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nada mais é do que uma causa especial de redução testemunhal poderá suprir-lhe a falta’ (TJRS,
de pena, tendo influência no terceiro momento 1a Câm., Rese 70027447374, Rel. Des. Marco
da sua aplicação. Localizado após as causas de Antônio Ribeiro de Oliveira, DJ 25/3/2009).
diminuição de pena encontra-se o homicídio Em situações extraordinárias, admite-se que
qualificado, no § 2o do art. 121 do Código Penal, elementos outros de prova, que não o exame de
cominando uma pena de reclusão de 12 (doze) a corpo de delito, possam evidenciar a materialidade
30 (trinta) anos. delitiva. In casu, contudo, encontrando-se a vítima
internada no hospital, seria possível a realização
Classificação doutrinária do exame indireto, com base nas fichas clínicas
Crime comum, tanto no que diz respeito ao (STJ, HC 92644/DF, Rel.a Min.a Maria Thereza
sujeito ativo, quanto ao sujeito passivo; simples; de de Assis Moura, 6a T., DJe 15/6/2009).
forma livre (como regra, pois existem modalidades Pela interpretação dos arts. 158 e 167 do
qualificadas que indicam os meios e modos para Código de Processo Penal, conclui-se que,
a prática do delito, como ocorre nas hipóteses relativamente às infrações que deixam vestígio,
dos incs. III e IV), podendo ser cometido dolosa a realização de exame pericial se mostra
ou culposamente, comissiva ou omissivamente indispensável, podendo a prova testemunhal
(nos casos de omissão imprópria, quando o supri-lo apenas na hipótese em que os vestígios
agente possuir status de garantidor); de dano; do crime tiverem desaparecido. Precedentes do
material; instantâneo de efeitos permanentes; não STJ (STJ, REsp. 1008913/RS, Rel. Min. Arnaldo
transeunte; monossubjetivo; plurissubsistente; Esteves Lima, 5a T., DJe 9/3/2009).
podendo figurar, também, a hipótese de crime de O exame de corpo de delito direto, por
ímpeto (como no caso da violenta emoção, logo expressa determinação legal, é indispensável
em seguida à injusta provocação da vítima). nas infrações que deixam vestígios, podendo
apenas supletivamente ser suprido pela prova
testemunhal quando os vestígios tenham
Sujeito ativo e sujeito passivo desaparecido. Portanto, se era possível sua
Sujeito ativo do delito de homicídio pode ser realização e esta não ocorreu de acordo com as
qualquer pessoa, haja vista tratar-se de um delito normas pertinentes (art. 159 do CPP), a prova
comum. Sujeito passivo, da mesma forma, também testemunhal e a confissão do réu não suprem sua
pode ser qualquer pessoa, em face da ausência de ausência (STJ, HC 109478/MG, Rel. Min. Felix
qualquer especificidade constante do tipo penal. Fischer, 5a T., DJe 9/3/2009).
Exame de corpo de delito. Ausência de cadáver.
Objeto material e bem juridicamente protegido Prescindibilidade diante de outras provas. O
Objeto material do delito é a pessoa contra a exame de corpo de delito, embora importante
qual recai a conduta praticada pelo agente. Bem à comprovação nos delitos de resultado, não se
juridicamente protegido é a vida e, num sentido mostra imprescindível, por si só, à comprovação
mais amplo, a pessoa. da materialidade do crime. No caso vertente, em
que os supostos homicídios têm por característica
Exame de corpo de delito a ocultação dos corpos, a existência de prova
Tratando-se de crime material, infração penal testemunhal e outras podem servir ao intuito de
que deixa vestígios, o homicídio, para que possa fundamentar a abertura da ação penal, desde que
ser atribuído a alguém, exige a confecção do se mostrem razoáveis no plano do convencimento
indispensável exame de corpo de delito, direto ou do julgador, que é o que consagrou a instância a quo
indireto, conforme determinam os arts. 158 e 167 (STJ, HC 79735/RJ, Rel.a Min.a Maria Thereza de
do CPP. Assis Moura, 6a T., DJ 3/12/2007, p. 368).
