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Você está na unidade Crimes em espécie: dos crimes contra a periclitação da vida e da saúde, contra a

honra, contra a liberdade individual e contra o patrimônio. Conheça aqui os principais tipos penais
previstos no título I e II da parte especial do Código Penal.
Aprenda sobre os crimes à periclitação da vida e da saúde e suas noções gerais. Estude sobre os delitos
contra a honra e seus contornos. Por fim, conheça sobre os delitos que atentam contra a liberdade individual
e contra o patrimônio.

1. Delitos contra a periclitação da vida e da


saúde
Os crimes contra a periclitação da vida estão localizados no Capítulo III do Código Penal (CP). Trata-se de
crimes de perigo, exigindo, para sua configuração, apenas que o bem jurídico seja exposto a risco
(MASSON, 2016).
Segundo Cleber Masson (2016), os delitos de perigo podem ser classificados em:
• a) crimes de perigo abstrato, presumido ou de simples desobediência: são os que se consumam,
automaticamente, com a mera prática da conduta. Não se exige a comprovação da produção da
situação de perigo. Ao contrário, há presunção absoluta (iuris et de iure) de que determinadas
condutas acarretam perigo a bens jurídicos. É o caso do tráfico de drogas (Lei 11.343/2006, art. 33,
caput);
• b) crimes de perigo concreto: são aqueles que se consumam com a efetiva comprovação, no caso
concreto, da ocorrência da situação de perigo. É o caso do crime de perigo de vida (CP, art. 132);
• c) crimes de perigo individual: são os que atingem uma pessoa determinada ou então um número
determinado de pessoas, tal como no perigo de contágio venéreo. É o que se dá com os crimes
disciplinados nesse capítulo (CP, arts. 130 a 136);
• d) crimes de perigo comum ou coletivo: são os que alcançam um número indeterminado de pessoas,
como no caso da explosão criminosa. Estão previstos no capítulo I do Título VIII da Parte Especial
do Código Penal (arts. 250 a 259);
• e) crimes de perigo atual: são aqueles em que o perigo está ocorrendo, como no abandono de incapaz
(CP, art. 133);
• f) crimes de perigo iminente: são aqueles em que o perigo está na iminência de ocorrer;
• g) crimes de perigo futuro ou mediato: são os delitos em que a situação de perigo decorrente da
conduta se projeta para o futuro, como no porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (Lei
10.826/2003, art. 14).

O capítulo III do Código Penal compreende oito figuras delitivas, dentre as quais se destacam os delitos de
perigo de contágio venéreo, de moléstia grave ou de perigo para a vida ou saúde de outrem, o crime de
abando de incapaz e de recém-nascido, e ainda os delitos de omissão de socorro e maus tratos. Neste tópico,
estudaremos os contornos desses tipos penais.
1.1 Crimes de perigo: perigo de contágio venéreo, perigo
de contágio de moléstia grave e perigo para a vida ou
saúde de outrem (CP, art. 130 a 132)
O delito de perigo de contágio venéreo é previsto no art. 130 do Código Penal, nos seguintes termos: “expor
alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que
sabe ou deve saber que está contaminado: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa” (BRASIL,
1940). Deve-se destacar que, se a conduta do agente é intencional (preordenada pelo desejo de transmitir a
moléstia), a pena será de reclusão, de um a quatro anos, e multa, nos termos do art. 130, §1º do CP.
Dessa forma, tipifica-se a conduta de quem, conhecendo estar acometido de doença venérea, expõe a vítima
a perigo de contágio, mediante a prática de relações sexuais ou qualquer ato de libidinagem, assim
entendidos como atos que decorrem de contato pessoal com fins de deixar aflorar a libido, o desejo sexual
do agente (GRECO, 2017).
A expressão “doença venérea” trata-se de norma penal em branco, pois exige que sua complementação seja
feita por outro ato normativo. Dessa forma, cabe ao Ministério da Saúde elencar as doenças reputadas
“moléstias venéreas” (GRECO, 2017).
O delito, por se tratar de crime de perigo concreto, é consumado quando, “por meio de relação sexual ou
qualquer ato libidinoso, a vítima tenha se encontrado numa situação de possível contaminação da doença
venérea da qual o agente era portador” (GRECO, 2017). A tentativa, por sua vez, também é admissível.
Se da conduta do agente decorrer dano, isto é, “lesões corporais leves, prevalece o crime do art. 130. Porém,
se dela resultar lesão corporal grave ou gravíssima, responderá o agente pelo crime do art. 129, § 1º ou § 2º,
respectivamente e se resultar morte, responderá por lesão corporal seguida de morte" (TELES, 2006 apud
GRECO, 2017).

