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DIREITOS REAIS

AULAS
aNO LETIVO: 2020-2021

PROFESSOR: SÉRGIO PIRES BRÁS


14 SETEMBRO – PRÁTICA
Apresentação. Breves referências sobre a temática dos Direitos Reais.

Os Direitos Reais estão contidos no Livro III do Código Civil: direito das coisas (começa no
artigo 1251º), e tratam a forma como as pessoas se relacionam com as coisas: o homem sente
necessidades e algumas delas são satisfeitas através de coisas. Por exemplo, ligar a alguém:
quando quero ligar alguém preciso de ter um telemóvel (direito de propriedade).

O direito de propriedade é o principal direito real de gozo, porque é a partir de este que vão
funcionar os outros.

Oponibilidade erga omnes: é a característica que tem o facto, do qual resulta o direito real.

A aquisição pode ser feita através do contrato de compra e venda. A compra e venda produz
efeitos reais (transmissão da titularidade da coisa o do direito de transmitir) e obrigacionais
(obrigação de pagar e entregar). Em que momento opera o efeito real da transmissão da
propriedade? No momento da celebração do contrato – artigo 408º do CC. O contrato de
compra e venda é um exemplo típico de um contrato com eficácia real. Este artigo determina o
momento em que opera o efeito real do contrato.

Artigo 879º do CC: Qual é a diferença entre comprar um imóvel e comprar um jornal, do ponto
de vista deste artigo? É a coisa. Esta diferença da coisa é que traz várias consequências, como a
forma e a validade do negócio: o contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido
mediante escritura pública (artigo 875º).
14 SETEMBRO – OT
Apresentação do programa e referências bibliográficas.

15 SETEMBRO – TEÓRICA
Parte I; 1. Conceito de direito real; 1.1. Breve perspectiva histórica; 1.2. Relação jurídica com coisa uma; 1.3.
Oponibilidade erga omnes; 1.3.1. A oponibilidade do título; 1.3.2. Princípio da publicidade.

Qual é a origem do termo “real”? O termo “real”, no direito real vem da expressão latina “res”,
que significa coisa: o direito real é o direito das coisas. E porque é que o Código Civil dedica um
dos seus cinco livros aos direitos reais? Porque o ser humano utiliza as coisas para satisfazer as
suas necessidades, desde as mais básicas às mais complexas. Nós levamos o dia a utilizar
coisas, e significa que da utilização das coisas/para essa utilização é necessário estabelecer
regras.

Ou seja, o ser humano utiliza as coisas para satisfazer as suas necessidades e, neste sentido,
vai ter de se apropriar delas/entrar em contacto com elas/estabelecer uma certa relação com
ela. Neste sentido, os direitos reais destinam-se basicamente a resolver estes problemas que já
falámos: assegurar aos respetivos titulares (ao titular do direito concreto, seja ele qual for) a
atribuição da utilidade e a conservação das utilidades que essas coisas lhe podem
proporcionar. Ou seja, temos no fundo a perspetiva da atribuição do direito – por exemplo, eu
através do contrato de compra e venda adquiri um direito, mas agora preciso obviamente de
ter mecanismos que me permitam conservar e salvaguardar perante eventuais intervenções
de terceiros. Os direitos reais vão então funcionar neste âmbito: do ponto de vista da
atribuição e do ponto de vista da conservação das várias utilidades que a coisa vai
proporcionar em função do direito.

É por isto que os direitos reais não são todos iguais, porque existindo vários direitos reais com
vários conteúdos, significa que a utilização da coisa por parte do seu titular, e a forma como o
titular se vai relacionar com a coisa, vai variar em função da natureza do direito.

Os direitos reais distinguem-se em três tipos diferentes:

 Direitos Reais de Gozo (são apenas estes que vamos estudar).


 Direitos Reais de Garantia (por exemplo, a hipoteca).
 Direitos Reais de Aquisição (por exemplo, o direito de preferência com eficácia real).

Estamos no âmbito do capítulo dos direitos patrimoniais: dentro deste capítulo, é possível
distinguir os direitos de crédito/das obrigações e os direitos reais – estamos no âmbito da
divisão dos direitos patrimoniais. Como é evidente, existem algumas diferenças entre o que é
um direito de crédito e o que é um direito real, porque a distinção nem sempre é fácil.

A propósito dos direitos de crédito, nós temos uma definição legal – o artigo 397º do Código
Civil dá-nos uma definição de obrigação. Repare-se que o logo a primeira norma do Livro II,
que é o Livro das Obrigações, a propósito da obrigação, define-a como o vínculo jurídico por
virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação – qual
prestação? A que for devida em consequência do vínculo jurídico que se estabeleceu entre
eles (vai depender do contrato que for celebrado).

Existe assim uma definição de obrigação, mas não existe uma definição de direito real – o
legislador não define/não diz o que é direito real. A única coisa que o legislador nos vem dizer
é o seguinte: só existem os direitos reais que a lei estabelecer. Ou seja, repare-se já na
primeira diferença: a fonte da obrigação, por excelência, é o contrato entre as partes/o acordo
das vontades – as partes, em homenagem ao princípio da liberdade contratual (artigo 405º do
CC) são livres de celebrarem os contratos que entenderem e vincularem-se às obrigações que
entenderem, desde que não violem a lei; nos direitos reais já não é assim, porque o legislador
vem dizer que só têm caráter real/só existem os direitos reais que a lei estabelecer – atenção
que é a lei e não o Código Civil, porque existem direitos reais que não estão no código: direito
real de habitação periódica e direito real de habitação duradoura. No que diz respeito aos
direitos reais, o legislador estabelece então um princípio: só existem os direitos reais que a lei
prevê, o que significa que os direitos reais não estão sujeitos ao principio da autonomia da
vontade, mas estão sim sujeitos a um princípio totalmente oposto, que é o princípio da
tipicidade (artigo 1306º do CC). Esta norma está redigida de uma tal maneira, que não é muito
obvio o que se está aqui a dizer: a norma não diz que “só existem os direitos reais que a lei
prevê” desta forma, a norma diz que não é permitida a constituição, com carácter real, de
restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos
previstos na lei, mas desta norma resulta isso mesmo, que só existem os direitos reais que a lei
prevê. Portanto, não existe uma noção legal de direito real, o que existe é um princípio que
remete para a lei, que diz que a única fonte de direitos reais é a lei – ou seja, existe um
princípio de tipicidade e existe uma enumeração taxativa de direitos reais, porque? Porque ou
a lei diz que é um direito real e é, ou a lei não diz e não é – o que significa que há aqui um
princípio de taxatividade decorrente do princípio da tipicidade.

Neste sentido, já sabemos o que é isto do direito de crédito (resulta do artigo 397º do Código
Civil), e podemos sintetizar nestas palavras: através dos direitos de crédito/das obrigações
significa que resulta a imposição de uma obrigação, contra uma determinada pessoa, que
atribui à outra pessoa o poder de exigir o respetivo cumprimento – ou seja, o devedor fica
vinculado ao cumprimento de uma obrigação, cumprimento esse que o credor pode exigir
dele.

Neste sentido, não há nenhuma duvida que os direitos de crédito pressupõem mesmo a
existência da relação jurídica entre, pelo menos, duas pessoas – ou seja o binómio direito-
obrigação: há um sujeito que está adstrito ao cumprimento da obrigação e há um outro que
pode exigir o cumprimento dessa obrigação. Esta relação tem então de ser estabelecida com
mais alguém, e esse mais alguém com quem a relação é estabelecida, está determinado – não
esquecer que os contratos têm eficácia inter partes: eu sei quem é o credor e o devedor, o
devedor sabe quem é o credor e o credor sabe quem é o devedor.

Desta forma, temos um aspeto muito interessante: é verdade que o credor tem um direito,
mas só pode exigir esse direito/o cumprimento desse direito do devedor, e de mais ninguém.

Pergunta: E nas obrigações solidárias? Aqui já estão eles vinculados: de um lado existe um
credor e do outro existem vários devedores e eles estão vinculados. São uma pluralidade de
sujeitos, mas é apenas um devedor, no sentido da expressão.
Nas obrigações solidárias ou conjuntas, temos duas pessoas que se vinculam.

Por exemplo, o Carlos vendeu um telemóvel ao Carlos e ao Bento. O que é que são Carlos e
Bento em relação ao telemóvel? Comproprietários. Se Carlos vendeu por 5 mil €, quem está
obrigado a pagar esses 5 mil €? António e Bento. Agora, qual é a medida da responsabilidade
deles? Das duas uma: ou respondem ambos pelo todo (obrigação solidária) ou responde cada
um pela sua parte (obrigação conjunta). É verdade que são dois sujeitos, mas no fundo a
posição de comprador está ocupada por dois sujeitos, e eles têm de estar pré-determinados.

Isto significa então que, na obrigação, a possibilidade de o credor obter a prestação que se
pretende, ou seja, o cumprimento da obrigação, está sempre dependente de um
comportamento alheio (do devedor) – significa então que só o credor do direito de crédito, só
obtém a prestação que é devida se o devedor cumprir, porque se ele não cumprir, não obtém.
E podemos agora questionar: se ele não cumprir, vamos para tribunal e depois já cumpre. Mas
o que é o tribunal vai depois fazer? Vai produzir uma sentença em que vai condenar alguém a
cumprir, mas quem? O devedor, e este pode não cumprir de novo, e o que acontece?
Execução da sentença – mas, mesmo na execução da sentença como é que o credor consegue
obter o cumprimento do devedor? Através da execução do património do devedor. Ou seja,
sem a participação do devedor voluntária ou coerciva, o credor não consegue obter a
satisfação do devedor. É isto que estamos então a dizer: a possibilidade de o credor poder
obter a prestação que lhe pertence, está na pendência da realização de certo comportamento
alheio – este comportamento alheio pode ser voluntário ou coercivo (através da via judicial).

Quando nós chegamos aos direitos reais, isto muda, e temos de fazer uma aproximação do
conceito.

A primeira ideia que se verifica logo quando começamos a pensar em direitos reais, é que
parece que falta aos direitos reais aquilo que é essencial os direitos de crédito: o devedor –
parece que falta sujeito passivo. Por exemplo, eu sou proprietário, tenho o direito de usar,
fruir e dispor, mas agora quem é o devedor deste meu direito? Eu posso vender e se o quiser
fazer tenho de pedir a alguém? Não. Portanto, a primeira ideia que começamos a ver é que
parece que, de facto, não há aqui nenhum sujeito passivo, e isto muda tudo, porque já vimos
que o sujeito passivo é fundamental nos direitos de crédito, porque é através dele que o
credor vai obter a satisfação do seu direito.

Então, no fundo, como começamos a abordar isto? O que é isto de direito real? Para já,
podemos partir desta ideia: o direito real será uma situação subjetiva (porque diz respeito às
pessoas), que se traduz no poder jurídico que a pessoa tem de se aproveitar das utilidades de
certa coisa – isto nós já falámos, mas vamos agora adicionar duas coisas: o sujeito do titular do
direito, pelo facto de o ser, vai de facto poder retirar da coisa as utilidades que a coisa produz,
mas retira-as de forma exclusiva (é ele e mais ninguém) e, sobretudo, de forma autónoma
(sem depender de ninguém). Vamos por partes: se eu sou o proprietário de um telemóvel,
quem é pode usa-lo de forma exclusiva? Eu. Os outros podem usar? Apenas que eu autorizar.
Isto significa que os outros podem utilizar a coisa, mas, não sendo proprietários, essa utilização
não é autónoma. Eu, sendo proprietário, posso usar de forma autónoma e exclusiva. Estamos
então a ver que, no fundo, atribuí a determinado sujeito o poder de retirar da coisa as
utilidades que a coisa proporciona, vai retirar em função do tipo de direito e do respetivo
conteúdo, mas o titular do direito retira da coisa essas utilidades de forma exclusiva (só ele) e
de forma autónoma. Quem não é proprietário pode usar claro, mas é preciso que o
proprietário consinta, de certa forma.
Já percebemos então duas coisas: do ponto de vista do âmbito, os direitos de crédito
disciplinam a forma como os bens a circulam (se é uma compra e venda, uma doação, etc.) –
ou seja, no fundo os direitos de crédito destinam-se a regular a circulação dos bens –, já os
direitos reais, têm outra função: visam disciplinar a atribuição dos bens. E porque? Porque já
vimos que o direito atribui ao sujeito determinadas faculdades.

Resumindo esta diferença: nos direitos de crédito o interesse do titular (credor) depende do
cumprimento de outra pessoa (devedor), que pode ser voluntário ou coercivo, enquanto que
nos direitos reais o interesse do titular não depende de qualquer conduta alheia – é por isso
que parece faltar aqui o tal sujeito passivo. Mas, não depende de conduta alheia, depende sim
do facto de ter um determinado direito e de a lei atribuir, por força desse direito,
determinadas faculdades sobre a coisa.

Não esquecer que, quando falamos na lei, estamos sempre a falar do princípio da tipicidade: é
a lei que estabelece o conteúdo do direito e define o âmbito das vantagens que o respetivo
titular pode ter.

Ainda a propósito da distinção entre os direitos reais e os direitos de crédito, já vimos então
que, na medida em que o sujeito atua com autonomia nos direitos reais, eles caracterizam-se
pelo facto de atribuir ao seu titular o poder de agir com autonomia (sem estar na pendência do
cumprimento por parte do devedor).

Neste sentido, e é aqui que começamos a falar de uma situação que, provavelmente é nova,
porque quando aprendemos a ideia de relação jurídica e a propósito do conceito de obrigação
enquanto vinculo jurídico que une duas pessoas, nós aprendemos que a relação jurídica se
estabelece entre dois ou mais sujeitos. Dessa forma, quando analisamos agora a ideia de
direito real, temos de mudar um pouco esta lógica: é verdade que as pessoas se relacionam
entre elas, mas é possível conceber a relação das pessoas não com outras pessoas mas com
coisas – não no sentido técnico da relação jurídica (porque isso não faz sentido), mas num
outro sentido, que é um sentido de uma relação de poder que o sujeito tem sobre uma coisa,
que constitui o seu direito (direitos reais = relação de poderes).

Podemos então agora realçar a seguinte ideia: na medida em que o direito real se caracteriza
pelo facto de o titular do direito poder agir de forma autónoma, significa que a sua atuação se
vai fazer sobre determinada coisa – não depende do devedor, mas obviamente que se vou agir
de forma autónoma, tenho de ter o objeto da ação, que é a própria coisa. Com base nesta
característica, do exercício autónomo, pode afirmar-se que o direito real implica a tal relação
de conteúdo diferente (não esquecer que não é a relação jurídica que já aprendemos), uma
relação entre o titular do direito e a coisa que é objeto desse mesmo direito.

Contudo, vamos ver que isto é uma grande ideia, mas não explica tudo, porque esta relação de
poder entre o titular do direito e a coisa que constitui o objeto desse direito, é verdade que
existe nos direitos reais, mas também é verdade que não existe só nos direitos reais. Nos
chamados direitos reais de gozo, por exemplo o comodato, também existe a relação de poder
entre o sujeito e a coisa. O comodato é aquilo a que, geralmente, chamamos de empréstimo:
eu empreso o meu telemóvel ao Bento – estabeleceu-se um contrato de comodato. É, no
fundo um contrato que permite ao titular do direito de propriedade conceder o gozo
temporário de uma coisa, sem ter em contrapartida o pagamento de um preço – se houvesse
essa contrapartida, já não é um contrato de comodato, mas sim um contrato de alocação. Se
eu emprestar o meu telemóvel a alguém, eu (comodante) concedo ao comodatário um
determinado direito para ele se relacionar agora com uma coisa que é minha. Se eu emprestei
o telemóvel ao comodatário, ele não vai ter de me pedir por cada chamada que fizer, porque
se lhe emprestei o telemóvel, pressupõe-se que um dos fins do telemóvel é fazer chamadas –
ou seja, o próprio comodatário, de certa forma, vai agir autonomamente, embora que não
sobre uma coisa que seja sua, mas sobre uma coisa alheia.

Isto significa então que, para falarmos dos direitos reais, não basta esta ideia da relação
estabelecida entre o titular do direto e a coisa, e a possibilidade que o titular do direito tem de
agir de forma autónoma – é preciso introduzir mais alguma coisa, para que possamos poder
falar do direito em causa. O direito real é isto, mas não é só isto, é mais qualquer coisa: é
aquilo a que chamamos de oponibilidade erga omnes. A oponibilidade erga omnes não existe
fora dos direitos reais, o que significa que, quando falamos em oponibilidade erga omnes
estamos a falar da característica mais determinante do direito real.

Atenção que, quando se fala desta matéria, é usual dizer que “é oponível erga omnes” – em
rigor não é o direito que é oponível, mas sim o facto do qual o direito resulta. Ou seja, é o
contrato pelo qual eu adquiri o direito que é oponível erga omnes. Esta oponibilidade é no
sentido de opor: ou seja, eu posso invocar o meu direito contra toda a gente. Ou seja, eu
tenho um telemóvel e o Bento tenta furtar-me o telemóvel – contra quem é que posso opor o
meu direito? Contra o Bento. Mas, se qualquer outra pessoa tentar furtar o meu telemóvel, eu
posso opor contra eles também.

Quando se fala na oponibilidade erga omnes, falamos no facto jurídico de onde emerge o
direito real. Como exemplo disto, podemos recorrer ao artigo 1311º do CC. Esta norma
consagra a defesa da propriedade e, por sua vez, temos depois de a conjugar com o artigo
1315º do CC. O artigo 1311º diz que o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer
possuidor ou detentor de coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a
consequente restituição do que lhe pertence. Não interessa agora saber distinguir detentor de
possuidor, mas, embora sejam pessoas diferentes, podemos ficar com esta ideia geral: um
detentor ou possuidor é o sujeito que tem a coisa em seu poder, sem o consentimento do
proprietário (definição que não está totalmente certa, é só uma ideia) – não interessa o motivo
mas a questão é: eu tenho o direito e, à partida, se tenho o direito exerço o poder do facto,
mas para exercer o poder de facto tenho de ter a coisa comigo. Significa então que, se alguém
me subtrair a coisa, eu não consigo exercer o direito de facto. Ora, a norma diz que, se o
detentor ou possuidor não quiserem restituir, o proprietário pode vir a tribunal reclamar essa
pretensão. Este artigo fala-nos do direito de propriedade – que é o principal direito real, mas
não é o único direito real. Imaginemos agora o usufrutuário que não tem a coisa: pode o
usufrutuário lançar mão desta ação e, onde se lê “proprietário” pode-se ler “usufrutuário”? Se
virmos o artigo 1315º do CC, vimos que as disposições precedentes, entre as quais o 1311º,
são aplicáveis com as necessárias correções, à defesa de todos os direitos reais – isto significa
uma aplicação prática da ideia da oponibilidade.

Ou seja, o poder que o titular do direito real tem (de poder utilizar a coisa da forma como
entender e com autonomia) de fazer valer a sua situação jurídica contra qualquer outra
situação de facto ou de direito que tenha sido posteriormente constituída e que seja potencial
ou efetivamente interdita do seu próprio direito. O que se está aqui a querer dizer é ( e é nisto
que consiste a oponibilidade): eu sou titular de um direito, alguém está a tentar esbulhar-me
este direito – a atuação desse sujeito é posterior à minha aquisição desse direito, o que
significa que ele está a pretender atuar contra mim, depois de eu ter adquirido esse direito.
Sendo a atuação desse sujeito prejudicial para mim, posso ou não posso reagir contra a
atuação desse sujeito? Posso, impedindo-o de atuar. E se, por ventura, eu não conseguir reagir
e ele já atuou, posso ou não posso ir lá atrás e reivindicar o meu direito? Posso. Isto é que é a
oponibilidade erga omnes: o poder que o titular do direito tem, de fazer valer a sua situação
jurídica contra quem quiser perturbar o exercício do seu direito – não é contra todos, não é
dizer que o sujeito passivo são todos, porque não faz sentido nenhum. Ou seja, é contra
qualquer um no sentido de contra quem quiser perturbar o exercício do seu direito, mas não é
contra todos – tem de ser contra quem perturbar.

A oponibilidade erga omnes é então o poder que a lei atribui ao titular de certo direito real
(artigo 1311º CC – que é um artigo aplicado, com as devidas adaptações aos outros direitos
reais), para fazer valer a sua situação jurídica contra qualquer outra situação ou de facto ou de
direito, que tenha ocorrido em momento posterior (já depois de ser titular do direito), que seja
potencial ou efetivamente limitativa (ou seja, contra quem a quiser perturbar).

Imaginemos que o António vendia um quadro, que valia 100 mil €, e Bento é credor de Carlos
(devedor). Bento está convencido que o quadro é do Carlos, mas não é. E como Carlos não
pagou a Bento, que até tem um título executivo, Bento avança com a execução e avança com a
penhora de um quadro, que é de António. Tem ou não tem António forma de reagir
judicialmente contra esta indicação do bem à penhora? Tem, através de embargos de terceiro.
Ora, cá está isto que estamos a dizer: qualquer situação de facto (por exemplo, alguém que
furto) ou até mesmo jurídica – no âmbito do processo pode-se vir a deduzir embargos.

Ora, isto é que é a oponibilidade erga omnes, e não existe nos direitos de crédito, nem mesmo
nos direitos pessoais de gozo. Nos direitos de crédito, o credor só pode opor o seu crédito
contra o devedor ou os vários devedores, contra mais ninguém.

Ora, isto vai levantar agora outro problema, porque como é evidente, num contrato o credor
pode opor o seu direito ao devedor, porque não há nenhuma dúvida que o devedor está
consciente das obrigações que são suas. Conceber a ideia da oponibilidade em si mesma não
funciona, porque só é possível opor determinado facto a uma pessoa que reconheça o facto –
eu não posso opor um facto a alguém que não o conhece. Já num contrato celebrado entre A e
B, sabe-se entre quem é que é celebrado, não é preciso que ninguém venha dizer. Voltando
agora ao exemplo anterior, o Bento, que vai fazer a penhora do quadro de António, ele tem de
saber que o quadro é do António e não do Carlos.

É por isso que, no âmbito dos direitos reais e de forma a tornar o mecanismo da oponibilidade
lógico funcional, vai agora surgir um elemento estruturante do próprio direito real, que é a
ideia da publicidade – ou seja, eu só posso opor a alguém um facto que esse alguém conheça
ou, pelo menos, tenha a possibilidade de conhecer, porque se esse sujeito não intervêm no
facto, porque é que haverá de estar vinculado a um determinado comportamento respeitante
a um facto no qual não intervém? Isso não faz sentido. E é por isso que dizemos que, só pode
ser oponível a outrem aquilo que seja cognoscível, ou seja, aquilo que seja suscetível de ser
conhecido. Conhecido de que forma? Ou diretamente, porque intervém, ou de outra forma
qualquer – e é aqui que vamos fazer depois a ponte para a ideia da publicidade e do Código de
Registo Predial. Ou seja, a oponibilidade erga omnes de facto depende da publicidade,
publicidade essa que, nos direitos reais, resulta quase sempre do registo predial do facto
jurídico. Por exemplo, eu adquiri um imóvel – o que é que tenho de fazer? Celebrei uma
escritura pública ou um documento particular autenticado e, para já, o negócio está feito, mas
ainda não é oponível – só é oponível quando registar o facto.

Resumindo, é verdade que nos direitos reais temos um exercício autónomo, mas o exercício
autónomo não existe só nos direitos reais – também existe em alguns direitos pessoais de gozo
e em algumas garantias reais, que não são reais. Significa que isto só não serve para definir
direito real – o que vai definir direito real é a oponibilidade erga omnes, esta possibilidade que
o titular do direito tem de fazer valer o seu direito contra quem o queira perturbar. Mas, como
é evidente, a oponibilidade erga omnes tem como pressuposto necessário a publicidade, e é
por isso que depois temos de falar sobre o Registo Predial.

Feito este grande apanhado, uma parte mais teórica agora. Na definição do que é isto de um
direito real, existem várias teorias. Não vamos ver todas, apenas as principais.

A teoria mais clássica para explicar o direito real é aquela que diz que o direito real
corresponde à atribuição de um poder material sobre uma coisa, ou então o poder jurídico que
autoriza o seu titular a praticar atos materiais sobre uma coisa. Estão aqui basicamente duas
ideias: por um lado, o poder direto (que já vimos e que traduz a existência o domínio sobre a
coisa), e o poder imediato/autónomo. Mas, falta qualquer coisa a esta tese, e as principais
críticas que se fazem a esta tese é, desde logo, a ideia do poder direto e imediato, porque a
ideia do poder direto e imediato não existe em todos os direitos reais – e, como é evidente, se
eu estou a definir um direito real, não posso utilizar na definição conceitos que não ilustram
todos os direitos reais. Há direitos reais onde não existe esta apreensão da coisa. Por exemplo,
uma servidão de vistas, que é o direito que, em determinadas situações o titular do direito real
tem de impedir a construção que lhe prejudique a visibilidade. Em determinadas
circunstancias, se se constituir uma servidão de vistas, este direito não me permite estabelecer
nenhuma apreensão sobre a coisa, o que me vai atribuir é o direito de impedir a construção,
que me vai prejudicar a minha visibilidade (isto é só para percebermos a ideia, porque não está
totalmente certo). Portanto, a ideia da apreensão da coisa não existe em todos os direitos
reais – há direitos reais que não pressupõem a apreensão da coisa: os direitos reais de garantia
e de aquisição quase nunca pressupõem (no penhor ainda há, mas na hipoteca não há). Uma
outra critica que é feita a esta tese, é a tal critica da relação jurídica, quando se diz que o
direito real envolve uma relação entre pessoas e não entre pessoas e coisas, na perspetiva da
relação jurídica clássica.

Depois, temos a chamada teoria personalista, que assenta a ideia de relação jurídica – nesta
sim, a relação jurídica passa-se entre pessoas. A teoria personalista assenta a ideia do direito
real na ideia de relação clássica. O direito real atribui ao respetivo titular (sujeito ativo) um
conjunto mais ou menos amplo de poderes de atuação e a consequente imposição/dever a
todos os não titulares do dever em causa da chamada obrigação passiva universal – ou seja,
nesta teoria personalista, o direito real é visto como a relação entre pessoas: num lado da
relação eu tenho o titular do direito (sujeito ativo), mas como é uma relação de pessoas,
significa que do outro lado da relação tenho de ter pessoas. Quem? Os sujeitos passivos
(devedores). Então quem serão os sujeitos passivos desta relação? Todos. As principais críticas
baseiam-se na ideia da obrigação passiva universal, ou seja, que todos os sujeitos à face da
terra que não sejam o credor, são devedores, é absurda, não faz sentido nem é lógica. Não é
concebível que face ao titular do direito, todos os demais sujeitos estejam em posição de
interferir o direito, e é aqui que está o problema.

Depois há as chamadas teorias mistas, que tentam difundir as teorias realistas e as teorias
personalistas.
Vamos agora ver, mais concretamente o que é isto da relação jurídica entre o sujeito e a coisa.
O que é que será isto de uma relação? Se virmos num sentido mais abrangente, relacionar é no
fundo estabelecer uma relação entre duas realidades. Ou seja, a ideia da relação significa que,
para existir, tem de haver mais do que um facto para se relacionar (um facto não se relaciona
consigo mesmo), mas esses factos têm de estar interligados. A ideia de relação não implica
necessariamente duas pessoas, implica sim dois polos/elementos/realidades – estas realidades
vão agora ligar-se, precisamente por causa da relação. E é isto que está subjacente à ideia
entre a relação e a coisa: não é a relação entre a pessoa e a coisa no sentido de identificarmos
o devedor, porque obviamente que isso não faz sentido, porque a coisa não é devedora do
titular de direito. Nesta perspetiva de relação, é claramente possível a existência da relação
entre o titular e a coisa.

Esta relação tem agora como características essenciais aquilo que nós já sabemos: a
imediação/o poder de facto sobre uma coisa, que não é necessariamente uma apreensão. Eu
para exercer o poder de facto sobre uma coisa, não tenho necessariamente de a apreender.

Por fim, temos de ter em atenção que o poder de facto sobre uma coisa existe qualquer que
seja a modalidade do direito real: nos direitos reais de gozo, o poder de facto é a utilização da
coisa; nos direitos reais de garantia, o poder de facto é a possibilidade de alienação da coisa;
nos direitos reais de aquisição: possibilidade de imposição da aquisição de forma potestativa.
21 SETEMBRO – PRÁTICA
Oponibilidade erga omnes. Publicidade. Hipótese Prática

CASO PRÁTICO 1:
António celebrou com Bento, por escrito, um contrato pelo qual se comprometeu a dar-lhe
preferência na venda de um imóvel de que é proprietário.

Alguns meses depois, António vendeu o imóvel a Carlos, sem dar conhecimento dessa venda a
Bento.

Bento não se conforma, e pretende adquirir a propriedade do imóvel.

Quid juris?

Resolução:
O que é que em primeiro lugar importa perceber em relação a este pacto?

Em que é que consiste um pacto de preferência? O pacto de preferência está previsto nos
artigos 414º e seguintes do CC, que diz que o pacto de preferência consiste na convenção
(acordo/contrato feito entre dois sujeitos) pela qual alguém assume a obrigação de dar
preferência a outrem na venda de determinada coisa. Atenção que isto não tem nada a ver
com uma promessa, porque no contrato-promessa, se ele for bilateral, significa que ambos os
sujeitos prometem a prestação a que se estipularam. Aqui não, aqui o sujeito diz “eu sou
proprietário desta coisa, se eu quiser vender, dou-te preferência a ti” – mas, não se obriga a
celebrar o negócio: o que no fundo a querer dizer é que, caso queira alienar, assume o
compromisso de, nas mesmas condições, em vez de alienar a um aliena a essa pessoa.

Temos o António (dono do imóvel), que celebra o pacto de preferência com o Bento
(preferente). E, nos termos do acordo, o que é que o António diz? Se ele quiser vender, antes
de o fazer, comunica ao Bento – esta obrigação de comunicar está estipulada no artigo 416º,
nº1 do CC. Agora temos Carlos, que está interessado em comprar o imóvel. António, que é
proprietário, tem o direito de usar, fruir e dispor, e por isso pode vender agora a Carlos. A
questão é que ele assumiu uma obrigação de comunicar previamente a Bento esta venda – isto
não vai dar nenhuma vantagem a Bento, vai apenas dizer-lhe que, nas mesmas condições, se
quiser ele compra. Feita a comunicação, Bento tem agora um prazo para responder, conforme
está estipulado no nº2 do artigo 416º do CC. Portanto, não há nenhuma dúvida que, nesta
hipótese este dever de comunicar não foi cumprido: António vende a Carlos, sem ter
comunicado a Bento.

Mas, por força do contrato de compra e venda, o que é que aconteceu ao direito que era do
António? Extingue-se da esfera jurídica de António e transmite-se para Carlos. Qual é o
problema? O problema é que Bento não concorda e quer ficar com o bem/adquirir o bem.
Agora a dúvida é: pode ou não?

Entre António e Bento, foi celebrado um contrato, onde António se comprometeu a uma
determinada obrigação perante Bento – qual é o objeto desta obrigação? Precisamente a
comunicação para o exercício do direito de preferência. O que acontece é que António
incumpriu o contrato e vendeu a Carlos.

A dificuldade é agora perceber qual é a natureza do pacto: se o pacto tem uma natureza
obrigacional ou real – ou seja, pode consubstanciar um direito de crédito ou um direito real.
Porque? Como já vimos na primeira aula, o direito real pode dividir-se em três categorias,
pode ser um direito real:

 De gozo.
 De garantia.
 De aquisição.

Ou seja, direitos que dizem respeito a uma coisa, mas que funcionam de forma diferente.
Portanto, se este este pacto tiver uma natureza real, será um direito real. Sendo direito real,
será de que natureza? De aquisição.

Vamos então supor as duas hipóteses.

Suponho que não foi atribuída eficácia real ao facto, o que Bento pode fazer perante este
cenário? Pedir uma indeminização a António pelo incumprimento do contrato, nos termos
gerais aplicáveis no âmbito da responsabilidade civil – significa que estão reunidos alguns dos
pressupostos da responsabilidade civil: há um comportamento culposo, através deste
incumprimento que violou, de forma ilícita, o direito de Bento. Resta saber agora se, em
função deste incumprimento, gerou algum dano para Bento: se gerou, então é evidente que
António é responsável por esse dano; se não gerou, António não é responsável. Para além
disso, tem Bento direito a mais alguma coisa, no que diz respeito ao imóvel? Não – o contrato
foi incumprido e, portanto, o incumprimento gera responsabilidade civil. A culpa presume-se
(artigo 799º do Código Civil), mas para que haja dever de indemnizar, tem de ter resultado
deste incumprimento um dano, porque a indemnização é na medida do dano (artigo 493º do
CC). Mas, é importante repetir para não esquecer: ou há dano e há responsabilidade civil, ou
não há dano e não há responsabilidade civil, porque a medida da indemnização é em função
do dano.

A pergunta agora é: mas se, porventura este pacto de preferência tivesse eficácia real, será
que mudaria alguma coisa? É aqui que entra a importância da diferença entre os direitos reais
e os direitos de crédito e a oponibilidade erga omnes.

Repare-se que, se o pacto de preferência consubstanciar somente um direito de crédito (que é


o normal), significa que a violação do pacto não produz efeitos reais – os únicos efeitos são
obrigacionais, nos termos gerais, que é que quem incumprir um contrato de forma culposa, é
responsável pelos danos que causou em função do incumprimento do contrato.

O artigo 421º, ainda a propósito do pacto de preferência, diz que o direito de preferência pode,
por convenção das partes, gozar de eficácia real se, respeitando a bens imóveis, ou a móveis
sujeitos a registo (isto é muito importante porque, por exemplo, não posso atribuir eficácia
real a uma compra e venda de um telemóvel), forem observados os requisitos de forma e de
publicidade exigidos no artigo 413º. No fundo é um novo acordo, ou seja, há um novo acordo
que é a preferência, e depois há outro acordo que é dar eficácia real ao pacto de preferência –
ou seja, o pacto de preferência só tem eficácia real se isso for acordado pelas partes (o
obrigado e o preferente). O facto de a lei dizer que a eficácia real só ocorrerá se estiverem em
causa bens imóveis. Porque? Como já sabemos, os factos jurídicos respeitantes a imóveis
devem ser objeto de registo. Havendo imóveis sujeitos a registo, também há móveis. Quais
são? Os automóveis – ou seja, os móveis, na medida em que sejam automóveis ou aviões,
também estão sujeitos a um registo. Também é possível atribuir eficácia real ao contrato-
promessa, e o regime está no artigo 413º do CC, onde diz que à promessa de transmissão ou
constituição de direitos reais sobre bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo, podem as partes
atribuir eficácia real, mediante declaração expressa e inscrição no registo. E porque? O que é
que estamos a ver aqui? Há um sujeito (António), que celebra um primeiro contrato – através
desse contrato, compromete-se a dar preferência a Bento. Estamos a admitir que neste pacto
não há eficácia real. O problema é que António não dá preferência a Bento, e vende a Carlos. E
agora temos um problema: temos dois sujeitos com interesses opostos, e nós só podemos
satisfazer os interesses de um deles. Ou seja, para satisfazer os interesses de Bento, teríamos
de invalidar o negócio entre António e Carlos, porque a propriedade está agora na esfera
jurídica de Carlos, e ele teria de perder esse direito, pelo facto de António não ter cumprido o
pacto que celebrou com Bento. Mas, qual é a forma que Carlos tem de saber que houve esta
obrigação entre António e Bento? Nenhuma, a não ser que o próprio António lhe diga, mas
isso não faz sentido. E, portanto, qual é que seria a ideia de para beneficiarmos Bento,
prejudicarmos Carlos, sendo certo que Carlos adquiriu a propriedade de forma lícita? Não faz
sentido. Por isso é que se o facto tiver aquela natureza obrigacional, Bento se tiver algum dano
poderá obter uma indeminização de António, mas o bem é de Carlos.

Isto é diferente se as partes tiverem atribuído eficácia real ao pacto, porque a lei agora existe o
registo desse pacto – ou seja, este pacto tendo eficácia real este facto tem de ser inscrito no
registo, e a partir desse momento torna-se público/cognoscível. Não quer dizer que Carlos
conheça, porque ele só conhecerá se ele obtiver uma certidão do registo predial antes de
comprar – mesmo que ele não tiver requerido essa certidão, ele tinha forma de saber, e aí é
um problema dele. Neste caso concreto, tendo sido obtida eficácia real ao pacto e estando
registado (porque é preciso estar registado, porque se não estiver, não funciona), o que é que
agora acontece? Diz-nos o artigo 421º do CC que é aplicável neste caso, com as necessárias
adaptações, o disposto no artigo 1410º. Ora, o artigo 1410º do CC, vem precisamente falar da
ação de preferência – este artigo está inserido no regime da compropriedade, e é no âmbito
do regime da compropriedade um direito de preferência legal: ou seja, existe sempre, resulta
da lei e não precisa de ser convencionado entre as partes. O pacto de preferência, como
acabámos de ver, resulta do contrato, mas independentemente de resultar do contrato, o
regime é igual, por isso é que o legislador remete para aqui. Este artigo está definido para o
regime da compropriedade, mas adaptando-o para o pacto de preferência, podemos lê-lo
assim: o preferente a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento
tem o direito de haver para si a coisa alienada (neste caso era o imóvel), contanto que o
requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos
elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à
propositura da ação. Ou seja, o que é Bento terá de fazer neste caso? Vai ter de propor uma
ação de preferência contra António – o prazo de propositura dessa ação é de 6 meses, e
começa a contar desde quando? Não é da data em que foi feita a venda entre António e
Carlos, é a contar da data em que Bento teve conhecimento dos elementos essenciais dessa
venda. Depois, tem de depositar o preço, nos 15 dias depois a propor essa ação. Se se provar
que tinha razão, ou seja, que existia o pacto de preferência e que ele estava registado, o que é
que vai acontecer? O tribunal, através de uma sentença, vai no fundo fazer com que a
propriedade do bem se extinga da esfera jurídica de Carlos e atribuí-lo a Bento. E, neste caso,
quem é que por ventura vai ter direito a ser indemnizado? Carlos – vai poder ser indemnizado
pro António.

A grande diferença entre um direito real e um direito de crédito tem então a ver
essencialmente com uma questão de oponibilidade.

Repare-se que Bento, quer num caso quer noutro, é titular do direito: pacto de preferência – o
direito é o mesmo, o efeito é que não é o mesmo. Se tiver eficácia real, significa que Bento
pode potestativamente impor-se à aquisição – nem António nem Carlos vão puder fazer nada,
ou seja, ficam numa situação de sujeição relativamente à vontade de Bento. É, portanto, um
direito real de aquisição – ou seja, através do exercício deste direito, o respetivo titular tem o
poder de impor a aquisição potestativa, que de outra forma não tinha.

Ora, como é evidente, e como vimos na última aula, a ideia de direito real é que é a
qualificação técnica adequada à categoria de direitos subjetivos, a que corresponde o
estabelecimento de uma relação jurídica, entre o titular desse direito e a coisa objeto dessa
mesma relação, decorrente da atribuição de um poder de atuação autónoma sobre ela, que é
oponível erga omnes. Ora isto só se percebe em função da tal publicidade, uma vez que se diz
que a oponibilidade erga omnes tem como pressuposto principal a publicidade, porque só é
possível opor a terceiro aquilo que ele podia antecipadamente conhecer – ele tem de ter pelo
menos a possibilidade de conhecer.

Neste sentido, o que se vai seguir agora é a questão da publicidade. Existem vários tipos de
publicidade:

 Espontânea.
 Provocada:
o Registal.
o Não registal.

A publicidade espontânea é aquela que resulta dos comportamentos. Se virmos alguém com
um telemóvel, vamos presumir que essa pessoa é proprietária desse telemóvel. Porque?
Porque o comportamento que tem face a ele atesta essa mesma conclusão. Podemos ver isto
a partir do artigo 1268º, quando diz que o possuidor goza da presunção da titularidade do
direito – à partida é quem tem a posse do direito.

Interessa-nos fundamentalmente a questão agora da publicidade provocada e, dentro da


publicidade provocada, a questão do registo predial
21 SETEMBRO – OT
Registo predial.

O registo é um mecanismo destinado a publicitar factos. A possibilidade opor a alguém


determinados factos, tem como pressuposto que esse alguém conheça ou tenha forma de
conhecer esse facto. Repare-se, porque é que o contrato celebrado entre A e B é oponível
entre A e B? Porque A e B sabem que celebraram esse contrato. A pergunta é, será que o
contrato entre A e B, poderá ser oponível a C, que não participou no negócio? Pode, se por
ventura, em determinadas circunstâncias o C tiver oportunidade de ter conhecido aquele
facto. Se não tiver, não faz sentido, porque não posso opor um facto a quem não teve sequer a
possibilidade de o conhecer.

A oponibilidade erga omnes não é necessariamente a característica dos direitos subjetivos – ás


vezes diz-se que a oponibilidade erga omnes é característica dos direitos reais, mas não é bem
isso. Ainda na aula passada vimos que o objeto de registo do pacto de preferência não é o
direito, porque o que se regista é o facto – não se registam direitos, registam-se factos.
Portanto, a oponibilidade erga omnes não é necessariamente a característica dos direitos
subjetivos, mas sim dos factos que o determina – ou seja, o que se opõe não é o direito de
propriedade, mas sim o contrato de compra e venda, o facto de onde resulta o direito, porque
é precisamente esse facto que é inscrito no registo.

De resto, se virmos no CRP, o artigo 1º diz-nos qual é a finalidade do registo predial: tornar
pública a situação jurídica dos imóveis – é só esta a finalidade do registo predial. Agora a
pergunta que se faz é: mas para que? Com que objetivo? Tendo em vista a segurança do
comércio jurídico imobiliário. E, a partir daqui, se virmos o artigo 2º, cuja epigrafe é “Factos
sujeitos a registo”, vamos ver que são os factos que estão sujeitos a registo – esta ideia de que
se registam factos e não direitos está muito reforçada. Se virmos o artigo 3º do CRP, vemos
que também estão sujeitas a registo as ações – por exemplo, a ação de preferência que vimos
na hipótese da aula passada, estava sujeita a registo. E porque é que estava sujeita a registo?
Precisamente para evitar que Carlos transmitisse o bem a outra pessoa qualquer e
prejudicasse Bento no âmbito da ação de preferência.

Qual é que é a lógica que está subjacente a tudo isto? Para cada imóvel, é necessário no fundo
inscreve-lo no registo predial – através da figura da descrição, que está prevista nos artigos 79º
e seguintes do CRP. O artigo 79º do CRP, diz-nos que a descrição tem por fim a identificação
física, económica e fiscal dos prédios e que de cada prédio é feita uma descrição distinta. Isto
significa então que os imóveis vão estar descritos, de uma certa forma, e depois, qualquer
facto respeitante a esse imóvel, dentro dos que acabámos de ver no artigo 2º e 3º, poderá ser
objeto de uma inscrição. Por exemplo, o A vende um imóvel ao B – vai ser feita uma inscrição,
onde constará que o imóvel que era do A, agora é do B. Vamos agora admitir que B vende o
imóvel ao C, o que é que agora vai ser registado? Este segundo contrato, através de uma nova
inscrição. Suponha-se agora que C constituiu, sobre o mesmo imóvel, uma hipoteca a favor de
D – o que é que agora vai ficar agora inscrito? Uma nova inscrição com esta hipoteca, e assim
sucessivamente. O que é que isto significa? Significa que em qualquer momento, se alguém
pedir uma certidão predial conhece todos os factos respeitantes àquele imóvel,
nomeadamente quem é que é o atual titular daquele imóvel, quais são os encargos e outros.
Porque? Porque se virmos os artigos 91º e seguintes do CRP, vemos no artigo 91º que as
inscrições visam definir a situação jurídica dos prédios, mediante extrato dos factos a eles
referentes.

A partir surge um princípio fundamental do direito registal, que consta do artigo 34º do CRP,
que é o princípio do trato sucessivo – isto significa que deverá haver uma série sucessiva de
factos, sem quebra na cadeia. Veja-se que o nº1 do artigo 34º do CRP diz-nos que o registo
definitivo de constituição de encargos por negócio jurídico depende da prévia inscrição dos
bens em nome de quem os onera – o que é que se está aqui a querer dizer? No exemplo de C
que constituí a hipoteca a favor de D – a pergunta é: antes da constituição desta hipoteca
estava ou não estava uma inscrição prévia a dizer que o imóvel foi adquirido pelo C? Estava. E
se não estivesse? O notário não fazia a escritura, porque ele para fazer a escritura, a prática
daquele ato tem de demonstrar legitimidade para constituir a hipoteca, que só se consegue
através da existência de um direito que consta da certidão. Isto comprova-se com o artigo 34º
do CRP, que nos diz que o registo definitivo de aquisição de direitos depende da prévia
inscrição dos bens em nome de quem os transmite, quando o documento comprovativo do
direito do transmitente não tiver sido apresentado perante o serviço de registo – o que se está
aqui a querer dizer é que deverá ser uma série interrupta de factos que conduzem de uma
situação à outra.

E agora, o que é que é suposto? É suposto que todos os factos sujeitos a registo, relativos a
determinado prédio, tenham sido efetivamente registados. Portanto, parte-se deste princípio,
estabelece-se aqui esta presunção, que em relação a determinado prédio, todos os factos
juridicamente relevantes para serem registados, foram efetivamente registados. E é por isso
que existe uma presunção derivada do registo, a favor do sujeito que regista, no artigo 7º do
CRP, onde diz que o registo definitivo constitui a presunção de que o direito existe e pertence
ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define – o que é que isto significa? Se
eu olho para uma certidão no exemplo anterior, eu vejo dois direitos: o direito de propriedade
e que existe uma hipoteca – o direito de propriedade está inscrito a favor de C e a hipoteca
está inscrita a favor de D. Logo, o que é que eu presumo? Em primeiro lugar presume que
existe um direito de propriedade, que existe uma hipoteca e a quem é que eles pertencem.
Isto é a chamada fé pública registal, ou seja, o registo faz fé pública de determinados factos.
Ou seja, estabelece-se aqui uma dupla presunção: a presunção de que o direito existe e a
presunção de que esse direito pertence ao sujeito inscrito como tal – são as chamadas
presunções derivadas do registo. E este é o efeito do registo para o sujeito que regista, ou seja,
o sujeito que regista benéfica da fé pública registal – ou seja, o sujeito que regista um facto
goza da fé publica de que é titular do direito respeitante àquele facto, e que aquele direito
existe na sua esfera jurídica. Ou seja, é basicamente a ideia de que o que está aqui registado
existe, é válido e eficaz, e o que não está registado, à partida não existe, não é válido nem
eficaz.
Portanto, nós já vimos que a função do registo predial é dar conhecimento à situação jurídica
dos imóveis, com o objetivo de garantir a segurança nas transações, nomeadamente perante
terceiros.

No que diz respeito aos efeitos do registo, o registo produz efeitos para quem? Para o próprio
sujeito que regista e perante terceiros.

Perante terceiros, como já vimos, o efeito é a fé pública registal. Ou seja, o sujeito ao registar,
beneficia das tais presunções derivadas do registo. Para já, porque esta não é a definição
correta, mas para que se perceba, aqui terceiro é aquele que não regista. Os terceiros fazem
fé, na correspondência exata entre o que está registado e o que aconteceu – o que é suposto é
que os factos que dizem respeito aos imóveis tenham sido efetivamente registados, é esse o
pressuposto. Se o sujeito vai pedir uma certidão vai perguntar-se se o que lá está é mesmo
verdade? Isso não faz sentido, por isso é que se parte deste pressuposto. Há assim um sentido
negativo da fé pública, ou seja, faz-se a presunção de que toda a sucessão de factos registáveis
foi efetivamente registada – só aconteceu o que está registado. Neste sentido, o que
porventura aconteceu, mas não está registado não é eficaz perante terceiros. Por exemplo, A é
proprietário de um imóvel e vende o imóvel ao B, mas o notário não regista esta aquisição
(este exemplo não é provável que aconteça nos dias de hoje, porque o registo é obrigatório) –
o que é que isto significa? Significa que, ao contrário do que se sucede normalmente, vai haver
uma desconformidade entre estas duas situações. Quem é que é verdadeiramente
proprietário daquele bem? É do B, que adquiriu por efeitos do contrato. Mas, do ponto de
vista registal, quem é que está inscrito como proprietário? O A. Conforme já vimos a fé pública
diz que o que está inscrito aconteceu e o que não está inscrito não aconteceu. Neste sentido
pergunta-se: é ou não é verdade que o A, do ponto de vista registal, continua como
“proprietário do imóvel” (já sabemos que ele não é o proprietário, que é o B, que adquiriu por
efeitos do contrato? Sim. Então imaginemos que agora o A, de má-fé, apercebe-se que há esta
desconformidade, e tem um sujeito (C), que não sabe de nada, e está interessado em comprar
o imóvel. O que é que A devia dizer ao C? Que o imóvel não é seu. Mas, não diz e vende-lhe o
imóvel. Na certidão predial o A aparece como proprietário do imóvel, mas não é. Mas, o
notário confia no registo, confia no artigo 7º das presunções derivadas do registo, e o registo
nesta altura está a favor do A e, portanto, celebra a escritura pública. Mas, agora temos um
problema: este contrato, feito por quem não tem legitimidade para fazer a venda, é válido ou
inválido? É venda de bem alheio, logo este contrato é nulo. Mas, como desta vez o notário
registou esta venda entre A e C, agora de quem é o bem? O B diz que é dele porque comprou a
quem era o dono, embora não tenha registado; o C diz que não quer saber daquilo porque
confiou na informação que o registo lhe estava a dar e, nos termos da informação, o titular é
do A. Aqui a questão tem a ver com a oponibilidade, que vimos na hipótese da aula passada:
ele não pode opor o direito ao C, porque não o registou, logo não era possível de ser do
conhecimento do C – não pode opor aquilo que não é possível de ser conhecido. Então, no
mesmo raciocínio, a pergunta é: quem é que adquire verdadeiramente o direito? O B, através
do contrato – a venda entre A e C é nula. E será que B pode opor o seu direito ao C? Não pode,
porque não registou. Tudo isto resulta do artigo 7º - o artigo 7º diz ao C para pedir uma
certidão e confiar nela – o registo do imóvel, na certidão, estava feito a favor do A e C confiou.
Os problemas em confronto começam no artigo 7º do CRP, que estabelece a chamada fé
pública registal: o terceiro tem de confiar na informação que o registo lhe dá – ele não pode
colocar em causa a informação do registo. O que se verificou mas não se registou – a venda de
A a B – em princípio, não é eficaz perante terceiros (C), quer em relação ao negócio, quer em
relação ao registo. Presume-se, portanto a chamada compleição do registo: significa que se
parte do princípio que o registo está completo, no sentido de que todos os factos relativos ao
imóvel em causa foram registados. É evidente que isto é uma presunção ilidível, mas para já
temos aqui um problema com o B – o problema agrava-se se formos ver os efeitos do registo
para quem regista.

Para o sujeito que regista, os efeitos poderão ser um dos seguintes:

 Efeito enunciativo.
 Efeito constitutivo.
 Efeito consolidativo.
 Efeito atributivo.

Estes quatro efeitos têm um regime jurídico diferente nuns casos e nos outros, mas percebe-se
o regime pelo próprio português. Estes efeitos não são cumuláveis – a regra é o efeito
consolidativo. Ou seja, para quem regista, o registo terá sempre efeito consolidativo, exceto
quando a lei disser que não tem. E o que é que diz esse efeito consolidativo? Segundo o artigo
5º do CRP, os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do
respetivo registo – nesta hipótese C será terceiro e a compra e venda entre A e B, estava
sujeita a registo. Então, não deixa de ser verdade que, através do negócio que celebrou com A,
B adquiriu um direito – que o direito seja dele não há nenhuma dúvida, o problema é que ele
não vai conseguir opor esse direito perante terceiros, neste caso, o C. Só da leitura deste
artigo 5º, parece que entre B e C, vai prevalecer C. E porque é que C adquire a propriedade, se
o negócio dele com o A é nulo (venda de bem alheio)? O registo do facto de C vai ter efeito
atributivo – o registo do C, vai atribuir-lhe um direito que ele não tinha, porque o negócio que
celebrou com o A é nulo, e desse negócio não resulta direito nenhum. Aqui então, o que dá o
direito a C não é o negócio, mas sim o registo, por isso é que se diz que o registo atribuí – é a
chamada aquisição tabular (aquisição derivada do registo).

Sintetizando, para o sujeito que regista, o registo tem um de quatro efeitos – o efeito regra é o
efeito consolidativo, o que significa que o sujeito só pode opor determinado direto perante
terceiros, depois de ter registado o facto pelo qual se constitui o direito.

Diz-se que o registo tem efeito enunciativo em que circunstâncias? Já vimos que a publicidade
não tem de ser provocada, pode ser espontânea – e, neste caso, quando se regista um facto
que já é público por outra razão qualquer, significa que, do ponto de vista da publicidade, o
registo não vem acrescentar nada. E, portanto, quando se diz que o registo tem efeito
enunciativo é quando o facto já é público por outra razão qualquer – ou seja, é o caso típico do
artigo 5º, nº2 do CRP: a regra é que só são oponíveis a terceiros, os factos sujeitos a registo
(nº1), mas excecionalmente há factos que são oponíveis a terceiros mesmo que não estejam
registados (nº2). Porque é que esta exceção é possível? Porque a oponibilidade pressupõe a
publicidade, e significa que eles já são públicos por outra razão qualquer.

Temos também o efeito atributivo, que é o registo que atribuí um direito ao respetivo titular,
que de outra forma não o teria por causa da celebração de negócio inválido. Diz então respeito
a um facto que é juridicamente inexistente ou inválido – os efeitos vão-se produzir através do
registo desse facto. Dada a inexistência ou invalidade do facto, o registo em princípio não
poderá ter efeitos. Pode revelar nas situações em que, de boa fé, um terceiro nele tenha
confiado – aquisição tabular: o registo atribui-lhe então uma situação da qual materialmente
não beneficiava.
Já o efeito constitutivo (artigo 4º, nº2 do CRP), ele só acontece numa situação típica: quando
se regista a constituição de uma hipoteca, diz-se que o contrato do qual a hipoteca se
constituiu está registado ou não está. Se não estiver, a hipoteca não existe entre ninguém, ou
seja, a validade da hipoteca está dependente do registo da hipoteca.

22 SETEMBRO – TEÓRICA
1.3.2.2.1. Fé pública. 1.3.2.2.2. Enunciativo; Constitutivo; Consolidativo; Atributivo

Vamos agora entrar na temática da publicidade registal propriamente dita, nomeadamente os


efeitos do registo. Para isso, é necessário concretizar ainda algumas ideias.

Sintetizando, a propósito do registo, a matéria mais importante do registo são os efeitos, mas
para isso é preciso perceber algumas regras.

Nós já sabemos que a questão da oponibilidade dos factos depende da possibilidade do sujeito
a quem se opôs os factos, os poder conhecer. E, portanto, a oponibilidade erga omnes (esta
objetividade) existe porque é possível opor o facto ao sujeito - isto significa então que a
oponibilidade pressupõe a publicidade desse mesmo facto.

A publicidade por sua vez, pode ser espontânea ou provocada, e dentro da provocada
podemos ter a publicidade registal e a publicidade não registal.

Publicidade:

 Espontânea.
 Provocada:
o Registal.
o Não registal.

A matéria da publicidade espontânea está no artigo 1268º do CC, a propósito da presunção da


titularidade do direito, que decorre da existência da posse. Este artigo fala do possuidor:
vamos ver o que é isto do possuidor mais à frente, mas para ter uma ideia (que não é muito
correta do ponto de vista técnico), o possuidor é o sujeito que exerce o poder de facto sobre
uma coisa. E, portanto, qual é a presunção que resulta desta situação/da posse? Da posse
resulta a presunção da titularidade do direito – isto significa que o possuidor tem a seu favor a
presunção da titularidade do direito. Como é que reconhecemos o possuidor geralmente?
Através do comportamento dele, das consequências exteriores desse comportamento. Isto é
aquilo que no fundo se chama a publicidade espontânea.

Dentro da publicidade provocada, entende-se publicidade provocada em que sentido?


Estaremos perante publicidade provocada quando existam instrumentos (resultantes de
normas jurídicas) que tem uma única finalidade/uma finalidade especifica: dar conhecimento
de alguma coisa – nesse caso, diz-se que esse conhecimento é a situação da chamada
publicidade provocada.

Dentro da publicidade provocada nós temos a publicidade registal e a publicidade não registal.
Qual é que é verdadeiramente a grande diferença? Normalmente nesta matéria, costuma-se
dar um exemplo que todos conhecem: as leis, antes de entrarem em vigor, o que é que lhes
acontece necessariamente? A lei é publicada no Diário da República. Mas, porque é que as leis
são publicadas? Para serem conhecidas. Portanto, há uma disposição que obriga a publicação
da lei, e a publicação da lei visa isso mesmo, publicitar/tornar conhecido um facto. Aqui, o
Diário da República é aquilo a que podemos chamar um instrumento que está especificamente
concebido para dar conhecimento dos diplomas legais. E, portanto, estamos no âmbito da
publicidade provocada.

Mas, qual é a diferença entre a publicidade provocada registal e não registal? Repare-se que,
quando a lei é publicada, das duas uma: ou é uma lei que vem regular factos novos ou é uma
lei que vem regular factos antigos, nomeadamente revogando leis anteriores. Mas, se
quisermos ver a lei que foi revogada, ela não está na nova lei, temos de procurar a lei revogada
– ou seja, no fundo, não faz uma interligação entre aquilo que é novo e aquilo que o legislador
revogou. Ou seja, esta é uma publicidade provocada, mas não registal, porque como vamos
ver a seguir a publicidade registal faz uma ligação que não existe na não registal. Portanto, a
publicidade não registal dá a conhecer apenas um determinado acontecimento/facto – não
relaciona com os factos que digam respeito a ele. Por vezes o que acontece é outra coisa: é
que quando são introduzidas muitas alterações a um diploma, o que o legislador faz é, depois
de publicar as alterações, publicar o diploma reformado/com a versão atualizada – continua a
não haver a ligação de factos. Ora, é essa ligação de factos que existe na publicidade registal –
ou seja, sobre um determinado bem/imóvel, vão ser registados todos os factos que dizem
respeito a esse imóvel, através de uma sucessão de factos, que dão origem ao chamado trato
sucessivo. Ou seja, todos os factos estão ligados a uma determinada realidade. E qual é que é a
realidade? O imóvel. E todos os factos respeitantes àquele imóvel estão ali elencados.
Portanto, há este relacionamento/interligação de factos, no sentido que, em cada momento,
pelo simples pedido de uma certidão, conseguimos saber rigorosamente a situação jurídica
daquele imóvel.

Estamos então perante a publicidade resgistal: toda ela é feita por referência à disposição do
imóvel, e daí para a frente todos os factos dizem respeito àquele imóvel registado. Ou seja: dá
a conhecer as diversas interligações entre os factos respeitantes a um determinado elemento
central (o registo predial).

Neste sentido, quais é que são os conceitos que temos de relembrar?

O primeiro elemento é a chamada descrição. A descrição é, no fundo, a identificação do imóvel


– ou seja, onde é que o imóvel está localizado, qual é a freguesia e o conselho, etc.. Ou seja, a
descrição é a identificação do imóvel e é a partir daqui que todas as inscrições vão sendo feitas
ao longo do tempo. A matéria da descrição está prevista nos artigos 79º e seguintes do CRP. o
artigo 79º, nº1 do CRP diz que a descrição tem por fim a identificação física, económica e fiscal
dos prédios. O nº2 do mesmo artigo diz que de cada prédio é feita uma descrição distinta – e
por isso não se confundem. O nº3 diz que no seguimento da descrição do prédio são lançadas
as inscrições ou as correspondentes cotas de referência.

E o que são agora as inscrições? É a tal sucessão de factos que vão dizer respeito ao imóvel. Ou
seja, a inscrição está definida no artigo 79º, mas a sua tramitação está depois nos artigos 91º e
seguintes do CRP. A inscrição diz então respeito a cada facto que vá ocorrendo em relação ao
imóvel: se foi vendido é inscrita a compra e venda, se foi hipotecado é inscrita a hipoteca, se
foi penhorado é inscrita a penhora, e assim sucessivamente. O regime da inscrição está
previsto, como já vimos a partir do artigo 91º. Mais, uma vez, qual é a finalidade da inscrição?
As inscrições visam definir a situação jurídica dos prédios, mediante o registo dos factos a eles
respeitantes. Para que a inscrição seja feita, é necessário agora que haja alguém as faça:
alguém tem que requerer a inscrição – ou seja, alguém tem de requerer, na conservatória, que
seja inscrito um determinado facto. Esse requerimento tem, se certa forma, o nome de
apresentação.

