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Direito das Coisas I 2022/2023

Direito das Coisas I – Aulas Teóricas

Aula dia 14/02/2023

Bibliografia: “Sumários Desenvolvidos” – serão disponibilizados

Posse – Lições de Direitos Reais do Dr. Orlando de Carvalho


Propriedade – Livro do Dr. Santos Justo

mjardim@fd.uc.pt

Tudo o que é passível de satisfazer necessidades é um bem. Todas as coisas são bens,
mas nem todos os bens são coisas, isto porque podemos satisfazer necessidades com
uma pessoa (e esta é um bem, mas não é uma coisa).

Detentor é diferente de possuidor. É uma distinção que, no Brasil, não existe.

Ex: se A quiser vender a casa a B, por mero efeito do contrato a propriedade transfere-
se, mas é necessária forma, que tem que ser dada por um notário, advogado ou
conservador. Tendo a forma, transmitiu-se o direito, a seguir, solicita-se o registo e
este é feito ...

Aula dia 28/02/2023

1. Direito das Coisas ou Direitos Reais


Quando se fala em Direito das Coisas, falamos a propósitos de direito que incidem
direta e imediatamente sobre uma coisa.

O Direito das Coisas surge porque o Homem necessita de meios de sobrevivência que
são escassos, o que gera disputas sobre a apropriação e utilização das coisas.
Isto acaba por ser a razão de ser do Direito Patrimonial.
A grande diferença entre DC e o DO é que o último regula o acesso às coisas, o
caminho e não a sua direta e imediata utilização.
Mesmo quando, no âmbito das obrigações, um sujeito tenha acesso a uma coisa, só
acede a ela porque a outra pessoa cumpriu uma obrigação.

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O Direito das Coisas, já não regula apenas o acesso aos bens, mas sim o domínio, no
sentido de poder autónomo, independente, direto e imediato sobre uma coisa,
independentemente do cumprimento de qualquer obrigação e de qualquer
compromisso.

O DC regula a atribuição das coisas, e põe a eficácia perante todos – erga omnes – e
estabelece um regime dos diversos direitos reais, como a propriedade, usufruto,
hipoteca.
O DO por seu turno, rege apenas o caminho para as coisas e as relações creditórias
(intersubjetivas), e não a atribuição.

Quando falamos em DC em sentido rigoroso, falamos de um ramo do direito


patrimonial, que fixa regime de diversos direitos, os direitos reais.
Quando falamos de direitos reais, falamos de relações jurídicas com eficácia real.

1.1. DEFINIÇÃO DE COISA, DE ORLANDO CARVALHO


“Entidade do mundo externo, com suficiente individualidade e economicidade para
assumir o estatuto permanente de objeto de domínio”.
1. Para termos uma coisa, temos que ter algo desprovido de personalidade
jurídica, pelo que daí se distingue uma coisa de um bem (tudo aquilo que é
apto a satisfazer necessidades).
Todas as coisas são bens, mas nem todos os bens são coisas.

2. Além disso, tem que ser algo presente, atual, já existente e autónomo,
individualizado. Os frutos que há de gerar, ou seja, algo que lhe esteja ligado,
não pode ser visto como uma coisas, mas sim como uma parte, porque, apesar
de existir, não é individualizado.

3. Temos que estar perante algo apto a satisfazer necessidades (ex: uma gota de
água não é uma coisa).

4. Tem que ser algo suscetível de apropriação exclusiva. Isto conduz a que se
afaste tudo o que é insuscetível de apropriação, como, por exemplo, o sol ou
bens do domínio público.

O DC talvez seja dos direitos que mais revela a ideologia à volta da qual a sociedade
civil se organiza e se estrutura. O nosso DC não equivale ao dos outros países.
Ex: num país comunista não há propriedade privada, ela pertence ao Estado, ao
contrário do que acontece no nosso país.

Encontramos os direitos reais no Livro III e Livro II nos direitos reais de garantia; direitos reais de aquisição. O direito
real de habitação periódica, está fora do código. Vários diplomas da propriedade horizontal também estão fora do
CC.
Depois existem dois códigos muito relacionados, que são o Código Notarial, a CRP.

1.2. Distinção entre Direitos Reais e Direitos de Crédito


A forma como se entende a distinção marca-nos o percurso ao longo do semestre.
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Sabemos o que é uma obrigação porque o CC o define no art.397º (“vínculo jurídico


por força do qual uma pessoa fica adstrita à realização de uma prestação”). Sabendo
nós isto, conseguimos saber o que é um direito de crédito. O credor tem o direito de
exigir a prestação.
O direito de crédito é o direito que uma pessoa tem de exigir de outra uma
prestação.

No que toca aos direitos reais, ao longo dos anos, foram surgindo teorias:
- teoria realista ou clássica: de acordo com esta, o direito real traduzia-se no poder
direto e imediato de uma pessoa sobre uma coisa. O direito real exprimia uma relação
entre uma pessoa e uma coisa. Ao contrário do direito de crédito que se traduz numa
relação entre pessoas.
No direito real não há intermediários entre o titular do direito e a coisa, ao contrário
dos direitos de crédito em que o credor só acede ao bem, quando o devedor cumpre a
obrigação.
Um direito real envolve uma estrutura simples, linear e não intersubjetivas, que não
envolve cooperação e nem uma prestação. Um direito de crédito tem uma relação
complexa, triangular (credor, objeto e devedor) e intersubjetiva.
Esta conceção surgiu com o Direito Romano, esta ideia estava subjacente ao processo
romano. Esta depois foi desenvolvida.
Nos direitos reais não há mediação.

- teoria personalista: surgiu no séc. XIX, na Alemanha, inspirada em Keynes. Os


personalistas dizem que os realista não tinham razão nenhuma, diziam que as relações
são sempre intersubjetivas, ou seja, sempre entre pessoas.
Defendiam que o núcleo essencial de um direito subjetivo como o direito real é
sempre uma pretensão necessariamente dirigida a um comportamento humano.
Não faz sentido falar de relações entre homens e coisas.
Os personalistas dizem que, em regra, quando se pensa numa obrigação, pensa-se
numa obrigação de conteúdo positivo e, por isso, pensamos num devedor certo e
determinado. O que aconteceu foi que estes não se deram conta que nas relações de
direitos reais, isto não se passa assim, porque, todos os que não são titulares do direito
real, são devedores, estão vinculados por uma obrigação – a obrigação passiva
universal de se abster (que tem conteúdo negativo).

Para os personalistas o direito real é o poder de afastar ingerências de terceiros, que


seja incompatível com o conteúdo do direito. O direito de crédito é o direito de exigir
de outrem uma prestação.
Além disso, ainda criticavam os realistas em mais pontos. Dizem que não faz sentido
falar de um poder direito e imediato sobre uma coisa, quando se sabe que existem
direitos reais que não envolvem um poder direto e imediato sobre uma coisa (ex:
hipoteca) ou direitos reais que, apesar de envolverem um poder direto e imediato
sobre uma coisa, não é através do exercício desse poder, que o titular satisfaz o seu
interesse (ex: penhor). Existem, também, direitos que não são reais e que envolvem
um poder direto e imediato sobre uma coisa (ex: emprestei uma casa de férias a um
amigo).

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Esta categoria dos personalistas pensa no poder direto e imediato como um poder de
gozar.
Ora, a hipoteca, é um direito real de garantia que tem como objeto imóveis e nesta
não há um poder de uso, pelo que este argumento deles é um argumento fraco. O
domínio dos direitos reais varia em função da sua categoria. Ser proprietário é uma
coisa e ser credor hipotecário é outra.
O penhor é um direito real de garantia que tem como objeto móveis ou direitos. Ex: A
dirigiu-se ao banco e pedir um empréstimo. O banco pediu uma garantia, mas ele não
tinha imoveis, então não podia ter uma hipoteca, mas tem um quadro muito valioso,
pelo que se constitui um penhor. Na perspetiva dos personalistas não é pelo facto que
o credor ter a coisa em seu poder que satisfaz o seu interesse. Esta critica não é de
peso, porque ela supõe que em todos os direitos reais, a soberania é a mesma, e não
é.
Quanto ao último exemplo, os personalistas dizem que essa não pode ser
característica distintiva, porque o poder direto e imediato existe em direitos que não
são reais.

- teoria eclética ou mista: esta aproveita elementos das duas teorias anteriores. Esta
vem dizer que os realistas só tinham em conta o lado interno do direito real e os
personalistas só tinham em conta o lado externo, a perspetiva da sanção. E os direitos
têm sempre dois lados.
Pelo lado interno, dizem que o direito real é um poder direito e imediato sobre uma
coisa. O poder de crédito é o poder de alguém exigir de outrem uma prestação.
Pelo lado externo, o direito real é o poder de excluir toda e qualquer pessoa de
qualquer ingerência com o direito. É esse poder de afastar que tem eficácia erga
omnes. Ao invés, os direitos de crédito, direcionados a uma pessoa só, têm uma tutela
estrita e só se impõe a uma pessoa.

Esta teoria tem os dois elementos, e é defendida pela maior parte dos autores. Esta
também parte do pressuposto de que o direito real é uma relação intersubjetiva, ou
seja, entre pessoas.

- teoria realista renovada: a teoria do Dr. Henrique Mesquita segundo o qual um


direito real é uma relação jurídica na qual uma cisa fica subordinada ao domínio ou
soberania de uma pessoa, de acordo com um certo estatuto, regime, que constitui a
fonte, não apenas dos poderes do titular do direito, mas também de obrigações.
Esta definição salta à vista por ser uma teoria realista.
Depois, é a primeira vez que se falam de deveres. Até agora não se tinha falado deles.
São as chamadas obrigações reais, que pendem sobre o titular do direito real, pelo
simples facto de o serem, independentemente de qualquer compromisso ou
responsabilidade (ex: um condómino tem que pagar o condomínio por força do seu
estatuto).
Quando se tenta definir um direito real face a um direito de crédito, faz sentido alar
destes deveres.

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Esta teoria distancia-se das outras. Em relação à personalista, para o Dr. Mesquita, o
núcleo é a soberania. Ele nega a existência de uma relação intersubjetiva. Sendo esta a
grande distinção, afasta-se, pelo mesmo motivo, da teoria eclética.
Em relação à teoria realista clássica, a inovação surge, por um lado, porque o Dr.
Mesquita não esquece a sanção, afirma que quem não é titular do direito real não se
pode imiscuir na relação de soberania, mas isso, para ele, não é uma obrigação, é um
dever geral de abstenção. Também se afasta desta teoria no preceito género.
Esta é a posição adotada pela Dr. Mónica Jardim
O núcleo essencial do direito real traduz-se no domínio ou soberania de uma pessoa
sobre uma coisa. Daqui resultam duas consequências. Por um lado, o lado positivo da
soberania: a coisa fica subordinada ao domínio; e a uma soberania negativa: todos os
outros estão proibidos de se imiscuir naquela área. O direito real é absoluto, é
autónomo, que prescinde de colaboração.

Ex: imaginemos que saímos da aula e vamos ao Cartola e pedimos um café. Quando
pedimos e nos dirigimos à mesa, sentimo-nos proprietários do café, podemos bebê-lo,
deitá-lo fora.

A exclusão dos terceiros é a consequência do poder que é atribuído sobre a coisa. O


dever geral de abstenção nesta teoria é uma mera consequência a soberania.
Aqui não falamos de obrigação, porque o poder não pressupõe essa relação
intersubjetiva. O que falamos é, precisamente desse dever que é consequência.
O dever geral de abstenção não é o contra-polo do direito real.

Quando a ordem jurídica diz que quem não é proprietário não se pode imiscuir na
coisa e está vinculado a abster-se, ela não quer criar relações.

A grande diferença entre os direitos reais e os direitos de crédito é que os primeiros


não envolvem relações intersubjetivas e os segundos envolvem.

Esta teoria afasta-se mais da teoria personalista, porque:


- o núcleo do direito real é diferente.
- existe relação intersubjetiva, que a teoria personalista afast;
- existe obrigação passiva universal.

Estas teorias só fazem sentido para fazer a distinção entre direitos reais e direitos de
crédito.

Durante largos anos, houve quem entendesse que, havendo conflitos de direitos reais,
os mesmos só estavam resolvidos pelo legislador, através de relações intersubjetivas.
Os conflitos de direitos reais existem em duas hipóteses:
- concurso de direitos reais: quando sobre uma coisa incide mais do que um
direito real, que pode ser do mesmo tipo e conteúdo diferente ou de tipo diferente
com o mesmo conteúdo. Temos direitos reais de gozo, de garantia e de aquisição. Os

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primeiros, no qual o maior é a propriedade, temos outros como a propriedade


horizontal, o usufruto. Estes direitos concedem ao titular o direito de usar, de fruir a
coisa.
Os direitos reais de garantia, como o penhor, a hipoteca, o direito de retenção, os
privilégios creditórios, concedem uma soberania que se traduz no poder do seu titular
de promover a venda geral do bem e satisfazer o seu crédito com prioridade faze aos
demais credores.
Os direitos reais de aquisição concedem ao seu titular, o poder de vir a adquirir outro
direito real. Enquadram-se, aqui, o pacto preferência e o contrato-promessa, dotados
de eficácia real (que a Dr. Mónica não entende como direitos reais).

Então, existe concurso quando, sobre uma coisa, incide mais que um direito real.
Nestas hipóteses de concurso, havia a ideia de que estes se resolvem porque se
estabelece uma relação intersubjetiva. O que d Dr. Mónica afirma é que as coisas não
têm que ser vistas dessa forma, porque, para melhor se aproveitar as coisas, se
constituíram direitos reais sobre elas. Mas, não basta ao legislador dizer quais são as
categorias de direitos reais e o seu conteúdo, é preciso fixar limites.
A relação que existe entre titulares de direitos reais sobre a mesma coisa, é a esma
que existe entre um titular de direito real e um terceiro. O terceiro tem que respeitar,
devido ao dever geral de abstenção, que comprime os seus poderes, mas não existe
uma relação intersubjetivas entre eles.

A prova de que existência de múltiplos direitos reais não pressupões uma relação
intersubjetiva existe. Se forem direitos reais de gozo podem ser constituídos por
usucapião. Esta supõe que alguém exerça posse, mas não supõe qualquer relação com
o proprietário, o titular de direito real.
Além disso, os direitos reais de gozo, mesmo quando nascem de contrato ou negócio
jurídico, depois, mal surgem, autonomizam-se. O contrato ou negócio tem apenas uma
relação genética, porque o regime de direito decorre da lei.
Também o facto de um direito real menor não se extingue quando se extingue o
direito real maior. Ex: Posso constituir o direito de usufruto sobre um pinhal e, a seguir,
posso renunciar a propriedade. Se fizer isso, o direito de usufruto mantém-se.

- relações de vizinhança: situações em que temos dois objetos imoveis, cada um


deles com o respetivo direito de propriedade. Temos dois direitos, que são o mais
amplo, lado a lado.
Muitas vezes dizias que existiam nesta matéria, relações obrigacionais, relações
intersubjetivas.
Não estão, porque o que o legislador faz é, para tentar evitar ou resolver
conflitos, estabelecer um regime que passa, por vezes, em determinar que os limites
do direito de propriedade ficam aquém dos limites materiais da coisa e outras vezes,
faz o contrário e estabelece regras que dizem que s limites do direito, vão além dos
limites materiais da coisa.
Ex: o primeiro caso, acontece quando lemos uma normal que diz “ninguém
pode abrir janelas junto ao extremo do prédio”. É assim, para evitar conflitos

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Outras vezes, temos normas que dizem “pode emitir-se fumos, barulhos que
invadam o prédio do vizinho, desde que não causem risco substancial”.
Isto não implica que exista uma relação intersubjetiva.
O que falamos muito nesta matéria é de restrições (que não devem ser
confundidas com obrigações e, muito menos, com obrigações reais).

Quanto a críticas à teoria eclética, apontamos:


- o facto do núcleo dos direitos reais ser diferente.

Quanto à teoria realista clássica, afastamo-nos na medida em que esta não se referia à
sanção. Segundo a teoria que seguimos nós temos isso presente.
Outro aspeto é que conseguimos fazer a distinção entre direitos reais e direitos
pessoais de gozo. Nós dizemos que os direitos pessoais de gozo são um terceiro
género, que se aproxima dos direitos reais e dos direitos de crédito, mas também se
afastam destes. O que caracteriza estes direitos é que temos um direito complexo que
parece ter uma zona periférica e depois um gozo. A zona periférica é composta por
múltiplas obrigações (ex: celebramos um contrato de arrendamento e por força desse,
o proprietário tem que entregar a chave. Depois disso, o inclino satisfaz o seu interesse
com o gozo da coisa). Portanto, esta zona periférica poderia ser como que esquecida.
A particularidade dos direitos pessoais de gozo é que não há uma obrigação positiva
permanente. Ex: Quando se arrenda uma casa, pretende-se que o senhorio entregue a
chave e desapareça de cena.
Há um poder direito e imediato, de facto e, nessa medida, há uma aproximação com
os direitos reais, mas, a diferença é que a fonte dos poderes inerentes a um direito real
é o domínio, a soberania e não uma qualquer relação jurídica ou compromisso.
Depois temos a questão dos efeitos. Um direito real, porque se traduz no tal domínio,
em consequência impõe o dever geral de abstenção. Um direito pessoal de gozo é
apenas eficaz, inter partes.

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Destas características decorrem outras características, como a inerência, a tutela forte.

