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Apontamentos de Direitos Reais

Vera Galhardo Simões

2020/21

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I – Introdução

1. Os direitos reais na lei civil

A disciplina de direitos reais corresponde ao Livro III do CC. Porém, isto não
significa que o Livro III esgote a matéria dos direitos reais.

• Os direitos reais compreendem 3 categorias diferentes à Direitos reais


de gozo, de garantia, e de aquisição.

• No Livro III estão fundamentalmente (mas não apenas) os direitos reais


de gozo.

• Os direitos reais de aquisição encontram-se espalhados (Ex.: Direito de


preferência de origem legal, ou convencional com eficácia real, é um
direito real de aquisição).

- São várias leis que atribuem direitos legais de preferência. Estas


existem no Livro III, mas também fora do Livro III, por exemplo
no Livro II (Ex.: Direito de preferência do arrendatário de
aquisição em caso de alienação).

- O contrato-promessa com eficácia real também origina um direito


real de aquisição (direito convencional com eficácia real) à
Normas que estão no Livro II.

- Há uma parte importante do Livro III para os direitos de aquisição


à A forma do titular da preferência exercer o seu direito é através
da ação de preferência, que está regulada no Art.º 1410º, ou seja,
no Livro III, a propósito da compropriedade (na compropriedade
também temos um direito de preferência legal).

• Os direitos reais de garantia estão fundamentalmente no Livro II porque


têm como propósito conceder ao credor uma posição de preferência sobre
o valor de certa coisa ou os rendimentos de certa coisa, sobre os demais
credores. Ser pago em primeiro lugar é algo que traduz a ideia do direito
real de garantia. Assim sendo, este direito está vocacionado para a tutela
do direito de crédito, para garantir o titular contra o incumprimento do
credor

• Nesta disciplina vamos aprofundar o estudo dos direitos reais de gozo.

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- Direitos reais de gozo são poderes atribuídos ao seu titular para
usar, fruir e dispor de determinada coisa.

- É importante também deixar claro que o Livro III não esgota todos
os direitos reais de gozo. Vamos estudar também o direito real de
habitação periódica.

Não temos no livro dos direitos reais uma parte geral

• 1º Título do Livro III à “Da posse”.

- No entendimento do Prof., este direito real é um direito real em


especial.

• Onde descobrimos então a parte geral? à Num esforço da doutrina. A


doutrina procura saber se conseguimos retirar traços comuns nesta
disciplina para chegarmos a uma parte geral dos direitos reais.

• Posse, apesar de ser um direito real em especial, refere-se sempre a um


controlo material que se faz sobre determinada coisa, em termos
correspondentes a outro direito (Ex.: Posse relativamente ao direito de
propriedade).

- A posse vem dar uma primeira aparência à Não é mais do que um


instrumento de que a lei se serve para a tutela da aparência, para
estabilizar determinadas situações, mas pode ser configurado como
um direito real em especial.

• Quando a doutrina procura construir parte geral, vai olhar para todos os
direitos reais em especial para encontrar semelhanças, mas há um direito
que serve de referencia inicial, o direito de propriedade.

A função referencial do direito propriedade (Art.º 1302º a 1315º)

• Este direito serve de referencial porque o Livro III está construído em


função do direito de propriedade.

• O sistema jurídico estabeleceu para direitos reais o princípio da


tipicidade à Só são direitos reais aqueles que a lei determina como tais.

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A tipicidade

• Princípio da tipicidade (Art.º 1306º) à O legislador decidiu referir-se a


tipicidade por referencia à propriedade.

- Art.º 1306º nº1 à Significa que só são direitos reais aqueles que a
lei estabeleça.

- Como é que a lei estrutura essa tipicidade? à O direito


essencial é o direito de propriedade (Direito real de gozo
máximo – Art.º 1305º). Não há nenhum outro direito real de gozo
que tenha a amplitude deste direito.

ü “goza de modo pleno e exclusivo…” à Significa que não


depende de outro direito).

ü Se falar em usufruto (Ex.: A permite que B usufrua de


carro), o usufruto só existe por força da propriedade de A à
O direito de propriedade não tem restrições, ao contrário dos
restantes direitos reais de gozo (direitos menores).

ü Por isto é que o legislador vem construir o princípio da


tipicidade à luz do direito de propriedade à Não se pode
fazer derivações do direito de propriedade, a não ser
quando a lei o permita (porque todos os direitos reais de
gozo derivam do direito de propriedade).

O direito real, qualquer que ele seja (gozo, garantia, aquisição), vai ter
sempre o mesmo objeto

• Tradicionalmente, entende-se que o objeto de qualquer direito real vai ser


sempre uma coisa corpórea, móvel ou imóvel (Art.º 1302º).

• Houve porém uma alteração importante. Podem também ser objeto de


direitos reais os animais. O regime dos animais autonomizou-se
recentemente.

• A coisa é o objeto do direito real.

- Diferentemente, o objeto mediato do direito de crédito é uma


prestação.

- Não há colaboração de terceiro.

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Eficácia absoluta

• Como não há relação credor/devedor, o direito real é um direito que pode


ser construído de forma absoluta, está construído para ser oponível
relativamente a todos.

- Direito erga omnes (Art.º 1305º, 1311º, 1314º, 1315º).

- A relação que existe é entre pessoa e objeto.

• Art.º 1315º à O direito real é tutelável quer por meio judicial, quer por
meio não judicial.

- Pode haver ação de reivindicação, mas isto não exclui a autotutela


quando esta seja legítima.

2. O conceito de direito real e a sua construção pela delimitação em relação à


natureza dos direitos de crédito

Não obstante haver 3 categorias de direitos, há características comuns entre


todos os direitos reais. Quando se procura dar uma noção de direito real,
existem 3 conceções:

• Conceção clássica à Vem dizer que o direito real é um poder direto e


imediato sobre uma coisa.

- Há doutrina (conceção mista) que considera que esta definição é


tautológica (direto e imediato não são coisas distintas).

- Poder direto à O titular tem domínio ou senhorio sobre a coisa.


Significa a relação entre pessoa e coisa, vista na perspetiva de uma
relação estreita. É a ligação de soberania entre pessoa e coisa.

- Poder imediato à Desnecessidade da colaboração de um terceiro


no aproveitamento das utilidades da coisa.

- Na perspetiva do Prof. estas coisas são diversas.

ü Mas de facto quando olhamos para a conceção clássica,


estamos a olhar para apenas uma ideia, com 2
desenvolvimentos à Ideia de que no direito real, o que está
em causa é uma relação entre uma pessoa e uma coisa (≠ de
direito de crédito, relação entre devedor e credor).

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• Conceçao moderna ou personalista à Considera que o direito real não
é a relação entre pessoa e coisa. O direito real é um poder absoluto, que
permite ao seu titular exigir a todos um respeito pelo exercício de
faculdades sobre a coisa. O direito real diz respeito à relação entre o
titular da coisa e todos os outros. Estamos a olhar para uma relação
intersubjetiva (entre titular e todos os outros), como faríamos em relação
ao direito de crédito.

- Opõem-se à conceção clássica (que diz que o que esta em causa é


relação entre a pessoa e a coisa).

- Na opinião do Prof., esta conceção não é suficiente, pois não


traduz a especificidade deste tipo de direito à No direito real, o
que existe é o aproveitamento das faculdades da coisa para que
o titular retire utilidades.

- A utilização da coisa em benefício do titular é essencial a


caracterização do direito real à Não pode existir apenas a
dimensão entre titular e outros.

- É aqui que surge a conceçao mista.

• Conceção mista à Entende que em bom rigor, estaria em causa apenas a


desnecessidade da colaboração de terceiros. Falar em poder direto e
imediato é estar a replicar a mesma coisa.

- Prof. considera que esta conceção não faz sentido, pois o direito
real caracteriza-se pelo lado interno (relação entre pessoa e coisa –
coisa está lá para ser retirada utilidade pelo titular) e pelo lado
externo (oponível a qualquer pessoa, erga omnes).

ü Estes 2 lados existem e é preciso que não se desconheça isto.


É evidente que por um lado existe um poder imediato (não e
preciso a colaboração de terceiros), mas ao contrário do que
pretende a conceção mista, “direto” e “imediato” não
significam a mesma coisa.

ü Na conceção clássica encontramos tanto o lado interno,


como o lado externo à Está lá poder imediato, mas o poder
imediato não esgota tudo (não é uma definição que permita
dizer que não existe o lado externo, ou seja, a ideia de que o

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direito é oponível erga omnes). O lado externo esta no
“direto”;

- O Prof. acha que a conceção mista é correta, mas não


necessária. Para caracterizar direito real é preciso haver um objeto
corpóreo, e oponibilidade erga omnes. Isto não é trazido só pela
conceção mista, é trazido também pela conceção clássica, que
reconhece tanto o lado interno (“imediato”) e externo (“direto”)

ü A conceção clássica já inclui estes 2 lados, que a conceção


mista diz que não inclui.

• Conceito de direito real que o Prof. propõe à O direito real é o poder


atribuído pela ordem jurídica para a satisfação dos interesses de uma
pessoa determinada, mediante o aproveitamento direto e imediato das
utilidades de uma coisa corpórea.

- O Prof. adota a conceção clássica.

Assim, direito real ≠ direito de crédito

• Objeto à O direito real tem por objeto um objeto corpóreo. O direito de


crédito tem por objeto uma prestação.

• Meios de defesa à O direito de crédito tem eficácia relativa


(independentemente da eficácia externa). O direito real tem eficácia
absoluta (em qualquer conceção temos esta característica).

Há autores que, ainda assim, procuraram dizer que não havia razão para
distinguir estes 2 tipos de direitos, os autores monistas.

• Monismo realista (Gaudemet) à O direito de crédito também é um


poder direto e imediato sobre uma coisa (património do devedor), e o
objeto é o património do devedor.

• Monismo personalista (Demogue) à No direito real também temos


sujeitos passivos, pessoas obrigadas, que são todos os que não sendo
titulares, estão obrigados a respeitar esse direito.

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Estas visões existem, mas não significa que sejam aceitáveis

Monismo realista

• Há uma ideia de que quando falamos de uma coisa como objeto de direito
real, esta coisa tem de ser específica/determinada. Só aí é que temos um
direito real. Dizer que nos direitos de crédito ainda tenho por objeto uma
coisa, da mesma forma que o direito real, é errado, porque o património
do devedor é um conceito indeterminado, e portanto não traz a
especificação que o direito real exige.

- Eis porque é que a doutrina contesta a natureza real dos privilégios


creditórios à Os privilégios creditórios podem ser sobre coisa
indeterminada.

- Art.º 749º nº1 (diz que o privilégio geral não é oponível contra
terceiros, ou seja, não é oponível erga omnes).

• Há um problema que resulta da impugnação pauliana à O que


responde pelo incumprimento do crédito é o património do devedor
(garantia patrimonial), e não a pessoa do devedor. O credor tem ao seu
dispor instrumentos da lei para ter a certeza que o devedor não dissipa o
seu património. Na impugnação pauliana temos um argumento forte a
favor do monismo realista, porque o credor pode ir atrás dos bens
que o devedor alienou.

- Argumentos do Prof. contra à Embora como o direito real segue


a coisa, o direito de crédito siga o património, quando o direito
real segue a coisa não há limitações.

ü Não é preciso que o titular do direito real preencha


determinados requisitos para ir atrás da coisa:

a) O credor tem de se encontrar em situação de


impossibilidade de satisfação integral do crédito (Art.º
610º alínea b));

b) Demonstração de má fé das partes na hipótese de


alienação onerosa (Art.º 612º nº1);

c) O adquirente de boa fé só responde na medida do seu


enriquecimento (Art.º 616º nº3 ≠ o titular do direito

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real só é afetado pela boa fé do terceiro em situações
limitadas);
d) O direito de impugnação caduca ao fim de 5 anos a
contar da data do ato impugnável (Art.º 619º ≠ Art.º
1313º).

Monismo personalista

• Nos direitos reais, há um dever geral de respeito, e não um dever de


prestar.

• Ainda que se reconheça uma obrigação passiva universal de respeito nos


direitos de crédito, a oponibilidade é restringida ao dever de indemnizar
(≠ direitos reais).

- Também nos direitos de crédito há um dever geral de respeito (se


entendermos que há eficácia externa das obrigações), mas nunca se
traduzirá no direito de ir atrás da coisa, só se traduziria no direito
de ir atrás da coisa.

• Mesmo admitindo uma oponibilidade forte, sempre dependeria de dolo


do terceiro (≠ direitos reais).

- Posso, nos direitos reais, independentemente de dolo, opor uma


ação de reivindicação contra o terceiro.

3. As obrigações reais e os ónus reais

Existem 3 figuras que, de forma diferente, nos permitem fazer um cruzamento


entre direitos reais e direitos de crédito.

Obrigações reais ou propter remà Vínculo jurídico por virtude do qual o


titular do direito real fica adstrito para com terceiro à realização de uma
prestação.

• Referência do Art.º 398º.

• Não estamos perante uma obrigação, mas sim um dever de prestar.

• Qual o cruzamento entre direitos? à Há situações jurídicas em que, por


uma pessoa ser titular de um direito real, tem um dever de prestar
para com terceiro. A obrigação real não deixa de ser obrigação, mas tem

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um elemento diferenciador, que é que essa pessoa é um titular de um
direito real, e é precisamente por ser titular de um direito real que
tem dever de prestar.

- Ex. 1: O comproprietário deve contribuir para as despesas comuns


da coisa, e tem este dever porque é comproprietário (titular de
direito real em comunhão com outro) à Art.º 1411º nº1

- Ex. 2: O condómino participa nos encargos de conservação e de


fruição de partes comuns do edifício (Art.º 1424º nº1).

- Ex. 3: Ao usufrutuário cabe fazer as reparações ordinárias


indispensáveis à conservação da coisa, e assumir as despesas de
administração (Art.º 1472º nº1) à O devedor é identificado em
razão da titularidade de um direito real (usufruto).

• Concretizações da figura da obrigação real

- Não é a exigência do conceito que o credor seja titular de um


direito real (é o que sucede com o pagamento dos impostos ou
taxas devidos pelo uso e fruição da coisa).

- Acompanha o direito real nas suas vicissitudes: é ambulatória, ou


seja, transmite-se ao novo titular com a transmissão do direito (≠ a
obrigação autónoma – eficácia relativa).

ü Se, em geral, as obrigações nascidas permanecem na relação


credor/devedor, no caso das obrigações e ónus reais a
transmissão desse direito transmite também a obrigação que
nasceu na sua esfera jurídica, visto que são ambulatórios.

ü Ex.: Regime da compropriedade (Art.º 1411º nº1). É um


dever de prestar que nasce do facto da pessoa ser
comproprietária.

- Exceções à natureza ambulatória da obrigação:

a) Se o interesse prosseguido com a prestação pertence ao


alienante;

b) Se o valor correspondente teve repercussão no preço de


transmissão do direito real.

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c) Se a dívida é oculta.

Ónus reais à Como é que se distinguem da obrigação real?

• Figura composta, agregando a uma obrigação propter rem uma


garantia real imobiliária: a obrigação transmite-se (beneficia da
natureza ambulatória, quando tal seja permitido) e ao credor assiste uma
posição de preferência sobre o valor da coisa em relação aos demais
credores do adquirente (tenha ou não havido a transmissão da divida).

- Se A é o credor da obrigação real e tem um B, devedor em razão


de titularidade do direito real, e B transmite o direito real a C, já
sabemos que C tem a obrigação que B tinha e, se for um ónus real
(tem de ser a lei a dizê-lo) acontece que, se o C não cumprir,
credor A tem o direito de se fazer pagar com preferência sobre os
outros credores pelo valor da coisa que foi transmitida.

• O ónus real tem na sua base uma obrigação real, um dever de prestar em
razão da titularidade de um direito real à Também é uma obrigação
real, mas é uma figura composta!

- Distingue-se da obrigação propter rem, apesar de ter uma na sua


base.

- No ónus real tenho uma obrigação real, e ainda uma garantia real
associada a essa obrigação à O devedor é titular de um direito
real, mas o credor tem o facto de beneficiar de uma garantia. Na
obrigação real só beneficia da natureza ambulatória da dívida, e no
ónus real beneficia da natureza ambulatória da dívida, e da
garantia real.

- Um ónus real distingue-se da obrigação real, pois se for uma mera


obrigação real, A vai ter de atacar o património do C como
qualquer credor que C possa ter, o património de C vai ter de
satisfazer todos, e A vai receber apenas uma parcela. Se for um
ónus real, A pode exigir a satisfação do crédito a C, e porque é um
ónus real, A pode receber a totalidade, pois tem preferência.

• Se a dívida for ambulatória (pode não ser ambulatória), o novo adquirente


vai responder, e o credor beneficia ainda de uma garantia sobre a coisa
que lhe foi transmitida. O credor não está em concorrência com os outros
credores do devedor. Quando não há garantia os credores estão em
posição de igualdade.

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- O credor tem direito de se fazer pagar com preferência ao demais
credores que estejam na esfera do devedor.

• Se as obrigações reais são não ambulatórias, não se pode atacar o novo


adquirente, mas se estivermos perante um ónus real, pode-se atacar o
novo adquirente, mesmo que a obrigação real seja não ambulatória
à Ataca-se através da garantia (embora a dívida seja do alienante,
responde pela sua dívida o seu património, e o bem que transmitiu ao
adquirente).

- O terceiro vai ser afetado porque há uma garantia real, e portanto


posso executar a hipoteca, porque sou titular de um ónus real.

• Ex.: Apanágio do cônjuge sobrevivo (Art.º 2018º). Se um cônjuge


falecer, o cônjuge viúvo tem direito a ser alimentado pelos rendimentos
dos bens deixados pelo falecido, e os herdeiros estão obrigados a prestar
alimentos ao viúvo. Porque eu sou herdeiro eu tenho o dever de prestar e
portanto estamos perante uma obrigação real, mas é também um ónus
real, porque a lei diz que tem de ser registado, e olhando para a história,
vemos que, no CC anterior, estava aí uma hipoteca. Se os herdeiros não
cumprissem, o viúvo podia atacar o património do herdeiro, e tem
relativamente às coisas transmitidas em herança, um privilégio que
resulta da existência de uma hipoteca. Apesar de isso não estar aqui
previsto, através do Art.º 2018º nº3, vemos que isto só é compaginável
com a existência de uma garantia, senão tudo se trataria no plano dos
direitos de crédito. Assim, temos de dar devido conteúdo à referência do
registo. O cônjuge sobrevivo tem um ónus real.

4. As pretensões reais

• Quando há violação de um direito real, o titular tem um direito de crédito,


e portanto uma possibilidade de reagir contra a violação do direito real.

- Viola-se um direito real, e nasce um direito de crédito.

• Na obrigação procter rem, a titularidade de direito real fundamenta a


dívida, enquanto que na pretensão, a titularidade de direito real
fundamenta o crédito.

- Inversão de papéis.

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• Direito de crédito que se singulariza, pois deriva de uma violação de
um direito real.

• Se estivermos a falar de uma pretensão real distinta da indemnização, a


demonstração da culpa é absolutamente desnecessária.

5. As categorias de direitos reais

• Os direitos reais decompõem-se em 3 categorias:

- De gozo à Permitem ao seu titular usar, fruir, dispor da coisa.

- De garantia à A coisa está lá com o objetivo de satisfazer o


credor com preferência sobre os demais credores, pelo valor da
coisa.

- De aquisição à A coisa esta lá para ser retida para este titular- O


titular beneficia de um direito potestativo sobre a coisa, que se dá
através de ação de preferência, ou da execução específica.

6. A caracterização de direitos reais

Os direitos reais possuem tanto características essenciais, como características


tendenciais.

Características tendenciais

1. Afetação total da coisa à Circunstância de o direito real abranger, de


igual modo, a coisa, e os seus elementos componentes ou partes
integrantes. Característica que se refere à ideia de compreensão
(abrangência total), e à natureza inclusiva do direito real, tomando por
referencia a coisa inicial.

- Porém, sendo esta característica tendencial, existem situações em


que esta característica não está presente:

ü Propriedade horizontal à É constituída por frações


autónomas (partes exclusivas) e partes comuns. O título
constitutivo da propriedade horizontal pode afetar certas
partes comuns do prédio ao uso exclusivo do condómino
(Ex.: Terraço no topo do edifício. Tem característica de ser
elemento da parte comum, mas pode ser afetado ao uso
exclusivo de um condómino – Art.º 1421º nº1 alínea b)).

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ü Direito de superfície (Art.º 1524º) à É possível destacar-
se 2 elementos num determinado prédio, solo e subsolo, e
atribuir em superfície um desses elementos a uma terceira
pessoa, sem que o indivíduo proprietário do prédio perca a
titularidade desse mesmo prédio rústico.

o O direito de superfície nunca abrange tudo, apenas o solo ou


o subsolo.

ü Benfeitorias (Art.º 1273º a 1275º) e a acessão (Art.º 1325º


e ss.) à Situações em que existe uma coisa inicial, e depois
há outras coisas que se vêm incorporar nessa coisa inicial, ou
unir-se a essa coisa inicial à Nuns casos estamos perante
benfeitorias, e noutros casos perante acessão.

o Benfeitorias necessárias/úteis/voluptuárias (Art.º 216º) à


O Art.º 1273 nº2 é uma expressão da afetação total da coisa.
Quanto às benfeitorias úteis, quando o seu levantamento
possa causar o detrimento da coisa, estas não podem ser
levantadas; O Art.º 1273 nº1 é uma expressão de que o
possuidor, seja de boa ou má fé, pode, relativamente a
benfeitorias úteis levantá-las. Levantar estas benfeitorias
significa que está a retirar essas benfeitorias da coisa inicial.
Mas relativamente às benfeitorias necessárias temos a
fetação total da coisa

§ Conclusão à Às benfeitorias necessárias aplica-se


a regra de afetação total da coisa. As benfeitorias
úteis poderão também estar abrangidas pela coisa
inicial, se não puderem ser levantadas sem haver
detrimento da coisa (se houver detrimento da
coisa, o que vamos ter é o pagamento da
indemnização, e surge a afetação total da coisa).

o Acessão à Forma de aquisição do direito de propriedade (A


é proprietário de terreno, e B constrói de boa fé nesse
terreno. Sendo valor da construção superior ao do terreno, o
que a lei permite é que reunidas determinadas circunstâncias,
quando alguém constrói de boa fé, e com valor superior ao
do terreno, a pessoa pode adquirir a coisa.)

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§ Art.º 1340º nº1 à Alguém era proprietário, e um
terceiro vem e constrói, de boa fé, trazendo valor
superior. A pessoa pode adquirir o terreno sobre o
qual construiu.

§ Exceção à afetação total da coisa à Afinal o prédio


construído no terreno não vai pertencer ao
proprietário do terreno. É sim quem constrói que
vai poder adquirir o terreno.

o Nota: Embora tanto as benfeitorias e a acessão tragam


exceções à afetação total da coisa, as benfeitorias não são
uma forma de aquisição da propriedade à Mesmo que a
pessoa consiga levantar aquilo que trouxe em razão de não
haver detrimento da coisa, nunca há aquisição do direito de
propriedade sobre a coisa sobre a qual se efetuaram aquelas
benfeitorias.

§ Por outro lado, na acessão, em razão da natureza da


intervenção, pode o interveniente adquirir a
propriedade da coisa intervencionada.

2. Permanência à Esta expressão tem 2 sentidos possíveis: perpetuidade


(sentido de os direitos reais serem perpétuos) e ausência de extinção
pelo seu exercício.

- Perpetuidade (sentido restrito) à Esta característica é tendencial


porque os direitos reais podem ser temporários. Alguns direitos
reais são por natureza temporários, e outros podem sê-lo se as
partes assim o tiverem definido.

ü Usufruto (Art.º 1439º e ss.) à Este artigo determina que o


usufruto é, por definição, um direito temporário. É um
direito real menor, que pressupõe a existência de
propriedade, mas que tem uma expressão relevante. É uma
forma de garantir que se atribui a um indivíduo a faculdade
de usufruir da coisa, mas sem esse indivíduo ter a
propriedade da coisa.

ü Uso e habitação (Art.º 1439º e 1485º) à Aproximam-se do


usufruto. Também estes direitos são por definição
temporários.

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ü Direito de superfície (Art.º 1524º) à Não é por definição
temporário, mas pode sê-lo.

- Ausência de extinção pelo exercício (sentido amplo)

ü Direitos reais de aquisição à Estão lá para serem


exercidos no momento em que tenha havido violação desse
mesmo direito, e a partir do momento em que são exercidos,
extinguem-se (se tenho um direito legal de preferência, e ele
é violado, através da ação de preferência, consigo adquirir a
coisa que é objeto do direito; a partir do momento em que
adquiro, o direito extingue-se).

3. A posse e a usucapião à A usucapião pressupõe a posse, portanto


acabam por ter uma relação umbilical.

- Posse (Art.º 1251º) à Por regra, a posse exige a apreensão


material da coisa a que se refere.

ü Basta pensarmos nos direitos reais de garantia ou de


aquisição para percebemos que essa apreensão material,
por vezes não existe.

ü Ex. 1: Hipoteca à Se se adquire uma casa com empréstimo,


e se constitui uma hipoteca da casa, o banco é que é titular
do direito real de garantia, e o banco não vive na casa.

ü Ex. 2: Contrato-promessa à Quando falamos em direito


real de aquisição (contrato-promessa com eficácia real),
estamos a falar em direitos que não implicam o controlo
material da coisa.

ü Conclusão à A posse existe, por regra, nos direitos reais de


gozo, mas não nos direitos reais de garantia e de aquisição.

- Usucapião à Não se podendo falar em usucapião sem posse, se a


posse só existe nos direitos reais de gozo, então a usucapião
também só existe nos direitos reais de gozo. A usucapião é uma
característica tendencial, desde logo porque não existe nos direitos
reais de garantia nem nos de aquisição (Art.º 1278º - Vem-nos
explicar que usucapião não ocorre senão nos direitos reais de
gozo).

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ü Mesmo relativamente a direitos reais de gozo, não se
permite sempre usucapião à Existem direitos reais de
gozo que não se podem adquirir por usucapião (Art.º 1293º
à Servidões prediais não aparentes; Direitos de uso e de
habitação)

6.1. A inerência

• É uma característica essencial dos direitos reais.

• Traduz-se na possibilidade do titular do direito real satisfazer os seus


interesses através do aproveitamento imediato das utilidades de uma coisa
corpórea, não sendo necessária a intermediação de terceiro.

• Há sempre uma ligação imediata entre o titular e a coisa corpórea, mas


esse aproveitamento é diferente em razão dos direitos reais que estamos a
tratar.

• A coisa tem de ter existência física e autónoma (Art.º 1302º e 408º) à Se


A vende a B coisa não especificada (uma tonelada da sua produção
estimada de cinco toneladas de laranjas), sobre a coisa vendida não tem o
adquirente direito de propriedade, mas sim um direito de crédito.

- As obrigações reais constituem, pois, direitos de crédito: o


interesse do credor está dependente das utilidades prestadas e não
geradas diretamente pela coisa. São utilidades fundadas na
titularidade do direito e não no seu objeto a coisa corpórea.

6.2. A sequela

• A manifestação dinâmica da inerência é a sequela à Se eu satisfaço o


meu interesse através do aproveitamento das utilidades da coisa, então o
meu direito tem de necessariamente ir atrás dessa coisa.

• A sequela traduz-se no facto de se prever um regime de tutela que


permite ao titular do direito acompanhar a coisa objeto desse direito, onde
ela se encontre.

• O poder ir atrás da coisa nem sempre se traduz na utilização dos mesmos


meios.

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- Nos direitos reais de gozo a sequela traduz-se em ir atrás da coisa
através da ação de reivindicação das ação de restituição da
posse.

ü Posse formal à A pessoa controla materialmente a coisa,


mas essa posse não é acompanhada de efetiva titularidade do
direito. Há possibilidade de ir atrás da coisa, mas apenas a
defender a coisa, e tem de se confrontar com o aparecimento
do proprietário (proprietário prevalece sempre).

ü Posse causal à Posse acompanhada da efetiva titularidade


do direito de propriedade.

- Nos direitos reais de garantia traduz-se na venda executória, na


possibilidade de vender a coisa sobre a qual se tem um direito real
de garantia, para se fazer pagar

- Nos direitos reais de aquisição o que importa ao titular do direito é


a possibilidade de constituir um direito real de forma potestativa
sobre a coisa, de fazer sua a coisa que é objeto desse direito.
Traduz-se na ação de preferência e na execução específica.

• A sequela não é uma característica absoluta:

- Aquisição por usucapião de um terceiro à Ex.: Quando o


proprietário volta de férias e apenas intenta a ação contra o até
então possuidor 20 anos depois.

- Tutela do possuidor de boa fé sobre coisas móveis à Tem a ver


com saber se a regra da posse vale titulo se aplica, ou seja, será que
a pessoa que de boa fé comprou a negociante que negoceia em
coisas daquele género, deve ser protegido no sentido de se
considerar que a posse vale propriedade? (Ex.: Compro um relógio
furtado, e o proprietário vem reclamá-lo). Isto não existe no direito
português, sendo que a resposta é não.

ü O Art.º 1301º explica como é que se devem tratar estas


situações. O que está neste artigo, claramente, é que o
proprietário que foi esbulhado vai poder ir atrás da coisa e
reivindicá-la de terceiro. Mas não deixa de proteger o
possuidor de boa fé. O proprietário anterior é obrigado
a restituir o preço. A restituição não está condicionada ao

18
pagamento de um preço. O legislador entendeu que a pessoa
exerce a posse, mas vai ter de pagar o preço.

ü Para além disto, o legislador protege o possuidor de forma


ainda mais acentuada, estabelecendo que ao contrário do
que é normal, o proprietário anterior não pode ir atrás
da coisa através de uma ação restitutória, apenas através
de uma ação de reivindicação (Art.º 1281º nº2 – Ação
restitutória não pode ser intentada contra terceiros de boa
fé).

- Aquisição registal (Art.º 5º Código do Registo Predial) à Casos


em que o comprador não regista o direito, mas o terceiro regista.

- Inoponibilidade a terceiros do NJ ou registo inválido (Art.º 291º e


17º nº2 do Código do Registo Predial) à Ex.: A forja um registo
de aquisição de propriedade de certa coisa que pertence a B, e
depois vende a C. É como se tivesse sido B a vender a C, e
portanto A não pode ir atrás da coisa.

6.3. A prioridade

• Há divergências doutrinais a respeito da definição deste conceito:

- Significa que o direito real prevalece sobre os direitos crédito


(mesmo que o direito de crédito seja anterior).

- Havendo um conflito entre direitos reais, aquele que prevalece


vai ser determinado em razão do momento de constituição do
direito (direito real anterior prevalece sobre o direito real
posterior).

• Algumas observações foram feitas, em especial pelo Prof. Luís Pinto


Coelho:

- Só faz sentido falar em preferência se houver uma situação de


incompatibilidade de direitos. Sobre a mesma coisa podemos ter
direitos de natureza diferente que, por não colidirem, não suscitam
uma questão de prioridade. O mesmo acontece relativamente aos
direitos que são da mesma natureza mas de espécie diferente, ou
seja, direitos reais sobre a mesma coisa. Aí também é preciso que
haja uma colisão.

19
ü Ex. 1: Um direito de servidão e um direito de usufruto são
direitos da mesma natureza, mas de espécie diferente, que
podem perfeitamente coexistir.

ü Ex. 2: Podemos ter um automóvel que é compropriedade de


3 pessoas. Aqui temos uma situação em que direitos da
mesma espécie incidem sobre a mesma coisa.

ü O Prof. Henrique Sousa Antunes concorda com esta


visão.

- Se a colisão é um pressuposto da prevalência, em bom rigor,


quando estamos perante direitos reais de gozo ou de aquisição,
quando a incompatibilidade existe, o segundo adquirente está
numa situação em que não tem verdadeiramente um direito. É
preciso que haja incompatibilidade, mas essa colisão pode vir a
traduzir-se num não direito, ou seja, não estamos numa situação de
coexistência.

ü Em bom rigor, segundo o Prof., só temos prevalência numa


categoria de direitos reais, os direitos reais de garantia à
Ex.: A constitui uma hipoteca em favor de B, e depois A
constitui hipoteca a favor de C. É da natureza dos direitos
reais que eles subsistam. Ambos vão ter um direito real de
garantia sobre a mesma coisa. O direito real de C subsiste, e
não é um não direito (Art.º 601º e 604º).

ü Prof. HSA considera que isto é menos razoável.

• Prof. Mota Pinto à É precisamente em razão da propriedade que


conseguimos chegar à conclusão de que há um não direito. Devemos ter
um entendimento diferente de prioridade, conforme os direitos em causa.

- Preferência como condição de existência do direito para direitos


reais de gozo.

- Preferência como condição do exercício do direito para direitos


reais de garantia.

- Em qualquer dos casos estamos na prioridade como característica


dos direitos reais.

20
6.4. A publicidade

• A publicidade é característica natural dos direitos reais. Se estamos a


falar no aproveitamento de uma coisa, o controlo material da coisa existe,
e portanto a possibilidade de dar a conhecer a terceiro o direito que se
tem sobre a coisa é um facto.

• A publicidade respeita a factos que, pela sua importância ou relevância,


importa dar a conhecer para além do círculo das pessoas a quem
diretamente respeitam, tornando-os patentes ou públicos.

• Pode ser espontânea ou provocada:

- Espontânea à Resulta do controlo material da coisa, e é-nos dada


através da posse (pensando nos direitos reais de gozo).

- Provocada à Assenta num sistema organizado de divulgação das


coisas (tendente a criar um procedimento de divulgação da situação
jurídica de determinada coisa).

• Os direitos reais de gozo vão gozar simultaneamente da publicidade


espontânea e da provocada.

• É importante fazer um confronto entre estas 2 categorias de publicidade:

- Ambas as publicidades produzem um efeito presuntivo à


Significa que quem beneficia de publicidade é tido como titular do
direito (presume-se como titular).

ü O Art.º 7º Código do Registo Predial estabelece a


presunção derivada da publicidade provocada no registo
predial.

ü Mas esta presunção também existe na publicidade


espontânea (Art.º 1268º nº1) à Se alguém se apresenta
como possuidor da coisa, vai ser considerado como titular do
direito sobre a coisa.

ü A presunção possessória abrange todas as coisas que podem


ser objeto de posse (prédios e coisas móveis), enquanto que
a provocada só pode ser sobre prédios.

21
ü Pode haver um conflito entre 2 presunções à Havendo
este concurso, qual a que prevalece?

o O legislador estabelece no Art.º 1268º que havendo conflito,


vai prevalecer a presunção possessória, exceto se houver
uma presunção registal anterior à posse.

ü E o que acontece se as presunções forem contemporâneas


(não conseguimos retirar resposta da prioridade – critério da
antiguidade)?

o Nestes casos o Art.º 1268º vem dar-nos resposta à


Prevalece a posse.

- Efeitos substantivos à Será que a publicidade provocada e


espontânea tem capacidade de entrar no direito substantivo e
oferecer uma resposta diferente? Trata-se do plano da efetiva
titularidade do direito, se a publicidade atribui ou retira direitos.

ü Publicidade espontânea:

o O registo predial tem um efeito enunciativo, apenas declara


ou reporta o que já existe. É possível extrair da leitura do
regime da posse, que esta nada acrescenta à efetiva
titularidade do direito. Mesmo sem publicidade espontânea,
pode opô-lo a terceiro, podendo intentar uma ação de
reivindicação. O direito, mesmo sem publicidade
espontânea, não deixa de ter a mesma força.

o Não tem efeito aquisitivo.

o O efeito constitutivo vem do procedimento normal do


registo, e não de uma patologia. Há 3 planos em que se
coloca (3 casos em que é necessária a posse para haver
direito):

§ Usucapião à Só se pode adquirir por usucapião se


houver posse. Se há uma posse efetiva que se reúne
por determinado período de tempo, juntamente com
determinadas características, vai haver efeito
constitutivo.

22
§ Negócios reais quod constitutionem à Casos em que
se exige a posse para que se possa considerar
celebrado o NJ.

ü Publicidade provocada:

o O registo predial tem um efeito consolidativo, dando


mais solidez e robustez ao direito. Este é o principal
efeito desta publicidade.

§ O facto sujeito a registo produz efeitos contra


quaisquer terceiros. Segundo o Art.º 5º nº1 do
Código do Registo Predial, há uma
oponibilidade erga omnes, o direito torna-se
absoluto.

§ Este artigo permite perceber que o registo vem


dar outra força que o direito não tem. O Art.º
408º do CC dá força ao direito (diz que a
constituição ou transmissão de direitos reais
sobre coisa determinada se dá por mero efeito
de contrato – em regra), mas o Art.º 5º do
Código do Registo Predial vem retirá-la, ao
exigir o registo predial, tendo então um efeito
consolidativo (efeito principal).

o O reverso da falta de consolidação do direito é o


efeito aquisitivo do registo (por parte de terceiro).

§ Se o titular do direito omitiu a publicidade


registal do facto a que respeita o seu direito, o
terceiro, porque a ele não lhe é oponível essa
situação jurídica anterior, é beneficiado com a
atribuição do direito incompatível, embora
posterior e contrariando, assim, a regra da
prioridade temporal.

§ Ex.: Se A vende a B e B não regista, a partir


desse momento, B fica sujeito a que A venda a
C, e C, reunindo as características de estar de
boa fé, ter efetuado o registo, e ter adquirido a
título oneroso, adquira o direito, sendo A
privado do seu direito.

23
§ Porque não operou o efeito consolidativo, pode
operar o efeito aquisitivo do registo à Reverso
do efeito consolidativo.

o Também podemos encontrar efeitos enunciativos


nesta publicidade (Art.º 5º nº2 Código do Registo
Predial), quando já haja publicidade suficiente, e, por
isso, o registo não acrescenta nada ao direito. A
publicidade já está garantida.

§ Este efeito é excecional.

6.4.1.2. Os princípios do registo predial português

1. Princípio da tipicidade à Só são registáveis os factos, ações, decisões,


procedimentos e providenciais indicados nos artigos 2º e 3º do CRP.

2. Princípio da legitimação registal (Art.º 9º CRP)

• Destina-se a quem vai titular a escritura pública (notário).

• Este só pode fazer a escritura pública se vir um registo definitivo


da parte transmitente ou da parta da pessoa contra quem se
constitui o encargo.

• Se este princípio for violado, há quem proponha que o NJ seja


inválido por falta de forma.

- Mas a maioria da doutrina descarta esta hipótese.

- O princípio pretende evitar que quem apareça como


vendedor da coisa não tenha legitimidade para tal, mas isto
já é protegido pelo regime da nulidade por venda de coisa
alheia à Logo, não é preciso recorrer à invalidade por falta
de forma.

3. Princípio da instância (Art.º 41º CRP)

• Ideia de que depois da escritura, pede-se o registo à Instância


significa que o registo tem de ser pedido.
• Quem tem legitimidade são os sujeitos ativos, passivos, quem tem
interesse, e as pessoas obrigadas (Art.º 36º CRP).

24
• Art.º 8º-B CRP à Quais as pessoas obrigadas.

- Art.º 8º-C nº1 à O prazo é, em regra, de 2 meses, a contar


da data em que os factos tiverem sido titulados.

4. Princípio do trato sucessivo (Art.º 34º CRP)

• Destina-se a um conservador.

• O conservador não pode registar em nome do comprador, se o


vendedor não tiver direito de propriedade sobre a coisa à Se
registar o registo será nulo.

• Há uma história registal que, em proveito da segurança do


comércio jurídico imobiliário, a lei exige, declarando a nulidade do
registo lavrado com violação do princípio do trato sucessivo (Art.º
16º alínea e)).

• Tem que se aferir se a pessoa que alienou tinha o registo em seu


favor.

5. Princípio da legalidade (Art.º 68º CRP)

• Este princípio obriga a ser verificada a validade formal e


substancial do pedido de registo.

• O Art.º 69º restringe as situações em que deve haver recusa de


registo.

• Se se deparar com atos nulos, deve haver recusa de registo à Art.º


69º nº1 alínea b) CRP.

• Se se deparar com atos anuláveis previstos nas formas de registo


provisório por natureza (Art.º 92º nº1) à Conceder registo
provisório por natureza.

• Afasta-se a possibilidade de o conservador agir, em geral, por


referência a um vício que torna o NJ anulável (atos anuláveis não
previstos nos casos registo provisório por natureza).

25
- O conservador tem de fazer um registo definitivo, devido à
impossibilidade de conhecimento oficioso pelos tribunais
dos casos de anulabilidade (acabaria por ter mais poder que
o juiz se outra fosse a solução).

- A anulação posterior da venda, nos termos em que a lei a


permite, levará ao cancelamento do registo efetuado.

• A competência do conservador restringe-se, pois, a atos nulos.

6. Princípio da prioridade (Art.º 6º CRP)

• O registo efetuado em primeiro lugar prevalece sobre os registos


posteriores.

• “por data e por ordem de apresentação” à Ex.: Temos 2 pedidos,


de duas pessoas diferentes, no mesmo dia, um às 11h e outro às
14h.

- Se o que aparecer primeiro for o das 14h, esse prevalece.

6.4.1.4.1. O artigo 5º do Código do Registo Predial

Incompatibilidade de direitos e existência de um registo em benefício do


terceiro

• É indiscutível a relevância teórica e prática do registo predial na sua


relação com a efetiva titularidade do direito.

- A constituição e transmissão de direitos reais por NJ prescinde de


um ato de publicidade, a tutela do comércio jurídico imobiliário
reclama a disponibilidade da informação sobre a situação jurídica
dos prédios aos terceiros interessados.

