Você está na página 1de 16

Parte Especial

Título I – Dos Crimes contra a Pessoa


Capítulo I – Dos Crimes contra a Vida

terço) se o crime é praticado contra pessoa menor


Homicídio simples
de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos.
Art 121. Matar alguém: (Redação dada pela Lei no 10.741, de 1o/10/2003.)
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. o
§ 5 Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá
Caso de diminuição de pena
deixar de aplicar a pena, se as consequências da
§ 1o Se o agente comete o crime impelido por infração atingirem o próprio agente de forma tão
motivo de relevante valor social ou moral, ou sob grave que a sanção penal se torne desnecessária.
o domínio de violenta emoção, logo em seguida a (Incluído pela Lei no 6.416, de 24/5/1977.)
injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a
pena de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço). § 6o A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até
a metade se o crime for praticado por milícia
Homicídio qualificado
privada, sob o pretexto de prestação de serviço de
§ 2o Se o homicídio é cometido:
segurança, ou por grupo de extermínio.
I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou (Incluído pela Lei no 12.720, de 27/9/2012.)
por outro motivo torpe;
II – por motivo fútil;
III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, O primeiro homicídio
asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou
A Bíblia nos relata a história do primeiro
de que possa resultar perigo comum;
homicídio, cometido por Caim contra seu irmão
IV – à traição, de emboscada, ou mediante
dissimulação ou outro recurso que dificulte ou Abel, em Gênesis, Capítulo 4, versículo 8.
torne impossível a defesa do ofendido;
V – para assegurar a execução, a ocultação, a Homicídio simples, privilegiado e qualificado
impunidade ou vantagem de outro crime: O homicídio simples, previsto no caput do
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. art.  121 do Código Penal, cuja pena de reclusão
Homicídio culposo varia de 6 (seis) a 20 (vinte) anos, possui a
§ 3o Se o homicídio é culposo: redação mais compacta de todos os tipos penais
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. incriminadores, que diz: matar alguém. O núcleo
Aumento de pena matar diz respeito à ocisão da vida de um homem,
§ 4o No homicídio culposo, a pena é aumentada de
por outro homem. Alguém deve ser entendido
1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância
de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o
como o ser vivo, nascido de mulher. O §  1o do
agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, art.  121 do Código Penal prevê o chamado
não procura diminuir as consequências do seu ato, homicídio privilegiado. Na verdade, a expressão
ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo homicídio privilegiado, embora largamente
doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um utilizada pela doutrina e pela jurisprudência,

327

CP.indb 327 21/1/2015 15:56:48


Código Penal Comentado
Art. 121 Rogério Greco

nada mais é do que uma causa especial de redução testemunhal poderá suprir-lhe a falta’ (TJRS,
de pena, tendo influência no terceiro momento 1a Câm., Rese 70027447374, Rel. Des. Marco
da sua aplicação. Localizado após as causas de Antônio Ribeiro de Oliveira, DJ 25/3/2009).
diminuição de pena encontra-se o homicídio Em situações extraordinárias, admite-se que
qualificado, no § 2o do art. 121 do Código Penal, elementos outros de prova, que não o exame de
cominando uma pena de reclusão de 12 (doze) a corpo de delito, possam evidenciar a materialidade
30 (trinta) anos. delitiva. In casu, contudo, encontrando-se a vítima
internada no hospital, seria possível a realização
Classificação doutrinária do exame indireto, com base nas fichas clínicas
Crime comum, tanto no que diz respeito ao (STJ, HC 92644/DF, Rel.a Min.a Maria Thereza
sujeito ativo, quanto ao sujeito passivo; simples; de de Assis Moura, 6a T., DJe 15/6/2009).
forma livre (como regra, pois existem modalidades Pela interpretação dos arts.  158 e 167 do
qualificadas que indicam os meios e modos para Código de Processo Penal, conclui-se que,
a prática do delito, como ocorre nas hipóteses relativamente às infrações que deixam vestígio,
dos incs. III e IV), podendo ser cometido dolosa a realização de exame pericial se mostra
ou culposamente, comissiva ou omissivamente indispensável, podendo a prova testemunhal
(nos casos de omissão imprópria, quando o supri-lo apenas na hipótese em que os vestígios
agente possuir status de garantidor); de dano; do crime tiverem desaparecido. Precedentes do
material; instantâneo de efeitos permanentes; não STJ (STJ, REsp. 1008913/RS, Rel. Min. Arnaldo
transeunte; monossubjetivo; plurissubsistente; Esteves Lima, 5a T., DJe 9/3/2009).
podendo figurar, também, a hipótese de crime de O exame de corpo de delito direto, por
ímpeto (como no caso da violenta emoção, logo expressa determinação legal, é indispensável
em seguida à injusta provocação da vítima). nas infrações que deixam vestígios, podendo
apenas supletivamente ser suprido pela prova
testemunhal quando os vestígios tenham
Sujeito ativo e sujeito passivo desaparecido. Portanto, se era possível sua
Sujeito ativo do delito de homicídio pode ser realização e esta não ocorreu de acordo com as
qualquer pessoa, haja vista tratar-se de um delito normas pertinentes (art.  159 do CPP), a prova
comum. Sujeito passivo, da mesma forma, também testemunhal e a confissão do réu não suprem sua
pode ser qualquer pessoa, em face da ausência de ausência (STJ, HC 109478/MG, Rel. Min. Felix
qualquer especificidade constante do tipo penal. Fischer, 5a T., DJe 9/3/2009).
Exame de corpo de delito. Ausência de cadáver.
Objeto material e bem juridicamente protegido Prescindibilidade diante de outras provas. O
Objeto material do delito é a pessoa contra a exame de corpo de delito, embora importante
qual recai a conduta praticada pelo agente. Bem à comprovação nos delitos de resultado, não se
juridicamente protegido é a vida e, num sentido mostra imprescindível, por si só, à comprovação
mais amplo, a pessoa. da materialidade do crime. No caso vertente, em
que os supostos homicídios têm por característica
Exame de corpo de delito a ocultação dos corpos, a existência de prova
Tratando-se de crime material, infração penal testemunhal e outras podem servir ao intuito de
que deixa vestígios, o homicídio, para que possa fundamentar a abertura da ação penal, desde que
ser atribuído a alguém, exige a confecção do se mostrem razoáveis no plano do convencimento
indispensável exame de corpo de delito, direto ou do julgador, que é o que consagrou a instância a quo
indireto, conforme determinam os arts. 158 e 167 (STJ, HC 79735/RJ, Rel.a Min.a Maria Thereza de
do CPP. Assis Moura, 6a T., DJ 3/12/2007, p. 368).
O fato de inexistir nos autos exame de corpo
de delito não afasta a materialidade delitiva, Elemento subjetivo
porquanto aplicável ao caso o disposto no art. 167 O elemento subjetivo constante do caput
do Código de Processo Penal, que assim dispõe: do art. 121 do Código Penal é o dolo, ou seja, a
‘Não sendo possível o exame de corpo de delito, vontade livre e consciente de matar alguém. O
por haverem desaparecido os vestígios, a prova agente atua com o chamado animus necandi ou

