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LESÕES CORPORAIS

É dentro deste contexto que as lesões corporais configuram fatos que vitimizam de forma contundente a
pessoa natural. São crimes de gravidade sensível, que produzem intensa vitimização, atingindo a
incolumidade do sujeito, na medida em que “o bem jurídico protegido é a incolumidade da pessoa na sua
realidade corporal-anímica, como fonte e suporte da vida e de todas as implicações individuais e
sociais que esta comporta”, na lição de Aníbal Bruno.
O crime de lesão corporal consiste na ofensa à integridade corporal ou à saúde de outrem, incriminando
“todo e qualquer dano ocasionado à normalidade funcional do corpo humano, quer do ponto de vista
anatômico, quer do ponto de vista fisiológico ou mental”, como consta da Exposição de Motivos do Código
Penal.
As lesões são classificadas segundo o elemento subjetivo (dolosa simples, dolosa qualificada, dolosa
privilegiada e culposa) e de acordo com a intensidade (leve, grave, gravíssima e seguida de morte).
Pune-se a conduta, ação ou omissão, de ofender, direta ou indiretamente, a integridade corporal ou a
saúde de outrem, quer causando uma enfermidade, quer agravando a que já existe, tratando-se, portanto, de
crime material.
De acordo com Cezar Bitencourt, a integridade física apresenta-se como relativamente disponível, desde
que não afronte interesses maiores e não ofenda aos bons costumes, de tal sorte que as pequenas lesões
podem ser livremente consentidas pela pessoa.
O crime de lesão corporal não se confunde com a contravenção penal de vias de fato, uma vez que na
contravenção penal não existe qualquer dano à incolumidade física da vítima, nem é essa a intenção do
agente.
Equimoses e hematomas são consideradas lesões à integridade física.
Já os eritemas e a simples provocação de dor não constituem lesões.
Possível a tentativa nas modalidades dolosas, em que pese a dificuldade probatória.
Serão leves — por exclusão — as lesões não consideradas graves, gravíssimas ou seguidas de morte.
São consideradas lesões natureza grave, por exemplo,
i) a incapacidade para ocupações habituais, por mais de 30 dias, devendo a gravidade da lesão ser
aferida por laudo médico complementar, realizado logo após o 30º dia;
ii) o perigo de vida, consistente na probabilidade séria, concreta e imediata do êxito letal, devidamente
comprovado por perícia, qualificadora que só admite o preterdolo, pois, do contrário, estará configurada a
tentativa de homicídio;
iii) debilidade permanente de membro, sentido ou função, quando da conduta resultar diminuição ou
enfraquecimento da capacidade funcional, não importando que a consequência possa ser atenuada ou
reduzida com aparelhos de prótese;
iv) aceleração do parto, quando, em decorrência da lesão, o feto é expulso, com vida, antes do tempo
normal (parto prematuro), devendo a gestação ingressar na esfera de conhecimento do agressor.
Tais qualificadoras, conforme Cezar Bitencourt, são de natureza objetiva, comunicando-se no caso de
concurso de pessoas, desde que abrangidas pelo dolo do participante.