O instituto da apresentação é no fundo o pedido de registo de um determinado facto. Por


exemplo, A vende a B por escritura pública – qual é que é o facto? O contrato. Então o que é
que tem de ser apresentado aquando o pedido da inscrição? O contrato. Portanto, a
apresentação é no fundo o pedido do registo feito por quem tem legitimidade através dos
documentos necessários para o efeito. Por exemplo: o António vendeu o prédio a Bento, por
escritura pública – então qual é o documento que vai ter de ser exibido aquando a inscrição?
Precisamente o contrato. Portanto, a apresentação está prevista nos artigos 41º e seguintes do
CRP. Para que o registo de um imóvel seja feito, tem de corresponder à descrição do imóvel.
Do ponto de vista da apresentação isto é muito importante, porque por força do trato
sucessivo, tem de se saber muito bem a cronologia dos factos, porque os factos vão-se suceder
uns aos outros, através desse mesmo mecanismo de sucessão de factos. Conforme vamos ver,
o facto inscrito em primeiro lugar prevalece sobre o facto incompatível, que seja inscrito
depois.

Não é possível fazer dois registos sobre o mesmo facto, no mesmo dia e na mesma hora – isto
consta dos artigos 60º e 61º do CRP. É preciso ter sempre bem presente esta componente
cronológica, na matéria do registo predial. Diz-nos o artigo 60º que, sem prejuízo do disposto
nos números seguintes, os documentos apresentados para registo são anotados no diário pela
ordem dos pedidos. Depois, o artigo 61º, nº1, al. a), diz-nos que um dos elementos que a
anotação da apresentação deve conter é o número de ordem, a data, a hora da apresentação
em UTC (Universal Time, Coordinated) e a modalidade do pedido. se fizermos a apresentação
pela via eletrónica, fica registada a hora exata com minutos e segundos – isto é muito
importante em matéria de sucessão de factos, porque imagine-se que há dois sujeitos, com
factos completamente diferentes sobre o mesmo imóvel, a registar na mesma altura – isto
pode levantar vários problemas, a propósito do artigo 6º do CRP, que contém o princípio da
prioridade, ao dizer que o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe
seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma
data, pela ordem temporal das apresentações correspondentes.

Portanto, já vimos que a descrição é a identificação do imóvel e que a inscrição é o próprio


registo dos factos. O registo dos factos na inscrição pressupõe a apresentação de um pedido,
ou seja, o pedido é apresentado. E, uma coisa é o pedido ser apresentado e outra é o registo
ser inscrito efetivamente, porque o conservador não está obrigado a intentar o registo. Vamos
então por partes. Uma coisa é se o conservador regista ou não o facto e, registando, se regista
com caráter definitivo ou com caráter provisório.

Quando aqui se fala da obrigatoriedade do registo, estamos a falar de outra coisa: do princípio
que foi introduzido mais recentemente no nosso Código Predial e que não existia antes. Surge
apenas em 2013, porque até esta altura era o próprio sujeito ativo, ou seja, o interessado no
registo que podia promover o registo – por isso era muito frequente que as pessoas
adquirissem os bens, e depois não os registassem. Isto era muito frequente porque, conforme
já vimos, o direito não decorre do registo, mas sim da celebração do contrato. Portanto, se eu
quero comprar um imóvel, vou ao notário e faço a escritura pública – eu já sou titular do bem,
só me falta publicitar esse facto, porque do ponto de vista da aquisição do direito ele está
completo, porque o registo não era condição da aquisição do direito. Portanto, muitas pessoas
não registavam os factos, o que obviamente gera depois problemas do ponto de vista da
segurança jurídica – por isso é que o legislador em 2013 veio introduzir alterações ao CRP, e
veio impor a obrigatoriedade do registo: o registo deve ser obrigatoriamente requerido (se
depois o conservador regista ou não é outra questão). É o princípio da obrigatoriedade que
resulta do artigo 8º-A. E quem é que está obrigado? Se a aquisição for feita por escritura
pública, é o notário que tem esse poder; se for por documento particular autenticado é o
advogado; se nenhuma das entidades intervir, é o sujeito ativo dos factos sujeitos a registo –
isto significa que, aqueles que até à alteração eram os responsáveis pela inscrição (sujeitos
ativos), agora só residualmente é que são, porque a obrigatoriedade é primeiro das entidades
(artigo 8º-B). É importante não confundir o registo obrigatório com a ideia de ser o registo que
permite a aquisição do direito: o direito não se adquire com o registo, mas sim com a
celebração do contrato. Quando se diz que o registo é obrigatório, é uma imposição legal, mas
que não é condição necessária para que o direito se constitua. Portanto, em rega, o direito
adquire-se no momento da celebração do contrato – significa que o registo não é condição de
aquisição do direito. O registo tem como única finalidade publicitar o facto, exceto no registo
com efeito constitutivo, que é uma exceção à regra que vamos falar mais à frente. A
obrigatoriedade em todo o caso, conforme acabámos de ver, recaí sobre a entidade que
formaliza o facto – significa então que o sujeito ativo, na medida em que tem interesse na
realização do registo, tem legitimidade para solicitar quando não exista a tal entidade externa
ou quando essa entidade até exista, mas não o fez.

Então, que é obrigatório promover o registo não há nenhuma dúvida quanto a isso, a questão
diferente já é saber se o conservador aceita o registo: uma cosia é pedir outra coisa é obter.
Isto porque? Porque o conservador não é obrigado a registar tudo aquilo que lhe é pedido,
nem o deve fazer. Porque? Porque o conservador está obrigado ao chamado princípio da
legalidade. Ou seja, há no fundo aqui a chamada qualificação do pedido: aquele sujeito fez-me
este pedido, e eu vou ver se aquele pedido tem sentido/suporte – é sobre isso que recaí a
figura da qualificação, que é feita pelo conservador em relação ao pedido que está a ser
apresentado.

O instituto e regime da qualificação está previsto nos artigos 68º e seguintes do CRP. Uma
coisa é o pedido que foi apresentado, porque é obrigatório apresentar o pedido, outra coisa
diferente é se aquele pedido cumpre os requisitos para que possa efetivamente ser inscrito. O
artigo 68º diz-nos que a viabilidade do pedido de registo deve ser apreciada (pelo conservador)
em face das disposições legais aplicáveis, dos documentos apresentados e dos registos
anteriores (anteriores no sentido que vimos na aula passada: A vende a B e B vende a C, e
agora aparece um pedido de inscrição deste negócio de B a C – o que é que o conservador tem
de ver? Se B tem ou não tem legitimidade para vender. E como é que ele faz isso? Vai ver os
registos kºanteriores através da tal figura do trato sucessivo, e vai ter de ter em conta os
documentos apresentados porque a qualificação feita pelo conservador obedece
exclusivamente aos documentos que lhe são dados – ou seja, o conservador vai ter em conta
aqueles documentos, aquela escritura e não outra), verificando-se especialmente a identidade
do prédio, a legitimidade dos interessados (se quem está a vender é mesmo o proprietário), a
regularidade formal dos títulos (se o negócio foi feito por escritura pública ou por documento
particular autenticado) e a validade dos atos neles contidos – isto é a chamada qualificação,
que traduz o chamado princípio da legalidade. A apresentação do pedido não invalida a
apresentação do registo. Feita a apresentação (que é obrigatória), o conservador tem de se
pronunciar sobre a legalidade do pedido do registo, ou seja sobre a legalidade da
apresentação, tendo por base os critérios que acabámos de ver no artigo 68º. Do artigo 69º do
CRP retiram-se agora os critérios do funcionamento do princípio da legalidade. Através de que
mecanismo? Através deste artigo que nos diz quando é que o conservador deve mesmo
recursar o pedido. A recusa do pedido por parte do conservador não é um poder discricionário,
ele não recusa se lhe apetecer – é uma decisão vinculada: ele poderá recusar apenas se se
verificarem as situações que a lei prevê. No limite, se ele tiver dúvidas sobre algum facto, não
recusa e faz aquilo que vamos ver a seguir que é o registo provisório. Portanto, o conservador
não é obrigado a registar tudo aquilo que lhe pedem, mas também não pode não registar
discricionariamente: ele por regra deve registar, e poderá não registar o pedido nos casos do
artigo 69º. Se a situação não for compreendida no artigo 69º e o legislador tiver dúvidas sobre
essa questão, à partida não recusa, regista provisoriamente.

Segundo o artigo 69º, nº1, quando é que então deve ser recusado o registo?

 Quando for manifesto (quando for evidente) que o facto não está titulado nos
documentos apresentados: Imagine-se que a escritura pública faz referência ao imóvel
da Rua da Graça, e eu quero inscrever aquele registo no imóvel na Rua da Trafaria. Ou
então eu quero registar uma compra e venda e a escritura pública diz, por exemplo,
doação. Não posso, porque não corresponde.
 Quando se verifique que o facto constante do documento já está registado ou não está
sujeito a registo: Na primeira hipótese, obviamente que, se aquele facto já está
registado eu não o vou registar novamente. Na segunda hipótese, como sabemos, o
registo predial diz respeito a imóveis – se eu comprar um carro e for registar essa
aquisição ao registo predial, é evidente que o conservador não o vai fazer.
 Quando for manifesta (evidente) a nulidade do facto: Isto é muito interessante
porque, em relação a factos/negócios anuláveis, o conservador não pode recusar,
porque a invocação da anulabilidade não é de conhecimento oficioso, apenas pode ser
invocada pelas pessoas em quem a lei estabelecer isso. É diferente a nulidade porque
é de conhecimento oficioso – mas, mesmo a nulidade não é uma situação em que
possam haver dúvidas do conservador, porque trata-se de uma situação de inequívoca
nulidade, pois o legislador diz que é quando for manifesta a nulidade.
 Quando o registo já tiver sido lavrado como provisório por dúvidas e estas não se
mostrem removidas: Ou seja, quando já tiver sido feito o registo provisório por dúvidas
e depois as dúvidas não tenham sido sanadas no prazo que a lei estabelece – aí o
registo já não pode ser feito.
 Quando o preparo não tiver sido completado: Se não se pagar, não há registo.
Isto significa que, do que diz respeito aos critérios de qualificação, aqui o conservador está
vinculado no âmbito do chamado princípio da legalidade e no âmbito destas várias situações,
verificamos que o princípio da legalidade se pode decompor em dois critérios:

 A legalidade registal: É o que ele está em condições de a observar na totalidade. Ou


seja, é o cumprimento das regras aplicáveis ao registo – nomeadamente a verificação
do pacto sucessivo, a legitimidade das partes e outros, porque isso ele pode verificar
de acordo com os documentos que lhe fazem chegar.
 A legalidade substantiva do próprio negócio: Esta é mais difícil. Imagine-se que A tem
muitas dívidas de credores, sabe que não consegue pagar e que os credores vão
penhorar-lhe o património em breve – A vai então simular a venda de um imóvel a B,
para o tirar da sua esfera patrimonial e este não ser penhorado pelos credores. Isto é
um negócio simulado, que é nulo, mas o conservador não consegue aferir esta
simulação através da escritura pública.

Por isso é que se diz, que o conservador deverá, no âmbito do princípio da legalidade e dos
critérios de verificação, apreciar a legalidade registal (que tem condições para tal) e também a
legalidade substantiva (mas esta já é tanto quanto possível). Não podemos esquecer que
quando o legislador fala da nulidade nos casos de recusa de registo, ele fala de uma situação
de manifesta nulidade, onde não está prevista a simulação. Significa então que, quanto à
legalidade substantiva do próprio negócio, o conservador também a deve observar, mas
apenas na medida que ele consiga fazer com a análise dos documentos que lhe são
apresentados.

Para fazer esta qualificação, recorre-se aos documentos que são apresentados ao conservador
e não só: a apreciação da legalidade por parte do conservador é feita através da análise dos
documentos anteriores. Se os vícios não forem aparentes, o conservador mesmo que tenha
dúvidas quanto ao facto, não pode recusar: registará provisoriamente, mas não pode recusar o
registo – isso significa que, apesar de todas estas cautelas, não é possível afastar situações
onde é possível registar factos inválidos (o caso da simulação é muito evidente). O conservador
não é um juiz: aprecia a legalidade com os limites que acabámos de ver. Por isso é que, quando
lemos o artigo 69º sobre a recusa do registo, ela está muito bem limitada no nº1, e depois o
nº2 acrescenta que, além dos casos previstos no número anterior, o registo só pode ser
recusado se, por falta de elementos ou pela natureza do ato, não puder ser feito como
provisório por dúvidas – o legislador está aqui a dizer-nos que a recusa do registo é uma
exceção, porque se houver alguma incerteza, no limite regista provisoriamente, mas não
poderá recusar fora das situações do nº1 – essa é a regra.
feita a qualificação, ou seja, analisado o pedido que lhe está a ser apresentado, quais são as
opções que o conservador agora tem? Ele pode:

 Aceitar: Registar.
 Recusar: Nas situações limites do artigo 69º.
 Registar provisoriamente: Se não estiver em condições de recusar, mas entender que
também não está em condições de registar.

O registo provisório, por sua vez, pode acontecer em duas situações distintas:

 Registo provisório por natureza: É a própria lei que determina a natureza provisória do
registo.
 Registo provisório por duvida.

O registo provisório, como já vamos ver a seguir, consta dos artigos 73º e seguintes do CRP, e
está sujeito a um prazo – este prazo é um prazo de caducidade, o que significa que o prazo do
registo provisório é de 6 meses. Findo este prazo, pode acontecer uma destas três situações:

 Ou caduca.
 Ou converte-se em definitivo.
 Ou é renovado o prazo.

Qual é a grande vantagem do registo provisório, neste plano? Nós já percebemos que é muito
importante a cronologia dos factos/do registo. Ora, a vantagem do registo provisório é que, se
ele for convertido em definitivo, por força do artigo 6º, nº3, o registo convertido em definitivo
(mesmo que dúvidas) conserva a prioridade que tinha como provisório – ou seja, os efeitos
retroagem à data do pedido de registo provisório. Ou seja, pode haver situações em que existe
vantagem de registar provisoriamente, mesmo que por dúvidas. O conservador faz a
qualificação e entende que não está suficientemente esclarecido – não está em condições de
recursar nem de aceitar. Então o que é que faz? Regista provisoriamente – tem o prazo de 6
meses renovável, para sanar as dúvidas. Se porventura o conservador conseguir sanar as
dúvidas, este registo converte-se em definitivo, mas com que efeitos? À data da atribuição do
registo provisório, o que pode trazer muitas vantagens à pessoa, por causa do princípio da
prioridade (artigo 6º nº3 do CRP).

Quando é que o registo é provisório por natureza? Quando a lei diz que é provisório por
natureza. Está previsto no artigo 92º do CRP e trata-se de uma opção do legislador. Portanto, o
que o legislador vem aqui fazer é enumerar uma lista de factos bastante exaustiva, de registos
que são provisórios por natureza. Por exemplo, eu quero constituir um prédio em propriedade
horizontal, mas o prédio ainda não está construído – como é que eu constituo um prédio de
propriedade horizontal se ele ainda não está construído? Faço um registo provisório por
natureza, que será convertido em definitivo quando o prédio estiver construído – neste caso,
faz-se uma nova inscrição, que resulta na conversão em definitivo. Neste registo provisório por
natureza, a ideia é que ocorre quando os efeitos resultantes do facto que se regista ainda não
se produziram, mas seja previsível/espectável que se possam produzir – isto é uma opção do
legislador.

Quanto ao registo provisório por duvidas, é obviamente uma situação de incerteza: não se
trata de uma opção do legislador, mas sim de uma situação em que o legislador não está
esclarecido quanto à viabilidade do pedido, mas por outro lado não pode recusar – porque a
recusa é excecional. Significa que ele está numa situação de incerteza, não está
suficientemente esclarecido quanto ao facto que se está a registar, mas por outro lado a lei
não lhe permite que recuse o pedido, por não se enquadrar nas situações que vimos. Então o
que é que ele faz? Regista provisoriamente por dúvidas. E, aqui, já vimos que há um espaço o
conservador sanar as dúvidas: o legislador vai-se informar das dúvidas que tenha e convidar o
interessado a juntar os documentos que sejam necessários para sanar as dúvidas que foram
registadas. E, depois, das duas uma: ou as dúvidas são sanadas ou não são. Se são sanadas, o
registo provisório converte-se em definitivo; se não forem sanadas, o registo caduca, podendo
ainda haver a terceira opção, que é no fundo pedir a renovação do prazo.
Fechando então este parenteses, é importante, para se perceber a dinâmica do registo,
perceber a parte da publicidade.

Há aqui duas questões que devemos analisar. Nós já sabemos que o registo produz sempre
efeitos a dois níveis:

 Em relação ao público em geral (os chamados terceiros).


 Em relação ao sujeito que beneficia do registo.

Ou seja, quando se regista um determinado facto, esse registo vai produzir efeitos em relação
ao sujeito que dele vai beneficiar, mas também vai produzir efeitos em relação ao público em
geral.

Quando nós falamos dos efeitos do registo em relação a terceiros, o único efeito é o chamado
fé publica – fé pública em que sentido? No sentido da confiança – ou seja, o publico em geral
tem de ter confiança na informação que é dada no registo, porque senão ele não serve para
nada.

Para o sujeito que beneficia do registo, o cenário é diferente, porque o registo pode produzir
um destes quatro efeitos:

 Efeito enunciativo.
 Efeito constitutivo.
 Efeito consolidativo.
 Efeito atributivo.

Estes efeitos são alternativos e nunca cumulativos. Ou seja, o registo provoca efeitos
simultaneamente no sujeito que benéfica e em terceiros, mas em relação ao sujeito que
beneficia, o efeito é apenas um desses enunciados.

Quando nós falamos disto da fé-pública, nós já sabemos o que é que está aqui a consistir: tem
tudo a ver com a regra da oponibilidade. Nós já vimos que a oponibilidade tem como
pressuposto a publicidade, que por sua vez tem como pressuposto o registo. Quando se fala na
fé pública, colocam-se então fundamentalmente duas questões.

A primeira questão, que já vimos na aula passada, são as chamadas situações triangulares. O
outro conjunto de situações são as chamadas situações lineares. Para isto, é fundamental
relembrar o que é a situação triangular. A situação triangular é uma situação que hoje em dia é
muito rara de acontecer, porque o registo é obrigatório. É então a situação em que o A vende
a B, e não há o registo a favor de B – como não regista, significa que do ponto de vista registal
temos uma diferença entre duas realidades: a realidade substantiva e a realidade registal. E,
quando temos esta desconformidade, há um problema, porque é suposto que o registo
reproduza aquilo que efetivamente existe – e, portanto, a realidade substantiva deve estar a
coincidir com a realidade registal. E o que é que é a divergência entre uma e outra?
Substantivamente, conforme já sabemos, através deste contrato de compra e venda, do ponto
de vista substantivo, o direito deixou de estar na esfera jurídica de A, e está agora na esfera
jurídica de B. O problema é que, do ponto de vista registal parece que não é, parece que o
direito é do A, porque não está registado a favor de B. Neste sentido, o que é que vai
acontecer a seguir? A vai vender a C. E agora temos a tal desconformidade entre a realidade
substantiva (B é titular do Direito) e a realidade inscrita (C é o titular do direito). E agora temos
o problema de saber de quem é o bem, porque é verdade que B comprou, mas nós já sabemos
que o facto de existir o direito, por não ter existido publicidade, poderá agora colocar-se o
problema de inoponibilidade do direito àquele.

Situações Triangulares

B (compra + não regista)

A (vende)

C (compra + regista)

Situações Lineares:

A (vende) B (compra + regista) + (vende) C (compra + regista)

A situação linear supõe que um sujeito que é o A, que vende a B, que vende a C – nesta
situação não se corre nenhum problema devido à falta de registo, porque todos os factos
estão registados. O que é que acontece se, porventura, depois de C adquirir, um interessado
vem intentar em tribunal demonstrado que o negócio entre A e B foi simulado e pede que o se
declare a respetiva nulidade deste negócio. Qual é a consequência da declaração da nulidade
num determinado negócio? Que efeitos é que produz a declaração de nulidade de um
determinado negócio? Não existe a produção de efeitos – e o que é que tem de ser feito? Tem
de ser reposta a situação anterior. Ora, então antes de o negócio entre A e B, de quem é que
era o bem? Do A. Isto significa que, ao ser reposta a situação anterior, B perde a propriedade
do imóvel e A perde o dinheiro que ganhou com ele. Por outro lado, a declaração de nulidade
só produz efeitos retroativos. Então a invalidade do negócio entre A e B, não vai afetar agora
validade do negócio entre B e C? Sim, porque por força da declaração de nulidade do negócio
entre A e B e por força dos efeitos retroativos da nulidade, B nunca foi proprietário do bem e
não o podia ter vendido ao C. Logo, se a venda entre A e B é nula, a venda entre B e C também
é nula, por venda de bem alheio (artigo 892º do CC). E agora temos outro problema, porque
quando o C comprou, o que é ele devia ter feito do ponto de vista registal? Ver se o sujeito que
lhe está a vender é o proprietário do bem em causa. O problema é que agora à posteriori,
surge um facto que, embora diga respeito ao negócio entre A e B, vai ter consequências no
negócio entre B e C – o imóvel vai regressar ao A. E o que é que acontece ao C? Ele corre o
risco de ficar prejudicado por um facto que ele não conhecia (o vício), porque não estava
registado.

Isto no fundo, tem a ver com a tal fé pública. A fé pública está prevista no artigo 7º do CRP,
que estabelece uma presunção, ao dizer que o registo definitivo constitui presunção de que o
direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define – aqui
há a chamada fé pública registal, que se traduz na presunção de que o que está inscrito no
registo, corresponde à realidade/foi o que aconteceu, e o que não está inscrito não aconteceu.
A ideia é que exista uma coincidência entre a realidade substantiva e a realidade registal: ou
seja, o direito é daquele sujeito que benéfica do registo e não de outro qualquer. O problema é
que podem existir situações anómalas, em que isto não acontece. Neste sentido, o que é que
deverá prevalecer? À partida, deverá prevalecer a realidade substantiva, porque estaremos a
confrontar um direito com um não direito. Repare-se que, na situação triangular, o C não está
a adquirir nada, porque A não tem legitimidade para vender – C está a celebrar um negócio
nulo (venda de bem alheio); e na situação linear vai dar ao mesmo, com a declaração de
nulidade do negócio entre A e B (venda de bem alheio). Em ambas as situações, C não adquiriu
nada. E, neste sentido deverá prevalecer necessariamente a realidade material: na situação
triangular o bem é do B, e na situação linear o bem é do A (necessariamente). Só que esta
regra assim, acaba por fazer com que o registo seja, no fundo, subalternizado: aquela certeza
jurídica que é dada pelo registo fica altamente prejudicada, porque assim eu não tenho a
certeza que aquilo que o registo diz seja real. É por isso que por vezes não prevalece a
realidade material, mas sim a registal. Portanto, em regra, a realidade substantiva deve
prevalecer – é verdade que o sujeito vai ter muito trabalho, porque vai ter de propor uma ação
de reivindicação, vai ter de demonstrar que adquiriu e pagou, etc., mas, no limite, a realidade
marerial vai prevalecer. Porque? Porque a presunção do artigo 7º não cede em caso de dúvida
(aqui já não estamos no caso do registo provisório por dúvida) – só cede perante a prova do
contrário. Em alguns casos, vai mesmo prevalecer a realidade registal, através da situação que
ocorre quando o registo tem o tal efeito atributivo.

Neste sentido, o que é que importa ainda ter em conta, a propósito da fé pública registal? Os
dois sentidos da fé pública:

 Sentido negativo: Está presente na chamada triangular. Assenta no princípio da


compleição do registo, ou seja, de que o registo está completo – não falta lá nada.
Presume-se que todos os factos que deviam ter sido registados, foram efetivamente
registados. Ou seja, através da análise da situação triangular, vemos que esta
presunção não se confirma, porque há um facto que devia ter sido registado e não foi.
Mas, a presunção presume que foi registado, e não que não foi registado
 Sentido positivo: Está presente na situação linear. Assenta no princípio da exatidão,
onde se presume que os factos inscritos no registo realmente sucederam porque são
válidos – é evidente que esta presunção também não funciona na situação linear que
vimos. Mas, mais uma vez, presume-se a validade. Quem quiser invocar a sua
invalidade, tem de ir a tribunal demonstrar o contrário.

Portanto, no primeiro caso, resulta o princípio de que, o que não está registado não aconteceu
– neste sentido, B pode perfeitamente presumir que o bem é do A, porque é ele que o tem
inscrito. No segundo caso, presume-se que tudo o que está registado é válido e eficaz, mesmo
que não seja – o que permite que C possa presumir que o bem é do B. Em ambos os casos, o
sujeito pode beneficiar desta presunção, que é ilidida com a prova do contrário.

No que diz respeito então aos efeitos do registo, para o sujeito que dele beneficia, são quatro
e são alternativos (não são cumulativos). Dois deles são muito fáceis, e os outros dois dão mais
trabalho.

Qual é que é a finalidade do registo? Publicitar – mas o registo não é a única forma de
publicitar factos, porque a publicidade pode também ser espontânea. Portanto, diz-se que o
registo tem efeito enunciativo quando se regista um facto que já do conhecimento público. Por
exemplo, temos duas estradas e dois prédios, e B (proprietário de um dos prédios), tem
interesse em aceder a uma das estradas, para a qual tem de passar pelo terreno do A
(proprietário do outro prédio) – B vai acordar com A a constituição de uma servidão de
passagem, mas não registam. Em todo o caso, no terreno do A há um caminho – quem olha
para lá concluí que é um caminho. É preciso que exista um registo deste contrato, para se
tornar pública a existência da servidão? É que a servidão esta lá – é aparente, porque se revela
por sinais visíveis. É verdade que a constituição da servidão devia ser registada, mas se não for
não há problema nenhum, porque este facto já é público. Se o contrato daquela certidão for
registado está certo, mas o registo, do ponto de vista da publicidade, não lhe acrescentou
nada: diz-se que o registo tem efeito meramente enunciativo. Ou seja, o registo com efeito
enunciativo, só acontece nas situações previstas na lei (artigo 5º, nº2 do CRP) e verifica-se
quando se regista um facto já é público – não acrescenta nada.

Por fim, quando é que o registo tem efeito constitutivo? É uma claríssima exceção à regra.
Nestes quatro efeitos, a regra é o efeito consolidativo: por via de regra, o registo tem efeito
consolidativo. Só assim não será quando a lei disser que é enunciativo ou constitutivo. O
registo tem efeito constitutivo quando o registo seja um elemento indispensável para a
produção de todos os efeitos do facto – ou seja, enquanto aquele facto não está registado, não
produz efeitos nenhuns. Portanto, a produção dos efeitos não depende da celebração do
contrato como em regra, mas sim do registo do facto – e, por isso, enquanto o registo não for
feito, o facto não produz nenhuns efeitos. Só há um exemplo disto no CRP: o registo de
constituição de hipoteca.

O artigo 687º do CC diz que a hipoteca deve ser registada, sob pena de não produzir efeitos,
mesmo em relação às partes – portanto, ou a hipoteca está registada e produz efeitos, ou não
está e não produz efeitos nenhuns, nem em relação à partes.

28 SETEMBRO – PRÁTICA
Oponibilidade erga omnes. Fé pública registal. Hipótese prática.

Já tínhamos falado de dois dos efeitos do registo: já tínhamos falado do efeito enunciativo e do
efeito consolidativo – são dois efeitos regra do registo. Sinteticamente, diz-se que o registo
tem efeito enunciativo quando está no fundo a publicitar algo que já é publico por outra
natureza – o facto já é público, nomeadamente no âmbito da publicidade espontânea e,
portanto, do ponto de vista da publicidade, o registo não acrescenta nada, na medida em que
o registo visa tornar pública as situações jurídicas dos imóveis. O efeito enunciativo do registo
consta do artigo 5º, nº2 do CRP – é uma das normas mais importantes desta matéria, porque
consagra o efeito regra (efeito consolidativo) e o efeito exceção (efeito enunciativo). O efeito
consolidativo está previsto no artigo 5º, nº1 e tem a ver com a oponibilidade a terceiros,
quando se diz que os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da
data do respetivo registo – isto significa que, enquanto não estiver registado, é oponível entre
as partes, mas não é oponível a terceiros. Significa que o direito existe, mas não está
consolidado para com terceiros. Ora, sendo esta a regra, no nº2 estão compostas 3 exceções:
no fundo o que se está aqui a querer dizer é que, apesar de não estarem registado, os factos
constantes nestas alíneas produzem efeitos contra terceiros – ou seja, a eficácia dos factos
para com terceiros, não depende de registo, ao contrário do que sucede na regra geral do nº1.

O efeito constitutivo é outro efeito regra, e diz-nos que, enquanto o facto não está registado,
ele não produz todos os seus efeitos – ou seja, a produção de efeitos do facto não decorre do
facto, mas sim do registo desse facto. E, portanto, enquanto não há registo, não produz
efeitos, nem sequer entre as próprias partes – aqui está a diferença entre o efeito
consolidativo e constitutivo, porque quando o registo tem efeito consolidativo, não produz
efeitos contra terceiros, mas produz efeitos entre as próprias partes; quando o registo tem
efeito constitutivo, não produz nem efeitos contra terceiros, nem sequer contra as partes. Ou
o facto está registado e produz os seus efeitos contra todos, ou não está registado e não
produz efeitos contra ninguém. Resumindo, o efeito constitutivo só ocorre nos casos previstos
na lei e ocorre quando o registo seja um elemento indispensável para a produção de todos os
efeitos do facto sujeito a registo – ou seja, enquanto o registo não for feito, o facto não produz
quaisquer efeitos. A constituição de hipoteca está prevista no artigo 687º do CC e no artigo 4º,
nº2 do CRP – nos termos do artigo 687º do CC, diz-se que a hipoteca deve ser regista, sob pena
de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes – repare-se que o artigo diz que não
produz efeitos em relação a ninguém; no artigo 4º, nº2 do CRP a regra é que dos factos que
podem ser invocados entre as partes, ainda que não registados, excetuam-se os factos
constitutivos de hipoteca cuja eficácia, entre as próprias partes, depende da realização do
registo. Ora, não há nenhuma dúvida que, no CRP, o efeito constitutivo está reservado à
hipoteca, nos termos do nº2 do artigo 4º, mas também é verdade que, a propósito do contrato
promessa, quando ele tenha eficácia real, significa que depende do registo, assim como o
pacto de preferência para ter também eficácia real – portanto pode-se entender que também
aqui o registo tem efeito constitutivo, ou seja, ou o pacto está registado e é oponível a
terceiros ou não está e não é (só tem efeitos obrigacionais).

Porque é que é muito importante percebermos a diferença entre estes efeitos? Porque em
qualquer caso prático que envolva o registo predial, vai ser necessária a averiguação destes
efeitos.

Portanto, o efeito consolidativo, do qual temos vindo a falar, está previsto no artigo 5º, nº1 e é
o efeito regra do registo. Portanto, a não ser que a lei atribua o efeito constitutivo nos termos
do artigo 4º, nº2, ou o efeito enunciativo nos termos do artigo 5º, nº2, o efeito é consolidativo.
No fundo o que é que se está aqui a querer dizer? Que a produção dos efeitos do facto não
está dependente do registo – basta que o facto jurídico tenha sido celebrado validamente para
ter os seus efeitos próprios, nomeadamente no que diz respeito aos efeitos reais. A
transmissão do direito real produz-se por mero efeito do contrato – a falta de registo não afeta
a produção dos efeitos do facto, ao contrário do que sucede quando o registo tem efeito
constitutivo. Então a falta de registo releva apenas em que sentido? No sentido de aquele
facto não produzir efeitos em relação a terceiros – é o que diz o artigo 5º, nº1 do CRP.
Portanto, o efeito consolidativo é o efeito normal do registo, e é então a regra que só cede
perante as exceções que nós já vimos. Como acabámos de dizer, o registo não é condição da
aquisição do direito (o direito constitui-se por mero efeito do contrato), é apenas um requisito
de eficácia relativa – eficácia relativa porque? Porque é evidente que, conforme acabámos de
ver, no efeito consolidativo a ausência de registo não prejudica o efeito entre as partes, mas
sim o efeito perante terceiros, e por isso é que se fala numa eficácia relativa. Neste sentido,
recapitulando, o registo é indiferente para que o facto registável produza os seus efeitos
próprios – o direito constitui-se, transmite-se e extingue-se normalmente. O problema é a
produção destes efeitos para com terceiros, porque o facto produz os efeitos típicos seja
objeto de registo ou não, porém, se não for registado, o facto não é oponível a terceiros que
posteriormente adquiram direitos total ou parcialmente incompatíveis.

De que é que estamos a falar, quando falamos em terceiros? Durante muito tempo, o CRP
tinha o nº1 do artigo 5º, mas não estabelecia o conceito de terceiro, não dizia o que era. Há
um conceito de direito das obrigações que nos diz que terceiro é quem não é parte – a questão
que se coloca é saber se o terceiro, para efeito de registo, é coincidente: será terceiro quem
não é parte? Mais à frente voltaremos a ver este problema. Para já, temos o problema
resolvido, porque agora o código dá um conceito de terceiro, mas usa uma formulação que
não é facilmente entendida sem conhecermos a introdução do conceito, nomeadamente
através de dois acórdãos de uniformização de jurisprudência é que saíram praticamente
sucessivos, e dos quais falaremos mais tarde. Para já, partimos da ideia do artigo 5°, n°4: quem
é que são então terceiros para efeito de registo? Repare-se que o conceito não é igual ao do
de direito das obrigações. Segundo o artigo 5°, terceiro são aqueles que tenham adquirido de
um autor como direitos incompatíveis entre si – ou seja, que situação está aqui a retratada
neste artigo? Está aqui retratado a fé pública, no sentido negativo. Ou seja, trata-se da
chamadas situações triangulares: A vende a B, não regista e A vende depois a C e regista - E
porque é que C é terceiro em relação a B? Porque a partir de um autor comum, que é A,
adquiriu direitos incompatíveis. Ou seja, qual é que é o direito é compatível? O direito de
propriedade supostamente adquirido por C é incompatível com o direito de propriedade
adquirido por B. Portanto, nesta hipótese, C seria terceiro porque a partir de um autor comum,
que é A, adquiriu direitos incompatíveis com o sujeito que celebrou negócio, mas não registou.
E, como não registou, nos termos do n°1 do artigo 5° do CRP, não vai poder opor o seu direito
a terceiros. E, nesta formulação, a lógica seria esta: é verdade que quem compra bem é o B,
porque comprou a quem era proprietário na altura – e, portanto, não há dúvida que por força
da celebração do contrato transmite-se a propriedade de A para B (já vimos que a aquisição do
direito não está dependente de registo). Qual é o problema? Não registou – como não
registou, significa que não vai poder opor o seu direito a terceiros. Se não surgir nenhum
terceiro, não há problema nenhum – ou seja, se o A não voltar a vender, o problema está
resolvido. O problema é, e se A, autor comum, causar uma situação de incompatibilidade, o
que é que prevalece? Prevalece a posição do B o prevalece a posição do C? Aparentemente,
resolve-se dando preferência ou C, porque ele pode opor o seu direito ou B.

Mas, para isto fazer sentido, falta-nos ver o último efeito: o efeito atributivo. Quando é que o
registo tem feito atributivo? O registo tem feito atributivo quando diz respeito a um fator
juridicamente inexistente ou inválido (artigo 291°) – ou seja, há um determinado facto
inválido, porém, esse facto e válido é registado. Quando nós vimos a propósito do princípio da
legalidade, vimos que o conservador tem o dever de apreciar a validade do negócio que foi
celebrado, mas também vimos que essa apreciação só se faz exclusivamente através dos
documentos – e pode dar-se o caso de o conservador não se aperceber que é um negócio
inválido. O ponto de partida do efeito atributivo e a existência de um facto, que é registado —
aqui, entramos no sentido positivo da fé pública. O sentido da fé pública, como nós já vimos,
tem um sentido negativo que pressupõe a compleição, ou seja, presume-se que todos os
factos que deviam ter sido registados foram efetivamente registado; mas, também tem um
sentido positivo, que nos diz que presume-se que todos os factos que estão registados
ocorreram e são válidos, mas pode se dar o caso de não serem (nomeadamente quando se
regista um facto inválido). Dada a inexistência ou invalidade do facto, o registo em princípio
não produz efeitos — ou seja, dada a inexistência ou invalidade do facto, o facto, em princípio,
não produz efeitos. E não produz efeitos porque? Porque é inválido. Mas, em determinadas
situações, vamos ver que o registo desse facto inválido pode ser relevante. E, nas situações em
que é relevante, então não é o facto de inválido que atribui o direito, é o registo desse facto.

CASO PRÁTICO 2:
Em 01/02/2015, António vendeu a Bento, por escritura pública o imóvel x de que era
proprietário. O contrato foi registado no mesmo dia.

Em 01/06/2019 foi proposta ação judicial destinada a declarar nulo o contrato celebrado. A
ação foi registada no mesmo dia.

Em 10/09/2020, o tribunal declarou nulo o contrato de compra e venda celebrado entre


António e Bento.

Quid júris?

Resolução:
O imóvel é do António, porque o contrato compra e venda entre ele e Bento foi declarado
nulo, e essa declaração de nulidade tem efeitos retroativos.

Segundo o artigo 289º do CC tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm
efeitos retroativos, devendo ser restituído todo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em
espécie não for possível, o valor correspondente. Ou seja, o António tem de restituir a Bento o
preço, e o Bento tem de restituir a António o imóvel.

CASO PRÁTICO 3:
Em 01/02/2015, António vendeu a Bento, por contrato reduzido a escrito, um quadro de Van
Gogh, de que era proprietário.

Em 01/06/2019 foi proposta ação judicial destinada a declarar nulo o contrato celebrado entre
António e Bento.

Em 10/09/2020, o tribunal declarou nulo o contrato de compra e venda celebrado entre


António e Bento.

Quid juris?

Resolução:
O quadro é do António – em termos legais, a resposta é igual à anterior: Segundo o artigo 289º
do CC tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeitos retroativos,
devendo ser restituído todo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for
possível, o valor correspondente. Ou seja, o António tem de restituir a Bento o preço, e o Bento
tem de restituir a António o imóvel.

Vamos agora complicar um pouco a questão com o próximo caso.

CASO PRÁTICO 4:
Em 01/02/2015, António vendeu a Bento, por contrato reduzido a escrito, um quadro de Van
Gogh, de que era proprietário.

Em 01/03/2015 Bento vendeu a Carlos, por contrato reduzido a escrito, o referido Van Gogh.

Em 01/06/2019 foi proposta ação judicial destinada a declarar nulo o contrato celebrado entre
António e Bento.

Em 10/09/2020, o tribunal declarou nulo o contrato de compra e venda celebrado entre


António e Bento.

Quid juris?

Resolução:
O quadro é de António, porque se a venda entre António e Bento é nula, a venda entre Bento
e Carlos também é nula – o quadro regressa a António, António restitui o dinheiro a Bento e
Bento restitui o dinheiro a Carlos.

Vamos agora pegar na mesma hipótese, mas deixa de ser um quadro e passa a ser um imóvel.

CASO PRÁTICO 5:
Em 01/02/2015, António vendeu a Bento, por escritura pública o imóvel x de que era
proprietário. O contrato foi registado no mesmo dia.

Em 01/03/2015 Bento vendeu a Carlos, por escritura pública, o referido imóvel. O contrato foi
registado no mesmo dia.

Em 01/06/2019 foi proposta ação judicial destinada a declarar nulo o contrato celebrado entre
António e Bento. A ação foi registada no mesmo dia.

Em 10/09/2020, o tribunal declarou nulo o contrato de compra e venda celebrado entre


António e Bento.

Quid juris?

Resolução:
O imóvel é de Carlos, mas porque? Artigo 291º do CC, consagra o efeito atributivo do registo.
Então, se António vende a Bento e regista, e Bento vende a Carlos e regista, se o tribunal
declarar nula a venda de António a Bento, a venda de Bento a Carlos é venda nula também ou
válida? É inválida, porque é venda de bem alheio (tal como na hipótese anterior).

A única diferença entre esta hipótese e a anterior, é que agora temos aqui algo que não
tínhamos na anterior: o registo.
A questão aqui é, se o negócio entre Bento e Carlos é nulo, significa que Carlos não adquire
nenhum direito com o contrato, porque o contrato é nulo. Aqui temos a funcionar o efeito
atributivo do registo – ou seja, através do efeito atributivo do registo, o que é que se vai
verificar? Vai-se verificar que está a ser-se registado um facto inválido: se a venda a Carlos é
nula, então Carlos não adquire nenhum direito por força do contrato. Para fazer prevalecer a
sua situação, é apenas pelo registo – o efeito atributivo atribui ao Carlos um direito que, por
força do contrato, ele não o adquiriu.

Vamos agora ver a hipótese seguinte, que é exatamente igual, e só muda as datas.

CASO PRÁTICO 6:
Em 01/02/2015, António vendeu a Bento, por escritura pública o imóvel x de que era
proprietário. O contrato foi devidamente registado no mesmo dia.

Em 01/03/2015 Bento vendeu a Carlos, por escritura pública, o referido imóvel. O contrato foi
registado no mesmo dia.

Em 01/06/2017 foi proposta ação judicial destinada a declarar nulo o contrato celebrado entre
António e Bento. A ação foi registada no mesmo dia.

Em 10/09/2020, o tribunal declarou nulo o contrato de compra e venda celebrado entre


António e Bento.

Quid juris?

Resolução:
A regra que começamos a ver é a regra do artigo 289º do CC, que nos diz que sendo declarado
nulo, tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo,
devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for
possível, o valor correspondente – este artigo aplica-se em todas as situações, sejam elas
triangulares ou lineares, com algumas exceções. Onde é que o regime do artigo 289º do CC
não é aplicado? Não é aplicado sempre que os factos digam respeito a imóveis ou a móveis
sujeitos a registo – ou seja, o artigo 291º do CC vai constituir uma exceção à regra geral do
artigo 291º. Porque é que existe este artigo? O artigo 291º existe por causa do registo – isto
significa que, qualquer negócio que não diga respeito a bens sujeitos a registo, aplica-se o
artigo 291º; se disser respeito a bens sujeitos a registo, já se aplica o artigo 289º. Mas, para
irmos para o artigo 291º, tem de haver sempre um subadquirente, um terceiro sujeito.

Estamos então no âmbito do sentido positivo da fé pública, que parte do princípio que todos
os factos registados são válidos e eficazes (mas podem não ser).

Diz-nos então o artigo 291º, nº1, que se opõe ao artigo 289º que a declaração de nulidade ou
a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não
prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé,
se o registo da aquisição for anterior ao registo da ação de nulidade ou anulação ou ao registo
do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio. Quando Carlos adquire
(01/03/2015), ainda não tinha sido registada a ação judicial (01/06/2019), logo ele está
protegido, porque nessa altura ainda não sabia da existência da ação – se a ação já estivesse
registada quando ele adquiriu, ele aí já não podia invocar o desconhecimento. Isto é
importante, porque um dos requisitos do artigo 291º é que o registo da aquisição seja anterior
ao registo da ação de nulidade.

Ou seja, de acordo com esta hipótese, os requisitos do funcionamento do efeito atributivo,


segundo o artigo 291º, nº1 do CC são os seguintes:

1. O bem tem de ter sido adquirido por Carlos a título oneroso (a doação já não
preenchia este requisito).
2. Carlos tem de estar de boa fé – o que é isto de boa fé? O nº3 do artigo 291º do CC diz-
nos que é considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição
desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável. Ou seja, o C não tinha
nenhuma ideia que o negócio entre António e Bento era nulo – não estava sequer
registada no momento em que adquiriu.
3. O registo da aquisição tem de ser anterior ao registo da ação de nulidade.

Nesse sentido, não há nenhuma dúvida que não resulta nenhum indício de que Carlos tenha
tido má fé, tanto nesta hipótese como na outra. Mas, existe uma diferença entre esta hipótese
e a anterior – para isso, temos de analisar o nº2 do artigo 291º do CC.

O nº2 do artigo 291º do CC introduz-nos ainda um quarto requisito, ao dizer que os direitos de
terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a ação for proposta e registada dentro dos três
anos posteriores à conclusão do negócio – deve-se perguntar qual é o negócio que este nº2
fala: o primeiro negócio (entre António e Bento) ou o segundo negócio (entre Bento e Carlos)?
Há alguma divergência neste tema, mas no entendimento do Professor é que é obviamente do
segundo negócio (Bento e Carlos), porque enquanto o segundo negócio não aparecer, não
existe terceiro.

Quanto a este requisito, Carlos cumpre os três anos nas duas hipóteses (5 e 6)? É verdade que
a ação quando entrou, entrou depois da compra. Neste caso prático, a ação entrou 2 anos
depois da compra; no caso prático anterior, a ação entrou 4 anos depois da compra.

Sendo assim, de quem é o imóvel na hipótese anterior? De Carlos E nesta hipótese? De


António.

O que é que estamos aqui a ver funcionar? O efeito atributivo do registo. Repare-se que Carlos
não adquire nada porque o negócio é nulo. Carlos poderá fazer valer a sua posição apenas
porque registou. De resto, o artigo 291º do CC exige o registo do negócio – se Carlos não
registar o imóvel é de António, porque é o registo que atribuí o direito.

Portanto, quando é que surge o efeito atributivo do registo? Surge nas situações lineares, a
propósito do sentido positivo da fé público. No confronto entre um e outro, prevalece sempre
o direito, exceto nas situações do artigo 291º, nº1 e nº2 – ou seja, os quatro requisitos que
vimos anteriormente.
Voltando agora à questão do conceito de terceiro, a redação original do CRP, no artigo 5º,
tinha a mesma construção, mas não tinha nem o nº4, nem o nº5. Ora, o nº4 vem esclarecer
agora quem são os terceiros.

28 SETEMBRO – OT
Oponibilidade erga omnes. Fé pública registal. Hipótese prática.

A fé pública registal dá origem à situação triangular e à situação linear. A situação triangular


assenta na ideia da compleitude do registo – no sentido negativo do registo: não ficou nenhum
facto por registar; as situações lineares fazem apelo ao princípio da exatidão do registo: tudo o
que se está a registado é válido.

A questão agora é: vamos regressar às situações triangulares no artigo 5º do CRP. O nº1 do


artigo 5º, diz-nos que os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois
da data do respetivo registo; o nº4 diz-nos que terceiros, para efeitos de registo, são aqueles
que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.

Uma pequena referência histórica a isto: conforme já vimos, na versão original o Código do
registo predial não definia terceiros. Não havia problema, porque desde cedo se entendeu e
sempre se adotou a chamada conceção tradicional de terceiro, que estabelecia
fundamentalmente a ideia da chamada conceção restrita de terceiro. O que é isto da conceção
restrita? Terceiros são apenas as pessoas que, relativamente a determinado ato, adquirirem
do mesmo autor ou transmitente, direitos total ou parcialmente incompatíveis (atenção que
isto não é uma definição legal, porque não existia). Nas situações lineares o que existe é um
subadquirente do primeiro adquirente (A — B — C). A incompatibilidade não precisa de ser
total – pode ser parcial. E temos, portanto, aqui, esta palavra-chave que é a aquisição: significa
então que tem que haver vontade do causante comum na situação. Deste modo, se
porventura eu tenho o A que vende a B e B não regista. Pelo simples facto de A ter vendido a
B, de quem é o bem agora? Do B – mas, do ponto de vista registal, está na esfera jurídica de
quem? Do A. Vamos pressupor que vem C (credor de A) e nomeia o bem à penhora — a
pergunta que agora se coloca é: será que o C é terceiro face a B? Nesta conceção, C não é
terceiro, porque esta incompatibilidade não teve um autor comum – neste caso, A não
contribuiu nada para a situação. Nesta conceção, é preciso que relativamente a determinado
ato de alienação, um determinado sujeito adquirir do mesmo autor direitos total ou
parcialmente incompatíveis — é o que acontecia se A vendesse a B, B não registasse, e depois
A vendia a C e C registasse (aqui C já seria terceiro).

Isto não tinha consagração legal, mas era o entendimento aceite, e aceite durante muitos
anos, até que em 1997 surge um acórdão – obviamente era aceite, mas havia acórdãos
divergentes. Como já sabemos, quando o Supremo, sobre a mesma questão de fundo, profere
acórdãos juridicamente diferentes um do outro, é possível recorrer para o pleno supremo,
para o chamado Acórdão de Uniformização da Jurisprudência. Este acórdão uniformizador
revolucionou tudo: porque? A situação colocou-se precisamente num caso como este: em que
C tinha o bem do A, que já não era do A porque tinha sido vendido a B, mas como não tinha
havido registo continuava a ser do A — no âmbito da execução, B vem deduzir embargos de
terceiros, dizendo que o bem não podia ser penhorado porque era dele, embora não o tivesse
registado, tinha a escritura pública. Na conceção restrita, não há nenhuma dúvida que C não
era terceiro, e, portanto, na conceção restrita prevalecia a posição do B.

O que é que este acórdão vem então dizer? Este acórdão vem alargar o conceito de terceiro, e
vem dizer que: terceiros, para efeitos de registo, são todos os que, tendo obtido registo de um
direito sobre determinado facto (C nomeou o bem à penhora e registou), veriam esse direito
ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente.
Qual é que era o facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente? A venda
de A a B. E, portanto, neste acordam e com esta solução, no confronto entre B e C, vai
prevalecer C. Porquê? Porque o C é protegido pela conceção ampla — Ou seja, nesta
conceção, terceiro já não são apenas aqueles que adquirem de um autor comum, porque de
facto C não está a adquirir nada do autor comum, ele está apenas a nomear um bem à
penhora.

O acórdão tem uma justificação muito sintetizada: o conceito de terceiro tem de ser alargado,
de modo a abranger outras situações que não somente a dupla transmissão do mesmo direito.
Para além disso, o conceito amplo de terceiro, salvaguarda melhor os fins do registo e a
eficácia dos atos sujeitos a registo. Na verdade, do ponto de vista da salvaguarda dos fins do
registo, aparentemente esta conceção é melhor, precisamente porque a largar o conceito,
significa que o facto anterior, por não ter sido registado, não é oponível a ninguém, nem
aqueles que adquirem, nem a quaisquer outros.

Por outro lado, também tinha críticas, porque esta solução levava a que o credor so A se
fizesse pagar através do património de B, porque o bem é do B e não do A — o C é credor do A,
mas nomeia à execução o património do B, para se fazer pagar. Temos então o património do
B, que não é credor do C, a responder pela dívida do A, o que gera de facto aqui alguma
confusão. É uma das principais críticas: o pagamento do crédito do exequente C, acaba por ser
feito através da alienação de bens (venda executiva) que, não sendo do devedor, não
constituem a garantia comum do crédito daquele.

Dois anos depois, surge um novo acordam de uniformização da jurisprudência (Acórdão 3 de


1999), que vem repor o conceito restrito de terceiro, introduzindo um conceito que o outro
não tinha, pelo menos forma tão explícita. Portanto, o acórdão uniformizador 3 de 1999,
regressa ao conceito restrito de terceiro: terceiros, para efeitos do disposto no artigo 5°, são os
adquirentes de boa fé (introduz a boa fé, que não estava expressa, mas obviamente estava
implícita) do mesmo transmitente comum de direito incompatíveis sobre a mesma coisa — ou
seja, a partir deste acórdão uniformizador, o C, que no acórdão anterior era terceiro, deixava
de ser.

Qual é que é a justificação do acórdão? Mais uma vez, uma justificação que faz sentido: o que
transfere a titularidade de um bem não é o registo, mas sim o contrato. A ausência de registo
só releva verdadeiramente do ponto de vista substantivo, quando o registo tem efeito
constitutivo, que é uma exceção. Não tendo o registo efeito constitutivo, o que releva
relativamente ao direito substantivo é o próprio negócio, e não o registo do negócio — é por
isso que, o que transfere a titularidade do bem não é o registo, mas sim o contrato. Em
consequência de o registo não ser constitutivo, pode dar-se o caso de o titular escrito já não
ser o titular do direito. Portanto, retoma o conceito tradicional de terceiro, introduzindo a boa
fé subjetiva, como requisito expresso, ainda que implicitamente.

Após o acórdão uniformizador 3 de 1999, o que é que então surge? Surge que a norma do
artigo quinto, n°4, ainda no mesmo ano — o legislador até podia ter adotado a solução do
acórdão 3 de 1999, mas não foi por aí e introduziu algumas distorções: aparentemente, volta a
consagrar o conceito restrito de terceiro, mas na medida em que não usa a expressão
“transmitente”, mas sim “autor comum”, o que poderá levantar algumas dúvidas.

Então, sabemos que o conceito de terceiro só surge inserido no âmbito do efeito negativo da
fé pública, ou seja, nas situações triangulares — define terceiro, mas não estabelece os
requisitos de que depende a respetiva proteção.

A pergunta agora é: Aparentemente, quando adotamos o conceito restrito (e mesmo amplo)


nenhuma dúvida existe que se o A transmite a B (este facto não está registado), e se a seguir
transmite a C (C regista), quer na conceção amplo quer na conceção restrita, C é terceiro. Se C
é terceiro, temos aqui um problema: B adquiriu bem a partir de A e C adquire mal do A (venda
de bem alheio), mas na medida em que B não registou e surgindo um terceiro, o que é que vai
acontecer? Nos termos do artigo 5°, n°1, B não vai conseguir opor este seu direito ao C.
Portanto, no confronto entre B e C prevalecerá C, porque na verdade B não registou e não
consegue opor a terceiros.

Se B está a comprar bem e C está a comprar mal (venda nula), porque é que ainda assim
parece que está a prevalecer a posição de C? Qual é a lógica que está subjacente à construção
do artigo 5°, n°1 e n°2? A fé pública registal — ou seja, o C será apenas protegido porque
confiou na informação do registo, que dizia que o a era o proprietário daquele bem. A fé
pública não faz presumir que o direito de propriedade existe e pertence a A? Sim. Parece
então que, a luz da fé pública registal, faz sentido prevalecer o C, porque senão, o registo não
serve para nada.

Vamos agora supor o seguinte: o A vende a B e B não registou, e o A sabe que não registou. A
combina com C vender-lhe o bem porque o B não registou e C aceita, compra e regista. Do
ponto de vista da posição do C, o que é que mudou? Agora o C sabe, e está agora de má fé - se
está de má fé não faz sentido ser protegido. Mas onde é que o artigo 5°, n°4 fala do requisito
da boa fé? Não está.

Então suponha-se que o A vendeu um imóvel ao B, e o B não registou, e mais tarde o A vai
doar esse imóvel ao C. A doação também transmite direitos. Quem é que fará mais sentido
proteger? O que comprou bem e pagou em dinheiro ou o que recebeu sem pagar? O que
pagou. Então mas onde é que está o caráter oneroso como requisito, no artigo 5°, n°4? Não
está.

O entendimento que fará mais sentido, mas que não é pacífico, é o seguinte: o artigo 5°, n°4
define terceiro, mas não define os requisitos que o terceiro tem de observar para ser
protegido. O artigo só diz, é terceiro. Basta então ser terceiro para ser protegido? Ou é
necessário observar certas condições? Estes requisitos existem no artigo 291°, que trata de
uma situação idêntica, ainda que configurada de forma diferente. Portanto, o que se entende
é que o artigo 5° define terceiros — à luz da conceção ampla e restrita, C será sempre terceiro
neste caso. Mas, uma coisa é ser terceiro, outra coisa é saber quais são os requisitos que se
tem de observar para proteger a sua posição. E, por isso, os requisitos são os que se
encontram no artigo 291° — uma vez que não os encontramos no artigo 5°, temos de nos
procurar numa norma que prevê uma situação idêntica, ainda que configurada de forma
diferente: é a norma do artigo 291°. Portanto, no confronto entre o terceiro do artigo 5°, n°4 e
o sujeito que adquire pela primeira vez, prevalecerá a situação do terceiro, se ele cumprir os
requisitos do artigo 291°.

Sintetizando: Qual é a posição adotada no sentido negativo? As situações de sentido negativo


(as situações triangulares) devem ser resolvidas de acordo com os critérios aplicáveis ao
sentido positivo. A situação do terceiro é igual nas situações lineares e triangulares — está
sempre a adquirir a partir de um negócio nulo, cuja causa de nulidade é a falta de legitimidade
do transmitente.

No CRP fala-se, a propósito do artigo 16° do CRP, na chamada nulidade do registo. não se pode
confundir a nulidade do registo, com a nulidade do facto registado — ou seja, se A vende a B
(que não regista), e depois A vende a C (que regista) — que é nulo é o negócio entre A e C
(venda de bem alheio) e não o registo de C. Porque? Porque o registo só é nulo nas situações
do artigo 16°, e em nenhuma delas está prevista a hipótese desta situação. Para resolver esta
questão, o artigo 17º CRP, aproxima-se da solução do artigo 291º do CC, mas é apenas
aparente – há aqui uma formulação parecida, mas não é igual, porque num lado fala-se da
nulidade do negócio e no outro na nulidade do registo, e por outro lado, num lado exige-se o
prazo dos 3 anos, e no outro não.
29 SETEMBRO – TEÓRICA
Parte II - Parte Especial: A titularidade efetiva. Capítulo I – Propriedade. I) Regime Geral. 1. Conteúdo do direito
de propriedade. 2. O direito de propriedade como direito constitucionalizado. 3. O direito de propriedade como
matriz dos restantes direitos sobre coisas. 4. Caracteres típicos. 5. Objeto. Coisas corpóreas e incorpóreas.

Antes de entrarmos no direito de propriedade, vamos então concluir a parte do registo


predial, precisamente analisando duas normas que, aparentemente e numa primeira leitura,
são muito parecidas, parecem regular a mesma situação, mas não é verdade porque regulam
situações muito diferentes. Que normas são essas? São precisamente a norma do artigo 17º do
CRP, confrontada com a norma do 291º do CRP. Existem várias interpretações sobre a forma
como estas normas se articulam, mas segundo o Professor uma delas é tao absurda que não
vale a pena perder muito tempo com ela.

Então qual é a questão que se coloca no âmbito do artigo 291º do CC e depois também no
âmbito do artigo 17º do CRP? Vimos na aula passada que ao artigo 291º trata do efeito
atributivo do registo – ou seja, este artigo está no fundo concebido para a chamada situação
linear, ou seja, a situação da dupla venda. E trata de tutelar a posição do subadquirente, que
celebra o negócio jurídico, sem saber que o negócio jurídico anterior padece de um vício: não
está registado.
Por exemplo, A vende a B, e B vende a C – todos os factos foram registados. Na aula passada,
vimos que, perante a situação da invalidade do negócio entre A e B, se ele for declarado nulo,
essa invalidade vai entrar também no negócio de B e C (venda de bem alheio) – ou seja, a
invalidade do negócio A e B, se se tratar de bens móveis não sujeitos a registo, a proteção de C
não ocorre e o bem regressa ao A. Mas, também vimos que estando em causa bens imóveis ou
móveis sujeitos a registo, aí aplica-se o artigo 291º do CC que estabelece que, em certas
situações, a invalidade do primeiro negócio não afeta o direito real adquirido por C, se se
verificarem todos os requisitos deste artigo. E quais são os requisitos?

1. C tem de ter adquirido a título oneroso.


2. C tem de ter estado de boa fé – a boa fé está prevista no nº3, e diz respeito ao sujeito
que, no momento da aquisição, desconhecia sem culpa o vício do negócio inválido.
3. O registo da aquisição de C tem de ser anterior ao registo da ação que vai ser proposta
para invalidar o negócio.

Estes requisitos não são suficientes, porque o nº2 introduz o quarto requisito. Em todo o caso,
há um requisito que está implícito e que já falámos.

É verdade que se o negócio entre A e B for inválido, o negócio entre B e C também é inválido, e
se for inválido não produz efeitos – ou seja, se C ficar com o bem, não foi em função do
negócio que celebrou com B, mas sim em função do registo desse negócio (é o registo que lhe
atribui o direito). Isto significa então que é verdade que o negócio entre B e C também tem um
vício, só que é um vício que resulta do vício anterior – não é um vício especificamente daquele
negócio, é um vício anterior que se projeta no segundo negócio. Isto significa que o negócio
entre B e C, em si mesmo, não pode ter vícios. Vamos admitir que o negócio entre B e C foi
declarado nulo por coação – é evidente que este negócio já não pode ser aproveitado, porque
agora o próprio negócio tem um vício próprio. Portanto, o segundo negócio não pode ter um
vício próprio.