328

CP.indb 328 21/1/2015 15:56:48


Título I
Dos Crimes contra a Pessoa Art. 121
animus occidendi. A conduta do agente, portanto, aspectos subjetivos da própria causa, baseando-se
é dirigida finalisticamente a causar a morte de um na relevância do valor moral ou social, devendo
homem. aproximar-se do seu grau máximo de redução
Pode ocorrer o homicídio tanto a título de quando a circunstância que motivou a ação do
dolo direto, seja ele de primeiro ou de segundo agente foi preponderante para o cometimento
grau, como eventual. do delito (TJES, AC 048109001932, Rel. Sérgio
Bizotto Pessoa de Mendonça, DJe 13/7/2011).
Modalidades comissiva e omissiva
Pode o delito ser praticado comissivamente Motivo de relevante valor social ou moral
quando o agente dirige sua conduta com o fim Relevante valor social é aquele motivo que
de causar a morte da vítima, ou omissivamente, atende aos interesses da coletividade. Não
quando deixa de fazer aquilo a que estava obrigado interessa tão somente ao agente, mas, sim, ao
em virtude da sua qualidade de garantidor (crime corpo social. A morte de um traidor da pátria,
omissivo impróprio), conforme preconizado pelo no exemplo clássico da doutrina, atenderia a
art.  13, §  2o, alíneas a, b, e c do Código Penal, coletividade, encaixando-se no conceito de valor
agindo dolosamente em ambas as situações. social. Podemos traçar um paralelo com a morte
de um político corrupto, por um agente revoltado
Meios de execução com a situação de impunidade no país.
Delito de forma livre, o homicídio pode ser Relevante valor moral é aquele que, embora
praticado mediante diversos meios, que podem importante, é considerado levando-se em conta
ser subdivididos em: a) diretos; b)  indiretos; os interesses do agente. Seria, por assim dizer, um
c) materiais; d) morais. motivo egoisticamente considerado, a exemplo do
Podemos citar como exemplos de meios pai que mata o estuprador de sua filha.
diretos na prática do homicídio o disparo de arma As hipóteses de eutanásia também se amoldam
de fogo, a esganadura etc.; indiretos, o ataque de à primeira parte do § 1o do art. 121 do Código Penal.
animais açulados pelo dono, loucos estimulados; Não há que se ter como contraditória a decisão
os meios materiais podem ser mecânicos, dos jurados que não vislumbra a ocorrência do
químicos, patológicos; os meios morais são, por homicídio privilegiado e, de outro lado, reconhece
exemplo, o susto, o medo, a emoção violenta. a incidência da atenuante prevista no art.  65, III,
a, do Código Penal (Precedente). O privilégio
Consumação e tentativa contido no § 1o do art. 121 do CP, não se confunde
A consumação do delito de homicídio ocorre com a atenuante genérica do art.  65, III, a, do
com o resultado morte. Admite-se a tentativa na mesmo diploma legal (STJ, HC 47448/MS, Rel.
modalidade dolosa. Min. Felix Fischer, 5a T., DJ 13/2/2006, p. 839).

Homicídio privilegiado Sob o domínio de violenta emoção, logo em


Cuida-se, na verdade, de causa especial de seguida a injusta provocação da vítima
diminuição de pena, também conhecida como Sob o domínio significa que o agente deve
minorante. Se afirmada no caso concreto, obrigará estar completamente dominado pela situação.
a redução da pena, não se tratando de faculdade do Caso contrário, se somente agiu influenciado, a
julgador, mas, sim, direito subjetivo do agente. O hipótese não será de redução de pena em virtude
§ 1o do art. 121 do Código Penal pode ser dividido da aplicação da minorante, mas tão somente de
em duas partes. Na primeira, residiria o motivo de atenuação, em face da existência da circunstância
relevante valor social ou moral; na segunda, quando prevista na alínea c do inc.  III do art.  65 do
o agente atua sob o domínio de violenta emoção, logo Código Penal (sob a influência de violenta emoção,
em seguida à injusta provocação da vítima. provocada por ato injusto da vítima).
Para estabelecer o patamar redutor em razão Inconfundível o privilégio previsto no §  1o
do privilégio, que varia de 1⁄3 (um terço) a 1⁄6 (um do art.  121 do Código Penal com a atenuante
sexto), o julgador deverá avaliar a emoção sofrida referida no art.  65, inc.  III, alínea c, do mesmo
pelo agente diante da atuação da vítima, ou seja, os diploma legal. A primeira regra incide quando o

329

CP.indb 329 21/1/2015 15:56:48


Código Penal Comentado
Art. 121 Rogério Greco

agente comete o crime sob o domínio de violenta de emoção por parte do acusado igualmente não
emoção, logo em seguida a injusta provocação da basta a seu reconhecimento, pois não se pode
vítima; a segunda, quando apenas influenciado outorgar privilégios aos irascíveis ou às pessoas que
por esse sentimento, dispensado o requisito facilmente se deixam dominar pela cólera (TJSP,
temporal (TJDFT, APR 19980110369450, Rel. AC, Rel. Gonçalves Sobrinho, RT 572, p. 325).
Getúlio Pinheiro, 2a T., Crim., j. 22/2/2007, DJ
22/3/2007, p. 116). Homicídio qualificado
O reconhecimento do homicídio privilegiado As qualificadoras constantes dos incisos do § 2o
se impõe unicamente quando presentes a existência do art.  121 do Código Penal dizem respeito aos
de uma emoção absoluta, provocação injusta do motivos (I e II), meios (III), modos (IV) e fins (V).
ofendido e reação imediata do agente, que age
em abalo emocional, não bastando estar sob sua
Qualificadoras são circunstâncias e não
influência (APR 20010110076124, Rel. Aparecida
Fernandes, 2a T. Crim., DJ 21/11/2007, p. 253). elementares
Emoção, na definição de Hungria, “é um estado Os dados que compõem o tipo básico ou
de ânimo ou de consciência caracterizado por fundamental (inserido no caput) são elementares
uma viva excitação do sentimento. É uma forte e (essentialia delicti); aqueles que integram
transitória perturbação da efetividade, a que estão o acréscimo, estruturando o tipo derivado
ligadas certas variações somáticas ou modificações (qualificado ou privilegiado) são circunstâncias
particulares das funções da vida orgânica (pulsar (accidentalia delicti). No homicídio, a qualificadora
precípite do coração, alterações térmicas, aumento de ter sido o delito praticado mediante paga
da irrigação cerebral, aceleração do ritmo ou promessa de recompensa é circunstância de
respiratório, alterações vasimotoras, intensa palidez caráter pessoal e, portanto, ex vi do art.  30 do
ou intenso rubor, tremores, fenômenos musculares, CP, incomunicável. É nulo o julgamento pelo
alteração das secreções, suor, lágrimas etc.)”.1 Júri em que o Conselho de Sentença acolhe a
Logo em seguida denota relação de comunicabilidade automática de circunstância
imediatidade, de proximidade com a provocação pessoal com desdobramento na fixação da
injusta a que foi submetido o agente. Isso não resposta penal in concreto (STJ, HC 78404/RJ,
significa, contudo, que logo em seguida não Rel. Min. Félix Fischer, 5a T., DJe 9/2/2009).
permita qualquer espaço de tempo. O que a lei
busca evitar, com a utilização dessa expressão, é Paga ou promessa de recompensa
que o agente que, provocado injustamente, possa A paga é o valor ou qualquer outra vantagem,
ficar “ruminando” sua vingança, sendo, ainda tenha ou não natureza patrimonial, recebida
assim, beneficiado com a diminuição da pena. antecipadamente, para que o agente leve a efeito a
Não elimina, contudo, a hipótese daquele que, empreitada criminosa. Já na promessa de recompensa,
injustamente provocado, vai até sua casa em busca como a própria expressão demonstra, o agente não
do instrumento do crime, para com ele produzir o recebe antecipadamente, mas, sim, existe uma
homicídio. Devemos entender a expressão logo em promessa de pagamento futuro. Tanto a paga quanto
seguida utilizando um critério de razoabilidade. a promessa de recompensa não devem possuir,
Injusta provocação diz respeito ao fato de ter necessariamente, natureza patrimonial, podendo
a vítima, com seu comportamento, feito eclodir ser de qualquer natureza, a exemplo de uma
a reação do agente. Injusta provocação não se promessa de casamento ou mesmo uma relação
confunde com injusta agressão, uma vez que esta sexual. Embora exista controvérsia doutrinária
última permite a atuação do agredido em legítima e jurisprudencial, o mandante do crime não
defesa, afastando a ilicitude da conduta. responderá por essa qualificadora, que diz respeito
O homicídio praticado friamente horas após tão somente ao executor, podendo sua conduta,
pretendida injusta provocação da vítima não pode contudo, se amoldar a um motivo torpe, fútil ou, até
ser considerado privilegiado. A  simples existência mesmo, de relevante valor moral ou social.

1
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 131.

