passivo, e não o sujeito ativo. Ademais, quando a morte ocorre em situação de legítima

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defesa, como na hipótese do assaltante que é alvejado pela polícia, não há falar-se em resultado
criminoso. Também haverá latrocínio, em função da aberracio ictus, na hipótese de morte de um
terceiro, durante troca de tiros entre policiais e assaltantes.
Na hipótese de pluralidade de sujeitos passivos com unidade de subtração patrimonial,
haverá um só delito de latrocínio. Exemplo: o agente mata três empregados e em seguida subtrai
bens do patrão. Deve ser refutada a tese do concurso formal de latrocínios, porque houve ofensa a
um só patrimônio, razão pela qual não há falar-se em pluralidade de crimes. Menos técnica ainda é
a corrente que vislumbra a figura do crime continuado, pois este pressupõe pluralidade de
condutas, sendo que no exemplo ministrado ocorreu a unicidade de conduta. A nosso ver, o
agente deverá responder por crime único de latrocínio, funcionando as diversas mortes como
circunstância judicial, nos moldes do art.59 do CP.
O latrocínio é delito qualificado pelo resultado, tendo em vista a duplicidade de eventos. A
morte pode ocorrer a título de dolo ou culpa. Somente nessa última hipótese é que o delito será
preterdoloso. O homicídio, seja doloso ou culposo, é sempre absorvido, em face do princípio da
especialidade. Ainda que a morte seja dolosa, o latrocínio não é julgado pelo júri, porquanto trata-
se de delito contra o patrimônio. A propósito, dispõe a Súmula 603 do STF: “A competência para
processo e julgamento do latrocínio é do Juiz singular e não do Tribunal do Júri”.
A morte deve decorrer da violência física. Se decorrer de grave ameaça ou violência imprópria
exclui-se o delito de latrocínio, respondendo o agente por roubo em concurso com homicídio.
Conforme dito anteriormente, a expressão violência, quando empregada isoladamente, refere-se
apenas à vis corporalis.
Na hipótese de concurso de agentes em que o disparo da arma é efetuado por apenas um
deles, há julgados sustentando que todos devem responder por latrocínio (RTJ 98/636).
Discordamos, porque o § 2º do art.29 do CP dispõe que se algum dos concorrentes quis participar
de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa será aumentada até a metade, na
hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. A nosso ver, responde por latrocínio aquele
que efetuou o disparo ainda que culposamente. Entretanto, os demais agentes que não
provocaram diretamente a morte só devem responder por latrocínio na hipótese de terem
procedido com dolo, direto ou eventual, sendo certo que esse último dolo pode ocorrer na
hipótese de o agente saber que o comparsa estava armado.
Por outro lado, a Súmula nº 610 do STF dirimiu a controvérsia acerca do momento
consumativo do latrocínio, dispondo que o aludido delito se consuma com a morte, ainda que a
subtração não tenha se concretizado. Assim, responde por latrocínio consumado o agente que
mata a vítima, sendo preso em flagrante quando iniciava a subtração dos bens.
Em contrapartida, na hipótese de homicídio tentado e subtração consumada, prevalece,
acertadamente, a orientação de que o latrocínio é tentado. Discordamos da orientação que
vislumbra uma tentativa de homicídio qualificado. Aludido entendimento desconsidera o princípio
da especialidade.

ROUBO HEDIONDO

O roubo, consumado ou tentado, é crime hediondo nas seguintes hipóteses:


a) roubo circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima (art. 157, § 2º, inciso V);
b) roubo circunstanciado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, inciso I) ou pelo
emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito (art. 157, §2º-B);
d) roubo qualificado pelo resultado lesão corporal grave ou morte (art. 157, §
3º).

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A inovação foi introduzida pela lei 13.964/2019, pois antes dela apenas o roubo qualificado
pela morte, consumada ou tentada, era considerado hediondo.

EXTORSÃO

CONCEITO

Dispõe o art.158 do CP:


"Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça e com o intuito de obter para si ou
para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma
coisa:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa".
Do conceito acima apura-se que no delito de extorsão há a presença dos seguintes
elementos:

a. o constrangimento para obter da vítima uma ação, omissão ou tolerância;


b. emprego de violência ou grave ameaça;
c. finalidade de obter, para si ou para outrem, indevida vantagem econômica.

SUJEITO ATIVO

Trata-se de crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa. O funcionário público
também comete extorsão quando realiza ameaças estranhas às funções, como na hipótese do
escrivão que exige dinheiro de uma pessoa para não influenciar o delegado de polícia a realizar o
indiciamento. Note-se que não se inserem nas atribuições do escrivão influenciar ou não influenciar
a autoridade policial a proceder o indiciamento. Se, porventura, o mal prometido pelo funcionário
público relacionar-se às suas funções, haverá o delito de concussão, previsto no art. 316 do Código
Penal. Tome-se como exemplo de concussão a hipótese de a autoridade policial exigir dinheiro para
não lavrar o auto de prisão em flagrante. Nítida, portanto, a distinção entre extorsão e concussão.
Na primeira, a ameaça não se relaciona às funções; na segunda, a ameaça consiste na prática de um
ato funcional, de modo que a vítima cede à exigência, exclusivamente, metusauctoritatis causa.

ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO

O núcleo do tipo é o verbo constranger, que significa coagir, forçar, obrigar alguém a fazer,
deixar de fazer ou tolerar que se faça alguma coisa que a lei não lhe impõe.
Urge, porém, destacar como elemento indispensável à configuração do delito a ilegitimidade
da pretensão buscada pelo agente. Tratando-se de pretensão legítima, isto é, capaz de ser obtida
em juízo, preferindo o agente obtê-la pela via da coação, responderá pelo delito do exercício
arbitrário das próprias razões (CP, art. 345). Por exemplo: obrigar o inquilino a pagar o aluguel
mediante ameaça de morte.
Os meios de execução do delito são: violência física e violência moral.

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Violência física (vis absoluta ou corporalis) é o emprego de vias de fato ou lesão corporal para
vencer a resistência da vítima.
Violência moral (vis compulsiva) é o emprego de grave ameaça. Ameaçar é intimidar pela
promessa de malefícios. A ameaça há de ser grave, isto é, capaz de atemorizar a vítima, tendo em
vista as suas qualidades pessoais (sexo, idade, saúde, etc). A ameaça pode se dar por palavras,
gestos. Escritos e meios simbólicos. Pode ser feita na presença como na ausência da vítima. A
ameaça fraudulenta também funciona como meio de execução da extorsão. Tal ocorre quando o
agente, em seu íntimo, não tem a intenção de cumpri-la. Em tal situação, não há falar-se em
estelionato, e sim em extorsão, porque o estelionato é incompatível com o emprego de violência ou
grave ameaça. Assim, responde por extorsão o falso sequestrador que telefona para a família da
vítima, exigindo o preço do resgate.
Finalmente, cumpre registrar a omissão do tipo penal em relação à violência imprópria, de
modo que o emprego dessa violência não caracteriza extorsão. Assim, o agente que hipnotiza ou
narcotiza a vítima, induzindo-a a praticar algum ato que lhe favoreça economicamente, responderá
por delito de roubo, se a vantagem consistir em bem móvel, e pelo delito de estelionato, se a
vantagem traduzir-se em bem imóvel, porque o delito de roubo não contempla essa última
vantagem. Se a vantagem não for econômica, haverá o delito de constrangimento ilegal.

ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO

O delito é punido a título de dolo. O agente visa conseguir da vítima uma ação ou omissão,
com o fim de obter, para si ou para outrem, indevida vantagem econômica. Exige-se, como se vê,
uma finalidade específica, qual seja, a intenção de obter uma vantagem indevida e econômica.
A vantagem econômica pode consistir em bem móvel ou imóvel, diferentemente do roubo,
cuja vantagem restringe-se ao bem móvel. A vantagem não econômica caracteriza crime de
constrangimento ilegal; a vantagem sexual, estupro.
No caso de a vantagem econômica ser de impossível obtenção não haverá delito de extorsão,
pois em tal hipótese não há falar-se em lesão ou perigo de lesão ao patrimônio. Assim, não há
extorsão no fato de o agente constranger um menor de 16 anos a assinar uma nota promissória,
porque, diante da nulidade absoluta, decretável de oficio, torna-se impossível a obtenção da
vantagem. No exemplo ministrado haverá o delito de constrangimento ilegal. Em contrapartida,
tratando-se de menor púbere, que pratica ato desassistido, a nulidade será relativa, passível de
ratificação, sendo suficiente para a configuração do delito de extorsão, tendo em vista que essa
nulidade o juiz não pode decretar de ofício, havendo, portanto, perigo de lesão ao patrimônio.
A vantagem, além de econômica, deve ainda ser indevida, isto é, contrária ao direito. Se for
devida, como, por exemplo, obrigar o inquilino a pagar o aluguel, mediante ameaça de morte,
haverá o delito de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP). Se conquanto devida, a
vantagem configurar uma pretensão ilegítima, isto é, desprovida de ação judicial, como, por
exemplo, obrigar alguém a pagar uma dívida de jogo ou uma dívida prescrita ou ainda uma dívida
oriunda do pretium carnis, haverá o delito de constrangimento ilegal. Note-se, que nos exemplos
ministrados, a dívida em si é legítima, tanto é que o credor tem o direito de reter o pagamento
realizado espontaneamente, valendo-se do instituto da soluti retentio. Finalmente, se a vantagem
for devida, mas o agente exigir, mediante violência ou grave ameaça, uma importância superior,
caracterizar-se-á o delito de extorsão.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

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A propósito, com o intuito de dirimir a celeuma, o Superior Tribunal de Justiça editou a


Súmula n° 96, cujo teor é o seguinte:
“O crime de extorsão consuma-se independentemente da obtenção da vantagem indevida".
Outra questão, cuja solução varia conforme o momento consumativo, é a que diz respeito ao
fato de a vítima, após ser ameaçada pelo extorsionário, comunicar o fato à polícia, que a orienta a
comparecer ao local desejado pelo criminoso simulando-lhe a entrega da vantagem, levando um
pacote de papel, ao invés de dinheiro, a fim de atraí-lo para que a polícia lhe dê voz de prisão em
flagrante. Desde já cumpre ressaltar que o flagrante é válido.
Com efeito, trata-se de flagrante esperado, porque a iniciativa da conduta criminosa partiu
do próprio extorsionário. Não há falar-se em flagrante provocado, pois inocorreu o ato de
provocação. No caso, a polícia induziu a vítima a ir até o agente. No flagrante provocado, cuja
nulidade é manifesta, o induzido é o agente e não a vítima. Quando a policia foi comunicada pela
vítima, o agente já havia realizado a conduta criminosa.

EXTORSÃO QUALIFICADA PELO SEQUESTRO (SEQUESTRO RELÂMPAGO)

Dispõe o § 3o do art. 158 do Código Penal, introduzido pela Lei n. 11.923, de 17 de abril de
2009:
“Se o crime é cometido mediante restrição da liberdade da vítima, e essa condição é
necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze)
anos, além de multa; se resultar lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no
art. 159, § 2o e § 3o ,respectivamente”.
O exemplo clássico desse delito, conhecido como “sequestro relâmpago”, é aquele em que a
vítima é conduzida, no seu próprio veículo, sendo coagida a percorrer caixas eletrônicos para a
retirada de dinheiro, revelando ao meliante o código secreto de seu cartão bancário magnético.

Extorsão hedionda

O delito de extorsão só é crime hediondo na situação do art. 158, §3º, do CP.


Esta hipótese foi introduzida pela lei 13.964/2019, que em contrapartida revogou o antigo
inciso III do art. 1º da lei 8.072/90, que considerava como sendo crime hediondo a extorsão
qualificada pela morte, prevista no art. 158, §2º, do CP.
A nova lei, em vez de manter como hediondo o art. 158, §2º, do CP e acrescentar o 158, §3º,
do CP, em sua nova redação, só fez menção ao art. 158, §3º.
A propósito, dispõe o art. 1 º, III, da lei 8.072/90, que é crime hediondo a “extorsão
qualificada pela restrição da liberdade da vítima, ocorrência de lesão corporal ou morte (art. 158,
§3º).”
A norma em análise comporta as seguintes interpretações:
a) a extorsão só será crime hediondo quando, além da restrição da liberdade,
houver ainda lesão corporal ou morte;
b) a extorsão será crime hediondo em todas as situações do §3º do art. 158 do
CP, ou seja, quando houver apenas a restrição da liberdade ou quando, além da restrição
da liberdade, ainda houver lesão corporal ou morte. Esta exegese, torna inócua a menção
à ocorrência da lesão corporal ou morte, pois bastaria, para o delito ser hediondo, a
restrição da liberdade de locomoção;
c) a extorsão será crime hediondo em três situações distintas. Primeira, quando
houver restrição da liberdade, ainda que não haja lesão nem morte. Segunda, quando

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houver lesão corporal, ainda que não haja restrição da liberdade. Terceira, quando houver
morte, ainda que não haja restrição da liberdade. Esta exegese não reflete o propósito da
lei, pois esta se refere expressamente ao §3º do art. 158, que cuida da extorsão com
restrição da liberdade de locomoção. Não se pode, dessa forma, considerar também como
crime hediondo as extorsões dos parágrafos anteriores ou do “caput” do art. 158.
Por consequência, a extorsão qualificada pela morte, prevista no §2º do art. 158 do CP, não é
mais crime hediondo.
Trata-se de uma “novatio legis in mellius” em relação ao §2º do art. 158 do CP, impondo-se a
sua retroatividade e, “in pejus”, portanto, irretroativa quanto ao §3º do art. 158 do CP.

EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO

CONCEITO

Extorsão mediante sequestro é o delito em que o agente priva a vítima de sua liberdade de
locomoção, exigindo uma indevida vantagem econômica, como condição ou preço do resgate.
Com efeito, dispõe o art.159 do CP:
"Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem qualquer vantagem, como
condição ou preço do resgate”:
Pena - reclusão de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
Sem embargo de o tipo penal não ter feito menção expressa à vantagem econômica e
indevida, limitando-se a dizer “qualquer vantagem", pacificou-se o entendimento de que o delito
em apreço exige a finalidade de se obter uma vantagem econômica e indevida.
Trata-se de crime complexo, pois é formado pela fusão de outros dois delitos, quais sejam, o
sequestro e a extorsão, previstos, respectivamente, nos arts.148 e 158 do CP. Cuida-se ainda de
crime permanente, porque o momento consumativo se prolonga no tempo. Ingressa também no
rol dos crimes hediondos, em todas as suas modalidades, simples (caput) ou qualificadas ( §1º,§ 2º
e §3°), conforme preceitua o art. 1º da Lei n° 8072/90.

SUJEITO PASSIVO

Sequestrado e extorquido são os sujeitos passivos do delito. Trata-se, em regra, de crime de


dupla subjetividade passiva. A pessoa jurídica pode figurar como vítima na hipótese em que é
extorquida, dela se exigindo uma quantia em dinheiro em troca da libertação do sócio sequestrado.
A subtração de um animal com o intuito de exigir uma indevida vantagem econômica como
preço do resgate caracteriza o delito de extorsão, previsto no art.158 do CP, e não extorsão
mediante sequestro, pois esse último delito só se caracteriza quando houver o sequestro de uma
pessoa. Da mesma forma haverá extorsão (CP art.158) em concurso material com o delito previsto
no art.211 do CP quando o agente subtrair um cadáver e exigir, em troca da devolução, uma soma
em dinheiro.
Note-se ainda que responde pela extorsão do art. 158, e não pelo art.159, o agente que
simula o próprio sequestro, extorquindo os familiares.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

Consuma-se com o simples sequestro ou cárcere privado. Trata-se de crime formal, não se
exigindo o resultado, isto é, a obtenção da vantagem. Assim, o momento consumativo ocorre

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independentemente da entrega do resgate. Aliás, não se exige sequer que o sequestrador tenha
entrado em contato com os familiares da vítima. Antes mesmo da formulação da exigência da
vantagem, consubstanciada num bilhete ou telefonema, o delito já estará consumado.
Admite-se a tentativa, quando o agente não consegue consumar o sequestro, sendo, por
exemplo, detido por policiais no momento da abordagem da vítima. Cumpre ressaltar que o
sequestro só se consuma no momento em que o agente priva a vítima de sua liberdade de
locomoção por um tempo juridicamente relevante. Não precisa prolongar por horas a fio, mas
também não pode ser diminuto, por poucos segundos.

EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO QUALIFICADA

No § 1º do art.159 está prevista a extorsão mediante sequestro qualificada, passando ser a


pena de 8 (oito) a 15 (quinze) anos para de 12 (doze) a 20 (vinte) anos de reclusão na hipótese de
o sequestro durar mais de 24 (vinte e quatro) horas, ou quando o sequestrado for menor de 18
(dezoito) anos, ou maior de 60 (sessenta) anos, ou ainda quando o crime for cometido por
quadrilha ou bando.
Efetivamente, dispõe o aludido parágrafo: “Se o sequestro dura mais de 24 (vinte e quatro)
horas, se o sequestrado é menor de 18 (dezoito) anos, ou maior de 60 (sessenta) anos, ou se o crime
é cometido por bando ou quadrilha: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 20 (vinte) anos".
Trata-se, como se vê, de qualificadora, porque o preceito secundário tem pena própria. O
legislador reúne, no mesmo parágrafo, quatro qualificadoras: a) se o sequestro dura mais de 24 (
vinte e quatro) horas; b) se o sequestrado é menor de 18 ( dezoito ) anos; c) se o crime é cometido
por quadrilha ou bando; d) se o sequestrado é maior de 60 anos.

EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO QUALIFICADA PELO RESULTADO

A extorsão mediante sequestro é qualificada se do fato resulta lesão corporal de natureza


grave ou morte.

Efetivamente, dispõe o § 2º do 159:


“Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de 16 (dezesseis) a 24 (vinte e quatro) anos".
O § 3º preconiza:
“Se resulta morte:
Pena - reclusão de 24 (vinte e quatro) a 30 (trinta) anos".

As duas hipóteses são qualificadoras, porque têm penas próprias. Ingressam ainda no rol dos
delitos qualificados pelo resultado. A lesão grave e a morte podem ser dolosas ou culposas (CP,
art.19). Os delitos de homicídio e lesão corporal, sejam eles dolosos ou culposos, são absorvidos,
porque já funcionam como qualificadoras (princípio da subsidiariedade implícita). A extorsão
mediante sequestro seguida de morte, a propósito, é o crime mais grave do Código Penal tendo
como pena mínima 24 anos de reclusão.
Basta, para a incidência da qualificadora, que a morte ou lesão grave resulte “do fato”. Não
há necessidade que seja provocado por violência física ou grave ameaça. O suicídio do sequestrado,
por exemplo, é suficiente para o reconhecimento da qualificadora, porque em tal situação é
evidente a culpa dos sequestradores.

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Finalmente, uma boa parcela da doutrina sustenta ser necessário que a morte ou lesão
corporal de natureza grave seja produzida “no sequestrado". Assim, se morrer outra pessoa, haverá
o delito de extorsão mediante sequestro em concurso com homicídio. Data venia, desde que haja
nexo entre a morte e o sequestro, o enquadramento correto é a extorsão mediante sequestro
qualificado pela morte, absorvendo-se o delito do homicídio. De fato, o § 3º do art. 159 do CP
dispõe: “Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave e morte”.

CAUSA DE REDUÇÃO DE PENA

Dispõe o § 4º do art.159 do CP:


“Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando
a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços".
O dispositivo em apreço cuida da delação premiada consistente no ato de arrependimento do
agente, que denuncia o fato à autoridade.
Por outro lado, o art. 13 da Lei n. 9.807/99 prevê a extinção da punibilidade pelo perdão
judicial, ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a
investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado cumulativamente
a identificação dos demais agentes, a localização da vítima com sua integridade física preservada e
a recuperação total ou parcial do produto do crime. Presentes apenas um desses requisitos, a pena
ainda poderá ser reduzida de 1/3 a 2/3, independentemente da primariedade do réu, por força do
art. 14 da sobredita lei.

EXTORSÃO INDIRETA

CONCEITO

Dispõe o art.160 do CP:


Exigir ou receber, como garantia de dívida, abusando da situação de alguém, documento que
pode dar causa ao procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.
Assim, na extorsão indireta, o documento exigido ou recebido pelo credor servirá para
extorquir o devedor coagindo-o a pagar a dívida, sob a ameaça de ser instaurado procedimento
criminal.

SUJEITO ATIVO

Em regra, o sujeito ativo é o credor. Nada obsta, porém, que um terceiro cometa o crime.
Exemplo: esposa do credor recebe do devedor um documento criminalmente comprometedor.

SUJEITO PASSIVO

É o devedor e eventualmente o terceiro a quem o documento compromete.

ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO

Os núcleos do tipo consistem em exigir ou receber. Exigir é impor a entrega do documento


como condição do empréstimo. Receber é obter o sobredito documento. Na exigência, a iniciativa é

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do extorsionário; no recebimento, o devedor toma a iniciativa de entregar o documento ao


extorsionário. Se o agente exige e depois recebe o documento, haverá delito único, por força do
princípio da alternatividade, aplicado aos tipos penais mistos de conduta variável.
O documento é exigido ou recebido como garantia de dívida. A dívida pode ser lícita ou ilícita,
vincenda ou vencida, pois a lei não faz distinção, funcionando o documento como uma espécie de
penhor criminoso.
O documento ainda deve ser criminalmente comprometedor, isto é, apto a ensejar a
instauração da persecução penal (inquérito policial, termo circunstanciado e ação penal). O crime, a
que faz menção o documento, pode ser verídico ou não, mas se a sua punibilidade estiver extinta
não se configurará o delito em apreço, diante da vedação da instauração da persecução penal.
Tratando-se de documento contravencionalmente comprometedor, exclui-se a incidência do delito
de extorsão indireta, pois o art.160 faz menção a documento que pode dar causa a procedimento
criminal, e não meramente contravencional.
Configura-se o delito ainda que o documento comprometa um terceiro, ao invés do devedor.

CONSUMAÇÃO

Trata-se de crime formal, consumando-se com a simples exigência ou recebimento do


documento, independentemente da instauração efetiva do procedimento criminal.

CRIME DE DANO

CONCEITO

Dispõe o art.163 do CP:


“Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia: pena - detenção, de um a seis meses, ou multa”.
Trata-se de crime subsidiário ou de reserva, uma vez que só é punido autonomamente se não
constituir elemento, qualificadora, causa de aumento de pena ou meio de execução de outro delito.
Com efeito, a danificação que provoca perigo comum pode configurar os delitos de incêndio,
explosão, inundação ou desmoronamento (CP, arts.250, 251,254, 255 e 256) ; a danificação que
rompe obstáculo, propiciando a subtração da coisa, tipifica o delito de furto qualificado (CP,
art.155, § 4º, IV) ; a danificação empregada para violar sepultura é também absorvida, porque é
meio de execução do delito previsto no art.210 do CP.

SUJEITO ATIVO

Trata-se de crime comum, pois pode ser praticado por qualquer pessoa.
Anote-se, porém, que o proprietário não responde pelo delito em apreço, porque o texto
legal exige que a coisa seja alheia. Assim, o proprietário, que danifica a própria coisa que se
encontra legitimamente em poder de outrem, comete o delito de exercício arbitrário das próprias
razões, previsto no art.346 do CP.
Quanto à coisa comum, isto é, pertencente a mais de uma pessoa, o condômino que a
danificar responde pelo crime de dano, porque, a rigor, trata-se também de coisa alheia. Se, no
entanto, a coisa for fungível e a danificação restringe-se à cota a que tem direito, excluem-se o
delito, aplicando-se, por analogia in bonam partem, o disposto no § 2º do art.156 do CP.

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ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO

Urge, para que o delito se caracterize, que a coisa sofra diminuição do valor ou da utilidade.
Não há crime se o pintor modifica a obra alheia, melhorando-a; ou se o agente introduz o
dispositivo numa máquina, aumentando a sua potência.
Anote-se, porém, que pichar, ou por qualquer outro meio conspurcar edificação ou
monumento urbano, caracteriza o delito previsto no art.65 da lei nº 9.605/98. Grafitar, porém, não
é crime, por força da Lei nº 12.408/2011.
Há ainda a lacuna da lei em relação à conduta de fazer desaparecer, que, por si só, não
configura nenhuma danificação. Trata-se de mero ilícito civil. Exemplos: soltar o passarinho da
gaiola, abrir o portão para facilitar a fuga do cachorro do vizinho, etc.
Por outro lado, o objeto material é coisa alheia, abrangendo os imóveis e móveis, inclusive
os semoventes (animais). Quanto aos animais, sejam eles domésticos ou silvestres, a mutilação,
ferimento, maus tratos ou qualquer ato de abuso, configura delito previsto no art.32 da lei nº
9.605/98.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO

Trata-se de crime doloso.


Discute-se se o dolo é genérico ou específico.
Magalhães Noronha, contenta-se com o dolo genérico, bastando a simples vontade de
danificar.
Nelson Hungria sustenta que o dolo é específico, exigindo-se o animus nocendi, isto é, a
finalidade de causar prejuízo a outrem. Assim, a danificação por si só não constitui crime, sendo
imprescindível a finalidade de prejudicar.
Por outro lado, o Código não incrimina o dano culposo. Trata-se de mero ilícito civil. Todavia,
a lei nº 9.605/98, que cuida dos crimes contra o meio ambiente, incrimina o dano culposo em
plantas de ornamentação de logradouros públicos ou em propriedade privada alheia (parágrafo
único do art.49), bem como em bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão
judicial (parágrafo único do art.62). Trata-se de flagrante violação ao princípio da intervenção
mínima. O Código Penal Militar também incrimina o dano culposo (art. 266 do CPM).

TIPO QUALIFICADO

O parágrafo único do art.163 do CP é uma qualificadora, pois tem pena própria, consistente
na detenção de seis meses a três anos e multa, além da pena correspondente à violência.
A primeira qualificadora ocorre quando o dano é cometido com violência ou grave ameaça a
pessoa.
A segunda qualificadora ocorre quando o dano é praticado com o emprego de substância
inflamável ou explosiva. Justifica-se a maior gravidade da reprimenda penal em virtude da
periculosidade ocasionada pelo fato, além do estrago e alarme social que dele pode advir.
Inflamável é a substância que propicia a rápida ou violenta propagação do fogo (exemplos:
petróleo, benzina, nafta, etc). Explosiva é a que causa detonação, isto é que rebenta com estrondo,
produzindo o deslocamento do ar (exemplos: dinamite, pólvora, ácido pícrico, cordite, etc).
Convém anotar que folhas secas e capim não se encaixam no conceito de substâncias inflamáveis,
sendo apenas combustíveis, excluindo-se, portanto, a qualificadora. A substância inflamável ou
explosiva deve ser empregada antes ou durante a danificação; se posterior, não incide a

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qualificadora. Cumpre não confundir este crime de dano qualificado com o crime de incêndio ou
explosão. Com efeito, a danificação que provoca perigo comum constitui delito de incêndio ou
explosão, previsto nos arts. 250 e 251 do CP, respectivamente. Em tal situação, o crime de dano é
absorvido, por força do princípio da subsidiariedade. A propósito, a lei ressalva expressamente que
só haverá crime de dano se o fato não constituir crime mais grave. A subsidiariedade é expressa.
Assim, o delito de dano só ocorrerá quando a substância inflamável ou explosiva não ocasionar
perigo comum . O agente que explode um veículo numa rua movimentada, responde pelo crime de
explosão, diante da existência de perigo comum (CP, art.254), se o fizer numa rua deserta, haverá
crime de dano qualificado.
A terceira qualificadora ocorre quando o crime é praticado contra o patrimônio da União,
Estados Membros, Município, Empresa Concessionária de Serviços Públicos ou Sociedade de
Economia Mista.
A quarta qualificadora ocorre quando o delito é praticado por motivo egoístico. Ocorre o
motivo egoístico quando o agente provoca a danificação para obter vantagem pessoal, de cunho
patrimonial ou extrapatrimonial.
A última qualificadora ocorre quando o dano causa prejuízo considerável para a vítima.

A REPARAÇÃO DO DANO

O delito de dano simples é de menor potencial ofensivo, pois sua pena não excede a dois anos
de detenção, submetendo-se, por consequência, ao Juizado Criminal, substituindo-se o inquérito
policial por termo circunstanciado, admitindo-se ainda a conciliação e a transação penal. A
conciliação, que só é admitida nos delitos de ação privada e pública condicionada à representação,
consiste no acordo entre o autor e a vítima, acerca da reparação do dano. Caso o juiz homologue
esse acordo, ocorrerá a extinção da punibilidade pela decadência do direito de queixa ou
representação. Portanto, no delito de dano simples, a reparação do dano pode gerar a extinção da
punibilidade.
Quanto ao dano qualificado, em todas as suas modalidades, a pena excede a dois anos. Não
se trata de delito de menor potencial ofensivo, razão pela qual deve ser instaurado inquérito
policial, e não termo circunstanciado, sendo inadmissível a conciliação ou transação. Assim, a
reparação do dano é uma mera causa de diminuição de pena, de um a dois terços, desde que se
concretize antes do recebimento da denúncia (CP, art.16); após, será uma mera atenuante genérica
(art.65, III, alínea b). Anote-se ainda que o art.16 é inaplicável ao dano qualificado pela violência ou
grave ameaça.

AÇÃO PENAL

A ação penal é privada no dano simples (art.163, caput) e no dano qualificado por motivo
egoístico ou considerável prejuízo para a vítima (art.163, parágrafo único, inciso IV). Nas demais
formas de dano qualificado, a ação é pública incondicionada.
Na hipótese de o Ministério Público oferecer denúncia por dano qualificado e, no curso do
processo, o magistrado verificar a inocorrência da qualificadora, a ação penal deverá ser anulada,
inclusive o ato de recebimento da denúncia, pois o Ministério Público é parte ilegítima para
oferecer denúncia nos delitos de ação privada. O juiz deverá anular o processo e, se o caso,
decretar a extinção da punibilidade, caso tenha ocorrido a decadência do direito de queixa. Não é
razoável sustentar a desclassificação do dano qualificado para o dano simples, salvo na hipótese do
inciso IV, porque um delito de ação penal pública não pode ser desclassificado para outro de ação

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penal privada, diante da ilegitimidade ad causam do Ministério Público. Essa desclassificação


violaria o princípio da oportunidade da ação penal privada.

APROPRIAÇÃO INDÉBITA

CONCEITO

Dispõe o art.168 do CP:


“Apropriar-se de coisa alheia móvel, que tenha posse ou detenção: pena - reclusão de um (01)
a quatro (04) anos, e multa”.
Na apropriação indébita, o agente desfruta da posse ou detenção lícita da coisa, traindo a
confiança de quem a lhe entregou, à medida que passa a comportar-se com animus domini. Não há
subtração nem fraude, ao contrário do furto ou estelionato, mas tão somente a manutenção
definitiva de uma posse ou detenção obtida honestamente.

SUJEITO ATIVO

Trata-se de crime próprio, que só pode ser cometido pelo possuidor ou detentor da coisa.
O proprietário não comete o delito em apreço, pois o tipo legal exige que a coisa seja alheia.
Ademais, é inerente à propriedade o comportamento animus domini. Tratando-se, porém, de
coproprietário, que se apropria da parte dos demais, caracteriza-se o delito, quando, por exemplo,
aliena a coisa toda (RT 577/368).
Por outro lado, o possuidor ou detentor comete o crime de apropriação indébita apenas na
hipótese de posse ou detenção desvigiada da coisa. Se for vigiada, haverá furto, como no exemplo
do aluno que subtrai o livro no interior da biblioteca, aproveitando-se da distração da funcionária.

ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO

A conduta criminosa consiste em apropriar-se, que significa fazer sua a coisa alheia. Urge,
como vimos, que a coisa seja entregue ao agente, para que este a possua em nome alheio (in
nomine alieno). O agente obtém a posse ou detenção de maneira honesta, traindo, num momento
posterior, a confiança de quem lhe entregou.
O agente que obtém a posse ou detenção de maneira desonesta, utilizando-se de meio
fraudulento, não comete apropriação indébita, mas furto ou estelionato.
O objeto material é coisa alheia móvel. As coisas fungíveis também podem ser objetos do
delito de apropriação indébita. Aliás, é muito comum a apropriação de dinheiro praticada por
gerente de estabelecimento comercial. Quanto ao caixa de supermercado, em regra, responde por
furto, porque a detenção é vigiada. Só haverá apropriação na hipótese de ser desvigiada.
Cumpre, porém, registrar que em duas hipóteses o fato de a coisa ser fungível impede a
caracterização do delito. Referimo-nos ao mútuo e ao depósito.
Com efeito, o mutuário que se recusa a efetuar o pagamento do empréstimo não responde
por apropriação indébita, porque o mútuo é daqueles contratos que gera transferência do domínio,
de modo que ao operar-se a tradição do dinheiro ou de outra coisa fungível, o mutuário torna-se
dono da quantia emprestada (art. 587 do Código Civil).
Igualmente, no depósito de coisa fungível, o depositário, tão logo a coisa lhe é entregue,
adquire a propriedade do bem, conforme dispõe o art.645 do Código Civil. Assim, o depositário de

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coisa fungível que aliena o bem não comete apropriação indébita, porque a alienação recaiu sobre
coisa própria. Trata-se de um mero ilícito civil. Note-se que o art.645 do Código Civil manda aplicar
ao depósito de coisa fungível todas as regras do mútuo, não excepcionando aquela atinente à
transferência do domínio.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO

É o dolo subsequente com animus rem sibihabendi.


Assim, o dolo, consistente na vontade de apropriar-se, deve ser subsequente (ou sucessivo).
Como ensina Nelson Hungria, ocorre esse dolo quando o agente, tendo empreendido uma ação
com o intuito honesto, passa, em seguida, a proceder com má-fé e pratica um crime (ex.: caixeiro-
viajante recebe o dinheiro da clientela com o propósito de recolhê-la a uma agência de banco em
nome do patrão, arrisca-o em apostas de jogo).
Inexiste apropriação indébita com dolo antecedente (inicial e preordenado), isto é, anterior à
aquisição da posse ou detenção. O dolo concomitante à aquisição da posse ou detenção também
não é apropriação indébita. Nessas hipóteses, haverá furto ou estelionato, conforme ocorra
subtração ou tradição da coisa.
Há ainda necessidade, para a reconhecimento da apropriação indébita, do fim de
assenhoreamento definitivo da coisa, consubstanciado no animus rem sibihabendi. O animus
restituendi impede a caracterização do delito. No próprio verbo “apropriar-se” está implicitamente
prevista a intenção de adquirir definitivamente o domínio. Assim, o comodatário ou locatário que,
por exemplo, recusa-se a devolver a coisa no prazo convencionado, não comete o delito, na
hipótese de comprovar que pretendia restituí-la posteriormente.
Ressalte-se ainda que o exercício do direito de retenção e de compensação são causas de
exclusão do delito.
Com efeito, a compensação, é o desconto recíproco de duas ou mais obrigações homogênas,
líquidas, certas e exigíveis, em que as partes são credoras e devedoras entre si. Opera-se ex vi legis,
isto é, em razão da própria lei, conforme preceitua o art. 368 do Código Civil. Trata-se de exercício
regular do direito. Assim, o possuidor ou detentor de uma certa soma em dinheiro não comete o
delito quando se apropria de uma parte com a finalidade de ressarcir-se de uma dívida . Anote-se
que o Código Civil ressalva que a diferença de causa nas dívidas não impede a compensação, exceto
se uma delas resultar de esbulho, furto ou roubo. Como se percebe, a lei civil não veda a
compensação mediante apropriação. Convém esclarecer, porém, que o Código Civil proíbe que o
depositário, comodatário e credor de alimentos se utilizem da compensação. Em suma, admite-se a
compensação mediante apropriação, desde que não se trate de comodatário, depositário e credor
de alimentos.
Por outro lado, quanto ao direito de retenção, consistente na faculdade atribuída ao
possuidor de boa fé de manter-se na posse do bem até ser indenizado pelas benfeitorias
necessárias e úteis, também não caracteriza apropriação indébita. Primeiro, porque o agente não
procede com animus rem sibihabendi; segundo, porque trata-se de exercício regular do direito (CC,
art. 1219). Assim, o mecânico que se recusa a entregar o automóvel, no qual fez benfeitorias
necessárias, até receber o valor do serviço, não comete o delito em apreço.

APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA – ART. 168-A, CP

O crime de apropriação indébita previdenciária consiste em deixar de repassar à Previdência


Social as contribuições recolhidas dos contribuintes no prazo e forma legal e convencional.

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É o caso do empregador que paga o salário do empregado e desconta a contribuição do INSS,


e em vez de repassar ao INSS embolsa o dinheiro.
A conduta criminosa consiste em deixar de repassar ao INSS as contribuições que arrecadou
dos contribuintes. É um crime de conduta mista, isto é, exige duas fases: a primeira fase é a fase
ativa, da ação, que se dá quando se arrecada, desconta as contribuições ao pagar o empregado. A
segunda fase é a fase omissiva que ocorre quando se deixa de repassar ao INSS o valor arrecadado.
Ausente a primeira fase não há o crime. Portanto, se o empresário paga ao empregado o
salário bruto, não descontou a parte do INSS, não comete crime, porque o crime é deixar de
repassar aquilo que descontou.
Do mesmo modo, se ele paga o salário líquido, mas não faz nenhum desconto da parte do
INSS também não há crime. O crime consiste em deixar de repassar aquilo que foi descontado.

APROPRIAÇÃO DE COISA HAVIDA POR ERRO

O art.169, 1ª parte, do CP, prevê o delito de apropriar-se de coisa alheia vinda ao seu poder
por erro, cominando uma pena de detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa .
Urge, para configuração do delito, que o agente não induza nem mantenha a pessoa em erro,
no momento do recebimento da coisa, caso contrário, tendo em vista a fraude, haverá o crime de
estelionato.
Na apropriação de coisa havida por erro, ao tempo do recebimento da coisa, o agente
procede de boa-fé, isto é, não percebe o erro. Este é constatado após o recebimento da coisa.
Necessário, portanto, o dolo subsequente. Tratando-se de dolo ab initio, ter-se-á o crime de
estelionato.
O erro, como esclarece Magalhães Noronha, deve ser alheio, isto é, de quem concede a
disponibilidade da coisa ao sujeito ativo. Concordamos com o ilustre penalista, pois é evidente que
a pessoa que entrega a coisa ao agente deve incidir em erro. Todavia, ressaltamos também a
necessidade de o agente não perceber o aludido erro. Caso contrário, o dolo será ab initio e haverá
o crime de estelionato . Há, a rigor, uma duplicidade de erros, de quem entrega e de quem recebe a
coisa .

APROPRIAÇÃO DE COISA HAVIDA POR CASO FORTUITO OU FORÇA DA NATUREZA

O art.169, 2ª parte, do CP tipifica a apropriação de coisa alheia vindo ao seu poder por caso
fortuito ou força da natureza. A pena também é branda, consistente em detenção de um mês a um
ano, ou multa.
No delito em apreço, a coisa chega ao agente através de um evento imprevisível. Exemplo:
Um vendaval lança as roupas do varal do vizinho ao quintal da casa de B, e este apropria-se delas.
Outro exemplo: Uma mala despenca de um avião, caindo na chácara de B, que dela se apropria.
Mais um exemplo: o animal de uma fazenda passa para a fazenda de B, que dele se apropria.
Note-se que a coisa não é entregue pela vítima ao agente, originando-se o apossamento de
um acontecimento imprevisível.

APROPRIAÇÃO DE TESOURO

O delito de apropriação do tesouro é definido no art.169, parágrafo único, inciso I, nos


seguintes termos: “quem acha tesouro em prédio alheio e se apropria, no todo ou em parte, da

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quota a que tem direito o proprietário do prédio”. A pena é de detenção de 1 (um ) mês a 1 (um )
ano, ou multa.
Sujeito ativo é o inventor, que é aquele que acha o tesouro. Trata-se de crime próprio. O
enfiteuta que encontra o tesouro no terreno aforado torna-se dono de todo o tesouro, de modo
que nada deve ser repassado ao proprietário (art.609 do CC de 1916) . Se um operário encontra o
tesouro e o seu companheiro, que não participou da invenção, dele se apodera, responderá, este
último, por crime de furto.
Sujeito passivo é o proprietário ou enfiteuta. Quanto ao usufrutuário e arrendatário, não
figuram como sujeitos passivos, porque não têm direito ao tesouro. Podem figurar como sujeitos
ativos na hipótese de encontrarem o tesouro e não repassarem ao proprietário ou enfiteuta a
respectiva quota.
O objeto material do crime é o tesouro. Trata-se de norma penal em branco homogênea,
porque a definição da conduta criminosa é complementada pelo Código Civil.
Com efeito, entende-se por tesouro, consoante dispõe o art. 1.264 do Código Civil, o depósito
antigo de moeda ou coisas preciosas, enterrado, ou oculto, de cujo dono não haja memória.
Anote-se, ainda, que, para a caracterização do delito, o encontro do tesouro deve ser casual.
Assim, a pessoa que é contratada pelo proprietário para procurar tesouro, caso o encontre e dele se
aproprie, responderá por furto. Da mesma forma, se o tesouro for encontrado por uma pessoa não
autorizada a adentrar no imóvel, haverá crime de furto. Em tal situação, o tesouro pertence por inteiro
ao senhor do prédio (art. 1.265 do CC).
Em suma, o inventor responderá pelo delito de apropriação do tesouro quando o encontrar
casualmente em imóvel no qual estava autorizado a adentrar.

APROPRIAÇÃO DE COISA ACHADA

O delito de apropriação de coisa achada é definido no inciso II do parágrafo único do art.169,


com os seguintes dizeres: “Quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria, total ou
parcialmente, deixando de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor ou de entregá-la à autoridade
competente, dentro do prazo de 15 (quinze) dias”. A pena é detenção de 1 (um ) mês a 1
(um ) ano, ou multa . A justificativa para pena branda é a ausência da traditafiducia. Com efeito, a
coisa não é entregue ao agente, mas sim achada por ele, de modo que não há a quebra de
confiança inerente ao delito do art. 168 do Código Penal.

São três os pressupostos do crime:

1) A invenção, consistente no encontro da coisa perdida. A nosso ver, a invenção deve ser
casual. Se for intencional, haverá furto. Exemplo: A percebe o momento em que a carteira cai do
bolso de B. Ao invés de avisá-lo, pisa na carteira, esperando B distanciar-se. Em seguida, apropria-se
dela. Trata-se de furto, diante do dolo ab initio, e não de apropriação de coisa perdida, como
sustenta Júlio F. Mirabete. Este último delito exige dolo subsequente, isto é, posterior ao encontro
casual da coisa.
2) Occupatio, consistente no apossamento da coisa. Como ensina Magalhães Noronha, se
uma pessoa acha uma coisa e, imediatamente, esta lhe é arrebatada por um ladrão, torna-se claro
não cometer o crime em tela.
3) Não devolução da coisa. A simples invenção e apossamento não configuram o delito. Urge
ainda ocorra a apropriação consubstanciada na não devolução do bem dentro do prazo de quinze
dias.

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O objeto material é coisa alheia perdida (res desperdita). Trata-se de elemento normativo do
tipo, cujo significado requer um juízo de valor do magistrado. Coisa perdida é a que se encontra em
lugar público ou de uso público em circunstâncias indicativas do extravio. Exemplos: um anel de
brilhante ou uma carteira exposta no meio da rua. Em contrapartida, não se pode considerar
perdido um automóvel com os vidros abertos e a chave no contato, no acostamento de uma
estrada, porque as circunstâncias não indicam o extravio, mas um outro problema. Em tal situação,
o agente que apropriar-se do veículo, responderá por furto.
Por outro lado, tratando-se de res derelicta (coisa abandonada) ou de res nullius (coisa sem
dono), não haverá crime algum por parte de quem apropriar-se. Este torna-se dono da coisa.
O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade de apropriar-se da coisa. É
admissível o erro de proibição, quando o agente, por ser uma pessoa rústica, desconhece a ilicitude
do fato e supõe erroneamente ter o direito de apropriar-se do bem (CP, art.21). Anote-se ainda que
não se admite a forma culposa, de modo que se o agente deixa de restituir a coisa, por mero
esquecimento ou desleixo, não se configura o delito em apreço .
Quanto à consumação, ocorre quando o agente deixa de restituir a coisa ao dono ou legítimo
possuidor ou de entregá-la à autoridade competente, dentro do prazo de quinze dias. Trata-se de
crime a prazo, tendo em vista que a consumação depende de um lapso de tempo. O delito poderá
consumar-se antes dos quinze dias na hipótese de o agente alienar a coisa, revelando
inequivocamente a inversão do animus da posse. Também estará consumado quando o agente
deposita em sua conta um cheque encontrado na rua. Assim, o prazo de quinze dias é necessário à
consumação apenas quando o agente não tiver praticado antes algum ato de apropriação.

APROPRIAÇÃO INDÉBITA PRIVILEGIADA

O art.170 dispõe que: “Nos crimes previstos neste Capítulo, aplica-se o disposto no art.155, §
2º”. Assim, se o criminoso é primário e é de pequeno valor a coisa apropriada, o juiz pode substituir
a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de
multa. Reportamos o leitor ao que foi dito anteriormente sobre furto privilegiado.

ESTELIONATO

CONCEITO

Dispõe o art.171, caput, do CP: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo
alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio
fraudulento: Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa”.
São quatro os elementos do delito:
 Fraude;
 Erro;
 Resultado duplo (obtenção da vantagem ilícita + prejuízo alheio);
 Dolo.

SUJEITO PASSIVO

Para que se configure o estelionato, que a pessoa enganada seja determinada e com

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capacidade de discernimento.
Com efeito, o meio enganoso dirigido a um número indeterminado de pessoas caracteriza
delito contra a economia popular, previsto na Lei nº 1.521/51. Exemplos: a) bomba de gasolina
viciada; b) balança do feirante desregulada.
Tratando-se de louco ou criança sem discernimento não haverá estelionato e sim o delito de
abuso de incapazes (CP, art.173) ou furto (CP, art.155).

FRAUDE

Fraude é o meio enganoso. O tipo legal do art.171 do CP apresenta a seguinte oração:


“artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento”..
A oração “artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento“ revela a interpretação
analógica ou intralegem, pois o legislador menciona uma formula casuística, fornecendo exemplos
de fraude (artifício e ardil) e em seguida lança mão de uma fórmula genérica (ou outro meio
fraudulento), visando abranger os fatos semelhantes aos enunciados na fórmula casuística.
A falsa mendicância, porém, não configura estelionato. Trata-se de fato atípico. Com efeito, a
Lei nº 11.983/2009 revogou a contravenção penal de mendicância, de modo que o legislador
sinalizou pela inexistência de infração penal.
Urge ainda salientar que, para a configuração do delito, o meio fraudulento deve ter
idoneidade para enganar. A fraude grosseira configura crime impossível (CP art.17). Na análise da
idoneidade do meio, leva-se em conta as qualidades pessoais da vítima, e não a da média das
pessoas.
Acrescente-se ainda que documento falso também pode ser meio de execução do
estelionato. Exemplo: o agente falsifica um contrato de seguro e obtém da seguradora o prêmio.
O Superior Tribunal de Justiça adotou essa última orientação, editando a Súmula nº 17:
“Quanto o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”.
Urge, para que se opere a absorção, que o falso tenha se exaurido no estelionato. Se, após o
estelionato, o agente continua em poder do documento, e este ainda revela-se útil para novos
golpes, haverá concurso material entre os crimes de falso e estelionato.
Quanto à diferença entre estelionato e curandeirismo, delito previsto no art. 284 do CP, é a
seguinte: o agente que acredita realizar curas, ainda que cobre por elas, comete o crime de
curandeirismo, em contrapartida, caso não acredite no seu poder de cura, haverá estelionato, na
hipótese de obter vantagem econômica.
Por outro lado, discute-se sobre a existência de estelionato na fraude bilateral e torpeza
bilateral.
A fraude bilateral ocorre quando ambos agem de má-fé, isto é, a vítima também pretende
enganar o estelionatário. Exemplo: permuta de objetos que não têm as qualidades essenciais
anunciadas pelas partes.
A torpeza bilateral ocorre quando a pessoa enganada visava uma finalidade ilícita. Exemplos:
a) conto da guitarra (compra de falsa máquina de fabricação de dinheiro); b) o falso pistoleiro que
recebe dinheiro para cometer um homicídio, mas não executa o crime.
Magalhães Noronha opina pela configuração do estelionato, argumentando basicamente que
a boa fé da vítima não é elemento do tipo.
Nelson Hungria sustenta que não há estelionato, porque o direito não pode amparar a má fé
alheia.
ERRO

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O erro é o efeito do meio fraudulento. A fraude provoca o erro, isto é, engana a pessoa ou a
mantém enganada.
Assim, o meio fraudulento deve induzir ou manter a pessoa em erro. No induzimento, a
fraude é a causa do erro, pois induzir significa convencer (exemplo: A dirige-se até B para receber
uma dívida, alegando falsamente que está a serviço do credor). Na manutenção, o erro é anterior à
fraude, sendo que esta é empregada para que a pessoa continue na condição de enganada
(exemplo: o devedor dirige-se até o credor para pagar-lhe a dívida, entregando o dinheiro a B,
irmão gêmeo do credor, que percebe a confusão, mas mantém o devedor em erro).
Urge ainda, para a caracterização do estelionato, o nexo causal entre o erro e a obtenção da
vantagem. Com efeito, o erro deve anteceder o auferimento da vantagem. Se, após obter
licitamente a coisa, o agente utiliza-se da fraude para apropriar-se definitivamente dela, haverá o
delito de apropriação indébita, e não estelionato. Em suma, no estelionato, a fraude deve ser
anterior ou concomitante ao apossamento do bem.

RESULTADO DUPLO

O estelionato é crime de duplo resultado: obtenção da vantagem ilícita e prejuízo alheio.


ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de empregar


a fraude com o intuito de obter vantagem indevida, para si ou para outrem, e causar prejuízo
alheio.
O dolo pode ser:
a) antecedente (inicial ou preordenado - ab initio), isto é, subsistir desde o início da execução
do crime, precedendo ao erro do sujeito passivo;
b) concomitante, isto é, simultâneo ao erro, na hipótese de manutenção da vítima em erro.

Em ambos os casos, o dolo deve anteceder à obtenção da vantagem ilícita. Conforme salientado
anteriormente, o dolo subsequente, posterior à obtenção da vantagem, caracteriza o delito de
apropriação indébita.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

Trata-se de crime material, consumando-se com a ocorrência dos resultados naturalísticos


(obtenção da vantagem ilícita e prejuízo alheio).
O estelionato é crime instantâneo, de modo que o prejuízo é aferido no momento em que
ocorre o desfalque patrimonial ou a falta de aumento do patrimônio. O agente obtém efetivamente
a vantagem em prejuízo alheio no momento em que esta encontra-se à sua disposição. Se,
porventura, não vier a tirar o lucro almejado, o delito não se desnatura. Suponhamos o caso de
quem, por meio fraudulento, consegue uma cambial da vítima. Obtido o título, está consumado o
crime e, portanto, realizado o dano. Não é necessário, pois, que o título seja pago pelo devedor.
Quanto à tentativa, é plenamente admissível. Exemplo: o estelionatário engana a vítima e
quando esta está prestes a entregar-lhe o bem, uma terceira pessoa a cientifica da fraude,
impedindo essa entrega.

ESTELIONATO PRIVILEGIADO

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Dispõe o § 1º do art.171 do CP: “Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o


juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art.155,§ 2º”.
Aplica-se ao estelionato privilegiado o que foi dito sobre furto privilegiado, exigindo-se, pois, a
primariedade do réu e o pequeno valor do prejuízo. Presentes esses requisitos o juiz tem três opções: a)
substituir a pena de reclusão pela de detenção; b) diminuir a pena de reclusão de 1 a 2/3; c) aplicar
somente a pena de multa. A concessão do privilégio é dever do magistrado, e não mera faculdade judicial,
pois trata-se de direito subjetivo do réu.
Pequeno valor do prejuízo é o que não excede o salário mínimo, mas sem rigidez.
Quanto ao momento da aferição do prejuízo, desenvolveram-se duas correntes. A
primeira leva em conta o prejuízo em potencial, analisando-o ao tempo da consumação. A
segunda toma por base o prejuízo efetivo, de modo que a posterior reparação do dano
permitiria a aplicação do privilégio.

FRAUDE PARA RECEBIMENTO DE INDENIZAÇÃO OU VALOR DE SEGURO

Dispõe o art.171, § 2º, inciso V, que nas mesmas penas incorre quem: “Destrói, total ou
parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as
consequências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro”.
Sujeito ativo é o segurado. Trata-se de crime próprio. Admite-se, portanto, a coautoria e
a participação.
O delito em apreço pressupõe um contrato válido e vigente do seguro. Se o contrato for nulo
ou então estiver vencido haverá crime impossível (CP art.17). Anote-se ainda que a simulação da
própria morte para obter o valor do seguro não é contemplada no delito em apreço, enquadrando-
se, porém, no art.171, caput.
Consuma-se o delito com a simples conduta de destruir, ocultar, lesar ou agravar. Trata-se de
crime formal ou de consumação antecipada, prescindindo-se da ocorrência do resultado, isto é, da
obtenção da indenização ou valor do seguro.
Admite-se a tentativa. Observe-se que a danificação parcial configura-se crime consumado,
de modo que tentativa haverá quando nem a danificação parcial se verificar. Exemplo: O agente
arremessa ao fogo a coisa segurada, mas alguém a retira intacta.

FRAUDE NO PAGAMENTO POR MEIO DE CHEQUE

Dispõe o art.171, § 2º, inciso VI que nas mesmas penas incorre quem: “Emite cheque, sem
suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento”.
O tipo penal desdobra-se em dois:
 Emissão de cheque sem fundos;
 Frustração do pagamento de cheque com suficiente provisão de fundos.
Sujeito ativo é o titular da conta corrente, que emite ou frustra o pagamento do cheque.
Trata-se de crime próprio. Admite a participação e também a coautoria. Essa última hipótese
verifica-se quando há conta conjunta e o cheque é emitido pelos dois correntistas. A abertura de
conta corrente com documentos falsos para depois emitir cheques sem fundos caracteriza delito do
art.171, caput, pois no §2º, inciso VI, é essencial que o correntista tenha obtido licitamente o talão
de cheques. Igualmente é delito do caput do art.171 a emissão de cheque sem fundos de conta
encerrada.
Quanto ao endossante de cheque sem suficiente provisão de fundos, prevalece a orientação

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de que não responde pelo delito, porque a lei fala em emitente, que é o titular da conta corrente.
Em abono a essa tese, costuma-se acrescentar o fato de o tipo penal também incriminar a
frustração do pagamento, conduta que não pode ser praticada pelo endossante. Outras valiosas
opiniões, porém, enquadram o endossante no delito do art.171, § 2º, inciso VI, sob o singelo
argumento de que o endosso equivale a uma nova emissão. A nosso ver, não obstante a diferença
entre emissão e endosso, o emitente pode figurar como sujeito ativo, na condição de partícipe.
Com efeito, conforme veremos, o delito só se consuma quando o sacado se recusa a pagar o
cheque. Antes desta recusa, o delito ainda está na fase de execução, admitindo a participação,
mediante endosso, desde que este contribua para que terceiro de boa fé receba o cheque sem
suficiente provisão de fundos, aderindo à conduta do emitente. Se, porém, o endossante não
estiver em concurso com o emitente, responderá pelo art.171 “caput“, na hipótese de ter efetuado
o pagamento, mediante o endosso de um cheque do qual tinha ciência da falta de fundos.
Em relação ao avalista, também pode figurar como partícipe do delito em estudo, pois a sua
conduta estimula a circulação do cheque. Por outro lado, o terceiro que preenche e assina cheque
alheio, pondo-o em circulação, sem o consentimento do correntista, responde pelo estelionato do
art.171, caput, porque o subtipo do estelionato do § 2º, inciso VI, é crime próprio do correntista.
O bem jurídico protegido é o patrimônio e subsidiariamente a fé pública, tendo em vista que
o cheque é um documento e a conduta acaba realizando uma falsidade ideológica. É claro que o
agente responde apenas pelo estelionato, e não pela falsidade ideológica, que deve ser absorvida.
O sujeito passivo é o tomador (beneficiário) do cheque, que pode ser pessoa física ou jurídica.
As condutas típicas consistem em emitir e frustrar.
Emitir é colocar o cheque em circulação, isto é, entregá-lo a uma terceira pessoa. Aqui o
cheque não tem fundos. O preenchimento e assinatura, desde que o cheque não saia do bolso do
emitente, é mero ato preparatório, não configurando sequer a tentativa.
Frustrar é impedir o pagamento do cheque. Aqui o cheque é emitido com suficiente provisão
de fundos, mas o agente frustra, sem justa causa, o seu pagamento. A frustração pode se dar: a)
pela retirada de fundos antes da apresentação do cheque; b) pela contra-ordem ao sacado (banco)
para não pagar o cheque. Essa contra-ordem ocorre mediante sustação (quando o cheque está
dentro do prazo de apresentação) ou revogação (após o prazo de apresentação do cheque).
Tratando-se de cheque visado não é possível o emitente frustrar o seu pagamento.
O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na ciência de que o cheque não tem
fundos. O delito não é punido na forma culposa. Portanto, a emissão de cheque insciente o agente
da falta de fundos, não configura o delito em apreço. Em relação ao delito de frustração e
pagamento do cheque, também só é punido a título de dolo, mas o erro sobre a ilicitude da
frustração configura erro de proibição, previsto no art.21 do CP. Se o erro for escusável, o agente é
isento de pena; se inescusável, responde pelo delito, com a pena reduzida de 1/6 a 1/3. Não se
trata de erro de tipo, porque a figura típica não menciona o termo “injustamente”, limitando-se à
expressão “frustrar”.
Urge, ainda, para a caracterização do delito, a existência da fraude. Com efeito, dispõe a
Súmula nº 246 do STF: “Comprovado não ter havido fraude, não se configura o crime de emissão de
cheque sem fundos”. Assim, se a vítima, ao tempo do recebimento do cheque, tinha ciência da falta
de fundos, ou então motivos para desconfiar, exclui-se o delito em apreço, pois, em tal situação,
não se pode dizer que foi enganada.
A consumação ocorre no momento em que o banco se recusa a efetuar o pagamento do
cheque. O estelionato é crime material, consumando-se com resultado consubstanciado nesta
recusa.
Nesse instante, concretiza-se o prejuízo.
A tentativa é admissível, quando a emissão ou o resultado não ocorrem por circunstâncias

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alheia à vontade do agente. Exemplos: O agente é preso em flagrante no ato de emitir um cheque
sem provisão de fundos, sendo descoberto após a consulta do vendedor junto aos órgãos de
proteção do crédito. Outro exemplo: O agente emite um cheque sem a suficiente provisão de
fundos, mas o gerente do banco acaba pagando o cheque, acreditando numa breve restituição. Se
o agente emite cheque sem fundo, mas deposita o valor antes da recusa do sacado, ocorrerá o
arrependimento eficaz, destipificando-se a tentativa (CP art.15).
Quanto à reparação do dano, a Excelsa Corte editou a Súmula nº 554: “O pagamento de
cheque emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta o
prosseguimento da ação penal”. A contrario sensu, o pagamento do cheque efetuado antes do
recebimento da denúncia, exclui a justa causa para a ação penal. Discute-se sobre a natureza
jurídica deste pagamento. Desenvolveram-se as seguintes correntes: 1) Causa de exclusão da
tipicidade; 2) Causa de exclusão da culpabilidade; 3) Causa de extinção da punibilidade. Prevalece a
orientação de que a questão é de tipicidade, argumentando-se que o pagamento exclui o prejuízo,
fazendo com que o crime desapareça, tendo em vista que o prejuízo é elemento do estelionato .
Critica-se a sobredita súmula, porque sendo o estelionato crime instantâneo, o prejuízo deve ser
analisado ao tempo da consumação consubstanciada na recusa do pagamento pelo sacado.
Ademais, noutras modalidades de estelionato, o pagamento não tem o condão de excluir a
tipicidade, sendo incoerente a destipificação apenas no delito de emissão de cheque sem fundos. A
propósito, já tivemos a oportunidade de escrever que o pagamento ulterior do cheque não tem o
condão de destipificar um crime consumado. Consiste o equívoco da súmula em relegar a análise
do prejuízo para o momento do recebimento da denúncia, quando deveria averiguar esse fato no
momento da consumação. Com o advento do art.16 do CP, que prevê para a reparação do dano
apenas uma redução de pena de um a dois terços, a doutrina acreditou que a súmula seria
finalmente cancelada. Entretanto, sob o pretexto de política criminal, a jurisprudência ainda
continua a aplicá-la, em detrimento do disposto no referido artigo.
Quanto à emissão de cheque pré-datado sem suficiente provisão de fundos, também não
caracteriza estelionato. Os argumentos contrários à incriminação são férteis. Podemos sintetizá-los
assim: 1) o cheque pré-datado, a rigor, não é cheque, mas uma promessa de pagamento, pois o
cheque, por definição legal, é ordem de pagamento à vista. A lei incrimina a emissão de cheque, e
não a emissão de promessa de pagamento. O cheque pré-datado assemelha-se a uma nota
promissória; 2) a pessoa que recebe cheque pré-datado nunca tem plena certeza da provisão de
fundos. Há sempre uma desconfiança, tanto é que exige a entrega do cheque, de antemão, ao invés
de aguardar o pagamento voluntário no vencimento. Portanto, não se pode dizer que foi enganada.
Em suma, não há fraude, excluindo-se, por isso, o estelionato, nos moldes da Súmula nº 246 do STF;
3) o cheque pré-datado é dado em garantia de dívida. A Constituição Federal proíbe a prisão civil
por dívida, salvo nas hipóteses de alimentos e depositário infiel (art.5º, inciso LXVII). De nada
adiantaria a Magna Carta proibir a prisão civil se a lei pudesse incriminar o inadimplemento de uma
dívida. Por via oblíqua, haveria também uma prisão por dívida. Portanto, a lei não pode incriminar o
inadimplemento de uma dívida, sob pena de inconstitucionalidade, razão pela qual o cheque pré-
datado não se enquadra em nenhuma espécie de estelionato. Em algumas hipóteses, o cheque pré-
datado pode configurar o estelionato do caput do art.171 do CP. Tal ocorre quando ele funcionar
como meio de execução da fraude.
Por outro lado, o delito de emissão de cheque sem fundos, por ser uma modalidade de
estelionato, só se configura se houver prejuízo. Urge que se demonstre o nexo causal entre o
cheque e o prejuízo experimentado pela vítima. Conforme dispõe a 2ª parte do art.13 caput do CP:
“Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. Adotou-se, no
plano físico da causalidade, a teoria da conditio sine qua non, que desvenda a causa utilizando-se do
procedimento hipotético de eliminação de Thyrén, segundo o qual uma conduta só faz jus ao nome

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de causa quando excluída mentalmente o resultado não teria se produzido como ocorreu ou no
momento em que ocorreu. Assim, cumpre abstrair mentalmente o cheque e indagar se o prejuízo
teria ocorrido da mesma forma. Se a resposta for negativa, o cheque terá sido causa do resultado;
se positiva, exclui-se a tipicidade por não ter sido o cheque a causa do prejuízo.
Utilizando-se o raciocínio acima, resolvem-se as seguintes situações:
a) o pagamento de dívida vencida com cheque sem fundos não configura estelionato, pois
abstraindo-se o cheque o valor do prejuízo seria o mesmo. Assim, não há crime na hipótese de o agente
efetuar o pagamento de aluguel ou de um acordo judicial ou de empregada doméstica, mediante a
emissão de cheque sem fundos. Com efeito, o cheque é emitido pro solvendo, e não pro soluto, de
modo que o emitente não obteve nenhuma vantagem à medida que não ocorreu a quitação do débito.
Também não há prejuízo novo, pois o prejuízo ocorreria de qualquer jeito, com ou sem emissão do
cheque. Aliás, por ser um título executivo, é mais vantajoso ter às mãos um cheque sem fundo do que
nada.
b) não há crime se o cheque é dado em pagamento de uma dívida garantida por nota
promissória, duplicata ou por outro título, pois suprimindo mentalmente o cheque o valor do
prejuízo seria o mesmo. Acrescente-se ainda que o devedor não auferiu vantagem à medida em
que o cheque sem fundos não tem o efeito de quitar a dívida.
c) não há crime se o cheque é emitido para pagamento de dívida de jogo, pois o prejuízo ocorreu
com a derrota no jogo, antecedendo, destarte, à emissão do cheque. Suprimindo mentalmente a sua
emissão o prejuízo seria o mesmo, de modo que o cheque não foi a causa da existência do prejuízo.
Acrescente-se ainda que a dívida de jogo é inexigível judicialmente. Por consequência, o cheque acabou
sendo uma vantagem ao vencedor do jogo, tendo em vista que não poderia mover ação judicial de
cobrança. Anote-se, porém, a existência de valiosas opiniões no sentido contrário. Com efeito,
Magalhães Noronha sustenta que na hipótese dos jogos lícitos, configura-se o delito, negando a
tipicidade para os jogos ilícitos, porque nesse último caso a lei civil não dá ao credor ação para obter o
que legalmente ganhou. Nelson Hungria é adepto da tese de que o delito se configura seja o jogo lícito
ou ilícito. A nosso ver, o delito não se configura, quer no jogo lícito ou no ilícito, porque suprimindo
mentalmente o cheque o prejuízo teria se verificado da mesma forma. Força convir, portanto, que não
há nexo causal entre o cheque e o prejuízo. Convém, porém, ressalvar que configura-se o delito em
apreço quando o agente aposta em jogos lícitos (loterias, operações da bolsa, etc.), mediante a emissão
de cheque sem fundos, pois, em tal situação, há nexo causal entre a obtenção da vantagem, consistente
no direito de participar do jogo.
d) não há crime na emissão de cheque sem fundos para o pagamento de prostituta. Com
efeito, a imoralidade da venda do ato sexual inviabiliza a ação judicial de cobrança, tendo em vista a
nulidade absoluta do contrato. Portanto, o Direito Civil nega proteção ao negócio, sendo incoerente
a prostituta encontrar respaldo no Direito Penal, que é um ramo de intervenção mínima. Ademais,
a sentença penal condenatória é título executivo na esfera cível, tornando certa a obrigação de
reparar (CP. art. 91, inciso I). A eventual condenação do emitente tornaria certa a obrigação de
reparar o dano? Se positiva a resposta, o preceito penal sobreporia aos princípios civilísticos; se
negativa, o Direito Civil anularia a norma penal. Qualquer que seja a solução haveria conflito entre
o Direito Civil e o Direito Penal. Assim, não há falar-se em estelionato. Acrescente-se ainda que o
cheque não representou um prejuízo novo, pois suprimindo-o mentalmente o prejuízo seria o
mesmo. De fato, não se vislumbra nenhum prejuízo oriundo da emissão do cheque à medida que a
prostituta não pode ajuizar ação judicial de cobrança. Há, porém, diversos julgados condenando o
agente por estelionato.
Finalmente, para que o delito se caracterize, é necessário que o cheque tenha sido a causa do
prejuízo e da obtenção da vantagem. Exemplo: o agente adquire uma televisão, efetuando o
pagamento com cheque sem fundos. Outro exemplo: o agente abastece o tanque de seu veículo,

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efetuando o pagamento com cheque sem fundos. Nesses dois exemplos, tipifica-se o crime à medida
que o cheque foi a causa da entrega do bem. Suprimindo-o mentalmente, a tradição não se efetuaria. O
agente obteve uma vantagem e causou prejuízo. Tudo isso graças à emissão do cheque.

Estelionato com fraude eletrônica

Dispõe o § 2º-A do art. 171 do CP, introduzido pela Lei 14.155/21:


“A pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, se a fraude é cometida com a
utilização de informações fornecidas pela vítima ou por terceiro induzido a erro por meio de redes
sociais, contatos telefônicos ou envio de correio eletrônico fraudulento, ou por qualquer outro meio
fraudulento análogo”.
Trata-se de qualificadora, pois o tipo penal em análise tem pena própria.
É necessário, para a incidência da qualificadora, três requisitos cumulativos:
a) que a fraude tenha sido cometida por meio de redes sociais, contatos telefônicos, envio de
correio eletrônico ou por qualquer outro meio fraudulento análogo. Não é, pois, essencial o uso de
computador, pois o tipo penal também faz menção ao telefone. Exemplo: telefona para vítima,
simulando que é da empresa provedora de internet, para obter a senha do computador. Outro
exemplo: envia mensagem por WhatsApp se fazendo passar pelo cônjuge da vítima, pedindo para que
ela lhe faça uma transferência bancária.
b) que a vítima ou terceiro, após serem enganados, por um dos meios acima, tenha fornecido as
informações ao agente. A vítima pode ter sido induzida ou mantida em erro pelo agente. No tocante ao
terceiro, o tipo penal só se refere ao que tenha sido induzido a erro. Se o terceiro incide em erro
espontâneo, mas é mantido nesta situação pelo agente, fornecendo-lhe as informações, exclui-se a
qualificadora, pois o tipo penal não prevê esta hipótese.
c) que o agente tenha efetivamente utilizado as informações fornecidas pela vítima ou pelo
terceiro para obter a vantagem indevida.
A simples obtenção fraudulenta das informações, sem que o agente as utilize, não passa de mero
ato preparatório, de tal sorte que o fato será atípico, salvo quando houver a invasão de dispositivo
informático de uso alheio, quando então o fato se enquadrará no delito do art. 154-A do CP.
A propósito, o citado delito de invasão de dispositivo informático será absorvido pelo estelionato
eletrônico, do qual constitui ato preparatório, por força do princípio da consunção.
O § 2º-B do art. 171 do CP dispõe que:
“A pena prevista no § 2º-A deste artigo, considerada a relevância do resultado gravoso, aumenta-
se de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado mediante a utilização de servidor
mantido fora do território nacional”.
Aludida causa de aumento de pena é idêntica à prevista no §4º-B, I, do art. 155 do CP, para o
furto fraudulento eletrônico, devendo o leitor se reportar aos comentários ali realizados, com o intuito
de se evitar repetições desnecessárias.