As lesões de natureza gravíssima, de regra irreparáveis, ou de maior permanência, consistentes, por
exemplo, na
i) incapacidade permanente para o trabalho, absoluta e duradoura no tempo ou sem previsibilidade de
cessação. Segundo entendimento majoritário, qualifica a lesão a incapacidade para o exercício de qualquer
espécie de trabalho, e não apenas para a atividade antes exercida pela vítima;
ii) enfermidade incurável, caracterizada pela alteração permanente da saúde em geral por processo
patológico, inexistindo cura no estágio atual da medicina, ou se o restabelecimento da saúde depender de
intervenções cirúrgicas arriscadas ou tratamentos incertos. Outrossim, não cabe revisão criminal caso a
medicina evolua, permitindo a reversão da doença;
iii) perda ou inutilização de membro, sentido ou função;
iv) deformidade permanente, consistente no dano estético capaz de provocar impressão vexatória, com
desconforto para quem olha e humilhação para a vítima, como no caso de vitriolagem. Para o STJ, a
realização de cirurgia estética que repare os efeitos da lesão não afasta a qualificadora, pois o fato criminoso
é valorado no momento da sua consumação. A qualificadora abrange todo o corpo, mesmo que atingindo
região visível somente em momentos de maior intimidade. Da mesma forma, para o STJ, a “alteração
permanente da personalidade” NÃO pode ser considerada como uma “deformidade permanente”. Quando o
art. 129, § 2º, IV, do CP fala em “deformidade permanente” ele está se referindo a lesões estéticas de grande
monta, capazes de causar desconforto a quem a vê ou ao seu portador. Logo, o art. 129, § 2º, IV, do CP
abrange apenas lesões corporais que resultam em danos físicos. Assim, a Corte Superior afastou os danos
psicológicos para efeitos de agravamento da lesão corporal.
v) aborto, caso este resulte de culpa, sendo imprescindível que o agente tenha conhecimento da gravidez.
Do contrário, aborto praticado por terceiro qualificado para lesões
Na lesão corporal seguida de morte o resultado fatal advém de culpa. Caso a conduta antecedente
configure simples gesto de ameaça ou meras vias de fato, o evento morte só pode ser imputado a título de
homicídio culposo, absorvendo a ameaça ou a contravenção penal. Por ser preterintencional, não admite
tentativa.
O tipo penal contempla casos de diminuição de pena, como nas hipóteses em que o agente comete o
crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo
em seguida a injusta provocação da vítima. Tais circunstâncias permitem, ainda, a substituição de pena (§
5º), se não forem graves as lesões, o mesmo ocorrendo no caso de lesões recíprocas.
As penas serão majoradas se a lesão corporal dolosa for cometida contra menor de 14 ou maior de 60
anos de idade, ou por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de
extermínio. O mesmo ocorre quando praticadas contra autoridade ou agente das forças armadas, da
segurança pública, do sistema prisional ou da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função
ou em decorrência dela, ou contra cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até 3º, em razão dessa
condição (§ 12). Sendo de natureza gravíssima ou seguidas de morte, as lesões dolosas praticadas contra tais
agentes e seus familiares serão consideradas crime hediondo, sujeitando-se aos rigores da Lei 8.072.
A Lei Maria da Penha inseriu previsão da lesão corporal leve qualificada pela violência doméstica e
familiar, tendo como sujeito passivo pessoas de ambos os sexos, prevalecendo-se o agente de relações
domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. Sendo a vítima pessoa com deficiência, haverá aumento
de pena.
Ademais, havendo violência doméstica e familiar (§ 9º), será majorada em 1/3 a pena da lesão corporal de
natureza grave e gravíssima (§§ 1º e 2º) e da lesão corporal seguida de morte (§ 3º).
Mais recentemente, em 2021, foi acrescentada nova qualificadora no caso em que a lesão corporal for
praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, com elevação da pena abstrata para
1 (um) a 4 (quatro anos) de reclusão.
Atento ao princípio da excepcionalidade do crime culposo, o legislador previu a figura da lesão corporal
culposa, quando o agente deu causa ao resultado por negligência, imprudência ou imperícia, contemplando
causas de aumento de pena, quando o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou
ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências
do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante, bem como a possibilidade de perdão judicial, se as
consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne
desnecessária.
Originalmente, todas as modalidades de lesão corporal eram processadas por meio de ação penal pública
incondicionada. Com o advento da Lei 9.099/95, as lesões corporais leves e culposas passaram a ser
processadas por meio de ação penal pública condicionada à representação do ofendido (art. 88).
Posteriormente, a Lei Maria da Penha (nº 11.340/06) excluiu de forma absoluta a aplicação da Lei nº
9.099/95 aos delitos praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas e familiares, razão pela
qual “a ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é
pública incondicionada” (Súmula 542 do STJ).

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