330

CP.indb 330 21/1/2015 15:56:49


Título I
Dos Crimes contra a Pessoa Art. 121
A Turma entendeu que, no homicídio, o fato feita concretamente, caso a caso. Conforme
de ter sido o delito praticado mediante paga ou ressaltado pelo Tribunal de origem, ‘no caso em
promessa de recompensa, por ser elemento do exame, imputou-se intrinsecamente ao réu que
tipo qualificado, é circunstância que não atinge sua ação foi motivada por ciúme, cuja reação do
exclusivamente o executor, mas também o sentimento humano não pode ser considerado
mandante ou qualquer outro coautor (STJ, HC motivo torpe e nem fútil’ (e-STJ fl. 370). (STJ,
99.144/RJ, Rel. Min. Og Fernandes, 6a T., j. em AgRg. no AREsp. 363919/PR, Rel. Min. Jorge
4/11/2008). Mussi, 5a T., DJe 21/5/2014).
O ciúme, por si só, não pode ser equiparado
Motivo torpe a motivo torpe. Há indicativos de que o acusado
O inc. I se vale de uma interpretação analógica, teria tentado ceifar a vida da vítima em razão do
dando a entender que a paga e a promessa de término do relacionamento amoroso (TJRS,
recompensa são motivos torpes. Torpe é o motivo RESE 70052860954, Rel. Des. Nereu José
abjeto que causa repugnância, nojo, sensação de Giacomolli, j. 28/3/2013).
repulsa pelo fato praticado pelo agente. Torpe é o motivo repugnante ao senso ético e
abjeto. Segundo entendimento preponderante na
Vingança jurisprudência, não pode ser considerado torpe
Segundo a doutrina, torpe é o motivo o crime cometido por ciúmes (TJMG, Processo
baixo, repugnante, vil, ignóbil, que repugna a 1.0433.04.138531-4/001[1], Rel. Min. Paulo
coletividade. A vingança pode ou não constituir Cézar Dias, pub. 19/4/2006).
motivo torpe, na dependência do que a originou
(TJRS, RESE 70052860954, Rel. Des. Nereu José Motivo fútil
Giacomolli, j. 28/3/2013). É o motivo insignificante, que faz com que o
A verificação de se a vingança constitui ou comportamento do agente seja desproporcional.
não motivo torpe deve ser feita com base nas Segundo Heleno Fragoso, “é aquele que se apresenta,
peculiaridades de cada caso concreto, de modo
como antecedente psicológico, desproporcionado
que não se pode estabelecer um juízo a priori,
com a gravidade da reação homicida, tendo-se em
seja positivo ou negativo. Conforme ressaltou
vista a sensibilidade moral média”.2
o Pretório Excelso, a vingança, por si só, não
substantiva o motivo torpe; a sua afirmativa,
contudo, não basta para elidir a imputação de Embriaguez e motivo fútil
torpeza do motivo do crime, que há de ser aferida Em que pese o estado de embriaguez possa,
à luz do contexto do fato (HC 83.309, MS, Rel. em tese, reduzir ou eliminar a capacidade do autor
Min. Sepúlveda Pertence, 1a T., DJ 6/2/2004). de entender o caráter ilícito ou determinar-se de
(STJ, HC 80107/SP, Rel. Min. Felix Fischer, 5a T., acordo com esse entendimento, tal circunstância
DJ 25/2/2008, p. 339). não afasta o reconhecimento da eventual futilidade
A vingança, por si, não enseja motivo torpe, de sua conduta. Precedentes do STJ (STJ, REsp.
sendo necessário que o fato que a originou 908396/MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima,
seja repugnante ou vil (TJMG, Processo 5a T., DJe 30/3/2009).
1.0000.00.297427-7/000[1], Rel. Min. Mercêdo A circunstância de estar o acusado sob o
Moreira, pub. 12/3/2003). efeito de bebida alcoólica, conforme acentuou
a defesa, ainda que comprovada a embriaguez,
Ciúmes e motivo torpe não seria suficiente para excluir a qualificadora
O sentimento de ciúme pode tanto inserir- da futilidade do motivo, porquanto a embriaguez
-se na qualificadora do inciso I ou II do parágrafo voluntária ou culposa não exclui a imputabilidade
2o, ou mesmo no privilégio do parágrafo penal, podendo até ensejar maior punição no
primeiro, ambos do art. 121 do CP, análise caso da preordenada (TJRJ, 2007.050.00956/

2
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal – Parte especial (arts. 121 a 160), p. 53.

331

CP.indb 331 21/1/2015 15:56:49


Código Penal Comentado
Art. 121 Rogério Greco

AP, 8a Câm. Crim., Rel. Valmir de Oliveira Silva, torpe, ou ao menos fútil (cf. Heleno Cláudio
j. 22/5/2007). Fragoso). Deve-se ter em conta que a existência de
O ato voluntário de ingerir bebida alcoólica, motivação para a prática do crime de homicídio
por si só, sobre não excluir a responsabilidade, não pode, inexoravelmente, conduzir à existência
também não afasta a possibilidade de incidência de um lado de um delito qualificado ou, de outro,
do motivo fútil. Embora a ingestão de bebida obrigatoriamente, privilegiado. Há hipóteses em
alcoólica possa produzir uma alteração psíquica que se configurará a prática de um homicídio
no agente, somente a embriaguez completa, simples. Basta, para tanto, que a motivação não
proveniente de caso fortuito ou força maior, seja capaz de atrair a causa de diminuição da pena
conforme o §  1o do art.  28 do CPB, que (assim, não tenha sido cometido impelido por
comprometa inteiramente este estado psíquico, motivo de relevante valor social ou moral ou sob
demonstrada cabalmente por meio de prova o domínio de violenta emoção logo em seguida
válida, poderia, eventualmente, mais do que a injusta provocação da vítima) ou que as razões
afastar a qualificadora em questão, isentar de pena da ação criminosa não se qualifiquem como
o agente (TJMG, Processo 1.0372.04.008512- insignificantes – fútil, portanto – ou abjetas –
1/002, Rel. Armando Freire, DJ 27/1/2006). torpe (STJ, HC 77309/SP, Rel. Min. Felix Fischer,
5a T., DJe 26/5/2008).
Ciúmes e motivo fútil
Mantém-se a qualificadora do motivo fútil Ausência de motivo
quando vertente probatória advinda dos autos Na hipótese em apreço, a incidência da
aponta a possibilidade de o delito ter sido qualificadora prevista no art.  121, §  2o, inc.  II,
cometido pelo fato do réu não ter gostado que a do Código Penal, é manifestamente descabida,
vítima entrou no quarto de uma moça. Eventual porquanto motivo fútil não se confunde com
ciúme não é afastado e pode configurar a ausência de motivos, de tal sorte que se o crime for
qualificadora, o que será apreciado pelos Jurados praticado sem nenhuma razão, o agente somente
que emitirão o veredicto de mérito (TJRS, RSE, poderá ser denunciado por homicídio simples
70019252436, 3a Câm. Rel.a Des.a Elba Aparecida (Precedentes STJ) (STJ, HC 152548/MG, Rel.
Nicolli Bastos, DJ 13/10/2007). Min. Jorge Mussi, 5a T., DJe 25/4/2011).
Em sentido contrário, embora proferido pelo Como é sabido, fútil é o motivo insignificante,
mesmo Tribunal, tendo, ainda, a mesma Relatora: apresentando desproporção entre o crime e sua
Demonstrando, o caso concreto, que o réu agiu causa moral. Não se pode confundir, como se
por ciúmes da vítima, sentimento negativo que pretende, ausência de motivo com futilidade.
não configura futilidade, incabível reconhecê-la Assim, se o sujeito pratica o fato sem razão alguma,
(TJRS, Recurso em Sentido Estrito 70023116387, não incide essa qualificadora, à luz do princípio da
3a Câm. Crim., Rel.a Elba Aparecida Nicolli Bastos, reserva legal (STJ, REsp. 769651/SP, Rel.a Min.a
j. 13/3/2008). Laurita Vaz, 5a T., DJ 15/5/2006, p. 281).
O ciúme, via de regra, não é motivo fútil, mas
um sentimento humano, ainda que altamente Emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia,
perigoso, pois impede a ação lúcida e por ele o tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou
paciente pode ter sido levado a uma violenta de que possa resultar perigo comum
emoção ao ver a vítima com a ex-companheira, Veneno, que deve ser ministrado
por quem nutria grande afeto (STJ, RHC 019268, insidiosamente, ou seja, sem que a vítima tenha
Rel.a Min.a Jane Silva [Des. convocada do TJMG], conhecimento, é, de acordo com as lições
DJ 28/2/2008). de Almeida Júnior, Taylor e Fonzes Diacon:
Segundo consta dos autos, o réu, em tese, “a) toda substância que, atuando química ou
teria cometido o delito contra sua esposa, com bioquimicamente sobre o organismo, lesa a
quem era casado há 13 (treze) anos e tinha uma integridade corporal ou a saúde do indivíduo
filha, por não ter aceitado o anúncio da separação. ou lhe produz a morte; b) toda substância,
No caso, o motivo pode ser tido como injusto, que, introduzida, por absorção, no sangue, é
porém, isso não significa que seja, outrossim, capaz de afetar seriamente a saúde ou destruir a