Aula dia 07/03/2023


1.3. Característica os Direitos Reais:
2. Inerência: esta característica resulta do art.730º/c) – matéria de hipoteca.
A hipoteca extingue-se pelo perecimento da coisa.
Não há direito real sem coisa. Se a coisa se extinguir, o direito real extingue-se.
Isto aplica-se, ainda ao penhor, aos privilégios creditórios especiais (art.752º) e ao
direito de retenção (art.761º).

Dentro dos direitos reais, temos:


- direitos reais de gozo – fruir, usar, transformar a coisa. Ex: se o prédio deixar
de existir (que por uma tempestade, se desmoronaram no mar, por exemplo), a
hipoteca extingue-se.

–direitos reais de aquisição – conferem ao titular o poder de adquirir um outro


direito real

- direitos reais de garantia – estão ao serviço de direitos de crédito, porque


garantem a um credor que à custa de determinada coisa, vai conseguir satisfazer o seu
credito com prioridade face a demais créditos.

O direito real de gozo mais amplo é a propriedade; depois, a propriedade horizontal e,


depois, a propriedade superficiária.
O usufruto é o direito de gozar e fruir, plenamente, mas, temporariamente, coisa ou
direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância.
O direito de uso, é o direito de usar e fruir, mas apenas na medida das necessidades do
titular e da família.
O direito de habitação é o direito de habitar uma casa de morada de outrem, de
acordo com as necessidades do titular e da família (direito pessoalíssimo).
O direito real de habitação duradoura – a este aplicam-se as regras do direito de
habitação.
O direito de superfície é o direito de fazer ou manter obra ou plantação em terreno
alheio. Existem duas modalidades deste:
- o dono do solo dá o direito de o outro fazer ou plantar. No primeiro
momento é um direito de coisa alheia de edificar. Depois, quem a fez, tem o direito de
a manter num subsolo que não é seu. É proprietário daquilo que construiu ou plantou.
Este é um direito biface.
- já existe a obra ou plantação, mas atribui-se o direito de superfície a
um terceiro sobre essa.

As servidões existem para muitas coisas, sendo as mais comuns, as servidões de


passagem. Qualquer utilidade pode ser objeto de servidão. É um cargo imposto a um
prédio em benefício de outro prédio.

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Se a perda for parcial, o direito sobrevive pela parte restante da coisa. O


usufruto mantém-se, de acordo com os arts.1426º e 1428º.
Em matéria de propriedade horizontal, se a coisa for destruída em menos de ¾
há de ser vendida ou, se não construída.

Existem ainda hipóteses de desaparecimento de uma coisa e aparecimento de


outra em seu lugar. Neste caso, o art.692º e os art.1480º e 1481º, são os que se
aplicam, em matéria de hipoteca e de usufruto.

Já quando há extinção do direito real, pode a coisa transformar-se apenas? Em


usufruto isso é claro – art.1478º e 1479º - pode acontecer. Ex: A tem um prédio rustico
suscetível de construção e ele constrói. O prédio rustico deixa de existir, e passa a
haver prédio urbano – art.204º/2. Não há extinção nem coisa e nem do direito.

Quanto à característica da inerência, se se pretender voluntariamente


substituir o objeto do direito real, mas dar continuidade a um direito real, isso não
ocorre. Ex: A constituiu a favor de B, um direito de usufruto sobre o apartamento X.
mas depois pensou melhor e disse que era melhor o apartamento Y. Se B aceitar, o
direito de usufruto extingue-se, e surge um novo.

2. Forte Tutela: só faz sentido a eficácia erga omnes se se conceder uma forte
tutela.
Os direitos reais beneficiam numa forte tutela, pois, caso haja violação do
dever geral de abstenção, por parte de um qualquer terceiro que se imiscua na
esfera de soberania, o titular do direito real, passa a ter um direito de crédito
sobre esse terceiro – para ser reposta a situação concreta que existia antes (ou,
se não for possível, em conformidade com esta).
Da violação do direito real, nasce uma pretensão real, que tem na sua génese
essa violação e que visa tutelar a efetividade do direito real e é uma verdadeira
relação creditória.
As pretensões reais, surgem desde que exista a violação do dever real de
abstenção, mesmo que o terceiro tenha atuado sem culpa e mesmo que não
tenha causado qualquer dano. Ex: A tem um terreno que não está delimitado e
autorizou B a depositar lá material. B deslocou-se lá e depositou material, mas
enganou-se no prédio e depositou no prédio de Y. B violou um dever geral de
abstenção. Ele atuou sem culpa e pode não ter causado dano, mas essa
violação ocorreu, pelo que nasce na sua esfera jurídica o dever de repor a
situação. Na esfera de Y nasce a pretensão real.

As pretensões reais valem para qualquer direito real.

Podemos ter a ação de reivindicação – arts. 1311º e ss. – também é aplicada


para defesa de outros direitos reais, sobretudo de gozo. Esta é intentada
porque quem deixa de ter coisa em seu poder, quando se vê privado da coisa.
Formula dois pedidos:
- o reconhecimento do seu direito;

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- a restituição da coisa;
Ex: suponhamos que temos uma bicicleta e que alguém pega nela e a leva, e
nós sabemos que é que a levou.

A ação negatória, não está prevista na lei, mas ninguém nega que o titular do
direito real, possa recorrer a esta.

A ação de simples apreciação. Ex: o exemplo de B que depositou o material no


prédio de Y. Y não ficou privado do seu prédio, então, não faz sentido intentar a
ação de reivindicação.
Nesta, formulam-se três pedidos:
- pedido para que se declare que a pessoa que praticou o ato, violou o
dever geral de abstenção (não tinha qualquer direito para praticar aquela
ação).
- repor a situação;
- pedido para condenar a que não volte a praticar o mesmo ato.

Se não houver violação ou nem necessidade de reparação da coisa, basta uma


ação de simples apreciação.

Estas pretensões reais são inseparáveis do direito real. Por outro lado, são
imprescritíveis, elas não prescrevem. Enquanto existir direito real, tem que
haver forma de o tutelar.
A obrigação que decorre da violação do dever geral de abstenção, é diferente
das obrigações comuns.

Num direito de crédito, o titular do direito de crédito só está protegido perante


um devedor. Mesmo para quem defenda a teoria da eficácia externa, o terceiro
só responde se tiver conhecimento.
Nos direitos reais, a pessoa que viole o dever geral de abstenção, mesmo que
sem culpa, tem que repor a situação.
Nas hipóteses em que se cause dano, formula-se mais um pedido de cariz
obrigacional: a indemnização do dano – mas é precisa a prova de todos os
elementos, designadamente a culpa. Sempre que há violação de um dever
geral de abstenção, quem viola vai responder, independentemente da culpa e
vai passar a estar obrigado a repor a situação.

Nos direitos de crédito, quem responde é o devedor. Apenas essa pessoa


responde ou, eventualmente um terceiro, que não era devedor, se ele tiver
perturbado o cumprimento da obrigação – ex: o cantor está contratado para
atuar na cidade A, mas a cidade B contrata-o para atuar na sua festa. A cidade
B perturba a relação entre o cantor e a cidade A.

Os privilégios creditórios são garantias como a hipoteca, o penhor, o direito de


retenção, mas têm por força penas a lei, e não estão sujeitos a registo. Podem

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ter por objeto coisa móveis (privilégios creditórios mobiliários) ou imóveis


(privilégios creditórios imobiliários).
Ex: se um titular de um imóvel não pagar o IMI, o município tem o privilégio de
poder vender a casa.

3. Sequela: poder de perseguir a coisa. Se o titular do direito real se vê


privado da coisa, ele tem o poder de ir atrás da coisa. Pode fazê-lo através
de uma ação de reivindicação.
Ex1: A constitui usufruto a favor de B sobre uma casa e depois muda a
fechadura. B pode intentar a ação de reivindicação para perseguir a coisa.
Ex2: temos dois hotéis e num deles existe spa. No outro não existe nada. O
dono do último celebra um contrato com o hotel com spa, nos termos do qual
os seus hospedes podem usar esses equipamentos, através de uma passagem.
Isto é uma servidão. A dada altura, o proprietário do hotel com spa, resolve
fechar a passagem. O outro proprietário ficou privado da coisa e pode intentar
a ação de reivindicação. Ele vai exercer sequela.

Nas hipóteses em que se transmitia o direito da propriedade, o direito real


menor vai continuar a ser feito valer sobre o novo proprietário? Há sequela? A
Dr. Mónica não concorda, porque diz que não se está a seguir a coisa. Ele
apenas se impõe ao novo proprietário porque tem eficácia erga omnes.
O Dr. Santos Justo diz que, quando há direito de propriedade sobre um imóvel
que tem hipoteca, o novo proprietário tem que respeitar a hipoteca. E tem
razão, porque esta tem eficácia erga omnes, mas não há, aqui, sequela.

- Há ainda quem entenda que o art.5º Código registo predial é uma


exceção à sequela. Quem afirma isto, também afirma que são exceções ao
princípio do nemo plus iuris. Na ótica da Dr. Mónica, são apenas exceções a
este último princípio.
Em Portugal vale o princípio da consensualidade – art.408º - os direitos reais
constituem-se e transmitem-se por mero efeito do contrato, não é necessário registo,
nem ato de execução.
O art. 5ºCRP, é aplicável em situações do tipo: ex: a vende a B e B não regista. A
aproveitando-se disto, vende a C, e C regista.
Vamos imaginar que o bem é um bem móvel não sujeito a registo – nesta hipótese, a
coisa é de B, mesmo que A não entregue o quadro.
Já, estando em causa um bem sujeito a registo, por força do princípio da
consensualidade, B tornou-se proprietário. Porém, por força do art.5ºCRP, ele precisa
de registar, para evitar que surja um terceiro que a lei vá tutelar – aquele terceiro que
adquira o direito ao mesmo autor. Se B não registar, ele adquiriu o direito, mas não
consolidou a oponibilidade perante certos e determinados terceiros, como C.
A lei atribui um direito a C, por força do seu registo. Porque não podem coexistir dois
direitos incompatíveis, o direito de B, erga omnes, decai e, se o negócio com C não
padecer de nenhuma outra invalidade, para além da ilegitimidade, o direito é atribuído
a C.

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Direito das Coisas I 2022/2023

No caso dos negócios não serem totalmente incompatíveis – se o primeiro for de


menor âmbito que o segundo, este primeiro também decai – casos de direito de
usufruto e direito de propriedade.
Agora, se o primeiro direito for de maior âmbito que o segundo – caso de propriedade
e hipoteca – aqui, o facto de a lei atribuir direito a C, não tem que conduzir a que B
deixe de ter o seu direito, aliás, o seu direito tem que ser onerado pela hipoteca.

Em qualquer destas hipóteses, A vendeu coisa que já não era sua e, não obstante, C
adquiriu-a.
No entanto, a consequência normal seria a de que C não adquiria, de acordo com o
princípio do nemo plus iuris. Aqui, há, então, uma exceção ao nemo plus iuris.

O resto da doutrina diz que há uma exceção à sequela. Mas esta não existe, desde logo
porque não poderia ser, em simultâneo, uma exceção à sequela e uma exceção ao
princípio nemo plus iuris. Quando, por força do registo, C adquire, B era titular do
direito de propriedade, apesar de não ter registado. Como tal, C passa a ser titular do
direito de propriedade. Dizer que era exceção à sequela, era dizer que B ainda teria o
direito de propriedade.
O art.291º CC é apresentado como uma exceção ao princípio nemo plus iuris, mas,
também, como uma exceção à sequela (sendo que não o é). Porque dizem que A tem
que ir reivindicar a coisa a C, mas não o pode fazer, porque C tornou-se proprietário e
A deixou de o ser.

Numa situação triangular – aplicamos o art.5º Código Registo Predial. Aqui o terceiro é
protegido, perante negócio anterior registado.
Numa situação linear - aplicamos o art.291ºCC. O terceiro é protegido perante um
negócio anterior inválido, tendo este sido registado ou não.

Outra hipótese apresentada como exceção à sequela, mas também não o é – não
ocorre em Portugal. A generalidade dos países tem esta regra da “posse vale título”
que se traduz na hipótese de alguém de boa-fé que adquire coisa não sujeita a registo
a um comerciante ou em mercado aberto, torna-se proprietário da coisa.
Ex: em Espanha, se alguém comprar um livro numa livraria, e alguém vier dizer que o
livro não estava à venda, que apenas o deixou lá, o outro torna-se proprietário. Pode é
a livraria ter que indemnizar a outra pessoa, por vender coisa que não era sua.

4. Prevalência/ Preferência: tradicionalmente falava-se em preferência para


exprimir a ideia de que o primeiro direito real era o que permanecia. Dizia-
se isto em relação a conflitos entre dois direitos reais, quaisquer que estes
fossem. Isto não é rigoroso em relação aos direitos reais de gozo, porque
não podem coexistir, sobre a mesma coisa, dois direitos reais de gozo
incompatíveis e, o primeiro constituído prevalece, porque é eficaz erga
omnes.
Falava-se também da preferência para dizer que os direitos reais preferiam
perante os direitos de crédito anterior ou posteriormente constituídos. E,
de facto, isso acontece, porque o direito real é eficaz erga omnes e o direito
de crédito é eficaz inter partes.

12
Direito das Coisas I 2022/2023

Os interesses dos titulares dos direitos reais de garantia sobre uma coisa,
são conflituantes e, no entanto, podem existir vários direitos reais sobre
uma coisa.
Ex: A é dono de um grande palacete muito valioso e há uns anos celebrou
um contrato de mútuo com o banco para fazer obras e o banco exigiu a
constituição de uma hipoteca sobre o palacete. Porem, o valor da hipoteca
é baixo sobre o palacete. Agora, ele quer montar um negócio, pode voltar a
dar uma outra hipoteca sobre o palacete. Neste caso, prefere a hipoteca
primeiramente constituída.
Mas no caso da hipoteca, há uma exceção ao princípio da consensualidade,
visto que esta só se constitui com registo. Então, é a data do registo que
conta.

Mas há exceções a esta característica da preferência no âmbito dos direitos


reais de garantia. A maioria surge quanto aos privilégios creditórios, que
podem ter por objeto móveis ou imóveis. São concedidos apenas por lei.
Ex: se um de nós comprar um imóvel, o qual não foi pago o IMI, não temos
conhecimento que existe privilégio.
Estes podem ser ainda:
Gerais – não são direitos de garantia. Têm por objeto todo o património
mobiliário ou imobiliário do devedor. Não incidem sobre coisa certa e
determinada, porque o privilégio nasce por força da lei e, nessa data tem
por objeto todo o património do devedor. Entretanto, o devedor, pode
alienar moveis ou imoveis, pode adquirir, ou seja, o seu património vai
mudando. À data em que o credor intentar a ação executiva, o património
pode ser bem diferente, do que existia à data da constituição do privilégio.

Especiais – têm por objetos coisas certas e determinadas – dieitos reais de


garantia

As exceções são:
- privilégios por justezas de justiça – quer sejam mobiliários ou imobiliários, têm
preferência não só sobre os outros privilégios, mas ainda sobre quaisquer outras
garantias, mesmo que anterior – art.743ºCC.

- art.745º/2CC – havendo créditos com igual privilégio dá-se rateio entre eles, na
proporção dos respetivos montantes, sem se ter em conta a data em que se
constituíram. Ex: o Estado tem um privilégio creditório e a autarquia local tem outro,
do mesmo tipo. Dá-se rateio do pagamento, isto é um credor tem mais que outro.
Imaginemos que, na venda, não se atingir o valor necessário. Então, será pago a cada
um, na proporção dos seus respetivos montantes.

- art.751ºCC – os privilégios imobiliários especiais preferem à consignação de


rendimentos, à hipoteca e ao direito de retenção, mesmo que sejam anteriormente
constituídos.

13
Direito das Coisas I 2022/2023

- art.759ºCC – o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, mesmo que


anteriormente constituída.
Estas são exceções à característica da preferência. Mas há casos em que um direito
não real, vai ter preferência perante um direito real. Art.736º/1CC – privilégios
mobiliários gerais previstos neste artigo preferem aos privilégios mobiliários especiais,
de acordo com o art.747º-A.
Depois, há quem apresente como exceções à característica da prevalência o art.5ºCRP
e o art.291ºCC. Na verdade, não são exceções pelo mesmo motivo e também porque
não haveria preferência, mas sim, prevalência.

Por último e, sobre a preferência, também esta existe nos direitos pessoais de gozo.
Não há preferência nos direitos pessoais de crédito. Em matéria de direitos pessoais de
gozo prefere um direito primeiramente constituído – art.407º(?) É a única norma em
que o legislador fixa uma regra de prioridade. Não se fala de prioridade propósito dos
direitos reais.
Esta norma traz de novo é que consagra uma solução justa.
Ex: A celebrou um contrato de arrendamento para férias, no mês de agosto, com B,
num apartamento X e celebrou, no mesmo apartamento com C. O arrendatário é
titular de um direito pessoal de gozo, mas é preciso haver entrega da coisa. Neste caso,
quem vai passar as férias no apartamento é aquele que primeiro tiver recebido a chave
(entrega da coisa), ou, quem ocupar previamente a casa.

1.4. SÍNTESE:
 Quanto à fonte, os direitos de Crédito envolvem relações intersubjetivas. Os
direitos reais são direitos absolutos, autónomos, mesmo quando o direito real
nasce em virtude de um contrato, depois, deliga-se dele.

 Um direito real tem eficácia erga omnes e um direito de crédito tem eficácia
inter partes.

 Quando ao objeto, um direito real pode ter por objeto uma coisa
indeterminada, certa, atual. Um direito de crédito pode ter por objeto uma
coisa indeterminada ou futura.
Um direito de crédito pode ter por objeto mais que uma coisa. Um direito real, em
regra, apenas tem por objeto, uma coisa (exceto as hipotecas).