O fato de inexistir nos autos exame de corpo
de delito não afasta a materialidade delitiva, Elemento subjetivo
porquanto aplicável ao caso o disposto no art. 167 O elemento subjetivo constante do caput
do Código de Processo Penal, que assim dispõe: do art. 121 do Código Penal é o dolo, ou seja, a
‘Não sendo possível o exame de corpo de delito, vontade livre e consciente de matar alguém. O
por haverem desaparecido os vestígios, a prova agente atua com o chamado animus necandi ou
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agente comete o crime sob o domínio de violenta de emoção por parte do acusado igualmente não
emoção, logo em seguida a injusta provocação da basta a seu reconhecimento, pois não se pode
vítima; a segunda, quando apenas influenciado outorgar privilégios aos irascíveis ou às pessoas que
por esse sentimento, dispensado o requisito facilmente se deixam dominar pela cólera (TJSP,
temporal (TJDFT, APR 19980110369450, Rel. AC, Rel. Gonçalves Sobrinho, RT 572, p. 325).
Getúlio Pinheiro, 2a T., Crim., j. 22/2/2007, DJ
22/3/2007, p. 116). Homicídio qualificado
O reconhecimento do homicídio privilegiado As qualificadoras constantes dos incisos do § 2o
se impõe unicamente quando presentes a existência do art. 121 do Código Penal dizem respeito aos
de uma emoção absoluta, provocação injusta do motivos (I e II), meios (III), modos (IV) e fins (V).
ofendido e reação imediata do agente, que age
em abalo emocional, não bastando estar sob sua
Qualificadoras são circunstâncias e não
influência (APR 20010110076124, Rel. Aparecida
Fernandes, 2a T. Crim., DJ 21/11/2007, p. 253). elementares
Emoção, na definição de Hungria, “é um estado Os dados que compõem o tipo básico ou
de ânimo ou de consciência caracterizado por fundamental (inserido no caput) são elementares
uma viva excitação do sentimento. É uma forte e (essentialia delicti); aqueles que integram
transitória perturbação da efetividade, a que estão o acréscimo, estruturando o tipo derivado
ligadas certas variações somáticas ou modificações (qualificado ou privilegiado) são circunstâncias
particulares das funções da vida orgânica (pulsar (accidentalia delicti). No homicídio, a qualificadora
precípite do coração, alterações térmicas, aumento de ter sido o delito praticado mediante paga
da irrigação cerebral, aceleração do ritmo ou promessa de recompensa é circunstância de
respiratório, alterações vasimotoras, intensa palidez caráter pessoal e, portanto, ex vi do art. 30 do
ou intenso rubor, tremores, fenômenos musculares, CP, incomunicável. É nulo o julgamento pelo
alteração das secreções, suor, lágrimas etc.)”.1 Júri em que o Conselho de Sentença acolhe a
Logo em seguida denota relação de comunicabilidade automática de circunstância
imediatidade, de proximidade com a provocação pessoal com desdobramento na fixação da
injusta a que foi submetido o agente. Isso não resposta penal in concreto (STJ, HC 78404/RJ,
significa, contudo, que logo em seguida não Rel. Min. Félix Fischer, 5a T., DJe 9/2/2009).