332

CP.indb 332 21/1/2015 15:56:49


Título I
Dos Crimes contra a Pessoa Art. 121
vida; c) uma substância química definida que, da caixa torácica (sufocação indireta); d) por
introduzida no organismo, age, até a dose tóxica, supressão funcional do campo respiratório. Os
proporcionalmente à massa e ocasiona desordens, processos de provocação da asfixia mecânica são o
podendo acarretar a morte”.3 enforcamento, o imprensamento, o estrangulamento,
A utilização de fogo também qualifica o afogamento, a submersão, a esganadura”.5
o homicídio, uma vez que se trata de meio A tortura6, também, encontra-se no rol dos
extremamente cruel à sua execução. Infelizmente, meios considerados cruéis, que têm por finalidade
a mídia tem noticiado, com certa frequência, qualificar o homicídio. Importa ressaltar que
a utilização de fogo em mortes de mendigos, a tortura, qualificadora do homicídio, não se
índios, enfim, de pessoas excluídas pela sociedade, confunde com aquela prevista pela Lei no 9.455,
que vivem embaixo de viadutos, em praças de 7 de abril de 1997, uma vez que, no homicídio,
públicas etc. Também é comum a veiculação de a tortura é um meio para se alcançar o resultado
informações de traficantes que se valem desse morte, enquanto, na legislação específica, ela é um
meio cruel a fim de causar a morte de suas vítimas, fim em si mesma.
normalmente prendendo-as entre pneus de Insidioso é o meio utilizado pelo agente sem
caminhão, para, logo em seguida, embebidas em que a vítima dele tome conhecimento; cruel, a
combustível, atear-lhes fogo no corpo, fazendo, seu turno, é aquele que causa um sofrimento
assim, uma fogueira humana. excessivo, desnecessário à vítima enquanto viva,
Explosivo é o meio utilizado pelo agente que obviamente, pois a crueldade praticada após
traz perigo, também, a um número indeterminado a sua morte não qualifica o delito. Esquartejar
de pessoas. Matar a vítima arremessando contra uma pessoa ainda viva configura-se meio cruel à
ela uma granada qualifica o homicídio pelo uso de execução do homicídio; esquartejá-la após a sua
explosivo. Segundo Hungria,“na sua decomposição morte já não induz a ocorrência da qualificadora.
brusca, o explosivo opera a violenta deslocação e Perigo comum é aquele que abrange um número
destruição de matérias circunjacentes. Não há que indeterminado de pessoas.
distinguir entre substâncias e aparelhos ou engenhos
explosivos. Entre os explosivos mais conhecidos, Emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia,
podem ser citados os derivados da nitroglicerina tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou
(dinamite), da nitrobenzina (belite), do nitrocresol de que possa resultar perigo comum.
(cresolite), da nitronaftalina (schneiderite, chedite), A orientação que tem preponderado
do nitrotolueno (trotil ou tolite), do trinitofenol ou na doutrina e na jurisprudência é de que a
ácido pícrico (melinite, lidite), o algodão-pólvora qualificadora do meio cruel somente se configura
(explosivo mediante choque), os fulminatos, os quando, de alguma forma, além do resultado
explosivos com base de ar líquido etc.”4 morte, o agente busca infligir à vítima sofrimento
Asfixia é a supressão da respiração. Conforme desnecessário (Recurso Criminal 2010.021977-2,
lições de Hungria, “o texto legal não distingue de Capinzal, Rel. Des. Torres Marques) (TJSC,
entre asfixia mecânica e asfixia tóxica (produzida Recurso Criminal 2012.080804-9, Rel. Des. Jorge
por gases deletérios, como o óxido de carbono, Schaefer Martins, j. 23/5/2013).
o gás de iluminação, o cloro, o bromo etc.). A
asfixia mecânica pode ocorrer: a) por oclusão dos Multiplicidade de golpes
orifícios respiratórios (nariz e boca) ou sufocação A reiteração de golpes na vítima, ao menos
direta; b) por oclusão das vias aéreas (glote, em princípio e para fins de pronúncia, é
laringe, traqueia, brônquios); c) por compressão circunstância indiciária do ‘meio cruel’ previsto

3
Apud DOUGLAS, William; CALHAU, Lélio Braga; KRYMCHANTOWSKY, Abouch V.; DUQUE, Flávio Granado. Medicina legal,
p. 125.
4
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 163-164.
5
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal, v. V, p. 164.
6
Vide Lei no 12.847, de 2 de agosto de 2013, que instituiu o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, criou o
Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, além de
adotar outras providências.

333

CP.indb 333 21/1/2015 15:56:49


Código Penal Comentado
Art. 121 Rogério Greco

no inciso III do parágrafo 2o do artigo 121 Perícia


do Código Penal, não se tratando, pois, de Negando o exame pericial o emprego de
qualificadora manifestamente improcedente meio cruel para a execução do homicídio, tal
que autorize o excepcional decote pelo juiz da qualificadora só poderá ser acolhida se houver
pronúncia, pena de usurpação da competência nos autos provas suficientes para desconstituir
constitucionalmente atribuída ao Tribunal tal exame (TJCE, APen. 1998.02737-3, 2a Câm.
do Júri (STJ, REsp. 1241987/PR, Rela Mina Crim., Rel. Des. José Evandro Nogueira Lima,
Maria Thereza de Assis de Moura, 6a T., DJe DJCE 7/4/2000).
24/2/2014).
Decisão de pronúncia que excluiu a À traição, de emboscada, ou mediante
qualificadora do meio cruel. Pedido para a sua dissimulação ou outro recurso que dificulte
inclusão, devido ao modo como se deu o crime. ou torne impossível a defesa do ofendido
No entanto, reiteração de golpes de arma branca Segundo as lições de Guilherme de Souza
não configura, de plano, a qualificadora em Nucci, “trair significa enganar, ser infiel, de modo
questão. Necessidade de verificar a intenção do que, no contexto do homicídio, é a ação do agente
acusado em impingir sofrimento exacerbado que colhe a vítima por trás, desprevenida, sem ter
à vítima, o que não ocorreu no caso dos autos. esta qualquer visualização do ataque. O ataque
Mantida a exclusão da qualificadora (TJSC, RESE súbito, pela frente, pode constituir surpresa, mas
2013.024379-6, Rel. Des. Volnei Celso Tomazini, não traição”.7
j. 16/7/2013). Havendo provas nos autos, estreme de dúvidas,
A só repetição de golpes de porrete contra a de que a vítima não foi colhida de surpresa, pois
vítima não é circunstância capaz de autorizar a poderia facilmente prever uma reação violenta
imposição da qualificadora do meio cruel, que do ora recorrente, é de rigor que a qualificadora
só ocorre quando haja prova do meio bárbaro, do emprego de recurso que impossibilitou sua
martirizante, brutal, que aumenta, inutilmente, o defesa (§ 2o, IV, do art. 121, do CP) seja excluída
sofrimento da vítima, revelando que a crueldade da decisão de pronúncia (TJPR, Acórdão 22401,
parte de um ânimo calmo, que permita a escolha Recurso em Sentido Estrito, 1a Câm. Crim., Rel.
dos meios capazes de infligir o maior padecimento Mário Helton Jorge, j. 17/1/2008, DJ 7.558).
desejado (TJMG, Processo 1.0103.07.003039- A emboscada pode ser entendida como uma
2/001, Rel. Judimar Biber, DJ 11/1/2008). espécie de traição. Nela, contudo, o agente se
Havendo indícios de que os golpes de facão coloca escondido, de tocaia, aguardando a vítima
e pauladas possam ter imposto desnecessário passar, para que o ataque tenha sucesso.
sofrimento à vítima de homicídio, mantém-se Dissimular tem o significado de ocultar a
a pronúncia do réu pelo crime qualificado pelo intenção homicida, fazendo-se passar por amigo,
meio cruel (TJDFT, SER 20030510003757, Rel. conselheiro, enfim, dando falsas mostras de
Sérgio Rocha, 2a T. Crim., DJ 22/3/2007, p. 115). amizade, a fim de facilitar o cometimento do delito.
O meio cruel, previsto no art. 121, § 2o, III, do A fórmula genérica contida na parte final
CP, é aquele em que o agente, ao praticar o delito, do inc. IV em estudo faz menção à utilização de
provoca um maior sofrimento à vítima. Vale dizer, recurso que dificulte ou torne impossível a defesa
quando se leva à efeito o crime com evidente do ofendido. Dificultar, como se percebe, é um
instinto de maldade, objetivando impor à vítima minus em relação ao tornar impossível a defesa
um sofrimento desnecessário. Dessa maneira, do ofendido. Naquele, a vítima tem alguma
a multiplicidade de atos executórios (in casu, possibilidade de defesa, mesmo que dificultada
reiteração de facadas), por si só, não configura a por causa da ação do agente. Tornar impossível é
qualificadora do meio cruel (STJ, REsp. 743110/ eliminar, completamente, qualquer possibilidade
MG, Rel. Min. Felix Fischer, 5a T., DJ 27/3/2006 de defesa por parte da vítima, a exemplo da
p. 322). hipótese em que esta é morta enquanto dormia.