 Quanto ao regime, nos direitos de crédito vale o princípio da autonomia


privada. Em matéria de direitos reais, vale o princípio da taxatividade –
art.1306º - constituem-se apenas pelos modos previstos na lei. O regime dos
direitos reais é aquele que está estabelecido na lei ou aquele que permite que
as partes fixem. Isto não quer dizer qua não haja possibilidade de modelar os
direitos reais (menos o direito de propriedade).

 Quanto à extinção, os direitos de crédito prescrevem. Já os direitos reais só


prescrevem se forem direitos reais de aquisição e se a lei não estabelecer prazo
para o seu exercício (poi se o fizer, eles caducam).
Os direitos reais de gozo extinguem-se pelo seu não uso (durante 20 anos).

14
Direito das Coisas I 2022/2023

A propriedade sobre móveis extingue-se por abandono. A propriedade sobre


imóveis, gera polémica na doutrina. A Escola de Coimbra diz que não pode haver
renuncia ao direito de propriedade sobre os imóveis. A Dr. Mónica chegou a
concordar, mas, agora, não concorda. Defende que pode existir.

 Apenas os direitos reais podem ser adquiridos por usucapião (apenas os de


gozo). Mesmo dentro destes, não podem ser adquiridos por usucapião, o
direito de uso.

Aula dia 14/03/2023

Quanto aos pontos de contacto entre os direitos de crédito e os direitos reais:


- quer os direitos reais, quer os direitos de crédito são direitos patrimoniais.

- ambos podem, em regra, surgir por mero efeito do contrato, exceto os


direitos reais que apenas têm origem na lei.

- os direitos reais, tal como os direitos de crédito, em regra, são suscetíveis de


ser transmitidos, emboras as exceções (não se transmite o direito de uso; as servidões
só se transmitem em conjunto com o direito de propriedade do prédio em causa).

- existem direitos reais que são instrumentais, em face de direitos de crédito


(estão ao seu serviço) – são os direitos reais de garantia.

- existem direitos de crédito que nascem da violação de direitos reais (ex:


quando falamos da forte tutela dos direitos reais, todos aqueles que são vinculados
pelo dever geral de abstenção, se o violarem, fazem nascer uma pretensão real. Vai ter
que repor a situação material existente. O titular do direito real torna-se credor
perante quem violou o direito).

- existem obrigações que fazem parte do conteúdo do direito real, que


vinculam o titular do direito real, pelo simples facto de o ser, independentemente de
ele ter assumir qualquer compromisso, ou ser civilmente responsável – obrigações
reais.

Estes são os pontos de contacto fundamentais, apesar de existirem mais.

1.5. Obrigações Reais


O titular do direito real, pelo simples facto de o ser, fica vinculado, há realização de
uma prestação.

Nota: fica obrigado a uma prestação de conteúdo positivo (facere; dare (?))

As obrigações reais fazem parte do conteúdo do Direito Real, mas não se pode dizer
que são, estruturalmente reais, que sejam relações de natureza real. Elas fazem parte
de um estatuto do direito real, mas são verdadeiras obrigações.
A expressão “obrigação” revela a sua natureza, o objetivo “real” revela a sua origem.

15
Direito das Coisas I 2022/2023

Estas têm um regime próprio que as distancia das obrigações autónomas.

As obrigações reais têm como fonte, apenas a seguinte:


1 - norma de direito público (ex: IMI);
2 - norma de direito privado (ex: art.1472º - que prevê que cabe ao usufrutuário
realizar as reparações ordinárias da coisa);
3 - convenção das partes que cumpre uma norma de direito público ou privado (ex:
direito de superfície – art.1530º);
4 - a vinculação de uma restrição, em matéria de relações de vizinhança, sempre que a
violação dessa restrição envolva a transformação material da coisa (ex: A e B são
proprietários de prédios contíguos. A constrói até ao extremo e abre uma janela. Ele
viola uma restrição, porque tinha que guardar 1.5m. esta violação faz nascer a
obrigação real de fechar a janela. A, porque abre a janela, viola o direito geral de
abstenção e, com isso, o direito de propriedade de B, fazendo nascer uma obrigação
real. Ao mesmo tempo, viola o seu estatuto de direito real).

As obrigações reais podem visar satisfazer:


- interesses públicos: é o que acontece quando emergem de normas de direito público

- interesses privados: dentro destes, podem visar satisfazer interesses:


- de um contitular do mesmo direito real (ex: obrigação dos comproprietários
de darem preferência – art.1409º);
- em benefício de um titular de um outro direito real (ex: art.1530º; obrigação
do usufrutuário de proceder a reparações ordinárias);
- de alguém que não é identificado em função da titularidade de um direito real
(ex: um proprietário que dê de arrendamento um imóvel. Quando quiser alienar, tem
que dar preferência ao inquilino).

As obrigações reais têm sempre um conteúdo positivo – dare – (ex: arts.1430º; 1424º)
- ou de facere – (ex: obrigação de dar preferência – art.1409º; obrigação do
usufrutuário de proceder a reparações ordinárias).

As obrigações reais compreendem, apenas, os casos em que o titular do direito real,


em virtude do estatuto do próprio direito, está vinculado a uma obrigação de
conteúdo positivo, que se integra numa relação obrigacional.
Tendo em conta que as obrigações reais são aquelas que regulam o titular de um
direito real pelo simples facto de o ser, é natural que de fora fiquem as obrigações que
nascem para terceiros, da violação de direitos reais alheios (pretensões reais).
As obrigações reais têm como sujeito passivo o titular de um direito real. As
pretensões reais têm como sujeito passivo aquele que viola direito real alheio.

Nota-se, porém, que pode acontecer que a uma obrigação real corresponda uma
pretensão real (ex: como no caso dos vizinhos em que um abre a janela).

Fora das obrigações reais, ficam também as obrigações que não decorrem de um
estatuto de direito real – art.492º - há quem apresente esta obrigação, como sendo
uma obrigação real, como o Dr. Santos Justo faz. Porém, nota-se que esta não é uma

16
Direito das Coisas I 2022/2023

obrigação real. Tanto assim é, que, não é pelo simples facto da pessoa ser proprietária
que vai responder.

Não é uma obrigação real o art.1240º - que surge em matéria de acessão. Esta
obrigação também não é uma obrigação real, aliás, nem é, verdadeiramente, uma
obrigação. Aqui, o que acontece é que se vai pagar para adquirir a coisa, ou seja, é
mais uma contraprestação.

Fora das obrigações reais, ficam também, as restrições, que aparecem no âmbito das
relações de vizinhança. Estas traduzem-se em proibições de praticar determinados
atos (ex: abrir janelas no extremo), no âmbito das relações de vizinhança ou dever de
non facere.
Quando estamos perante um titular de direito real que está vinculado a facere,
podemos estar perante uma obrigação real. Quando está adstrito a non facere, temos
uma restrição (conteúdo negativo) e não uma obrigação real.

As obrigações reais, são verdadeiras obrigações. Envolvem relações intersubjetivas.


As restrições não pressupõem intersubjetividade.
Quando o legislador impõe restrições ao proprietário de um imóvel, para assegurar
boas relações de vizinhança, ele não cria qualquer vínculo subjetivo. No fundo, está a
estabelecer limites jurídicos do direito, que podem ir além dos limites materiais da
coisa – os limites do meu direito vão além dos limites materiais da coisa e, outras
vezes, ficam aquém.

Fora das obrigações reais ficam, ainda, os casos em que alguém, titular do direito real
está vinculado a assumir um comportamento positivo, mas esse comportamento não
se integra numa verdadeira relação obrigacional. Isto acontece com violação do direito
urbanístico – ex: um proprietário de um terreno constrói sem licença. A Câmara, por
força da lei, está obrigada a demolir. Mas, esta, não pode intentar uma ação para
exigir a demolição. Ela pode é aplicar uma sanção contraordenacional. Neste primeiro
momento, não há qualquer obrigação real.
O que a Câmara pode fazer é, além da sanção contraordenacional, substituir-se ao ... e
demolir a obra. Se o fizer passa a ter um direito de crédito. neste segundo momento já
há uma relação obrigacional, mas esta não tem cariz real.

1.5.1. Regime das Obrigações Reais


As obrigações reais não podem ser criadas livremente pelo particular. Elas estão
sujeitas à taxatividade. Apenas, tirando, normas de direito privado, violações de
restrições, as partes só podem criar obrigações reais se a lei o permitir, e com o
conteúdo que esta permita.

Não é assim, porque as obrigações reais fazem parte do Direito Real e os direitos reais
são aqueles previstos na lei. Para os direitos reais, as obrigações reais, fazendo parte
deste, estão sujeitas ao princípio da taxatividade.

 Em regra, diz-se que as obrigações reais são taxativas porque, se depois for
transmitido o direito, a obrigação acompanha-o. As obrigações reais são

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Direito das Coisas I 2022/2023

aquelas previstas na lei ou que a lei permite formar, e depois, são


transmitidas, se o direito for transmitido, também.
Elas são taxativas, designadamente em matéria de propriedade horizontal –
art.1422º/2/d), que diz que no título constitutivo podem constar diversas restrições
para além das previstas na lei. Quer isto dizer que, se o título constitutivo da
assembleia, sem oposição, constar que o condomínio não pode estender roupa na
frente do prédio ou não pode circular nas partes comuns com carrinhos de bebé, isso é
possível.
Ex: suponhamos que o dono de olivais se vinculou a laborar a azeitona num
determinado lagar. Caso se transmita o novo olival, o novo proprietário teria que
realizar a prestação naquele lagar. Vai valer como obrigação autónoma.

Nota: nas orais é normal perguntar-se a distinção entre obrigações reais e restrições.

 Há obrigações reais que são ambulatórias. Parte da doutrina entende que


as obrigações reais são sempre ambulatórias (nascida a obrigação e não
cumprida, sendo transmitidas, transmite-se um direito real, o que não
acontece nas obrigações autónomas).
De facto, existem obrigações reais que se transferem sempre – são sempre
ambulatórias, designadamente o art.1452º (as obrigações reais de facere).
Ex: se o prédio tiver árvores de fruto e estas perecerem naturalmente, o
usufrutuário é obrigado a plantar novas – obrigação de facere, que é
sempre ambulatória.
Ex: A mesma coisa acontece com as obrigações do usufrutuário de reparar

Quanto às prestações de dare, estas podem ser obrigatórias ou não em


determinados casos, não faz sentido que o sejam – ex: A é superficiário
sobre o prédio de B e por isso, no final do ano tem que pagar X. porque é
titular do direito de superfície tem o direito de fazer ou manter a obra em
terreno alheio. Se ao fim de um ano, A não pagar e transmitir o direito de
superfície, é uma questão de justiça dizer que este direito não é
ambulatório, uma vez que seria injusto para o novo beneficiário.
Acresce que não há publicidade quanto às obrigações reais que estão por
cumprir.
Então, não é justo defender a ambulatoriedade.
Estas só devem ser ambulatórias quando são suscetíveis de serem
conhecidas, ou, quando as causas que lhe deram origem, ainda se
verifiquem. A jurisprudência tem começado a adotar esta posição

Ex2: quando a prestação em dívida se destine a atos que já foram


praticados e que aumentaram o valor da coisa ou do direito. Suponhamos
três comproprietários e um carro. O carro teve uma avaria e, portanto, um
deles mandou consertar, para evitar a perda ou deterioração da coisa. A
despesa já foi feita e serviu a todos e valorizou o carro. Agora que já está
arranjado e que todos devem contribuir, se um deles pagar e transmitir a
sua quota para um terceiro, a prestação corresponde a uma defesa que foi

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Direito das Coisas I 2022/2023

feita. Então, seria injusto para o terceiro ser ele a pagar o valor, uma vez
que ele acabaria por pagar duas vezes.

Quanto às obrigações de dare não ambulatórias, o que é que acontece? Ex:


o tal superficiário, no fim ano não pagou o cânon e transmitiu o direito de
superfície. A obrigação não se transmite e cristaliza-se na esfera jurídica do
ex-superficiário.

 As obrigações reais, porque fazem parte do estatuto do Direito Real, apesar


de serem verdadeiras obrigações, não prescrevem. O que quer der que,
enquanto os pressupostos que deram origem à obrigação, se mantiverem, é
como se renovasse a obrigação e o prazo para exigir o seu cumprimento.
Ex: Se o usufrutuário tem que realizar as obras de reparação ordinária e não
a realizar, é como se a obrigação nascesse todos os dias.

 As obrigações reais nem sempre se extinguem pelo incumprimento.


Ex: suponhamos que os condóminos de um prédio, sujeito ao regime da
propriedade horizontal, criaram um fundo para futuras obras no telhado e
foram entregando o dinheiro ao administrador. Entregaram o valor na
totalidade, mas o Sr. que ia arranjar foi para o casino e gastou o dinheiro e
não arranjou o telhado. A obrigação continua.

 O legislador prevê a hipótese de renúncia deliberatória em dois artigos. A


renúncia deliberatória é um negócio unilateral, recetício e oneroso, por
força do qual uma pessoa abre mão de um direito, para deixar de estar
adstrito a uma obrigação real.
Esta renúncia deliberatória, no fundo, diz-nos que a obrigação tem uma
faculdade alternativa. O devedor ou cumpre ou, em vez disso, substitui a
obrigação por outra, abrindo mão do direito.
Esta está prevista no art.1411ºCC. Este artigo vale para qualquer hipótese
de contitularidade do direito e não, apenas, para a compropriedade.
Depois, esta renúncia deliberatória está prevista em mateia de usufruto. O
usufrutuário – art.1473º/3 – está obrigado a efetuar reparações ordinárias,
mas deixa de estar obrigado se renunciar ao seu direito. Este artigo
também se aplica ao direito de uso e ao direito de habitação.

Quanto às obrigações de dare, em geral, não parece que possa haver


renúncia deliberatória. De toda a maneira, isto é um aspeto peculiar, mas
não tem tanta relevância prática.
Ex: caso da compropriedade – pode abrir mão do seu direito, para deixar de
estar obrigado. Imaginemos que A, B e C são comproprietários de um prédio
rustico, no qual o muro ameaça ruir. Um manda arranjar o muro e outro
recusa-se a pagar, porque o valor do prédio é baixo. Em vez de pagar, ele
renuncia. Se transmitir a quota, com o valor, pode pagar a despesa.
Esta hipótese existe, mas não é muito utilizada.

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Direito das Coisas I 2022/2023

Ex2: art.1567º/4 - não há uma verdadeira renúcia. Há uma proposta


contratual que tem que ser aceite.

 A par da renúncia deliberatória, nas hipóteses em que existir, há, para os


direitos reais de gozo, a renúncia aplicativa(?). Visa apenas, excluir o direito
da sua esfera jurídica.
Esta conduz à extinção das obrigações de facere, mas nem sempre conduz à
extinção das obrigações de dare.

1.5.2. Distinção entre Obrigação Real e Ónus Real

Ónus Real – este existe quando o proprietário de determinado prédio ou titular do


direito real se encontra obrigado, nessa qualidade, ao pagamento de certa prestação,
em regra, periódica ou reiterada. Pagamento pelo qual, responde sempre um direito,
seja quem for o respetivo titular do direito, à data da execução e, dispondo, o credor,
de preferência sobre os demais credores a executar.
A propósito do ónus real já se criaram múltiplas teorias. A verdade é que acontece
que, pela prestação responde o direito, mesmo que, entretanto, o titular do direito já
seja outro, que não o titular à data.
Um ónus real não é mais que uma obrigação real e um direito real de garantia a favor
do credor (o credor sabe que vai satisfazer o seu crédito com a venda judicial).
Duas relações jurídicas que estão lado a lado, mas não se fundem.

Ex de Ónus Reais: IMI – a autarquia pode promover à venda judicial de um bem,


mesmo que o proprietário não seja o mesmo; direito real de habitação periódica – tem
que pagar anualmente uma prestação ao proprietário do alojamento, para que este a
mantenha reparada, limpa, etc... se não realizar essa prestação, o proprietário do
alojamento tem um privilégio creditório.

Ex2: A, em 2022, era titular do direito real de habitação periódica. Chegou a altura de
pagar a prestação e não o fez (em dezembro). Agora, transmitiu este direito para B. É
uma obrigação de dare que corresponde a um uso já ocorrido. Ao transmitir o direito
para B, não transmitiu a obrigação, que se tornou autónoma.
O dono do alojamento, pode exigir a prestação a A, visto que esta não se transmitiu,
mas também pode penhorar o direito de habitação periódica, e promover a sua venda
judicial, mesmo que este já se encontre na esfera jurídica de B.
A obrigação não é ambulatória, mas existe um direito real de garantia a favor do
credor, perante a coisa, que, no caso, é o direito de habitação periódica.

Aula dia 28/03/2023


1.6. O QUE É UMA COISA?

Art. 212º- coisa é tudo aquilo que pode ser objeto de relações jurídicas.
Esta é uma má e demasiado ampla definição, porque nem tudo aquilo que pode ser
objeto de relações jurídicas é uma coisa (p.e.: as pessoas, as prestações (como são
comportamentos das pessoas, não são coisas), situações económicas vantajosas que

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Direito das Coisas I 2022/2023

dependam de outra realidade (p.e.: relações com clientes, fornecedores,


financiadores, por parte de um estabelecimento comercial).
Nº2: Estão fora de comércio jurídico as coisas que, por sua natureza, são insuscetíveis
de apropriação (estas não são coisas para efeitos de direitos reais). Coisas que não
podem ser apropriadas porque não há razão jurídica para tal, e não são as coisas de
domínio público que entram nesta categoria (p.e.: terrenos baldios).
Imaginemos que o senhor que explora o cartola que, ao fim de todos estes anos,
resolveu invocar a usucapião para adquirir o direito de superfície.