Consentimento do ofendido: Greco entende que, sendo a moléstia transmitida encontrada “no rol daquelas
que causam perturbação orgânica de natureza leve, poderá a vítima, sabendo dessa situação, consentir no ato
sexual, afastando, consequentemente, a ocorrência do delito”. Porém, se a doença venérea produzir lesão
corporal de natureza grave, gravíssima, ou morte, o consentimento não será válido (GRECO, 2017).
Por outro lado, o delito previsto no art. 131 do Código Penal tipifica a conduta de “praticar, com o fim de
transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio”, apenando-a
com reclusão, de um a quatro anos, e multa. Se a ação do agente resultar em lesão, ou morte (nos termos do
art. 129, §3º do CP), ele responderá pelo resultado.
Neste caso, o delito de perigo de contágio de moléstia grave trata-se de delito de dano que se consuma com a
exteriorização do comportamento dirigido a esse fim, independentemente da contaminação da vítima, sendo,
portanto, crime formal. É, neste caso, também, admissível a tentativa (GRECO, 2017).
O delito tem forma livre, sendo praticado independentemente de qualquer contato sexual, de forma direta
(contato pessoal) ou indireta (através de instrumento). O conceito de moléstia grave também depende de
definição pelo Ministério da Saúde (GRECO, 2017).
Por fim, o delito de perigo para à vida ou saúde de outrem, previsto no art. 132 do Código Penal, tipifica a
conduta de “expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente”. Segundo a doutrina de Rogério
Greco (2017), trata-se de delito subsidiário (apenas se configura quando não se consuma delito mais grave),
de perigo concreto e que possui vítima individualizada ou individualizável, “não se confundindo, portanto, o
crime em questão com os de perigo comum ou contra a incolumidade pública”.
Deve-se ressaltar que, para a configuração do delito, é necessário que o agente não tenha o dolo de causar
dano, mas tão somente a vontade dirigida a criar a situação de perigo. Porém, se da conduta decorrer dano, o
agente responderá pelo resultado.
Deve-se, ainda, registrar que o tipo penal descrito no art. 132, contém, em seu parágrafo único, causa
especial de aumento de pena quando a probabilidade de dano decorrer do “do transporte de pessoas para a
prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais”.
Segundo Greco (2017), a norma visou a coibir o “transporte clandestino e perigoso de trabalhadores, a
exemplo do que ocorre, inclusive, em propriedades privadas, com os chamados ‘boias-frias’”.
1.2 Abandono de incapaz ou de recém-nascido (CP, art.
133 e art. 134)
O delito de abandono de incapaz é previsto no art. 133 do Código Penal, enquanto o delito de abandono de
recém-nascido é previsto no art. 134 do mesmo diploma legal.
Primeiramente, a conduta de abandonar incapaz caracteriza-se quando o agente abandona pessoa que está
sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos
resultantes do abandono. Segundo Masson (2016), para configuração do delito o abandono deve ser real, ou
seja, “depende de separação física, distanciamento entre o responsável e o incapaz”, não sendo punível a
conduta quando é “o incapaz quem abandona seu protetor”.
Ensina Rogério Greco que o tipo penal definiu expressamente quem seria o sujeito ativo do delito, a partir
da caracterização daqueles que tem o dever de cuidado, de guarda de vigilância e de autoridade, assim
explicando (HUNGRIA, 2016 apud GRECO, 2017):
O texto legal “fala, minudentemente, em relação de cuidado, guarda,
vigilância e autoridade. Cuidado significa a assistência a pessoas que,
de regra, são capazes de valer a si mesmas, mas que, acidentalmente,
venham a perder essa capacidade (ex.: o marido é obrigado a cuidar da
esposa enferma, e vice-versa). Guarda é a assistência a pessoas que não
prescindem dela, e compreende necessariamente a vigilância. Esta
importa em zelo pela segurança pessoal, mas sem o rigor que caracteriza
a guarda, a que pode ser alheia (ex.: o guia alpino vigia pela segurança
de seus companheiros de ascensão, mas não os tem sob sua guarda).
Finalmente, a assistência decorrente da relação de autoridade é a
inerente ao vínculo de poder de uma pessoa sobre outra, quer a potestas
seja de direito público, quer de direito privado. Se a violação do dever
de assistência é praticada por ascendente, descendente, cônjuge, irmão,
tutor ou curador, dá-se uma agravante especial”.
Por sua vez, o sujeito passivo será aquele que se encontra sob os cuidados, guarda, vigilância ou autoridade
do sujeito ativo (GRECO, 2017). O delito pode ser praticado de forma omissiva, ou comissiva, admitindo-se
a tentativa, mas não a modalidade culposa, por ausência de previsão.
Se do abandono resultar lesão corporal de natureza grave ou morte, a pena imputada ao ganhará novos
contornos, sendo de reclusão – de um a cinco anos, no primeiro caso e de reclusão, de quatro a doze anos, no
segundo –, nos termos dos parágrafos primeiro e segundo do art. 133 do Código Penal, respectivamente.
Essas figuras são consideradas crimes preterdolosos, em que o resultado morte ou lesão não é desejado pelo
agente (GRECO, 2017).
A pena, será majorada em até um terço, se o abandono ocorre em lugar ermo, se o agente é ascendente ou
descendente da vítima, cônjuge (não se admite a majoração quando se tratar de companheiro, haja vista que
entender de outra forma seria analogia in malam partem), irmão, tutor ou curador da vítima ou ainda se a
vítima é maior de 60 anos.
Por outro lado, o delito descrito no art. 134 do Código Penal consiste em “expor ou abandonar recém-
nascido, para ocultar desonra própria”. Para este caso, primeiramente, exige-se que a vítima seja recém-
nascida. Segundo Greco (2017), refere-se àquele “que acabou de nascer [...] ou aquele que possui poucas
horas ou mesmo alguns dias de vida” - punindo-se tanto a conduta de quem expõe a risco ou abandona – o
que, no entender da doutrina são conceitos sinônimos (HUNGRIA, 2016 apud GRECO, 2017).
Por fim, exige-se também que o agente tenha o dolo específico de buscar, com o seu comportamento, ocultar
desonra própria, isto é, para que sua honra não seja maculada (GRECO, 2017). Disso decorre o fato de se
tratar de delito de mão própria, pois somente pode ser cometido pela mãe do recém-nascido, pois a mácula à
honra que pretende ser ocultada é a honra daquela mãe. Nesse caso, o delito é consumado quando a vida do
neonato é exposta a risco (GRECO, 2017).
O artigo 134 do CP, em seus parágrafos primeiro e segundo, também traz hipóteses de abandono de recém-
nascido qualificadas pelo resultado. Assim, se do fato resulta lesão corporal de natureza grave, a pena será
de detenção, de um a três anos, e, se resultar em morte, a pena será de detenção, de dois a seis anos.
Novamente, são crimes preterdolosos, em que o resultado não é desejado pelo agente (GRECO, 2017).
1.3 Omissão de socorro (CP, art. 135)
O delito previsto no art. 135 do Código Penal descreve a conduta de “deixar de prestar assistência, quando
possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao
desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública”
(BRASIL, 1940), sendo cominada pena de detenção, de um a seis meses, ou multa. A pena ainda poderá ser
aumentada “de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a
morte”, nos termos do parágrafo único do mesmo dispositivo legal.
Segundo Greco (2017), o sujeito passivo do delito refere-se a:
Por criança abandonada ou extraviada devemos entender aquela que, de
acordo com o art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.
8.069/90) não tenha, ainda, completado 12 anos de idade e que tenha,
por algum motivo, sido abandonada à própria sorte por aqueles que
eram seus responsáveis ou, no caso da criança extraviada, que tenha
com eles perdido o contato ou a vigilância, não sabendo retornar ao seu
encontro. Pessoa inválida, segundo a concepção de Hungria, “é toda
aquela que, entregue a si mesma, não pode prover a própria segurança,
seja isto por suas próprias condições normais ou por acidente (velhos,
enfermos, aleijados, paralíticos, cegos etc.)”. Pessoa ferida é aquela que
teve ofendida sua integridade corporal ou saúde, seja por ação de
terceiros, caso fortuito ou até mesmo por vontade própria, como no caso
daquele que tentou contra a própria vida e conseguiu sobreviver, sendo
incapaz de, por si mesmo, buscar auxílio a fim de evitar a produção de
um dano maior à sua pessoa. Em ambas as hipóteses, ou seja, pessoa
inválida ou ferida, a vítima deve encontrar-se ao desamparo, isto é,
abandonada, sem os cuidados exigidos à manutenção da sua integridade
corporal ou saúde, bem como da sua vida.
Dessa forma, o crime se consuma quando o agente omitir-se frente à situação em que deveria prestar socorro
direto em razão da vítima encontrar-se em “grave e iminente o perigo que ameaça atualmente a vida da
pessoa ou, de modo notável, a sua incolumidade física ou fisiológica” (HUNGRIA, 2016 apud GRECO,
2017).
Também se consuma o delito quando o autor omitir-se de prestar socorro indireto, ao não solicitar socorro à
autoridade pública, sendo certo ainda que o “recurso à autoridade pública (assistência mediata) é subsidiário,
ou seja, é cabível apenas quando se revelar capaz de arrostar tempestivamente o perigo ou quando a
assistência direta oferecer riscos à incolumidade do agente” (PRADO, 2016 apud GRECO, 2017).
O delito em análise não admite a tentativa, segundo a doutrina majoritária, se consumando quando “o
omitente deixar passar a última oportunidade de realizar a ação de salvamento esperada antes que ocorra o
aumento do perigo, a diminuição das chances de salvamento ou a ocorrência do dano” (GALVÃO, 2016
apud GRECO, 2017).
Deve-se ressaltar que o delito impõe um dever de solidariedade e, dessa forma, caso alguém tenha prestado
socorro de forma eficiente, não se pode imputar aos que se quedaram inertes o delito do art. 135 do Código
Penal (GRECO, 2017).
1.4 Condicionamento de atendimento médico hospitalar
(art. 135-A)
Em vários diplomas normativos já se vedava a prática de exigir qualquer caução para prestação de
atendimento médico-hospitalar Buscando repreender de forma mais sistemática essa conduta é que a Lei n.
12.653, de 28 de maio de 2012, inseriu no Código Penal o delito previsto no art. 135-A, que é a hipótese de
omissão de socorro especial (GRECO, 2017).
Nesse sentido, sanciona-se com pena de detenção, de três meses a um ano, e multa a conduta daquele que
“exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de
formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial”. (GRECO,
2017)
Dessa forma, proíbe-se a conduta de condicionar o atendimento médico-hospitalar emergencial (necessário
de forma imediata) a qualquer procedimento burocrático, entendido este como a exigência de prévia garantia
ou de formulários administrativos.
O delito em análise é consumado quando a situação da vítima é agravada em razão da exigência da
condicionante burocrática, dessa forma, como a conduta de “exigir” não admite fracionamento, o tipo penal
não admite a tentativa (GRECO, 2017).
Segundo Greco (2017), pode ser sujeito ativo qualquer pessoa que realiza o atendimento médico-hospitalar
emergencial. Entendendo também que:
Normalmente, quem estipula essas condições para efeitos de
atendimento é o diretor do estabelecimento de saúde ou qualquer outro
gestor que esteja à frente da administração. O problema surge quando o
empregado, que trabalha no setor de admissão de pacientes, cumpre as
ordens emanadas da direção e não permite o atendimento daquele que se
encontrava em situação de emergência. Nesse caso, entendemos que
haverá o concurso de pessoas, devendo, ambos (diretor e empregado)
responderem pela infração penal em estudo.
A pena do mencionado delito é ainda majorada se da exigência resulta morte ou lesão grave, nos termos do
parágrafo único do art. 135-A.
1.5 Delito de maus tratos (CP, art. 136)
O delito de maus tratos é previsto no art. 136 do Código Penal, descrevendo a conduta de “expor a perigo a
vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento
ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho
excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina”, apenando-a com pena de
detenção, de dois meses a um ano, ou multa. A pena ainda é aumentada de um terço se o crime é praticado
contra vítima menor de 14 anos.
Nessa perspectiva, trata-se de delito próprio, pois somente pode ser cometido por quem possui autoridade,
guarda ou vigilância da vítima. É também exigível que o agente atue com especial fim de agir, ou seja,
busque com sua conduta educar, fornecer tratamento ou custódia.
O tipo penal em análise também descreve os meios que caracterizam os maus tratos (TELES, 2006 apud
GRECO, 2017):