7
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado, p. 392.

334

CP.indb 334 21/1/2015 15:56:50


Título I
Dos Crimes contra a Pessoa Art. 121
O recurso que dificulta ou torna impossível de crime (homicídio contra o coautor de roubo
a defesa do ofendido é aquele que se assemelha ou furto para apossar-se da res furtiva).”8
à traição, emboscada ou dissimulação. Não Diz-se teleológica a conexão quando se leva em
basta que a vítima não espere o ato agressivo, consideração o fim em virtude do qual é praticado
é necessário que se configurem hipóteses de o homicídio. No caso da qualificadora do inc. V,
surpresa para a vítima. Trata-se de fórmula será considerada teleológica a conexão quando
genérica em que se exige que o recurso utilizado o homicídio é cometido com o fim de assegurar
tenha a mesma natureza das qualificadoras da a execução de outro crime. Por exemplo, matar
traição, emboscada e dissimulação (fórmulas estas o vigilante da agência bancária no dia anterior à
casuísticas). Essa qualificadora traduz um modo prática do crime de roubo. Ressalte-se que, neste
insidioso da atividade executiva do crime, que caso, o homicídio é cometido para que se assegure
obsta a defesa da vítima, comprometendo total a execução de um crime futuro.
ou parcialmente seu potencial defensivo (TJRS, Consequencial é a conexão em que o homicídio é
RSE 70035215474, 3a Câmara Criminal, Rel. Des. cometido com a finalidade de assegurar a ocultação
Odone Sanguiné, DJERS 30/7/2010). ou a vantagem de outro crime. Ao contrário da
Havendo provas de que o agente desceu da situação anterior, aqui o delito de homicídio é
motocicleta e desfechou um certeiro tiro contra praticado com vista a ocultar, assegurar a impunidade
a vítima fatal, resta caracterizada qualificadora do ou a vantagem de um crime já cometido.
recurso que impossibilitou a sua defesa (TJMG, Quando se busca assegurar a ocultação, o que
Processo 1.0223.08. 249168-7/001, Rel. Min. se pretende, na verdade, é manter desconhecida
Antônio Armando dos Anjos, DJ 15/7/2009). a infração penal praticada, a exemplo do marido
Agindo o réu de maneira inesperada, resta que mata a única testemunha que o viu enterrar
demonstrada, em tese, a qualificadora do motivo o corpo de sua mulher, também morta por ele.
que tornou difícil a defesa da vítima (TJMG, Já quando o agente visa assegurar a impunidade,
Processo 1.0000.00.297427-7/000 [1], Rel. Min. a infração penal é conhecida, mas a sua autoria
Mercêdo Moreira, pub. 12/3/2003). ainda se encontra ignorada, a exemplo da hipótese
do agente que mata também a única testemunha
que presenciou o homicídio, cujo corpo fora
Para assegurar a execução, a ocultação, a deixado em um local público. Quanto à vantagem
impunidade ou a vantagem de outro crime de outro crime, conforme esclarece Hungria,
Toda vez que for aplicada a qualificadora em “o propósito do agente é garantir a fruição de
estudo, o homicídio deverá ter relação com outro qualquer vantagem, patrimonial ou não, direta
crime, havendo, outrossim, a chamada conexão. ou indireta, resultante de outro crime”,9 como no
Júlio Fabbrini Mirabete, com precisão, caso daquele que mata seu companheiro de roubo
assevera: “Essas circunstâncias, que configurariam para que fique sozinho com o produto do crime.
a rigor motivo torpe, originam casos de conexão Com relação às qualificadoras contidas
teleológica ou consequencial. A conexão teleológica no inc.  V em exame, devem ser ressaltadas as
ocorre quando o homicídio é perpetrado como seguintes indagações:
meio para executar outro crime (homicídio 1) se o agente comete o homicídio com o fim
para poder provocar um incêndio). A conexão de assegurar a execução de outro crime
consequencial ocorre quando é praticado ou para que, por um motivo qualquer, não vem a ser
ocultar a prática de outro delito (homicídio contra praticado, ainda deve subsistir a qualificadora?
o perito que vai apurar apropriação indébita do Sim, haja vista a maior censurabilidade do
agente), ou para assegurar a impunidade dele comportamento daquele que atua motivado
(homicídio da testemunha que pode identificar por essa finalidade;
o agente como autor de um roubo), ou para fugir 2) se o agente comete o homicídio a fim de
à prisão em flagrante (RT 434/358), ou para assegurar a ocultação ou a impunidade de
garantir a vantagem do produto, preço ou proveito um delito já prescrito, também subsiste a

8
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, p. 74.
9
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 169.

335

CP.indb 335 21/1/2015 15:56:50


Código Penal Comentado
Art. 121 Rogério Greco

qualificadora? Sim, pelas mesmas razões em princípio, compatível com o dolo eventual,
apontadas acima; tendo em vista que o agente, embora prevendo
3) se o agente pratica o homicídio para o resultado morte, pode, dadas as circunstâncias
assegurar, em tese, a impunidade de um crime do caso concreto, anuir com a sua possível
impossível, na hipótese, por exemplo, em ocorrência, utilizando-se de meio que surpreenda
que mata a testemunha que o viu apunhalar a a vítima (STJ, HC 120175/SC, Rel.a Min.a Laurita
suposta vítima, que já estava morta? Segundo Vaz, 5a T., DJe 29/3/2010).
Damásio, “a qualificadora subsiste, uma vez O dolo eventual pode coexistir com a
que o Código pune a maior culpabilidade do qualificadora do motivo torpe do crime de
sujeito, revelada em sua conduta subjetiva”;10 homicídio. Com base nesse entendimento,
4) e se o homicídio é cometido com o fim de a Turma desproveu recurso ordinário em
assegurar a execução, a ocultação, a impunidade habeas corpus interposto em favor de médico
ou a vantagem de uma contravenção penal? Em pronunciado pela prática dos delitos de
virtude da proibição da analogia in malam homicídio qualificado e de exercício ilegal da
partem, não se pode ampliar a qualificadora a medicina (arts. 121, § 2o, I, e 288, parágrafo único,
fim de nela abranger, também, as contravenções ambos c/c o art.  69 do CP, respectivamente),
penais, sob pena de ser violado o princípio da em decorrência do fato de, mesmo inabilitado
legalidade em sua vertente do nullum crimen temporariamente para o exercício da atividade,
nulla poena sine lege stricta, podendo o agente, havê-la exercido e, nesta condição, ter realizado
entretanto, dependendo da hipótese, responder várias cirurgias plásticas – as quais cominaram na
pelo homicídio qualificado pelo motivo torpe morte de algumas pacientes –, sendo motivado
ou fútil. por intuito econômico. A impetração sustentava
a incompatibilidade da qualificadora do
motivo torpe com o dolo eventual, bem como a
Dolo eventual e qualificadoras inadequação da linguagem utilizada na sentença
São incompatíveis o dolo eventual e a de pronúncia pela magistrada de primeiro grau.
qualificadora prevista no inc.  IV do §  2o do Concluiu-se pela mencionada compossibilidade,
art. 121 do CP (‘§ 2o Se o homicídio é cometido: porquanto nada impediria que o paciente –
[...] IV – à traição, de emboscada ou mediante médico –, embora prevendo o resultado e
dissimulação ou outro recurso que dificulte ou assumindo o risco de levar os seus pacientes à
torne impossível a defesa do ofendido’). Com base morte, praticasse a conduta motivado por outras
nesse entendimento, a 2a Turma deferiu habeas razões, tais como torpeza ou futilidade. Afastou-
corpus impetrado em favor de condenado à pena -se, também, a alegação de excesso de linguagem,
de reclusão em regime integralmente fechado ao fundamento de que a decisão de pronúncia
pela prática de homicídio qualificado descrito estaria bem motivada, na medida em que a juíza
no artigo referido. Na espécie, o paciente fora pronunciante — reconhecendo a existência de
pronunciado por dirigir veículo, em alta velocidade, indícios suficientes de autoria e materialidade do
e, ao avançar sobre a calçada, atropelara casal de fato delituoso — tivera a cautela, a cada passo, de
transeuntes, evadindo-se sem prestar socorro enfatizar que não estaria antecipando qualquer
às vítimas. Concluiu-se pela ausência do dolo juízo condenatório, asseverando que esta seria
específico, imprescindível à configuração da citada uma competência que assistiria unicamente ao
qualificadora e, em consequência, determinou-se Tribunal do Júri (STF, RHC 92571/DF, Rel. Min.
sua exclusão da sentença condenatória. Precedente Celso de Mello, j. 30/6/2009).
citado: HC 86163/SP (DJU 3/2/2006) (STF, São compatíveis, em princípio, o dolo
HC 95136/PR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2a T., eventual e as qualificadoras do homicídio. É
j. 1o/3/2011, Informativo no 618). penalmente aceitável que, por motivo torpe, fútil
Consoante já se manifestou esta Corte etc., assuma-se o risco de produzir o resultado [...].
Superior de Justiça, a qualificadora prevista no Inexistência, na hipótese, de antinomia entre o
inc.  IV do §  2o do art.  121 do Código Penal é, dolo eventual e as qualificadoras do motivo torpe
10
JESUS, Damásio E. de. Direito penal, v. 2, p. 71.