Qual é a questão determinante agora? É a questão do prazo de três anos – ou seja, significa
que a questão da proteção do C vai agora exigir que decorra um determinado período de
tempo: 3 anos. Desde quando é que esse prazo começa a contar? A norma não é muito clara –
sendo que a norma visa proteger C, e C não aparece se não se der o segundo negócio, então é
evidente que será a contar a partir do segundo negócio.

Portanto, verificados todos estes requisitos, não há dúvida que por força do efeito atributivo
do registo, a invalidade do negócio entre A e B, não prejudica o registo. Faltando um único
requisito que seja, o efeito já não opera e, portanto, aplica-se a regra geral e o bem regressa à
esfera jurídica do A.

Isto é o regime do artigo 291º do CC, que está previsto para as situações lineares, e que vimos
que os requisitos também são aplicáveis nas situações triangulares, porque como vimos,
embora configuradas de forma diferente, o vicio que afeta a posição do C nas situações
lineares (falta de legitimidade do transmitente) é exatamente o mesmo vício que afeta o C nas
situações triangulares. E portanto, utilizamos os requisitos do artigo 291º do CC, para depois
os transportarmos para o artigo 5º e dizermos assim: uma coisa é o sujeito de terceiro, outra
coisa é ser protegido do efeito atributivo – ele é terceiro se o autor comum adquirir direitos
incompatíveis; será protegido se o terceiro estiver de boa fé, tiver adquirido a título oneroso,
tiver registado antes do registo da ação e não tiver mais três anos contados entre a data do
segundo negócio e do registo da ação. Isto será aplicável se os requisitos forem cumpridos e se
o negócio não tiver vícios próprios.
O artigo 17° está agora previsto no CRP e tem, no fundo, uma formulação muito parecida com
o artigo 291° do CC, faltando-lhe então o requisito dos três anos do artigo 291°, n°2. Onde é
que está a diferença para já entre estes dois artigos? Está no facto de no artigo 17° não
estabelecer este prazo dos três anos que se estabelece no artigo 291°, porque tudo resto
parece ser muito parecido. É verdade que é muito parecido, mas também é verdade que
ambos não tem nada a ver um com o outro, e porquê? Porque já vimos que no artigo 291°, o
que está em causa é a invalidade do negócio jurídico. O artigo 17° não trata da invalidade do
negócio jurídico, trata da invalidade do registo. E uma coisa é a invalidade do negócio, outra
coisa é a validade do registo.

O que é que transmite o direito, por via de regra? É o negócio ou é o registo negócio?

É o negócio: por via de regra, o que transmite o negócio é o facto, porque a única exceção só
ocorre quando o registo tem efeito constitutivo — aí enquanto facto não está registado, ele
não produz efeitos. Mas, fora do efeito constitutivo, a transmissão ou a constituição de
direitos reais dá-se por mero efeito do contrato — o registo é apenas um requisito de
oponibilidade do contrato a terceiros, mais nada. Na situação do artigo 291° é verdade que o
primeiro negócio é nulo, só que não nos podemos esquecer que o conservador, quando lhe é
feito o pedido de registo, ele vai no fundo, em cumprimento do princípio da legalidade,
qualificar o pedido que ele está a ser feito. Mas, análise que ele faz, conforme vimos, assenta
exclusivamente nos documentos que lhe são apresentados, e só pode recusar o registo se
houver uma nulidade manifesta — ele não pode recusar o registo, por exemplo, em situações
de anulabilidade evidente —, a qual obviamente ele pode não conseguir concluir com a leitura
dos documentos. Mas, o que é que acontece? Se o primeiro negócio for simulado, ele é nulo,
mas o registo não é nulo — o que é nulo é o negócio. O artigo 17° do CRP trata precisamente
das situações de nulidade do registo, e não da nulidade do negócio. E, portanto, quando nós
olhamos para o artigo 17° do CRP verificamos que ele estará necessariamente em articulação
com o artigo 16° do CRP. Porquê? Porque é o artigo 16° que estabelece as causas de nulidade
do registo. Portanto, quando é que o registo e nulo? Nas situações previstas no artigo 16° do
CRP. Agora, a questão que se coloca é saber se o sujeito que registou pode ou não pode ainda
assim fazer prevalecer o seu registo, que é nulo. Essa resposta está no artigo 17º, quando diz
que a nulidade do registo só pode ser invocada depois de declarada por decisão judicial com
trânsito em julgado — significa que depende de uma ação judicial. O n°2 do artigo 17° também
nos diz que a declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título
oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo
da ação de nulidade — o que é que isto significa? Significa que, se estiverem em causa apenas
uma questão de nulidade de registo, o sujeito que registou pode fazer prevalecer o seu registo
nas situações do n°3. Situação diferente é se pode fazer prevalecer o seu direito, porque para
poder fazer prevalecer o seu direito tem de se encontrar na situação do artigo 291°; para
poder fazer prevalecer o seu registo, obviamente que tem de se encontrar na situação do
artigo 17°. Ou seja, no fundo há uma diferença de regimes, entre o artigo 17°e o artigo 291°: o
verdadeiro efeito atributivo está no artigo 291°, no sentido de através do registo do negócio
inválido se poder fazer prevalecer esse direito.

Portanto, vamos admitir a seguinte situação: há um imóvel do A. B consegue falsificar uma


escritura publica de compra e venda de A para B – o A não vendeu nada, o B é que consegue
falsificar uma escritura pública. O B vai registar a escritura, que está tão bem falsificada que o
legislador não se apercebe – e, portanto, o que é que ele faz? Regista a escritura falsa. Mas, o
que é que acontece depois? A transmite o imóvel para C – através de uma escritura pública
verdadeira, e o C registou. O que é que acontece se, entretanto, vier a ser proposta uma ação
de nulidade do registo do B? O registo de B é nulo, porque de acordo com a alínea a) do artigo
16º do CRP foi lavrado com base em títulos falsos. A pergunta é, se é registo deve ser
declarado nulo pelo tribunal, que consequências é que isso provoca na nulidade do registo do
C? O registo do C será também nulo se não cumprir os registos o artigo 17º, nº2 do CRP. Mas,
o C está preocupado com o que? Em saber se o registo é nulo ou em saber se tem o direito
correspondente ao negócio que celebrou com A? Em saber se tem o direito – e será que tem o
direito? Não, porque para ter o direito tinha de beneficiar do efeito atributivo e, como é
evidente ele não está na situação do 291º, desde logo porque não há sequer negócio entre o A
e o B. E, portanto, é evidente que, por força do artigo 17º, ele consegue prevalecer o registo.
Mas, quando formos discutir a substância, vamos ver que a sua posição não prevalece por
causa do artigo 291º do CC – não podemos confundir a oponibilidade do registo com a
oponibilidade do facto sujeito a registo.

Vamos então entrar na temática da titularidade efetiva – titularidade efetiva do que? Do


direito. Qual direito? O direito real máximo: direito de propriedade. Portanto, o direito de
propriedade é a matriz dos restantes direitos – isso é muito visível quando analisamos os
direitos reais de gozo, porque todos eles vão ser construídos a partir do direito de
propriedade.

O direito de propriedade é o direito real de gozo pleno, também chamado o direito real de
gozo maior, por comparação aos outros direitos reais de gozo, que são chamados de direitos
reais menores, porque lhes falta em todos eles algo que há na propriedade – ou seja, não há
nenhum direito real menor que tenha o conteúdo do direito de propriedade.

O que é isto do direito de propriedade? Não há, no fundo, uma definição de direito de
propriedade no Código Civil. Repare-se que o direito de propriedade começa no artigo 1302º,
depois da posse (o Livro das Coisas começa com a posse) – o legislador não dá uma definição
de direito de propriedade, apenas começa por dizer que, quanto ao objeto do direito de
propriedade, ele diz respeito a coisas corpóreas – ou seja, coisas que podem ser apreendidas
pelos sentidos –, e dentro das coisas corpóreas, as coisas móveis ou imóveis. Isto não significa
que o direito de propriedade diga apenas respeito a coisas corpóreas, porque também pode
dizer respeito a coisas incorpóreas, não está é previsto no Código Civil – isto é o que diz o
artigo 1303º, quando diz que os direitos de autor e a propriedade industrial estão sujeitos a
legislação especial.

Depois no artigo 1305º, o legislador vem-nos dizer qual é o conteúdo do direito de


propriedade, mas não define direito de propriedade. É importante não esquecer que estamos
a falar do direito real máximo. Lembrando conceitos da primeira aula: Os direitos reais
permitem regular a forma como o sujeito retira da coisa determinado tipo de utilidades que a
coisa lhe proporciona e distinguem-se entre direitos reais de gozo, de garantia e de aquisição
— isto significa que, nos direitos reais de gozo, o sujeito exerce um poder de facto imediato
sobre a coisa, sem necessitar do auxílio de um devedor (que não existe). Portanto, ele
relaciona-se com a coisa — uma relação entre o sujeito e a coisa —, permitindo agora o
respetivo titular retirar da coisa as respetivas utilidades. Quais utilidades? É isso que diz agora
o artigo 1305° do CC: o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição
e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das
restrições por ela impostas. Ou seja, o proprietário tem o amplo poder de usar, fruir e dispor
da forma que entender das coisas que são suas — Obviamente que poderá não ser bem como
entender, porque depois a norma acrescenta que goza disso dentro dos limites da lei e com a
observância das restrições por ela impostas. No fundo, o exercício do nosso direito não se
pode fazer o contra o exercício de igual direito de outro sujeito que também é proprietário —
ou seja, tem que haver aqui uma compatibilização de direitos. Mas, fora destas restrições
limitações, significa que podemos usar e dispor de forma plena é exclusiva a coisa, que é nossa
propriedade.

O artigo 1306°, estabelece o princípio da tipicidade, que vem dizer que os únicos direitos reais
que existem são os direitos que estão previstos na lei — não os que estão previstos no Código,
mas os que estão previstos na lei, ainda que não seja o Código Civil.

Neste sentido, uma definição doutrinal do direito de propriedade pode ser a seguinte: será um
direito real máximo, mediante o qual é assegurada a certa pessoa, com exclusividade, a
generalidade dos poderes de aproveitamento global das utilidades de certa coisa — ou seja, o
proprietário é o único que está em condições de poder retirar daquela coisa todas as utilidades
que a coisa pode proporcionar. Os outros titulares de direitos menores não vão poder fazer
isso, porque lhes faltará sempre qualquer coisa — O mais evidente é o confronto entre a
propriedade (pode usar, dispor e fruir) e usufruto (pode usar e dispor, mas não pode fruir).
Significa então que o direito de propriedade se contrapõe aos restantes direitos reais que
incidem sobre coisa alheia e determinam o surgimento de uma sobreposição. Na verdade,
como vamos ver, na medida em que todos os direitos reais menores são construídos a partir
de um direito real maior, não significa que vai ter de haver agora ali uma interseção de direitos
— ou seja, no fundo, numa situação de sobreposição quanto ao modo como os vários sujeitos
vão exercer direitos. Por exemplo: se A e proprietário da coisa c, significa agora que qualquer
que seja o direito real de gozo que B tiver, esse direito era de gozo que B tem diz respeito a um
objeto que não é dele. Qual é o objeto do direito de propriedade sobre esta coisa x? É a
própria coisa x. Mas, a coisa x é de quem? É do A. Vamos admitir que o A constitui usufruto
sobre a coisa x a favor do B — no objeto do usufruto a coisa é de quem? É do A. Significa que o
B está a usufruir de uma coisa alheia: não é dele — tem direitos sobre ela, mas não é dele.

O que vai acontecer é que se vai dar um fenómeno, que é: para que o direito real maior se
constituía, constitui-se à partida por vontade do titular do direito real maior, através do
mecanismo de compressão do direito real maior. Este é um princípio que voltaremos a falar,
que é o princípio da elasticidade – se o A for proprietário da coisa x, o que é que ele pode fazer
em relação a essa coisa? Usar, fruir e dispor. Entretanto, A constitui um usufruto da coisa a
favor de B – que direitos é que A vai deixar de poder exercer? O de usar e fruir – porque?
Porque através da constituição do usufruto, estes direitos transferiram-se para a esfera
jurídica do B, que tem agora o direito de usar e fruir. Como é que isto se explica? O A
comprimiu os seus poderes – ele não os perdeu, não os pode é exercitar, porque são
incompatíveis com os poderes que concedeu ao B, porque quis. Ou seja, decorre da vontade
do titular do direito real maior, a vontade de permitir a constituição de direito real menor.
Quando o titular de direito real maior constitui um direito real menor, significa que vai agora
inativar os seus poderes, na medida do que seja necessário para o exercício do direito real
menor. Ou seja, sempre que se dá a constituição de um direito real menor, o que é que se vai
passar? O direito real menor é constituído sobre uma coisa alheia – ou seja, o titular do direito
real menor exerce poderes de facto sobre uma coisa que não é sua. É de quem? É do titular do
direito real maior.
Por exemplo: A quer constituir uma servidão de passagem a favor do B, para que esta servidão
esteja validamente constituída, tem de ser constituída por escritura pública ou documento
particular autenticado. Esta servidão está validamente constituída. Entretanto, A transmite o
imóvel ao C. A pergunta é: C tem a obrigação de manter a servidão? Se a servidão estiver
registada, quando o C adquire, pode impedir o caminho ao B ou não? Não, porque este facto
foi sujeito a registo, e o C tem a obrigação de saber que este facto está registado. Se B registou
a servidão, significa que o C adquire o imóvel, mas o direito real que é a servidão, vai
acompanhar a coisa. Então e se não tiver registado a servidão, é ou não é oponível ao C?
Depende: se a servidão for aparente (se for visível – por exemplo, o caminho está alcatroado),
o registo tem efeito enunciativo – se tem este efeito, mesmo não estando registado, é
oponível às partes, nos termos do artigo 5º, nº2 do CRP. analisando o artigo 5º, nº1, o que é
que temos de ver: se C é terceiro. Segundo o artigo 5º, nº4, terceiros, para efeitos de registo,
são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si – é
evidente que o direito do C é parcialmente incompatível com o direito do B. Se esta servidão é
aparente, significa que a oponibilidade da servidão constituída a favor de B perante C não está
sujeita a registo (artigo 5º, nº2, al. a) do CRP). Temos de adicionar uma ressalva no artigo 5º,
para remeter para o artigo 1548º, nº2 do CC, que nos diz que consideram-se não aparentes as
servidões que não se revelam por meios visíveis e permanentes – ou seja, entendem-se por
servidões aparentes as que se revelem por meios visíveis e permanentes. Se está constituída a
servidão a favor de B, mas B que também tem acesso à via pública nunca utilizou a servidão e
as ervas taparam essa servidão e já não se vê – se a servidão não for aparente, significa que B,
que não registou, logo não pode opor o seu direito a C.

O que está em causa é uma colisão de direitos reais e, havendo uma incompatibilidade ainda
que parcial, significa que estamos a fazer prevalecer um caso perante outro. A partir daqui,
como já sabemos, identificamos o terceiro e, agora vamos saber se o terceiro cumpre ou não
cumpre os requisitos do efeito atributivo do artigo 5º, nº1 do CRP– se cumprir prevalece a
posição do terceiro e se não cumprir não prevalece. Depois, a questão será saber se no artigo
5º, nº4 está ou não está o conceito restrito de terceiro: para a maior parte dos autores
aparentemente fala-se no conceito restrito de terceiro, o que significa que só haverá terceiro
(na conceção restrita) se a situação de conflito tiver sido causada por um ato de vontade do A
– deixa de fora as situações das penhoras e outras (ou seja, situações que são constituídas sem
a vontade do A). Já no conceito amplo, cabem todas: cabem aquelas que assentam na vontade
do autor comum e as que não assentam. Também vimos que o legislador, aparentemente terá
consagrado o conceito restrito, mas o problema é que, em vez de ter posto “transmitente”,
coloca “autor” – e o problema surge precisamente disto: o transmitente transmite por sua
vontade; o autor, pode ser autor no sentido de ter dado causa à questão, mesmo sem a sua
vontade. Ao resolver os casos práticos, é preferível supor as duas conceções: a ampla e a
restrita, explicando o que são, porque há divergências na doutrina.

O artigo 291º do CC está configurado para a situação linear, mas o vício da situação triangular
é igual: falta de legitimidade do transmitente – e, portanto, vamos sempre dar ao artigo 291º
para ver se funciona o efeito atributivo.

A ideia do direito de propriedade é que é um direito de conteúdo genérico, porque abrange


todos os poderes concebíveis sobre uma coisa: o poder de usar, fruir e dispor – e é por isso
que se diz que é o direito real máximo. O proprietário, e só ele, pode aproveitar de forma
exclusiva o objeto do seu direito por todas as formas possíveis, exceto aquelas que a própria
lei veda.
É, portanto, um direito de natureza plena, que em regra funciona como direito real de gozo: o
proprietário tira da coisa as utilidades de usar, fruir e dispor. Em regra, o direito de
propriedade está associado aos direitos reais de gozo, sendo por isso o direito real de gozo
máximo. Nós já vimos que pode também funcionar como direito real de garantia – no caso da
reserva da propriedade. Já vimos que, nos termos o artigo 408º do CC, por força do princípio
do consentimento, o efeito real do negócio (a propriedade) produz-se no momento da
celebração do negócio – se o comprador não pagar o preço, isso não significa que ele já não
tenha adquirido o direito, ele entra é agora em incumprimento. Se virmos o artigo 409º, nº1,
vemos que nos contratos de alienação, é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da
coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até á verificação
de qualquer outro evento – o que é que o direito de propriedade está aqui a fazer? Está a
funcionar como garantia do cumprimento por parte do comprador. Ao contrário do que
acontece com o efeito regra, em que a propriedade se transfere pela celebração no negócio,
quando as partes estabelecem a reserva da propriedade, significa que a propriedade não se
transmite no momento da celebração do negócio, mas sim com o cumprimento da obrigação
pelo comprador – enquanto a obrigação não está cumprida, a propriedade não se transmite (a
propriedade está aqui a servir de garantia do negócio). Em alguns casos, pode funcionar
também como um mecanismo de aquisição de direitos: vamos ver mais à frente o regime da
acessão.

O regime da acessão funciona quando duas coisas, que pertencem a donos diferentes, se
juntam e agora a sua separação, ou não é fisicamente possível, ou então até é possível, mas é
economicamente inviável. Isto significa que o direito vai ter de arranjar uma maneira de
resolver o problema. Por exemplo, A e B querem construir uma vivenda, só que o B já tem os
materiais todos para a obra e começa a construção. Entretanto, o A lembra-se que os materiais
do B estão mais atrasados, então vai buscar esses materiais e começa a construir a vivenda.
Coloca-se agora o problema de saber de quem é que é aquilo. São os materiais ainda do B ou
do A? São do B. Pode o A devolver os materiais? Não. é possível desconstruir a vivenda, na
medida em que os materiais já estão incorporados, e entregar os materiais ao B? Não. Então
qual é que é a hipótese aqui? Pode-se mandar a vivenda abaixo, mas B não retira daí nenhuma
vantagem. Os materiais são do A, e obviamente que ele vai ter de indemnizar o B por isso, mas
o A, através da figura da acessão (artigo 1339º do CC) adquire a propriedade daqueles
materiais. Estamos então a ver aqui o direito de propriedade a funcionar como mecanismo de
aquisição – é pelo facto de A ser proprietário do terreno onde implementou os materiais, que
adquire esses materiais. Ele adquire a propriedade dos materiais, porque era proprietário do
terreno onde os incorporou. Repare-se na plasticidade do direito de propriedade: o direito real
de gozo pode funcionar como direito real de garantia e também como direito real de
aquisição.
05 OUTUBRO – PRÁTICA
Feriado.

05 OUTUBRO – OT
Feriado.

06 OUTUBRO – TEÓRICA
5. Objeto. Coisas corpóreas e incorpóreas. Domínio sobre o corpo humano. 6. Defesa judicial do direito de
propriedade: a) Reivindicação; b) Negatória; c) Demarcação.
O conteúdo essencial do direito propriedade, coincide tipicamente com o direito de usar, fruir
e dispor. Em todo o caso, este conteúdo é mutável em função da própria natureza da coisa que
constitui seu objeto. O proprietário tem de facto o poder de usar, fruir e dispor, mas estes
poderes não são completamente estáticos — variam em função do objeto, atendendo a
importância socioeconómica desse mesmo direito. Portanto, vai variar, sendo sujeito a
diversas restrições.

O direito de propriedade é um direito que tem tutela constitucional — a Constituição consagra


no artigo 62°, n°1, que a todos é garantido o direito à propriedade privada e a sua transmissão
em vida ou por morte, nos termos da Constituição. Quando aqui se fala no direito da
propriedade, não se está a falar apenas do direito de propriedade propriamente dito — está-se
a falar do direito de propriedade, dos demais direitos reais e, certa forma, dos direitos
patrimoniais. Porque, conforme já vimos, a propriedade é a matriz dos outros todos — ao
referir-se a propriedade está indiretamente a referir-se a todos os outros. Portanto, nos
termos do artigo 62°, o direito à propriedade privada é no fundo um direito que tem uma
natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias — goza da tutela dos direitos, liberdades
e garantias, nomeadamente dos artigos 17° e 18°. Conforme o n°2 dois do artigo 18°, as
restrições devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos, nomeadamente
outros direitos reais. Na análise do n°3 do artigo 18°, concluímos que é possível restringir um
direito, mas não é possível tirar-lhe os elementos essenciais (não se pode retirar o poder de
usar, fruir e dispor). Uma coisa é restringir o núcleo essencial, dentro dos limites da lei, outra
coisa é amputar o direito — se eu retiro ao direito de propriedade o poder de usar, deixa de
ser direito de propriedade.

Por outro lado, colocas aqui agora outra questão sobre a relação que existe entre a pessoa e o
seu próprio corpo. A questão é: ser dono do corpo significa ser seu proprietário? Somos
proprietários do nosso próprio corpo? Para além de problemas de natureza ética, existe outro
argumento mais forte, que está na norma do artigo 62° da CRP. Segundo o número dois desse
artigo, o que se está aqui a querer dizer é que pelo facto de se ser proprietário de alguma coisa
está-se sujeito a ser expropriado desse direito — isso significa a perda definitiva da
propriedade ou até a requisição civil (há uma perda relativa — temporariamente, a coisa que a
nossa não está a ser usada por nós, porque está a ser utilizada em homenagem a um interesse
superior, de utilidade pública). Isto significa que, a lei, que reconhece o direito de propriedade
na Constituição e que dá a tal tutela constitucional, também reconhece em certas
circunstâncias, e por razões de utilidade pública, que o direito de propriedade possa mesmo
ser afastado, através da figura da expropriação. Isto é dificilmente configurável, no âmbito da
propriedade do corpo.

O domínio sobre o corpo, não parece então ser propriedade. Parece sim ser outra coisa: é no
fundo um direito de personalidade que permite ao respetivo titular ter o tal domínio sobre o
corpo o que não. Isto não significa que não possa direito exigir direito de propriedade sobre
partes do corpo — por exemplo, cortar o cabelo. Ou seja, o direito de propriedade sobre o
corpo não é concebível, mas sobre partes do corpo já não levanta os mesmos problemas,
ainda que porventura possa levantar ao nível da titularidade (por exemplo, dar sangue).

O direito de propriedade tem algumas características. Fundamentalmente são quatro:

 Plenitude.
 Elasticidade.
 Perpetuidade.
 Transmissibilidade.

Quanto à plenitude, como já vimos, o direito de propriedade tente a abranger todos os


poderes que podem existir sobre uma coisa. Obviamente que sem prejuízo das limitações
impostas pela lei. E, é neste aspeto da plenitude, que ele se distingue dos restantes direitos
reais menores. Neste sentido, tem uma característica que é muito própria: os direitos reais
menores dependem do direito real maior — não existem, sem ser a partir do direito real
maior. O direito real maior não depende de nenhum outro: traduz a tal figura jurídica
autónoma que o distingue dos outros.

No que diz respeito à elasticidade, a ideia é: a propriedade tende a expandir-se até ao máximo
das faculdades que a coisa pode proporcionar. Quando se diz que pode usar, fruir e dispor, diz-
se em que termos? Pode usar plenamente, pode fruir plenamente e pode dispor plenamente.
Mas, isto não significa que seja sempre assim, porque conforme acabamos de ver, os direitos
reais menores são constituídos a partir de um direito real maior. Isto significa que quando o
titular do direito real maior constitui sobre a coisa objeto seu direito, um direito real menor,
significa necessariamente que ele está a comprimir o seu próprio direito. Quando o
proprietário de um bem constitui usufruto a favor de outra pessoa, ele não perde
necessariamente o seu direito, só que, na medida em que são incompatíveis com o direito que
constituiu a favor dessa outra pessoa, enquanto o usufruto existir, o proprietário não o poderá
usar os seus poderes de usar e fruir do bem.

Ou seja, quando falamos de elasticidade, estamos a dizer que o direito de propriedade poderá
expandir-se até ao máximo das faculdades que a coisa pode proporcionar. Mas, isso não
significa que não se possa também comprimir — na medida do que for necessário para, a
partir dele, constituir um direito real menor. Só é possível, sobre a mesma coisa, incidirem
direitos ao mesmo tempo, através do mecanismo da compressão.

A este respeito, fala-se da chamada sobreposição: sobre a mesma coisa existem vários direitos
reais, na medida em que eles próprios não sejam incompatíveis uns com os outros. A
sobreposição, por sua vez, pode assumir três posições:

 Sobreposição paralela: Se o a e o B comprarem um terreno em conjunto, eles são


comproprietários daquela coisa (artigo 1403° do CC) — o conteúdo do direito é o
mesmo. Como é que eles vão usar o seu direito? Cada um usa o direito no todo, desde
que não prive o outro de também usar. O artigo 335° do CC trata desta sobreposição.
 Sobreposição hierárquica: significa que, o exercício de um direito impede o exercício
do outro direito na parte que é incompatível. O caso típico que vimos é o da
propriedade-usufruto.
 Sobreposição prevalente: Isto significa que, de certa forma também é uma hierarquia,
mas não é uma sobreposição como é que vimos no ponto anterior. Na sobreposição
hierárquica, um direito real impede o funcionamento de outro direito real na sua
plenitude. O caso típico da sobreposição prevalente é o caso das hipotecas. Por
exemplo, A é proprietário da coisa x, e constituí a favor de B uma hipoteca. Pode ou
não pode constituir a favor de C uma outra hipoteca? Pode. Não há limite para a
constituição de hipotecas, pode é a certa altura perder o interesse, porque a vantagem
das hipotecas é permitir ao credor fazer-se pagar preferencialmente sobre os demais
devedores do credor, do produto da venda da coisa hipotecada. Nesta sobreposição,
prevalece o credor que registar primeiro a hipoteca — é a primeira a ser paga. Na
sobreposição hierárquica, um direito desativa poderes do outro direito é enquanto o
direito menor estiver vigente, os direitos incompatíveis do direito maior não podem
ser exercidos. Aqui não, ambos podem ser exercidos, mas se o valor da venda não der
para todos, há um que vai prevalecer sobre o outro – a que for registada primeiro.

Quanto à perpetuidade, o direito de propriedade é, por via de regra, perpétuo – não se


extingue por decurso do prazo e dura enquanto durar o seu objeto. Quando se diz que o
direito de propriedade é perpétuo, não significa que o titular também seja, mas a morte do
proprietário não extingue o direito de propriedade. Quando o proprietário morre, o direito de
propriedade transfere-se para os seus sucessores, porque o direito é o mesmo, com todos os
seus vícios e com todas as suas vantagens. Portanto, há aqui uma sucessão: o direito de
propriedade é o mesmo, só que se transfere para a esfera jurídica dos sucessores. Se virmos o
artigo 298° do CC, o direito de propriedade também não prescreve, e também não cessa pelo
não uso — ou seja, se eu não o usar isto em si mesmo não extingue o meu direito. Há diversos
direitos reais que se extinguem pelo não uso, mas isso não acontece, em si mesmo, com o
direito de propriedade — poderá depois, concorrendo com outro fator, resultar na extinção:
por exemplo, com a usucapião.

Há, no entanto, exceções ao carácter perpétuo do direito de propriedade. As exceções têm


uma natureza objetiva uma natureza subjetiva. A exceção da natureza objetiva, a chamada
propriedade objetivamente temporário, é a do superficiário, quando o direito de superfície é
constituído a termo. Que direito é que o superficiário tem em relação ao implante (coisa que
constrói por cima do terreno de outra pessoa)? O direito de propriedade. O direito de
superfície, por sua vez, pode ser constituído temporariamente, e no decurso desse prazo, o
direito de superfície extingue-se (artigo 1536° do CC). Temos aqui uma exceção à regra da
perpetuidade do direito de propriedade: quando o direito de superfície seja constituído com
um certo prazo, e o termo desse prazo se verifique.

A segunda exceção é a chamada propriedade subjetiva, que está prevista no artigo 2286° do
CC. Por exemplo, A diz “eu deixo os meus bens a B, mas com a condição de que B os conserve
para transmitir depois a C” — faz aqui uma dupla transmissão. É o A que está a instituir o B e o
C. O que é que seria normal? Que, pela morte do B, os bens fossem para os seus herdeiros.
Mas, pela morte de B, os bens vão para C, porque é a vontade do A. Através desta norma dá-se
um corte na linha sucessória. O artigo 2291°, n°1 do CC vem resolver este problema: segundo
este artigo, o B, com autorização judicial pode vender esses bens que o A lhe deixou.

Por último, a transmissibilidade: o direito de propriedade é livremente transmissível intervivos


e mortis causa. Obviamente que o próprio proprietário pode estabelecer restrições — por
exemplo, impor direitos de preferência legais.

Quanto à defesa do direito de propriedade, a defesa judicial pode dar-se através de ações de
uma dupla natureza: as chamadas ações possessórias e as chamadas ações petitórias.
Em bom rigor, as ações possessórias não visam a defesa do direito de propriedade — visam a
defesa da posse, e nós já sabemos que pelo facto de ter o direito não significa que se tenha a
posse. Portanto, o litígio/objeto da ação, diz respeito à posse, ou seja, o exercício lícito ou
ilícito de um poder de facto sobre uma coisa. Por exemplo, imaginemos que vamos de férias
durante um mês e, quando regressamos à nossa casa, está la uma família a viver. Como é que
tiramos essas pessoas de lá? O recurso à força só é possível numa situação extrema, e aqui não
estão verificados os pressupostos da ação direta. Temos de resolver isto judicialmente. Ou
seja, com este comportamento deles, eles estão a afetar a nossa posse e o nosso direito:
podemos defender a posse através de ações possessórias, e podemos defender o direito
através de ações petitórias – aqui neste caso, seria com uma ação de reivindicação, que é uma
ação petitória destinada à defesa do direito de propriedade e dos outros direitos reais de gozo.

12 OUTUBRO – PRÁTICA
Oponibilidade erga omnes. Fé pública registal. Hipótese prática.

Confronto entre o artigo 291º do CC e o artigo 17º do CRP:

O artigo 291º mais não é do que uma norma que visa acautelar a posição de um sujeito que
celebra um negócio jurídico confiando na informação que o registo lhe dá, e que depois corre
o risco de ser prejudicado em função da invalidade do negócio, que antecede o facto sujeito a
registo – ou seja, o que está aqui em causa é a situação linear, que no fundo é uma
consequência da fé pública (artigo 7º CRP).
As presunções que decorrem do artigo 7º são as presunções de que o direito existe e pertence
ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define.

Ou seja, a fé pública tem dois sentidos:

1. Sentido positivo.
2. Sentido negativo.

Aqui estamos basicamente no sentido positivo da fé pública: a ideia aqui subjacente é que
todos os factos que estão registados ocorreram, são válidos e produziram os seus efeitos. Ou
seja, significa que se parte do principio que os factos registados não são inválidos.

O problema é que, conforme já vimos também, o conservador, quando lhe é feito o pedido de
inscrição/para que registe determinado facto, o conservador não tem meios de garantir com
certeza absoluta que os factos cujo registo lhe está a ser suscitado são efetivamente válidos.

Para além disso, quando analisámos as regras respeitantes ao pedido de registo, vimos que o
conservador deverá no fundo aferir a legalidade do registo que lhe está a ser pedido, através
do instituto da qualificação – a qualificação assenta na ideia do princípio da legalidade.

No fundo, o que se está aqui a dizer é que: o facto de determinado sujeito requerer
determinado registo, não significa necessariamente que o conservador registe esse facto – isto
porque o conservador deverá pronunciar-se sobre a legalidade do pedido do registo. Ou seja,
deverá no fundo pronunciar-se sobre se o pedido daquele registe cumpre ou não cumpre os
requisitos de que depende a efetiva realização do registo – princípio da legalidade.

E, nesse sentido, no âmbito da qualificação, o que é que o legislador vai observar? Vai observar
diversas regras:

1. A legalidade registal: observar, desde logo, o princípio do trato sucessivo. Se B está a


requerer o registo de determinado facto, entao significa que esse determinado facto
tem de lhe ter sido transmitido por alguém – numa compra e venda, é suposto que o
sujeito que vende esteja inscrito como proprietário, porque se não estiver, não pode
estar a transmitir um direito que não tem.
2. A legalidade substantiva: a verdade material – como é que se aprecia? Apenas de
acordo com os documentos que lhe vão ser dados – ele não tem outra forma de
apreciar a validade substantiva do negócio. E, por isso, os casos mais típicos são: se A e
B simulam uma CV e se fazem a CV por escritura pública, não é possível ao
conservador, olhando para a escritura pública, verificar que aquele negócio é nulo –
não tem forma de saber. E, por isso, o conservador regista – mas, ao fazer isto está-se
a dar um problema: ele está a registar um ato que é inválido e não tem nenhuma
forma de recusar aquele registo (porque a nulidade do facto não é manifesta).

Segundo o artigo 69º, nº1 do CRP, a propósito da recusa do registo, diz que O registo deve ser
recusado nos seguintes casos:

a) [Revogada];
b) Quando for manifesto que o facto não está titulado nos documentos apresentados –
imagine-se que se pretende registar a aquisição do imóvel x e a escritura que se leva é
a escritura de compra e venda do imóvel w: se a escritura diz que é do imóvel w, não
se pode registar o imóvel x com aquela escritura, porque é manifesto que o facto não
está titulado nos documentos apresentados e o conservador recusa.
c) Quando se verifique que o facto constante do documento já está registado ou não está
sujeito a registo – por exemplo, o registo de uma obra de arte.
d) Quando for manifesta a nulidade do facto – o vício aqui é o da nulidade e até este tem
de ser manifesto.
e) Quando o registo já tiver sido lavrado como provisório por dúvidas e estas não se
mostrem removida.
f) [Revogada];
g) Quando o preparo não tiver sido completado – o registo de um determinado facto tem
custos.

Isto significa então que é perfeitamente possível, e acontece imensas vezes, que se esteja a
registar um facto inválido – isso em si mesmo não levanta problemas de maior, quando não
existe mais ninguém para além dos sujeitos que participaram no facto inválido.

A vende a B por negócio simulado – se esse negócio for efetivamente declarado nulo, quid
júris? A quem é que afeta essa declaração de nulidade? O A e o B – não há mais ninguém.
Portanto, a declaração de nulidade de um determinado negócio inválido, enquanto os efeitos
do negócio não se projetarem para fora dos respetivos contraentes, não provoca problemas
nenhuns a ninguém, a não ser aos próprios.

Esta é a regra do artigo 289º do CC, que nos diz no nº1 que tanto a declaração de nulidade
como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido
prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.

a coisa muda de figura se agora surge alguém a adquirir um determinado direito a partir do
negócio inválido – agora é a tal situação linear.

A vende a B e B vende depois a C – mas, o negócio entre A e B é nulo e o conservador, como


não tinha forma de saber, regista esse facto. O conservador registou a aquisição a favor do B,
mas a aquisição é nula – ou seja, aquele negócio é inválido. O negócio/facto regista (A-B) é
inválido, mas o registo desse facto não é.

E aqui temos de perceber então a diferença entre o artigo 291º e o artigo 17º - porquê?
Porque o artigo 291º tem a ver com o registo válido de um negócio inválido. Já no artigo 17º
temos uma invalidade do próprio registo – é o registo que é nulo.

O artigo 16º do CRP diz-nos que o registo é nulo:

a) Quando for falso ou tiver sido lavrado com base em títulos falsos – alguém que
falsificou o próprio registo ou alguém que falsificou a escritura e o conservador não
reparou que a escritura era falsa e registou. Aqui nem existe negócio nenhum.
b) Quando tiver sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do
facto registado – como vimos, o conservador deverá recusar o registo se o título não
for suficiente para o registo do facto.
c) Quando enfermar de omissões ou inexatidões de que resulte incerteza acerca dos
sujeitos ou do objeto da relação jurídica a que o facto registado se refere
d) Quando tiver sido efetuado por serviço de registo incompetente ou assinado por
pessoa sem competência, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 369.º do Código Civil e
não possa ser confirmado nos termos do disposto no artigo seguinte.
e) Quando tiver sido lavrado sem apresentação prévia ou com violação do princípio do
trato sucessivo.

Portanto, não podemos confundir invalidade do facto com invalidade do registo. No artigo
291º, o facto é inválido, mas o registo é válido; no artigo 16º e 17º o registo é nulo/inválido.

O que é que acontece se o registo for nulo? O artigo 17º estabelece uma regra que, de facto,
tem pontos de contacto com o artigo 291º, mas afasta-se dele. O artigo 17º, nº1 do CRP diz-
nos que a nulidade do registo só pode ser invocada depois de declarada por decisão judicial
com trânsito em julgado. Depois, diz-nos o nº2 que a declaração de nulidade do registo não
prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos
correspondentes factos for anterior ao registo da ação de nulidade – o que é que se está aqui a
querer dizer? Que, em determinadas circunstâncias, verificados os requisitos do nº2 do artigo
17º, ainda que o registo seja declarado nulo, a nulidade desse registo não vai prejudicar a
nulidade dos direitos adquiridos a título oneroso por 3º de boa fé, se o registo dos
correspondentes factos for anterior ao registo da ação de nulidade.

Mas, repare-se que o facto de o registo não ser nulo não significa que o direito decorrente do
facto registado se mantenha, porque agora não podemos confundir.

Por exemplo, A é proprietário do imóvel X e o B falsificou uma escritura de CV de A para B (não


há negócio nenhum. O próprio B requer depois o registo desta escritura falsa – o conservador
não se apercebe da falsificação e regista. Quid juris quanto a este registo? Este registo é nulo
(artigo 17º, al. a)). Mas, o que é certo é que o registo está feito – a partir daqui, o que é que o
B agora faz? Marca uma escritura pública verdadeira para transmitir o bem a C. Quid juris
quanto à nulidade deste registo? O artigo 17º vai responder-nos à seguinte pergunta: o que é
que acontece ao registo do C? Mantém-se ou não? Segundo o artigo 17º, se o tribunal declarar
a nulidade do registo de B, essa declaração de nulidade não prejudica os direitos adquiridos a
título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao
registo da ação de nulidade (nº2). Então e quais são os direitos que o C adquiriu? Pode o A ter
transmitido algum direito ao B através de um negócio que nem sequer foi feito? Não.
Portanto, o problema do C são dois:

1. Ele tem um problema quanto ao seu registo.


2. Ele tem um problema contra o seu direito – direito de propriedade: este problema não
se resolve pelo artigo 17º, mas sim eventualmente pelo artigo 291º e pelo artigo 289º.
aqui nem precisamos de ir ao artigo 291º, porque isso só é necessário quando existe
um subadquirente e aqui não existe subadquirente nenhum, porque este negócio não
é considerado válido (é venda de bem alheio). Portanto, o que é que acontece?
Quanto ao direito, é evidente que ele é do A.

No fundo, o que é que é preciso ver? O artigo 17º trata apenas da temática da nulidade do
registo. A nulidade do registo tem as suas causas específicas – as causas específicas são do
artigo 16º. O artigo 291º não trata de nulidades de registo, mas sim de nulidades do negócio.
E, portanto, quando se discute qual é o direito que prevalece, obviamente que não estamos a
falar de registo, mas sim do direito substantivo (direito de propriedade, de usufruto, etc.) –
porque se assim não fosse, chegaríamos a uma situação completamente absurda.
Por exemplo, imaginemos duas situações diferentes:

1. A  B  C
2. A B  C

Qual é a diferença entre um e outro? Na primeira situação estamos perante um negócio


jurídico de A para B e um negócio jurídico de B para C – significa que há dois negócios jurídicos.
Na segunda situação, temos a situação que vimos há pouco: não há nenhum negócio jurídico
de A para B (era a tal escritura falsa) e depois há o registo dessa escritura e há depois o
negócio jurídico de B para C.

Portanto, obviamente que o artigo 17º não tem a ver, mas as situações do artigo 291º é esta.
Na primeira situação, onde é que está o imóvel agora (supondo que todos os registaram
devidamente)? Em C. E se o negócio entre A e B é declarado nulo? Prevalece o C ou prevalece
o A? Prevalecerá o C se estiverem verificadas as situações do artigo 291º, nº1 (4 requisitos) e
nº2 (1 requisito).

Repare-se que no artigo 17º só temos 3 requisitos e, desde logo, não temos o requisito mais
exigente, que é o que está no artigo 291º, nº2 (prazo) – se as duas normas (artigo 291º e 17º)
dissessem respeito à mesma situação, chegaríamos à conclusão absurda de que o C está muito
mais protegido na segunda situação (onde A nem sequer fez nada), do que na primeira
situação (em que A, apesar de tudo, quis transmitir e transmitiu). Ou seja, o A, que não fez
rigorosamente nada, pelo facto de B ter falsificado a escritura, corria o risco de ficar sem nada.

Por isto é que não podemos misturar as coisas. O artigo 17º cuida apenas de uma questao de
prioridade registal: aquele registo mantém-se, para já, ainda que o registo anterior tenha sido
declarado nulo. E o problema aqui não é o do registo, é do direito. Na segunda situação, C não
adquire nunca, porque se aplica o artigo 289º e o negócio entre B e C será sempre nulo. Na
primeira situação C já poderá adquirir, verificados os pressupostos do artigo 291º.

Vamos agora supor uma situação em que há um negócio entre A e B e depois entre B e C, mas
que o negócio entre A e C faz com que o respetivo registo seja nulo – a questão vai-se focar no
mesmo aspeto, porque o registo de B para C mantém-se válido.

Ou seja, o registo pode só ser nulo e o negócio não ser, e pode pura e simplesmente não haver
negócio e o registo ser também nulo.

Portanto, aqui a questão é: quando está em causa a questão do direito sobre determinado
bem, a questão, quando envolve o subadquirente só se resolve pelo artigo 291º – porque
senão, veja-se que é muito mais fácil adquirir pelo artigo 17º do que pelo artigo 291º, o que
não faz sentido.

Ou seja, o artigo 17º visa salvaguardar apenas o efeito do registo. Se para além do vício registal
se verificar também um vício material, então é evidente que tudo vai depois confrontar-se com
o artigo 291º, porque esse é que verdadeiramente constitui o efeito atributivo por
comparação com o artigo 289º.

No fundo o artigo 291º trata precisamente do efeito atributivo do registo. Ou seja, se A vende
a B e regista e B vende depois a C e regista, no momento de celebração do contrato entre B e
C, o qual é que é a informação que o C está a ter do registo predial? Que o direito de
propriedade que está a ser transmitido existe e pertence ao B – confiando nessa informação,
celebra o negócio. Qual é o problema? É que o negócio entre A e B tem um vício. Se este
negócio entre A e B for declarado nulo, o problema que se coloca é que: como a declaração de
nulidade produz efeitos retroativos, significa então que através do negócio entre A e B não se
transmite o direito a B – se não se transmitiu o direito a B, onde é que fica o direito? No A. Se
fica em A, significa que quando B vende a C essa venda também é nula.

Então o que é que temos aqui? O negócio entre B e C não tem nenhum vício próprio – o vício
que ele tem é o que resulta do negócio anterior. O negócio entre B e C é nulo porque o
negócio entre A e B também é. Então, a questão que agora se coloca é a de saber de quem é o
bem?

 Se estivéssemos perante móveis não registáveis, o bem é sempre do A – porque se o


negócio entre A e B é nulo, o negócio entre B e C também é.
 Se estivéssemos perante imóveis ou móveis sujeitos a registo, a invalidade do negócio
entre A e B determina a invalidade do negócio entre B e C, mas pode não ter como
consequência o imóvel regressar para o A – em determinadas circunstâncias, o imóvel
permanece em C. Em que circunstâncias quando se verifique os 5 requisitos do artigo
291º.

Requisitos do artigo 291º: a declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico (A-B)


que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos
sobre os mesmos bens (C):

1. O negócio tem de ser oneroso – o C tem de ter adquirido através de um negócio


oneroso.
2. (C) Tem de estar de boa-fé – entendendo-se como “boa-fé” o que consta no nº3: é
considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição
desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável.
3. O negócio (B-C) não pode ter vícios próprios – em si mesmo, tem de ser válido.
4. O registo da aquisição (B-C) tem de ser anterior ao registo da ação de nulidade (do
negócio A-B). Neste sentido, quando o C compra, não sabe da ação – porque se souber
está a correr o risco de aquilo lhe correr mal.
5. É preciso que passem 3 anos contados da data de celebração do segundo negócio –
este é o requisito que mais complica a vida ao C.

Então, o efeito atributivo do registo quando é que se verifica? Verifica-se precisamente na


situação do artigo 291º: quando se está a registar um facto inválido. E através do registo desse
facto inválido é possível a aquisição do direito correspondente, caso se verifiquem os
pressupostos do artigo 291º.

12 OUTUBRO – OT
Oponibilidade erga omnes. Fé pública registal. Conceção ampla e conceção restrita de terceiro. Hipótese prática.

O registo predial excecionalmente tem efeito constitutivo, excecionalmente tem efeito


enunciativo – quando não tem nem um nem outro, tem efeito consolidativo. Depois tem ainda
a possibilidade de ter o efeito atributivo, conforme vimos a propósito do artigo 291º do CC.
A questão é que, por via de regra, os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra
terceiros depois da data do respetivo registo (artigo 4º, nº1 do CRP) – o que é que isto
significa? Significa que temos de distinguir a diferença entre o efeito consolidativo do registo e
o efeito constitutivo do registo.

Quando o registo tem efeito constitutivo, significa que os efeitos do facto não se produzem
enquanto o facto não estiver registado. Ou seja, quando o registo tem efeito constitutivo, o
facto não registado não produz efeitos em relação a rigorosamente ninguém: nem perante
terceiros, nem perante as partes – é ineficaz em relação a terceiros e em relação às partes. O
caso típico é o registo constitutivo de hipoteca.

O artigo 4º, nº1 diz-nos que os factos sujeitos a registo, mesmo quando não estejam
registados, produzem efeitos entre as próprias partes ou seus herdeiros – mas depois o nº2 diz
que há um caso em que isso não acontece: o caso respeitante aos factos constitutivos da
hipoteca, cuja eficácia, entre as próprias partes, depende da realização do registo. Significa
então que no artigo 4º , nº2 temos o efeito constitutivo do registo – apesar da hipoteca ter
sido celebrada por escritura pública, apesar da escritura pública não ter nenhum vício, a
hipoteca não existe. Para que exista e produza os seus efeitos próprios, é preciso que esteja
registada.

Isto é diferente do que se passa no efeito consolidativo, porque em relação a ele o que se diz é
que a produção de efeitos do facto não está dependente do registo. O facto, ou seja, o
negócio, produz os seus efeitos, mas esses efeitos não podem ser oponíveis a certas pessoas.
Que pessoas são essas? Aquilo que a lei declarar que são terceiros.

Ou seja, se A, por escritura pública, vende a B, através da celebração da escritura pública


produzir-se-ão os efeitos da CV – o A transmite o direito ao B e o B adquire o direito
transmitido a partir do A. Mesmo que não esteja registado, produz efeitos. Agora, o problema
é que esses efeitos não podem ser oponíveis a terceiros. É uma questão de oponibilidade e
não de invalidade.

O problema é que não existia uma definição legal de terceiro no artigo 5º, porque desde há
muito tempo que se assumia um conceito de terceiro clássico da nossa doutrina, que
normalmente é enunciado por referencia ao Professor Manuel de Andrade, que estabelecia
aquilo que normalmente se poderá considerar o chamado conceito restrito de conceito.

O que é que pressupõe o conceito tradicional de terceiro? Os terceiros não são quaisquer
pessoas. Do ponto de vista tradicional os terceiros seriam apenas certas pessoas – quais?
Aquelas que relativamente a determinado ato de alienação adquirem do mesmo transmitente
direitos total ou parcialmente incompatíveis. Portanto, isto significa que estamos claramente
numa situação triangular: ou seja, há um sujeito que é o transmitente, que transmite direitos
incompatíveis a duas pessoas. O caso clássico é: A vende a B e o mesmo A vende a C. Portanto,
temos aqui uma situação de incompatibilidade entre B e C, e que essa situação de
incompatibilidade foi causada por A que atuou como transmitente comum.

Se o A vende ao B, o que é que acontece? Pelo simples facto de ter celebrado o negócio,
transmite o direito ao B – o que quer dizer que não pode vender ao C (venda nula). Mas, o
registo do B ainda não foi feito e o A vendeu ao C e o C registou. Estamos agora no outro
sentido da fé púbica: no princípio de que todos os factos que podiam ter sido registados foram
efetivamente registado.
Imagine-se agora que o A faz uma escritura pública, nos termos da qual constitui a favor de B
um usufruto sobre o imóvel X – este usufruto não foi registado. A seguir, faz a venda do
mesmo imóvel a C por escritura pública. O problema é o mesmo de que à bocado, mas agora
os direitos não são totalmente incompatíveis nem o negócio entre A e C é nulo.

Neste sentido, quais são os pressupostos para que exista um terceiro nesta conceção?

1. Tem de existir direitos total ou parcialmente incompatíveis – tem de haver uma


incompatibilidade de posições entre B e C.
2. Esta incompatibilidade tem de ter tido uma causa – esta causa é o tal transmitente
mútuo. Ou seja, há um sujeito que voluntariamente cria o problema – ou seja, o
problema surge por força de um comportamento pretendido por um determinado
sujeito (A).

Por isso, nesta conceção restrita não há nenhuma dúvida que C é terceiro em relação ao B –
porque a partir de um transmitente comum, há uma situação de incompatibilidade.

Suponha-se agora que o A vende o imóvel a B e não há registo para já de B. Já depois da CV,
mas ainda antes do registo, acontece que C nomeia à penhora o imóvel, que ainda está inscrito
a favor do A, mas que já não é dele.

Fazendo a ponte com artigo 5º, se C for terceiro, B não faz prevalecer a sua posição; mas se C
não for terceiro, não há problema nenhum.

Ora, já percebemos que na conceção restrita C não é terceiro – porquê? Porque é verdade que
há uma situação de incompatibilidade, mas esta situação de incompatibilidade não foi
resultado de um transmitente comum – o A aqui só tem uma vontade, que é a de vender ao B;
ele é completamente alheio à penhora que lhe foi feita. Ou seja, a situação de conflito não tem
na sua causa o tal transmitente comum.

Assim, na conceção restrita C não é terceiro, e se não é terceiro, o facto de B não ter registado
não coloca nenhum problema – porque o problema só existe se houver um terceiro.

Então qual é o problema? O problema é que a dada altura na nossa jurisprudência começa a
haver problemas na interpretação de quem é que é terceiro. Não podemos esquecer que não
existia o nº4 do artigo 5º e o conceito anterior era um conceito doutrinal que era necessário.

Então, por força de um acórdão uniformizador de 1997 (Acórdão Uniformizador 15/97) altera-
se o conceito de terceiro e passa-se a adotar um conceito amplo.

Quem é que é terceiro neste conceito? São todos os que tendo obtido registo de um direito
sobre determinado prédio, veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico
anterior não registado ou registado posteriormente.

Ou seja, no fundo o que este acórdão veio fazer foi consagrar o conceito amplo de terceiro –
qual é que é a diferença em relação ao conceito restrito? Em primeiro lugar, o que é que é
igual? A situação de incompatibilidade – conflito entre dois sujeitos. E a diferença? É que no
conceito restrito o conflito resulta de um comportamento voluntario de um determinado
sujeito e no conceito amplo, dispensa esse comportamento – desde que o conflito surja é
irrelevante se foi resultante de um ato de vontade de tal transmitente ou não. O que importa é
que o conflito surgiu e se surgiu, então há terceiro.

É evidente que esta solução também tem criticas. Repare-se, seguindo o exemplo anterior, na
medida em que o B não registou a aquisição, significa que não pode opor a sua posição ao C –
neste sentido, significa que o C vai-se poder fazer pagar à custa de um bem que já não é do A.

E, no meio de tantas confusões e criticas, o STJ reuniu novamente o plenário e em 1999 produz
outro acórdão onde regressa ao conceito restrito (Acórdão Uniformizador 3/99), introduzindo
o critério que estava implícito.

Assim, terceiro para efeitos do registo são os adquirentes de boa-fé do mesmo transmitente
comum, de direitos incompatíveis sobre a mesma coisa. No fundo, retoma o conceito
tradicional (a incompatibilidade recorrente de atos de vontade do transmitente comum) e
produz o requisito de boa fé.

Poucos meses depois deste acórdão, o legislador introduz o nº4 do artigo 5º. E o que é que o
legislador podia ter feito? Podia ter adotado a formulação do acórdão, mas não o fez: não
contempla a questão da boa fé e, em vez de ter usado uma expressão que não suscitava
dúvidas para ninguém não utiliza e, em vez de por “transmitente” coloca “autor”.

Portanto, temos agora um problema:

 A esmagadora maioria da doutrina e da jurisprudência entendem que autor é


sinónimo de transmitente e, portanto, que o nosso CRP consagrou a conceção restrita
de terceiro.
 Há quem entenda que não, que autor não é o mesmo que transmitente – pode ser o
sujeito a partir do qual o problema surge, ainda que independente da vontade dele.

Vantagens e desvantagens? Não deixa de ser verdade que a conceção ampla é aquela que
melhor salvaguarda os fins do registo – porque o conflito surgiu. Agora, se surgiu porque
houve um sujeito que quis que surgisse ou se surge independentemente da vontade desse
sujeito, o que é certo é que o conflito existe e há que resolver. Portanto, neste aspeto somos
livres de escolher a conceção que quisermos, fundamentando sempre o porquê.

Assim, no caso da penhora a A: C será terceiro na conceção ampla e neste caso B tem um
problema; C não será terceiro na conceção restrita e nesse caso não tem problema nenhum.
Porque como o registo tem efeito consolidativo, o B verdadeiramente só tem um problema
quando aparecer um terceiro, porque não aparecer não há problema nenhum. Ou seja, o único
sujeito relativamente ao qual ele não pode fazer prevalecer a sua posição é em relação ao
terceiro. É o que diz a norma: só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo
registo – o que significa que contra quem não é terceiro produz efeitos independentemente do
registo.
Neste sentido, adotando qualquer uma das conceções, este problema não acaba aqui.

Se o A vende a B e não regista, e se a seguir vende a C e regista, C é sempre terceiro, seja qual
for a conceção. A questão que se coloca é, olhando para o artigo 5º: apesar da falta de registo,
tendo o A vendido ao B, quem é que agora é o titular da propriedade sobre o bem vendido? A
que vendeu ou B que comprou? É o B – os direitos adquirem-se por meros efeitos do contrato.
Portanto, só não seria o B se o registo tivesse efeito constitutivo – aí não era, porque nesse
caso o registo não produz efeitos contra ninguém. Mas, como o registo tem efeito
consolidativo, o facto de B não ter registado é irrelevante – ele adquiriu o direito.

E se entretanto A vende ao C?

Não há nenhuma dúvida que B devia ter registado, porque a aquisição a partir do A é um facto
sujeito a registo – os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da
data do respetivo registo. Isto significa que, enquanto não estão registados são ineficazes em
relação ao terceiro – o que significa que B não pode opor/prevalecer a sua posição perante
terceiros.

Ora, acabámos de ver que, seja qual for a conceção, C é sempre terceiro. Então a pergunta é:
se tivermos em conta apenas o artigo 5º, nº1 e o nº4, de quem é o direito de propriedade
daquele imóvel? É do C .

Ou seja, é verdade que quem adquiriu foi o B e que C adquiriu a partir do negócio nulo. Mas
também é verdade que, como não registou, aquele facto é inoponível a terceiros e, sendo
inoponível a terceiros, significa que no confronto entre o nº1 e o nº4 do artigo 5º, C a partir do
efeito atributivo do registo adquiriria um direito que não adquiriu do negócio que celebrou
com A.

Portanto no fundo, olhando para o artigo 5º, a partir da vertente do nº1 e do nº4, parece que a
conclusão é esta: o B não consegue opor o direito ao C, logo prevalece a posição do C e não a
do B.

Mas, o problema é ainda outro: o facto de C ser terceiro não significa automaticamente que
prevaleça a sua posição perante o B. Ou seja, o que o artigo 5º, nº4 nos está a dizer é apenas
quem é que é o terceiro – e não há dúvidas que C é terceiro.

Coisa diferente é agora dizer: mas basta ser terceiro para prevalecer a sua posição? Ou é
preciso que este terceiro se encontre numa determinada posição?

Porque é que a solução parece ser esta? Por causa do artigo 7º. Ou seja, é verdade que há um
negócio A-B, mas esse negócio A-B não está registado. Ora, se não está registado não é
conhecido do C e se não é conhecido do C não lhe pode ser oponível porque não é possível
opor-se de factos que a pessoa não possa conhecer.

Mas, se colocarmos aqui várias hipóteses, vamos ver que esta situação não faz muito sentido.

Primeira hipótese: Imagine-se que o C sabe que o A vendeu ao B – ele conhece o negócio A-B e
sabe que ao fazer o negócio com A, está a fazer um negócio que é nulo. Será que faz sentido
prejudicar quem comprou o bem consciente do que estava a celebrar e prejudicando quem
achou que estava a adquirir validamente mas não registou? Não – parece fazer sentido
proteger o B quando ele não sabe o que se está a passar, por força do artigo 7º. Ora, se o C
sabe, qual é a lógica subjacente a isto?
Segunda hipótese: o C não sabe o que se passou lá atrás, mas adquiriu a partir de uma doação
– o que é que mais lógico que protejamos? O que pagou ou o que não pagou?

Quando olhamos para o artigo 5º, não está aqui nada previsto. E porquê? Porque não tem de
estar. Porque tem de estar noutro lado.

Então, se o A vende ao B, não regista, e depois vende ao C, esta venda entre A e C é ou não é
nula? É – qual é que é o vício que tem? Falta de legitimidade do A – venda de bem alheio.

Quando pegamos neste modelo A vende a B e B vende a C e todos registaram, se o negócio


entre A e B for declarado nulo, porque é que o negócio entre B e C será nulo? Porque o
negócio entre A e B é nulo – então qual é o vício deste negócio? Venda de bem alheio
também.

Então, o que estamos a ver é que no fundo a análise da situação passa por dois patamares:

1. Temos de descobrir se existe ou não terceiro – a resposta para o 3º está no artigo 5º,
nº4.
2. A seguir, temos de ver se o terceiro está em condições de beneficiar do efeito
atributivo – está em condições se estiver na situação do artigo 291º do CC.

E porque é que vamos ao artigo 291º do CC? Porque a situação é exatamente a mesma – está
configurada de forma diferente – num caso está configurada linearmente e no outro
triangularmente, mas a situação no fundo é exatamente a mesma. Como a situação é a
mesma, o que o artigo 5º nos vem dizer é apenas quem é o terceiro.

Portanto, reformulando a pergunta que se fez: A vende a B e B não registou; a seguir A vende a
C e C regista; o B como não registou, não consegue opor o seu direito a terceiro – C é terceiro?
Sim. De quem é o bem? Depende – de sabermos se o C está na situação do artigo 291º. Se
estiver, por força do efeito atributivo beneficia da aquisição tabular (= aquisição derivada do
registo); se não estiver, o imóvel é do A e tudo se passa agora no âmbito da obrigação de
indemnizar, mas que já não tem a ver com os direitos reais.

13 OUTUBRO – TEÓRICA
II) Regimes Especiais – Compropriedade. 1. Noção; 2. Situação jurídica do comproprietário; 3. Poderes e deveres
do comproprietário;
A ação de reivindicação está formatada para a defesa da propriedade, mas é aplicável a todos
os direitos reais. Os pressupostos são que o proprietário ou o titular do direito, contra sua
vontade, não tem a coisa em seu poder. Portanto, a legitimidade ativa o autor é o proprietário,
e a legitimidade passiva é qualquer pessoa (o possuidor ou detentor), que contra a vontade do
titular do direito tem a coisa em seu poder. No fundo, visa que o titular do direito seja
restituído na posse da coisa que lhe pertence. Do ponto de vista do exercício do direito,
conforme já sabemos, o direito de propriedade não prescreve – logo, não tem prazo para a
propositura da ação. Porém, convém que não leve muito tempo a dar entrada da ação, porque
conforme vamos ver depois a propósito da posse, uma forma de aquisição de direitos reais
que se chama usucapião.