• Através da privação de alimentação.


• Privação dos cuidados indispensáveis (cuidados relativos ao vestuário, acomodação, higiene,
assistência médica e odontológica).
• Sujeição da vítima a trabalhos excessivos (grande carga horária) ou inadequados (incompatíveis com a
idade e condição da vítima).
• Abusos nos meios de correção ou disciplina (agente atua com o chamado animus corrigendi ou
disciplinandi, contudo, abusa do seu direito de corrigir ou disciplinar)

Ainda que realizadas as condutas típicas, o delito somente se consuma com a concreta exposição da vida ou
saúde da vítima a perigo. É admissível a tentativa, bem como a prática do delito de forma comissiva e
omissiva.
O delito prevê as formas qualificadas, sendo a pena de reclusão de um a quatro anos, se dos maus-tratos
resulta lesão grave e de quatro a doze anos se resulta morte. Os delitos são preterdolosos nessa modalidade
(GRECO, 2017).

2. Crimes contra a honra


Segundo Cleber Masson (2016) a honra é o “conjunto das qualidades físicas, morais e intelectuais de um ser
humano, que o fazem merecedor de respeito no meio social e promovem sua autoestima”. Dessa forma,
trata-se de patrimônio moral merecedor da tutela penal do Estado.
A honra pode ser classificada em:
HONRA OBJETIVA E HONRA SUBJETIVA: A honra objetiva é a visão que as demais pessoas da coletividade
têm acerca das qualidades físicas, morais e intelectuais de alguém, ou seja, é a reputação de cada indivíduo no
meio social em que está imerso; em suma, é o julgamento que as pessoas fazem de alguém. Já a honra subjetiva é
o sentimento que cada pessoa possui acerca das suas próprias qualidades físicas, morais e intelectuais, o juízo que
cada um faz de si mesmo (autoestima). Subdivide-se em honra-dignidade (conjunto de atributos morais do
indivíduo) e honra-decoro (conjunto de atributos físicos e intelectuais). (MASSON, 2016)
HONRA COMUM E HONRA ESPECIAL: Honra comum é a atinente à vítima enquanto pessoa humana,
independentemente das atividades por ela exercidas. Honra especial, ou honra profissional, é a que se relaciona
com a atividade particular da vítima. (MASSON, 2016)
Os delitos contra a honra estão previstos no capítulo V do Código Penal, e admitem qualquer sujeito passivo
e ativo. No que concerne ao sujeito ativo, deve-se registrar que o crime se consuma independentemente da
credibilidade dele. Além disso, há algumas imunidades: os parlamentares (deputados, senadores e
vereadores na circunscrição do município) são imunes por suas opiniões, palavras e votos, desde que
relacionadas às suas funções. Na mesma ótica, os advogados possuem a chamada imunidade profissional,
não constituindo injúria ou difamação puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua
atividade profissional, em juízo (CP, art. 142, I) ou não, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a
OAB pelos excessos que cometer (MASSON, 2016).
Quanto ao sujeito passivo, ele não exige maiores qualificações, sendo irrelevante se tratar de pessoa que a
honra já é desabonada.
Dentre as disposições comuns aos crimes contra a honra encontram-se, no art. 141 do Código Penal, a
previsão de causa especial de aumento de pena. Nesses casos, aumenta-se em um terço a sanção quando o
crime é cometido contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro, contra
funcionário público, em razão de suas funções, ou ainda na presença de várias pessoas, ou por meio que
facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria. Nos delitos de calúnia e difamação a pena ainda
será exasperada se o crime é cometido contra vítima maior de 60 anos ou portadora de deficiência, ou
aplicada em dobro se o delito é cometido mediante paga ou promessa de recompensa.
Os crimes de difamação e injúria ainda serão excluídos se tratarem-se da opinião desfavorável da crítica
literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar, ou, ainda, quando
se tratar de conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste
no cumprimento de dever do ofício.
Os delitos de calúnia, injúria e difamação são processados mediante queixa (salvo no caso em que a injúria
consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem
aviltantes), requisição do Ministro da Justiça (no caso do incido I do art. 141 do CP), ou, ainda, mediante
representação do ofendido (no caso de funcionário público ou injúria racial).
Assim, nos termos do art. 143, do Código Penal, o querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente
da calúnia ou da difamação, ficará isento de pena. Além disso, se a ofensa à honra, nos delitos de calúnia e
difamação, ocorreu em um meio de comunicação, a retratação deve se operar pelos mesmos meios.
Por fim, deve-se registrar que é possível a interpelação do autor da calúnia, da difamação ou da injuria, em
juízo, por quem se sentiu ofendido, nos termos do art. 144 do Código Penal que assim dispõe: “se, de
referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir
explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, responde
pela ofensa” (BRASIL, 1940)
A partir de agora, analisaremos os delitos de calúnia, difamação e injúria, entendendo de que forma o bem
jurídico tutelado (honra) é protegido em cada dessas espécies.