CAUSAS DE AUMENTO DE PENA

Dispõe o §3º do art.171 do CP:


“A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito
público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência”.
As entidades de direito público são as pessoas políticas (União, Estados Membros, Municípios e
Distrito Federal) e as autarquias. Referida causa de aumento também se aplica aos estelionatos contra o

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INSS (Súmula 24 do STJ).


Há ainda outras duas causas de aumento de pena previstas para todas as modalidades de
estelionatos.
Com efeito, reza o §4º do art. 171 do CP, introduzido pela lei 14.155/21:
“A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) ao dobro, se o crime é cometido contra idoso ou
vulnerável, considerada a relevância do resultado gravoso”.
Trata-se de causa de aumento de pena aplicável a todas as modalidades de estelionatos,
incidindo, inclusive, sobre a qualificadora da fraude eletrônica, prevista no § 2º-A do art. 171 do CP.
Antes de analisar as majorantes, é preciso verificar a amplitude da oração “ considerada a
relevância do resultado gravoso”, a que faz menção o texto legal.
Primeira corrente, a pena só será aumentada, quando o resultado gravoso se revestir de
relevância patrimonial.
Segunda corrente, a relevância do resultado não é condição do aumento da pena, influindo
apenas na dosagem da reprimenda penal entre o mínimo e o máximo legal.

Filio-me à segunda corrente, de tal sorte que, quanto maior a gravidade do resultado danoso,
em termos patrimoniais, maior será o aumento da pena.
De fato, o legislador, ao se referir à gravidade do resultado danoso, visou eliminar a dosagem
da majorante por critérios subjetivos, como a personalidade, maus antecedentes e a reincidência.
São duas as causas de aumento da pena:
a) vítima idosa;
b) vítima vulnerável.
Idoso é a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos (art. 1º da Lei
10.741/2003).
Vulnerável, por sua vez, nos termos do art. 217-A do CP, abrange três situações:
a) menor de 14 (catorze) anos;
b) enfermo ou deficiente mental sem o necessário discernimento;
c) pessoa que, por qualquer outra causa, não puder oferecer resistência.
É necessário, para que incida o aumento da pena, que o agente tenha consciência de que a
vítima é idosa ou vulnerável, tendo em vista a vedação da responsabilidade penal objetiva.
No tocante ao enfermo ou deficiente mental sem o necessário discernimento, só poderá ser
vítima de estelionato se ainda lhe restar alguma capacidade de entender e querer, pois, na hipótese
de apresentar total supressão do discernimento, o delito não será de estelionato, mas, sim, de
abuso de incapaz, previsto no art. 173 do CP, ou furto (art. 155 do CP), conforme o caso concreto.

COMPETÊNCIA TERRITORIAL

Em regra, a competência territorial para o processo e julgamento do delito estelionato é o


local da consumação, como ocorre com os demais delitos, nos termos do art. 70 do CPP.
Há, porém, algumas exceções.
Com efeito, dispõe o § 4º do art. 70 do CPP, introduzido pela Lei 14.155/21:
“Nos crimes previstos no art. 171 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código
Penal), quando praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente
provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência
de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade
de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção.”
O dispositivo, que define a competência pelo domicílio da vítima, se aplica às seguintes
situações:

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a) estelionato praticado mediante depósito bancário. A hipótese se refere ao depósito


bancário feito em dinheiro ou cheque, que se distingue da transferência de valores, cujo foro
competente é igualmente o domicílio da vítima.
b) estelionato praticado mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em
poder do sacado (art. 171, §2º, VI, do CP). Operou-se, destarte, o cancelamento das súmulas 521 do
STF e 244 do STJ, que previam, como foro competente para este estelionato, o local da recusa do
pagamento pelo banco sacado. No tocante ao estelionato cometido mediante falsificação de
cheque, que é regido pelo “caput” do art. 171 do CP, a competência será a do local da obtenção da
vantagem ilícita, nos termos da súmula 48 do STJ, pois a hipótese não se enquadra como emissão
de cheque sem fundo, que é crime próprio do titular da conta corrente.
c) estelionato praticado com o pagamento frustrado de cheque com suficiente provisão de
fundos (art. 171, §2º, VI, do CP).
d) estelionato praticado mediante transferência de valores. Valores são títulos ou
documentos representativos de dinheiro. É o que se verifica, por exemplo, nas transferências
bancárias. O domicilio da vítima será o foro competente quer se trate ou não da fraude eletrônica,
prevista no §2º-A do art. 171 do CP, pois a lei não faz qualquer distinção. Exemplo: a vítima assina
um documento que transfere ações de uma sociedade anônima para o estelionatário, sem que
houvesse qualquer transação eletrônica.
Em todas as situações acima, a competência territorial será no local do domicílio da vítima.
Em caso de pluralidade de vítimas, a competência territorial firmar-se-á pela prevenção; se
todas as vítimas forem domiciliadas na mesma comarca, o juízo competente da referida comarca
será também fixado por prevenção.
Por se tratar de norma excepcional, que abre exceção à regra geral prevista no art. 70 do CPP,
que define a competência territorial pelo local da consumação, não será possível a sua aplicação
analógica ao furto, apropriação indébita, peculato, etc.

AÇÃO PENAL

Natureza jurídica

A partir do advento da Lei 13.964/2019, o delito de estelionato, que era de ação penal pública
incondicionada, se tornou de ação pública condicionada à representação.
Vê-se assim que o estelionato, cuja ação penal era pública incondicionada, transmudou-se,
em regra, para ação penal pública condicionada à representação.
Com base no princípio da proporcionalidade, a Defensoria Pública sustenta que, em delitos
patrimoniais menos graves, a ação penal também depende de representação. Exemplos: arts. 155,
“caput”, 168, “caput”, 180, “caput”, e 180, §3º, todos do CP.

Casos de ação penal pública incondicionada

No delito de estelionato, a ação penal será pública incondicionada, nos termos do §5º do art.
171 do CP, quando a vítima for:
I - a Administração Pública, direta ou indireta;
II - criança ou adolescente;
III - pessoa com deficiência mental; ou
IV - maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.”
O inciso I se refere à administração pública direta ou indireta.

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A administração pública direta é o serviço público prestado diretamente pela União, Estados-
membros, Distrito Federal e Municípios.
A administração pública indireta é o serviço público prestado por pessoa jurídica criada pelo
poder público para exercer a referida atividade. Abrange as autarquias, fundações públicas,
sociedades de economia mista e empresas públicas.
Quanto ao estelionato cometido contra concessionárias de serviços públicos, a ação
dependerá de representação, pois é vedada a analogia “in malam partem”.
O inciso II faz menção à criança ou adolescente.
Criança é a pessoa que ainda não completou 12 (doze) anos.
Adolescente é a pessoa com 12 (doze) anos completos e que ainda não atingiu 18 (dezoito)
anos.
O inciso III se refere ao deficiente mental.
O deficiente mental é o portador de intelectualidade abaixo da média, em função de uma
situação inerente à sua condição psíquica.
Em relação ao deficiente mental, a ação será pública incondicionada, ainda que ele seja
civilmente capaz.
A hipótese não abrange, porém, o deficiente físico, pois é vedada a analogia “in malam
partem”.
Por fim, o inciso IV prevê o maior de 70 (setenta) anos ou incapaz.
Em relação ao maior de 70 (anos), a ação será pública incondicionada ainda que ele seja
plenamente capaz.
Quanto aos incapazes , a que se refere o texto legal, são os do art. 4o, II a IV, do Código Civil,
ou seja, os ébrios habituais, os viciados em tóxico;, aqueles que, por causa transitória ou
permanente, não puderem exprimir sua vontade e os pródigos. É, contudo, possível se interpretar
como sendo o portador de alguma deficiência física, permanente ou transitória, que não consegue
superar determinadas barreiras. Não basta, destarte, a deficiência física, sendo ainda necessária a
incapacidade para superar o obstáculo oriundo desse problema. O deficiente visual, por exemplo,
que lê em braile superou o obstáculo da leitura, de tal sorte que, nesse aspecto, não é tido, em
princípio, como incapaz.

Ação penal nos estelionatos praticados antes do início da vigência da Lei 13.964/2019

Inicialmente, é preciso considerar o caráter híbrido da lei que exige representação aos delitos
que até então eram de ação penal pública incondicionada.
Aludida lei tem ao mesmo tempo natureza penal e processual penal.
Com efeito, a falta de representação gera a extinção da punibilidade, em razão da
decadência, residindo neste aspecto o seu caráter penal, mas a representação também funciona
como condição de procedibilidade da ação penal e, por isso, se revela igualmente presente o seu
caráter processual.
A lei penal benéfica retroage para se aplicar aos delitos anteriores, ao passo que a lei
processual, em regra, não atinge os atos processuais já praticados.
A doutrina, em relação à lei híbrida, tem dito que prevalece o seu caráter penal, impondo-se
assim a sua retroatividade para atingir inclusive os delitos com sentença penal condenatória
transitada em julgado, por força do art. 5º, XL, da CF.
Noutras palavras, a representação seria exigida para todos os delitos praticados antes da nova
lei.
A jurisprudência, porém, em relação aos estelionatos praticados antes do início da vigência da

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lei em análise, abandonou os ensinamentos doutrinários para abraçar outros dois posicionamentos:
a) se, quando a lei entrou em vigor, a denúncia já havia sido oferecida, a ação penal
continuará sendo pública incondicionada. Se, entretanto, ainda não havia denúncia, ela só poderá
ser ofertada se houver a representação. O fundamento é que, sem cláusula expressa, a lei híbrida
não pode retroagir para violar o ato jurídico perfeito (2ª Turma do STF e 5ª Turma do STJ).
b) será sempre exigida a representação, quer haja ou não a denúncia ao tempo do início da
vigência da nova lei, mas só em relação aos estelionatos cuja sentença condenatória não tenha
ainda transitado em julgado (6ª Turma do STJ). Assim, de acordo com essa corrente, a vítima, por
aplicação analógica do art. 91 da Lei 9.099/95, em relação aos estelionatos anteriores, deverá ser
intimada para apresentar a representação, dentro do prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de
decadência. Se, entretanto, já havia representação tácita, caracterizada pela manifestação de
vontade da vítima ou de seu representante legal de instaurar a persecução penal, o feito
prosseguirá normalmente, sem necessidade de uma representação expressa.
Ambas as correntes, como se pode verificar, aceitam a retroatividade da nova lei, mas com
limites temporais.
Na primeira, o limite é o oferecimento da denúncia; na segunda, é a coisa julgada.
RECEPTAÇÃO

CONCEITO

Dispõe o artigo 180, caput do CP:


“Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que
sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa,”

SUJEITO ATIVO

Qualquer pessoa pode praticar o delito de receptação, exceto o coautor ou partícipe do


delito anterior. Assim, se “A” instiga “B” a furtar o carro de “C”, vindo depois a adquirir o veículo
furtado, cometerá apenas o delito de furto. Aliás, responderá por furto, independentemente da
futura aquisição do automóvel. Se, porém, “A” instiga genericamente “B” a furtar veículos, sem
designar a vítima, não será partícipe de furto, pois a participação exige induzimento, instigação ou
auxílio determinados quanto à vítima. Caso venha a adquirir o veículo, cometerá receptação.
O advogado que recebe produto de crime em pagamento de honorários advocatícios, ciente
da origem ilícita do bem, também responde por receptação.
O proprietário do bem também comete o delito de receptação, porquanto o art. 180 do CP
não exige que a coisa seja alheia. O exemplo clássico é o do proprietário que adquire a própria
coisa furtada por terceiro, mas que se encontrava em legítimo poder de credor pignoratício. Anote-
se, porém, que o proprietário responderá por receptação na hipótese de não ter encomendado o
furto. Se o encomendou, haverá o delito do artigo 346 do CP.
Se, porventura, o proprietário vier a adquirir do ladrão a coisa que lhe fora furtada
diretamente, não cometerá delito algum, pois ele é o próprio titular do bem jurídico ofendido.

OBJETO MATERIAL

O objeto material é a coisa que é produto de crime. Não há receptação na aquisição de


produto de contravenção penal, diante da vedação da analogia in malam partem.

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Com efeito, a expressão produto de crime compreende: a) a coisa adquirida diretamente com
o crime (exemplo: a jóia furtada); b) a coisa obtida mediante especificação (exemplo: o anel feito
com ouro roubado); c) a coisa adquirida em razão de alienação (exemplo: o dinheiro obtido com a
venda de jóia roubada). De fato, o art. 180 do CP não exige que a coisa seja proveniente
diretamente do crime, abrangendo, destarte, o produto indireto. Seria absurdo não considerar
receptação o fato de alguém receber do delinquente o dinheiro obtido com o desconto do cheque
furtado, e, ao mesmo tempo, reconhecer o delito no ato do recebimento do aludido cheque. Ora, o
dinheiro é produto indireto; o cheque é o produto direto. O recebimento do dinheiro é um fato
mais grave do que o recebimento do próprio cheque. Assim, como ensina Magalhães Noronha, se o
agente subtrai dinheiro e adquire uma jóia comprada com aquela quantia, presenteando a sua
amante, esta responderá pelo delito de receptação. Registre-se, contudo, as opiniões de Galdino
Siqueira e Von Liszt, excluindo o delito de receptação quando se tratar de produto indireto,
argumentando-se que nada tem a ver com o crime.
Acrescente-se, porém, que os instrumentos e o preço do delito não podem ser objeto
material de receptação, pois é vedada a analogia “in malam partem”. Instrumento do crime é o
meio utilizado pelo agente para a prática da conduta delituosa (exemplo: o revólver do homicida).
Preço do crime é a quantia dada ao agente para induzi-lo a delinquir (exemplo: o carro presenteado
ao homicida para estimulá-lo a matar a vítima). Deve-se ter em mira o caráter patrimonial do delito
de receptação e o fato de o sujeito passivo ser o mesmo do delito anterior. Quando se recebe
instrumento ou preço do crime não há qualquer lesão ao patrimônio da vítima do delito anterior.
Todavia, conforme salienta Victor Eduardo Rios Gonçalves, “quem guarda o instrumento de um
crime para dar cobertura ao autor do delito antecedente comete favorecimento real, delito previsto
no art.348 do Código Penal”.

PRESSUPOSTO DO CRIME

O pressuposto da receptação é a existência de um crime anterior, pois o art. 180 refere-se a


“coisa que sabe ser produto de crime”. Nítido o caráter acessório do delito de receptação.
O crime anterior não precisa ser contra o patrimônio. Quem adquire produto de peculato,
também responde por receptação. Igualmente, quando o crime anterior for concussão, corrupção
passiva etc. O delito antecedente pode ser doloso ou culposo. Comete receptação, por exemplo,
quem adquire produto de receptação culposa. Nada obsta também a receptação de produto de
crime de ação penal privada, pois a lei não faz qualquer distinção. Embora o delito anterior não
precise ser contra o patrimônio, é mister que ele tenha reflexos patrimoniais, pois a receptação só
se configura quando houver nova violação do patrimônio anteriormente agredido. Quem adquire
dolosamente uma nota promissória falsificada comete receptação, mas não há receptação quando
se adquire uma certidão de nascimento falsificada.
Admite-se também a receptação quando o crime anterior for tentado, como na aquisição de
produto de tentativa de latrocínio. De fato, o latrocínio só se consuma se houver a morte. Se o
agente concretiza a subtração, mas a vítima não vem a morrer, haverá apenas tentativa de
latrocínio.
Por outro lado, dispõe o parágrafo 4º do art. 180 do CP que: “A receptação é punível, ainda
que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa”. Assim, quanto à
punição, a receptação é crime autônomo, pois para punir o receptador não há necessidade de se
punir o autor do crime principal. Haverá receptação quando o agente adquire produto de crime
praticado por doente mental ou menor de 18 anos. Basta, portanto, para a caracterização da
receptação, a prática de um fato típico e antijurídico, dispensando-se a culpabilidade do autor do

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delito anterior. A esposa que furta o marido, por exemplo, é isenta de pena, conforme dispõe o art.
181 do CP, mas a pessoa que adquirir-lhe o bem cometerá receptação.
A pessoa que adquire produto de um fato típico acobertado por alguma excludente da
antijuridicidade, como a legítima defesa e o estado de necessidade, não comete receptação,
porquanto estas justificativas excluem o delito anterior.
Acrescente-se ainda que extinta a punibilidade do crime anterior subsiste a responsabilidade
do receptador, por força do art. 108 do CP, salvo na hipótese de abolitio criminis ou anistia, quando
então o fato deixa de ser crime. Nas demais causas extintivas da punibilidade, como a morte e a
prescrição, permanece intacto o delito de receptação.

A ABSOLVIÇÃO DO AUTOR DO DELITO ANTERIOR

Entre a receptação e o crime anterior há a chamada conexão instrumental ou probatória,


impondo-se a reunião dos processos para julgamento simultâneo. Aludida conexão se verifica
quando a prova de uma infração influir na prova de outra (art. 76, III, do CPP). Nem sempre é
possível a reunião dos processos. Muitas vezes o autor do crime anterior é desconhecido ou isento
de pena.
Caso haja a absolvição do autor do crime anterior, poderá ou não subsistir a responsabilidade
penal do receptador dependendo do fundamento da absolvição. Não subsistirá a receptação se a
absolvição for: a) por inexistência do fato; b) por excludente da tipicidade; c) por excludente da
antijuridicidade. Nos demais fundamentos absolutórios, previstos nos arts. 386, incisos II, IV, V e VI,
permanece intacto o delito de receptação. Assim, se o autor do crime anterior é absolvido por
insuficiência de provas ou excludente da culpabilidade, persiste a responsabilidade penal do
receptador.

RECEPTAÇÃO PRÓPRIA

Verifica-se a receptação própria quando o agente adquire, recebe, transporta, conduz ou


oculta, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime.
O elemento subjetivo do tipo é o dolo direto, inicial, e com animus lucrandi. Com efeito, só há
receptação se o agente souber, isto é, tiver certeza da origem criminosa da coisa. A lei não
incrimina o dolo eventual. O agente que, na dúvida sobre a origem ilícita, adquire ou recebe o
produto de crime, comete receptação culposa, prevista no § 3º do art. 180. Trata-se de um caso de
dolo eventual punível como crime culposo. Seria ilógico a culpa caracterizar receptação culposa e o
dolo eventual, que é mais grave, ser fato atípico. Assim, a receptação culposa deve ser interpretada
extensivamente, compreendendo também o dolo eventual. Anote-se, porém, que a receptação
culposa do § 3º do art. 180 não incrimina os verbos conduzir, transportar e ocultar, portanto,
nesses casos, o dolo eventual permanecerá impune.
Urge ainda que o dolo seja ab initio (inicial), isto é, o agente deve ter ciência da origem
criminosa ao tempo da realização da conduta de adquirir, receber, ocultar, transportar e conduzir.
Não se admite o dolo subsequente. Se, de boa-fé, adquire ou recebe o produto de crime e só
posteriormente toma ciência da origem criminosa não responderá por receptação dolosa. Todavia,
caso o agente, após certificar-se da procedência criminosa, conduzir, transportar ou ocultar o bem,
cometerá uma nova receptação, diante da presença do dolo ab initio nas condutas de conduzir,
transportar e ocultar. O agente que, após adquirir a coisa de boa-fé, cientifica-se da origem ilícita e
a aliena a um ladrão, será partícipe da receptação cometida por este último. Caso a aliene a um

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terceiro de boa-fé, responderá por estelionato, na modalidade vender coisa alheia como própria
(art. 171, § 2º, I, do CP), ainda que o terceiro tenha atuado com culpa, quando então o terceiro
responderá por receptação culposa. O alienante de má-fé não é partícipe da receptação culposa,
mas sim autor de estelionato, pois não há participação dolosa em crime culposo.
O dolo ainda deve ser motivado pelo animus lucrandi, tendo em vista a expressão “em
proveito próprio ou alheio”, prevista no art. 180, caput, do CP. O receptador deve receber a coisa
visando uma vantagem patrimonial para si ou para terceiro. Exemplo: adquire uma joia roubada
para presentear a namorada. O agente que recebe a coisa com a intenção de auxiliar o criminoso a
tornar seguro o proveito do crime, agindo com animus amoris vel pietatis causa, comete o crime de
favorecimento real (art. 349), como no exemplo da pessoa que guarda o veículo furtado, visando
prestar auxílio ao criminoso, por amor ou amizade.

RECEPTAÇÃO IMPRÓPRIA

Comete receptação imprópria quem influencia terceiro de boa-fé a adquirir, receber ou


ocultar coisa que sabe ser produto de crime, conforme se depreende da análise do art. 180, 2ª
parte, do CP. Não há receptação imprópria quando se influencia terceiro de boa-fé a transportar ou
conduzir a coisa que é produto de crime, pois, diante da omissão do tipo penal em relação a estes
dois verbos, não se pode fazer analogia “in malam partem”.
O receptador realiza uma espécie de “corretagem criminosa”.
O núcleo do tipo é o verbo influenciar, que significa convencer, estimular, inspirar,
entusiasmar, etc.
O elemento subjetivo do tipo é o dolo direto antecedente, exigindo-se a certeza da origem
criminosa da coisa. A lei não incrimina a mediação culposa ou realizada com dolo eventual.
A consumação é polêmica. Uma primeira corrente sustenta que o delito é formal,
consumando-se com a conduta de influenciar, independentemente de o terceiro de boa-fé adquirir,
receber ou ocultar a coisa. Uma outra corrente diz que o delito é material, consumando-se quando
o agente efetivamente adquire, recebe ou oculta a coisa. Filiamo-nos a esse último ponto de vista,
porquanto a receptação é crime contra o patrimônio, exigindo-se a efetiva lesão deste.
Para a primeira corrente, a tentativa seria admissível na forma escrita, na hipótese de a carta
ser interceptada antes de chegar ao terceiro de boa-fé. Magalhães Noronha, porém, nega a
existência de tentativa, asseverando que o crime se consuma com o primeiro ato idôneo que
caracteriza a influência incriminada.
Para a segunda corrente, a tentativa é pacificamente admitida, quando, não obstante a
influência, o terceiro de boa-fé não chega a adquirir, receber ou ocultar a coisa.
Vejamos alguns exemplos: o mediador que convence terceiro de boa-fé a adquirir o bem,
sabendo da origem ilícita, comete receptação imprópria. Se o terceiro de boa-fé vier a adquirir o
bem, este poderá responder por receptação culposa. Se, contudo, o terceiro também estiver de
má-fé, adquirindo o bem ciente da origem ilícita, responderá por receptação própria (art. 180,
caput, 1ª parte, do CP), ao passo que o mediador será partícipe da receptação própria. Nesse caso,
não se caracteriza receptação imprópria, pois esta pressupõe a existência de um terceiro de boa-fé,
que figura como elemento do tipo.
Na hipótese de o mediador agir também com culpa ou dolo eventual, influenciando o
terceiro de boa-fé a adquirir o bem, este último poderá responder por receptação culposa, mas o
mediador permanecerá impune, tendo em vista a lacuna da lei em relação à mediação culposa e a
impossibilidade de participação em crime culposo.
Igualmente, o mediador permanecerá impune, quando agir com culpa ou dolo eventual,

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convencendo um terceiro de má-fé, isto é, que tem ciência da origem criminosa do bem, a adquiri-
lo. Em tal situação, o terceiro responderá por receptação própria (art. 180, caput, 1ª parte), mas o
mediador não responderá por crime algum, pois não há participação culposa em crime doloso.

RECEPTAÇÃO PRIVILEGIADA

Ocorre a receptação privilegiada quando o receptador for primário e a coisa receptada de


pequeno valor (art. 180, § 5º, última parte).
A hipótese é idêntica à do furto privilegiado, abrindo-se três alternativas ao Juiz:
 substituir a pena de reclusão pela de detenção;
 diminuir a pena de reclusão de um a dois terços;
 aplicar somente a pena de multa.
O citado § 5º do art. 180 do CP é aplicável à receptação dolosa.

RECEPTAÇÃO AGRAVADA

Dispõe o § 6º do art. 180 do CP:


“Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa
concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste
artigo aplica-se em dobro”.
Trata-se de causa de aumento de pena, aplicável apenas à receptação própria e à receptação
imprópria, prevista no caput do art. 180 do CP.

RECEPTAÇÃO QUALIFICADA

Dispõe o § 1º do art. 180 do CP:


“Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar,
remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no
exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.”
Trata-se de crime próprio, pois o receptador deve ser empresário, isto é, exercer uma
atividade comercial ou industrial. Equipara-se à atividade comercial, para efeito do delito em
apreço, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residência,
conforme dispõe o § 2º do art. 180 do CP. Cumpre observar que a caracterização da atividade
empresarial exige habitualidade ou continuidade por parte do sujeito ativo, de modo que um ato
único, isolado, é insuficiente para a tipificação do delito.
Os núcleos do tipo são: adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito,
desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda ou de qualquer forma utilizar a coisa que é
produto de crime.
Trata-se de crime de ação múltipla. A reiteração de condutas, envolvendo a mesma coisa,
caracteriza um único delito.
O elemento subjetivo do tipo é polêmico, pois a lei utiliza a expressão “coisa que deve saber
ser produto de crime”.
Uma primeira interpretação sustenta que a expressão exclui o dolo direto, abrangendo
apenas o dolo eventual, concluindo pela inconstitucionalidade do preceito secundário, diante da

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impossibilidade de se punir o dolo eventual de maneira mais severa que o dolo direto. Os adeptos
dessa orientação asseveram que, para que seja preservado o princípio da proporcionalidade da
pena, o § 1º do art. 180 do CP deve conter a mesma pena do caput, pois se para o dolo direto é
aplicável o caput, com maior razão deve ser aplicado quando se tratar do dolo eventual.
Uma segunda corrente preconiza que na expressão deve saber também está embutido o dolo
direto. Para tanto, invoca-se a interpretação extensiva, ampliando o texto da lei, adaptando-a a sua
vontade real, pois ela disse menos do que quis. Trata-se do argumento a fortiori - se a lei prevê um
caso deve estendê-la a outro caso em que a razão da lei se manifeste com maior rigor. Com efeito,
se a expressão “deve saber” abrange o dolo eventual, consistente na dúvida sobre a origem
criminosa da coisa, com maior razão deve abranger o dolo direto, em que há a certeza da origem
ilícita. Filiamo-nos a essa última corrente. Não se trata de suprir lacunas da lei, mas de revelar o seu
real significado. Na realidade, o dolo direto encontra-se implicitamente previsto no texto legal.
Outra discussão é se a expressão “deve saber” compreende ou não a culpa. De um lado,
argumenta-se que o crime culposo tem caráter excepcional, só sendo punível nos casos expressos
em lei, razão pela qual a dita expressão não compreende a culpa. De outro lado, sustenta-se que a
expressão “deve saber” é indicativa de negligência, sendo uma das formas de expressão da culpa.
Em termos de conteúdo desta expressão, cremos que abrange a culpa, caso contrário seria uma
expressão inútil, pois para referir-se ao dolo direto e eventual não há necessidade de utilizar-se de
expressão alguma. Todavia, a pena abstrata, reclusão de três a oito anos, e multa, revela-se
desproporcional para a modalidade culposa, sendo mais severa do que o homicídio culposo,
violando o princípio da proporcionalidade da pena. Em razão disso, força convir que a finalidade da
lei foi abranger apenas o dolo direto e eventual, excluindo-se a culpa.

RECEPTAÇÃO CULPOSA

Dispõe o §3º do art. 180 do CP:


“Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço,
ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso:
Pena – detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa, ou ambas as penas.”
Os núcleos do tipo são os verbos adquirir e receber. O Código não incrimina as condutas de
ocultar, conduzir e transportar culposamente a coisa que é produto de crime. Igualmente, não se
tipificou a mediação culposa, isto é, a influência para que terceiro de boa-fé adquira a coisa. O
mediador, que desconhece a origem ilícita do bem, não comete delito algum.
Como vimos, a receptação do art. 180, caput, do CP, abrange apenas do dolo direto. O dolo
eventual, consistente na dúvida sobre a origem criminosa da coisa, caracteriza receptação culposa. Seria
incoerente deixar o fato impune. Não se trata de analogia, mas de interpretação extensiva.
Na apuração da culpa do receptador, leva-se em conta o comportamento do homem médio
da sociedade. Se este teria desconfiado da origem criminosa, caracteriza-se a culpa do adquirente
do bem, que o adquiriu desconhecendo a procedência ilícita.
O § 3º do art. 180 do CP limitou a incidência da culpa à medida em que especificou os seus
indícios reveladores, consubstanciados na natureza da coisa, desproporção do preço e condição de
quem a oferece. Fora dessas três hipóteses, cremos não há falar-se em culpa, diante da proibição
da analogia in malam partem.
O delito só se caracteriza quando a culpa existe no momento da aquisição ou recebimento da
coisa. O conhecimento posterior, como salienta Magalhães Noronha, não pode dar lugar ao delito
em apreço. De fato, o tempo do crime é o momento da conduta (art. 4º do CP). Após a prática da
conduta de adquirir ou receber o objeto, torna-se irrelevante, sob o prisma penal, o fato de a

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conduta do alienante tornar-se passível de desconfiança pelo homem médio da sociedade.


A consumação ocorre com a aquisição ou recebimento da coisa. A doutrina não admite a
tentativa. Discordamos, pois torna-se possível a tentativa na hipótese de dolo eventual em que o
agente, após celebrar o contrato com o receptador, é impedido pela polícia de tomar posse do
bem.
Por outro lado, na análise da culpa, como vimos, toma-se por base o comportamento do
homem médio. Se este teria desconfiado da origem do bem, a culpa se configura. Diante da culpa, o
fato é típico, presumindo-se antijurídico. Todavia, o juízo condenatório depende ainda da análise da
culpabilidade. Nesta, leva-se em conta o comportamento pessoal do agente, ao invés do homem
médio. É a denominada previsibilidade subjetiva do resultado. Sobre o assunto, já tivemos
oportunidade de escrever o seguinte: “Se o perfil subjetivo do agente, mesmo empregando carga
razoável de atenção, não conseguir captar o resultado previsível ao comum dos homens, excluir-se-
á a culpabilidade, por falta da potencial consciência da ilicitude do fato. O homem rústico, de parcas
instruções, que adquire mercadoria criminosa, pagando preço desproporcional ao seu valor, realiza
a conduta típica da receptação culposa, desde que a natureza criminosa da coisa pudesse ter sido
antevista pelo homem médio. Nem por isso, porém, estará fadado à sujeição de uma sentença
penal condenatória, pois, se os seus atributos individuais, por mais que se acionem os neurônios da
prudência, não conseguirem captar a previsão do resultado, a culpabilidade é excluída.”
Finalmente, a receptação culposa ainda admite o perdão judicial, extinguindo-se a
punibilidade, se o criminoso é primário e as circunstâncias do crime lhe forem favoráveis (§ 5º do
art. 180 do CP).

RECEPTAÇÃO DE ANIMAL

Dispõe o art. 180-A, do CP introduzido pela lei 13.330/2016:


“Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito ou vender, com a
finalidade de produção ou de comercialização, semovente domesticável de produção, ainda que
abatido ou dividido em partes, que deve saber ser produto de crime:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa”.
Trata-se de um tipo especial autônomo de receptação, e não de uma qualificadora, cujo
objeto material é o semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes.
Sobre este conceito, reporto o leitor ao estudo do furto de semovente domesticável de produção.
Antes da aludida lei 13.330/2016, caso o agente adquirisse o animal no exercício de atividade
comercial ou industrial, ainda que se tratasse de uma atividade comercial irregular, clandestina ou
residencial, ele responderia pela receptação qualificada do § 1º do art. 180 do CP, cuja pena é mais
severa. Com o advento da “novatio legis in melius”, impõe o enquadramento no art. 180-A, que
tem pena mais branda. Noutras palavras, o legislador amenizou a situação jurídica de empresários
que atuam como receptadores de animais domesticáveis de produção.
Os núcleos do tipo, que são adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito
ou vender, já foram analisados anteriormente.
Trata-se de crime de ação múltipla. A reiteração de condutas, envolvendo o mesmo
semovente, caracteriza um único delito.
O elemento subjetivo do tipo é polêmico, pois a lei utiliza a expressão “que deve saber ser
produto de crime”.
Uma primeira interpretação sustenta que a expressão exclui o dolo direto, abrangendo
apenas o dolo eventual, concluindo pela inconstitucionalidade do preceito secundário, diante da

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impossibilidade de se punir o dolo eventual de maneira mais severa que o dolo direto. Os adeptos
dessa orientação asseveram que, para que seja preservado o princípio da proporcionalidade da
pena, o art. 180-A do CP deve conter a mesma pena do caput do art. 180 pois se para o dolo direto
é aplicável esta pena menor, com maior razão deve ser aplicado quando se tratar do dolo eventual.
Uma segunda corrente preconiza que na expressão deve saber também está embutido o dolo
direto. Para tanto, invoca-se a interpretação extensiva, ampliando o texto da lei, adaptando-a a sua
vontade real, pois ela disse menos do que quis. Trata-se do argumento a fortiori - se a lei prevê um
caso deve estendê-la a outro caso em que a razão da lei se manifeste com maior rigor. Com efeito,
se a expressão “deve saber” abrange o dolo eventual, consistente na dúvida sobre a origem
criminosa da coisa, com maior razão deve abranger o dolo direto, em que há a certeza da origem
ilícita. Filiamo-nos a essa última corrente. Não se trata de suprir lacunas da lei, mas de revelar o seu
real significado. Na realidade, o dolo direto encontra-se implicitamente previsto no texto legal.
Outra discussão é se a expressão “deve saber” compreende ou não a culpa. De um lado,
argumenta-se que o crime culposo tem caráter excepcional, só sendo punível nos casos expressos
em lei, razão pela qual a dita expressão não compreende a culpa. De outro lado, sustenta-se que a
expressão “deve saber” é indicativa de negligência, sendo uma das formas de expressão da culpa.
Em termos de conteúdo desta expressão, cremos que abrange a culpa, caso contrário seria uma
expressão inútil, pois para referir-se ao dolo direto e eventual não há necessidade de utilizar-se de
expressão alguma. Todavia, a pena abstrata, reclusão de três a oito anos, e multa, revela-se
desproporcional para a modalidade culposa, sendo mais severa do que o homicídio culposo,
violando o princípio da proporcionalidade da pena. Em razão disso, força convir que a finalidade da
lei foi abranger apenas o dolo direto e eventual, excluindo-se a culpa.
Por fim, além do dolo, há ainda outro elemento subjetivo do tipo que é a finalidade de
produção ou comercialização, que alguns penalistas chamam de dolo específico.

IMUNIDADES NOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

IMUNIDADES ABSOLUTAS

As imunidades absolutas, que isentam de pena quem comete delito contra o patrimônio em
prejuízo de ascendente, descendente ou cônjuge, na constância da sociedade conjugal, são
autênticas escusas absolutórias, vedando inclusive a instauração do inquérito policial. Trata-se de
um perdão legal. Conquanto o fato seja típico, antijurídico e culpável, há um impedimento legal da
punibilidade, que é excluída, de antemão, antes mesmo da prática do delito, distinguindo-se do
perdão judicial, que é concedido pelo juiz na sentença, após o devido processo legal.