A usucapião como veremos depois, é o mecanismo de aquisição do direito real, que é


conferido a quem é possuidor. Ora, se nós estamos perante uma situação em que alguém é
possuidor contra a vontade do titular de direito, significa que, se o titular do direito não age
dentro de um certo prazo, pode correr o risco de, quando agir, já estarem verificados os
pressupostos de que a lei faz depender a usucapião.

A pergunta é: a ação de reivindicação tem ou não prazo para ser interposta? Não tem, mas
pode haver problemas se houver posse – aí convém ser interposta antes do decurso do prazo
para a usucapião.

Uma outra ação petitória, é a chamada ação negatória. Basicamente, não há uma previsão
expressa no Código Civil de como existe a ação de reivindicação, mas vêm-se vários
apuramentos a propósito das servidões. A ação negatória, pressupõe que o titular do direito
real, cujo exercício implique o domínio de facto de certa coisa, esteja a ser perturbado esse
exercício, pela atuação ilícita de terceiro. Ou seja, enquanto proprietário, tenho o direito de
uso – se, na minha utilização, estiver a ser perturbado por terceiro, e se esse terceiro não parar
de perturbar a utilização do meu direito, eu tenho de propor a chamada ação negatória. O que
é que se pretende com isto? Pretende-se que o tribunal declare que aquele sujeito está a
perturbar o exercício do meu direito e que o está a fazer de forma ilícita. O que se pretende é
que, o autor da perturbação, pretenda no fundo afirmar contra o titular do direito, um outro
direito que ele não tem. O caso mais típico é, por exemplo, um sujeito que entende que deve
passar no meu terreno – por exemplo, eu tenho um terreno e o meu vizinho insiste em passar
por ele para chegar mais rápido á via pública. Ele teria esse direito se estivesse constituída
servidão de passagem, mas eu não constituí a servidão nem o autorizo a passar. Mas, ele
insiste em passar, e ao fazer isso está obviamente a perturbar o exercício do meu direito – ele
pretende afirmar, de forma ilícita, a existência de um direito que ele não tem. Então, o que se
pretende com esta ação? Pretende-se obter a declaração de que o perturbador não tem o
direito que justifica a sua atuação. Declarando o tribunal a negação desse direito, o que é que
se vai no fundo determinar? Que ele se abstenha de praticar aquela atuação. Isto depois vai
ter consequências quando estivermos a tratar das servidões. Ainda nesta ação, a legitimidade
ativa é do sujeito que está perturbado e a legitimidade passiva é do perturbador.

Finalmente, a última ação petitória é a ação de demarcação (artigo 1353º do CC). Basicamente,
esta ação visa esclarecer dúvidas quanto às as extremas dos prédios – tem muito a ver com
prédios rústicos. Esta ação sim, é exclusiva do direito de propriedade. Qual é que é a questão
aqui? Tem como pressuposto a dúvida quanto ao limite geográfico dos prédios. É aplicável
apenas à propriedade de imóveis e visa então estabelecer os limites, ou seja, a linha divisória
das extremas. É, no fundo uma ação de arbitramento: o tribunal vai decidir afinal onde é que
termina um terreno e começa o outro – obviamente que variará de acordo com a prova que
for produzida. Mas, pode acontecer que a prova produzida não seja suficiente para chegar a
uma conclusão sustentável: se a prova apresentada não for julgada suficiente, o tribunal
decidirá sempre, porque não se pode abster – nesse caso, a demarcação faz-se distribuindo a
parcela do terreno em litígio, em partes iguais (artigo 1354º, nº2 do CC).

Vamos agora continuar no direito de propriedade, só que agora não na chamada propriedade
singular, mas da chamada propriedade plural – no fundo: a compropriedade. O regime da
compropriedade está logo a seguir à propriedade singular: começa no artigo 1403º e termina
no artigo 1413º do Código Civil. Logo a seguir, continuamos na propriedade, mas agora na
chamada propriedade horizontal – vai fundir a propriedade com a compropriedade: vão
coexistir o direito de propriedade singular e a compropriedade (propriedade plural).

Quanto à compropriedade, o legislador diz-nos, no artigo 1403º do Código Civil que existe
propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são
simultaneamente (ao mesmo tempo) titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa –
no fundo o que estamos a ver? Estamos a ver que, se o A comprar algo, isso é só dele (ele é
proprietário singular porque usa, frui e dispões disso como ele quiser), mas se isso for
comprado por A e B, sabemos que isso é do A e do B, logo não é só de um individualmente,
eles são ao mesmo tempo titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. No que diz
respeito à ideia da compropriedade, ela assenta na ideia da contitularidade. E o que é isto da
contitularidade? É a existência de um direito que não é exclusivamente de um titular – é de
dois ou mais titulares.

A primeira ideia que tem de ficar clara é a seguinte: a compropriedade está pensada para a
comunhão do direito de propriedade – mas o direito de propriedade não é o único que pode
estar em contitularidade: qualquer direito real pode ser exercido em contitularidade (pode
haver dois usufrutuários ao mesmo tempo: por exemplo, A constituiu usufruto em simultâneo
a favor de B e C – o que é que são B e C em relação àquele usufruto? São com-usufrutuários). E
por isso é que, embora a compropriedade esteja assente na contitularidade do direito de
propriedade, como o próprio nome indica, convém não esquecer o artigo 1404º do Código
Civil, que manda aplicar as regras da compropriedade a todas as outras situações onde exista
uma comunhão de direitos – nas outras situações de contitularidade ou existe um regime de
compropriedade e é aplicável, ou não existe e remete-se para o próprio regime da
compropriedade/contitularidade.

No que diz respeito à contitularidade, basicamente existem duas grandes modalidades:

 Comunhão em nome comum/comunhão germânica – não nos vai interessar.


 Comunhão por quotas/românica – é esta que nos vai interessar porque é nesta que
está estruturada a compropriedade.

A diferença é que, na comunhão por quotas, a existência da compropriedade é meramente


conjuntural, não está pensada para se manter ad eternum: por exemplo, A morre e deixa o
património aos filhos B, C e D – o que é que vai acontecer? Eles tao em compropriedade, até
deixarem de estar, até fazerem a partilha. Ou seja, a ideia da comunhão por quotas no fundo
assenta nesta perspetiva: é uma situação meramente conjuntural, que apareceu, mas também
pode rapidamente desaparecer. Aliás, em qualquer altura, qualquer comproprietário pode
exigir a divisão – depende dele, porque é um exercício de um direito potestativo. Por exemplo,
eu não quero estar em compropriedade e, se não houver acordo para dividir a coisa, o tribunal
dividirá. Já na comunhão germânica é diferente: é aquela que ocorre no regime de casamento
– se A e B casarem no regime de comunhão de adquiridos, significa que há um património
comum do casal. Esse património é de quem? É dos dois. Mas, repare-se que está pensado de
uma forma diferente: esse regime de comunhão, à partida, só se extinguirá numa determinada
situação: se o próprio casamento se dissolver – enquanto houver casamento há comunhão.
Mesmo que um deles queira dividir algo que é comum, claro que está impedido dependente
de acordo do outro, mas no âmbito do regime de bens torna-se incompatível, porque estão no
regime bens adquiridos e aí, exceto aqueles que a lei exceciona, são comuns e não podem
deixar de ser comuns – se não quiser que esses bens sejam comuns, tem de extinguir o
casamento e, por meio dessa extinção, faz-se a partilha. Ou seja, não há forma que os bens,
que sejam comuns por via legal, o deixem de ser – mantem-se indiviso enquanto persistir a
situação jurídica que o origina.

Qual é que é o ponto de partida então? Já vimos que ocorre uma situação de compropriedade,
nos termos do artigo 1403º do Código Civil, quando duas ou mais pessoas são, ao mesmo
tempo, titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa – como é que isto é agora
tratado? Em primeiro lugar, é fundamental entender-se a chamada comunhão indivisa/pro
indiviso – comunhão indivisa em que sentido? No sentido em que os consortes ou os
comproprietários não têm nenhum direito sobre uma parte específica daquela coisa. Isto
distingue a comunhão indivisa da chama comunhão pro diviso, que pressupõe a incidência de
vários direitos iguais sobre partes determinadas da mesma coisa. Por exemplo: podem ou não
A e B comprar, em conjunto, um automóvel? Podem – diz-se que A e B são comproprietários
desse automóvel – então qual é que é a parte do A sobre esse automóvel? É uma quota ideal,
que neste caso vai corresponder a 50% desse automóvel – mas, ele não pode dizer, por
exemplo, que da porta da frente para a frente é dele. Então o que é que eles têm? Eles têm
aquilo que, conforme acabámos de ver na comunhão romana, é uma quota do todo. Ou seja,
eles compraram em conjunto – a não ser que tenham estabelecido quotas diferentes, cada um
deles tem 50% do todo (porque são dois), ou seja, cada um deles tem uma quota ideal. Um
direito corresponde a uma medida e a medida desse direito é a quota. E onde estão esses
50%? Não estão determinados – são 50% do todo. Portanto, quando aqui se fala da comunhão
pro indiviso, ela opõe-se à comunhão pro-diviso neste sentido: os consortes/comproprietários,
não têm direito sobre partes especificas da coisa: não podem dizer “esta parte é minha e a
outra é tua” – todos têm direito a usar o todo.

No fundo, qual é que é a lógica que está subjacente à compropriedade? Trata-se de um direito
de propriedade que tem dois ou mais titulares. O conjunto dos direitos coexistem sobre toda a
coisa e não sobre uma parte especifica da coisa.

No caso do carro, o carro é dos dois, mas como são dois proprietários, significa que uma quota
ideal de 50% é de um e outra quota ideal é do outro. Se imaginarmos um terreno, comprado
por A e B, o terreno também é dos dois e cada um tem, à partida uma quota de 50%. Em
ambos os casos, os comproprietários não podem dizer “esta parte é minha e esta é tua”,
porque se dizem isso, estão a dividir o terreno em dois, e aí deixávamos de ter
compropriedade. Eles de facto podem dividir o terreno, mas ao dividir, onde estava um
terreno estão dois, e a compropriedade desaparece. Portanto, eles não podem estabelecer a
chamada parte especificada – isto não existe na compropriedade. O que eles têm é uma quota
ideal, mas, isto não significa que eles não possam estabelecer um acordo quanto ao uso da
coisa: eles podem perfeitamente combinar entre eles que o A usa uma parte e o B usa outra –
mas, o facto de terem acordado na utilização não os torna proprietários daqueles bocados,
porque uma coisa é o uso outra é o direito.

Como é que eles podem usar uma coisa que é deles, mas não é só deles? Se nós estivermos na
propriedade singular, como é que o proprietário usa a coisa? Como ele quiser. Como estamos
na compropriedade, significa que a coisa é do A, mas também é do B – e, portanto, como é
que eles vão usar o todo? Vão usar de acordo com o próprio princípio que estabelecerem – por
isso é que dizemos que nada impede A e B de estabelecerem um acordo quanto à utilização da
coisa – mas, não podemos confundir o uso com a propriedade. Portanto, eles deverão usar a
coisa no sentido do acordo que eles próprios estabeleceram – e, se fizerem o acordo, cada um
usará a coisa comum nos termos do acordo que fizeram. Então e se não houver acordo? O
artigo 1406º do Código Civil diz-nos que, na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a
qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela (toda) – isto demonstra-nos que, na
compropriedade, não há partes separadas, senão isto já não funcionava –, contanto que a não
empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes
do uso a que igualmente têm direito (senão, temos uma colisão de direitos). Através desta
norma, é muito evidente que não existem partes especificadas, mas sim quotas ideais: uma
coisa é a minha quota ser de 50% do todo (isto não significa que eu só possa usar esse 50%,
porque eu posso usar o todo, assim como o outro consorte). E, por isso, temos de recorrer à
regra do artigo 335º do Código Civil (estamos perante uma sobreposição paralela, porque eles
têm exatamente os mesmos direitos), que nos diz que havendo colisão de direitos iguais ou da
mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam
igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes – o que se está aqui a
dizer, a propósito da compropriedade, é uma emanação típica do artigo 335º, em matéria de
colisão de direitos. Ou seja, isto significa que, não havendo acordo sobre a utilização da coisa
comum, todos podem utilizar o todo. Se as partes violarem o acordo que estabeleceram,
entram em incumprimento do contrato – até podem estabelecer penalidades pelo
incumprimento. Mas, este acordo não é oponível contra terceiros: se, por exemplo, alguém
comprar a quota de A (que era comproprietário de uma casa com B), quem compra não tem
de cumprir o acordo que quem vendeu estabeleceu com o comproprietário, mas entre as
partes (A e B) vincula e tem de ser cumprido. Se houver violação do acordo entre quem o
estabeleceu (princípio da autonomia das vontades), há incumprimento e se houver
incumprimento pode haver responsabilidade civil – ou então, as partes estabelecem uma
cláusula penal para o incumprimento.

Já o nº2 do artigo 1406º do Código Civil, diz-nos que o uso da coisa comum por um dos
comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver
havido inversão do título – isto só tem importância se houver inversão do título. Se, por
exemplo, A e B são comproprietários de um apartamento e A fica a viver sozinho no
apartamento utilizando-o como um todo, isso não terá consequências se não houver inversão
do título.

Do ponto de vista da posição dos comproprietários, eles, em conjunto, exercem todos os


direitos que pertencem ao proprietário singular. No caso do terreno, que é de A e B, imagine-
se que A quer vender o terreno: pode vende-lo sozinho? Não, tem de vender com B, eles têm
de estar em acordo. Ou seja, há determinados tipos de poderes que:

 Só podem ser exercidos se tiverem todos de acordo – poderes unanimes:


o Disposição e oneração da coisa comum ou de parte especificada.
 Podem ser exercidos individualmente – poderes de exercício singular/isolado (em que
cada comproprietário pode exerce-lo sem necessitar o consentimento do outro):
o Uso da coisa comum.
o Disposição e oneração da quota.
o Reivindicação da coisa comum: o nº2 do artigo 1405º do Código Civil diz-nos
que, cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum – já vimos que
a ação de reivindicação é uma ação de defesa da propriedade. Imagine-se que
C tomou posse do terreno que é de A e B, e o A quer propor uma ação de
reivindicação e o B não quer chatices – pode ou não pode o A recorrer a essa
ação de reivindicação sozinho? Pode, porque a lei lhe dá esse poder. Ou seja,
o que se quer dizer é que, pelo facto de estarmos perante uma ação de defesa
de propriedade não significa que todos os poderes sobre a coisa tenham de
ser exercidos por unanimidade – há poderes que podem ser exercidos de
forma singular, outros de forma maioritária e outros que sim exigem a
unanimidade.
o Divisão da coisa comum.
 Podem ser usados, dependendo da maioria – poderes maioritários:
o Administração da coisa comum – o artigo 1407º, no 1º do Código Civil diz-nos
que é aplicável aos comproprietários, com as necessárias adaptações, o
disposto no artigo 985.º (o artigo 985º está na matéria das sociedades civis e
estabelece uma regra de maioria em relação à administração); para que haja,
porém, a maioria dos consortes exigida por lei, é necessário que eles
representem, pelo menos, metade do valor total das quotas – basicamente, o
que se está aqui a querer dizer é que, na compropriedade a posição dos
comproprietários não é definida por cabeça, é definida sim pela quota que
têm. Por exemplo, imagine-se uma compropriedade entre A (tem uma quota
de 10%), B (tem uma quota de 20%) e C (tem uma quota de 70%) –
relativamente a um determinado ato de administração, o C quer faze-lo, mas
o B e o A não: é verdade que o C é só um. Se se aplicasse a regra de que a
maioria se faz por cabeça, a posição de A e B prevalecia, mas a maioria faz-se
pela quota que os comproprietários, logo a posição do C prevalece porque o
seu voto vale 70%. Ou seja, a maioria aqui é contada pela medida da
participação de cada um dos consortes.
Como é que se determina a posição dos consortes ou comproprietários? O
artigo 1403º, nº2 do Código Civil diz-nos que os direitos dos consortes ou
comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora
possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia,
quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título
constitutivo – o que é que isto significa? Quando se fala na perspetiva
qualitativa, significa que eles têm todos os mesmos direitos, de igual modo – o
que pode ser diferente não é o direito, mas sim a medida do direito. No título
constitutivo (por exemplo, a escritura), deverá estar escrito o valor que cada
consorte pagou e, através disso, conseguimos definir a quota de cada um
deles. Então e se o título constitutivo for omisso/não disser nada? Se não
disser nada, presume-se que são iguais – em caso de dúvida são iguais, mas
podem não ser, quando o título constitutivo diz que não são iguais.
Vamos agora analisar o conjunto das três normais mais importantes. Já percebemos que
existem determinados poderes de exercício individual, maioritário e unanime – em todo o
caso, uma coisa é certa: é verdade que o proprietário não é dono do todo, mas ele tem um
determinado direito sobre o todo e esse direito afere-se pela sua quota. Portanto, a pergunta
é: é verdade o terreno foi adquirido em compropriedade por A, B e C e, sendo o título omisso,
cada um deles tem uma quota de 1/3 (igual); o B quer comprar o terreno e o B e o A querem
vender o terreno, mas o C não quer vender – este terreno pode ser vendido? Não, porque há
um consorte que não está de acordo. O B quer constituir uma hipoteca sobre o terreno e o A
também está de acordo nessa constituição, mas o C não está – pode ser constituída hipoteca
sobre o terreno contra o acordo do C? Não, porque agora não é um ato de disposição, mas sim
de oneração. O que se diz é que, nenhum comproprietário em maioria ou sozinho pode dispor
do todo – para que seja possível dispor e onerar do todo, todos têm de estar de acordo, são
poderes de exercício unanime.

Situação diferente é o que se diz no artigo 1408º do Código Civil. É verdade que o
comproprietário sozinho não pode onerar o todo, mas pode dispor daquilo que é seu sozinho.
Ele tem ou não tem um direito sobre esse todo? Tem. E esse direito está integrado onde? Na
sua quota ideal – a quota, no fundo é a medida do direito dele. Então, pode ou não pode o A
vender a sua quota ao B? Pode – podemos conceber que “cada um deles é dono da sua quota”
e, portanto, pode dispor dela como quiser. Portanto, agora a pergunta é: o B quer comprar a
quota ideal de A e o A quer vender – pode ou não pode o A vender? Pode, assim como pode
onerar a sua quota ao B, mas há aqui limitações. O artigo 1408º do Código Civil diz que O
comproprietário pode dispor de toda a sua quota na comunhão ou de parte dela (pode dispor
de apenas parte dessa quota e não dela no todo), mas não pode, sem consentimento dos
restantes consortes, alienar nem onerar parte especificada da coisa comum. Tem de se
perceber bem a diferença entre a quota ideal e a parte especificada: a quota ideal é de livre
disposição por quem é o respetivo titular (e o A tem uma quota, pode vende-la e até pode
onerar aquilo que, de certa forma é seu), contudo, não se pode vender o todo ou uma parte
especificada do todo (isso tem de ser feito com o consentimento de todos).

O nº2 do artigo 1408º do Código Civil diz-nos que a disposição ou oneração de parte
especificada sem consentimento dos consortes é havida como disposição ou oneração de coisa
alheia (significa que é nula) – ou seja, se o A, sozinho, vender a metade do terreno ao B,
significa que não o pode fazer, porque não é só dele, logo é venda de bem alheio (a venda é
nula). Em todo o caso, já vimos que é possível então dispor/alienar ou onerar a quota – o que é
que tem de ser feito? Tem de ser feito por escritura pública – ou seja, a disposição da quota
está sujeita à forma exigida para a disposição da coisa (nº3 do artigo 1408º do Código Civil): se
for um imóvel será escritura pública ou documento particular autenticado, mas se for um
móvel já não é preciso claro fazer-se escritura pública.

Ou seja, resumindo:

 Quanto à venda do todo, não é possível a não ser que todos concordem.
 Quanto à disposição de uma parte especificada, não é possível a não ser que todos
concordem.
 Quanto à oneração de uma parte especificada, não é possível a não ser que todos
concordem.
 Quanto à disposição da quota, é possível e não carece do consentimento dos outros.
 Quanto à onera da quota, é possível e não carece do consentimento dos outros, mas
carece sim do cumprimento do artigo 1409º do Código Civil.

O artigo 1409º do Código Civil que estabelece, a favor dos outros comproprietários, o direito
de preferência – mas, temos de ter cuidado com este direito de preferência. O nº1 deste artigo
diz-nos que o comproprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os
preferentes legais (este é um direito de preferência legal e que tem eficácia real, conforme o
nº2) no caso de venda, ou dação em cumprimento, a estranhos da quota de qualquer dos seus
consortes. Temos de ter em atenção o nº3 também, que diz que sendo dois ou mais os
preferentes, a quota alienada é adjudicada a todos, na proporção das suas quotas – ou seja, o
A tem uma quota de 20% e o B e o C estão interessados nela: temos de ver qual é que é a
proporção do B e do C, e eles exercem nessa quota.

O artigo 1409º, nº1 diz-nos que o comproprietário goza do direito de preferência e tem do
primeiro lugar entre os preferentes legais – mas, em que situações? Apenas em duas:

 No caso de venda – se a quota for vendida


 No caso da dação em cumprimento – é uma forma de extinção da obrigação que
pressupõe a entrega de uma obrigação diferente daquela que estava estabelecida.

Isto significa que, se for de outra forma, já não há direito de preferência (por exemplo, doação,
permuta, etc.).

Por outro lado, só há direito a preferência se a venda ou a dação em cumprimento for feita a
estranhos – se for feito a um comproprietário, não há direito de preferência porque não faz
sentido um comproprietário ter direito de preferência em relação a outro comproprietário.

Este direito de preferência tem eficácia real, o que significa que no incumprimento do direito
de preferência (não esquecer que, no caso do incumprimento, é necessário comunicar aos
preferentes a venda ou a dação em cumprimento e que eles têm o prazo de 8 dias para
exercer a preferência) os comproprietários a quem não foi dado o conhecimento da venda ou
da dação em cumprimento têm a possibilidade de adquirir o mesmo/a quota vendida, através
do mecanismo da ação de preferência (artigo 1410º do Código Civil) – isto significa que o
tribunal irá substituir, através de sentença, a pessoa a quem foi vendida pela pessoa a quem se
devia ter dado o direito de preferência.

Nós temos visto os direitos, mas e em relação aos encargos? Se for necessário fazer despesas
com a coisa? Nós já vimos que, normalmente, os atos de administração são dependentes da
vontade da maioria – isto significa que pode haver comproprietários que votem contra, mas,
mesmo assim, tenham de acatar com as despesas da coisa. Como é que isto funciona? Através
do artigo 1411º do Código Civil, vamos ver uma figura que, no fundo, é um direito real a
funcionar ao contrário: é a chamada obrigação real. Qual é que é a ideia da obrigação real? A
ideia é: o direito real, por vezes, tem associado determinado tipo de obrigações – quem é que
é o sujeito passivo/obrigado ao cumprimento dessa obrigação? É o sujeito que for titular do
direito a que corresponde essa obrigação – são as chamadas obrigações reais ou obrigações
propter rem (obrigações que fazem parte do conteúdo do direito).

Temos então aqui uma obrigação real no artigo 1411º do Código Civil: benfeitorias necessárias
(atenção que não são atos de administração ordinária) – são mesmo necessárias para a
manutenção e conservação da coisa. Por exemplo, o muro do terreno está a cair e é preciso
realizar obras: A e B aprovam, mas o C, que é minoritário, não concorda – como ele é
minoritário, a obra vai ser feita porque é necessária, mesmo contra a vontade do C. Em todo o
caso, o direito dá uma “saída” ao C. O nº1 do artigo 1411º do Código Civil diz-nos que os
comproprietários devem contribuir, em proporção das respetivas quotas, para as despesas
necessárias à conservação ou fruição da coisa comum, sem prejuízo da faculdade de se
eximirem do encargo renunciando ao seu direito – o primeiro passo é, mesmo que C tenha
votado contra, ele tem de pagar porque é uma benfeitoria necessária; mas, ele não quer
mesmo pagar aquilo – pode ou não pode? Pode, desde que renuncie ao seu direito. Ou seja,
porque é que ele tem aquela obrigação? Porque é comproprietário – aquela obrigação faz
parte do conteúdo do direito de propriedade, é através do direito que tem a obrigação. E se
deixar de ser comproprietário? Deixa de ter essa obrigação. Esta renúncia chama-se renuncia
liberatória – não é uma renúncia abdicativa, é uma renúncia liberatória porque é feita em
contrapartida de um encargo. Normalmente, a renúncia é um negócio gratuito, mas aqui não
é, é oneroso porque há uma contrapartida (ele vai perder o direito para poupar a despesa).

A renúncia até agora é livre. Mas, quando é que deixa de ser livre? O nº2 do artigo 1411º do
Código Civil diz que a renúncia, porém, não é válida sem o consentimento dos restantes
consortes, quando a despesa tenha sido anteriormente aprovada pelo interessado, e é
revogável sempre que as despesas previstas não venham a realizar-se. Ou seja, por exemplo: o
A, B e C vota a favor da despesa na obra do muro, mas C faz contas e chega à conclusão que é
mau negócio – ele pode na mesma renunciar, só que agora a renúncia já não é livre e depende
do consentimento dos outros. Mas, vamos supor que ele, entretanto, renunciou, mas os
outros mudaram de ideias e já não vão reparar o muro – o que é que faz sentido acontecer?
Que seja possível a C voltar atrás, porque ele só recusou ao direito para não responder ao
encargo. O nº3 do artigo 1411º diz-nos que a renúncia do comproprietário está sujeita à
forma prescrita para a doação e aproveita a todos os consortes, na proporção das respetivas
quotas. Portanto, se disser respeito a imóveis, tem de ser feita através de escritura pública ou
documento particular autenticado. E o que acontece à quota do que renunciou? Acresce na
quota dos restantes comproprietários, na medida da sua proporção.

A compropriedade é, por natureza, um instituto que gera conflitos. E, por isso, a lei atribui a
cada comproprietário um direito que é um direito potestativo – significa que, se for exercido,
os restantes não se podem opor porque ficam numa posição de sujeição. Portanto, cada
comproprietário tem o direito potestativo de, em qualquer altura exigir a divisão da coisa
(artigo 1412º, nº1 do Código Civil) – isto é a regra. Contudo, a lei permite aos comproprietários
estabelecer um acordo de indivisibilidade – este acordo é o chamado pacto de indivisibilidade
que a lei permite, mas que permite apenas a prazo. O nº2 do artigo 1412º do Código Civil diz
que o prazo fixado para a indivisão da coisa não excederá cinco anos; mas é lícito renovar este
prazo, uma ou mais vezes, por nova convenção (é possível renovar o pacto sucessivamente).
Isto significa que as partes ao estabelecerem este acordo têm de cumprir e que a sua eficácia
para com terceiros depende de registo.

Como é que é feita a divisão? Das duas uma (artigo 1413º do Código Civil):

 Ou é feita por acordo entre eles, amigavelmente.


 Ou é feita através do tribunal – a chamada ação da divisão da coisa comum.

No que diz respeito à divisão, podemos ter um problema: a coisa pode não ser fisicamente
divisível – por exemplo, um cavalo. Nestes casos, não se divide fisicamente, mas sim
judicialmente: por exemplo, um fica com o cavalo e dá aos outros comproprietários o valor das
quotas correspondentes ao cavalo. Mesmo que uns não queiram, basta que os outros queiram
que a coisa vai ser dividia, exceto se se estabelecer o tal pacto de indivisão.

Por fim, se a divisão for judicial, é feita por sentença; se for amigável, significa que deverá ser
feita pela forma que é exigida para a venda da coisa (escritura pública ou documento particular
autenticado).

19 OUTUBRO – PRÁTICA
Correção do teste de avaliação contínua.
19 OUTUBRO – OT
Compropriedade. Quota ideal e parte especificada. Direito de preferência e ação de preferência. Hipótese prática

VER SE FALTA ESTA MATÉRIA + VER MELHOR A MATÉRIA DA COMPROPRIEDADE

20 OUTUBRO – TEÓRICA
Capítulo II Propriedade horizontal. 1. Noção. 2. Natureza jurídica. 3. Modos de constituição: especialidades
4. Situação jurídica do condómino. 5. Poderes e deveres do condómino. 6. Órgãos de administração das partes
comuns.

Na propriedade horizontal temos de ter um edifício e, dentro deste, tem de haver unidades
independentes (só são frações autónomas se a propriedade horizontal estiver cumprida).

Quanto às unidades independentes, nos termos do artigo 1415º do CC, além de unidades
independentes, elas têm de ser distintas e isoladas entre si, com saída para a via pública ou
para uma parte comum do prédio. Então, por essa razão, a fração tem de ser autónoma – isto
e não podem estar dependentes ou ter comunicação. Em suma, têm de estar bem delimitadas.
Autonomizadas estas unidades, pode constituir-se a propriedade horizontal.

A propriedade horizontal está constituída para edifícios, mas não tem apenas de ser usada
assim – por exemplo, um condomínio privado (artigo 1438º-A do CC).

A propriedade horizontal constitui-se por escritura pública, que descreve cada uma das frações
que consta também no título constitutivo (artigo 1418º do CC), dando lugar à propriedade
exclusiva da fração.

Relativamente às partes comuns, estas dizem respeito aos condóminos, no regime da


compropriedade – é uma compropriedade suigeneris, na medida em que é aplicável à
propriedade horizontal o regime da compropriedade, nomeadamente com as devidas
adaptações. Ou seja, às frações aplica-se o regime da propriedade, e à compropriedade aplica-
se o regime das partes comuns.

No artigo 1421º do CC, falamos agora das partes comuns. Mas então o que difere o nº1 e o
nº2, que são ambos considerados partes comuns? É que no nº1, estas são sempre partes
comuns, as chamadas partes imperativamente comuns – estas não podem deixar de ser
comum; já no nº2, apenas se presumem, ou seja, podem deixar de ser partes comuns e ser
atribuídas apenas a algumas frações autónomas.

Quando o condomínio utiliza uma parte exclusivamente comum, ele tem detenção e não
posse.

O título constitutivo tem variados requisitos, que não são comuns, mas sim alternativos (artigo
1418º do CC).

Se temos um edifício, em que dois pisos se comunicam, esses pisos não constituem
propriedade horizontal, porque não cumprem os requisitos – ou seja, nesses dois pisos a
propriedade horizontal não funcional, mas funciona para com as restantes frações.
Se o título constitutivo for nulo, por qualquer razão que seja, não será uma nulidade total se
dele for possível o aproveitamento – ou seja, será nula a parte que estiver a violar (artigo 292º
do CC).

Sendo o proprietário da fração autónoma, ele pode transmitir a quem quiser – princípio da
livre transmissibilidade da transação autónoma. Portanto, os vários condóminos não têm
preferência (artigo 1423º do CC). A transmissão das frações engloba sempre a transmissão das
respetivas partes comuns, pois estas são inseparáveis da propriedade horizontal (artigo 1420º,
nº2 do CC).

O regime de compropriedade na propriedade horizontal é meramente instrumental – o que


leva o sujeito a comprar são as frações comuns, porque as partes comuns vêm de “arrasto”.

Quanto aos encargos de conservação e fruição, eles estão elencados no artigo 1424º do CC e
são suportados pelos condóminos na propagação das respetivas áreas das suas frações.

A quota do condómino é um pagamento mensal que o condómino vai pagando,


independentemente de haver ou não necessidade de obras – ela serve para evitar que, de
repente, seja necessário fazer uma obra, com um custo elevado e o condómino possa não ter
liquidez suficiente para tal.

Os encargos de conservação ou fruição podem ou não ser tabelados na proporção das


respetivas permilagens – vejamos:

 A proporcionalidade pode ser afastada, mas tem de ser aprovada pela totalidade do
prédio.
 Por exemplo, imaginemos que, no caso da cobertura, que é uma parte comum, mas
quem acesso a uma escada que que apenas o condómino do último andar tem acesso.
Na verdade, é uma escada que é parte comum, mas apenas aquele condómino lhe
acede exclusivamente e, portanto, as despesas ficam a cargo de quem os usa em
exclusivo (é o título exclusivo que atribui a algum condómino o uso exclusivo).
 As despesas dos elevadores só são suportadas pelos que dele se possam servir – isto
quer dizer que, aqueles que não o usam, pagam na mesma. Estão excluídos apenas os
que não têm acesso ao elevador e não aqueles que têm, mas não querem utilizar.

Quanto às inovações (artigo 1325º e artigo 1426º do CC), a sua natureza é discutível, mas
tratam-se de obras novas, que têm como característica o facto de feiras nas partes comuns e
não em fração autónoma. São então obras que modificam a estrutura interna ou a forma
externa do edifício ou o seu destino económico.

Essas obras têm então de ser aprovadas pela maioria dos condóminos (2/3 do valor total do
prédio). Não é necessária a autorização para fazer uma rampa – ela apenas tem de ser comum
e as despesas ficam a cargo desse mesmo condómino.

Vamos agora ver a administração das partes comuns: compete à Assembleia de Condóminos
(que é o órgão deliberativo) e ao Administrador (que é o órgão executivo). O administrador
pode ser ou não um condómino – pode até ser uma empresa especializada para o efeito. O
administrador é eleito pela assembleia de condóminos e é também exonerado pelo menos. As
principais funções do administrador, no âmbito da gestão e da representação do condomínio
são:

 Gestão financeira do condomínio.


 Administração corrente das partes comuns do condomínio.
 Execução das deliberações da assembleia – porque a assembleia delibera e o
administrador executa.
 Representação do conjunto de condóminos.

Já no que diz respeito ao funcionamento da assembleia, os condóminos votam em função da


permilagem a que corresponde cada uma das frações e, em regra, as decisões são tomadas por
maioria simples dos votos – em certos casos, o legislador exige maiorias qualificadas de 2/3 ou
que não haja votos contros. Estas são as exceções, mas a regra é sempre a maioria simples.
Está também subjacente a existência de um quórum mínimo presente na Assembleia, para que
ela possa deliberar na 1ª convocatória.
26 OUTUBRO – PRÁTICA
Compropriedade. Propriedade horizontal. Hipóteses práticas.

26 OUTUBRO – OT
Compropriedade. Propriedade horizontal. Hipóteses práticas.

27 OUTUBRO – TEÓRICA
Capítulo III Usufruto. 1. Conteúdo do usufruto do direito de usufruto. 2. Natureza jurídica. 3. Constituição do
direito de usufruto. 4. Usufruto de coisas consumíveis. 5. Direitos de uso e habitação: traços específicos. Capítulo
IV Habitação periódica. 1. Conteúdo do direito real de habitação periódica. 2. Natureza jurídica. 3. Modos de
constituição e transmissão/oneração: especialidades. 4. Situação jurídica do usuário. 5. Poderes e deveres do
usuário. Capítulo V Habitação duradoura. 1. Conteúdo do direito real de habitação duradoura. 2. Natureza
jurídica. 3. Situação jurídica do usuário. 4. Poderes e deveres do usuário.

Vamos agora ver o primeiro dos direitos reais menores: o usufruto. Mas, no código civil vamos
ver que onde se destina ao usufruto, também está compreendido o direito de uso e habitação
– são dois direitos reais diferentes: no fundo são ambos direito de usufruto, mas a amplitude
de um é muito diferente da amplitude do outro. Ainda relacionado com o usufruto existe, pelo
menos desde 1989 um direito real que não está previsto no Código Civil (não esquecer que,
quando se diz que só existem os direitos reais que o legislador estabelece, não tem de ser
necessariamente no Código Civil – tem de ser uma lei em sentido formal): é o caso do direito
real de habitação periódica – o seu regime atual consta do DL 275/93, com diversas alterações.
Este ano, surgiu um direito real novo, que é o direito real de habitação duradora – de certa
forma é usufruto, mas fica num meio termo entre o usufruto e o arrendamento –, cujo regime
consta do DL 1/2020 de 9 de janeiro. Este direito veio, no fundo fazer face à seguinte questão:
o recurso ao direito de propriedade para habitação própria tem algumas grandes
desvantagens, porque cristaliza a pessoa num determinado local durante muitos anos – se o
arrendamento por vezes não funciona, o legislador criou então este sistema. Mas, a
característica típica do usufruto (usar e fruir uma coisa que é alheia – está presente nestas
quatro figuras: no usufruto, no uso e habitação, na habitação periódica e na habitação
duradoura.

Então o que é isto do usufruto? O artigo 1439º do Código Civil diz-nos que o usufruto é o
direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma
ou substância – basicamente a ideia é esta: o usufrutuário tem amplos poderes de gozo e
fruição de uma coisa que não é sua — nesta situação, sendo constituído usufruto, significa que
vai agora coexistir sobre a coisa uma situação de conflito de direitos: estamos no âmbito do
domínio da chamada sobreposição hierárquica, porque em relação ao usufruto, o proprietário
não pode exercer os poderes de usar e fruir (ou seja, os poderes de usar e fruir sobrepõem-se
ao direito de propriedade — o proprietário não perde esses direitos, conserva-os, mas não os
pode utilizar).

Quanto aos modos de aquisição, o usufruto pode ser constituído por:


 Contrato (modo típico).
 Testamento.
 Usucapião.
 Disposição da lei.

O usufruto é um direito de natureza temporária — isto significa que ele termina, no limite,
com a morte do usufrutuário. Ou seja, usufruto é um direito intransmissível mortis causa: o
usufrutuário pode transmitir e o onerar o seu direito, mas essa transmissão ou constituição de
um encargo sobre o usufruto está dependente da existência do próprio usufruto — isto
significa que usufruto pode existir não determinado prazo ou termina com a morte.

Quanto à duração do usufruto, o artigo 1443° do Código Civil diz-nos que em prejuízo do
disposto nos artigos anteriores, o usufruto não pode exceder a vida do usufrutuário; sendo
constituído a favor de uma pessoa coletiva, de direito público ou privado, a sua duração
máxima é de trinta anos— portanto, a regra geral é que o usufruto não pode exceder a vida do
usufrutuário: ou seja, se for constituído a título vitalício, termina com a morte do usufrutuário.
Contudo, pode não ter sido constituído a título vitalício e ter sido estipulado um prazo — neste
caso, se for constituído a favor de uma pessoa coletiva, a duração máxima é de 30 anos). O
mínimo é aquilo que as partes estipularem.

Agora, não há dúvida que o usufruto é um direito transmissível: o artigo 1444°, n°1 do Código
Civil diz que o usufrutuário pode trespassar a outrem o seu direito, definitiva ou
temporariamente, bem como onerá-lo, salvas as restrições impostas pelo título constitutivo ou
pela lei— aqui, o legislador usa a palavra trespasse em vez de transmissão (mas isto não tem
nada a ver com o trespasse de direito comercial). O usufrutuário pode entrar
transmitir/trespassar o usufruto definitiva ou temporariamente, assim como onerá-lo e, no
próprio título constitutivo, o proprietário pode proibir estes atos (de transmitir ou onerar) —
se o título for omisso, em princípio pode, a não ser que a lei estipule o oposto. Ou seja, se
tivermos, por exemplo, um usufruto de 10 anos, o usufrutuário pode transmiti-lo nos
primeiros 5 anos e, após isso, volta ao ponto de partida e o usufrutuário exerce esse o usufruto
nos 5 anos restantes. Mas, também podemos ter, por exemplo, um caso de um usufruto de 10
anos e o usufrutuário onerá-lo — e o que é que vai acontecer? No final destes 10 anos, o
usufruto vai-se extinguir também da esfera jurídica do sujeito a quem se transmitiu (ninguém
por transmitir mais do que aquilo que tem). Outro exemplo: A constituiu usufruto vitalício a
favor do B e B transmite esse usufruto, também vitalício, a favor de C — o que é que acontece
se B morrer? Extingue-se o usufruto: a morte do B determina a extinção de todos os usufrutos
constituídos a partir dali. O mesmo acontece se, neste último caso, também se constituir uma
hipoteca: se B morrer o usufruto extingue-se, assim como a hipoteca (uma coisa está
dependente da outra). No caso de transmissão, o usufrutuário responde pelos danos que as
coisas sofram, por culpa da pessoa a quem se transmitiu (n°2 do artigo 1444° do Código Civil).

A lei estabelece, a partir do artigo 1445° do Código Civil, uma série de direitos e obrigações do
usufrutuário. Em todo o caso, para além dos próprios direitos e obrigações que a lei
estabelece, pode o próprio título constitutivo estabelecer outros direitos e obrigações.

No que diz respeito aos modos de constituição, o usufruto pode ser constituído:

 A favor de uma pessoa: usufruto singular (seja essa pessoa singular ou coletiva).
 A favor de duas ou mais pessoas: usufruto plural — aqui, das duas uma:
o Ou é constituído a favor de duas ou mais pessoas para que essas pessoas
sejam simultaneamente usufrutuárias (serem usufrutuárias ao mesmo tempo)
— usufruto simultâneo (aplicam-se as regras da compropriedade nas relações
entre os usufrutuários). Neste caso, se um usufrutuário quiser onerar a sua
quota, terá de dar preferência ao outro.
o Ou então, serão usufrutuários, mas uma a seguir à outra — usufruto sucessivo.
Neste caso, na medida em que o usufruto tem medida de natureza
temporária, o legislador para evitar a perpetuidade do usufruto, nos termos do
artigo 1441° vem dizer que o usufruto pode ser constituído em favor de uma
ou mais pessoas, simultânea ou sucessivamente, contanto que existam ao
tempo em que o direito do primeiro usufrutuário se torne efetivo. Ou seja,
todos os usufrutuários a quem se constituiu este usufruto têm de estar vivos à
data da constituição ao primeiro usufrutuário. Enquanto um usufrutuário está
a exercer o seu usufruto, no período estabelecido, ele é o único usufrutuário
dessa coisa.

O artigo 1442° do Código Civil, consagra o chamado direito de acrescer, dizendo que salvo
estipulação em contrário, o usufruto constituído por contrato ou testamento em favor de
várias pessoas conjuntamente só se consolida com a propriedade por morte da última que
sobreviver— isto significa que quando o usufruto é constituído a favor de várias pessoas, a
morte de uma não afeta o usufruto das demais. Por exemplo, A constituiu o usufruto
simultâneo a favor de B, C e D e B morre — o que é que acontece à quota-parte do B no
usufruto? Acresce aos outros dois. E se morrer depois o C? A quota acresce ao D — e, quando
morrer o D, o usufruto extingue-se para a propriedade. Ou seja, a não ser que o título
constitutivo diga o contrário, quando o usufruto é constituído a favor de várias pessoas
conjuntamente, a morte de uma faz a crescer a posição das demais e não regressa ao
proprietário — isto é o direito de a crescer, que acontece no usufruto plural.

Portanto, já vimos que no usufruto o sujeito tem a capacidade de usar e fruir uma coisa que
não é sua (isto é típico do usufruto). O uso da coisa terá de ser feito como um bom pai de
família: ou seja, o usufrutuário não pode desrespeitar o destino económico nem alterar a
forma e substância da coisa — o limite do usufruto é isso mesmo. Por outro lado, é claramente
um gozo pleno: como já vimos, enquanto está constituído usufruto, o proprietário não pode
usar nem fruir da coisa — ou seja, pode ser exercido com a máxima amplitude e aqui vai haver
uma diferença para o direito de uso e habitação (a diferença está na forma como o gozo é
exercido). Usufruto também é sempre gozo temporário: a morte do usufrutuário constituí
sempre o limite último de duração do usufruto e o usufrutuário não tem poderes de disposição
sobre o objeto do direito.

A lei não distingue as modalidades de constituição, mas temos modalidade de natureza teórica
— existem, fundamentalmente duas formas de constituir um usufruto:

 Usufruto per translationem: é aquela em que o proprietário constituí o usufruto e


reserva para si o direito de propriedade.
 Usufruto per deductionem: é aquela em que o proprietário transmite a propriedade,
mas reserva para si o usufruto (é a mais recente e acontece, muito frequentemente,
quando um pai quer transmitir o direito de propriedade para um filho, mas quer
continuar a usar e fruir da coisa).
Quanto aos direitos do usufrutuário, eles começam no artigo 1446° do Código Civil, mas não
nos podemos esquecer que estes direitos, sem prejuízo dos que constarem logo no título
constitutivo, por via de regra, são basicamente:

 Os direitos de usar e fruir a coisa objeto do usufruto, de forma plena, como se fosse
um bom pai de familia (artigos 1439° e 1446° do Código Civil).
 Os poderes de administrar a coisa (artigo 1446°).
 A possibilidade de transmitir ou onerar o próprio usufruto, com as limitações que
acabámos de ver, em função do próprio direito de usufruir. Como também já vimos,
está possibilidade de trespasse ou oneração admite estipulação em contrário do título
constitutivo.

Do ponto de vista das principais obrigações do usufrutuário, o usufrutuário:

 Pode ser obrigado a prestar caução, por parte do proprietário (artigo 1468° do Código
Civil) — isto para que? Para garantir ao proprietário que, quando a coisa lhe for
restituída no fim do usufruto, se a coisa se apresentar com alguns problemas do ponto
de vista da conservação, o proprietário se possa fazer pagar a título da caução que
constituiu. A caução visa praticamente isto: assegurar a obrigação de restituição
(artigo 1483° do Código Civil).
 Tem o dever de conservar a coisa, fazendo as reparações de natureza ordinário (artigo
1472° do Código Civil) — é mais uma situação que configura uma obrigação propter
rem: é uma obrigação real. Porque é que é uma obrigação propter rem? Porque o
sujeito passivo é o titular do direito e porque está adstrita a renúncia liberatória, que é
típica das obrigações propter rem — o n°3 do artigo 1472° do Código Civil diz-nos que
o usufrutuário pode eximir-se das reparações ou despesas a que é obrigado,
renunciando ao usufruto.

Quanto às reparações extraordinárias, o artigo 1473°, n°1 do Código Civil diz que quanto às
reparações extraordinárias, só incumbe ao usufrutuário avisar em tempo o proprietário, para
que este, querendo, as mande fazer (estas reparações estão a cargo do proprietário); se,
porém, elas se tiverem tornado necessárias por má administração do usufrutuário, é aplicável
o disposto no artigo anterior (estas reparações estão a cargo do usufrutuário).

Se olharmos para o artigo 1476° do Código Civil, vemos os modos de extinção do usufruto —
dentro destes modos de extinção, há modos típicos de extinção dos direitos reais menores. O
usufruto extingue-se então:

 Por morte do usufrutuário, ou chegado o termo do prazo por que o direito foi
conferido, quando não seja vitalício — significa que é sempre um direito temporário.
 Pela reunião do usufruto e da propriedade na mesma pessoa — para evitar a confusão
de direitos: vai prevalecer o direito real maior sobre o direito real menor
 Pelo seu não exercício durante vinte anos, qualquer que seja o motivo — nós vimos
que o direito de propriedade não se extingue pelo não uso, mas no usufruto já não é
assim.
 Pela perda total da coisa usufruída — extingue-se o usufruto por falta do objeto.
 Pela renúncia — pela parte do usufrutuário: pode fazê-lo pela renúncia liberatória
(onerosa) ou pela renúncia abdicativa (gratuita).

Estas formas de extinção são muito semelhantes a outros direitos reais menores, à exceção da
alínea a).

E se o usufrutuário usar mal o seu direito? O chamado mau uso extingue o usufruto? Não, o
mau uso, em si mesmo, não extingue o usufruto (artigo 1482° do Código Civil) — isto porque?
Porque o usufruto permite ao usufrutuário usar a coisa de forma plena e, enquanto o
usufrutuário existe, o proprietário tem os seus poderes de uso e fruição desativados. Mas, o
artigo 1482° do Código Civil também nos diz que, mesmo que o mau uso resultar num prejuízo
económico (abuso) para o proprietário, o proprietário pode de facto exigir a entrega da coisa
lhe seja entregue e, nesse sentido, o usufrutuário deixa de poder usar, mas não deixa de poder
fruir — agora quem vai usar é o proprietário, mas vai ter de entregar ao usufrutuário o
produto que aquela coisa produziu (é isto que resulta da última parte do artigo 1482° do
Código Civil).

Terminado o usufruto, seja qual for a causa de extinção, o usufrutuário é obrigado a restituir a
coisa (artigo 1483° do Código Civil) — mas, se por ventura existir um contra crédito do
usufrutuário contra o proprietário por despesas feitas relativas à coisa, em que ele tenha de
ser ressarcido, ele goza do direito de retenção (previsto artigo 754° do Código Civil).

Para além deste usufruto propriamente dito, temos agora outros usufrutos (não são
verdadeiros usufrutos, mas estão lá próximos): um que está previsto no Código Civil e outros
em leis avulsas.

O que está previsto no Código Civil é o chamado Uso e Habitação. De forma pouco rigorosa, é
um usufruto menos abrangente, no que toca aos poderes de gozo e fruição (não são plenos,
mas sim restritos). Em que é que se distingue o direito de gozo do direito habitação? Distingue-
se em função da coisa: se o direito de uso tiver por objeto uma casa de morada de habitação,
esse direito chama-se direito de habitação; se o direito de uso tiver por objeto qualquer outro
que não seja a casa de habitação, então é o direito de uso. Ou seja, não há um direito de uso e
um direito de habitação: há um direito de uso, que se tiver por objeto a casa de morada de
habitação, chama-se direito de habitação — o direito de uso é um direito de habitação.

No direito de uso, propriamente dito, o proprietário chama-se usuário. No direito de


habitação, o proprietário chama-se morador usurário.

Em que é que consiste o direito de uso? Consiste na faculdade de se servir-se coisa alheia e
haver os respetivos frutos (artigo 1484° do Código Civil) — até aqui é igual ao usufruto. Isto
não é feito de forma plena, mas sim na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua
família — aqui é que está a diferença. Isto significa que o usuário, ao contrário do usufrutuário,
não pode usar de forma plena nem pode fruir de forma plena a coisa alheia, tem de o fazer na
medida das suas necessidades e da sua família.

Como usufruto que quase é, este direito constitui-se e extingue-se da mesma forma que o
usufruto (artigo 1485° do Código Civil) — mas, isto faz-se sem prejuízo do disposto da alínea b)
do artigo 1293° do Código Civil. Isto significa que, ao contrário do direito de usufruto, que
pode ser constituído por usucapião, este não pode. No que diz respeito à extinção, diz-se que
se distingue pelas mesmas formas que o usufruto — mas, aqui, aplica-se mais um: a lei não o
enuncia, mas infere-se. Ou seja, se o direito de uso tem como medida a necessidade do titular
e da sua família, obviamente que, se essa necessidade desaparecer, a desnecessidade extinguir
o direito de uso e habitação. Por exemplo, uma pessoa muito pobre não tem casa para morar e
outra pessoa constitui face a essa pessoa, o direito de uso e habitação sobre uma casa para ela
morar — se essa pessoa, por exemplo, ganhar o Euromilhões, a necessidade que tinha deixa de
existir, logo o direito extingue-se, ainda que não resulte da enumeração das causas de extinção
do usufruto (porque o usufruto não se extinguir pela desnecessidade). Portanto, quando se diz
que os direitos de uso e habitação se constitui e se extingue pelos mesmos moldes que o
usufruto, temos ter cuidado: relativamente à constituição, a lei proíbe a constituição por
usucapião; relativamente à extinção, não estabelece a extinção da necessidade, mas, na
medida em que faz parte da medida deste direito, então obviamente que desaparecendo a
necessidade extingue-se o direito de uso e habitação.

Como é que se fixa as necessidades pessoais? O artigo 1486° do Código Civil diz que as
necessidades pessoais do usuário ou do morador usuário são fixadas segundo a sua condição
social — isto significa que pode variar de pessoa para pessoa.

Qual é o âmbito da família? O artigo 1487° do Código Civil diz que na família do usuário ou do
morador usuário compreendem-se apenas o cônjuge, não separado judicialmente de pessoas e
bens, os filhos solteiros, outros parentes a quem sejam devidos alimentos e as pessoas que,
convivendo com o respetivo titular, se encontrem ao seu serviço ou ao serviço das pessoas
designadas. — o facto de a pessoa ter carência, não tem de significar necessariamente que
está na penúria.

Este direito de uso e habitação é intransmissível: usuário ou o morador usuário não podem
trespassar ou locar o seu direito, nem onerá-lo por qualquer modo.

No que diz respeito às obrigações, há uma aproximação ao usufruto, embora que com a
seguinte nuance: se o usuário consumir todos os frutos do prédio ou ocupar todo edifício,
ficam a seu cargo as reparações ordinárias, as despesas de administração e os impostos e
encargos anuais, como se fosse usufrutuário (artigo 1489° do Código Civil).

E por fim, no artigo 1490° do Código Civil temos o regime supletivo: é aplicado ao direito de
uso e habitação, com as devidas adaptações, as regras respeitantes a usufruto, quando não
esteja especificadamente seccionada no direito de uso e habitação.

O primeiro direito real não previsto no Código Civil é o direito de habitação periódica, que está
contido no DL 275/93. Este direito tem origem no direito anglo-saxónico, onde se chama time
sharing (partilha do tempo). É também no fundo um usufruto, mas é um usufruto diferente: o
objeto deste direito é um alojamento para férias. A lógica subjacente a isto está no artigo 1º,
que nos diz que sobre as unidades de alojamento integradas em hotéis-apartamentos,
aldeamentos turísticos e apartamentos turísticos podem constituir-se direitos reais de
habitação periódica limitados a um período certo de tempo de cada ano. Por exemplo, temos
um apartamento, em determinado hotel, que está afeto a este direito – o que é que o
proprietário daquela unidade hoteleira vai vender? Não vai vender as frações/os
apartamentos, vai vender períodos de tempo, durante o ano, sobre aqueles apartamentos. No
fundo, é de certa forma um usufruto sucessivo, mas não incide sobre aquele objeto no todo,
mas sim sobre semanas daquele objeto: na semana x “usufrui” A, na seguinte B, e assim
sucessivamente (é geralmente semanas, mas podem ser quinzenas).
O artigo 2º, nº1 diz-nos que o proprietário das unidades de alojamento sujeitas ao regime de
direitos reais de habitação periódica não pode constituir outros direitos reais sobre as mesmas
– o que é que isto significa? Significa que, quando o sujeito afeta o edifício ou, pelo menos,
parte dele ao direito real de habitação periódica, sobre aquelas unidades não podem existir
outros direitos de habitação periódica. O edifício pode ou não estar constituída propriedade
horizontal (nº2) – isto depende do que o proprietário quiser fazer:

 Pode constituir em propriedade horizontal, e agora temos várias frações autónomas –


e, em relação a essas frações autónomas, há uma partilha do tempo.
 Pode não constituir em propriedade horizontal, e temos várias unidades
independentes – e, aí, cada uma dessas unidades independentes são objeto dessa,
partilha no tempo.

O artigo 3º diz-nos que o direito real de habitação periódica é, na falta de indicação em


contrário, perpétuo (aqui distingue-se do usufruto e, em certa forma, pode ser comparado ao
direito de propriedade), podendo ser-lhe fixado um limite de duração, não inferior a um ano a
contar – ou seja, eu posso comprar, durante um ano, as semanas 4 e 5 perpetuamente – são
minhas e, por minha morte, transmitem-se aos meus herdeiros. O nº2 do mesmo artigo diz-
nos que o direito real de habitação periódica é limitado a um período de tempo determinado
ou determinável em cada ano. E, o nº3 diz-nos que, sem prejuízo do disposto no número
anterior, os períodos de tempo devem ter todos a mesma duração.

Quanto às características das unidades de alojamento, que podem ou não estar constituídas
em propriedade horizontal – mesmo que não estejam, têm de reunir as características que lhe
permitiam levar à constituição. O artigo 4º diz-nos que, as unidades de alojamento, além de
serem independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte
comum do empreendimento ou para a via pública – isto é basicamente a formulação que o
legislador utiliza a propósito das frações autónomas, na propriedade horizontal. E por isto é
que, no caso da habitação periódica, mesmo que não esteja constituído em propriedade
horizontal, as unidades são independentes: juridicamente não são frações autónomas, mas
materialmente são.

Relativamente à forma, o artigo 6º diz-nos que salvo o disposto em lei especial, o direito real
de habitação periódica é constituído por escritura pública ou por documento particular
autenticado – portanto, a forma exigida é a mesma que a exigida na compra e venda de
imóveis. Já o artigo 7º, diz-nos que salvo o disposto em lei especial, o título de constituição do
direito real de habitação periódica pode ser modificado por escritura pública ou por
documento particular autenticado, havendo acordo dos titulares de direitos reais de habitação
periódica cuja posição seja afetada.

O artigo 8º diz-nos que é um facto sujeito a registo – ou seja, o título de constituição do direito
real de habitação periódica está sujeito a inscrição no registo predial.

Já o artigo 12º, diz-nos o modo como a oneração e a transmissão operam: a oneração ou a


transmissão por ato entre vivos de direitos reais de habitação periódica faz-se mediante
declaração das partes no certificado predial, com reconhecimento presencial das assinaturas
do constituinte do ónus ou do alienante, respetivamente, e está sujeita a registo nos termos
gerais – isto significa que a transmissão está sujeita a registo. A transmissão mortis causa
também está sujeita a registo (nº3). A transmissão dos direitos reais não exige o
consentimento do titular da unidade hoteleira – o nº4 diz-nos que a transmissão de direitos
reais de habitação periódica implica a cessão dos direitos e obrigações do respetivo titular em
face do proprietário do empreendimento ou do cessionário da exploração, sem necessidade de
concordância deste, considerando-se não escritas quaisquer cláusulas em contrário – significa
que há um direito de transmitir (aqui afasta-se do direito de usufruto), que dispensa o
consentimento do proprietário.

Por fim, um aspeto interessante: estamos claramente perante contratos onde prevalece aqui a
tutela do consumidor. E, nós sabemos que o time sharing teve muita má fama em Portugal.
Sendo então um direito muito focado no consumidor final a tutela do consumidor está
subjacente ao artigo 13º-A, que nos diz que, antes da assinatura do contrato, o vendedor está
obrigado a informar o adquirente de que dispõe de um prazo de 14 dias seguidos para resolver
o contrato e que se encontra vedado o pagamento de quaisquer quantia – isto significa que é
conferido ao adquirente, o direito potestativo de poder resolver, sem qualquer
fundamentação (basta a mera comunicação). E, para evitar mais problemas, para além de já
estar no artigo 14º, que nos diz que antes do termo do prazo para o exercício do direito de
resolução previsto no n.º 1 do artigo 16.º é proibido efetuar pagamentos seja a que título for
ou receber qualquer quantia como forma de pagamento, ou com qualquer outro objetivo
direta ou indiretamente relacionado com o negócio jurídico a celebrar.

A síntese deste direito está no fundo feita no artigo 21º, que diz que o titular do direito real de
habitação periódica tem as seguintes faculdades:

a) Habitar a unidade de alojamento pelo período a que respeita o seu direito.


b) Usar as instalações e equipamentos de uso comum do empreendimento e beneficiar
dos serviços prestados pelo titular do empreendimento.
c) Exigir, em caso de impossibilidade de utilização da unidade de alojamento objeto do
contrato devido a situações de força maior ou caso fortuito motivado por
circunstâncias anormais e imprevisíveis alheias àquele que as invoca, cujas
consequências não poderiam ter sido evitadas apesar de todas as diligências feitas,
que o proprietário ou o cessionário lhe faculte alojamento alternativo num
empreendimento sujeito ao regime de direitos reais de habitação periódica, de
categoria idêntica ou superior, num local próximo do empreendimento objeto do
contrato.
d) Ceder o exercício das faculdades referidas nas alíneas anteriores.

Vamos agora passar para o direito que surgiu este ano, o direito de habitação duradoura. Que
direito é este? De certa forma, é mais um usufruto – tem em comum com o usufruto a
possibilidade de usar uma coisa alheia. O legislador diz, no fundo, que isto é uma resposta à
nova conjuntura do setor habitacional – visa tornar mais flexível a mobilidade habitacional: a
lógica é: mais do que ser proprietário, eu preciso é de usar, mesmo que aquilo não seja meu
(uso o que não é meu e permite-me deixar de usar, logo há mais mobilidade habitacional.

Em Portugal, 73 % dos alojamentos familiares clássicos de residência habitual em Portugal são


ocupados pelos proprietários – isto na Europa e nos EUA não é assim, é mais típico o
arrendamento. Portanto, para além dos problemas de mobilidade habitacional, também surge
o problema do endividamento, que é o maior problema.
Portanto, o que é que se tentou criar? Um regime flexível, mas ao mesmo tempo com alguma
segurança: ou seja, eu posso cessar o contrato em qualquer altura, mas posso querer mante-lo
indefinitivamente. O regime é isto mesmo: flexível para quem vai usar, mas também
duradouro para quem tenha essa perspetiva.