1.6.1. Elementos para estarmos perante uma coisa:


Para que estejamos perante uma coisa, esta tem que cumprir determinados requisitos:
- ser “digno” de personalidade jurídica;
- ser atual;
- já ser existente (enquanto for futura, não há direitos reais autónomos- ex:
suponhamos que o senhor A hoje celebra um negócio nos termos do qual todas as uvas
que as suas vinhas produzam este ano são de B. Como as uvas ainda não têm
autonomia, não há direito real)
- ser apto a satisfazer interesses;
- ser suscetível de apropriação exclusiva.

1.6.2. Classificações de coisas:


Existem várias classificações de coisas. Podemos estar perante:

 Coisas móveis e coisas imóveis


A lei fala-nos nos dois tipos nos arts. 204º e 205º. O legislador elencou os imóveis
(e tudo o que não esteja elencado é móvel, como nos diz o art. 205º):
- Prédios rústicos e urbanos (uma parte limitada do solo e as construções nele
existentes que não tenham autonomia económica- art. 202º);
- Águas (de fontes, de nascentes, subterrâneas)
- Árvores (e enquanto os frutos, as folhas e tudo mais estiver no corpo da árvore
preso, tudo é considerado um imóvel);
Todos os direitos reais que tenham por objeto imóveis, têm de obedecer a uma
forma: escritura pública ou documento particular autenticado (pressupõem
sempre forma) - 875º CC.

Nota: forma não tem nada a ver com o registo. O registo não é constitutivo em
Portugal (não é imprescindível para que sejam verificados os efeitos) ex:
Imaginemos que A quer vender a B um imóvel. A forma deste negócio tem de ver a
mencionada no art. 857º, o que quer dizer que as partes têm de se dirigir ao
cartório (ou advogado ou solicitador) para formalizar o negócio. Dada a forma, a
propriedade transmite-se. Depois quando o negócio já está finalizado e a
propriedade transferida, o novo proprietário vai ao cartório registar a sua
propriedade (no registo leva-se o título feito anteriormente).
Só os automóveis e os móveis equiparados são suscetíveis de serem registados,
dentro da categoria dos bens móveis (são chamados bens móveis equiparados).

21
Direito das Coisas I 2022/2023

Isto interessa para motivos de tutela perante terceiro (se não estivermos a falar de
bens imóveis ou de bens móveis equiparados, não há lugar a esta tutela).

 Coisas fungíveis e coisas infungíveis


Art. 207º: São coisas infungíveis as que se determinam pelo género, quantidade ou
qualidade (conta, peso e medida). O negócio não produz efeitos reais enquanto
não se der a escolha em termos concretos.

 Coisas futuras, coisa alheia ou coisa inexistente


A definição de coisa futura é dada no art. 211º, mas esta não nos permite
distinguir entre coisa futura, coisa alheia e coisa inexistente.

As coisas futuras podem ser:


- Relativamente futuras: já existem, mas ainda não estão em poder do disponente.
Porém, este tem a legítima expectativa de vir a adquirir e o negócio é realizado
com base nessa suposição. São negócios válidos e produzirão os seus efeitos reais
quando entrarem na esfera jurídica do disponente;

- Absolutamente futuras: Ainda não existem, mas são esperadas. O disponente


tem a legítima expectativa que venha a surgir e o negócio é celebrado baseado
nessa suposição.

- Coisa alheia: Já existe, mas não está na esfera do disponente e este não tem a
legítima expectativa de a adquirir. O negócio é, nestes termos, nulo.

- Coisa inexistente: Coisa que não existe nem há legítima expectativa que esta vá a
existir.

1.6.3. Partes componentes e partes integrantes


Estas são distintas na sua natureza, mas o seu regime jurídico é exatamente igual.
Uma parte componente é uma parte constituinte da estrutura de uma coisa (p.e.:
telhado de uma casa, telhas, tijolos). Podem ser retiradas da coisa, mas não sem que a
coisa perca a utilidade a que se destina.

As partes integrantes são coisas móveis que estão ligadas materialmente, com
carácter de permanência, a um prédio. Servem para aumentar ao prédio comodidade,
segurança, produtividade. Também podem ser separadas da coisa, mas, se o forem, a
coisa não perde a sua função principal nem a sua capacidade de exercer a sua função
principal.
O regime das duas diz que, enquanto forem partes, enquanto tiverem materialmente
ligadas à coisa com carácter de permanência, ou constituírem a coisa, o negócio que
tiver como objeto a coisa, abrange-as.
Os negócios que tenham por objeto algumas destas partes (sim, isto é possível. Eu
posso vender o painel solar que está afixado na minha casa, mesmo que ele ainda lá
esteja), apenas tem efeitos obrigacionais. Os efeitos reais deste negócio apenas
concorrerão quando esta parte que está em causa se autonomizar.

22
Direito das Coisas I 2022/2023

Ao mesmo tempo que os negócios com estas partes integrantes só têm efeitos reais
quando forem autonomizadas, o inverso também vale. Se um painel solar, por
exemplo, autonomizado, for anexado a uma casa, este painel deixa de ser uma coisa e
passa a ser parte integrante da casa, extinguindo-se assim quaisquer efeitos reais que
existissem perante o painel. (P.e.: foi constituída uma reserva de propriedade de um
elevador. Assim que ele é anexado a um prédio, este elevador deixa de existir como
coisa autónoma e, portanto, a cláusula de reserva da propriedade perde toda a sua
força).

1.6.4. Coisas acessórias


Previstas no art. 210º e, segundo este artigo, são coisas acessórias as coisas móveis
que não constituindo partes integrantes, estão afetadas de forma duradoura ao
serviço e ornamentação de uma outra. A grande diferença entre estas e as acima
mencionadas é que as coisas acessórias não estão materialmente ligadas à coisa. São
coisas autónomas, mas que estão ao serviço de uma outra (P.e.: numa quinta com
exploração agrícola, um trator é uma coisa acessória).
O regime das coisas acessórias já é diferente do das partes. Os negócios que têm como
objeto a coisa principal não englobam as coisas acessórias (p.e.: se eu vender a quinta,
não vendo o trator). Apenas as integram se existir uma convenção em contrário.
Nota: grande parte das coisas consideradas acessórias na cozinha atualmente, p.e., são
consideradas partes integrantes atualmente.
Quando surgem casos práticos sobre esta parte da matéria, temos de classificar e
aplicar o respetivo regime, mas, às vezes, introduz-se um elemento estranho que são
apenas coisas (que nem são partes, nem coisas acessórias), situação na qual se dá o
regime geral (o negócio da coisa principal não abrange esta coisa autónoma).

1.6.5. Frutos, benfeitorias e (pertenças?)


De acordo com o art. 212º, frutos é o que a coisa produz periodicamente, sem que
haja uma afetação da sua substância. Podem ser furtos naturais, frutos civis
(consequências da coisa frutos de uma relação jurídica).

Art. 213º- partilha de frutos- ex: imaginemos que durante parte do ano, o proprietário
da fruição constitui usufruto.

Benfeitorias- art. 216º- são todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a
coisa.
Existem três tipos:
- necessárias (despesas que são feitas na coisa para evitar a sua perda ou
deterioração);
- úteis (despesas feitas na coisa, não para evitar a sua perda ou deterioração, mas que
aumentam o seu valor);
- voluptuárias (não visam evitar a perda e também não aumentam o valor, servindo
apenas para recreio do bem-feitorizante).

Em relação às benfeitorias, temos de falar da distinção entre estas e a ação. A ação é


uma forma clássica de aquisição da propriedade, e é um ato de inovação, uma
mudança ou alteração de uma coisa que existia antes para uma nova; enquanto a

23
Direito das Coisas I 2022/2023

benfeitoria é uma despesa feita numa coisa que já existe.


Esta era a distinção feita, até Dr. Antunes Varela dizer que este não seria o melhor
critério, mas sim o da existência/inexistência da relação jurídica. Este diz que as
benfeitorias supõem uma relação jurídica entre com a coisa, enquanto as ações não.
Esta distinção foi aceite pela jurisprudência, mas chegou-se ao ponto de dizer que
qualquer relação jurídica fazia com que a ação se pusesse de parte, mesmo que fosse
uma relação de posse, e, para a Dra. Mónica isto não é correto. De acordo com a lei, só
pode invocar uma ação aquele que for ?????.
Além disso, a Dra. Mónica não consegue perceber como isto é possível se toda e
qualquer relação jurídica afastar a ação. Na sua opinião, a ação é um ato de inovação
que só deve ser admitido como forma de aquisição originária se for praticado fora do
quadro de uma relação jurídica que o justifique (não é qualquer relação jurídica). Só se
exclui a ação se o ato praticado for em virtude dessa relação jurídica.

1.6.6. Animais
Ante da Lei nº8/2017(?) os animais eram considerados coisas. Com esta lei, foi
introduzido o art. 201º-B, que passou a definir animais como seres dotados de
sensibilidade e objetos de proteção jurídica, em virtude da sua natureza. Como os
animais são dotados de sensibilidade, foi no intuito de lhes conceder um estatuto e
proteção própria, em virtude da sua importância e sensibilidade.
Porém, e apesar destas alterações, os animais continuam a ser objetos relações
jurídicas e objetos de relações jurídico materiais (do direito de propriedade, do
penhor, etc.), e o estatuto, na verdade, não trouxe grandes modificações. As normas
especiais sobre os animais são escassas, não foram alteradas nem ampliadas e, por isso
mesmo, no art. 201º-B que, na ausência de lei especial, serão aplicadas aos animais as
disposições das coisas, desde que estas não sejam incompatíveis com a sua natureza.
Para além dos arts. 201º-B até ao 201º-D, há outras alterações ao CC que valem a pena
ser referidas: art. 1202º- podem ainda ser objetos de direito de propriedade os
animais; art. 1305º-A- este artigo é altamente criticado, uma vez que o art. 1305º
deveria ser aplicado aos animais também. O facto de o direito de propriedade ser
indeterminado, na medida em que concede ao proprietário um direito pleno de retirar
todas as vantagens da coisa, não significa que este detém um poder ilimitado (este
tem de ser exercido dentro dos limites e restrições naturalmente impostas). Portanto,
nós não podemos dizer que o 1305º dava poderes indiscriminados ao proprietário.
Para além disso, este artigo tem também inerente uma construção social, e, portanto,
os animais não seriam tratados como uma coisa qualquer mesmo à luz deste artigo.
Por último, com o 1305º-A, o legislador parece que se esqueceu do art. 1334º relativo
à proibição do abuso do direito. Posto isto, este acrescento do art. 1305º- A era
escusada.
Quanto ao número 1 e número 2 do art. 1305º, estes não trouxeram absolutamente
nada de novo. Acresce que, não sendo reconhecida (e bem) personalidade jurídica aos
animais, as vinculações que estão previstas aos proprietários, não concedem reais
deveres/obrigações integrados numa relação jurídica (os animais não são sujeitos a
direitos).
O direito de propriedade do animal não é justificação para os maus-tratos a estes, por
analogia ao art. 1334º.

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Direito das Coisas I 2022/2023

Por fim, o art. 1305º prevê uma série de comportamentos, mas depois não há sanções
a quem não os cumpre.
Art. 1323º: os animais, apesar de não serem coisas, podem ser ocupados (objeto de
propriedade de ocupação). P.e.: se alguém encontrar um animal perdido, deve tentar
identificar se tem dono. Se não conseguir encontrar, deve informar a polícia e pode
ficar com o animal. Durante 1 ano, se o dono não aparecer, a pessoa pode ficar com o
animal. Se aparecer, o animal deve ser restituído ao dono. Antes estava prevista uma
indemnização para estas situações, que agora desapareceu (a dra. não percebe
porquê, porque o dono novo teve certamente gastos com ele).

Nº7: Aquele que achar que o animal é vítima de maus-tratos, a pessoa que o encontrar
pode retê-lo. Na opinião da Dra. isto não faz sentido, porque, apesar de o animal
aparecer maltratado, como é que se sabe que foi o dono anterior a maltratá-lo? Para
além disso, este direito a reter é tratado no seu âmbito jurídico? Não parece que a
retenção tenha sido utilizada na frase neste sentido. Se o foi, foi mal, na opinião da
Dra. Mónica.
Concluindo, os animais têm um estatuto próprio, mas, como não há desenvolvimento
deste estatuto, estes são praticamente tratados como coisas. Para a Dra. Mónica, faria
muito mais sentido que se criasse um regulamento para os animais de companhia ou
um estatuto novo para os animais. Parece à doutora que fomos todos muito civilizados
em Portugal para deixarmos de considerar os animais coisas, mas depois, na prática,
nada se fez. Foi uma oportunidade perdida.

1.7. Princípios dos direitos reais

1.7.1. Princípio da consensualidade (art. 450º)


A constituição ou transferência de direitos reais dá-se por mero efeito do contrato,
salvo exceções dispostas em lei.
Não é apenas a constituição ou transmissão de direitos reais, englobando também a
modificação, extinção, etc. dos direitos reais (quaisquer eventos que alterem a
constituição do direito real).
Outro aspeto é que o legislador se referiu a “contrato” uma vez que este é o aspeto
mais vulgar. Porém, pode ser por um negócio jurídico unilateral, pela lei, por decisão
judicial, por justa causa, etc. não sendo de ser necessariamente por contrato. P.e. a
propriedade horizontal constitui-se por negócio unilateral (é composto por duas
declarações, mas de sentido convergente, e não divergente, como pressupõe os
contratos).
Estando isto esclarecido, vamos usar o contrato como exemplo porque é o mais
comum. Não é preciso um ato de pagamento, a entrega da coisa, o registo, etc. para
que se transmita a propriedade. Não é preciso um ato posterior à execução do
contrato.
Há sistemas de título, há sistemas de título e modo (dentro destes, há uns que o modo
é simples, e outros em que o modo é complexo (formado por dois elementos), e
depois há ainda sistemas só de modo (e o modo é complexo).

 Sistemas de título (que é o nosso)

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Direito das Coisas I 2022/2023

Temos um contrato de compra e venda, e este produz efeitos obrigacionais e efeitos


reais, ou seja, da compra e venda não nasce apenas a obrigação de entrega da coisa,
mas sim efeitos reais (um transfere o direito e o outro entrega o direito). Porque
emergem efeitos reais, tem lugar o princípio da consensualidade. Este contrato tem de
existir; não pode ser nulo; nem pode ser anulável (ou seja, não pode ter vícios nem
formais, nem materiais); e tem de ser apto a produzir efeitos reais (princípio da
causalidade). O registo não é constitutivo.

 Sistema de título e modo simples


No sistema espanhol, por exemplo, um contrato de compra e venda produz efeitos
reais e efeitos obrigacionais, mas só por si não bastam, pois tem de haver entrega da
coisa. Tem de existir um modo, e esse modo é a entrega da coisa. Portanto, não vale o
princípio da consensualidade. De toda a maneira, só há transmissão do direito, se o
contrato existir, for válido e apto para produzir efeitos reais (vale, portanto, o princípio
da causalidade). O registo também não é constitutivo. Porém, se o objeto for imóvel, o
registo é constitutivo.

Aula dia 11/04/2023

 No sistema de título, o título produz efeitos obrigacionais e efeitos reais. Não é


preciso, para que haja transmissão do direito, o pagamento do preço, basta o
acordo de vontades.
Vigora o princípio da consensualidade.

O que acontece é que este título tem que ser válido, ele não pode padecer de
invalidade – princípio da causalidade.

Quanto ao registo ou entrega da coisa, este não é constitutivo, em regra.

 O sistema de título e modo simples, que vigora no Brasil e em Itália. A compra e


venda depende de um título, que produz efeitos reais e obrigacionais. Mas, os
efeitos reais ficam suspensos, eles só se produzem, quando, a este título, se
soma um modo que, em Espanha é, sempre, a entrega da coisa (quer sejam
móveis ou imóveis) e, no norte de Itália é o registo, no caso de se tratar de
imóvel.

O título tem que ser válido, não pode padecer de vícios. Não vigora o princípio da
consensualidade, mas vigora o princípio da causalidade.

Quanto ao registo, este é constitutivo, nos países em que é modo.

 O sistema de título e modo complexo vigora na Áustria e na Suíça. O que


acontece é que o primeiro negócio, obrigacional, produz apenas efeitos
obrigacionais. Depois, a este título, soma-se um negócio real. Mas este negócio

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Direito das Coisas I 2022/2023

real ainda não basta. É precisa a entrega da coisa, no caso de se tratar de


móveis ou o registo, caso estejam em causa imóveis.

Neste sistema não vigora o princípio da consensualidade, mas o negócio real (e a


entrega ou registo) encontra A sua causa naquele título, que tem que ser válido, ou
seja, vigora o princípio da causalidade.

O registo só é constitutivo se estiverem em causa imóveis, porque é o modo.

 O sistema de modo, vigora na Alemanha e traduz-se num sistema de modo


complexo.
O que acontece é que há um primeiro negócio meramente obrigacional, que é o
fundamento, a causa, o título obrigacional.
Depois tem que haver um negócio obrigacional. Depois tem que haver entrega (caso
seja móvel) ou registo (caso seja imóvel).

Claramente não vigora o princípio da consensualidade, mas também não vigora o


princípio da causalidade. Este último não vigora porque, se esta causa padecer de
vícios, isso é absolutamente irrelevante, porque vale o princípio da abstração.
Ex: o negócio obrigacional padecer de nulidade, o negócio real é válido. Daí se dizer
que é um sistema de modo complexo.