IMUNIDADES PENAIS RELATIVAS OU PROCESSUAIS PENAIS

Nas imunidades penais relativas, previstas no art. 182 do CP, o delito, de ação pública
incondicionada, transmuda-se para ação pública condicionada à representação da vítima ou de seu
representante legal. Tratando-se de crime de ação privada, não há falar-se em imunidade
processual, cuja finalidade é beneficiar, ao invés de prejudicar. A ação penal privada é mais
vantajosa do que a ação penal pública condicionada à representação.
A primeira causa de imunidade processual consiste no fato de o delito ser praticado em
prejuízo de cônjuge desquitado ou judicialmente separado.
A segunda causa, delito praticado em prejuízo de irmão, abrange os irmãos germanos ou
bilaterais (filhos dos mesmos pais) e os irmãos unilaterais, que podem ser consanguíneos (filhos do

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mesmo pai) ou uterinos (filhos da mesma mãe). É claro que a imunidade também se estende aos
irmãos adotivos.
A última causa de imunidade, delito praticado em prejuízo de tio ou sobrinho com quem o
agente coabita, pode se caracterizar ainda que o crime tenha sido praticado fora do local em que
eles vivem, como, por exemplo, numa pescaria.

EXCEÇÕES ÀS IMUNIDADES

Dispõe o art. 183 do CP que as imunidades absolutas e relativas, referidas anteriormente, não
se aplicam:
a) Ao delito de roubo.
b) Ao delito de extorsão.
c) Aos delitos cometidos com emprego de grave ameaça ou violência à pessoa. Exemplo: art.
163, parágrafo único, inciso I, do CP. De acordo com Magalhães Noronha, exclui-se a imunidade
quer a violência ou ameaça seja empregada contra o parente da vítima ou contra terceiro, pois a lei
não faz distinção.
d) Ao estranho que participa do crime. De fato, a imunidade é uma circunstância pessoal, logo
incomunicável, por força do art. 30 do CP. Assim, o terceiro que auxilia o marido a furtar a esposa
responde pelo delito de furto.
e) Aos delitos praticados contra pessoa com idade igual ou superior a 60 anos. Foi introduzida
essa hipótese pelo estatuto do idoso (Lei n. 10.741/2003). Assim, o filho que furta o pai maior de 60
anos responde pelo delito.

CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL

ESTUPRO

CONCEITO

Dispõe o art. 213 do CP:


“Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a
praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.”
O estupro, a rigor, é uma espécie de constrangimento ilegal, distinguindo-se apenas quanto à
finalidade do agente, caracterizada pela intenção de obter a conjunção carnal ou outro ato
libidinoso. O princípio da especialidade, um dos que regem o conflito aparente de normas,
soluciona o problema da adequação típica. De fato, há entre os delitos dos arts. 213 e 146 do CP
uma relação de gênero e espécie. Se não existisse no Código Penal o delito de estupro, o fato seria
enquadrado como constrangimento ilegal, no art. 146 do CP.
No Brasil, estupro é a conjunção carnal ou ato libidinoso obtido com violência física ou grave
ameaça, desvencilhando-se o termo do seu significado etimológico, oriundo do latim “estuprum”,
de significado amplo, abrangendo qualquer ato sexual extramatrimonial.
Até antes do advento da lei 12.015/2009, o estupro só configurava com a conjunção carnal,
pois para os atos libidinosos diversos havia o crime de atentado violento ao pudor, previsto no art.
214, que acabou sendo revogado. Não houve “abolitio criminis”. De fato, a mesma lei que revogou
o art. 214 ampliou o conceito de estupro para inserir no art. 213 o ato libidinoso. Por consequência,

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os crimes de atentado violento ao pudor praticados antes da referida lei passaram a ser crimes de
estupro. Só houve alteração do nome do delito. A hipótese é de aplicação do princípio da
continuidade normativa.

OBJETIVIDADE JURÍDICA

O bem jurídico tutelado é a liberdade sexual e também a honra sexual da mulher.


Trata-se de direito disponível, excluindo-se o crime diante do consentimento da vítima, desde
que esboçado antes da consumação. O agente, na dúvida se a vítima consentiu ou não à conjunção
carnal ou ao ato libidinoso, responde pelo crime, a título de dolo eventual.
Urge, para a validade do consentimento, seja a vítima maior de 18 (dezoito) anos. Nesse caso,
vindo o agente a praticar a conjunção carnal ou outro ato libidinoso, mediante violência física,
anuída previamente por ela, não há falar-se em estupro, remanescendo-lhe, porém, a
responsabilidade penal pelo crime de lesão corporal. Em contrapartida, sendo a vítima menor de 18
anos, ainda que consinta em manter conjunção carnal ou ato libidinoso com agressões físicas,
haverá o crime de estupro, pois o seu consentimento é inválido.

SUJEITO ATIVO

Trata-se de crime comum, podendo ser praticado tanto pelo homem quanto pela mulher,
porquanto o tipo penal refere-se a “constranger alguém”. De fato, a mulher pode figurar como
autora do estupro se obrigar o homem a ter com ela conjunção carnal ou outro ato libidinoso.
É partícipe aquele que induzir, instigar ou auxiliar alguém a praticar estupro. É coautor quem
constranger alguém, mediante grave ameaça, para que o seu comparsa mantenha conjunção carnal
ou ato libidinoso com a vítima. Será, por fim, autor mediato quem ordenar uma pessoa que atua
sem culpabilidade a praticar conjunção carnal ou ato libidinoso com outra pessoa, mediante
violência ou grave ameaça. É, por exemplo, autora mediata de estupro a mulher que instiga um
doente mental a manter conjunção carnal violenta com a vítima. Também é autor mediato de
estupro, diante da coação moral irresistível, aquele que aponta a arma para um casal, obrigando os
dois a manterem relação sexual.
Por outro lado, a mulher, munida de uma prótese peniana, ao obrigar outra mulher ao coito
vagínico cometerá estupro. Aludido ato não é conjunção carnal, mas é um ato libidinoso. Equivale à
introdução de objeto na vagina. O conceito de conjunção carnal é restrito à introdução do pênis na
vagina, mas para a configuração do estupro não é mais imprescindível que ocorra conjunção carnal.
O hermafrodita, dotado de órgão sexual masculino e órgão sexual feminino, ao constranger
uma mulher à relação sexual, cometerá também o delito de estupro.

SUJEITO PASSIVO

O sujeito passivo do estupro é o homem e a mulher. O tipo penal do art. 213 do CP não deixa
dúvidas ao referir-se expressamente a “constranger alguém”. Não se exige a honestidade da vítima,
e, por isso, a prostituta pode figurar também como sujeito passivo.
Discute-se se a esposa pode ser vítima de estupro praticado pelo marido, quando este,
mediante violência ou grave ameaça, a obriga à relação sexual. Nelson Hungria assevera tratar-se
de exercício regular do direito, pois entre os cônjuges existe o dever recíproco de manter relação
sexual, diante do chamado débito conjugal, de modo que a cópula sexual, em si mesma, é legítima,
caracterizando, porém, o delito de estupro quando a recusa for justa (marido com doença venérea;

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mulher no período de menstruação ou pós-parto etc.).


Em sentido oposto, acertadamente, proclama Celso Delmanto a existência do estupro,
mesmo quando a recusa for injusta, pois com o casamento subsiste a liberdade sexual, o direito de
a mulher dispor do próprio corpo, acrescentando-se, ainda, o fato de inexistir na legislação
qualquer norma autorizando o marido a fazer uso da violência. Ademais, o art. 226, II, do CP prevê
que a pena aumenta na metade quando o crime sexual for praticado por cônjuge, sem abrir
exceção ao estupro.
Porque a pena abstrata se mostra desproporcional em relação ao marido, a jurisprudência,
amiúde, acaba abraçando a primeira orientação, mas há também diversos julgados adotando a
segunda corrente, que é dominante. O ideal seria a criação de um tipo penal privilegiado para o
marido, amenizando o rigor excessivo da pena. Quando, porém, o marido obriga a esposa a atos
libidinosos anormais, estranhos à conjunção carnal, não paira qualquer celeuma jurisprudencial,
respondendo ele pelo delito de estupro (art. 213 do CP).
Insustentável, na hipótese acima, o enquadramento do marido no crime de exercício
arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP), cuja aplicação pressupõe o poder daquele que fez
justiça com as próprias mãos de ingressar com uma ação judicial para obter a prestação devida. No
caso, a cópula carnal não pode ser exigida judicialmente. Não há, portanto, ação judicial disponível,
descaracterizando-se, por completo, a possibilidade de enquadrar o fato no art. 345 do CP.
Finalmente, o menor de 14 anos e o doente mental sem o necessário discernimento, bem
como se encontra incapaz de oferecer resistência, não podem figurar como sujeitos passivos do
estupro do art. 213 do CP, porquanto a hipótese configura o estupro de vulnerável, quer haja ou
não violência ou grave ameaça, previsto no art. 217-A do CP.

ELEMENTOS OBJETIVOS

O crime de estupro apresenta os seguintes elementos:


a) Conjunção carnal ou outro ato libidinoso;
b) Dissenso da vítima;
c) Emprego de violência ou grave ameaça.

CONJUNÇÃO CARNAL OU OUTRO ATO LIBIDINOSO

Conjunção carnal é a relação sexual normal entre o homem e a mulher, caracterizada pelo
coito vagínico, ainda que incompleto. É, pois, a “introductio penis in vaginam”.
Atos libidinosos diversos da conjunção carnal são os equivalentes ou sucedâneos fisiológicos
desta (Exemplos: coito oral, coito anal, onanismo etc.). Igualmente, aqueles que contrastam com a
dignidade sexual e, por isso, são tidos como depravações sexuais.
O delito de estupro, mediante ato libidinoso diverso da conjunção carnal, pode ser executado
de duas formas:
a) O agente constrange a vítima a praticar o ato libidinoso. Nesse caso, a vítima realiza o
ato em si mesma, no agente ou em terceiro, tendo, pois, uma participação ativa. Exemplos: a
vítima é obrigada a realizar a felação, a masturbação etc.
b) O agente constrange a vítima a permitir que com ela seja praticado o ato libidinoso.
Em tal situação, a vítima tem participação passiva, sendo constrangida a anuir à prática do
ato. Exemplo: coito anal.
Urge, para a caracterização do delito, tenha a vítima uma participação material nos fatos.
Como salienta Nelson Hungria, o ato libidinoso tem de ser praticado pela, com ou sobre a vítima.

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Desnecessário, porém, o contato físico entre o agente e a vítima. Tipifica-se, por exemplo, o
delito quando o agente obriga a vítima a se masturbar. Igualmente, responde pelo crime o agente
que surpreende uma mulher nua e a constrange a permanecer nua para contemplá-la, realizando a
chamada visão lasciva.
Por outro lado, não comete o delito em apreço o agente que obriga a vítima a presenciar atos
de libidinagem praticados por terceiros. De fato, em tal situação, a vítima não pratica nem permite
que com ela se pratique o ato libidinoso. Ela não teve uma participação material nos fatos. Aludida
perversão sexual, de se satisfazer vendo os outros, é denominada mixoscopia ou voyeurismo. Caso
a vítima seja menor de 14 anos haverá o delito de satisfação de lascívia mediante presença de
criança ou adolescente, previsto no art. 218-A do CP. Se ela for maior de 14 (catorze) anos, ausente
a violência ou grave ameaça para obrigá-la a presenciar o ato, o fato será atípico, porquanto o art.
218-A do CP não incrimina a corrupção dos maiores de 14 (catorze) anos, mas se houver violência
ou grave ameaça, o agente poderá responder pelo crime de constrangimento ilegal (art. 146 do CP).

ANÁLISE DO CONCEITO DE ATO LIBIDINOSO

O conceito de ato libidinoso é controvertido.


Magalhães Noronha, partidário da corrente objetiva, entende por ato libidinoso o ofensivo à
moral sexual média, sendo prescindível a finalidade de obter o prazer sexual.
Em contrapartida, Nelson Hungria, filiando-se à corrente subjetiva, define ato libidinoso
como sendo o ofensivo ao pudor sexual do homem médio, desde que praticado com a finalidade de
buscar a satisfação do prazer sexual, isto é, do instinto lascivo.
O agente que, por vingança, obriga o inimigo à felação (sexo oral) ou então que desnuda as
partes vergonhosas de uma mulher para humilhá-la, comete, para a corrente objetiva, o delito de
estupro, mas para a subjetiva o delito será de injúria real, previsto no art. 140, § 2º, do CP, pois,
ausente a finalidade de busca do prazer sexual, não há falar-se em ato libidinoso,
descaracterizando-se o delito de estupro.
Filio-me à escola objetiva, pois a finalidade de satisfazer a lascívia não consta expressamente
no texto legal do art. 213 do CP. Se o legislador tivesse a intenção de exigi-la, teria dito
expressamente como fez no art. 227 do CP. Ademais, a exigência de comprovação da finalidade do
prazer sexual colocaria em risco a punição do delito, porquanto haveria ensejo para iludir a
acusação, dificultando a prova.
Ambas as correntes, porém, tem um ponto em comum, pois exigem, para a caracterização do
ato libidinoso, a ofensa ao pudor sexual do homem médio, destipificando-se, portanto, o delito
quando o ato, conquanto praticado com finalidade libidinosa, não tem o condão de ofender
objetivamente a moral pública sexual, como no caso de certos fetichistas que sentem prazer sexual
tocando nos cabelos da menina ou afagando um braço nu, devendo ainda ser lembrado o caso dos
erotônomos, que tem prazer sexual com representação mental de cenas eróticas, mediante o coito
psíquico. Quando eles obrigam uma mulher a se deixar contemplar, sem despi-la, para chegar ao
coito psíquico, não cometem o crime de estupro, e isto para ambas as correntes, pois,
objetivamente, o ato não ofende o pudor do homem médio, transmudando-se o delito em
constrangimento ilegal, previsto no art. 146 do CP.
Quanto ao beijo na boca ou mão nas nádegas de uma mulher, contra a sua vontade, discute-
se sobre o melhor enquadramento. Uma primeira corrente sustenta que se trata do crime de
estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A do CP, tendo em vista que a vítima, ao ser atacada de

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surpresa, não podia oferecer resistência. Outra amolda o fato no crime de importunação sexual,
previsto no art. 215-A do CP que, com o advento da lei 13.718/2018, substituiu a contravenção de
importunação ao pudor, que era previsto no art. 61 da LCP, mas que acabou sendo revogada.

Quanto ao beijo casto ou fugitivo, isto é, no rosto, o fato é atípico.


Em relação ao beijo na boca numa criança, evidentemente que tem conotação lasciva,
caracterizando o delito de estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A do CP (Informativo 954 do
STF).
No concernente às palavras ou narrações obscenas e ofensivas ao pudor não caracterizam o
delito do art. 213 do CP, pois este se refere a ato libidinoso, podendo o agente responder pela
contravenção de importunação ao pudor (art. 61 da LCP) ou pelo crime de injúria, caso tenha
ofendido a dignidade ou decoro da vítima.

DISSENSO DA VÍTIMA

O núcleo do tipo é o verbo constranger, que significa obrigar, forçar ou coagir, pressupondo o
dissenso da vítima, a sua não adesão ao ato sexual.
Urge, para perfeita caracterização do delito, distinguir duas situações.
A primeira, que diz respeito ao estupro praticado por celerado desconhecido da vítima, não
exige desta um sacrifício desmesurado ou heroísmo excessivo, configurando-se o crime ainda que
ela não venha, por medo, a resistir.
A segunda, referentemente ao estupro praticado por homem do relacionamento da vítima,
por exemplo, noivo ou namorado, há de ser analisado com maior cautela, dela se exigindo uma
resistência positiva, sincera e inequívoca, para a tipificação do crime, sendo, pois, insuficiente as
chamadas “negativas tímidas”, consubstanciadas num “não querer sem rebeldia” ou meras palavras
de protesto.
A oposição da ofendida deve estar presente durante todo o desenrolar da conjunção carnal,
se a certa altura ela aceita, não há falar-se em estupro. Em contrapartida, haverá estupro quando a
vítima, que inicialmente havia consentido, passa a discordar com veemência do ato sexual ou
libidinoso.
O consentimento posterior à conjunção carnal, não exclui o crime. Assim, persiste o delito na
hipótese de a vítima passar a namorar o estuprador, ou manter novas relações sexuais com ele.

VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA

Ainda, para a caracterização do crime, é imprescindível o emprego de violência física ou grave


ameaça.
Por violência física, “vis absoluta”, entende-se a força bruta contra a vítima, sendo suficiente
o emprego de vias de fato. Não se exige lesão corporal. A violência física contra outra pessoa ou
coisa pode também caracterizar estupro, mas a título de grave ameaça.
Com efeito, a violência moral, “vis compulsiva”, é a grave ameaça, isto é, a promessa de
causar à vítima dano determinado e grave. O mal deve ser sério, além de iminente, irremovível pela
própria vítima. Diz-se direta a ameaça exercida contra a própria vítima; indireta, quando dirigida a
coisas ou a uma terceira pessoa.
A ameaça justa também caracteriza estupro, desde que grave, pois a lei não exige uma
ameaça injusta. Assim, responde por estupro o policial que, para evitar a prisão em flagrante da
mulher, exige dela a conjunção carnal. Anote-se que a ameaça em si mesma, prender em flagrante,

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é justa.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO

É o dolo, caracterizado pela vontade de manter a conjunção carnal ou ato libidinoso ciente ou
na dúvida acerca da oposição da vítima. Na hipótese de dúvida sobre a oposição da vítima, ter-se-á
o dolo eventual. Se, porém, o agente acreditava sinceramente ser desejo da vítima manter a
conjunção carnal ou ato libidinoso, por ser ela pessoa do seu relacionamento íntimo, haverá apenas
culpa, e, como é sabido, o Código não incrimina o estupro culposo.
Uma primeira corrente, denominada subjetiva, exige o dolo específico, o fim de satisfazer a
lascívia, ou seja, o prazer sexual. Se o propósito for outro, por exemplo, vingar-se ou humilhar, o
crime seria de injúria real.
Uma segunda corrente, denominada objetiva, que é dominante, sustenta que o dolo é
genérico, caracterizando-se o crime de estrupo quer haja ou não o fim de satisfazer a lascívia, pois
não se pode presumir a existência de um elemento subjetivo que não é mencionado pelo tipo
penal.
CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

Trata-se de crime material, consumando-se com o resultado, isto é, conjunção carnal ou


outro ato libidinoso. No estupro com conjunção carnal, a consumação ocorre com a introdução
completa ou incompleta do pênis na vagina da vítima. Na hipótese de ato libidinoso diverso da
conjunção carnal verifica-se a consumação com a prática de um único ato libidinoso, ainda que
executado de forma incompleta.
Admite-se a tentativa quando a conjunção carnal ou ato libidinoso não ocorre por
circunstâncias alheias à vontade do agente. Exemplos: fuga da vítima, ejaculação precoce, etc.
Na hipótese de o agente visar a conjunção carnal, mas não obter êxito, discute-se se os atos
libidinosos por ele praticado caracterizaria estupro consumado ou estupro tentado.
Uma primeira corrente sustenta que o estupro é consumado, pois um único ato libidinoso é
suficiente, ainda que a finalidade visada seja a conjunção carnal.
Outra corrente, que é a dominante no STJ, preconiza que os atos anteriores e preparatórios
da conjunção carnal, como despir a vítima ou tocar no seu corpo nu, representam mera tentativa
de estupro, quando o fim ultimado pelo agente for a conjunção carnal, mas o estupro será
consumado na hipótese de autonomia dos atos anteriores em relação ao coito vagínico. Por
consequência, o coito anal e a felação, por exemplo, caracterizam estupro consumado, ainda que o
agente visasse a conjunção carnal.
Quanto ao exame de corpo de delito, só será necessário se o estupro deixou vestígios, por
exemplo, lesões corporais ou perda da virgindade. Caso não tenha deixado vestígios, como é o caso
do estupro com grave ameaça, não há falar-se em exame de corpo de delito.

CONCURSO DE CRIMES

As lesões corporais leves e as vias de fato são absorvidas pelo estupro, pois já o integram.
Se o estuprador tinha doença venérea, mas esta não se transmitir à vítima responderá por
estupro em concurso com o art. 130 do CP; se, ao revês operar-se a transmissão da doença, a pena
do estupro aumenta de um sexto até a metade, nos termos do art. 234-A, IV, do CP, absorvendo-se
o delito do art. 130 do CP, tendo em vista o princípio da subsidiariedade tácita.
Se o estupro for praticado em lugar público, responderá em concurso com o delito de ato

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obsceno (art. 233 do CP).


Antes do advento da lei n. 12.015/2009, discutia-se se havia concurso ou absorção entre os
delitos de estupro e atentado violento ao pudor. A questão era resolvida da seguinte forma: os atos
libidinosos anteriores e necessários à conjunção carnal eram absorvidos pelo delito de estupro, por
força do princípio da consunção. Em contrapartida, haveria concurso material entre os delitos de
estupro e atentado violento ao pudor com relação aos atos libidinosos posteriores à conjunção
carnal ou anteriores a ela, mas autônomos, desnecessários para a concretização do coito vagínico.
Com a lei n. 12.015/2009, o atentado violento ao pudor passou a ser também estupro,
figurando no mesmo tipo penal, entretanto, ainda paira discussão na hipótese de o agente praticar
a conjunção carnal e outros atos libidinosos autônomos (coito anal, felação, etc.).
Uma primeira corrente sustenta que o agente responderá por dois estupros, em concurso
material. O argumento é que se trata de um tipo penal misto cumulativo.
Uma segunda corrente, acertadamente, proclama a existência de um único delito de estupro.
Argumenta-se que o estupro é um tipo penal misto alternativo. A meu ver, o crime é único, pois os
atos foram praticados no mesmo contexto. Não se trata de tipo misto alternativo. De fato, o tipo
misto alternativo é o que contém mais de um verbo (exemplo: art. 122 do CP). A situação
assemelha-se ao crime de lesão corporal, que consiste em ofender a integridade física ou a saúde
de outrem, mas se no mesmo contexto o agente ofender a integridade física e a saúde não há falar-
se em dois crimes de lesão corporal. Igualmente, quando, num único contexto, praticar conjunção
carnal e atos libidinosos, não haverá dois estupros. Em suma, será um único estupro, mas diante da
maior gravidade o magistrado aumentará a pena-base, nos termos do art. 59 do CP.
Quanto aos crimes anteriores à lei 12.015/2009, devem ser revistos para beneficiar o réu,
ainda que o fato esteja acobertado pela coisa julgada, para que o concurso material seja afastado.
Em relação aos atos anteriores que sejam preparatórios da conjunção carnal, não paira
qualquer discussão sobre a absorção.
Por fim, é pacífico o entendimento preconizando a possibilidade de continuidade delitiva no
estupro contra a mesma vítima ou vítimas diferentes, nos moldes do parágrafo único do art. 71 do
CP, desde que os fatos tenham sido praticados em contextos distintos, pois, no mesmo contexto,
haverá crime único.

ESTUPRO QUALIFICADO PELA LESÃO GRAVE OU MENORIDADE DA VÍTIMA

Dispõe o §1º do art. 213 do CP: “Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se
a vítima é menor de 18(dezoito) ou maior de 14(catorze) anos:
Pena- reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.”
Trata-se de qualificadora, pois tem pena própria, isto é, desvinculada da pena prevista no tipo
fundamental.
São duas qualificadoras.
A primeira é o fato de a vítima, ao tempo do crime, ser menor de 18 anos e maior de 14. Se
ela for menor de 14 anos, o crime será de estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A do CP.
A segunda refere-se à lesão corporal de natureza grave causada pela conduta. Não é
necessário que seja oriunda da violência ou grave ameaça. Basta que da conduta resulte a lesão
grave. Exemplo: a vítima, durante o estupro, sofre um derrame cerebral.
A expressão lesão corporal de natureza grave abrange os §§ 1º e 2º do art. 129 do CP. Quanto
às lesões leves e vias de fato, não qualificam o estupro, pois são elementares do tipo, e, por isso,
absorvidas.
A lesão grave pode ser tanto dolosa quanto culposa, conforme determina o art. 19 do CP. É

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minoritária a corrente que considera a qualificadora apenas na hipótese de lesão grave culposa,
sustentando que, na dolosa, o estupro seria simples em concurso com a lesão corporal grave. A
pena do estupro qualificado pela lesão grave é elevada, bem superior à pena do delito de lesão
grave, de modo que o resultado agravador, para que incida a qualificadora, pode ser tanto culposo
quanto doloso, conforme preceitua o art. 19 do CP.
Haverá o preterdolo quando a lesão grave for culposa.
É essencial, para a incidência da qualificadora, que a lesão corporal seja antecedente ou
concomitante à conjunção carnal ou ato libidinoso. Em tal situação, o delito de lesão corporal
grave, previsto nos §§ 1º e 2º do CP é absorvido, por força do princípio da subsidiariedade tácita.
Se a lesão grave se verifica somente após a consumação do estupro, como no exemplo em
que o agente, após a conjunção carnal, causa dano estético na vítima, riscando-lhe o rosto com
uma faca, haverá delito de estupro simples em concurso com o crime de lesão corporal gravíssima,
previsto § 2º, inciso IV, do art. 129 do CP. De fato, o § 1º do art. 213 do CP exige que a lesão grave
resulte da conduta descrita no tipo, que é diferente das condutas perpetradas após a consumação.
É, pois, necessário o nexo causal entre a conduta descrita no art. 213 do CP e a lesão grave
sofrida pela vítima, outrossim, o dolo ou culpa do agente em relação a esta lesão. Sobrevindo a
lesão grave de um fato imprevisível ao homem médio exclui-se a qualificadora.

ESTUPRO QUALIFICADO PELA MORTE

Dispõe o § 2º do artigo 213 do CP: “Se da conduta resulta morte:


Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos”.
Trata-se de qualificadora, pois tem pena autônoma, isto é, desvinculada da pena do tipo
fundamental.
A morte pode ocorrer a título de dolo ou culpa. Portanto, não se trata de um delito
necessariamente preterdoloso. Só haverá o preterdolo quando a morte for culposa.
É minoritária a corrente que considera a qualificadora apenas na hipótese de morte culposa,
sustentando que, na dolosa, o estupro seria simples em concurso com homicídio doloso. A pena do
estupro qualificado pela morte é elevada, bem superior à pena do delito de homicídio simples, de
modo que o resultado agravador, para que incida a qualificadora, pode ser tanto culposo quanto
doloso, conforme preceitua o art. 19 do CP.
É essencial, para a incidência da qualificadora, o nexo causal entre a morte e a conduta
descrita no tipo penal. Não é preciso que a morte decorra da violência e nem da conjunção carnal.
Incide, por exemplo, a qualificadora se, durante o estupro, a vítima morrer em razão de um infarte.
Quanto ao delito de homicídio doloso ou culposo, é absorvido, porque já funciona como
qualificadora, aplicando-se, destarte, o princípio da subsidiariedade tácita.
Se, no entanto, após a consumação do estupro, o agente, para assegurar a impunidade,
resolve matar a vítima, a meu ver, o estupro será simples, mas em concurso com o crime de
homicídio doloso qualificado (art.121, § 2º, do CP), tendo em vista que o evento letal, no exemplo
citado, não decorreu da conduta descrita no tipo.
Na hipótese do agente consumar a morte e não conseguir praticar a conjunção carnal ou ato
libidinoso por circunstâncias alheias à sua vontade, paira controvérsia sobre o correto
enquadramento.
Uma primeira corrente sustenta que é estupro qualificado consumado, invocando, para tanto,
a súmula 610 do STF, que cuida do latrocínio, mas cujo raciocínio jurídico guarda semelhança com o
problema aventado. Ademais, salientam os adeptos desse ponto de vista, o § 2º do art. 213 do CP
exige que a morte decorra da conduta e não necessariamente da conjunção carnal ou ato

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libidinoso.
Uma segunda corrente tipifica o fato como sendo tentativa de estupro qualificado.
Uma terceira sustenta que é tentativa de estupro qualificado, quando a morte for dolosa,
mas, na hipótese de morte culposa, tendo em vista a impossibilidade de tentativa em crime
preterdoloso, o fato passa a ser tentativa de estupro simples em concurso com homicídio culposo.

DISPOSIÇÕES GERAIS

O capítulo III do Título VI prevê duas disposições gerais aplicáveis aos delitos dos capítulos I e
II, arts. 213 a 218–B do CP, a saber:
a) Ação penal (art. 225);
b) Causas de aumento de pena (art. 226).
O art. 234–A, por sua vez, prevê outras causas de aumento de pena, aplicáveis a todos os
delitos contra a dignidade sexual (arts. 213 a 234 do CP).
E, por fim, o art. 234–B estabelece o segredo de justiça.

AÇÃO PENAL NOS CRIMES CONTRA A DIGINIDADE SEXUAL

A ação penal é pública incondicionada, qualquer que seja o delito contra a dignidade sexual
previsto neste Título VI da Parte Especial.
A propósito, dispõe o art. 225 do CP, com nova redação que fora dada pela Lei 13.718/2.018:
“Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal
pública incondicionada”.
Em nenhuma hipótese a ação será privada ou pública condicionada à representação. Até
mesmo no delito de assédio sexual, a ação penal será pública incondicionada, pois o art. 225
abrange todos os crimes dos Capítulos I e II (arts. 213 à 218-C) .
Antes desta lei, a ação era pública condicionada em relação às vítimas maiores de 18 anos.
Quanto aos crimes anteriores, a ação penal dependerá de representação, por força da
irretroatividade da lei penal que prejudica o réu.
De fato, a lei que exclui a exigência de representação tem caráter híbrido, sendo ao mesmo
tempo uma lei penal e processual penal, sendo, pois, regida pelo princípio da irretroatividade.

CAUSAS DE AUMENTO DE PENA DO ART. 226

O art. 226 estabelece causas de aumento de pena aos delitos contra a dignidade sexual,
previstos nos Capítulos I e II (arts 213 à 218-C).
Com efeito, dispõe o art. 226 do CP:
A pena é aumentada:
I – de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas;
II - de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge,
companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver
autoridade sobre ela; (Redação dada pela Lei nº 13.718, de 2018).
III - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
IV - de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado: (Incluído pela Lei nº
13.718, de 2018).

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Estupro coletivo (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018).


a) mediante concurso de 2 (dois) ou mais agentes;

Estupro corretivo (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018).


b) para controlar o comportamento social ou sexual da vítima”.

CONCURSO DE DUAS OU MAIS PESSOAS

Esta majorante, crime cometido com concurso de duas ou mais pessoas, é aplicável a todos os
delitos dos capítulos anteriores, exceto aos crimes de estupros, pois para estes a lei prevê a causa
de aumento de pena específica, introduzida pela Lei 13.718/2.018, prevista no inciso IV, alínea “a”,
desse mesmo art. 226.

CRIME PRATICADO POR QUEM A QUALQUER TÍTULO TIVER AUTORIDADE SOBRE A VÍTIMA

Esta majorante de metade da pena consagra a interpretação analógica, pois o legislador, após
mencionar uma fórmula casuística, consubstanciada na frase – “se o agente é ascendente, padrasto
ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor (professor, mestre) ou
empregador da vítima” - menciona uma fórmula genérica, concretizada na expressão “ou por
qualquer outro título tiver autoridade sobre ela”.
A enumeração constante na fórmula casuística é exemplificativa, porquanto, através da
fórmula genérica, abarca-se outros fatos semelhantes, como a babá da criança. Não se trata de
integração analógica (analogia), mas sim de interpretação analógica. Na analogia, há lacuna, a lei
não prevê o fato, sendo vedada na área penal, quando “in malam partem”; na interpretação
analógica, não há lacuna, pois a lei, através da fórmula genérica, manda abranger expressamente
outros fatos.
Ressalte-se o fundamento da majorante, consistente na maior ofensa à moral e aos bons
costumes.
Trata-se, em algumas dessas hipóteses, de incesto, que, por si só não é crime, mas funciona
como causa de aumento de pena dos delitos sexuais.
Quanto ao crime de assédio sexual praticado pelo empregador, não incide a referida causa
de aumento de pena, pois a condição de superior hierárquico já é um dos elementos deste tipo
penal.

ESTUPRO COLETIVO

O estupro coletivo é o praticado mediante concurso de 2 (dois) ou mais agentes. Nesse caso,
a pena aumenta de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços).
De acordo com Nelson Hungria, só tem incidência o aumento da pena se os dois ou mais
agentes atuaram na fase de execução.
Em contrapartida, Magalhães Noronha, acertadamente, dispensa, para o reconhecimento da
majorante, a presença na execução, pois o concurso de agentes também pode ocorrer mediante
participação (induzimento, instigação ou auxílio). De fato, se o legislador quisesse exigir a presença
na fase da execução teria ressalvado expressamente, como no § 1º do art. 146 do CP, utilizado
como parâmetro para a concretização da interpretação sistemática. Assim, se “A” instiga “B” a
cometer um estupro contra determinada vítima, ambos, para a segunda corrente, terão o aumento
da pena, que, na hipótese, seria excluído pela primeira corrente.

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A majorante se refere ao estupro sem apontar o dispositivo legal correspondente e, por


consequência, abrange o estupro comum e o estupro de vulnerável, previstos nos arts. 213 e 217-A
do CP, respectivamente, pois onde a lei não distingue ao intérprete não é lícito distinguir, mas o
assunto certamente ensejará polêmica para se excluir a majorante no estupro de vulnerável. Se a
causa de aumento fosse exclusiva do estupro do art. 213, ela teria sido inserida neste dispositivo
legal, e não no Capítulo IV, que cuida das disposições comuns. Este argumento topográfico elimina
qualquer discussão hermenêutica.

ESTUPRO CORRETIVO

Estupro corretivo é o praticado para controlar o comportamento social ou sexual da vítima.

Trata-se de uma novidade introduzida pela Lei 13.718/2.018, que prevê o aumento de 1/3
(um terço) a 2/3 (dois terços) da pena.
O objetivo do agente é controlar, ou seja, conter , regular, corrigir, censurar o
comportamento social ou sexual da vítima, com o intuito de forçá-la a mudar a orientação sexual
ou social.
Trata-se, a rigor, de um crime de ódio. As vítimas geralmente são lésbicas, bissexuais,
transexuais e pessoas de costumes liberais.
É essencial, para a incidência da causa de aumento de pena, que o propósito do agente seja o
de controlar o comportamento da vítima.
A majorante se refere ao estupro sem apontar o dispositivo legal correspondente e, por
consequência, abrange o estupro comum e o estupro de vulnerável, previstos nos arts. 213 e 217-A
do CP, respectivamente, mas o assunto certamente ensejará polêmica para se excluir a majorante
no estupro de vulnerável. Se a causa de aumento fosse exclusiva do estupro do art. 213, ela teria
sido inserida neste dispositivo legal, e não no Capítulo IV, que cuida das disposições comuns. Este
argumento topográfico elimina qualquer discussão hermenêutica.

MAJORANTE DO ART. 9º DA LEI N. 8.072/90

O art. 9º da Lei n. 8.072/90 prevê ainda outra majorante, aplicável ao delito de estupro,
determinando o aumento da pena de metade, quando a vítima estiver em qualquer das hipóteses
referidas no art. 224 do CP (não é maior de 14 anos; é alienada ou débil mental e o agente conhecia
esta circunstância; não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência). Mas diante da
revogação expressa do art. 224 do CP, conforme art. 7º da Lei 12.015/2009 operou-se também a
revogação desta causa de aumento de pena prevista no art. 9º da Lei 8.072/1990, pois este
dispositivo referia-se expressamente ao citado art.224. Ademais, nessas hipóteses, o crime não é
mais de estupro, mas sim estupro de vulnerável, previsto do art. 217-A do CP, sendo que esta de
causa de aumento de pena já funciona como elemento do tipo.

