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DA PERICLITAÇÃO DA VIDA

E DA SAÚDE

Perigo de contágio venéreo (art. 130 do CP)


• Introdução: O núcleo expor, previsto no art. 130 do CP, deixa claro
que o crime em tela é crime de perigo, pois não exige o dano ao bem
juridicamente tutelado, que ocorreria com a efetiva transmissão da
moléstia venérea.
• PORTANTO, basta que a vítima tenha sido exposta à situação de
perigo de contágio, mediante a prática de relações sexuais ou
qualquer ato de libidinagem, de moléstia venérea de que o agente
sabia, ou pelo menos devia saber estar contaminado, para que se
caracterize a infração penal em exame.
• Perigo de contágio venéreo: o Código Penal disciplina o primeiro
crime de perigo individual. Almeja o legislador, por intermédio dessa
criminalização, evitar e sancionar o contágio e a consequente
propagação de doenças venéreas sexualmente transmissíveis, pois
colocam em risco a saúde do indivíduo e de todo o meio social.
• Objeto jurídico: protege-se a incolumidade física e a saúde do
indivíduo. Trata-se de um interesse de ordem pública, na medida em
que interessa ao Estado zelar pela saúde de cada integrante do corpo
social.
• Elementos do tipo
• Ação nuclear. Meios executórios: é o verbo expor, que significa, segundo
o Novo Dicionário Aurélio, colocar em perigo, arriscar, expor a vida do
indivíduo.
• A exposição a contágio de moléstia venérea ocorre, consoante a lei,
através de relações sexuais, que abrange não só a conjunção carnal como
qualquer outro ato de libidinagem (p. ex., sexo oral, coito anal). É crime
de conduta vinculada, de modo que se o contágio venéreo se der por
outro meio que não o ato sexual (p. ex., uso de objetos pessoais),
haverá deslocamento para outra figura típica (arts. 131 ou 132).
• CONTATO CORPÓREO: É necessário que haja contato corpóreo entre autor e
vítima, de modo que aquele possa transmitir diretamente a doença para esta.
• Assim, “se o amante transmite o mal à sua amante, que, por sua vez, contagia
o marido, só é responsável pelo crime relativamente à adúltera. Somente esta
é que, conforme a hipótese, praticará o delito em relação ao esposo. Diga-se o
mesmo se o marido infectar a mulher e esta o amante – exemplifica Manzini”.
• ATENÇÃO: a lei exige a exposição a contágio de moléstia venérea. Atualmente,
a questão é tutelada administrativamente pelo Departamento de DST, Aids e
Hepatites Virais, do Governo Federal.
• Não há uma enumeração taxativa das moléstias venéreas, cabendo, assim, à
ciência médica analisar caso a caso a presença delas.
• ATENÇÃO: Não há uma presunção absoluta da existência do perigo pelo
simples fato de o sujeito ativo, portador de moléstia venérea, praticar
ato sexual com a vítima, mas, sim, uma presunção relativa (juris tantum),
que admite prova em contrário, na medida em que pode ocorrer, por
exemplo, que o sujeito passivo tenha especial imunidade ao contágio, de
modo que inexistirá o crime em estudo, podendo haver, na hipótese,
crime impossível (CP, art. 17).
• Da mesma forma, se o agente, contaminado, praticar relações sexuais ou
atos libidinosos com vítima que também é portadora de igual moléstia
venérea; ou então se o agente praticar relações sexuais ou atos libidinosos
com a vítima supondo erroneamente ser portador de moléstia venérea.
• CRIME NA FORMA OMISSIVA: é possível quando o agente, tendo o dever
jurídico de agir, omite-se, não impedindo a prática do ato sexual com
potencial de contágio.
• É o caso, por exemplo, de estabelecimentos que exploram a prostituição.
Nesse caso, além do crime previsto no art. 230 do Código Penal, o sujeito
responderá como partícipe do delito em questão por força do disposto
no art. 13, § 2º, do Código Penal, pois com seu comportamento anterior
criou o risco para o ato sexual com potencial lesivo.
• ATENÇÃO: é imprescindível que o agente tenha consciência de que a
pessoa que trabalha no local seja portadora de doença venérea.
• Sujeito ativo: Trata-se de crime comum. Qualquer pessoa, homem ou
mulher, portadora de moléstia venérea, pode ser sujeito ativo do
crime em questão, que, inclusive, pode ocorrer entre marido e
mulher, de modo que a prática desse crime poderá constituir justo
motivo para a dissolução da sociedade conjugal, com base na conduta
desonrosa ou violação dos deveres do casamento (art. 5º, caput, da
Lei n. 6.515/77).
• A prática do crime dentro do matrimônio, além das implicações no
âmbito civil, conduz à aplicação da agravante genérica prevista no art.
61, II, e.
• Sujeito passivo: Qualquer pessoa. É irrelevante que saiba ou possa saber da
contaminação do autor e, a despeito, empreste seu consentimento à prática
sexual, ainda que seja alertada pelo próprio autor. Isso porque a objetividade
jurídica tutelada é de interesse público, supraindividual. A prostituta também
pode ser vítima desse crime.
• ATENÇÃO: vítima menor de 14 anos, portadora de enfermidade ou deficiência
mental, com ausência de discernimento para a prática do ato sexual ou sem
condições, por qualquer motivo, de oferecer resistência, caracteriza-se crime
de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A) em concurso formal com o art. 130 do
Código Penal. E mais, se a doença for transmitida, o agente responderá pelo
delito contra a dignidade sexual com o aumento de pena constante do art.
234-A, IV, do Código Penal.
• Elemento subjetivo do tipo: 1 - o agente “sabe que está contaminado” (caput); 2 - o
agente “deve saber que está contaminado” (caput); 3 - o agente sabe que está
contaminado e tem a intenção de transmitir a moléstia (§ 1º).