permita qualquer espaço de tempo. O que a lei
busca evitar, com a utilização dessa expressão, é Paga ou promessa de recompensa
que o agente que, provocado injustamente, possa A paga é o valor ou qualquer outra vantagem,
ficar “ruminando” sua vingança, sendo, ainda tenha ou não natureza patrimonial, recebida
assim, beneficiado com a diminuição da pena. antecipadamente, para que o agente leve a efeito a
Não elimina, contudo, a hipótese daquele que, empreitada criminosa. Já na promessa de recompensa,
injustamente provocado, vai até sua casa em busca como a própria expressão demonstra, o agente não
do instrumento do crime, para com ele produzir o recebe antecipadamente, mas, sim, existe uma
homicídio. Devemos entender a expressão logo em promessa de pagamento futuro. Tanto a paga quanto
seguida utilizando um critério de razoabilidade. a promessa de recompensa não devem possuir,
Injusta provocação diz respeito ao fato de ter necessariamente, natureza patrimonial, podendo
a vítima, com seu comportamento, feito eclodir ser de qualquer natureza, a exemplo de uma
a reação do agente. Injusta provocação não se promessa de casamento ou mesmo uma relação
confunde com injusta agressão, uma vez que esta sexual. Embora exista controvérsia doutrinária
última permite a atuação do agredido em legítima e jurisprudencial, o mandante do crime não
defesa, afastando a ilicitude da conduta. responderá por essa qualificadora, que diz respeito
O homicídio praticado friamente horas após tão somente ao executor, podendo sua conduta,
pretendida injusta provocação da vítima não pode contudo, se amoldar a um motivo torpe, fútil ou, até
ser considerado privilegiado. A simples existência mesmo, de relevante valor moral ou social.
1
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 131.
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2
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal – Parte especial (arts. 121 a 160), p. 53.
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AP, 8a Câm. Crim., Rel. Valmir de Oliveira Silva, torpe, ou ao menos fútil (cf. Heleno Cláudio
j. 22/5/2007). Fragoso). Deve-se ter em conta que a existência de
O ato voluntário de ingerir bebida alcoólica, motivação para a prática do crime de homicídio
por si só, sobre não excluir a responsabilidade, não pode, inexoravelmente, conduzir à existência
também não afasta a possibilidade de incidência de um lado de um delito qualificado ou, de outro,
do motivo fútil. Embora a ingestão de bebida obrigatoriamente, privilegiado. Há hipóteses em
alcoólica possa produzir uma alteração psíquica que se configurará a prática de um homicídio
no agente, somente a embriaguez completa, simples. Basta, para tanto, que a motivação não
proveniente de caso fortuito ou força maior, seja capaz de atrair a causa de diminuição da pena
conforme o § 1o do art. 28 do CPB, que (assim, não tenha sido cometido impelido por
comprometa inteiramente este estado psíquico, motivo de relevante valor social ou moral ou sob
demonstrada cabalmente por meio de prova o domínio de violenta emoção logo em seguida
válida, poderia, eventualmente, mais do que a injusta provocação da vítima) ou que as razões
afastar a qualificadora em questão, isentar de pena da ação criminosa não se qualifiquem como
o agente (TJMG, Processo 1.0372.04.008512- insignificantes – fútil, portanto – ou abjetas –
1/002, Rel. Armando Freire, DJ 27/1/2006). torpe (STJ, HC 77309/SP, Rel. Min. Felix Fischer,
5a T., DJe 26/5/2008).
Ciúmes e motivo fútil
Mantém-se a qualificadora do motivo fútil Ausência de motivo
quando vertente probatória advinda dos autos Na hipótese em apreço, a incidência da
aponta a possibilidade de o delito ter sido qualificadora prevista no art. 121, § 2o, inc. II,
cometido pelo fato do réu não ter gostado que a do Código Penal, é manifestamente descabida,
vítima entrou no quarto de uma moça. Eventual porquanto motivo fútil não se confunde com
ciúme não é afastado e pode configurar a ausência de motivos, de tal sorte que se o crime for
qualificadora, o que será apreciado pelos Jurados praticado sem nenhuma razão, o agente somente
que emitirão o veredicto de mérito (TJRS, RSE, poderá ser denunciado por homicídio simples
70019252436, 3a Câm. Rel.a Des.a Elba Aparecida (Precedentes STJ) (STJ, HC 152548/MG, Rel.
Nicolli Bastos, DJ 13/10/2007). Min. Jorge Mussi, 5a T., DJe 25/4/2011).