Como é que isto é conseguido? A lógica disto é que o direito real de habitação duradoura
faculta a uma ou a mais pessoas singulares (não é aplicável a pessoas coletivas) o gozo de uma
habitação alheia (aproximando-se aqui do usufruto) como sua residência permanente por um
período vitalício, mediante o pagamento ao respetivo proprietário de uma caução pecuniária e
de contrapartidas periódicas (artigo 2º). Qual é a diferença entre isto e o arrendamento? É o
caráter vitalício deste direito (o arrendamento tem a duração máxima de 30 anos). Portanto, é
semelhante ao usufruto, quando diz respeito à duração poder ser vitalícia (afastando-se do
arrendamento); é semelhante ao arrendamento, quando se fala na contrapartida periódica
(não lhe chama renda, mas a ideia é a mesma).

No artigo 3º, os conceitos que nos importam referir são os seguintes:

 A habitação é o prédio urbano ou a fração autónoma de prédio urbano, tal como


definidos no n.º 2 do artigo 204.º e nos artigos 1414.º e 1415.º do Código Civil,
legalmente apto para ser utilizado para fins habitacionais.
 O morador é a pessoa ou pessoas do agregado habitacional que constam no contrato
como titular ou titulares do Direito de Habitação Duradoura de uma determinada
habitação – têm é de estar mencionadas.
 A residência permanente é a habitação utilizada, de forma habitual e estável, por uma
pessoa ou por um agregado habitacional como centro efetivo da sua vida pessoal e
social – significa que, à partida, uma pessoa só pode ter um contrato destes.

Ora, a lógica disto é: como este direito tem agora subjacente dois pagamentos, significa que
vai haver um primeiro pagamento que vai funcionar como caução, que é em função do valor
da coisa, e depois vai haver os pagamentos das prestações periódicas. Mas, há aqui um
problema: este valor da caução não é livremente estabelecido pelas partes: a lei estabelece
que é um determinado percentual do valor que a coisa tiver – por isso é que o legislador diz
que, nº4, para efeitos de constituição de um DHD, cabe ao proprietário promover a avaliação
prévia do estado de conservação da habitação realizada por arquiteto, engenheiro ou
engenheiro técnico inscrito na respetiva ordem profissional, que não se encontre em qualquer
situação de incompatibilidade ou de impedimento no âmbito desse processo.

Então, mas como é que este direito é constituído? É constituído pelo proprietário de uma
habitação a favor de uma ou mais pessoas singulares, que adquirem a qualidade de
moradores. A habitação deve ser entregue pelo proprietário ao morador com um nível de
conservação, no mínimo, médio e livre de pessoas, ónus e encargos, incluindo outros direitos
ou garantias reais, designadamente a hipoteca. O contrato é celebrado por escritura pública ou
por documento particular no qual as assinaturas das partes são presencialmente reconhecidas
– não é necessário o documento particular autenticado. Repare-se que, como é um direito
real, a constituição está sujeita a registo – quem requer, curiosamente, é o morador
(atualmente sabemos que a obrigação de registar é da entidade que celebra o registo).

No contrato tem de constar (artigo 5º, nº4):


 O montante da caução prestada e os valores das contrapartidas a que se refere o n.º 1
do artigo 7.º;
 A declaração do morador a aceitar o estado de conservação da habitação,
determinado de acordo com a ficha de avaliação referida no artigo anterior, que
consta como documento complementar do contrato;
 O endereço postal e, se as partes assim o pretenderem, o endereço eletrónico que
cada uma delas se compromete a utilizar para efeito de todas as comunicações a
realizar no âmbito do DHD, sem prejuízo do disposto no n.º 9.

Vamos então ver a questão da caução: o arrigo 6º diz-nos que com a constituição do Direito de
Habitação Duradoura é prestada pelo morador ao proprietário uma caução pecuniária cujo
montante é estabelecido, por acordo entre as partes, entre 10 % e 20 % do valor mediano das
vendas por m2 de alojamentos familiares, por freguesia, aplicável em função da localização da
habitação e da área constante da respetiva caderneta predial, de acordo com a última
atualização divulgada pelo Instituto Nacional de Estatística, I. P., (INE, I. P.), sendo considerado
o valor da menor unidade territorial para fins estatísticos em que a habitação esteja localizada
no caso de indisponibilidade do valor por freguesia – isto não é um acordo livre, porque o valor
será de acordo com o valor de mercado. Para já, conseguimos ver a seguinte vantagem: se eu
quisesse comprar uma casa, tinha de pagar o valor total, mas se apenas a quiser usar, posso
recorrer a este mecanismo e pagar entre 10% e 20% do seu valor, podendo assim usar nos
mesmos termos e até perpetuamente.

Como contrapartida, o que é que agora o morador vai pagar? Vai pagar a renda – o legislador
não lhe chama renda apenas para não confundirmos com o arrendamento: chama-lhe
prestação pecuniária mensal. Então, o morador vai ter de pagar:

 Uma prestação pecuniária mensal, por cada mês de duração, cujo montante é
estabelecido no contrato – valor acordado pelas partes.
 Uma prestação pecuniária anual, por cada ano efetivamente decorrido desde o 11.º
ano até ao final do 30.º ano, correspondente a 5 % da caução inicial e paga através de
dedução na caução.

Então, imagine-se que eu celebro o contrato perpetuamente (ou seja, só se extinguirá com a
minha morte ou com a morte dos meus herdeiros). Eu estabeleço uma caução de 20% do valor
do imóvel – o imóvel custa 100 mil € e eu vou pagar 20 mil €. Pago esse valor, e agora o que é
que vou ter de pagar durante os primeiros 10 anos? Apenas a renda mensal. No final desses 10
anos, o contrato mantém-se e, para além da prestação mensal que já pagava, vou ter de pagar
agora a prestação pecuniária anual, que corresponde a 5% da caução (que é devida entre o 11º
ano e o 30º ano) – significa que é devida durante 20 anos e pode ser paga através da caução.
Isto significa que, todos os anos, eu vou tirar 5% e, ao final dos 20 anos paguei a caução. A
partir daí não tenho de pagar mais nada para além das prestações pecuniárias mensal. A
caução serve então de garantia para o proprietário, mas também de pagamento do próprio
direito, caso ele ultrapasse os 10 anos.

Do ponto de vista da atualização da prestação pecuniária mensal, podem ser estabelecidos


aumentos anuais entre as partes e, se não forem estabelecidos, pode ser aumento de acordo
com os índices de preços estabelecidos no contrato.

Por fim, do ponto de vista das obrigações do proprietário, elas são (artigo 8º):
 Assegurar que a habitação é entregue ao morador em estado de conservação, no
mínimo, médio.
 Pagar, na parte relativa à habitação, os custos de obras e demais encargos relativos às
partes comuns do prédio e, no caso de condomínio constituído, pagar as quotizações e
cumprir as demais obrigações enquanto condómino.
 Assegurar a vigência, a todo o tempo, de seguros relativos ao prédio e à habitação que
sejam legalmente obrigatórios.
 Realizar e suportar o custo das obras de conservação extraordinária na habitação,
salvo se as anomalias existentes resultarem de atos ilícitos e ou do não cumprimento
de obrigações por parte do morador.
 Gerir o montante recebido a título de caução e, com a extinção do DHD, assegurar a
sua devolução ao morador nos casos e termos previstos no presente decreto-lei.

Já do ponto de vista das obrigações do morador, elas são (artigo 9º):

 Utilizar a habitação exclusivamente para sua residência permanente.


 Pagar as taxas municipais e entregar ao proprietário do imóvel os montantes relativos
ao Imposto Municipal sobre Imóveis.
 Promover ou permitir a realização das avaliações do estado de conservação da
habitação previstas no presente decreto-lei e, salvo nos casos da avaliação prévia
prevista no artigo 4.º e no n.º 3 do presente artigo, pagar o respetivo custo.
 Realizar e suportar o custo das obras de conservação ordinária na habitação.
 Consentir ao proprietário a realização das obras a que este está obrigado de acordo
com a alínea b) do artigo anterior e informá-lo logo que tenha conhecimento da
existência de anomalias na habitação cuja reparação seja obrigação do mesmo.
02 NOVEMBRO – PRÁTICA
Usufruto. Hipóteses práticas.

Caso Prático:
Em janeiro de 2015, António, proprietário do imóvel x, constituiu sobre ele um usufruto
vitalício a favor de Bento, Carlos e Daniel, que não lograram alcançar acordo quanto ao
respetivo modo de exercício

Em Junho de 2015, Bento doou os direitos que tinha sobre o usufruto a Eduardo, seu
filho. Daniel não concordou com este ato e decidiu cortar relações com Bento e com
Carlos, que se tinha solidarizado com Bento.

Desgostoso com a situação, Bento suicidou-se em Julho de 2015. Em Agosto de 2015, Carlos
transmitiu a Eduardo, a título definitivo e pelo preço de € 10.000, a sua posição de
usufrutuário.

Daniel não concordou com mais este ato e pretende reagir judicialmente. Desconsolado
com a conflitualidade que criou, António decidiu vender o imóvel x a Fernando e este
pretende passar a explorar diretamente o imóvel.

Responda, sucinta mas fundadamente, às seguintes questões:

1. Terá Daniel fundamento para agir judicialmente relativamente ao negócio jurídico


celebrado entre Carlos e Eduardo?
2. Analise a pretensão de Fernando.

Resolução:
1.

O usufruto é um direito de natureza temporária (artigo 1439º) – o usufruto vitalício não deixa
de ser temporário. Sendo de natureza temporário, pode ser agora constituído de duas formas:

 Ou por um determinado período de tempo fixo – com um determinado termo certo


(por exemplo, por 10 anos).
 Ou não – vitalício: também está sujeito a um termo, mas incerto.

O que é que ambos têm em comum? A certeza da sua verificação: ou daqui a 10 anos ou
quando o sujeito morrer – tem um termo. Ou seja, um termo faz depender a produção ou a
extinção dos efeitos, consoante seja um termo suspensivo ou resolutivo, de um determinado
facto futuro de verificação certa. E nesse aspeto distingue-se da condição, porque a condição
também se destina a um facto futuro, mas de verificação incerta.

A diferença entre um termo certo e um termo incerto não é a certeza da verificação (porque
isso acontece) – é o momento em que se vai verificar. Ou seja, estamos perante factos futuros
de verificação certa, mas o momento da verificação é que pode ser certo ou incerto.

Que usufruto é que foi constituído por António? É um usufruto simultâneo – é uma
modalidade do usufruto plural, porque é constituído a favor de mais do que um usufrutuário e
distingue-se da outra modalidade de usufruto plural (o usufruto sucessivo), porque neste
usufruto todos os usufrutuários estão no fundo a exercer o direito ao mesmo tempo (artigo
1441º).

O único requisito do usufruto plural é que os usufrutuários existam/estejam vivos quando o


direito do primeiro se tornou efetivo – e o momento em que se determina essa existência é o
momento em que o primeiro usufrutuário se torna efetivo/se inicia.

No primeiro parágrafo da hipótese não vemos então nenhum vício. O António tem ou não tem
legitimidade para constituir o usufruto? Sim, porque é o proprietário.

Passando agora para o segundo paragrafo. O facto de Daniel ter cortado relações com Bento e
Carlos não é relevante. O facto de ele não ter concordado poderá ser relevante no caso da
concordância dele ser necessário – se não é necessário, não interessa para nada; se for
necessária, pode interessar. Para isso temos de saber em que medida e de que forma pode o
Bento doar um direito que tem ao filho.

Neste caso, aplicam-se as regras da compropriedade – e, nesse caso, o usufrutuário pode


dispor de toda a sua quota. E precisa do acordo do outro? Não – se fosse uma venda ou uma
dação é que haveria direito de preferência.

Em termos gerais é ou não é possível transmitir o próprio usufruto? É um direito transmissível?


Sim, porque o usufruto é um direito intransmissível apenas mortis causa – o usufruto não se
transmite por morte, porque mesmo quando seja constituído vitaliciamente, extingue-se com
a morte do usufrutuário.

Segundo o artigo 1476º, nº1, o usufruto extingue-se em duas situações (al. a)):

1. Ou com a morte do usufrutuário – quando o usufruto é vitalício.


2. Ou então com o seu termo – quando não seja vitalício.

Isto significa que a morte do usufrutuário não extingue necessariamente o usufruto – extingue
o usufruto quando o usufruto foi constituído com caráter vitalício. Se não tiver sido constituído
com caráter vitalício, não é a morte do usufrutuário que o extingue, mas sim o termo do prazo
pelo qual o direito foi constituído.

Agora, neste sentido, significa que há uma coisa que é certa: o usufruto é intransmissível
mortis causa – ou seja, não é transmissível pela morte. O que não significa que não pode ser
transmissível intervivos – e pode (artigo 1444º - o legislador coloca aqui a palavra “trespasse”
no sentido da transmissão).

Pode ou não pode o usufrutuário transmitir intervivos? Sim – a não ser que o título
constitutivo o proíba. O título constitutivo pode impedir o exercício deste direito.
Na hipótese, o direito que Bento adquiriu a partir de António era com caráter vitalício –
significa que durava toda a vida do Bento. O que é que o Bento pode agora fazer? Pode
trespassar ao seu filho, e pode faze-lo de duas formas:

1. Ou trespassa com caráter definitivo – significa que o usufruto nunca mais regressa ao
Bento.
2. Ou trespassa com uma duração pré-determinada – findo esse prazo o Bento retoma a
posição que tinha.

Ou seja, temos António que constitui o usufruto simultâneo a favor de B, C e D – este usufruto
é constituído a título vitalício, o que significa que se vai extinguir em B, em C ou em D no
momento em que eles morrem. Significa então que, inter vivos eles podem transmitir o direito
– de que forma? Ou definitivo ou temporariamente.

Vamos supor que Bento transmite definitivamente ao filho – ele pode transmitir. Isto significa
que B nunca mais será o usufrutuário – o usufrutuário será Eduardo. Durante quanto tempo?
Para todo o sempre até que aconteça algo a Bento – se o Bento morre, e como usufruto não é
transmissível mortis causa, no limite o usufruto vitalício vigora enquanto o usufrutuário for
vivo. Portanto, a morte de Bento extingue os efeitos do trespasse.

Situação diferente seria se o Bento transmitisse com caráter temporário – findo o prazo
estipulado, extingue-se o usufruto em Eduardo e regressa à posição do Bento.

Portanto, ele pode transmitir. Mas, não deixa de ser verdade que ele é usufrutuário, mas não é
o único usufrutuário – são também usufrutuários em simultâneo o Carlos e o Daniel. Então a
pergunta que se coloca agora é: Bento pode transmitir livremente o seu direito, ou pelo facto
de estar perante um usufruto simultâneo faz com que ele de certa forma tenha de obter o
consentimento/a não oposição (o que seja) do Carlos e do Daniel?

Estamos numa situação de contitularidade – é a situação que se verifica quando determinado


direito tem mais de um titular ao mesmo tempo. Às situações de contitularidade é aplicado o
regime da compropriedade – é o que diz o artigo 1404º.

Se em vez de ser um usufruto simultâneo, Bento, Carlos e Daniel fossem comproprietários


podia ou não podia o Bento transmitir a sua posição do direito/a sua quota? Sim. É necessário
o consentimento dos outros? Não. É necessário conceder o direito de preferência neste
negócio? Não, porque ainda que a transmissão esteja a ser feita a Eduardo (Que é um estranho
– não é um co-usufrutuário), estamos aqui perante um negócio gratuito.

Resumindo: Bento pode doar os direitos que tem sobre o usufruto, pode fazê-lo a título
temporário ou definitivo, não tem de pedir o consentimento de ninguém e também não tem
de dar preferência a ninguém.

A outra questão que é pertinente é a seguinte. Já se percebeu que o que marca o término do
usufruto vitalício é a morte do usufrutuário e do usufruto temporário é o termo pelo qual ele
se constituiu.

Vamos supor uma hipótese em que A constituiu a favor do B um usufruto de 20 anos, em


2000, e que o B transmite o usufruto a C a título definitivo em 2005; o B morre em 2010. A
morte do B que efeitos é que produz relativamente à posição do C?
Há duas hipóteses aqui:.

1. A morte do B em 2010 não prejudica o usufruto do C até 2020.


2. A morte do B em 2010 prejudica o usufruto do C.

Conforme a al. a) do nº1 do artigo 1476º, o usufruto extingue-se por:

1. Morte do usufrutuário.
2. Chegado o termo do prazo porque o direito foi conferido, quando não seja vitalício.

Então, no caso da nossa hipótese, extingue-se em 2020, chegado o termo do prazo.

02 NOVEMBRO – OT
Usufruto. Hipóteses práticas.

(continuação da resolução da hipótese anterior)

1.

Neste confronto que envolve novamente o Daniel com o Eduardo e com o Carlos, como é que
isto agora se resolve?

Quando Bento se suicida, como o usufruto tinha sido constituído por António a título vitalício e
como Bento (um dos co usufrutuários) morreu, significa que a partir de junho de 2015 se
extinguiu o usufruto do Bento. Ora, consequentemente, o que é que necessariamente se
extinguiu? O do Eduardo – porque adquire a partir do Bento. E, portanto, com a morte do
Bento extingue-se o usufruto em relação ao Bento e como o usufruto tinha sido constituído
com caráter vitalício, significa que afeta a posição do Eduardo.

Portanto, em junho de 2015, os usufrutuários são: Carlos e Daniel. O que é que acontece à
quota parte do Bento, do usufruto? Duas hipóteses:

 Ou regressa ao proprietário.
 Ou acresce aos usufrutuários.

Neste caso, acresce aos usufrutuários: Carlos e Daniel têm respetivamente 50% cada um – é o
funcionamento do direito de acrescer (artigo 1442º). Ou seja, a regra é esta: salvo estipulação
contrária no próprio título (=a não ser que o ato de constituição do usufruto se tenha disposto
em sentido diferente), a regra é de que com a morte de um dos usufrutuários a posição dele
acresce à dos outros. E, portanto, o direito só se volta a consolidar no proprietário, quando
morrer o último.

Portanto, neste sentido agora o que é que vai acontecer em agosto de 2015? O Carlos
transmite a Eduardo, a título definitivo, por 10.000,00€, a sua posição de usufrutuário – o
problema é que o Daniel não está de acordo e quer reagir. Pode fazê-lo?

Pode, porque aqui tem direito de preferência. Repare-se que o Eduardo não tem nada a ver
com o usufruto agora, porque a posição do Eduardo extingue-se em julho com a morte do
Bento. E, portanto, o Eduardo é um estranho àquilo.
Assim, estamos perante um negócio oneroso – compra e venda. Ora, não se trata de um
problema de o Daniel concordar ou não: a transmissão da quota não pressupõe o
consentimento. Mas também é verdade que lhe devia ter sido dado o direito de preferência e
não foi.

Pode ou não pode então reagir judicialmente? Pode – através de uma ação de preferência
(artigo 1410º). E, portanto, através da ação de preferência, o que vai acontecer é operar-se a
transmissão não do Carlos para o Eduardo, mas do Carlos para o Daniel – no fundo, o que o
juiz vai fazer é a substituição do adquirente. Ou seja, o negócio é à mesma um negócio de
transmissão a partir de Carlos, mas não é para Eduardo, é para o Daniel, porque se dá a
substituição por decisão judicial da posição do adquirente – ou seja, onde estava o Eduardo,
passa a estar o Daniel. E, neste sentido, deixa de haver contitularidade – se lançar mão da ação
de preferência e se o tribunal lhe der razão, o tribunal dá-lhe razão e extingue-se a
contitularidade, porque o Daniel passa a ser o único usufrutuário. E, portanto, este usufruto
extinguir-se-á com a morte do Daniel, nos termos do direito de acrescer (artigo 1442º).

2.

A questão aqui é a de saber se o Fernando tem razão no sentido de pretender passar a


explorar diretamente o imóvel.

Se todos estes atos estiverem registados, a pretensão de Fernando tem sentido ou não? Não –
se está tudo registado é evidente que não tem, porque são direito oponíveis ao Fernando. É
verdade que não foi o Fernando que constituiu o usufruto, mas a partir do momento m que os
atos estão registados, o Fernando sabe que está lá o usufruto – e se sabe, significa que o
usufruto lhe é oponível.

Se o usufruto por ventura não está registado, então aí a questão muda de figura. E, portanto, a
questão de saber se é ou não é, apesar de tudo, oponível ao Fernando este usufruto não
registado implica voltarmos à questão de saber se Fernando é ou não é terceiro. Fernando,
neste caso, será terceiro para efeitos de registo (porque a partir de um autor comum adquire o
direito, tal como os outros também) – qualquer que seja a conceção que se adote ele é
terceiro. A questão seria saber se ele, sendo terceiro, podia ou não podia beneficiar do efeito
atributivo – e o efeito atributivo faz apelo ao artigo 291º do CC. No caso de beneficiar, dar-se-
ia uma ação de reivindicação, em que ele iria demonstrar que o direito que os outros
constituíram não lhe é oponível, precisamente por não estar registado. Assim, Fernando tem
de ter registado a sua aquisição e a aquisição dele tem de ser anterior ao registo de qualquer
ação destinada a invalidar o registo anterior.

Portanto, se todos os pressupostos do nº1 e nº2 do artigo 291º estiverem verificados, o


Fernando será protegido pelo efeito atributivo do registo e nesse caso extingue-se o usufruto.

Se isso não acontecer, o usufruto mantém-se e o Fernando será sempre proprietário, mas não
pode exercer plenamente os seus poderes, porque estamos perante uma situação de
sobreposição hierárquica e, enquanto estiver lá o usufruto, o usufruto prevalece sobre a
propriedade, no que diz respeito aos direitos de usar e fruir.
Caso Prático:
A constituiu a favor de B, por documento particular, um usufruto vitalício sobre o seu imóvel X.

B, de imediato, realizou diversos investimentos no imóvel.

Dois anos mais tarde, A mudou de ideias e ocupou o imóvel.

B pretende reagir através de uma ação de reivindicação.

Quid juris?

Resolução:
Pode ou não pode reagir? Pode. Mas ele quer reagir através de uma ação de reivindicação.

Estamos no âmbito da defesa do direito da propriedade. Aqui estamos perante um direito de


propriedade ou não? Neste caso é um usufruto.

Podemos utilizar a ação de reivindicação para a defesa do usufruto? Sim.

O artigo 1311º, nº1 diz-nos que o proprietário pode exigir judicialmente de quem tem a coisa
em seu poder, não lhe pertencendo a coisa, o reconhecimento do seu direito de propriedade e
a consequente restituição do que lhe pertence – como é evidente, esta norma não é aplicável
ao usufruto, a não ser que o código diga que seja. E diz, no artigo 1315º.

Assim, é possível ao usufrutuário defender o seu direito através de uma ação de reivindicação.

E neste sentido, quem é que são os sujeitos? O reivindicante será o usufrutuário e o


reivindicado será o proprietário.

Isto à partida pode parecer estranho – como é que o titular de um direito real MENOR atua
contra o titular do direito real maior? Parece estranho, mas não é – porque como estamos
perante uma situação de sobreposição, neste caso hierárquica, como é obvio enquanto existir
o usufruto, o proprietário não pode perturbar os poder de uso e fruição que concedeu ao
usufrutuário. Portanto, o autor será o usufrutuário e o réu será o proprietário.

Só que agora, o autor da ação/reivindicante, tem de demonstrar pelo menos o quê?

1. Primeiro, tem de alegar factos que demonstrem que ele é o titular do direito que
pretende reivindicar.
2. Depois, tem de demonstrar os atos do sujeito contra o qual está a reivindicar,
nomeadamente os atos de perturbação do uso da coisa.

Mas, agora, o problema é: como é que ele faz a prova de ser o titular do direito que reivindica?
Através do documento particular/contrato.

O contrato tem algum problema? O negócio foi bem celebrado? Não – faltava a autenticação
do documento ou então a escritura pública. Então, se o documento não estava autenticado, a
consequência é que é nulo. Ora, se é nulo, não produz efeito – por isso, não há usufruto e
assim, não pode haver ação de reivindicação.
Ele de facto até pode defender a sua posição, mas não é com uma ação de reivindicação,
porque a ação de reivindicação visa a defesa do direito e ele não tem o direito – há um vício de
forma do contrato. Ou seja, nos termos do artigo 875º, este contrato tinha de ser feito por
escritura pública ou por documento particular autenticado, porque é aplicável a regra da CV
neste caso (artigo 874º).

Neste caso a hipótese não diz, mas até que fosse uma doação era igual – porque a doação
também requer escritura pública ou documento particular autenticado.

Assim, B não podia reagir através de uma ação de reivindicação, mas podia reagir através de
uma outra ação: ação possessória – porque B é possuidor formal. Neste caso, a posse de B só
se perde ao final de um ano e um dia – o que significa que a partir do momento em que A
ocupou o imóvel, começou a contar o prazo de 1 ano para o B poder atuar através de uma
ação de defesa da pose (neste caso era uma ação de restituição). Se o B não reagir neste prazo,
aí sim caduca o direito e deixa de poder atuar como forma de defesa da posse.
03 NOVEMBRO – TEÓRICA
Capítulo VI Superfície. 1. Conteúdo do direito de superfície. 2. Natureza jurídica e objeto da superfície- 3. Modos
de constituição: especialidades. 4. Situação jurídica do superficiário. 5. Poderes e deveres do superficiário
Capítulo VII Servidão. 1. Traços característicos. 2. Conteúdo da servidão predial- 3. Natureza jurídica. 4. Modos de
constituição. 5. Classificações.

Ainda quanto ao direito real de habitação duradoura e à sua transmissão, segundo o artigo
11º, o proprietário do imóvel é livre de transmitir a terceiros a propriedade, onerada com o
direito – não pode é, no entanto, constituir outros direitos ou outras garantias sobre o imóvel.
A única garantia que é possível é constituir a hipoteca, destinada a garantir o financiamento à
compra do imóvel. Ou seja, o proprietário pode transmitir livremente a terceiros, a
propriedade do imóvel.

Mas, a questão é, então e o próprio direito é transmissível ou não? Segundo o artigo 12º, o
direito de habitação duradoura não é transmissível mortis causa e, na sua vigência, só pode ser
transmitido no caso de execução da hipoteca a que se refere o artigo seguinte.

E como é que este direito se extingue? O artigo 15º diz-nos que a extinção do Direito de
Habitação Duradoura determina, entre outras, a obrigação de o morador entregar a habitação
ao proprietário com nível de conservação, no mínimo, médio e a obrigação do proprietário de
devolver ao morador o saldo da caução – isto faz sentido, porque a habitação não é dele, ele
só está ali no âmbito de uma utilização. Ele atua quase como proprietário, mas é apenas um
morador – e, nesse sentido, ele entrega a habitação e, depois, o proprietário devolve-lhe a
caução a que haja lugar: anualmente é descontado 5% da caução e, no fim, se houver caução
restante, devolve-lhe

E como este direito não é transmissível, caduca com a morte do morador ou, se for constituído
a favor de mais do que uma pessoa, com a morte do último deles (artigo 16º).

Vamos agora ver no que diz respeito às servidões prediais. E o que é que é isto de uma
servidão predial? Se olharmos para o artigo 1543° do Código Civil, vemos que uma servidão é
um encargo imposto um prédio e que visa beneficiar outro prédio — por isso é que se diz que
é uma servidão predial e não pessoal, porque não incide sobre o sujeito, mas sim sobre o
prédio. Depois, obviamente que quem beneficia da servidão e quem pode exercer poderes
sobre o prédio. Estes dois prédios tem uma característica: são de donos diferentes — E tem de
ser, porque se for do mesmo dono não existe aqui uma servidão e, se houver uma vantagem
que um prédio está a retirar do outro, então isso chama-se uma serventia. Uma serventia
distingue-se de uma servidão, entre outras coisas, pelo facto de que o prédio que beneficia e o
prédio que tenho em cargo, na serventia são do mesmo dono e na servidão são de donos
diferentes. Nos dois prédios, o que beneficia da servidão diz-se dominante e o que tem o
encargo diz-se serviente (artigo 1543° do Código Civil). O que é que pode ser objeto de uma
servidão? A lei é muito clara (artigo 1544° do Código Civil) quaisquer utilidades que possam
funcionar no âmbito da servidão/que um perdido pode retirar em função do outro — a lei não
distingue a utilidade em concreto. Agora, É evidente que existem alguns tipos de utilidades,
que são as chamadas utilidades típicas — para essas, o legislador criou regimes, para algumas
das suas situações (por exemplo, a mobilidade física e a passagem).

As servidões podem ser:

 Legais.
 Voluntárias.

Como é que este artigo é constituído? O artigo 1547° do Código Civil tem dois números, e no
n°2 tem previsto a constituição das servidões legais — portanto, não há nenhuma dúvida que o
n°2 apenas nos está a dizer como é que se constituem servidões legais. Se assim é, faria
sentido que, no número um, nos dissesse como é que se constituem as servidões voluntárias
— mas, não é assim: no número um está a constituição de ambas (voluntárias e legais). O n°1
do artigo 1547° do Código Civil diz-nos que as servidões prediais podem ser constituídas por
contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família. O n°2 diz-nos que
as servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença
judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos. O que é que estamos aqui a ver?
Que o que distingue uma servidão legal de uma servidão voluntária não é o modo como ela se
constituiu, porque uma servidão legal também pode ser constituída por contrato, ou seja,
voluntariamente. A diferença entre umas e outras, é que as servidões legais, se não for
possível serem constituídas por acordo, podem ser impostas judicialmente; ao passo que, as
servidões voluntárias não podem. A norma é clara ao dizer que as servidões legais só se
constituem por sentença judicial ou por decisão administrativa, se não for possível constitui-las
voluntariamente. Como é que distinguimos na prática? Por exemplo, imaginemos que A tem
um prédio que não têm acesso à via pública — diz-se que o prédio está encravado: quando o
prédio está encravado, significa que não tem acesso à via pública ou então até tem, mas
extremamente difícil ou caro. Ora, para aceder à via pública, vai ter de passar por algum lado.
Então, A vai ter de ver se, ao lado do seu prédio há algum outro prédio até à via pública — e,
se houver, ele vai ter de ver se pode ou não constituir ali uma servidão de passagem. O que é
que A vai fazer? Vai pedir a B para constituir uma servidão de passagem. Se B disser que sim, o
assunto está resolvido, mas se disser que não o problema subsiste. O artigo 1550° do Código
Civil diz-nos que as proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública,
nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a
faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos
— ou seja, A tem a faculdade de exigir (direito potestativo) a constituição de uma servidão de
passagem, que será constituída por decisão judicial (servidão legal). Mas, se B dissesse que
afinal podia constituir a servidão, e esta servidão tivesse sido constituída por contrato, ela
continuava a ser uma servidão legal, porque mesmo que não fosse constituída
voluntariamente, A teria a faculdade de a constituir judicialmente. Vamos agora admitir que o
prédio de A não está encravado, mas dá-lhe mais jeito passar pelo prédio de B — se B disser
que não, A não pode ir para tribunal reclamar a constituição de servidão; mas, se B disser que
sim, aí sim, é uma servidão voluntária. Portanto, o que distingue uma servidão legal de uma
voluntária não é a forma como são constituídas, mas sim a forma como se poderão constituir,
caso não seja possível alcançar o acordo. Por isso é que a lei estabelece o regime das servidões
legais.

Quanto ao modo de extinção das servidões, o artigo 1560º do Código Civil enuncia os
seguintes:

 Pela reunião dos dois prédios, dominante e serviente, no domínio da mesma pessoa.
 Pelo não uso durante vinte anos, qualquer que seja o motivo.
 Pela aquisição, por usucapião, da liberdade do prédio.
 Pela renúncia.
 Pelo decurso do prazo, se tiverem sido constituídas temporariamente.

Imaginemos agora que, aquela servidão se tornou desnecessária – será que a desnecessidade
superveniente extingue a servidão? Depende, tem a ver com o modo como se constituiu. O
nº2 do artigo 1560º do Código Civil diz-nos que as servidões constituídas por usucapião serão
judicialmente declaradas extintas, a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde
que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante – isto significa que uma servidão legal,
como pode ser imposta coativamente, ela só faz sentido quando é mesmo necessária e, se se
tornar desnecessária, deixa de fazer sentido o que a lei impôs. Então e se for uma
desnecessidade de uma servidão voluntária, também se extingue? Não – extingue-se se as
partes assim o estipularem.

Regressando aos modos de constituição, o artigo 1547º enumera os seguintes modos:

 Contrato – constituído por escritura pública ou documento particular autenticado.


 Testamento.
 Usucapião.
 Destinação do pai de família – é o mais incomum. O que é que está aqui em causa? Ele
está regulado no artigo 1549º do Código Civil e tem lugar quando existe uma situação
de serventia. Por exemplo, imagine-se que em dois prédios autónomos um do outro,
do mesmo dono (A), com saídas comuns para a estrada. Mas, depois o A vende um
desses prédios a B – quando o prédio era do mesmo dono, o caminho era uma
serventia (não era uma servidão porque eram do mesmo dono). O A quer continuar a
passar por aquele caminho (tem o prédio encravado), mas o B não deixa, dizendo que
vai construir um muro para o impedir. Quem é que tem razão? Tem razão o A, por
causa artigo 1549º do CC, desde que se verifique um requisito: a serventia que existia
tem de ser visível, não pode estar oculta – ela será prova da servidão, ou seja, se a
escritura não disser nada sobre isso, a serventia transforma-se numa servidão.
Portanto, a constituição de servidão por destinação do pai de família tem este
pressuposto: existência de uma serventia.

Neste exemplo que vimos, esta servidão, constituída pelo pai de família, neste caso concreto, é
legal ou voluntária? É voluntária, porque o prédio do A não ficou encravado – ele só tinha de
mandar o muro a baixo para ter acesso à via pública. Significa que: tem comunicação para a via
pública, e para ter, não precisa de ter um incómodo excessivo ou dispêndio, basta mandar o
muro a baixo. Se as partes, na escritura pública, tivessem afastado a transformação da
serventia em servidão, nunca o A podia ter imposto a constituição da servidão ali naquele sítio.
As servidões prediais são então servidões que têm caráter real e não pessoal, pois dizem
respeito aos prédios – não existem servidões pessoais, mas sim reais. A ideia envolvente é a de
melhor aproveitamento do prédio dominante – a tal ideia de utilidade, seja essa utilidade a
que for (a mais comum é a de passagem, mas não tem de ser só essa). Os dois prédios em
causa, têm de ser de dois donos diferentes: temos o prédio serviente (é o que tem o encargo)
e o prédio dominante (é o que beneficia da servidão).

Temos vários tipos de servidões legais – os mais comuns são: servidões de passagem e
servidões de águas.

Nos tipos de servidões contratuais, como já vimos no artigo 1544º, há aqui um princípio de
ampla autonomia da vontade: desde que haja uma utilidade, suscetível de ser aproveitada
através de um prédio, poderá ser constituída uma servidão, seja ela qual for.

As servidões têm duas características:

1. Ideia da inseparabilidade (artigo 1545º): as servidões não podem ser separadas dos
prédios a que pertencem – ou seja, elas aderem ao prédio, quer em relação ao prédio
serviente quer em relação ao prédio dominante.
2. Ideia da indivisibilidade (artigo 1546º): mesmo que, por exemplo, um prédio seja
dividido (quer o dominante, quer o serviente), a divisibilidade desses prédios não pode
prejudicar a servidão.

No que diz respeito aos tipos de servidões, existe:

 Aparentes (artigo 1548º, nº1 do CC): são as que se revelam por sinais visíveis e
permanentes – ou seja, quando se está no prédio vê-se. E por isso é que, quando se
constitui servidão por destinação do pai de família a servidão tem de ser aparente. O
registo de uma servidão aparente tem efeito apenas enunciativo, porque a publicidade
já não advém do registo, mas sim da prova de facto – ou seja, significa que, mesmo
sem registo, a servidão é oponível (porque é aparente).
Não aparentes (artigo 1548º, nº2 do CC): são aquelas que naos e revelam por sinais
visíveis e permanentes – à partida não é pública, e é por isso que não pode haver
usucapião em relação a uma servidão não aparente.
 Legais: podem ser impostas coativamente – a lei dá ao titular do prédio dominante o
direito de exigir a constituição da servidão (direito potestativo). Há o direito de
indeminização ao dono do prédio serviente (artigo 1554º do CC) e podem-se extinguir
pela desnecessidade (artigo 1569º do CC). Podem ser:
o Por prédio rústico: artigo 1550º, nº1 do CC.
o Por jardim, quintal ou quinta murada: artigo 1551º do CC.
Voluntárias. Não podem ser impostas coativamente.
 Positivas: depende da forma como as servidões estão feitas – aqui, implica o exercício
de poderes sobre o prédio serviente (caso típico é a servidão de passagem – quem
beneficia da servidão, exerce poderes no prédio serviente, tendo assim uma atuação
positiva).
 Negativas: depende da forma como as servidões estão feitas – aqui, impõem uma
abstenção (por exemplo, uma servidão de vistas impõe a não construção – é um
comportamento pela negativa/por omissão).

Do ponto de vista dos direitos do dono do prédio dominante:

 Direito à utilização do prédio serviente, para melhor aproveitamento do seu prédio


(artigo 1565º do CC), retirando do prédio serviente a vantagem que proporciona ao
prédio dominante.
 Direito de fazer obras no prédio serviente, no sentido da manutenção da própria
servidão – isto é possível, desde que (artigo 1566º do CC):
o Não tornem a servidão mais onerosa.
o Sejam feitas no tempo e pela forma mais conveniente ao proprietário do
prédio serviente.
 Direito a exigir a mudança do local da servidão – se tiver vantagens e não houver
prejuízos para o dono do prédio serviente (artigo 1568º, nº2 do CC).

Na causa de extinção das servidões compreendida na alínea c), do nº1 do artigo 1569º do CC),
a usucapio libertatis é o não uso provocado, que decorre de alguma coisa (geralmente decorre
do ato de oposição do dono do prédio serviente, ao qual o dono do prédio dominante não
reage). O não uso em si mesmo, durante vinte anos, extingue também a servidão (alínea b) do
nº1 do artigo 1569º do CC), mas este uso já é de qualquer motivo. No caso de o B construir o
muro, o A não conseguir passar para a via pública – se, neste caso, estivesse constituída a
servidão de passagem, a colocação deste muro é ilícita. E como é que o titular da servidão
pode reagir contra a construção deste muro? Pode reagir judicialmente, através da ação de
reivindicação. E, se não reagir, começa então a decorrer um prazo que se vai aplicar à
usucapião, para a aquisição de direitos – aqui, a aquisição de direitos é a liberdade do prédio.
Ou seja, o prédio estava onerado pela servidão e liberta-se dessa servidão. A usucapio
libertatis é então um não uso, mas é um não uso em consequência de um ato de oposição do
dono do prédio serviente – artigo 1574º do CC.

Vamos agora falar do último direito real de gozo: o direito de superfície. O direito de superfície
está concebido para terrenos, o que não implica que não possa existir para outras realidades.
A ideia é, de certa forma, permitir que alguém construa ou plante num terreno que não é seu
(artigo 1524º do CC). Este direito é transmissível intervivos ou mortis causa, dependendo assim
da duração que lhe tiver sido estabelecido.

Quem é que são os sujeitos disto? O proprietário do solo é o fundante e o sujeito que constrói
ou planta, vai-se chamar superficiário e, a construção ou plantação, chama-se implante. O
superficiário tem, em relação ao implante, um direito de propriedade do implante – ele é
proprietário do implante (da construção ou plantação). E, portanto, quando vimos em relação
ao direito de propriedade que ele podia não ser perpétuo, é precisamente o caso do direito de
superfície: se o A, dono de um terreno, constitui a favor de B um direito de superfície por 20
anos, para que o B possa lá construir uma casa – se o B construir lá a casa, torna-se
proprietário do implante, mas no final dos 20 anos, esse implante para o fundante (A), não se
transmite para os herdeiros do superficiário.

O direito do superficiário sobre o implante é um direito de propriedade e, portanto, pode usar,


fruir e dispor do implante (artigo 1529º, nº1 e artigo 1534º do CC) – é um verdadeiro direito de
propriedade.

Quem tem o terreno vende então o direito de superfície, conservando a propriedade do


terreno – é uma propriedade suis generis porque ele não vai poder fazer lá nada durante o
tempo que esse direito de superfície foi constituído. Se for um terreno grande, é possível que o
fundante continue a utilizá-lo na parte que não foi necessária para a construção ou plantação,
mas se não for possível, o proprietário do terreno não pode fazer lá nada.

Quando se fala de direito de superfície é percetível que isto é construir à superfície, mas não
impede a construção no subsolo. Por exemplo, eu sou proprietário de um terreno e há um
sujeito que quer construir lá um parque de estacionamento subterrâneo – é um direito de
superfície constituído no subsolo.

Ora, não há dúvidas que está vocacionado para terrenos, mas não tem de ser assim. Por
exemplo, o A tem um terreno onde construiu uma casa – ele é proprietário do terreno e da
casa que, por sua vez, só tem o rés do chão. Quando o A começou a construir era suposto ser
uma casa com dois pisos, mas só teve dinheiro para fazer o rés do chão. O B quer construir o
primeiro piso em cima do rés do chão do A e fazem isso por escritura pública. Vemos então
agora que o B vai construir não em cima do solo, mas em cima da casa do A, um primeiro
andar – isto é um direito de superfície, mas como não é a construção do solo, mas em cima de
um edifício, chama-se um direito de sobreelvação (artigo 1526º do CC), que é um direito de
superfície em cima de um edifício. Portanto, quando se fala de construção, em regra é no solo,
mas isso não impede que possa ser construído em cima do edifício. Nessa altura, o que é que
acontece? Como o rés do chão é do A e o 1º piso é do B, o que é que vai acontecer ao edifício?
Para que o A possa dizer que o rés do chão é dele e o B possa dizer que o 1º piso é dele, tem
de ser constituído em propriedade horizontal, porque senão são comproprietários do edifício.

O artigo 126º diz-nos então que o direito de construir sobre edifício alheio está sujeito às
disposições deste título e às limitações impostas à constituição da propriedade horizontal;
levantado o edifício, são aplicáveis as regras da propriedade horizontal, passando o construtor
a ser condómino das partes referidas no artigo 1421.º – desde que a construção permita a
constituição das tais unidades independentes, porque se não for assim, eles são
comproprietários do edifício.

O nº2 do artigo 1525º diz-nos que o direito de superfície pode ter por objeto a construção ou a
manutenção de obra sob solo alheio. O mais comum é que o A tenha o terreno e constitua o
direito de superfície ao B para ele lá construa em cima, mas não tem de ser assim: imagine-se
que o A tem um terreno e o próprio A construiu lá uma casa – pode o A vender a casa ao B e aí
o B não tem de a construir porque ela já está construída. Então o que é que o B tem de fazer?
Tem de manter essa casa – não implica a construção, mas apenas a manutenção.

O direito de superfície pode ser constituído por (artigo 1528º do CC):

 Contrato.
 Testamento.
 Usucapião
 Alienação de obra já existente, separando-se a propriedade do solo.

Que vantagens é que o dono do terreno tem, no sentido de permitir a constituição do direito
de superfície? Diz-nos o artigo 1530º, a propósito do preço que, no ato de constituição do
direito de superfície, pode convencionar-se, a título de preço, que o superficiário pague uma
única prestação ou pague certa prestação anual, perpétua ou temporária – isto significa que o
direito de superfície pode ser constituído de forma onerosa ou de forma gratuita. Se for
constituído de forma onerosa, ou paga logo tudo (superfície plena) ou então paga uma
determinada prestação anual com uma determinada duração (superfície onerada) – chama-se
a isto o canon superficiário: é a contrapartida do direito de superfície paga anualmente pelo
superficiário.

O direito de superfície e o direito de propriedade do solo são transmissíveis, quer intervivos


quer mortis causa (artigo 1534º do CC) – isto distingue-se claramente do usufruto.

Há quem entenda que o direito de superfície não deixa de ser uma ser uma servidão, mas uma
servidão suis generis/especial, porque na verdade também há alguém que vai retirar
vantagens/utilidades de um prédio que não é seu. Ou seja, o superficiário tira uma utilidade do
prédio alheio/do fundeira. De certa forma, tem alguns pontos de contacto com uma servidão,
mas o legislador autonomizou esta figura como direito de superfície.

O proprietário do solo goza do direito de preferência (artigo 1535º, nº1 do CC) e, diz-se em
último lugar porque, por exemplo, se estivermos perante um caso de compropriedade e se
estiver a concorrer o direito de preferência dos comproprietários com o direito de preferência
do fundeiro, prevalece em primeiro lugar o do comproprietário. Ou seja, há um direito de
preferência legal, com eficácia real (está sujeito às regras da ação de preferência), mas é sem
último lugar. Ou seja, se o superficiário quiser vender o implante, deverá previamente
contactar o fundeiro, a não ser que esteja numa situação de compropriedade, e aí tem de dar
primeiro preferência aos comproprietários e só depois ao fundeiro.

Quanto aos modos de extinção do direito de superfície, o artigo 1536º do CC, diz-nos que o
direito de superfície extingue-se:

a) Se o superficiário não concluir a obra ou não fizer a plantação dentro do prazo fixado
ou, na falta de fixação, dentro do prazo de dez anos.
b) Se, destruída a obra ou as árvores, o superficiário não reconstruir a obra ou não
renovar à plantação, dentro dos mesmos prazos a contar da destruição.
c) Pelo decurso do prazo, sendo constituído por certo tempo.
d) Pela reunião na mesma pessoa do direito de superfície e do direito de propriedade;
e) Pelo desaparecimento ou inutilização do solo.
f) Pela expropriação por utilidade pública.

O artigo 1538º, nº1 diz-nos que sendo o direito de superfície constituído por certo tempo, o
proprietário do solo, logo que expire o prazo, adquire a propriedade da obra ou das árvores –
está aqui a exceção da perpetuidade do direito de propriedade. Ou seja, dá-se a extinção do
direito de superfície e, a aquisição por parte do proprietário do solo – isto é o caso da acessão
industrial. A acessão é uma forma de aquisição do direito de propriedade, que ocorre quando
duas coisas que pertencem a donos diferentes se juntam e deixa de ser possível a sua
separação ou então há uma separação altamente inviável, do ponto de vista económico e,
portanto, o que vai acontecer é que um deles adquire o todo. Este é um caso deles: o fundeiro
adquire, por acessão, a propriedade do implante. Então e o superficiário tem direito a receber
alguma indemnização neste caso? O nº2 diz-nos que salvo estipulação em contrário, o
superficiário tem, nesse caso, direito a uma indemnização, calculada segundo as regras do
enriquecimento sem causa (se não estiver devidamente calculada no contrato).

Se, por ventura, o superficiário tiver constituído algum direito real e o direito de superfície se
extinga, então obviamente que, extinguindo-se o direito de superfície, extinguem-se esses
direitos reais de gozo ou de garantia, que tivessem sido constituídos em benefício de terceiro
(nº1 do artigo 1539º do CC) – esta a regra. O nº2 comporta a exceção, dizendo que, se, porém,
o superficiário tiver a receber alguma indemnização nos termos do artigo anterior, aqueles
direitos transferem-se para a indemnização, conforme o disposto nos lugares respetivos.

Isto é um direito que, normalmente quando não é perpétuo, é constituído com durações
muito dilatadas, embora a lei não imponha nenhum limite – isto acontece porque tem o tal
efeito: na medida em que não é transmissível mortis causa e a extinção por decurso do prazo
importa a aquisição da propriedade por acessão, pelo fundeiro, faz sentido que seja
constituído por um período de tempo longo (para que o superficiário possa retirar daí as
vantagens).

Temos estado a ver a chamada titularidade efetiva – o direito de propriedade e, dentro dele, a
compropriedade, usufruto, superfície, etc. A regra então é: contrato e, dentro do contrato, a
escritura pública ou o documento particular autenticado.

Mas, ao lado da titularidade efetiva, temos a titularidade aparente. E, dentro da titularidade


aparente, importa agora ter em conta a posse.

O conceito de posse, está no artigo 1251º do CC, que nos diz que posse é o poder que se
manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de
propriedade ou de outro direito real. A posse é o poder de facto que determinada pessoa tem,
em relação a determinada coisa. No fundo, é o poder de facto de agir sobre uma coisa – esse
poder de facto que o sujeito tem de agir sobre a coisa, em princípio tem uma causa.

Se eu estou com o meu telemóvel, eu estou ou não estou a exercer o poder de facto sobre
ele? Sim. Mas porque é que eu estou a exercer um poder de facto sobre ele? Porque sou o
proprietário. Ou seja, eu estou a exercer o poder de facto sobre o telemóvel, porque eu tenho
sobre ele um direito que me permite exercer esse poder de facto. Porque é que o usufrutuário
pode usufruir? Porque é usufrutuário – ele tem um direito real que lhe permite usar uma coisa
que não é sua. Porque é que o superficiário pode constituir uma casa num terreno que não é
seu? Porque ele tem um direito que lhe permite esse poder. Porque é que o A pode passar
num caminho que está construído no terreno do B? Porque ele tem um direito que lhe permite
essa atuação – tem uma servidão predial.

Portanto, à partida, eu tenho o poder de facto sobre uma coisa, porque tenho um direito que
me permite essa atuação – essa é a regra. Mas, o problema é que pode acontecer e há
situações em que determinada pessoa até está a exercer o poder de facto, sem ter um direito
correspondente. Por exemplo, A tem um telemóvel e B furta esse telemóvel de A e agora
quem está a usar esse telemóvel é B – B não tem o direito que lhe permite fazer essa
utilização, porque o furto não é um modo legítimo de aquisição do direito propriedade, mas
está a utilizar o poder de facto. A posse é isso mesmo, é uma simples constatação – é o
exercício do poder de facto sobre uma coisa. O exercício desse poder de facto sobre uma
coisa, pode ser feito de forma lícita ou ilícita, mas não é um dado assente. Eu estou a exercer
um poder de facto, mas se estou a exercer bem ou mal, isso é outra coisa. Para já o que
interessa saber é que a posse é isso: é o exercício do poder de facto sobre uma coisa que, ou
está acompanha do direito que lhe permite esse exercício ou não – mas num caso ou no outro
há posse.

Não podemos associar a posse ao direito, porque muitas vezes há posse sem direito – é
verdade que a regra é que a posse tenha como pressuposto o direito, mas pode acontecer que
não tem e, por isso, não se confunde uma coisa com a outra. Por isso é que é muito
importante distinguir a chamada posse causal da posse formal. A posse causal é a posse que
tem uma causa legítima – é a posse que é formada num legítimo exercício de direito, ou seja, o
poder de facto sobre a coisa tem uma causa e a causa é o direito (de propriedade). A posse
formal é que, apenas do ponto de vista da exteriorização do comportamento é que ela tem
semelhança com quem tem a posse causal, porque do ponto de vista jurídico não tem –
alguém se comporta como se fosse o titular do direito, mas na verdade não é. Ou seja, a posse
causal distingue-se da posse formal, não no que diz respeito à atuação (a atuação é igual – do
ponto de vista do comportamento não há diferença), mas no que diz respeito à justificação
desse comportamento. A posse formal é o exercício do poder de facto, sem direito real
correspondente e a posse causal, ao invés, é o exercício do poder de facto, com o direito real
correspondente.

A posse é muito importante porque, em determinadas circunstâncias não é sequer possível


provar o direito sem a posse. Por exemplo, há coisas que temos que já comprámos há muito
tempo e continuamos com elas – num imóvel não há problema, porque como ele é comprado
por escritura pública e depois, à partida é registado, a prova do direito que se adquiriu faz-se
pelo registo, mesmo que já não tenhamos a escritura pública porque perdemos a mesma. Mas
há coisas que temos que não foram adquiridas por documento escrito e, portanto, já não
temos a prova de que adquirimos. Como é que se prova esse direito? Através da posse.

O artigo 1268º, nº1 diz-nos que o possuidor goza da presunção da titularidade do direito – a
posse também é importante por isto, porque faz presumir um direito. A lógica é, o possuidor, à
partida, é o titular do direito, exceto se não for, se se demonstrar o contrário. Por isso é que,
na ação de reivindicação, quando o proprietário quer reivindicar a coisa do possuidor, o que é
que ele tem necessariamente de provar? Que é o proprietário. E porquê? Para ilidir esta
presunção.

Ao lado da posse, há uma figura que até parece ser parecida, mas que não tem nada a ver – é a
figura da detenção. Ou seja, exercer o poder de facto sobre a coisa, não configura
necessariamente uma situação de facto – pode configurar uma situação de simples detenção,
que o Código chama de posse precária.

Se quisermos fazer a distinção com a posse o que é que temos? Temos, hierarquicamente:

1. Posse causal: poder de facto com o direito.


2. Posse formal: poder de facto sem o direito.
3. Detenção.
A detenção é também uma posse – se é uma posse, significa que existe o poder de facto. Onde
é que está agora a diferença? A diferença está na própria norma do artigo 1253º – quando o
legislador vem que, em determinadas situações em que existe poder de facto, ainda assim não
existe posse nem causal nem formal, existe apenas detenção. Que situações são essas? São as
situações do artigo 1253º do CC, que nos diz que são havidos como detentores ou possuidores
precários:

a) Os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito –
aqui é que está a chave, porque o possuidor age como beneficiário do direito, mesmo
que não tenha, age como se tivesse. O detentor não, porque tem plena consciência
que não tem o direito nem quer agir como tal.
b) Os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito – isto porque a
tolerância não confere direitos. Por exemplo, alguém me empresta o telemóvel para
fazer uma chamada – eu estou a exercer o poder de facto sobre o telemóvel, mas
porque o dono do telemóvel me deixou e, quando terminar a chamada, devolvo.
c) Os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que
possuem em nome de outrem – por exemplo, eu tenho o meu carro e um motorista
que me conduz todos os dias para o meu trabalho – o carro é meu, mas quem o
conduz é o motorista. O motorista está ou não está a exercer o poder de facto sobre o
carro? Está, mas é detentor, porque ele está a exercer o poder de facto porque tem
uma relação de trabalho com o dono do carro e, o exercício dessa relação de trabalho
tem como pressuposto que ele conduza o carro (exerce em nome de outrem).

Esta distinção é importante porque, a posse formal, mantida por um determinado lapso de
tempo, permite a aquisição do direito correspondente. Ou seja, quem tem a posse formal do
direito de propriedade, durante um determinado período de tempo, no final desse tempo tem
o direito de adquirir essa própria propriedade – chama-se a isto a usucapião. O detentor não,
porque a detenção, mesmo que se mantenha por muito tempo, não comporta nenhuma
hipótese de aquisição por usucapião.
09 NOVEMBRO – PRÁTICA
Servidões prediais. Hipóteses práticas.

Caso Prático:
A e B são, respetivamente, proprietários dos prédios x e y, ambos com acesso à via pública. Por
acordo das partes, B constituiu no prédio de A, uma servidão de passagem que trouxe em
grandes vantagens para o aproveitamento do seu prédio.

Em maio de 2007 B vendeu o imóvel a C, sem ter feito qualquer comunicação prévia a A.

a) C pretende extinguir a servidão de passagem, alegando que o prédio de A não está


encravado.
b) A entende que foi violado o seu direito de preferência na venda do prédio e pretende
reagir.

Resolução:
a)

Se a servidão é um direito real, qual é que é a relação que estabelece entre o direito e a coisa?
Ou seja, o direito real adere à coisa ou não? Adere.

A servidão mantém-se ou extingue-se?


A servidão no fundo é um encargo – significa que o proprietário do prédio que tem a servidão
fica ali onerado com ela. Em determinadas situações, a lei diz que, mesmo que o proprietário
não queira, tem de constituir a servidão em determinadas situações. Que situações são essas?
Precisamente quando um dos prédios está encravado – para permitir o acesso à via pública, a
lei aí impõe a constituição da servidão, porque entende que a servidão é necessária para que o
prédio não esteja encravado.

Consequentemente, se a necessidade desaparecer, parece que faz sentido que a servidão


possa ser extinta – porque se ela foi imposta porque era necessária, terminando a necessidade
faz sentido que a servidão se deixe de manter.

Neste caso, nenhum dos prédios está encravado – não há dúvidas então que esta é uma
servidão voluntária. Mas porque é que não é uma servidão voluntária? Qual é que é a razão?
Porque houve o acordo entre as partes ou porque nenhum dos prédios está encravado?
Porque nenhum dos prédios está encravado – não interessa se foi constituída por acordo ou
não.

O pressuposto de distinção entre a servidão legal e a servidão voluntária não é saber se houve
ou não acordo, mas sim saber se ela podia ou não podia ser imposta caso não houvesse
acordo. E aqui não pode ser imposta por uma razão muito simples: nenhum dos prédios está
encravado, logo não pode ser imposta.

Vamos partir do princípio que esta servidão está registada, porque se não estiver, muda
alguma coisa? Depende. Estamos a partir do princípio que o contrato pelo qual se constituiu a
servidão foi formalmente válido – quando se diz que “constituiu uma servidão de passagem”,
significa isso mesmo: constituiu. Significa que foi constituída na forma validamente exigida:
escritura pública ou documento particular autenticado.

Situação a seguir é saber se houve registo dessa constituição. A existência do registo pode ser
relevante, porque como é evidente sabemos que se a servidão for aparente, o registo é
irrelevante, porque nesse caso o registo tem efeito meramente enunciativo e, portanto,
mesmo que haja registo, não há problemas quanto à oponibilidade. Mas se a servidão não for
aparente, é previso que haja registo, porque caso contrário não é oponível.

Ou seja, quando o C compra, das duas uma: a servidão ou está registada ou não está – se está
é oponível; se não está, pode ser oponível na mesma, mas agora é preciso que seja aparente.
Porque se não aparente for é não é oponível e é preciso o registo – porque neste caso, quando
a servidão não é aparente, o registo tem efeito regra, que é o efeito consolidativo.

Portanto, vamos então partir do princípio que a servidão é oponível ao C e o C pretende agora
extinguir a servidão, alegando que o prédio do A não está encravado.

O argumento que C invoca constitui causa de extinção da servidão? Conforme o artigo 1569º,
em nenhuma das alíneas do seu nº1 cabe esta situação – o que o C está a invocar é apenas a
desnecessidade: o prédio não está encravado, logo não é necessária.

Ora, é verdade que a desnecessidade permite extinguir servidões, mas quais? Diz-nos o nº2 do
artigo 1569º que são as servidões que tenham sido constituídas por usucapião (esta em causa
não foi – foi constituída por acordo/contrato) ou as servidões legais, qualquer que tenha sido o
título da sua constituição (esta servidão em causa não é legal).
Logo, o argumento que C invoca não é procedente, porque as servidões voluntárias não se
extinguem por desnecessidade – extinguem-se nos termos do acordo que foi feito.

Porque é que isto é assim? Só as servidões legais é que se extinguem por desnecessidade,
precisamente porque um dos pressupostos da servidão legal é a necessidade. Quando há uma
necessidade, a lei impõe a constituição da servidão – logo, parece que faz sentido que se essa
necessidade desaparecer, a servidão seja extinta.

b)

O A é o dono do prédio que tem lá colocada a servidão – é o dono do prédio serviente, do


prédio que está onerado pela servidão.

Tem o A direito de preferência?

O direito de preferência só existe nas servidões legais. Também pode existir nas voluntárias,
desde que as partes, no contrato/acordo pelo qual constituíram a servidão tenham
convencionado o direito de preferência.

Agora, se as partes não convencionaram, no acordo, o direito de preferência, então não há


direito de preferência, porque o direito de preferência legal só existe no domínio das servidões
legais (artigo 1555º).

Caso Prático:
A e B são proprietários de dois terrenos contíguos, destinados a construção.

A construiu no seu terreno uma vivenda, tendo num dos lados encostado a parede à respetiva
extrema (constrói a vivenda no sitio onde devia estar colocado o muro de delimitação). A
parede abriu uma janela.

Trinta anos mais tarde, foi B que no seu terreno construiu uma vivenda e encostou uma das
paredes à vivenda do A, tapando-lhe a janela. Nessa parede, B não abriu nenhuma janela ou
porta.

Isto é possível ou não? Em que termos?

Resolução:
Quanto ao A:

É verdade que é possível construir até às extremas – a extrema, no fundo, delimita o prédio.
Mas, pode não ser possível em certas condições – que condições são essas?