• A introdução, em 2008, da obrigatoriedade do registo, dir-se-ia


vocacionada para um conceito amplo de terceiros. A seu tempo veremos
se assim é e em que termos poderá ser admitido.

• Segundo o Art.º 5º nº1 do Código do Registo Predial, “os factos sujeitos a


registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo
registo”.

26
- Na letra desta norma estaria o fundamento manifesto para a
inoponibilidade dos direitos reais sem publicidade. O registo seria
condicionante pleno da natureza absoluta dos direitos reais. Não é
assim.

• No que diz respeito à característica da prevalência, para que dela


possamos falar, é necessário que haja incompatibilidade de direitos.

- Assim, a primeira restrição relevante à interpretação literal do Art.º


5º nº1 é a de que o terceiro é um terceiro interessado.

- Depois é preciso que tenha registado.

- Para a Escola de Coimbra, estes 2 requisitos bastam (Prof.


Antunes Varela, Prof. Henrique Mesquita).

ü A finalidade do registo é dar segurança ao comércio jurídico


imobiliário. Por isso, o que está no registo é o que vale.

ü Se adicionássemos outro requisito, nomeadamente a boa-fé,


iríamos estar a lançar a discussão no tribunal, o que seria
uma complicação que traz insegurança.

- Para a Escola de Lisboa isto não é verdade e não basta (Prof. HSA,
Oliveira Ascensão).

ü Os demais requisitos vão ser ainda mais valorizados nas


questões da importância da publicidade espontânea, quando
a publicidade provocada foi previamente transferida e
incumprida.

E preenchidos estes requisitos, qualquer terceiro? A incompatibilidade


pressupõe a identidade de origem ou dela prescinde?

• Tradicionalmente, com base na orientação de Manuel de Andrade, a


tutela do terceiro pressuporia uma dupla alienação.

- A vende a B e depois A vende a C.

Conceção de terceiros

Na história do desenvolvimento jurisprudencial e doutrinal desta questão, são


relevantes os Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência nºs 15/97 e

27
3/99. Em ambos os casos, estão em conflito o credor que obteve o registo da
penhora sobre um bem e o comprador desse bem que tendo adquirido antes do
registo da penhora não registou a sua compra (A vende a B. B não regista. C
obtém registo da penhora sobre o bem adquirido por B).

• AUJ 15/97 à Neste acórdão é recebido um conceito amplíssimo de


terceiros.

- “Terceiros para efeitos de registo predial, são todos os que,


tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio,
veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico
anterior não registado ou registado posteriormente.”

- O STJ inclui a incompatibilidade entre situações jurídicas e o


registo na delimitação do conceito de terceiros, mas prescinde de
um transmitente comum e da exigência de uma aquisição
onerosa e de boa fé como condições de aplicação do Art.º 5º nº1
à Conceção amplíssima de terceiros.

- Não é exato que só se possa falar de terceiros quando o


transmitente ou alienante seja comum à Temos de ter em conta as
hipóteses de aquisição de um direito em consequência da
disposição realizada pelo titular aparente, por força de registo
formalmente inválido (17º nº2 CRP), e de aquisição de um direito
de invalidade substancial (291º CC).

- Assim, o conceito de terceiros tem de ser mais amplo, de modo a


abranger outras situações, que não somente a dupla transmissão do
mesmo direito.

- Se o registo predial se destina essencialmente a dar publicidade à


situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do
comércio jurídico imobiliário, tão digno de tutela é aquele que
adquire um direito com a intervenção do titular inscrito
(compra e venda, troca, doação, etc.) como aquele a quem a lei
permite obter um registo sobre o mesmo prédio sem essa
intervenção (credor que regista uma penhora, hipoteca judicial,
etc.).

- A definição do STJ de terceiros revelava-se compatível com a


hipótese de aquisições paralelas a transmitentes diferentes.

28
ü Ex.: A vende a B que não regista, e depois C, credor de A,
penhora o bem não registado por B. C, deste acordo com
esta visão, deve ser tutelado.

• AUJ 3/99 à O STJ inverteu a orientação do acórdão de 97, adotando um


conceito restrito de terceiros.

- “Terceiros, para efeitos do disposto no artigo 5º do Código do


Registo Predial, são os adquirentes de boa fé, de um mesmo
transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma
coisa.”

- Voto de vencido do juiz conselheiro Noronha Nascimento ilustra


quais as considerações que levaram o STJ a alterar a sua posição:

ü Questões de natureza prática:

o Com a conceção ampla de terceiros, que tinha sido


então defendida no acórdão de 97, muito mais
terceiros acorreram ao registo dos seus direitos
incompatíveis, o que levou a um aumento substancial
de dependência dos tribunais.

o Em Portugal e outros países no sul da Europa, não


existia a consciência social da necessidade de
registar, porque somos um país de emigração à
Quem compra e vai embora ou quem emigrou e
compra quando vem apenas temporariamente e não
dispõe de tempo para muita coisa, não dá ao registo o
valor absoluto de constituir direitos. Os povos
europeus do Sul estão habituados a contratos de
alienação onde a transferência de propriedade se
opera de imediato, como exigia a sua habitual
mobilidade de movimento migratório.

o Não era por uma questão de inércia, mas por uma


questão de ingenuidade os credores aproveitavam-se
para recorrerem ao registo dos seus direitos
incompatíveis.

ü A decisão de 97 visou por outro lado impulsionar uma


decisão por parte do legislador, de criar uma obrigação
registal.

29
o O STJ decide voltar atrás por não existir a convicção
social da necessidade de registar.

- Por outro lado, embora se tenha revertido a uma conceção restrita


de terceiros, há a inovação do reconhecimento da questão da boa
fé.

ü Porque é exigível a boa fé? à “se à negligência (por não


registar) é devida proteção, porque há de merecê-la a
diligência abelhuda, esperta, oportunista, sobretudo a de má
fé, intencional, dolosa? Tal diligência assume, ou poderá
assumir, aspetos intoleráveis por parecer que, aceitando-a, se
instiga ou se premeia a trapaça rasteira”

- “A conceção restrita não pressupõe apenas uma dupla


alienação voluntária, pode ainda haver uma venda forçada”

ü Ainda que o A seja forçado a vender, tem na mesma uma


posição ativa.

ü Equipara os casos de venda forçada aos casos de dupla


alienação para efeitos de uma conceção restrita.

ü Assim, este acórdão abrange a relação triangular de dupla


alienação, quer seja voluntária, quer seja forçada.

Nota: Ex.: A vende prédio a B (não regista) e depois C adquire judicialmente o


mesmo prédio (regista). De acordo com Manuel de Andrade, no acórdão de 99,
transmitente é aquele que transmite quer voluntariamente, quer coercivamente,
e portanto, poderíamos considerar que B e C adquiriram de transmitente
comum. Temos uma verdadeira venda, em que a propriedade passa diretamente
do executado para o comprador, embora por intermédio do juiz.

• O Art.º 824º dispõe neste sentido, dizendo que a venda executiva é feita
livre dos direitos reais que não tenham sido registados anteriormente. Se
a venda é livre, B não pode opor o seu direito a C.

Boa fé e aquisição a título oneroso como requisitos de aplicação do Art.º 5º

• Baseia-se na ideia de que deve haver um tratamento igualitário das


normas que estabelecem exceções à tutela do direito substantivo.

30
- Como nas normas do Art.º 17º do CRP e 291º CC aparecem os
requisitos de boa fé e título oneroso, estes também devem aqui ser
considerados no âmbito do Art.º 5º do CRP

Assim, a escola de Lisboa defende que para um terceiro ser tutelado de acordo
com o Art.º 5º nº4, têm de se verificar os seguintes requisitos:

1. Incompatibilidade de direitos.

2. Registo do terceiro.

3. Autor comum (verificação depende conforme a conceção que se adote).

4. Boa fé.

5. Onerosidade.

Com estes 2 acórdãos opostos, sentiu-se a necessidade de intervenção por parte


do legislador, que vem introduzir, em dezembro 1999, o conceito restrito de
terceiros ao Art.º 5º nº4 do CRP:

• São terceiros, para efeitos de registo, “aqueles que tenham adquirido de


um autor comum direitos incompatíveis entre si”.

• O conceito parece abranger todas as hipóteses de transmissão que o


acórdão acolhe, voluntárias e forçadas.

• Será que vai mais além, prevendo, ainda, as hipóteses em que o


elemento pessoal de conexão aparece, simultaneamente, como
transmitente e como sujeito passivo (devedor de uma penhora ou numa
hipoteca legal ou judicial, por exemplo)? à A vendeu a B certo imóvel.
B não regista a aquisição e C, credor de A, regista uma hipoteca judicial
sobre esse bem. Quid iuris?

• A questão adquiriu legitimidade acrescida depois do aditamento das


normas sobre a obrigatoriedade registal, em 2008.

31
6.4.1.4.2. Reflexões sobre o conceito de terceiros à luz da obrigatoriedade
registal

Visão do Prof. HSA

O Prof. HSA defende a conceção ampla, dizendo que é necessário fazer uma
interpretação atualista do Art.º 5º nº4, à luz da obrigatoriedade registal,
consagrada em 2008.

• Com a obrigatoriedade registal, o registo deixa de ser um mero ónus, e


passa a ser um dever.

• A razão principal que esteve por detrás do acórdão de 99 foi a não adoção
do princípio da obrigatoriedade pelo legislador. Pelo facto de não existir a
obrigatoriedade e a convicção generalizada de necessidade de registo, não
existiam condições de ordem prática que permitissem optar pela conceção
ampla, que está mais de acordo com as finalidades do registo predial.

- O que registo predial pretende é dar publicidade à situação jurídica


dos prédios à Um sistema de registo predial que funciona é um
em que a situação substantiva é idêntica à situação registal. Como
vimos no acórdão de 99, aquilo que o STJ nos diz é que ainda não
tínhamos condições para atingir essa meta ideal.

- Entre 1999 e 2008 foi melhorado o nosso sistema de registo, o que


levou a que em 2008 fosse consagrada a obrigatoriedade registal.

- Daí a necessidade de uma interpretação atualista à A partir do


momento em que há obrigatoriedade, já não podemos tutelar a
ingenuidade de B. Temos de abranger na proteção do Art.º 5º nº4
não só duplas alienações, mas também todas as situações em que
um terceiro de boa fé e a titulo oneroso registe um facto
incompatível.

Assumindo esta metamorfose do sistema em vigor, continua a haver a


possibilidade de existir um problema.

• O problema é que a obrigatoriedade não foi feita como se pensava. Passa


a existir obrigatoriedade, mas direcionada aos encarregados do registo.

• A realidade é mais complexa, pois a obrigatoriedade do registo não foi


feita de modo a que o sujeito que tem o dever de registar possa garantir
que assim aconteça a 100%, pois na realidade quem vai realizar o

32
registo é o advogado/notário que autentica o documento particular.
Isto quer dizer que em bom rigor prático, quem tem obrigatoriedade de
registar é o notário/advogado, e ficamos numa situação quase
esquizofrénica de desconfiança, pois se o notário/advogado não o fizerem
a tempo, e entretanto outro sujeito registar esse bem, teremos aqui um
problema grave de desconfiança no ordenamento.

- Este problema resolver-se-ia de raiz se se implementasse um


sistema de registo constitutivo (e não consolidativo), mas tal não
acontece.

• Então como resolver?

- A 1ª hipótese seria dizer que como o modelo de obrigatoriedade


que foi adotado foi este, não podemos abdicar de conceito restrito
de terceiros.

ü Não faz sentido, pois a obrigatoriedade destina-se a trazer


mais factos, mais informação, mais confiança.

ü Este objetivo, implicitamente, requer um conceito amplo de


terceiros.

- Prof. HSA à A obrigatoriedade conjugada com um conceito


amplo continuam a ser válidos, mas há instrumentos para atenuar a
situação prejudicial de B.

ü B não tem culpa, logo é necessário arranjar formas de


mitigar os prejuízos sem pôr em causa a conceção ampla.

ü É proposta a utilização do Art.º 1268º CC + requisito da boa


fé do terceiro (credor).

o Art.º 1268º porque:

§ a publicidade espontânea é o único elemento


que o adquirente tem para se defender, pois
entregou o seu direito de publicidade provocada
ao notário (que não cumpriu).

§ Esta norma estabelece um efeito presuntivo.

o O requisito da boa fé porque:

33
§ é necessário para tutelar o terceiro.

§ Se o terceiro estiver de má fé, afasta-se a sua


tutela.

§ Afere-se a boa fé ou má fé do terceiro (C)


através da publicidade espontânea do adquirente
(B).

§ Considera-se que C está de má fé se havia


posse de B, anterior ou contemporânea ao
seu registo à Presunção inilidível.

Assim temos 2 critérios, segundo o Prof. HSA, para aferirmos se o terceiro está
de boa fé à Se consulta o registo e não há registo de outra pessoa; Se não
houver posse anterior ao registo pelo mesmo.

Nota: Poderíamos dar um passo adicional para garantir uma correspondência


entre a realidade substantiva e a realidade registal, que seria o de um registo
constitutivo.

6.4.1.4.3. Os artigos 17º, nº2, do Código do Registo Predial e 291º do Código


Civil

• Art.º 17º nº2 Código do Registo Predial à Trata da posição de


terceiros em relação a uma nulidade registal (casos do Art.º 16º do
CRP).

- Temos vários elementos para aplicação da norma. Tem de haver


um registo que venha a ser declarado nulo, tenho de ter um
terceiro relativamente a esse registo nulo, o terceiro tem de ter
adquirido a título oneroso, tem de estar de boa fé.

- Só nestas condições é que o terceiro vai ser protegido.

• Art.º 16º Código do Registo Predial à Estabelece quando é que o


registo é nulo.

- Temos de articular este artigo com o 17º nº2:

ü Ex.: Hipótese da alínea a) (Registo é nulo quando for falso


ou tiver sido lavrado com base em títulos falsos) à A decide

34
ir fazer um período de meditação para o Tibete e deixa a sua
vida. Há um criminoso que acaba por falsificar uma escritura
pública de compra e venda entre A e B, e com base nessa
escritura consegue registar a escritura a seu favor do bem X.
Temos um registo nulo nos termos do Art.º 16º. B vende o
bem a C (terceiro). Se C tiver registado, adquirido a título
oneroso, e desconhecer o que se passou anteriormente (de
boa fé), C deve ser protegido. Estamos perante uma hipótese
clássica de aplicação do 17º nº2.

ü Esta solução de tutela do terceiro (C é protegido em


detrimento de A) só faz sentido se na verdade o A tivesse ido
para o Tibete e não tivesse registado a sua aquisição à Só
neste caso é que não ocorre o efeito consolidativo do registo.
Se A tivesse registado, A deveria ser protegido na relação
com C. Só faz sentido protegermos o terceiro quando não
tenha acontecido um registo em benefício de A.

ü Não aplico o Art.º 5º porque não tenho uma dupla alienação,


mas aplico o Art.º 17º nº2 porque tenho um negócio nulo.

• Art.º 291º CC nº1 e 2 à Trata da posição jurídica de terceiros, em


relação à nulidade de um negócio jurídico.

- Aqui, ao contrário do que acontece na hipótese do 17º nº2, há


efetivamente um NJ celebrado entre A e B. O que acontece é que
esse negócio padece de nulidade ou anulabilidade (negócio que
padece de um vício – por ex. falta de forma ou coação moral).

- Ex.: B, que adquiriu, vende a C à Fruto do efeito retroativo, C


seria despojado do direito adquirido, em razão da nulidade ou
anulabilidade.

ü Se C tiver registado, e adquirido a título oneroso e de boa fé,


ele pode ser protegido. É preciso que estejamos perante um
NJ que diga respeito a imóveis ou móveis sujeitos a registo.

ü Há mais uma condiçãoà O nº2 diz que uma condição para


tutela do terceiro é que é necessário que tenham decorrido
3 anos desde a celebração do negócio entre A e B.

ü No Art.º 17º nº2 não há esta exigência.

35
- A questão dos 3 anos vai ser relevante para o entendimento do 17º
nº2 e do 291º.

- Ex.: A quer vender imóvel a B, mas acontece que o NJ não


observou a forma prevista na lei (NJ nulo), e B vende a C.
Teríamos aqui uma questão do Art.º 291º.

- Temos um prazo de 3 anos até o C poder ser protegido à


Durante estes 3 anos A pode ir atrás da coisa, e C não pode fazer
nada.

• Imaginemos que A não está no Tibete, está cá, e quis vender, mas temos
um problema na forma do negócio. No Art.º 291º, o C só é protegido
com o decurso dos 3 anos, enquanto que no 17º nº2, o C é protegido
de imediato.

- A norma do 17º nº2 não consegue defender o direito de A. A


norma do 291º consegue defender o direito de A durante 3 anos.
Temos aqui um problema de desequilíbrio à Parece que numa
situação mais grave, A consegue proteger o seu direito menos
efetivamente.

- Considerando que a lei implica a falsidade do título na qualificação


da invalidade registal, o Art.º 17º nº2 estabeleceria a
inoponibilidade da invalidade em termos mais favoráveis ao
terceiro, apesar da sua aquisição assentar num vício mais grave.

- C é mais beneficiado no Art.º 17º nº2 do CRP, embora devesse ser


mais protegido no Art.º 291º CC.

ü No Art.º 291º está em causa um vício menor (A quis


efetivamente vender) que no Art.º 17º nº2 (A nunca quis
vender e foi feita uma burla por B).

• É aqui que entram as respostas doutrinais:

- Prof. Oliveira Ascensão à Vem propor que se aplique


analogicamente, por maioria de razão, o prazo dos 3 anos
(Art.º 291º) ao Art.º 17º nº2, estando este preceito reservado para
as invalidades registais.

36
ü Apesar do artigo nada dizer, entende que se justificaria
aplicar nesse contexto o pressuposto do 291º. Seria uma
resposta que daria equilíbrio às situações.

ü Prof. HSA não aceita este entendimento à O Prof. OA


acaba por equiparar situações não equiparáveis. A situação
do 17º nº2 é muito mais grave, e seria tratada da mesma
maneira que a situação do 291º.

- Prof. Carvalho Fernandes e Prof. Menezes Cordeiro à O Art.º


291º não estabelece nenhuma condição relativamente à situação do
B. Propõem que o Art.º 291º fique restringido às hipóteses em
que B não tinha registado, em que não há registo intermédio
(NJ nulo ou anulável entre A e B, B não regista, e depois C regista
a título oneroso e de boa fé).

ü Como C não pode dizer que está a adquirir de uma pessoa


considerada como proprietária, e não beneficia da confiança
dada por registo de B, tem de esperar 3 anos.

ü Então o que acontece nas hipóteses em que temos um NJ


nulo ou anulável entre A e B, B regista, e depois vende a
C que regista e compra a título oneroso e de boa fé? à
Neste caso, C confia no registo pois existe registo a favor de
B.

o Esta hipótese deve ser tratada (apesar de em


termos teóricos integrar-se no Art.º 291º) no Art.º
17º nº2 do CRP à Quando temos um registo
intermédio, a norma que se deve aplicar é a do 17º
nº2, aplicando-se nestes casos a invalidades
substantivas. A diferença é que C não vai ter de
esperar 3 anos.

§ Apesar do registo não ser nulo, é desconforme


com a realidade substantiva.

o Prof. HSA não consegue aceitar este entendimento


à Não parece viável que possamos dizer que C está
de boa fé, quando este adquire de quem não tem
registo em seu benefício. Na opinião do Prof., o Art.º
291º não pode ser interpretado como dizendo respeito
a casos em que não há registo de B. Só pode ser

37
interpretado como exigindo um registo em B. Para
que o 291º se aplique, é sempre necessário que se
verifique um registo em B.

o Então o que acontece na hipótese em que não há


registo de B? à Neste caso o Prof. HSA diz que A
vai prevalecer sobre C. C só merece tutela nos
termos do Art.º 291º se tiver adquirido de quem tem
registo em seu benefício. Neste caso se não houver
registo, e considerando que o registo é uma
condição de aplicação do Art.º 291º, se B não tiver
registado, C não vai ser tutelado.

o Então como se explica a questão dos 3 anos? à O


Prof. HSA não pode aceitar a explicação dada pelos
Prof. CF e MC. O Prof. acredita que a resposta está
em A (sujeito afetado pelo vício do negócio de
alienação a B ou pela falsidade desse título), e não
em B. Diz que os 3 anos beneficiam o A, porque
este ainda pode reagir durante 3 anos. Ele merece
essa tutela quando o seu negócio era fundado num
registo anterior. Se A não tiver registado, aí sim
aplica-se de imediato a tutela do terceiro. Aplica-se
o 17º nº2, e a tutela do terceiro é imediata (não se
aplica o prazo de 3 anos).

§ Havendo registo de A, C jamais adquire.

§ O regime do Art.º 17º nº2 deve ser estendido


aos casos de vícios substantivos em que o
titular do direito que dele dispôs não registou
o facto aquisitivo desse direito,
analogicamente e por maioria de razão.

o Ex.: Se A está no Tibete, B foge à escritura pública,


regista a aquisição, e vende a C, não há duvidas de
que se aplica o 17º nº2 (situação do 16º).

o Se A tiver registado consolidou o seu direito, e não há


aquisição pelo terceiro (não há possibilidade de tutelar
C). Se não tiver registado, há possibilidade de tutelar o
C.

38
o Prof. Oliveira Ascensão à Também discorda deste
entendimento. Considera que as situações de
inoponibilidade dos artigos 291º e 17º nº2 pressupõem
sempre um registo anterior. Se, porém, houvesse
registo em B, aplicar-se-ia o 291º.

- Ex.: Há um negocio nulo ou anulável entre A e B, e B vende a C.

ü Prof. CF e MC defendem que se não houver registo em B,


aplico o 291º, e C espera 3 anos. Se houver registo em B, C
já não tem de esperar.

ü Para HSA e OA, nestes casos, não há nenhuma tutela do C, e


A é protegido.

Conclusão:

Como resolver estes casos de tutela de terceiro que não tem uma relação direta
com o verdadeiro titular (de acordo com as regras de direito substantivo)? à 3
soluções:

• Prof. Oliveira Ascensão:

- O Art.º 17º nº2 aplica se a invalidades registais.

- O Art.º 291º a invalidades substantivas.

ü Porém, se nos casos de invalidade substantiva não houver


registo intermédio, o terceiro nunca poderá ser tutelado.

- Para além disto, aplica analogicamente o prazo de 3 anos do 291º


nº2 às hipóteses de invalidades registais.

• Prof. Carvalho Fernandes e Menezes Cordeiro:

- O Art.º 291º aplica-se apenas às invalidade substantivas, quando


não tenha havido registo intermédio.

- O Art.º 17º nº2 aplica-se a todos os outros casos, quer sejam


invalidades registais, quer sejam invalidades substantivas, havendo
registo intermédio.

• Prof. Henrique Sousa Antunes:

39
- Se estivermos perante uma invalidade substantiva, e o titular
originário tiver registado, aplicamos o Art.º 291º.

ü Porém, se nos casos de invalidade substantiva não houver


registo intermédio, o terceiro nunca poderá ser tutelado.

- Se estivermos perante uma invalidade substantiva, e o titular


originário não tiver registado, não aplicamos o Art.º 291º, mas sim
o Art.º 17º nº2.

ü Se para protegermos o terceiro, em caso de invalidade


registal, não exigimos o decurso do prazo de 3 anos, então
por maioria de razão, se o titular originário não tiver
registado e o vício em causa for uma mera invalidade
substantiva, não faz sentido esperar os 3 anos para
conferirmos proteção a C.

- Se estivermos perante uma invalidade registal, e o titular originário


não tiver registado, aplicamos o Art.º 17º nº2.

- Se estivermos perante uma invalidade registal, e o titular originário


tiver registado, não aplicamos o Art.º 17º nº2, e o terceiro não pode
ser protegido.

6.1.4.4. A posição do titular do direito perante o efeito aquisitivo do registo

A aplicação das diferentes normas que permitem ao beneficiário do registo a


aquisição do direito subtraem à esfera jurídica de outrem a tutela que, segundo
as regras do direito substantivo, lhe foi atribuída. Em que posição fica, pois, o
titular do direito sacrificado às exigências da publicidade registal?

• Prof. Oliveira Ascensão à Trata o efeito aquisitivo do registo como um


facto resolutivo que, assim, extingue o direito do anterior titular.

- Quando o terceiro (C) é protegido em face das regras do registo


predial, o titular do direito (B) vê o seu direito extinguir-se porque
opera um facto resolutivo desse direito.

• Prof. Menezes Cordeiro e Prof. Carvalho Fernandes à Dizem que esta


aquisição por via das regras de registo funciona como uma presunção
inilidível da existência de direito.

40
- Operando a aquisição tabular, nos termos do Art.º 5º, o efeito
presuntivo do registo predial assume natureza inilidível.

- No entanto, continua ainda vulnerável a alguns factos que possam


vir a acontecer posteriormente:

ü Prof. Menezes Cordeiro à Considera que estamos perante


um direito real inoponível por parte do titular originário.

ü Prof. Carvalho Fernandes à Considera que estamos perante


uma situação semelhante à de uma expetativa jurídica por
parte do titular originário (mas no fundo os efeitos práticos
são semelhantes).

• Prof. Henrique Sousa Antunes à Diz que estamos perante uma situação
de impossibilidade de exercício.

- A aquisição por via de regras de registo não tem efeito extintivo à


O que sucede é que o direito não consolida, mas continua a ser
oponível inter partes.

- Trata se apenas de uma impossibilidade temporária de exercício,


que verificadas determinadas condições pode cessar (titular
originário pode voltar a exercer o seu direito).

• O Prof. Menezes Cordeiro elenca um conjunto de situações em que há


uma revivescência do direito real, até ao momento inoponível (ou então
consolida-se a expetativa, ou então cessa a impossibilidade temporária de
exercício).

1. Retorno do bem à esfera do alienante à Ideia de que os factos


sujeitos a registo, mesmo que não registados, são sempre oponíveis
inter partes (Art.º 4º nº1 CRP). A presunção inilidível do registo
cessa quando o bem volta à esfera daquele que alienou o bem.

2. Renúncia à O que sucede aos bens imóveis quando o respetivo


proprietário renuncia a esse direito? – Art.º 1345º - as coisas
imóveis sem dono conhecido consideram-se do património do
Estado.

- Faz sentido que quando uma pessoa que é proprietária, mas


encontra-se numa situação de impossibilidade temporária de

41
exercício, os bens revertam para o Estado? à Não. Assim, a
impossibilidade cessa.

- O facto de reverter para o Estado pressupõe que não há


ninguém que seja proprietário.

3. Má fé do terceiro que adquire.

4. Aquisição gratuita (adicionada pelo Prof. HSA) à A má fé do


terceiro e a aquisição gratuita têm como justificação uma
interpretação sistemática, tendo em conta os requisitos do Art.º 17º
nº2 do CRP e do 291º do CC.

- Fará sentido protegermos alguém que conhece da existência


do direito inoponível, e que se aproveita desse facto não
estar registado para obter um direito sobre a coisa? à Não.

- A onerosidade surge como exigência de um sacrifício


patrimonial para que se possa tutelar este terceiro em
detrimento do verdadeiro proprietário.

5. Arrependimento à Entrega voluntária da coisa pelo terceiro titular


do registo a favor do verdadeiro proprietário.

- Surge para evitar a necessidade de celebrar um novo NJ


entre o terceiro e o novo titular.

6.5. A tipicidade

• Art.º 1306º à Os direitos que nasçam só têm natureza de direito real se


conseguirem integrar-se numa das categorias de direitos reais que o
legislador preveja

- Contrário ao que acontece no direito das obrigações.

- As partes só podem constituir direitos reais que sejam previstos


como tais na lei.

• Só é possível estabelecer restrições do direito de propriedade quando a


lei assim o preveja.

42
- Art.º 1306º nº1 à O direito de propriedade é tomado como
referência. Toda a restrição resultante de NJ que não esteja nestas
condições tem natureza obrigacional.

- Quando as as partes tenham estabelecido ou previsto direitos


diferentes dos que a lei preveja, esses direitos vão ser tomados
como tendo natureza obrigacional à Conversão legal.

• Mas o Art.º 1306º fala em restrições e figuras parcelares como coisas


diferentes à Figuras parcelares significa que se constitui ao lado do
direito de propriedade um direito que se assemelha em muito ao direito
propriedade, e uma situação jurídica muito parecida com o direito de
propriedade (Ex.: Direito de superfície – Está-se a constituir a faculdade
de construir ou plantar em solo alheio, mas o superficiário acaba por ter
os mesmos poderes que tem um proprietário).

- O problema é que se impede a possibilidade de criar restrições ao


direito de propriedade ou de criar figuras parcelares. A segunda
parte da norma só fala em restrições, e não em figuras parcelares.

ü Está a pensar nos demais direitos reais menores, e que


apenas comprimem o direito de propriedade (Ex.: Direito de
usufruto).

• Há uma divergência doutrinal acerca desta conversão legal, sobre se


abrangerá também a constituição de figuras parcelares, ou se se
cinge a restrições (porque a 2ª parte do artigo só fala em restrições).

- Prof. Pires de Lima e Antunes Varela à A conversão legal não se


aplica às figuras parcelares do direito de propriedade, apenas a
restrições.

ü A sanção será a nulidade nos termos gerais (Art.º 294º), sem


prejuízo da aplicação do regime da conversão comum (Art.º
293º - pela impossibilidade da conversão comum, pronuncia-
se, no entanto, o Prof. Carvalho Fernandes).

- Prof. Oliveira Ascensão à “Restrição” deve ser entendida em


sentido amplo, incluindo o desmembramento do direito de
propriedade.

ü O problema é de saber se podemos ter uma estrutura


obrigacional numa estrutura parcelar do direito de

43
propriedade. Teríamos 2 direitos de propriedade a viver
autonomamente.

- Prof. HSA à Acha que no desmembramento do direito de


propriedade, não deixa de ser possível de reconhecer uma
relação obrigacional (Ex.: Direito de usufruto – Nos artigos 1530º
e ss., estabelece-se um conjunto de regras que demonstram que
afinal, mesmo tratando-se de uma figura parcelar, podemos ver
uma relação obrigacional).

ü Legitima-se assim a aplicação da conversão legal as figuras


parcelares.

44
II – Breve ensaio de uma parte geral dos direitos reais

1. As limitações ao exercício dos direitos reais

1.1. As limitações intrínsecas

Tem sido a doutrina a construir uma parte geral dos direitos reais à Limitações
do exercício dos direitos reais, e vicissitudes dos direitos reais (não está no CC,
é construída pela doutrina)

• Procura identificar os traços que se podem aplicar a todos os direitos


reais, apesar de apenas estarem previstos para alguns.

• Normas do 1346º e ss. à São normas que estabelecem limitações de


natureza extrínseca à utilização do direito de propriedade, mas que se
aplicam a quaisquer direitos reais.

• Limitações intrínsecas (resultam do próprio conteúdo do direito) à


dividem-se em 3:

- Na confluência de direitos da mesma natureza e espécie sobre a


coisa.

ü Estamos a falar fundamentalmente da compropriedade.

- Na função social do direito.

- Na especificidade do conteúdo do direito real.

Na confluência de direitos da mesma natureza e espécie sobre a coisa

• O Art.º 1403º contém a noção de compropriedade à O legislador utiliza


o conceito no singular. Significa que estamos apenas perante 1 direito?

- Não à Embora pretendam alguns retirar desta norma um


argumento a favor da conceção de compropriedade como a
verificação de um direito com vários titulares, a utilização do
singular serve tão-só para acentuar a interdependência que a
sobreposição de direitos da mesma natureza e espécie sobre uma
coisa determina.

45
- Os direitos são verdadeiramente interdependentes à Por força da
natureza do próprio direito, este direito só pode ser exercido
através do exercício dos demais. Tenho um direito autónomo,
mas se olharmos para o regime, há um conjunto significativo de
poderes que demonstram que eu estou dependente dos demais.

- Se eu tiver 2 usufrutuários de um terreno, estou sempre a falar de


aplicar as regras da compropriedade à São direitos autónomos,
mas que estão interdependentes, porque têm por objeto a mesma
coisa.

- A compropriedade é uma limitação intrínseca porque apesar


de serem direitos autónomos, prevalece a dimensão coletiva
sobre a dimensão autónoma à Por isso é que o legislador se
referiu apenas a 1 direito de propriedade. Existem vários direitos
de propriedade, tantos quantos os comproprietários, mas prevalece
a sua dimensão coletiva.

• A prevalência da dimensão coletiva estrutura-se através de 2 ideias


fundamentais:

1. Há um conjunto de normas que dizem que um comproprietário


quando age, age não só em seu nome, mas em nome dos outros
(Art.º 1405º nº1 1ª parte, 1405º nº2, 1406º nº2, 1286º nº1 e 2,
1291º).

2. Quando estamos a falar sobre a forma de agir numa situação de


compropriedade, os poderes de exercício isolado são poderes
marginais à O que temos é uma regra de exercício de poder
maioritário ou isolado e condicionado.

- Poder de exercício unânime à Quando se pretende alienar


a coisa comum, ou onerar a coisa comum, a lei diz que a
alienação dessa coisa ou a sua oneração requer o
consentimento de todos (Art.º 1408º nº1 e 2).

ü O que acontece se alguém vender a coisa comum, ou


uma parte especificada da coisa comum? à O negócio
é nulo. No entanto, admite-se que se possa converter o
negocio nulo numa alienação de quota. Pode-se admitir
que os outros comproprietários venham invocar esta
conversão de alienação de parte especificada de coisa

46
comum em alienação de quota à Art.º 293º +
eventualmente, 292º.

- Poder de exercício maioritário

ü Administração da coisa (Art.º 1407º) à Para que seja


tomada uma decisão relativamente à administração da
coisa, é necessário que haja uma maioria. A maioria
não é apenas de consortes, têm de representar
metade do valor total das quotas (maioria de
comproprietários + maioria de capital).

o No entender do Prof. HSA, esta norma deve


compreender não apenas a administração
ordinária, mas também a extraordinária
(despesas avultadas de administração da coisa;
transformação material da coisa; dar fim
diferente a uma coisa).

o O Prof. está a ser mais liberal que outros autores


à Para Henrique Mesquita, estes atos
extraordinários deveriam cair na regra da
unanimidade, e não da maioria.

o O Prof. considera que deve cair na regra da


maioria, para ter a certeza de que não há uma
captura pela minoria da vontade da maioria.

o O argumento de Henrique mesquita é o do Art.º


1024º à Se em relação a um ato de gestão
normal, a lei exige a unanimidade, não há de ter
querido a regra da maioria para atos que
excedam a administração ordinária e envolvam
profundas alterações ou inovações.

o Prof. considera que o fundamento da exigência


do Art.º 1024º se descobre no Art.º 1408º.

o Nota: Art.º 1403º nº2 – Presunção de que as


quotas são quantitativamente iguais na falta de
informação em contrário.

47
ü Acordo sobre o uso da coisa comum, como um ato de
administração (Art.º 1406º nº1)

o Garantida uma justa compensação, é possível à


maioria privar um comproprietário do uso da
coisa a que tem direito.

o A exigência de uma deliberação unânime


constituiria um fator acrescido de
conflitualidade, que, como veremos, o regime
da comunhão pretende evitar, em especial
através do direito de pedir a divisão da coisa e
da atribuição do direito de preferência (Artigos
1412º e 1409º CC, respetivamente).

- Poder de exercício isolado (ainda assim há condições).

ü Uso da coisa comum (Art.º 1406º nº1) à É ilícita a


utilização para fim diferente daquele a que a coisa se
destina, e o comproprietário tem de respeitar a
faculdade de uso dos demais consortes.

ü Fruição da coisa comum (Art.º 1403º nº2) à Ao


contrário do que acontece com o uso, na fruição,
apesar dos frutos serem meus, só o são na medida em
que eu participe na compropriedade (fruição é
proporcional) à quota.

ü Disposição da quota (Art.º 1408º nº1 + 1409º) à Não


posso dispor sem dar preferência aos outros consortes.

ü Renúncia liberatória (Art.º 1411º nº1 e 2).

o nº2 à Quando a pessoa participa na maioria


que aprova a despesa, não pode renunciar.

o nº3 à A renúncia está sujeita à forma da


doação.

- O único poder de exercício individual não condicionado


(Art.º 1412º) é o direito de exigir a divisão da coisa.

48
• Conclusão à O regime da compropriedade exige um conjunto de
limitações ao exercício individual do direito sobre a coisa comum. Há
uma prevalência da dimensão coletiva que nos permite dizer que estamos
perante uma limitação intrínseca.

Na função social do direito

• Num primeiro momento o direito propriedade era funcionalizado a fins


individuais à Isso muda após a 1ª GG – emerge um conceito de função
social da propriedade. A propriedade tem de ser em primeiro lugar
exercida em benefício individual, mas não significa que não tenha uma
função social.

• Regime da proibição de fracionamento ou de troca de terrenos à A


ideia é de que pessoas não comecem a fracionar os seus terrenos, porque
isso prejudica a rentabilidade agrícola dos terrenos.

- Nos artigos 1376º e ss. o legislador vem proibir esse


fracionamento.

- Ideia de que se sobrepõe ao interesse individual o interesse


coletivo da produção agrícola à Exemplo claro no direito
privado de função social do direito como limitação
intrínseca.

Especificidade do conteúdo do direito real

• Em relação a cada um dos direito reais em especial, há sempre uma


limitação na relação com o direito de propriedade, e por isso estamos
a falar numa limitação intrínseca.

- O usufrutuário tem de respeitar a forma ou substância do objeto no


exercício do seu direito de gozo temporário e pleno sobre coisa ou
direito alheio (Art.º 1439º).

- O usuário não pode fazer seus os frutos que excedam a medida das
necessidades do titular do direito e da sua família (Art.º 1484º).

- As servidões prediais são inseparáveis dos prédios a que


pertençam (Art.º 1545º).

49
1.2. As limitações extrínsecas

• Limitações que advêm de uma interferência externa ao conteúdo do


direito à Encontramos a razão da limitação fora do direito.

• As limitações extrínsecas dividem-se, de acordo com a sua finalidade,


em:

- Limitações extrínsecas de interesse público.

ü Expropriação, requisição, confisco, nacionalização,


coletivização e servidão administrativa à Figuras que
representam interferência num direito real com o objetivo da
prossecução de um certo interesse público.

ü Essa forma de interferência vai variar em função dessas


mesmas figuras, sendo que pode ocorrer:

o Extinção de um direito real (extingue-se um direito,


constituindo-se um direito novo em benefício de uma
entidade pública).

§ Expropriação à Ato administrativo segundo o


qual uma entidade (expropriante), para
prosseguir um fim de utilidade pública,
extingue um direito real sobre uma coisa
imóvel, em benefício da constituição do direito
novo em proveito da entidade legitimada.

§ Confisco à Apropriação pública de bens, mas


sem indemnização (≠ expropriação). Pode
acontecer como reação penal.

§ Nacionalização à Resulta diretamente de uma


disposição legal.

§ Coletivização à É o destinatário entidade


diversa do Estado.

o Compressão do direito real (direito permanece mas


comprimido – ou não pode ser utilizado durante um
determinado período de tempo, ou pode ser utilizado
mas devendo respeitar algumas restrições).

50
§ Requisição à Respeita tanto a coisas móveis,
como a coisas imóveis. Dá-se à entidade
requisitante o direito de usar a coisa para o fim
que determinou a requisição, o que significa
que a pessoa fica privada do uso do bem
durante o tempo em que a requisição se
mantiver.

§ Servidão administrativa à Algumas utilidades


do prédio são afetadas a uma outra coisa ou
determinada entidade por razões de utilidade
pública. O titular pode continuar a utilizar a
coisa, mas coisa tem de ser utilizada com
respeito pela utilidade pública que determinou
essa mesma servidão administrativa.

ü A interferência no conteúdo do direito por terceiro pode ser


acompanhada de uma indemnização, que é a regra, mas
também se concebe teoricamente figuras em que há uma
perturbação de direitos reais de particulares sem uma forma
de compensação adequada.

- Limitações extrínsecas de interesse particular à São as que nos


vão interessar. Falaremos de 3 categorias:

ü Sobreposição de direitos de natureza ou de espécie diversa


sobre a mesma coisa

ü Respeito pelos direitos reais relativos a prédio vizinho

ü As limitações determinadas pela tutela de direitos ou de


interesses alheios com fundamento autónomo das relações
de vizinhança

Art.º 1344º à Define os limites materiais do direito de propriedade.

• É em função deste artigo que conseguimos perceber o alcance de alguns


preceitos que estabelecem limites ao exercício do direito de propriedade
sobre uma determinada coisa, normas estas que são extensivas a qualquer
direito real de gozo.

51
• nº1 à “A propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo
correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles
se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio
jurídico.”

• nº2 à “O proprietário não pode, todavia, proibir os atos de terceiro que,


pela altura ou profundidade a que têm lugar, não haja interesse em
impedir.”

- Temos aqui a expressão de uma primeira limitação.

Sobreposição de direitos de natureza ou de espécie diversa sobre a mesma coisa

• Quando falamos em direitos de natureza diversa, não estamos a falar em


direitos de crédito, e quando falamos em direitos de espécie diversa,
estamos a falar em direitos reais, mas que pertencem a tipologias
diferentes (Ex.: Sobre a mesma coisas convive um direito de propriedade,
um direito de usufruto, e um direito de servidão).

- Natureza refere-se à característica de eficácia real do direito.

- Espécie tem por objetivo delimitar os tipos, e perceber em que


circunstâncias é que determinada coisa está, na perspetiva dos
diversos direitos reais que sobre ela incidem.