2.1 Calúnia (CP, art. 138)


A calúnia é prevista no art. 138 do Código Penal. O tipo descreve o ato de imputar falsamente a alguém fato
definido como crime, sendo a conduta sancionada com pena de detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
Incorre nas mesmas penas quem, sabendo ser falsa a imputação, a propala ou a divulga (BRASIL, 1940, art.
138, §1º).
Dessa forma, trata-se de crime de mera conduta, que se consuma quando o agente imputa fato definido como
crime a alguém, sabendo que o fato é falso, ou ainda que verdadeiro o fato, que a vítima não é a autora
daquele crime. O fato deve ser ainda determinado, sendo necessário “particularizar as circunstâncias
bastantes para identificar o acontecido, embora sem as precisões e minúcias que, muitas vezes, só poderiam
resultar de investigações que não estariam ao alcance do acusador realizar” (BRUNO, 1976 apud GRECO,
2017). Deve-se registrar ainda que se o fato imputado for uma contravenção penal, não haverá crime de
calúnia (GRECO, 2017).
Segundo Rogério Greco (2017), a calúnia difere da denunciação caluniosa, porque, na segunda, a imputação
de fato criminoso a alguém deve dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial,
instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa.
É importante frisarmos, ainda, que se o agente acreditar que a vítima realmente cometeu aquele delito, ele
atuará em erro de tipo (hipótese conhecida como “exceção de notoriedade”). Como não se admite a punição
por calúnia culposa o agente será absolvido (GRECO, 2017).
Embora seja controverso, Greco (2017) defende que a pessoa jurídica possa ser vítima de calúnia, caso o
delito a ela imputado seja um delito ambiental, previsto na Lei n. 9.605/1998, pois se trata da única
modalidade de delito que admite expressamente a possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica.
A consumação do direito de calúnia ocorre quando um terceiro, que não a vítima, toma conhecimento dos
fatos criminosos ofensivos à reputação da vítima. Admite-se, neste tipo de crime, a tentativa a depender do
meio utilizado para caluniar.
Está tipificado, ainda, no art. 134, em seu parágrafo segundo, a calúnia contra os mortos, o que ocorre
quando a vítima já faleceu. Esse caso ocorre, como defende Greco (2017), quando os parentes do ofendido
são “mesmo que indiretamente, atingidos pela força da falsidade do fato definido como crime, que lhe é
imputado”.
Ainda com relação à calúnia, é interessante a previsão contida no art. 134, §3º do Código Penal,
chamada exceção da verdade. Trata-se do momento processual em que o autor, supostamente acusado de
caluniar alguém, demonstra que os fatos por ele narrados são verdadeiros. Essa possibilidade não existirá,
porém, em determinadas hipóteses. A primeira delas ocorre quando o fato imputado como crime se
processar mediante ação privada e o ofendido não for processado ou condenado por sentença irrecorrível.
Segundo Greco (2017) a melhor interpretação para o dispositivo é que:
Segundo nosso raciocínio, caso exista uma ação penal em curso,
visando à apuração de um delito que se atribui à suposta vítima da
calúnia, deverá o julgador suspender o curso da ação penal que apura o
delito de calúnia, aguardando a confirmação da existência ou não do
fato, que se entende como falso, definido como crime. O que não se
pode, contudo, é simplesmente impedir a defesa do querelado, ou seja,
daquele que está sendo submetido a um processo penal, simplesmente
pelo fato de não ter havido, ainda, trânsito em julgado da sentença penal
condenatória. Seria um enorme contrassenso impedir a sua defesa,
condenando-o pela prática do delito de calúnia para, ao final, quando já
tivesse transitado a sentença penal condenatória que teve o condão de
apontar a prática do delito que se atribuía à suposta vítima, obrigá-lo a
ingressar novamente em juízo com uma ação de revisão criminal, uma
vez que, sendo comprovado o cometimento do delito que imputou à
suposta vítima, afastada estará a elementar falsamente, exigida pelo tipo
penal do art. 138 do Código Penal.
Também não será possível a exceção da verdade quando o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas
no n. I do art. 141 (BRASIL, 1940), ou, ainda, quando o ofendido for absolvido por sentença irrecorrível em
delitos processados mediante ação penal pública. No primeiro caso, Greco (2017) defende que “comprovada
a prática do delito [pelas autoridades descritas no inciso I do art. 141], o agente deverá ser absolvido na ação
penal relativa ao crime de calúnia; não tendo sucesso nessa comprovação, a condenação será imposta”.
2.2 Difamação (CP, art. 139)
O delito de difamação, previsto no art. 139 do Código Penal, tipifica a conduta de imputar a alguém fato
ofensivo à sua reputação, sendo a pena de detenção, de três meses a um ano, e multa.
Para configuração do delito, é indiferente que os fatos imputados sejam verdadeiros ou falsos, bastando que
sejam lesivos à reputação de alguém (honra objetiva). O crime se consuma, assim como no caso da calúnia,
quando um terceiro, que não a vítima, toma conhecimento dos fatos ofensivos à reputação de tal vítima,
admitindo-se a tentativa a depender do meio utilizado para a prática delitiva (GRECO, 2017)

Diferentemente da calúnia, podem ser vítimas do delito as pessoas jurídicas, sem maiores controvérsias. O
sujeito ativo também não exige nenhuma qualificação especial. Embora inexista previsão específica, o
agente que propaga ou divulga o fato desabonador também deve responder como incurso no art. 139 do
Código Penal, haja vista que com sua conta também imputa a alguém fato ofensivo a sua reputação.
O parágrafo único do art. 139 também prevê a possibilidade de exceção da verdade quando o ofendido é
funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício da sua função e quando o ofendido ainda desempenha
a função pública.
2.3 Injúria (CP, art. 140)
A conduta tipificada no art. 140 do Código Penal, nomeada injúria simples, consiste em ofender a dignidade
ou o decoro de alguém, sendo a conduta apenada com pena de detenção, de um a seis meses, ou multa. Ao
contrário dos delitos de calúnia e difamação o delito de injúria busca tutelar a honra subjetiva do ofendido
(GRECO, 2017).
Segundo Greco (BRUNO, 1976 apud GRECO, 2017), a ofensa ao decoro ou dignidade de alguém pode ser
assim explicada:
A diferença entre esses dois elementos do tipo é tênue e imprecisa, o
termo dignidade podendo compreender o decoro. Entre nós costumava-
se definir a dignidade como o sentimento que tem o indivíduo do seu
próprio valor social e moral; o decoro como a sua respeitabilidade.
Naquela estariam contidos os valores morais que integram a
personalidade do indivíduo; neste as qualidades de ordem física e social
que conduzem o indivíduo à estima de si mesmo e o impõem ao respeito
dos que com ele convivem. Dizer de um sujeito que ele é trapaceiro
seria ofender sua dignidade. Chamá-lo de burro, ou de coxo seria atingir
seu decoro.
Dessa forma, no delito de injúria não se imputam fatos, mas atributos negativos à pessoa. consumando-se a
injúria quando a vítima toma conhecimento das palavras ofensivas à sua dignidade ou decoro (GRECO,
2017).
Como o bem jurídico tutelado é a honra subjetiva, o sujeito do crime não poderá ser pessoa morta ou pessoa
jurídica, pois “estas não possuem a capacidade para o sentimento da própria honorabilidade ou
respeitabilidade” (GALVÃO, 2016 apud GRECO, 2017). Admite-se a tentativa, a depender do meio
utilizado.

A figura qualificada, prevista no parágrafo segundo, chamada de injúria real, requer que a injúria consista
em violência ou vias de fato, ou, ainda, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem
aviltantes. Nesse caso, é apenada com detenção de três meses a um ano e multa, além da pena
correspondente à violência.
No parágrafo terceiro há previsão da injúria preconceituosa, que consiste na ofensa com utilização de
elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de
deficiência, sancionada com reclusão de um a três anos e multa.

Segundo o parágrafo primeiro do art. 140 do Código Penal, que contempla hipóteses de perdão judicial, o
juiz poderá deixar de aplicar a pena quando o ofendido de forma reprovável, provocou diretamente a injúria,
ou no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.