Em sentido contrário, embora proferido pelo Como é sabido, fútil é o motivo insignificante,
mesmo Tribunal, tendo, ainda, a mesma Relatora: apresentando desproporção entre o crime e sua
Demonstrando, o caso concreto, que o réu agiu causa moral. Não se pode confundir, como se
por ciúmes da vítima, sentimento negativo que pretende, ausência de motivo com futilidade.
não configura futilidade, incabível reconhecê-la Assim, se o sujeito pratica o fato sem razão alguma,
(TJRS, Recurso em Sentido Estrito 70023116387, não incide essa qualificadora, à luz do princípio da
3a Câm. Crim., Rel.a Elba Aparecida Nicolli Bastos, reserva legal (STJ, REsp. 769651/SP, Rel.a Min.a
j. 13/3/2008). Laurita Vaz, 5a T., DJ 15/5/2006, p. 281).
O ciúme, via de regra, não é motivo fútil, mas
um sentimento humano, ainda que altamente Emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia,
perigoso, pois impede a ação lúcida e por ele o tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou
paciente pode ter sido levado a uma violenta de que possa resultar perigo comum
emoção ao ver a vítima com a ex-companheira, Veneno, que deve ser ministrado
por quem nutria grande afeto (STJ, RHC 019268, insidiosamente, ou seja, sem que a vítima tenha
Rel.a Min.a Jane Silva [Des. convocada do TJMG], conhecimento, é, de acordo com as lições
DJ 28/2/2008). de Almeida Júnior, Taylor e Fonzes Diacon:
Segundo consta dos autos, o réu, em tese, “a) toda substância que, atuando química ou
teria cometido o delito contra sua esposa, com bioquimicamente sobre o organismo, lesa a
quem era casado há 13 (treze) anos e tinha uma integridade corporal ou a saúde do indivíduo
filha, por não ter aceitado o anúncio da separação. ou lhe produz a morte; b) toda substância,
No caso, o motivo pode ser tido como injusto, que, introduzida, por absorção, no sangue, é
porém, isso não significa que seja, outrossim, capaz de afetar seriamente a saúde ou destruir a
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3
Apud DOUGLAS, William; CALHAU, Lélio Braga; KRYMCHANTOWSKY, Abouch V.; DUQUE, Flávio Granado. Medicina legal,
p. 125.
4
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 163-164.
5
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal, v. V, p. 164.
6
Vide Lei no 12.847, de 2 de agosto de 2013, que instituiu o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, criou o
Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, além de
adotar outras providências.
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7
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado, p. 392.
334
8
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, p. 74.
9
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 169.
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qualificadora? Sim, pelas mesmas razões em princípio, compatível com o dolo eventual,
apontadas acima; tendo em vista que o agente, embora prevendo
3) se o agente pratica o homicídio para o resultado morte, pode, dadas as circunstâncias
assegurar, em tese, a impunidade de um crime do caso concreto, anuir com a sua possível
impossível, na hipótese, por exemplo, em ocorrência, utilizando-se de meio que surpreenda
que mata a testemunha que o viu apunhalar a a vítima (STJ, HC 120175/SC, Rel.a Min.a Laurita
suposta vítima, que já estava morta? Segundo Vaz, 5a T., DJe 29/3/2010).
Damásio, “a qualificadora subsiste, uma vez O dolo eventual pode coexistir com a
que o Código pune a maior culpabilidade do qualificadora do motivo torpe do crime de
sujeito, revelada em sua conduta subjetiva”;10 homicídio. Com base nesse entendimento,
4) e se o homicídio é cometido com o fim de a Turma desproveu recurso ordinário em
assegurar a execução, a ocultação, a impunidade habeas corpus interposto em favor de médico
ou a vantagem de uma contravenção penal? Em pronunciado pela prática dos delitos de
virtude da proibição da analogia in malam homicídio qualificado e de exercício ilegal da
partem, não se pode ampliar a qualificadora a medicina (arts. 121, § 2o, I, e 288, parágrafo único,
fim de nela abranger, também, as contravenções ambos c/c o art. 69 do CP, respectivamente),
penais, sob pena de ser violado o princípio da em decorrência do fato de, mesmo inabilitado
legalidade em sua vertente do nullum crimen temporariamente para o exercício da atividade,
nulla poena sine lege stricta, podendo o agente, havê-la exercido e, nesta condição, ter realizado
entretanto, dependendo da hipótese, responder várias cirurgias plásticas – as quais cominaram na
pelo homicídio qualificado pelo motivo torpe morte de algumas pacientes –, sendo motivado
ou fútil. por intuito econômico. A impetração sustentava
a incompatibilidade da qualificadora do
motivo torpe com o dolo eventual, bem como a
Dolo eventual e qualificadoras inadequação da linguagem utilizada na sentença
São incompatíveis o dolo eventual e a de pronúncia pela magistrada de primeiro grau.