Conforme o nº1 do artigo 1360º, o proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra
construção (pode construir até onde? Até às extrema) não pode abrir nela janelas ou portas
que deitem diretamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o
intervalo de metro e meio – se quiser construir um moro, pode encostar o muro às extremas.
Mas, se quiser construir a parede da vivenda, também o pode fazer, desde que não abra
aberturas. Mas, se ele quiser construir na extrema, com aberturas, aí é que já não pode –
porquê? Porque a lei impõe-lhe uma restrição (restrição de vizinhança) – ele já não pode
construir até à extrema: neste caso tem de recuar um metro e meio.

Depois, diz-nos o nº2 que igual restrição (porque é uma limitação ao exercício do direito de
propriedade) é aplicável às varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, quando sejam
servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela
– neste caso, se construírem uma vivenda, um terraço ou uma obra semelhante, o muro das
duas uma: ou tem uma altura superior a 1,5m ou então (se tiver uma altura inferior a 1,50m,
em toda a sua extensão), tem de recuar na mesma o tal 1,5m.

Qual é a lógica disto? É permitir a entrada de ar – embora a lei fale em servidão de vistas, isto
não é uma servidão de vista.

Voltando à hipótese, vemos então que o A não podia construir aqui. Ou seja, das duas uma: ou
encostava à extrema a vivenda e não abria nem janelas, nem portas, nem nada; ou então se
quisesse abrir a janela, tinha de recuar 1,5m.

Mas, o que é certo é que construiu. Tinha ou não tinha o B hipótese de impedir esta
construção? Tinha. O A tem o direito de construir nestes termos? Não – está a violar a lei.

Podia ou não o B defender o seu direito de propriedade, evitando esta construção? Sim, desde
logo com uma ação de reivindicação ou entao com uma ação possessória, porque o B para
além de ter o direito de propriedade, também tem a posse.

O que é que o B fez? Não fez nada. E agora quer construir.

Quanto ao B:

O B decide construir a vivenda dele e decide encostar uma das paredes da vivenda à
extremidade do prédio – e não quer abrir nada, nem portas nem janelas, naquela parede.

É ou não é possível encostar a parede à extrema se nessa parede não forem abertas portas ou
janelas? Se lá não estivesse a vivenda do A, ele podia ou não podia construir a vivenda assim?
Podia, porque encosta mas não tem aberturas.

O problema é que agora já não pode – a situação de facto que o A não podia fazer, mas fez,
associada à inércia do B, que podia ter reagido e não reagiu, levou à constituição, a favor do A,
da chamada servidão de vistas.

E agora é o B que, mesmo que não queira abrir, não pode encostar e tem de recuar 1,5m,
porque se constituiu a favor do A a servidão de vistas.

Conforme nos diz o nº1 do artigo 1362º, a existência de janelas, portas, varandas, terraços,
eirados ou obras semelhantes, em contravenção do disposto na lei (precisamente o que o A
está a fazer), pode importar, nos termos gerais, a constituição da servidão de vistas por
usucapião.

Ou seja, o A não podia ter feito, mas fez, o B podia ter reagido, mas não reagiu; e aquela
situação de facto, que tem na sua génese um comportamento ilícito, vai-se no fundo
cristalizando – e ao fim de um determinado período de tempo (20 anos) é agora o próprio B
que não pode fazer aquilo que podia fazer há bocado: encostar a construção à extrema do
prédio, porque ele não ia abrir nada.

Neste caso, diz-nos o nº2 que constituída a servidão de vistas, por usucapião ou outro título,
ao proprietário vizinho (B) só é permitido levantar edifício ou outra construção no seu prédio
desde que deixe entre o novo edifício ou construção e as obras mencionadas no n.º 1 o espaço
mínimo de metro e meio, correspondente à extensão destas obras.

Ou seja, repare-se que este é mais um exemplo típico de uma servidão, que não está no
capítulo das servidões, mas está no âmbito das limitações ao direito de propriedade – a
chamada servidão de vistas.

A servidão de vistas é uma servidão aparente ou não aparente? É aparente – está lá.

Então, significa que se constitui por usucapião uma servidão de vistas.

E para reagir, tinha algum prazo? Sim – tem um prazo de 1 ano para a ação de restituição ou
de manutenção (neste caso seria de manutenção). A ação de reivindicação não tem prazo – o
problema aqui não é o prazo – é que como ele não reagiu, entretanto funciona a usucapião e
por usucapião ele faz precludir o direito. Ou seja, se não se tivesse verificado a usucapião, não
havia problema nenhum, porque ele estava sempre a tempo.

A ação de defesa da propriedade não prescreve, o problema é que convém não atrasar muito
quando exista posse do outro lado – porque se há posse, convém propor a ação de
reivindicação antes de terem decorrido os prazos da usucapião, porque se propõe depois já
não dá (foi o que aconteceu ao B).

Agora, mesmo que não queira abrir portas e janelas, B tem de recuar 1,5m, porque está lá a
janela do A.

09 NOVEMBRO – OT
Posse. Hipóteses práticas.

Qual é a diferença entre posse causal e posse formal? Quando o poder de facto está fundado
no direito real correspondente, diz-se que a posse é causal; quando o poder de facto não está
acompanhado do direito real correspondente, diz-se que a posse é formal.

Mais difícil é a distinção entre posse formal e detenção (a que o código também chama posse
precária).

Caso Prático:

A, é proprietário, desde 2000, da fração autónoma x instalada num prédio constituído em


propriedade horizontal.

No início de 2003, celebrou com B um contrato-promessa de compra e venda da referida


fracção, ficando acordado, entre outros aspetos, que a celebração da escritura definitiva
deveria ocorrer no prazo máximo de 12 meses.
a) A entregou a chave da fração a B, consentindo-lhe a imediata ocupação;
b) A entregou a chave da fração a B, consentindo-lhe a imediata ocupação, informando-o,
no entanto, de que teria de a desocupar no caso de a sua filha C regressar a Portugal,
antes da celebração da escritura de compra e venda;
c) A entregou a chave da fração a B, consentindo-lhe a imediata ocupação, e este, de
imediato, realizou diversas obras de modernização.

Resolução:
Todas as situações (a-b-c) ocorrem num momento posterior ao contrato-promessa, mas num
momento anterior à celebração da CV por escritura pública.

Assim sendo, o que é que já podemos afastar em relação ao B? O que é que sabemos que ele
não é em nenhuma das 3 situações? Possuidor causal – poderá vir a ser, quando a escritura
pública se celebrar, aí sim adquire o direito que corresponde à sua atuação. Mas, até lá não é
possuidor causal. Assim, pode ser possuidor formal ou detentor.

A lei também chama à detenção posse precária (artigo 1253º) – mas, normalmente não
utilizamos o conceito de posse precária, mas sim o conceito de detenção.

Porque é que esta distinção é muito importante? Porque a posse formal confere ao possuir
determinados direitos e vantagens e a detenção não. Então, do ponto de vista possessório, a
detenção não apresenta vantagens, mas a posse apresenta.

a)

Isto só assim, o que é que configura? Há três hipóteses: posse causal, posse formal e detenção
– já excluímos a posse causal.

O que é que é a posse? É o poder de facto sobre uma coisa – implica para já o quê? O corpus –
o poder de facto.

Será então posse formal ou detenção? Ou não será nenhuma? O consentimento do A leva-nos
onde?

Temos então primeiro de distinguir as várias conceções da posse, para perceber qual é a
conceção que melhor se adapta à questão (sendo certo que a lei não toma partido).

As conceções de posse distinguem-se na conceção objetiva e na conceção subjetiva – o que é


que elas têm em comum? O corpus (poder de facto sobre a coisas) – porque não pode haver
posse sem corpus.

Só que o corpus, que é o elemento determinante para a conceção objetiva, não é para a
conceção subjetiva – para a conceção subjetiva, o importante é o animus e não o corpus. E
porquê? Porque na detenção também há corpus – o detentor tem de ter a coisa consigo, tem
de poder exercer o poder de facto sobre ela. E, portanto, o determinane não é tanto o corpus,
mas sim o animus – o chamado animus possidendi. E, na conceção sujetiva distinguimos então
o animus possidendi (animus do possuidor) do animus detidendi (animus do detentor). E,
portanto, para a conceção subjetiva, não basta que exista o corpus – é preciso que exista o
animus possidendi.
O problema é que a conceção subjetiva, por sua vez, pode ser analisada em duas vertentes:

1. Conceção subjetiva em que o animus é avaliado em concreto.


2. Conceção subjetiva em que o animus é avaliado em abstrato.

Na doutrina, a maior parte (sobretudo a doutrina portuguesa mais recente), sustenta


maioritariamente a conceção objetiva. Na jurisprudência, a esmagadora maioria vai para a
conceção subjetiva analisada em concreto.

Portanto, significa que, numa hipótese, para sabermos se há posse ou detenção, é preciso
explicar o porquê da conceção que adotamos.

A conceção objetiva tem a seguinte lógica: desde que haja corpus, há posse – a não ser que a
lei diga o contrário. Em caso de dúvida, o artigo 1252º dá-nos uma ajuda: quando se diz que a
posse tanto pode ser exercida pessoalmente como por intermédio de outrem, está de certa
forma a abrir a porta depois ao artigo 1253º, a propósito da detenção.

Ou seja, a posse, é o poder de facto sobre uma determinada coisa – à partida quem exerce o
poder de facto é o próprio possuidor. E, portanto, à partida, o possuidor tem a coisa consigo –
mas, pode não ter. A coisa pode não estar com o possuidor e estar com um terceiro. Como?
Quando esse terceiro é apenas detentor.

Se esse terceiro for detentor, significa que esse terceiro detentor exerce o poder de facto, mas
não em seu nome – está a exercer o poder de facto em nome do possuidor. Por isso é que o
possuidor continua a possuir, embora por intermédio do detentor – é o que diz no nº1 do
artigo 1252º.

Ou seja, o poder que consta no artigo 1251º, em princípio é exercido pessoalmente.


Pessoalmente por quem? Pelo possuidor, que exerce pessoalmente. Mas, não tem de ser
assim: pode ser exercida por intermédio de outrem (artigo 1252º, nº1). Outrem quem? O
detentor.

Repare-se, não há nenhuma dúvida de que, se eu sou proprietário de um telemóvel e alguém


precisa de fazer uma chamada e me pede o telemóvel emprestado, eu tolero emprestar-lhe o
telemóvel. Nesta altura, ao emprestar o telemóvel a essa pessoa, quem está a exercer o poder
de facto é essa pessoa. Mas, essa pessoa está a exercer o poder de facto, porque se aproveitou
da minha tolerância. Logo, essa pessoa é a detentora – o possuidor sou eu. Eu neste momento
não estou a exercer diretamente o poder de facto sobre a coisa, mas não perco a posse,
porque estou a exercer a posse através daquela pessoa (detentora).

Ou seja, a posse pode ser exercida pessoalmente pelo possuidor, como por intermédio de
outrem – neste caso, o outrem será o detentor. O que está na alínea c) do artigo 1253º – ou
seja, quando eu empresto o telefone, sou eu que estou a exercer o poder de facto, mas está a
exerce-lo através de mim (logo ela é a detentora e eu sou o possuidor.

Esta é a ideia no sentido em que a posse implica o poder de facto, mas o poder de facto não
tem de ser permanentemente exercido pelo possuidor.

Em todo o caso, havendo dúvida, recorremos ao nº2 do artigo 1252º – à partida, quem exerce
o poder de facto é possuidor. Pode não ser.
Portanto, na conceção objetiva, a ideia é muito simples: quem tem o corpus (o poder de facto)
é possuidor, exceto se a lei disser que não é. Quando é que a lei diz que não é? Para já no
artigo 1253º - nestas situações, não é possuidor (embora esteja a exercer o poder de
facto/tenha o corpus), porque não tem a intenção de atuar como beneficiário do direito,
porque está a aproveitar-se da tolerância do titular do direito (caso do telemóvel) ou porque
possuem em nome de outrem.

Portanto, na conceção objetiva, o B à partida seria possuidor – porquê? Porque ao ter recebido
a chave da fração, pode fazer o que quiser – até pode ir morar para lá. O A consentiu a
imediata ocupação e, por isso, o B tem o poder de facto sobre a coisa, a lei não exclui a sua
posição em nenhuma das situações do artigo 1253º, por isso, na conceção objetiva, B será
possuidor.

b)

O que é que há aqui de diferente em relação à al. a)? A ideia da alínea b) é que a possibilidade
que A está a conferir ao B de utilizar a casa, não é definitiva – na al. a) parece que é, mas aqui
não. O A deixa utilizar, mas se a filha dele regressar a Portugal antes da celebração da escritura
da CV, ele tem de lhe devolver a fração.

Há aqui uma mudança. A posição do A e do B num caso e no outro é muito diferente.

B está a aceitar que vai desocupar aquilo quando C regressar. Então porque é que o B neste
caso vai ocupar a fração? Porque o A está a tolerar este comportamento.

A posição do B, nesta segunda situação, é diferente da do A. E aqui sim, se enquadrarmos isto


na situação da al. b) do artigo 1253º, então mesmo na conceção objetiva, B não é possuidor,
mas sim detentor. Porquê? Porque agora ele está apenas a aproveitar-se da tolerância do
titular do direito – é diferente da al. a), em que nada nos diz que o B vai ter de devolver a
fração antes da escritura.

Qual é a diferença entre a conceção objetiva e a subjetiva?

Para a conceção objetiva, a ideia é que havendo corpus, há posse – exceto quando a lei diga
que não há (situações das alíneas do artigo 1253º).

Na conceção subjetiva não basta o corpus – é preciso agora aferir o animus do A. Ou seja,
temos de ver qual é o comportamento do A perante a coisa/perante o corpus.

c)

O que estamos aqui a ver? Que o B concretamente está a adotar um comportamento que é
típico de quem? Do proprietário – o B está a assumir diversos atos que já são típicos do titular
do direito.

Ou seja, avaliado o comportamento do B em concreto, parece compatível com o proprietário.


Ele não vai apenas para lá morar (como na alínea a)) – ele vai para lá morar e fazer obras de
modernização.
Avaliado em concreto, parece que o animus do B é compatível com o animus possidendi,
porque ele está no fundo a praticar atos materiais que não são compatíveis com o mero
detentor – ele está a praticar atos compatíveis com o titular do direito.

Logo, na conceção subjetiva da posse, este elemento da realização das obras pode ser utilizado
para configurá-lo como possuidor.

Repare-se que na al. a), na conceção subjetiva avaliada em concreto, o B não é possuidor –
porque não sabemos o que é que ele está a fazer, nem sabemos se ele vai para lá morar.

Portanto, na conceção objetiva, o B na al. a) é possuidor – e na al. c) também. Mas, na


conceção subjetiva avaliada em concreto, o B só será por ventura possuidor na al. c) – na al. a)
não é porque não sabemos o que vai fazer.

Portanto, na conceção subjetiva avaliada em concreto o que é que temos de ter? temos de ter
o corpus (mas isso temos de ter sempre) e agora temos de ter o animus possidendi.

O animus possidendi é no fundo a atuação do possuidor, que é compatível com a utilização


que seria dada pelo titular do direito (fazer obras, mudar fechaduras, pagar o IMI, etc.) – atos
que são compatíveis com o exercício do direito. portanto, é preciso fazer mais qualquer coisa.

E na conceção subjetiva avaliada em abstrato? Temos um problema: o B não é possuidor em


situação nenhuma destas três – é sempre detentor. E é sempre detentor porquê? Porque na
conceção subjetiva avaliada em abstrato, o poder de facto tem de resultar de um facto que
tenha idoneidade para transmitir o direito, só que por uma razão qualquer não transmitiu.

Por exemplo, o A vende a B o imóvel por documento particular e entrega-lhe o imóvel. Qual é
o problema? É que este contrato, na medida em que foi feito por documento particular, é
nulo. Não obstante a nulidade do contrato, o que é que aconteceu? O A entrega a chave ao B,
o B até paga o preço ao A.

Qual é a diferença entre este cenário e o outro? É que na nossa hipótese estamos sempre a
configurar contratos-promessa e um contrato promessa nunca é idóneo para transmitir o
direito. Esta CV é idónea para transmitir o direito – só não transmitiu porque houve um vício
na forma do contrato. Ora, é isso que é preciso para a conceção subjetiva avaliada em
abstrato: o ato translativo tem de ser pelo menos potencialmente eficaz para a
transmissibilidade do direito.

No caso concreto, não transmite porque há um vício: a nulidade do contrato. E por isso é que
se A vende a B por documento particular, B que não obstante a nulidade do contrato exerce o
poder de facto sobre a coisa: B é possuidor na conceção subjetiva avaliada em abstrato,
porque o ato a partir do qual ele adquire é um ato que tem suscetível para transmitir um
direito – naquele caso concreto não transmitiu porque há um vício, mas permite transmitir a
posse.

Resumindo:

 Conceção objetiva: à partida, quem tem corpus tem a posse (posse formal).
 Conceção subjetiva: não basta o corpus, é preciso o animus. Qual animus? Animus
possidendi.
o Conceção subjetiva avaliada em concreto: o animus possidendi é aferido em
função do comportamento efetivo do possuidor. E, portanto, se ele poder
exercer o poder de facto, mas se na verdade não exercer, então não será
possuidor, porque tem de praticar atos materiais em relação à coisa.
o Conceção subjetiva avaliada em abstrato: tem necessariamente de ter aquele
poder de facto que está a exercer sobre a coisa (o corpus) – tem de ter na sua
génese um negócio jurídico potencialmente suscetível de transmitir o direito.
Ou seja, um negócio que tenha idoneidade para produzir o efeito translativo –
não produzindo, não transmite o direito, mas transmite a posse.

Assim:

 Na doutrina a posição maioritária é a conceção objetiva da posse.


 Na jurisprudência largamente maioritária é preciso mais do que isso: é preciso o tal
animus possidendi.

10 NOVEMBRO – TEÓRICA
Parte II. Parte Especial. A titularidade aparente – Posse. 1. Noção de posse: posse causal e formal. 2. Estrutura da
posse: conceção subjetiva e objetiva. 3. Natureza jurídica da posse. 4. Objeto da posse. 5. Espécies de posse. 6.
Modalidades aquisição da posse.

Quanto à posse, ela pode ter várias características. Vamos começar por aquela que distingue a
posse titulada da posse não titulada (artigo 1259° do Código Civil). Quando se fala de posse
titulada, é a posse que assenta no título — e o que é que é isto do título para a posso titulada?
É qualquer modo legítimo de adquirir um direito — Como é que eu adquiri um direito? Ou
porque alguém me transmitiu ou porque alguém, que o podia fazer, me constituiu
determinado direito. Este é o primeiro pressuposto. Então qual é que é o problema? Se A
vende a B, a compra e venda é um modo legítimo de adquirir, e significa que o B adquire um
direito e, consequentemente é o possuidor causal — Nós estamos a falar de que estas
classificações fazem sentido na posse formal, porque na posse causal isto não interessa.
Portanto, tem de ter havido um problema qualquer neste negócio jurídico, porque se não há
nenhum problema então transmite-se o direito ou constitui-se o direito e fala-se sem posse
formal e não causal. Ora, é isso mesmo que vai acontecer, estamos perante um negócio
jurídico que vai ter um vício — e, porque tenho um vício, não transmite o direito, mas sim a
posse. Portanto, quando falámos no modo legítimo de adquirir, estamos a falar de um modo
que, em abstrato, permite a aquisição do direito — em concreto, não vai permitir em
consequência de um vício que vai afetar o negócio. O vício que afete o negócio, por sua vez,
pode ser um vício formal ou vício substancial. Por exemplo: A vende a B, por escrito particular
— este negócio de compra e venda tem um vício de forma; A vende a B por simulação — este
negócio tem um vício substancial. Então qual é que é lógica? Tem de estar em causa um
negócio translativo do direito, só que esse negócio vai ter um vício — se o vício for de natureza
substancial (coação, simulação, erro, etc.) a posse diz-se titulada; se for um vício formal
(forma, legitimidade, etc.), a posse diz-se não titulada. É no fundo o que está escrito no artigo
1259° do Código Civil, mas por outras palavras. O n°2 do artigo 1259° do Código Civil diz-nos
que diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir,
independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio
jurídico— qual é que é o problema disto? O problema é que agora, no artigo seguinte (1260°),
A classificação da posse como titulada vai trazer vantagens do ponto de vista da boa fé da
posse. Isto porquê? Porque agora sim, o legislador vai estabelecer no fundo duas presunções:

 Se a posse for titulada, presume-se de boa fé.


 Se a posse for não titulada, presume-se que é de má-fé.

Ou seja, o título não se presume, mas a boa e a má fé presume-se — isto significa que, se eu
tiver uma posso titulada, benefício logo da presunção que ela é de boa fé. Estas presunções
são sempre ilidíveis.

Ora, fora do âmbito das presunções, quando é que se diz que a posse é de boa fé? Quando o
possuidor ignorava, ou adquiri-la, que lesava o direito de outrem — o que é que isto significa?
Significa que a chamada má fé superveniente é irrelevante para a caracterização da posse — o
que conta é o momento da aquisição. Esta posse será de boa fé se, no momento da aquisição o
possuidor médio ignorava que estava a lesar o direito de outrem, mesmo que mais tarde se
aperceba.

O n°3 do artigo 1260° do Código Civil diz-nos que a posse adquirida por violência é sempre
considerada de má fé, mesmo quando seja titulada— ou seja, se a posse for violenta, ainda
que por ventura seja titulada, é sempre de má-fé (esta é uma presunção inilidível).

O facto de a posse ser não titulada ser de má-fé, não prejudica os efeitos da posse,
nomeadamente a usucapião — é suscetível de ser evocada a usucapião, também quando
posso é de má-fé. Bonde é que não se pode a posse e os prazos não começam a contar? Se a
posse for violenta e oculta — quando há uma posse violenta, há posse, mas os prazos não
começam a contar.

O problema da posse violenta levante algumas dúvidas: no artigo 1261°, n°1 do Código Civil,
diz-se que a posse pacífica é a que foi adquirida sem violência— ou seja, averigua-se por
exclusão de partes. Mas, o problema é saber o que é que é isto de sem violência — porquê? O
legislador diz que se considera violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor use de
coação física, ou de coação moral nos termos do artigo 255°. O problema é que o artigo 255°
apenas define a coação moral e não define a coação física; e, por outro lado, embora haja uma
disposição a dizer o que é que se entende por coação moral, ficamos sem entender se o
legislador, ao ter o cuidado de explicar o que é que se entende por coação moral, também quis
remeter para o conceito de coação física, embora não tenha feito.
No que diz respeito à coação física, temos o artigo 246° do Código Civil, que nos dá o conceito
de coação física, a propósito da falta de consciência da declaração. Portanto, é este conceito
que devemos utilizar — mas esta utilização da força é contra quem? Contra a pessoa. O
problema aqui coloca-se a propósito das ações possessórias — se um sujeito obtém a posse
com recurso à força física, o modo de constituição não é legítimo e a posse é formal. Ora, ele
terá de ter adquirido a posse de uma forma que a lei estabelece — ele vai adquirir a posse
através do apossessamento: É a prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais
correspondente ao exercício de um determinado direito. Porque é que isto é importante?
Porque agora temos de nos a perceber que, neste caso, o que vai acontecer é: não há
nenhuma dúvida que este sujeito se apossessou da coisa, mas será que o apossessamento dele
pode causar à extinção do possuidor anterior? Ou vão continuar a existir dois possuidores?
Numa situação normal, o que poderia ter acontecido era que alguém transmitisse a posse a
outrem — logo, essa outra pessoa seria possuidora e quem transmitiu deixou de ter a posse.
Mas, quando o sujeito adquire a posse contra a vontade de outrem, a posse vai existir
simultaneamente nos dois sujeitos — como é que sabemos isto? O artigo 1267° do Código Civil
diz-nos que A perde a posse nos termos da alínea c). Ou seja, ele foi esbulhado (perdeu a
posse/o poder de facto sobre a coisa) — a posse dele vai-se perder de acordo com a alínea d)
do n°1. Isto significa que, mesmo que tenha sido esbulhado, ele não vai perder a posse — só
perde a posse se esta situação se prolongar por mais de um ano. Ora, precisamente porque ele
não perdeu a posse, ele vai poder defende-la através de uma ação possessória (que é uma
ação de restituição).

Quanto às ações de defesa da posse, temos no artigo 1278º a ação de manutenção e


restituição da posse — o esbulho aqui só há na ação de reinstituição, porque na ação de
manutenção há apenas o receio de que esse esbulho vai acontecer/de vir a perder essa coisa.
Temos aqui a questão de, como o A foi-lhe esbulhado contra a sua vontade, ele não perde a
posse no momento do esbulho, perde sim a posse se não reagir, no prazo de um ano, a contar
do esbulho.

Mas, a questão da posse passiva ou violenta, nem tem tanto a ver com isto – tem a ver com
outra questão: se o esbulho for um esbulho violento (esbulhar é apenas retirar a alguém o
poder de facto sobre a coisa – nem sempre tem de ser violento), o problema está então no
artigo 1279º do CC, que nos diz que sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores (das ações
possessórias – neste caso liga-se mais diretamente com a ação de restituição), o possuidor que
for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem
audiência do esbulhado. Como é evidente, possuidor que for violado, pode lançar mão de uma
ação de restituição e também pode lançar mão de uma providência cautelar nos termos gerais.
Uma providencia cautelar é, no fundo, um processo judicial mais rápido, em que basta
demonstrar a aparência do direito para que o tribunal decrete provisoriamente uma decisão.
Ou seja, quando há esbulho não violento, o possuidor esbulhado também pode defender-se
através de uma providência cautelar, se estiverem verificados os requisitos da providência
cautelar comum. O problema é que, se ele for esbulhado com violência, ele tem direito a uma
providencia cautelar mais específica, chamada restituição provisória da posse – esta
providencia cautelar mais específica tem como pressuposto um esbulho, mas não é um
esbulho qualquer, é um esbulho violenta. Qual é que é o problema desta providência cautelar?
É que, o tribunal, à partida, não profere nenhuma decisão sem ouvir as duas partes (princípio
do contraditório) – nas providencias cautelares, há situações em que a providencia pode ser
decretada sem audiência da parte contrária, mas são situações de exceção. Ora, na
providencia cautelar o problema coloca-se a propósito das ações possessóras. Vamos supor
que o B obtém a posse de A através do uso da coação física. O professor entende que a coação
física deverá ser força física contra o possuidor em si mesmo e não contra coisas, mas a
jurisprudência entende que haverá coação física se houver a utilização da força, mesmo que
não seja contra a pessoa, mas sim contra coisas. O problema da posse violenta está então aqui,
no que diz respeito à coação física, porque em termos de coação moral, não há dúvida que o
legislador remete para o artigo 255º. Então, no entendimento mais amplo pode-se entender
que: quando o legislador falou em coação física e não o remeteu para o 246º e na coação
moral remeteu para o 255º, então é porque o conceito dele de coação física não é o do artigo
246º e, portanto, a coação não tem de ser dirigida à pessoa. É muito importante a questão da
posse violenta, porque por um lado é a única que permite esta providencia cautelar especifica
da defesa da posse (a posse pacífica não – só dá direito à providencia cautelar comum) e, por
outro lado, sendo violenta, a posse é irrelevante desde logo para as matérias dos efeitos da
posse e contagem dos prazos.

Por fim, a posse diz-se que é pública quando está a ser exercida de modo a poder ser
conhecida pelos interessados – a ideia é o sujeito exercer a posse, sem ser “às escondidas”.
Não se exige o conhecimento efetivo dos interessados — exige-se que os interessados possam
ter a possibilidade de conhece-la se quiserem. Por exemplo, há um imigrante que emigrou
para a Austrália há 10 anos e deixou cá um terreno, e agora o B começa a cultivar o terreno —
é evidente que, estando ele na Australia, não tem nenhuma forma de ver se o terreno dele
está a ser cultivado, mas isso é um problema dele, porque o sujeito que está a cultiva-lo, está a
fazê-lo à vista de todos, logo a posse é pública. Ou seja, a posse não é pública apenas quando é
conhecida pelos interessados, tem a ver com o modo de exercício — é aquela que se exerce de
modo a poder ser conhecida pelos interessados.

A caracterização da posse vai ter relevância, quer em relação a frutos, quer em relação à
fruição, a bem feitorias, quer à aquisição por usucapião (efeito mais típico). No artigo 1297° do
Código Civil temos um exemplo disso — na posse violenta e oculta, os prazos só começam a
contar quando a violência terminar ou a posse se tornar pública (contam-se a partir desse
mesmo momento).

Vamos agora falar quanto aos frutos (artigo 1271° do Código Civil) e às benfeitorias (artigo
1273° do Código Civil). Se a coisa produzir frutos — por exemplo, um pomar que produza
laranjas ou um imóvel que esteja arrendado (os frutos não têm necessariamente de ser frutos
naturais, podem ser civis): ao contrário do que vimos na caracterização da posse — ou seja, se
a posse foi adquirida de boa fé, aquilo será sempre de boa fé, mesmo que depois o possuidor
se aperceba depois (a má fé superveniente não releva na caracterização da posse) —, em
relação aos frutos isso não acontece. A lei diz que se o possuidor estiver de boa fé, tem direito
aos frutos naturais e aos frutos civis, mas se, entretanto. se apercebe que está de má-fé, deixa
de ter direito a eles — aqui sim há uma relevância da má fé superveniente na caracterização
da posse. Já o possuidor de má fé, deve restituir os frutos que a coisa produziu até ao
momento (artigo 1271° do Código Civil) — vai-se passar o mesmo com o possuidor de boa fé:
enquanto estiver de boa fé os frutos são dele, mas quando passa a estar de má-fé, os frutos
que recebeu também tem de restituir. O possuidor de má-fé, para além de restituir aquilo que
recebeu, vai também ter de pagar por aquilo que a coisa podia ter produzido enquanto não
produziu.
Em relação às benfeitorias, também há diferença. Tanto possuidor de boa fé, como o de má-fé,
tem direito a ser indemnizado das bem feitorias que fez — por exemplo, existe uma posse E,
se o possuidor realizou benfeitorias necessárias, tem direito a ser indemnizado pelas
benfeitorias que fez e que ficou na coisa, a beneficiar o outro sujeito. Tem também o direito de
levantar as coisas úteis, mesmo que não tenho o direito de ser indemnizado quanto a elas —
isto se forem possíveis de ser levantadas. Se não for possível levanta-las, tem o direito de ser
ressarcido, no âmbito do enriquecimento sem causa.

Vamos agora a uma das normas mais importantes, que é sobre a aquisição da posse (artigo
1263° do Código Civil). Quando estivermos perante uma hipótese sobre a posse, temos sempre
se dizer como é que essa posse foi adquirida e depois caracteriza-la). A posse pode ser
adquirida ou por vontade do anterior possuidor ou não – significa que a possa pode ser
adquirida em consequência de um ato de vontade do possuidor anterior (nomeadamente
quando a transmite) ou pode ser adquirida sem a sua vontade. Quando a posse é adquirida
sem a vontade do outro possuidor, diz-se que a posse é adquirida de forma originária – ou
seja, o sujeito adquire uma nova posse, que não tem nada que ver com a anterior. Ao invés,
quando é adquirida através da intervenção do possuidor anterior, então diz-se que a posse é
adquirida pela via derivada.

O artigo 1263º diz-nos que a posse adquire-se:

a) Pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao


exercício do direito – aquisição originária: o anterior possuidor não colabora na
aquisição da posse (há uma nova posse).
b) Pela tradição material ou simbólica da coisa, efetuada pelo anterior possuidor –
aquisição derivada: o anterior possuidor colabora na aquisição da posse.
c) Por constituto possessório – aquisição derivada: o anterior possuidor colabora na
aquisição da posse.
d) Por inversão do título da posse – aquisição originária: o anterior possuidor não
colabora na aquisição da posse (há uma nova posse).

a)Pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do
direito.

Embora o legislador não o determine, isto normalmente chama-se apossessamento – é o ato


de apreensão material, em que o possuidor apreende a coisa. O sujeito adquire a posse
através da prática reiterada de determinados atos materiais em relação à coisa.

Por exemplo: temos uma estrada, com dois terrenos do A e dois terrenos do B perto:

 No primeiro caso, o B e o A, por escritura pública, onde se permite ao B aceder à


estrada pelo terreno do A – significa que o B está agora a praticar atos materiais
correspondentes ao exercício de um determinado direito real, que é a servidão de
passagem. Se a servidão de passagem foi devidamente constituída por escritura
pública, significa que o B está a atuar na base de um direito que lhe foi concedido por
A. Logo, o B tem posse, porque está a exercer um poder de facto sobre uma coisa –
esta posse do B assenta na existência de um direito, pelo que esta posse diz-se causal.
Como é que ele adquiriu a posse aqui? Através do A, que constituiu um direito.
 No segundo caso, o terreno é do A, mas ele está emigrado. O B começa a passar no
caminho do terreno do A. Do ponto de vista da posse, o B está a exercer um poder de
facto como no primeiro caso, mas ao contrário do que se passa no primeiro caso, o B
está a exercer este poder de facto, mas não tem um direito real correspondente. Mas,
o que é certo é que está a passar pelo caminho e, se está a exercer um poder de facto
sobre uma coisa que não é dele, para já tem posse, mas é uma posse formal. Como é
que ele a adquiriu? Ele adquire a posse pela alínea a): é uma prática reiterada
(pressupõe uma atuação determinada, e o A está ali a passar), com publicidade (à vista
de todos – a posse dele é pública, o A não sabe, mas pode saber), dos atos materiais
correspondentes ao exercício do direito – qual é que é o direito a que corresponde
aquela atuação? A servidão predial – ele está a praticar atos compatíveis com o direito
da servidão predial. Ele não está a exercer o direito, porque não o tem, mas está a
atuar como se tivesse, logo é possuidor. Esta posse é nova porque ele não contou com
a colaboração do A.

O apossessamento é então uma atuação, sobre uma determinada coisa, que corresponde ao
exercício de um direito – esse direito pode ser a propriedade, um usufruto, uma servidão, ou
outro (desde que seja um direito real).

b)Pela tradição (entrega) material ou simbólica (por exemplo, as chaves) da coisa, efetuada
pelo anterior possuidor.

O possuidor antigo perde a posse porque, através da sua vontade, adquire a posse um novo
sujeito.

O que acontece aqui é que o anterior possuidor transmite a posse e, consequentemente


perdeu-a pela cedência (artigo 1267º, nº1, alínea c) do CC) – houve aqui uma colaboração
dele.

Embora o legislador não distinga, a doutrina e a jurisprudência distinguem aqui duas formas de
tradição:

1. Traditio longa manu.


2. Traditio brevi manu: é a transmissão da posse a quem já é detentor – este detentor, ao
contrário do que se sucede na inversão do título, passa a possuidor com a atuação do
antigo possuidor.

Quando se fala na tradição material ou simbólica efetuada pelo anterior possuidor, isto
significa que há no fundo uma entrega do A para o B – ele perde a coisa pelo ato da traditio
longa manu. Mas, se formos ao exemplo em que o A empresta a coisa ao B e depois lhe vende
a mesma coisa, era suposto que houvesse a entrega – mas, como a coisa já lá está ele não vai
entregar nada (em bom rigor nem há tradição), sendo assim uma traditio brevi manu.

c)Por constituto possessório.

O possuidor antigo perde a posse porque, através da sua vontade, adquire a posse um novo
sujeito.
O constituto possessório tem duas modalidades (artigo 1264º):

1. Transmissão sem entrega (nº1): Por exemplo, o A tem a posse de uma coisa e
transmite-a a B, mas acorda com ele que só a entrega daqui a um mês – apesar de o A
não ter feito a entrega, a posse é do B. E, como o B concordou na entrega após 1 mês,
o A é agora detentor, porque foi por mera tolerância do B que ele continua com ela.
2. O detentor é terceiro (nº2): Por exemplo, o A é o proprietário e celebrou com B um
contrato de comodato – quem tem a coisa é o B, que é detentor, e o A é possuidor.
Mas, entretanto, o A vende a coisa ao C, mas não lhe consegue entregar essa coisa
porque está com B – o A deixa de ser possuidor, passa a sê-lo o C. O B aqui neste
negócio entre A e C não é parte, mas sim terceiro.

d)Por inversão do título da posse – aquisição originária: o anterior possuidor não colabora na
aquisição da posse (há uma nova posse).

Fala-se aqui em inversão do título, no sentido em que o sujeito que tiver o título, já tem um
determinado poder de facto sobre uma coisa. Ou seja, na posse por inversão do título, temos
necessariamente um detentor – a única possibilidade de haver aquisição da posse por inversão
do título é a partir de um detentor. Ou seja, o sujeito é detentor e vai passar a possuidor – ou
seja, o título dele é de detentor, e vai passar a ter um título de possuidor.

O artigo 1265º do CC vem-nos dar duas situações onde existe inversão do título da posse e são
muito diferentes uma da outra – tem em comum a existência de um detentor:

1. Oposição/contradição – é uma atuação do detentor contra o possuidor. A oposição é


uma manifestação de vontade do detentor, dirigida ao possuidor, declarando-lhe
expressamente (por palavras ou atos inequívocos) que ele já não se considera
detentor, mas sim titular do direito, obviamente que sem o ser. Por exemplo: um
amigo nosso não tem casa e nós temos 5 casas e emprestamos-lhe uma – ele está a
exercer um poder de facto sobre a casa, mas porquê? Porque lhe emprestámos – está
a beneficiar de um ato de tolerância nosso. Significa que ele é detentor. Uma vez
detentor, sempre detentor, exceto se se verificar uma das situações do artigo 1265º
(inversão do título da posse). Um dia, vamos pedir a casa ao nosso amigo e ele não
devolve – ele está a alterar o animus e a dizer que é dele.
Por exemplo, um arrendatário é um detentor, e o facto de ele deixar de pagar a renda
não o torna possuidor.
A inversão do titulo da posse, por ato de oposição, tem como pressuposto: a existência
de um detentor e a existência de uma oposição manifesta contra o possuidor – tem de
chegar ao conhecimento dele, porque é nesse momento que ele inverte o título e
adquire a posse e, se adquire a posse, significa que foi contra a vontade do possuidor,
mas ele não a perdeu (tem agora o prazo de um ano para invocar uma ação de
restituição). Esta manifestação pode ser expressa ou tácita (por exemplo, não abrir a
porta, colocar um terreno à venda, etc.).
2. Ato de terceiro: por exemplo, A emprestou uma coisa ao B. O A é possuidor e o B é o
detentor. Vamos imaginar que aparece o C, que diz que comprou a coisa ao A, mas
que se quisesse lhe vendia. Vamos supor que isto é mentira, mas convence-o e,
convencido, compra-lhe a coisa – este negócio é nulo e, portanto, não transmite o
direito. Contudo, o B está convencido e atua agora no exercício desse direito. Temos
aqui um ato de terceiro (C), mas terceiro no sentido de não ser parte e que vai praticar
um ato que é suscetível de transmitir a posse. E agora, ou transmite mesmo, e B passa
a ser possuidor causal, ou não transmite e isso permite a B inverter o título.

16 NOVEMBRO – PRÁTICA
Posse. Hipóteses práticas.

Caso Prático:
Com a exclusiva intenção de evitar uma penhora pretendida pelos seus credores, António
acordou com Bento, seu amigo de longa data, simular a venda da sua fração autónoma X,
tendo a respetiva escritura pública sido celebrada em 01.02.2000.

Em 01.02.2016, António, que, não obstante a referida escritura, continuou a residir na fração
autónoma x como sempre o havia feito, emigrou para o Japão e entregou a Bento as chaves do
imóvel, para que este pudesse cuidar dele durante a sua ausência.

Pouco tempo depois, Bento que passava por graves dificuldades económicas, enviou uma carta
a António, na qual afirmava ser “o real proprietário do imóvel desde o momento da celebração
da escritura pública”, e vendeu a fração autónoma X a Carlos, por escritura pública realizada
em 01.06.2018, o qual depois de realizar avultadas obras de remodelação, nela passou a
residir em 01.08.2018.

António regressou do Japão em 01.05.2019, e pretende que Carlos lhe entregue


imediatamente o imóvel, exigência a que este se opõe.

1. Qualifique a situação jurídica dos intervenientes relativamente à fração autónoma X,


ao longo de toda a hipótese (pretende-se a análise parágrafo a parágrafo).
2. Na qualidade de advogado:
a. Como defenderia a pretensão de António?
b. Como defenderia a recusa de Carlos?

Resolução:
1.
Esta hipótese trata (não só, mas sobretudo) da posse – quando se diz “qualifique a situação
jurídica dos intervenientes relativamente à fração autónoma X, ao longo de toda a hipótese é
para falar quer do direito quer da posse.

Antes de começar a análise, que direito existe em relação à fração autónoma? Direito de
propriedade, que pertence ao António.

No primeiro parágrafo, mudou alguma coisa em relação ao direito de propriedade? Sim, foi
transferido para Bento – mas, este negócio é inválido: é nulo (artigo 240º, nº2). Um negócio
nulo é um negócio que não produz quaisquer efeitos. Então neste caso, depois da escritura
pública, quem é que é o proprietário? É o A na mesma – porque se trata de um ato nulo. A é
possuidor causal.

No segundo parágrafo, houve alguma diferença? Não. Estamos perante um negócio simulado,
mas nada mudou: nem o direito, nem a posse – o direito continuou no A, porque o negócio é
nulo; e como não houve entrega (depreende-se neste parágrafo) a posse também não muda.

Portanto, até ao dia 01.02.2018 temos o António como proprietário e possuidor causal.
Quanto ao Bento, não há nada ao nível dos direitos reais para referir.

Mas, quando António emigra para o Japão e entrega a Bento as chaves do imóvel, o que é que
agora se está a passar do ponto de vista do poder de facto sobre a coisa? O B passa a ser
detentor (artigo 1253º) – há corpus, mas nem na conceção objetiva isto será posse. Porquê?
Porque a lei diz que é: artigo 1253º, al. a) (também dá para encaixar nas restantes alíneas).

Significa então que, a partir deste momento, temos o António, que continua a ser o titular do
direito e é o possuidor causal – ele não tem poder de facto diretamente neste momento, mas
ele exerce-o através do Bento (artigo 1252º).

No terceiro parágrafo, não podemos esquecer que, do ponto de vista formal, Bento é que era
o proprietário – o negócio era simulado (não produz efeitos), mas aparentemente produz,
porque foi feito por escritura pública.

No momento em que Bento escreve a carta e envia para António, este ato muda alguma coisa?
Este ato é compatível com a inversão do título.
A inversão do título da posse é um modo de aquisição da posse – tem como pressuposto a
prévia existência de um detentor. Quando se fala de aquisição da posse por inversão do título,
só o detentor é que pode adquirir a posse desta forma. Portanto, basicamente o que é que se
está a passar? Há uma alteração no título da posse.

O B é então detentor. O problema é que ele agora aparentemente opõe-se ao titular do direito
diretamente – é a chamada contradição: é a contradição do detentor ao titular do direito, em
nome de quem exercia o poder de facto (artigo 1256º, 1ª parte).

Portanto, existem dois modos de inversão do título da posse (artigo 1265º):

 Oposição do detentor contra o titular do direito, em cujo nome possuía – ou seja,


contra o possuidor (é a que está aqui presente).
 Através de um ato de terceiro, que em abstrato é capaz de transferir a posse.

Portanto, significa que é preciso a prática de atos materiais de oposição – e é preciso que esses
atos materiais concludentes de oposição cheguem ao conhecimento do titular do direito
(porque se não chegam, não serve).

Mas basta o ato de escrever a carta? Depende do caso – mas, neste caso, isto é um ato
concludente. Ele por um lado comunica e por outro lado vende – ele está a praticar dois atos
que são completamente incompatíveis com a posição de detentor (o detentor não faz isto).

Portanto, para quem entenda que é suficiente este ato, significa que podemos enquadrar
facilmente a situação na inversão do título da posse. E, neste sentido, a partir do momento da
oposição, significa que o Bento é possuidor formal.

Ou seja, o Bento é sempre detentor e só deixa de ser se por ventura entendermos que para a
inversão do título é suficiente este ato de oposição.

Quando identificamos um possuidor formal, temos de identificar o modo de aquisição – e já


identificámos: inversão do título da posse, por ato de oposição/por contradição.

A seguir, temos de caracterizar a posse. A posse adquirida por inversão do título é uma posse
adquirida de forma originária ou derivada? Originária – é um ato de oposição, não há aqui
nenhuma colaboração do anterior possuidor. Isto tem já uma grande consequência: significa
que o António perdeu a posse quando o Bento adquire a posse por inversão do título ou não?
É que se ele perde a posse já não pode lançar mão de uma ação de defesa da posse, porque já
a perdeu.

Quando a posse é adquirida contra a vontade do anterior possuidor, a posse do anterior não
se perde logo – a posse só se perde se o anterior possuidor transmitir a posse (al. c) do nº1 do
artigo 1267º). Quando adquire pela via originária, quer por apossessamento, quer por
inversão, é evidente que não há nenhuma cedência e, portanto, não há perda da posse.

Portanto, neste caso, a posse só se perderá verificado os pressupostos da al. d) do nº1, do


artigo 1267º – significa que, para já, não perde a posse (ainda não passou 1 ano e 1 dia), pelo
que nesta altura coexistem os dois possuidores: o novo possuidor e o antigo (que continua a
ser atual).
Portanto, do ponto de vista possessório, o que é que nós temos? A partir do momento em que
chega ao conhecimento do António o ato de oposição, o Bento adquire a posse por inversão
do título por oposição – o A continua titular do direito e continua possuidor causal.

A partir do momento em que há esta nova posse e esta nova posse é conhecida diretamente
(ato de oposição), significa que o António tem 1 ano para reagir – se deixar passar 1 ano perde
a posse. E depois pode continuar a reagir – mas, já não é no âmbito de uma ação possessória,
mas sim de uma ação petitória (ação de reivindicação – porque ele perde a posse, mas não
perde o direito).

Quanto ao Bento, temos uma posse titulada ou não titulada? Qual é o facto pelo qual ele
adquire a posse? Por inversão do título – então é uma posse não titulada (não assenta num
modo legítimo de aquisição de um direito real). Se é uma posse não titulada, é
presumivelmente de má-fé. É evidente que esta presunção é ilidível, mas estão verificados os
pressupostos para ilidir esta presunção? Não – ele sabe que fez um negócio simulado. É uma
posse pacífica e pública – a carta torna a posse pública e depois o Bento exerce-a de modo a
poder ser conhecida pelo António.

Resumindo: a posse de Bento é uma posse não titulada, de má-fé, pública e pacífica.

Passando agora para a parte em que Bento vende a fração ao Carlos. Quando o Bento faz a
escritura pública a favor de Carlos, o que é que aconteceu à sua posse? Transmitiu. E,
consequentemente, extinguiu-se.

O que é que é o Carlos? Possuidor formal – porque apesar de ter feito a escritura pública, o
negócio é nulo, porque o Bento não pode transmitir um direito que também não é dele.

Como é que ele adquire a posse? Pela entrega feita pelo Bento (alínea b) do artigo 1263º).

Não há nenhuma dúvida que Carlos é possuidor, quer pela traditio, quer pelo facto de até ter
realizado avultadas obras de remodelação. É preciso mais qualquer coisa do que a mera
entrega. Vai depender agora da conceção que se adote de posse: na conceção objetiva basta a
entrega (corpus), quando a lei não estabeleça em contrário (aqui não é o caso); na conceção
subjetiva do animus avaliada em abstrato, temos posse porque o negócio é idóneo para
transmitir o direito (compra e venda); na conceção subjetiva do animus avaliada em concreto,
é preciso a prática de atos materiais compatíveis com o exercício do direito – e por isso é que
temos aqui as obras.

Portanto, o Carlos é possuidor formal e adquire a posse por traditio (entrega a coisa). Quando
o Bento entrega, significa que perde a posse – porque a posse do Bento extingue-se pela
entrega da coisa (alínea c) do nº1 do artigo 1267º).

A posse do Carlos é titulada – é um modo legítimo de adquirir (escritura do contrato de


compra e venda), a forma também é válida, mas o problema é que o vício é a falta de
legitimidade do transmitente e, portanto, o direito não se transmitiu (logo, é uma posse
titulada). Sendo titulada, é presumivelmente de boa fé – e era, porque não há nada que diga o
contrário. É também uma posse pública, porque ele não está a esconder e é também pacífica.

Portanto, a posse de Carlos é titulada, de boa-fé, pública e pacífica, tendo sido adquirida por
traditio, a partir do anterior possuidor.
16 NOVEMBRO – OT
Posse. Hipóteses práticas.

(continuação do caso prático da aula anterior)

2.

a.

O titular do direito tem dois modos de se defender: ou defende o direito, ou defende a posse.
O direito de propriedade não prescreve e, portanto, pode ser defendido em qualquer altura
(há outros direitos reais que já não têm essa característica e, nesse caso, não é possível lançar
mão da ação de restituição).

Portanto, no fundo é: eu posso defender o direito se o tiver – e como é que eu o defendo? Por
uma ação de reivindicação. E posso defender a posse se a tiver – e como é que eu a defendo?
Através de uma ação de restituição.

Ou seja, ação de restituição pressupõe o esbulho – o esbulho é que não pressupõe a perda da
posse, porque como na situação do esbulho o novo possuidor adquire a posse contra a
vontade do anterior que se mantém, o esbulhador adquire a posse, mas o esbulhado não a
perde.

E, portanto, enquanto o esbulhado não perde a posse (e só perde se a posse do esbulhador


durar mais do que 1 ano), significa que desde o momento do esbulho até ao prazo de 1 ano, o
esbulhado pode defender a posse.

Se for titular do direito, pode também defender o direito.

Resumindo: o direito defende-se com uma ação de reivindicação e a posse defende-se com
uma ação possessória. As ações possessórias podem ser uma de três:

1. Prevenção.
2. Manutenção.
3. Restituição.

Tudo depende da agressão que estiver a ser feita à posse. Obviamente que a ação de
prevenção e a ação de manutenção não têm como pressuposto o esbulho – a ação de
prevenção tem como pressuposto o receio de poder ser perturbado e a ação de manutenção
pressupõe a manutenção, mas não esbulho. E, portanto, a única que pressupõe o esbulho é a
ação de restituição – significa então que há esbulho: o esbulhador adquire a posse pelo
esbulho, mas o esbulhado não perde a posse pelo esbulho. Portanto, significa que, durante um
ano vai haver duas posses: a do esbulhador e a do esbulhado

Consequentemente, o esbulhado pode defender a posse através da ação de restituição.

Assim, das duas uma:

 Ou passou mais do que um ano e, nesse caso, o António perdeu a posse e já não pode
defender a posse através de uma ação de restituição.
 Se não passou o prazo, o António pode defender o direito por uma ação de
reivindicação, mas pode também defender a posse através da ação de restituição.

b.

Em relação ao Carlos, não há aqui grandes alternativas.

Podia colocar-se aqui a questão da usucapião – na prática não se coloca, porque a usucapião
pressupõe a posse mantida por um determinado período de tempo. E, na verdade a posse que
Carlos tem é uma posse curta (tem quase 1 ano).

No que diz respeito à contagem dos prazos, tratando-se de imóvel e com estas características
todas (não havia registo, nem mera posse), os prazos da usucapião são de 15 anos se a posse
for de boa-fé e 20 anos se a posse for de má-fé (artigo 1296º). A posse do Carlos era de boa-fé,
mas mesmo assim precisava de 15 anos.

Só que, há um instituto, que é o instituto da acessão da posse (artigo 1256º). O instituto da


acessão da posse é o mecanismo que permite ao atual possuidor somar à sua posse a posse
dos antecessores – nesse sentido, tínhamos de tentar ver se o Carlos podia somar à sua posse
a posse do Bento e do António.

Se pudesse somar, como já estamos em 2019, já tinham passado os 15 anos – sendo certo que
a posse dele é de boa-fé e, portanto, beneficiaria de um prazo mais curto, de 15 anos.

O problema é que, no âmbito da acessão da posse, só é possível juntar posses que se


adquirem pela via derivada e, nesse sentido, ele não podia juntar a posse que não fosse a
posse do Bento – que é a única que ele adquire por via derivada, porque o Bento adquire por
via originária.

Este instituto tem uma vantagem e uma desvantagem: a vantagem é que o possuidor atual
pode somar à sua posse a posse dos antecessores; a desvantagem é que o somatório das
posses dá-se pela que tiver menor âmbito (nº2 do artigo 1256º) – ou seja, se se somar a posse
de boa-fé com a posse de má-fé, o somatório é toda posse de má-fé; se se somar posse
titulada à não titulada, toda a posse fica não titulada.

Caso Prático:
Em 01/02/2017, António adquiriu a Bento a propriedade da fração autónoma X.

Nesse mesmo dia, António e Carlos adquiriram a Bento a propriedade da fração autónoma Y,
ficando verbalmente acordado que Carlos ocuparia a fração autónoma, em exclusivo, de
01/12/2017 a 30/09/2019, e António ocuparia a fração, em exclusivo, de 01/10/2019 a
31/12/2021.

Os registos das respetivas escrituras públicas foram efetuados em 01/02/2017..

No final deste mês, António aceitou uma proposta de emprego que lhe foi feita por uma
empresa chinesa e emigrou para Xangai.

Antes de partir, em 01/03/2017, António vendeu a Daniel a propriedade da fração autónoma


X. Da respetiva escritura pública, registada nesse dia, ficou a constar que o preço seria pago,
por Daniel, no prazo de 30 dias.

Em 01/10/2017, Daniel doou a Eduardo, seu filho, por escritura pública, registada nesse dia, a
propriedade da fração autónoma X.

Em 01/10/2017, Carlos constituiu a favor de Fernando, por documento particular e pelo preço
de 10.000 euros, o usufruto da fração autónoma Y pelo prazo de 10 anos.

António regressou a Portugal em 01/10/2019, sem nunca ter recebido o preço da venda
efetuada a Daniel.

Ao tentar entrar na fração autónoma X, deparou-se com a presença de Eduardo, que recusou
sair, alegando a sua qualidade de proprietário.
Ao tentar entrar na fração autónoma Y, deparou-se com a presença de Fernando, que recusou
sair, alegando a sua qualidade a sua qualidade de usufrutuário.

1. Diga que direito reais incidem sobre ambas as frações, identificando de forma clara os
respetivos titulares.
2. Diga quem será responsável pelo pagamento dos custos de reparação do elevador
instalado na fração autónoma Y.
3. Diga se António poderá concretizar as suas pretensões mencionadas na parte final da
hipótese, através de ações de reivindicação contra Eduardo e contra Fernando.

Resolução:
No dia 01/02/2017, o Bento deixou de ser proprietário, quer da fração Y, quer da fração X – na
fração X o proprietário passou a ser o António e na fração Y os comproprietários passaram a
ser António e Carlos. Não há nenhum vício quanto a isto.

Depois, eles fazem um acordo quanto à utilização da fração autónoma Y, que está em
compropriedade – há algum problema quanto a este acordo? Não. Como é que os
comproprietários utilizam a coisa? Nos termos do acordo que fizeram (artigo 1406º).

Assim, António é proprietário e possuidor causal da fração X e comproprietário e possuidor


causal do direito de compropriedade (tal como Carlos) da fração Y.

Depois, António vende a fração X a Daniel – a venda foi feita por escritura pública, mas o preço
não foi pago. A falta de pagamento do preço impede a transmissão do direito de propriedade
para Daniel, por força da escritura pública? Não – o facto de não ter pago o preço não tem
nada a ver com a transmissão do direito de propriedade. Só teria se as partes por ventura
tivessem convencionado, por exemplo, uma cláusula de reserva do direito de propriedade.

Nesse sentido, pode ou não pode o Daniel doar a fração ao Eduardo? Pode. Portanto, quem é
que é o proprietário da fração autónoma X definitivamente? É o Eduardo (também é possuidor
causal) – não há aqui nenhum vício, só há a falta de pagamento do preço, mas isso é um
problema obrigacional, que não impede o efeito real do negócio.

Quanto à fração Y, Carlos constituiu a favor de Fernando, por documento particular e pelo
preço de 10.000 euros, o usufruto da fração autónoma Y pelo prazo de 10 anos – aqui temos
um problema, porque como é evidente, o Daniel não é proprietário exclusivo da fração
autónoma Y. E, portanto, o que o Carlos podia ter feito era vender ao Fernando a quota ideal –
nunca a compropriedade. Portanto, esta venda feita pelo Carlos ao Fernando por documento
particular é nula.

Então, partindo do princípio que o Fernando está a utilizar/usufruir a fração, o que é que é o
Fernando em relação à fração autónoma Y? Possuidor formal – adquire a posse não a partir de
Carlos, porque Carlos não tem poder para lhe transmitir a posse naqueles termos, logo ele
adquire a posse pela prática dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito.

Em todo o caso, a posse do Fernando será sempre uma posse não titulada – o negócio jurídico
que permite ao Fernando apossessar-se da fração tem dois vícios: a falta de legitimidade do
Carlos (só com este vício a posse seria titulada) e a falta de forma do contrato, porque aqui
tinha de ser feita a escritura pública ou um documento autenticado, nos termo aplicáveis à CV
(este vício é que torna a posse não titulada). Se é não titulada, presume-se de má-fé – à
partida ele parece que conseguiria ilidir a presunção. Provavelmente não sabia, e até pagou
10.000 euros por aquilo. Portanto, Fernando tem uma posse não titulada, de boa fé, pública e
pacífica.

1.

Quanto à fração X, temos o direito de propriedade– não há nenhum vício nestes negócios (o
efeito real produziu-se, mesmo com a falta de pagamento do Daniel), pelo que Eduardo é o
proprietário.

Em relação ao direito sobre a fração Y, temos compropriedade – A e C são comproprietários. E


o que é que é o F? É possuidor formal do usufruto – a posse dele é como usufrutuário, porque
ele adquiriu convencido de que estava a adquirir um usufruto.

2.

Será que pagam os dois ou o usufrutuário? Aqui o usufrutuário, em bom rigor, não é o
usufrutuário – no fundo é possuidor formal.

3.

Conta o Eduardo ele pode, porque é proprietário exclusivo – vai é perder a ação de
reivindicação.

Também pode como comproprietário reivindicar sozinho contra o Fernando? Pode, porque é
comproprietário e a lei permite-lhe lançar mão desta ação desacompanhado do outro
comproprietário (artigo 1405º). Neste caso, é provável que ganhe esta ação – porque é uma
ação de um titular do direito contra o possuidor e, portanto, ainda não decorreram os prazos
de usucapião.

Portanto, ele tinha legitimidade para as duas ações.

17 NOVEMBRO – TEÓRICA
7. Pedra da posse. 8. Efeitos jurídicos da posse; a) Presunção de titularidade; b) Benfeitorias; c) Frutos; d) Ações
possessórias; e) Usucapião.

O artigo 1256º do CC tem muita importância, pois fala da chamada acessão da posse. A
acessão, em geral, é um modo de aquisição da posse, que pode ser natural ou industrial – mas,
por essa figura da acessão, adquire-se o direito de propriedade. E, basicamente, a acessão é
uma situação que ocorre quando duas ou mais coisas, que pertencem a donos diferentes, se
juntam e a sua separação já não é possível ou então é economicamente inviável. E agora, a
questão que se coloca é, quem é que fica com o todo? Por exemplo, há uma coisa do A que se
junta a uma coisa do B e a separação não é possível – quem é que fica com o todo? E então,
quem fica com o todo está a adquirir um direito de propriedade que não tinha.

Neste caso, falamos da acessão da posse – é uma figura que permite ao possuidor atual juntar
à sua posse a posse dos seus antecessores. Por exemplo, A tem a posse de 10 anos e transmite
a B – B adquiriu a posse agora, ainda não tem tempo, mas como adquiriu a partir do A,
significa que a lei lhe dá a possibilidade de juntar à sua posse a posse do antecessor ou dos
antecessores. Tem é de haver uma relação de continuidade – ou seja, a posse tem de ser
sempre transmitida pela via derivada, porque se for pela originária há uma quebra da cadeia
das posses anteriores. Imagine-se que A transmite a posse a B e B transmite a posse a C – C,
como adquire a posse derivadamente de B, que por sua vez tinha adquirido derivadamente de
A, pode somar à sua posse a posse de B e de A. Qual é a vantagem que ele tem? É para mais
facilmente poder vir a invocar a usucapião, porque como vamos ver a usucapião pressupõe
posse com um determinado tempo. Se, por exemplo, A transmite a C e o C adquirir a posse por
apossessamento e depois transmite a D, como é evidente o D pode ir buscar a posse a C, mas
não pode ir buscar a A, porque se houve um apossessamento, significa que houve uma
aquisição da posse originária e a cadeia está quebrada.