• As limitações extrínsecas desta categoria resultam de 2 tipos de relações:

- Relação de hierarquia à Há um direito que encontra


fundamento noutro direito, mas em razão da sua intensidade,
exclui o exercício das faculdades do direito legitimador.

ü Ex.: Concurso entre o direito de propriedade e direitos reais


menores. Se estiver a falar num direito de superfície, não é
um direito exclusivo, ou seja pressupõe o direito de
propriedade para existir. Quando coexistem, o direito de
superfície vai buscar fundamento ao direito de propriedade,
e relativamente ao próprio conteúdo desse direito, afasta o
exercício das faculdades que o proprietário tem. Se o direito
permitiu a constituição do direito de superfície, não pode
nele interferir.

ü Onde é que esta sobreposição de direitos de natureza ou


de espécie diversa sobre a mesma coisa adquire mais

52
expressão? à Relação entre direito de propriedade e
direito de usufruto.

o O direito de usufruto é um direito real menor, mas que


permite mostrar de forma mais significativa esta
relação de hierarquia.

o O direito de usufruto caracteriza-se pela circunstância


de conferir ao seu titular o gozo pleno de uma coisa ou
direito alheio (Art.º 1439º dá noção de usufruto).

o Direito que tem limitações:

§ É um direito temporário (não pode exceder a


vida do usufrutuário, ou se for uma pessoa
coletiva não pode exceder o prazo de 30 anos).

§ Pressupõe que o seu titular não altere a forma


ou substância da coisa (afetação da
materialidade da coisa) à Ex.: Não se pode
destruir uma casa para construir um parque de
estacionamento.

o Mas com estes limites, o usufrutuário tem um gozo


pleno da coisa à Possibilidade de gozar e fruir a coisa
são faculdades que lhe estão reservadas com
plenitude.

o O direito de usufruto, na medida da sua intensidade,


exclui o exercício das faculdades do direito de
propriedade, e esta intensidade é de tal forma lata, que
o exercício das faculdades do direito legitimador se
restringe a pouco mais do que a manutenção da nua
propriedade (apenas se mantém proprietário).

- Relação de prevalência à Temos direitos em sobreposição, mas


esta sobreposição não é excludente. Isto significa que a
circunstância de haver a sobreposição não exclui que o direito
fundamentante possa ser exercido.

ü Ex.: Relação entre o direito de propriedade e os direitos de


uso e habitação (Art.º 1484º e ss.). Esta regulação é
decalcada da regulação do direito de usufruto, mas há uma

53
nota distintiva que nos permite dizer que não estamos
perante uma relação de hierarquia: o direito de uso consiste
na faculdade de servir de coisa alheia e obter os respetivos
frutos, mas apenas na medida das necessidades do titular e
da sua família. Isto significa que para lá destas
necessidades, o direito de propriedade vai continuar a
exercer-se.

o Não há uma exclusão do direito de propriedade


relativamente ao objeto do direito de uso. O titular do
direito de propriedade continua a ter a faculdade de
uso e fruição da coisa, mas apenas na medida em que
tal não seja necessário para a satisfação do titular do
direito de uso e da sua família.

o Há um critério de preferência, na medida da


necessidade do titular do direito de uso e habitação e
da sua família.

ü Ex.: Direitos reais de garantia, quando temos 2 hipotecas.


Na verdade, embora tenhamos a constituição de 2 direitos
reais sobre a mesma coisa, o primeiro direito real não exclui
o segundo, e vão conviver numa lógica de preferência
temporal. Primeiro satisfaz-se um, o credor que tenha a
primeira hipoteca, depois o outro.

Respeito pelos direitos reais relativos a prédio vizinho (relações de vizinhança)

Classificação proposta pelo Prof. Carvalho Fernandes para as relações de


vizinhança à Podemos distinguir 4 classificações diferentes. São limitações
referentes ao direito de propriedade, mas que são extensivas a qualquer direito
real de gozo:

• Limitações que impõem um dever de abstenção

Hipótese em que um determinado indivíduo, titular de um direito real,


tem de se abster de certo comportamento.

- Art.º 1346º à Emissão de fumo, produção de ruídos e factos


semelhantes.

ü “O proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de


fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como

54
à produção de trepidações e a outros quaisquer factos
semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que
tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do
imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de
que emanam.”

ü Norma muito relevante do ponto de vista prático, porque é


muito convocada pelos tribunais em matéria de vizinhança
(Matéria de propriedade horizontal – pessoas que convivem
no mesmo sítio e que ficam sujeitas à emissão de fumo,
produção de ruídos, ou outros factos semelhantes).

ü Esta norma levanta muitos problemas de interpretação à


2 temas principais:

o Noção de prédio vizinho

§ O Prof. Antunes Varela e Pires de Lima


entendem que esta norma está tendencialmente
associada a prédios contíguos.

§ Prof. HSA acha importante dizer que esta


referência a prédio vizinho abrange qualquer
imóvel, seja ele contíguo ou não, que seja
afetado pelas substâncias emitidas por outro
imóvel (Ex.: Fábrica que esteja a emitir fumo
ou substâncias poluentes para um determinado
espaço – se o prédio afetado não for um prédio
contíguo, o Art.º 1346º terá aplicação.)

o De acordo com a parte final do Art.º 1346º, a


norma determina que o proprietário de um imóvel
se possa opor à emissão de factos semelhantes
sempre que essa emissão importe prejuízo
substancial para o uso do imóvel, ou não resulte
da utilização normal do prédio de que emana.

§ Prof. Menezes Cordeiro à Entende que estes


requisitos devem ser interpretados de forma
cumulativa e não de forma alternativa.
Exemplifica as razões do seu entendimento do
seguinte modo: Pense-se na possibilidade de
alguém se opor à utilização de um dado

55
imóvel, só porque esse imóvel está a ser
utilizado de forma anormal, mesmo que a
pessoa que se opõe não tenha um prejuízo.

Por outro lado pergunta ainda o Prof. se


significa que se houver, por exemplo, uma casa
de repouso, construída posteriormente a uma
fábrica que existe na proximidade, poderá o
proprietário da casa de repouso reagir dizendo
que a fábrica constitui um grave prejuízo para a
casa? O prof. diz que olhando para a norma, a
resposta seria que sim, mas isso não seria
legítimo.

§ O Prof. HSA acha que estas reflexões do Prof.


Menezes Cordeiro podem perfeitamente ser
acomodadas através da letra da norma, tal
como ela nos é oferecida, ou seja, numa lógica
alternativa.

Significa que se olharmos para o Art.º 1346º,


evidentemente que quando a norma estabelece
a possibilidade de um proprietário se opor à
utilização anormal do prédio de que emanam o
fumo, o ruído, ou outra substância qualquer, a
verdade é que não é legítimo que esse
indivíduo se possa opor se não tiver um
prejuízo. Evidentemente que esta norma
pressupõe a existência de um prejuízo para que
o proprietário se possa opor a uma utilização
anormal.

Por outro lado, quando o Prof. Menezes


Cordeiro diz que se a norma fosse interpretada
assim, então bastaria haver um prejuízo
substancial, mesmo que esse prejuízo adviesse
de um comportamento posterior do próprio
oponente, há uma forma de prevenir que isso
aconteça, através da utilização da figura do
abuso de direito (Ex. da casa de repouso
teríamos de aplicar o abuso de direito).

56
Qual a vantagem de podermos utilizar esta
norma de forma alternativa? à Se olhássemos
para o Art.º 1346º e interpretássemos como o
Prof. Menezes Cordeiro propõe, tal conduziria
a que substituíssemos a alternativa pela
copulativa, só havendo aplicação deste artigo
se houvesse uma cumulação de requisitos. Do
ponto de vista da tutela do ambiente e dos
direitos de personalidade, o Prof. HSA acredita
que será muito restritivo dizer que só quando
haja uma utilização anormal do prédio e um
prejuízo substancial é que o Art.º 1346º terá
aplicação.

A alternativa deve impor-se da seguinte forma


à Quando haja um prejuízo substancial para o
uso do imóvel, mesmo que se trate de uma
utilização normal, esse Art.º 1346º deve
aplicar-se. Quando resulta uma utilização
anormal, evidentemente que tem que haver um
prejuízo (senão estamos perante um abuso de
direito).

A alternativa que está na letra mantém-se,


temos é de retirar as consequência impostas
por uma utilização dessa lógica alternativa.

- Art.º 1347º à Instalações prejudiciais e escavações

ü nº1 à “O proprietário não pode construir nem manter no


seu prédio quaisquer obras, instalações ou depósitos de
substâncias corrosivas ou perigosas, se for de recear que
possam ter sobre o prédio vizinho efeitos nocivos não
permitidos por lei.”

ü Está claro neste artigo que o risco serve de fundamento


para esta abstenção à Havendo receio de que possam ter
efeitos nocivos, essas instalações são proibidas.

ü nº2 à Se no entanto, essas obras, instalações ou depósitos


tiverem sido autorizados por uma entidade pública
competente, ou se tiverem sido observadas as condições que
estão previstas na lei para o efeito, então a inutilização só é

57
admitida a partir do momento em que o prejuízo se torne
efetivo.

o Nestes casos não basta o mero risco. O mesmo tem de


se converter em prejuízo efetivo, porque de facto
houve uma legitimação dessas instalações
prejudiciais.

ü nº3 à Circunstância da lei atribuir ao titular do direito real


afetado uma indemnização pelo prejuízo sofrido. Estamos a
falar numa responsabilidade civil por factos lícitos.

o Mesmo que as instalações prejudiciais tenham sido


autorizadas, não deixa de haver um direito de
indemnização do titular afetado.

o A lei entende aqui que existe um dever de


indemnização, embora não haver culpa nem ilicitude
no comportamento do agente.

- Art.º 1360º e ss. à Construções e plantações.

ü Estas normas pretendem evitar o prejuízo alheio, e que no


caso das construções têm 2 objetivos em especial:

o Prevenção do devassamento.

§ Resulta do Art.º 1360º nº1 que o proprietário,


que no seu prédio, levantar edifício ou outra
construção não pode abrir nela portas ou
janelas que deitem diretamente sobre o prédio
vizinho, sem deixarem entre este e cada uma
das obras o intervalo de metro e meio.

§ A ideia do metro e meio é de evitar o


devassamento, e contribuir para o respeito da
privacidade do prédio vizinho.

§ Temos aqui uma abstenção, porque não é


possível construir numa distância inferior a
metro e meio, se essa construção se traduzir
nessa abertura de janelas ou portas que deitem
diretamente sobre prédio vizinho.

58
o Prevenção do gotejamento.

§ Pretende-se evitar que haja construção de


edifícios de forma tal, que a água bata num
edifício, e acabe por gotejar sobre o prédio
vizinho.

§ 1365º nº1 à Diz-se que o proprietário deve


edificar, de modo que a beira do telhado ou
outra cobertura não goteje sobre o prédio
vizinho, deixando um intervalo mínimo de 5
dm entre o prédio e a beira, se de outro modo
não puder evitá-lo.

o Mas o que acontece se essas limitações não forem


respeitadas? à O titular do prédio vizinho pode
reagir, pedindo em tribunal que sejam fechadas
aquelas aberturas, para evitar o devassamento, ou
pode exigir a construção de uma algeroz para que a
água seja levada pelo prédio onde há o gotejamento, e
não seja enviada para o prédio vizinho.

o Mas o que acontece se eu não reagir a esta violação


da lei? à A lei diz que é possível constituir-se uma
servidão quer de vistas, quer de estilicídio.

§ O pressuposto é o de que tenha havido um


incumprimento desta abstenção, e que esse
incumprimento tenha durado algum tempo
(incumprimento em relação ao qual não houve
uma reação eficaz).

§ Segundo o Art.º 1362º (servidão de vistas), a


existência de janelas, portas, varandas,
terraços, eirados ou obras semelhantes, em
contravenção do disposto na lei, pode importar,
nos termos gerais, a constituição da servidão
de vistas por usucapião à Se decorrer o
prazo de tempo previsto na lei para a
constituição de um direito real de servidão por
usucapião, esse direito constitui-se.

59
Estamos a falar de um direito real constituído
sobre um bem imóvel, e a pessoa que fez a
construção incumpriu, e por isso mesmo estará
de má fé à Não havendo fundamento para esta
construção, o prazo será de 20 anos.

Imaginemos que decorreu o prazo de 20 anos


à Nesses termos houve constituição de
servidão de vistas, porque o proprietário
afetado não reagiu, e por isso mesmo houve
uma posse efetiva, pública, que foi ocorrendo
durante todo esse tempo, e que veio a permitir
a constituição da servidão predial.

A servidão predial é um encargo imposto num


prédio, em benefício de outro prédio. Neste
caso o encargo traduz-se na necessidade de
suportar o devassamento, porque teria havido
uma maneira de evitar o devassamento
(respeito pela norma ou reação ao
incumprimento da norma), e não acontecendo
nenhuma das 2 coisas, passou o prazo de
constituição da servidão por usucapião, e o
encargo saltou de um para o outro à Aquele
que estava a ser devassado, a partir do
momento em que a servidão de vistas foi
constituída, nada pode fazer para reagir ao
incumprimento do primeiro proprietário, e por
outro lado é ele próprio agora que não vai
poder por força do 1362º nº2, levantar edifício
ou construção sem respeitar o intervalo
mínimo de metro e meio.

§ A lógica é a mesma para a servidão de


estilicídio à Os prédios foram construídos
sem haver respeito pelo limite estabelecido no
1365º nº1, o tempo decorreu não havendo
reação do proprietário afetado, e então diz o
artigo 1365º nº2 que o proprietário não reagiu
ao gotejamento, agora tem de aceitar que esse
gotejamento ocorra, e não pode com
construções novas fazer com que esse
escoamento de águas não ocorra.

60
Há uma mudança de sujeito, e o dever de
manutenção salta do sujeito incumpridor para o
sujeito afetado, pela razão de que com o
decurso do prazo se entende ter sido
constituída uma servidão.

ü Quanto às plantações também sucede um dever de


abstenção à Art.º 1366º nº1.

o Embora seja lícita a plantação de árvores e arbustos


até à linha divisória dos prédios, o Art.º 1366º diz que
o dono do prédio vizinho pode arrancar e cortar as
raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco
ou ramos que sobre ele propenderem, se o dono da
árvore, sendo rogado judicialmente ou
extrajudicialmente, o não fizer dentro de três dias.

o Ideia de que embora possa plantar até esse limite,


estou confrontado com estes direitos do proprietário
do prédio vizinho, e portanto devo abster-me de fazer
essas plantações, de modo a evitar estas reações.

- Art.º 1351º à Escoamento natural das águas.

ü Temos 2 prédios, sendo que um prédio está sujeito a que as


águas escoam naturalmente de outro prédio.

ü Lei diz no 1351º que os prédios inferiores estão sujeitos a


receber as águas que naturalmente e sem obra do homem
decorrem dos prédios superiores, assim como a terra e
entulho que elas arrastam na sua corrente.

ü O dever de abstenção está no nº2 deste artigo à “Nem o


dono do prédio inferior pode fazer obras que estorvem o
escoamento, nem o dono do prédio superior obras capazes
de o agravar, sem prejuízo da possibilidade de constituição
da servidão legal de escoamento, nos casos em que é
admitida.”

o Dever de abstenção quer do proprietário do prédio


inferior, quer do proprietário do prédio superior.

61
• Limitações que impõem a necessidade de suportar uma atuação
alheia

Limitações que derivam da circunstância de ter de aceitar que outrem


atue no seu próprio prédio, em coisa própria.

- Art.º 1349º à Passagem forçada momentânea.

ü Circunstância em que alguém é dono de um prédio, e tem


de permitir que outrem, para reparar edifício ou construção,
possa colocar levantar andaime, colocar objetos sobre
prédio alheio, fazer passar por ele materiais para a obra ou
praticar outros atos análogos.

ü Sou dono de um prédio, e tenho de suportar a entrada de


terceiro, por determinada razão, para praticar certos atos.

ü Responsabilidade civil por factos lícitos à Embora a lei


permita essa utilização forçada do prédio alheio, os
prejuízos que sejam causados devem ser indemnizados nos
termos do Art.º 1349º nº3.

- Art.º 1352º à Obras defensivas das águas.

ü Casos em que um prédio tem obras defensivas (que


permitem conter o curso da água). O nº1 diz que o dono do
prédio onde existam obras defensivas para conter as águas,
ou onde, pela variação do curso das águas, seja necessário
construir novas obras, é obrigado a fazer os reparos
precisos, ou a tolerar que os façam, sem prejuízo dele, os
donos dos prédios que padeçam danos ou estejam expostos
a danos iminentes.

ü Os donos dos prédios que estejam expostos a essas águas,


nesse caso, têm o direito de fazerem as obras necessárias
para a contenção das águas, se porventura o dono do prédio
onde essas obras existem não as fizer.

• Limitações que impõem deveres especiais de diligência

Ou o proprietário, ou o titular do direito real em causa, pode agir, mas ao


agir, impõe a lei deveres especiais de diligência (tem de agir com especial
cuidado, ao fazer aquilo que a lei lhe permite fazer).

62
- Art.º 1348º à Escavações.

ü nº1 à “O proprietário tem a faculdade de abrir no seu


prédio minas ou poços e fazer escavações, desde que não
prive os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar
desmoronamentos ou deslocações de terra.”

ü Embora a lei não estabeleça deveres específicos, exige


medidas adequadas, e essas medidas têm um objetivo, o de
evitar que os prédios vizinhos sejam privados do apoio
necessário para prevenir desmoronamentos, e por outro lado
evitar que essa privação do apoio possa causar deslocações
de terra.

ü Padrão que excede o do bom pai de família.

ü nº2 à Consagração de uma responsabilidade por factos


lícitos. O indivíduo agiu licitamente, no entanto está
obrigado a indemnizar os danos que tenha causado.

- Art.º 1357º à Direito de tapagem.

ü Estamos a falar na possibilidade de tapar prédios (rodear de


sebes o prédio – 1356º), mas de acordo com este artigo,
quem pretenda abrir vala ou regueira em redor do prédio, é
obrigado a deixar a deixar mota externa de largura igual à
profundidade da vala e a conformar-se com o disposto no
Art.º 1348º.

ü Critério que excede o bom pai de família (culpa levíssima).

- Art.º 1350º à Ruína de construção.

ü “Se qualquer edifício ou outra obra oferecer perigo de ruir,


no todo ou em parte, e do desmoronamento puderem
resultar danos para o prédio vizinho, é lícito ao dono deste
exigir da pessoa responsável pelos danos, nos termos do
artigo 492º, as providências necessárias para eliminar o
perigo.”

ü Além do padrão de bom pai de família à Providências


determinadas por um resultado.

63
• Limitações que impõem um dever de colaboração

O que caracteriza estas limitações é a circunstância de alguém poder agir,


mas ter direito a que outrem colabore com essa ação, o que significa que
outrem está vinculado pela razão do interesse do primeiro a prestar essa
mesma colaboração.

- Art.º 1353º à Direito de demarcação.

ü “O proprietário pode obrigar os donos dos prédios


confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas
entre o seu prédio e os deles.”

ü Trata-se de definir quais os limites dos prédios vizinhos.


Nesse caso a lei diz que um proprietário pode exigir a
colaboração do outro para a obtenção de determinado
resultado à Outro proprietário está vinculado por esse
mesmo dever.

- Art.º 1370º + 1375º à Paredes e muros de meação

ü nº1 à “O proprietário de prédio confinantes com parede ou


muro alheio pode adquirir nele comunhão, no todo ou em
parte, quer quanto à sua extensão, quer quanto à sua altura,
pagando metade do seu valor e metade do valor do solo
sobre que estiver construído.”

ü Proprietário que tem prédio que confina com parede ou


muro alheio, que divide esses mesmos prédios à Diz a lei
que em razão da utilidade que tem para os prédios, o titular
do prédio confinante pode adquirir comunhão no muro que
pertence ao outro proprietário, e a partir do momento em
que adquire comunhão, passa a estar obrigado a contribuir
para a administração desse mesmo muro (1375º).

ü Possibilidade de adquirir a compropriedade, e em


consequência, um dever de colaborar.

As limitações determinadas pela tutela de direitos ou de interesses alheios com


fundamento autónomo das relações de vizinhança

64
Estamos a falar numa dimensão das relações de vizinhança, que é a dimensão de
suportar a atuação alheia, mas neste caso esta necessidade de suportar uma
atuação alheia não tem como fundamento a existência de uma relação de
vizinhança, mas sim a tutela de direitos e interesses que existem com
fundamento diverso das relações de vizinhança.

• Art.º 1322º à Enxames de abelhas.

- O proprietário de enxames de abelhas pode persegui-los e capturá-


los em prédio alheio (não tem de ser prédio vizinho), embora seja
responsável pelos danos que causar.
- Responsabilidade civil por facto lícitos.

- nº2 à Se essa captura não for feita, e não for feita a perseguição
do enxame, então o proprietário onde enxame de abelhas se
encontre pode ocupar o enxame, adquirindo o direito de
propriedade sobre o mesmo.

- Necessidade de suportar atuação alheia (proprietário de abelhas


tem direito de perseguir abelhas em prédio alheio), mas sem que
haja uma relação de vizinhança.

• Art.º 1349º à Passagem forçada momentânea.

- Estamos a tratar de acesso a prédio alheio, mas agora não é para


fazer uma reparação ao edifício ou construção vizinho, mas trata-se
de fazer recolha de um objeto que se encontra acidentalmente em
prédio alheio (Ex.: Criança chuta bola para terraço de vizinho).

- nº2 à “É igualmente permitido o acesso a prédio alheio a quem


pretenda apoderar-se de coisas suas que acidentalmente nele se
encontrem; o proprietário pode impedir o acesso, entregando a
coisa ao seu dono.”

- Circunstâncias em que há um bem em propriedade alheia, e o


proprietário desse bem tem o direito de ir buscar o bem,
independentemente da existência de uma relação de vizinhança,
sendo certo que o proprietário do prédio onde a coisa se encontre
pode evitar que essa entrada ocorra, entregando ele próprio a coisa
ao dono.

• Art.º 1383º e 1384º à Atravessadouros.

65
- Caminhos ou percursos que facilitavam a deslocação das pessoas
através da passagem em prédio alheio. O Art.º 1383º veio dizer que
esses atravessadouros foram abolidos.

- Veio a considerar-se que esta passagem tinha de ser em benefício


de determinado prédio. Nunca poderia ser em benefício pessoal das
pessoas que passassem.

- O Art.º 1384º veio estabelecer uma exceção a esta regra de


proibição dos atravessadouros, porque segundo o mesmo, são
reconhecidos os atravessadouros com posse imemorial que se
dirijam a ponte ou fonte de manifesta utilidade, enquanto não
existirem vias públicas destinadas à utilização ou aproveitamento
de uma ou outra, bem como os admitidos em legislação especial.

ü Este artigo veio dizer que os atravessadouros que não


assumam a forma de uma servidão predial, podem ainda ser
reconhecidos se preencherem estas características.

ü Esta exceção tem o objetivo de deslocação a ponte ou fonte


de manifesta utilidade.

ü Existe uma outra figura, os caminhos públicos, que estão


salvaguardados à Não há a restrição relativamente aos
atravessadouros.

ü A questão que se coloca é quando estou perante um


atravessadouro ou um caminho público.

o Sobre isto existe o Assento nº 7/89 que diz que “São


públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais,
estão no uso direto e imediato do público.”

o Ac. STJ de 10/11/93 - «No conceito tradicional, os


atravessadouros ou atalhos são caminhos pelos quais
se faz passagem… com o fim essencial de encurtar o
percurso entre determinados locais. Os caminhos
públicos, por sua vez, destinam-se a estabelecer
ligações de maior interesse, em geral entre
povoações».

o A lógica parece ser a de que caminhos públicos


servem coletividades maiores, ao passo que os

66
caminhos que sejam atravessadouros estão lá em
benefício de um número mais pequeno de pessoas.

2. As vicissitudes dos direitos reais

Vamos perceber como é que os direitos reais se constituem, modificam e


extinguem.

2.1. A constituição

Factos jurídicos voluntários ≠ factos jurídicos não voluntários

• Voluntários à Contrato, testamento, a usucapião (Art.º 1292º e 303º), a


aceitação de herança em sucessão legítima ou legitimária (Art.º 2050º) e
os negócios jurídicos inter vivos unilaterais.

- Vamos falar especialmente na usucapião.

• Involuntários à Lei e sentença judicial.

• Estas formas de constituição de direitos reais aparecem replicadas de uma


forma ou de outra nos vários artigos que se referem à constituição dos
vários direitos reais à Art.º 1316º, 1417º nº1, 1440º, 1485º, 1528º e
1547º nº1.

- Há direitos reais que não se podem constituir por usucapião (uso e


habitação).

- Não é possível transmitir mortis causa o direito de usufruto.

- Vamos encontrando estas especificidades quando estudamos os


direitos reais em especial.

Modos voluntários de constituição

• Herança em sucessão legítima ou legitimária.

- Se não for um deste tipo de sucessões, temos já o testamento como


forma de constituição do direito real.

- Qual o facto constitutivo do direito real? à Não é a circunstância


da lei deferir a herança.

67
ü É a lei a definir quem são os herdeiros de um determinado
sujeito, sendo certo que no caso da herança da sucessão
legitimária, a lei diz que estes herdeiros não podem ser
deserdados, têm sempre direito a receber a herança.

ü No caso de ser sucessão legítima, o de cujus nada dispôs no


testamento, portanto os herdeiros vão ser aqueles
determinados por lei.

- Se a lei intervém, a fonte de constituição do direito real não deverá


ser antes uma fonte involuntária, a lei? Porque é que aparece nos
factos voluntários?

ü Porque nos termos do Art.º 2050º, a vontade é essencial para


a aquisição do bem.

ü Quando há o falecimento de um indivíduo, os bens


permanecem ainda na esfera da herança, e só transitam para
a esfera do herdeiro, com a aceitação dessa mesma herança.

• Negócios jurídicos unilaterais

- Porque está incluída aqui esta categoria?

ü Não há referência a negócio jurídico, senão em matéria de


propriedade horizontal.

ü As demais normas que se referem à constituição de direitos


reais têm por indicação o contrato (indicam o contrato como
forma de aquisição dos direitos reais).

ü Mas há um direito real, a propriedade horizontal, que


menciona o NJ. É assim porque a prática tem justificado que
assim seja.

o É muito frequente que a propriedade horizontal seja


constituída por mera declaração unilateral do
proprietário numa fase em que o prédio ainda está a
ser construído (não exigem 2 partes). Essa
constituição é admitida na prática, e estamos
claramente perante um NJ unilateral.

68
o Também se prevê fora do CC, a constituição unilateral
do direito real de habitação periódica.

ü E em relação aos demais direitos reais? Será que o NJ


unilateral deve ser visto como uma fonte da generalidade dos
direitos reais, ou deve circunscrever-se a certas situações?

o Prof. HSA à Não há nenhum interesse do tráfico


jurídico, ou nenhum interesse do beneficiário em
particular, que justifique uma exceção ao princípio do
contrato. No caso da propriedade horizontal justifica-
se, uma vez que há interesse para o proprietário que
está a construir o prédio poder já celebrar Njs
relativamente àquele prédio. Mas o Prof. não
consegue identificar interesse do tráfico ou
beneficiário que justificassem a atipicidade, que o NJ
unilateral pudesse servir de fonte de constituição dos
demais direitos reais.

Outra razão para justificar que os NJs unilaterais se


devam restringir aos casos tipificados na lei à Em
direito das obrigações vimos que os NJs unilaterais
não são fonte de obrigações, exceto nos casos
previstos na lei. Essa regra deve aplicar-se também
aos direitos reais, porque deste modo estamos a
contribuir para prevenir conflitos que resultem da
sobreposição de direitos reais sobre a mesma coisa,
objetivo esse prosseguido pela própria tipicidade dos
direitos reais.

§ Se eu admitisse que um NJ unilateral pudesse


constituir uma servidão, um usufruto, ou uma
superfície, o que eu estava a admitir era que se
alargasse as fontes destes direitos reais
menores, e a possibilidade de constituição dos
direitos reais menores.

§ O princípio da tipicidade foi construído tendo


por referência o direito de propriedade. Impede
a constituição de restrições ou figuras
parcelares dos direitos reais, para lá dos casos
previstos na lei. Fá-lo porque apesar de
reconhecer benefício na constituição desses

69
direitos reais menores, não deixa de,
concomitantemente, haver conflitos
naturalmente associados à sobreposição de
direitos reais sobre a mesma coisa.

Conclusão à Se não existe a prova de que haja um


interesse concreto que justifica a atipicidade, e por
outro lado, alargar os modos de constituição aos NJ
unilaterais pode contribuir para a multiplicação de
situação de conflitualidade, parece que a solução mais
adequada é a de considerar que o NJ unilateral só é
fonte de direitos reais quando a lei assim o estabeleça.

§ E quando é que a lei o estabelece? à Direito de


propriedade horizontal, direito de habitação
periódica, promessa pública.

• Usucapião

- Tem de haver uma situação de posse.

ü A posse é um instituto que abre o Livro III no direito civil, e


deve ser entendida como um direito real autónomo à Vai
conferir ao seu beneficiário a faculdade de fruir, de usar,
meios de defesa, direito de indemnização. Ou seja, tem todos
os atributos de um direito subjetivo, e de natureza real,
porque o possuidor pode ir atrás da coisa.

o Se é verdade que a posse não se esgota nesse efeito da


usucapião, tem uma importância vital, precisamente
por esse efeito da usucapião.

o A posse tem uma expressão maior na usucapião.

ü Vamos ter de saber identificar se existe ou não uma situação


de posse (não basta haver um controlo material da coisa!
esse controlo material tem de ser feito de forma
correspondente ao exercício de um direito de
propriedade, ou de outro direito real, em particular de
gozo).

o Se tiver um comodatário ou um arrendatário, essas


pessoas estão a controlar materialmente uma coisa,

70
mas não são possuidoras, são detentoras à
Delimitação do conceito de possuidor
relativamente a detentor é fundamental para que
possamos falar no efeito principal da posse, que é a
usucapião.

ü Depois é necessário classificar a posse à A matéria da


usucapião está diretamente dependente dessa classificação.
Há classificações que obstam à aquisição por usucapião
(posse violenta; posse oculta).

o Só depois destes 2 passos (identificação de situação


possessória e classificação da situação possessória) é
que chegamos à usucapião.

- Art.º 1287º à Noção de usucapião.

ü “A posse do direito de propriedade ou de direitos reais de


gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao
possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do
direito a cujo exercício corresponde a sua atuação: é o que se
chama usucapião.”

ü Há um certo contraste entre a primeira parte deste artigo, e o


Art.º 1251º, sobre a noção de posse.

o Art.º 1251º à “Posse é o poder que se manifesta


quando alguém atua por forma correspondente ao
exercício do direito de propriedade ou de outro direito
real.”

§ Não se fala em direitos reais de gozo à


Entende-se que o instituto da posse é extensível
a outros direitos reais, que não direitos reais
de gozo, designadamente direitos reais de
garantia.

o O mesmo não acontece relativamente à usucapião à


A usucapião trata da possibilidade de adquirir o
direito de propriedade, ou outro direito real, se a posse
corresponder a um direito real de gozo.

71
§ A usucapião está restringida a direitos reais
de gozo.

§ Não basta esta “manutenção por certo lapso


de tempo” a que se refere o Art.º 1287º à
Tenho de classificar essa posse (Ex.: Uma posse
de 10 anos pode ser ou não suficiente para
adquirir por usucapião.)

Se eu tiver um bem móvel, 10 anos será


suficiente para adquirir por usucapião (Art.º
1298º ess.).

Se tiver uma coisa imóvel, então vou precisar


de saber se a posse é fundada em justo título e
registo deste à 2 classificações que iremos usar
(uma legal e outra doutrinal) – posse titulada
(forma legítima de adquirir) ou não titulada (se
houver um esbulho ou roubo) e posse registada
(beneficia de publicidade registal) ou não
registada (não beneficia de publicidade
registal).

1294º à Se houver título de aquisição, e registo


desse título de aquisição, a usucapião tem lugar
quando a posse de boa fé tiver durado 10 anos.

Imaginemos que havia um esbulho, ou não


havia título à Nesse caso o Art.º 1296º diz que
a usucapião só pode dar-se em 15 anos se for de
boa fé, ou em 20 anos se forem de boa fé. 10
anos mudaram de 10 para 15 anos, em razão da
posse ser ou não titulada.

Assim, esse lapso de tempo tem de ser


compaginado com as classificações de posse
que tenhamos a fazer na situação concreta.

- A usucapião é uma forma voluntária de aquisição?

ü Embora a lei não exija uma vontade, no artigo 1289º, uma


vez que se diz que podem adquirir por usucapião, a verdade
é que não podemos esquecer que a aquisição por usucapião

72
está dependente de um regime para o qual a lei remete à
Regime da prescrição.

ü Art.º 1292º à Diz que são aplicáveis à usucapião as regras


da prescrição – disposições relativas à suspensão e
interrupção da prescrição, bem como o preceituado nos
artigos 300º, 302º, 303º e 305º-

ü Há uma remissão no 1292º da usucapião para as regras da


prescrição (chamamos à usucapião prescrição aquisitiva
porque leva à aquisição de direitos!), em particular este para
o Art.º 303º, que prevê que a prescrição tenha de ser
invocada por aquele a quem aproveita.

o Significa que para ser eficaz, a usucapião tem de ser


invocada por aquele a quem aproveita. O tribunal não
pode suprir esta intenção.

o Tem sempre de haver uma vontade para que a


aquisição por usucapião se dê.

- A usucapião tem efeitos retroativos (Art.º 1288º).

ü Quando a usucapião é invocada, os seus efeitos retrotraem-


se à data de início da posse.

ü Isto tem consequências práticas importantes à Ex.: Sujeito


esbulhou coisa alheia, lavrando terreno que pertence a
outrem, e recebendo frutos com essa prática. Um indivíduo
de má fé não pode fazer seus os frutos percebidos com a
utilização da coisa alheia (Art.º 1271º). O possuidor de má fé
deve restituir os frutos que a coisa produziu até ao termo da
posse, e até responde pelo valor daqueles que um
proprietário diligente poderia ter obtido.

o Há uma sanção neste artigo.

ü Imaginemos, porém, que o indivíduo possuiu a coisa, e


lavrou a coisa durante 25 anos. O prazo máximo para
adquirir por usucapião é de 20 anos, o que significa que ao
fim de 25 anos adquiriu o direito de propriedade sobre o
terreno por usucapião. Como a usucapião tem efeito
retroativo, quer dizer que a aquisição de propriedade reporta-

73
se ao momento do início da posse. Por isso mesmo que ele
estivesse de má fé, o Art.º 1271º seria abafado pela
retroatividade da usucapião.

- A usucapião só é permitida em benefício do possuidor (Art.º


1290º).

ü Diz-se nestes artigo que os detentores ou possuidores


precários não podem adquirir para si, por usucapião, o
direito possuído, exceto achando-se invertido o título da
posse.

ü Inversão do título à Situação em que alguém é mero


detentor, mas a determinada altura opõe-se ao titular do
direito real (invoca a titularidade de um direito real sobre
essa coisa). Nesse caso o que acontece é que a pessoa passa
a ser possuidora, embora se trate de uma posse formal (não é
uma posse acompanhada da efetiva titularidade do direito, é
uma posse em que o direito correspondente a um exercício
não está lá).

- Usucapião de imóveis à Art.º 1293º e ss.

- Usucapião de móveis à Art.º 1298º e ss.

- O Art.º 5º nº2 do Código do Registo Predial excetua a necessidade


de registo para efeitos em relação a terceiros da aquisição por
usucapião à Registo da usucapião tem um efeito meramente
enunciativo.

Modos não voluntários de constituição

• Lei

- Como causa geral de aquisição na sucessão mortis causa

ü Porque se inclui aqui a sucessão mortis causa, se dissemos


anteriormente que era um modo voluntário?

o Não podemos deixar de reconhecer que temos aqui


um facto complexo de produção sucessiva à É a lei a
atribuir um direito a um determinado sujeito, e depois

74
o sujeito, pela sua vontade, a fazer entrar na sua esfera
jurídica os direitos reais correspondentes.

o Prof. HSA não deixa de considerar que esta sucessão


mortis causa, na parte em que a lei regule o
deferimento da herança, seja fonte de direitos reais. Só
que é uma fonte que está sempre dependente da
vontade, da aceitação da herança (sucessão legítima
ou legitimária).

- Como causa específica de aquisição de alguns direitos reais

ü Preferência legais (a preferência legal nasce da lei, e


portanto quem é beneficiário dessa preferência vai ver entrar
na sua esfera jurídica um direito real de aquisição que surge
da lei).

ü Privilégios creditórios e direito de retenção.

ü Direito de habitação (e direito de uso) à Estão previstos em


2 regimes, de proteção da economia comum, e da união de
facto (L 6/2001; L 7/2001). Quando há o falecimento de uma
determinada pessoa que vivia em economia comum com
outra, o direito dessa pessoa que sobrevive a habitar a casa
comum, e a usar o recheio dessa mesma casa (o mesmo
acontece no caso da união de facto). Casos de aquisição por
força da lei de direitos reais de gozo.

• Sentença judicial

- Art.º 1417º (propriedade horizontal) à A constituição da


propriedade horizontal, por decisão judicial, pode ter lugar, a
requerimento de qualquer consorte, na sequência do que diz o nº1,

ü Essa ação judicial ocorre numa ação de divisão de coisa


comum, ou num processo de inventário.

- Art.º 1547º nº2 (servidões legais) à Prevê que as servidões legais


(servidões que podem ser impostas a um determinado sujeito, sem
colaboração do titular do prédio em que esses encargos são
constituídos – possibilidade que só existe quando a lei o preveja)
possam ser constituídas por sentença judicial, ou por decisão
administrativa, conforme os casos.

75
- Fora destes casos específicos em que exista uma referência à
decisão judicial, ou possibilidade de identificarmos a decisão
judicial como modo de constituição do direito real, a sentença
judicial pode ser genericamente considerada como uma forma de
constituição de direitos reais (Ex.: Execução específica ou ação de
preferência, quando se trata da constituição do direito de usufruto,
ou do direito de superfície à Nestes casos, se houver
incumprimento, o que vai permitir a constituição é a execução
específica ou ação de preferência).

Factos específicos de aquisição do direito de propriedade

Vamos falar em 2 figuras que têm por objeto a aquisição do direito de


propriedade à Não dizem respeito aos demais direitos reais (já não estamos
no plano de análise da teoria geral dos direitos reais).

Ocupação à Forma de aquisição do direito de propriedade que se dá pela


apreensão material do bem sem dono, prescindindo a lei de qualquer vontade
quanto aos efeitos.

• Estamos perante um ato voluntário que se traduz na apreensão material


do bem sem dono.

• A ocupação em sentido amplo tem 2 dimensões:

- Ocupação em sentido estrito à Tem por objeto os animais e as


coisas que nunca tiveram dono, ou que foram abandonados.

- Achamento à Tem por objeto os animais e as coisas que, tendo


dono, não foram abandonados, e no entanto foram perdidos ou
escondidos.

- Esta distinção tem relevância do ponto de vista prático? à


Sim.

ü Uma coisa que caia no conceito de ocupação em sentido


estrito integra a nossa esfera jurídica no imediato, sendo
a aquisição do direito de propriedade imediata (Ex.: Se
passeio na praia e pego numa concha, passo a ser
imediatamente proprietária da concha por ocupação).

76
o Aquisição da propriedade dá-se automaticamente,
verificado o apossamento.

ü Se se tratar de uma coisa que cai no conceito de achamento,


então há regras do CC que determinam que a aquisição do
direito de propriedade só se dá, verificado o
preenchimento de alguns pressupostos.

• Qual o regime que a lei estabelece para as coisas achadas?

- Animais selvagens com guarida própria (Ex.: Aves de capoeira) à


Art.º 1320º CC

ü nº1 à Estabelece-se que se houver uma mudança destes


animais, da guarida de um dono para outro dono, esse outro
dono fica proprietário dos animais que se deslocaram, se
os animais não puderem ser individualmente
reconhecidos; Se puderem ser individualmente
reconhecidos, o antigo dono pode recuperar os animais,
desde que tal não cause prejuízo àquele que tem em seu
benefício a guarida para onde os animais se deslocaram.

o Só se dá aquisição de propriedade no caso dos animais


não poderem ser individualmente reconhecidos.

ü nº2 à Estabelece-se que se os animais tiverem sido atraídos


por fraude ou artifício do dono da guarida onde hajam
acolhido, então o dono dessa guarida é obrigado a entregá-
los ao antigo dono, ou então, se não for possível reconhecê-
los individualmente, vai pagar em triplo o valor deles.

- Animais e coisas móveis perdidas à Art.º 1323º + Tesouros à


Art.º 1324º

ü Traços comuns entre estes 2 regimes

o Prevê-se que se o achador souber a quem pertence o


bem, deve restituir o animal ou a coisa a seu dono, ou
então avisá-lo do achado que fez à 1323º nº1 + 1324º
nº1

o Se o achador desconhecer a quem pertence o bem, tem


de anunciar o achado pelo modo mais conveniente,

77
considerando o valor da coisa e as possibilidades
locais, ou avisar as autoridades, observando os usos da
terra, se existirem à 1323º nº2 + 1324º (por remissão)

o A coisa perdida ou escondida vai ser adquirida por


achamento se, anunciado o achado, o animal ou coisa
perdida ou escondida não for reclamado pelo dono no
prazo de 1 ano à 1323º nº4 + aplicação analógica ao
regime dos tesouros

o Se o dono aparecer nesse prazo de 1 ano (não houver


aquisição do direito de propriedade por achamento), o
achador tem direito à indemnização do prejuízo
havido, e das despesas realizadas, beneficiando de um
direito de retenção sobre o bem achado, e de
irresponsabilidade pela perda ou deterioração do
animal ou coisa, exceto em casos de dolo ou culpa
grave à Relação obrigacional que se estabelece
entre o achador e o dono da coisa ou animal.