qualificadora prevista no inc. IV do § 2o do Concluiu-se pela mencionada compossibilidade,
art. 121 do CP (‘§ 2o Se o homicídio é cometido: porquanto nada impediria que o paciente –
[...] IV – à traição, de emboscada ou mediante médico –, embora prevendo o resultado e
dissimulação ou outro recurso que dificulte ou assumindo o risco de levar os seus pacientes à
torne impossível a defesa do ofendido’). Com base morte, praticasse a conduta motivado por outras
nesse entendimento, a 2a Turma deferiu habeas razões, tais como torpeza ou futilidade. Afastou-
corpus impetrado em favor de condenado à pena -se, também, a alegação de excesso de linguagem,
de reclusão em regime integralmente fechado ao fundamento de que a decisão de pronúncia
pela prática de homicídio qualificado descrito estaria bem motivada, na medida em que a juíza
no artigo referido. Na espécie, o paciente fora pronunciante — reconhecendo a existência de
pronunciado por dirigir veículo, em alta velocidade, indícios suficientes de autoria e materialidade do
e, ao avançar sobre a calçada, atropelara casal de fato delituoso — tivera a cautela, a cada passo, de
transeuntes, evadindo-se sem prestar socorro enfatizar que não estaria antecipando qualquer
às vítimas. Concluiu-se pela ausência do dolo juízo condenatório, asseverando que esta seria
específico, imprescindível à configuração da citada uma competência que assistiria unicamente ao
qualificadora e, em consequência, determinou-se Tribunal do Júri (STF, RHC 92571/DF, Rel. Min.
sua exclusão da sentença condenatória. Precedente Celso de Mello, j. 30/6/2009).
citado: HC 86163/SP (DJU 3/2/2006) (STF, São compatíveis, em princípio, o dolo
HC 95136/PR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2a T., eventual e as qualificadoras do homicídio. É
j. 1o/3/2011, Informativo no 618). penalmente aceitável que, por motivo torpe, fútil
Consoante já se manifestou esta Corte etc., assuma-se o risco de produzir o resultado [...].
Superior de Justiça, a qualificadora prevista no Inexistência, na hipótese, de antinomia entre o
inc. IV do § 2o do art. 121 do Código Penal é, dolo eventual e as qualificadoras do motivo torpe
10
JESUS, Damásio E. de. Direito penal, v. 2, p. 71.
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as consequências do seu ato, ou foge para regra técnica foi utilizada para configurar o próprio
evitar a prisão em flagrante; núcleo da culpa, não podendo servir também para
2) homicídio doloso; possibilitar o aumento de pena, visto que não se
a) se o crime é cometido contra pessoa pode recair em indesejável bis in idem. Precedentes
menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 citados: do STF: HC 95.078/RJ, DJe 15/5/2009;
(sessenta) anos. do STJ: REsp. 606.170/SC, DJ 14/11/2005 (STJ,
A causa de aumento prevista no art. 121, § 4o, RHC 22.557/SP, Rel. Min. Haroldo Rodrigues
parte final, do CP é de natureza estritamente [Des. convocado do TJ/CE], 6a T., j. 17/5/2011,
objetiva, já que para a sua incidência basta o cotejo Informativo no 473).
com o documento público indicador da idade da O homicídio culposo se caracteriza com a
vítima, e atinge necessariamente a todos os sujeitos imprudência, negligência ou imperícia do agente,
ativos, quando o homicídio for comprovadamente modalidades da culpa que não se confundem
praticado contra menor de 14 (quatorze) anos, com a inobservância de regra técnica da profissão,
encontrando-se, assim, dentro da competência do que é causa de aumento que denota maior
Juiz-presidente, eis que adstrita à dosimetria da reprovabilidade da conduta (STJ, REsp. 606170/
pena, pelo que desnecessária a obrigatoriedade de SC, Rel.a Min.a Laurita Vaz, 5a T., RT, v. 845, p. 543).