3. Crimes contra a liberdade individual


Os crimes que atentam contra a liberdade individual estão definidos no capítulo VI do Código Penal.
Segundo Masson (2016), o fundamento para tutela desses delitos encontra-se na Constituição Federal de
1988, que assegura a todos o direito à liberdade, “daí se extrai que qualquer espécie de violação à liberdade
do ser humano reclama punição”.
O mencionado capítulo contempla onze modalidades delitivas (constrangimento ilegal, ameaça, sequestro e
cárcere privado, redução à condição análoga a escravo, tráfico de pessoas, violação de domicílio, violação
de correspondência, correspondência comercial, divulgação de segredo, violação de segredo profissional e
invasão de dispositivo informático).
Analisaremos, para melhor esclarecimento, as principais delas: delitos de constrangimento ilegal, de
ameaça, de sequestro e cárcere privado e de redução à condição análoga a escravo.
3.1 Constrangimento ilegal (CP, art. 146)
O delito de constrangimento ilegal, tipificado no art. 146 do Código Penal, consiste em “constranger
alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a
capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda”. A pena cominada
ao delito é de detenção, de três meses a um ano, ou multa, sem prejuízo da pena cominada à violência
(BRASIL, 1940, art. 146, § 3º).
A consumação do delito ocorre quando a vítima não faz o que o ordenamento jurídico a permite ou quando
realiza o que ele não manda, sendo admissível a tentativa. A limitação da liberdade da vítima, por sua vez,
poderá ser feita por violência, ameaça ou ainda pela redução da capacidade de resistência do ofendido.
Assim diferencia Rogério Greco (2017):
A violência de que cuida o texto é a chamada vis corporalis¸ ou seja,
aquela empreendida contra o próprio corpo da vítima; ao contrário, a
grave ameaça se consubstancia na vis compulsiva, exercendo influência
precipuamente sobre o espírito da vítima, impedindo-a de atuar segundo
a sua vontade. Também prevê o art. 146 do Código Penal uma violência
entendida como imprópria, vale dizer, quando o agente, por qualquer
outro meio que não a violência ou a grave ameaça, reduz a capacidade
de resistência da vítima.
Segundo o mesmo autor (2017), trata-se de delito subsidiário que somente será considerado se o
constrangimento não for elementar típica de outra infração penal. Por outro lado, se a vítima for impelida a
praticar um crime a responsabilização penal ocorrerá, segundo a doutrina de Rogério Greco (2017) da
seguinte forma:
Imagine-se o caso daquele que é obrigado, em virtude das ameaças
sofridas, a matar alguém, pois, caso contrário, ele é quem seria morto.
Não podendo socorrer-se às autoridades, que não dão crédito à sua
palavra, não tendo outro recurso, pois que não tem condições de se
esconder do agente, a vítima cede à pressão, à coação moral que recaía
sobre a sua pessoa e, finalmente, termina por matar alguém.
Primeiramente, devemos destacar o fato de que o Código Penal, em seu
art. 22, sob a rubrica da coação irresistível e obediência hierárquica,
determina: Art. 22. Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em
estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior
hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem. Assim,
somente o coator, no exemplo fornecido, é quem deveria responder pelo
delito de homicídio. O coato, na verdade, não passa de mero
instrumento nas mãos do coator, tratando-se, portanto, de situação que
traduz a hipótese da chamada autoria mediata. A pergunta que devemos
responder agora é a seguinte: O coator, ou seja, aquele que constrangeu
alguém a matar a vítima, além do delito de homicídio, também deverá
ser responsabilizado pelo constrangimento ilegal? A doutrina se
posiciona nesse sentido, conforme lições de Aníbal Bruno: “Se a força é
irresistível e o resultado obtido constitui crime, por ele responde não o
coagido, a quem falta, na ação, vontade juridicamente válida e, portanto,
culpabilidade, mas o coator, que sofrerá a agravação da pena e
responderá concorrentemente pelo constrangimento ilegal”.
A pena do delito ainda pode ser aplicada cumulativamente ou em dobro quando, “para a execução do crime,
se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas” (BRASIL, 1940, art. 146, § 2º). Nesse caso,
adverte-se que as armas podem ser próprias (instrumentos destinados ao ataque ou a defesa, apropriados a
causar ofensas físicas) ou impróprias (qualquer instrumento que tenha aptidão ofensiva, mesmo que não seja
comum seu uso para esse fim) (HUNGRIA, 2016 apud GRECO, 2017).
Não se configura o delito de constrangimento ilegal, sendo considerada conduta atípica (GRECO, 2017),
quando se tratar de intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu
representante legal, se justificada por iminente perigo de vida ou coação feita para impedir suicídio.

A possibilidade de revista pessoal é prevista no art. 244 do Código de Processo Penal como medida
excepcional, somente sendo possível nas hipóteses ali delineadas. Dessa forma, a revista pessoal feita pelo
empregador, de forma habitual, configura abuso na relação de trabalho e, se “baseada na ameaça de despedir
o empregado que não se submete a revista pessoal, pode viabilizar a imputação objetiva do crime de
constrangimento ilegal” (GALVÃO, 2016 apud GRECO, 2017).
3.2. Ameaça (CP, art. 147)
O delito de ameaça está previsto no art. 147 do Código Penal, no âmbito dos delitos contra a liberdade
individual. Porém, esse delito merece especial destaque, em razão do expressivo número de casos que
ocorrem diariamente no país. A conduta da ameaça consiste em “ameaçar alguém, por palavra, escrito ou
gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave” sendo tal ação apenada com
detenção, de um a seis meses, ou multa.
Segundo Greco (2017) o delito possui forma livre, sendo feita por palavras, escritos ou gestos. De tal
previsão decorre que o autor pode utilizar até mesmo de elementos simbólicos para intimidar a vítima.
Nesse sentido Hungria dispõe que a ameaça poderá ser:
A ameaça pode ser direta (quando o mal anunciado se refere à pessoa ou patrimônio do sujeito passivo) ou
indireta (ameaça de dano a uma pessoa vinculada ao sujeito passivo por especiais relações de afeto). Pode
ainda ser explícita ou implícita (exemplo desta segunda espécie: um indivíduo escreve a outro que, para
resolver a dissenção entre ambos, ‘não tem medo de ir para a cadeia’. (HUNGRIA, 2016 apud GRECO,
2017)

Além das classificações apresentadas por Hungria, a ameaça ainda poderá ser condicional (mal ameaçado
está condicionado a adoção de comportamento pelo sujeito passivo, ocorrendo, por exemplo, quando alguém
ameaça mantar outrem caso este não lhe conte um segredo), ou reflexa (ameaça dirigida a terceira pessoa
que mantém vínculo com o sujeito passivo como alguém que diz a vítima que matará seu filho).
Para configuração típica, é necessário que o mal prometido à vítima seja injusto, isto é, contrarie o
ordenamento jurídico. Também deve se tratar de mal grave, capaz de imbuir na vítima medo de que aquela
promessa venha se concretizar. Dessa forma, Greco (2017) exemplifica que será atípica a conduta de quem
prometer a vítima “que irá cortá-la do seu círculo de amizades, que não a convidará para sua festa de
casamento etc.”.
Quanto à necessidade de que o mal seja futuro, o tema é objeto de controvérsia doutrinária. Parte da doutrina
entende que o tipo penal não exige que o mal seja futuro, sendo, portanto, um indiferente penal. De outro
lado, Greco justifica a necessidade de que o mal seja injusto:
A ameaça tem como bem juridicamente protegido a liberdade psíquica
da vítima e, em algumas situações, a sua própria liberdade física, que
fica inibida quando a parte psicológica é abalada. Para que isso ocorra, a
vítima deve conviver com a angústia do cumprimento da promessa do
mal injusto e grave. Deve ter tido tempo suficiente para buscar socorro
das autoridades competentes, se for do seu interesse, uma vez que
também a instauração de inquérito policial ou mesmo do termo
circunstanciado, próprio dos Juizados Especiais Criminais, estará a ela
subordinado. Por outro lado, quando há uma promessa de mal imediato,
caso este venha a ser concretizado, a ameaça ficará por ele absorvida.
(GRECO, 2017)