Se A transmite a B, B a C e C a D, quando D vai buscar a posse do A, também tem de ir buscar a


do B e do C. Porque é que podia aqui haver vantagem em D ir buscar a posse do A, mas não de
B e C? Por exemplo, D e A tinham uma posse de boa fé e B e C uma posse de má fé – a partir
do momento que o possuidor junta à sua posse, posses de menor âmbito (posses menos
valiosas), o somatório fica todo de menor âmbito (nº2 do artigo 1256º do CC).

Mas tudo isto é uma opção – o possuidor só faz isto se quiser. É possível fazer uma usucapião
de má fé, mas os prazos são maiores para conseguir.

O artigo 1257º do CC fala da conservação da posse – aqui podemos distinguir entre posse
efetiva posse não efetiva. A posse efetiva é a posse que está a ser exercida – é a prática de
atos materiais correspondentes ao exercício do direito, diretamente ou por intermedio de
alguém (é o poder de facto). A posse não efetiva é aquela em que não se está a exercer o
poder de facto, mas tem-se a possibilidade de vir a exercer. Isto significa que, a partir do
momento em que a posse se adquire, mesmo que o possuidor não pratique atos materiais
sobre a coisa, a posse mantem-se – é uma posse não efetiva, mas é posse. E mantem-se até
quando? Até que, por ventura, seja esbulhado e perca a posse pelas razões normais. Ou seja,
uma vez detentor, sempre detentor, exceto se adquirir a posse – aqui acontece o mesmo: uma
vez possuidor, sempre possuidor, mesmo que não esteja a exercer o domínio do facto. Tendo
adquirido a posse, a posse mantém-se, até que, por ventura, haja uma causa que leve à perda
da posse. A posse efetiva e a posse não efetiva são posses, vamos é ver depois que a posse não
efetiva não é boa para a usucapião.

Por sua vez, presume-se que a posse continua em nome de quem a começou – para
demonstrar que não é necessária a efetividade da prática dos atos. Se alguém adquiriu a
posse, mesmo que não tenha praticado atos, se não a tiver perdido, presume-se que a posse
se mantem.

No que diz respeito aos efeitos da posse, nós já vimos, mas relembrando os mais importantes,
o estipulado no artigo 1268º do CC é muito importante. A lei atribui uma série de poderes ao
possuidor, mas porque é que atribui? Porque à partida, o possuidor tem o direito. Mas, é
verdade que há situações em que isso não acontece (posse formal) – mas, isso não é a regra.
Portanto, o que é que o legislador faz? Dá um tratamento unitário à posse, seja ela formal ou
causal, permitindo obviamente ao titular do direito reagir contra a posse formal. O titular do
direito tem 20 anos, no limite máximo, para reagir – ainda que seja menos tempo, ele tem
sempre tempo para reagir. Portanto, é evidente que a situação da posse formal é irregular e,
em alguns casos, até mesmo ilícita, e a lei trata de forma unitária com a posse formal, mas
mesmo assim dá a quem tem o direito, a possibilidade de reagir, se assim o entender. Não dá é
tratamento nenhum quanto à detenção, porque esta de facto não tem nenhuma proteção
específica.

O possuidor goza então da presunção da titularidade do direito (nº1 do artigo 1268º do CC) –
isto significa que é quem reivindica que tem de provar que tem o direito.

Segundo o artigo 7º do CRP, o registo definitivo constituiu presunção de que o direito existe –
podemos então ter aqui em confronto duas presunções: a presunção derivada da posse e a
presunção derivada do registo. Um exemplo disso típico é o caso da situação triangular: A
(proprietário e possuidor causal) vende a B (adquire, a partir do A, quer o direito quer a posse)
um imóvel e entrega-lho. Se o B é o possuidor, presume-se que é titular do direito. Contudo,
não foi registada a venda de A a B. O A vende agora ao C – negócio nulo –, mas o C regista a
aquisição. Temos aqui agora duas presunções: na presunção do CC, presume-se que o
proprietário é o B, mas o problema é que quem registou foi o B e, nos termos do artigo 7º, a
presunção agora é favor do C. O que é que prevalece? À partida prevalece sempre a posição do
B, porque o nº1 do artigo 1268º do CC diz que só não prevalecia se o registo de C fosse feito
antes do início da sua posse (de B) – a escritura que dá posse ao B é anterior à escritura do C.

Quanto à defesa da posse, temos as ações possessórias. Como é evidente, o recurso à força
não tem aqui nenhum tratamento especial – não é possível, a não ser nos termos gerais, usar o
recurso à força – só é possível na ação direta (336º do CC).

O possuidor causal que tem a posse e tem o direito, pode defender a posse por uma ação
possessória e pode defender o direito por uma ação petitória (nomeadamente de
reivindicação). Já o possuidor formal, não tendo o direito, não pode defende-lo por uma ação
petitória (porque não tem o direito), mas pode recorrer às ações possessórias, porque tem a
posse.

Existem então três ações possessórias principais, e depois temos uma quarta que são os
embargos de terceiro, que é uma ação que vai correr dentro de outra ação. Estas ações são
então:

 Ação de prevenção.
 Ação de manutenção.
 Ação de restituição.

O âmbito delas é diferente, consoante a agressão que esteja a ser feita à posse.

Na ação de prevenção, em bom rigor ainda não há agressão nenhuma – tem uma natureza
cautelar. É, basicamente, uma providencia cautelar, embora não tenha essa configuração –
destina-se a prevenir que venha a ocorrer um ato de perturbação ou de esbulho. Ou seja,
ainda não aconteceu nem a perturbação nem o esbulho, mas o perturbador tem o justo receio
de que tal possa acontecer e então, preventivamente, vai lançar mão dessa ação. Se o
possuidor tiver então o justo receio (um fundado/justificado receio) de ser perturbado ou
esbulhado, e ainda não foi, por outrem, será o perturbador (o autor do esbulho ou
perturbação) intimado para se abster de o prejudicar – no fundo, é uma ação, embora não
esteja configurada como tal, cautelar, pois visa prevenir um mal que poderá vir a acontecer. Há
um receio justificado.

No artigo 1277º do CC, temos então agora a ação direta (apenas nos termos em que a lei o
permite) ou então o recurso ao tribunal para que ele seja mantido ou restituído. Significa
então que, no artigo 1277º do CC já passámos o justo receio – estamos perante uma
perturbação ou esbulho. Em bom rigor, a ação de restituição pressupõe o esbulho – enquanto
não houver esbulho, não há à partida, lugar à ação de restituição. Isto significa que, esbulhar é
diferente de perturbar – havendo perturbação, à partida, ainda não há esbulho e, havendo
esbulho, já não há perturbação. À partida, o esbulho é o pressuposto da ação de restituição.

O esbulho é a impossibilidade que o possuidor tem de, por um ato do esbulhador, perder o
domínio de facto sobre a coisa – ou seja, de ele deixar, contra a sua vontade e pela atuação de
alguém, de exercer o poder de facto sobre a coisa. No caso do furto, é um esbulho, porque
mesmo que eu queira, já não posso utilizar a coisa porque já não a tenho comigo. Atenção que
o esbulho priva o possuidor de exercer o poder de facto, mas não priva da posse. Conforme
vimos na aula passada, a perda da posse não ocorre em simultâneo – uma coisa é eu não
poder exercer o poder de facto sobre a coisa (e de facto eu não posso, porque fui esbulhado),
diferente é: eu perdi a posse por causa do esbulho? Não, durante um ano vai haver duas
posses: a do esbulhador e a do esbulhado, por causa da alínea d), do nº1 do artigo 1267º do
CC. Isto percebe-se porque estamos a falar de ações onde se pretende fazer a defesa da posse
– se já não houvesse posse eu já não a podia defender, porque só se pode defender o que se
tem. Significa então que o esbulho impede o possuidor de continuar a exercer o poder de facto
sobre a coisa, mas não extingue a sua posse – a posse do esbulhado mantém-se durante um
ano, precisamente para que ele possa reagir através da ação de restituição. Se não reagir
durante um ano, aí sim perde a posse e já não pode lançar mao de uma ação possessória.
Portanto, das duas uma: ou ele era apenas possuidor formal e acabou, ou então se era
possuidor causal, já não pode defender a posse, mas ainda pode defender o direito, lançando
mão da ação de reivindicação.

De facto, em alguns aspetos, perturbação e esbulho podem confundir. Assim, conforme o


artigo 1278º, nº1, no caso de recorrer ao tribunal, o possuidor perturbado ou esbulhado, será:

 Mantido: mantido se for apenas perturbado – no sentido de que ainda não perdeu o
poder de facto (ainda não foi esbulhado), o que significa que o perturbador vai ser
condenado a abster-se de praticar os atos de perturbação.
 Restituído: se houve esbulho ele será restituído, enquanto não for convencido na
questão da titularidade do direito. O que é que isto significa? Vamos admitir que
quem esbulhou foi o titular do direito – por exemplo, temos um terreno do A (titular
do direito e possuidor causal), que está murado e tem uma entrada, e o A emigrou;
entretanto, o B (titular do direito e possuidor causal), que tem um terreno ao lado do
A, cultiva o terreno dele e o do A também. A partir do momento em que o B começa a
atuar no terreno do A, como se fosse o seu titular do direito, significa que tira-lhe a
posse do terreno (tem posse formal através do apossessamento). Entretanto, o A
regressa e, percebendo o que o B fez, fecha a entrada, retirando o acesso a B. O que é
que aconteceu ao B? O B foi esbulhado, porque era o possuidor – e foi esbulhado por
quem? Pelo titular do direito. Vamos admitir que o B vai tentar recuperar a sua posse
através da ação de restituição – vai propor a ação contra o esbulhador (A). O A, na
contestação, vai mostrar que o proprietário do terreno é ele. A ação vai ser declarada
improcedente, porque se verifica a situação que estamos aqui a ver: no caso de
recorrer ao tribunal, o possuidor esbulhado (B), será restituído, mas apenas enquanto
o esbulhador não demonstrar que é o titular do direito.

Portanto, a lógica é: numa situação de restituição ou manutenção, à partida prevalecerá a


posição do possuidor esbulhado ou perturbado, a não ser que quem o esbulhou demonstre ter
o direito correspondente àquela atuação. Ou seja, no confronto entre o possuidor formal e o
titular do direito, numa ação de manutenção ou restituição, obviamente que prevalece o
titular do direito. Mas, como o B tem a posse e beneficia da presunção da titularidade do
direito, vai agora caber ao A o ónus da prova de que o direito é dele, para poder conduzir à
improcedência da ação proposta pelo possuidor.

Se a posse não tiver mais de um ano, o possuidor só pode ser mantido ou restituído contra
quem não tiver melhor posse (nº2 do artigo 1278º do CC) – agora estamos aqui num
confronto, não entre o possuidor e o titular do direito, mas entre o possuidor e o possuidor.
Vamos agora admitir que, quem propôs a ação de restituição não foi o A, que, entretanto,
continua emigrado, mas sim o C, que foi praticar atos materiais no terreno do A – temos agora
aqui o confronto entre o possuidor formal (B) e o esbulhador, que também é um possuidor
meramente formal (C). Quem é que vai prevalecer? Vai prevalecer aquele que tiver melhor
posse. É melhor posse a que for titulada, na falta de título, a mais antiga e se estiverem iguais
em termos de antiguidade, a atual. Neste caso, como a de B é mais antiga, prevalece a dele.

Já falámos do esbulho, que não tem de ser obrigatoriamente violento, mas diz-se que é
violento quando o esbulhador utilizou a coação moral ou física. O possuidor que for esbulhado
com violência, pode lançar mão desta providencia cautelar estipulada no artigo 1279º do CC –
é a providencia cautelar de restituição da posse, que tem uma característica: será decretada
sem audiência do esbulhador. Ou seja, o possuidor esbulhado tem de fazer a prova do esbulho
e da violência do esbulho – faz essa prova só com as suas testemunhas ou só com a prova
documental e o tribunal, apenas da análise da prova documental e testemunhal do esbulhado,
decreta a providencia. São poucas as providenciais cautelares que são decretadas sem
audiência da parte contrária. A providencia cautelar não prejudica as ações possessórias em
geral – podem ser intentadas na mesma.

É evidente que, o possuidor que seja esbulhado, mesmo sem violência, também não está
impedido de atuar cautelarmente, mas será através do procedimento cautelar comum, se os
seus pressupostos estiverem preenchidos.

Estas ações não são aplicáveis à defesa das servidões não aparentes (artigo 1280º do CC),
porque não são públicas – não se revelam por sinais visíveis e aparentes e, nesse sentido, a
posse, de certa forma é oculta. Isto não acontece se a posse se funde em título provindo do
proprietário do prédio serviente ou de quem lho transmitiu – ou seja, existe um título e terá de
conter a data. Então, apesar de a servidão ser aparente e não ter a característica da
publicidade necessária à posse pública, é de certa forma ultrapassado pela data constante no
título, pela qual a servidão se constituiu.

Quanto à legitimidade (artigo 1281º do CC), na ação de restituição a legitimidade passiva é do


esbulhador e, na ação de manutenção, a legitimidade passiva é do perturbador. Mas, a norma
diz que, a ação de restituição pode ser proposta contra o esbulhador ou contra os seus
herdeiros, mas a ação de manutenção não pode ser proposta contra os herdeiros do
perturbador, é só contra o perturbador – porquê? A ação de manutenção pode ser intentada
por quem foi perturbado (o possuidor perturbado) ou, no caso de ele morrer, pelos seus
herdeiros, porque já vimos que os herdeiros sucedem na posse dele. Portanto, a legitimidade
ativa é do perturbado ou dos herdeiros do perturbado, que sucedem na posse do perturbado.
A ação de restituição é igual: pode ser intentada pelo esbulhado ou pelos seus herdeiros. O
que muda não é a legitimidade ativa, mas sim a passiva. A legitimidade passiva diz, nas ações
de manutenção, “apenas contra o perturbador”, enquanto que na ação de restituição diz-se
“não só contra o perturbador, mas também contra os herdeiros do perturbador” – porque é
que a ação de manutenção pode ser proposta contra o perturbador apenas, e a ação de
restituição pode ser proposta contra o esbulhador e contra os herdeiros também? Porque na
ação de manutenção está em causa um sujeito, que está a perturbar – se ele morrer deixa de
haver perturbador, a não ser que os herdeiros vão para lá perturbar (mas, nesse caso, eles são
os perturbadores); já na ação de restituição, já houve esbulho, logo o esbulhador é possuidor
e, se ele morrer, quem é possuidor no lugar do esbulhador são os herdeiros do esbulhador,
mesmo que não esbulhem. É evidente que, na ação de manutenção, se o perturbador morrer,
acaba-se a perturbação, mas se o perturbador, por força dos atros de perturbação, tiver
causado danos, quem é que responde? A herança – aqui sim, a responsabilidade civil será
contra os herdeiros.

Na ação de restituição, a legitimidade passiva é o esbulhador e os herdeiros do esbulhador –


mas, é também ainda contra quem esteja na posse da coisa e tenha conhecimento do esbulho.
Por exemplo, vamos imaginar que o esbulhador esbulhou e transmitiu a posse – por exemplo,
o A é possuidor, o B esbulhou-o e agora transmitiu a posse ao C – repare-se que agora não faz
sentido que a ação seja intentada contra o B, porque o esbulhador esbulhou, mas já não tem a
coisa (no máximo, pode ser intentada uma ação de responsabilidade civil, mas a ação
possessória não). contra quem é que tem de ir agora a ação? Contra quem é possuidor – o C –,
porque é uma ação de restituição. É curioso porque, o sujeito passivo é o possuidor que tenha
conhecimento do esbulho – ou seja, tem de ser possuidor de má fé.

Ou seja, o A é possuidor e B esbulha o A, transmitindo depois ao C:

 1ª hipótese: o C conhece o esbulho – pode ser demandado.


 2ª hipótese: o C não conhece o esbulho – está de boa fé e, por isso, temos um
problema: esta ação de restituição vai ser declarada improcedente, pois não há
legitimidade passiva (o C tinha de estar de má fé).

Então, temos de acrescentar uma nova forma de posse ao artigo 1267º do CC, porque não está
lá – quando neste artigo se diz “pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo
possuidor, se a nova posse houver durado por mais de um ano” é verdade, mas se o possuidor
não for esbulhado e estiver de boa fé, o possuidor perde mesmo a posse antes de um ano,
porque ele já não pode demanda-lo.

Esta norma (artigo 1281º do CC) ainda levanta outro problema: parece que, pela análise que se
faz da norma, a ação de restituição não pode ser proposta contra quem não for detentor.
Imagine-se que, quem tem o poder de facto sobre a coisa é o detentor. Quando se diz “contra
quem esteja na posse da coisa”, aqui podemos levantar o problema que é: quando se diz na
posse da coisa, é só possuidor? É que o detentor também é possuidor, embora que precário.
Ou seja, quem entender que “posse” está aqui a ser utilizada no sentido amplo (incluindo
posse causal, posse formal e detenção), ela pode ser proposta contra o detentor, enquanto
possuidor precário; quem entender que posse está aqui a ser configurada no sentido técnico,
então não pode ser lançada contra o detentor, mas sim contra o possuidor, em nome de quem
ele está a deter – isto levanta aqui um problema: mesmo que eu ganhe a ação, se o detentor a
seguir fizer inversão do título e recusar a entrega, a situação continua complicada. O professor
não tem nenhuma opinião formal quanto a isto.

Quanto aos prazos, a ação de manutenção e a ação de restituição caducam quando forem
intentadas dentro do ano subsequente ao facto da perturbação ou esbulho, ou ao
conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultas (artigo 1282º do CC) – o que é que
esta última parte significa? Imagine-se que alguém se apossessou, mas no âmbito de uma
posse oculta, que não é pública – se a posse é oculta, significa que o possuidor esbulhado pode
até nem se ter apercebido dela. Já sabemos que, quando a posse é oculta ou violenta, os
prazos não correm (ficam suspensos). E, portanto, significa que, se a posse decorrente, por
exemplo do esbulho, a posse é oculta, então os prazos ficam suspensos e só vão começar a
contar quando se torne pública. Se houver aqui atos de perturbação sucessivos (não chega a
haver esbulho), então em bom rigor o prazo deve começar a contar a partir do momento da
prática do último ato. Isto não faz sentido na ação de restituição, porque já houve esbulho.

Se o possuidor ganhar a ação de manutenção ou restituição, significa que é como se nunca


tivesse perdido o domínio de facto sobre a coisa (artigo 1283º do CC).

Quanto aos embargos de terceiro, estamos no âmbito de uma ação de defesa diferente – o
que está aqui em causa é a ofensa da posse. Mas, a ofensa da posse é aqui feita de forma
diferente – é feita na sequência de um ato judicial. Por exemplo, o A vende a B e não há
registo; depois há um credor do A que, no âmbito de uma ação executiva, penhora o imóvel
que é do B, mas está registado em nome de A – ora, a ação executiva vai correr entre o A
(interessado) e o C (exequente). Mas, a penhora que o C faz no imóvel que está registado a
favor do A, mas que já não é do A, mas sim do B, está a prejudicar o que? Um terceiro, que é o
B e que não é parte naquela ação – a penhora, obviamente que vai prejudicar o direito e a
posse do B.

Por fim, quanto à defesa da composse (artigo 1286º do CC), já sabemos que o comproprietário
tem legitimidade para sozinho reivindicar o seu direito – não precisa de vir aos autos com os
outros comproprietários. E aqui vai-se passar a mesma coisa – cada um dos compossuidores
(por exemplo, o terreno do A passa a ser cultivado por B e por C – eles são possuidores
formais, mas como são dois, são compossuidores), seja qual for a parte que lhe caiba (em
termos de quota ideal), pode usar contra terceiros dos meios facultados nos artigos
precedentes (ações possessórias), quer para defesa da própria posse, quer para defesa da
posse comum, sem que ao terceiro seja lícito opor-lhe que ela não lhe pertence por inteiro. O
nº2 diz-nos que, nas relações entre compossuidores não é permitido o exercício da ação de
manutenção – isto porque, como eles são compossuidores, têm uma quota ideal, ou seja, a
cada um deles é lícito servir-se do todo, da mesma forma.

E, por fim, temos a usucapião (artigo 1287º do CC) – é um instituto exclusivamente dedicado à
posse formal. Não se fala em usucapião relativamente à posse causal, porque a usucapião é o
instituto que vai permitir ao possuidor formal que tenha posse efetiva, adquirir o direito real
que correspondeu à sua atuação. Ou seja, temos de ver como é que ele exerceu a sua posse
formal: se ele atuou como proprietário, não o sendo, por usucapião que direito é que ele
adquire? O direito de propriedade; se ele atuou como titular de uma servidão predial, não o
sendo, por usucapião o que é que adquire? A servidão predial. Portanto, todos os direitos reais
de gozo são suscetíveis de aquisição por usucapião, exceto dois: o direito de uso e habitação e
as servidões não aparente.
No fundo, a usucapião é, ao mesmo tempo, produzir dois efeitos: por um lado proteger o
possuidor formal que, embora de forma irregular (ou até ilícita), atuou durante um
determinado período de tempo bastante longo, sem que o titular do direito tivesse reagido. E,
portanto, ao mesmo tempo que beneficia e premeia o possuidor formal, que sem ter o direito,
usou e tratou da coisa, também penaliza o titular do direito que o tinha, mas que não ligou
nenhuma. Por isso, ao mesmo tempo a usucapião produz um efeito aquisitivo, mas também
extintivo – ou seja, o direito que se adquire por usucapião (do possuidor formal), extingue-se
necessariamente na esfera jurídica de quem o tinha (de quem era possuidor causal).

Do artigo 1287º do CC, podemos então retirar os requisitos da usucapião:

1. Posse efetiva.
2. Determinado lapso de tempo – a duração vai variar consoante se trate uma coisa
móvel (prazos mais curtos) ou imóvel (prazos mais longos) e em função dos caracteres
da posse, seja ela, por exemplo, uma posse de boa fé (prazos mais curtos) ou má fé
(prazos mais longos.
3. Direito potestativo – ou seja, a usucapião não opera automaticamente, porque tem de
ser invocada. Mas, sendo invocada, configura o exercício de um direito potestativo do
possuidor, porque o sujeito contra quem ele invoca não pode reagir.

Verificados os pressupostos, a simples manifestação de vontade do possuidor formal faz com


que ele adquira o direito correspondente à sua atuação, sem que o titular do direito afetado
tenha meios de reagir.

Pergunta de oral: porque é que umas vezes se adquire por usucapião a propriedade e outras
vezes se adquire por usucapião o usufruto? Porque, no primeiro caso, ele possuiu como
proprietário e, no segundo caso, possuiu como usufrutuário – o poder de facto que ele exerceu
sobre a coisa não é igual. Se ele exercer poderes de facto correspondentes ao direito de
propriedade, por usucapião ele adquire o direito de propriedade; mas, se ele atuou apenas
como titular de uma servidão, adquire por usucapião a servidão.

De acordo com o artigo 1288º do CC, quando a usucapião é invocada (porque não opera
automaticamente), produz efeitos para o passado (tem eficácia ex null) – ou seja, significa que,
se eu invocar a usucapião hoje, os efeitos retroagem à data do início da posse. Se eu tenho a
posse desde 2000 e invoco a usucapião hoje, significa que o meu direito de propriedade não se
adquire hoje – retroage a 2000.

Quem é que tem capacidade para adquirir (artigo 1289º do CC)? Todos – os que podem
adquirir (capacidade de gozo normal). Os incapazes também podem adquirir por usucapião,
seja por si como por intermédio das pessoas que legalmente os representam.

Como é evidente, não há usucapião em caso de detenção – porquê? Porque a detenção não
confere estes direitos – a não ser que deixe de haver detenção e passe a haver posse formal
(desde logo por inversão do título). Mas, como é evidente, aqui não há efeito retroativo – o
prazo só começa a contar desde o momento em que se inverteu o título e não desde o
momento em que se iniciou a detenção. No caso de inversão do título, teria de se dirigir a
quem? No caso de ter sido por oposição, tem de ser ao titular do direito; se tiver sido por ato
de terceiro, é a partir do ato, desde que a posse seja pública (se for uma posse oculta, à posse,
mas os prazos não estão a contar).
O artigo 1292º do CC, faz uma remissão das regras da usucapião, para determinadas regras em
matéria de prescrição, relativamente à contagem dos prazos (artigos 300º, 302º, 303º e 305º
do CC). Transpondo para a usucapião:

 O artigo 300º diz basicamente que são nulos quaisquer negócios jurídicos destinados a
afastar os prazos da usucapião – os prazos da usucapião são imperativos e são os que
estão na lei.
 O artigo 302º diz que não pode haver renúncia à prescrição – tal como na usucapião.
 O artigo 303º diz que a prescrição tem de ser invocada – tal como na usucapião.
 O artigo 305º diz que a prescrição é invocável pelos credores, mas pode não ser,
porque pode ser invocada por outros terceiros, com interesse legítimo – tal como na
usucapião.

23 NOVEMBRO – PRÁTICA
Correção do teste de avaliação continua.
Correção do 2º Teste de Avaliação:

Em Janeiro de 2015, António, proprietário de uma herdade no Alentejo, na qual estava


construída uma casa antiga, decidiu emigrar para a Turquia. Para o efeito, conferiu a Berta, sua
única filha, amplos poderes para o representar na gestão daquela propriedade. Nessa
qualidade, Berta, a quem António havia entregue as respetivas chaves, arrendou a herdade a
Carlos, em Agosto de 2015.

Em Janeiro de 2016, Berta, que atravessava graves problemas financeiros, comunicou a Carlos
o falecimento do seu pai (o que era falso)e, na qualidade de sua única herdeira, propôs-lhe
vendera herdade por um bom preço, no caso de o negócio, por questões fiscais, ser feito
“sem papéis”. Por se tratar de um valor bastante baixo, Carlos concordou e a venda foi
efetuada. De forma a acautelar “problemas futuros”, Berta entregou-lhe uma “declaração de
venda” mencionando que o preço se encontrava integralmente pago.

Em Janeiro de 2017, Carlos decidiu fechar o portão que possibilitava o acesso a um caminho
que Daniel, proprietário de uma herdade vizinha, utilizava desde Novembro de 2014, com o
consentimento expresso de António. Carlos decidiu também remodelar a casa antiga,
afetando-a à atividade de turismo rural.

Em Junho de 2017, Carlos vendeu a herdade a um casal chinês que se havia enamorado do
local, subscrevendo uma “declaração de venda” que, segundo lhes disse, “era assim que
mandava a lei” aqui em Portugal.

Em Novembro de 2020, António regressou a Portugal e pretende “expulsar” da herdade o


casal chinês. Nessa mesma data, Daniel, depois de ter obtido de António uma cópia da
declaração que este lhe passara em Novembro de 2014, pretende voltar a utilizar o caminho
instalado na herdade.

1. Caracterize a situação jurídico possessória resultante:


a. Do contrato celebrado em Agosto de 2015;
b. Do contrato celebrado em Janeiro de 2016;
c. Do contrato celebrado em Junho de 2017;
d. Do contrato celebrado em Novembro de 2014.
2. Pronuncie-se sobre as pretensões jurídico reais:
a. De António em relação à herdade;
b. De Daniel em relação ao caminho.

Resolução:
1.

a.

Para resolvermos esta questão, temos de explicar o que é que é a Berta no meio disto tudo –
basicamente isto é um mandato: o António encarregou a Berta de gerir a propriedade.
Portanto, quando o António entrega à Berta as chaves, significa que a Berta passa a ter o
corpus. Mas, como é evidente, a Berta é apenas detentora (qualquer que seja a conceção que
se adote – porque mesmo na conceção objetiva isto é um caso típico da detenção, que consta
na al. c) do artigo 1253º).

O que é que acontece agora ao negócio realizado em Agosto de 2015? O que é que é o Carlos a
partir de agora? É detentor, porque no fundo ele é titular do contrato de arrendamento – não
há aqui nenhum direito real. Não há dúvida que o direito de arrendamento não confere
direitos reais – os direitos reais estão sujeitos ao princípio da tipicidade (artigo 1306º).

E, portanto, o Carlos é arrendatário – logo, é detentor, porque é ele que está a possuir, mas
está a possuir em nome de outrem. Nem sequer na conceção objetiva este corpus dá posse,
porque ainda que a posse seja o poder que se manifesta permitindo a atuação sobre uma coisa
(artigo 1251º), essa atuação autónoma não tem de ser exercida diretamente pelo possuidor,
pode ser exercida pessoalmente por ele ou por intermédio de outrem (artigo 1252º, nº1).

Quando o António entrega à Berta as chaves e vai-se embora, a Berta é detentora e o António
é possuidor – o António está a possuir por intermédio da Berta, que é detentora.

Quando a Berta arrenda ao Carlos, nada muda – a única coisa que muda é que a Berta que era
detentora já não é, e agora o detentor passa a ser o Carlos. O possuidor continua a ser o
António, que está agora a possuir através do Carlos, que é agora o detentor.

Carlos é detentor, precisamente porque está a possuir em nome de outrem (al. c) do artigo
1253º).

b.

Aqui temos um problema, porque se na verdade o pai da Berta tivesse morrido, então a Berta,
em relação à herdade, era proprietária e possuidora causal (tinha o direito – tinha sucedido
mortis causa ao seu pai). Qual é que é o problema? É que o pai não morreu e, portanto, nada
muda: o possuidor é o António, a Berta não é nada e o detentor é o Carlos.

Mas, não obstante, o que é certo é que aparentemente, até convenceu Carlos de que o pai
tinha morrido – a Berta não pode vendera herdade, porque não é dela. Temos aqui então dois
problemas: por um lado ela está a vender uma coisa que não é dela e por outro lado vai
vender isto “sem papeis”.

Agora temos aqui um problema: o que é que passou a ser Carlos e em que termos? Carlos é
possuidor formal – porque obviamente ele está convencido de que comprou, há um facto que
não lhe é imputável (ele não sabe que a Berta está a mentir). Agora, se ele é possuidor formal,
a questão é, como é que ele adquire a posse?

Temos uma possibilidade: inversão do título por ato de terceiro – é isso que vai acontecer. A
inversão de título por ato de terceiro tem um pressuposto: existência de um detentor (que é o
que ele é). Quem é que é o terceiro aqui? É a pessoa que não tem nada a ver com o assunto: a
Berta. Porque quem é que é efetivamente o possuidor causal? O António.

O Carlos podia ter adquirido por inversão do título por oposição – obviamente que aqui por
oposição não funciona, porque não há nenhum ato de oposição e, mesmo que houvesse, tinha
de ser levado ao conhecimento do titular do direito (artigo 1265º):
Agora, podemos estar aqui perante a única situação: o ato de terceiro capaz de transferir a
posse, sendo o terceiro a Berta – porque a Berta celebra um negócio que, se fosse
formalmente legitimamente válido, tinha transferido o direito (negócio translativo).

Portanto, o ato jurídico que foi praticado, é um ato que é suscetível de transferir a posse. E,
nesse sentido, a aquisição da posse por parte do Carlos pode dar-se por inversão do título por
ato de terceiro.

Também se podia admitir, por exemplo, que ele tivesse adquirido a posse por
apossessamento. Mas, aqui talvez não, porque ele já era detentor – o apossessamento
pressupõe a apreensão material da coisa e ele não tem a apreensão material, porque ele já a
tinha. Portanto, em bom rigor, não há aqui nenhum apossessamento – ele já tem a coisa, a
única coisa que muda é o animus dele. Ou seja, a relação que ele tem com a coisa não mudou
– ele já estava a utilizar a coisa. A única coisa que muda não é o corpus, é o animus e, portanto,
temos de afastar o apossessamento, porque o apossessamento é isso mesmo: é a apreensão
da coisa.

Agora, temos de caracterizar a posse do Carlos. Se adquire a posse por inversão do título,
neste caso estamos perante uma posse titulada ou não titulada? Não titulada, porque o
problema aqui é a invalidade formal do negócio – há aqui dois vício, um vício de invalidade
formal e um vício da falta de legitimidade. Com um vício de falta de legitimidade, teríamos
uma posse titulada, mas o problema é que entra aqui o vício da invalidade formal, que
prevalece e torna a posse não titulada.

Se é posse não titulada, é uma posse que se presume de má-fé. Em todo o caso, esta
presunção é ilidível – atendendo às circunstâncias, tudo leva a crer que é uma posse de boa-fé
(com os dados da hipótese, tudo leva a crer que ele não sabe que está a usar o direito do
António).

É uma posse pacífica, mas cuja natureza pública suscita aqui algumas dúvidas (o professor
aceitava ambas as respostas). A questão basicamente é esta: o que é que distingue a posse
pública da posse oculta? A posse para ser pública, não tem de ser necessariamente conhecida
pelo possuidor – tem é que estar a exercida de modo a poder ser conhecida pelo possuidor
(artigo 1262º).

Aqui temos de ter cuidado com o seguinte: na medida em que o legislador, a propósito da
inversão do título, não se basta com a mera oposição (porque é preciso que a oposição seja
levada ao conhecimento do titular do direito, para que ele possa saber e reagir), quando se
fala no ato de terceiro capaz de transferir a posse (artigo 1265º), como é evidente a norma não
exige que o ato de terceiro também chegue ao conhecimento do possuidor afetado. Portanto,
o que é que nós aqui temos? Temos basicamente o seguinte. Enquanto o ato de terceiro não
chega ao conhecimento do afetado ou à possibilidade dele conhecer, temos posse, mas os
prazos nomeadamente para a reação dele não estão a contar, porque ele não tem
conhecimento dela – não tem nem pode ter. Neste sentido, podemos concluir que esta posse,
por causa disto, poderia ser eventualmente vista como oculta. Ou seja, no fundo, o critério da
publicidade é mais exigente do que o critério geral no caso do título. Mas, isto era discutível.
c.

A herdade é de quem a partir de agora? Do António – a propriedade é do António, os chineses


não compraram a propriedade, embora pensassem que sim.

O Carlos tem legitimidade para vender a herdade? Não, mas vendeu. Então o que é que são os
chineses a partir de agora? Possuidores formais.

Como é que eles adquirem a posse? Adquirem por tradição simbólica da coisa, efetuada pelo
anterior possuidor, que era o Carlos (artigo 1263º). Portanto, o Carlos transfere a posse para
os chineses.

Ao transferir a posse, significa que a perdeu – ele deixou de ser possuidor formal (al. c) do nº1
do artigo 1267º). Os possuidores formais são agora os chineses e o titular do direito continua a
ser o António.

Neste momento o António para além de ser proprietário, ainda é possuidor? Não, porque ele
já perdeu a posse – a partir do momento em que o Carlos adquire, ao fim de 1 ano e 1 dia, ele
perde a posse dele.

Quanto à posse dos chineses, temos uma posse não titulada (mais uma vez o problema não é a
falta de legitimidade do Carlos, mas sim a falta de forma de novo). É presumivelmente de má-
fé – mas esta presunção ilide-se, porque os chineses estão de boa fé. É uma posse pacífica e a
questão de ser pública é uma questão que se coloca na mesma, embora que de forma
diferente – porque aqui já não estamos perante atos da inversão do título, e analisa-se então
nos termos gerais.

d.

Quando se fala no consentimento expresso, está-se a admitir que há ali ago mais do que uma
mera tolerância.

Na opinião do professor, aqui há posse formal e não causal – porquê? Porque há um


consentimento expresso – este consentimento expresso não foi prestado da forma devida,
porque quando alguém constitui a favor de outrem uma servidão, consente expressamente
que passe no seu terreno. Só que esse consentimento expresso tem de revestir a forma
legalmente exigível, porque estamos a tratar de imóveis – e por isso é que a servidão se
constitui por escritura pública ou por documento autenticado, nos termos gerais. Ora, na parte
final fala-nos em declaração – por isso, não há dúvida que não houve escritura publica. Este é
um caso de posse formal da servidão.

Ora, a partir do momento em que é celebrado este acordo e em que António consente
expressamente que o Carlos lá passe, a ideia a analisar é o que é que isto representa do ponto
de vista possessório. Isto será então posse formal, porque o António (na qualidade de
proprietário), tem legitimidade para constituir a servidão – o problema é que faltou a forma.
Nesse sentido, haverá posse formal da servidão.

A posse formal da servidão é não titulada – neste caso, temos a legitimidade do António, mas
voltamos a ter um vício de forma. Será de boa-fé, pacífica e pública.
2.

a.

Quando o António regressa a Portugal e pretende “expulsar” da herdade o casal chines, como
é que António pode levar a cabo esta sua vontade?

Com uma ação de restituição? Não, porque já não é possuidor – ele perdeu a posse 1 ano e 1
dia depois de janeiro de 2016.

A única hipótese que o António tem é de reagir com uma ação de reivindicação, para a defesa
do direito, porque ele não o perdeu.

Na ação de reivindicação, ganhava o António, mas tem de demonstrar que o direito é dele – os
chineses beneficiam da presunção que o direito é deles, porque a posse presume a titularidade
do seu direito.

Os chineses a única hipótese que tinham era de invocar a usucapião, se tivessem prazos – mas
não têm.

b.

Como é que o Daniel pode fazer valer a sua pretensão? O Daniel pode defender a sua
pretensão? Quando é que ele foi esbulhado da posse? Em janeiro de 2017 – quando o Carlos
fechou o portão. Isto significa que em 2020 já passou muito mais do que 1 ano.

O Daniel não tem direito nenhum – tinha a posse. Na medida em que o Daniel não reagiu
dentro de 1 ano, agora não pode fazer nada.

23 NOVEMBRO – OT
Posse. Hipóteses práticas.

Quais são os direitos que não podem ser adquiridos por usucapião? Os que a lei exclui: o
direito de uso e habitação (pela sua natureza pessoalíssima, não é suscetível de posse) e as
servidões não aparentes (não se revelam por sinais visíveis e permanentes).

Não podemos esquecer também que a usucapião, ao ser invocada, tem efeitos retroativos –
ou seja, a aquisição do direito não se projeta apenas para o futuro, projeta-se até à data do
inicio da posse. E daí que é importante marcar o momento da aquisição da posse.

Por exemplo, se para chegar à estrada o B tem de passar pelo terreno do A por um caminho
que la há – se este caminho tiver sido constituído por escritura pública, significa que A, por
escritura publica, constituiu a favor de B uma servidão de passagem.

Portanto, o que é que é o A em relação ao seu terreno? Proprietário. Logo, o que é que A em
relação a quase todo o seu terreno? Possuidor causal. Em relação ao caminho, o possuidor
causal é o B – A será no máximo detentor, porque há aqui um caso de sobreposição.

Ou seja, no fundo, a questao da compropriedade é parecida com isto: o possuidor é possuidor


na parte que não é necessária para que o outro seja possuidor; na parte que é necessária, ele é
detentor.

É por isso que, no caso da compropriedade, a não ser que haja inversão do título da posse, o
facto de um comproprietário estar a atuar sobre o todo não lhe dá nenhum outro direito.
Depois de inverter o título da posse, aí começam a contar os prazos para a usucapião – não nos
podemos esquecer que os prazos só contam quando a posse for pacífica ou pública.

A posse oculta e violenta também são posse, mas nesse caso não estao a decorrer os prazos
para usucapião, ação de restituição e outros.

Se tivermos, por exemplo, 3 sujeitos a possuir formalmente um terreno, é evidente que eles
não são possuidores formais – são compossuidores formais. Se um deles invoca a usucapião, a
invocação pela parte de um aproveita aos outros (artigo 1291º).

Há uma regra, que é o último artigo da posse: artigo 1301º. Normalmente, no confronto entre
o titular do direito e o possuidor formal, prevalece sempre o titular do direito, exceto num
caso: quando o possuidor formal tem prazo para a usucapião.

Ou seja, sempre que numa ação de reivindicação/sempre que um titular de um direito


pretenda defende-lo judicialmente, através de uma ação de reivindicação, significa que o
titular do direito vai propor a ação contra o possuidor formal. Inevitavelmente ganhará o
titular do direito – porque entre a titularidade do direito e a posse formal, prevalece
obviamente o direito.

Há um caso em que tal não sucede: se tiverem decorridos os prazos para a usucapião, o
possuidor formal na contestação vai, através de um pedido reconvencional reformular esse
pedido e dizer que tem posse efetiva, pública, pacifica e ininterrupta à x anos – neste caso, o
titular do direito vai perde-lo.
Por exemplo, o A é proprietário do telefone e o B furtou o telefone e vendeu ao C. Entretanto
aparece o A, perante o C e diz “o telefone é meu”. Se o C não devolver, o A tem hipótese de
usar uma ação de reivindicação para recuperar o telemóvel – ou seja, o C perde a posse.
Obviamente que poderá agora responsabilizar civilmente o sujeito que lhe causou o problema:
B.

E é sempre assim exceto num caso.

Ou seja, o princípio é este: a posse não é o direito – a posse faz presumir o direito, mas não é o
direito. E, portanto, no confronto entre a posse e o direito prevalece o direito, exceto no caso
da usucapião.

No caso do artigo 1301º temos a seguinte situação: o A é o dono do telefone, o B furtou o


telefone e o C comprou o telefone ao B – no confronto entre o A (dono do telefone) e o C,
prevalece o A. E agora o C tem de devolver e pode demandar civilmente o B para o indemnizar,
porque foi ele que lhe causou o problema. Mas, vamos imaginar que o A comprou o telefone,
mas o telefone ainda está dentro da caixa (não foi aberto); o B furta o telefone ao A e vai
vender ao C o telefone – qual é que é a diferença? É que o B vende telefones e tem uma loja
onde vende telefones – de maneira que o C foi à loja do B comprar o telefone. Repare-se que é
tudo igual, mas agora o C comprou numa loja a quem comercializa aqueles telefones.

Não há dúvidas que o telefone continua a ser do A, mas o A só pode obrigar o C a devolver se
primeiro lhe pagar a ele o que ele pagou ao B – e depois é o A a demandar o B em
responsabilidade civil e já não é o C. Ou seja, o C só é obrigado a restituir o telefone ao A se o A
primeiro lhe pagar o que ele deu pelo telefone. É isto que consta no artigo 1301º: o que exigir
de terceiro (quem exige é A e o terceiro é o C) coisa por este (C) comprada, de boa fé, a
comerciante que negoceie em coisa do mesmo ou semelhante género (B) é obrigado (o A é
obrigado) a restituir o preço que o adquirente (C) tiver dado por ela, mas goza do direito de
regresso contra aquele (C) que culposamente deu causa ao prejuízo.

Isto é uma norma que vem reforçar a confiança do C.

Imagine-se este caso: há um possuidor que está lá de boa fé, pacificamente e publicamente há
30 anos, mas desconhece a lei; o titular do direito propõe uma ação de reivindicação e o
advogado do possuidor não invoca a usucapião. Neste caso, ainda que seja uma situação
obvia, o tribunal não pode oficiosamente suprir, porque não condenar naquilo que não foi
pedido. É isto que consta no artigo 303º.

Se o próprio possuidor não quiser invocar a usucapião, poderá por exemplo os seus credores
invocar – artigo 305º.

Ou seja, às regras da usucapião aplicam-se as da prescrição.


24 NOVEMBRO – TEÓRICA
Capítulo II Facto: 1. Conceito 2. Tipicidade exemplificativa 3. Factos com eficácia constitutiva/translativa genérica
4. Factos com eficácia constitutiva/translativa específica 4.1. Da propriedade 4.2. Das servidões

A aquisição por usucapião é originária, no sentido em que não é adquirida a partir de ninguém
– portanto, a aquisição do direito proporciona um direito novo. Isto significa que, quem
adquire por usucapião não adquire por um titular anterior – é um direito novo. E, portanto, é
imune a todos os vícios e ónus que, por ventura, afastavam o direito anterior.

Por outro lado, tem eficácia retroativa – é invocada a usucapião e os efeitos retroagem à data
do início da posse. Por sua vez, é potestativa porque, invocada e estando os pressupostos
preenchidos, o titular do direito nada pode fazer.

Relativamente à invocação, pode ser invocada pelo interessado ou por terceiro, mas não nos
podemos esquecer que também pode ser invocada pelos credores ou outros interessados
(artigo 305º do CC). Ela não opera oficiosamente – tem de ser mesmo invocada.

Consumada a aquisição por usucapião, tudo se passa como se o efeito atributivo tivesse
ocorrido no dia de início da posse.

Quanto aos prazos, qual é que é a lógica que está subjacente? Existem algumas regras, como
justo título e o registo, que são importantes.

Diz-nos o artigo 1294º do CC que, havendo título de aquisição e registo deste, a usucapião tem
lugar:

a) Quando a posse, sendo de boa fé, tiver durado por dez anos, contados desde a data do
registo – por exemplo, há um negócio de CV que tem um determinado vício (por
exemplo, coação moral ou simulação), mas existe uma escritura que está registada.
Significa que, se o negócio for nulo, mas foi celebrado por escritura pública, pelo que
há registo e há posse.
b) Quando a posse, ainda que de má fé, houver durado quinze anos, contados da mesma
data.

Portanto, os fundamentos são os mesmos e o que vai variar é o prazo em relação da boa ou
má-fé: se a posse for de boa fé, o prazo é mais curto (10 anos) e se for de má fé, o prazo é mais
longo (15 anos).

Depois temos a situação do chamado registo da mera posse. O artigo 1295º do CC diz-nos que
a mera posse só é registada em vista de decisão final proferida em processo de justificação,
nos termos da lei registral, na qual se reconheça que o possuidor tem possuído pacífica e
publicamente por tempo não inferior a cinco anos – no fundo, eu posso ser possuidor formal e
agora quero registar a minha posse (registo da mera posse). Eu posso registar a minha posse,
mas obviamente que não posso registar no momento da aquisição – só posse registar quando
a posse atinge, pelo menos 5 anos. Se houver o registo da mera posse, como é que funcionam
agora os prazos? O nº1 diz que não havendo registo do título de aquisição, mas registo da
mera posse, a usucapião tem lugar:
a) Se a posse tiver continuado por cinco anos, contados desde a data do registo, e for de
boa fé – ou seja, 5 anos (pelo menos) + 5 anos.
b) Se a posse tiver continuado por dez anos, a contar da mesma data, ainda que não seja
de boa fé – ou seja, 5 anos (pelo menos) + 10 anos.

Ou seja, isto significa que se acrescenta ao prazo da mera posse, mais uma vez os prazos que
vão variar em função da posse ser de boa ou má-fé.

Mas, e se não houver nada (nem título do registo)? Vai variar outra vez em função de ser posse
de boa ou má fé. O artigo 1296º diz-nos que não havendo registo do título nem da mera posse,
a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos,
se for de má fé.

Também já sabemos que, através da figura da acessão de posses, e sendo a posse adquirida
pela via derivada, o atual possuidor pode juntar à sua posse a posse dos seus antecessores,
precisamente para efeito da contagem do prazo para a usucapião.

Também já sabemos que se a posse tiver sido constituída com violência ou tomada
ocultamente, os prazos da usucapião só começam a contar-se desde que cesse a violência ou a
posse se torne pública (artigo 1297º do CC) – os prazos não decorrem enquanto a violência não
terminar ou enquanto não se tornar pública. Esta norma também funciona no âmbito das
ações de restituição da posse.

Em relação aos móveis, as regras são quase as mesmas e, o que vai variar tem outra vez a ver
com as características da posse – os prazos das coisas móveis também são tendencialmente
mais curtos.

O artigo 1298º diz-nos que os direitos reais sobre coisas móveis sujeitas a registo adquirem-se
por usucapião, nos termos seguintes:

a) Havendo título de aquisição e registo deste, quando a posse tiver durado dois anos,
estando o possuidor de boa fé, ou quatro anos, se estiver de má fé.
b) Não havendo registo, quando a posse tiver durado dez anos, independentemente da
boa fé do possuidor e da existência de título.

Já o artigo 1299º diz-nos que a usucapião de coisas não sujeitas a registo dá-se quando a
posse, de boa fé e fundada em justo título, tiver durado três anos, ou quando,
independentemente da boa fé e de título, tiver durado seis anos.

Temos ainda um desvio, que é relativo à coisa comprada a comerciante (artigo 1301º do CC),
onde o que exigir de terceiro coisa por este comprada, de boa fé, a comerciante que negoceie
em coisa do mesmo ou semelhante género é obrigado a restituir o preço que o adquirente tiver
dado por ela, mas goza do direito de regresso contra aquele que culposamente deu causa ao
prejuízo – tem então o dever de pagar primeiro ao comerciante.

Relativamente aos prazos da posse violenta ou oculta, como não podia deixar de ser, é
aplicável à usucapião de móveis o disposto no artigo 1297.º (nº1 do artigo 1300º do CC) – por
via de regra, os prazos não começam a decorrer. Porém, o nº2 diz-nos que se a coisa possuída
passar a terceiro de boa fé antes da cessação da violência ou da publicidade da posse, pode o
interessado (aquele que adquire por possuidor anterior – ou seja, B adquire de A com uma
posse oculta e, entretanto vende a C, que está de boa fé) adquirir direitos sobre ela passados
quatro anos desde a constituição da sua posse, se esta for titulada, ou sete, na falta de título –
é no fundo uma tutela que vem proteger o adquirente ou o sub-adquirente de boa fé.

Passando agora para a matéria do facto, falamos de facto em que sentido? Queremos aqui
perceber quais são os factos que constituem, modificam ou extinguem direitos reais. E,
portanto, a regra é que existe aqui um princípio de tipicidade, mas exemplificativo – não é um
número clausus verdadeiramente dito. No fundo, a lei vem definir os contratos que produzem
efeitos reais (à cabeça deles temos a compra e venda) – mas, existem outros contratos que
não estão especificamente previstos no Código, mas que produzem os mesmos efeitos: o caso
típico é a permuta (se A trocar o que tem com B, a troca/permuta produz efeitos reais na
esfera jurídica de ambos). Estes são os chamados factos atípicos, pois não estão legalmente
previstos, mas produzem os mesmos efeitos reais.

Neste sentido, temos de distinguir os chamados factos translativos (no sentido de


transmitirem o direito) ou constitutivos (no sentido de constituírem direitos que não existiam)
e, nestes, temos de distinguir os que têm eficácia genérica dos que têm eficácia específica. Os
factos translativos/constitutivos com eficácia genérica, são idóneos para constituir qualquer
direito real – por exemplo, o contrato: eu, através do contrato, posso transmitir o direito de
propriedade, o direito de superfície, constituir o usufruto, e outros. Distinguem-se depois os
outros: os factos translativos ou constitutiva com eficácia específica, porque esses não
permitem constituir todos os direitos reais, permitem constituir apenas determinados direitos
reais.

Vamos falar da chama acessão (não é a acessão da posse) – é uma forma específica de
aquisição de um direito real, que é o direito da propriedade. Mas há um outro do qual já
falámos e conhecemos: a destinação do pai de família – permite constituir que direito real?
Qualquer um? Não. Só permite constituir uma servidão. A destinação do pai de família é um
facto constitutivo com eficácia específica, porque só se permite desta forma a constituição de
servidões prediais – não posso constituir um usufruto por destinação do pai de família.

Regressando atrás, devemos relembrar e realçar como é que deve ser vista a constituição de
direitos reais menores.

O artigo 1306º do Código Civil (que estabelece o princípio da tipicidade dos direitos reais) diz
no nº1 que não é permitida a constituição, com carácter real (ou seja, com oponibilidade erga
omnes), de restrições ao direito de propriedade (restrições ao direito de propriedade são no
fundo limitações ao exercício do direito real – por exemplo, na propriedade horizontal o
condómino não pode pintar a varanda do apartamento dele da cor que quiser) ou de figuras
parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio
jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional – por exemplo, o A e o B
são proprietários de dois terrenos vizinhos, nós já sabemos que se eles quiserem construir nos
seus terrenos não podem abrir janelas nem portas a menos de 1,5m de distância da extrema
do prédio. Isto é uma restrição legal. Mas vamos admitir que o A e o B entendem que 1,5m é
curto e estabelecem entre eles um acordo onde se comprometem a nenhum deles construir a
menos de 5m; entretanto o B vende o prédio dele ao C e o C quer construir a 1,5m e não a 5m
– pode ou não pode? Pode, porque esta restrição tem natureza meramente obrigacional entre
A e B – foi um acordo entre eles e na medida em que não está prevista na lei, se for
estabelecida, vincula apenas as partes que a estabeleceram (é uma restrição contratual).

Mas a norma também fala das figuras parcelares – são os chamados direitos reais menores. O
usufruto, um direito de superfície e uma servidão são figuras parcelares. Parcelares em que
sentido? No sentido em que quando o titular do direito real maior constitui um direito real
menor, parece que transmite ao titular do direito real menor uma parte do seu direito. Isso é
muito fácil de ver no usufruto: o proprietário tem o poder de usar, fruir e dispor; se constitui o
usufruto, dá a ideia de que vai fragmentar o seu direito de usar, fruir e dispor, e dá ideia que
agora transmite ao usufrutuário o direito de usar e fruir – fragmentou/parcelou.

E se assim for temos um problema: se o A fragmentou o seu direito e transmitiu ao B a


faculdade de usar e fruir, quem transmite deixa de ter – significa entao que, enquanto existir o
usufruto, o proprietário apenas tem o direito de dispor. O direito de usar e fruir não é do
proprietário, mas sim do usufrutuário. Se esta teoria explicar bem o problema, de facto
aproximamo-nos da norma (“figura parcelar”) – o direito ficou dividido em parcelas, o
proprietário ficou com a parcela do direito de propriedade, que é no fundo o direito de vender,
mas transmitiu ao usufrutuário as outras parcelas que são necessárias ao usufruto (usar e
fruir).

E pode ser assim – não há problema para já. O que é que é preciso? Fazer a escritura pública
de constituição do usufruto e está o problema resolvido.

Mas agora há um problema: agora o que é que acontece quando o usufruto se extinguir?
Imagine-se que A constitui o usufruto a favor de B por 10 anos – se terminar o usufruto o que é
que acontece ao poder de usar e fruir? Volta para o A – mas como? Com uma nova escritura
pública? Não.

Embora a lei fale em figura parcelar, não é disso que se trata, porque o direito real maior não
se desmembra/desparcela. O que acontece é um outro princípio: princípio da elasticidade – e,
por isso, o titular do direito real maior não transmite nada ao outro. O que faz é constituir – ou
seja, o titular do direito real maior não transmite nenhum poder para a constituição do direito
real menor. Não transmite nada – o que faz é constituir um direito que não havia.

Ou seja, para já há um direito que é o direito de propriedade – se o proprietário quiser agora


atribuir o usufruto a B, o que vai fazer é constituir um outro direito que não havia. E a partir de
agora vai haver dois direitos: o direito de propriedade e o direito de usufruto. Como é que eles
se vão harmonizar? De acordo com as regras da sobreposição: ou seja, o titular do direito real
maior vai deixar de poder exercer as faculdades que são necessárias ao exercício do direito
real menor. Ou seja, o proprietário não transmite o direito de uso ou de fruir – ele continua
com o direito de propriedade na sua plenitude (usar, fruir e dispor), exceto quanto à
possibilidade de exercer certos poderes do direito de propriedade. Ou seja, o proprietário não
poder usar, nem poder fruir – mas, uma coisa é não poder usar e fruir, outra coisa é não ter
sequer o direito de usar ou fruir. Isso não acontece, porque o direito está lá, mas está inibido
(está “desativado”) em consequência do direito real menor. Consequentemente, quando o
direito real menor se extingue, automaticamente e sem nenhum efeito de retransmissão o
direito real maior vai se expandir outra vez à medida da sua plenitude.

E por isso claramente que, embora a lei fale em figuras parcelares, em bom rigor não é nada
disso que se trata.
Como sabemos, há duas teorias que explicam esta temática:

1. Teoria do desmembramento: a tal ideia da fragmentação – o direito de propriedade


constitui o somatório de diversas faculdades (usar, fruir e dispor) e tal conteúdo pode
ser fracionado, permitindo a constituição de novos direitos reais autónomos. Mas, isto
tem um problema, porque implica a transmissão para o titular dos poderes necessários
ao funcionamento do direito menor. Consequentemente, a extinção do direito implica
a retransmissão para o titular do direito real maior e é isso que não acontece – quando
se extingue o usufruto, extingue-se e o direito real maior volta à sua plenitude (não é
preciso aqui atos retransmissão). Portanto, esta teoria não explica suficientemente
bem a tese.
2. Teoria da compressão ou da inativação: esta é a teoria que se pretende – a
propriedade não é a soma de faculdades fragmentáveis, mas sim um conjunto de
poderes unitário e funcional, que inclui várias faculdades (usar, fruir e dispor). Essas
faculdades podem ficar neutralizadas, na medida do necessário para a constituição do
direito real menor, sem que seja afetada a identidade do direito de propriedade e a
capacidade da sua consolidação. Por isso, o direito real menor constitui-se de novo –
por isso é que é uma constituição: A constituiu um usufruto a favor de B, não se diz
que A transmitiu o direito de usar e fruir (isso não faz sentido). Portanto, a
coexistência dos direitos alcança-se pela inativação dos poderes do direito maior:
extinguindo-se o direito real menor, o direito real maior automaticamente se expande.
Ou seja, a extinção implica necessariamente a descompressão – embora ao utilizar a
expressão “figura parcelar” possa induzir em erro, porque é um direito real menor,
mas não é explicável pela teoria do desmembramento.

Vejamos outro problema que a teoria do desmembramento levantava: imagine-se que hoje o
A constitui um usufruto a favor de B para durar 5 anos e amanhã quer constituir o usufruto do
mesmo bem a favor do C para começar daqui a 6 anos – isto não tem problema nenhum, mas
na teoria do desmembramento havia. Se o A desmembra o seu direito e transmite ao
usufrutuário o direito de usar e fruir, significa que nos próximos 5 anos não tem esse direito e
constituir depois ao C seria uma constituição de bem alheio.

Concluindo, a constituição do direito real menor não opera qualquer fenómeno de transmissão
de poderes contidos no direito real maior. Quando o direito menor chega ao seu termo, não há
lugar a qualquer retransmissão a favor do titular do direito real maior – o direito menor
extingue-se e o titular do direito maior recupera automaticamente o plenitude do seu direito
primitivo, descomprimindo-se.

Portanto, não há dúvida nenhuma que a teoria que melhor explica é a teoria da compressão,
que é no fundo o princípio da elasticidade.

Isto foi só para relembrar. Entrando agora mais concretamente no facto.

No que diz respeito aos factos constitutivos/translativos com eficácia genérica, nós temos
vários:

 Já vimos a aquisição tabular: através do efeito atributivo do registo, eu posso constituir


qualquer direito real (artigo 291º do Código Civil).~
 Acabámos de ver que a usucapião permite a aquisição de praticamente todos os
direito reais de gozo – com exceção das servidões não aparentes e do direito de uso e
habitação, todos os direitos reais de gozo se podem constituir por usucapião.
Portanto, a usucapião neste aspeto também é um facto constitutivo com eficácia
genérica.
 Por decisão judicial também: depende do direito que se pretende reivindicar ou
reclamar no âmbito de uma ação judicial.
 O negócio unilateral: vamos falar deve brevemente.
 No topo de todos os factos constitutivos ou translativos, temos o contrato: é o
paradigma dos factos constitutivos ou translativos de direitos reais.
 Depois temos alguns casos de expropriação por utilidade particular.
 E a própria lei: por vezes também atribui determinados efeitos constitutivos ou
translativos.

Vamos concentrar a nossa atenção no contrato e relembrar alguns aspetos.

Pergunta de oral: o que é o princípio do consentimento? O princípio do consentimento é o


princípio que marca o momento aquisitivo do direito real, resultante do contrato que tenha
sido celebrado.

A lógica é (voltando ao paradigma da compra e venda): a compra e venda produz 3 efeitos (2


efeitos obrigacionais e 1 efeito real):

1. Efeito obrigacional de entregar a coisa.


2. Efeito obrigacional de pagar o preço.
3. Efeito real de transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito.

Ora, o princípio do consentimento vem marcar o momento em que opera o efeito real. E qual
é a regra? A que está no artigo 408°, que diz que, por via de regra, a constituição (A constitui a
favor de B o usufruto) ou a transferência (A transmite a B o direito de propriedade) - quando é
que o usufruto está constituído e quando é que a propriedade está transmitida? No momento
da celebração do contrato. O que significa que, quando o vendedor cumpre a obrigação de
entrega, ele já está a entregar ao proprietário - ou seja, no momento em que ele cumpre a
obrigação, já não é ele o titular do direito, porque já o constituiu ou transmitiu.

Portanto, significa então que o princípio do consentimento é isso mesmo: diz-nos quando é
que se dá o efeito real do negócio translativo ou constitutivo - e a resposta é: dá-se no
momento da celebração do contrato.

Está e a regra. Agora é evidente que a regra tem exceções.

Costuma-se dizer que: na determinação dos efeitos reais, neste caso do contrato, existem
fundamentalmente dois modelos:

 O modelo/sistema do título: é o contrato (o título) que provoca/produz o efeito real.