sua quesitação aos jurados (STJ, HC 139577/RJ, Não há confundir a imperícia, elemento
Rel. Min. Jorge Mussi, 5a T., DJe 1o/8/2012). subjetivo do homicídio culposo, com a inobservância
de regra técnica de profissão, arte ou ofício descrita
no § 4o do art. 121 do CP, pois, naquela, o agente
Inobservância de regra técnica
não detém conhecimentos técnicos, ao passo que
O aumento da pena se deve ao fato de que
nesta o agente os possui, mas deixa de empregá-los
o agente, mesmo tendo os conhecimentos das
(STJ, RHC 17530/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves
técnicas exigidas ao exercício de sua profissão,
Lima, 5a T., DJ 26/9/2005 p. 407).
arte ou ofício, não os utiliza por leviandade, sendo
maior, portanto, o juízo de reprovação que deve
recair sobre o seu comportamento. O agente deixa de prestar o imediato
Trata-se de recurso em habeas corpus em que socorro à vítima, não procura diminuir as
se discute o afastamento da causa de aumento de consequências do seu ato, ou foge para evitar
pena constante do § 4o do art. 121 do CP, relativa a prisão em flagrante
à inobservância de regra técnica de profissão, Na primeira hipótese, o agente demonstra sua
sustentando o recorrente que essa mesma causa insensibilidade para com o sofrimento alheio, cuja
foi utilizada para a caracterização do próprio autoria se lhe atribui. Aquele que, culposamente,
tipo penal. A Turma, ao prosseguir o julgamento, ofende, inicialmente, a integridade corporal ou a
por maioria, deu provimento ao recurso sob o saúde de alguém deve fazer o possível para que se
fundamento de que, embora a causa de aumento evite a produção do resultado mais gravoso, vale
de pena referente à inobservância de regra técnica dizer, a morte da vítima. A negação do socorro
de profissão se situe no campo da culpabilidade, demonstra a maior reprovabilidade do comporta-
demonstrando que o comportamento do agente mento, que merecerá, consequentemente, maior
merece uma maior censurabilidade, não se pode juízo de reprovação. Da mesma forma, aumenta-
utilizar do mesmo fato para, a um só tempo, -se a pena aplicada quando o agente não procura
tipificar a conduta e, ainda, fazer incidir o aumento diminuir as consequências de seu ato, quer dizer,
de pena. Consignou-se que, no caso, a peça exordial segundo Hungria, que não tenta, “na medida do
em momento algum esclarece em que consistiu a possível, atenuar o dano ocasionado por sua culpa,
causa de aumento de pena, apenas se referindo como quando, por exemplo, deixa de transportar a
à inobservância de regra técnica como a própria malferida vítima ao primeiro posto hospitalar ou a
circunstância caracterizadora da negligência do uma farmácia, ou omite qualquer providência in-
agente, fazendo de sua ação uma ação típica. Assim, dicada pela necessidade do seu urgente tratamen-
entendeu-se estar claro que a inobservância de to”.11 Como exemplo cita-se aquele que, sabendo
11
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 188.
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que, de forma culposa, matou alguém conhecido de armas, impondo seu regime de terror em
e com quem mantinha laços afetivos. Entender determinada localidade.
pela desnecessidade do vínculo seria abrir uma Embora de difícil tradução, mas para efeitos
fenda na lei, que se entende não haver desejado de aplicação da causa especial de aumento de
o legislador, pois, além de difícil aferição – o tão pena prevista no § 6o do art. 121 do Código Penal,
grave sofrimento –, serviria como argumento podemos, inicialmente, subdividir as milícias em
de defesa para todo e qualquer caso de delito públicas, isto é, pertencentes, oficialmente, ao
de trânsito, com vítima fatal. O que se pretende Poder Público, e privadas, vale dizer, criadas às
é conferir à lei interpretação mais razoável e margens do aludido Poder.
