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Coletânea Direitos Reais

Orlando Gomes e Oliveira Ascensão


Direitos reais vs Direitos pessoais
“Os direitos reais podem, numa primeira análise, ser definidos como direitos sobre
uma coisa. Recaem sempre sobre uma coisa, como vimos, e permitem a afetação desta
aos fins do titular.” Oliveira Ascensão. Pp.55

“não há critério unanimemente aceito para distinguir o direito real do direito pessoal”
Teoria realista: direito real enquanto poder imediato da pessoa sobre a coisa, que se
exerce erga omnes -> princípio da absolutidade
direito pessoal opõe-se unicamente a uma pessoa, de quem se exige
determinado comportamento
“As manifestações típicas da oponibilidade absoluta do direito real são a sequela e a
preferência. Por sua vez, seu caráter absoluto decorre de ser um poder direto e
imediato sobre a coisa.”
Direito de sequela: pertence ao titular de direito real de seguir a coisa em poder de todo
e qualquer detentor ou possuidor (uti lepra cuti).
Direito de preferência: é restrito aos direitos reais de garantia, consistindo no
privilégio de obtenção do pagamento de uma dívida com o valor de bem aplicado
exclusivamente à sua satisfação. Existe, assim, uma proteção extra em caso de
inadimplemento para os credores que possuam direito real contra o devedor, afastando
aqueles que possuam somente um direito pessoal.
O proprietário pode somente constituir os direitos reais especificados na lei, devendo
conformar-se aos tipos regulados legalmente, obedecendo assim ao sistema numerus
clausus (“não são admitidas outras figuras de direito real além daquelas que constem da
lei”). Por este motivo, “toda a limitação ao direito de propriedade que não esteja
previsto na lei como direito real tem natureza obrigacional.” -> princípio da
tipicidade -> a violação deste princípio resulta numa conversão legal automática,
atribuindo apenas uma natureza obrigacional, deixando de ter força erga omnes -> o
contrato subsiste, mas a cláusula passa a vigorar inter partes
i) Previsão dentro do catálogo legal existente;
ii) Partes não podem alterar o conteúdo injuntivo típico de cada um dos tipos
legais, ou seja, as normas injuntivas que caracterizam cada direito real não
estão na autonomia das partes; as partes não podem afastar normas
imperativas.
Sendo absolutos, os direitos reais impõem assim o respeito por todos, que resulta
inelutavelmente da lei e preexiste à criação do direito.
Os direitos reais adquirem-se por efeito de fatos jurídicos lato sensu, que lhes servem de
causa. Na doutrina alemã, esses factos são denominados “relação causal ou básica”. De
acordo com a posição clássica, a eficácia do direito real depende da existência e
validade da sua causa – se esta for nula, não se tem por válida a aquisição do direito
real. A exemplo, quem adquirir por efeito de contrato de compra e venda inválido não
se torna legítimo proprietário. Assim, “o modo de aquisição é condicionado à validade
do título que lhe serve de base.” -> princípio da causalidade
PÁGINA 15; D0203-199

A coisa
a) Coisa corpórea: “são aquelas que se revelam aos sentidos; correspondem às
res quae tangi possunt;” podem, assim, ser materiais ou imateriais (como a
eletricidade, que não é visível, mas são percetíveis). Quanto aos tipos de bens
que podem ser objetos de direitos reais, a resposta encontra-se no art.1302º, que
diz “só nas coisas corpóreas, móveis ou imóveis, podem ser objeto do direito da
propriedade regulado neste código.”
b) Coisa incorpórea: “são aquelas cuja realidade é meramente social; resultam
duma valoração humana, que se pode basear em elementos do mundo sensível,
mas que não se limita a esses elementos.” Podemos, aqui, distinguir as
categorias de i) bens intelectuais e ii) os direitos.
PÁGINA 47, D0203-166/A

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Duas objeções (da doutrina personalista) a esta perspetiva: i) não pode existir relação
jurídica senão entre pessoas; ii) a oponibilidade a terceiros não é peculiaridade dos
direitos reais, mas característica de todos os direitos absolutos.
Teoria personalista (a afastar): os direitos reais também são relações jurídicas entre
pessoas, como os direitos pessoais, diferenciando-se o sujeito passivo. Assim, no direito
pessoal de crédito, o sujeito passivo (devedor) é pessoa certa e determinada, enquanto
no direito real seria indeterminada. Esta posição parte da ideia de que toda e qualquer
relação jurídica necessita de um sujeito passivo e um sujeito ativo – um titular do
direito de exigir uma prestação e outra pessoa que deve cumpri-la.
Surge aqui uma “obrigação passiva universal”, que consiste no dever geral de abstenção
da prática de qualquer ato que atinja os direitos reais.
“Um vínculo entre esses dois sujeitos de direito, numa palavra, a intersubjetividade,
seria a condição imprescindível, sine qua non, para a existência de toda e qualquer
relação jurídica. Quem aceita essa doutrina desconhece a incontestável presença, no
universo jurídico, de relações jurídicas unisubjetivas, ou recusa a existência de fatos ou
comportamentos jurídicos nos quais falta o sujeito ativo, ou não há sujeito passivo.”

Maioria doutrinária: “o direito real não tem sujeito passivo. Na relação jurídica que
o traduz e estratifica há um direito a que não corresponde um dever, uma obrigação. A
relação é entre o sujeito e o objeto; e, portanto, unisubjetiva (…) há, em resumo,
situações jurídicas, constituídas pela norma com um sujeito único, ditas
uniposicionais.”

Direitos reais vs direitos pessoais – considerações


A distinção corresponde à sua realidade natural; ao modo do seu exercício. Sobre as
coisas, considera-se que a ação humana se exerce diretamente desde que estas possam
estar à sua disposição. Quanto aos serviços, essa realidade não se verifica, já que o
exercício depende do consentimento de outro homem, importando uma limitação da sua
liberdade que somente pode ser voluntária.
1. O objeto do direito real é, necessariamente, uma coisa determinada, enquanto a
prestação do devedor, objeto da obrigação que contraiu, pode ter por objeto
coisa genérica, bastando que seja determinável.
2. A violação de um direito real consiste sempre num fato positivo.
3. O direito real concede ao titular um gozo permanente porque tende à
perpetuidade; por oposição, o direito pessoal é eminentemente transitório, pois
vê-se extinto no momento em que a obrigação correlata é cumprida.
4. Os direitos reais distinguem-se por: tipicidade, elasticidade, publicidade,
especialidade. São de criação exclusiva do legislador.

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