ü Traços diferenciadores entre estes 2 regimes

o Se o tesouro tiver sido escondido ou enterrado há mais


de 20 anos, a aquisição do direito de propriedade dar-
se-à sem ser necessário efetuar o aviso ou anúncio
quando se desconhece o dono da coisa escondida à
Art.º 1324º nº2.

o O regime dos tesouros não aproveita apenas ao


achador, aproveita também ao dono da coisa móvel ou
imóvel onde o tesouro está escondido ou enterrado.
Por isso, o dono da coisa móvel ou imóvel onde o
tesouro estava torna-se proprietário de metade da
coisa encontrada, pertencendo apenas a outra metade
ao achador à Art.º 1324º nº1.

o Se o achador incumprir, no caso dos tesouros, o dever


de anunciar o achado, e fizer seu o tesouro ou parte
dele sabendo quem é o dono, ou ocultar o facto, do
proprietário da coisa que onde ele se encontrava, o
achador vai perder em favor do Estado os direitos que
o Art.º 1324º nº1 lhe atribuía, sem exclusão dos
direitos que lhe possam caber como proprietário.

78
• Regime da ocupação de animais à O Art.º 1323º foi alterado pela lei
que alterou o estatuto jurídico dos animais, a lei nº8/2017 de 3 de março.
O Prof. HSA dá a sua opinião:

- Incompreensão pelo facto de o legislador ter eliminado um prémio


que se estabelecia no Art.º 1323º para o achador de coisa perdida
ou de animal perdido.

ü Neste artigo estabelecia-se que quem achasse coisa ou


animal, quem achasse coisa móvel perdida ou um animal
teria direito a um prémio determinado em função do valor do
achado no momento da entrega à Se a coisa valesse até
4,99, o achador receberia 10% desse valor, se valesse entre
4,99 e 24,94, receberia 5% desse valor, e se a valor
excedesse 24,94, receberia 2,6%.

o Ex.: Se valesse 4,40 euros, receberia 44 cêntimos. Se


valesse 20 euros, receberia 1 euro, se valesse 1000
euros receberia 25 euros.

ü Não se compreende, dado que estamos a falar na aprovação


do estatuto jurídico dos animais, e portanto, de alguma
forma, de incentivar à promoção do bem estar do animal,
que se tenha eliminado este incentivo para o achador
comunicar ao dono do animal o achado, que resultaria do
pagamento deste prémio.

ü Ideia de que quanto mais cedo o animal voltasse a estar com


o seu dono, melhor se protegeria o bem estar do mesmo.

- Estabelece a lei que a aquisição do direito de propriedade, quando


se desconhece a quem pertence a coisa ou animal, só se dará após o
decurso do prazo de 1 ano, contado a partir do anúncio à Não se
distingue entre coisa móvel e animal.

ü Mesmo antes da aprovação do estatuto jurídico dos animais,


já se estabelecia este regime.

ü O estatuto jurídico dos animais foi aprovado tendo em conta


a natureza específica dos animais e a sensibilidade de que
estes são dotados à O Prof. acha portanto desrazoável que o

79
animal seja tratado como se fosse apenas uma coisa móvel
perdida.

ü Estamos a falar no prazo de 1 ano contado a partir do


anúncio ou aviso. Se estamos a falar num anúncio ou aviso é
porque muito provavelmente não existe identificação do
animal à O Art.º 1323º diz que o achador do animal deve
recorrer aos meios de identificação acessíveis através de
médico-veterinário (É possível saber quem é o dono do
animal através do chip que este contém).

ü Talvez tivesse sido melhor solução a fixação de um prazo


razoável pelo achador, em vez da definição do legislador de
1 ano, não distinguindo entre coisa móvel perdida e animal
à Seria mais favorável ao bem estar do animal.

- No Art.º 1323 fala-se na irresponsabilidade do achador pelos danos


causados no caso de perda ou deterioração do animal, exceto
havendo da sua parte dolo ou culpa grave.

ü Não parece adequado ao Prof. que, tendo em conta a


natureza do estatuto jurídico dos animais, a manutenção
deste regime de irresponsabilidade, não fazendo distinção
entre coisas móveis perdidas e animais.

ü A irresponsabilidade pelos danos causados a animal é


incongruente com a aplicação do regime da gestão de
negócios.

ü O que acontece no período em que o achador ainda não é


proprietário? à O seu estatuto é de gestor de negócios. Um
gestor de negócios tem de, para que a gestão seja regular,
agir de acordo com o interesse e a vontade real ou
presumível do dono do negócio, considerando o que é um
padrão exigível a um proprietário de animais.

ü Ex.: Se um animal sofre danos porque padece de lesões em


razão de negligência, estamos perante uma gestão irregular
à A gestão irregular determina a responsabilidade do
gestor, e essa responsabilidade não é restringida às
situações de dolo ou de culpa grave.

80
ü Assim, a solução de que a responsabilidade se cinja aos
casos de dolo ou culpa grave não é razoável, sendo urgente
rever o texto da lei nesta parte, ou sobrepor a este regime o
regime da gestão de negócios, que não isenta o gestor da
responsabilidade quando age apenas com negligência.

- É conceptualmente errada a previsão de um direito de retenção do


animal, nos termos em que a lei o faz no Art.º 1323º nº7.

ü “O achador de animal pode retê-lo em caso de fundado


receio de que o animal achado seja vítima de maus-tratos por
parte do seu proprietário.”

ü Aquilo que o Prof. procura criticar é o conceito que a lei


utiliza para a obtenção deste fim de bem estar dos animais.

ü O direito de retenção tem um significado específico (Art.º


754º) à O direito de retenção existe quando alguém está
obrigado a entregar certa coisa, e tem um crédito de despesas
que são feitas por causa da coisa, ou então um crédito por
danos causados por essa mesma coisa.

o Ex.: Art.º 1323º nº6 – Temos um verdadeiro direito de


retenção, porque a coisa achada foi causadora de
danos, de despesas. Assim, enquanto essa
indemnização não for paga, a coisa não é restituída.

ü Não temos no nº7 esta reciprocidade de créditos. Se assim é,


melhor seria que o legislador tivesse adotado uma expressão
diversa.

ü Prof. acredita que a melhor solução teria sido a de uma


aquisição imediata da propriedade por oposição à Se
houver suspeitas fundadas de maus tratos, pode o achador,
pela sua conduta, dar a conhecer ao anterior proprietário que
a propriedade do animal é agora sua.

o Atribuição automática da propriedade ao achador do


animal.

Acessão à Art.º 1325º - “Dá-se a acessão, quando com a coisa que é


propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia.”

81
• Ex.: A tem um terreno e B constrói nesse terreno um edifício, sem
legitimidade para tal. Se não houvesse a figura da acessão, dir-se-ia que a
pessoa que entra em esfera jurídica alheia sujeita-se a perder aquilo que a
essa esfera jurídica alheia trouxe.

• Característica da expansibilidade do direito real traduz a possibilidade de


se dizer que nos direitos reais a coisa originária teria a capacidade de
incluir as demais coisas que com ela se viessem unir e incorporar.

- Mas esta característica é apenas tendencial à Uma das razões


pelas quais é tendencial prende-se com o fenómeno da acessão.

- Expansibilidade do direito real traduzir-se-ia na circunstância de


perante uma construção no seu terreno, A poder adquirir o direito
de B sobre o edifício à Tudo aquilo que fisicamente se
incorporasse na coisa inicial integraria o direito de propriedade
existente, sem ser necessário verificar quais as características do
ato de incorporação (superficies solo credit).

ü Na verdade não foi esta a solução do legislador à Em bom


rigor, relativamente a um modo de acessão, este aforismo
clássico tem muito pouca expressão.

• Acessão natural ≠ acessão industrial à Art.º 1326º

- Acessão natural à Quando o agente da transformação é natural.

- Acessão industrial à Quando o agente da transformação é


humano.

ü A lei parece ir mais longe no Art.º 1326º, do que resulta da


noção de acessão do Art.º 1325º à A união e incorporação
está na primeira parte da definição da acessão industrial, mas
depois a segunda parte fala numa coisa diferente.

o “quando alguém aplica trabalho próprio a matéria


pertencente a outrem, confundindo o resultado desse
trabalho com propriedade alheia.” à Não tenho união
de coisas, mas sim de trabalho com coisa.

o Embora não tenha união de coisas, o que seria


essencial para ter acessão nos termos do 1325º, nos

82
termos do 1326º continuo a ter uma acessão
qualificada como industrial.

o Dentro da acessão industrial importa adicionar que o


legislador foi para lá do conceito estrito de acessão,
e incluiu um outro fenómeno, que não resulta da
união de coisas, mas sim da união de trabalho com
coisa.

o A este fenómeno chamamos de especificação (quando


uma coisa que adquire outra forma em resultado do
trabalho) à Regulada nos artigos 1336º a 1338º.

o O Art.º 1338º vem exemplificar casos de


especificação.

o A aquisição do direito de propriedade vai depender de


se o agente está de boa ou má fé.

o Nota para casos práticos: Se estivermos perante uma


integração numa coisa já existente, e não
simplesmente perante uma aplicação de trabalho numa
coisa, continuamos a estar perante uma acessão
industrial mobiliária (aplicam-se os artigos 1333º e
1334º!), e não uma especificação (não se aplicam os
artigos 1336º e 1337º.

• Acessão industrial mobiliária ≠ acessão industrial imobiliária

- Acessão industrial mobiliária à Se a intervenção for em objeto


móvel.

ü Ex.: Alguém escreve em folha alheia.

- Acessão industrial imobiliária à Se a intervenção for em objeto


imóvel.

ü Ex.: Alguém constrói em terreno alheio.

• O aforismo clássico superficies solo cedit, em bom rigor, tem base no


fenómeno de acessão natural (Art.º 1327º).

83
- “Pertence ao dono da coisa tudo o que a esta acrescer por efeito da
natureza.” à Ideia de que tudo o que se venha a incorporar na
coisa original integra o direito de propriedade existente.

- A acessão natural é regulada com base no fenómeno de deslocação


da água, mas é aplicável a todos os fenómenos da natureza (Ex.:
Vento forte, tremor de terra).

- Há que distinguir aqui 2 fenómenos:

ü Aluvião à Quando o depósito se dá por ação sucessiva e


impercetível da natureza, o Art.º 1328º diz que tudo o que
acrescer ao prédio para onde, por exemplo, a areia foi
transportada, pertence ao dono do prédio beneficiado.

o Acaba por acrescer ao Art.º 1327º à Torna-se claro


no Art.º 1328º que não se trata apenas de situações
de união, mas também de situações de depósito.
Mesmo que no sentido técnico do termo não tenha
havido uma união ou incorporação, ainda assim, tudo
o que tiver sido levado de forma sucessiva e
impercetível pela natureza é fator de atribuição do
direito de propriedade ao proprietário da coisa inicial.

ü Avulsão à Casos em que o fenómeno da natureza é


instantâneo, imediato (Art.º 1329º).Nestas situações, a lei
vem dizer que a aquisição é restringida à incorporação. Está
fora da aquisição do direito de propriedade as coisas que são
depositadas em prédio alheio.

o Diferença da aluvião à Prevê-se a aquisição do


direito de propriedade apenas relativamente às
coisas que são incorporadas, não relativamente às
coisas que são depositadas, embora relativamente a
estas o direito de propriedade possa ser adquirido,
verificado o pressuposto do Art.º 1329º

§ Na aluvião a aquisição do direito de


propriedade dá-se instantaneamente quer
relativamente às coisas incorporadas, quer
relativamente às coisas depositadas.

o Situações de inundação, ventos fortes, tremor de terra.

84
o O dono das coisas que foram levadas para prédio
alheio tem o direito exigir que as coisas lhe sejam
entregues, embora tenha um prazo de 6 meses para o
fazer.

§ Se a remoção não for feita no prazo


designado (6 meses, ou quando o proprietário
do prédio onde as coisas foram parar lhe der um
prazo diferente), nesse caso a lei diz que é
aplicável o disposto para a aluvião no artigo
anterior à Nestas circunstâncias, permite-se
que se adquira direito de propriedade sobre
as coisas depositadas.

• Porém, este aforismo (de que pertence a dono da coisa tudo o que lhe
acrescer por efeito da natureza) não se verifica senão excecionalmente na
acessão industrial.

- Relativamente à acessão industrial, só temos a aplicação dessa


regra no Art.º 1339º à Trata da situação de obras, sementeiras
ou plantações feitas com materiais alheios.

ü O princípio superficies solo cedit está aqui porque alguém,


num terreno seu, faz obra, sementeira ou plantação, com
materiais, sementes ou plantas que pertencem a outro.

ü A lei diz que ele vai adquirir esses materiais, sementes ou


plantas que pertencem a terceiro, em razão de terem sido
incorporados no terreno, prédio de que é proprietário,
pagando o valor e a indemnização eventualmente devida
pelos danos sofridos pelo proprietário desses materiais,
sementes ou plantas.

ü Ideia de afetação total da coisa.

ü Aqui seguiu-se excecionalmente o princípio superficies


solo cedit à Não se questiona se o proprietário dos
materiais, sementes ou plantas pode adquirir a propriedade
do terreno onde esses materiais, sementes ou plantas foram
incorporados, que é uma questão assumida pelo legislador
relativamente a todos os outros fenómenos de acessão
industrial.

85
- Nos demais fenómenos de acessão industrial, não podemos dizer
sem mais que o proprietário do terreno vai adquirir a propriedade
do edifício à Temos de ponderar 2 hipóteses:

ü O proprietário do terreno adquire a propriedade do edifício.

ü O proprietário dos materiais que foram utilizados para a


construção do edifício vai adquirir a propriedade do terreno.

• A matéria da acessão industrial segue algumas regras comuns:

- A má fé do agente exclui a aquisição da coisa alheia à Quando o


agente age de má fé, não tem a capacidade de adquirir a coisa onde
fez a intervenção.

ü Ex.: Se a pessoa que constrói em terreno alheio sabe que


está a construir em terreno alheio, tal não lhe permite
adquirir a propriedade do terreno. A propriedade do edifício
vai integrar sim a esfera do proprietário do terreno.

- Quando o agente atuou de má fé, o titular de coisa alheia tem o


direito de exigir a separação, ou a faculdade de escolha entre uma
reconstituição natural e a aquisição de ambas as coisas (havendo
lugar ao pagamento do valor correspondente ao enriquecimento
obtido).

ü Ex.: Sendo o proprietário do terreno que pode adquirir a


propriedade do edifício, a lei dá alternativas. Não deverá
impor ao proprietário do terreno a aquisição da propriedade
do edifício, porque esta aquisição não foi desejada e tem
custos, e portanto deverá estar na disponibilidade da vontade
do proprietário do terreno. Poderá exigir a destruição da
coisa (reconstituição natural) ou então adquirir o edifício,
pagando um valor correspondente ao enriquecimento sem
causa pela aquisição da coisa alheia.

- Assim, o primeiro pressuposto para que um agente que venha a


atuar sobre uma coisa alheia possa adquirir a propriedade da
mesma é a boa fé.

ü Art.º 1340º nº4 à Estabelece que se entende que houve boa


fé se o autor da obra, sementeira ou plantação desconhecia

86
que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação
pelo dono do terreno.

ü Mas não basta a boa fé para se adquirir a propriedade da


coisa alheia.

- O segundo pressuposto para que a propriedade de coisa alheia seja


adquirida é que havendo boa fé do interventor, o valor que traz à
coisa alheia seja um valor superior ao que a coisa alheia
inicialmente tinha (Critério do valor relativo de ambas).

ü Ex.: Se o terreno valia 50,000 euros, e se o edifício vale


70,000 euros, então aí podemos dizer que porque o valor
relativo da coisa trazida é superior ao valor da coisa
intervencionada, havendo boa fé do interventor, ele pode
adquirir.

- E o que acontece quando o agente não tem condições para adquirir


(porque agiu de má fé, ou porque agiu de boa fé mas o valor que
trouxe é inferior ao valor da coisa inicial)?

ü A regra será de que a propriedade pertencerá ao proprietário


da coisa intervencionada à O edifício integrar-se-ia na
esfera do proprietário do terreno.

ü Mas é assim sem mais? De facto o proprietário da coisa


intervencionada não desejou essa intervenção. Está obrigado
a adquirir?

o Quando se trata de uma atuação de má fé, não parece


haver dúvidas na lei de que pode exigir a separação da
coisa, a reconstituição natural, e só se assim quiser,
adquirir o edifício, pagando nos termos rescritos para
o enriquecimento sem causa, o valor desse edifício.

o E quando há uma atuação de boa fé? A lei


estabelece a mesma regra de que tudo dependerá
da vontade do proprietário da coisa
intervencionada? à A lei estabelece essa regra em 2
normas, mas não na generalidade dos regimes.

§ Art.º 1340º (Obras, sementeiras ou plantações


feitas de boa fé em terreno alheio) à Este

87
artigo não estabelece a relevância dessa
vontade.

nº3 à O parece que havendo boa fé e menor


valor acrescentado, a lei não dá faculdade – Se
o valor que o agente de boa fé trouxe é inferior,
a propriedade do que for trazido pertence ao
dono do terreno, com a obrigação de
indemnizar o autor delas do valor que tinham na
altura da incorporação.

Problema à A pessoa não quis que o agente


interviesse, e agora por força da lei está
compelida a adquirir a propriedade dessas
coisas, pagando o seu valor ao agente da
incorporação, sem lhe ser dada a alternativa
dada na má fé, de optar por coisa diversa.

o Mas há duas normas que na opinião do Prof. vêm


estabelecer um princípio geral de vontade do
proprietário da coisa intervencionada.

§ Art.º 1333º nº4 à “Em qualquer dos casos


previstos nos números anteriores (situações em
que o valor relativo das coisas varia), o autor da
confusão (agente) é obrigado a ficar com a
coisa adjunta, ainda que seja de maior valor, se
o dono dela preferir a respetiva indemnização.”

Este artigo diz que o dono da coisa


intervencionada, numa situação em que o
agente atua de boa fé e traz um valor menor,
não é obrigado a ficar com aquilo que resulta
desta intervenção, pode antes optar por entregar
tudo aquilo que foi transformado ao agente,
ficando o dono da coisa intervencionada antes
com a indemnização.

Ex.: No caso do terreno e do edifício, em vez


de ter de ficar com o edifício e pagar o valor ao
agente, pode antes entregar o terreno ao
interventor, pagando o interventor o valor do
terreno.

88
Isto faz sentido porque se trata de proteger
quem não atuou por sua vontade, no sentido de
possibilitar essa intervenção à O dono da coisa
intervencionada nada fez para que isto
acontecesse.

§ Art.º 1336º nº1 à “Quem de boa fé der nova


forma, por seu trabalho, a coisa móvel
pertencente a outrem faz sua a coisa
transformada, se ela não puder ser restituída à
primitiva forma ou não puder sê-lo sem perda
do valor criado pela especificação; neste último
caso, porém, tem o dono da matéria direito
de ficar com a coisa, se o valor da
especificação não exceder o da matéria.”

Nesta última parte estamos a falar de um valor


igual ou inferior ao valor da coisa
intervencionada. A lei diz que o dono da
matéria tem o direito de ficar com a coisa.

Mas isto não é a mesma solução que está no


1340º nº3 à A expressão que a lei usa é
diferente no 1340º é “pertencem ao dono do
terreno”, enquanto que o 1336º diz que o dono
da matéria tem o “direito de ficar com a coisa”,
a faculdade, a opção.

De acordo com o 1336º, se o dono da coisa


intervencionada não quiser ficar com a coisa,
então o agente vai ter de ficar com ela,
indemnizando o dono da matéria pelo valor
correspondente a essa mesma matéria (Ex.:
Papel com texto).

§ Conclusão à À semelhança do que acontece


na má fé, também na boa fé do interventor,
na opinião do Prof., tem que ser dada
liberdade ao dono da coisa intervencionada
para escolher aquilo que pretende fazer,
nomeadamente para não ser obrigado a receber

89
a coisa que foi trazida à coisa intervencionada e
a pagar uma indemnização ao interventor.

Extrai-se destes artigos um princípio geral de


vontade do dono da matéria intervencionada
que se impõe ao agente interventor.

• Em relação ao regime da especificação dos artigos 1336º e 1337º, será


que não o poderíamos aplicar por analogia à acessão industrial
imobiliária (Ex.: Alguém faz grafitti numa casa)?

- Não, devido ao princípio da tipicidade (Art.º 1306º) à O


resultado de aplicarmos analogicamente o regime da especificação
a bens imóveis seria uma restrição ao direito de propriedade. Ao
admitirmos a especificação, a especificação de boa fé significa uma
perda de propriedade (significaria uma perda de propriedade com
base em algo que não está explícito na lei).

• A aquisição por acessão é automática ou potestativa? à Depende de


uma manifestação de vontade do interessado, ou decorre desde logo
da lei?

- O Art.º 1317º do CC, sobre o momento da aquisição do direito de


propriedade por efeito da acessão, não é elucidativo à Diz que nos
casos de ocupação e acessão, a aquisição do direito de propriedade
dá-se no momento da verificação dos factos respetivos.

ü O que é isto da verificação dos factos respetivos? à A lei


não responde em nenhum dos artigos da acessão, havendo
indícios de uma determinada orientação.

ü Esses indícios conduzem a que haja uma tese maioritária


que defende a aquisição potestativa (só há aquisição do
direito de propriedade quando haja uma manifestação de
vontade nesse sentido do interessado).

ü O Prof. HSA tem uma posição diferente à Esta aquisição


só é potestativa, e esta manifestação de vontade do
interessado só é relevante, quando se trate do proprietário
da coisa intervencionada.

o Só a ele é que deve ser dada a possibilidade de se quer


adquirir ou não adquirir a coisa que foi trazida.

90
o O interventor está a interferir num direito de
propriedade alheio, e portanto não podemos dizer que
o proprietário da coisa intervencionada e o
interventor estão na mesma posição, que estão
numa situação equilibrada à A lei garante a tutela
do direito de propriedade, e esse direito está a ser
lesado pela intervenção de um terceiro, e portanto esse
terceiro não pode ter os mesmos benefícios que tem o
proprietário da coisa intervencionada (não se pode dar-
lhe a possibilidade de decidir se quer ou não adquirir a
propriedade).

• Como é que se distingue o fenómeno da acessão do fenómeno da


benfeitorias?

- Quando alguém faz uma benfeitoria, se não for possível separar as


coisas, a aquisição da benfeitoria é automática.

ü Na benfeitoria, parece aplicar-se sempre o princípio


superficie solo cedit.

ü Na acessão industrial não vigora este princípio, sendo que o


interventor pode vir a adquirir a propriedade da coisa
intervencionada.

ü Quando estamos perante uma benfeitoria, dá-se uma


aquisição automática do direito de propriedade em benefício
do proprietário da coisa intervencionada. Se estivermos
perante uma acessão, a solução é diferente, pois vou ter de
distinguir consoante o estado subjetivo do agente (boa ou má
fé), o valor trazido, e a boa vontade do proprietário da coisa
intervencionada.

- Tratando-se de benfeitorias necessárias, independentemente da


boa ou má fé do interventor, o interventor recebe sempre uma
indemnização.

ü Na acessão industrial, se houver má fé do interventor, este


perderá as coisas, se tal for a vontade do proprietário da
coisa intervencionada, e só receberá na medida do
enriquecimento sem causa.

91
ü Nas benfeitorias o interventor de má fé vai receber uma
indemnização sem as limitações que resultam da natureza do
enriquecimento sem causa, ao passo que na acessão
industrial, se estiver de má fé, vai receber de acordo com
essas limitações do enriquecimento sem causa.

- Se a benfeitoria for útil, a lei estabelece que se recorre sempre


ao instituto do enriquecimento sem causa, e independentemente
do estado subjetivo do interventor (esteja ele de má fé ou de boa
fé), o interventor vai receber na medida do enriquecimento sem
causa. Não é isto que acontece na acessão industrial imobiliária.

ü Na acessão industrial imobiliária, se o agente atua de boa fé


e traz um menor valor, tem o direito de receber, se o titular
da coisa intervencionada exercer a sua faculdade de adquirir
a propriedade, o direito a uma indemnização, sem as
limitações do enriquecimento sem causa.

- Como é que sabemos se estamos perante uma benfeitoria ou


uma acessão? à 4 critérios de distinção:

ü Critério subjetivo (Prof. Pires de Lima e Antunes Varela) à


O regime da acessão é aplicável se não houver nenhum
vínculo entre o interventor e a coisa alheia.

o Se quem age não estiver ligado à coisa alheia, aplica-


se o regime da acessão. Mas se existir um vínculo
entre o interventor e a coisa alheia, aplicamos o
regime das benfeitorias.

o Se o interventor for usufrutuário, locatário,


comodatário ou até mesmo possuidor, aplica-se o
regime das benfeitorias.

o Problema à Em bom rigor, este critério vai reduzir a


acessão a muito pouco, porque as situações em que
não haja uma ligação entre o interventor e a coisa
alheia são muito escassas.

§ Desde logo, quando se intervém está-se a


controlar materialmente a coisa, a estabelecer
uma relação possessória.

92
§ Se a posse é suficiente para o estabelecimento
total de vínculo jurídico, então na prática o que
teremos é um vínculo jurídico que afasta o
regime da acessão.

ü Critério objetivo (Prof. Vaz Serra) à Na acessão há uma


alteração da substância da coisa alheia, construindo uma
coisa nova (Ex.: Se construirmos um edifício num terreno).

o Nas benfeitorias o que teríamos seria a conservação


ou melhoria da coisa.

ü Critério pragmático (Prof. José Alberto Vieira) à Fora dos


casos em que a lei remeta para as benfeitorias, aplica-se
sempre a acessão. Só se aplica as benfeitorias nos casos em
que a lei remete para as benfeitorias.

o Situações em que a lei remete para o regime das


benfeitorias à Art.º 1046º nº1, 1074º nº5 (locação)
1138º (comodato), 1450º (usufruto).

o Este critério exclui desta remissão a posse à


Quando estou perante uma situação de posse, apesar
de haver um regime de benfeitorias na posse, eu não
aplico o regime das benfeitorias, mas sim o regime da
acessão.

ü Critério relacional (Prof. HSA) à Chama-se relacional


porque relaciona todos os critérios anteriores, de forma a
encontrar a melhor solução para o caso concreto

o Prevalece o critério objetivo (temos de ver se houve


uma alteração da substância da coisa alheia), mas é
limitado com o critério subjetivo (se, por exemplo,
existe um contrato entre as partes que qualifica aquela
intervenção como sendo de benfeitorias, não posso
aplicar o regime da acessão) e com o critério
pragmático (se houver uma disposição da lei que
remeta para as benfeitorias, não posso aplicar o
regime da acessão).

93
o Em bom rigor, a relevância da acessão só se dá
quando exista boa fé e valor superior à Se não
houver o preenchimento destes 2 requisitos não há
aquisição pelo interventor.

§ Nestes casos justifica-se que haja cuidado no


estabelecimento da diferença entre estas duas
figuras à Muito dificilmente, com o critério
objetivo, eu me afastei da acessão.

§ Mas o critério objetivo também diz que só há


acessão quando há uma alteração da substância
da coisa com a construção de uma coisa nova
à Se se trata apenas de uma melhoria ou de
uma conservação, estou perante uma
benfeitoria.

§ Se digo que o que é relevante são os casos em


que tenho boa fé e valor superior, estes critérios
indiciarão que estarei perante alteração de
substância da coisa à Se fosse apenas melhorar
ou conservar, em geral o valor da intervenção
será menor.

§ Mas se se chegar à conclusão de que não é isto


que ocorre, e que estamos perante uma
intervenção conservatória ou de melhoria, nesse
caso estarei perante uma benfeitoria.

§ Na maior parte dos casos em que a questão se


coloca estou perante fortes indícios de acessão,
mas a acessão é vencida pela prova de que a
intervenção é meramente conservatória ou de
melhoria.

2.2. A modificação

Conteúdo

• Em bom rigor, apesar de existir um princípio da tipicidade, muitos dos


tipos são abertos, o que significa que as partes podem definir o seu
conteúdo. Se assim é, a modificação é livre, subsistindo o direito, uma
vez de os tipos são abertos.

94
- No entanto, também é preciso ter em conta que na medida em que
estejamos em aspetos que não digam respeito a essa liberdade de
conformação, nesse caso o direito vai-se extinguir, porque o direito
surge com aquelas características e com aquele conteúdo preciso.

- Temos de distinguir entre tipos abertos e fechados à Só nos tipos


abertos é que a modificação é livre, e o direito subsiste. Se
estivermos perante um aspeto que diga respeito à característica do
direito real ou ao conteúdo quando o tipo é fechado, então nesse
caso a modificação leva à extinção do direito.

Objeto

• Na modificação voluntária, o direito extingue-se (Art.º 1545º nº1).

• Na modificação legal, o direito pode subsistir (Art.º 1478º e 1536º nº1


alínea b))

2.3. A transmissão

• Os direitos são transmissíveis? à O princípio geral é o de que os


direitos reais são transmissíveis.

- No entanto, conhecemos na lei vários casos de


intransmissibilidade:

ü Usufruto à Não é transmissível mortis causa.

ü Direitos de uso e habitação à Não são transmissíveis nem


mortis causa, nem inter vivos.

- Será possível as partes estabelecerem uma cláusula de


inalienabilidade? à Partes celebram convenção através da qual
aquele direito real não pode ser transmitido.

ü Há que distinguir se essa cláusula tem uma eficácia real (é


oponível erga omnes,) ou se tem uma eficácia meramente
obrigacional,

o Na opinião do Prof. HSA, só se afiguram vedadas as


cláusulas de inalienabilidade com eficácia real.

95
o Se for com eficácia obrigacional, e as partes
estabelecerem que se houver a violação há lugar a
indemnização, mas tal não vincula terceiro, as
cláusulas de inalienabilidade devem ser admitidas.

o Porém, deve-se dizer que o princípio da tipicidade está


construído para a tutela do direito de propriedade, e
nessa medida, o Prof. HSA admite que, ao contrário
do que tem vindo a ser sustentado na doutrina, a única
coisa que verdadeiramente não posso fazer é
estabelecer convenções de inalienabilidade com
eficácia real relativamente ao direito de propriedade.

§ Além de haver cláusulas e convenções de


inalienabilidade com eficácia obrigacional,
podem haver convenções de inalienabilidade
com eficácia real, desde que respeitem a
direitos reais menores.

§ Só se afiguram vedadas estas cláusulas para o


direito de propriedade, porque é assim que o
princípio da tipicidade está construído.

2.4. A defesa

• Defesa dos direitos reais à Do ponto de vista da defesa, há que


distinguir 4 planos essenciais dentro da teoria geral dos direitos reais:

- Ação de reivindicação (Art.º 1311º a 1315º CC) à É uma ação


declarativa de condenação, e que assiste não apenas à tutela do
direito de propriedade, mas também à tutela dos demais direitos
reais de gozo.

ü É importante adicionar que o Art.º 1301º dá-nos algumas


condicionantes adicionais à ação de reivindicação.

ü Este artigo é o reflexo da rejeição, no ordenamento


jurídico português, da ideia segundo o qual a posse vale
titulo.

ü Ideia de proteção de terceiros de boa fé que estejam na posse


de coisa móvel à A transmissão da propriedade opera por
mero efeito de contrato. Esta regra faz com que para que

96
haja transmissão de um direito real, não seja necessário que
a esse facto seja dada qualquer publicidade. Mas os direitos
reais são oponíveis erga omnes – foram criadas algumas
formas de tutela de terceiros de boa fé com o fim de dar
confiança no tráfego jurídico (de outra forma teríamos de
fazer investigações extensivas para perceber se a pessoa de
quem adquirimos é o verdadeiro titular da coisa).

ü Art.º 291º e 17º nº2 à Pretendem tutelar outro tipo de


terceiros, dos efeitos de uma invalidade de negócio em que
não participaram, ou de uma nulidade registal em que não
intervieram.

o A regra da posse vale título tem alguma semelhança


quanto à sua fundamentação à Alguém que de boa fé
adquire posse através de um modo legítimo de
adquirir coisas de mesmo ou semelhante género, e que
o faz de boa fé (Art.º 1301º), também merece alguma
tutela.

o Porque está de boa fé, adquiriu a posse através de


aquisição derivada e pacífica, fundada num modo
legítimo de adquirir à No entanto, no nosso
ordenamento jurídico, a tutela que é oferecida a
este terceiro não opera através do efeito aquisitivo
da posse. O efeito aquisitivo da posse dá-se com o
instituto da usucapião, e não com a regra da posse vale
título.

ü O terceiro ainda assim é tutelado à Tem de restituir a


coisa, mas tem de lhe ser restituído o preço que pagou
pela mesma. O nosso legislador entendeu que esta
aquisição por aquisição de boa fé não merece tutela ao
ponto de consagrar mais um exceção às regras de tutela
substantiva, mas condicionou a restituição do bem à
restituição do preço.

- Meios de defesa possessórios (resulta expressamente do Art.º


1315º) à Defendem desde logo a própria posse, mas a posse está
sempre configurada em razão de um determinado direito de gozo.
Se essa posse for acompanhada desse outro direito, é evidente que
quando o possuidor recorre aos meios de defesa possessórios, está

97
não só a proteger a posse, mas também a proteger esse mesmo
outro direito.

ü Ex.: Quando o possuidor propõe uma ação de restituição da


coisa, está a proteger o controlo material que faz enquanto
possuidor, mas também a titularidade do direito que
acompanha essa posse.

- Ação declarativa de simples apreciação à Descobrimos nos planos


processuais gerais. Podemos ter 2 dimensões, de simples apreciação
positiva e negativa:

ü Positiva à Situação em que o titular pede ao tribunal que


reconheça o seu direito de propriedade ou outro direito real,
que o afirme. Aproveita sobretudo aos titulares de direitos
reais menores.

ü Negativa à Autor pretende obter a declaração de


inexistência de um direito incompatível com o seu. Pede ao
tribunal que venha dizer que um direito que é invocado
contra o seu não existe. Aproveita fundamentalmente ao
proprietário.

- Autotutela dos direitos à 2 normas que remetem para a ação direta


– Art.º 1277 e Art.º 1314º.

ü Estas disposições não são limitativas à Também no âmbito


dos direitos reais vamos encontrar a possibilidade de legítima
defesa, ou do estado de necessidade, dependendo das
circunstâncias do caso concreto.

- Prof. HSA não coloca no plano geral de tutela dos direitos reais
uma ação específica, mas que tem importância à Ação de
demarcação (Art.º 1353º e ss.)

ü Esta ação está vocacionada para a tutela da propriedade (por


isso é que o Prof. não põe no mesmo plano dos outros meios),
e respeita à definição da extensão da coisa titulada.

ü Trata-se apenas de definir a dimensão do espaço em causa à


Importante para a defesa de qualquer direito real, mas requer
sempre a intervenção do proprietário.

98
2.5. A extinção

Quando é que se dá a extinção dos direitos reais?

• Perda total da coisa à Não é necessário que o legislador o diga, o


silêncio do legislador é irrelevante, pois, faltando a coisa, o direito perde
o seu objeto, e extingue-se. Mas ainda assim há normas que dizem
respeito à perda total da coisa:

- Art.º 1476º nº1 alínea d) (usufruto).

- Art.º 1536º nº1 alínea e) (direito de superfície).

• Caducidade à Quando há a superveniência de um facto jurídico stricto


sensu, como o decurso do tempo ou a morte.

- Quanto à morte, nos termos em que a lei assim o estabeleça à O


direito de superfície, por exemplo, é um direito que pode ser
perpétuo, e portanto nesse caso a morte não é uma forma de
extinção do direito real; Mas a morte já é uma forma de extinção
de direito real quando estamos a falar no usufruto e no uso e
habitação, que se extinguem com a morte do seu titular.

- Quanto ao decurso do tempo, nos casos em que o direito seja


temporário à Por exemplo, se se tratar de um direito de superfície.

• Extinção por caducidade do direito legitimador à Quando pelo decurso


do tempo, ou pela morte, um direito que legitimou outro direito se
extingue, então o direito legitimado também se vai extinguir.

- Ex.: Se um direito de superfície se vem a extinguir em razão do


decurso do tempo ou por morte, os direitos que tenham sido
constituídos por esse superficiário, como por exemplo uma
hipoteca (direito real de garantia sobre a coisa que era objeto desse
direito real de gozo), extinguem-se porque se extinguiu por
caducidade o direito legitimador.

- Já não é assim, porém, quando o direito legitimador se vem a


extinguir por razões diversas da caducidade à Nesse caso, há que
tutelar as expetativas legítimas do terceiro, porque este assumiu
que esse seu direito subsistiria durante o tempo em que subsistisse
o direito legitimador.

99
• Constituição originária de um direito totalmente incompatível à Esta
constituição ocorre na expropriação por utilidade pública, na aquisição
por usucapião, ou na acessão.

- Se houver a aquisição de propriedade, ou de um direito totalmente


incompatível com o direito em causa, por expropriação por
utilidade pública, aquisição por usucapião, ou acessão, extingue-se
o direito que até então existia.

- Ex.: Deixei uma terra de que sou proprietário por ser lavrada. Se
há um terceiro que vem e começa a lavrar essa terra, pode vir a
adquirir por usucapião. O efeito dessa aquisição é o de fazer
extinguir o meu direito de propriedade.

• Confusão à Na confusão há a reunião do direito de propriedade e do


direito real menor na esfera da mesma pessoa.

- Ex.: O usufrutuário aliena o usufruto ao proprietário. A partir deste


momento, o usufruto integra-se na esfera do proprietário, e a
propriedade expande-se, readquire as suas faculdades.

• Impossibilidade de exercício à A lei fala algumas vezes na


impossibilidade referindo-se a um prazo de 20 anos (não é disto que
estamos a falar). Estamos a falar numa impossibilidade definitiva de
exercício das faculdades que integram o direito.

- Se já não consigo mais atuar as minhas faculdades, é evidente que


não estou a necessitar de um prazo de 20 anos para ficar
esclarecido quanto à manutenção ou extinção do meu direito.

- Ex.: Uma servidão de pasto foi constituída temporariamente num


terreno alheio, e esse terreno vem a ser contaminado pela libertação
de resíduos tóxicos por uma empresa situada nas proximidades,
sendo que essa lesão acaba por se traduzir na inutilização do pasto
por um período de tempo que excede o direito de servidão.

ü É evidente que o titular do direito de servidão predial vê o


seu direito extinguir-se por impossibilidade definitiva de
exercício, porque o objeto do seu direito já não permite a
atuação das suas faculdades.

• Vontade à Forma de extinção que se traduz nos seguintes fenómenos:

100
- Abandono à Há um ato voluntário praticado com o objetivo de
extinguir o direito (Ex.: Se deito uma caneta para o lixo, extingui o
direito por minha vontade).

ü É um negócio jurídico, não declarativo, mas de atuação da


vontade à Pela minha vontade faço extinguir esse direito
real.

ü Dá origem à possibilidade de um terceiro adquirir por


ocupação.

ü Está restringido às coisas móveis ou animais.

- Renúncia à Já temos um negócio jurídico que assenta numa


declaração de vontade (já não assenta numa atuação da vontade).

ü Abrange coisas móveis e imóveis.

ü Há que distinguir 2 tipos de renúncia:

o Renúncia abdicativa à NJ unilateral que tem por


objetivo a extinção de um direito real.

§ Ex.: Eu, usufrutuário, já não quero continuar


usufrutuário, e então faço extinguir o meu
direito por renúncia.

o Renúncia liberatória à Tem por objetivo fazer


extinguir uma obrigação real (dever de prestar que
existe em razão da titularidade de um direito real).

§ Eu sou titular de um direito real, e por essa


razão tenho um dever de prestar. Quero libertar-
me dessa obrigação, é possível ou não? à A lei
vem admitir, em vários casos esta possibilidade.

§ Mas esta renúncia tem um preço à O da


disponibilização do direito. Não posso dizer
que me liberto da obrigação sem mais, sem
pagar nada por isso.

101
§ Eu não quero perder o direito, mas é o preço
que tenho de pagar para me libertar da
obrigação.

§ Mas a renúncia liberatória pode não levar


forçosamente à extinção do direito à Resulta
do Art.º 1567º nº4, que serve de princípio
geral, que quando se trata de uma renúncia
liberatória, o titular do direito real, porque quer
fazer extinguir a obrigação real, põe ao dispor
do credor o direito real.

Como o propósito do titular do direito não é o


de o extinguir, mas o de mantê-lo sem pagar, a
única coisa que vai acontecer na renúncia
liberatória vai ser que o direito vai ser posto à
disposição do credor.

O credor tem o direito de aceitar ou não aceitar


à Se aceitar, o direito real pode-se extinguir,
mas se o credor não quiser ficar com aquele
encargo, ele recusa.

Havendo recusa do credor, vai haver uma


renúncia liberatória que leva à extinção da
obrigação real, mantendo o titular o direito real
na sua esfera jurídica.

o A renúncia abdicativa leva necessariamente à


extinção do direito real, enquanto que a renúncia
abdicativa leva à extinção da obrigação real, mas
não forçosamente à extinção do direito real.

o Diferenças práticas entre a renúncia abdicativa e a


renúncia liberatória:

§ A renúncia liberatória pressupõe uma obrigação


real, enquanto que a renúncia abdicativa não.