CONCURSO DE CAUSAS DE AUMENTO DE PENA

Em havendo o concurso de mais de uma dessas causas de aumento de pena mencionadas


acima, o Juiz levará em conta apenas uma delas, a que mais aumenta, pois se encontram na parte
especial do Código Penal, submetendo-se à disciplina do parágrafo único do art. 68 do CP, devendo
as outras serem utilizadas como circunstâncias judiciais do art. 59 do CP ou então como agravantes
genéricas, caso figurem no rol dos arts. 61 e 62 do CP.

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O fato de o agente ser casado deixou de figurar como causa de aumento de pena nos crimes
sexuais, porque a Lei n. 11.106, de 28 de março de 2005, revogou expressamente o inciso III do art.
226 do CP.

CAUSAS DE AUMENTO DE PENA DO ART. 234-A DO CP

O art. 234–A do CP prevê as majorantes aplicáveis a todos os delitos contra a dignidade


sexual, referidos nos arts. 213 a 234.

Dispõe o citado art. 234–A do CP: “Nos crimes previstos neste Título a pena é aumentada:

I. (VETADO);
II. (VETADO);
III. de metade a 2/3 (dois terços), se do crime resulta gravidez;
IV. de um sexto até a metade, se o agente transmite à vítima doença sexualmente
transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador ou se a vítima é idosa ou pessoa com
deficiência.”

Majorante da gravidez

Se do crime resulta gravidez, seja esta viável ou inviável, impõe-se a majorante em análise.

O aumento da pena, que era da ½ (metade) , passou a ser de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois
terços), a partir do advento da lei 13.718/2.018.

Nos crimes anteriores, o juiz poderá levar em conta a nova lei para aplicar o aumento de 1/3 (
um terço) até a 1/2 ( metade), por força da retroatividade da lei penal benéfica, mas este aumento
não poderá ultrapassar da metade, pois a lei posterior, nos aspectos que prejudicam o réu, não
poderá retroagir.

MAJORANTE DA DOENÇA SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEL

A pena também é aumentada se o agente transmitir à vítima doença sexualmente


transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador.
Trata-se de majorante em quantidade variável, de um de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois
terços),cuja dosagem será feita pelo magistrado, atento à intenção do agente e à gravidade da
doença.
Antes da Lei 13.718/2.018, o aumento era de um sexto até a metade.
A nova lei é irretroativa, posto que prejudicial ao réu.
A expressão “sabe” indica o dolo direto do agente em relação à doença, isto é, o fato de ele
ter ciência inequívoca de que é portador da moléstia. Já a expressão “deve saber”, para alguns
autores revela somente o dolo eventual, a dúvida sobre o fato de portar ou não a doença,
excluindo-se, portanto, a majorante quando o agente proceder com culpa. A meu ver, a referida
expressão indica tanto o dolo eventual quanto a culpa em relação à doença, pois a expressão “sabe
ou deve saber” seria inútil se fosse empregada apenas para abranger o dolo direto e o dolo
eventual, pois suprimindo a expressão, a majorante já seria acobertada pelo dolo direto e eventual.

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Quanto ao delito previsto no art. 130 do CP, é absorvido, quando houver a transmissão da
doença, porque já integra o tipo penal como causa de aumento de pena, aplicando-se, destarte, o
princípio da subsidiariedade implícita. Se, no entanto, não se operar o contágio, exclui-se a
majorante, mas, em contrapartida, o agente responderá pelo delito de perigo de contágio de
moléstia venérea, previsto no art.130 do CP, em concurso com o delito sexual.

MAJORANTE VÍTIMA É IDOSA OU PESSOA COM DEFICIÊNCIA.

Estas duas majorantes, de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), também introduzidas pela lei
13.718/2.018, referem-se ao idoso e ao deficiente.
Idoso é o maior de 60 anos, ao tempo da conduta criminosa, conforme o Estatuto do Idoso
(lei n. 10.741/2003).
Deficiente é a pessoa que apresenta alguma disfunção física ou mental.
Nesses dois casos, não incidem as agravantes genéricas, previstas no art. 61, inciso I, alínea
“h”, do Código Penal, consistente em ter sido o crime cometido contra maior de 60 anos ou
enfermo, porque já funcionam como causas de aumento da pena.
No tocante à deficiência mental, já funciona como elemento do crime de estupro de
vulnerável e, por isso, não poderá também ensejar a causa de aumento de pena, diante da vedação
do “bis in idem”.

CONCURSO DE CAUSAS DE AUMENTO DE PENA

Em havendo o concurso de mais de uma dessas causas de aumento de pena mencionadas


acima, o Juiz levará em conta apenas uma delas, a que mais aumenta, pois se encontram na parte
especial do Código Penal, submetendo-se à disciplina do parágrafo único do art. 68 do CP, devendo
as outras serem utilizadas como circunstâncias judiciais do art. 59 do CP ou então como agravantes
genéricas, caso figurem no rol dos arts. 61 e 62 do CP.
O fato de o agente ser casado deixou de figurar como causa de aumento de pena nos crimes
sexuais, porque a Lei n. 11.106, de 28 de março de 2005, revogou expressamente o inciso III do art.
226 do CP.

SEGREDO DE JUSTIÇA

Os processos em que se apuram crimes contra a dignidade sexual, arts. 213 a 234, correrão
em segredo de justiça (art. 234–B do CP). O segredo de justiça, em relação a esses delitos, é
obrigatório, ficando o acesso aos autos restrito ao juiz, ao órgão acusatório, ao réu e ao seu
advogado.

VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE

CONCEITO

Dispõe o art. 215 do CP:


“Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro
meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.”

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O delito em apreço abrange a conjunção carnal fraudulenta e o atentado ao pudor


fraudulento. Na hipótese de conjunção carnal fraudulenta, o delito é conhecido como estelionato
sexual.

OBJETIVIDADE JURÍDICA

O bem jurídico protegido é a liberdade sexual, violada pela atitude fraudulenta do agente ou
por outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima.

SUJEITO ATIVO

Trata-se de crime comum, pois pode ser cometido por qualquer pessoa, homem ou mulher.

SUJEITO PASSIVO

O sujeito passivo pode ser qualquer pessoa. Consequentemente, até a prostituta pode ser
vítima do delito.

ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO

O delito em apreço só se caracteriza quando o próprio agente pratica com a vítima a


conjunção carnal ou ato libidinoso. É, pois, necessária a participação ativa do agente no ato sexual.
Não há o crime quando a vítima é induzida a praticar o ato libidinoso em si própria (exemplo:
masturbar-se). Também não há o delito quando ela pratica conjunção carnal ou ato libidinoso com
terceiro. Estas duas lacunas não podem ser supridas diante da analogia “in malam partem”.
Quanto aos meios de execução, a lei faz menção à fraude e outro meio que impeça ou
dificulta a livre manifestação de vontade da vítima.
Fraude é qualquer meio enganoso. É o engodo, o ardil que induz ou mantém a vítima em
erro. Se a vítima percebe o engodo e consente, não há crime algum. Se ela percebe a fraude e
resiste, mas é vencida pela força física ou grave ameaça, haverá estupro.
É preciso, para a caracterização do delito, seja a vítima enganada sobre a identidade pessoal
do agente ou sobre a legitimidade da relação sexual ou do outro ato libidinoso. Caso contrário, o
delito se banalizaria, pois qualquer mentira que antecedesse ao ato sexual seria criminosa, violando
flagrantemente o princípio da intervenção mínima do direito penal.
O erro sobre a identidade pessoal do agente ocorre quando a vítima toma uma pessoa por
outra. Exemplo: mantém relação sexual com o irmão gêmeo do marido. Anote-se que o erro sobre
o estado civil do agente, supondo-o, por exemplo, solteiro, quando era casado, não caracteriza o
delito em apreço. Igualmente, não há falar-se em delito quando o erro recai sobre a condição social
do agente, que a vítima supõe rico, quando o mesmo era pobre.
O erro sobre a legitimidade da relação sexual ou do outro ato libidinoso ocorre quando a
vítima supõe manter a relação sexual ou outro ato libidinoso dentro dos padrões legais e morais da
sociedade, caracterizando-se, por exemplo, o delito na hipótese de simulação de casamento ou
então no exemplo clássico do curandeiro que deflorou várias moças rústicas e ignorantes,
convencendo-as de que era necessário para a cura de determinada doença. Outros exemplos: o
médico, a pretexto de realizar diagnóstico, toca nas partes íntimas da vítima ou o indivíduo, no
escuro do cinema, faz-se passar pelo namorado da vítima, bolinando-a. Mais um exemplo: golpe da
camisinha, no qual a vítima concorda em manter a relação sexual com o uso de preservativo, mas é

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ludibriada pelo agente que, sem que ela perceba, retira o preservativo.
O agente que, após manter relações sexuais com prostituta, empreende fuga para não
efetuar o pagamento, responde pelo delito do art. 215 do CP?
Uma primeira corrente afirma que sim, pois a intenção premeditada de “dar o calote”
caracteriza um meio fraudulento.
Uma segunda corrente nega a existência do crime, à medida que a vítima não incidiu em erro
sobre a identidade do agente ou legitimidade do ato sexual. A meu ver, é a orientação correta,
posto que nem toda fraude caracteriza o delito em análise, mas apenas aquela que leva a vítima a
erro sobre a identidade do agente ou legitimidade do ato sexual.
Além da fraude, o legislador faz menção a outro meio que impeça ou dificulte a livre
manifestação da vontade da vítima. Exemplos: coação resistível, embriaguez incompleta, etc. Se,
porém, a vítima não podia oferecer resistência, o delito passa a ser estupro de vulnerável (art. 217-
A do CP), como na hipótese de o agente manter relação sexual com vítima completamente
embriagada.
Assim, cumpre distinguir duas situações:
a) A situação da pessoa que não pode, por qualquer causa, oferecer resistência. Esta pessoa é
a que se encontra em estado de inconsciência ou então consciente, mas sem força física ou
psicológica para se opor ao ato sexual ou libidinoso. Figura esta pessoa como vítima do crime de
estupro de vulnerável (art. 217- A do CP). São exemplos de estado de inconsciência a embriaguez
completa, o coma, o sonambulismo, a hipnose e o sono profundo. Como exemplo de vítima
consciente, mas sem força física para oferecer resistência ao ato, podemos citar a pessoa
tetraplégica. E, por fim, o exemplo clássico de vítima consciente, mas sem força psicológica para
oferecer resistência ao ato, é o temor reverencial profundo da filha em relação às investidas sexuais
do pai. Em todas essas hipóteses, o agente responderá pelo crime de estupro de vulnerável.
b) A situação da pessoa que, em razão do meio empregado pelo agente, se encontra
impedida ou com dificuldade para manifestar livremente a vontade. Esta pessoa se encontra
consciente e com força física e psicológica para se opor ao ato sexual ou libidinoso, e, por isso, não
pode figurar como vítima do crime de estupro de vulnerável.
Todavia, o livre arbítrio, para decidir entre a prática e a rejeição do ato sexual ou libidinoso,
não se encontra em sua plenitude. Assim, o meio empregado pelo agente que impede ou dificulta a
livre manifestação de vontade da vítima é o que influi significativamente no livre arbítrio dela,
motivando-a a aderir ao ato sexual ou libidinoso. A embriaguez incompleta, a coação resistível e a
promessa de vantagem são exemplos desses meios mencionados pelo delito do art. 215 do CP. É
essencial, para a configuração do citado delito, que o meio tenha sido empregado pelo agente. Se,
por exemplo, ele depara com a vítima em situação de embriaguez incompleta e aproveita para ter
com ela a conjunção carnal, exclui-se o crime do art. 215 do CP. Já no delito de estupro de
vulnerável, a lei não exige que a impossibilidade de resistência da vítima tenha sido causada pelo
próprio agente.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO

O delito só é punido a título de dolo, consistente na vontade livre e consciente de enganar a


vítima ou de empregar sobre ela o meio que impossibilita ou dificulta a livre manifestação da
vontade. A fraude pode ter sido provocada pelo próprio agente, que toma a iniciativa de enganar a
vítima, ou então quando esta incide em erro espontâneo e o agente acaba se aproveitando da
situação, o que também caracteriza fraude.
A fraude deve levar a vítima ao engano. Se ela tem dúvida e pratica o ato sexual, exclui-se o

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delito. Saliente-se ainda que a fraude não pode privar a vítima de sua consciência. De fato, o
emprego de narcóticos para obter a relação sexual caracteriza delito de estupro de vulnerável.
Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa,
conforme o parágrafo único do art. 215. Exemplo: o agente pratica o delito para ganhar uma aposta
que havia feito.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

O delito se consuma com a conjunção carnal, isto é, com a introdução completa ou


incompleta do pênis na vagina. Se antes de iniciar a penetração, a vítima percebe o engodo,
safando-se, haverá tentativa.

IMPORTUNAÇÃO SEXUAL

Dispõe o art. 215-A do CP, introduzido pela lei 13.717/2.018:


“Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a
própria lascívia ou a de terceiro:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.”
A lei 13.717/2.018 revogou expressamente a contravenção do art. 61 da LCP, que consistia
em importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor.
O delito em análise pode ser cometido em qualquer lugar, inclusive, em recintos fechados, de
modo que, nesse aspecto, é mais amplo que a referida contravenção.
Em contrapartida, a importunação, que tipifica o delito em estudo, deve se dar através da
prática de ato libidinoso, ao passo que, na contravenção ab-rogada, poderia também ocorrer
mediante qualquer modo ofensivo ao pudor, como, por exemplo, através de palavras obscenas.

Sujeito ativo

Trata-se de crime comum, praticável por qualquer pessoa.

Objetividade jurídica

Tutela-se a liberdade sexual, de modo que o consentimento da vítima exclui o crime.


É mister, para que o consentimento exclua o crime, dois requisitos:
a) que a vítima seja maior de 18 anos;
b) que o consentimento seja esboçado antes ou durante a prática do ato libidinoso. Se for
posterior, o delito permanecerá intacto.

Sujeito passivo

É a pessoa ou pessoas contra quem o ato libidinoso foi praticado. Em havendo mais de uma
vítima, o agente responderá pelos diversos delitos em concurso formal (art. 70 do CP).
É ainda necessário que a vítima já tenha 14 anos. De fato, se o agente praticar o ato
libidinoso, na presença de alguém menor de 14(catorze) anos, haverá o delito do art. 218-A do CP.

Elementos objetivos do tipo

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O núcleo do tipo é o verbo praticar, que significa executar ou realizar o ato libidinoso.
O ato libidinoso deve ser praticado contra alguém. Exemplos: masturbar-se na frente de uma
determinada pessoa. Outro exemplo: passar as mãos nas nádegas de uma pessoa. Mais um
exemplo: tocar nos seios ou nas partes íntimas de uma mulher, durante uma balada.
É mister que o agente realize algum ato libidinoso em si mesmo , em terceiro ou na vítima. Na
hipótese de palavras ou narrações libidinosas, não há falar-se no delito em análise.
Igualmente, para a tipicidade, é fundamental que o ato libidinoso seja praticado contra a
vítima, isto é, que seja direcionado a ela.
Não é preciso, para que o delito se caracterize, que haja o contato físico com a vítima.
Se, no entanto, houver o contato físico, os delitos serão os seguintes:
a) estupro, em caso de violência ou grave ameaça;
b) importunação ao pudor, caso não haja violência nem grave ameaça.
Quanto ao local do crime, conforme já salientado anteriormente, não é mencionado pelo tipo
penal. Pode assim o delito ser praticado em recinto público ou privado. Se for em local
público, haverá concurso com o delito de ato obsceno.

Elemento subjetivo do tipo

O delito só é punido a título de dolo, que é a vontade consciente de praticar o ato libidinoso
contra a vítima.
Admite-se também o dolo eventual. Exemplo: o agente, na dúvida se será ou não observado
por alguém, resolve masturbar-se no interior de um trem.
É ainda essencial o dolo específico, ou seja, o fim de satisfazer a lascívia própria ou alheia.
Lascívia, conforme já visto anteriormente, é o prazer sexual. Se o fim for outro, por exemplo,
satisfazer alguma necessidade fisiológica, por exemplo, urinar, o delito não se caracteriza, mas
poderá responder pelo crime de ato obsceno, previsto no art. 233 do CP.
Quanto à culpa, não é contemplada pelo tipo penal. Nesse caso, não há o delito em apreço.
Exemplo: o agente se masturba acreditando sinceramente que ninguém o observava.

Consumação

O delito se consuma com a prática do ato libidinoso contra alguém, ainda que a vítima não
tenha percebido a cena.
Um ato libidinoso é suficiente para a consumação do crime. Se, no mesmo contexto, o agente
praticar mais de um ato libidinoso contra a mesma vítima, haverá delito único.

Tentativa

Admite-se a tentativa quando o ato libidinoso não é praticado por circunstâncias alheias à
vontade do agente.

Ação penal

A ação penal é pública incondicionada.

ASSÉDIO SEXUAL

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CONCEITO

Dispõe o art. 216-A:


“Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se
o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego,
cargo ou função:
Pena – detenção, de 1(um) a 2 (dois) anos.”
Assim, o assédio sexual é a importunação constrangedora, praticada pelo superior hierárquico
contra o subalterno, com o fim de obter vantagem ou favorecimento sexual.

OBJETIVIDADE JURÍDICA

Tutela-se a liberdade sexual, que é atingida diante do constrangimento imposto pelo agente à
vítima.
Trata-se de bem jurídico disponível, excluindo-se o delito quando a vítima adere
espontaneamente ao assédio, sem que o agente lhe tenha constrangido.
Ao lado da liberdade sexual, outro bem jurídico tutelado é o direito à não-discriminação no
trabalho. De fato, o Código Penal só incrimina o assédio laboral, isto é, relacionado ao ambiente de
trabalho.
O assédio moral, caracterizado pelas restrições à liberdade no ambiente de trabalho, como a
proibição de conversar, cumprimentar os colegas etc., não caracteriza o delito.

SUJEITO ATIVO

Trata-se de crime próprio, pois só pode ser cometido por pessoa que seja superior
hierárquico ou tenha ascendência sobre a vítima em razão de emprego, cargo ou função.
A expressão emprego é para os assédios sexuais no ambiente laborativo privado; as
expressões cargo ou função, referem-se ao ambiente laborativo no setor público.
O tipo penal refere-se à superioridade hierárquica ou ascendência em razão de emprego,
cargo ou função.
Por superior hierárquico, entende-se a pessoa que, no ambiente laborativo, detém o poder
jurídico sobre o subalterno, podendo, por exemplo, promovê-lo, demiti-lo, instaurar contra ele
sindicância ou processo administrativo etc.
Em contrapartida, a ascendência refere-se ao poder de fato sobre o subalterno, exercido por
pessoa que não integra a estrutura hierárquica jurídica do ambiente laborativo, mas dela participa,
como na hipótese do sócio majoritário de uma empresa em relação aos empregados, razão pela
qual não concordo com a opinião de Damásio E. de Jesus, pugnando pela inexistência do delito,
diante da ausência de vínculo empregatício entre o empregado e o sócio.
O autor do delito pode ser homem ou mulher. Não há falar-se no delito quando o autor do
assédio não exerce qualquer poder de mando sobre a vítima, sendo subalterno a ela ou então do
mesmo nível hierárquico.
Conforme se vê, o Código não incrimina o assédio ambiental, caracterizado por qualquer
comportamento de natureza sexual intimidatório ou ofensivo ao trabalhador, ainda que entre colegas
do mesmo nível hierárquico, podendo ser praticado até pelo subalterno em face do superior.
O pai não comete o delito de assédio sexual contra a filha, pois a sua ascendência advém do
poder familiar, e não de emprego, cargo ou função. Igualmente, não se configura o delito quando o

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assédio emana de padre em relação ao fiel, ou professor em relação ao aluno.


O STJ, porém, admitiu o crime de assédio sexual cometido por professor contra aluno. Em seu
voto, o ministro Rogério Schietti Cruz sustentou que “revela-se patente a aludida 'ascendência', em
virtude da 'função', dada a atribuição que tem a cátedra de interferir diretamente no desempenho
acadêmico do discente, situação que gera no estudante o receio da reprovação."

SUJEITO PASSIVO

O sujeito passivo é o homem ou a mulher subordinado, em razão de emprego, cargo ou


função, ao agente que realiza a conduta criminosa. Nada obsta seja o delito praticado por mulher
contra homem, mulher contra mulher, homem contra homem e homem contra mulher.
Quanto à diarista, por exemplo, a faxineira, que trabalha um único dia na semana, não pode
ser sujeito passivo do delito, diante da ausência de vínculo empregatício. Mas a empregada
doméstica, indiscutivelmente pode figurar como sujeito passivo do crime.
A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18(dezoito) anos, conforme § 2º
do art. 216-A do CP.

ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO

O núcleo do tipo é o verbo constranger, que, no delito em apreço, não tem o significado de
coagir com violência, forçar ou obrigar, pois este tipo de ação caracteriza estupro, consumado ou
tentado. Para o fim de assédio sexual, o constrangimento se traduz pelo ato de acanhar a vítima,
envergonhá-la, deixá-la “sem jeito”, chateá-la, se bem que o delito pode se caracterizar pela
coação, desde que esta não se revele com violência ou grave ameaça. Na gíria, o assédio é a
chamada “cantada”.
Trata-se de delito de forma livre, pois a lei não especifica os meios de execução, razão pela
qual pode ser praticado por qualquer forma, como palavras, gestos, cartas etc.
Presente a violência física ou grave ameaça, não há falar-se em assédio, mas em estupro.
Todavia, o constrangimento seguido de leve ameaça para obter vantagem ou favorecimento sexual
pode tipificar o delito de assédio sexual.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO

É o dolo, consistente na vontade consciente de constranger, exigindo-se ainda o especial fim


de obter vantagem ou favorecimento sexual. Não há crime quando se faz apenas um gracejo.
Flertar com a vítima, elogiá-la, paquerá-la, não caracteriza crime diante da ausência do dolo
específico.
Por vantagem sexual entende-se a prática de qualquer ato libidinoso, inclusive a conjunção
carnal, outrossim, a exibição de imagens, narrações e revistas pornográficas. Caracteriza-se,
portanto, o crime em apreço, quando o agente constrange a vítima a assistir junto com ele um filme
pornográfico ou a escutar palavras libidinosas. De fato, se o legislador quisesse restringir a
tipicidade ao ato libidinoso, teria usado essa expressão, ao invés de vantagem ou favorecimento
sexual. Se, entretanto, o agente constrange a vítima com a intenção de obter um favorecimento
que não seja sexual, como ir ao cinema ou participar de um jantar, não há falar-se no delito de
assédio sexual.
Já a expressão “favorecimento sexual” significa a ajuda que se presta a alguém para se obter
um ato de terceiro, caracterizando-se pelo auxílio visando beneficiar alguém. Exemplo: o superior

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hierárquico pede para a vítima convencer uma amiga a ter um encontro sexual com ele. Assim,
enquanto a vantagem refere-se a uma atitude sexual direta da vítima, no favorecimento esta realiza
apenas uma intermediação para beneficiar o agente em relação a uma outra pessoa.
A vantagem ou favorecimento sexual pode ser em benefício do agente ou de terceiro, ainda
que este se mostre alheio aos fatos, pois onde a lei não distingue, ao intérprete não é lícito
distinguir. Se o terceiro estiver em conluio com o agente, responderá como partícipe do delito de
assédio sexual.
Acrescente-se ainda que o fato de o agente ser apaixonado pela vítima não exclui o delito
(art. 28, I, do CP).

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

O delito de assédio sexual consuma-se com a conduta de constranger a vítima,


independentemente da concretização da vantagem ou favorecimento sexual. Trata-se de delito
formal.
Conquanto o assédio tenha o significado de uma sugestão com insistência, um ato de
importunação, o delito não é habitual, podendo se consumar com um único ato, desde que
suficiente para constranger a vítima.
Admite-se a tentativa quando o constrangimento é feito por escrito, mas a carta, em razão de
um extravio, não chega até a vítima, por circunstâncias alheias à vontade do agente.

REGISTRO NÃO AUTORIZADO DA INTIMIDADE SEXUAL

CONCEITO

Dispõe o art. 216-B, caput, do CP:


“Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou
ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa”.
O delito em estudo foi introduzido pela lei 13.772/2018, estando incluído no Capítulo I-A
deste Título VI.
Trata-se do único crime previsto neste Capítulo I-A.

OBJETIVIDADE JURÍDICA

Tutela-se a intimidade sexual da vítima, que é lesada com a prática a de uma das condutas
criminosas.
Trata-se de bem jurídico disponível, excluindo-se o delito quando a vítima, desde que seja
maior de 18 anos, tenha autorizado previamente o fato.
Em havendo mais de uma pessoa envolvida na cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso, é
necessário, para exclusão do crime, o consentimento prévio de todas elas.
O consentimento após a consumação não exclui o delito.

SUJEITO ATIVO
Trata-se de crime comum, praticável por qualquer pessoa, tanto pelo homem quanto pela
mulher, independentemente da existência de um prévio relacionamento íntimo com a vítima.

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SUJEITO PASSIVO

O sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher. Quanto à criança e
adolescente, em regra, não podem ser vítimas do delito em análise.
De fato, quando se tratar de criança ou adolescente haverá o delito especial do art. 240 do
ECA, cuja pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
Entretanto, o art. 240 do ECA só incrimina o fato quando se tratar de cena de sexo explícito
ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente. Dessa forma, na hipótese de cena de nudez,
que não tenha conotação de sexo explícito e pornográfica, impõe-se a aplicação do art. 216-
B, suprindo-se a lacuna do art. 240 do ECA.

ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO

Os núcleos do tipo são os verbos produzir, fotografar, filmar e registrar.


Produzir significa viabilizar, organizar a execução do crime.
Fotografar é obter uma imagem através de uma câmera fotográfica.
Filmar é captar imagens com movimentos.
Registrar é captar a imagem por outros meios. Exemplos: pintar, desenhar, gravar.
O tipo penal, ao contrário do art. 240 do ECA, é omisso acerca do verbo reproduzir, que
significa tirar cópias, sendo vedada a analogia “in malam partem”.
O delito é de forma livre, pois pode ser praticado por qualquer meio. Exemplos: celular,
filmadora, câmeras, máquina fotográfica.
Se o agente obtém a imagem, mediante invasão de dispositivo informático alheio, o delito
será o do art. 154-A do CP.
É necessário, para a configuração do crime, que o conteúdo seja cena de nudez ou ato sexual
ou libidinoso de caráter íntimo e privado. Outrossim, conforme já dito anteriormente, que não
tenha havido a prévia autorização dos participantes.
A nudez contida na cena pode ser total ou parcial. Exemplos: seios, nádegas. Não precisa ter
caráter pornográfico nem libidinoso.
Não basta, entretanto, para a tipificação do crime, que se trate de uma cena de nudez ou de
ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo, pois o tipo penal ainda exige que a imagem tenha caráter
privado, ou seja, que tenha sido captada em um ambiente não aberto ao público. Não há o delito
em análise quando, por exemplo, se fotografa, numa praia, uma mulher de biquíni ou um casal que
faz sexo na rua.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, que consiste na vontade consciente de produzir,


fotografar, filmar ou registrar, consciente que se trata de uma cena de nudez ou ato sexual ou
libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes.
O delito não é punido na forma culposa. Se, por exemplo, o agente filma sem querer uma
cena de nudez ou de ato sexual ou libidinoso, o delito não se caracteriza.
Igualmente, não há falar-se em crime, quando o agente realiza a conduta supondo
erroneamente que os participantes haviam autorizado previamente.
Não se exige o fim de lucro, mas se o agente chantagear a vítima, exigindo vantagem
econômica para não divulgar a cena, responderá pelo delito de extorsão, previsto no art. 158 do CP,

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absorvendo-se o crime-meio, em estudo, por força do princípio da consunção.

CONSUMAÇÃO

O delito se consuma com a simples conduta de produzir, fotografar, filmar ou registrar,


independentemente de qualquer resultado ulterior.
Trata-se de crime de mera conduta, pois o tipo penal não faz menção a qualquer resultado
naturalístico.
Não é necessário, para que haja a consumação, que o agente divulgue a imagem.

TENTATIVA

Admite-se a tentativa quando a conduta não se última por circunstâncias alheia à vontade do
agente. Exemplo: a polícia surpreende o agente no instante em que ele iria iniciar a filmagem.

FIGURAS TÍPICAS EQUIPARADAS

Dispõe o parágrafo único do art. 216-B do CP:


“Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer
outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter
íntimo.”
Aqui se incrimina a montagem para incluir outra pessoa na cena de nudez ou ato sexual ou
libidinoso de caráter íntimo. Exemplo: montar uma foto com o corpo de uma pessoa e o rosto de
outra.
A montagem, na verdade, é a criação de algo fictício.
O fim jocoso não pode servir de desculpa para exclusão do crime.

AÇÃO PENAL

Conforme já dito anteriormente, em todos os delitos contra a dignidade sexual a ação é


penal pública incondicionada.

CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEL

Este capítulo II do título VI do Código Penal refere-se aos crimes sexuais contra pessoa
vulnerável. Foi introduzido pela lei 12.015, de 7 de agosto de 2009. Estes delitos são os seguintes:
a) Estupro de vulnerável (art. 217-A);
b) Mediação para satisfazer a lascívia alheia (art. 218);
c) Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (art. 218-A);
d) Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual (art. 218-B).
Em todos esses delitos o sujeito passivo é a pessoa vulnerável, isto é, que apresenta um
ponto fraco e, por isso, revela-se suscetível de ser ofendida com maior facilidade.

ESTUPRO DE VULNERÁVEL

CONCEITO

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Dispõe o artigo 217-A do CP: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com
menor de 14(catorze) anos: Pena – reclusão, de 8(oito) a 15(quinze) anos.”

E, em seguida, dispõe o § 1º:

“Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por
enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou
que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”.

OBJETIVIDADE JURÍDICA

Tutela-se a dignidade sexual dos vulneráveis.


Se o menor de 14 (catorze) anos for totalmente corrompido, por exemplo, uma prostituta ou
pederasta habitual, discute-se a incidência ou não do delito.
Uma corrente sustenta que não há crime, pois referido menor não é vulnerável, pois a
vulnerabilidade decorre da inexperiência sexual.
Outra corrente sustenta que a vulnerabilidade decorre da idade imatura, problema mental
ou circunstância impeditiva de resistência, pouco importando se o ofendido tem ou não experiência
sexual, de modo que o delito se configura na situação acima.
Esta última orientação foi consagrada pela súmula 593 do STJ:
"O crime de estupro de vulnerável configura com a conjunção carnal ou prática de ato
libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante o eventual consentimento da vítima para a
prática do ato, experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o
agente".
O § 5º do art. 217-A, introduzido pela Lei 13.718/2.018, abraçou o entendimento sumulado,
encerrando a polêmica.
Vê-se assim que a vulnerabilidade etária tem caráter absoluto. Não admite prova em
contrário.
De fato, a prostituta menor de 14 (catorze) anos é duplamente vulnerável, pois, além da
imaturidade inerente à idade, ainda se encontra exposta a um número indeterminado de pessoas.
Além disso, a prostituta maior de 14 (catorze) e menor de 18(dezoito) anos é considerada
vulnerável, figurando como vítima do crime previsto no art. 218-B, § 2º, I. Com efeito, responde
pelo delito de favorecimento à prostituição quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso
com alguém menor de 18(dezoito) e maior de 14 (catorze) anos. Com maior razão, a prostituta
menor de 14(catorze) anos também deve ser considerada vulnerável, respondendo o agente pelo
crime do art. 217-A do CP.

SUJEITO ATIVO

Trata-se de crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa, seja homem ou
mulher. Trata-se de crime hediondo, nos termos do art. 1º da lei n. 8.072/1990, com redação dada
pela lei 12.015/2009.

SUJEITO PASSIVO

Figuram como sujeitos passivos as seguintes pessoas vulneráveis:

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a) Menor de 14 (catorze) anos, do sexo masculino ou feminino. Se a conduta típica for


praticada no dia em que o menor completa 14 (catorze) anos, o delito em apreço não se configura,
porquanto neste dia ele já não é menor de 14 (catorze) anos, podendo, no entanto, caracterizar o
crime de estupro do artigo 213 do CP, desde que haja violência ou grave ameaça, mas ausente a
violência ou grave ameaça, o fato é atípico.

b) Enfermo ou deficiente mental que não tem o necessário discernimento para a prática do
ato. Não basta, para caracterização do crime, a enfermidade ou deficiência mental, pois é preciso
ainda a falta do discernimento necessário para a prática da conjunção carnal ou ato libidinoso. É
imprescindível a realização de perícia médica para apuração da situação mental e do discernimento
da vítima. Mesmo sendo ela semi-imputável, enquadrada no parágrafo único do art. 26 do CP, é
possível a configuração do crime, caso lhe falte o necessário discernimento para prática do ato.
Entretanto, com o advento da lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), há uma
controvérsia sobre a vulnerabilidade sexual do enfermo ou deficiente mental sem o necessário
discernimento, pois o art. 6º da referida lei preceitua que a deficiência não afeta a plena
capacidade civil da pessoa, inclusive para exercer direitos sexuais e reprodutivos. O deficiente sem
discernimento é classificado como relativamente incapaz, e não mais absolutamente incapaz. Note-
se que o Estatuto do Deficiente preservou-lhe a liberdade para exercer direitos sexuais e
reprodutivos. Diante disso, certamente haverá entendimento proclamando a inexistência do crime
de estupro de vulnerável quando o enfermo ou deficiente mental sem o necessário discernimento
aderir à prática do ato sexual. Trata-se evidentemente de um tema polêmico. Filio-me a este
entendimento, pois a curatela da pessoa com deficiência afeta tão somente os atos relacionados
aos direitos de natureza patrimonial e negocial, não atingindo o direito ao próprio corpo, à
sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto (art. 85 da
lei 13.146/2015).

c) Pessoa que não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência. A expressão
“qualquer outra causa” abrange outras situações que não sejam a idade inferior a 14 anos e o
problema mental. Exemplos: vítima completamente embriagada, hipnotizada, drogada,
tetraplégica, temor reverencial profundo, etc. Estando a vítima em estado de inconsciência
(embriaguez completa, hipnose, drogada, etc.), creio que o consentimento posterior ao ato sexual
exclui o crime, implicando em ratificação da conduta do agente, desde que ela seja maior de
18(dezoito) anos. Se a vítima estava consciente durante o ato sexual, mas não podia resistir, porque
era tetraplégica, o delito só se tipifica diante do seu dissenso. Entendimento diverso violaria a sua
liberdade sexual.

ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO

No delito em estudo, não se exige violência ou grave ameaça. Quer haja ou não a violência ou
grave ameaça, o enquadramento será o mesmo, respondendo o agente pelo art. 217-A, podendo
este maior grau de truculência influir na dosagem da pena (art. 59 do CP). A adesão da vítima ao
ato sexual não exclui o delito, pois diante da sua vulnerabilidade, a lei não empresta validade ao seu
consentimento.