336

CP.indb 336 21/1/2015 15:56:50


Título I
Dos Crimes contra a Pessoa Art. 121
e de recurso que dificultou a defesa das vítimas campo da culpabilidade, demonstrando que o
(STJ, HC 58423/DF, Rel. Min. Nilson Naves, DJ comportamento do agente merece uma maior
25/6/2007, p. 304). censurabilidade. De toda sorte, não se pode
O fato de o agente assumir o risco de produzir utilizar do mesmo fato para, a um só tempo,
o resultado, aspecto caracterizador do dolo tipificar a conduta e, ainda, fazer incidir o aumento
eventual, não exclui a possibilidade de o crime ser de pena, o que consistiria bis in idem (STJ, RHC
praticado mediante o emprego de recursos que 22557/SP, Rel. Min. Haroldo Rodrigues, 6a T.,
dificultem ou impossibilitem a defesa da vítima. DJe 28/6/2011).
Precedentes (STJ, HC 36714/SP, Rel. Min.
Gilson Dipp, 5a T., DJ 1o/7/2005, p. 572). Negligência médica
Art.  121, §§  3o e 4o, do Código Penal.
Competência para julgamento do homicídio Materialidade e autoria demonstradas com
doloso relação aos acusados médicos M. e M., que
O Tribunal do Júri é o competente para julgar durante cirurgia de lipoaspiração, quando da
os crimes dolosos contra a vida, destacando- introdução da cânula, perfuraram órgão interno
-se entre eles o homicídio, em todas as suas da vítima, causando hemorragia que foi a causa
modalidades – simples, privilegiada e qualificada, de sua morte. Não restou demonstrada a culpa
conforme se verifica na alínea d do inc. XXXVIII do anestesiologista A., porque, ao que se verifica,
do art. 5o da Constituição Federal. o mesmo exerceu com perícia seu ofício, tendo,
Trata-se de habeas corpus em que se discute a inclusive alertado os cirurgiões e tomado todas as
competência para o processamento e julgamento providências para remoção da paciente para outro
de crimes dolosos contra a vida em se tratando hospital (TJSP, AC 150220108260589, Rel. Des.
de violência doméstica. No caso, cuida-se de
Machado de Andrade, DJe 11/6/2013).
homicídio qualificado tentado. Alega a impetração
Responde pelo delito previsto no art.  121,
sofrer o paciente constrangimento ilegal em
§§ 3o e 4o, e não pelo delito de omissão de socorro
decorrência da decisão do tribunal a quo que
(art. 135 do CP) o médico que, estando de plantão
entendeu competente o juizado especial criminal
e, de sobreaviso em sua residência, é acionado,
para processar e julgar, até a fase de pronúncia,
mas negligentemente deixa de comparecer ao
os crimes dolosos contra a vida praticados no
hospital, ministrando, por telefone, medicação
âmbito familiar. A Turma concedeu a ordem ao
(TJMG, Processo 1.0384.00.008361-6/001[1],
entendimento de que, consoante o disposto na
própria lei de organização judiciária local (art. 19 Rel. Des. Pedro Vergara, DJ 22/6/2007).
da Lei no  11.697/2008), é do tribunal do júri a Age com negligência manifesta médico
competência para o processamento e julgamento que deixa de examinar a paciente internada aos
dos crimes dolosos contra a vida, ainda que se seus cuidados e diagnosticar sua enfermidade,
trate de delito cometido no contexto de violência descuidando por quatro dias do atendimento
doméstica. Precedentes citados: HC 163.309/DF, até o óbito, constatado quadro avançado de
DJe 1o/2/2011; e HC 121.214/DF, DJe 8/6/2009 meningite (TJRS, Ap. Crim. 70018563890,
(STJ, HC 145.184/DF, Rel.a Min.a Laurita Vaz, 2a Câm. Crim., Rel.a Des.a Elba Aparecida Nicolli
5a T., j. 3/3/2011, Informativo no 465). Bastos, j. 25/9/2007).

Homicídio culposo Aumento de pena


O agente produz o resultado morte mediante O §  4o do art.  121 do Código Penal prevê o
seu comportamento imprudente, negligente ou aumento de 1/3 (um terço) da pena nas seguintes
imperito. hipóteses:
O homicídio culposo é aquele em que o 1) homicídio culposo:
agente produz o resultado morte por ter agido a) se o crime resulta de inobservância de
com imprudência, negligência ou imperícia, regra técnica de profissão, arte ou ofício;
situando-se a causa de aumento de pena referente b) se o agente deixa de prestar imediato
à inobservância de regra técnica de profissão no socorro à vítima, não procura diminuir