No direito português, segundo o art.408ºCC, os direitos reais são transmissíveis por


mero efeito do contrato, salvo nas exceções previstas na lei. Este preceito diz menos
do que deveria dizer, como já foi referido anteriormente.

Quanto às exceções, existem situações em que o nosso ordenamento jurídico, apesar


de ser um sistema de título, existe um modo:
- nas hipotecas: a hipoteca deve ser registada, sob pena de não produzir
efeitos, mesmo em relação às partes. O registo é pressuposto para que a hipoteca seja
eficaz, inter partes.
A maioria da doutrina, entende que o registo é constitutivo, não há exceção ao
princípio da consensualidade.
A Dr. Mónica discorda e entende que, o registo é constitutivo.

A data da hipoteca, se for convencionalmente estipulada, não é a data do negócio e


nem a data da sentença, no caso de ser judicial. A data da hipoteca, o que lhe dá
prioridade perante outras hipotecas, é a data do registo.
A hipoteca é um direito real de garantia, que permite ao credor satisfazer o seu
crédito, tendo preferência sobre os demais credores.
Sem registo não há preferência e sem preferência não há direito real de garantia,
segundo a Dr. Mónica. Logo, existe exceção ao princípio da consensualidade.

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Direito das Coisas I 2022/2023

- art.947º/2, em matéria de doação: no nº2 deste artigo, a exceção prende-se


com as situações em que, a doação tem que ser feita por escrito, porque não houve
entrega da coisa.
Ex: passamos e vemos um pedinte a pedir dinheiro e resolvemos entregar uma moeda.
A doação só ocorre quando entregamos a moeda.

- penhor de coisa móvel: o penhor é um direito real de garantia que tem por
objeto móveis ou direitos. Quando tem por objeto móveis, ele só se constitui com a
entrega da coisa – art.699º.
Ex: vamos a uma casa de penhores. A garantia do crédito é aquilo que entregamos,
como um relógio, por exemplo. O credor penhoratício só se torna titular da coisa,
quando esta lhe é entregue.

- caso da constituição de um penhor de créditos – art.681º/2: neste caso, o


penhor só se constituiu com a notificação do devedor.
Ex: A dirige-se a B e pede-lhe um empréstimo. B diz que celebram o contrato de mútuo,
mas quer uma garantia. A diz que não tem móveis e nem móveis valiosos, mas tem um
direito de crédito sobre C (que lhe deve dinheiro). Então B diz que constitui um penhor
sobre o direito de crédito de A sobre C.
Este penhor só se constituir com a notificação do devedor. Mas qual deles? O C.

1.7.1.1. Falsas Exceções ao Princípio da Consensualidade:


 Art.408º/2 – se a coisa respeitar a coisa futura ou indeterminada, o direito
transfere-se quando a coisa for adquirida pelo alienante ou determinada. Se a
coisa for um fruto natural ou parte integrante, a transferência só se verifica no
momento da sua colheita ou separação.

Não há aqui nenhuma exceção, porque este artigo é um corolário da noção de coisa
objeto de direito real, que nos diz que a coisa tem que ser atual, já existente, certa e
determinada e já tem que estar juridicamente autonomizada.

Isto não é mais do que o corolário da noção de coisa para efeitos de direito real

 Art.409º - a hipótese de reserva de propriedade. Há quem considere que existe


aqui exceção ao princípio da consensualidade, porque o art.408º primeiro
limitou os casos de exceção, dizendo que são aqueles previstos na lei e depois,
este artigo veio escancarar as portas.

Na perspetiva da Dr. Mónia não há exceção nenhuma, porque as partes convencionam


que a produção de efeitos reais não é imediata, é diferida no tempo.
As partes não estão a fixar cláusulas condicionadoras do nascimento absoluto do efeito
real, isto está previsto no contrato.
O que as partes podem fazer é diferir no tempo, a produção dos efeitos reais.

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Direito das Coisas I 2022/2023

 Princípio da taxatividade: os direitos reais são apenas e só aqueles previstos na


lei. Por isso, quando temos dúvidas se estamos perante um direito real ou não,
temos que percorrer as categorias dos direitos reais, pois, se não couber em
nenhuma, então, não está em causa um direito real.

Cabe fazer referência ao princípio da tipicidade. Em matéria de direitos reais, vigora


este princípio porque os direitos reais têm tendência para se apresentar em tipos
característicos. Ou seja, foi a prática, a realidade, que fez nascer aquele tipo, e o
legislador acolheu-o.
O facto de se dizer que em matéria de direitos reais vigora o princípio da tipicidade
corresponde à regra, mas, em absoluto não é sempre assim, porque o legislador
decide inovar e cria um novo direito real (ex: direito real de habitação periódica e
duradoura).

Escolhidos os tipos pelo legislador, temos uma tipologia taxativa, pois são aqueles e
mais nenhuns. As partes não podem criar direitos reais, para além dos previstos na lei
e também não podem aplicar a um direito não real, o regime do direito real.
Ex: em matéria de usufruto, o legislador diz que o usufrutuário pode usar
temporariamente coisa ou direito alheia sem prejudicar a sua forma ou substância. Se
A e B quiserem constituir um direito, admitindo a violação da forma ou substância, não
o podem fazer.

Para sabermos se um direito é real ou não, têm que estar previsto na lei, mas não tem
que ser de forma expressa. Ex: o legislador não define o direito de propriedade e nem o
qualifica como direito real; a hipoteca e o penhor estão no livro das obrigações, mas
aquilo que estabelecem não causam dúvidas de que são direitos reais.
A nossa tipologia de direitos reais é taxativa, porque se entendeu que quantos menos
direitos reais pudessem recair sobre uma coisa, maior aproveitamento dessa coisa
poderia haver. Além disso, isso aumentaria o número de conflitos. Ainda, o sistema de
registos é muito mais simples.
Segundo a Dr. Mónica, esta opção passou sobretudo pelos terceiros. Estes têm que
saber, de algum modo, que o direito real existe. Estes têm que ser acautelados, assim
como os custos subjacentes a qualquer negociação.

O regime dos direitos reais, em tudo o que seja imperativo, também é taxativo. As
partes não podem convencionar algo contrário ao previsto na matéria de direitos reais,
caso o legislador não permita.

O regime de cada direito real, naquilo que o concretiza e distancia de outros direitos,
também é taxativo. Os elementos essenciais do tipo de cada direito real, é fixado pelo
legislador, mas, apesar disso, este atribuiu liberdade às partes para modificar o regime:
as partes podem moldar aqui e ali (exceto no caso da propriedade).
Ex1: em matéria de compropriedade – art.1406º - as partes podem convencionar que
ou só um usa, ou que um usa às terças e outro às quintas.
Ex2: Em matéria de propriedade horizontal está prevista a forma de como os
condóminos devem participar, mas podem haver alterações.

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Direito das Coisas I 2022/2023

Ex3: em matéria de servidões, qualquer utilidade pode ser objeto de uma servidão, por
isso se diz ser um tipo aberto. Também, o próprio regime das servidões é aquele que
for convencionado – art.1564º.

Quanto aos tipos dos direitos dos direitos reais - modificação, constituição e extinção -
também são aqueles previstos na lei.

As consequências da violação do princípio da taxatividade – art.1306º. este artigo


começa por dizer que não se permitem restrições (que quer dizer direitos reais
menores), isto é, não podem ser criados novos direitos reais e nem figuras parcelares.

Para as figuras parcelares vale a regra geral de que é a proibida a constituição de


figuras parcelares – o que leva à nulidade. Poderia ser convertido num negócio válido,
se obedecesse aos requisitos de substância e de forma de um outro negócio e se as
partes, na altura da celebração, optassem por esse negócio – ou seja, pode dar-se a
conversão.

Para os direitos reais menores, a consequência não é a regra geral, mas sim uma regra
que nos diz que toda a restrição (direito real de gozo ou menor) tem natureza
obrigacional.
Aqui surge a polémica. Há quem diga que o legislador impõe a conversão, que dizem
ser automática.
O Dr. Antunes Varela defende algo diferente, que é mais satisfatória para as partes. A
ideia é de que, constituindo-se um direito real menor, diferente dos previstos na lei, o
negócio é nulo, mas não se impõe automaticamente às partes a conversão, o negócio
obrigacional. O que se diz é que o legislador não impõe uma conversão, o que ele faz é
presumir que as partes, caso tivessem previsto a nulidade do negócio, teriam
celebrado um negócio obrigacional (presume a vontade conjetural das partes).

Na prática a diferença é que não há conversão automática da lei. Vai haver conversão
nos termos do art.293º, mas se a vontade conjetural das partes assim o presuma.
Como, em regra, os elementos de forma e substância, para o negócio obrigacional se
verificam-se, pelo que, em regra, a conversão ocorre. Mas, pode ser que não ocorra,
caso a presunção seja ilidida.

1.7.2. Princípio da Publicidade


Este surge associado ao registo.
A forma não é registo e o registo não é forma. O registo é posterior à forma e é feito
pelos conservadores.
Atualmente estão implementados os sistemas registais na maior parte dos países,
exceto os países da Common Law. Porém, até ao séc. XIX não se fazia registo de
imóveis.

Os não titulares dos direitos reais, com mais facilidade podem violar um direito real do
que um direito de crédito, porque estão obrigados a um direito geral de abstenção.

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Direito das Coisas I 2022/2023

O desconhecimento por parte de terceiros, da existência de direitos reais, antes do


registo não era muito grave, porque os núcleos populacionais eram reduzidos e todos
se conheciam.
A partir do momento em que houve um crescimento do trafico imobiliário, tornou-se
difícil de saber quem é o titular de direito real. É aqui que surgem os sistemas registais.
A dada altura, os autores aperceberam que não se poderia continuar a conceder
eficácia erga omnes aos direitos reais, sem dar possibilidade aos terceiros de conhecer
os titulares de, pelos menos, alguns direitos reais.

Foi criado um sistema de registo que nos diz que se não registar não consolida a
oponibilidade perante certos e determinados terceiros. O registo não é constitutivo,
mas protege quem o faz.

Além do registo não ser forma, ele também nada tem a ver com finanças. Uma coisa é
a inscrição feita nas finanças e outra coisa é o que consta do registo.

Em Portugal, o registo fica a cargo das conservatórias do registo predial, que é um


serviço público.
Em Portugal não existe competência territorial. As conservatórias eram competentes
até uma determinada área até 2009.

A obrigatoriedade do registo não tem nada a ver com o registo constitutivo. O registo é
obrigatório quando deve ser feito, sob pena de uma sanção pecuniária.

A usucapião em Portugal não funciona apenas para o titular do registo.


Interessa falar de alguns princípios do direito registado:
- o princípio da legitimação registada, que existe desde 1984: surgiu numa altura em
que o registo não era obrigatório. Diz-nos que ninguém pode transmitir ou onerar o
direito real, se não constar como titular registado. Em 1984 o registo não era
obrigatório e quem adquiria registava se quisesse ou não, mas sujeitava-se à
possibilidade de surgir um terceiro. mas, no dia em que quisesse onerar esse seu
direito real, primeiro tinha que fazer o registo.
Atualmente o registo é obrigatório, mas continua a vigorar o princípio da legitimação.

Quanto a efeitos do registo:


- o registo gera presunções – art.7º CRP: gera a presunção de que o direito
existe e que pertence ao titular registado.

- o registo, em Portugal, só é constitutivo em matéria de hipoteca.


Excecionalmente, o registo não acrescenta nada à situação, porque o direito sempre
seria oponível perante terceiros, registado ou não – art.5ºCRP.

- o registo é consolidativo ou atributivo. É consolidativo para quem adquiriu um


direito. se não tiver esse registo e aparecer um terceiro, o direito daquele não
registou, cai.

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Direito das Coisas I 2022/2023

É atributivo – art.291º. Só nestas hipóteses.

2. POSSE

(falta a definição de posse)

A posse pode ser:


- causal: quando acompanha o direito. É uma posse que se funda num direito.

- formal: não é acompanhada do direito. Pode a titularidade do direito estar numa


esfera jurídica e a posse estar na esfera jurídica de outrem. Ex: nos casos nas
servidões, em Portugal, nos terrenos agrícolas existem imensas servidões de passagem,
mas a maior parte não são válidas por vício de forma.

Porque é que se tutela esta posse à margem/contrária do direito? Existem várias


justificações.
Na visão da Dr. Mónica, isto acontece porque gera utilidade e tem importância para a
economia, em geral.

Se alguém for titular de um direito real, pode defender-se, também, pelos meios de
defesa da posse.
Mas o que nos interessa verdadeiramente, é a posse autónoma, que, pode conduzir,
depois, à aquisição do direito, por usucapião.

Existem duas conceções de posse:


- objetiva: de acordo com esta, existe posse desde que se exerçam poderes de facto
sobre a coisa ou haja essa possibilidade e que se atue com uma intencionalidade,
quem seja em termos de direito real ou de direito de crédito.
Só não é possível, por exemplo, nos casos das empregadas domésticas, que estão
subordinadas ao proprietário; ou quando se exercem poderes de facto, mas sem
sustentabilidade suficiente.

- subjetiva: neste conceção, a grande diferença são os efeitos. Numa conceção


objetiva, todos os que exerçam poderes de facto sobre uma coisa, beneficiam de
tutela possessória.
Numa conceção subjetiva, esse núcleo está reduzido.
É esta posição que é seguida no nosso país.

Em Portugal, para haver posse têm que existir dois elementos:


- o corpus: exercício de poderes de facto sobre a coisa ou a possibilidade
física/empírica desse exercício.

- o animus: a intenção de exercer tais poderes como titular de um direito real.

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Direito das Coisas I 2022/2023

Não falamos aqui da convicção de se ser proprietário. O animus não tem que se
manifestar por palavras, mas tem que existir algum comportamento que manifeste a
intencionalidade, por isso é que este é presumido.
Ex: A imigrou há vários anos e não voltou mais à terra. O vizinho que cultivava o
terreno ao lado, começou a cultivar todo o terreno de A. o vizinho exerce poderes de
facto sobre a coisa, mas bem sabe que não é o proprietário.

Ex2: na baixa, houve um furto. O ladrão levou um telemóvel e está a usá-lo. Está a
exercer poderes de facto sobre ela, com intenção de agir com titular do direito de
propriedade, mas bem sabe que não o é.

Entre nós (países que adotam a conceção subjetiva da posse) – art.1253º - existem
pessoas que não são possuidores, como por exemplo, os detentores, como consta
deste artigo.
Art.1253º/c) – todos os que exercem poderes de facto sobre a coisa com base num
vinculo jurídico (locatário, mandatário, etc...)

Art.1253º/b) – aqueles que se aproveitam do facto do titular do direito ter consentido


na prática de determinados atos (expressa ou tacitamente)
Ex: A pretende passar sobre o prédio do vizinho porque é mais rápido e, por uma
questão de boas relações, este consente.

Art.1253º/a) – os que exercem poderes de facto sem intenção de agir como


beneficiários do direito. Esta hipótese não há vínculo jurídico a permitir a prática dos
poderes de facto e nem há consentimento. O que acontece é que o titular do direito
real não exercer-se tal faculdade que tem e outro exerce por si.
Ex: eu planto uma árvore no espaço do meu prédio e ela invade o espaço do vizinho. A
árvore é minha e os frutos também. Se eles caírem no prédio do vizinho, eu posso ir lá
colher os frutos. Se eu não os apanhar, ele pode apanhar por mim e entregar.

A grande diferença são os efeitos. A posse produz vários efeitos: um possuidor


beneficia de tutela possessória e um detentor não. O detentor não pode utilizar os
meios de defesa da posse.

O possuidor tem tutela, mas cai sempre sobre o titular do direito. A tutela é limitada
a quem não seja titular do direito.

Em Portugal existe uma particularidade: existe um conjunto de meros detentores a


quem o legislador concedeu tutela possessória. Apesar de não ter animus, o legislador
estendeu esta tutela.
Acontece com o locatário – art.1037º/2; com o comodatário – art.1133º/2; com o
depositário – art.1188º/2; com o parceiro pensador (um dos elementos da parceria
pecuária) – art.1125º/2.

33
Direito das Coisas I 2022/2023

Aula dia 18/04/2023


A maior diferença ocorre na matéria de defesa da posse. Embora em Portugal só possa
recorrer às ações de defesa da posse, o possuidor, no Brasil, por exemplo, os sujeitos
que, para nós são considerados meros detentores, para eles são possuidores e, por
isso, também têm tutela possessória.

O facto de existirem casos de extensão da tutela possessória, isso não significa que o
nosso CC consagra uma conceção objetiva da posse.
Os efeitos da posse não passam apenas pela tutela sucessória.

Outra questão prévia sobre a posse é que esta pode ser exercida em termos de que
direito? Ou seja, quais são os direitos suscetíveis de posse?
Normalmente, associámo-la ao direito de propriedade, mas não é o único. O que
acontece é que todos os direitos de gozo são suscetíveis de posse: propriedade,
usufruto, superfície, servidão.
Depois, existem especificidades, designadamente, se exercer posse em termos de uso
e de habitação, nos quais não pode haver posse por usucapião, esta não é forma de
aquisição desta posse.

Quanto aos direitos reais de aquisição, estes atribuem ao titular o poder de adquirir
um outro direito real. Logo que são exercidos, estes direitos extinguem-se, não existe
uma relação duradoura entre o titular e a coisa e por isso, não ode ser exercida posse
em termos de um direito real de aquisição.

Quanto aos direitos reais de garantia, se pensarmos nos dois elementos da posse
(corpus e animus), não existe posse de alguns direitos reais de garantia – aqueles que
não envolvam um poder de facto sobre a coisa. Ex: quando falamos de uma hipoteca,
se alguém pedir um empréstimo ao banco e este exigir uma hipoteca sobre a casa, o
banco não fica com a coisa no seu poder, não tem nenhum poder de facto sobre a
coisa, então, não há posse.