• 1 - Dolo direto de perigo: consta da 1ª figura descrita no caput (“sabe que está
contaminado”). Aqui, o agente tem pleno conhecimento de que é portador de doença
venérea e mesmo assim pratica ato sexual com a vítima, consciente de que com tal ação
estará criando uma situação concreta de perigo de contágio de moléstia venérea.
• Veja-se: não há a intenção de transmitir efetivamente a moléstia. Apesar de prever esse
evento, na realidade ele não se insere na vontade do agente, que nem sequer assume o
risco de transmitir a doença. Ele quer, isto sim, consciente e voluntariamente, expor a
vítima a situação de perigo. Não há o dolo de dano constante do § 1º do mesmo artigo,
ou seja, a vontade de transmitir a moléstia.
• Dolo eventual de perigo ou culpa? A segunda figura descrita no caput
(“deve saber que está contaminado”) tem provocado divergências na
doutrina.
• No sentido de que “deve saber” indica culpa por parte do agente,
posiciona-se Magalhães Noronha: “Haverá culpa quando o sujeito
ativo não tem ciência de estar contaminado, mas devia sabê-lo pelas
circunstâncias, v. g., se não se dá conta de certos sintomas que se
manifestam depois de haver mantido relações sexuais com
prostituta. Em assim sendo não tem ele consciência de expor a
perigo o ofendido, mas devia ter, pois era possível essa consciência”.
• Em sentido contrário, argumentando que se trata de dolo eventual,
alinha-se Celso Delmanto, o qual reformulando a sua antiga posição,
sustenta que, como os casos de culpa devem ser expressos (CP, art.
18, II, parágrafo único) e o princípio da reserva legal (CR/88, art. 5º,
XXXIX; CADH, art. 9º; § 1º; CP, art. 1º) não pode ser desrespeitado,
parece-nos mais seguro o dolo eventual e não a culpa. Também o
núcleo empregado no tipo (‘expor’) e a previsão do § 1º reforçam
essa nossa orientação”.
• 3 - Dolo direto de dano: consta da figura descrita no § 1º (“se é
intenção do agente transmitir”).
• Aqui, temos um crime de perigo com dolo de dano, pois o agente,
consciente de que é portador da moléstia grave, pratica ato sexual
com a vítima com a intenção de efetivamente transmiti-la. Mais do
que a exposição a perigo, pretende o efetivo contágio, o que qualifica
o crime, com a consequente majoração da pena
• CONSUMAÇÃO: Dá-se a consumação com a prática de relações
sexuais ou atos libidinosos capazes de transmitir a moléstia venérea.
Não é necessário o contágio; basta a exposição, a criação de perigo de
contágio. Mesmo na hipótese do § 1º, basta a só exposição a perigo
de contágio.
• Se da conduta perigosa sobrevier resultado danoso (a contaminação),
teremos as seguintes hipóteses:
• A - se o dolo era de dano (§ 1º) e o sujeito efetiva o contágio: subsiste
o crime do art. 130, § 1º;
• B - se o dolo era de dano (§ 1º) e o sujeito efetiva o contágio, sobrevindo
um dos resultados do art. 129, §§ 1º e 2º, responderá o agente pelo delito
de lesão corporal grave ou gravíssima164, pois a pena prevista para estes é
superior à pena prevista para o delito de perigo;