§ A renúncia abdicativa ocorre havendo uma


vontade do beneficiário, que é absolutamente
irrelevante para a extinção do direito real (Ex.:
Renúncia abdicativa por um usufrutuário – O

102
proprietário não é chamado a pronunciar-se
sobre isto). Ao contrário sucede na renúncia
liberatória.

§ A renúncia abdicativa é um negócio gratuito


(sem contrapartidas). A renúncia liberatória é
um negócio oneroso (está a compensar, com a
transmissão do direito real, uma dívida).

§ A renúncia abdicativa é um negócio não


recipiendo (não tem de ser levado ao
conhecimento de ninguém), enquanto que a
renúncia liberatória é um negócio recipiendo.

- Usucapio libertatis à É o contrário da usucapião. Na usucapião,


adquire-se um direito com a contribuição da vontade. A usucapio
libertatis é uma figura que está prevista apenas para servidões
prediais (Art.º 1574º), mas que tem o efeito inverso.

ü Alguém, que tem o encargo sobre uma coisa sua (Ex.:


Alguém é proprietário de um prédio que tem uma servidão
em benefício de um terceiro). Esse proprietário pode opor-se
ao exercício desse direito de terceiro, e se isso se prolongar
de forma eficaz durante um determinado período de tempo
(designadamente 20 anos), liberta-se o direito de propriedade
da servidão.

ü Está-se a extinguir a servidão por oposição, é uma usucapio


extintiva, e não aquisitiva de direitos.

- Não uso à Significa que o não exercício das faculdades


compreendidas nos direitos reais.

ü Art.º 298º nº3 – O legislador estabelece que os direito de


propriedade, usufruto, uso e habitação, enfiteuse, superfície
e servidão podem extinguir-se pelo não uso, aplicando-se ao
não uso as regras da caducidade.

o Mas diz também que essa possibilidade de extinção


ocorre nos casos que estejam especialmente previstos
na lei à Significa que o 298º nº3 não seria uma
norma, só por si, suficiente para permitirmos que estes

103
direitos aqui referidos se possam extinguir pelo não
uso.

o Implicará que tenhamos de olhar para cada um destes


direitos reais, e perceber se em relação a cada um
destes direitos o legislador replica esta possibilidade
que consagra no 298º nº3, e estabelece o não uso
como uma forma de extinção do direito real em causa.

ü Temos várias normas que assim o fazem:

o Art.º 1476º nº1 alínea c) (usufruto) à Estabelece que


o usufruto se extingue pelo não exercício durante 20
anos, qualquer que seja o motivo.

o Art.º 1569º nº1 alínea b) (servidões prediais) à As


servidão extinguem-se pelo não uso durante 20 anos,
qualquer que seja o motivo.

§ Nota: O Art.º 1573º estabelece que o exercício


da servidão em época diferente da acordada não
impede a sua extinção pelo não uso!

ü No entanto, há alguns direitos reais que vêm referidos no


Art.º 298º nº3, e em relação aos quais a lei não estabelece
uma segunda norma a prever a possibilidade de extinção
pelo não uso à Nesses casos é impossível haver extinção
do direito real pelo não uso?

o Prof. HSA à Acredita que sim. Há que distinguir


entre 2 tipos de direitos: o direito de propriedade e
os direitos reais menores, nomeadamente o direito
de superfície.

o O princípio da tipicidade é um princípio estruturante


dos direitos reais (Art.º 1306º). Este princípio
estabelece que não podem ser criadas restrições ou
figuras parcelares do direito de propriedade, senão nos
casos previstos na lei à Significa que o direito de
propriedade é tomado como referência.

§ Se assim é, significa que não podemos


ultrapassar esta dimensão prevista no 1306º e

104
admitir que se possa extinguir o direito de
propriedade pelo não exercício das faculdades
que o mesmo tem durante um certo período de
tempo à Senão, estaria a admitir, fora dos
casos previstos na lei, restrições ao direito de
propriedade.

§ Relativamente ao direito de propriedade, o


princípio da tipicidade impede que se possa
aceitar que o não uso seja uma forma de
extinção do direito, quando não há uma lei
especialmente prevista a acompanhar o Art.º
298º nº3.

o Mas relativamente aos direitos reais menores, a


história é diferente à Como o princípio da tipicidade
não está estabelecido em razão dos direitos reais
menores, e a lei não proíbe a restrição de direitos reais
menores (pois significa um alargamento do direito de
propriedade), a necessidade de lei suplementar não
tem o seu fundamento no princípio da tipicidade.

§ A razão de ser da existência de uma lei


suplementar é, na opinião do Prof., a definição
de um prazo à Não basta dizer que um direito
se extingue pelo não uso. É preciso dizer qual o
prazo relevante para efeitos de extinção pelo
não uso.

§ A verdade é que percorrendo os direitos reais


menores que preveem como causa de extinção o
não uso, o prazo é sempre o mesmo à 20 anos.

§ Assim sendo, podemos dizer com alguma


tranquilidade que essa lei relativamente aos
direitos reais menores é dispensável à Se tem
por objetivo a definição de um prazo, mas é
certo que o legislador vem sempre utilizando o
prazo de 20 anos para a extinção pelo não uso
de direitos reais menores, então podemos fazer
por analogia, a aplicação desta regra ao
direito real menor em relação ao qual não se

105
estabeleça a possibilidade de extinção pelo
não uso.

o Conclusão à Na opinião do Prof., o não uso é uma


forma de extinção dos direitos reais em geral, mesmo
quando não haja uma lei que acompanhe o Art.º 298º
nº3, a não ser relativamente ao direito de propriedade.

• Desnecessidade à A desnecessidade é uma forma de extinção dos


direitos reais?

- Aparece prevista a propósito das servidões prediais, no Art.º


1569º à Não é uma figura estabelecida a respeito de outros
direitos reais.

- A desnecessidade está prevista como uma forma de extinção das


servidões prediais no 1569º, nos nº 2 e 3, estabelecendo a
possibilidade de extinção por desnecessidade relativamente a 2
categorias de servidões prediais:

ü Servidões prediais constituídas por usucapião (nº2) à


“As servidões constituídas por usucapião serão judicialmente
declaradas extintas, a requerimento do proprietário do prédio
serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio
dominante.”

ü Servidões legais (nº3) à “O disposto no número anterior é


aplicável às servidões legais, qualquer que tenha sido o título
da sua constituição; tendo havido indemnização, será esta
restituída, no todo ou em parte, conforme as circunstâncias.”

o O que as caracteriza é a circunstância de não sendo


constituídas voluntariamente, poderem ser
constituídas coativamente à Legislador prevê, em
determinadas situações, a necessidade da imposição
de uma servidão predial relativamente a um
determinado prédio.

§ Ex.: Prédio A tem no seu meio um prédio B. O


titular do prédio B, para poder deslocar-se até à
via pública, tem de passar pelo prédio A. O
proprietário do prédio A não pode exercer as
faculdades do seu direito de propriedade, de tal

106
forma que impedisse o acesso à via pública do
proprietário do prédio B. A lei estabelece a
possibilidade coativa de constituição dessa
servidão (servidão de passagem), porque
reconhece que há uma necessidade.

- O que a lei vem estabelecer é que há direitos reais que se


estabelecem por necessidade.

- O legislador estabeleceu no 1569º a possibilidade de extinção por


desnecessidade relativamente a servidões que são constituídas
sem a contribuição voluntária da pessoa que fica onerada com
essa mesma servidão.

- Podemos extrair daqui um princípio à Quando o direito tenha


sido constituído por necessidade, e essa necessidade venha a
terminar, tratando-se de direitos constituídos sem a
contribuição voluntária da pessoa onerada, o direito deve
extinguir-se por desnecessidade.

ü O que está no Art.º 1569º deve ser disponibilizado para a


generalidade dos direitos reais menores em que haja uma
necessidade, e em que esses direitos tenham sido
constituídos sem a contribuição voluntária da pessoa
onerada.

- Podemos ir mais longe à Mesmo quando não possamos identificar


uma necessidade, mas possamos identificar uma utilidade, o Prof.
acha que o que é mais importante no regime do 1569º é a ideia de
ser imposta a criação dos direitos reais.

ü Quer a servidão legal, quer a servidão constituída por


usucapião, não resultam da contribuição da vontade da
pessoa que é onerada.

ü Sabendo que o nosso sistema está estruturado na lógica da


tutela da propriedade, toda a constituição de direitos reais
que oneram a propriedade, contra a vontade do proprietário,
é uma constituição que deve ser sempre avaliada à
Independentemente da questão da necessidade, que se aplica
claramente aos direitos de uso e habitação quando previstos
pela lei, também a utilidade, ou perda de utilidade, é uma
forma de extinção do direito real menor.

107
o Ex.: Se tiver um direito de usufruto, constituído por
usucapião, não é um direito que se caracteriza pela sua
necessidade, caracteriza-se pela sua utilidade, mas se
foi constituído por usucapião, foi constituído contra a
vontade do proprietário. Assim sendo, pode-se dizer
que se o proprietário conseguir demonstrar que o
direito menor que foi imposto por usucapião não tem
utilidade para o titular, deve o direito extinguir-se.

- Conclusão à Conseguimos retirar do Art.º 1569º que quando haja


desnecessidade, ou, de uma forma mais ampla ainda, quando haja
perda de utilidade, relativamente a direitos reais menores que são
constituídos sem a contribuição voluntária do proprietário, esses
direitos reais menores devem poder extinguir-se por perda de
utilidade, demonstrada, naturalmente, pelo proprietário.

108
III – Os direitos reais em especial

1. A posse

1.1. Considerações gerais

• A posse vem prevista nos artigos 1561º e ss.

Quais os fundamentos de proteção da posse?

• Não estamos a falar num direito real menor como os demais. Estamos a
falar num direito real que tem uma especificidade, que é a circunstância
de se caracterizar sempre por referência aos demais direitos reais.

- Posse de propriedade, posse de usufruto, posse de superfície, etc.

- Está sempre dependente de outro direito real, o que leva a


questionar se a posse será ou não um verdadeiro direito real à O
Prof. HSA considera que de facto, podemos considerar a posse
como um verdadeiro direito real.

• Mas porque se vai tutelar a aparência, e não se exige antes a prova do


direito correspondente à aparência, tutelando esse mesmo direito, e não a
aparência que é criada? à Quais então os fundamentos da posse?

1. Defesa da paz pública

- Prof. Mota Pinto diz que se, por exemplo, o possuidor de um


automóvel não pudesse recorrer aos tribunais para a
restituição do veículo no caso de alguém o ter furtado, e
tivesse de ir demonstrar a propriedade para uma ação
destinada a recuperar o objeto, então na verdade o que iria
fazer era ir buscar o automóvel pelas suas próprias mãos.

ü A prova da propriedade é tão difícil de se fazer, que se


o único instrumento judicial que o possuidor de um
automóvel tivesse para a defesa do seu direito fosse a
prova dessa propriedade, ele preferiria fazer justiça
pelas suas próprias mãos.

109
2. Dificuldade de prova do direito correspondente ao exercício do
possuidor

- Ex. do automóvel: Não basta eu dizer que comprei o


automóvel no stand X. Estou a querer um reconhecimento do
meu direito de propriedade, mas quem me garante que o
dono do stand não furtou o automóvel a um terceiro?

- O que vai acontecer é que em muitas situações, tem de haver


uma demonstração da causa originária de aquisição do
direito de propriedade.

- Se isso não acontecer, a questão pode enredar-se numa


dificuldade probatória, ainda que hajam presunções que
assistem ao possuidor, e ao titular que tem o registo em seu
favor. Se houver uma dúvida séria colocada pela contraparte,
estaremos aí perante uma situação bastante difícil, que não é
desejável para a tutela do direito subjetivo correspondente à
posse.

- É preferível admitirmos que alguém possa proteger o direito


correspondente à posse, não através desse mesmo direito,
mas através da própria posse.

- Na verdade, as situações de tutela de uma posse meramente


formal são marginais (posse não acompanhada da efetiva
titularidade do direito) à Ex.: Alguém possui como se fosse
proprietário, mas não é efetivamente proprietário.

- Risco à Quando admitimos a tutela da posse, podemos estar


a admitir a tutela de uma situação jurídica que não tem na
sua base o direito correspondente à aparência que é criada.

ü Estaremos a admitir que a pessoa que se comporta


como proprietária, mas não é efetivamente
proprietária, seja protegida.

ü Mas é um preço a pagar por um bem maior, a defesa


da paz pública.

110
3. Valor económico correspetivo

- A posse apresenta um inegável interesse económico,


traduzido na utilização e frutificação dos bens, retirando-os
da improdutividade.

ü Ex.: Posse meramente formal à Continua a haver


interesse a dar proteção nestes casos. Se o indivíduo
estiver de boa fé, a lei permite que ele faça seus os
frutos percebidos. Ao darmos esta mensagem para
fora, estamos a permitir que o bem, apesar de não
estar a ser utilizado pelo seu proprietário, não esteja
improdutivo, desde que possamos concluir que
efetivamente, aquele sujeito está de boa fé.

- Nesta medida, a posse deve ser protegida, para contribuir


para a utilização de bens que de outra forma ficariam
improdutivos.

1.2. A posse como um direito real

Podemos qualificar a posse como um direito real, ou é uma coisa diversa?


à Prof. HSA considera que sim.

• Conseguimos identificar na posse, enquanto tal, as faculdades que


caracterizam um direito real à Na posse existe a possibilidade de usar,
fruir e defender uma coisa corpórea, e dela dispor. É isto que
caracteriza um direito real de gozo.

- É claro que em certas condições à Ex.: O possuidor de boa fé


pode fruir, mas o possuidor de má fé vai ter de entregar os frutos
que recebeu, e os frutos correspondentes àquilo que o proprietário
diligente podia ter obtido.

- Também está previsto na lei, para reforçar esta ideia, que o


possuidor possa exigir uma reparação dos danos sofridos quando a
sua posse seja perturbada ou quando seja privado da coisa.

ü A lei prossegue a satisfação de interesses pessoais, mediante


a concessão de poderes diretos e imediatos sobre uma coisa
corpórea.

111
1.3. O tipo

Quando estamos perante uma situação de posse?

• O Art.º 1251º dá uma noção de posse, só que não é uma noção bastante
à “Posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma
correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito
real.”

- Esta noção é tributária de uma história longa a respeito da natureza


da posse à Quando procuramos determinar o tipo posse, temos à
nossa disposição 2 conceções que adquiriram expressão na história,
e que orientam a nossa reflexão:

ü Conceção objetiva de posse (Jhering) à O que temos é um


corpus. Significa que estamos perante a utilização de uma
coisa, em proveito de uma certa pessoa. Há uma expressão
material.

o Quando esta expressão material de uso de uma coisa


em proveito de certa pessoa (corpus) acontece,
estamos perante uma posse.

o Posse esgotar-se-ia no controlo material sobre uma


coisa.

o Corpus

ü Conceção subjetiva de posse (Savigny) à Para haver posse,


além do corpus, é necessário demonstrar um animus, uma
vontade. É preciso que a pessoa que se quer valer do regime
da posse demonstre a intenção de exercer um direito real.

o Corpus + animus

• Qual a opção do direito português? à Na noção do CC, não


conseguimos extrair nenhuma opção pela conceção objetiva ou pela
conceção subjetiva. À primeira vista precisaríamos de mais indicações,
embora haja uma aproximação desta noção relativamente a uma das
conceções.

- É certo que geralmente se reconhece que no Art.º 1251º, esta


“atuação por forma correspondente ao exercício do direito de

112
propriedade ou de outro direito real” confirmará a existência de
uma intencionalidade à Ideia de que há um comportamento
correspondente ao exercício desses direitos reais, se houver uma
vontade nesse sentido.

ü Embora o 1251º não o esclareça, estaríamos a caminhar


para uma conceção subjetiva.

- Mas se formos ao Art.º 1253º sobre a simples detenção, na alínea


a) diz-se que “são havidos como detentores ou possuidores
precários os que exercem o poder de facto sem intenção de agir
como beneficiários do direito”.

ü Aqui há uma referência clara à vontade à Parece que


estamos a consolidar a impressão que retirámos do 1251º de
que é necessária a intencionalidade, de que afinal é
necessário um animus.

ü Acaba por dizer que a intenção é a fronteira entre a


posse e a detenção.

- O direito português adotou uma conceção subjetiva mitigada.

ü O que o Art.º 1253º alínea a) estabelece é que não são


considerados possuidores as pessoas que exercem o poder de
facto, sem a intenção de agir como beneficiários do direito.

o Não é uma norma que venha dizer quem é que é


possuidor. É pelo contrário uma norma que vem dizer
quem é que não é possuidor, e deve ser considerado
apenas como detentor.

o Retira-se a ideia de que para haver posse, não é


afinal preciso demonstrar o animus como a
conceção subjetiva estabelece à Estamos perante
uma norma que vem dizer que se alguém demonstrar
que certa pessoa não tem a intenção de agir como
beneficiário do direito, então essa pessoa não é
considerada como possuidora, mas sim como
meramente detentora.

o Extrai-se daqui a ideia de que, afinal, a intenção é


relevante, mas está presumida no controlo material

113
que se faz à Quando alguém controla materialmente
uma coisa, presume-se que o faz de forma
correspondente ao direito de propriedade ou de outro
direito real.

o Certo é, porém, que se se demonstrar que a pessoa não


tinha intenção de agir como beneficiário do direito,
nesse caso haverá apenas detenção.

o Acabamos por ter uma mistura entre a conceção


objetiva, que se basta com o controlo material
(estamos aqui a dizer que se houver a prova do
controlo material, nasce uma presunção
possessória), e a conceção subjetiva, pois a verdade
é que admitimos que a demonstração de uma
vontade contrária seja relevante para retirar a
qualificação como posse.

§ Se demonstrar que a presunção de animus não


corresponde à realidade, nesse caso a pessoa
não vai ser qualificada como possuidora, mas
sim como detentora.

ü Podemos encontrar noutras normas a confirmação desta


qualificação:

o Art.º 1252º nº2 à Quando se diz que em caso de


dúvida, se presume a posse naquele que exerce o
poder de facto, sem prejuízo do disposto no nº2 do
Art.º 1257º (ideia de que o controlo material é
suficiente para fazer nascer uma presunção de posse).

o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de


14/05/96 à Veio acolher a lógica de uma posse em
que a suficiência da demonstração do controlo
material existe, embora o animus não seja irrelevante.

o Art.º 1253º alínea c) à Norma que estabelece que são


havidos como detentores as pessoas que se
qualifiquem como representantes ou mandatários do
possuidor, e de um modo geral, todos os que possuem
em nome de outrem.

114
§ Estamos a falar de pessoas que não têm a
possibilidade de serem qualificadas como
possuidoras apesar de terem um controlo
material da coisa, uma vez que se demonstrou
que a causa desse controlo material é uma razão
diversa de um direito de propriedade, ou outro
direito real.

o Art.º 1266º e 1289º nº2 à Prescindem do uso da razão


para a constituição da posse.

§ Art.º 1266º à Estabelece que podem adquirir


posse todos os que têm uso da razão, e ainda os
que o não têm, relativamente às coisas
suscetíveis de ocupação.

§ Art.º 1289º nº2 à Vem dizer que os incapazes


podem adquirir por usucapião, tanto por si,
como por intermédio das pessoas que
legalmente os representem.

§ Retira-se destas normas a ideia de que a


vontade é desconsiderada de forma tal que
nunca poderíamos dizer que o animus seria um
elemento estruturante da possibilidade de
identificação de uma situação possessória à A
conceção subjetiva é perturbada pela ideia de
que a própria lei retira relevância à vontade,
seja para a constituição da posse, seja para a
definição dos termos em que se pode adquirir
por usucapião.

§ Confirmação da conceção subjetiva


mitigada.

• Art.º 1253º à Vem dizer quais as situações em que havendo um controlo


material da coisa, ainda assim não podem ser consideradas como
situações de posse. São apenas situações de detenção.

- Situações de posse interdital à Quer dizer que a pessoa até pode


beneficiar de meios de defesa possessórios, mas nunca poderá
beneficiar dos efeitos mais importantes da posse, como por

115
exemplo a possibilidade de adquirir o direito correspondente à
posse por usucapião.

- alínea a) à Prof. HSA acredita que o que temos é uma situação


em que alguém declara, ou tem um comportamento, que exterioriza
uma mera detenção.

ü Ex.: Pessoa que age em gestão de negócios. A lavra o


terreno de B. A está a controlar materialmente a coisa, e por
isso deveria ser considerada possuidora. No entanto, seja
porque A declara na comunidade que está a fazê-lo em
benefício do seu vizinho, seja porque vai depositando o
produto das colheitas na conta do dono do negócio, a
verdade é que, em qualquer dos casos, conseguimos concluir
que essa pessoa não está a agir com a intenção de ser
beneficiária do direito de propriedade. Está a agir para com
terceiro.

- alínea b) à Também não pode ser considerado como possuidor


aquele que, controlando materialmente a coisa, o faz apenas por
tolerância do titular do direito.

ü A tolerância do titular do direito ocorre em 3 situações:

o Quando há uma renúncia de facto à defesa do direito

§ Ex.: Um vizinho utiliza uma pequena parcela


de terreno alheio, para melhor lavrar o seu
terreno. O proprietário dessa parcela de terreno
que é utilizada pelo vizinho acaba por nada
fazer, por uma questão de cortesia, boa
vizinhança. Está a renunciar à defesa do direito
porque aquilo que está a acontecer é
compreensível. É uma violação pequena, e o
proprietário do terreno percebe que o vizinho
não se quer apropriar do mesmo.

o Situação em que há uma permissão expressa de


utilização, feita em benefício das relações de boa
vizinhança, cortesia, de amizade ou familiares

116
§ Não existe vontade de criar um direito de
crédito em benefício de um terceiro (há apenas
uma relação extra-jurídica).

§ Situação em que não estamos simplesmente a


falar numa desconsideração do que está a
acontecer, mas situações em que o titular
permite a utilização de uma coisa própria, só
que fica claro que essa utilização é entendida
como livremente revogável.

§ O que aconteceu foi apenas uma autorização


por cortesia.

o Quando um titular não aproveita todas as utilidades da


coisa que tem, e um terceiro aproveita essas
faculdades que não têm utilidade para o titular

§ Ex.: Tem fonte de água, mas a água não é


necessária na sua totalidade para si.

§ Um terceiro que aproveite este resto de água


nunca pode vir dizer que está a possuir as águas
à Na verdade são águas que apenas são
aproveitadas pelo terceiro na medida em que o
titular do direito não necessita delas.

§ A partir do momento em que necessite delas,


pode chamar a si as suas utilidades, sem por
isso estar a violar direito nenhum.

- alínea c) à Não podem ser considerados como possuidores os


representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral,
todos os que possuem em nome de outrem.

ü Representantes ou mandatários do possuidor à É claro que


não estão a agir em nome próprio. Não levanta dúvidas.

ü “todos os que possuem em nome de outrem” à Trata-se de


uma situação em que alguém controla materialmente uma
coisa, mas o fundamento jurídico para esse controlo material
é descoberto, em termos dos direitos reais, numa esfera
jurídica alheia.

117
o Ex.: Um arrendatário controla materialmente a coisa
que foi arrendada. Mas onde está a legitimação
correspondente a um direito real? à Está no
proprietário.

o Ex.: Comodatário relativamente ao comodante;


depositário relativamente ao depositante.

§ São detentores, não possuidores, na medida em


que são credores, no contexto de um contrato.

o Até se pode tratar de um titular de um direito real na


relação com outro titular de um direito real.

§ Ex.: Usufrutuário à O usufrutuário é possuidor


do direito de usufruto, mas quem permitiu que
ele passasse a controlar em termos de usufruto a
coisa? – O proprietário. Então significa que o
usufrutuário é simultaneamente possuidor do
usufruto, e detentor do direito de propriedade.

Relativamente ao direito de propriedade, a


legitimação está em esfera jurídica alheia, e não
em esfera jurídica própria.

1.4. As classificações da posse e os seus efeitos

A partir do momento em que determino que estou perante a posse, vou ter de
classificá-la.

Temos 4 classificações doutrinais:

• Posse civil ≠ Posse interdital

- Posse civil à Posse que é adequada a produzir todos os efeitos da


posse.

- Posse interdital à Posse que apenas acolhe parte do regime


possessório, designadamente os meios de defesa da posse.

118
ü Ex.: O usufrutuário tem uma posse civil do usufruto, e uma
posse interdital do direito de propriedade. Porque é detentor
do direito de propriedade, é usufrutuário.

• Posse causal ≠ Posse formal

- Posse causal à Posse que é acompanhada da efetiva titularidade


do direito.

- Posse formal à Posse que não é acompanhada da efetiva


titularidade do direito.

ü Ex.: Alguém possui como se fosse proprietário, mas não tem


o direito de propriedade.

• Posse efetiva ≠ Posse não efetiva

- Posse efetiva à Aquela em que há a prática de atos materiais


sobre a coisa que é objeto da posse.

ü Ex.: Para haver usucapião é necessário que haja posse


efetiva.

- Posse não efetiva à Aquela em que não há a prática de atos


materiais sobre a coisa que é objeto da posse.

• Posse registada ≠ Posse não registada

- Posse registada à Aquela em que o título de aquisição ou a mera


posse beneficiam de registo. Aquela que beneficia de um registo.

- Posse não registada à Aquela que não beneficia do registo, que


não aparece refletida no registo.

Temos 4 classificações legais (Art.º 1258º a 1262º):

• Posse titulada ≠ Posse não titulada à Art.º 1259º

- Posse titulada à Posse que se funda num modo legítimo de


adquirir (Ex.: Numa compra e venda, numa doação, etc.)

119
ü "independentemente, quer do direito do transmitente, quer da
validade substancial do negócio jurídico” à A lei não
prescinde da validade formal.

ü A posse titulada é aquela que se funda num modo legítimo


de adquirir, mesmo que o transmitente não tenha direito para
a transmissão, ou que o NJ sofra de uma invalidade
substancial, mas é essencial que o NJ seja formalmente
válido à Senão, estamos perante uma posse não titulada
(Ex.: Se num negócio de compra e venda de imóvel não se
celebra escritura pública).

ü Presume-se de boa fé (Art.º 1260º nº2).

- Posse não titulada à Posse que não se funda num modo legítimo
de adquirir.

ü Presume-se de má fé (Art.º 1260º nº2).

• Posse de boa fé ≠ Posse de má fé à Art.º 1260º

- Posse de boa fé à Quando o possuidor ignorava, ao adquirir a


posse, que lesava o direito de outrem.

- Posse de má fé à Quando o possuidor sabia, ao adquirir a posse,


que lesava o direito de outrem.

• Posse pacífica ≠ Posse violenta à Art.º 1261º

- Posse pacífica à Aquela que foi adquirida sem violência.

- Posse violenta à Aquela em que houve coação física ou moral.

ü Quando se trata de coação física, estamos a falar numa


violência exercida sobre a própria coisa ou coisa onde ela se
encontra.

ü Ex.: Eu, para roubar um relógio, parto o vidro de uma casa.

• Posse pública ≠ Posse oculta à Art.º 1262º

ü Posse pública à Aquela que se exerce de modo a ser conhecida


pelos interessados.

120
ü Posse oculta à Aquela que se exerce de forma a que os
interessados não a conheçam. Não há possibilidade de que os
interessados a conheçam.

Reflexos destas classificações no regime da posse:

• Art.º 1269º (uso) à Diz que o possuidor de boa fé só responde pela


perda ou deterioração da coisa se tiver procedido com culpa.

- Dá relevância à distinção entre posse de boa e má fé.

- O possuidor de má fé responde sempre pela perda ou


deterioração da coisa, mesmo que não tenha procedido com
culpa à Interpretação a contrario do artigo.

- Ex.: Um possuidor de má fé de um veículo responde pela


deterioração progressiva do veículo.

• Distinção entre posse efetiva e não efetiva está presente desde logo na
própria definição do tipo posse. Existe a posse não efetiva porque há
determinadas circunstâncias em que a lei admite que possa existir posse,
apesar de não haver posse material da coisa à 2 exemplos:

- Art.º 1255º (sucessão na posse) à Quando A, que é possuidor,


falece, e B, que é seu herdeiro, vem a entrar nessa posse, essa
transmissão da posse dá-se independentemente do sucessor ter o
controlo material sobre a coisa.

- Art.º 1267º alínea d) (perda da posse) à “O possuidor perde a


posse pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo
possuidor, se a nova posse houver durado por mais de um ano.”

ü Ex.: O meu relógio é esbulhado à Este artigo diz-nos que


durante esse período, até que decorresse esse prazo que a lei
define, a pessoa que viu o seu relógio ser esbulhado não tem
o controlo material sobre a coisa, e no entanto continua a ser
possuidor.

• Art.º 1270º a 1272º (fruição) à Relevam também no que diz respeito à


distinção entre posse de boa e de má fé.

121
- Art.º 1270º nº1 à Prevê-se que o possuidor que tenha agido de boa
fé faz seus os frutos percebidos, até à data em que souber que está
com a sua posse a lesar o direito de outrem.

- Art.º 1271º à Já o possuidor de má fé perde os frutos que


recebeu até ao termo da posse, e responde, além disso, pelo valor
daqueles que o proprietário diligente poderia ter obtido.

• Art.º 1275º (benfeitorias voluptuárias) à Também releva a distinção


entre posse de boa e de má fé.

- nº1 à O possuidor de boa fé tem o direito de levantar as


benfeitorias voluptuárias se não se der o detrimento da coisa, e só
quando não consegue levantar as benfeitorias voluptuárias nestes
termos é que, então, não pode levantá-las nem haver o valor delas.

- nº2 à O possuidor de má fé perde, em qualquer caso, as


benfeitorias voluptuárias que haja feito.

• Art.º 1276º a 1286º (meios de defesa da posse) à Também relevam para


estas várias distinções.

- Serão meios de natureza:

ü Judicial à Ação de prevenção, ação de manutenção, ação


de restituição, restituição provisória da posse, embargos de
terceiro.

o Estes vários meios são institutos que têm o seu meio


de aplicação próprio:

§ Ação de prevenção (Art.º 1276º) à Situação


em que um terceiro ainda não está a ser
perturbado, mas tem receio de ser perturbado ou
esbulhado por terceiro. Pode agir, pedindo ao
tribunal que intime o autor da ameaça a abster-
se do comportamento, sob pena de multa e
responsabilidade pelo prejuízo causado.

§ Ação de manutenção (Art.º 1278º + 1281º


nº1) à Alguém já está a ser perturbado no
exercício da posse, embora não seja privado do
exercício da posse. Situação em que a pessoa

122
não tem a possibilidade de exercer a posse da
forma que o direito que lhe assiste permitiria.

§ Ação de restituição (Art.º 1278º + 1281º nº2)


à Situação em que a pessoa já foi privada da
posse. Pessoa pode propor uma ação para que
lhe seja restituído o bem que possuía.

§ Restituição provisória da posse (Art.º 1279º)


à Providência cautelar. Até que se decida se
deve haver lugar ou não à restituição, a
restituição provisória da posse é um
instrumento que a lei prevê de modo a que a
pessoa possa desde logo receber a coisa, ainda
antes da ação de restituição terminar.

Aqui entendeu-se que em razão do tipo de facto


que está a ser levado a tribunal (circunstância
de ter havido uma posse violenta), pode haver
uma restituição provisória, sem que a outra
parte seja ouvida.

§ Embargos de terceiro (Art.º 1285º) à Trata-


se de uma reação contra um procedimento
judicial, uma penhora, uma diligência ordenada
judicialmente.

o Estes vários instrumentos têm, alguns deles, reflexos


das classificações que acabámos de ver.

§ Art.º 1281º nº2 (ação de restituição) à Só pode


ser oposta contra um possuidor de má fé.

§ Art.º 1279º (restituição provisória da posse) à


O decretamento da providência cautelar de
restituição provisória da posse depende da
prova de uma posse violenta.

Releva a distinção entre posse pacífica e


violenta.

§ Art.º 1282º (caducidade) à “As ações de


manutenção e de restituição da posse, caducam,

123
se não forem intentadas dentro do ano
subsequente ao facto da turbação ou do
esbulho” – significa que alguém que foi
perturbado ou está a ser esbulhado tem 1 ano
para reagir. Se o não fizer, seu direito caduca.

“ou ao conhecimento dele quando tenha sido


praticado a ocultas” à A lei está a dar aqui
relevância ao facto de a posse poder ter sido
constituída ocultamente (Ex.: Terceiro esbulha
relógio, e leva-o para casa ocultamente). Nestes
casos o prazo de caducidade só começa a contar
a partir do momento em que o possuidor tenha
conhecimento do esbulho.

Embora a lei não diga nada neste artigo, a


norma do 1267º nº2 diz que mesmo perante o
prazo de 1 ano e 1 dia para a pessoa que não
tenha controlo material da coisa deixe de ter a
posse, não se começa a contar logo se tiver
havido uma posse oculta, ou uma posse
violenta.

Esta norma tem de estar em coincidência com o


regime de caducidade à Estabelece-se um
prazo de caducidade de 1 ano, pois durante esse
ano, a pessoa que foi perturbada ou esbulhada
pode reagir porque ainda tem posse.

Assim, o Art.º 1282º tem de ser lido à luz do


1267º nº2 à O prazo de 1 ano começa a contar
não apenas no caso da posse oculta, quando se
tenha conhecimento do esbulho, mas também
no caso da posse violenta, quando a violência
cesse (posse violenta se transforme em posse
pacífica).

§ Art.º 1280º (exclusão das servidões não


aparentes) à Por outro lado, as ações de
prevenção, de manutenção, ou de restituição da
posse, são inaplicáveis à defesa das servidões
não aparentes (servidões em que não existe
publicidade).

124
ü Extrajudicial à Ação direta (na opinião do Prof. também
devemos incluir aqui o estado de necessidade e a legítima
defesa).

• Usucapião à Só pode haver aquisição por usucapião quando a posse é


civil, efetiva, pacífica e pública.

- A aquisição por usucapião vai ter prazos diferentes, consoante as


características da posse.

ü Segundo Art.º 1294º, se tiver uma aquisição registada, o


prazo, sendo a posse de boa fé, é de 10 anos; mas se não
tiver uma posse registada, segundo o Art.º 1296º, o prazo da
posse de boa fé passa para 15 anos.

ü Se a posse for de boa fé, o prazo é menor; se a posse for


de má fé, o prazo é maior à Ex.: 1294º - Posse de boa fé o
prazo é de 10 anos; posse de má fé o prazo é de 15 anos.

- Art.º 1297º nº1 à Determina que se a posse tiver sido constituída


com violência ou tomada ocultamente, os prazos da usucapião
só começam a contar-se desde que cesse a violência ou a posse
se torne pública.

ü Art.º 1300 nº2 à Determina que se a coisa possuída passar


a terceiro de boa fé antes da cessação da violência ou da
publicidade da posse, pode o interessado adquirir direitos
sobre ela passados quatro anos desde a constituição da sua
posse, se esta for titulada, ou sete, na falta de título.

1.5. Vicissitudes da posse

Como é que a posse adquire, e como é que se perde?

1.5.1. A aquisição

A aquisição pode ser originária ou derivada:

• Originária à Modos de aquisição da posse que não provêm de uma


transmissão, nascem ab initio na esfera jurídica do beneficiário. 2
fenómenos:

125
- Apossamento (Art.º 1263º alínea a)) à Para que haja apossamento
é necessário que se verifiquem 3 características: materialidade,
publicidade, e reiteração.

ü Ex.: Se A furtou um relógio a B, que estava na rua, é


evidente que passamos a ter uma aquisição da posse por
apossamento – o esbulhador adquire posse porque há
materialidade e publicidade.

ü A lei fala em reiteração, mas é dificilmente entendível o que


é que isso quer dizer à O que é uma “prática reiterada dos
atos correspondentes ao exercício do direito”?

o Reiterada até quando? Não teríamos termos


específicos para a aquisição por apossamento.

o Nessa medida, o Prof. considera que a reiteração não


é um elemento necessário para a aquisição por
apossamento, mas é um elemento importante para a
perda da posse à Só a reiteração é que garante a
publicidade ao longo do tempo, necessária para que o
outro possa perder a posse.

- Inversão do título da posse (Art.º 1263º alínea d); Art.º 1265º) à


Temos uma situação em que um detentor passa a possuidor –
alguém que controlava materialmente a coisa deixa de a controlar
como detentor (nos termos de uma das figuras do 1253º), e passa a
controlar a coisa como possuidor. O Art.º 1265º prevê 2 tipos de
inversão do título da posse:

ü Inversão do título da posse por oposição do detentor do


direito contra aquele em cujo nome possuía

o Estamos a falar numa vontade exteriorizada, que


supere a desqualificação que era feita pelo 1253º (Ex.:
O comodatário era detentor. Para passar a possuidor
por oposição, vai ter de ter um comportamento, ou
declarativo, ou que traga uma expressão clara de uma
vontade, no sentido de demonstrar que, relativamente
à coisa, já não se considera um mero detentor, mas
sim um possuidor).

126
§ Prof. HSA à A oposição é um ato recipiendo,
não se basta com comportamentos que
denunciem a vontade. É preciso que essa
vontade seja levada ao conhecimento do
titular do direito. Só essa comunicação é que
vence a confiança do titular do direito.

Assim, para que haja oposição, não basta um


incumprimento de uma obrigação de restituição,
é necessário que a intenção de apropriação
material como possuidor e não mero
detentor seja levada ao conhecimento do
possuidor.

Ex.: A empresta a B um automóvel para que


este o utilize durante as férias. Uma vez
regressado, B começa a usá-lo como veículo de
aluguer para turistas. Quando instado por A
para restituir o veículo B, ameaça-o com prática
de atos de violência física se A promovesse
ação judicial contra si.

Neste caso, o Prof. HSA considera que o ato de


oposição se dá quando B ameaça A, e não
quando B começa a utilizar o veículo para
aluguer de turistas.

Vai de encontro à posição dos professores Pires


de Lima e Antunes Varela.

§ Prof. Orlando de Carvalho à Aceita a


possibilidade de uma oposição implícita.
Quando alguém pratica atos jurídicos sobre a
coisa, estamos perante uma forma de oposição,
que sendo implícita, é relevante para efeitos de
aquisição da posse.

Não há, pois, declaração nenhuma, no sentido


de uma declaração por meios notificativos
diretos. Há, porém, um ou vários factos
concludentes.

127
ü Inversão do título da posse por ato de terceiro capaz de
transferir a posse

o Alguém, que não tem a qualificação de possuidor, cria


uma situação de aparência perante o detentor, fá-lo
confiar nessa situação, e pratica um ato de transmissão
de uma coisa que não tem, que é a posse, em benefício
do detentor.

o Ex.: A, exibindo uma certidão de óbito e um


testamento falsos, vende o apartamento que pertencia
a B ao C, que é arrendatário do apartamento.

§ Vou proteger a confiança do arrendatário, pois


o arrendatário acredita que está a comprar a
quem é efetivamente titular do direito.

§ Merece ser qualificado como possuidor, por


inversão do título da posse por ato de terceiro,
pela confiança gerada (pressupõe a boa fé do
detentor), mas não por ato praticado pelo
anterior possuidor.

o O titular do direito também perderá a posse, nos


termos do Art.º 1267º nº1 alínea d) à Perde-se a
posse, não beneficia os efeitos da posse, e não pode
defender a sua situação jurídica senão através do
direito que corresponda a essa mesma posse.

• Derivada

- Tradição (Art.º 1263º alínea b)) à Tem que haver um ato


praticado pelo anterior possuidor em benefício do novo possuidor.
A legitimação que o terceiro vai adquirir pode ocorrer em virtude
de atos materiais ou simbólicos.

ü Material à Questão está resolvida. Há entrega da coisa do


anterior possuidor ao novo possuidor.

ü Simbólica à Pode dar-se por 1 de 3 tipos:

o Traditio longa manu à Há um acordo entre as partes


de transmissão da posse, feito na presença da coisa.

128
o Traditio ficta à Há um acordo entre as partes de
transmissão da posse, que não é feito na presença da
coisa.

§ Ex.: Escritura pública de um terreno.

o Traditio brevi manu à Há um acordo em que não há


deslocação material da coisa, mas o novo possuidor
passa a controlar materialmente a coisa como
possuidor. Acordo que tem por partes o detentor e o
possuidor.

§ Ex.: Proprietário vende a coisa de que é


proprietário ao arrendatário. O anterior
possuidor transmite a coisa ao novo possuidor,
sendo que o novo possuidor já controlava
materialmente a coisa como detentor.

Nota: É importante, nos casos em que temos uma compra e venda com
reserva de propriedade e há entrega da coisa, e nos casos de contrato-
promessa com entrega da coisa, saber se aquele a quem é entregue a coisa é
detentor ou mero possuidor.

• Doutrina tradicional – Prof. Pires de Lima e Antunes Varela à De


harmonia com o entendimento da necessidade de haver animus, o
promitente adquirente e adquirente de contrato de reserva de propriedade
não são proprietários. Não existe animus. O promitente e devedor que não
paga não têm maneira de acreditar que existe posse nos termos de direito
de propriedade.

• Prof. Henrique Sousa Antunes e Menezes Cordeiro à Existe um


princípio de tipicidade em relação aos próprios direito reais, mas não em
relação aos contratos que transmitem ou constituem direitos reais. Não há
limite aos contratos que podem constituir posse. A questão é saber qual a
natureza desta posse. Temos 3 naturezas diferentes:

1. Tradição da coisa visou antecipar o cumprimento definitivo à


Aqui o controlo material é semelhante ao de proprietário.