Quem afirma que não há posse no penhor de coisa e no direito de retenção, diz que se
o credor penhoratício ou o detentor, fossem possuidor, o legislador não teria
necessidade de afirmar que eles têm o direito de recorrer a ações de defesa da posse.
Quem, ao invés, afirma que haja verdadeira posse em termos de penhor de coisa e de
direito de retenção, dizem que se o legislador quisesse atribuir uma faculdade ao
credor ou detentor, não utilizaria a expressão “tem o direito de intentar estas ações”.
A Dra. Mónica entende que pode haver posse, desde que se verifiquem os seus dois
elementos.

Outra questão que se suscita é: A posse é um direito real?


Quem afirma que sim, argumenta dizendo que é um direito eficaz erga omnes; é
negociável inter vivos e transmissível mortis causa; o legislador reconhece meios de
defesa da posse; e porque está sujeita a registo.

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Direito das Coisas I 2022/2023

A Dra. Mónica, na linha do Dr. Orlando Carvalho, entende que não existe um direito
real, o que existe é uma situação de facto juridicamente relevante.
Isto porque a Dra. Mónica entende que independentemente de ser uma posse causal
ou formal, não é verdade que a posse seja eficaz erga omnes, pois se a posse for
formal, se o titular do direito for um e o possuidor for outro, a posse cai sempre
perante a titularidade do direito. ex: se eu ocupar o prédio do vizinho há 10 anos e
provar a posse, sou possuidor, mas, se o vizinho é proprietário, tenho que sair, a não
ser que funcione a usucapião. Além disso, não é verdade que a posse seja obrigada a
registo, o que a lei exige é o registo da mera posse e havendo este registo, depois os
prazos de usucapião são reduzidos. A mera posse traduz-se numa posse pacífica e
pública que dure há 5 anos, e em que existe um escrito justificatório ou um processo a
decorrer em conservatória.
A posse pode, de facto ser defendida e ser negociável inter vivos e transmissível mortis
causa, mas isso não indica que a posse seja um direito. porque até, se o fosse, seria
estranho exercer a presunção daquele direito – o legislador consagra a posse como
uma presunção da titularidade daquele direito.

O que acontece é que, se a posse for pacífica e pública e dure há certo tempo, pode
levar à aquisição de um outro direito, o que faria dela um direito de aquisição. Mas,
quem a classifica como direito, classifica-a como direito real de gozo.

A posse tem formas particulares de aquisição – ex: alguém exerce poderes sobre a
cpos como arrendatário, mas convence-se que afinal é o proprietário do imóvel. ora,
se se começar a comportar como tal, muda o animus.

2.1. Formas de Aquisição da Posse:


Existem muitas formas de aquisição da posse – art.1263º. Existem formas de aquisição
originária ou derivada.
Temos que determinar a forma de aquisição porque isso influencia tudo – as
características da posse, que depois, influenciam os efeitos da posse.

 Originária: acontece quando não se filia na posse do anterior possuidor. Quando


não encontra fundamento no anterior possuidor. Existem vária formas dentro
desta:
1. Ocupação;
Ex: alguém encontra uma carteira pode tornar-se proprietário, passado 1 ano e não
aparecendo o verdadeiro titular da carteira. Mas, se começar a comportar-se como
proprietário antes deste do prazo de um ano, adquire por ocupação.

2. Acessão;
Ex: se alguém construir de boa-fé num prédio alheio, e se a nova realidade é que
passou a valer mais que o dobro da antiga realidade. Pode, pagando, adquirir o solo.
Não pagando, mas se se comportar como se fosse titular da propriedade do prédio, já
exerce poderes de facto – adquire posse em termos de propriedade sobre o prédio.

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Direito das Coisas I 2022/2023

3. Aquisição Paulatina;
Permite que alguém pratique atos materiais, com publicidade, de forma reiterada,
como se fosse titular de um direito real.
Ex: A proprietário de um imóvel, emigrou e o seu vizinho começou a cultivar o seu
terreno, começou a praticar atos materiais de forma reiterada, com alguma
durabilidade. A propriedade não adquire por aquisição paulatina, mas a posse sim.

Esta forma de aquisição está prevista no art.1263º/a). É a prática reiterada, com


publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito. A pessoa tem
que exercer poderes materiais, não bastam atos jurídicos.
Essa prática de atos tem que ser reiterada, no sentido de haver alguma continuidade e
estabilidade para que se possa estabelecer uma relação duradoura – isso também
varia de acordo com o tipo de bem. mas, o que interessa é que haja atos materiais de
forma repetida, embora possam ser atos diferentes, mas em que se estabeleça uma
relação de durabilidade.
Os atos têm que ser ainda praticados com publicidade – à vista de que quer que seja.
(Pode acontecer que alguém adquira a posse com a prática reiterada de atos materiais,
mas ela seja oculta. É uma posse adquira paulatinamente, mas oculta em termos de
características.)

Os atos materiais praticados com publicidade têm que corresponder a um exercício de


um direito. a aquisição paulatina pressupõe um pré-corpus e um pré-animus. Nunca se
sabe qual o momento preciso da aquisição da posse (nos casos práticos entendemos
que ocorre nos primeiros atos).

4. Inversão do título e posse: sendo que esta ainda se divide: em oposição do


detentor ao até ali possuidor (sendo que esta pode ser ainda explicita ou
implícita); e por ato de terceiro. Art.1265º

Supõe que o mero detentor (que exercer poderes de facto) como titular de um direito
de crédito, mude a sua intencionalidade e passe a exercer esses poderes de facto
como titular de um direito real. Ex: o arrendatário, que encontra um julgamento que
julga ser válido e não qual lhe é deixada a casa de que é inquilino, ele passa-se a
comportar como titular. Mudou de animus.

É implícita quando não haja ato de intimação ou notificação, mas exista outro ato que
não deixa dúvidas de que a pessoa se está a convocar como titular de um direito real e
não de um direito de crédito.

Por ato de terceiro – é a hipótese menos típica. Ex: suponhamos que A é proprietário e
possuidor de um imóvel e deu-o de arrendamento a B, detentor. Agora, aparece C a
convencer B que ele é proprietário, celebra um negócio jurídico com vista à
transmissão do direito e o, até aí detentor, muda de animus e passa a comportar-se
como titular do direito real. B adquire posse e a forma como a adquiriu é a mudança de
animus e não o negócio.
O terceiro não é possuidor, não pode transmitir a posse.

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Direito das Coisas I 2022/2023

Esta forma de aquisição da posse pode ser:


- por oposição do detentor ou até ali possuidor: neste temos um possuidor e um
detentor e inverte-se o animus. Temos um que deixa de exercer animus como
detentor e passa a exercer como possuir. Se a oposição for explicita, tem que haver
uma informação, uma comunicação ao possuidor. Se a oposição for implícita, tem que
haver um ato que não deixe dúvidas sobre a mudança do animus. Esse ato tem que ser
positivo – pode ser uma omissão; não pode deixar dúvidas sobre a pretensão de
adquirir a posse e tem que chegar ao conhecimento do possuidor.

- por ato de terceiro: o terceiro não praticou qualquer ato capaz de transferir posse. O
terceiro não é possuidor e nem detentor. Quando existe uma inversão do título de
posse por ato de terceiro, este terceiro aparece a convencer o detentor de que ele é
titular do direito real.
A causa da aquisição da posse é a mudança de animus. O facto que conduz à mudança
de animus é o negócio com o terceiro.

5. Usurpação (cabe aqui tudo o que não couber nas quatro primeiras).

 Derivada: aquela que se filia num direito anterior.

1. Aquisição Ficta: corresponde à aquisição mortis causa da posse, que é


ficcionada. De acordo com a lei, ocorrendo a morte, a posse continua com os
herdeiros, desde a hora da morte – art.1255º.
O art.1255º diz que o herdeiro passa a possuir desde o momento da morte. As
entre a morte e o momento em que o herdeiro passa a exercer poderes de facto
sobre a coisa, há um lapso temporal.

O herdeiro sucede na posse do de cuius. Não existe uma nova posse. Neste caso, o
que acontece é que não há um novo título de posse e nem novas características.
Sempre que encontremos uma sucessão mortis causa, as características da posse
do herdeiro são as mesmas que a posse do de cuius tivesse.

2. Aquisição Real: esta pode ser:


 Explicita: é a, na prática, mais vulgar. Ex: A é possuidor e a
determinada altura transmite a sua posse a B. para o fazer é
suposto de B passe a exercer podere de facto sobre a coisa.
Vamos supor que A transmite o imóvel a B por documento
particular – existe vício de forma. B não se torna proprietário,
mas torna-se possuidor, se houver entrega da chave, por
exemplo.
Esta ocorre quando aquele que se torna possuidor, até ali, não
era detentor. Passa a exercer poderes de facto, diretamente,
sobre a coisa.

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Direito das Coisas I 2022/2023

 Implícita: esta não supõe um ato de empossamento. Alguém


adquire a posse, mas já era detentor da coisa, muda apenas de
animus. Tendo em conta o que é a posse, como é evidente, em
matéria de posse, não vigora o princípio da consensualidade.
Não basta celebrar um contrato, para que haja posse, é preciso
um ato de empossamento.
Esta transmissão não pressupõe o empossamento, mas tem que
haver o exercício de poderes de facto.

Existem várias modalidades:


- traditio brevi manu: Ocorre sempre que um mero detentor
adquire posse do até ali possuidor. Ex: A é proprietário e
possuidor de um imóvel e dá-o de arrendamento a B, mero
detentor. A decide vender o imóvel e da preferência a B, que a
exerce. Por força do negócio jurídico de compra e venda e
porque B muda de animus, a posse fundada na posse do
anterior possuidor, leva a que B fique como possuidor, mas com
um acordo. A tradição real é implícita porque o que passa a ser
possuidor, já antes exercia poderes de facto sobre a coisa, e vai
continuar a fazê-lo.

A traditio brevi manu, corresponde aquilo que na aquisição


originária é a inversão do título da posse.

- constituto possessório – art.1264º: divide-se em bilateral ou


trilateral. O possuidor transmite a posse, mas, em virtude de um
negócio subsequente à transmissão da posse, torna-se detentor
da mesma coisa. Ex: A é proprietário de um imóvel. resolver
vendê-lo a B, que se torna novo proprietário e possuidor, mas A
disse a B e eles acordaram que A ficasse como inquilino na casa.
A posse é implícita porque quem a adquire não passa, ele
mesmo, a exercer poderes de facto sobre a coisa.
No constituto possessório trilateral, suponhamos que A é
possuidor e proprietário de um imóvel e quer vendê-lo. A deu
preferência a B, seu arrendatário, mas este não a quis exercer,
então A vendeu a C.
A transmitiu a posse, mas C, novo possuidor não passa a exercer
diretamente poderes de facto sobre a coisa.

Nestes casos, transmite-se a posse, mas o novo possuidor não


passa a exercer poderes de facto sobre a coisa, diretamente. Isto
acontece porque estes são exercidos através da pessoa do
vendedor. Isto no caso do constituto possessório ser bilateral.

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Direito das Coisas I 2022/2023

Hipótese Prática
A passou numa ourivesaria e viu um relógio valioso. Entrou e falou com o gerente e
disse que comprava. Pagou, mas disse que não podia levá-lo já para casa e pediu que
o dono ficasse com ela lá, ao qual este concordou.
A adquiriu ou não a propriedade? Sim, pelo princípio da consensualidade.
A tornou-se possuidor? Posse supõe corpus e animus. Neste caso, tem posse em
termos de direito de propriedade. Adquiriu-a derivadamente, porque a adquiriu do
anterior possuidor e não independentemente ou contra o antigo possuidor. É um
negócio inter vivos.
A antes não era detentor, então, não há traditio brevi manu. Só sobra o constituto
possessório, que, neste caso, é bilateral – o possuidor transmite a posse, o dono da
ourivesaria transmitiu a posse do relógio para A, mas, em virtude do negócio
subsequente, torna-se detentor, porque houve um depósito.

2.2. Características da Posse


A posse pode ser:
1 - titulada ou não titulada: art.1259º - “diz-se titulada a posse fundada em qualquer
modo legitimo de adquirir”. De adquirir o que? A primeira tendência é pensar na
posse, mas não é. O que se quer dizer com isto é o direito.

Não é um título em concreto, mas sim em abstrato. O título pode padecer de vícios,
que fazem com que, afinal, o direito não seja adquirido. Mas a posse é adquirida,
apesar do direito não o ser. Se assim não fosse, a posse só seria titulada, se fosse posse
causal. No fundo, diz-se que titulada é a posse fundada num título em abstrato, idóneo
à aquisição do direito real, em que, nos termos, possui.

Quem adquire a posse por aquisição paulatina, adquire uma posse titulada ou não
titulada? É não titulada.
A aquisição, nos casos de ser originária, só pode ser titulada nos casos de ocupação e
acessão. De resto, é sempre não titulada.

Olhando para a segunda parte do artigo, esta só vale quando o título seja um negócio
jurídico e não pode ser como é o caso da ocupação e acessão. Ex: A furtou um relógio e
vendeu-o a C. C adquire posse derivadamente. Ela é titulada? O título é uma compra e
venda então parece que sim, até porque o é independentemente do direito do
transmitente. Portanto, esta posse é titulada.

Então, á contrário, se os vícios substanciais não assumem relevância, aqueles que têm
relevância são os vícios formais. O negócio não pode padecer de vício formais. Se não
houver vício formal, a posse seria tutelada. Mas isto é quando existe negócio jurídico.

No nº1, se há um título em abstrato idóneo à aquisição de um direito.


No nº2 se é negócio jurídico, então só é titulada se não padecer de vícios formais.

Nota: temos que fazer duas ressalvas – os vícios substanciais não assumem relevância,
mas só em principio, porque há exceções, nomeadamente no caso da simulação
absoluta e da reserva mental.

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Direito das Coisas I 2022/2023

Estes assumem relevância porque não se pode verdadeiramente dizr que a posse é
não titulada; o que acontece é que não há posse, então, assumem relevância porque
afastam a própria posse.
Ex: a tem um imóvel, mas tem múltiplos credores e a qualquer momento sabe que
estes podem intentar uma ação executiva, nomear o seu bem à penhora, etc.... Então,
falou com B, seu amigo para simular que lhe vende o imóvel e para dar mais realidade
deixa de lá viver. Não há um negócio jurídico, existe uma compra e venda que é nula.
Então não há posse, o B não tem animus, não atua como titular do direito de
propriedade.

Os vícios substanciais, para assumirem relevância, têm que ser aqueles que conduzem
à inexistência – falta de vontade na ação ou na declaração; coação física, etc...

Realce-se que, uma posse titulada presume-se de boa-fé. uma posse não titulada
presume-se de má-fé.

O art.1254º/2 diz-nos que o facto de alguém ser possuidor hoje, não faz presumir
posse anterior, a não ser que a posse seja titulada.

Em matéria de prazo para a usucapião, tem também relevância saber se a posse é


titulada ou não – art.1294º (imóveis) e art.1299º (móveis); art.1302º.

2 - de boa-fé ou de má-fé: art.1260º. a posse diz-se de boa-fé quando o possuidor


ignorava, ao adquiri-la, que lesava direito de outrem.
Saber se a posse é de boa ou má-fé passa por saber se se lesava um direito de outrem
ou não (critério psicológico e não ético-jurídico).

Agora, existe parte da doutrina, que diz que o critério tem que ser ético-jurídico e
alguma jurisprudência já segue esse critério.

Qual é a relevância de saber se é de boa ou má-fé? Os prazos para a usucapião e a


generalidade dos efeitos da posse previstos nos arts.1269º e ss.

3 - pacífica ou violenta: art.1261º. A posse considera-se violenta, quando, para a obter,


o possuidor, usou coação física ou moral.

Em termos de relevância prática, a posse violenta é sempre presumida, de forma,


inilidível, de má-fé.
A posse violenta nunca pode conduzir à mera posse (aquela que dura 5 anos).
Releva também para efeitos de usucapião – todo o tempo em que a posse se mantiver
violenta, não decorre para a usucapião.
Tem ainda relevância para efeitos de tutela sucessória – art.1267º72. Este artigo fala
dos casos de perda de posse e fala do caso em que se perde a posse quando for
contrária à posse de outrem, quando passar a exercer posse mesmo contra a vontade
do antigo possuidor e essa nova posse tem que durar mais que um ano.

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Direito das Coisas I 2022/2023

Se a posse contrária for oculta ou violenta, o prazo para a ação só começa a contar a
partir do momento em que se tornou pacífica ou pública.

4 - pública ou oculta: art.1262º. A posse pública é aquela que se exerce (mas devemos
ler “adquire” à vista de todos. Ela é exercida de modo a poder ser conhecida, mas não
se exige o conhecimento efetivo, basta a cognoscibilidade.

Os interessados são o/os anterior/res possuidor/res.

Como se apura? Não interessa saber se o real interessado em concreto teve a


possibilidade de conhecer, mas sim, se o Homem médio, diligente, colocado na
posição do possuidor, poderia ou não ter tomado conhecimento.

Ex: A emigrou e não voltou mais à terra. Entretanto B começou a cultivar o terreno de
A. B adquiriu posse por aquisição paulatina, posse não titulada, que é presumida de
má-fé. É uma posse pacífica, e também pública, porque o Homem médio, colocado na
real situação do interessado, se emigrasse teria possibilidade de saber.