Ameaça supersticiosa: ocorre quando o autor, conhecendo a crença da vítima em simpatias, macumbas ou
similares, ameace-a dizendo que se utilizará desses meios para que um mal injusto a atinja. Dessa forma,
segundo a doutrina de Greco (2017), a ameaça será capaz de lesar o bem jurídico tutelado, qual seja a
liberdade psíquica da vítima, sendo, portanto, conduta típica.
Trata-se de delito que pode ser cometido por qualquer pessoa, exigindo-se apenas do sujeito passivo que ele
tenha capacidade para compreender a gravidade e a ilicitude do mal proferido pelo autor (GRECO, 2017).
A ameaça é considerada delito formal. Portanto, o delito é consumado ainda que a vítima “não tenha se
intimidado ou mesmo ficado receosa do cumprimento da promessa do mal injusto e grave” (GRECO, 2017),
devendo observar apenas se a ameaça é suficientemente apta a gerar temor.
Quanto à possibilidade da tentativa, há divergência doutrinária. Greco (2017) sobre o tema dispõe que:
Noronha, com precisão, afirma: “Não obstante delito formal, admite ela
doutrinariamente a tentativa, por ser fracionável, por apresentar um iter.
É perfeitamente configurável a tentativa de ameaça por carta, ao
contrário do que parece ao douto Hungria, ao refutar Carrara, que alude
à carta ameaçadora extraviada, dizendo que só se ficou em atos
preparatórios. Cita em seu abono Longo, porém não procede a opinião.
O envio, remessa ou expedição de uma carta não é ato preparatório. Se
assim fosse, onde estaria a execução do delito? Quando ela fosse aberta
pelo destinatário (ação executada pelo sujeito passivo) ou ele a lesse
(consumação)? Atos preparatórios, no caso, serão, v.g., a aquisição do
papel, da tinta etc. A remessa é pleno ato de execução. O recebimento
por outrem caracteriza a circunstância alheia à vontade do agente.
Por fim, é importante destacar a previsão contida no art. 147, parágrafo único, que dispõe que o
processamento do delito somente ocorre mediante representação da vítima (BRASIL, 1940).
3.3 Sequestro e cárcere privado (CP, art. 148)
Nos termos do que dispõe o art. 148, o delito de sequestro e cárcere privado consiste em “privar alguém de
sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado”, sendo cominada sanção de reclusão, de um a três
anos.
O delito será qualificado, com pena de reclusão de dois a cinco anos, quando a vítima é ascendente,
descendente, cônjuge, maior de 60 anos ou menor de 18 anos, e inclusive, quando se trata de
companheiro do agente, conforme redação dada pela Lei n. 11.106, de 28 de março de 2005. Igualmente,
quando o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital, quando a privação
da liberdade dura mais de quinze dias, ou ainda quando o crime é praticado com fins libidinosos (BRASIL,
1940, art. 148, §1º). Nos termos do art. 148, § 2º do mesmo Código, se do sequestro resulta grave sofrimento
físico ou moral a pena será de reclusão, de dois a oito anos.
Embora o Código Penal trate o sequestro e o cárcere privado como condutas distintas, a doutrina as
considera idênticas (GRECO, 2017). Logo, o crime se consuma quando se impõem restrições à liberdade de
locomoção da vítima, que fica impedida de ir, vir ou mesmo de permanecer no local onde quer, sendo
plenamente admissível a tentativa, haja vista se tratar de crime permanente, cuja consumação se prolonga no
tempo. Ressaltamos que a conduta típica pode ser realizada por comissão ou omissão, posto que o
impedimento à liberdade de locomoção pode ocorrer, segundo Greco (2017), por “detenção, quando
praticado comissivamente” ou “retenção, quando levado a efeito omissivamente”.
Na esteira de entendimento de Hungria, citado por Greco, o delito se consuma, inclusive quando inexistem
barreiras físicas impostas à vítima, como ocorre no caso em que a “vítima não possa livrar-se por
inexperiência ou ignorância das condições do local, ou por estar sob vigilância” (HUNGRIA 2016 apud
GRECO, 2017).
O delito é comum e pode ser praticado e sofrido por qualquer pessoa. Porém, como adverte Greco (2017),
“se o crime for praticado por funcionário público no exercício de suas funções, aplica-se, de acordo com o
princípio da especialidade, a alínea a do art. 3º da Lei n. 4.898/1965 (abuso de autoridade)”.
3.4 Redução à condição análoga a de escravo (CP, art.
149)
O crime tipificado no art. 149 do Código Penal descreve a conduta de “reduzir alguém à condição análoga à
de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições
degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída
com o empregador ou preposto”, sancionando essa conduta com pena de reclusão, de dois a oito anos, e
multa, além da pena correspondente à violência (BRASIL, 1940).
Conforme se depreende da leitura do artigo, o delito em análise se consuma quando a vítima é submetida à
condição análoga à de escravo. Assim é entendida qualquer conduta que lhe imponha trabalhos forçados (ao
qual a vítima não se ofereceu voluntariamente), jornada exaustiva de trabalho (capaz de esgotar o
trabalhador, tanto física como mentalmente), ou que o sujeita a condições degradantes de trabalho (ambiente
de trabalho que impõe restrições a sua alimentação, ou condições indesejáveis de higiene e moradia), ou
ainda restringe, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou
preposto. Por ser um delito que admite fracionamento na execução, admite-se a tentativa (GRECO, 2017).
Igualmente, pratica o delito de redução à condição análoga a de escravo o empregador que “cerceia o uso de
qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho” ou “mantém
vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador,
com o fim de retê-lo no local de trabalho” (GRECO, 2017).
A pena do delito também é aumentada em até 50% quando o crime é cometido contra criança ou
adolescente, ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. Trata-se o delito de crime
próprio, pois somente pode ser cometido pelo empregador contra seu empregado (Greco, 2017).
Por fim, deve-se destacar que após o julgamento do Recurso Extraordinário n. 398.041/PA, em 2006, o
Supremo Tribunal Federal passou a entender que a competência para julgar o delito seria da Justiça Federal.

Segundo entendimento da jurisprudência nacional, o Termo de Ajustamento de Conduta, firmado entre o


Ministério Público do Trabalho e o empregador, não tem o condão de impedir a ação penal contra este
último, haja vista os princípios da obrigatoriedade e indisponibilidade da ação penal (Precedentes: TRF-1ª
Reg., RSE 0017958- 35.2013.4.01.3700/MA, Rel. Des. Fed. Hilton Queiroz, DJe 15/10/2015).
4. Crimes contra o patrimônio
Os crimes contra o patrimônio, tipificados no título II do Código Penal, tutelam, segundo Masson (2016) o
“complexo de bens ou interesses de valor econômico em relação de pertinência com uma pessoa”,
protegendo a propriedade, garantia fundamental constitucionalmente assegurada no art.5º, caput da CF/88.
Cleber Masson (2016), nesse sentido, destaca que:
Consideram-se patrimoniais os delitos quando o interesse predominante
é patrimonial, ainda que atingidos outros bens jurídicos, como a vida e a
liberdade. Por sua vez, crimes como o peculato e a corrupção passiva,
que ofendem o patrimônio, não são nesta classe incluídos, porque acima
deles a lei coloca outro interesse, que é o regular funcionamento da
Administração Pública. A prevalência do interesse patrimonial é, pois, o
elemento primordial, o fundamento básico na capitulação dos crimes
contra o patrimônio.
Analisaremos, a seguir, os principais delitos contra o patrimônio, quais sejam: o furto, o roubo, a extorsão, o
dano, a apropriação indébita e o estelionato.
4.1 Furto (CP, art. 155)
O delito de furto inaugural a sistemática dos delitos contra o patrimônio, tipificando a conduta de “subtrair,
para si ou para outrem, coisa alheia móvel”, com pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Subtrair denota a ação não violenta em que o bem de valor econômico é retirado da esfera de
disponibilidade da vítima. Assim, o delito se consuma com a mera inversão da posse, não sendo necessário
que o agente possua posse tranquila sobre a coisa (Precedentes: STJ, HC 362.436/SP, Rel. Min. Reynaldo
Soares da Fonseca, 5ª T., DJe 04/10/2016). O fato do iter criminis admitir fracionamento permite que seja
admissível a tentativa.
Já a expressão “para si ou para outrem” denota o fim especial de agir, nas palavras de Greco (2017): “é da
essência do delito de furto, portanto, que a subtração ocorra com a finalidade de ter o agente a res
furtiva para si ou para outrem”, não bastando o mero desejo de “uso”, por exemplo.
O conceito de “coisa alheia móvel” pode ser definido, nas palavras de Greco (2017), em:
Coisa móvel, portanto, seria tudo aquilo passível de remoção, ou seja,
tudo o que puder ser removido, retirado, mobilizado. (...) Além de
móvel, ou seja, passível de remoção, a coisa, obrigatoriamente, deverá
ser considerada alheia, isto é, pertencente a alguém que não aquele que
a subtrai. Dessa forma, não se configurará no delito de furto a subtração
de: a) res nullius (coisa de ninguém, que jamais teve dono); b) res
derelicta (coisa abandonada); e c) res commune omnium (coisa de uso
de todos).
Nos termos do art. 155, § 3º, a energia elétrica, ou qualquer outra que tenha valor econômico, também é
considerada coisa alheia móvel para fins penais, o que não se confunde com o furto de sinal de televisão,
pois equiparar ambas as condutas seria analogia in malam partem (BITENCOURT, 2016 apud GRECO,
2017).