337

CP.indb 337 21/1/2015 15:56:50


Código Penal Comentado
Art. 121 Rogério Greco

as consequências do seu ato, ou foge para regra técnica foi utilizada para configurar o próprio
evitar a prisão em flagrante; núcleo da culpa, não podendo servir também para
2) homicídio doloso; possibilitar o aumento de pena, visto que não se
a) se o crime é cometido contra pessoa pode recair em indesejável bis in idem. Precedentes
menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 citados: do STF: HC 95.078/RJ, DJe 15/5/2009;
(sessenta) anos. do STJ: REsp. 606.170/SC, DJ 14/11/2005 (STJ,
A causa de aumento prevista no art. 121, § 4o, RHC 22.557/SP, Rel. Min. Haroldo Rodrigues
parte final, do CP é de natureza estritamente [Des. convocado do TJ/CE], 6a T., j. 17/5/2011,
objetiva, já que para a sua incidência basta o cotejo Informativo no 473).
com o documento público indicador da idade da O homicídio culposo se caracteriza com a
vítima, e atinge necessariamente a todos os sujeitos imprudência, negligência ou imperícia do agente,
ativos, quando o homicídio for comprovadamente modalidades da culpa que não se confundem
praticado contra menor de 14 (quatorze) anos, com a inobservância de regra técnica da profissão,
encontrando-se, assim, dentro da competência do que é causa de aumento que denota maior
Juiz-presidente, eis que adstrita à dosimetria da reprovabilidade da conduta (STJ, REsp. 606170/
pena, pelo que desnecessária a obrigatoriedade de SC, Rel.a Min.a Laurita Vaz, 5a T., RT, v. 845, p. 543).
sua quesitação aos jurados (STJ, HC 139577/RJ, Não há confundir a imperícia, elemento
Rel. Min. Jorge Mussi, 5a T., DJe 1o/8/2012). subjetivo do homicídio culposo, com a inobservância
de regra técnica de profissão, arte ou ofício descrita
no § 4o do art. 121 do CP, pois, naquela, o agente
Inobservância de regra técnica
não detém conhecimentos técnicos, ao passo que
O aumento da pena se deve ao fato de que
nesta o agente os possui, mas deixa de empregá-los
o agente, mesmo tendo os conhecimentos das
(STJ, RHC 17530/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves
técnicas exigidas ao exercício de sua profissão,
Lima, 5a T., DJ 26/9/2005 p. 407).
arte ou ofício, não os utiliza por leviandade, sendo
maior, portanto, o juízo de reprovação que deve
recair sobre o seu comportamento. O agente deixa de prestar o imediato
Trata-se de recurso em habeas corpus em que socorro à vítima, não procura diminuir as
se discute o afastamento da causa de aumento de consequências do seu ato, ou foge para evitar
pena constante do § 4o do art. 121 do CP, relativa a prisão em flagrante
à inobservância de regra técnica de profissão, Na primeira hipótese, o agente demonstra sua
sustentando o recorrente que essa mesma causa insensibilidade para com o sofrimento alheio, cuja
foi utilizada para a caracterização do próprio autoria se lhe atribui. Aquele que, culposamente,
tipo penal. A Turma, ao prosseguir o julgamento, ofende, inicialmente, a integridade corporal ou a
por maioria, deu provimento ao recurso sob o saúde de alguém deve fazer o possível para que se
fundamento de que, embora a causa de aumento evite a produção do resultado mais gravoso, vale
de pena referente à inobservância de regra técnica dizer, a morte da vítima. A negação do socorro
de profissão se situe no campo da culpabilidade, demonstra a maior reprovabilidade do comporta-
demonstrando que o comportamento do agente mento, que merecerá, consequentemente, maior
merece uma maior censurabilidade, não se pode juízo de reprovação. Da mesma forma, aumenta-
utilizar do mesmo fato para, a um só tempo, -se a pena aplicada quando o agente não procura
tipificar a conduta e, ainda, fazer incidir o aumento diminuir as consequências de seu ato, quer dizer,
de pena. Consignou-se que, no caso, a peça exordial segundo Hungria, que não tenta, “na medida do
em momento algum esclarece em que consistiu a possível, atenuar o dano ocasionado por sua culpa,
causa de aumento de pena, apenas se referindo como quando, por exemplo, deixa de transportar a
à inobservância de regra técnica como a própria malferida vítima ao primeiro posto hospitalar ou a
circunstância caracterizadora da negligência do uma farmácia, ou omite qualquer providência in-
agente, fazendo de sua ação uma ação típica. Assim, dicada pela necessidade do seu urgente tratamen-
entendeu-se estar claro que a inobservância de to”.11 Como exemplo cita-se aquele que, sabendo

11
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, v. V, p. 188.

338

CP.indb 338 21/1/2015 15:56:51


Título I
Dos Crimes contra a Pessoa Art. 121
que a vítima não possui condições financeiras para Não é possível a extensão do efeito de extinção
arcar com o custo do tratamento e medicamentos, da punibilidade pelo perdão judicial, concedido em
não a auxilia materialmente nesse sentido, deixan- relação a homicídio culposo que resultou na morte
do-a à própria sorte, ou também naquele caso em da mãe do autor, para outro crime, tão somente
que o agente, ameaçado de ser linchado pela po- por terem sido praticados em concurso formal
pulação revoltada com o seu comportamento, não (Precedente do STF) (STJ, REsp. 1009822/RS,
busca socorro junto às autoridades. Rel. Min. Felix Fischer, 5a T., DJe 3/11/2008).
A última das majorantes aplicáveis ao
homicídio culposo diz respeito ao fato do agente Perdão judicial no Código de Trânsito
que foge para evitar sua prisão em flagrante. Ab brasileiro
initio deve ser destacado o fato de que se a vida Embora não conste expressamente no CTB,
do agente correr perigo, como acontece quando em face do veto presidencial do artigo que previa
o seu linchamento é iminente, tendo em vista a o perdão judicial para os crimes de homicídio
manifestação de populares que se encontravam culposo e lesão corporal culposa praticados na
no local do acidente, não se lhe pode exigir que direção de veículo automotor, acreditamos, com
permaneça no local dos fatos, afastando-se, a corrente majoritária, ser possível, por questões
outrossim, a majorante. de política criminal, a aplicação do perdão
judicial aos arts. 302 e 303 do Código de Trânsito
Perdão judicial brasileiro. Isso porque não seria razoável entender
Será cabível na hipótese de homicídio que, embora as razões que fizeram inserir o perdão
culposo, podendo o juiz deixar de aplicar a pena se judicial para os crimes de homicídio culposo e
as consequências da infração atingirem o próprio lesão corporal culposa tenham sido, sem dúvida,
agente de forma tão grave que a sanção penal se o elevado número de acidentes de trânsito, agora
torne desnecessária. Entendemos que o perdão que foram criadas infrações penais específicas
judicial pode ser entendido sob os dois aspectos, para esse tipo de acidente, o perdão judicial não
ou seja, como um direito subjetivo do acusado ou pudesse ser aplicado.
como uma faculdade do julgador. Isso dependerá O texto do § 5o do art. 121 do Código Penal
da hipótese concreta e das pessoas envolvidas. não definiu o caráter das consequências, mas
Assim, sendo o caso de crime cometido por não deixa dúvidas quanto à forma grave com
ascendente, descendente, cônjuge, companheiro que essas devem atingir o agente, ao ponto de
ou irmão, o perdão judicial deverá ser encarado tornar desnecessária a sanção penal. Não há
como um direito subjetivo do agente, uma vez empecilho a que se aplique o perdão judicial
que, nesses casos, presume-se que a infração penal nos casos em que o agente do homicídio
atinja o agente de forma tão grave que a sanção culposo – mais especificamente nas hipóteses
penal se torna desnecessária. de crime de trânsito – sofra sequelas físicas
Por outro lado, há situações em que o julgador gravíssimas e permanentes, como, por exemplo,
deverá, caso a caso, verificar a viabilidade ou ficar tetraplégico, em estado vegetativo, ou
não da aplicação do perdão judicial. Imagine-se incapacitado para o trabalho. A análise do
a hipótese daquele que, querendo mostrar sua grave sofrimento, apto a ensejar, também, a
arma ao seu melhor amigo, acidentalmente, faz inutilidade da função retributiva da pena, deve
com que ela dispare, causando-lhe a morte. Seria ser aferido de acordo com o estado emocional
aplicável, aqui, o perdão judicial, uma vez que o de que é acometido o sujeito ativo do crime,
agente que causou a morte de seu melhor amigo em decorrência da sua ação culposa. A melhor
ficou tremendamente abalado psicologicamente, doutrina, quando a avaliação está voltada para o
pensando, inclusive, em dar cabo da própria vida, sofrimento psicológico do agente, enxerga no § 5o
em razão da sua imprudência? A resposta virá, a exigência de um vínculo, de um laço prévio de
como dissemos, no caso concreto, não se podendo conhecimento entre os envolvidos, para que seja
generalizar, como nas situações em que houver ‘tão grave’ a consequência do crime ao agente. A
uma relação de parentesco próximo entre o agente interpretação dada, na maior parte das vezes, é
e a vítima, conforme destacamos anteriormente. no sentido de que só sofre intensamente o réu