São duas as formas de se praticar o estupro de vulnerável, a saber:

1º Ter conjunção carnal com pessoa vulnerável. Entende-se por conjunção carnal a relação

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sexual normal entre o homem e a mulher, consistente no coito vagínico. A mulher que induz o
adolescente menor de 14 anos a ter com ela conjunção carnal também pratica o delito em estupro.

2º Praticar outro ato libidinoso com pessoa vulnerável. O tipo penal exige, como se vê, que o
agente pratique o ato libidinoso com a pessoa vulnerável. Esta apenas suporta o ato, assumindo um
papel passivo. É lamentável a lacuna da lei, que não incrimina o fato de a pessoa vulnerável praticar
o ato em si mesma, no agente ou num terceiro. Em tal situação, caso haja violência ou grave
ameaça, o agente responderá pelo estupro do art. 213 do CP, mas ausente a violência ou ameaça
força convir que o fato é atípico, diante da proibição da analogia “in malam partem”.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre de ter a conjunção carnal
ou ato libidinoso, consciente da vulnerabilidade da vítima. Admite-se também o dolo eventual
quando o agente, não obstante a dúvida sobre a idade ou outra situação de vulnerabilidade da
vítima, opta pela prática da conjunção carnal ou ato libidinoso.
Exclui-se o crime, diante do erro de tipo, se o agente desconhecia completamente a situação
de vulnerabilidade da vítima, acreditando sinceramente, por exemplo, que ela era maior de 14
anos, diante do seu porte físico avantajado ou da exibição de um documento falso.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

Consuma-se com a conjunção carnal ou ato libidinoso, ainda que praticado de forma
incompleta. Admite-se a tentativa quando a conjunção carnal ou ato libidinoso não se verifica, nem
mesmo de forma incompleta, por circunstâncias alheias à vontade do agente, como no exemplo da
vítima que consegue fugir ilesa do seu algoz.

FORMAS QUALIFICADAS

Dispõe do § 3º do art. 217-A: “Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena –
reclusão, de 10(dez) a 20(vinte) anos.”

E, em seguida, dispõe o § 4º do art. 217-A: “Se da conduta resulta morte: Pena – reclusão, de
12 (doze) a 30 (trinta) anos”.

Conforme se vê, o delito é qualificado pela lesão grave ou morte. Trata-se de qualificadora,
porque tem pena própria. A morte ou lesão grave pode ser dolosa ou culposa. Deve haver ainda
nexo causal entre a conduta descrita no tipo e o resultado lesivo. O delito de homicídio e o delito de
lesão corporal grave são absorvidos, pois já integram o tipo penal como qualificadoras.

Sobre o assunto, reporto ao leitor sobre os comentários já feitos no art. 213, §§ 1º e 2º, do
CP.

NORMA PENAL EXPLICATIVA

O § 5º do art. 217-A, introduzido pela Lei 13.718/2.018, dispõe que:


“As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente
do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao

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crime."
Trata-se de uma norma penal explicativa, pois o tipo penal já era interpretado dessa forma
pela Súmula 593 do STJ. O consentimento da vítima é, pois, irrelevante.
Igualmente, não se exclui o crime pelo fato de a vítima, em outras oportunidades anteriores,
ter mantido relações sexuais com o agente.
Aliás, as relações sexuais posteriores, praticadas voluntariamente, quando a vítima já houver
deixado a condição de vulnerável, também não excluem o delito, cuja ação penal é pública
incondicionada e, por isso, não há falar-se em perdão.
O aludido §5º é, entretanto, omisso sobre a existência ou não do crime que envolve vítima
com experiência sexual, ressuscitando a polêmica que havia sido encerrada pela Súmula 593 do STJ.
Com efeito, o entendimento sumulado mantém intacto o crime em três situações:
a) Quando houver o consentimento da vítima;
b) Quando a vítima houver mantido anteriormente relações sexuais com o agente;
c) Quando a vítima tiver experiência sexual.
O §5º abraçou expressamente as duas situações, mantendo a existência do crime, mas
silenciou sobre a última. Dessa forma, concedeu munição para a interpretação que exclui o crime
quando a vítima for prostituta ou outra pessoa com experiência sexual, pois o silêncio da lei teria
sido conclusivo, isto é, proposital. A meu ver, o delito persiste, aplicando-se a Súmula 593 do STJ,
por força também dos argumentos acima deduzidos.

Exceção de Romeu e Julieta

A exceção de Romeu e Julieta é que visa excluir o crime de estupro de vulnerável no


relacionamento consensual entre dois jovens.
A nomenclatura é inspirada na obra clássica de Willian Shakespeare, onde dois jovens
mantém um romance.
Para a exclusão do crime, segundo a referida doutrina, se exige três requisitos:
a) existência de relacionamento amoroso entre agente e a vítima;
b) consentimento da vítima no ato sexual;
c) diferença de idade, entre o agente e a vítima, de até cinco anos.
Se, por exemplo, um jovem de 18 anos mantém relação sexual com a sua namorada de 13
anos, o delito, segundo a exceção de Romeu e Julieta não se caracteriza.
O fundamento é que ambos vivenciam uma fase de descoberta da sexualidade, cuja
incriminação feriria o bom senso. Impõe-se a aplicação do princípio da ação socialmente adequada,
posto que o fato é admitido pelos costumes.
No STJ, entretanto, o fato é tido como estupro de vulnerável, pois não se aceita a exceção de
Romeu e Julieta, por força da Súmula 593.

MEDIAÇÃO PARA SATISFAZER A LASCÍVIA DE OUTREM

CONCEITO

Dispõe o art. 218 do CP: “Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de
outrem: Pena- reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.”
Este delito, introduzido pela Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009, consta na lei como sendo
corrupção de menores, mas merece o nome de mediação para satisfazer a lascívia de outrem, pois
é uma espécie de lenocínio, delito previsto do art. 227 do CP, diferindo apenas quanto à idade da

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vítima.
De fato, na corrupção de menores, o agente age para satisfazer a própria lascívia, ao passo
que no delito em análise, que é uma espécie de lenocínio, o propósito é satisfazer a lascívia alheia.

OBJETIVIDADE JURÍDICA

Tutela-se a dignidade sexual dos menores, visando evitar a sua contaminação e depravação
sexual. O consentimento da vítima não exclui o crime, ainda que ela seja emancipada, pois a
imaturidade decorrente da idade por si só é fator impeditivo de sua adesão à conduta criminosa.

SUJEITO ATIVO

Trata-se de crime comum, praticável por qualquer pessoa, homem ou mulher.


Quanto ao destinatário do lenocínio, não figura como coautor do delito em apreço, que
incrimina a mediação para servir a lascívia de outrem. De fato, o beneficiário do ato não realiza
qualquer mediação e por isso não pode ser responsabilizado pelo delito em apreço. Se, no entanto,
o destinatário do lenocínio vier a concretizar algum ato libidinoso com o menor de 14 anos,
responderá pelo estupro de vulnerável, previsto no art.217-A do CP, e, nessa hipótese, o mediador,
desde que tenha agido dolosamente, será também participe deste delito, absorvendo-se, em
contrapartida, o delito do art. 218 do CP, por força do princípio da consunção.

SUJEITO PASSIVO

Sujeito passivo do delito é o menor de 14 anos, do sexo masculino ou feminino. Se já havia


completado 14 anos não há falar-se no delito, mas o agente responderá pelo § 1º do art. 227 do CP,
cuja pena é a mesma do tipo penal em apreço.
Tratando-se de menor sexualmente corrompido, como a prostituta ou o pederasta habitual,
prevalece o entendimento de que o delito não se configura, e, para tanto, argumenta-se que este
menor, a rigor, não é induzido, mas se presta voluntariamente à satisfação da lascívia de outrem. A
meu ver, o delito se configura, pois este menor é duplamente vulnerável, em razão da idade
imatura e por estar mais exposto.
Não há o crime quando se induz o menor de 14(catorze) anos a manter relação sexual com
prostituta, porquanto o induzimento objetivou a satisfação da lascívia do próprio induzido, isto é, o
exercício de sua função sexual, e não o prazer sexual alheio. Todavia, se o ato sexual ou libidinoso
se concretizar, a prostituta responderá pelo crime de estupro de vulnerável, que terá o agente
indutor como partícipe.

ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO

O núcleo do tipo é o verbo induzir, que significa persuadir, convencer, aconselhar, inspirar,
sugerir, mover, incitar, instigar, encorajar, obrigar, arrastar, compelir, fazer incorrer, enfim, levar
alguém a agir de determinada maneira. Todavia, se o agente já estava firmemente decidido a
satisfazer a lascívia alheia, a incitação subsequente não constituirá delito.
O induzimento deve visar à satisfação da lascívia de outrem. Entende-se por lascívia, no sentido
do texto penal, o prazer sexual, a sensualidade, a luxúria, a libidinagem, a concupiscência, em suma, o
apetite sexual. Não há necessidade que o induzimento seja para que a vítima mantenha relação sexual
ou outro ato libidinoso com o destinatário do lenocínio, pois o prazer sexual, a lascívia, é um termo mais

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amplo, abrangendo também o ato de presenciar a libidinagem, assistir a filmes pornográficos, folhear
revistas de sexo, praticar atos libidinosos em si mesmo ou com terceiro etc.
O pronome outrem, por sua vez, refere-se à pessoa ou pessoas determinadas, de modo que o
induzimento à prostituição, isto é, à satisfação da lascívia de um número indeterminado de
pessoas, não configura o delito em estudo e sim um crime de favorecimento a prostituição, previsto
no art. 218-B do CP.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO

É o dolo, consistente na vontade livre de induzir a vítima a satisfazer a lascívia alheia, consciente de
que se trata de pessoa menor de 14 (catorze) anos. O erro sobre a idade da vítima exclui o delito em
análise, mas, de qualquer maneira, o agente ainda responderá pelo crime do art. 227 do CP.
O dolo genérico consiste na vontade de induzir e o dolo específico é revelado pela expressão
“fim de satisfazer a lascívia de outrem”.
Vê-se, portanto, que o objetivo do lenão é satisfazer a lascívia de outrem. Não há lenocínio
quando o agente age para satisfazer a lascívia do próprio induzido, instigando-o, por exemplo, a
manter relação sexual com a namorada.
Conquanto não haja necessidade de conluio, acordo prévio, entre o lenão e o destinatário da
libidinagem, configurando-se o crime ainda que este desconheça a ação daquele, é imprescindível,
para a ocorrência do delito, o dolo específico, consistente no fim único e exclusivo de satisfazer a
lascívia de uma terceira pessoa.
Acrescente-se ainda que se exclui o delito em apreço quando o agente induz alguém a
satisfazer a lascívia alheia com o propósito de extorquir economicamente, chantagear, o induzido, o
destinatário, ou ambos, mas, nesse caso, responderá pelo crime de extorsão (art. 158 do CP).

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

Uma primeira corrente sustenta acertadamente que o crime se consuma com o simples
induzimento, independentemente de a vítima prestar-se efetivamente à satisfação da lascívia
alheia, admitindo-se a tentativa no induzimento por escrito que, por circunstâncias alheias à
vontade do agente, não chega até a vítima.
Outra corrente preconiza que a consumação ocorre quando a vítima efetivamente se presta à
satisfação da lascívia alheia, sem que haja necessidade da satisfação do gozo genésico deste,
configurando-se a tentativa quando a vítima, já plenamente induzida, é impedida, por
circunstâncias alheia à vontade do agente, a realizar o ato destinado a satisfazer a lascívia de
outrem.
Saliente-se, por fim, que o delito não é habitual, consumando-se com a prática de um único
ato libidinoso.
Vale lembrar que quando o ato libidinoso for praticado pelo próprio vulnerável não se
configura o delito do art. 217-A do CP, conforme já salientado anteriormente. Se, no entanto, é o
próprio agente que pratica o ato libidinoso com menor de 14(catorze) anos, o enquadramento será
no art. 217-A do CP (estupro de vulnerável), absorvendo-se o delito do art. 218 do Código Penal.

SATISFAÇÃO DE LASCÍVIA MEDIANTE PRESENÇA DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE

CONCEITO

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Dispõe o art. 218-A do CP:


“Praticar, na presença de alguém menor de 14(catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar,
conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem:
Pena- reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.”
No delito em apreço, o menor não pratica qualquer ato libidinoso, apenas presencia o ato,
permanecendo incólume a sua castidade corporal. Trata-se de corrupção moral, consistente na
perversão dos valores do menor, sem afetar a sua castidade ou pureza do corpo. De fato, se o
menor de 14(catorze) anos participar materialmente do ato libidinoso, o agente responderá pelo
delito de estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A do CP.

OBJETIVIDADE JURÍDICA

O bem jurídico protegido é a dignidade sexual dos menores de 14 (catorze) anos. O tipo penal
visa evitar a contaminação moral e depravação deles. Por ser a vítima menor de 14 (catorze) anos,
o seu consentimento revela-se inócuo, subsistindo o crime, ainda que o menor seja civilmente
emancipado.

SUJEITO ATIVO

Trata-se de crime comum, pois pode ser praticado por qualquer pessoa, homem ou mulher.

SUJEITO PASSIVO

O sujeito passivo do delito é o menor de 14(catorze) anos, do sexo masculino ou feminino. Se


o fato ocorrer no dia do aniversário de 14 (catorze) anos, exclui-se o delito em apreço, pois neste
dia já não é menor de 14(catorze) anos, e, à míngua de outro tipo penal, força convir que o fato é
atípico, salvo se houver emprego de violência ou grave ameaça, quando então o enquadramento
será no art. 146 do CP. Antes do advento da lei 12.015/2009, o CP, em seu art. 218, tipificava como
corrupção de menores o induzimento de pessoa maior de 14(catorze) e menor de 18 (dezoito) anos
a presenciar atos de libidinagem. Mas este dispositivo legal foi revogado, ocorrendo a “abolitio
criminis” .
Quanto ao menor de 14 (catorze) anos inteiramente corrompido, destacando-se a prostituta
e o pederasta habitual, uma corrente sustenta que não há crime, pois não se trata de pessoa
vulnerável, tendo em vista a sua experiência sexual. A meu ver, a vulnerabilidade, que significa a
suscetibilidade maior de ofensa, isto é, a existência de um ponto fraco, decorre simplesmente da
idade imatura.

ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO

São duas as formas de se praticar o crime.


Na primeira, o próprio agente pratica a conjunção carnal ou outro ato libidinoso na presença
do menor.
Na segunda, o agente induz o menor a presenciar a conjunção carnal ou ato libidinoso.
Presenciar, para Nelson Hungria, é assistir ao vivo. Já Magalhães Noronha interpreta o termo de forma
mais ampla para abranger também a exibição de imagens (fotos, filmes, revistas etc).

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ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade de praticar a conjunção carnal


ou outro ato libidinoso na presença do menor ou de induzi-lo a presenciar o ato, consciente da sua
idade.
Exige-se ainda o dolo específico, consistente no fim de satisfazer lascívia própria ou de
outrem. Portanto, o agente deve objetivar a satisfação sexual própria ou alheia, sendo que nesta
última hipótese o delito revela-se uma espécie de lenocínio.
Se o propósito criminoso for outro, como vingar-se do pai do menor ou ganhar uma aposta,
este delito não se configura e o fato, lamentavelmente, passa a ser atípico.
Igualmente, não há o delito quando os pais mantêm relação sexual na frente dos filhos
menores, por morarem num único cômodo, diante da inexistência do propósito de satisfazer a
lascívia própria ou de outrem. Em suma, relações sexuais na frente de menores de 14 anos, sem
que haja o dolo específico, é fato atípico.
O erro sobre a idade do menor traduz-se em erro do tipo, excluindo o crime, ressalvando-se,
no entanto, que a dúvida caracteriza dolo eventual, subsistindo o delito.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

Na primeira modalidade, o crime se consuma quando o agente pratica a conjunção carnal ou


outro ato libidinoso na presença do menor, pouco importando se este venha de fato a corromper-se
ou não. Não se exige, nesta modalidade, que o menor tenha sido induzido a presenciar o ato,
bastando a prática do ato com ciência de que no recinto se encontrava o menor. Haverá tentativa se
a conjunção carnal ou o ato libidinoso não se realizar por circunstâncias alheias à vontade do agente.
Na segunda modalidade, paira controvérsia sobre o momento consumativo. Uma primeira
corrente preconiza que a consumação ocorre quando o menor presencia a conjunção carnal ou o
ato libidinoso. Noutras palavras, exige-se a prática da conjunção carnal ou do ato libidinoso na
presença do menor. Uma segunda corrente, sustentada por Magalhães Noronha, afirma que a
consumação ocorre com o simples induzimento, isto é, quando o agente convence o menor a
presenciar o ato, prescindindo-se, para a consumação, que a conjunção carnal ou outro ato
libidinoso seja efetivamente praticado na presença do menor. Para esta última corrente, a tentativa
é possível no induzimento por escrito que, por circunstâncias alheias á vontade do agente, não
chega até a esfera de conhecimento do menor.
Em ambas as modalidades, o delito é formal, pois para a consumação dispensa-se a
ocorrência do resultado mencionado pelo tipo penal, consistente na satisfação da lascívia própria
ou de outrem. Vale lembrar também que o delito não é habitual, consumando-se com uma única
conduta, não se exigindo a repetição dos atos. Aliás, a repetição dos atos contra a mesma vítima,
em contextos distintos, ensejará a ocorrência do crime continuado.

FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE


VULNERÁVEL

CONCEITO

Dispõe o art. 218-B do CP:


“Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém
menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário

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discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone:


Pena-reclusão, de 04 (quatro) a 10 (dez) anos”.
E, por sua vez, o § 2° do art. 218-B do CP assevera que:
“Incorre nas mesmas penas:
I- quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito)
anos e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo;
II- o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas
referidas no caput deste artigo”.
Trata-se de crime hediondo (lei 8.072/90).
O delito em apreço é similar ao previsto no artigo 228 do CP, inclusive o nomen juris é o
mesmo.
A propósito, dispõe o art. 228 do CP:
“Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la,
impedir ou dificultar que alguém abandone:
Pena-reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa”.
Não obstante a similitude, os delitos distinguem-se nos seguintes aspectos, a saber:
a) a pena do art. 218-B do CP é maior que a do art. 228 do CP. Este, por sua vez, prevê a pena
cumulativa (reclusão e multa), aquele só é punido com reclusão.
b) A vítima do art. 218-B é pessoa menor de 18 (dezoito) anos ou enfermo ou deficiente
mental sem o necessário discernimento para a prática do ato, ao passo que, no art. 228 do CP, a
vítima, ao tempo da conduta, já deve ter completado a idade de 18 (dezoito) anos.
c) No art. 218-B do CP, incrimina-se também o verbo “submeter”, que não é contemplado no
art. 228 do CP.
d) O art. 218-B incrimina também o cliente, isto é, a pessoa que praticou a conjunção ou
outro ato libidinoso com a vítima. No delito do art. 228 do CP, o cliente não responde por delito
algum.
e) O art. 218-B do CP incrimina também o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local
em que se verifiquem as práticas sexuais, ainda que não haja habitualidade, afastando-se, por força
do princípio “non bis in idem”, o delito do art. 229 do CP. Tratando-se, porém, de prostitutas
maiores de 18 (dezoito) anos, o proprietário, gerente ou responsável pelo local em que ocorre a
exploração sexual, enquadram-se no delito do art. 229 do CP, que, no entanto, para se caracterizar,
exige o requisito da habitualidade.
f) O art. 218-B do CP, não é qualificado quando o agente faz uso da violência, grave ameaça
ou fraude, ao contrário do que ocorre com o delito do art. 228, § 2°, do CP.

OBJETIVIDADE JURÍDICA

Tutela-se a dignidade sexual da pessoa vulnerável, outrossim, a moral pública sexual.

SUJEITO ATIVO

Trata-se de crime comum, praticável por qualquer pessoa, homem ou mulher.


Os sujeitos ativos são os seguintes:
a) o proxeneta: é o explorador da prostituição, o cáften, o alcoviteiro, que é quem realiza uma
das condutas descritas no caput do art. 218-B.
b) o cliente: é a pessoa que pratica a conjunção carnal ou outro ato libidinoso com a
prostituta ou pessoa explorada sexualmente. Vale lembrar que a vítima deve ser maior de 14

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(catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, além de mentalmente sã, pois se ela for menor de 14
(catorze) anos ou enferma ou deficiente mental sem o necessário discernimento para o ato, o
cliente responderá pelo crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), figurando o proxeneta
como partícipe deste delito. Em contrapartida, se a vítima for maior de 18 (dezoito) anos, o cliente
que a possuiu sexualmente não responde por delito algum.
c) O proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas
referidas no caput do art. 218-B. É claro que, para que responda pelo crime, é mister tenha
consciência do fato criminoso.
Tratando-se da vítima menor de 14 (catorze) anos, ou enferma ou deficiente mental sem o
necessário discernimento para o ato, situação em que o proxeneta e o cliente enquadram-se no
delito de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), o proprietário, o gerente ou o responsável pelo
local responderão, tão somente, pelo crime de favorecimento à prostituição (art. 218-B, § 2°, II, do
CP), operando-se uma exceção pluralística à teoria monista da ação. Com efeito, no § 2°, inciso I, do
art. 218-B do CP, o legislador ressalva que o cliente responderá pelo crime de favorecimento à
prostituição quando a vítima for menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze), silenciando sobre o
fato de a vítima ser menor de 14 (catorze) anos ou então enferma, ou deficiente mental justamente
para que, nessa situação, o enquadramento se faça no art. 217-A (estupro de vulnerável). Em
contrapartida, no § 2°, inciso II, do art. 218-B do CP, o legislador enquadra o proprietário, o gerente
ou o responsável pelo local no delito de favorecimento à prostituição sempre que a vítima
encontrar-se na situação do caput, que abrange tanto o menor de 18 (dezoito), inclusive o menor
de 14 (catorze) anos, quanto o enfermo ou deficiente mental. Esta postura do legislador, a meu ver,
revela-se absurda, excluindo-se do estupro de vulnerável o fornecedor do local em que ocorre a
exploração sexual.
Acrescente-se ainda que constitui efeito obrigatório da condenação, previsto no § 3° do art.
218 -B do CP, a cassação da licença de localização de funcionamento do estabelecimento.

SUJEITO PASSIVO

O sujeito passivo do crime pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher, que seja menor de
18 (dezoito) ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento
para a prática do ato.
Tratando-se de vítima menor de 14 (catorze) anos, o delito em apreço, previsto no art. 218-B
do CP, também se configura, desde que ela não chegue a praticar a conjunção carnal ou outro ato
libidinoso. De fato, se ocorrer a efetiva conjunção carnal ou outro ato libidinoso, o proxeneta e os
clientes responderão pelo crime de estupro de vulnerável (art. 217 do CP).
Quanto à prostituta, pode figurar como sujeito passivo do crime quando o agente realizar as
condutas de submeter ou facilitar a prostituição ou exploração sexual, outrossim, impedir ou
dificultar que abandone o meretrício. Mas não é possível a ocorrência do crime nos verbos induzir e
atrair, pois se ela já exerce o meretrício exclui-se qualquer possibilidade de induzir ou atraí-la à
prostituição.

ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO

Os núcleos do tipo são 6 (seis).


O primeiro, que é o verbo submeter, consiste no fato de o agente ordenar que a vítima se
prostitua. Exemplo: pai que manda a filha menor de 18 se prostituir.
O segundo verbo é “induzir”, que significa convencer, instigar, persuadir, levar, sugerir,

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incitar, em suma, fazer cair na prostituição ou outra forma de exploração sexual.


O terceiro é o verbo atrair que consiste no fato de o agente, que já se encontra no meio da
prostituição ou exploração sexual, trazer, chamar, arrastar a vítima para o seu mundo. Enquanto no
induzimento, o agente age de forma ostensiva, às claras, para convencer a vítima, atuando sobre
ela de forma persistente e contínua para persuadi-la, no verbo atrair ele simplesmente desperta a
atenção da vítima para o mundo da prostituição, no qual já se encontra, mostrando-lhe, por
exemplo, o ambiente do prostíbulo e outros “atrativos” da prostituição, exibindo, por exemplo, as
vantagens obtidas com o produto do meretrício.
O quarto é o verbo facilitar, que é auxiliar, favorecer, afastar empecilhos, enfim, tornar mais
fácil o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual. Nessa modalidade criminosa,
a vítima já se encontra convencida a prostituir-se ou ser explorada sexualmente, de modo que o
agente simplesmente toma as medidas destinadas a auxiliá-la na realização de seu desígnio.
O quinto é o verbo dificultar. Consiste no fato de o agente complicar, tornar mais difícil, criar
obstáculo para que a vítima abandone a prostituição.
Finalmente, o último é o verbo impedir, que significa obstar a saída da vítima do mundo da
prostituição. Geralmente o agente, nessa modalidade criminosa, faz uso da violência, grave ameaça
ou fraude.
Do exposto se verifica que a vítima, nos verbos submeter, induzir, atrair e facilitar, a vítima
ainda não é prostituta, ao passo que nos verbos, dificultar e impedir o abandono da prostituição,
ela já era meretriz.
Saliente-se ainda que o omitente responde pelo delito nas hipóteses em que tem o dever
jurídico específico de agir, previsto no § 2º do art. 13 do CP. Exemplo: os pais que permanecem
inertes diante da exploração sexual da filha menor de 18 anos.
Quanto à prostituição, filiou-se o Brasil ao sistema da tolerância ou abolicionista, que não
pune a meretriz, mas apenas o seu explorador. De fato, a prostituição, por si só, não configura
crime. Todavia, o legislador incrimina as condutas que gravitam em torno do meretrício. Proxeneta,
rufião e traficante são os exploradores da prostituição.
O proxeneta explora a prostituição, favorecendo o seu exercício, cometendo, pois, o delito de
favorecimento à prostituição, previstos nos arts. 218-B ou 228 do CP, conforme a condição da
vítima. Já o rufião é o indivíduo que vive à expensa da prostituta, isto é, que tira proveito da
prostituição alheia, incidindo, pois, nas penas do delito de rufianismo (art. 230 do CP). E, por fim, o
traficante, que é punido nos arts. 231 e 231-A do CP, é o que provoca a entrada ou saída da vítima
do território nacional, ou o seu deslocamento interno, para o exercício da prostituição ou outra
forma de exploração sexual.
Cumpre agora estabelecer a distinção entre prostituição e exploração sexual, ressalvando-se,
desde já, que a prostituição é a exploração sexual por excelência.
Prostituição, segundo Magalhães Noronha, é a habitualidade das prestações carnais a um
número indeterminado de pessoas, haja ou não intuito de lucro. O fim de lucro, no entanto, é
exigido por Nelson Hungria. De acordo com o dicionário Aurélio, prostituição é o comércio habitual
ou profissional do amor sexual. O dicionário da Academia Brasileira de Letras a define como sendo
o modo de vida em que a participação em ato sexual ou libidinoso constitui a principal fonte de
renda. É, pois, exigível, como se vê, o propósito lucrativo. São seus elementos: a) a habitualidade de
entregar-se sexualmente a qualquer pessoa; b) o fim de lucro. O homem também pode ser
prostituto (exemplo: michês).
Vale frisar, porém, que a prostituição é apenas uma das formas de exploração sexual, um
exemplo citado pelo legislador, que a utiliza como fórmula casuística, lançando mão da
interpretação analógica, para, em seguida, expressar-se com a fórmula genérica “ou outra forma de

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exploração sexual”.
Esta outra forma de exploração sexual, que deve ser similar à prostituição, a meu ver,
consiste no fato de a vítima expor a sua sensualidade, de forma habitual, para a satisfação da
lascívia alheia. É, pois, explorada sexualmente quem se expõe habitualmente à sensualidade para
que outras pessoas tirem proveito pessoal ou econômico. À guisa de exemplos, podemos
mencionar os seguintes:
a) dançarina de casa de espetáculos, que se apresenta nua ou em trajes íntimos;
b) ator ou atriz de filme pornográfico;
c) quem habitualmente se entrega sexualmente a qualquer pessoa, sem fim lucrativo;
d) quem habitualmente se entrega sexualmente a um número determinado de pessoas, com
ou sem fim lucrativo.
É mister, a meu ver, para que se caracterize essa outra forma de exploração sexual, que se
trate de um modo de viver da pessoa explorada, consistente em expor continuamente a sua
sensualidade à satisfação da libidinagem alheia.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO

O delito é punido a título de dolo, consistente na vontade de realizar a conduta criminosa,


consciente da menoridade ou enfermidade mental da vítima.
Trata-se de uma espécie de lenocínio, revelando-se implícito o dolo específico, isto é, o
propósito de satisfazer a lascívia de outrem.
Não se exige o fim de obter vantagem econômica, mas se este for o desígnio do agente, a
única consequência será a cumulativa aplicação da pena de multa, nos termos do § 1º do art. 218-B
do CP (lenocínio questuário), absorvendo-se, no entanto, o crime de rufianismo, previsto no art.
230 do CP, consistente no fato de o agente tirar proveito da prostituição alheia.

CONSUMAÇÃO

Nas modalidades submeter, induzir, atrair e facilitar o delito se consuma com o início do
estado de prostituição ou de exploração sexual. E, nos verbos dificultar e impedir, a consumação
ocorre com o prosseguimento do estado de prostituição ou de exploração sexual, não conseguindo
a vítima abandoná-la.
O estado de prostituição se inicia pela publicidade ou facilidade do acesso carnal,
prescindindo-se da prática efetiva da conjunção carnal ou outros atos libidinosos. Portanto, antes
mesmo do primeiro freguês, já pode configurar o estado de prostituição, quando a vítima, por
exemplo, faz do prostíbulo sua moradia ou nele permanece em busca de clientes.
Não se trata de crime habitual, porquanto não se exige que o agente reitere
sistematicamente a conduta criminosa. Uma única ação de submeter, induzir, atrair, facilitar,
dificultar ou impedir pode ser suficiente para a consumação do delito, desde que ela tenha
eficiência causal para fazer iniciar o estado de prostituição ou o prosseguimento do meretrício.
O delito, conquanto instantâneo, pode revelar-se eventualmente permanente nas
modalidades submeter, dificultar ou impedir, tendo em vista que, nessas hipóteses, a conduta pode
prolongar-se no tempo por desígnio do agente.
Quanto à tentativa, é possível quando o agente realiza a conduta, mas o estado de
prostituição ou o prosseguimento no meretrício não se verifica por circunstâncias alheias à sua
vontade.

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DISTINÇÃO

Os crimes de favorecimento à prostituição ou outra forma de exploração sexual, previstos nos


arts. 218-B e 228 do CP, são materiais, consumando-se quando a vítima é efetivamente submetida
à prostituição ou exploração sexual, ao passo que o crime de tráfico de pessoas, previsto no art.
149-A do CP, é formal, consuma-se com a conduta. Caso ocorra o resultado, que é o fato de a
vítima ser efetivamente submetida à prostituição ou exploração sexual, o crime será de
favorecimento à prostituição ou outra forma de exploração sexual.

REVOGAÇÃO DO ART. 244-A DO ECA

Dispõe o art. 244-A do ECA:


“Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2º desta Lei, à
prostituição ou à exploração sexual:
“Pena – reclusão de quatro a dez anos e multa, além da perda de bens e valores utilizados na
prática criminosa em favor do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente da unidade da
Federação (Estado ou Distrito Federal) em que foi cometido o crime, ressalvado o direito de
terceiro de boa-fé (lei 13.440/2017)”.
O art. 218-B do CP, introduzido pela Lei 12.015/2009, reproduz o texto do art. 244 e ainda
amplia o rol das condutas criminosas. Força convir, portanto, que o art. 244-A do ECA foi
substituído pelo art. 218-B do CP, e, sendo assim, não é mais aplicado, por força do princípio da
continuidade normativa. A rigor, não se trata de revogação e, sim, de substituição de uma norma
pela outra, pois o conteúdo da norma afastada apenas se deslocou para outro tipo penal.
Frise-se que operou-se a substituição do art. 244-A do ECA pelo art. 218-B do CP, de modo
que é inócua a modificação da pena do art. 244-A do ECA, levada a efeito pela lei 13.440/2017, pois
o referido dispositivo legal já não vigorava mais.

DIVULGAÇÃO DE CENA DE ESTUPRO OU DE CENA DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL, DE CENA DE SEXO


OU DE PORNOGRAFIA

CONCEITO

Dispõe o art. 218-C do CP:

“Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar,
por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática
-, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de
vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo,
nudez ou pornografia:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.

Sujeito ativo

Trata-se de crime comum, praticável por qualquer pessoa.

Objetividade jurídica

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Tutela-se a dignidade sexual da vítima.

Sujeito passivo

O sujeito passivo é a pessoa que aparece na cena como vítima do estupro. Igualmente, as
pessoas que aparecem na cena de sexo, nudez ou pornografia.
O consentimento da vítima não exclui o crime, quando se tratar de cena de estupro ou de
estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza à prática desses delitos, mas na hipótese
de cena de sexo, nudez ou pornografia, o consentimento prévio da vítima afasta o delito, desde que
ela seja maior de 18 anos.

Elementos objetivos do tipo

Os núcleos do tipo são os verbos:


a) oferecer: é fazer uma oferta ou proposta;
b) trocar: é dar uma coisa por outra. É a permuta;
c) disponibilizar: é possibilitar o acesso;
d) transmitir: é entregar para alguém;
e) vender: é figurar como vendedor no contrato de compra e venda;
f) expor à venda: é fazer proposta de compra e venda. A rigor, esta hipótese já se enquadra
no verbo oferecer;
g) distribuir: é o ato pelo qual uma das partes, de forma contínua e mediante retribuição,
realiza negócios, à conta de quem o contratou, para colocar o produto no mercado, vendendo-
os, geralmente, aos comerciantes;
h) publicar: é tornar acessível a um número indeterminado de pessoas;
i) divulgar: é difundir ou espalhar.
Trata-se de crime de forma livre, pois pode ser praticado por qualquer meio, inclusive por
meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática.
Os meios de comunicação de massa são os que atingem o público, isto é, um número
indeterminado de pessoas. Exemplos: jornal, revista, televisão.
O sistema de Informática diz respeito aos computadores, sistemas de rede, etc.
O sistema de telemática é o conjunto de tecnologias que permite a comunicação através da
junção dos recursos de telecomunicações (cabos, fibras ópticas, satélite, etc.) e de informática
(computadores, sistemas de rede, etc.).
O objeto material pode ser :fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual.
É necessário que o objeto material contenha:
a) cena de estupro ou de estupro de vulnerável;
b) cena que faça apologia ou induza à prática de estupro ou de estupro de vulnerável;
c) cena de sexo, nudez ou pornografia, sem o consentimento da vítima.
Vê-se assim que o crime só se caracteriza quando houver alguma cena, isto é, imagem no
objeto material. O tipo penal não faz menção a frases de apologia ao estupro.

Elemento subjetivo do tipo

O delito só é punido a título de dolo, que pode ser direto ou eventual.


No dolo direto, o agente sabe que o objeto material contém uma das cenas acima.
No dolo eventual, ele tem dúvida, mas mesmo assim realiza a conduta.

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No caso de culpa, o fato será atípico. Exemplo: o agente desconhecia o conteúdo do vídeo.
Não é exigível, para a configuração do crime, o fim de satisfazer a lascívia própria ou alheia.