Furto praticado em estabelecimento com monitoramento eletrônico: a existência de sistema de segurança


eletrônica não torna, por si só, o crime de furto impossível por absoluta impropriedade do meio, haja vista
que nesse caso a impropriedade do meio é relativa. Nesse sentido, é importante que analisemos a Súmula n.
567 do STJ.
O parágrafo primeiro do art. 155 do Código Penal ainda prevê o aumento de um terço da pena quando o
crime é praticado durante o repouso noturno. O Superior Tribunal de Justiça mantém jurisprudência assente
no sentido de ser suficiente que o furto ocorra de noite “período de maior vulnerabilidade para as
residências, lojas e veículos, entre outros” (Precedente: STJ, AgRg. no REsp. 1251465/MG, Rel. Min.
Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe 20/2/2014). Destacamos que o mesmo tribunal entende que a majorante
pode ser aplicada tanto à modalidade de furto simples quanto às espécies qualificadas (GRECO, 2017).
O parágrafo segundo do artigo traz a figura do furto privilegiado. Essa figura traduz a possibilidade de, em
se tratando de réu primário, e sendo a coisa de pequeno valor, o juiz substituir a pena de reclusão pela de
detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.
Segundo a doutrina, para definir “pequeno valor” basta que a coisa subtraída seja de valor econômico menor
do que um salário mínimo (GRECO, 2017). Inclusive, nos termos da súmula n. 511 do Superior Tribunal de
Justiça, é possível reconhecer o privilégio ainda que o furto seja qualificado, desde que “presentes a
primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva”.
O parágrafo quarto, do mesmo dispositivo, traz a figura do furto qualificado, que ocorre quando o crime é
cometido com destruição ou rompimento de obstáculo – assim considerado como “tudo aquilo que tenha a
finalidade precípua de proteger a coisa e que também não seja a ela naturalmente inerente” (GRECO, 2017),
com abuso de confiança (exige relação de fidelidade entre as partes), ou mediante fraude (meios ardilosos ou
insidiosos que mantenham a vítima em erro), escalada (utilização de via não destinada ao trânsito de
pessoas) ou destreza (habilidade especial que faz com que a vítima não perceba a subtração), com emprego
de chave falsa (instrumento destinado a abrir fechaduras) ou mediante concurso de duas ou mais pessoas.
A pena será modificada, sendo de reclusão de quatro a dez anos e multa, se houver emprego de explosivo ou
de artefato análogo que cause perigo comum (CP, art. 155, §4º-A).
Outra forma qualificada do delito é descrita no art. 155, § 5º do CP, hipótese em que a pena será de reclusão
de três a oito anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro estado ou
para o exterior. No entendimento da jurisprudência brasileira, a qualificadora apenas se consuma quando há
efetiva transposição da fronteira. Nesse sentido, Greco (2017) explica que:
Se o agente fosse surpreendido, ainda no Estado onde ocorreu a
subtração, quando estivesse se dirigindo a outro Estado da Federação ou
mesmo a um país estrangeiro, vizinho ao Brasil, em razão de sua
especial finalidade, poderíamos raciocinar com a tentativa qualificada?
A péssima redação nos leva a responder negativamente, pois, caso
contrário, seria muito melhor para o agente alegar, sendo surpreendido
no Estado onde ocorrera a subtração, que a sua finalidade era a de, por
exemplo, transportá-lo para outro Estado, para que lhe fosse aplicada,
obrigatoriamente, a redução de um terço a dois terços, prevista pelo
parágrafo único do art. 14 do Código Penal.
No concurso entre as qualificadoras do parágrafo quarto e do parágrafo quinto, deve prevalecer a do
parágrafo quinto (GRECO, 2017). A conduta descrita no art. 155, § 6º, do CP, apenada com reclusão de dois
a cinco anos se a subtração for de semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em
partes no local da subtração. Por semovente domesticável de produção entende-se aquele que é “animal não
selvagem, destinado à produção pecuária de alimentos” (GRECO, 2017), sendo esse furto de gado
conhecido como abigeato.
A última forma qualificada, prevista no art. 155, § 7º do CP, sancionada com reclusão de quatro a dez anos
de multa, ocorre quando a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou
isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.
Por fim, o delito descrito no art. 156 do CP tipifica o furto comum, que ocorre quando o condômino,
coerdeiro ou sócio, subtrai, para si ou para outrem, de quem legitimamente a detém, a coisa comum, sendo
apenada com detenção, de seis meses a dois anos, ou multa. Porém, nos termos do parágrafo primeiro do
mesmo dispositivo o delito somente se processa mediante representação. Também não é punível a subtração
de coisa comum fungível, cujo valor não excede a quota a que tem direito o agente.
4.2 Roubo (CP, art. 157)
O delito de roubo tipifica a conduta de “subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave
ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de
resistência”, sendo apenada com reclusão, de quatro a dez anos, e multa. Igualmente, também comete o
delito de roubo quem, depois de realizada a subtração da coisa “emprega violência contra pessoa ou grave
ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro”
(BRASIL, 1940).
O delito de roubo difere do delito de furto no que concerne ao emprego da violência ou grave ameaça, no
momento ou logo após a subtração, o que indica a maior reprovação da conduta e consequentemente maior
pena. A violência apta a caracterizar o delito de roubo pode ser própria (física) ou imprópria (meio que
reduza a possibilidade de resistência da vítima), ou, ainda, direta (empregada contra a pessoa de quem se
quer subtrair os bens) e indireta (empregada contra pessoas que são próximas da vítima ou, mesmo, contra
coisas).
Já a grave ameaça, definida como “aquela capaz de infundir temor à vítima”, deve prometer mal iminente à
vítima, compelindo-a a anuir com a subtração dos bens (GRECO, 2017). O delito se consuma quando ocorre
a simples inversão da posse da res furtiva, nos termos da súmula n. 582 do Superior Tribunal de Justiça, que
assim dispõe:
Consuma-se o crime de roubo com a inversão da posse do bem
mediante emprego de violência ou grave ameaça, ainda que por breve
tempo e em seguida à perseguição imediata ao agente e recuperação da
coisa roubada, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou
desvigiada. (BRASIL, [s.d.])
Porém, no caso do roubo impróprio, “o momento consumativo é o do emprego da violência; e não há falar-
se em tentativa: ou a violência é empregada, e tem-se a consumação, ou não é empregada, e o que se
apresenta é o crime de furto” (HUNGRIA, 2016 apud GRECO, 2017).
A pena do delito de roubo é majorada de um terço à metade se o delito é cometido em concurso de duas ou
mais pessoas, ou quando a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal
circunstância (qualquer valor pode ser transportado, como ouro, pedras preciosas etc. Ademais, não é
necessário que se trate de um carro-forte, mas tão somente alguém que transporte valores e essa
circunstância seja conhecida pelo agente), se a subtração for de veículo automotor que venha a ser
transportado para outro Estado ou para o exterior, quando o agente mantém a vítima em seu poder,
restringindo sua liberdade (deve ser meio para execução do roubo, não pode se estender muito ao longo do
tempo), se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente,
possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego e se a violência ou grave ameaça é exercida com
emprego de arma branca (GRECO, 2017).
A maior fração da exasperação (dois terços) opera-se quando a violência ou ameaça é exercida com emprego
de arma de fogo, se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de
artefato análogo que cause perigo comum. Nos termos do art. 157, §2º-B, “se a violência ou grave ameaça é
exercida com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido, aplica-se em dobro a pena prevista
no caput deste artigo” (BRASIL, 1940).
Por fim, nos termos do art. 157, § 3º do Código Penal, se do roubo resulta lesão grave a pena é de reclusão
de sete a 18 anos, e multa, e se resulta morte (latrocínio), a pena é de reclusão de 20 a 30 anos, e multa.
Segundo a doutrina majoritária cuida-se de um crime qualificado pelo resultado (lesão corporal grave ou
morte) que poderá ser imputado ao agente a título de dolo ou culpa (GRECO, 2017). A esses delitos também
não são aplicáveis as causas de aumento de pena previstas no tipo penal.
Segundo entendimento do STJ, configura o crime de latrocínio tentado quando a subtração se consuma e
resta comprovado o dolo de roubar e dolo de matar e o resultado agravador somente não ocorre por
circunstâncias alheias à vontade do agente (BRASIL, 2014b).
Por outro lado, se é a subtração que não se consuma, o agente responderá pelo crime de latrocínio
consumado, em razão do resultado morte/lesão ter sido atingido, nesse sentido a súmula n. 610 do STF: “há
crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da
vítima” (BRASIL, [s.d.]).
4.3 Extorsão (CP, art. 158 a 160)
O delito de extorsão se caracteriza quando o agente coage alguém, mediante violência ou grave ameaça, e
com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica (conceito mais amplo que
“coisa alheia móvel”), a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa, sendo essa conduta
punida com reclusão, de quatro a dez anos, e multa (GRECO, 2017). Diferentemente do que ocorre nos
delitos de roubo e furto, no delito de extorsão o crime exige, para sua ocorrência, a colaboração da vítima
(HUNGRIA, 2016 apud GRECO, 2017).
O delito consuma-se quando ocorre a extorsão, ou seja, quando o agente constrange a vítima. Trata-se,
assim, de delito forma, cuja obtenção da vantagem econômica é mero exaurimento, nos termos da súmula n.
96 do STJ. Diante da possibilidade de fracionamento do iter criminis, admite-se a tentativa (GRECO, 2017).
Como leciona Greco (2017), aumenta-se a pena, de um terço à metade, se o crime é cometido por duas ou
mais pessoas (agentes devem desempenhar atos materiais de execução), ou com emprego de arma (BRASIL,
1940, art. 158, §1º).
Ademais, nos termos do art. 158, § 2º do CP, se do delito resulta lesão grave a pena é de reclusão de sete a
18 anos, e multa, e se resulta morte (latrocínio), a pena é de reclusão de 20 a 30 anos, e multa.
No parágrafo terceiro do mesmo dispositivo, o legislador inseriu a figura do chamado “sequestro
relâmpago”. Dessa forma, se para obter a colaboração da vítima para a prática delitiva é necessária a
restrição da liberdade do ofendido, a pena será de reclusão, de 06 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa. Se
o o
dessa ação resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2 e 3 ,
respectivamente.
O art. 159 tipifica a conduta de extorsão mediante sequestro. Consiste a conduta em: “sequestrar pessoa com
o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate”, sendo
sancionada com reclusão, de oito a quinze anos. Se o cárcere dura mais de 24 horas, ou se o sequestrado é
menor de 18 ou maior de 60 anos (idade da vítima deve ser conhecida pelo agente), ou se o crime é
cometido por bando ou quadrilha, a pena será de reclusão, de doze a vinte anos.
A privação da liberdade do ofendido, nessa modalidade, é utilizada como meio para que a vítima lhe
entregue vantagem econômica indevida. Conforme entende a doutrina majoritária, o delito se consuma com
o sequestro, independente da obtenção da vantagem indevida (GRECO, 2017), sendo possível a tentativa.
Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave, a título de dolo ou culpa, a pena será de reclusão, de
dezesseis a vinte e quatro anos, e se resultar morte, de vinte e quatro a trinta anos (GRECO, 2017).
O parágrafo quarto do mesmo dispositivo prevê ainda espécie de colaboração premiada, reduzindo de um a
dois terços a pena do agente que, participando do crime em concurso, denuncia à autoridade, facilitando a
libertação do sequestrado.
Por fim, o art. 160 tipifica a extorsão indireta, que se caracteriza pela conduta de “exigir ou receber, como
garantia de dívida, abusando da situação de alguém, documento que pode dar causa a procedimento criminal
contra a vítima ou contra terceiro”, com pena de reclusão, de um a três anos, e multa.
Segundo Greco (2017), nesta modalidade, além de a conduta de exigir ou receber documento que possa dar
causa a um procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro, é necessário à presença de “dívida
entre o sujeito passivo e o sujeito ativo”, bem como a configuração de “abuso da situação de inferioridade
em que se encontra o sujeito passivo” e a “finalidade de, por meio do documento exigido, garantir o
pagamento do sujeito passivo, sob a ameaça de um processo penal”.
4.4 Dano (CP, art. 163)
O delito de dano, previsto no art. 163 do Código Penal, tipifica a conduta de “destruir, inutilizar ou
deteriorar coisa alheia”, sendo cominada pena de detenção, de um a seis meses, ou multa.
Segundo Greco (2017) “destruir é empregado no texto legal no sentido de eliminar, aniquilar, extinguir;
inutilizar significa tornar inútil, imprestável a coisa para os fins originais a que era destinada, mesmo que
não destruída; deteriorar é estragar, arruinar a coisa”. Ressaltamos que o delito somente é previsto na
modalidade dolosa, exigindo também o ânimo específico de causar prejuízo patrimonial à vítima.