Ex.: Contrato de compra e venda com reserva de propriedade. Se


já se pagou 95% do preço, então a tradição da coisa é uma

129
antecipação do cumprimento definitivo. Assim, o devedor é
possuidor nos termos do direito de propriedade.

2. Casos em que a tradição da coisa tem natureza de mero favor


ou tolerância do alienante à Ainda não foi paga nenhuma parte
do preço. A posse é uma mera detenção, exercida em termos
semelhantes à do contrato de comodato (contrato gratuito).

3. Casos em que a tradição da coisa tem um caráter


remuneratório mas ainda não de antecipação do cumprimento
à Controlo material, detenção, assemelha-se ao do locatário
(locação é um contrato oneroso).

Pode ocorrer depois de pagamento de sinal, que embora não se


aproximando da totalidade do preço, será, por exemplo, de 25% ou
30%.

- Constituto possessório (Art.º 1263º alínea c) + Art.º 1264º) à


Forma de tradição simbólica da posse, sentido oposto à inversão do
título da posse – na inversão o detentor passa a possuidor; aqui o
que acontece é que o possuidor passa a detentor.

ü Art.º 1264º nº1 à “Se o titular do direito real, que está na


posse da coisa, transmitir esse direito a outrem, não deixa de
considerar-se transferida a posse para o adquirente, ainda
que por qualquer causa, aquele continue a deter a coisa.”

o Ex.: A compra joia para B, e não quer que ela seja


entregue naquele momento em sua casa, nem levá-la
para casa, porque tem receio que B descubra a
surpresa que lhe quer fazer. Pede a ao dono da loja
que guarde a joia até à data em que pretende oferecê-
la.

§ Estamos perante constituto possessório porque


o titular do dono da joia, o dono da loja, vendeu
a joia a A, mas continuou a controlar
materialmente a coisa.

§ Este controlo material tem uma causa, o acordo


feito entre A e o dono da loja.

130
§ Como houve a venda da joia a terceiro, esse
terceiro vai adquirir não só a propriedade,
mas também a posse, apesar de não ter o
controlo material da coisa, por constituto
possessório.

§ A pessoa que era possuidora, o dono da loja,


passa agora a ser um detentor.

- Sucessão na posse (Art.º 1255º) à A lei prevê que quando um


possuidor falece, a posse vai continuar nos seus sucessores.
Significa que o herdeiro do possuidor vai adquirir a posse, com as
exatas características que a posse tem no de cujus (pessoa que
faleceu).

ü Ex.: Se a posse do de cujus era uma posse de má fé,


continua a ser de má fé.

ü ≠ Acessão da posse (Art.º 1256º)

o “Aquele que houver sucedido na posse de outrem por


título diverso da sucessão por morte pode juntar à sua
a posse do antecessor”

§ Ex.: Houve uma tradição material, e houve um


constituto possessório. Neste caso, porque há
aquisição derivada, e não é uma sucessão na
posse, pode haver uma acessão da posse.

o A acessão da posse é voluntária, coisa que não sucede


na sucessão na posse (impõe-se à vontade do
herdeiro).

o Tem uma grande vantagem à Ex.: A possuiu durante


10 anos, mas tal não é suficiente para adquirir por
usucapião. No entanto, A comprou a coisa a B. Neste
caso, a lei admite que a pessoa possa juntar as posses,
para efeitos de usucapião.

§ Uma vez que há uma aquisição derivada, há


uma continuidade, e a lei vem permitir que essa
junção seja feita para efeitos de aquisição por
usucapião do direito correspondente à posse.

131
§ Ex.: Aquisição do direito de propriedade por
usucapião à Se A possui há 10 anos, e B
possuía há 12 anos, então juntando as duas,
tenho 22 anos, o que já é suficiente para
adquirir por usucapião.

o A junção é possível, mas exige não só uma aquisição


derivada, como também posses contínuas.

o A lei diz que a posse dá-se nos termos da posse de


menor âmbito, ou seja, a acessão dá-se nos termos da
posse de menor âmbito à Se uma pessoa tiver a posse
de um direito de usufruto, e a posse de um direito de
propriedade, se quiser adquirir por usucapião o
usufruto, e juntar o direito de propriedade, pode fazê-
lo, mas só vai adquirir o usufruto.

§ Por outro lado, é preciso termos em conta as


piores características à Ex.: Se a pessoa que
junta à sua posse a posse do antecessor, está de
boa fé, mas a posse do antecessor é de má fé,
então, para efeitos de usucapião, a posse vai ser
tratada como sendo de má fé.

o Quais os requisitos da acessão?

§ Orientação clássica à Para haver acessão, tem


de haver um NJ válido. Se exigíssemos isto,
neste caso não poderíamos recorrer à acessão.

§ Prof. Henrique Sousa Antunes à Deve haver


um NJ, mas não é necessário que ele seja
válido. A finalidade da acessão na posse é
facilitar a aquisição por usucapião. Por isto, não
faz sentido que as condições para recorrermos à
acessão sejam mais exigentes que a própria
usucapião. Tem de haver negócio translativo,
mas este não tem de ser válido (negócio entre A
e D não tem de ser titulado).

Se não fosse assim, estaríamos a pôr de lado a


acessão quando a posse não é titulada.

132
o Art.º 1256º nº2 à O que está aqui em causa é que
nos casos em que falamos em direitos da mesma
natureza e espécie (Ex.: 2 direitos de propriedade), se
a posse do antecessor tiver características piores, e
que dificultam, portanto, a aquisição por
usucapião, são essas que prevalecem (Ex.: Se a
posse do antecessor for violenta, então vamos aplicar
o prazo para a usucapião que se aplicaria se a posse
fosse violenta).

o 1256º nº1 à Não é possível recorrer à acessão do


sucedente.

§ E, enquanto sucessor de D, nunca pode aceder à


posse de D. E, como herda a posse de D, só
pode aceder à posse de A.

o A acessão só serve para a aquisição por usucapião à


E sucede na posse a D, e pretende aceder à posse de
A. A junção da posse de A só tem relevância para
efeitos da aquisição da propriedade por usucapião.

§ Em relação a indemnizações que B (quem


possui antes de A) possa ter em relação a A,
estes direitos mantêm-se, apesar da acessão.

o Não se pode opor a acessão ao imediato antecessor, ou


seja, àquele à qual cuja posse se vai aceder.

o Há quem defenda que numa hipótese em que temos


um terceiro de boa fé (de acordo com as regras do
registo), que vai deixar de ser tutelado devido à
acessão da posse, não seria possível recorrer à
acessão.

§ Ainda que se possa adquirir por usucapião, não


se pode recorrer à acessão.

§ Prof. HSA à Isto seria uma orientação que se


inserira numa conceção que vê os casos em que
alguém não regista como um incumprimento de
um ónus de registar.

133
Desde 2008, com a obrigatoriedade registal, que
sabemos que o aquele que tem de registar não é
o principal vinculado. Está apenas vinculado
subsidiariamente a efetuar o registo (advogado
ou notário tem primordialmente essa
obrigação).

Com a obrigatoriedade registal, perde sentido


esta orientação à Devemos poder recorrer à
acessão, mesmo que aquele que recorre à
acessão não registe.

1.5.2. A perda

Perde-se a posse (Art.º 1267º):

• Pelo abandono (Art.º 1267º alínea a)) à Ato material e de vontade


mediante o qual o possuidor demonstra inequivocamente a sua intenção
de fazer cessar o seu poder de facto sobre a coisa.

- Ex.: Deitar uma caneta para o lixo.

• Por perda ou destruição material da coisa, ou por ser posta fora do


comércio (Art.º 1267º alínea b)).

• Por cedência (Art.º 1267º alínea c)) à Se transmitir a posse.

• Não uso à Será uma forma de extinção da posse?

- Parece ao Prof. HSA que em razão do silêncio do Art.º 298º, e da


exigência por essa norma de uma disposição legal que estabeleça
expressamente a possibilidade de extinção pelo não uso, esta forma
de cessação do direito é inaplicável à posse correspondente ao
exercício do direito de propriedade.

- Apesar de tudo não podemos esquecer que a posse aparece


revestida das características geralmente atribuídas aos direitos reais
à Assim sendo, seria possível haver a extinção da posse pelo
não uso relativamente aos direitos reais menores, desde que
tivesse havido a ultrapassagem do prazo de 20 anos.

134
2. A propriedade horizontal

2.1. O tipo

Será a propriedade horizontal um tipo autónomo, ou reconduzir-se-à ao


direito de propriedade?

• Prof. HSA à Considera que a propriedade horizontal é uma


propriedade especial, pois embora participe de uma característica
essencial do direito de propriedade, que é o facto de ser um direito
exclusivo (não depende de outro direito para existir), no tocante à
plenitude, a propriedade horizontal tem características particulares.

- A propriedade horizontal não é, pura e simplesmente, um direito de


propriedade, mas não deixa de participar da categoria do tipo
direito de propriedade, apresentando-se como uma propriedade
especial à Para todos os efeitos vamos considerar a propriedade
horizontal como um direito de propriedade, embora com
características que a tornam uma propriedade especial.

• Porque é que a propriedade horizontal é uma propriedade especial?

- O direito de propriedade horizontal assenta em 2 vetores


essenciais:

1. Existência de frações autónomas (espaços de utilização


exclusiva pela condómino.

2. Existência de partes comuns (partes do edifício que estão


afetadas à utilização por todos, em razão do aproveitamento
pleno das utilidades que as frações autónomas concedem).

- Temos uma junção de propriedade exclusiva com


compropriedade.

ü Dimensão de compropriedade não nos permite dizer que a


propriedade horizontal é um direito de propriedade
propriamente dito.

- A existência de partes comuns não determinaria que a


propriedade horizontal não fosse mais do que um fenómeno de
compropriedade? à Não consubstancia um direito autónomo,
sendo apenas uma limitação intrínseca ao direito de propriedade.

135
ü Ao contrário do que acontece na compropriedade, em que
prevalece a dimensão coletiva do direito, neste caso, as
partes comuns são funcionalizadas à utilização da fração.

ü Na verdade, há um elemento central na propriedade, que são


as frações autónomas, e as partes comuns estão lá para
permitir a melhor utilização das mesmas.

ü Isto traduzir-se-à num conjunto de poderes que tem o


condómino, que excede em muito os poderes que vimos
que tem o comproprietário à Comproprietário está sujeito
a uma regra de maioria ou de unanimidade para poder agir.
Aqui o elemento central é a propriedade singular, e sobre a
fração autónoma as decisões tomadas são decisões
individuais.

- Conclusão à A plenitude reveste características particulares


porque na verdade, não há um exercício pleno sobre a coisa, tal
como acontece relativamente a uma propriedade singular, na
medida em que na propriedade horizontal existem partes comuns
que estão sujeitas ao regime da compropriedade, embora esse
regime funcionalizado às frações autónomas.

2.2. A determinação do conteúdo pelas especificidades em relação à


compropriedade

1. A afirmação da centralidade da propriedade singular:

- Art.º 1414º à Primeira norma sobre propriedade horizontal. Diz


que o que vai ser caracterizador da propriedade horizontal é a
circunstância de poder existir no edifício espaços que tenham
condições para constituir unidades independentes que pertençam a
proprietários diversos.

ü A ideia da lógica comum está silenciada para aparecer


realçado o facto de que o edifício pode ser dividido em
unidades que são independentes, e que pertencerão a
proprietários diversos, em regime de propriedade horizontal.

- Art.º 1415º à Vai especificar quais são os requisitos a que devem


obedecer as frações autónomas. Determina o que é isto da
independência (mais do que mera independência).

136
ü Legislador concretiza a ideia do que sejam unidades
independentes à Unidades independentes, distintas,
isoladas entre si, que têm saída própria para uma parte
comum do prédio ou para a via pública.

o Independentes à Aptidão específica para a


satisfação de certos interesses sociais.

o Distintas à Tem de haver uma delimitação física das


unidades.

o Isoladas à Têm de haver divisórias através de


paredes que permitam o isolamento

- Art.º 1418º à Refere-se aos requisitos do conteúdo do título


constitutivo. O título constitutivo, nomeadamente a escritura
pública, tem de preencher certos requisitos.

ü No título constitutivo é necessário especificar as partes do


edifício que correspondem às várias frações, por forma que
estas fiquem devidamente individualizadas, e ainda deve ser
fixado o valor relativo de cada fração, expresso em
percentagem ou permilagem, do valor total do prédio.

o Afirmação de que o elemento fundamental que deve


estar no título constitutivo é, desde logo, a
especificação destas frações.

- Art.º 1420º nº1 à Diz que cada condómino é proprietário


exclusivo da fração que lhe pertence.

ü Ao dizer isto, fica claro que a compropriedade vai estar


exclusivamente reservada para as partes comuns, e que as
limitações que derivam da compropriedade não se aplicarão
às frações autónomas.

- Regulamento do condomínio

ü Temos 2 tipos de regulamento:

137
o Pode respeitar apenas a partes comuns à Fazer
uma regulação da utilização das partes sujeitas ao
regime da compropriedade.

o Pode ir mais longe, e disciplinar a forma como os


proprietários das frações utilizam essas mesmas
frações.

ü Será que é possível que o regulamento do condomínio


possa interferir na utilização das frações por parte dos
condóminos, estabelecendo limitações à utilização das
frações por parte dos condóminos? à Sim (Art.º 1418º
nº2 alínea b)).

o Mas ao ser possível, é preciso discernir uma diferença


essencial.

§ Se o regulamento do condomínio estabelecer


apenas a regulação de partes comuns, então
nos termos do Art.º 1429º-A, esse regulamento,
nos termos dos nº2 deste artigo, compete à
assembleia de condóminos, ou ao
administrador, se a assembleia não o tiver
elaborado.

Art.º 1432º nº3 à As deliberações da


assembleia são efetuadas por maioria dos votos
representativos do capital investido (Ex.: se
estão na assembleia condóminos que
representam 60% do capital investido, nesse
caso a deliberação poderia ser tomada no
sentido de aprovar o regulamento do
condomínio à Porque respeita apenas a partes
comuns).

§ Se o regulamento dispuser sobre frações


autónomas à Art.º 1418º nº2 alínea b) –
Permite que o regulamento do condomínio, se
constar do título constitutivo, possa
disciplinar o uso, fruição e conservação das
frações autónomas.

138
Se constar do título constitutivo, este
regulamento só pode ser alterado por
unanimidade à Como o regulamento consta do
título constitutivo, o que vai haver é uma
modificação do título constitutivo (Art.º 1419º
à Título constitutivo pode ser alterado
havendo acordo de todos os condóminos).

Ideia de que como proprietário exclusivo da


minha fração autónoma, não posso ser
restringido no meu uso se não tiver havido a
minha intervenção.

Entendimento dominante à Uma deliberação


que disponha sobre frações autónomas e que
não observe as regras impostas é ineficaz
(nunca produz efeitos). Não podemos estar
perante um caso de anulabilidade, pois a
anulabilidade pode ser sanada.

ü Desta regra de maioria para as partes comuns e de


unanimidade para as frações autónomas, conseguimos
retirar daqui a centralidade da propriedade singular.

2. O esvaziamento do regime da compropriedade, aplicável às partes


comuns do edifício:

Ainda que saibamos que a compropriedade é aplicável às partes comuns


do edifício (Art.º 1420 nº1 + 1422º nº1), a propriedade horizontal não é
uma mera junção de propriedade exclusiva com compropriedade à Há
especificidades na propriedade horizontal relativamente à aplicação do
regime da compropriedade.

Se calhar no final de tudo, chegamos à conclusão de que pouco ou nada


resta do regime da compropriedade à Aquilo que é mais caracterizador
do regime da compropriedade não existe na propriedade horizontal.

- O conjunto dos dois direitos é incindível (Art.º 1420º nº2) à


Significa que não posso vender um sem vender o outro.

ü O condómino em propriedade horizontal não pode alienar a


sua parte nas partes comuns.

139
ü Na compropriedade, se todos estivessem de acordo, seria
possível aos comproprietários alienarem a coisa comum à
Na propriedade horizontal, mesmo que todos os
condóminos estejam de acordo, não podem alienar a um
terceiro uma parte comum.

ü Perturbação da lógica da liberdade individual ou coletiva de


disposição do direito na compropriedade.

ü Nota: A única forma de podermos alienar este espaço era


promover uma alteração do título constitutivo à Promover
alteração da parte comum em fração autónoma.

o Não é possível alienar partes comum, apenas frações


autónomas.

o Existindo uma parte comum (que não é


imperativamente comum), é possível, depois de haver
uma alteração do título constitutivo que a torne fração
autónoma, que seja alienada.

o Condóminos tornam-se comproprietários da nova


fração autónoma, e nessa medida podem alienar a sua
parte.

- Nenhum condómino pode renunciar à parte comum como a meio


de se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou
fruição (Art.º 1420º nº2)

ü Contraste com a norma do Art.º 1411º nº1 (renúncia


liberatória) à Possibilidade de fazer extinguir o direito de
compropriedade renunciando para não ter de arcar com as
despesas que lhe competem.

- Ao condómino são negados o direito de preferência e o direito de


pedir a divisão da coisa (Art.º 1423º)

ü No regime de compropriedade, quando um comproprietário


aliena a sua quota, os outros têm o direito de preferir.

ü Se uma pessoa vendesse a sua fração autónoma, uma vez


que atrás da fração vai também a parte comum, não poderá

140
querer dizer que os outros condóminos têm o direito de
preferir na venda dessa mesma fração autónoma? à Não.

ü Proibição do direito de preferência à O que é central na


propriedade horizontal é a propriedade singular, a fração
autónoma. A parte comum tem um peso menor.

ü Na compropriedade também há um direito de pedir a divisão


da coisa comum à Este artigo diz claramente que nenhum
condómino tem o direito de exigir a divisão das partes
comuns, porque as partes comuns estão funcionalizadas às
frações autónomas. Para a utilização das frações autónomas
é necessário que as partes comuns continuem ao serviço de
todos.

- Lei estabelece regras muito claras sobre a administração das partes


comuns do edifício

ü Não se remete para o regime da compropriedade, cria-se um


regime próprio para a propriedade horizontal.

2.3. A determinação do conteúdo pelas especificidades em relação à


propriedade singular

1. A existência de partes comuns

A existência de partes comuns acaba por ser um fator limitativo da


utilização da propriedade singular.

- Partes imperativamente comuns ≠ partes presuntivamente comuns


(Art.º 1421º)

ü Partes imperativamente comuns (nº1) à Partes que não


podem deixar de ser partes comuns.

o Alíneas a) e b) à Elementos que compõem a


estrutura do edifício.

o Alínea c) à Zonas de passagem de utilização


necessariamente comum.

o Alínea d) à Serviços de interesse comum.

141
Mesmo que os condóminos quisessem transformar estas
partes em partes integrantes de frações autónomas, não o
poderiam fazer.

ü Partes presuntivamente comuns (nº2) à É possível o


título constitutivo atribuir a natureza de fração autónoma, ou
parte integrante da fração autónoma, às partes aqui referidas.
Partes que não têm necessariamente de ser comuns.

o Ex.: Alínea e) à Casa do porteiro.

§ Os condóminos podem transformar a caso do


porteiro em fração autónoma à Como é uma
parte presuntivamente comum, pode haver
uma alteração do título constitutivo (Art.º
1419º) por unanimidade, deixando de ser uma
parte comum e passar a ser uma parte
autónoma.

§ Se venderem a casa do porteiro, os condóminos


estão a vender uma fração autónoma,
juntamente com o direito que essa fração
autónoma tem sobre as partes comuns.

o Este afastamento da presunção também pode


resultar da natureza das coisas à Quando a
natureza das coisas revela uma afetação material ao
uso exclusivo de uma determinada fração, então
teremos aí uma propriedade exclusiva.

§ Ex.: A determinado logradouro, só se consegue


aceder através de uma das frações autónomas
do rés de chão à Nesse caso, estaremos perante
uma parte exclusiva, de uma fração autónoma.

ü Quais as consequências desta distinção entre estes dois


tipos de partes?

o Ex.: Terraço de cobertura (terraço que pertence à


fração que está no último piso do edifício) à Terraço
de cobertura é uma parte imperativamente comum,
ainda que esteja afetada ao uso exclusivo de uma
determinada fração.

142
§ Qualquer inovação que se pretenda fazer ao
terraço de cobertura é uma inovação que deve
estar submetida ao regime das inovações sobre
partes comuns à Art.º 1425º

§ Ex.: Se eu quiser fazer um jardim de inverno


num terraço de cobertura, vou ter que
necessariamente pedir autorização aos demais
condóminos. Necessito de 2/3 do valor total do
prédio para conseguir fazer a obra de inovação.

o Se a parte for integrante de uma fração autónoma,


ou se corresponder a uma fração autónoma, as
inovações que eu posso fazer são livres.

§ Não dependo da autorização da assembleia de


condóminos porque é uma propriedade
exclusiva, e sendo exclusiva, não está
submetida ao regime da compropriedade nem às
regras das partes comuns do edifício.

- O regime da compropriedade tem projeção nos efeitos de


permilagem e, assim, nos encargos do proprietário da fração
autónoma

Na compropriedade há uma lógica de repartição dos encargos em


função da participação dos comproprietários (Art.º 1405º).

Ideia de que havendo partes comuns, o proprietário exclusivo tem


de participar nas despesas das mesmas.

ü Encargos de conservação e fruição (Art.º 1424º).

ü Encargos com inovações (Art.º 1426º).

2. A lei estabelece restrições próprias relativamente ao uso, fruição e


conservação das frações autónomas

- Sujeição às limitações impostas aos proprietários singulares (Art.º


1422º nº1) à Todas as limitações da propriedade aplicam-se à
propriedade horizontal, mas desta vez acentuadas pela proximidade
física.

143
ü Ex.: Art.º 1346º (emissão de fumos) à Estas limitações
aplicam-se em sede de propriedade horizontal.

ü Diferença está nas frações estarem no mesmo espaço físico


à Com mais probabilidade ocorrerá a aplicação deste
artigo.

- Aprofundamento das limitações (Art.º 1422 nº2 a 4) à A lei vem


aprofundar estas limitações. Legislador, em função da proximidade
física, vem estabelecer normas que não valem para a propriedade
singular em geral.

ü nº2 alínea a) à As intervenções que se pretenda fazer na


fração autónoma são impedidas se prejudicarem a
segurança, linha arquitetónica, ou arranjo estético do
edifício. É também necessário fazer as reparações devidas
não só em virtude da linha arquitetónica ou do arranjo
estético, mas também da segurança.

o Mesmo com unanimidade dos condóminos, não se


afastaria a invalidade de uma deliberação que
violasse esta norma.

§ O mesmo acontece relativamente à alínea b),


que determina que o condómino não pode
destinar a sua fração a usos ofensivos dos bons
costumes.

ü nº2 alínea c) à O condómino não pode dar à sua fração


uso diverso do fim a que é destinada.

o Mas se os condóminos alterarem o título constitutivo,


então nesse caso, se o fim for agora possível, se será
possível ao condómino fazê-lo.

ü nº2 alínea d) à Possibilidade de proibir atos ou atividades


por deliberação da assembleia de condóminos aprovada
sem oposição.

o Para o Prof. HSA esta possibilidade é impossível à O


regulamento que verse sobre frações autónomas

144
constará do título constitutivo, e se for alterado
necessitará de unanimidade.

§ A aprovação sem oposição não é unanimidade


à Pode traduzir-se apenas numa deliberação
em que ninguém tenha discordado. Podem nem
todos terem acordado, por exemplo, se
estiverem na assembleia 60% dos condóminos.

§ Neste caso, a norma não se poderá aplicar às


frações autónomas. Apenas se pode aplicar
relativamente às partes comuns à De outra
forma haveria uma interferência ilegítima na
utilização da fração autónoma

ü nº3 à Parece que está a seguir o nº2 alínea a), mas não é o
caso. Não estamos a falar em prejuízos, mas sim em
modificações.

o Assim, é possível à assembleia de condóminos


deliberar a realização dessas obras, uma vez que não
estamos a prejudicar nada.

ü nº4 à A deliberação pode existir no sentido de permitir


uma alteração ao uso da fração autónoma, mas nunca
poderá pôr-se em causa o projeto aprovado pela
entidade pública competente.

o Mesmo que o título constitutivo tenha alguma


disposição sobre o fim de cada fração autónoma, ou se
nada dizendo o título constitutivo, a assembleia vier a
deliberar sobre o uso de determinada fração
autónoma, nunca se poderá pôr em causa a finalidade
que foi aprovada pela entidade pública competente.

ü O regulamento do condomínio também poderá acrescentar


outras limitações à utilização das frações autónomas, desde
que esteja no título constitutivo, ou se venha a incluir no
título constitutivo por deliberação unânime (Art.º 1419º).

145
2.4. As vicissitudes

Constituição

• Têm de estar verificados os requisitos do objeto (Art.º 1415º).

- Art.º 1416º à Se esses requisitos não estiverem verificados, o


título constitutivo é nulo, e a lei estabelece uma conversão legal.
Por conversão legal, vamos aplicar o regime da compropriedade.

ü Poderia dar origem à situação de chegarem à minha fração


autónoma, e exigirem usá-la porque estando sujeita ao
regime da compropriedade, não pode ser privados de
utilização da coisa comum

o O título constitutivo, embora seja nulo, poderá ser


reinterpretado como um acordo sobre o uso da coisa
comum à Agora estando sujeitos ao regime da
compropriedade, não deixa de haver um acordo sobre
o uso da coisa comum, que resulta desse mesmo título
constitutivo, ainda que ele seja nulo.

o Obviamente, se existem frações autónomas, são para


utilização exclusiva de cada condómino à Poderia
opor-me dizendo que cada comproprietário pode usar
a coisa comum, mas que é preciso respeitar o acordo
que foi celebrado sobre o uso da coisa comum.

• Têm de estar verificados os requisitos do conteúdo do título


constitutivo (Art.º 1415º e 1418º).

- Menções obrigatórias (Art.º 1418º nº1) à Dizem respeito às


frações autónomas.

- Menções facultativas (Art.º 1418º nº2) à Se são facultativas, qual


o problema que terão relativamente à validade do título
constitutivo? Nos termos do nº3 isto tem influência.

ü Menções facultativas:

o alínea a) à “Menção do fim a que se destina cada


fração comum”

146
o alínea b) à “Regulamento do condomínio,
disciplinando o uso, fruição e conservação, quer das
partes comuns, quer das frações autónomas”

o alínea c) à “Previsão do compromisso arbitral para a


resolução de litígios emergentes da relação de
condomínio”

ü nº2 à Vem estabelecer que “a falta de especificação


exigida pelo nº1 e a não coincidência entre o fim referido
na alínea a) do nº2, e o que foi fixado no projeto aprovado
pela entidade pública competente determinam a nulidade
do título constitutivo”

o Não apenas o não cumprimento das menções


obrigatórias do nº1, mas também este
incumprimento desta menção facultativa,
determinam a nulidade do título constitutivo, neste
caso sem uma conversão legal.

Modificações

• Regra à Para que a propriedade horizontal seja alterada, é necessário


unanimidade (Art.º 1419º).

• Exceções à No entanto, conhecemos várias normas que estabelecem a


possibilidade de modificar a propriedade horizontal, sem ser
necessário a unanimidade dos condóminos.

- Pode haver uma atuação livre do condómino interessado (Art.º


1422º-A nº1 e 2) à Quando estamos a falar de junção de 2
frações de 1 edifício numa só, desde que estas frações sejam
contíguas, mesmo que não haja autorização dos restantes
condóminos, pode haver uma atuação livre do condómino
interessado.

- Deliberação sem oposição, ou seja, a simples maioria do capital


investido (Art.º 1422º-A nº3) à Não é permitida a divisão de
frações em novas frações autónomas, salvo autorização do título
constitutivo ou da assembleia de condóminos, aprovada sem
qualquer oposição.

147
ü Conjugando com a regra do Art.º 1432º, sobre as
deliberações da assembleia, significa maioria dos votos
representativos do capital investido, se não houver
oposição.

- Deliberação sem oposição, mas por maioria representativa de 2/3


do valor total do prédio (Art.º 1424º nº2) à As despesas relativas
ao pagamento de serviços interesse comum podem, mediante
disposição do regulamento do condomínio aprovada sem
oposição por maioria representativa de 2/3 do valor total do
prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em
proporção à respetiva fruição, desde que devidamente
especificadas e justificados os critérios que determinam a sua
imputação.

2.5. A administração

• Órgãos de administração à Estes órgãos só têm competência quanto às


partes comuns do edifício.

- Assembleia de condóminos à Órgão deliberativo.

ü Toma decisões relativamente ao edifício, tomadas em


assembleia ordinária (que se realiza sempre na primeira
quinzena de janeiro – Art.º 1431º nº1).

ü Também pode haver uma assembleia extraordinária,


quando se tenha de deliberar acerca de assuntos relativos à
divisão de frações autónomas, por exemplo.

o A assembleia extraordinária pode ser reunida quando


for convocada pelo administrador, ou por condóminos
que representem no mínimo 25% do capital investido
(Art.º 1431º).

ü A assembleia é convocada por meio de carta registada,


com 10 dias de antecedência, ou mediante aviso
convocatório feito com a mesma antecedência, desde que
haja recibo de receção assinado pelos condóminos (Art.º
1432º nº1).

ü Regras importantes porque, do ponto de vista


procedimental, podem conduzir à invalidade da deliberação

148
à Deliberação pode ser impugnada nos termos do Art.º
1433º.

ü Quórum deliberativo (Art.º 1432º nº3 e 5)à As


deliberações são tomadas por maioria dos votos
representativos do capital investido, sendo certo que há
deliberações que têm de ser tomadas por unanimidade.

o Legislador veio dizer que quando as deliberações têm


de ser aprovadas por unanimidade dos votos, é
necessário haver uma deliberação aprovada com o
acordo de 2/3 do capital investido. Depois, os
condóminos que não estiveram presentes vão
pronunciar-se nos seguintes termos:

§ Expressamente (Art.º 1432º nº 6 e 7).

§ Nada dizer à Silêncio tem valor declarativo no


sentido da aprovação (Art.º 1432º nº8)

ü Quórum constitutivo (Art.º 1432º nº4) à Para que a


assembleia possa reunir, é necessário que estejam presentes
condóminos que representem a maioria do capital
investido.

o Mas nem sempre tal é possível à Nesse caso diz o


nº4 que ou poderá fixar-se uma outra data, ou se não
for marcada data, considera-se fixada para uma
semana depois, na mesma hora e local, podendo, neste
caso, a assembleia deliberar por maioria de votos dos
condóminos presentes, desde que estes representem
pelo menos ¼ do valor total do prédio (regra não se
aplica, claro, quando se exige unanimidade).

ü O que acontece se as deliberações não forem tomadas


de acordo com estas regras? à A regra é a
anulabilidade (Art.º 1433º).

o Na opinião do Prof. HSA, há deliberações que têm de


ser consideradas nulas para evitar a convalidação das
mesmas, quer por confirmação, quer pelo decurso do
prazo:

149
§ Deliberações da assembleia que respeitam às
frações autónomas à Não é possível deliberar
relativamente às frações autónomas.

§ Deliberações que violam certas normas


imperativas (Ex.: Divisão de partes
necessariamente comuns) à Não é possível
dividir partes comuns.

ü O administrador não se limita a executar as deliberações à


Tem mais funções (Art.º 1436º e 1637º):

o Executar as deliberações da assembleia.

o Realizar os atos preparatórios da assembleia.

o Assegurar a gestão corrente do condomínio.

o Representar o conjunto dos condóminos.

o Fiscalizar o cumprimento das regras aplicáveis ao


condomínio.
3. O usufruto

3.1. O tipo

• Art.º 1439º e ss.

• Legislador dá noção de usufruto no Art.º 1439º à “Usufruto é o direito


de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio sem alterar
a sua forma ou substância.”

- Esta noção tem vários elementos relevantes para a caracterização


do tipo.

• Características que compõem o tipo do direito de usufruto

- Direito real de gozo menor

ü Tem por objeto não apenas uma coisa corpórea, mas pode
ter por objeto um direito alheio.

150
ü Tem por objeto coisa ou direito alheio à Direito de
gozo menor. Trata-se de limitar a propriedade de na
medida da constituição do usufruto.

ü Faculdades de uso ou fruição da coisa ou direito alheio


(Art.º 1446º)

ü Faculdade de disposição do direito (Art.º 1444º).

- Direito de natureza temporária

ü Significa que o direito não poderá exceder os limites


identificados no Art.º 1443º.

o Pessoa singular à Limite da vida do usufrutuário.

o Pessoa coletiva à Limite de 30 anos.

ü “sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores” – A


circunstância de ser um direito de natureza temporária
não significa que não se possa constituir um usufruto
simultâneo ou sucessivo! à Art.º 1441º.

o É possível constituir o usufruto em benefício de


várias pessoas (Art.º 1442º)

§ Há direito de acrescer à Extinguindo-se os


poderes de um dos usufrutuários, estes passam
para os demais.

§ Ou seja, extinguindo os poderes de um dos


usufrutuários, estes não passam para o
proprietário, só quando o último usufrutuário
morrer

o É possível constituir um usufruto de forma


sucessiva à À medida que se for extinguindo o
usufruto relativamente a um determinado indivíduo
ou pessoa coletiva, vai transmitindo-se esse usufruto
a um terceiro.

151
§ Não haverá aqui uma exceção à regra de que o
usufruto não pode exceder a vida do
usufrutuário?

§ Se o usufrutuário morre, esse usufruto irá


passar a pessoa que lhe sucederá por indicação
do proprietário.

§ É possível constituir um direito de usufruto


sucessivo, contanto que existam ao tempo em
que o direito do primeiro usufrutuário se torne
efetivo à Art.º 1441º.

- Plenitude

ü Art.º 1439º.

ü A plenitude pode ser vista de modos diversos:

o Prof. Alberto Vieira à Significa uma reserva


integral e imperativa do gozo para o usufrutuário.

§ Não seria possível reservar parte das


faculdades que existem no usufruto para o
proprietário. O uso e a fruição da coisa ou
direito deveriam estar reservados de forma
integral para o usufrutuário.

§ O princípio da tipicidade impõe esta reserva


(Art.º 1306º).

§ Admite, no entanto, uma limitação de


natureza obrigacional (insuscetível de ser
oposta a terceiros) à Limitação que não está
coberta pelo princípio da tipicidade, que só se
refere à eficácia real.

o Prof. Carvalho Fernandes (Prof. Henrique Sousa


Antunes concorda) à É possível uma solução
diversa. À semelhança do que resulta do Art.º 1305º
a respeito da propriedade, quando se fala na
plenitude de gozo do proprietário, não vemos aí
nenhuma exigência de aproveitamento total da coisa.

152
§ Não estamos a exigir ao proprietário que faça
um aproveitamento total da coisa à Estamos
sim, a salvaguardar a sua vontade
relativamente ao aproveitamento total da
coisa.

§ A plenitude é um atributo do direito e não


uma imposição do direito à O mesmo vale
para o usufruto. Basta salvaguardar a vontade
do usufrutuário acerca da utilização do objeto
do direito.

§ Se o usufrutuário concordar com o


proprietário em reservar parte dos frutos para
o proprietário, tal é possível sem violar o tipo.

§ Mas isto não ofende o princípio da tipicidade?


à Prof. interpreta o princípio da tipicidade à
luz da propriedade, ou seja, este surge para
proteger a propriedade. Procura-se evitar que
a propriedade seja limitada. Mas se o direito
de propriedade for de alguma forma alargado,
tal não violará o princípio da tipicidade.

Se estamos a falar numa limitação do gozo


da coisa ou do direito pelo usufrutuário,
estamos a falar num alargamento dos
poderes do proprietário.

É possível que as partes convencionem que


parte das faculdades que o usufrutuário
tem (uso ou fruição), estão na
disponibilidade do proprietário à Isto
alarga os poderes do proprietário e
portanto não viola o princípio da
tipicidade.

§ Há, porém, limites à Esta abordagem


permite, mas com limites. Não podemos
através desta reserva seguir a finalidade
própria de outro direito, e por isso violar o
princípio da tipicidade.

153
Imaginemos que A (proprietário) e B
(usufrutuário) convencionaram que ao
proprietário seriam reservados frutos em tal
medida que para o usufrutuário ficariam
apenas frutos correspondentes à satisfação das
suas necessidades e da sua família. Esta
limitação claramente representa a constituição
de outro direito real, o direito de uso (Art.º
1484º). As partes estariam a constituir um
direito de uso, chamando-o de usufruto.

Isto viola a tipicidade porque o direito de


uso tem várias limitações (Ex.: Não pode ser
transmitido nem mortis causa, nem inter
vivos. O direito de usufruto pode ser
transmitido inter vivos). Estaríamos a
prosseguir a finalidade de um direito de uso,
que de acordo com o princípio da tipicidade
não pode ser transmitido inter vivos,
chamando-o como um direito de usufruto,
convocando o regime do usufruto, que permite
essa mesma transmissão inter vivos. Ao fazê-
lo, estamos a violar a propriedade.

Se estou a criar um direito de uso, mas com o


regime do direito de usufruto, o que estou a
fazer é a comprimir o direito de propriedade
à Estou a trazer uma limitação ao direito
de propriedade que o direito de uso não
traz.

- O usufrutuário tem de respeitar a forma ou substância da coisa ou


direito alheio (não pode alterar a forma ou substância da coisa ou
direito alheio)

ü Parte final do Art.º 1439º.

ü Esta ideia é entendida de duas formas diferentes:

o Prof. José Alberto Vieira à Resulta desta parte final


do artigo uma dupla limitação.

154
§ Distingue entre substância e forma.

§ Substância significa a preservação da


integridade da coisa. Não é possível destruir a
coisa.

§ Forma tem como objeto o respeito pelo


destino económico da coisa ou direito. Não se
pode alterar a forma.

§ Quando o usufrutuário recebe determinado


bem, não só tem de respeitar a sua integridade
material, como também o destino económico
dessa coisa ou direito.

o Outras visões à Esta parte final convoca apenas


uma única limitação.

§ Prof. Menezes Cordeiro à O Art.º 1439º é


um artigo dispensável, porque faz o que a
doutrina poderia fazer, traz uma definição.
Não é uma norma imperativa. Não
encontramos aqui os traços caracterizadores
do usufruto.

O que interessa para identificarmos os traços


característicos do usufruto é olharmos para o
regime jurídico. Nesse sentido, a norma
essencial é o Art.º 1446º, quando densifica a
noção de gozo do 1439º.

De acordo com o 1446º, o usufrutuário tem


de respeitar o destino económico da coisa.

Prof. diz ainda que não será preciso manter


o destino económico da coisa, mas sim
garantir que quando o usufruto termine
seja possível voltar ao destino económico
anterior à É isto que significa respeito pelo
destino económico.

155
§ Prof. Henrique Sousa Antunes à Discorda do
Prof. MC. O destino económico da coisa não é
uma limitação ao direito de usufruto.

O Art.º 1439º não tem uma função


meramente descritiva à Noção que define o
tipo, à semelhança de outros direitos reais.
Não podemos sair deste artigo.

Podemos prescindir da integridade material do


objeto? à Não. Como resulta de vários
exemplos do regime do usufruto, a
integridade material do objeto tem de ser
preservada.

v Art.º 1450º à Refere-se a destino


económico e a integridade física.

Este artigo é uma norma supletiva! à


Facto de falar no destino económico da
coisa não significa que possamos daí
extrair o que quer que seja para o Art.º
1439º.

Podemos extrair a ideia conceptual à


Distingue entre destino económico e a
forma ou substância.

v Art.º 1453º à Exemplo de preservação


da integridade material.

É verdade, no entanto, que no regime do


usufruto, há também coisas que pela sua
fruição são afetadas na materialidade.

v Art.º 1452º à A lei admite que o


usufruto possa ter por objeto coisas
deterioráveis.

Como é que aqui poderíamos descobrir


o respeito pela integridade material do
objeto? à O respeito, tal como
acontece no 1458º acerca da exploração

156
de pedreiras, o respeito resulta do facto
de a lei exigir prudência ou o respeito
de regras de práticas que são
observadas pelo proprietário, de modo
que a utilização da coisa seja feita com
razoabilidade.

Neste caso, pela sua natureza é óbvio


que a materialidade vai sendo afetada,
mas essa afetação da materialidade
nunca poderá exceder aquilo que é
determinado pela prudência, e
designadamente, o que é determinado
pela própria prática do proprietário.

De alguma forma, estamos também a


preservar a integridade material do
objeto, pois essa integridade só pode ser
afetada na medida da prudência.

v Art.º 1451º à A lei admite que se possa


constituir um usufruto sobre as coisas
consumíveis.

Coisas consumíveis são aquelas que são


destruídas pela utilização regular dessa
mesma coisa, ou são alienadas em
resultado dessa mesma utilização
regular (Art.º 208º).

Esta ideia de que aí pudesse estar


presente a integridade material do
objeto parece duvidosa.

Porém, a circunstância de o 1451º


prever que a coisa que é utilizada
pelo usufrutuário, e que é
consumível, deva ser restituída em
espécie ou em valor, findo o usufruto,
é, de alguma forma, um modo de
resguardar a materialidade da coisa.

157
Ideia de que quando termina o
usufruto, o proprietário vai receber
ou coisas do mesmo género, ou o
valor dessa coisa que foi atribuída em
usufruto.

Pergunta à Porque é que o legislador


veio estabelecer o usufruto de coisas
consumíveis, sendo esta situação
atípica? Em bom rigor, o instituto do
mútuo cumpre a mesma função. (No
mútuo também temos entrega de coisas
fungíveis com obrigação de restituição
no fim.)

