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CRIMES CONTRA A VIDA

É dentro deste contexto que os Crimes contra a Vida configuram fatos que vitimizam da forma mais
contundente a pessoa natural. São crimes de gravidade sensível e que afetam sobremaneira a sociedade,
atingindo-a em seu bem mais precioso, que é a vida humana.
Em todos os tempos e civilizações e em distintas legislações, a vida humana foi o primeiro bem jurídico
tutelado, por ser ela a razão de ser de todos os demais interesses tutelados.
O capítulo dos crimes contra a vida tutela tanto a vida extrauterina, ao prever os delitos de homicídio,
instigação, induzimento ou auxílio ao suicídio e infanticídio nos artigos 121 a 123; quanto a vida
intrauterina, ao tipificar hipóteses de interrupção dolosa da gravidez nos artigos 124 a 126.
Inaugurando a parte especial do Código Penal, o art. 121 tipifica o crime de homicídio, consubstanciado
na conduta de “matar alguém”. Na lição de Nélson Hungria, homicídio “é o crime por excelência, a mais
chocante violação do senso moral médio da humanidade civilizada”.
Em seu “caput”, o referido artigo contempla o homicídio doloso simples, sancionado em abstrato com
reclusão de 6 a 20 anos.
Por se tratar de delito material, a consumação do homicídio, se dá com o resultado morte, que ocorre
com a cessação da atividade encefálica, conforme Lei de Doação de Órgãos.
Haverá diminuição de pena nas hipóteses em que o agente comete o crime impelido por motivo de
relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta
provocação da vítima, caracterizando o chamando homicídio privilegiado, que é compatível com as
qualificadoras de natureza objetiva. Contudo, essa regra não é estanque, pois a qualificadora da emboscada,
por exemplo, embora objetiva, é logicamente incompatível com a prática do crime for praticado sob o
domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima.
As hipóteses legais de privilégio apresentam caráter subjetivo. Relacionam-se ao agente e não ao fato.
Assim, não se comunicam aos demais coautores ou partícipes, em consonância com a regra prevista no art.
30 do Código Penal.
O homicídio será qualificado, com elevação da pena abstrata para 12 a 30 anos de reclusão, se for
cometido:
i) por motivo torpe, que corresponde à motivação vil, ignóbil, repugnante e abjeta, prevendo o legislador,
como exemplo, o homicídio mercenário, praticando mediante paga ou promessa de recompensa;
ii) por motivo fútil, quando houver real desproporção entre o delito e a causa moral, que se mostra
insignificante, nesse cotejo;
iii) por meio insidioso ou cruel, como nos casos de emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia ou
tortura, ou outro meio de que possa resultar perigo comum;
iv) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne
impossível a defesa do ofendido;
v) para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime.
No ano de 2015, foram acrescentadas duas novas qualificadoras, a do feminicídio, em que o homicídio é
praticado contra a mulher, por razões da condição de sexo feminino, ou seja, quando o crime envolve
violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher, e a do homicídio
funcional, contra autoridade ou agentes das forças armadas e da segurança pública, integrantes do sistema
prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou
contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição.
Discute-se na doutrina a natureza da qualificadora do feminicídio, se subjetiva ou objetiva. No sentido de
ser a qualificadora subjetiva, lecionam Luiz Flávio Gomes, Alice Bianchini e Cezar Roberto Bittencourt. De
outro lado, entendendo tratar-se de qualificadora objetiva e, por isso, conciliável com as qualificadoras do
motivo torpe e motivo fútil, posicionam-se Guilherme de Souza Nucci e Paulo César Busato, entendimento
acolhido pela jurisprudência dos Tribunais Superiores.
No ano de 2019, a Lei do Pacote Anticrime inseriu a nova qualificadora do homicídio praticado com
emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido, também com elevação da pena abstrata para 12 a 30
anos de reclusão. Mais recentemente, em 2022, partindo de um caso de repercussão nacional, a Lei Henry
Borel acrescentou nova qualificadora ao crime de homicídio contra menor de 14 (quatorze) anos, punindo
mais severamente o agente que ceifa a vida de criança ou adolescente, vitimizando pessoa em tão tenra
idade.
As qualificadoras índole subjetiva, em caso de concurso de pessoas, não se comunicam aos demais
coautores ou partícipes, em face da regra delineada pelo art. 30 do Código Penal. Por outro lado, as
qualificadoras de natureza objetiva, por serem atinentes ao fato praticado, e não ao aspecto pessoal do
agente, comunicam-se no concurso de pessoas, desde que tenham ingressado na esfera de conhecimento de
todos os envolvidos.
No homicídio doloso, haverá majoração de pena quando o crime for praticado contra pessoa menor de
14 ou maior de 60 anos, ou por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por
grupo de extermínio. Já no feminicídio, a pena será majorada se o crime for praticado durante a gestação ou
nos 3 meses posteriores ao parto; contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou
com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de
vulnerabilidade física ou mental; na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima; em
descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei
nº 11.340/06  (alterações pela Lei nº 13.771/18).