A ação de detentos que cerram as grades do estabelecimento prisional para conseguir fugir não é tipificada
como delito de dano, pois neste caso, a conduta dos agentes não é direcionada a gerar prejuízo à
administração pública (vítima), mas tão somente visa à liberdade (GRECO, 2017).
O delito se consuma quando ocorrido o dano, que poderá ser total ou parcial, sendo admitida a modalidade
tentada do delito (Greco, 2017).
A figura qualificada, prevista no parágrafo único do mesmo dispositivo, caracteriza-se quando o crime é
cometido, de acordo com Greco (2017):
Com violência à pessoa ou grave ameaça (violência como meio para a prática do dano).
Com emprego de substância inflamável ou explosiva.
Se o fato não constitui crime mais grave, contra o patrimônio da União, de estado, do Distrito Federal, de
Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa
concessionária de serviços públicos.
Por motivo egoístico – definido como “desejo ou expectativa de um ulterior proveito pessoal indireto, seja
econômico ou moral” (HUNGRIA, 2016 apud GRECO, 2017).
Com prejuízo considerável para a vítima (deve considerar patrimônio da vítima), sendo, nestes casos,
apenado com detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

É ISSO AÍ!
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
• entender sobre as noções gerais aplicáveis aos crimes contra a periclitação da vida e da saúde e seus
tipos penais;
• estudar sobre os delitos contra a honra, entendendo as disposições comuns e principais elementos
que diferenciam os delitos de calúnia, difamação e injúria;
• aprimorar seus conhecimentos sobre os delitos praticados contra a liberdade individual e seus
contornos legais;
• analisar os delitos contra o patrimônio; notadamente o delito de furto, extorsão, roubo, estelionato,
dano e apropriação indébita;
• conhecer as principais punições e agravamentos que os determinados tipos de crime podem possuir.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, DF: Presidência da
República, 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm.
Acesso em: 24 fev. 2020.
______. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 610. DJ, Brasília, DF, 31 out. 1984.
______. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: 1988. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 24 fev. 2020.
______. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário n. 398.041/PA. Relator: Ministro Joaquim
Barbosa, julgado em 30 nov. 2016. DJ, Brasília, DF, 12 dez. 2006.
______. Superior Tribunal de Justiça. AgRg. no REsp. 1251465/MG. Relator: Ministro Sebastião Reis
Júnior, julgado em 04/02/2014. DJe. Brasília, DF, 20 fev. 2014a. Disponível
em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24944932/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-
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______. Superior Tribunal de Justiça. REsp. 1414303/RS. Relator: Ministro Rogério Schietti Cruz, DJe,
Brasília, DF, 25 jun. 2014b. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25155292/recurso-
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Desembargador Fed. Hilton Queiroz, DJe, Brasília, DF, 15 out. 2015.
______. Tribunal Superior Eleitoral. Temas selecionados: crimes eleitorais em espécie – crimes contra
honra. Brasília, DF: Tribunal Superior Eleitoral, 2020. Disponível
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Método, 2016.
NUCCI, G de S. Código Penal Comentado. 11. ed. São Paulo, SP: Revista dos Tribunais, 2012.

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