Art.º 1451º nº2 à O usufruto de coisas


consumíveis não importa transferência
de propriedade para o usufrutuário. No
caso do mútuo, há uma transferência de
propriedade para o mutuário.

O facto de haver manutenção permite


que o usufrutuário beneficie da
permanência do risco na esfera do
proprietário. Proprietário fica protegido
dos credores do usufrutuário.

Se puséssemos o destino económico no Art.º


1439º, tínhamos uma originalidade do
direito português.

v Os direitos espanhol e francês referem-


se apenas ao respeito pela substância, e
os direitos alemão e italiano referem-se
apenas à salvaguarda do destino
económico da coisa. Não há direito dos
que estão mais próximos que faça uma
conjugação das duas coisas.

O destino económico coisa da tem uma


natureza supletiva (Art.º 1445º)

158
v Este artigo diz que as normas
subsequentes, onde estão 2 normas que
referem o destino económico e social
do direito (1446º, 1450º), são
supletivas. Sendo normas supletivas,
estas não podem ser caracterizadoras do
tipo.

Se olharmos para o regime jurídico,


conseguimos verificar várias normas em
que a norma estabelece supletiva, ou
mesmo imperativamente a regra de que o
usufruto se mantém, apesar de haver uma
alteração do regime económico da coisa.

v Não só as normas acima são supletivas,


como há disposições do regime jurídico
do usufruto que, de forma supletiva ou
imperativa, estabelecem que o usufruto
se mantém, mesmo havendo uma
alteração do destino económico da
coisa.

v Art.º 1478º nº1 e nº2 à Esta norma é


imperativa. Resulta claramente que
quando há uma alteração do destino
económico do usufruto, o usufruto vai-
se manter. Se a coisa se transformar
noutra, que ainda tenha valor, embora
com finalidade económica distinta, o
usufruto mantém-se (Ex.: Animais que
morrem. Alguém é usufrutuário de uma
manada de vacas e umas vacas morrem.
O proveito económico dessa manada
transformou-se. Em vez de ser dar leite,
passou a ser dar carne. O usufruto não
se extingue por os animais terem
morrido, mantém-se).

Conclusão à Parece ao Prof. que o legislador


pretendeu apenas evitar uma coisa, a
descaracterização da aparência fundamental do

159
objeto. Pretendeu preservar a integridade
material do objeto, e que esta fosse respeitada.

Mas a lei fala em forma ou substância à Na


verdade, não podemos esquecer que o direito
de usufruto pode ter por objeto uma coisa
corpórea ou um direito. Então a forma ou
substância diz respeito a isso mesmo. Quando
se trata de forma, estamos a falar da
materialidade da coisa corpórea. Quando se
trata de substância, estamos a falar na
aparência do direito.

A coisa tem uma forma, e o direito tem uma


substância! à A lei diz-nos que a
integridade material, quer da coisa, quer do
direito, se tem de manter.

Por isto, é possível alterar-se o destino


económico da coisa, mas não a sua
integridade material (Ex.: Partes não podem
convencionar que um prédio seja deitado
abaixo, mas podem convencionar que se
transforme num lar).

3.2. Os direitos e obrigações das partes

• Direitos e obrigações das partes

Direitos

- Art.º 1455º à É um tipo aberto. As partes podem preencher esse


tipo com a sua vontade.

- Art.º 1444º à Possibilidade do trespasse ou da oneração.

ü O usufrutuário pode vender, doar, hipotecar, o direito de


usufruto, onerá-lo com novo usufruto, etc. à Pode por ato
inter vivos trespassar ou onerar o seu direito.

ü Questão que se coloca na doutrina à Situações em que


ocorre uma alienação de modo definitivo, e o
beneficiário da transmissão vem a falecer antes do fim

160
do prazo do direito, ou, se não houver um prazo, em
vida de um trespassante (Ex.: A é proprietário, constituiu
o usufruto em favor de B, e B decide alienar o seu direito
de forma definitiva em benefício de C. Imaginemos que era
um usufruto vitalício a favor de B, mas C, a quem foi
trespassado o usufruto, vem a morrer antes do B). O que
acontece nestes casos ao usufruto?

o Prof. Carvalho Fernandes à Identifica 3 situações


possíveis:

1. Poderíamos ter um regresso do usufruto à


titularidade do trespassante à De C voltaria a
B.

§ Defendida pela Prof.ª Sandra Passinhas.

§ Solução duvidosa para o Prof. HSA à


Falta uma causa de reversão (se alieno de
forma definitiva o usufruto, não faz
sentido que isto aconteça).

2. Transmitir o usufruto aos herdeiros do


trespassário à Os herdeiros de C iriam
continuar o usufruto até que B morresse.

§ Caminho seguido pelos prof. Antunes


Varela, Pires de Lima, Oliveira
Ascensão e HSA.

§ Prof. HSA apresenta uma série de


argumentos.

a) Nos casos do Art.º 1476º nº1


alínea a), o direito de usufruto
extingue-se porque o proprietário
só aceitou onerar o seu direito nos
termos que resulta do acordo das
partes e da lei, e em razão da
pessoa que escolheu.
Esta vinculação do proprietário
tem por referência exclusiva a
duração do usufruto inicial. É

161
ela que determina a extinção do
direito, e não qualquer outra coisa.

Ex.: Se eu escolhi A que tem 20


anos, muito provavelmente o meu
direito de propriedade vai ficar
onerado durante 60 ou 70 anos (se
o usufruto for vitalício) à Eu não
posso ser prejudicado pela
circunstância de A vir a falecer
antes, mas também não posso ser
beneficiado pela circunstância
avulsa do direito ter sido
transmitido a uma pessoa de 90
anos, e essa pessoa falecer muito
antes do usufrutuário inicial.

Posso exigir que quando morrer


o usufrutuário principal, eu
possa voltar a usar a coisa como
proprietário, mas também não
tenho a legitimidade para pedir
mais do que aquilo que resultou
da minha própria vontade. Não
posso ter um benefício que
resulta de um facto alheio à
minha vontade.

O Art.º 1052º alínea b) também


aponta neste sentido.

b) Art.º 1444º nº2 à Dizer-se que o


usufrutuário inicial não deve
responder por herdeiros do
trespassário é dar-lhe um
benefício que este artigo não
procura.

O objetivo deste artigo é proteger


o proprietário. Não procura o
interesse do usufrutuário.

162
Admitir-se que o usufrutuário
possa ser responsável pelos danos
causados por culpa dos herdeiros
do trespassário, que ele não
escolheu, e porventura até nem
conhece não é desrazoável, na
medida em que o que se trata é de
proteger o interesse do
proprietário, e tendo em conta que
o usufrutuário poderia sempre
impedir que isto acontecesse, se
não tivesse trespassado o seu
direito.

3. Extinção do usufruto à Expansão dos poderes


do proprietário.

§ Caminho seguido pelo Prof. Carvalho


Fernandes, que apresenta vários
argumentos.

a) A morte do usufrutuário é uma


causa de extinção do direito (Art.º
1476º) à A lei não distingue
neste artigo, nem no 1443º, entre
o usufrutuário inicial e o
usufrutuário subsequente.
Qualquer usufrutuário que morra
faz extinguir o usufruto. Se assim
não fosse, estaríamos a pôr em
causa o caráter vitalício do
usufruto, pois em bom rigor, o
verdadeiro usufrutuário é o
adquirente, e não o alienante.

b) Art.º 1444º nº2 à Norma que


vem estabelecer que o
usufrutuário responde pelos danos
que as coisas padecerem por culpa
da pessoa que o substituir. Se A
constituiu usufruto em favor de B,
e se B trespassou o usufruto a C,
então B, o usufrutuário inicial, vai

163
responder perante A pelos danos
que sejam causados por culpa da
pessoa que o substituiu (C).

Seria desajustado prever esta


responsabilidade do
usufrutuário perante o
proprietário pelos atos de uma
pessoa que ele não escolheu, os
sucessores do trespassário.

Deveres (Art.º 1446º à O usufrutuário deve agir como um bom


pai de família) // 4 deveres:

- Relação de bens e prestação de caução (Art.º 1468º e 1469º) à


Quando se inicia o usufruto, é preciso relacionar os bens, e
também prestar caução para garantir o pagamento de
compensações ou de indemnizações, eventualmente devidos
pela lei. Tem de haver uma garantia do proprietário.

- Reparações ordinárias e extraordinárias (Art.º 1472º e 1473º) à


As reparações ordinárias pertencem ao usufrutuário. As
reparações extraordinárias pertencem ao proprietário.

ü Art.º 1472º nº2 à Vem dizer que apesar da reparações


ordinárias serem competência ou dever do usufrutuário,
não se consideram ordinárias as reparações que no ano
em que forem necessárias, excedam 2/3 do rendimento
líquido desse ano. Nesse caso consideram-se reparações
extraordinários (para não afetarem o rendimentos do
usufrutuário, passam a considerar-se do proprietário, nos
termos do 1473º).

- Deveres de aviso (Art.º 1475º) à Uma vez que o usufrutuário é


que está em contacto com a coisa, e o proprietário é apenas um
“nu proprietário”, o usufrutuário tem o dever de avisar o
proprietário quando hajam terceiros que estejam a praticar ou na
iminência de praticar atos lesivos.

ü Nos termos deste artigo, o usufrutuário pode responder


pelos danos que o proprietário venha a sofrer se não tiver
feito o aviso.

164
- Dever de restituir a coisa quando o usufruto termina (Art.º
1483º) à Quando o usufruto se extingue, a restituição da coisa
deve ocorrer.

3.3. As vicissitudes

• O mau uso do usufruto pode ser uma forma de extinção do mesmo?

- A lei estabelece que mesmo que a coisa seja mal usada pelo
usufrutuário, tal não é um modo de extinção do direito real (Art.º
1482º).

- Prof. HSA à Na medida, porém, em que o mau uso implique a


afetação do tipo, havendo uma alteração da forma da coisa ou da
substância do direito, podemos dizer que o mau uso é uma forma
de extinção do usufruto (Ex.: Demolição de um prédio).

4. Os direitos de uso e habitação

• Têm relevância social e renovada, mais recentemente pela aprovação de 2


leis à 1 a respeito da tutela da economia comum; e a respeito da tutela
da união de facto.

- Nestes regimes, temos a previsão de direitos de uso e habitação em


benefício da pessoa que sobreviva nessas circunstâncias.

- Portanto, os direitos têm relevância social, mas é evidente que têm


uma expressão social e também jurídica, menos ampla que o
usufruto.

• Exceções importantes relativamente ao direito de usufruto (a lei remete


para o usufruto – Art.º 1490º):

- Só é possível beneficiar pessoas físicas com os direitos de uso e


habitação (Art.º 1484º nº1).

ü Facto de se apontar para casa de morada e direito de


habitação aponta neste sentido.

- O conteúdo dos direitos é limitado à Só é possível usar na


medida das necessidades do titular e da sua família.

165
ü A lei estabelece que as necessidades pessoais do usurário ou
do morador usurário são fixados segundo a sua condição
social.

ü À luz de uma leitura constitucionalmente comprometida,


esta norma só pode ser vista como o estabelecimento de
condições dignas de existência do titular e da família à Não
se pode dizer que uma pessoa rica teria direito a mais que
uma pessoa pobre, que teria direito a menos, em razão da sua
condição social.

ü O que a lei está a estabelecer é que os direitos de uso e


habitação têm um limiar mínimo, que é o estabelecimento de
condições dignas de existência do titular e da sua família.

- Os direitos não podem ser adquiridos por usucapião (Art.º


1293º alínea b) + 1485º).

- Os direitos de uso e habitação são intransmissíveis (Art.º 1488º)


à Nem mortis causa (como no usufruto), nem inter vivos (ao
contrário de no usufruto).

ü Sendo violada esta norma imperativa, estaríamos perante um


negócio nulo.

5. O direito de superfície

5.1. O tipo

• Está regulado nos artigos 1524º e ss.

• É um direito que tem vitalidade.

- Direito que se traduz na separação entre a propriedade do solo e a


titularidade da construção que é efetuada nesse mesmo solo.
Proprietário do solo (fundeiro) e superficiário são pessoas
diferentes.

- Fenómenos destes vão acontecendo porque se for possível


construir num solo alheio, tal significa que não é preciso comprar o
solo alheio à Direito de superfície pode ser perpétuo mas também
temporário, o que significa que a propriedade pode não ficar
onerada perpetuamente.

166
- Assim sendo, ter um direito de superfície, para o proprietário, é
menos custoso do que transmitir a propriedade, pois não perde a
coisa que estava na sua esfera jurídica. Estabelece apenas um
encargo no prédio, e findo um determinado tempo esse direito de
superfície vai-se extinguir, e a propriedade readquire a sua
plenitude, inclusivamente com o edifício ou a obra que tenha sido
construída.

- A grande vantagem é pôr no mercado bens a um preço


inferior, em razão dos custos da construção diminuírem pela
circunstância de não ser necessário adquirir o solo.

• Caracterização do objeto (factos que podem constituir o tipo direito


de superfície):

a) a faculdade construir uma obra, que pode ser construída quer em


terreno alheio (Art.º 1524º), quer em edifício alheio (Art.º 1526º -
chama-se a isto a sobre-elevação).

- Problema da sobreposição da propriedade horizontal


num edifício que está em superfície

ü Os edifícios constituídos em superfície são depois


submetidos ao regime da propriedade horizontal, de
forma a dividir o edifício em frações autónomas, e
rentabilizar a venda desse mesmo edifício.

ü Acabamos por ter aqui 3 direitos à A propriedade do


solo (em benefício do fundeiro), o direito de superfície
(em benefício do superficiário) e a constituição da
propriedade horizontal sobre o direito de superfície.

ü Surgem 2 problemas associados a esta questão:

1. Circunstância de a propriedade horizontal


ser perpétua.

o A propriedade horizontal tem natureza


perpétua, mas pode estar a ser constituída
sobre um edifício que está constituído em
superfície temporária à Como é que se
concilia estas 2 naturezas?

167
o O cerne deste problema é dar segurança a
quem adquire as frações autónomas. Ideia
de que quando alguém é condómino,
acredita que vai ser condómino
perpetuamente.

o Quando o direito de superfície se


extinguir, o edifício construído em solo
alheio vai entrar na propriedade do
fundeiro à O condómino que tenha
adquirido uma fração autónoma de um
edifício construído em superfície perde
essa fração autónoma em benefício do
fundeiro.

o Na opinião do Prof. HSA, o problema é


facilmente resolúvel à Por causa da
publicidade registal. Quando alguém
adquire uma fração autónoma num
edifício que está constituído em
superfície, há um sistema de publicidade
provocada que permite ao adquirente
perceber que o que está a adquirir é um
direito que pode ter natureza temporária.
Daí também o preço inferior.

o A publicidade registal é uma forma de


garantia que parece segura para o
adquirente de uma fração autónoma.

2. Facto de nos termos da propriedade


horizontal, o solo pertencer,
necessariamente, a todos os condóminos.

o Nos termos do direito de superfície o


solo é alheio, mas nos termos da
propriedade horizontal, o solo é uma
parte necessariamente comum,
pertencendo a todos os condóminos
(Art.º 1421º nº1 alínea a)).

168
o Isto pode causar alguns problemas à
Como o proprietário do solo assim
permanece, apesar da constituição do
edifício, o Art.º 1533º estabelece que o
uso e a fruição do solo pertencem ao
proprietário.

o Na verdade, se tenho um edifício


constituído em superfície, esse edifício
está implantado em solo alheio, e o
fundeiro pode usar e fruir o subsolo,
embora seja responsável pelos danos que
daí resultem.

o Quando falamos na circunstância do


solo ser necessariamente comum,
estamos a dar aos condóminos o poder
de decidir, em conjunto, o que fazer
sobre o solo e sobre o subsolo à Na
opinião do Prof. HSA, é um risco para
os condóminos a solução que resulta da
compatibilização da propriedade
horizontal com o direito de superfície,
uma vez que está a entregar a alguém,
que porventura nem sequer será
condómino (fundeiro), o direito de usar
e fruir o subsolo como bem entender.
Nem sequer precisa do consentimento
do superficiário/condómino.

o Prof. HSA à O legislador deveria


prever a subordinação das
intervenções de caráter inovador do
fundeiro a um acordo dos
superficiários/condóminos, para
evitar que os condóminos sejam
expropriados do poder de decisão
relativamente ao uso e fruição do solo.

o Na prática não têm havido problemas.

- O conceito de obra à Pressupõe 3 elementos:

169
1. A incorporação no solo à Não podemos falar em
direito de superfície se for uma casa móvel ou uma
tenda (estamos a implantar, mas não a incorporar).

2. O acabamento à O direito de superfície extingue-se


se a obra não for concluída num determinado prazo,
ou se se destruída a obra, ela também não for
reconstruída num determinado prazo (Art.º 136º nº1
alíneas a), b)).

3. Autonomia funcional à A obra tem de ser, pelo


menos, usada (Art.º 1525º nº1; Art.º 1529º nº1).

b) a faculdade de fazer uma plantação em terreno alheio (Art.º 1524º)

- Plantação à Requer uma ligação duradoura ao prédio. Não


se pode tratar de sementeiras, visto que nestes casos o gozo
pressupõe a colheita, a separação da coisa.

ü Se estivermos a falar numa plantação de oliveiras,


podemos falar num direito de superfície, mas se
estivermos a falar numa plantação de tomate, já não o
podemos fazer.

c) a faculdade de manter uma obra ou plantação em terreno alheio


(Art.º 1524º e 1528º)

- O Art.º 1528º vem apresentar um modo de manutenção, mas


na verdade, olhando para o Art.º 1524º, ele já prevê esta
manutenção.

- Na verdade, quando falamos em manutenção nos termos do


1524º, ou manutenção nos termos do 1528º, podemos estar a
referir-nos a coisas diferentes.

ü Art.º 1524º à Vem dizer que a manutenção ocorre


quando a materialidade da coisa se mantém. Esta
manutenção da materialidade é compatível com 2
formas de constituição da superfície:

1. Constituição per translationem à Oneração


da propriedade com um direito de superfície

170
em benefício de terceiro. Manutenção aqui
tem uma natureza exclusivamente material.

Ex.: A já tem o direito de propriedade sobre o


solo com um edifício construído nesse solo, e o
que resulta dessa realidade é a possibilidade de
transmitir a plantação separadamente da
propriedade do solo. Estamos a falar numa
manutenção material que apenas é material. Na
medida em que da propriedade é retirada a obra,
edifício, plantação, entregue depois a terceiro
que vai ser o superficiário.

Também está coberta pelo Art.º 1528º à


Proprietário do solo vai manter a propriedade
sobre o solo, mas transmite o edifício ou
plantação em benefício de terceiro, que passará
a ser superficiário.

2. Constituição per deductionem à Cumulação


de uma manutenção material com uma
manutenção jurídica. Já existe o edifício ou a
plantação, e o proprietário do solo vai ficar com
o edifício ou a plantação, e transmite a
propriedade do solo a um terceiro. O direito de
superfície vai ficar na sua esfera jurídica, e o
direito de propriedade sobre o solo é
transmitido.

A reserva de superfície na alienação de


propriedade não se traduz apenas nesta
conjugação de reserva material e reserva
jurídica à Posso ser proprietário de um solo e
reservar para mim a possibilidade de construir
um edifício ou fazer uma plantação que ainda
não existem, entregando a propriedade do solo a
um terceiro. Nesse caso, tenho apenas uma
manutenção jurídica, sem ter uma manutenção
material.

o Quando estamos a pensar no Art.º


1524º, estamos a pensar apenas numa

171
manutenção material à Ideia de que a
obra ou plantação já existe!

o Na verdade o Art.º 1524º não prevê


esta manutenção jurídica à Ideia de
que é possível reservar para o
proprietário a possibilidade de construir
ou de plantar numa coisa que até então
era sua, ou exclusivamente sua.

o Esta possibilidade, acabamos por


reconhecer que existe no Art.º 1528º.

d) a faculdade de construir ou manter uma obra sobre solo alheios


(Art.º 1525º nº2)

- Até uma intervenção legislativa em 1991, não era possível


constituir um direito de superfície que se traduzisse na
possibilidade de fazer uma construção subterrânea.

- A pressão urbanística veio a ser a occasio legis do


aparecimento desta alteração legislativa à Enquanto não
se conseguir resolver o problema da mobilidade nos grandes
centros urbanos, as pessoas continuam a levar o seu próprio
transporte para a cidade. É preciso arranjar, então, espaço
para que as pessoas possam estacionar os seus automóveis.

- Para evitar que haja perturbações estéticas na cidade com a


construção de silos, entendeu-se que seria conveniente
permitir e estimular a construção de parques de
estacionamento subterrâneos à Mas para isso, era preciso
encontrar soluções financeiramente atrativas (já vimos o
benefício financeiro de construir e manter em superfície).

e) os objetos acessórios do direito de superfície

- O direito de superfície compreende não apenas obra ou a


plantação, mas também, nos termos do Art.º 1525º nº1, a
parte do solo não necessária à sua implantação, desde que
tenha utilidade para o uso da obra, e nos termos do Art.º
1529º, a constituição das servidões necessárias ao uso e
fruição da obra ou das árvores.

172
- Estamos para lá da obra ou plantação.

- Como é que sei que estou perante o Art.º 1525º, que estende,
sem mais, o objeto da superfície, ou o Art.º 1529º, que
estabelece uma servidão, que é uma verdadeira servidão
legal?

ü Se estiver perante o 1525º ainda estou perante o objeto


da superfície (pessoa que age sobre o objeto da
superfície age como se fosse um proprietário), mas se
estiver perante o 1529º, o titular de uma servidão tem
poderes limitados, ou seja, a legitimidade de
introdução de benfeitorias é restringida às obras que
sejam necessárias ao uso ou conservação da fruição.

ü Prof. HSA considera que a delimitação deve ser feita


através do critério da incorporação.

o Se a obra, que é objeto da superfície, exigir a


transformação de uma parcela do terreno, estou
perante o Art.º 1525º.

§ Ex.: Construção de um parque de


estacionamento adjacente a centro
comercial, em que o objeto da superfície
foi a construção de um centro comercial
à A construção vai cair no Art.º 1525º,
porque é necessária a transformação da
parcela de terreno para servir a obra.

o Se as utilidades já existentes no prédio forem


ajustadas, sem ser necessário nenhum ato de
transformação, estou perante uma servidão
predial.

§ Ex.: Abertura de um caminho de


passagem até ao centro comercial.
Utilidades que existem no próprio
prédio, e portanto não ocorre,
verdadeiramente, uma transformação do
prédio à Estarei perante uma servidão
predial.

173
3.2. Os direitos e obrigações das partes

Vêm definidos nos artigos 1530º e ss.:

1. Pagamento de um preço (Art.º 1530º) à Pode convencionar-se um


preço.

- A mora no pagamento das prestações atribui ao proprietário do


solo o direito a exigir o triplo das prestações em dívida (Art.º
1531º nº2).

- A falta de pagamento das prestações anuais não inverte o título da


posse (Art.º 1537º) à Se não paga aquilo que é devido, não
podemos extrair daí nenhum animus relevante para efeitos
possessórios.

2. A fruição do solo é estabelecida em benefício do fundeiro enquanto a


obra ou plantação não for efetuada (Art.º 1532º)

- Temos de interpretar o Art.º 1532º de forma atualista, em razão do


Art.º 1525º nº2 à O legislador veio estabelecer a possibilidade de
construção ou manutenção de uma obra sobre solo alheio, o que
significa que estamos perante uma realidade que o legislador
inicialmente desconhecia, sendo que o 1532º não foi atualizado.

ü Se o direito de superfície tiver por objeto uma obra sobre


solo alheio, é evidente que o Art.º 1532º tem de ser
interpretado como a fruição do subsolo em benefício do
fundeiro, antes do benefício da obra que é objeto dessa
mesma superfície.

3. A fruição do subsolo, quando já existe a obra ou plantação, é dada


em proveito do fundeiro (Art.º 1533º)

- Mesmo raciocínio que para o artigo anterior de interpretação


atualista em razão do Art.º 1525º nº2 à É evidente que se o
direito de superfície for constituído sobre o solo, é claro que já não
se trata da fruição do solo, mas sim do subsolo.

4. Transmissibilidade dos direitos (Art.º 1534º)

- São transmissíveis quer o direito do fundeiro, quer o direito de


superfície.

174
5. O direito de preferência em benefício do proprietário do solo (Art.º
1535º)

- Mas apesar do superficiário ter sobre o edifício ou plantação, na


verdade, os mesmos poderes que um proprietário, o seu direito é
um direito menor à Legislador vem estabelecer um direito de
preferência apenas em benefício do proprietário do solo.

- Se o fundeiro decidir transmitir o seu direito, o superficiário não


tem o direito de preferir na alienação da propriedade do solo. Mas
se o superficiário decidir transmitir o seu direito, então o fundeiro
tem o direito de preferir na alienação da superfície, para permitir a
recuperação da integridade da propriedade.

5.3. Vicissitudes

• Possibilidade de constituição por usucapião

- O direito de superfície pode constituir-se por usucapião.

- Problema à O direito de superfície pode ter 2 momentos: 1º


momento é a construção ou a plantação, e o 2º momento é quando
a obra ou a plantação já estiverem feitas, a possibilidade de utilizar
essa obra o plantação.

ü Resulta também do Art.º 1524º a ideia de que o direito de


superfície se pode esgotar no segundo momento. Já pode
existir a obra ou plantação e o direito de superfície ser
constituído sobre a mesma.

- Será possível constituir um direito de superfície por usucapião


quando estamos a falar do primeiro momento (possibilidade de
construir ou plantar)?

ü Em bom rigor, como é necessária uma posse efetiva, à


partida a obra ou a plantação, considerando os prazos da
usucapião, já teriam sido efetuadas à Questão deixa de
fazer sentido.

ü Se pensarmos que a construção ou plantação poderão


demorar mais que o prazo aplicável à usucapião, e
eventualmente que se houver uma destruição da obra ou

175
plantação, tem de haver a possibilidade de construir ou
plantar por recurso ao reconhecimento de uma aquisição por
usucapião, a questão ganha relevância.

ü Como é que podemos dizer que um sujeito pode


adquirir, relativamente a este primeiro momento, o
direito de superfície por usucapião?

o Parece que estaremos perante situações limitadas a


casos em que alguém atua sobre o terreno com
fundamento num título de superfície à Ex.: A
constitui um direito de superfície a favor de B, mas
por documento particular. O direito de superfície
não foi validamente constituído, mas há um título
que está a caracterizar a posse.

o Prof. HSA à É possível a aquisição por usucapião,


mesmo que a obra ou a construção não estejam
terminadas, mas para que, de facto, haja aquisição
do direito de superfície por usucapião, é preciso que
exista um qualquer título que, não tendo
validamente constituído o direito de superfície,
enquadre a caracterização da posse em causa.

• Extinção

- O legislador não estabelece no Art.º 1536º, entre os casos de


extinção, o não uso como uma forma de extinção do direito de
superfície.

ü Prof. HSA à Apesar do Art.º 298º nº3 exigir outra norma,


fala na possibilidade de extinção do direito de superfície
pelo não uso, nos casos especialmente previstos na lei.

o Como estamos a falar num direito de gozo menor,


essa norma que falta seria apenas relevante para a
definição do prazo à Como poderia descobrir o
prazo nas normas paralelas, que a respeito dos demais
direitos reais de gozo menores estabelecem a extinção
pelo decurso do prazo de 20 anos, então essa norma é
uma norma de que se pode prescindir.

176
o Embora a lei não fale em não uso, no Art.º 1536º até
temos uma expressão dessa ideia do não uso, quer na
alínea a), quer na alínea b) do nº1 à Quando alguém
tem um direito de superfície tem de construir a obra
ou fazer a plantação num determinado prazo, ou se a
obra ou plantação forem destruídas, tem de
reconstruir a obra ou replantar num determinado
prazo.

§ A lei estabelece um prazo na lógica de que se


não se faz essa obra, ou se não se reconstrói
essa obra, não se está a usar o direito de
superfície, e portanto é um fator de
extinção.

§ A ideia do não uso está lá, embora


restringida a estas circunstâncias.

- Consequências da extinção

ü A extinção leva a que o proprietário do solo adquira a


propriedade da obra ou das árvores (Art.º 1538º nº1).

o O direito de superfície, ao extinguir-se, determina a


incorporação da obra e das árvores na esfera jurídica
do proprietário.

o Art.º 1539º nº1 à Vem dizer que o mesmo sucede


relativamente aos direitos reais que tenham sido
constituídos sobre a superfície. Se a superfície se
extinguir pelo decurso do prazo, então os direitos
reais de gozo ou de garantia que tenham sido
constituídos pelo superficiário também se vão
extinguir.

ü O que acontece se o direito de superfície é perpétuo e se


vem a extinguir, ou se o direito de superfície é temporário e
se vem a extinguir antes do decurso do prazo?

o Estamos perante situações em que não havia a


expetativa que o direito de superfície se extinguisse.

177
o Art.º 1541º à Vem estabelecer uma ficção para
tutelar terceiros. Legislador mantém os direitos reais
de terceiros que oneravam a superfície, e os que
oneravam a propriedade do solo, mantendo-os até que
o decurso do prazo ocorra.

§ Legislador vem proteger terceiros que


confiavam no caráter perpétuo da superfície ou
no tempo de constituição do direito de
superfície.

5.4. A autonomia do direito de superfície

• O direito de superfície é um direito autónomo, que não é confundível com


a propriedade (não é um direito de propriedade especial) à É um direito
real menor.

• Existem vários argumentos:

1. O legislador emprega por defeito o conceito de propriedade


relativamente ao solo (Art.º 1540º) à Não fala sobre propriedade
relativamente à obra nem à plantação.

2. A superfície não é um direito exclusivo à Depende de um solo


ou subsolo alheios, ou de um edifício alheio.

3. A plenitude do direito de superfície é limitada pela obrigação


propter rem de concluir a obra ou plantar e de reconstruir a
obra ou renovar a plantação num prazo determinado (Art.º
1536º nº1 alíneas a) e b)) à Quer quanto à obra, quer quanto à
plantação, é necessário que sejam repostas num determinado prazo,
o que significa que é um dever que o superficiário tem em razão da
titularidade da superfície, e que justifica a ideia de que há uma
plenitude blindada pela propriedade do solo.

4. O direito de superfície onera o direito de propriedade sobre o


solo, não se tratando, assim, de direitos da mesma natureza e
espécie sobre a coisa: assim, o direito de preferência do fundeiro
(Art.º 1535º) e a aquisição por este, do direito de propriedade da
obra ou das árvores pelo decurso do prazo (Art.º 1538º).

178
6. As servidões prediais

6.1. O tipo

Reguladas nos artigos 1543º e ss.

a) A servidão é determinada pelo benefício que as utilidades de um


prédio atribuem a outro (Art.º 1543º)

- A servidão é sempre um encargo, uma limitação do direito de


propriedade sobre um prédio, em benefício de outro prédio.

- Se este encargo for estabelecido em benefício de uma pessoa,


haveria uma ofensa do princípio da tipicidade.

- Ex.: Se A, famoso investigador de botânica e proprietário de uma


vivendo situada nas proximidades de um parque botânico,
convenciona com a entidade proprietária do parque a constituição
de uma servidão predial de utilização gratuita do mesmo em
benefício de qualquer proprietário da vivendo, ocorre uma violação
do princípio da tipicidade.

ü O direito real é convertido num direito pessoal (Art.º 1306º),


em proveito, apenas, de A à Conversão legal – servidão
passa a ser de natureza pessoal, e a ter caráter obrigacional.

b) Os prédios devem pertencer a donos diferentes (Art.º 1543º)

- Serviente à Prédio que está sujeito à servidão.

- Dominante à Prédio que beneficia da servidão.

c) A atipicidade do conteúdo (Art.º 1544º)

- As partes podem, com liberdade, definir quais as utilidades que


pretendem ver satisfeitas na constituição da servidão.

- As utilidades podem ser futuras e até eventuais. No entanto,


embora a constituição seja válida com a menção a utilidades
futuras ou eventuais, a permanência da servidão supõe o exercício
atual das suas faculdades.

179
ü Se estas utilidades nunca vierem a surgir, o que pode
acontecer, na prática, é que a servidão se venha a extinguir
pelo não uso.

- Não é necessário que haja proveito económico à Mesmo que não


aumentem o valor económico do prédio beneficiário, teremos uma
válida constituição de uma servidão predial.

ü O proveito a que a lei portuguesa se refere pode


corresponder apenas ao recreio do prédio dominante, sem
lhe trazer qualquer benefício económico.

d) A inseparabilidade das servidões (Art.º 1545º)

- Não pode haver separação jurídica, nem ativa (do prédio


dominante) nem passivamente (do prédio serviente).

ü Não posso passar uma servidão de um prédio para outro à


Só o posso fazer nos termos limitados em que o Art.º
1568º permite. Esta norma estabelece que o proprietário do
prédio serviente pode exigir a mudança da servidão para
outro prédio se tal lhe for conveniente, mas é preciso que
não prejudique os interesses do proprietário do prédio
dominante. O mesmo acontece quando há interesse do
proprietário do prédio dominante.

ü Como consequência, não vai ser possível nem transmitir


nem onerar a servidão (vender, doar, etc.), ao contrário do
que acontece com o usufruto ou a superfície, nem onerá-la
(não é possível hipotecar, dar em usufruto, etc.).

- Mas não significa que não possa haver separação material à


Posso constituir uma servidão em termos tais que a utilidade que
retiro de um determinado prédio em benefício de outro se traduza
na recolha de matéria desse outro prédio (Ex.: Ir buscar água, ir
buscar lenha).

e) A indivisibilidade das servidões (Art.º 1546º)

- Mesmo que os prédios, dominante ou serviente, venham a ser


divididos, a servidão vai continuar a onerar todos os prédios, ou
continuar a beneficiar todos os prédios.

180
- A oneração estende-se às novas parcelas criadas, e o direito
adquire uma pluralidade de titulares se o prédio dominante vier a
ser dividido por várias pessoas, aplicando-se, consequentemente,
as regras da comunhão de direitos.

- Mas também se percebe que se o prédio dominante vier a ser


dividido por várias pessoas, e portanto vier a fazer surgir vários
direitos de servidão, possibilitando a atuação em servidão sobre o
prédio serviente, é evidente que apesar de se aplicarem as regras
de comunhão, há exceções ao regime da comunhão:

ü Impossibilidade de transmissão ou de oneração da quota


(em virtude da inseparabilidade).

ü A cessação pela divisão (em razão da indivisibilidade, não é


possível essa divisão prevista para a comunhão).

- Mas há tradução prática da aplicação do regime da


compropriedade à Art.º 1570º nº3 – Diz que se o prédio
dominante pertencer a vários proprietários, o uso que um deles
fizer da servidão impede a extinção em relação aos demais.

ü Impede-se a extinção pelo não uso em relação aos demais


proprietários.

6.2. O âmbito das servidões e os direitos e obrigações associados ao seu


exercício

• As partes têm liberdade para definir o modo de exercício das


servidões (Art.º 1564º)

- Relativamente ao exercício das servidões, numa lógica de tipo


aberto, as partes têm inteira liberdade para definir os direitos e
obrigações que emergem da relação que estabelecem em termos
de relação de servidão predial.

• Apesar das normas seguintes terem a aparência de supletividade, visto


que o Art.º 1564º o anuncia, há uma norma imperativa, a norma do Art.º
1565º

- nº1 à Norma que diz que o direito de servidão compreende tudo


o que é necessário para o uso e conservação da servidão.

181
- nº2 à Regra que equilibra a posição de ambas as partes, e que
evita que haja algum prejuízo não antecipável pelas partes quando
constituem essa servidão predial.

6.3. As modalidades de servidões e as especificidades de regime

Classificações das servidões prediais:

a) Servidão legal ≠ servidão voluntária

- Servidão legal (Art.º 1547º nº2) à Servidão que se não for


constituída voluntariamente, será constituída por sentença judicial,
ou por uma decisão administrativa.

ü Possibilidade de constituir coativamente esta servidão.

ü O único caso em que a servidão resulta da própria lei é o do


Art.º 1529º (direito de superfície).

ü Servidões legais reconhecidas no CC à Servidões legais de


passagem (para poder aceder à via pública) e as servidões
legais de água (para gastos domésticos e fins agrícolas).

o Situação em que há uma necessidade que justifica


que o legislador tenha estabelecido a possibilidade de
impor a constituição da servidão, em detrimento do
interesse do outro proprietário, titular do prédio
serviente.

o As servidões legais que existem encontram-se


estabelecidas nos artigos 1550º e ss.

ü Quais as especificidades das servidões legais?

o Constituição coativa.

o Extinção por desnecessidade à Possibilidade de


demonstrar que aquela servidão já não é necessária
para o prédio dominante.

§ Existe nos casos de servidões constituídas por


usucapião (Art.º 1569º nº2), ou então servidões
legais (Art.º 1569º nº3).

182
o Extinção por remição à Se o proprietário do prédio
serviente demonstrar que precisa das utilidades que
estão a beneficiar o proprietário do prédio dominante,
então a lei admite que a servidão se possa extinguir
por remição (Art.º 1569º nº4).

§ Esta extinção por remissão só existe em


relação a servidões legais, mas não em relação
a todas as servidões legais à Só em relação às
previstas no Art.º 1557º e 1558º - apenas das
servidões legais de águas aqui previstas

- Servidão voluntária

b) Servidão aparente ≠ servidão não aparente (Art.º 1548º)

- Servidão aparente à Aquela que se revela por sinais visíveis e


permanentes.

ü Visibilidade à Suscetibilidade de conhecimento pelos


interessados.

ü Permanência à Ligação material entre os prédios, que


pelas suas características assegure a durabilidade que a lei
pretende.

- Servidão não aparente à Aquelas que não se revelam por sinais


visíveis e permanentes.

- Consequências:

ü O registo das servidões aparentes tem um efeito


meramente enunciativo.

ü É vedada a constituição por usucapião das servidões não


aparentes (Art.º 1548º nº1).

c) Servidão ativa ≠ servidão passiva

- Servidão ativa à Aquela que beneficia o prédio dominante.

- Servidão passiva à Aquela que onera o prédio serviente.

183
d) Servidão positiva ≠ servidão negativa ≠ servidão desvinculativa

- Servidão positiva à O beneficiário pratica atos materiais sobre o


prédio onerado.

ü Ex.: Passagem.

- Servidão negativa à O titular só tem o direito de exigir a


abstenção de uma conduta do proprietário do prédio serviente.

ü Ex.: Não poder construir para lá de 5 andares.

- Servidão desvinculativa à Aquelas em que o prédio dominante


ficou assim porque houve uma desoneração relativamente a uma
limitação que tinha inicialmente.

ü Ex.: Vistas ou estilicídio.

e) Servidão contínua ≠ servidão descontínua

- Servidão contínua à Aquela que é independente do facto


humano.

ü Ex.: Vistas ou estilicídio – estão lá os prédios, não


dependem de um facto humano.

- Servidão descontínua à Aquela que está dependente de um


facto humano.

ü Ex.: Passagem – é simultaneamente uma servidão positiva,


e uma servidão descontínua, porque depende de facto
humano.

- Consequências:

ü Art.º 1570º nº1 à Diz que o prazo para a extinção das


servidões pelo não uso conta-se a partir do momento em
que deixaram de ser usadas.

o Deixarem de ser usadas significa facto humano à


Estamos a falar de um prazo que se aplicará às
servidões descontínuas.

184
7.3. As vicissitudes

a) A constituição por destinação do pai de família (Art.º 1549º)

- Temos uma pessoa que tem 2 prédios, e há uma ligação de


serventia de um prédio para com outro. Há um encargo imposto
num prédio em benefício de outro prédio, mas os prédios
pertencem ao mesmo dono.

- Há constituição por esta forma quando um dos prédios é


alienado a um terceiro à Quando tal acontece, entende-se que a
serventia se transformou numa servidão.

- Quais os pressupostos referidos no Art.º 1549º?

ü Existência de 2 prédios que pertencem ao mesmo dono.

ü Haver sinal ou sinais visíveis e permanentes, que revelem


serventia entre os prédios ou frações (que revelem a ligação
de um prédio para com o outro, estando um prédio afetado a
satisfazer utilidades em proveito de outro prédio).

ü Separação do domínio dos prédios ou das 2 frações do


mesmo prédio à 2 prédios têm de passar a pertencer a
donos diferentes.

ü Que no momento em que haja essa separação, não haja uma


declaração em contrário à constituição da servidão no
documento de separação da propriedade.

b) A extinção: a desnecessidade (Art.º 1569º nº2 e 3), a remição (Art.º


1569º nº4) e a usucapio libertatis (Art.º 1569º nº1 alínea c))

- Usucapio libertatis à Significa que por usucapião se adquire a


liberdade.

ü Está regulado no Art.º 1574º à Significa que o prédio


serviente vai adquirir a liberdade.

ü Para que o prédio serviente possa adquirir a liberdade em


relação ao prédio dominante, é necessário:

185
o Um ato de oposição à Tem de haver uma inversão
do título da posse. O proprietário do prédio serviente,
que era um detentor das utilidades que estavam a ser
transferidas, vai-se opor. Vai ter de haver uma
privação do controlo material que era feito pelo
proprietário do prédio dominante. E essa oposição
tem de ser levada ao conhecimento do proprietário do
prédio dominante.

o Oposição tem de ser eficaz à Para que haja uma


libertação é preciso uma posse continuada, portanto a
servidão tem mesmo de deixar de ser exercida.

o Tem de haver o decurso do prazo de usucapião à


Estamos a falar numa posse não titulada e de má fé,
portanto o prazo será de 20 anos.

o A usucapio libertatis tem de ser invocada pelo


beneficiário (uma vez que a usucapião também tem
de ser invocada pela pessoa a quem aproveita),

ü Quando há usucapio libertatis, significa que o titular do


prédio dominante não pode usar a coisa à Mas então não
pode haver extinção pelo não uso?

o É claro que há um não uso, mas é um não uso


especial, um não uso porque o titular do prédio
serviente se opõe à utilização da coisa pelo
proprietário do prédio dominante.

o Então, qual a diferença que existe entre o não uso e a


usucapio libertatis em termos práticos? à Ao não
uso aplicamos as regras da caducidade (não se
interrompe nem suspende o prazo), mas como aqui
temos um não uso que tem a característica de ser uma
oposição do titular do prédio serviente, vamos aplicar
as regras da usucapião, e portanto a possibilidade de
ir ver causas de suspensão ou de interrupção da
prescrição.