humana, sem jamais perder de vista o desgaste Dessa forma, as milícias podem ser
emocional (talvez perene) que sofrerá o acusado consideradas, ainda, militares ou paramilitares.
dessa espécie de delito, que não conhecia a Militares são as forças policiais pertencentes
vítima. Solidarizar-se com o choque psicológico à Administração Pública, que envolvem não
do agente não pode, por outro lado, conduzir a somente as Forças Armadas (Exército, Marinha
uma eventual banalização do instituto, o que e Aeronáutica), como também às forças policiais
seria, no atual cenário de violência no trânsito (policia militar), que tenham uma função específica,
– que tanto se tenta combater –, no mínimo, determinada legalmente pelas autoridades
temerário (STJ, REsp. 1455178/DF, Rel. Min. competentes. Paramilitares são associações não
Rogério Schietti Cruz, 6a T., DJe 6/6/2014). oficiais cujos membros atuam ilegalmente, com
Pacífico o entendimento pela aplicabilidade o emprego de armas, com estrutura semelhante
do perdão judicial aos crimes de trânsito (TJSP, à militar. Essas forças paramilitares utilizam
AC 00813541120108260224, Rel. Des. Salles as técnicas e táticas policiais oficiais por elas
Abreu, DJe 20/5/2013). conhecidas, a fim de executarem seus objetivos
O crime de homicídio culposo na direção de anteriormente planejados. Não é raro ocorrer e,
veículo automotor alberga a concessão do perdão na verdade, acontece com frequência, que pessoas
judicial, desde que as consequências do crime sejam pertencentes a grupos paramilitares também façam
suficientes para penalizar o causador do acidente, parte das forças militares oficiais do Estado, a
ainda que não guarde relação direta de parentesco exemplo de policiais militares, bombeiros, agentes
ou afetividade com a vítima, porque estas condições penitenciários, policiais civis e federais.
não são exclusivas da benesse legal. A exigência As milícias consideradas criminosas, ou
da norma, para se deixar de aplicar a pena, é que seja, que se encontram à margem da lei, eram,
‘as consequências da infração atinjam o próprio inicialmente, formadas por policiais, ex-policiais
e também por civis (entendidos aqui aqueles que
agente de forma tão grave que a sanção penal se
nunca fizeram parte de qualquer força policial).
torne desnecessária’ (art. 121 § 5o, do Código Penal)
Suas atividades, no começo, cingiam-se
(TJPR, 3a Câm., AC 0231400-7, Sertanópolis, Rel.
à proteção de comerciantes e moradores de
Des. Jorge Wagih Massad, DJ 16/10/2003).
determinada região da cidade. Para tanto, cobravam
pequenos valores individuais, que serviam como
Homicídio praticado por milícia privada, renumeração aos serviços de segurança por elas
sob o pretexto de prestação de serviço de prestados. Como as milícias eram armadas, havia,
segurança, ou por grupo de extermínio normalmente, o confronto com traficantes, que
A Lei no 12.720, de 27 de setembro de 2012, eram expulsos dos locais ocupados, como também
acrescentou o § 6o ao art. 121 do Código Penal, os pequenos criminosos (normalmente pessoas que
asseverando que a pena é aumentada de 1/3 (um costumavam praticar crimes contra o patrimônio).
terço) até a metade se o crime for praticado por Com o passar do tempo, os membros
milícia privada, sob o pretexto de prestação de integrantes das milícias despertaram para o fato
serviço de segurança, ou por grupo de extermínio. de que, além do serviço de segurança, podiam
Ao se referir à milícia privada está dizendo respeito também auferir lucros com outros serviços,
àquela de natureza paramilitar, isto é, a uma por eles monopolizados, como aconteceu
organização não estatal, que atua ilegalmente, com os transportes realizados pelas “vans” e
mediante o emprego da força, com a utilização motocicletas, com o fornecimento de gás, TV a
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