Consumação

Consuma-se da seguinte forma:


a) No verbo oferecer, quando a proposta chega ao conhecimento do
destinatário;
b) No verbo trocar, com o acordo de vontades acerca da permuta de uma coisa
por outra;
c) No verbo disponibilizar, com o primeiro ato que torna acessível o objeto
material a determinada pessoa;
d) No verbo transmitir, com a entrega do objeto material a alguém;
e) No verbo vender, com acordo de vontade sobre o preço e o produto,
independentemente da tradição ou do pagamento.
f) No verbo expor à venda: com o primeiro ato de exposição;
g) No verbo distribuir, com a celebração do primeiro contrato de distribuição;
h) No verbo publicar, quando o objeto material se torna passível de ser visto por
um número indeterminado de pessoas;
i) No verbo divulgar, com o primeiro ato de divulgação.

Tentativa

Admite-se a tentativa quando a conduta não é realizada, por circunstâncias alheias à vontade
do agente.

Aumento de pena

O § 1º do art. 218-C acrescenta que:


“A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente
que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou
humilhação.

São, pois, três as causas de aumento de pena:

a) ter mantido relação íntima de afeto com a vítima. Exemplos: amizade, namoro, casamento,
união estável, união homoafetiva. Não é preciso que o agente tenha tido relação sexual com a
vítima. Basta, para a incidência da majorante, uma exposição das partes íntimas em razão de uma
relação de afeto. Quanto ao ginecologista, que por ventura tenha filmado a paciente, não sofre a
incidência do aumento da pena, pois não se trata de uma relação de afeto.
b) fim de vingança. Trata-se do escopo de retaliação ou represália. Nesse caso, exclui-se a
agravante do motivo torpe, prevista no art. 61, II, “a”, do CP.
c) fim de humilhação. Humilhar é rebaixar ou desmoralizar a pessoa. Igualmente, este
propósito constitui motivo torpe, afastando-se a agravante do art. 61, II, “a”, do CP.

Exclusão de ilicitude

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Dispõe o § 2º do art. 217-C do CP:


“Não há crime quando o agente pratica as condutas descritas no caput deste artigo em
publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que
impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18
(dezoito) anos."
Trata-se de uma imunidade que visa garantir a liberdade jornalística, científica, cultural ou
acadêmica.
O agente, sob pena de responder pelo crime, deverá providenciar a adoção de recurso que
impossibilite a identificação da vítima, salvo se ela autorizar previamente. Esta autorização só será
possível quando a vítima for maior de 18 (dezoito) anos.

Ação penal

A ação penal é pública incondicionada.

CRIMES FUNCIONAIS (arts. 312 a 327 do CP)

Crimes funcionais, isto é, aqueles praticados por funcionário público (art. 312 a 327 do Código
Penal). Por exemplo: o crime de peculato.
Todo crime praticado contra a Administração Pública para se obter a progressão de regimes,
isto é, a transferência do regime mais rigoroso para o menos rigoroso, a passagem, por exemplo, do
regime fechado para o semiaberto, semiaberto para o aberto; além de ter que cumprir o
percentual legal da pena, é preciso ainda reparar o dano (§3º do art. 33 do Código Penal).
Os crimes funcionais são aqueles em que a lei exige que o autor seja funcionário público.
Podem ser:
a) Crimes funcionais próprios ou puros ou absolutos: são aqueles em que se o autor não for
funcionário público, o fato é atípico, isto é, não há crime nenhum. Por exemplo: receber dinheiro
para praticar algum ato. Se o agente é funcionário público é corrupção passiva. Agora, no âmbito de
uma repartição privada, o empregado de uma empresa privada que recebe dinheiro para praticar
algum ato não pratica crime nenhum;
b) Crimes funcionais impróprios ou impuros ou relativos: são aqueles em que se o agente
não for funcionário público, ainda assim há outro crime. Por exemplo: apropriar-se de dinheiro. Se
for funcionário público no âmbito da Administração Pública é peculato, mas, um particular que se
apropria de dinheiro na empresa privada é apropriação indébita.

Os crimes funcionais puros ou impuros quando são afiançáveis tem rito especial, isto é, o Juiz
antes de receber a denúncia notifica o réu (funcionário público) para apresentar a defesa preliminar
em 15 (quinze) dias. Só após é que o Juiz decide se recebe ou não a denúncia. Se o Juiz receber
direto essa denúncia sem dar oportunidade para o réu apresentar a defesa preliminar a Súmula 330
do STJ diz: “se houve inquérito policial antes é mera irregularidade não ter notificado para
apresentar defesa preliminar”. Portanto, se teve inquérito policial, mas não teve a defesa
preliminar não há nulidade.
Na nova sistemática todos os crimes são afiançáveis. Só não cabe fiança para aqueles crimes
que a Constituição proíbe expressamente, como os hediondos, terrorismo, tráfico de entorpecentes
e tortura. Portanto, todos os crimes funcionais são afiançáveis.
O funcionário público que é condenado por crime funcional a uma pena igual ou superior a 01
(um) ano pode perder o cargo. O próprio Juiz Penal na sentença pode determinar a perda do cargo,

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função ou mandato se a condenação for igual ou superior a 01 (um) ano por crime funcional. A
perda do cargo não é automática depende de fundamentação do Magistrado na sentença. É o
efeito da condenação específico.
Quando o funcionário público pratica um crime não funcional, por exemplo, um estupro, um
homicídio, a sentença penal só pode determinar a perda do cargo se a condenação for superior a 04
(quatro anos).
No Direito Administrativo funcionário público é só quem exerce cargo público junto à
Administração Direta, isto é, junto à União, Estado-Membro, Municípios e Distrito Federal.
No Direito Penal o conceito é mais abrangente. Funcionário Público é quem exerce cargo
público, emprego público, função pública, seja na Administração Direta, seja na Administração
Indireta, ainda que transitoriamente e sem remuneração. Por exemplo: um jurado é funcionário
público para fins penais, se ele receber dinheiro para julgar ele pratica corrupção passiva; o mesário
da eleição é funcionário público para os fins penais. Funcionário Público é aquele que exerce função
pública. Função Pública é a que realiza os fins próprios do Estado. A faxineira do Fórum é
funcionária pública para fins penais, porque ela realiza uma função específica do Estado, limpar as
repartições públicas. O conceito de funcionário público abrange Chefes do Executivo como o
Presidente da República, Governadores, Prefeitos, Ministros, Secretários, Promotores de Justiça,
Estagiário de Promotoria, Defensores Públicos.
O “munus público” é o encargo imposto, mas para proteger interesses preponderantemente
particulares, daí não é funcionário público para fins penais. Assim, o inventariante que se apropria
de dinheiro de inventário não é peculato porque não é funcionário público, ele é nomeado para
atender interesses preponderantemente dos herdeiros; o administrador judicial da massa falida;
tutor; curador, não são funcionários públicos para efeitos penais, logo eles não praticam os crimes
funcionais; mesma coisa depositário judicial que se apropria de dinheiro; o Juiz nomeou fulano para
depositário e o sujeito se apropriou do bem não é peculato, porque ele é nomeado para atender
interesses preponderantemente particulares.

FUNCIONÁRIO PÚBLICO POR EQUIPARAÇÃO LEGAL

1.Quem trabalha em paraestatal (empresa pública, sociedades de economia mista e fundação


pública), são pessoas jurídicas de direito privado, mas que o Estado tem uma participação. Assim,
Banco do Brasil é uma sociedade de economia mista; o gerente do Banco do Brasil que se apropria
de dinheiro do banco pratica peculato.
2.Quem trabalha para empresa que presta serviço público com o Estado de maneira
conveniada ou contratada. Por exemplo: concessionária de serviço público que faz a coleta de lixo.
3.Os funcionários de autarquia são funcionários públicos para efeitos penais porque exercem
função pública.
4.Os funcionários de agências reguladoras.
5.Os árbitros da convenção de arbitragem da jurisdição privada (art. 17 da Lei 9.307/96);

O funcionário público para efeito penal se exercer cargo de direção, comissão ou


assessoramento, a pena aumenta de 1/3 (um terço), conforme §2º, art. 327. Assim, o Diretor de
uma Empresa Estatal que pratica peculato a pena aumenta de 1/3 (um terço).
Os crimes funcionais próprios ou impróprios são sempre crimes próprios ou especiais. Crimes
comuns são aqueles que qualquer pessoa pode praticar. Crimes próprios são aqueles que a lei exige
que o autor preencha certos requisitos, e, no exemplo, a lei exige que o autor seja funcionário
público.

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Os crimes próprios são compatíveis com o concurso de pessoas tanto para admitir a
coautoria, quanto a participação por força da Teoria Monista; essa Teoria diz: “quem concorre para
o crime responde pelo mesmo crime”. O particular que auxilia o funcionário a subtrair bens da
repartição pública também responde por peculato. Portanto, o particular pode ser participe, pode
ser coautor do peculato e dos demais crimes funcionais por força da Teoria Monista. É similar ao
que ocorre com o infanticídio que é um crime próprio (a mãe parturiente que mata o próprio filho),
mas o terceiro que auxilia também responde por infanticídio por força da Teoria Monista.

PECULATO

O bem jurídico protegido é o patrimônio público e a moralidade administrativa. O STJ entende


que não se aplica ao peculato o Princípio da Insignificância, justamente porque o bem jurídico
também é a moralidade administrativa que é lesada independentemente do valor.

O bem particular pode ser objeto de peculato?


Sim, se estava sob a guarda ou custódia da Administração Pública. O peculato de bem
particular é conhecido como malversação. Portanto, é possível o peculato de bem particular desde
que o bem esteja sob a guarda ou custódia da Administração, isto é, desde que o bem esteja em
poder da Administração Pública. Por exemplo: a mãe do preso leva roupas para o filho na prisão.
Entregou para o carcereiro. O carcereiro se apropriou das roupas. O carcereiro pratica peculato
porque essas roupas já estavam sob a guarda ou custódia da Administração Pública.
O peculato só pode incidir sobre bem móvel. A lei fala: “o peculato incide sobre dinheiro
(nacional ou estrangeiro), valor (títulos que representam dinheiro, por exemplo, cheque), ou
qualquer bem móvel (por exemplo: energia elétrica, prova do ENEM)”. Não é possível peculato de
imóvel e de serviço. Então, um funcionário público que manda subalterno prestar-lhes serviços
particulares não há peculato.

PECULATO PRÓPRIO (art. 312, “caput”)

É a expressão que serve para designar dois peculatos: a) peculato apropriação; b) peculato
desvio.
Em ambos o sujeito ativo é o funcionário público que tem a posse lícita do bem em razão da
função, isto é, faz parte da função ter posse do bem. Ter posse significa ter o contato físico ou ter
poder para requisitar o bem. O chefe da repartição pública que tem poder para requisitar os bens,
tem posse.
O conceito de posse é mais amplo, é diferente do conceito do Direito Civil, no Direito Penal
quando se fala em posse abrange também a detenção (contato físico com a coisa).
Agora, se o sujeito entrega dinheiro para o amigo dele que é Oficial de Justiça pagar uma guia
no Fórum e o Oficial de Justiça se apropria do dinheiro, não é peculato, e, sim, apropriação
indébita, pois ele teve posse não em razão da função, mas em razão de amizade.
Qual a diferença entre o peculato apropriação e o peculato desvio?
A diferença está no dolo. No peculato apropriação há o “animus rem sibi habendi” que é o fim
de apoderamento definitivo do bem. O sujeito se apropria para si ou para outrem para nunca mais
devolver. No peculato desvio a o animus restituendi, o sujeito desvia, dá uma finalidade diversa em
proveito próprio ou alheio, mas com a intenção de devolver depois; o tesoureiro pegou dinheiro
público e emprestou para o sogro, mas com a intenção de devolver, mesmo assim é peculato
desvio. Portanto, a intenção de devolver o bem não exclui o peculato.

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O peculato desvio de uso de um bem infungível não é crime pela jurisprudência se for um uso
momentâneo, rápido, seguido da devolução do bem. Imaginemos: o funcionário público que usa o
carro público para fazer uma viagem para visitar a mãe, e depois devolve o bem, uso momentâneo
e pronta devolução não é crime de peculato pela jurisprudência. Portanto, o peculato-desvio de uso
só vai incriminar bens fungíveis, por exemplo, dinheiro, gasolina, ainda que o uso seja momentâneo
e haja devolução seguida, existe o crime de peculato. Bem infungível de uso duradouro daí existe o
peculato. Agora, quando o bem é infungível e o uso é momentâneo não há peculato, salvo,
Prefeito. O Decreto-Lei 201/67 incrimina o Prefeito que comete o peculato desvio ainda que seja
um desvio momentâneo. Aliás, o Decreto-Lei 201 também incrimina o Prefeito que comete
peculato de serviço. Nós vimos que o peculato de serviço em regra não é crime, salvo, quando
praticado por Prefeito.

PECULATO IMPRÓPRIO OU FURTO (art. 312, §1º)

O sujeito ativo é o funcionário público que não tem a posse, ele subtrai o bem ou concorre,
isto é, auxilia um terceiro a subtrair valendo-se das facilidades que o cargo lhe proporciona.
Exemplo: funcionário público esqueceu a porta do cofre aberta, daí o funcionário ladrão foi lá e
subtraiu o dinheiro. O funcionário ladrão comete peculato-furto ou impróprio, aquele que
esqueceu a porta do cofre aberto, peculato-culposo. Outro exemplo: funcionário público entrega a
chave da repartição pública para o amigo ladrão e o amigo ladrão vai lá e furta os bens. O amigo
ladrão responde por peculato-furto e o funcionário também por peculato-furto, por força da Teoria
Monista (quem concorre para o crime responde pelo mesmo crime). Agora, imaginemos:
funcionário público de madrugada, mascarado, entra pelo telhado da repartição pública para
subtrair bens; nesse caso, não é peculato, porque a função não facilitou, nesse caso, é furto.
Lembrando que bem particular pode ser objeto de peculato (malversação) desde que o bem
esteja sob a guarda ou custódia da Administração Pública. O investigador de Polícia que subtrai o
carro que estava apreendido no pátio da Delegacia comete peculato-furto, porque é um bem
particular que estava sob a guarda da Administração Pública. Agora, se o bem não está sob a
guarda da Administração Pública, daí é crime de furto. Então, imaginemos: um investigador
investigando um furto vê uma gaveta aberta na casa da vítima e pegou o bem, mas esse bem não
estava sob a guarda da Administração, então, nesse caso, é furto. Da mesma forma o Policial
Rodoviário mandou o motorista abrir o porta-malas, o motorista abriu e ele pegou alguma coisa lá.
Esse bem que ele pegou não estava sob a guarda da Administração, nesse caso, então, o crime é
furto.

PECULATO CULPOSO

O art. 312, §2º diz: “Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem”; como
naquele exemplo: funcionário público esqueceu a porta aberta do cofre e outro funcionário
subtraiu o bem. Funcionário ladrão peculato furto. O funcionário que esqueceu a porta do cofre
aberta peculato culposo. O peculatário culposo não está em conluio com o peculatário doloso.
No peculato culposo, se o funcionário público reparar o dano (pagar os prejuízos) antes do
trânsito em julgado da condenação, extingue a sua punibilidade. Se ele reparar o dano após o
trânsito em julgado, a pena é reduzida na metade. No peculato doloso não há esses benefícios. No

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peculato doloso, se o funcionário reparar o dano antes do recebimento da denúncia, a pena apenas
diminui de 1 (um) a 2/3 (dois terços) (art. 16). Após o recebimento da denúncia e antes da
condenação, há uma mera atenuante genérica (art. 65, III, alínea “b”).

PECULATO MEDIANTE ERRO DE OUTREM OU PECULATO ESTELIONATO (art. 313)

Ocorre quando funcionário público se apropria de dinheiro ou qualquer utilidade que no


exercício do cargo recebeu por erro de outrem.
Apesar do nome peculato-estelionato este crime não se assemelha ao estelionato. Este crime
se assemelha a apropriação de coisa havida por erro (art. 169, 1ª parte, do CP). Chegou à repartição
pública um computador. O funcionário recebeu de boa-fé. Meia hora depois o funcionário
percebeu que chegou por engano, por erro, e o funcionário se apropria, ele comete esse peculato
mediante erro. Portanto, nesse peculato mediante erro o funcionário toma posse do bem de boa-
fé, posteriormente ele constata o erro e se apropria; daí ele pratica esse crime. Se antes de tomar
posse ele já estava de má-fé, ele já percebe o erro antes de tomar posse e mantém a pessoa em
erro o crime é estelionato. Então, chega um computador na repartição pública para entregar, o
funcionário no ato do recebimento já percebe que está errado, que não era para ser entregue
naquele lugar o computador, mas mantém a pessoa em erro para se apropriar; é estelionato. Erro
no holerite, funcionário público caiu dinheiro a mais na conta dele, é esse peculato mediante erro
de outrem, se ele não devolver o dinheiro.

INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMAÇÕES (art. 313-A)

É também chamado de peculato eletrônico, mas a denominação não é correta porque este
crime do art. 313-A não tem o nome de peculato, tem o nome de inserção de dados falsos em
sistema de informações.
Comete esse crime o funcionário autorizado a fazer inserções no sistema. É o crime típico do
funcionário que tem poderes para incluir dados ou excluir dados do sistema. Ele pratica esse crime
quando excluem dados que não eram para serem excluídos, ou quando inserem dados que não
eram para ser inseridos, ou quando ele facilita essa inserção de dados falsos.
Esse crime exige um dolo específico. Só há o crime se houver a finalidade de obter vantagem
indevida para si ou para outrem ou causar dano. Exemplo: funcionário do DETRAN incumbido de
mexer no sistema informatizado cancela as multas, exclui as multas, ele fez isso para causar um
benefício para terceiro. Outro exemplo: funcionário do INSS inclui um benefício para quem não
tinha direito.
Esse crime tem a pena bem alta, de modo que o crime de estelionato é absorvido porque tem
a pena menor.

MODIFICAÇÃO OU ALTERAÇÃO NÃO AUTORIZADA DE SISTEMA DE INFORMAÇÕES OU


PECULATO-ELETRÔNICO OU PECULATO-HACKER (art. 313-B)

Também chamado de peculato-eletrônico ou peculato-Hacker, mas a denominação não é


correta porque não tem o nome de peculato. Aqui é modificar ou alterar em sistema de
informações.
Tanto nesse crime quanto no anterior, o sistema de informações pode ser fichários
(informações manuais) ou informatizado. Não precisa ser necessariamente informatizado.

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O sujeito ativo é qualquer funcionário público que modifica o sistema, que altera o sistema.
Não precisa ser aquele funcionário público autorizado a mexer no sistema.
Não é preciso a finalidade de obter vantagem ou de causar dano. Agora, se houver algum
dano, seja para a Administração, seja para um terceiro, a pena aumenta de 1/3 (um terço).
Se o funcionário, portanto, não autorizado inclui no sistema um benefício para alguém
receber do INSS, ele vai praticar o crime de estelionato, e esse crime do art. 313-B é absorvido pelo
estelionato, porque tem uma pena menor.
Se fosse funcionário autorizado seria o art. 313-A e o estelionato seria absorvido. No art. 313-
B, crime de funcionário não autorizado, daí o nome peculato-hacker, mas, em contrapartida, se
obteve alguma vantagem fraudulenta, este crime por ter prenda branda é absorvido pelo
estelionato que tem uma pena bem maior.

CONCUSSÃO (art. 316 do CP)

Dispõe o art. 316 do CP:


“Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de
assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa”.
O delito de concussão consiste na exigência de vantagem indevida feita pelo funcionário
público, em razão da função.
A palavra concussão tem origem no latim “cocutere”, que significa sacudir fortemente a
árvore para que caiam os frutos. Neste crime, portanto, o funcionário pressiona psicologicamente a
vítima, ameaçando-a para que ela atenda à vantagem exigida.
Sujeito ativo é o funcionário público, que ao praticar este delito recebe o nome de
concussionário. O particular que o induz, instiga ou auxilia será partícipe da concussão. Se o próprio
particular, a mando do funcionário público, faz a exigência, ele será coautor do crime de concussão,
juntamente com o funcionário público.
O funcionário público pratica este delito ainda que fora da função ou antes de assumi-la,
desde que faça exigência em razão dela. Ele estará fora da função no período de férias ou
suspensão ou afastado por algum outro motivo. A expressão “antes de assumir a função” refere-se
às hipóteses em que o funcionário público já foi nomeado para a função, mas ainda não entrou em
exercício.
É essencial, entretanto, para que haja o delito, que o agente seja funcionário público. Quanto
ao falso funcionário público, que faz exigências ameaçadoras para obter vantagem indevida,
cometerá o crime de extorsão.
O militar que faz exigência para obter vantagem indevida em razão da função responde pelo
crime de concussão do art. 305 do CPM. Haverá concussão do art. 3º, II, da lei 8.137/90 quando o
funcionário público competente exige vantagem indevida para não lavrar o auto de infração
tributária.
Sujeito passivo é o Estado, no amplo sentido do art. 327 do CP, bem como o particular contra
o qual recaiu a exigência, que deverá ser ouvido como vítima e não como testemunha.
O bem jurídico protegido é a moralidade ou probidade administrativa e, num plano
secundário, o patrimônio do particular.
O núcleo do tipo é o verbo exigir, que significa ameaçar, infundir temor, impor como
condição, amedrontar.
Só há concussão quando houver uma ameaça, ainda que implícita, de se impor alguma
represália imediata ou futura.

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O temor infundido à vítima pode ser específico ou genérico. Na primeira hipótese o


concussionário a ameaça com um ato determinado (exemplo: guarda exige dinheiro para não
multar o motorista). Na segunda, ele não identifica o ato, mas promete praticar atos prejudiciais à
vítima (exemplo: fiscal exige dinheiro mediante ameaça de passar toda semana no
estabelecimento).
A concussão pode ser:
a) explícita: é a ameaça feita às claras, abertamente, sem subterfúgio.
b) implícita: é a ameaça velada, nas entrelinhas.
c) direta: é a ameaça feita pelo próprio funcionário público.
d) indireta: é a ameaça feita por uma interposta pessoa, que age em conluio com o
funcionário público. Tanto este quanto seu “testa de ferro” responderão pelo crime de concussão,
em coautoria, por força da teoria monista da ação.

Sobre a diferença entre a concussão e extorsão praticada por funcionário público, cumpre
destacar que a ameaça de praticar atos funcionais que se inserem no âmbito de sua competência,
caracteriza crime de concussão, onde o funcionário abusa de seus poderes, ao passo que a ameaça
de praticar atos estranhos às funções, será crime de extorsão. Exemplo: o escrevente que exige
dinheiro para cumprir os atos processuais, responde por concussão, mas caso a exigência seja feita
para não influenciar o juiz no julgamento, haverá extorsão, posto que influenciar ou não o
magistrado refoge das suas funções. Outro exemplo: o escrivão de polícia, que exige dinheiro para
não indiciar o suspeito, pratica extorsão, pois a função de indiciar ou não é exclusiva do delegado
de polícia.
A concussão também se difere da corrupção passiva. Com efeito, o funcionário público que
solicita vantagem indevida em razão da função responde por corrupção passiva, cujo verbo solicitar
significa um mero pedido, sem qualquer ameaça ou pressão psicológica, de modo que a vítima
sente-se livre para atender ou não. Em contrapartida, o verbo exigir, que é o previsto no crime de
concussão, significa uma ameaça, ainda que implícita, sendo essencial que se infunda um temor à
vítima, pressionando-a, chantageando-a.
Por outro lado, o objeto material da concussão é a vantagem indevida, que é aquela não
prevista em lei penal ou extrapenal. Trata-se, portanto, de uma vantagem ilícita. Se a vantagem
exigida for devida haverá o crime de abuso de autoridade, previsto no art. 33 da lei 13.964/2019,
por exemplo, o delegado de polícia que, para não lavrar o auto de prisão em flagrante, exige que o
criminoso lhe pague uma dívida que realmente existe.
A vantagem exigida em proveito da própria Administração Pública, por exemplo, o delegado
de polícia exige dinheiro em troca de não indiciar o suspeito, mas com o propósito de aplicar essa
verba numa reforma da cadeia pública, a rigor, não caracteriza concussão, malgrado a opinião
contrária do penalista Magalhães Noronha, que interpreta a expressão “para si ou outrem”,
prevista no art. 316 do CP, como sendo passível de beneficiar até mesmo a própria Administração
Pública. A hipótese configura crime de abuso de autoridade, previsto no art. 33 da lei 13.869/2019.
A vantagem exigida, segundo Nelson Hungria, deve ter conotação econômica, mas Júlio
Mirabete explica que a vantagem também pode ser extrapatrimonial, pois a concussão é crime
contra a moralidade administrativa e não contra o patrimônio. De fato, no crime de extorsão, que é
previsto no art. 158 do CP, o legislador utiliza a expressão “indevida vantagem econômica”, sendo
que no art. 316 a expressão utilizada é “vantagem indevida”. Por consequência, não é necessário
que a vantagem seja econômica. O delegado de polícia que exige que lhe seja apresentado
mulheres novas e bonitas como condição de não realizar o indiciamento, a meu ver, pratica o crime
de concussão.

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O elemento subjetivo do tipo é o dolo específico, que consiste no fim de obter vantagem
indevida, para si ou para outrem.
Quanto à consumação, ocorre com a simples exigência da vantagem indevida. Mais
precisamente, ocorre a consumação quando a vítima toma ciência da exigência. Trata-se de crime
formal, pois não exige que a vítima se intimide ou que haja o recebimento da vantagem. Se a
exigência, por exemplo, é feita na cidade de São Paulo e o recebimento da vantagem na cidade de
Salvador, o local da consumação é São Paulo, que será o foro competente, por força do art. 70 do
CPP.
A vítima que, diante da exigência, cede à pressão e entrega a vantagem ao funcionário
público, não pratica delito algum. Em havendo o crime de concussão, cuja iniciativa da exigência é
sempre do funcionário público, não haverá o crime de corrupção ativa, pois são dois delitos
incompatíveis. Não é possível, entre estes dois crimes, a bilateralidade criminosa.
Sobre a prisão em flagrante no ato do recebimento da vantagem, só será válida se houver
sido feita logo após a exigência. Com efeito, o crime se consuma com a exigência, e não com o
recebimento da vantagem. O flagrante só existe quando o agente é surpreendido realizando a
conduta criminosa, ou logo depois. Por isso, se houver um hiato muito grande entre exigência e o
recebimento, a situação não será de flagrante. Exemplo: a vítima, cansada das exigências de
vantagens feitas pelo funcionário público, comunica a polícia, que a orienta a marcar um encontro
para a entrega simulada da vantagem e, na data designada, o agente é preso em flagrante no ato
do recebimento. Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que não houve flagrante provocado, à
medida que o agente não foi induzido a realizar a conduta de exigir a vantagem indevida. Na
verdade, quando a polícia foi informada, o crime já havia sido praticado. No flagrante provocado,
que é nulo, a súmula 145 do STF exige o ato de provocação, que é anterior à conduta criminosa. No
exemplo, a provocação foi posterior à conduta criminosa. Em razão disso, não há falar-se em
flagrante provocado. Entretanto, o que se flagrou foi o recebimento da vantagem, sendo que a
conduta criminosa consiste na exigência, funcionando o recebimento como exaurimento do crime.
Se entre a exigência e o recebimento decorreu um certo lapso de tempo, a prisão em flagrante será
nula, não por ter se tratar de flagrante provocado, mas, sim, em face da inexistência de flagrante,
entretanto, nesse caso, não obstante a nulidade, a prova desse encontro entre o agente e a vítima
será válida, à medida que não se trata de flagrante provocado. Se, contudo, o flagrante do
recebimento foi feito logo depois da exigência, a prisão em flagrante será válida.
Por fim, no crime de concussão é possível a tentativa quando o delito houver sido praticado
por escrito, revelando-se, destarte, plurissubsistente. Exemplo: o funcionário público envia uma
carta exigindo vantagem indevida, mas opera-se o extravio sem que missiva seja entregue à vítima.

EXCESSO DE EXAÇÃO (art. 316, §1º)

Exação significa correção, exatidão.


Há dois crimes de excesso de exação:
1) Funcionário exige indevidamente tributo ou contribuição social;
2) Funcionário cobra de maneira gravosa ou vexatória tributo ou contribuição social devidos.
São dois crimes autônomos. No primeiro ele exige indevidamente tributo ou contribuição
social. No segundo ele cobra algo que é devido, mas ele cobra tributo ou contribuição social de
forma vexatória ou gravosa. Portanto, se ele praticar os dois crimes ele vai responder pelos dois em
concurso de crimes.

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O objeto material é tributo ou contribuição social. O tributo abrange: imposto, taxa,


contribuição de melhoria e empréstimo compulsório.
Imaginemos: O Tabelião de Cartório Extrajudicial que exige emolumentos. Pelo STF ele pratica
esse crime porque emolumentos têm natureza de tributo, seria uma espécie de taxa de serviço
público.
Exigir indevidamente um tributo ou contribuição social. Exigir não está no sentido de
ameaçar, é uma mera cobrança por escrito ou verbal de um tributo ou contribuição social que não
são devidos, isto é, que não existem ou já foram pagos ou, então, o sujeito está cobrando mais do
que é devido.
O crime se consuma com a simples exigência, independente do recebimento do tributo.
Quando se cobra indevidamente, já está consumado, ainda que não receba o tributo.
O Código diz que só há o crime se o agente sabe ou deve saber que é indevido. Sabe é quando
tem certeza que é indevido, é o dolo direto. Deve saber é o dolo eventual, quando está na dúvida se
é ou não devido e mesmo assim faz a cobrança.
O crime não é punido na forma culposa. Se acreditava que o tributo era devido, quando na
verdade não era devido, não é crime.
Cobrança vexatória ou gravosa. O tributo ou contribuição social são devidos. O problema
reside na forma da cobrança, é uma cobrança vexatória, que humilha, cobra falando alto,
humilhando, ou, então, uma cobrança gravosa, começa a exigir documentos que não precisava ter
exigido, que oneram excessivamente o contribuinte.
Consuma-se com a simples cobrança, ainda que o tributo ou contribuição não sejam pagos.

CORRUPÇÃO PASSIVA (Art. 327 do CP)

É o crime praticado pelo funcionário público que solicita, recebe ou aceita promessa de
vantagem indevida em razão da função, é o funcionário público que se vende, e temos a corrupção
ativa (art. 333), cujo sujeito ativo é o particular que oferece ou promete a vantagem para o
funcionário se corromper.
É possível ocorrer corrupção passiva sem a corrupção ativa?
Sim. No verbo “solicitar”. Quando o funcionário público solicita a vantagem para o particular.
Nesse verbo, a iniciativa é do funcionário público. Se ele solicita vantagem para o particular para
praticar algum ato só há corrupção passiva, o Código não incrimina o particular que atende a
solicitação. Da mesma forma que não há corrupção ativa quando o particular atende a exigência do
concussionário, também não corrupção ativa quando o particular atende a solicitação do corrupto.
Por outro lado, é possível ocorrer corrupção ativa sem a passiva?
Sim. Quando o particular oferece ou promete a vantagem para o funcionário e o funcionário
não aceita. Nesse caso, então, só há corrupção ativa.
Em que hipóteses ocorrendo a corrupção passiva, necessariamente ocorre a ativa? É o que se
chama de crimes bilaterais que estão interligados, se ocorrer um, tem que ocorrer o outro?
Ocorre nas corrupções passivas dos verbos “receber” e “aceitar” promessa. Nesses dois
verbos “receber” e “aceitar” necessariamente também ocorreram a corrupção ativa. Se o
funcionário público recebe é porque o particular ofereceu, logo, o particular responde por
corrupção ativa e o funcionário, corrupção passiva; se o funcionário aceita promessa é porque o
particular prometeu, logo o particular que prometeu comete corrupção ativa e o funcionário
corrupção passiva. Então, vejam: empresário oferece dinheiro para o Delegado não indiciar e o
Delegado recebe o dinheiro.

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O Delegado, corrupção passiva (art. 317); o particular, corrupção ativa (art. 333). É uma
exceção pluralística à Teoria Monista.
Pela Teoria Monista quem concorre para o crime responde pelo mesmo crime. Aqui nós
temos dois crimes diferentes:
a) O corruptor: corrupção ativa;
b) O corrompido (funcionário): corrupção passiva.

O funcionário público pode praticar corrupção ativa quando age fora da função. Imaginemos:
um Juiz que não vai julgar a causa oferece dinheiro para o Juiz que vai julgar. Esse Juiz que não vai
julgar comete corrupção ativa, e o que vai julgar se aceitou a promessa corrupção passiva.
A corrupção passiva própria é quando o funcionário se vende para violar seus deveres
funcionais. Exemplo: o Escrivão pede dinheiro para esconder o processo.
A corrupção passiva imprópria é quando o funcionário público se vende para cumprir seus
deveres. Exemplo: Juiz pede dinheiro para expedir rapidamente alvará, uma guia de levantamento.
A corrupção passiva antecedente é aquela que o funcionário público se vende antes de
praticar o ato, isto é, ele solicita, recebe ou aceita a promessa de vantagem antes de praticar o ato.
Então, o Delegado pede dinheiro para não indiciar.
A corrupção passiva subsequente verifica-se quando o funcionário se vende após já ter
praticado o ato. Exemplo: o Delegado não indiciou, e depois disso foi lá solicitou, recebeu, aceitou
promessa de vantagem.
A corrupção passiva direta é quando o próprio funcionário solicita, recebe ou aceita promessa
de vantagem.
A corrupção passiva indireta é quando tem um “testa de ferro” que vai solicitar, receber ou
aceitar a promessa. Este “testa de ferro” responderá junto com o funcionário por corrupção
passiva.
O sujeito ativo da corrupção passiva é o funcionário público. Ele pratica este crime ainda que
esteja fora da função (férias, suspenso), e mesmo antes de assumir a função.
Se o funcionário solicita e depois recebe, se o funcionário aceita a promessa e depois recebe é
um crime só, por força do Princípio da Alternatividade. Este princípio é aplicado aos tipos penais
mistos alternativos, também chamados de crimes de conduta fungível ou variável (são aqueles que
a lei prevê mais de uma conduta como forma de praticar o mesmo crime). Nesse caso, a reiteração
das condutas caracteriza crime único. A lei fala: “solicitar, receber promessa ou receber”, é um
crime só. À semelhança do que acontece com o art. 122 (induzir, instigar ou auxiliar alguém ao
suicídio). Se induz, instiga ou auxilia é um crime só, por força do Princípio da Alternatividade.

A corrupção passiva exige:


a) O ato ou omissão a que se refere à corrupção seja da competência do funcionário público.
Se ele não tem competência para praticar o ato não há corrupção passiva. O Escrivão de Polícia que
pede dinheiro para não indiciar, não pratica corrupção passiva, porque o ato de indiciar é do
Delegado;
b) Que a vantagem seja uma contraprestação ao ato praticado ou que se vai praticar.
Portanto, receber vantagem por si só, sem que seja com a finalidade de praticar um ato ou uma
omissão, não é corrupção passiva. Se ficar caracterizado que o funcionário público recebeu
vantagem, mas, não se identificou o ato a que se refere essa vantagem, não é corrupção passiva,
ele vai ser absolvido. Por outro lado, se ele viola os deveres, mas, não recebeu a vantagem,
também não é a corrupção passiva. Corrupção passiva exige esse binômio: Que haja uma oferta de
vantagem ou solicitação, em troca de algum ato ou omissão praticado ou que se vai praticar.