• C - se o dolo era de perigo (caput), havendo mera previsibilidade acerca do


evento danoso: subsiste o crime em estudo (CP, art. 130, caput). É que,
segundo Victor Eduardo Rios Gonçalves, “por se tratar de dolo de perigo,
conclui-se que o agente não queria transmitir a doença e, assim, poderia,
no máximo, responder por lesão corporal culposa que, entretanto, fica
afastada por ter a pena menor que o crime de perigo”.
• Se, além do contágio, sobrevier a morte da vítima, hipótese esta não prevista pelo
Código Penal, teremos as seguintes situações, de acordo com a intenção do agente:
• 1 - se a intenção era de, contaminando, matar: haverá crime de homicídio doloso,
pois nessa hipótese há o animus necandi; a transmissão de moléstia venérea, no
caso, é um meio de execução do delito de homicídio, e o agente não quer tão só a
contaminação, mas, sim, que através desta seja causado o óbito da vítima;
• 2 - se a intenção era de apenas contaminar (§ 1º – dolo de dano), mas a morte era
um resultado previsível: haverá o crime de lesão corporal seguida de morte (CP, art.
129, § 3º);
• 3 - se houve a contaminação por um ato culposo do qual decorreu a morte da
vítima: responderá pelo delito de homicídio culposo condicionado à previsibilidade
do evento letal.
• Tentativa: A doutrina reconhece a possibilidade da tentativa nos
crimes dolosos de perigo, desde que o crime apresente um iter que
possa ser cindido.
• Haverá a tentativa na hipótese em que o agente, querendo manter
relação sexual com a vítima, não consegue realizá-la. A tentativa é
possível principalmente na hipótese do § 1º, em que há o dolo direto
de dano.
• Formas:
• Simples (art. 130, caput): A pena prevista para o delito em questão é a de
detenção, de três meses a um ano, ou multa.
• Qualificada (art. 130, § 1º): É importante, contudo, destacar que o especial
fim de agir exigido pela norma, qual seja, a intenção do agente de
transmitir a moléstia, além de configurar elemento subjetivo do tipo,
qualifica o crime em questão, acarretando o aumento da pena do tipo
básico (reclusão, de 1 a 4 anos, e multa). Importante frisar que o efetivo
contágio não é necessário para a consumação do delito, mas, se aquele
ocorrer, a hipótese continuará sendo a do § 1º, pois será considerado
mero exaurimento do crime em tela.
• ART. 131 – PERIGO DE CONTÁGIO DE MOLÉSTIA GRAVE
• Objeto jurídico: Tutela o Código Penal, através do crime “perigo de
contágio de moléstia grave”, a saúde e a incolumidade física das
pessoas.
• Introdução: O legislador se satisfaz com a prática do comportamento
destinado à transmissão de moléstia grave, mesmo que esta não ocorra
efetivamente, tratando-se, pois, de crime de natureza formal.
• O crime do art. 131 do CP pode ser considerado como de forma livre,
podendo o agente praticar atos de qualquer natureza, por meios diretos
ou indiretos, que possuam eficácia para a transmissão da moléstia de que
está contaminado.
• O conceito de moléstia grave deve ser fornecido pela medicina. Trata-se,
portanto, de norma penal em branco, havendo necessidade de buscar o
elenco das moléstias consideradas graves no órgão competente
(Ministério da Saúde).
• Sujeitos:
Ativo: pessoa contaminada por moléstia grave.
Passivo: qualquer pessoa.

• Objeto material:
• É pessoa contra a qual é dirigida a conduta que tem por finalidade
contagiá-la com a moléstia grave.
• Bem(ns) juridicamente protegido(s): Integridade corporal ou a saúde da vítima.
• Elemento subjetivo: dolo. O tipo penal exige um especial fim de agir.
• Não há possibilidade de punição a título de culpa.
• Meios de execução: O delito do art. 131 do CP pode ser considerado como de
forma livre, podendo o agente praticar atos de qualquer natureza, por meios
diretos ou indiretos, que possuam eficácia para a transmissão da moléstia de que
está contaminado.
• Consumação e tentativa: consuma-se o delito com a prática dos atos destinados à
transmissão da moléstia grave, independentemente de ter sido a vítima
contaminada ou não.
• Admite-se a tentativa.
• Utilização de objeto contaminado que não diga respeito ao agente: Não haverá responsabilização
pelo crime do art. 131 do CP. O agente poderá ser responsabilizado a título de lesões corporais,
consumadas ou tentadas, se o seu dolo era o de ofender a integridade corporal ou a saúde de
outrem, podendo variar, até mesmo, a natureza das lesões (leve, grave ou gravíssima), nos termos
do art. 129 do CP.
• Crime impossível: Pode ocorrer por ineficácia absoluta do meio (agente que não era portador de
qualquer doença), como pela absoluta impropriedade do objeto (vítima já contaminada com a
doença grave que o agente pretendia transmitir-lhe).
• Vítima que morre em virtude da doença grave: Se o dolo era de lesão, e se a vítima vem a morrer
em decorrência de seu organismo não resistir à moléstia grave que lhe fora transmitida, o caso
deverá ser resolvido como hipótese de lesão corporal seguida de morte.
• Transmissão do vírus HIV: O dolo será o de homicídio e não o do delito tipificado no art. 131 do CP.

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