Ex: o interessado em concreto estava em coma. Nesta situação, a posse era suscetível
de ser conhecida, mas, o Homem médio colocado na posição do real interessado,
desconheceria. Por isso, esta posse é oculta.

Aula dia 09/05/2023

3. AÇÕES DE DEFESA DO DIREITO DE PROPRIEDADE

As mais importantes são a:


- ação de reivindicação;
- ação negatória.

Para além desta ação de ... podem ser intentadas ações de simples apreciação negativa
ou positiva. Ou seja, sempre que não se justifique intentar uma ação de reivindicação
nem uma ação negatória, porque não ocorreu uma alteração da situação fáctica ou
jurídica, pode intentar-se uma ação de simples apreciação positiva ou negativa.
Ex: alguém anda a dizer, que é o proprietário do imóvel e não é.

Quanto às ações mais importantes, já sabemos que a grande diferença é se o titular do


direito permanece com a coisa nas suas mãos ou não. Se se vir privado de uma coisa,
intenta uma ação de reivindicação – reconhecimento do direito e restituição da coisa
(pedidos). A causa de pedir é que o facto jurídico deriva do direito real. Por força desta
causa de pedir, as ações reais, implicam prova de um facto complexo. Quando alguém,
adquire o direito originariamente, e o demonstra, então a prova é simples quando se
adquire derivadamente, não basta mostrar a escritura de compra e venda, é preciso
demonstrar quem era o anterior proprietário ou os outros proprietários. Com isto,
pode-se ir longe no tempo, até encontrar uma aquisição originária, para se ter a prova
– prova diabólica. Então, na prática, o que acontece é que se invoca a usucapião.
Sendo esta prova complexa. Há no entanto, duas formas de contornar o problema:

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Direito das Coisas I 2022/2023

- o registo gera a presunção da titularidade do direito;


- a posse gera a presunção da titularidade do direito.

Sempre que escrevermos ação de reivindicação ou ação negatória devemos colocar o


pedido e a causa de pedir.

A ação de reivindicação é imprescritível – art.1311ºCC. A ação de reivindicação não é


apenas aplicável em defesa do defeito de propriedade, mas sim para qualquer direito
que pressuponha a posse da coisa.
Todo os titulares que exerçam poderes de facto sobre a coisa, podem intentar.

A ação negatória não está prevista na lei, mas ninguém nega que se pode ser
intentada, sob pena de se estar a negar tutela. Esta tem, basicamente, três pedidos:
pede-se que se declare que o réu não é tutelar de um qualquer direito que legitime o
comportamento que assumiu; pede-se que seja respostas a situação material em
conformidade com o estatuto do direito real; pede-se (com cariz preventivo) que a
pessoa em causa nunca mais volte a praticar um ato como aquele.
A estes três pedidos, pode somar-se um pedido de indemnização. Mas, para este outro
pedido ter que ser feita a prova nos termos gerais da responsabilidade civil.

4. Formas de Aquisição da Propriedade – arts.1316º e ss.


O direito de propriedade pode ser adquirido por:
- contrato
- sucessão por morte
- usucapião
- ocupação
- acessão
- demais formas previstas na lei.

Ex: No art.1551º diz-se que, exigida a constituição de uma servidão de passagem, o


proprietário do prédio pode, subtrair-se, ao encargo, adquirindo o prédio encravado do
autor – este é um modo de aquisição da propriedade.

Ex2: art.1317º - este refere o momento da aquisição.


No contrato o momento de aquisição é o momento da celebração.
No caso da sucessão por morte, é a data de abertura da sucessão.
No caso da usucapião, é a data do início da posse – art.1288º/c).
No caso de ocupação e acessão, é a data em que ocorrem os factos da aquisição
originária.

A ocupação é uma forma de aquisição originária, de bens móveis apenas, que nunca
tiveram dono ou que foram abandonados (ou perdidos e escondidos), salvas as
restrições.
A lógica é que há uma coisa ou animal que nunca teve dono, ou que foi abandonada e
que alguém ocupa/ exerce posse sobre essa coisa, voluntariamente. Não é preciso que
haja a vontade de ocupar ou de adquirir a propriedade, basta que haja vontade de

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Direito das Coisas I 2022/2023

possuir. A pessoa que adquire basta que tenha capacidade de gozo, nem é necessário
o uso da razão – art.1366º. Temos um elemento pessoal – capacidade de gozo – e um
elemento real, e, ainda, um elemento “formal”, que é a tomada de posse.

Em relação à ocupação, interessa o art.1323ºCC, que já vimos a propósito dos animais.


A primeira coisa que deve fazer é verificar se consegue saber quem é o dono. Se não se
souber, deve-se anunciar às autoridades. Se o dono não aparecer, pode ficar entregue
às autoridades. Decorrido um ano, sem que apareça o dono da coisa ou do animal,
pode fazer sua a coisa.

Esta é a forma de ocupação de coisas móveis.

Na maior parte da Europa, não é permitida a ocupação de imóveis, porque se entende


que estes não são suscetíveis de serem abandonados, visto que até o não uso é uma
forma de uso.
Por curiosidade, esta impossibilidade, é uma conquista da Revolução Francesa, porque
antes desta os imóveis eram suscetíveis de serem ocupados, mas apenas pelos
senhores feudais. Hoje, pertencem ao Estado – art.1345ºCC.
Portanto, quando ouvirmos falar de imóveis abandonados, fala-se de um abandono
fáctico e não em sentido jurídico, rigoroso.

A acessão pode ser natural ou industrial. Dá-se acessão quando uma coisa é
propriedade de alguém e se une e incorpora em outra coisa que pertence a outrem
(no fundo dá origem a outra coisa).
É natural quando resulta das forças da natureza – art.1326º. Há dois tipos de acessão
natural, a ludião e a avulsão. No caso da primeira, as coisas juntam-se devagar, sendo
arrastadas, por águas por exemplo. Na segunda, esta supõe que haja uma ação natural
violenta.

Pode ser industrial quando resulta de facto praticado pelo Homem sobre coisa própria
ou alheia ou quando alguém aplica o seu trabalho, a matéria pertencente a outrem -
união ou por especificação, respetivamente.
Pode ser, ainda, mobiliária ou imobiliária.
Ex: juntar um quadro a uma moldura, de donos diferentes - juntar coisa própria a coisa
alheia – união ou conclusão. Esta é apenas para a ação mobiliária. Está-se a pensar na
junção de coisa própria a coisa alheia.

Se o incorporador estiver de boa-fé, o critério é o de maior valor - arts.1333º e 1334º.


Apura-se o valor que as coisas tinham. Se tiverem o mesmo valor, dá-se licitação entre
os antigos proprietários. Nem sempre o legislador apresenta a solução no início,
porque, muitas vezes no fim do artigo é que está a solução.

A acessão por especificação está prevista no art.1336º.


Ex: o trabalho de uma costureira numa peça de tecido de outrem. Houve junção de
trabalho com coisa alheia. Também aqui, há uma solução para caso esteja de boa-fé ou
má-fé.

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A hipótese que verdadeiramente interessa na prática é a ação industrial imobiliária –


arts.1339º e ss. Esta ação ocorre quando, em terreno de um, é feita obra, por outrem,
ou quando alguém planta em terreno alheio.
A nós interessa-nos sobretudo o art.1340º, que são construção feitas, em boa-fé, em
terreno alheio.
O art.1343º diz que quando a construção de edifício em terreno próprio, de boa-fé,
ocupa terreno alheio, o construtor pode adquirir essa parte do prédio vizinho, desde
que decorram 3 meses, sem que o vizinho reaja (o que a Dra. Mónica considera muito
pouco).

Temos um solo que pertence a uma pessoa e outra, de boa-fé, constrói nesse prédio,
desconhecendo que o prédio era alheio. Apesar do legislador falar sempre no valor de
obras, não nos interessa os valores dos tijolos e do cimento, o que interessa é quando
valia a antiga realidade, na altura em que foi construída e quanto vale a nova realidade
real.
A letra da lei não é clara. Se o valor da nova realidade predial, for mais do dobro da
antiga, o dono da nova realidade predial, fica com a coisa, pagando a realidade antiga.
Se for inferior, é o dono do solo, para quem fica a construção.
Se for igual dá-se licitação.

Chama-se a atenção para o facto do legislador se referir à totalidade do prédio, a


generalidade da jurisprudência, aceita uma acessão parcial, desde que tenha surgido
uma nova realidade económica. Ex: um prédio grande, agrícola e que foi construída
uma casa. A realidade económica inversa, a jurisprudência aceita que se adquira
apenas a parte do solo e não todo – acessão parcial.

Ainda em relação à acessão, o incorporador tem que atuar voluntariamente sob um


prédio que não é seu, com materiais próprios. Isto é importante porque, muitas vezes,
porque, muitas vezes, em casos de pais e filhos, o pai doa o material, mas tem que ser
suscetível de provar a doação.

Ainda há muita gente casada em regime de comunhão geral e cada vez mais, há
divórcio mais tardios. Em todos eles, o terreno foi doado, para construir casa. Em
todos a doação é nula e como é que atuam para tentar adquirir? Ou recorrem à
acessão ou invoca-se a usucapião.

Os tribunais, de há uns anos para cá, entendiam que não podia invocar a acessão, um
possuidor. No Código de Seabra só podia o possuidor, mas com a mudança de código
deixou de haver este entendimento.
A Dra. Mónica não concorda nada com esta ideia, porque na acessão industrial
imobiliária, quem desconhecer que o terreno é alheio, está a exercer como possuidor,
como que inevitavelmente.
Se a pessoa construiu a casa por força da relação jurídica não se aplica a acessão. Mas
caso não seja em virtude de qualquer relação jurídica, não faz sentido afastarmos a
acessão.

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5. Restrições ao Direito de Propriedade


Podem ser restrições de.
- direito público:

Ninguém pode ser privado do direito de propriedade, salvo nos casos previstos na lei –
expropriação e ... – e sempre mediante uma indemnização.
Na expropriação, estão em causa imóveis, que passam a ser adquiridos pelos
expropriandos.
A requisição é u ato administrativo, pelo qual um órgão impõe a um particular,
verificadas as circunstâncias previstas na lei e mediante indemnização, a obrigação de
prestar serviços, ceder coisas móveis ou semoventes ou consentir na utilização
temporária de quaisquer bens.

A diferença entre as duas, está em que podem ser requisitados móveis ou imóveis. O
requisitado pode ser requisitados para prestar serviços. Tem duração de 12 meses
seguidos ou ... (?).

- direito privado:

As limitações de direito privado – restrições de vizinhança.


Não precisamos de estabelecer relações entre vizinhos. O que acontece é que
tínhamos dois direitos de propriedade, a ser exercidos sobre objetos muito próximos,
portanto, se o legislador não fixar limites, haveria imensos conflitos.
O legislador em certas situações permite que se pratique atos no vizinho. Ou pode
mesmo proibir a prática atos no seu próprio prédio.
Os limites do direito às vezes vão alem dos limites do objeto e outras vezes, ficam
aquém.

Art.1346º - emissão de fumo, produção de ruido e factos semelhantes. Temos que ter
cautela com este artigo, porque, na verdade, o proprietário não se pode opor ao fumo,
exceto se ocorra uma de duas circunstâncias: ou lhe causem prejuízo substancial, ou
não resultar de utilização normal do prédio.
O prejuízo substancial é aferido tendo em conta o tipo de imóvel concreto. É evidente
que o som elevado, pode causar um prejuízo a uma moradia e não a uma fábrica – daí
ter-se em conta.

Podemos fazer barulho em nossa casa, desde que seja normal. Prejuízo substancial
também tem que ser apurado tendo em conta o tipo de prédio/edifício em questão.
Ex: o proprietário de um edifício está com uma enxaqueca terrível e na casa do vizinho
há uma festa de anos. Neste caso, não se pode opor, porque a festa de anos,
corresponde ao uso normal, apesar de lhe causar um certo prejuízo.

Estas emissões que são licitas são emissões de matérias incorpóreas ou corpóreas, mas
muito pequenas (ex: som, poeira, cinza). Se forem emissões de outros elementos
corpóreos, já o vizinho se pode opor.

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Estas emissões só são licitas quando ocorram naturalmente, quando não sejam
direcionadas. Ex: um churrasco – se o fumo se espalhar, a emissão é lícita; agora se
fizessem uma chaminé direcionada à casa do vizinho – é ilícito.

As restrições podem deixar de existir se começar a existir, por exemplo, uma servidão
– servidões desvinculativas. Estas não se extinguem por desnecessidade, o que a Dra.
Mónica considera que deveriam ser.

Art.1349ºCC – a lei permite a acessibilidade a outro prédio para fazer obras, se for
indispensável – neste caso, o dono do prédio é obrigado, até. No entanto, esta
faculdade, lá está, só existe quando seja indispensável. Ou seja, se existir outra fora de
fazer as obras, mesmo que seja mais ou menos económico, já não há direito de aceder
ao prédio do vizinho.
Quando há este direito, caso sejam causados prejuízos, há direito a indemnização.

Art.1351ºCC – prédios inferiores estão sujeitos a receber as águas que decorrem,


naturalmente, dos prédios superiores – ex: águas da chuva, nascente – e o que as
águas tragam naturalmente.

Art.1355º(?) – abertura de portas, janelas e varandas. Pode-se contruir até à extrema,


mas não abrir portas e nem janelas. Já se os prédios estiverem separados por estrada,
pode-se.
Abrindo-se janela junto à extrema, isso pode dar origem à constituição de uma
servidão desvinculativa. O legislador teve essa preocupação, porque impôs uma
novidade ao proprietário do prédio vizinho – o outro proprietário, se quiser construir,
vai ter que guardar 1.5m da construção até à janela.

Diferentes das portas, janelas ou varandas, são as frestas – 1.8m de altura e não
devem ter mais de 15 cm de dimensão. Se tiverem mais que 15cm pode-se constituir
uma servidão desvinculativa.
Se abriu uma fresta, essa depois pode vir a desaparecer.

Art.1365º - o proprietário que construir o que quer que seja e que tenha um telhado,
não pode deixar o telhado a gotejar sobre o prédio do vizinho. Ou aplica caleira ou tem
que deixar 50cm.
Pode constituir-se uma servidão de estilicídio.

Art.1366º – árvores e arbustos – é licita a plantação de árvores e arbustos até à linha


divisória do prédio.
O vizinho, se não quiser os ramos e raízes, sob o seu solo, pode mandar o vizinho
proceder ao corte e, se passarem 3 dias sem ser efetuado, pode ele mesmo fazer o
corte.

E relação aos frutos, o proprietário da arvores têm direito a ir sobre o prédio do


vizinho para apanhar frutos, se não conseguir apanhar do seu prédio.

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6. Compropriedade
Existe compropriedade, quando duas ou mais pessoas são, simultaneamente, titulares
do direito de propriedade sobre uma só coisa.
Ou seja, a compropriedade, não é mais que a comunhão do direito de propriedade. A
comunhão supõe que um direito patrimonial, de natureza real, pertença em
compropriedade, a dois ou mais sujeitos.
As normas em matéria de compropriedade, valem para os direitos reais, pode haver
compropriedade com usufruto, superfície.

Diferente da compropriedade é a comunhão de mão comum, que pressupõe que duas


ou mais pessoas sejam titulares de um direito sobre o património global (do qual
fazem parte direitos reais, direitos de crédito, imóveis e móveis, dividas, etc...). o
património está afetado para um fim específico, que tem um regime especial, em
regra, em matéria de dívidas. Esta comunhão de mão comum só existe nos casos
previstos por lei – é o caso da comunhão geral ou da comunhão de adquiridos.
Outra hipótese de comunhão de mão comum é a herança indivisa – uma herança que
já foi aceite, mas ainda não foi dividida.

Na doutrina, uns autores, nomeadamente a Dra. Oliveira Ascensão entendem que, na


compropriedade, cada proprietário é titular de um direito de propriedade sobre toda a
coisa. Várias pessoas, cada uma delas titular de um direito de propriedade que incide
sobre toda a coisa. Rejeitamos esta posição, porque, sobre uma coisa só pode incidir
um direito de propriedade, não pode existir mais que um.

Outros autores, como Orlando de Carvalho e Paulo Mota Pinto, diz que, na
compropriedade temos vários sujeitos, cada um deles titular de um direito próprio,
mas, cada um destes direitos próprios, incide apenas sob uma quota-parte real da
coisa.

A Dra. Mónica, na linha do Dr. Henrique Mesquita, defende que na compropriedade


temos vários sujeitos, titulares de um só direito (têm cada uma quota do direito de
propriedade). Este direito de propriedade incide sobre toda a coisa. O comproprietário
pode usar toda a coisa, pode praticar atos de administração ordinária sozinho.
De qualquer maneira, cada um deles tem uma quota do direito, direto esse, sobre a
totalidade da coisa. Com a quota do direito ele faz o que entender, pode até alinear,
mas com a coisa, não, só nos casos previstos na lei, porque ela é de todos.

Aula dia 16/05/2023


A diferença de posições entre as teorias, conduz a poder dizer qua há divisão fáctica da
coisa? É uma quota parte ideal, portanto, em termos práticos, a diferença, de uma
teoria para a outra, não existe.
Que parte da coisa? Um meio de tudo. Aí a diferença não é absolutamente nenhuma.

6.1. Como se constitui a compropriedade?


Pode constituir-se por:
- um negócio jurídico inter vivos – um contrato;

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- uma doação

- um negócio jurídico unilateral – mas, neste caso, só mortis causa, em testamento.

- força da lei – a lei prevê situações de compropriedade (ex: art.1371ºCC).