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Consuma-se quando o funcionário solicita a vantagem, ainda que não receba. Quando ele
toma essa iniciativa de pedir, já está consumado quando a vítima tomou ciência da solicitação.
Se quem oferece é o particular, consuma-se quando o funcionário recebe. Se quem promete
é o particular, consuma-se quando o funcionário aceita a promessa.
Portanto, a corrupção passiva consuma-se quando o funcionário solicita, recebe ou aceita
promessa da vantagem, ainda que não pratique ato nenhum. Foi uma troca para praticar um ato ou
por ter praticado, ainda que viole o compromisso de praticar o ato. Exemplo: Promotor recebeu
dinheiro para dar parecer para absolver e deu parecer para condenar, mesmo assim é corrupção
passiva, porque o crime se consuma quando solicita, recebe ou aceita promessa por ter praticado
um ato ou omissão.
Prisão em Flagrante: Policial disfarçado que oferece dinheiro ao funcionário para testar se ele
é corrupto ou não. Quando o funcionário aceita, o policial disfarçado o prende em flagrante.
Evidente que esse flagrante é nulo porque foi um flagrante provocado. O agente foi induzido a
realizar a conduta criminosa por uma pessoa que impediu a prática do crime. Nem tentativa há
(Súmula 145 do STF).
A pena da corrupção passiva é desproporcional é de 02 (dois) a 12 (doze) anos. Ao passo que
a pena da concussão, que é um crime mais grave, porque há uma exigência, uma ameaça, vai até 08
(oito) anos. Então, se o crime mais grave (concussão) a pena máxima é 08 (oito) anos, o crime
menos grave (corrupção passiva) a pena máxima não pode ser 12 (doze), viola o Princípio da
Proporcionalidade da Pena; portanto, a pena máxima da corrupção passiva por força desse
princípio também deve ser 08 (oito) anos.

Pena

A corrupção passiva, que é prevista no art. 317 do CP, tem a seguinte pena: reclusão, de 2
(dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Entretanto, o crime de concussão, previsto no art. 316 do CP, que é mais grave, tendo em
vista que o funcionário público faz uma exigência, com conotação ameaçadora, a pena era inferior,
reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.
Era nítida a violação do princípio da proporcionalidade da pena, porquanto o delito menor
não pode ter uma reprimenda maior que o delito mais grave.
A confusão foi gerada pela lei 10.763/2003, que aumentou a pena da corrupção passiva e se
esqueceu de majorar a pena do crime de concussão.
A doutrina preconizava pela recomposição da lógica para que a pena máxima da corrupção
passiva fosse também de 8 (oito) anos, além da multa. Quanto à pena mínima, não havia qualquer
ilegalidade.
Com o advento da Lei 13.964/2019, a pena do delito de concussão passou a ser de reclusão
de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa, igualando-se, destarte, à pena do crime de corrupção passiva,
previsto no art. 317 do CP, encerrando-se, destarte, a incongruência.

CORRUPÇÃO PASSIVA QUALIFICADA OU EXAURIDA (art. 317, §1º)

A pena aumenta de 1/3 (um terço), não é propriamente uma qualificadora, e, sim, uma causa
de aumento de pena. A pena aumenta de 1/3 (um terço), mas exige dois requisitos cumulativos:
a) Que seja uma corrupção antecedente, isto é, que o funcionário se venda antes de
praticar o ato. Se ele praticou o ato sem se vender e só depois ele pediu, recebeu ou aceitou

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promessa, não tem esse aumento de pena. Então, o aumento depende dele ter feito a
solicitação, recebimento, aceitação da promessa antes de praticar o ato;
b) Que se trate de uma corrupção própria, isto é, que ele se vende para violar seus
deveres. Quando ele se vende para cumprir deveres a corrupção passiva é sempre simples
(art. 317, “caput”). Igualmente, a corrupção passiva subsequente é sempre simples (art.
317, “caput”);

Exige também que efetivamente viole os seus deveres. Nós vimos que a corrupção passiva se
consuma quando solicita, recebe ou aceita promessa, ainda que ele não viole os deveres. Agora, se
depois disso ele violar efetivamente os deveres, a pena aumenta de 1/3 (um terço). Assim, por
exemplo, o guarda recebeu dinheiro como cortesia para não multar, e de fato não multou, é uma
corrupção passiva qualificada, porque se ele recebe o dinheiro e mesmo assim multa é corrupção
passiva simples, agora se ele recebe o dinheiro e não multa é corrupção passiva qualificada, porque
ele violou efetivamente os seus deveres.

CORRUPÇÃO PASSIVA PRIVILEGIADA (§2º)

É aquela que o funcionário público viola os deveres para atender a pedido ou solicitação de
terceiros. Ele não se vende, por isso que é privilegiada e tem uma pena branda, pena de 03 (três)
meses a 01 (um) ano ou multa, que é a mesma pena da prevaricação.
Este crime é parecido com a prevaricação. A diferença está no interesse a ser atendido. Na
prevaricação o funcionário viola os seus deveres para atender interesse ou sentimento pessoal,
próprios dele. Na corrupção passiva privilegiada o funcionário viola seus deveres para atender
interesse de terceiro, para atender pedido de terceiro, para bajular terceiro. O Delegado que deixa
de prender em flagrante o amigo de infância, pratica prevaricação; se ele deixa de prender uma
pessoa atendendo pedido do Governador, ou ao saber que é amigo do Governador, é corrupção
passiva privilegiada, porque ele está agindo para bajular um terceiro.

FACILITAÇÃO DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO (Art. 318)

Facilitar com infração do dever funcional, a prática de contrabando ou descaminho.


a) Contrabando é a exportação ou importação de mercadoria proibida. É entrar ou sair do
Brasil com mercadoria proibida;
b) Descaminho é a exportação ou importação de mercadoria permitida, mas sem pagar os
tributos e direitos que incide sobre essa mercadoria, é a uma sonegação de tributos.

O art. 318 é um crime funcional, incrimina o funcionário público incumbido da fiscalização do


contrabando ou descaminho que tenha facilitado o contrabando ou descaminho. É um crime
funcional próprio, típico do funcionário que tem a função de combater o contrabando ou
descaminho, e ele tornou mais fácil, ele facilitou o contrabando ou descaminho, ele violou os seus
deveres.
Já o autor do contrabando ou descaminho vai responder pelo art. 334 (crime de contrabando
ou descaminho). É mais uma exceção pluralística a Teoria Monista (todos respondem pelo mesmo
crime). Aqui cada um vai responder por um crime. O funcionário que tinha que fiscalizar e facilitou
o contrabando ou descaminho responde pelo art. 318, e quem praticou o contrabando ou
descaminho responde pelo crime de contrabando ou descaminho (art. 334).

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PREVARICAÇÃO

Na prevaricação o funcionário público viola seus deveres de ofício, seus deveres funcionais,
deveres da sua competência, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Exemplo: o Delegado
de Polícia que deixa de prender em flagrante o amigo de infância.
Só pratica esse crime o funcionário público que está no exercício da função, porque a lei fala
violar os deveres funcionais, os deveres de ofício. Então, ele vai praticar atos de ofício ou violar
deveres de ofício, então, pressupõe que ele esteja no exercício da função. O Policial que em dia de
folga deixa de prender em flagrante o amigo de infância não pratica prevaricação, é um mero ilícito
administrativo.

A prevaricação exige dois requisitos:


a) O agente viole seus deveres funcionais que tinha competência para praticar.
Se a competência não é dele não é prevaricação. Assim, a Escriturária da Delegacia de
Polícia que permite que o preso vá tomar café no bar da esquina não pratica prevaricação
porque não é dever dela fiscalizar a saída de preso. Então, se ela se omite, vê o preso saindo
e não fala nada, não pratica prevaricação. Tem que violar deveres de ofício para praticar
prevaricação. Pode violar das seguintes formas: 1) retardando um ato de ofício, isto é,
atrasando o ato. É o caso do Oficial de Justiça que atrasa a citação para beneficiar seu amigo
devedor; 2) deixando de praticar o ato. Como no caso do Guarda que deixa de multar o
amigo de infância; 3) praticando ato ilegal, praticando ato contra expressa disposição de lei.
Se praticar um ato que viola Decretos, Portarias, não é prevaricação. Prevaricação tem que
praticar um ato que viole a lei, e não que viole atos administrativos. Igualmente, se a lei for
inconstitucional não há prevaricação, pois ninguém é obrigado a cumprir uma lei
inconstitucional.
b) Dolo específico. É o fim de satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
Interesse é quando visa alguma vantagem material ou moral com o ato, como na hipótese
do Prefeito que deixa de multar a empresa da qual ele é sócio, da qual a mulher é sócia.
Sentimento pessoal que são os estados emotivos (nobres ou torpes), como por exemplo,
delegado viola os deveres para prender o inimigo sem flagrante ou ordem do Juiz. Então,
satisfazer sentimento de vingança, inimizade ou amizade.
c) Há prevaricação sejam os motivos nobres ou torpes. A denúncia tem que
descrever que sentimento pessoal é esse, que interesse pessoal é esse, sob pena de ser
inepta.

Portanto, o funcionário que viola os seus deveres, mas não o faz para satisfazer interesse ou
sentimento pessoal não é prevaricação. Mero atraso de serviço, a desídia, portanto, ele está
violando os deveres, mas isso não é prevaricação porque ele não está fazendo para satisfazer
interesse pessoal ou sentimento pessoal. Por outro lado, se ele cumpre seus deveres para satisfazer
interesse ou sentimento pessoal também não é prevaricação. Se ele viola os deveres para não se
incriminar deve ser absolvido da prevaricação, pois ninguém é obrigado a fazer prova contra si
mesmo. O Prefeito, por exemplo, que deixa de apurar irregularidades ocorridas na sua
administração não pratica prevaricação, porque ele não pode apurar fatos que lhe iriam incriminá-
lo.
Se o juiz ou Ministério Público requisitam instauração de inquérito policial e o delegado não
instaura, não é crime de desobediência, pois a desobediência é crime praticado por particular

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(Capítulo II – Crimes Praticados por Particular). Ao passo que a prevaricação é crime praticado por
funcionário público. Então, o delegado que desobedece a uma ordem do juiz ou Ministério Público
deixa de instaurar inquérito para satisfazer interesse ou sentimento pessoal o crime será
prevaricação e não desobediência.
O art. 319-A é conhecido pela doutrina como sendo prevaricação imprópria. Ocorre quando
Diretor de Penitenciária ou agente público deixa de cumprir o seu dever de vedar ao preso o acesso
a aparelho telefônico, rádio ou similar, que permita comunicação com outros presos ou com
ambiente externo.
Sujeito ativo é só o Diretor do presídio ou agente de fiscalização do presídio, outros
funcionários não praticam esse crime. O Diretor do presídio ou agente de fiscalização pratica
quando deixa o preso ter acesso a aparelhos de comunicação, seja aparelho de comunicação
interno, isto é, entre os presos, ou externo, isto é com ambiente externo, como telefone celular,
por exemplo, rádios ou similar. Agora, se permitiu o ingresso de partes de aparelho, como pilhas,
baterias, chips, daí não há o crime porque a lei fala entrada de aparelho e não se pode fazer
analogia “in malam partem”. Pode ser um preso em regime fechado, semiaberto, aberto. Se
entregar aparelho para menores infratores me parece que não há crime, porque não é preso, é
apreendido.
Quem entrega o aparelho para o preso responde pelo crime do art. 349-A, e o Diretor do
presídio ou agente de fiscalização que permitiu pelo art. 319-A. É mais uma exceção pluralística a
Teoria Monista, pois cada um vai responder por um crime diferente.
O crime é doloso, tem que ser uma omissão dolosa. Evidente que se o sujeito não viu, não
fiscalizou direito, ele não pratica esse crime, porque o delito não punido na forma culposa.

CONDESCENDÊNCIA CRIMINOSA (art. 320)

Esse delito consiste no fato de funcionário superior hierárquico deixar de tomar as


providências por indulgência contra o subalterno que praticou infrações no exercício da função. É
acobertar as infrações administrativas praticados pelo subalterno. Imaginemos: o Escrevente viola
seus deveres e o Escrivão que é chefe dele não faz nada.
Este crime só pode ser praticado pelo funcionário superior hierárquico. O funcionário do
mesmo nível que deixa de tomar as providências não pratica esse crime. O funcionário subalterno
que deixa de tomar as providências contra o superior também não pratica esse crime.
São duas as formas de praticar esse crime:
a) O superior deixa de instaurar a sindicância ou processo administrativo, ou,
então, instaura, mas, absolve indevidamente. Então, se o superior tem competência para
instaurar sindicância ou processo administrativo e não instaura, pratica este crime.
Igualmente quando instaura, mas absolve indevidamente;
b) Quando o superior deixa de levar o fato à autoridade competente para
instaurar a sindicância ou processo administrativo. Assim, se o superior não tem
competência para instaurar o processo administrativo ele pratica esse crime quando deixa
de levar o fato ao conhecimento da autoridade competente.

Só há o crime quando se acoberta infrações cometidas no exercício da função. O funcionário


público que no fim de semana foi preso por dirigir bêbado, fumar maconha; nesse caso, a infração é
administrativa, também porque qualquer conduta escandalosa é uma infração administrativa, mas,
se o superior fica sabendo e não faz nada, ele não pratica esse crime de condescendência
criminosa, porque só há condescendência criminosa quando se acobertar as infrações

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administrativas cometidas no exercício da função. Acobertar as infrações administrativas cometidas


fora da função não caracteriza esse crime.
Esse crime é doloso. Pressupõe que o superior tenha ciência da infração administrativa e,
mesmo assim, deixou de tomar as providências. Exige que o motivo seja condescendência. Ele
deixou de tomar as providências por condescendência, isto é, por compaixão, por dó do
funcionário. Se ele age por outros motivos o crime pode ser prevaricação.

ADVOCACIA ADMINISTRATIVA

O crime consiste em patrocinar direta ou indiretamente interesse privado perante a


Administração Pública valendo-se da qualidade de funcionário público.
Sujeito ativo é qualquer funcionário público, não precisa ser funcionário público advogado.
Patrocinar é defender interesses alheios. Pode ser uma defesa verbal, pode ser uma defesa
por escrito. Então, o funcionário público que faz defesas, que vai lá pedir em favor de um particular
pratica esse crime de advocacia administrativa, valendo-se da sua qualidade de funcionário. Então,
ele vai lá pede para o chefe dele, para o amigo que é funcionário público para resolver um
problema para o particular.
O crime consiste em patrocinar interesses privados.
O funcionário pratica esse crime ainda que aja fora do âmbito da sua administração. Então, o
funcionário público que trabalha na secretaria da saúde, ele foi fazer pedidos na secretaria da
educação, ele pratica esse crime de advocacia administrativa.
Não há o crime quando ele patrocina, isto é, quando ele defende interesse próprio ou
interesse de outro funcionário público, porque a lei só incrimina a defesa de interesses privados e
não interesses de outro funcionário público perante a Administração Pública.
O crime se consuma com qualquer ato de defesa do interesse privado, seja escrito, verbal,
ainda que ele não obtenha êxito.

ABANDONO DE FUNÇÃO (Art. 323 do CP)

A definição consiste em abandonar cargo público fora das hipóteses previstas em lei.
Embora o nome seja abandono de função, só há crime se houver abandono de cargo, isto é,
de todas as funções. O abandono de uma ou algumas das funções, mas, permanece exercendo
outras funções, não é crime.
Só pratica esse crime o funcionário que exerce cargo público junto a Administração Direta.
Tem que ser funcionário público no sentido estrito do Direito Administrativo (aquele que trabalha
junto a União, Estado, Município e Distrito Federal).
Abandonar é deixar ao desamparado. Pode ser que ele se afaste ou permaneça de braços
cruzados. Então, Delegado fica no plantão dormindo, isto também é abandono.
O funcionário público que pede exoneração ou aposentadoria só pode sair após seu pedido
ser deferido. Se ele sair antes do deferimento do pedido pratica este crime de abandono de função.
Tem jurisprudência dizendo que ele precisa aguardar só 15 (quinze) dias, depois de 15 (quinze) dias
se seu pedido não foi apreciado ele poderia sair que não cometeria crime.
Só há o crime de abandono de função se houver perigo concreto, se houver um risco de dano
para o serviço público. Se o funcionário abandona a função, mas não fez falta nenhuma, não criou
perigo nenhum, não há o crime. Portanto, se o substituto legal assumir as funções não há crime.
Exemplo: o Juiz foi ao cinema, mas deixou substituto fazendo as audiências, não há crime porque é
preciso que haja um perigo à Administração Pública.

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DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA

Conceito

Dispõe o art. 339 do CP:


“Dar causa à instauração de inquérito policial, de procedimento investigatório criminal, de
processo judicial, de processo administrativo disciplinar, de inquérito civil ou de ação de
improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime, infração ético-disciplinar ou ato
ímprobo”.
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa”.
Denunciação caluniosa, que também é denominada calúnia qualificada, consiste em dar causa
à instauração de um dos procedimentos acima, imputando falsamente a alguém a prática de um
crime ou contravenção ou infração ético-disciplinar ou ato improbo.
No caso de imputação de contravenção penal, haverá a denunciação caluniosa privilegiada,
cuja pena é diminuída da metade.
Com efeito, reza o §2º do art. 339:
“A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção”.
Com o advento da Lei 14.110/2020, houve uma ampliação do tipo penal para também se
incriminar como denunciação caluniosa a imputação falsa da prática de infração ético-disciplinar e
ato improbo, sendo que, até então, o delito se circunscrevia à imputação falsa de crime ou
contravenção.

Objetividade jurídica

O bem jurídico protegido é a Administração da Justiça, que é posta inutilmente em


funcionamento. Secundariamente, também se protege a liberdade e a honra da pessoa.

Competência

A denunciação caluniosa será julgada pela Justiça Federal ou Estadual, conforme o crime,
infração ético-disciplinar ou ato improbo imputado seja federal ou estadual.

Sujeito ativo

Em regra, trata-se de crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa, tendo em
vista que a ação penal na maioria dos casos é pública incondicionada e, dessa forma, a “notitia
criminis” pode ser levada à autoridade competente por qualquer do povo.
Outrossim, qualquer do povo pode requerer a apuração de infrações ético-disciplinares e por
ato improbo.
Quanto ao advogado que, juntamente com o cliente, assina o requerimento de instauração
de inquérito policial, ciente da inocência, será também enquadrado no delito em apreço. A
propósito, o requerimento de instauração de inquérito não exige capacidade postulatória,
prescindindo-se da assinatura do advogado.
Nos crimes de ação penal privada ou pública condicionada à representação ou requisição do
Ministro da Justiça, a denunciação caluniosa revela-se um crime próprio, que só poderá ser
praticado pelas pessoas legitimadas a providenciar a instauração da persecução penal, ou seja, a

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vítima ou seu representante legal, bem como o Ministro da Justiça, conforme a natureza da ação
penal. Nesses casos, se a autoridade policial tiver a certeza da inocência e ainda assim deferir o
requerimento de instauração do inquérito, ela será também incursa no crime de denunciação
caluniosa.
Quanto ao agente público, no exercício da função ou a pretexto de exercê-la, será
enquadrado no crime de abuso de autoridade, previsto no art. 30, parte final, da lei 13.869/2019,
que prevê um delito específico de denunciação caluniosa, que afasta a incidência do delito geral do
art. 339 do CP, por força do princípio da especialidade.
A propósito, dispõe o citado art. 30, parte final:
“Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa
fundamentada ou contra quem sabe inocente:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.
Por consequência, o juiz de direito ou o promotor de justiça, e até mesmo o delegado de
polícia e o ministro da justiça, que, por exemplo, provocam a instauração de um inquérito policial,
sabendo da inocência da pessoa, respondem pelo delito do art. 30 da lei 13.869/2019, e não pelo
art. 339 do CP, por força da princípio da especialidade.
Portanto, no delito do art. 339 do CP, o sujeito ativo é o particular, ao passo que, no delito do
art. 30 da lei 13.869/2019, o sujeito ativo é um agente público.

Sujeito passivo

É o Estado e também pessoa a quem foi imputada a infração penal ou ético-disciplinar ou o


ato ímprobo.

Elementos objetivos do tipo

O núcleo do tipo é o verbo “dar causa”, que significa provocar a instauração de um dos
procedimentos mencionados no art. 339.
Trata-se de um crime de forma livre, também chamado de delito onímodo, pois admite
inúmeros meios de execução, à medida que a “notitia criminis” pode ser levada à autoridade
competente por escrito ou verbalmente, de forma direta ou através de uma interposta pessoa ou
da maquinação astuciosa.
Entende-se por maquinação astuciosa o uso de um meio fraudulento para se imputar o delito
a uma pessoa inocente. Exemplo: o policial coloca droga no carro de uma pessoa, prendendo-a em
flagrante, nesse caso, será incurso na denunciação caluniosa do art. 30 da lei 13.869/2019. Outro
exemplo: o ladrão põe a “res furtiva” no bolso de um inocente, sem que ele perceba, dando causa à
sua prisão em flagrante pela polícia. Nesses dois exemplos, haverá o crime de denunciação
caluniosa, sendo que o ladrão ainda responderá pela tentativa de furto.
A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto
(§1º do art. 339 do CP). Esta majorante se justifica pela dissimulação do agente que provocou a
instauração do procedimento, fornecendo nome falso ou valendo-se de uma denúncia anônima.
A testemunha ou réu que imputa, durante o depoimento ou interrogatório, a autoria do
crime a uma pessoa, sabendo da sua inocência, com o propósito de gerar a instauração de um
inquérito policial, responde por denunciação caluniosa, quer tenha feito a imputação
espontaneamente, isto é, por iniciativa própria, ou em resposta às perguntas que lhe foram
formuladas. Em sentido contrário, Nelson Hungria sustenta que só haverá denunciação caluniosa se
a imputação houver sido espontânea, pois se a falsa imputação foi feita em resposta às perguntas

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formuladas, o delito será de falso testemunho.


Os procedimentos, cuja instauração pode configurar o crime de denunciação caluniosa, são os
seguintes:
a) inquérito policial: abrange tanto o inquérito policial comum quanto o inquérito policial
militar
b) procedimento investigatório criminal: compreende o termo circunstanciado das infrações
penais de menor potencial ofensivo, outrossim, os procedimentos de investigação criminal de
membros da Magistratura e do Ministério Público.
c) processo judicial: abrange qualquer processo que tramita perante o Estado-juiz (penal,
cível, trabalhista, infância e juventude e outros). Uma corrente restritiva, entretanto, defende que a
aludida expressão só abrangeria o processo penal, mas o certo é que a lei não faz distinção e, por
isso, o intérprete também não deve distinguir. Aquele que, por exemplo, dá causa à instauração de
um processo da Infância e Juventude, imputando ao adolescente um ato infracional, sabendo da
sua inocência, a meu ver, deve responder por denunciação caluniosa, pois os atos infracionais são
aqueles definidos como crime ou contravenção e, dessa forma, operou-se a falsa imputação de
uma infração penal. Igualmente, quando, por exemplo, move uma ação de indenização em que se
imputa um crime sabendo da inocência da pessoa.
d) processo administrativo disciplinar: é o instrumento destinado a apurar responsabilidade
de servidor público por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação
com as atribuições do cargo em que se encontre investido (art.148 da Lei 8.112/90). O referido
processo, nos termos do art.151 da Lei 8.112/90, se desenvolve nas seguintes fases:
I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão;
II - inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório;
III - julgamento.
O inquérito administrativo acima referido é o regido pelo princípio do contraditório,
assegurando-se ao acusado, ampla defesa (art.153 da Lei 8.112/90).
Quanto à sindicância meramente investigativa, que não é regida pelo princípio do
contraditório, não está abrangida pelo delito em análise, sendo vedada a analogia “in malam
partem”.
Assim, a instauração de sindicância ou inquérito administrativo, onde se observa o princípio
do contraditório, pode configurar o delito em análise, mas a instauração de sindicância ou inquérito
administrativo de caráter inquisitivo, sem observância do contraditório, não é contemplada pelo
tipo penal em análise.
Antes da Lei 14.110/2020, o tipo penal em análise utilizava a expressão “investigação
administrativa”, que abrangia também a sindicância investigativa, de caráter inquisitivo, que não é
mais contemplada, operando-se, nesse aspecto, a “abolitio criminis”.
e) inquérito civil: é o instaurado pelo Ministério Público para investigar a lesão a direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos.
f) ação de improbidade administrativa: é a disciplinada pela lei 8.429/92. A representação por
ato de improbidade administrativa contra agente público ou terceiro beneficiado, quando o autor
da denúncia o sabe inocente, caracteriza crime do art. 19 da referida lei, mas sobrevindo a
instauração de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa o delito se transmudará para o
de denunciação caluniosa, previsto no art. 339 do CP.

Em todas as hipóteses acima, para configuração do crime de denunciação caluniosa, é mister


que haja a imputação falsa de:
a) crime ou contravenção: é a infração penal, ou seja, a que comina como sanção abstrata

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uma pena.
b) infração ético-disciplinar: é o comportamento ilícito que enseja penalidades
administrativas. Pode ser praticada pelo servidor público e também por profissionais que exercem
atividades regulamentadas por lei, sujeitas a controle administrativo. Exemplos: advogados,
médicos, engenheiros e outros.
c) ato improbo: é o comportamento que caracteriza improbidade administrativa, cuja
disciplina é prevista na Lei 8.429/92.
No tocante ao crime ou contravenção, se, por exemplo, o agente requer a instauração de um
inquérito imputando falsamente a alguém um homicídio, mas ressalvando que houve legítima
defesa, não responderá pelo crime de denunciação caluniosa, pois o que ele imputou não é crime,
tendo em vista que a legítima defesa é uma causa de exclusão da ilicitude.
Igualmente, não há crime de denunciação caluniosa, quando a imputação se refere a um fato
criminoso, mas prescrito ou cuja punibilidade já esteja extinta por alguma outra causa, pois, nesse
caso, o procedimento não poderia ser instaurado. Trata-se de crime impossível. Exemplo: a mulher
comunica ao delegado que o marido lhe furtou um determinado bem. Nesse exemplo, a autoridade
policial não deveria instaurar o inquérito policial, diante da imunidade penal absoluta, também
chamada de escusa absolutória, prevista no art. 181 do CP que, de antemão, extingue a
punibilidade.
A falsidade da imputação pode recair sobre:
a) a autoria: ocorre quando houve a prática do delito ou infração ético-disciplinar ou ato
improbo, mas o agente o imputa a um inocente.
b) o fato: imputa-se a um inocente a autoria de um crime ou infração ético-disciplinar ou ato
improbo que não existiu.
A denúncia do Ministério Público, sob pena de inépcia, deve descrever o crime ou infração
ético-disciplinar ou ato improbo que foi imputado ao inocente.
Há também denunciação caluniosa quando, por exemplo, se imputa um roubo à pessoa que
havia praticado um furto, mas não há o crime quando a falsidade recai sobre circunstâncias.
Exemplo: a vítima imputa a autoria do furto ao verdadeiro ladrão, mas falseia sobre a existência de
uma qualificadora, dizendo que houve arrombamento.
Por outro lado, é ainda necessário que se impute falsamente a autoria a uma pessoa
determinada ou determinável, pois a falsa comunicação de um crime ou contravenção, que provoca
a ação da autoridade, mas sem atribuir a autoria a quem quer que seja, é delito do art. 340 do CP.
Da mesma forma, não há o crime de denunciação caluniosa, quando o agente imputa
falsamente a si próprio a autoria de crime inexistente ou praticado por outrem. Nessa situação em
que denunciante e denunciado se confundem na mesma pessoa, o crime será de autoacusação
falsa, previsto no art. 341 do CP.
Frise-se, portanto, que na denunciação caluniosa o agente imputa ao terceiro inocente a
autoria de uma infração penal, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo.
É então necessário que este terceiro seja uma pessoa determinada, isto é, identificada
previamente, ou determinável, passível de identificação através dos elementos que o agente
forneceu à autoridade, como os traços fisionômicos, endereço e outros dados.

Elemento subjetivo do tipo

O delito só se caracteriza quando houver simultaneamente o dolo direto e o dolo inicial.


O dolo direto é a certeza da inocência do imputado. Em havendo dúvida, dolo eventual, o fato
será atípico. Se, por exemplo, o agente provoca a instauração de um inquérito policial para atribuir

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a autoria de um furto a uma pessoa que ele sabe inocente, mas posteriormente se verifica que se
trata do verdadeiro culpado, haverá crime impossível de denunciação caluniosa.
O dolo inicial ou “ab initio” é a certeza da inocência ao tempo em que deu causa à
instauração do procedimento. Se, por exemplo, num primeiro momento, supôs que o imputado
fosse realmente o criminoso e, depois, ao tomar conhecimento da sua inocência, abstém-se de se
retratar à autoridade, não há falar-se em denunciação caluniosa, tendo em vista que o dolo
subsequente, que surge após já ter dado causa ao procedimento, não é contemplado no art. 339 do
CP. Entretanto, o penalista Rogério Greco defende a denunciação caluniosa com dolo subsequente,
pois a má-fé do denunciante, que não se retrata, implica na violação do dever jurídico de agir do
art. 13, §2º, alínea c, do CP, caracterizando uma omissão penalmente relevante.

Consumação e tentativa

De acordo com Magalhães Noronha, o delito se consuma com o início da investigação policial
ou administrativa, independentemente da instauração formal do inquérito ou processo
administrativo. Quando, por exemplo, a autoridade policial desloca um investigador, antes de
instaurar o inquérito, para fazer uma averiguação preliminar, o delito já estaria consumado. Quanto
à tentativa, é possível na hipótese de as investigações não se iniciarem por circunstâncias alheias à
vontade do agente (exemplo: a autoridade policial descobre a fraude antes de iniciar as
investigações).
Heleno Cláudio Fragoso, acertadamente, defende que a consumação só se verifica com a
instauração formal de inquérito policial, de procedimento investigatório criminal, de processo
judicial, de processo administrativo disciplinar, de inquérito civil ou de ação de improbidade
administrativa.
De fato, o art. 339 do CP refere-se expressamente à “instauração” de inquérito policial, de
procedimento investigatório criminal, de processo judicial, de processo administrativo disciplinar,
de inquérito civil ou de ação de improbidade administrativa, ao passo que o art. 340 do CP, que
cuida da comunicação falsa de crime ou contravenção, utiliza a expressão “provocar a ação de
autoridade”. O termo “ação de autoridade” significa o início das investigações, enquanto que a
expressão “instauração” se refere a abertura formal do procedimento (inquérito policial,
procedimento investigatório criminal, processo judicial, processo administrativo disciplinar,
inquérito civil ou ação de improbidade administrativa). A interpretação sistemática, que faz o
cotejamento dos dispositivos legais para que o Código Penal seja visto como um todo harmônico,
reforça o ponto de vista de Heleno Cláudio Fragoso.
Sobre o momento em que pode ser oferecida a denúncia pelo crime de denunciação
caluniosa, por imputação falsa de infração penal, também há divergência.
Uma primeira corrente, com o escopo de evitar decisões conflitantes, sustenta que a
denúncia só pode ser oferecida após o arquivamento do inquérito ou trânsito em julgado da
sentença absolutória, que tramitava contra o inocente.
Uma segunda preconiza que a denúncia poderia ser oferecida desde logo, sobretudo, pelo
fato de a prescrição estar fluindo. Argumenta-se ainda que o arquivamento do inquérito e a
sentença absolutória não são questões prejudiciais do crime de denunciação caluniosa, sequer são
mencionadas pelo tipo penal do art. 339 do CP.
A mesma polêmica existe quando se trata de imputação falsa de infração ético-disciplinar ou
de ato improbo, divergindo a doutrina sobre a necessidade de se aguardar ou não o desfecho do
procedimento instaurado.
Distinção entre calúnia e denunciação caluniosa

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Vedada a transmissão e reprodução deste material (art. 184 CP).
Aluno Olivia Oliveira Guimarães
DIREITO PENAL ESPECIAL CPF - 04326633123
PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

A calúnia consiste em se imputar falsamente a alguém a autoria de um crime, mas sem


provocar a instauração de um dos procedimentos do art. 339 do CP. Além disso, a calúnia do verbo
“imputar”, prevista no caput do art. 138 do CP, admite tanto dolo direto quanto o eventual, mas os
subtipos de calúnia, mencionados no §1º do art. 138, propalar ou divulgar, só são compatíveis com
o dolo direto. Acrescente-se também que a imputação de contravenção não é calúnia, mas
difamação. Igualmente, não é calúnia, mas difamação, a imputação de infração ético-disciplinar ou
ato improbo.
Na calúnia, a ação penal é, em regra, privada e, nesse caso, a retratação extingue a
punibilidade.
A denunciação caluniosa, por sua vez, exige a falsa imputação de um crime ou contravenção
ou infração ético disciplinar ou ato improbo e a instauração de um dos procedimentos do art. 339
do CP. Não admite o dolo eventual. A ação penal é pública incondicionada e a eventual retratação
não extinguirá a punibilidade.
Assim, na denunciação caluniosa, o dolo consiste na vontade consciente de se imputar ao
inocente a autoria da infração penal com o propósito de ser instaurado um dos procedimentos
mencionados pelo art. 339 do CP. Caso o procedimento não seja aberto por circunstâncias alheias à
vontade do agente, ter-se-á a tentativa de denunciação caluniosa, que também se distingue da
calúnia, pois neste último delito não há o propósito de se instaurar um daqueles procedimentos.

Tipos especiais

A denunciação caluniosa com finalidade eleitoral é crime do art. 326-A, do Código Eleitoral,
introduzido pela lei 13.834/2019, cujo teor é o seguinte:
“Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação
administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a
prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.
§1º A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve do anonimato ou de nome
suposto.
§2º A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção”.
Outro tipo especial, conforme já salientado anteriormente, é o delito de abuso de autoridade
previsto no art. 30, parte final, da lei 13.869/2019.

Pena desproporcional

O art. 339 do CP prevê a pena de reclusão, de dois a oito anos, e multa.


Entretanto, a denunciação caluniosa praticada por agente público, no exercício da função ou
a pretexto de exercê-la, que configura crime de abuso de autoridade, previsto no art. 30, parte
final, da lei 13.869/2019, é punido com pena de detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Noutras palavras, a denunciação caluniosa praticada por agente público, que é fato mais
grave, é apenada de forma bem mais branda que a cometida por particular, que é fato menos
grave.
É, pois, flagrante a violação do princípio constitucional da proporcionalidade da pena, previsto
no art. 5º, XLVI, da CF.
Força convir, portanto, para que o referido princípio seja preservado, que a denunciação
caluniosa perpetrada por particular, prevista no art. 339 do CP, também deve ser apenada com

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detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.


No âmbito do Ministério Público do Estado de São Paulo sustenta-se a inconstitucionalidade
do citado art. 30, por violação do princípio do retrocesso na tutela dos bens jurídicos envolvidos, já
protegidos pelo art. 339 do CP, punido, inclusive, com pena em dobro.
Esta tese, entretanto, não convence, pois o princípio da vedação do retrocesso, que proíbe a
eliminação de determinados direitos, é aplicável apenas aos direitos sociais e não às normas penais

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