339

CP.indb 339 21/1/2015 15:56:51


Código Penal Comentado
Art. 121 Rogério Greco

que, de forma culposa, matou alguém conhecido de armas, impondo seu regime de terror em
e com quem mantinha laços afetivos. Entender determinada localidade.
pela desnecessidade do vínculo seria abrir uma Embora de difícil tradução, mas para efeitos
fenda na lei, que se entende não haver desejado de aplicação da causa especial de aumento de
o legislador, pois, além de difícil aferição – o tão pena prevista no § 6o do art. 121 do Código Penal,
grave sofrimento –, serviria como argumento podemos, inicialmente, subdividir as milícias em
de defesa para todo e qualquer caso de delito públicas, isto é, pertencentes, oficialmente, ao
de trânsito, com vítima fatal. O que se pretende Poder Público, e privadas, vale dizer, criadas às
é conferir à lei interpretação mais razoável e margens do aludido Poder.
humana, sem jamais perder de vista o desgaste Dessa forma, as milícias podem ser
emocional (talvez perene) que sofrerá o acusado consideradas, ainda, militares ou paramilitares.
dessa espécie de delito, que não conhecia a Militares são as forças policiais pertencentes
vítima. Solidarizar-se com o choque psicológico à Administração Pública, que envolvem não
do agente não pode, por outro lado, conduzir a somente as Forças Armadas (Exército, Marinha
uma eventual banalização do instituto, o que e Aeronáutica), como também às forças policiais
seria, no atual cenário de violência no trânsito (policia militar), que tenham uma função específica,
– que tanto se tenta combater –, no mínimo, determinada legalmente pelas autoridades
temerário (STJ, REsp. 1455178/DF, Rel. Min. competentes. Paramilitares são associações não
Rogério Schietti Cruz, 6a T., DJe 6/6/2014). oficiais cujos membros atuam ilegalmente, com
Pacífico o entendimento pela aplicabilidade o emprego de armas, com estrutura semelhante
do perdão judicial aos crimes de trânsito (TJSP, à militar. Essas forças paramilitares utilizam
AC 00813541120108260224, Rel. Des. Salles as técnicas e táticas policiais oficiais por elas
Abreu, DJe 20/5/2013). conhecidas, a fim de executarem seus objetivos
O crime de homicídio culposo na direção de anteriormente planejados. Não é raro ocorrer e,
veículo automotor alberga a concessão do perdão na verdade, acontece com frequência, que pessoas
judicial, desde que as consequências do crime sejam pertencentes a grupos paramilitares também façam
suficientes para penalizar o causador do acidente, parte das forças militares oficiais do Estado, a
ainda que não guarde relação direta de parentesco exemplo de policiais militares, bombeiros, agentes
ou afetividade com a vítima, porque estas condições penitenciários, policiais civis e federais.
não são exclusivas da benesse legal. A exigência As milícias consideradas criminosas, ou
da norma, para se deixar de aplicar a pena, é que seja, que se encontram à margem da lei, eram,
‘as consequências da infração atinjam o próprio inicialmente, formadas por policiais, ex-policiais
e também por civis (entendidos aqui aqueles que
agente de forma tão grave que a sanção penal se
nunca fizeram parte de qualquer força policial).
torne desnecessária’ (art. 121 § 5o, do Código Penal)
Suas atividades, no começo, cingiam-se
(TJPR, 3a Câm., AC 0231400-7, Sertanópolis, Rel.
à proteção de comerciantes e moradores de
Des. Jorge Wagih Massad, DJ 16/10/2003).
determinada região da cidade. Para tanto, cobravam
pequenos valores individuais, que serviam como
Homicídio praticado por milícia privada, renumeração aos serviços de segurança por elas
sob o pretexto de prestação de serviço de prestados. Como as milícias eram armadas, havia,
segurança, ou por grupo de extermínio normalmente, o confronto com traficantes, que
A Lei no 12.720, de 27 de setembro de 2012, eram expulsos dos locais ocupados, como também
acrescentou o §  6o ao art.  121 do Código Penal, os pequenos criminosos (normalmente pessoas que
asseverando que a pena é aumentada de 1/3 (um costumavam praticar crimes contra o patrimônio).
terço) até a metade se o crime for praticado por Com o passar do tempo, os membros
milícia privada, sob o pretexto de prestação de integrantes das milícias despertaram para o fato
serviço de segurança, ou por grupo de extermínio. de que, além do serviço de segurança, podiam
Ao se referir à milícia privada está dizendo respeito também auferir lucros com outros serviços,
àquela de natureza paramilitar, isto é, a uma por eles monopolizados, como aconteceu
organização não estatal, que atua ilegalmente, com os transportes realizados pelas “vans” e
mediante o emprego da força, com a utilização motocicletas, com o fornecimento de gás, TV a

340

CP.indb 340 21/1/2015 15:56:51


Título I
Dos Crimes contra a Pessoa Art. 121
cabo (vulgarmente conhecido como “gatonet”), eliminar aqueles que, segundo seus conceitos,
fornecimento ilegal de água, luz etc. por algum motivo, merecem morrer. Podem
Podemos tomar como parâmetro, para ser contratados para a empreitada de morte, ou
efeitos de definição de milícia privada, as lições podem cometer, gratuitamente, os crimes de
do sociólogo Ignácio Cano, citado no Relatório homicídio de acordo com a “filosofia”do grupo
Final da Comissão Parlamentar de Inquérito criminoso, que escolhe suas vítimas para que seja
da Assembléia Legislativa do Estado do Rio realizada uma “limpeza”.
de Janeiro (p. 36), quando aponta as seguintes
características que lhe são peculiares: Pena, ação penal e suspensão condicional do
1. controle de um território e da população que processo
nele habita por parte de um grupo armado Para o homicídio simples, a pena é de
irregular; reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos; nas formas
2. o caráter coativo desse controle; qualificadas, a pena é de reclusão, de 12 (doze) a
3. o ânimo de lucro individual como motivação 30 (trinta) anos; no homicídio culposo, a pena é
central; de detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.
4. um discurso de legitimação referido à proteção A ação penal no delito de homicídio, seja doloso,
dos moradores e à instauração de uma ordem; seja culposo, é de iniciativa pública incondicionada.
5. a participação ativa e reconhecida dos agentes Será possível, pelo menos ab initio, a confecção
do Estado. de proposta de suspensão condicional do processo
Se o homicídio, portanto, for praticado por para o delito de homicídio culposo.
algum membro integrante de milícia privada, sob A jurisprudência desta Corte e do Supremo
o pretexto de prestação de serviço de segurança, Tribunal Federal tem proclamado que, em caso
a pena deverá ser especialmente aumentada de de crime doloso contra a vida cometido por mais
1/3 (um terço) até a metade. Assim, por exemplo, de uma pessoa, aquele que não ostenta foro por
imagine-se a hipótese em que um integrante da prerrogativa de função deve ser julgado perante
milícia, agindo de acordo com a ordem emanada o Júri Popular, em consonância com o preceito
do grupo, mate alguém porque se atribuía à normativo do art. 5o, XXXVIII, d, da Constituição
vitima a prática frequente de crimes contra o Federal (STJ, HC 52105/ES, Rel. Min. Og
patrimônio naquela região, ou mesmo que a Fernandes, 6a T., DJe 13/6/2011).
milícia determine a morte de um traficante que,
anteriormente, ocupava o local no qual levava
a efeito o tráfico ilícito de drogas. As mortes, Homicídio simples considerado como hediondo
portanto, são produzidas sob o falso argumento É aquele praticado em atividade típica de grupo
de estar se levando a efeito a segurança do local, de extermínio, ainda que cometido por um só
com a eliminação de criminosos. agente, nos termos do art. 1o, I, da Lei no 8.072/90.
Nesses casos, todos aqueles que compõem
a milícia deverão responder pelo delito de Possibilidade de homicídio qualificado-
homicídio, com a pena especialmente agravada, -privilegiado
uma vez que seus integrantes atuam em concurso Majoritariamente, a doutrina, por questões de
de pessoas, e a execução do crime praticada por política criminal, posiciona-se favoravelmente à
um deles é considerada uma simples divisão aplicação das minorantes ao homicídio qualificado,
de tarefas, de acordo com a teoria do domínio desde que as qualificadoras sejam de natureza objetiva,
funcional sobre o fato. a fim de que ocorra compatibilidade entre elas.
A Lei no 12.720, de 27 de setembro de 2012 Dessa forma, poderia haver, por exemplo,
criou, ainda, o delito de constituição de milícia um homicídio praticado mediante emboscada
privada, inserindo o art. 288-A no Código Penal. (qualificadora de natureza objetiva), tendo o agente
Embora não faça parte de uma milícia, com as atuado impelido por um motivo de relevante valor
características acima apontadas, poderá ocorrer moral (minorante de natureza subjetiva).
que o homicídio tenha sido praticado por alguém O que se torna inviável, no caso concreto, é a
pertencente a um grupo de extermínio, ou seja, um concomitância de uma qualificadora de natureza
grupo, geralmente, de “justiceiros”, que procura subjetiva com o chamado, equivocadamente,

341

CP.indb 341 21/1/2015 15:56:51

Você também pode gostar