Antigamente era bastante vulgar, haver paredes de ambos. Mas agora, mesmo nas
moradias em banda, é difícil que os muros sejam de ambos. Por antigamente ser muito
vulgar, o legislador. Consagrou situações em que possa haver situações de
compropriedade – presume-se que a parede é um muro que pertence a ambos, salvo
se houver um espigão em madeira, que sinaliza a propriedade do muro.
A segunda hipótese é existirem cachorros de pedra, que também excluem a presunção
de comunhão/ de compropriedade.

- decisão judicial (ex: art.1370ºCC, que diz que o proprietário de pedro confinante com
parede ou muro alheio, pode adquirir ... – mas tem que exercer este direito
judicialmente).

- usucapião.

6.2. Regime Jurídico da Compropriedade

Temos que fazer uma distinção muita clara entre a quota (que é de cada um dos
comproprietários) e a coisa (que é de todos).

 Quanto à quota, vale a regra do art.1408º/1, primeira parte e os arts.1409º e


1408º/3. A quota é de cada um dos comproprietários e eles podem fazer o que
entenderem com elas. Mas, se quiserem vender ou dar em cumprimento, são
obrigados a dar preferência aos demais comproprietários. Podem vender
livremente, têm apenas que lhes dar preferência antes, notificando-os –
art.1410º.

Esta obrigação de preferência só ocorre em casos de venda ou dação de


cumprimento a estranhos e não a outros comproprietários (isto para reduzir o
número de proprietários e para que não entrem estranhos).

Se a coisa for vendida a um terceiro e os outros proprietários reagirem – estes reagem


intentando uma ação de preferência, na qual vão sub-rogar-se ao terceiro ao qual tiver
sido alienado. Se não reagirem, a venda é válida.

O art.1408º/3 diz-nos que a disposição da quota está sujeita à forma exigida para a
disposição da coisa.

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A obrigação de preferência não existe nos casos de doação. Também não há direito de
preferência, em regra, em caso de troca, porque dificilmente, o obrigado seria
colocado nas mesmas condições.
Um outro direito de todos os comproprietários, além do de alienar, é o presente no
art.1412º, segundo o qual o comproprietário pode pedir a divisão a qualquer
momento. A coisa não pode ser considerada indivisa. O que podem fazer, é acordar a
indivisibilidade durante 5 anos, mas esta só tem efeitos em relação a terceiros se for
registada.
Se for previsto um prazo de mais de 5 anos, há redução e são considerados apenas, os
5 anos.

 Quanto à coisa, no caso concreto alienação ou oneração, regem os


arts.1408º71. segunda parte e art.1408º/2.
A coisa pertence a todos.

- fruição e encargos – art.1405º - os frutos pertencem a todos os comproprietários, na


proporção das suas quotas. Se a proporção da quota não for fixada, elas presumem-se
iguais (art.1405º).
Quando a encargos específicos, os comproprietários devem contribuir, na proporção
das respetivas quotas, para as despesas necessárias para a fruição ou conservação da
coisa em comum. Para se verem livres deste encargo, só renunciando à sua quota –
aqui há uma especificidade.

- uso – art.1406º - na falta de acordo ou estipulação em contrário, qualquer dos


comproprietários pode usar toda a coisa, desde que não prive os outros de igual
possibilidade de uso e desde que não empregue fim diferente daquele a coisa se
destina (que deve ser entendido com alguma parcimónia: os proprietários podem usar
a coisa para um fim diferente àquele a que se destina, mas desde que não alterem o
regime económico da coisa).
Ex: três pessoas são comproprietárias de um lago e convencionaram que a água do
lago, vai servir para irrigarem os seus prédios em torno do lago. A reserve ir pescar
para o lago – ele está a dar um fim diferente à coisa, mas não prejudica o fim
acordado, portanto, pode fazê-lo.

Além disso, qualquer um dos comproprietários pode usar toda a coisa, mas, pode ser
convencionado o contrário, que é o que geralmente acontece quando compramos um
apartamento com amigos, por exemplo, visto que normalmente não vamos poder usar
o quarto deles.

- administração ordinária – art.1407º junto com o art.985º - a administração aqui


regulada é apenas e só a administração ordinária.
O que vale em matéria de administração ordinária é, de acordo com o art.985º, que
qualquer um dos comproprietários pode praticar atos de administração ordinária.
Na falta de convenção em contrário, todos os proprietários têm igual poder para
administrar.

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Se, em causa, estiver um ato de administração, que realize uma benfeitoria necessária,
qualquer um deles pode praticar o ato sozinho, sem pedir autorização aos demais e,
depois, poe apresentar a conta aos outros, porque todos estão obrigados a participar
nas despesas com benfeitorias necessárias, na proporção das suas quotas.
Mas, pode acontecer que, antes de realizar o ato de administração ordinária, o
comproprietário dê conta da sua intenção aos outros. Se o fizer, os outros ou um
deles, podem opor-se. Se houver oposição, de acordo com o art.985º/2, cabe à maioria
decidir sobre o mérito da oposição (e não sobre o ato que seria praticado).
Para que haja, porém, a maioria para que o ato não seja praticado, o art.1407º, diz que
é necessário o apoio da maioria per capita dos comproprietários e essa maioria por
cabeça deve corresponder a, pelo menos, 50% das quotas. Quando não seja possível
formal esta maioria legal, a qualquer um dos consortes é lícito recorrer a tribunal, que
vai pronunciar-se – isto é mais comum em casos de dois comproprietários.
Mas isto só ocorre se ele informar os outros.

- administração extraordinária – o legislador não revê, em matéria de compropriedade,


quem pode praticar atos de administração extraordinária. Mas, existe uma norma, em
matéria de arrendamento – arts.1024º - que nos diz que a locação é um ato de
administração ordinária quando celebrado por um prazo inferior a 6 anos. Se for
celebrado por mais de 6 anos, é administração extraordinária.
O nº2, sem distinguir entre ato de administração ordinária ou extraordinária, o
arrendamento só será válido, se os demais consortes, prestarem por escritos, antes ou
depois da celebração do contrato, o seu consentimento.

Um argumento é a maioria de razão: se o arrendamento, mesmo que, por menos de 6


anos, supõe o acordo de todos s comproprietários, por maioria de razão, tem que
haver acordo de todos se em causa, estiver um ato de administração extraordinária
(mais de 6 anos).

Outro argumento é que o legislador não se pronuncia sobre a prática de atos de


administração extraordinária por parte dos comproprietários, a não ser neste nº2,
porque neste, não distingue. Logo, pronuncia-se sobre o arrendamento de 6 anos,
como sendo administração extraordinária.

O primeiro argumento é o que tem o peso mais forte.

- alienação - art.1408º/1, segunda parte e art.1408º/2 – um comproprietário, não


pode, sem o consentimento dos restantes, alienar ou constituir direitos reais menores.

Na verdade, nem se pode alienar parte especificada da coisa comum. Ex: alguém deixa
por testamento o prédio rustico a A e B. este dois, fizeram uma divisão entre o lado
direito e o lado esquerdo. Essa divisão não é válida e, enquanto substituir a
compropriedade, não podem alienar nem onerar parte da coisa.

Se não, a sanção é a nulidade, por alienação ou oneração de coisa alheia.

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A alienação judicial está prevista nos arts.925º e ss.CC. O comproprietário que queria
pode fim á indivisão, intenta a ação e deve, no pedido inicial, dizer se a coisa é ou não
suscetível de divisão material.
Sendo suscetível de divisão material, o que vai acontecer é que a coisa é dividida
materialmente, e depois, uma parte é atribuída a um e outra a outro. na falta de
acordo sobre que parte fica para qual, é feito um sorteio.

Se a coisa for insuscetível de divisão material, vai acontecer que um fica com a coisa e
o outro fica com o valor que correspondia com a quota. Na falta de acordo sobre quem
fica com o bem, este é posto à venda, sendo entregue a quer der maior valor (podendo
até, ser um terceiro e não um comproprietário).

7. Propriedade Horizontal
Está prevista nos arts.1414º e ss.CC.

De acordo com o art.1414º, as partes de um edifício, em condições de serem


independentes, podem pertencer a pessoas diferentes. Para tal, é suposto que as tais
partes, denominadas de frações autónomas, além de constituírem frações
independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria, para uma parte
comum do prédio ou para a via pública – art.1415º.

Enquanto temos o edifício não sujeito ao regime da propriedade horizontal, temos


uma coisa e só um direito de propriedade. Mas o dono pode subordinar esta coisa ao
regime da propriedade horizontal e aí, dá origem a várias coisas, tantas como o
número de frações e a vários direitos de propriedade.

Cada uma das frações, autónomas, têm que ser distintas e isoladas entre si e com
saída para uma zona comum ou para a via pública. Mas, o que é certo é que elas
dependem de partes que servem todas as frações, quer do ponto de vista estrutural,
quer do ponto de vista funcional (ex: telhado, alicerces; escadas; elevador).

A natureza jurídica propriedade horizontal é entendida, por alguns, como uma


comunidade especial, porque o que verdadeiramente interessa são os direitos de
propriedade sobre as frações.

O legislador, numa primeira leitura, parece entender que a propriedade é uma soma
de propriedade com compropriedade – propriedade sobre a fração e compropriedade
sobre as coisas comuns.
No entanto, não é assim que resulta. O que resulta é que há um direito próximo de
propriedade, mas um direito que tem dois objetos – cada proprietário tem
propriedade horizontal, tantos como o número de frações. O objeto dessa propriedade
horizontal é um objeto complexo: a fração e as partes comuns, que não existem. Não
fazem sentido uma sem a outra.

A propriedade horizontal surge quando se secciona na horizontal o edifício e depois,


em cada um dos planos, temos frações autónomas. Mas, também pode haver uma
divisão vertical.

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Ex: nos casos das moradias em banda – não há propriedade horizontal, pois não existe
dependência funcional e estrutural.

Não estando preenchidos os requisitos legais dos arts.1414º e 1415º, a propriedade


horizontal é nula e ficam em compropriedade (se já houver vários sujeitos titulares da
coisa) – art.1416º.
A legitimidade para arguir a nulidade é reduzida aos condomínios e ao Ministério
Público.

7.1. Como é que se constitui a propriedade horizontal?


Pode ser por vários títulos:
- negócio jurídico – é a hipótese mais frequente. O negócio jurídico aqui é sempre
unilateral. É o dono do edifício que vai dizer que não quer mais a coisa nem o direito
de propriedade, mas quer várias coisas e vários direitos.
Não se constitui a propriedade horizontal com a primeira venda, ela já está constituída
previamente.
Aliás, ninguém pode alienar ou onerar frações de um imóvel, antes de estar registado
o título constitutivo da propriedade horizontal. Isto é, já tem que haver título de
propriedade horizontal, esta já tem que estar constituída e registada, para que se
possa alienar ou onerar uma fração.

O negócio jurídico unilateral tem que ser celebrado por escritura pública ou
documento particular autenticado, logo, perante um notário ou solicitador.
Deste negócio unilateral, pode participar mais do que uma pessoa e ele continua a ser
unilateral – ex: se o prédio tiver vários comproprietários.

Quando se sujeita o prédio ao regime da propriedade horizontal, identificam-se as


frações e as partes comuns vão pertencer a todos os proprietários.

- usucapião – ex: A deixou a casa, dividida em direita e esquerda, a B e C. estes dois,


desde sempre assumiram o comportamento de que um usa o lado direito e o outro o
esquerdo, como se estivessem em regime de propriedade horizontal, mas sem estar.
Depois, passados 20 anos, invocam a usucapião.

- decisão judicial

- processo de inventário – processo de partilha por morte ou em caso de separação de


pessoas e bens.

- decisão administrativa – decisão de notário em processo de inventário que pode


correm num cartório notarial ou num tribunal.

Do título constitutivo da propriedade horizontal, tem que constar necessariamente: as


frações autónomas e o valor relativo a cada fração, expressa em percentagem ou
permilagem – art.1418º.

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O valor de cada fração, não tem, absolutamente, nada a ver como valor económico de
cada fração. O legislador não impõe qualquer critério para fixar o valor.
Habitualmente, utiliza-se o critério da área.
ex: A. atribui ao prédio o valor 1000. A fração A, em percentagem, vale em 10%, a
fração B vale 15%... até fazer os 100%.
O valor tem grande importância para efeito de votos, de rendimentos, de despesas e
até de ruína do prédio.
Numa assembleia de condóminos, a mão vale - art.1430º - o número na medida fixada
para as frações.

Ex: uma parte comum é frutífera – todos receberam na medida de percentagem ou


permilagem fixada para a sua fração.

7.2. Quais são as partes comuns?


Há partes que são imperativamente comuns e partes que se presumem comuns –
art.1421º - ex: telhados e coberturas são imperativamente comuns. O que pode ser
estipulado é que esteja afeto a apenas uma fração.

Quando ao solo, ele é comum. Mas pode acontecer para além do solo em que esteja
construído o edifício, que é comum, haja à volta um solo, que seja próprio.

Presumem-se comuns, mas podem não o ser, os parques e jardins, os ascensores, as


pendencias destinadas ao uso e habitação do porteiro, garagens e outros lugares de
estacionamento (se não forem indicadas como frações autónomas).

Quanto aos sótãos, se nada for dito, eles são comuns. As únicas hipóteses em que
admitiu, mesmo não estando declarado como próprio, é o caso em que só se pode
aceder se se passar por uma fração e desde que assim já fosse á data da constituição.

Ou seja, tudo o que não esteja como fração autónoma ou como parte de fração
autónoma, é tido como comum.

Podem ser adquiridas por usucapião partes comuns? Sim, é, aliás, mais comum do que
imaginamos. A modificação do título, segundo o art.1419º pode ocorrer com o acordo
de todos, porque é no título constitutivo que constam os direitos de cada qual. No
entanto, desde o ano passado, o legislador permite a mudança de título, havendo
oposição de 10% dos condóminos, desde que as alterações não respeitem a partes
comuns e que tais alterações não afetem o uso, o valor e o fim das frações.

O direito de propriedade horizontal é um direito sobre a fração e sobre as partes


comuns. Não há propriedade horizontal sem poder exercer poderes sobre as partes
comuns – os direitos sobre as partes comuns e a fração são incindíveis.
(Ex: um prédio sujeito ao regime de propriedade horizontal, tinha um apartamento no
rés do chão que era do porteiro e que não constava como fração, ou seja, era parte
comum. Os condóminos, todos por acordo, decidiram tornar fração autónoma, o que
alterou a percentagem de todas as frações.

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Aquela nova fração, começou a ser de todos em compropriedade como e venderam-na


a uma outra condómina. Quando esta foi para obter o registo de aquisição, viu que a
fração estava onerada com uma multiplicidade de hipotecas.)

7.3. Aspetos do Regime

Art.1422º - limitações dos titulares de direitos de propriedade horizontal. As limitações


dos condóminos, são mais do que as habituais.
Os condóminos, estão sujeitos às regras da compropriedade, e ainda, não podem
afetar a linha arquitetónica do edifício; não podem destinar a sua fração a uso ofensivo
dos bons costumes; não pode dar um fim diverso aquele a que é destinado (o fim não
tem que constar do título constitutivo, mas pode constar – ex: art.1418º/2). Se o fim
não constar do título constitutivo, o primeiro proprietário da fração, afeta-a para o que
pretender e este fim que é fixado pelo primeiro titular, vincula os subsequentes.
Depois, pode haver alteração, mas apenas nos termos do art.1422º/2 – autorização da
assembleia geral e aprovado por maioria representativa de 2/3 do valor total do
prédio.
Também não pode praticar quaisquer atos ou atividades que tenha sido proibido no
título constitutivo.
Além disso, a assembleia de condóminos, pode aplicar as restrições que entender,
desde que aprovadas sem oposição – art.1422º/3. E estas aplicam-se a todos os
condóminos.

Quanto às relações entre os proprietários das frações autónomas e ao regime do


prédio, tem que existir um regulamento do condomínio, desde que haja mais de 4
condóminos – art.1429º.
O regulamento do condomínio que seja fixado fora do título constitutivo, regula o uso,
a fruição e a concentração das partes comuns.
Depois, a assembleia de condomínios tem que decidir/deliberar, outros aspetos sobre
as partes comuns e o administrador vai executar o que é deliberado. No entanto, o
art.1433º, diz que as deliberações da assembleia contrárias à lie ou a regulamentos
anteriormente aprovados, são anuláveis.
As deliberações da assembleia não são apenas anuláveis. Também podem ser nulas, se
forem contrárias a normas imperativas.
Podem ainda ser ineficazes, por terem por objeto, designadamente, fração ou parte de
fração própria.

A assembleia de condomínio tem competência apenas para as partes comuns, assim


como o regulamento feito depois de título constitutivo.
Mas, o regulamento pode estar no título constitutivo (mas não e obrigatório) e aí pode
regulamentar, também, as próprias frações. Este será elaborado pelo dono de tudo.

Um aspeto importante na prática é que a lei nº8/2002 introduziu um novo artigo o


art.1424º-A, nos termos do qual, as despesas com o condomínio ou com as partes
comuns, são da responsabilidade do proprietário da fração à data do vencimento.

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 Os níveis de restrições para as frações são muito mais elevados. Depois há uma
restrição muito própria, que é a questão do fim: se ele não constar do título
constitutivo, é o primeiro proprietário que o vai fixar.

O art.1428º - hipótese de destruição do edifício – neste caso, qualquer um dos


condóminos, tem direito a exigir a venda do terreno e dos materiais, pela forma como
a assembleia designar.

 Além disso, é diferente da compropriedade, porque não há preferência; há um


regime especial para as coisas comuns: assembleia geral e administrador; não
há possibilidade de renúncia deliberatória, para se escapar às despesas com as
partes comuns.

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