Caso o feminicídio seja majorado pelo descumprimento de medidas, restará absorvido o crime do art. 24-
A da Lei Maria da Penha.
A Lei Henry Borel também inseriu majoração de pena no homicídio contra menor de 14 (quatorze) anos
se a vítima é pessoa com deficiência ou com doença que implique o aumento de sua vulnerabilidade, bem
como se o autor é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador,
preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela.
O homicídio simples, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, e o homicídio
qualificado, são crimes hediondos, nos termos do art. 1º, inciso I, da Lei 8.072/90, sendo insuscetíveis de
anistia, graça e indulto, bem como inafiançáveis, estando a progressão de regime sujeita a frações mais
elevadas de cumprimento de pena.
Atento ao princípio da excepcionalidade do crime culposo, o legislador expressamente inscreveu, no §
3º do art. 121, a figura do homicídio culposo, quando o agente deu causa ao resultado morte por negligência,
imprudência ou imperícia, cominando-lhe pena de 1 a 3 anos de detenção, sujeita a majoração quando o
crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar
imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em
flagrante. Ademais, no homicídio culposo, admite-se perdão judicial, se as consequências da infração
atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.
Segundo o STJ, a decisão que concede o perdão judicial tem natureza declaratória de extinção da
punibilidade (Súmula 18 do STJ). Para o STF, trata-se de sentença condenatória, sem efeito de
reincidência, com base no art. 120 do CP ("sentença que conceder perdão judicial não será considerada para
efeitos de reincidência"). Isso porque não teria sentido o art. 120 se a sentença não fosse condenatória, uma
vez que somente esta tem a força de gerar reincidência. Predomina que se trata de direito subjetivo do réu,
desde que preenchidos os requisitos legais, e não de uma faculdade do juiz. Nesse sentido: Bitencourt, Nucci
e Masson.
Também no capítulo dos crimes contra a vida, merece destaque o crime de infanticídio, que corresponde
ao homicídio praticado pela genitora contra o próprio filho, porém sob a influência do estado puerperal,
durante ou logo após o parto. Debate-se na doutrina a possibilidade de haver concursos de pessoas,
prevalecendo a corrente que admite tanto a coautoria quanto a participação, nos moldes do art. 30 do Código
Penal, por ser o estado puerperal elementar do crime, e não mera circunstância pessoal.
Fechando o capítulo, o art. 124 prevê as figuras do aborto provocado pela gestante ou com o seu
consentimento, ao passo que o art. 125 incrimina o aborto praticado por terceiro sem o consentimento da
gestante e o art. 126 trata da interrupção dolosa da gravidez por terceiro com o consentimento da gestante,
em verdadeira exceção pluralista à teoria monista. Nas hipóteses de abortamento provocado por terceiro, os
resultados lesão de natureza grave ou morte da gestante acarretarão aumento de pena. Por fim, o art. 128
contempla causas especiais de exclusão de ilicitude, nos casos em que o aborto, praticado por médico, for
necessário para salvar a vida da gestante, ou a gestação resultar de estupro, o chamado aborto humanitário
ou sentimental.
Dada a relevância do bem jurídico tutelado neste capítulo, o legislador constituinte dedicou a
competência mínima para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida ao Tribunal do Júri, instituição que
representa, claramente, a oxigenação democrática do Poder Judiciário, sendo a justiça democrática em ação.
Por fim, no aspecto jurisprudencial, cumpre recordar recente julgado do Supremo Tribunal Federal que
reconheceu a competência do juízo criminal singular para julgar o crime de remoção ilegal de órgãos,
praticado em pessoa viva e que resulte morte, previsto no art. 14, § 4º, da Lei nº 9.434/97 (Lei de
Transplantes). Caso concreto: um menino de 10 anos caiu de uma altura de 10 metros e foi levado para o
pronto-socorro, onde se verificou a necessidade de se realizar uma cirurgia de emergência. Durante a
cirurgia, com o garoto ainda vivo, os médicos retiraram seus dois rins com o objetivo de vendê-los no
comércio ilegal de órgãos. O menino faleceu. Diante disso, surgiu a seguinte controvérsia: os médicos
praticaram o crime de homicídio doloso (art. 121, § 2º, I e IV, do CP) ou o
delito de remoção ilegal de órgãos com resultado morte (art. 14, § 4º, da Lei 9.434/97)?
No caso concreto, a Corte entendeu que se tratava do crime do art. 14, § 4º da Lei 9.434/97 porque a
finalidade era a remoção dos órgãos da vítima, que veio a óbito. O bem jurídico a ser protegido, no caso,
entendeu o Supremo Tribunal Federal, é a incolumidade pública, a ética e a moralidade no contexto da
doação de órgãos e tecidos, além da preservação da integridade física das pessoas e do respeito à memória
dos mortos.

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