186
7. O direito real de habitação periódica

7.1. O tipo

• Caracteriza-se pela utilização de uma unidade habitacional de forma


intermitente, ou seja, que se interrompe e reinicia no tempo, sem
permanência.

- A expressão time sharing significa uma partilha de tempo. Isto


significa que o objeto, que será uma coisa corpórea, vai ser
utilizado por várias pessoas ao longo do tempo, mas havendo uma
renovação periódica dessa utilização por essas pessoas, o que
significa que em cada período certo de um ano, o utilizador
tem direito de usar e fruir a coisa que é objeto desse mesmo
direito.

- O direito real de habitação periódica está pensado para atividades


turísticas, e o time sharing nasce precisamente com esse objetivo
de permitir uma utilização mais lucrativa de unidades turísticas.
Na verdade, a caracterização do direito real de habitação periódica
é a utilização de uma unidade habitacional de forma intermitente,
ou seja, que interrompe e reinicia no tempo sem permanência. As
pessoas adquirem frações no tempo que utilizam depois ao longo
da sua vida.

- Ex.: 15 dias em agosto que se renovam em cada ano. Durante esse


tempo o espaço é utilizável por essa pessoa e tão só por essa
pessoa.

- O que se pretendeu foi garantir, com a criação do direito real de


habitação periódica, que houvesse mais segurança na atribuição
desta partilha de tempo. É evidente que a partilha de tempo pode
assumir a forma de um direito pessoal de gozo. As partes podem
contratar essa mesma partilha de tempo, mas essa partilha terá
então uma eficácia meramente obrigacional.

• O que o legislador quis foi dar mais força e maior segurança, a quem
adquiria essa possibilidade de usar num período certo em cada ano
determinada coisa. Daí que tenha surgido com o DL nº 355/81 de 31 de
dezembro o direito real de habitação periódica.

- É um direito real autónomo lendo-se no preâmbulo que o objetivo


do legislador foi a garantia das relações jurídicas

187
ultrapassando as situações atuais do direito de crédito ou de
compropriedade pois essa era também uma alternativa, ou seja, já
não seria verdadeiramente uma partilha de tempo, sendo mais do
que isso, com as dificuldades que o regime de compropriedade
implica.

ü Uma forma de chegar à partilha do tempo seria as pessoas


tornarem-se comproprietárias e depois acordarem entre si
quanto à utilização da coisa. Contudo, o regime da
compropriedade gera situações potenciais de conflito e
além disso não responde inteiramente a todos os
problemas que são invocados por esta habitação
periódica.

- Portanto, o legislador entendeu que seria de avançar na pré


figuração de um direito de uso temporário de habitação de férias,
concreto e real, e designadamente em relação a empreendimentos
turísticos.

• Esse direito seria livremente alienável inter vivos e mortis causa. O


direito real de habitação periódica pode ser caracterizado
fundamentalmente pelo objeto e pelos direitos e deveres recíprocos dos
sujeitos ativo e passivo.

- É preciso ter presente ab initio a seguinte distinção:

ü Quando falamos de direito real de habitação periódica


estamos a falar quer do regime a que fica sujeito
determinado empreendimento turístico quer os direitos
parcelares que são atribuídos a cada utente desse
empreendimento turístico. Ou seja, quando nós falamos
em direito real de habitação periódica estamos a pensar
nestas duas dimensões.

ü Ex.: O empreendimento turístico X está submetido ao


regime do direito real de habitação periódica, e depois cada
utente desse empreendimento turístico tem o seu direito
parcelar real de habitação periódica.

• O elemento caracterizador do direito real de habitação periódica é a


possibilidade de utilizar as unidades do empreendimento turístico, mas
essa utilização não é uma utilização permanente é uma utilização que
está limitada no tempo e que se vai sucedendo no tempo.

188
Caracterização do direito real de habitação periódica

• Vamos ver o direito real de habitação periódica de forma mais detalhada


por referência ao seu objeto e aos direitos e deveres recíprocos dos
sujeitos envolvidos:

- Objeto à Este regime é um regime muito regulamentado. Da


leitura do Art.º 1º e 21º retiram-se vários traços que caracterizam o
objeto deste direito:

1. O direito objetiva-se em unidades de alojamento integradas


em empreendimentos turísticos, isto é, o objeto deste
direito é precisamente o gozo de unidades de alojamento
que estão integradas em empreendimentos turísticos, mas
o direito não compreende apenas essas unidades de
alojamento.

As frações em que esse empreendimento turístico se pode


dividir também estão compreendidas no direito.

2. O direito real de habitação periódica compreende também


as instalações e equipamentos de uso comum do
empreendimento. Estas instalações de uso comum do
empreendimento são também suscetíveis de gozo por parte
do titular do direito real de habitação periódica.

Ex.: Piscinas, cortes de ténis, apoio de bar.

3. Os serviços prestados pelo titular do empreendimento


também estão compreendidos no direito real de habitação
periódica. Quaisquer que eles sejam de natureza turística o
direito alcança os serviços prestados pelo titular do
empreendimento.

Então, o direito tem por objeto quer as unidades de


alojamento, quer as instalações e equipamentos de uso
comum do empreendimento quer ainda os serviços que
sejam prestados pelo titular do empreendimento.

- Direitos e deveres à Vemos que o direito real de habitação


periódica é um direito de gozo, portanto vamos encontrar poderes
de uso, de fruição e de disposição que são os poderes que

189
caracterizam o direito de gozo. Esses poderes podemos encontrá-
los nas várias normas do diploma.

Que direitos podemos identificar na caracterização deste tipo?

1. O direito real de habitação periódica é perpétuo apenas


sendo temporário se houver indicação em contrário.

2. O utente, se tem um direito que tem por objeto uma unidade


de alojamento, naturalmente, pode habitá-la. Pode lá
exercer as funções normalmente associadas ao ato de
habitar.

3. Se o seu direito compreende as instalações e equipamentos


de uso comum, evidentemente que o utente pode usar as
instalações e equipamentos de uso comum, e se
compreende os serviços, também pode beneficiar dos
serviços disponibilizados pelo proprietário do
empreendimento.

4. É preciso dizer que o direito do utente é exercido em


período de tempo certo em cada ano, ou seja, estamos a
falar da referência temporal em cada ano a que o direito
respeita.

5. Do ponto de vista da disposição é importante referir que o


titular do direito pode ceder a título oneroso ou gratuito
o exercício das suas faculdades.

ü Não estamos aqui a falar da transmissão do direito. O


direito permanece na sua esfera jurídica, mas o titular
do direito pode ceder a título oneroso ou gratuito o
exercício das suas faculdades.

o Ex.: Dispensar os 15 dias que tem em agosto de


2021 em benefício de uma terceira pessoa que
lhe pague uma contrapartida para esse efeito.

6. O titular do direito parcelar pode também transmitir ou


onerar o seu direito, ou seja, já estamos aqui a falar não
apenas da cedência das faculdades estamos a falar de uma
afetação da sua própria esfera jurídica.

190
ü O direito pode ser transmitido e, portanto, sair da sua
esfera jurídica, ou ser afetado na sua integridade, uma
vez que o direito pode ser onerado pelo titular.

7. Os utentes (titulares de direitos parcelares) exercem


coletivamente poderes deliberativos e de fiscalização
sobre a administração do empreendimento.

ü Temos de distinguir entre a propriedade do


empreendimento e a titularidade destes direitos
parcelares. O proprietário desse empreendimento
está obrigado a administrar esse empreendimento.
O proprietário do empreendimento tem que zelar para
que o empreendimento esteja em boas condições de
utilização.

ü Sobre esta atividade de administração existe pode


um poder de fiscalização que é exercido pelos
titulares dos direitos parcelares e é exercido de
forma coletiva. Faz lembrar a assembleia de
condóminos na propriedade horizontal.

ü Ideia de que os condóminos podem juntar-se e nessa


medida tomar deliberações relativamente à forma
como a administração vem a ser exercida, ou
relativamente à forma como a administração deve ser
exercida.

Que deveres podemos identificar na caracterização deste tipo?

1. O proprietário do empreendimento tem o dever de


administrar e conservar o empreendimento.

ü Pode ceder a exploração desse empreendimento a um


terceiro e, portanto, se ceder a um terceiro, cabe a esse
terceiro administrar e conservar o empreendimento. A
lei, no entanto, estabelece que há uma
responsabilidade subsidiária do titular do
empreendimento. Isto retira-se dos Artigos 25º e 33º.

ü Esta indicação é relevante porque o direito real de


habitação periódica pressupõe que as coisas que sejam

191
objeto do direito estejam em boas condições. É esta a
principal obrigação do titular do empreendimento.

2. O utente tem que pagar ao titular do empreendimento uma


prestação anual.

ü Esta prestação anual é uma prestação que se destina a


compensar o proprietário do empreendimento das
despesas que ele tenha com os serviços de utilização e
exploração turística, contribuições, impostos e
quaisquer outras previstas no título de constituição.
Parte dessa prestação ainda tem por objeto remunerar
o proprietário do empreendimento da gestão que faz.

ü O legislador entendeu disciplinar as consequências


do incumprimento do pagamento desta mesma
prestação. Diz a lei que o incumprimento do
pagamento desta prestação periódica permite ao
proprietário das unidades de alojamento
disponibilizar o espaço para exploração turística
considerando-se, nesse caso a prestação liquidada.

o Se o utente não paga ao proprietário do


empreendimento, é atribuída a disponibilidade
daquele alojamento durante aquele período de
tempo. O proprietário pode disponibilizá-la a
um terceiro, e com isso fica liquidada a
prestação.

ü No entanto, se a dívida subsistir, diz a lei que o


credor beneficia de um privilégio imobiliário, que é
uma garantia real, sob o direito real de habitação
periódica relativamente ao pagamento das prestações,
e também relativamente ao pagamento de
indemnizações que sejam devidas pelo utente, e aos
respetivos juros moratórios.

o Isto porque o utente tem como 2º dever agir


como um bom pai de família.

3. O utente tem o dever de agir como um bom pai de família


à Quando utiliza a unidade de alojamento, tendo em conta
que a unidade de alojamento não lhe pertence, tem que a

192
utilizar de forma prudente e zelosa de modo que se causar
danos, obviamente será responsável.

ü Se o utente causar danos, credor tem o privilégio


imobiliário sobre o direito real de habitação periódica
relativamente às indemnizações que sejam devidas
pelo próprio utente desse mesmo empreendimento.

7.2. A autonomização em relação a direitos afins

1. Direito de propriedade

• A lei esclarece a diferença no Art.º 44º. Se formos a este artigo do regime


do direito real de habitação periódica, fica claro que o utente, o titular do
direito parcelar, não é proprietário da unidade de alojamento a que
respeita o seu direito, nem é comproprietário.

- Art.º 44º à “Na promoção ou publicidade dos direitos reais de


habitação periódica, bem como nos contratos ou documentos a
estes respeitantes, não podem usar-se em relação aos titulares
desses direitos a palavra proprietário ou quaisquer outras
expressões suscetíveis de criar nos adquirentes desses direitos a
ideia de que serão comproprietários do empreendimento”.

ü A lei procura tornar claro que não há nenhuma propriedade


sobre a unidade de alojamento relativamente a cada utente.
Isto porque uma das formas comerciais que foi utilizada
durante muito tempo para estimular as pessoas a comprar
era a ideia de que as pessoas seriam proprietárias da
unidade embora, naturalmente, partilhando o seu direito
com outras pessoas, uma vez que havia partilha de tempo.

ü Esta ideia era uma ideia que estimulava a aquisição, mas era
uma ideia enganadora. De facto, a propriedade
permanece na esfera jurídica do proprietário do
estabelecimento.

ü Há um conjunto de regimes que pretendem proteger o


adquirente do direito real de habitação periódica, e que têm
na sua génese precisamente o contexto social em que este
time sharing em determinada altura foi vivendo. Era um
contexto social de práticas sociais ilícitas.

193
o Muitas vezes as pessoas eram chamadas a receber um
prémio de um concurso em que não tinham
participado, e depois eram bombardeadas com a
apresentação de um determinado produto desta
natureza, e acabavam por ser coagidas a comprar esse
mesmo produto.

o O contexto social fez com que houvesse uma


preocupação por parte do legislador muito protetora
do utente. Desde logo esclarecendo que o utente não
é proprietário.

• O utente não é proprietário porque na verdade o direito real de


habitação periódica não é um direito exclusivo. É um direito que
geneticamente depende da propriedade de terceiro sobre o
empreendimento.

- O proprietário do empreendimento é proprietário no início e


mantém-se, ou seja, o direito real de habitação periódica é um
direito real menor.

• O direito real de habitação periódica também não é um direito pleno.


Nessa medida, não sendo um direito um direito exclusivo nem um
direito pleno distingue-se do direito de propriedade.

- É um direito de exercício intermitente, vai-se renovando em cada


ano, e durante um determinado período de tempo a pessoa utiliza a
coisa, mas tem de partilhar essa coisa com os demais.

• O utente pode ainda dispor do seu direito, mas não pode dispor da
coisa como acontece relativamente ao proprietário.

2. Direito de usufruto

• O direito real de habitação periódica não é um direito pleno, e a


plenitude é algo que caracteriza o direito de usufruto.

• O direito real de habitação periódica é, por defeito, um direito


perpétuo, embora possa ser temporário. O direito de usufruto é
necessariamente um direito temporário daqui que se distinga
também do usufruto.

194
3. Propriedade horizontal

• Há vários pontos de contacto entre o direito real de habitação periódica e


a propriedade horizontal:

1. A ideia de que há unidades de alojamento e equipamentos de


uso comum à Isto faz lembrar a conjugação que vimos na
propriedade horizontal entre frações autónomas e partes
comuns.

2. Os utentes do direito real de habitação periódica fiscalizam a


administração que é exercida pelo proprietário do
empreendimento à Esta ideia de os utentes coletivamente
fiscalizarem a administração remete-nos para a assembleia de
condóminos.

3. A importância do título constitutivo e das normas reguladoras


do funcionamento do empreendimento à Na disciplina
concreta da forma como devem interagir o proprietário do
empreendimento e o utente, é muito importante o que venha
disposto no título constitutivo e, também, o que venha
estabelecido nas normas que regulam o funcionamento do
empreendimento.

- Isto faz lembrar facilmente o alcance que o título


constitutivo tem na propriedade horizontal,
nomeadamente a norma sobre o conteúdo do título
constitutivo, e também a questão sobre o regulamento do
condomínio à Ideia da disciplina da propriedade
horizontal através do regulamento distinguindo entre
frações autónomas e partes comuns.

4. Previsão de fundos de reserva à A prestação que vai sendo


efetuada (também outro ponto de contacto) pelo utente faz
lembrar a prestação que é devida por cada condómino, e tem
também por objetivo a criação de um fundo comum de reserva
para acudir a situações de urgência do ponto de vista da
manutenção do empreendimento.

5. Em qualquer destes regimes, eles só existem se houver uma


pluralidade de titulares à Só assim é que pode, por exemplo,

195
falar-se de uma atuação coletiva para fiscalizar a administração
do empreendimento.

6. O Art.º 4º nº1 alínea a) do regime do direito real de habitação


periódica é uma norma que vem estabelecer as condições de
exploração do empreendimento do regime geral de habitação
periódica.

- Uma das condições de exploração, de acordo com o art.º


4º nº1 a), é: “A exploração do empreendimento no
regime geral de habitação periódica requer que as
unidades de alojamento devem ser independentes,
distintas e isoladas entre si com uma saída própria para
uma parte comum do empreendimento ou para a via
pública.”

- Isto é o que dizemos ser uma condição física e material


para que a propriedade horizontal possa ser constituída.
Ou seja, a existência destas unidades com estas
características de objeto referidas.

• Quais são os elementos distintivos que podemos encontrar no direito


real de habitação periódica relativamente à propriedade horizontal?

1. Apesar de, por defeito, o direito real de habitação periódica ser


perpétuo, também sabemos que pode ser temporário se assim
for estabelecido. A propriedade horizontal é perpétua.

2. A ideia que ocorre na propriedade horizontal de que os direitos


dos condóminos esgotam os poderes sobre o empreendimento,
ou seja, quando falamos em propriedade horizontal estamos a
falar de frações que são propriedade exclusiva dos condóminos
e partes comuns, mas tudo isto pertence apenas aos
condóminos. Os condóminos esgotam os poderes que existem
sobre esse mesmo exercício.

- Isto não acontece no direito real de habitação periódica


precisamente porque o direito real de habitação
periódica não é um direito exclusivo à Os utentes têm
que partilhar os seus direitos, os seus poderes que o
proprietário do empreendimento.

196
- O direito real de habitação periódica, direito parcelar,
convive com a propriedade do empreendimento.

- Não se pode dizer que os direitos dos utentes esgotem os


poderes sobre o empreendimento, pois também existem
os poderes do proprietário do empreendimento sobre
esse mesmo empreendimento.

• Portanto, fundamentalmente por estes dois traços distintivos, parece claro


que o direito real de habitação periódica não é uma espécie de
propriedade horizontal.

7.3. As vicissitudes

O que podemos tirar deste regime muito regulamentado com disposições


extensas e detalhadas?

Não esquecer à Temos que distinguir entre o direito a que fica submetido o
empreendimento, e os direitos parcelares que resultam esse direito a que o
empreendimento fica submetido.

• Constituição à Destacam-se 6 momentos para a constituição do regime


do direito real de habitação periódica:

1. Há um dever de comunicação prévia.

- Quando um proprietário de um empreendimento pretende


constituir o direito real de habitação periódica, tem que
comunicar essa intenção ao turismo de Portugal, e tem de
prestar um conjunto bastante extenso e significativo sobre o
empreendimento e a dinâmica do seu funcionamento.

ü Vai ter de comunicar ao turismo de Portugal esta


intenção e um conjunto muito detalhado sobre o
funcionamento do empreendimento em regime de
direito real de habitação periódica.

- O turismo de Portugal poderá responder ou não responder.

ü Diz a lei que se o Turismo de Portugal não se


pronunciar no prazo de 30 dias, ou o Turismo de
Portugal disser que está de acordo, então a lei legitima
a constituição dos direitos reais de habitação periódica,

197
nos termos e nas condições que constam da declaração
de comunicação prévia.

2. Formalização do regime à Como é que se faz a formalização do


regime?

- Como acontece nos direitos reais de gozo sobre bens imóveis


em geral, a formalização faz-se através de escritura pública
ou documento particular autenticado.

- É a formalização do regime mais solene, e está prevista no


Art.º 6º do regime do direito real de habitação periódica.

3. Registo à O título constitutivo está sujeito a inscrição no registo


predial. Desse registo vai depender o quê?

- A partir do momento em que está constituído o direito real de


habitação periódica relativamente ao uso do empreendimento
turístico, vão nascer os direitos parcelares. Os direitos
parcelares são os direitos que vão ser entregues a cada utente.

4. Constituído o regime, autonomizam-se os direitos parcelares.

- A conservatória do registo predial vai emitir um certificado


que titula cada direito de habitação periódica, e esse
certificado também vai legitimar a transmissão ou oneração
do direito real de habitação periódica.

- Neste caso, é possível dizer-se que o registo tem natureza


constitutiva, pois a existência dos direitos parcelares é
condicionada ao registo definitivo do título, ou seja, antes de
chegar ao aspeto 4 tivemos que passar pelo aspeto 3.

- Sem o registo do direito real de habitação periódica, não há


emissão destes certificados individuais que são entregues a
cada utente relativamente ao seu direito, portanto, nesse
caso, podemos dizer que o registo do regime do direito
real de habitação periódica é constitutivo dos direitos
parcelares dos utentes do direito real de habitação
periódica.

198
5. O certificado é o documento onde vai ser formalizada a
transmissão ou oneração dos direitos reais de habitação
periódica.

- Dentro dos direitos do utente, está a possibilidade de


transmitir ou onerar o seu direito real de habitação periódica.
Isto faz-se através da formalização no próprio certificado
que foi emitido pela conservatória do registo predial.

6. Ao longo de todo este processo de constituição, e designadamente


quando estamos a falar do proprietário do empreendimento que já
beneficia do direito real de habitação periódica, e que quer agora
alienar os direitos parcelares, a lei preocupa-se muito com a
tutela dos utentes, daqueles que podem vir a adquirir direitos reais
de habitação periódica. Esta tutela revela-se em várias
expressões:

a) Direitos de informação à No diploma encontramos um


conjunto muito extenso de deveres de informação que se
traduzem correspetivamente em direitos de terceiro
relativamente a essa informação.

b) Proibição de pagamentos ou contrapartidas antecipadas à


Ideia de que antes da constituição do direito, não se admite
que haja pagamentos ou contrapartidas relativamente a esse
direito.

c) Direito à caução.

d) Direito de resolução (muito importante) à Este direito à


resolução é um direito de resolução sem indicação de
motivos e sem encargos.

ü O adquirente pode resolver o contrato num prazo


definido por lei, mesmo que não indique o motivo e
sem qualquer custo para esse efeito.

ü Dá-se mais um momento para refletir se quer


efetivamente ser utente daquele empreendimento
turístico.

199
e) Irrenunciabilidade aos direitos anteriores, e nulidade das
cláusulas de limitação ou exclusão desses direitos ou das
responsabilidades do vendedor.

f) Proibições relativas à publicidade (Art.º 44º) e à


comercialização dos direitos reais de habitação periódica.

• Extinção:

- A respeito da extinção, o legislador omite as causas gerais de


cessação dos direitos reais de gozo com exceção de uma, a
renúncia abdicativa, que está prevista no Art.º 42º do regime do
direito real de habitação periódica.

ü Portanto, não fala das causas gerais que conhecemos e vimos


na teoria geral dos direitos reais, exceto quando há renúncia
abdicativa no Art.º 42º.

- É ainda especificidade o facto de o direito de resolução parecer


como um modo de extinção do direito real de habitação
periódica. Durante um prazo a seguir à aquisição, pode o titular do
direito resolver o contrato libertando-se de encargos que estejam
associados àquele direito, nessa medida fazendo extinguir o direito.

ü Aparece aqui o direito de resolução como um direito que


não tem de ser justificado como uma das formas de
extinção dos direitos reais de habitação periódica.

- E quanto às causas gerais de extinção dos direitos reais?

ü Apesar do silêncio da lei, trata-se da cessação de um direito


real menor porque é um direito que onera a propriedade do
empreendimento. Assim, como há expansão do direito de
propriedade com a extinção deste direito, o princípio da
tipicidade não obsta a que haja uma aplicação analógica
das formas de extinção dos direitos reais menores ao
direito real de habitação periódica.

ü Claro que temos aqui um problema específico


relativamente ao não uso à Além do princípio da
tipicidade, temos a norma do Art.º 298º nº3 que diz que a
extinção pelo não uso só se dará quando haja norma que
especificamente o preveja.

200
• O Art.º 298º nº3 não se refere ao direito real de
habitação periódica à Esta norma é uma norma que
não teve alteração desde a versão originária do CC.
Nessa altura não existia o direito real de habitação
periódica, que só vai aparecer em 1981.

• Se admito que se apliquem as causas gerais de


extinção dos direitos reais menores, evidentemente
que o não uso é uma das formas de extinção
admissível. Há, no entanto, esta limitação que resulta
do art.º 298º nº3, dizendo que é preciso norma que
especialmente preveja essa extinção.

o O objetivo desta norma se se referir ao direito


de propriedade é cumprir aquilo que resulta do
princípio da tipicidade.

o Se essa norma se referir a um direito real


menor, como é o caso, o objetivo é apenas
definir um prazo.

§ Como o prazo já sabemos é de 20 anos,


então é desnecessária essa norma para o
direito real de habitação periódica.

• O que vimos no tocante aos direitos reais menores


é também aplicável ao direito real de habitação
periódica, apesar do silêncio do legislador.

8. Os direitos reais de garantia

8.1. As garantias pessoais e as garantias reais das obrigações

• Desde a primeira aula que sabemos que o caminho seria o de estudar o


melhor possível os direitos reais de gozo, deixando os direitos reais de
garantia para o Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, uma
vez que estes direitos reais de garantia se caracterizam pela sua ligação
funcional à satisfação do crédito.

- Ou seja, os direitos reais de garantia estão lá para garantir a


satisfação do crédito. Nessa medida, há especificidades de regime
que se explicam em razão dessa relação umbilical com o direito de

201
crédito, e que justifica que não sejam levados para o mesmo
“pacote” que os direitos reais de garantia.

• Garantias à Estamos a tratar de formas de proteção do credor contra


o risco do incumprimento por parte do devedor. Quando falamos em
garantias estamos a pensar em sistemas, regimes, figuras e instituições,
que em alguma medida permitem ao credor ter mais confiança que o
crédito venha a ser satisfeito, ou de que se a dívida não for paga, que ele
possa satisfazer o seu direito por outra via.

• É importante distinguir entre as garantias pessoas e reais das


obrigações:

- Garantias pessoais à Não estamos, naturalmente, a pensar em por


uma pessoa a responder por uma dívida, isto é, não se vai tornar a
pessoa em escravo do credor. Trata-se de esclarecer que quando
estamos perante garantias pessoais, há uma outra pessoa que com
o seu património vai garantir o cumprimento da dívida pelo
devedor.

ü Há uma expressão quantitativa nas garantias pessoais.

ü Ex.: Se existe o património do devedor A, vai juntar-se ao


património do devedor A o património do devedor B, para
que o credor possa satisfazer o seu crédito, na altura devida.

ü Quando falamos em garantias pessoais, estamos


necessariamente a falar de uma alteração quantitativa. Nas
garantias pessoais há sempre um reforço quantitativo do
crédito. Há sempre outro património que se junta ao
património do devedor.

• Ex.: Fiança à Isto significa que o fiador, com o seu


património, vai-se responsabilizar pelo cumprimento
da dívida de outra pessoa, com os riscos que isso
naturalmente tem, porque ficamos dependentes do
comportamento do devedor.

- Garantias reais à Também podemos ter um reforço quantitativo, ou


seja, pode vir a garantia real de outro património, mas não tem que
ser assim, podendo vir do próprio património do devedor.

202
ü Como é que pode ser considerado uma garantia se vem do
próprio património do devedor? à A garantia real traduz-se
na circunstância de haver a atribuição de uma posição de
preferência ao credor na satisfação do seu crédito pelo
valor ou pelos rendimentos de determinado bem.

o Ex.: Se sou devedor de A, posso dar em garantia


perante o banco A um terreno que tenho, um edifício
que tenho. Se estiver a hipotecar terreno, a hipoteca é
uma garantia real. Se estiver a hipotecar o meu
edifício, o que estou a atribuir ao banco ou a esse
credor é uma posição de preferência.

ü O que é a posição de preferência? à É fundamental olhar


para os artigos 601º e 604º do CC:

o Art.º 601º (Princípio geral das garantias das


obrigações) à “Pelo cumprimento da obrigação
respondem todos os bens do devedor suscetíveis de
penhora sem prejuízo dos regimes específicos
estabelecidos em consequência de separação de
património”

§ Se respondem todos os bens do devedor


relativamente aos créditos onde entra a figura
das garantias reais? à É necessário conjugar o
que diz o 601º com o que diz o 604º.

o Art.º 604º (Concurso de credores) à “Não existindo


causas legítimas de preferência os credores têm direito
a ser pagos proporcionalmente pelo preço de bens do
devedor quando ele não chegue para satisfação
integral dos débitos.”

§ Ex.: O devedor A que tem perante si 2


credores: o credor B e o credor C. O devedor
deve perante o credor B 500, e esse mesmo
devedor deve perante o credor C 500. O
património do devedor esgota-se em 500. Ou
seja, na verdade tem 2 credores a agirem sobre
o mesmo património, e qualquer um desses
credores se atacar esse património do devedor,
poderia esvaziar o património do devedor.

203
O que resulta do Art.º 604º nº1 é que os
credores têm o direito a ser pagos
proporcionalmente pelo preço dos bens do
devedor, quando este não chegue para integral
satisfação dos créditos. 500 não chega para
satisfazer 1000 porque os débitos que essa
pessoa tem são de 1000. Se ele só tem no seu
património 500, isso significa que não tem a
capacidade de satisfazer integralmente as suas
dívidas.

Assim, de acordo com o Art.º 604º, cada credor


vai receber 250, uma vez que os seus créditos
são iguais, e vamos dividir o património de
forma igual. Na verdade, nenhum credor vai
ser plenamente satisfeito.

§ O que é que acontece se o património de 500


que o devedor tem se esgotar num terreno de
que ele é proprietário e hipotecou em benefício
do credor B, para garantir a satisfação do
crédito de B.

Continuamos a ter 2 credores, ambos com 500,


e um só património que se esgota num terreno
de 500. Nesta hipótese, como existe uma
hipoteca, existe aquilo que a lei refere como
sendo uma causa legítima de preferência.

O Art.º 604º nº2 refere que são causas


legítimas de preferência, além de outras
admitidas na lei: a consignação de
rendimentos, penhor, hipoteca, o privilégio e o
direito de retenção.

Portanto, estas causas legítimas de preferência


são figuras em que a lei admite que um credor
possa ter uma posição de privilégio, ou seja,
uma posição de preferência.

Preferência significa então ser pago


primeiro, ou seja, estar à frente dos outros.

204
Então, tenho um património de 500 que se
esgota num terreno sobre o qual existe uma
hipoteca, que está onerado em benefício do
credor B, e o credor B tem posição de
preferência em relação ao credor C. Ou seja,
quem vai ser pago primeiro é o credor B, e só
na medida em que o credor B esteja
plenamente satisfeito ou satisfeito na medida
das forças do património do devedor, é que o
outro credor, C, vai ser satisfeito.

Aqui não temos um reforço quantitativo do


crédito, pois não temos outro património a
juntar-se ao do devedor. É apenas o património
do devedor, mas há reforço qualitativo do
crédito pois o credor B já não vai estar
sujeito a concorrer com os demais credores
relativamente ao património do devedor.

O credor B tem posição de preferência e


privilégio relativamente ao credor C e assim
sendo só depois de ser pago o credor B é que o
credor C vai ser pago.

o Contudo, pode haver situações em que há reforço


quantitativo.

§ Ex.: O terreno que é dado em hipoteca pode


pertencer a um terceiro. Esta garantia pode ser
prestada pelo devedor, mas também pode ser
prestada por um terceiro.

Então, enquanto que nas garantias pessoais há


necessariamente um reforço quantitativo do
crédito, nas garantias reais o reforço pode ser
qualitativo, dizendo respeito a bens do próprio
devedor.

ü A lei no Art.º 604º vem dizer quais são as causas legítimas de


preferência, mas acrescenta a expressão “além de outras
admitidas na lei” à O que significa esta expressão?

205
o Isto significa que as garantias reais obedecem ao
princípio da tipicidade dos direitos reais. Para que
haja garantias reais, é necessário que a lei as
estabeleça à Só há garantias reais nos termos em que
a lei as preveja e isto é, naturalmente, o que vimos em
relação aos direitos reais de gozo.

o Já não acontece o mesmo em relação às garantias


pessoais. As garantias pessoais podem ser prestadas
por vontade das próprias partes sem subordinação à
lei. Não há nenhum princípio de tipicidade no caso
das garantias pessoais.

- Diferenças entre as garantias pessoais e garantias reais:

Estamos sempre a falar de um reforço do crédito que é o que há de


comum às garantias.

a) Por um lado, nas garantias pessoais há sempre reforço


quantitativo do crédito, ao passo que nas garantias reais pode
também haver um reforço qualitativo.

b) As garantias pessoais podem ser livremente criadas e


reguladas pelas partes, e as garantias reais obedecem ao
princípio da tipicidade, tendo a lei que tipificar estas
garantias, ou seja, tem que tipificar as causas legítimas de
preferência.

c) Vamos tomar por referência a fiança, que é uma garantia


pessoal clássica. A fiança tem 2 características, uma é
essencial, e a outra pode ser afastada pelas partes, mas são
características chamadas à colação na apresentação da figura
em traços gerais:

ü Acessoriedade à Art.º 627º

ü Subsidiariedade à Art.º 638º

o Significa que o fiador só responde depois de


atacados todos os bens do devedor. Se o credor
não conseguir satisfazer a sua dívida através do
devedor então o fiador irá responder por essa
mesma dívida.

206
o Esta característica, que é uma característica
ultrapassável, é afastável por vontade das
partes.

o No entanto, é relevante afirmar que a


subsidiariedade é afastada nas garantias
reais.

§ Isto significa que o credor não tem que


atacar primeiro o devedor para poder
satisfazer o seu crédito.

§ Ex.: Se houver uma hipoteca sobre bem de


um terceiro, o credor pode atacar esse
mesmo bem de um terceiro à A
subsidiariedade é afastada nas garantias
reais.

8.4. As garantias reais à luz das características dos direitos reais de gozo

O que interessa na disciplina são as garantias reais que estão previstas na lei, e
têm oponibilidade erga omnes, que identificamos nos direitos reais de gozo.
Então, vamos fazer breve confronto entre as garantias reais e os direitos reais de
gozo.

Há 4 diferenças importantes:

1. Posse e usucapião

• Nas garantias reais podemos também ter um controlo material da


coisa.

- Não acontece sempre à Por exemplo, na hipoteca o credor


não controla materialmente a coisa. Portanto, há garantias
em que não existe controlo material, e por isso não podemos
falar em posse.

• Contudo, há outras garantias reais em que esse controlo material


existe.

- Por exemplo, na figura do direito de retenção à Quando


há tradição da coisa para garantia do pagamento da

207
indemnização que é devida ao beneficiário da tradição, a lei
estabelece direito de retenção. Neste caso estamos a falar de
uma garantia real de satisfação de um crédito
relativamente a um bem do devedor e que se traduz num
controlo material.

- Então, temos garantias reais em que não há controlo


material como a hipoteca e os privilégios creditórios, mas
também temos garantias em que há controlo material
como o penhor (a entrega da coisa é o momento de
constituição do próprio direito) e o direito de retenção.

• Relativamente à posse podemos dizer que há garantias em que não


há controlo material da coisa, mas mesmo quando há controlo
material da coisa, essa posse não será uma posse civil, isto é, não é
boa para todos os efeitos.

- Esta posse não é boa para a aquisição por usucapião à


De acordo com o regime da usucapião, no Art.º 1287º, fala-
se na posse do direito de propriedade ou de outros direitos
reais de gozo. Ou seja, a lei é clara a usucapião está
referida aos direitos reais de gozo.

- Mesmo que chegue à conclusão de que há garantias em que


existe controlo material da coisa, o que é certo é que esse
controlo material não será suscetível de conduzir à
usucapião, portanto, será sempre interdital e não civil.

ü Sendo uma posse interdital, isso significa que quando


exista este controlo material, vê o seu alcance
limitado aos meios de defesa e, eventualmente, aos
frutos e benfeitorias que resultem dessa mesma
coisa.

• Em conclusão, nem sempre há controlo material, sendo o controlo


material excecional, mas mesmo quando há controlo material
esse controlo material não dá origem a posse civil, dando
apenas origem a uma posse interdital.

2. Permanência à Os direitos reais não se extinguem pelo seu exercício se


forem direitos reais de gozo. Os direitos reais de garantia e de
aquisição extinguem-se pelo exercício porque o seu objetivo é

208
exatamente um objetivo que não se esgota na existência desse mesmo
direito.

• O direito real de garantia está lá para conceder uma posição de


prevalência ou preferência ao credor na satisfação do seu crédito e,
portanto, vai ser exercido quando o credor precisa de atuar essa
preferência. Quando o credor atua essa preferência extingue-se.

• Acontece o mesmo nos direitos reais de aquisição.

- Ex.: Um contrato promessa com eficácia real ou pacto de


preferência com eficácia real ou uma preferência legal são
direitos reais de aquisição, que estão lá para garantir a
aquisição de outro direito. Quando é necessário utilizar a sua
força para essa aquisição, evidentemente, acabam por se
extinguir porque cumpriram a sua função.

• Os direitos reais de gozo não se extinguem pelo seu exercício, mas


os direitos reais de garantia extinguem-se em regra pelo seu
exercício.

3. Prevalência à No tocante aos direitos reais de gozo, a prevalência ou a


preferência dos direitos reais de gozo dá-se de acordo com um critério
temporal. O direito que se constitui em primeiro lugar prevalece sobre os
direitos que se constituem depois.

• Nos direitos reais de garantia, em razão da sua natureza, que é


satisfazerem créditos, o legislador decidiu estabelecer solução
diversa.

• Em razão da importância desses créditos, entendeu que devia


dar mais força a algumas garantias do que a outras,
independentemente do seu momento de constituição temporal.

- Hipótese 42 à Sobre um edifício concorrem uma


hipoteca, um privilégio creditório imobiliário e um
direito de retenção, constituídos por esta ordem em favor
de credores diversos. Pronuncie-se sobre a prevalência
destes direitos. Distinga consoante se trate de privilégio
imobiliário geral ou de privilégio imobiliário especial.

209
ü Isto significa que em primeiro lugar foi constituída em
hipoteca, em segundo lugar o privilégio creditório
imobiliário e em terceiro lugar o direito de retenção.

ü Sabendo que o património do devedor não chega para


satisfazer todos os credores qual o credor que deve ser
pago em primeiro lugar?

o Se utilizássemos o critério da prioridade


temporal, que é utilizado nos direitos reais de
gozo dir-se-ia que primeiro era satisfeita a
hipoteca por ter sido a garantia constituída em
primeiro lugar, e assim sucessivamente.

o Nos direitos reais de garantia, em razão da


natureza dos créditos que esses direitos
garantem o critério não é o da prioridade
temporal.

ü Qual o direito que deve prevalecer? à Se olharmos


para o Art.º 751º e 759º, a lei vem estabelecer uma
hierarquia que neste caso não vai respeitar a ordem
temporal que foi referida. Em razão da natureza do
crédito a lei vem dizer:

o Os privilégios imobiliários especiais são no


fundo garantias que incidem sobre
determinados bens imóveis, e não sobre todo o
património imobiliário do devedor. Esses são os
privilégios imobiliários gerais.

o É especial quando incidem sobre um


determinado bem, quando se trata de um
privilégio imobiliário especial é uma garantia
que resulta da lei. Diz o Art.º 751º que: “os
privilégios imobiliários especiais são
oponíveis a terceiros que adquiram o prédio
ou um direito real sobre ele e preferem à
consignação de rendimentos, à hipoteca ou
ao direito de retenção ainda que estas
garantias sejam anteriores.”

210
§ A lei diz claramente que o privilégio
imobiliário especial vai prevalecer sobre a
hipoteca e sobre o direito de retenção ainda
que porventura a hipoteca e o direito de
retenção fossem anteriores. Estamos a
afastar o critério da prioridade temporal.

o Entre o direito de retenção e a hipoteca,


quem vai ser satisfeito em primeiro lugar?

§ De acordo com o Art.º 759º nº2, “O direito


de retenção prevalece sobre a hipoteca
ainda que a hipoteca tenha sido
registada anteriormente” à Afasta-se o
critério da prioridade temporal, e vem o
legislador dizer que o direito de retenção
prevalece sobre a hipoteca.

• Então a ordem de satisfação dos credores na hipótese seria à


Privilégio imobiliário especial, direito de retenção e finalmente
a hipoteca.

- Nos direitos reais de garantia é a ordem estabelecida pelo


legislador que temos que seguir, ou seja, afasta-se o critério
da prioridade temporal.

- E se fosse um privilégio imobiliário geral? à Se fosse


geral, ou seja, abrangesse todo o património imobiliário do
devedor, a resposta era diferente. Falta uma característica
nos direitos reais que é dizer respeito a uma coisa concreta
e determinada.

ü Se for geral, o Art.º 749º diz que “O privilégio geral


não vale sobre terceiros titulares de direitos que,
recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio,
sejam oponíveis ao exequente”.

ü Neste caso, deixa de ser direito oponível, o que


significa que passava do primeiro lugar para o último:
direito de retenção, hipoteca e finalmente privilégio
imobiliário geral.

211
• Nos direitos reais de gozo, a prevalência é uma condição de
existência do direito, ao passo que nos direitos reais de garantia é
uma condição de exercício do direito.

o O facto de haver privilégio imobiliário especial não significa


que o credor que tenha retenção fique impedido de exercer o
seu direito de retenção.

o Se tiver 2 credores com hipoteca, aí prevalece o critério


temporal porque tenho a mesma garantia e prevalece o
primeiro relativamente ao segundo, mas não há extinção.

4. Publicidade à Há uma figura muito importante dentro dos direitos reais


de garantia, que é a hipoteca, em que o registo é constitutivo. Nas várias
modalidades de hipoteca, o registo aparece como um elemento de
constituição desse mesmo direito.

• Então neste caso estamos a afastar a regra do efeito


consolidativo do registo que é a regra que se verifica em relação
aos direitos reais de gozo.

• No tocante à publicidade importa reter esta diferença entre os


direitos reais de garantia na perspetiva da hipoteca e os
direitos reais de gozo.

212

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