Estará são os chamados negócios reais quod efectum, nos quais o efeito real resulta do
contrato (é o princípio do consentimento, a regra).
 O modelo/sistema do título e do modo: o título, por si só, não é suficiente para a
produção dos efeitos reais - é preciso qualquer coisa (esta é a exceção à regra). Que
qualquer coisa? A entrega da coisa - ou seja, para além do título é preciso a entrega.
Estes são os chamados negócios reais quod constitutionem- ou seja, em que a entrega
da coisa faz parte do próprio negócio: enquanto a coisa não estiver entregue, o
negócio não produz os seus efeitos. Os exemplos mais típicos disto são:
o Penhor: é uma garantia real - a entrega da coisa funciona como elemento do
facto transmitido (artigo 669°).
o Doação de coisas móveis (artigo 947°, n°2). Como é que se faz a doação de
uma coisa móvel? Se for acompanha pela tradição da coisa doada, não
depende de nenhuma formalidade; se não for acompanhada de tradição da
coisa, só pode ser feita por escrito (aqui é o documento que substitui a prova
do negócio.

Estes negócios reais são exceções ao princípio do consentimento.

Para além das exceções, fala-se também nos desvios. Os desvios não são bem exceções,
porque tal como a exceção, também não serve apenas o contrato - neste aspeto é igual. Mas,
distingue-se da exceção, porque a exceção pressupõe a entrega e nos desvios não se
pressupõe a entrega, mas outro facto qualquer que não seja a entrega.

Ora, onde é que estamos a ver isso? Há um caso muito conhecido, que é a hipoteca - o que é
que é preciso para constituir a hipoteca validamente? Para já o contrato - a escritura pública.
Mas não basta a escritura pública, porque o registo da hipoteca tem efeito constitutivo, o que
significa que eu tenho de fazer mais qualquer coisa: não é a entrega, porque aí pressupunha-se
que se estava no âmbito das exceções. No caso da hipoteca, tem de se fazer também o registo
– de onde? A constituição da hipoteca não resulta do contrato, porque se não estávamos no
âmbito do princípio do consentimento – é preciso mais alguma coisa: o registo do contrato.

Outro desvio muito conhecido é a venda com reserva de propriedade – como é que é possível
que as partes contornem a questão do princípio do consentimento? Na medida em que,
através da celebração do contrato de compra e venda a propriedade transmite-se
imediatamente do vendedor para o comprador, coloca-se agora o problema de saber: então e
se o comprador na pagar? Nesse caso, o bem já é dele. Ora, o vendedor pode ter receio que o
comprador não cumpra e, portanto, qual é que é a melhor garantia de todas? É a própria
propriedade. Então o vendedor diz assim: “eu faço-te a venda, mas estabelecemos uma
cláusula de reverá de propriedade; neste sentido, a propriedade só se vai transmitir quando tu
pagares”. Ou seja, a constituição ou transferência sobre coisa determinada dá-se com a
celebração do contrato (artigo 408º), mas vejamos agora o artigo 409º.

O artigo 409º, nº1 diz-nos que nos contratos de alienação é licito ao alienante reservar para si
a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou
até à verificação de qualquer outro evento – portanto:

 A vende a B e celebram o contrato hoje; se nada disserem, hoje, no momento da


celebração do contrato, transmite-se a propriedade de A para B.
 Mas, A vende a B e coloca no contrato uma cláusula de reserva da propriedade,
dizendo que a propriedade só se transmite com o pagamento; então, o contrato está
celebrado, mas a propriedade ainda não se transmitiu – quando é que se vai
transmitir? Quando o B pagar.

Repare-se que não estamos a falar de exceções, porque as exceções pressupõem a entrega e
aqui não é a entrega, mas outra coisa qualquer, tal como era na hipoteca – na hipoteca era o
registo e aqui é o pagamento.
No próprio artigo 408º, temos outros desvios. O nº2 diz-nos que se a transferência respeitar a
coisa futura ou indeterminada, o direito transfere-se quando a coisa for adquirida pelo
alienante ou determinada com conhecimento de ambas as partes, sem prejuízo do disposto em
matéria de obrigações genéricas e do contrato de empreitada; se, porém, respeitar a frutos
naturais ou a partes componentes ou integrantes, a transferência só se verifica no momento
da colheita ou separação. A vende a B uma coisa que é do C – se a coisa não é do A no
momento da celebração do contrato, não fazia sentido que o A conseguisse transmitir a B uma
coisa que não é possível. É evidente que não pode haver a produção dos efeitos reais por este
facto – quando é que o efeito real se produzirá? Quando o A comprar a coisa ao C.

Nos negócios unilaterais temos aqui uma pequena nuance, porque se é um negócio unilateral
significa que há vontade apenas de uma das partes. Por exemplo, A faz um testamento e deixa
a B o seu carro – o B não adquiriu o carro pelo simples facto de o A ter feito um testamento.
Primeiro é preciso que o A morra e, mesmo quando o A morrer, o B não o adquire logo,
porque é preciso que o B aceite a herança. Portanto, significa que aqui não é o negócio que
produz o efeito real, mas sim a aceitação do negócio por parte do beneficiário do negócio
(artigo 2050º) – ninguém pode ser obrigado a aceitar o que não quer.

Aqui no fundo, a produção dos efeitos por força do negócio unilateral não resultam do
negócio, mas sim da aceitação do negócio por parte do sujeito que vai beneficiar desse
negócio unilateral.

Quando falamos em expropriação, normalmente falamos na expropriação por interesse


público – o Estado, munido do seu ius imperium, decide expropriar determinado direito de um
particular por utilidade particular.

E, portanto, a ideia é que a lei concede ao titular de certo direito real o poder de impor uma
limitação, oneração ou transmissão ao titular de outro direito real conflituante (artigo 1308º a
1310º).

No fundo, a aquisição por usucapião é um pouco parecida com isto, porque através do
fenómeno da usucapião há um determinado sujeito que vai ficar sem aquilo que é seu, em
benefício do outro. Mas, afastamos essa ideia daqui, porque no âmbito da expropriação por
utilidade particular, a lei salvaguarda o direito a indemnização adequada ao prejuízo sofrido,
coisa que não sucede no usucapião.

Também vai haver um fenómeno de expropriação particular no âmbito da figura da acessão


industrial, que vamos falar depois. A acessão é um modo específico de constituição do direito
de propriedade – ou seja, a acessão só permite constituir o direito de propriedade.

A própria lei é fonte da constituição do direito real – ou seja, resulta da própria lei, não resulta
do contrato ou de outro facto. É a própria lei de que resulta o direito real. Os casos mais típicos
são:

 Hipotecas legais – não são constituídas validamente, resultam da lei (artigo 704º).
 Direitos reais de aquisição (artigos 413º e 421º), porque a lei estabelece a favor do
comproprietário o direito real de aquisição da quota parte, em caso de venda ou dação
em cumprimento. Portanto, no fundo: A B e C são comproprietários e o A quer vender
a quota ao E – pode ou não pode vender? Pode, mas primeiro tem de dar preferência
ao B e ao C e se o B e o C quiserem, impedem a venda ao E exercendo o direito de
preferência. O que é que se está aqui a passar? É a própria lei a atribuir, através do
exercício do direito de preferência, um direito real que permite a aquisição que, por
exemplo, o comproprietário até não queria transmitir. Os comproprietários não
podem impedir a venda, mas podem exercer a preferência e, exercendo a preferência,
impedem mesmo a venda – até porque a preferência tem eficácia real. Portanto, é a
própria lei a funcionar como mecanismo de aquisição do direito real.

Mas, chegámos ao cerne da questão e esta é a parte mais importante. Vamos ver agora os
factos constitutivos/translativos com eficácia específica. Para já, os que especificamente
constituem a propriedade, e depois os outros, nomeadamente a servidão predial (a servidão
predial constituída por destinação de pai de família é um facto constitutivo com eficácia
específica, porque só permite constituir servidões prediais e mais nada) e o direito de
retenção.

Começando pela propriedade (artigo 1317º, al. d) do Código Civil), temos:

 Ocupação.
 Achamento (tesouros) – é uma ocupação, mas é uma ocupação diferente.
 Acessão.
 Especificação.

Todos eles são modos específicos de constituição do direito de propriedade (artigo 1316º). No
âmbito do artigo 1316º, o contrato e a sucessão por morte permitem adquirir o direito de
propriedade e outro direito qualquer e a usucapião permite constituir todos os direitos reais
de gozo, exceto aqueles dois. E quais é que são específicos da aquisição da propriedade? A
ocupação, acessão e demais modos previstos na lei.

Qual é que é o momento em que se adquire (artigo 1317º)?

 No caso do contrato, a regra é o princípio do consentimento – poderá não ser assim


nas situações do artigo 409º (cláusula de reserva de propriedade).
 No caso da sucessão por morte é a abertura da sucessão.
 No caso da usucapião é o inicio da posse – já vimos que retroage à data da aquisição.
 Nos casos de ocupação e acessão é o momento da verificação dos factos respetivos – é
sobre isto que vamos agora falar.

Diz-nos o artigo 1316º que o direito de propriedade se adquire por ocupação. A ocupação é
apreensão material da coisa – no fundo, é o apossessamento. Mas, o apossessamento é um
modo de aquisição da posse e aqui está a ser um modo de aquisição da propriedade. Então é
da posse ou da propriedade? Depende do que é que se está a apreender.

O artigo 1318º diz-nos que podem ser adquiridos por ocupação os animais e as coisas móveis
que nunca tiveram dono, ou foram abandonados, perdidos ou escondidos pelos seus
proprietários, salvas as restrições dos artigos seguintes – temos de decompor a norma em
vários momentos.
O direito de propriedade por ocupação não pode incidir em outros objetos que não sejam:
animais ou outras coisas móveis que nunca tiveram dono ou que foram abandonados, perdidos
ou escondidos. Por exemplo, A tem um cão e perde-o, e B encontra o cão, pega nele e leva
para casa – será que adquiriu a propriedade sobre o cão? Não, porque aquele cão tem dono e
não foi abandonado, perdido nem escondido, o cão é que decidiu afastar-se. A, caçador, vai
caçar e mata 3 lebres – de quem é que são as lebres? Do A – como é que ele as adquiriu? Por
ocupação. Porque é que ele adquiriu as lebres e o B não adquiriu o cão? Porque o cão tem um
dono e as lebres não são de ninguém. Então, através da apreensão material, adquire-se a
posse formal ou causal decorrente do exercício do direito? Depende da coisa que se
apreendeu: se for um imóvel, não pode dar-se este caso, porque a aquisição por ocupação diz
respeito a coisas móveis – aí será no máximo posse formal). Todas estas situações pressupõem
ocupação, mas no caso das coisas perdidas ou escondidas é preciso mais alguma coisa do que
a mera ocupação.

Quanto às coisas escondidas ou perdidas, quando é que é o momento da aquisição? Não basta
a apreensão, é preciso mais qualquer coisa. Se a coisa for perdida, o sujeito que a encontrar
(achador – quem achou o que estava perdido) vai ter de anunciar o achamento. E vai anunciar
como? Ou publica no jornal ou leva a uma esquadra da polícia (é o mais normal). Quando é
que o direito se adquirirá? Se entretanto passar um ano sem que o sujeito que o perdeu venha
no fundo reclamar a propriedade da coisa perdida – nesse momento sim o achador adquire o
direito de propriedade sobre a coisa.

Diz-nos o artigo 1323º, nº1 que aquele que encontrar animal ou coisa móvel perdida e souber
a quem pertence deve restituir o animal ou a coisa a seu dono ou avisá-lo do achado ; se não
souber a quem pertence o animal ou coisa móvel, aquele que os encontrar deve anunciar o
achado pelo modo mais conveniente, atendendo ao seu valor e às possibilidades locais, e
avisar as autoridades, observando os usos da terra, sempre que os haja. Diz-nos depois o nº2
que anunciado o achado, o achador faz seu o animal ou a coisa perdida, se não for reclamada
pelo dono dentro do prazo de um ano, a contar do anúncio ou aviso. Portanto, significa que a
aquisição de propriedade não se trata pela apreensão da coisa.

Outra situação em que o direito também não ocorre pela simples apreensão material é a dos
tesouros – o tesouro é a coisa que está escondida e não a coisa que está perdida. Diz-nos o
artigo 1324º, nº1 que se aquele que descobrir coisa móvel de algum valor, escondida ou
enterrada, não puder determinar quem é o dono dela (porque se souber quem é o dono, tem
de devolver), torna-se proprietário de metade do achado; a outra metade pertence ao
proprietário da coisa móvel ou imóvel onde o tesouro estava escondido ou enterrado. Portanto:
o A andava a abrir uns buracos no terreno do B e encontra um baú cheio de moedas de ouro –
de quem é o baú? É do A em metade e do B na outra metade.

Mas, diz-nos ainda o nº2 que o achador deve anunciar o achado nos termos do n.º 1 do artigo
anterior, ou avisar as autoridades, exceto quando seja evidente que o tesouro foi escondido ou
enterrado há mais de vinte anos – estes 20 anos não estão aqui por acaso: é o prazo da
prescrição ordinária e é o prazo da usucapião. Se for evidente que aquilo está lá há mais de 20
anos, já não precisa de fazer a comunicação e, portanto, adquire.

Por fim, diz-nos o nº3 que se o achador não cumprir o disposto no número anterior, ou fizer
seu o achado ou parte dele sabendo quem é o dono, ou o ocultar do proprietário da coisa onde
ele se encontrava, perde em benefício do Estado os direitos conferidos no n.º 1 deste artigo,
sem exclusão dos que lhe possam caber como proprietário – portanto, significa que ele perde
aquilo que, porventura, podia adquirir.

Portanto, o que é que nós temos estado sempre a falar? Da ocupação. A ocupação é entao a
apreensão material da coisa e permite a aquisição do direito da propriedade:

 Ou no momento da apreensão material;


 Ou verificado determinado facto – a situação do achamento será igualmente aplicada
aos tesouros, o que significa que será no fim de 1 ano, exceto no caso do tesouro se
tiverem corridos mais de 20 anos e neste caso ele não adquire tudo, mas sim metade e
a outra metade é do dono do terreno ou da coisa móvel onde o tesouro foi
encontrado.

Em todo o caso, de todo o panorama destes factos que são específicos da propriedade, a
acessão é o mais complexo e o mais importante.

No fundo, qual é a ideia que está subjacente à acessão? É basicamente a essência de duas
coisas, que pertencem a donos diferentes – por uma razão qualquer, essas duas coisas
juntaram-se, e juntaram-se de tal maneira que a separação ou é mesmo impossível ou entao é
economicamente inviável. Ou seja, as coisas estão juntas e ficaram de tal forma juntas, que a
separação já não é possível sem a distinção do todo ou então, sendo até possível, é
economicamente inviável, não faz sentido. E, portanto, há que estabelecer agora um critério.
Se esta coisa que é do A se juntou a esta coisa que é do B, e se agora existe uma coisa
diferente e agora não é possível separar, so há uma solução: ou A ou B vai ficar com isto – um
adquire o que é do outro e esse outro perde o que era seu e, provavelmente vai ter de ser
indemnizado por quem ficou com a coisa, no valor do que tinha e deixou de ter.

Ou seja, imaginemos que A e B estão a construir duas casas ao lado um do outro (2 terrenos),
só que os tijolos do B acabaram e o A tem imensos tijolos no seu terreno. O que é que o B vai
fazer? Vai pegar nos tijolos do A para construir a sua casa. Qual é o problema? É evidente que
o B utilizou bens que não eram seus para a construção da casa que é sua – a casa é do B, mas
parte dos tijolos são do A. Como é que ele tira de lá os tijolos? Não tira, porque se partir não
traz nenhuma vantagem ao A – isto não faz sentido. É verdade que o B não devia ter ido buscar
os tijolos, mas foi buscar e já lá estão. Agora, o que é que o A tem direito? Obviamente vai ter
direito a receber o pagamento dos tijolos, e se aquilo lhe causou algum dano, vai ter de ser
indemnizado pelo B – mas não faz sentido separar o que é inseparável.

O princípio é então o que consta no artigo 1325º: dá-se a acessão, quando com a coisa que é
propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia – e, portanto, este
regime vai permitir resolver o problema: e agora de quem é que é aquilo? Há um bocado que é
do A e outro bocado que é do B, mas como não se pode separar, então de quem é o todo?

Quais é que são as espécies de acessão? A acessão pode ser (artigo 1326º):

1. Natural: se resultar das forças da natureza.


2. Industrial: se resultar da vontade do homem. Se for industrial, por sua vez pode ser:
a. Mobiliária: quando as coisas que se juntam são ambas coisas móveis.
b. Imobiliária: quando uma coisa móvel se junta a uma coisa imóvel.
Ora, o nº1 do artigo 1326º diz-nos isso mesmo. No nº1 diz que a acessão diz-se natural,
quando resulta exclusivamente das forças da natureza; dá-se a acessão industrial, quando,
por facto do homem, se confundem objetos pertencentes a diversos donos, ou quando
alguém aplica o trabalho próprio a matéria pertencente a outrem (embora isto esteja aqui
como espécie de acessão, o legislador à frente autonomiza e chama a isto: especificação),
confundindo o resultado desse trabalho com propriedade alheia.

Especificação é pegar numa coisa que não é sua e dar-lhe uma forma diferente. Por exemplo, o
A é dono de um bloco de granito e B pega nesse bloco e, com o seu trabalho, transforma
aquilo numa estátua grega – de quem é que é a estátua? É do dono do granito ou do sujeito
que colocou o trabalho para transformar o granito numa estátua? Portanto, em bom rigor, é
uma modalidade em que não estão em causa duas coisas que se juntam – o que está em causa
é a transformação de uma coisa numa outra, por trabalho de uma pessoa que não é o dono da
coisa originária.

Embora isto esteja aqui como espécie de acessão, o legislador trata de forma autónoma, na
parte final, sobre a denominação “especificação” (artigo 1336º) – portanto, em bom rigor não
é uma acessão, porque não se estão a juntar coisas.

Diz-nos ainda o nº2 do artigo 1326º que a acessão industrial é mobiliária ou imobiliária,
conforme a natureza das coisas – portanto, se forem duas coisas móveis é acessão mobiliária e
se for uma coisa móvel com uma coisa imóvel é imobiliária.

Pergunta de oral: o que é que distingue a acessão mobiliária da imobiliária: na mobiliária são
duas coisas móveis e na imobiliária é uma coisa móvel com uma coisa imóvel.

A acessão natural, por sua vez, pode ser:

 Aluvião (artigo 1328º): é, por norma, um processo lento. Por exemplo, imagine-se que
há dois terrenos perto do rio e o rio está a correr – é normal que, quando o rio está a
correr venha arrastando terras dos terrenos que estão em cima para os terrenos que
estão em baixo (é um fenómeno natural). De quem é que é a terra que vem do terreno
de cima? É do terreno de baixo. Repare-se que, em bom rigor, não é acessão, porque
as terras que vão andando podem ser separadas.
 Avulsão (artigo 1329º): é, por noema, um processo rápido. Imagine-se que há um
ciclone e aparece no terreno do B um carro que é do A – de quem é que é o carro? À
partida é do A, que pode (e tem de) ir lá buscar. Isto não é bem acessão, porque não
está inseparável.

O legislador mistura então um bocado acessão com isto.

Na acessão industrial temos então de distinguir se ela é mobiliária ou imobiliária.

Ela é mobiliária se duas coisas se juntarem e imobiliária se coisa móvel se juntar a coisa imóvel.
Quais é que são aqui basicamente os critérios? Existência da boa o má fé do sujeito que
juntou.

Repare-se que, como estamos na acessão industrial, significa que a junção foi feita por alguém,
pelo homem – ora, esse alguém que juntou, das duas uma:

1. Ou sabia que a coisa que estava a juntar à sua não era sua e, portanto, está de má-fé.
2. Ou então pensava que a coisa que estava a juntar era sua, e não era, e, portanto, não
está de boa-fé.

Portanto, o primeiro critério é percebermos a boa ou má-fé de quem juntou.

Para além deste, há um outro critério, que é o critério económico: é o valor das coisas antes da
junção – quanto é que valia a coisa do A e quanto é que valia a coisa do B. Porquê? Porque
agora se elas forem juntas, o critério económico pode ser relevante para determinar quem é
que vai ficar com o todo, compensando o todo.

Portanto, na acessão industrial mobiliária, o critério é fundamentalmente a questão da junção


ter sido feita de boa-fé (artigo 1333º) ou de ter sido feita de má-fé (artigo 1334º).

No artigo 1336º, já passamos para a especificação. Portanto, em bom rigor, o critério de


distinção na acessão de coisas móveis, na acessão industrial mobiliária, é a boa-fé ou a má-fé e
o critério económico. Se nós entrarmos na acessão industrial imobiliária, os critérios vão ser
outra vez os mesmos, mas junta-se mais um: o critério do artigo 1339º, que é critério do
superfície solo scene.

Ou seja, na situação do artigo 1339º (que é uma situação especial), independentemente da


boa-fé ou da má-fé de quem juntou, independentemente de a coisa valer mais ou menos, o
dono do solo adquire sempre o direito de propriedade da coisa que lá foi colocada – é um
critério que não acontece na acessão industrial mobiliária.

O artigo 1333º diz-nos, no nº1, que se alguém, de boa fé, unir ou confundir objeto seu com
objeto alheio, de modo que a separação deles não seja possível ou, sendo-o, dela resulte
prejuízo para alguma das partes (não é economicamente viável), faz seu o objeto adjunto
(objeto adjunto é o objeto que resulta da junção) o dono daquele que for de maior valor, – por
exemplo, o A, de boa-fé, juntou à sua coisa (que valia 100) a coisa do B (que vale 10), quem é
que fica com a coisa final? É o A, porque está de boa-fé e é o que tem o valor superior + paga
ao B o valor que a coisa tinha antes da junção – contanto que indemnize o dono do outro ou
lhe entregue coisa equivalente.

Então e se tiverem valor igual? O critério económico não serve. Diz-nos então o nº2 que se
ambas as cosas forem de igual valor e os donos não acordarem sobre qual haja de ficar com
ela (aqui prevalece o acordo entre as partes), abrir-se-á entre eles licitação (fica com aquilo o
que der valor maior), adjudicando-se o objeto licitado àquele que maior valor oferecer por ele;
verificada a soma que no valor oferecido deve pertencer ao outro, é o adjudicatário obrigado a
pagar-lha.

Então e se nenhum deles quiser licitá-la? Diz-nos o nº3 que, se os interessados não quiserem
licitar, será vendida a coisa e cada um deles haverá no produto da venda a parte que deva
tocar-lhe.

Por fim, diz-nos o nº4 que, em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, o autor da
confusão é obrigado a ficar com a coisa adjunta, ainda que seja de maior valor, se o dono dela
preferir a respetiva indemnização. Imagine-se que o A está de boa-fé, mas a coisa dele vale 10
e a coisa do B vale 100 – pelo critério económico, quem tinha direito de ficar com a coisa é o B.
Mas o B não quer – se não quer, fica o A e este vai indemnizar o B pelo valor que a coisa tinha.

Por fim, se isto for de má-fé muda tudo. O artigo 1334º, nº1 diz-nos que se a união ou
confusão tiver sido feita de má fé e a coisa alheia puder ser separada sem padecer detrimento,
será esta restituída a seu dono, sem prejuízo do direito que este tem de ser indemnizado do
dano sofrido.

E se não puder separar-se? Diz-nos o nº2 que se, porém, a coisa não puder ser separada sem
padecer detrimento, deve o autor da união ou confusão restituir o valor da coisa e indemnizar
o seu dono, quando este não prefira ficar com ambas as coisas adjuntas e pagar ao autor da
união ou confusão o valor que for calculado segundo as regras de enriquecimento sem causa.

Ou seja, como é feita de má-fé, a opção é do proprietário da outra coisa – ele é que vai decidir
se quer ou não quer ficar com a coisa e, se quiser ficar com a coisa fica e não é obrigado a
indemnizar no âmbito da responsabilidade civil, mas é obrigado a indemnizar apenas
relativamente às regras do enriquecimento sem causa. Há aqui no fundo uma penalização ao
sujeito que fez, sabendo que não podia ter feito porque a coisa não lhe pertencia.

Este critério da boa e da má-fé e o critério económico vão ser utilizado de forma muito
semelhante na acessão industrial imobiliária, só que depois têm de facto a diferença do artigo
1339º.
30 NOVEMBRO – PRÁTICA
Não houve aula.

30 NOVEMBRO – OT
Não houve aula.

01 DEZEMBRO – TEÓRICA
Não houve aula.

07 DEZEMBRO – PRÁTICA
Não houve aula.

07 DEZEMBRO – OT
Não houve aula.

08 DEZEMBRO – TEÓRICA
Não houve aula.

14 DEZEMBRO – PRÁTICA
Posse causal e posse formal. Servidões prediais. Hipótese prática.

Caso Prático:
1. A aquisição do direito de propriedade sobre o prédio misto denominado “Vale Juncal”,
com área de 102.097 m2 está inscrita a favor de A desde 14.11.2015.
2. A aquisição do direito sobre o prédio rústico denominado “Eira do Sol”, com área de
6,521 Há, está inscrita a favor de B desde 23.11.1979.
3. Em parte, o prédio de A confronta a Sul com o prédio de B.
4. A e os seus antecessores sempre passaram sobre o prédio descrito em 2, para aceder à
Estrada Nacional embora tivessem outro acesso para a mesma via através do seu
próprio prédio.
5. Há mais de um ano foi construída uma vedação constituída por estacas e rede de
arame, dentro do prédio de B, cuja finalidade era impedir o trânsito dos animais, mas
que também impedia a passagem de e para o prédio de A.
i. Poderá A reagir intentando o procedimento de restituição provisória
da posse?
ii. A teria o direito de passar ou, pelo menos, o direito de constituir o
direito de passar sobre o prédio de B?

Resolução:
i.

Para esta pergunta, saber se existe ou não existe uma servidão bem constituída não é
relevante – é completamente irrelevante.

Esta pergunta diz respeito a uma ação que visa defender o quê? A posse. Então, para efeitos
de defesa da posse, tem alguma relevância distinguir se é posse causal ou formal? Não.

Para relembrar: a posse causal é a posse que corresponde ao exercício do direito e a posse
formal não, é apenas a aparência do direito. Mas, nas ações possessórias, é irrelevante saber
se é posse causal ou formal. Quando na lei se fala das ações possessórias, é indiferente que é
posse causal ou formal.

A relevância de saber se é posse causal ou formal não tem nada a ver com as ações
possessórias, tem a ver com as ações petitórias. O possuidor causal pode defender-se de duas
formas:

1. Ou defende a posse por uma ação possessória.


2. Ou defende o direito por uma ação petitória.

Já o possuidor formal só se pode defender de uma forma: pelas ações possessórias – porque
ele não tem direito e se não tem direito, não pode obviamente defender-se, por exemplo, por
uma ação de reivindicação.

Agora, em termos de defesa da posse, é irrelevante saber se a posse é causal ou formal,


porque o possuidor causal é possuidor e o possuidor formal também é – ou seja, do ponto de
vista da situação de facto não muda nada.

A diferença não está então no exercício do poder de facto, mas sim na existência ou não do
direito que suporta esse exercício.

Nesta questão também é indiferente se a servidão está ou não bem constituída – essa questão
é relevante sim, na segunda pergunta.

Não há dúvida que o B colocou uma vedação e que essa vedação tinha uma finalidade: impedir
os animais de lá entrarem – mas, como é evidente, ao impedir de os animais lá entrarem,
acabou por impedir também o acesso ao A.

E, portanto, a pergunta é: pode o A reagir? Estamos sempre no âmbito da posse, nesta


pergunta. Então, para responder, o que temos de ver é se há ou não há. Aqui a dúvida que se
coloca é saber a que título é que o A está a passar – isso a hipótese não diz.

O que se consegue inferir da hipótese é que não foi constituída uma servidão. Agora, o que
não se infere é, para já, porque é que o A e os seus antecessores lá passavam. Porque, como
sabemos, isto representa corpus. Mas, o corpus pode não conferir posse – pode conferir
detenção. E se isto é detenção muda tudo – porque se for um caso de detenção, não há lugar a
defesa no âmbito de ações possessórias, porque as ações possessórias envolvem posse (causal
ou formal), mas não envolvem detenção (a não ser que a própria lei diga).

Há de facto casos em que a lei diz que o detentor pode lançar mão de ações possessórias: é o
caso da locação (contrato de arrendamento) e o caso do comodato – mas esta é a exceção,
porque a regra é que o detentor não pode lançar mão de ações possessórias.

E, portanto, tudo indica que não haja servidão devidamente constituída e, portanto, havendo
posse, não é posse causal.

Agora, a questão é: este corpus representa posse formal ou detenção. Conforme sabemos, em
relação à distinção entre ambas, tudo depende à forma como concebemos a situação – temos
de ver a diferença entre as conceções (objetiva e subjetiva).

Na conceção objetiva, havendo corpus, haverá posse, exceto se o legislador disser o contrário
– são as celebres situações do artigo 1253º, em que o legislado diz que, não obstante a
existência do corpus, se exclui a posse (nestes casos existe apenas detenção). Ora, podia
levantar-se o problema da al. b) do artigo 1253º - ou seja, porque é que ele lá está a passar?
Porque se ele passa por mera tolerância do B, então aquilo não é posse, mas sim detenção. E
se é detenção, não há lugar à defesa da posse.

Na conceção subjetiva, temos de ver a conceção subjetiva do animus avaliada em concreto ou


avaliada em abstrato. Avaliada em concreto, significa que para além do corpus, é preciso a
prática atos que traduzam uma intenção de se comportar efetivamente como o titular do
direito. Avaliada em abstrato, o que releva é a origem da própria posse – ou seja, se assenta ou
não assenta no negócio que à partida poderia conferir o direito.

Não temos elementos na hipótese que permitam avaliar a questão do animus avaliado em
abstrato – porque nós não sabemos porque é que ele lá está a passar. E, portanto, o que se
está a dizer no parágrafo 4 é que dá ideia que esta situação já acontece há muito tempo – dá
ideia que para ser tolerância também é capaz de ser um bocado forçada.

E, portanto, tudo leva a crer que isto não será detenção, mas sim posse.

Assim, na medida em que do parágrafo 4 não se infere que a servidão foi devidamente
constituída, e por outro lado o facto de lá sempre terem passado e apesar de terem outro
acesso, dá ideia que haverá posse.

Havendo posse, coloca-se então o problema de saber se há ou não hipótese de haver uma
ação de restituição provisória.

Mas, para que entremos numa ação de restituição provisória, primeiro temos de ver se estão
ou não verificados os pressupostos da restituição – porque como é evidente, a ação de
restituição provisória pressupõe algo mais do que a ação de restituição.

Então o que é que tem de haver necessariamente para podermos falar em restituição da posse
– o que é que tem de haver? Qual é que é o pressuposto da ação de restituição? Porque é que
alguém vai propor uma ação de restituição em tribunal? Qual é que é o objetivo? O esbulho –
tornar-se impossível a continuação da posse.

Então, temos de ver se há esbulho, porque se não houver esbulho não pode. Há esbulho? Sim,
porque foram contruídas vedações – há um impedimento ao exercício da posse.
Portanto, há esbulho, porque há um comportamento contrário à vontade do possuidor, que o
impede de exercer o poder de facto – como é evidente, o exercício do poder de facto está
impedido, por causa da cerca. Ou seja, por causa da cerca, o A não consegue aceder ao
caminho, e se não consegue aceder ao caminho, significa que está esbulhado.

Agora, o problema é: qualquer esbulho dá para a ação de restituição provisória? Porque o


esbulho é o pressuposto da ação de restituição. Mas, basta o esbulho para podermos falar em
restituição provisória da posse? Não, o esbulho tem de ser violento (artigo 1279º) – sem
violência, não pode haver ação de restituição provisória e a única alternativa é a ação da
restituição normal.

Antes de passar à questão da violência, há aqui um outro aspeto: esta vedação foi feita há
mais de um ano – ora, se foi feita há mais de um ano, o que é que este prazo implicou
relativamente à posse do caminho? Perda da posse. Porque, nos termos da al. d) do artigo
1267º, o possuidor perde a posse pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo
possuidor, se a nova posse tiver durado mais do que um ano. Ora, o que é que isto significa?
Significa então que, tendo decorrido mais de um ano, significa que o A perdeu a posse do
caminho e, se perdeu a posse do caminho, não pode nem com uma ação de restituição e
muito menos com uma ação de restituição provisória (porque entretanto perdeu a posse).

Ou será que pode não ter perdido? É que se o esbulho for violento, significa que os prazos não
começam a contar (é isso que se infere do artigo 1297º), porque no fundo ele está a ser vitima
de um comportamento da outra parte – e, portanto, os prazos estão suspensos. Por isso, é
importante perceber se há ou não posse violenta.

Ora, já sabemos que em matéria de prazos, a posse violenta e a posse oculta fazem com que
os prazos não corram. O ponto de partida para esse facto é o artigo 1297º - obviamente que
estamos a falar na contagem de prazos para efeitos de usucapião, mas vai dar no mesmo,
porque no fundo estamos a falar em prazos.

A posse violenta ou oculta também é posse – mas, qual é o problema? É que nesta posse (a do
artigo 1297º), que foi constituída de forma violenta ou oculta, os prazos não começa a contar –
e percebe-se que assim seja. Ainda é mais evidente no caso da posse oculta: se a posse é
oculta, significa que o titular do direito não tem forma de a conhecer, e se não tem forma de a
conhecer, não tem forma de reagir, porque só se pode reagir a um facto que se conhece. E o
mesmo se passa em relação à violência: se a posse é adquirida com violência, aí sabe-se que a
posse foi adquirida, mas o problema é que aqui agora não se reage, não porque não foi
conhecida, mas porque se tem medo. E por isso é que a lei diz que nestes casos há posse, mas
a posse não está a contar para efeitos de usucapião – ou seja, os prazos estão paralisados.

A partir daqui surgem as outras consequências relativamente quer à ação de restituição, quer
depois ao efeito da ausência de contagem de prazo decorrente da questao do esbulho
violento. No fundo, conforme se vê, a ação de restituição pressupõe a posse – mas pressupõe
o esbulho. Depois do esbulho, coexistem duas posses: a posse do esbulhador, que se adquire
no momento do esbulho e a posse do esbulhado, que não se perde/extingue no momento do
esbulho. E, por isso, sobre aquele objeto, vão incidir agora em paralelo, durante 1 ano, duas
posses: a posse do esbulhador e a do esbulhado. Então quando é que a posse do esbulhado se
extingue? Passado 1 ano e 1 dia (al. d) do nº1 do artigo 1267º).

Só que, a questão que se coloca é a questao de a posse poder ter sido adquirida ou não com
violência – conforme vimos, isso altera a regra da contagem dos prazos da usucapião e,
necessariamente, também a regra das contagens dos prazos para efeitos da perda da posse –
é, no fundo, o nº2 do artigo 1267º (e voltamos a ter outro problema).

Dito de outra forma: se o esbulho não foi violento, é evidente que o António não tem nada a
fazer relativamente a isto – não pode lançar mão de um procedimento cautelar de restituição
provisória, mesmo que não tivesse passado um ano. Porquê? Porque o pressuposto do
procedimento cautelar de restituição provisória é o esbulho violento. Podia, porventura,
defender-se, mas no âmbito de uma ação de restituição – mas, se o esbulho não for violento,
nem assim, porque entretanto já passou o prazo.

Ou seja, na resposta a esta pergunta temos 2 hipóteses:

1. Se o esbulho não é violento: ele não pode defender-se pela ação de restituição
provisória.
2. E também já não se pode defender pela ação de restituição, porque como o esbulho
não é violento e já passou mais de 1 ano, ele perdeu a posse e não pode defender-se.

Assim, é absolutamente indispensável perceber-se se há ou não aqui esbulho violento – é a


única hipótese que ele tem de lançar mão da ação de restituição provisória.

A pergunta agora é: então quando é que o esbulho é violento? Porquê? Porque a norma fala
no esbulho violento, mas não diz o que é. Mas, acabámos de ver o que é nas regras da posse
violenta e da posse oculta para efeitos do usucapião. Então, o que é que temos de ver? O
momento da aquisição da posse por parte do esbulhador – ou seja, outra vez para as regras
das características da posse.

E diz-se no artigo 1261º, nº2 que a posse é violenta quando, para obtê-la, o possuidor usou de
coação física, ou de coação moral nos termos do artigo 255º. Coação moral é evidente que não
houve, porque a coação moral é uma ameaça e não há aqui ameaça nenhuma – o que fez foi
colocar uma rede. A pergunta é então: mas será que há coação física?
14 DEZEMBRO – OT
Defesa da posse. Usucapião. Hipótese prática.

(continuação da resolução da hipótese da aula anterior)

No artigo 1261º, nº2, o legislador remete para o artigo 255º a propósito da coação moral, mas
em relação à coação física, não remete para lado nenhum. A pergunta é: não remete porque
ao não remeter demonstra que o conceito de coação física não é o do 246º? Porque se fosse
também tinha remetido, como fez com a coação moral? Ou, apesar de não ter remetido,
entende-se que o conceito é o do artigo 246º, porque é o que fala na coação física no nosso
código civil?

Este é que é o problema. Porque o artigo 246º diz que a coação física pressupõe a existência
de força física – portanto, significa que tem de haver uma atuação/força física aparentemente
contra o António (neste caso). E é evidente que não há aqui nenhuma atuação física conta o A
– ele limitou-se a por uma vedação.

A pergunta é: mas, e se não for contra a pessoa, mas for contra a própria coisa? Ou seja, força
física não em relação à pessoa, mas também em relação ao património da pessoa? A
jurisprudência entendem que a violência pode ser de forma indireta – ou seja, não
diretamente sobre as pessoas, mas também sobre as coisas.

O acórdão 487/14.4T2STC.E2.S1 do STJ visa de certa forma uniformizar o entendimento do STJ.

Neste caso, o A (com este entendimento) pode reagir intentando o procedimento de


restituição provisória da posse, porque o esbulho é violento. E, portanto, pode – a não ser que
não possa.

Portanto, para já, com este entendimento o A pode. Mas, pode ser que não possa. Porquê?
Porque ainda falta ver uma pequena nuance para completarmos esta resposta. É que não nos
podemos esquecer que a questão das ações possessórias ainda precisa de mais qualquer coisa:
é preciso dizer que aquela servidão (ou pelo menos aquela posse de servidão) era aparente –
porque se não fosse já não dava outra vez (artigo 1280º).

Ou seja, para responder completamente a esta pergunta, ainda era preciso ver a questão da
servidão ser ou não ser aparente – porque se não fosse, não há nada a fazer: não interessa se é
violenta ou não, não interessa nada. Se a servidão ou a posse da servidão for aparente, já não
dá.
Caso fosse aparente, podia reagir com esta ação, caso não fosse não podia – a hipótese não diz
nada sobre este aspeto.

ii.

Se há uma servidão, ele à partida teria o direito de passar; se não há servidão, ele só terá
direito de passar se tiver o direito de constituir a servidão.

Tudo indica que não há mesmo servidão constituída, porque não está escrito em lado nenhum.
O que está muito claro é que o A é proprietário do prédio “Vale Juncal”, logo o A é possuidor
causal deste prédio. E também está muito claro na hipótese que o B é proprietário do prédio
“Eira do Sol” – o que significa que está muito claro que o B é possuidor causal deste direito de
propriedade.

Já no que diz respeito à servidão, não há nada na hipótese que diga que ela foi bem
constituída. A única coisa que diz é que o A e os seus antecessores sempre passaram pelo
prédio – agora, sempre passaram a que título? Isso não diz – mas, tudo indica que não está
validamente constituída a servidão, porque senão estava escrito como está na primeira.

Então, A teria o direito de passar se a servidão tivesse sido validamente constituída – o que
não seria o caso.

Para se responder a esta pergunta, das duas uma: a servidão ou existe ou não – e tudo indica
que não existe. Portanto, o direito de passar, para já, não tem – só teria se tivesse sido
validamente constituída a servidão e nada na hipótese nos diz que aconteceu (a única coisa
que diz é que o A e os seus antecessores sempre passaram sobre o prédio).

Portanto, neste sentido há que perceber se ele tem o direito de constituir o direito de passar –
o direito de passar será o direito de constituir a servidão, porque é a servidão que lhe dá o
direito de passar.

E, portanto, a pergunta é:ele tem ou não tem o direito de constituir a servidão? Para que possa
constituir a servidão, só se vê aqui uma forma: usucapião. Por sentença não dava, porque o
prédio não estava encravado; também não pode ser por contrato, porque por contrato ele tem
de convencer o B – não tem o direito de exigir ao B o contrato; a destinação do bom pai de
família também não dá, porque não há aqui o requisito da existência dos prédios com o
mesmo dono.

Ou seja, no fundo, olhando para as formas de constituição da servidão (artigo 1547º), só dava
mesmo a usucapião. Mas, para constituir por usucapião tem de ter posso – já vimos que ter
posse tem (afastámos a ideia da detenção). Por outro lado, também parece ser uma posse
efetiva – porque sempre passaram, dá ideia que continuam a passar.

Não podemos esquecer que a posse, para a usucapião, não basta ser posse – é preciso que a
posse esteja a ser exercida, porque se não é efetiva, não há lugar à usucapião.

Portanto, tem de ser uma posse pública, pacifica e mantida por um certo lapso de tempo – o
problema está no certo lapso de tempo. Porquê? Repare-se, qual é que seria o lapso de tempo
que à partida seria necessário para a usucapião no caso dele? Não há título, registo nem nada,
por isso vai para o prazo máximo (artigo 1296º): 15 anos se for de boa fé ou 20 se for de má-fé.
O problema é que diz que ele adquiriu o prédio em 2015 – só tem posse de 5 anos. Mas, como
na hipótese refere os seus antecessores, significa que ele está a suceder a alguém. A hipótese
não é clara em relação aos antecessores, mas tanto faz, porque dá de uma maneira ou outra.
Os antecessores são os que lhe antecederam na posse do prédio – ou seja, os antecessores em
relação ao direito de propriedade.

Mas, como é evidente, os antecessores em relação ao direito de propriedade são também


antecessores em relação ao caminho – porque se diz na hipótese que sempre lá passaram.
Portanto, quem é que são os seus antecessores? São os proprietários anteriores ao A.

No fundo, o que é que eles eram? Eram possuidores causais do tereno e possuidores formais
do caminho – da servidão.

Agora, como é que o A chega ao terreno? É indiferente, porque dá de uma maneira ou de


outra. Das duas uma:

1. Ou o A sucede inter vivos: temos a figura da acessão da posse (artigo 1256º) – pode
juntar a posse dos outros.
2. Ou o A sucede mortis causa: então significa que a posse dele é a mesma do que os
outros e, portanto, ele pode aproveitar a posse dos outros – junta à sua.

Qual é que é então a diferença entre uma e outra? É que no artigo 1256º ele só junta se quiser
e no artigo 1255º é uma consequência – por morte de um sucede no seu sucessor.

Então, tínhamos de ver se o facto de o A só ter posse há 5 anos, isto não significava que não
pudesse haver usucapião, desde que os que antecederam o A, quer a titulo mortis causa, quer
a titulo intervivos, já tinham posse há mais de ou 10 (para a posse de boa-fé) ou 15 (para a
posse de má-fé) anos.

Neste sentido, o A teria a possibilidade de invocar a aquisição da servidão por usucapião. Não
nos podemos esquecer que a usucapião não ocorre automaticamente – tem de ser invocada:
sem invocação não dá. E, portanto, A teria de invocar.

Ou seja, A teria o direito de passar? À partida não, porque nada na hipótese nos leva a crer que
tenha existido validamente constituída uma servidão de passagem. A teria o direito de
constituir o direito de passar? Sim, se se verificassem os pressupostos da usucapião.

Mais uma vez, era relevante analisar se a servidão era aparente – porque a usucapião não
ocorre em relação às servidões não aparentes (artigo 1293º).

Então, se estivessem verificados os pressupostos das contagens dos prazos por efeito da
sucessão intervivos ou mortis causa, e tendo os antecessores do A tempo de posse suficiente
para lhe permitir, juntando à sua, invocar o usucapião (ou era de 15 ou de 20 anos), ele então
tinha o direito de constituir o direito de passar, ou seja, tinha o direito de constituir a servidão
sobre o prédio do B.

Mas a pergunta é: isto termina assim? Não. É que ele tem o direito de constituir, mas terá o
direito de manter a servidão? Pode não poder – porquê?

Porque o B pode reagir – a desnecessidade não extingue só as servidões legais, também pode
extinguir as servidões constituídas por usucapião (artigo 1569º, nº2).
Ou seja, ele pode constituir e conseguir manter, mas pode não conseguir manter se o dono do
prédio serviente venha agora requerer a sua extinção (judicialmente), invocando a
desnecessidade.

Ora, logo na hipótese diz-se que o A e os seus antecessores sempre passaram, embora
tivessem acesso à via, através do seu próprio prédio. Portanto, é evidente que esta servidão
não é necessária.

15 DEZEMBRO – TEÓRICA
5. Factos modificativos. 5.1. Modificação subjetiva. 5.2. Modificação objetiva. 6. Factos extintivos.

A acessão pressupõe basicamente a junção de duas ou mais coisas – duas coisas que se juntam
e se têm por inseparáveis do ponto de vista físico ou jurídico (artigo 1325º).

Embora na parte final do artigo 1326º, nº1 se diga quando alguém aplica o trabalho próprio a
matéria pertence a outrem, confundindo o resultado desse trabalho com propriedade alheia,
em bom rigor não se estão a juntar duas coisas – está-se a dar é a transformação de uma coisa
que havia, por força do trabalho de quem não era o respetivo proprietário. Portanto, isso no
fundo não é bem um caso de acessão, embora o legislador fale dela a propósito da acessão.

Quanto à situação da especificação, o critério é basicamente o mesmo da acessão mobiliária –


ou seja, tem a ver com a existência ou inexistência de boa fé do especificador.

O especificador é o sujeito que incorpora o trabalho numa coisa que não lhe pertence e,
portanto, em função da boa ou má-fé dele assim será o resultado final.

Diz-nos entao o artigo 1336º, nº1 que quem de boa fé der nova forma, por seu trabalho, a
coisa móvel pertencente a outrem faz sua a coisa transformada, se ela não puder ser restituída
à primitiva forma ou não puder sê-lo sem perda do valor criado pela especificação; neste
último caso, porém, tem o dono da matéria o direito de ficar com a coisa, se o valor da
especificação não exceder o da matéria – o critério agora é o critério económico.

Na situação da má-fé é diferente. Diz-nos o artigo 1337º que se a especificação tiver sido feita
de má fé, será a coisa especificada restituída a seu dono no estado em que se encontrar, com
indemnização dos danos, sem que o dono seja obrigado a indemnizar o especificador, se o
valor da especificação não tiver aumentado em mais de um terço o valor da coisa especificada;
se o aumento for superior, deve o dono da coisa repor o que exceder o dito terço.

Estes eram os factos constitutivos.

Fazendo agora uma análise breve ao chamados factos modificativos, nós podemos distingui-los
em dois grandes grupos:

 As modificações do modelo legal: temos aqui um problema, que é o princípio da


tipicidade.
Conforme sabemos, os direitos reais estão sujeitos ao princípio do numerus clausus e,
portanto, o que a lei diz é que só existem os direitos reais que a lei prevê. E, portanto,
quando aqui se fala da modificação do modelo legal e quando se diz que está limitado
pelo princípio da tipicidade, é isso mesmo: pode-se estabelecer, por contrato,
determinado tipo de restrições ao exercício do direito, mas não se pode obviamente
criar direitos reais novos – e mesmo as restrições, conforme o próprio artigo 1306º,
nº1 diz, têm apenas natureza obrigacional.
É evidente que se pode modificar ligeiramente o direito de propriedade, pode-se
limitar ligeiramente o direito do usufruto (por exemplo), mas não se podem moldá-los
no sentido que se afastem do tipo – e, obviamente que se afastarem do tipo, estamos
perante uma nulidade.
Se estivermos apenas perante restrições, mantendo a estrutura essencial do tipo, é
possível, mas apenas com efeitos obrigacionais.
Isto é no fundo o que se está a dizer a propósito das modificações do direito real já
constituído.
 As modificações do direito real já constituído: não alteram a identidade do direito – o
problema aqui já não é o princípio da tipicidade, mas é o eventual problema da
oponibilidade para além dos próprios sujeitos.
Relativamente a estas modificações, falamos nas:
o Modificações subjetivas: estamos no âmbito das alterações ao nível do sujeito.
Se o A é proprietário de uma coisa e vende a B – se vendeu a coisa mantém-se
(não há nenhuma modificação objetiva), mas dá-se uma modificação subjetiva:
o proprietário daquela coisa deixou de ser o A e passou a ser do B.
Portanto, fala-se numa modificação subjetiva quando existe uma causa
qualquer (por exemplo, um contrato), que tenha por efeito a transmissão do
direito (efeito translativo do direito) da esfera jurídica de uma pessoa para
com a outra.
E, portanto, no fundo o direito e objeto do direito mantêm-se e a única
alteração é ao nível do respetivo titular – dá-se a substituição do titular do
direito: deixa de ser o A e passa a ser o B.
o Modificações objetivas: se a alteração ocorrer ao nível do próprio conteúdo da
relação jurídica. Ou seja, há uma alteração no conteúdo da relação jurídica que
não diz respeito ao sujeito, mas sim ao objeto.
Significa então que o conjunto de poderes que decorrem de determinado
direito real ou é ampliado ou é reduzido, ou é parcialmente extinto ou
parcialmente suspenso – molda-se o próprio direito.
Por exemplo, a propósito do usufruto: é ou não é possível o trespasse do
usufruto? Sim – mas é sempre possível? Não – se o título constitutivo estiver
proibido deixa de ser possível o trespasse do usufruto (artigo 1444º). Portanto,
se A constituiu a favor de B o usufruto e se nada diz, B pode trespassar; mas,
se o A proíbe no título constitutivo o trespasse, então é evidente que B não
pode trespassar. No fundo, o que é que aconteceu? Deu-se uma modificação
objetiva daquele direito (o direito é o mesmo), mas neste exemplo está com
um âmbito mais reduzido do que aquilo que estaria se não tivesse havido essa
proibição.
Nas modalidades mais comuns das modificações objetivas, para além destas
que falámos temos:
 Destruição parcial da coisa: se houver uma destruição total da coisa,
não há uma modificação objetiva, porque à partida o que há é uma
extinção do próprio direito. Se A é proprietário de uma coisa que foi
destruída, à partida a destruição da coisa implica a extinção do objeto
do direito e, portanto, não se fala numa modificação, mas sim de uma
extinção. Mas, se a coisa se destruir ou se se perder apenas em parte,
aí sim: o A era proprietário de uma vivenda com 2 andares, vem um
raio e destrói o primeiro piso, ficando só o rés do chão – o que é que
aconteceu? Deu-se uma modificação objetiva do direito, a coisa
mudou – a perda parcial da coisa opera a modificação da relação que
se mantém sobre a parte que restar.
 Oneração de um direito a favor de outrem: por exemplo, se o A é
proprietário de uma coisa e se constitui a favor de B um usufruto
sobre essa mesma coisa, então é evidente que o direito de
propriedade que o A tem mantém-se, mas mantém-se de uma forma
diferente, na medida em que ele construiu sobre aquela coisa um
outro direito e esse direito pressupõe o exercício de poderes que eram
do proprietário, que continuam a ser, mas que ele não pode exercitar,
porque estão temporariamente inativados – então, é evidente que se
dá uma modificação objetiva do próprio direito. Aqui é no fundo voltar
a trazer o princípio da elasticidade: se o A (proprietário) constitui
usufruto, é evidente que o seu direito sofre uma modificação objetiva.
 Sub-rogação: quando existe uma mudança do próprio objeto. Por
exemplo, o caso típico ainda a propósito do usufruto é o que está no
artigo 1481º – ou seja, o usufruto que incidia sobre uma coisa que se
destruiu, mas que existia um seguro a cobrir precisamente a
destruição da coisa, pressupondo o pagamento de uma indemnização
decorrente da perda, o usufrutuária deixa de poder usar e fruir da
coisa (porque entretanto ela está destruída), mas pode usar e fruir o
dinheiro resultante da indemnização paga pela companhia de seguros
que cobria precisamente a destruição da coisa.
Fala-se então no fenómeno da sub-rogação, em que o direito deixa de
incidir sobre a coisa (no caso do usufruto) e passa a incidir sobre o
dinheiro decorrente da indemnização, que foi paga por foça da
destruição da coisa.

Estamos então aqui a falar de situações que operam a chamada modificação objetiva –
são os tais factos que modificam do ponto de vista objetivo.

Os mais importantes da aula de hoje são os factos extintivos. Alguns deles já fomos falando ao
longo das aulas, como por exemplo, a propósito da aquisição tabular.

A aquisição tabular é a aquisição para efeito do registo – ou seja, é o funcionamento do efeito


atributivo do registo. Mas, como é evidente, se o registo atribui um determinado direito, então
ao mesmo tempo opera a extinção do direito que existia anteriormente. Portanto, a aquisição
tabular é, ao mesmo tempo um facto aquisitivo e também um facto extintivo.

Os factos extintivos são:


 Renúncia.
 Não uso.
 Consolidação.
 Expropriação.
 Condição e termo.
 Usucapio libertatis.
 Aquisição tabular.
 Desaparecimento da coisa.

O primeiro deles nós já falámos a propósito da aquisição do direito de propriedade. Vimos


que, a propósito dos factos constitutivos específicos do direito de propriedade, um deles era o
achamento – que é tratado sob a forma da ocupação.

A ocupação pode dizer respeito ao abandono de animais ou outras coisas móveis (artigo
1318º) – ora, se foram abandonados, significa que tiveram dono, mas o dono os abandonou. A
ocupação, enquanto modo de aquisição de direito/enquanto facto aquisitivo/constitutivo
pode também implicar consequentemente o facto extintivo – porquê? Porque posso ocupar a
coisa. Ora, significa então que, se foram abandonadas tinham dono e que o dono renunciou ao
direito que tinha sobre essas coisas ou animais. É por isso que vemos a renúncia como facto
extintivo.

A renúncia, por sua vez, é um facto extintivo que pode encerrar várias modalidade:

1. Abandono.
2. Renuncia abdicativa.
3. Renúncia liberatória.

Qual é a lógica subjacente a tudo isto? A ideia é: se o direito real é um direito, significa que o
seu exercício não é obrigatório, porque senão não era um direito, mas sim um dever. Portanto,
significa que, se eu estou a falar num direito real, eu posso exercer o direito, mas também
posso (se quiser) não exercer o direito – quer pura e simplesmente não exercer/não usar o
direito, quer inclusivamente ir mais longe e renunciar ao próprio direito, o que é diferente. É
diferente:

 Eu ter um direito e não usar – aí podemos falar do chamado não uso, que é uma forma
de extinção do direito real, mas que é diferente. Ou seja, eu tenho o direito, não o
quero usar, mas também não quero renunciar a ele – o que significa que conservo o
direito, embora não o esteja a exercer.
 Ou então, eu quero pura e simplesmente renunciar ao direito.

Portanto, quando falamos em renúncia é disso que se está a falar – não é apenas não exercer o
direito, é renunciar ao direito.

Então, a renúncia pode ter 3 modalidades (esta parte é muito importante).

A mais fácil de todas é o abandono. O abando, no fundo, é um comportamento material que


faz presumir razoavelmente a intenção de o titular do direito dele se querer desligar. Por
exemplo, pego em coisas que são minhas e ponho no lixo – eu não estou a dizer a ninguém
expressamente, estou a renunciar ao direito (mas, do meu comportamento, infere-se
claramente que é isso que estou a fazer – declaração de vontade tácita artigo 217º). Isto torna
claro que estou a querer prescindir desse direito e, portanto, neste caso prescindir do direito
significa renunciar ao direito e, neste caso concreto é abandono, porque diz respeito a coisas
móveis – porque as coisas imóveis não podem ser abandonadas. Ou seja, não pode haver
renúncia a direitos sobre imóveis por mera declaração tácita – como sabemos, os direito reais
sobre imóveis estão sujeitos a regras de forma especiais: escritura pública ou documento
particular autenticado. Se eu tiver um imóvel que não uso durante 20 anos, isto não releva
para efeitos de extinção por renúncia do direito de propriedade sobre o imóvel. Portanto, a
renúncia por abandono – o abandono propriamente dito – pressupõe direitos sobre coisas
moveis – fundamentalmente o direito de propriedade sobre a coisa móvel. E, por isso, é um
negócio gratuito – eu abdico do meu direito sem nenhuma contrapartida.

Quando falamos da renúncia abdicativa, continuamos a falar de um negócio gratuito: abdico


de um direito que é meu sem contrapartida. Então, o que é que distingue a renúncia abdicativa
do mero abandono? Para já, distingue-se em função do modo como se declara o ato de
renunciar – porque aqui já estamos perante uma declaração unilateral expressa: eu declaro
expressamente que renuncio ao meu direito. E, portanto, na medida em que diga respeito a
imóveis, então a forma de declaração negocial expressa é a regra geral: escritura pública ou
documento particular autenticado. Assim, o abandono diz respeito a coisas móveis e a
renúncia abdicativa tanto faz (ou móveis ou imóveis. Portanto, é uma declaração unilateral e
expressa de disposição (do direito) por força da qual o titular de um direito real
exterioriza/manifesta expressamente a intenção de se desligar da respetiva titularidade. Ela
está prevista para a generalidade dos direitos reais menores – por exemplo, no artigo 1476º
vemos como modo de extinção do usufruto a renúncia.

Portanto, a renúncia é um modo de extinção da generalidade dos direitos reais menores.


Agora, a questão sobre os imóveis levanta aqui mais dúvidas. É evidente q(que a renúncia ao
direito de propriedade sobre móveis não levanta problemas nenhuns – exemplo do ato de
deixar algo meu para o lixo (que é um caso de abandono).

A questão coloca-se então em relação aos imóveis, porque mais uma vez o problema é a forma
que tem de ser observada: eu para renunciar o direito de propriedade sobre um imóvel tenho
de o declarar por escritura pública ou por documento particular autenticado.

Portanto, há quem entenda (corrente minoritária) que a lei não permite a renúncia ao direito
de propriedade sobre imóveis. A explicação para este entendimento é muito simples: porque a
lei não prevê expressamente. Ora, ao contrário do que faz com os direitos reais menores, em
que coloca a renúncia como uma das modalidades de extinção, não existe essa mesma
formulação para o direito de propriedade. E, portanto, a ideia é: se a lei não diz que pode é
porque não pode.

É um argumento que não vale assim muito, porque o facto de a lei não prever não significa
necessariamente esse entendimento. E, portanto, por outro lado, estamos a falar de direitos –
se estamos a falar de direitos não estamos a falar de obrigações. E, portanto, proibir o
proprietário de imóvel de renunciar ao seu direito de propriedade seria transformar o direito
de propriedade numa obrigação de propriedade. E, portanto, embora possa não ser uma
situação muito comum, a verdade é que nada impede que um proprietário de um imóvel
renuncie ao seu direito – o que é que é preciso fazer? É preciso declarar que renuncia ao
direito na forma legalmente prevista: escritura pública ou documento particular autenticado.
Ora, isto levanta agora um problema, porque quando se renuncia a um direito real menor, o
problema à partida está resolvido – porque o direito real menor extingue-se e,
consequentemente, o titular do direito maior descomprime o seu direito. Por exemplo, se o
usufrutuário renunciar ao usufruto, o que é que acontece? Nada – o usufruto extingue-se e o
proprietário recupera a plenitude do seu direito: dá-se a descompressão do direito real maior.
Porque conforme sabemos, não é possível constituir direitos reais menores sem ser a partir do
direito real maior – por via de regra. A renúncia ao direito de propriedade sobre imóveis
levanta então o problema: então agora em que situação é que fica aquele imóvel? Se o A é
proprietário de um imóvel e renuncia o seu direito por escritura pública, deixou de ser
proprietário – então e agora o que é que acontece? Quem é que é o proprietário daquele
imóvel? Porque na verdade não se pode dizer no fundo que aquele imóvel não tem dono. Aqui
é simples: a melhor solução é dizer que quem adquire é o Estado, nos termos gerais do artigo
1345º. Porque no fundo, o Estado surge sempre aqui a ocupar a posição quando não aparece
mais ninguém.

E, portanto, neste sentido temos aqui um efeito interessante: parece que a renúncia abdicativa
relativamente ao direito de propriedade sobre imóveis afinal não opera efeito extintivo
nenhum. O que opera é um efeito transmitivo, porque o direito não se extingue pura e
simplesmente – o direito transmite-se ao Estado. Repare-se que é diferente se estivermos a
falar de direitos reais menores: se o usufrutuário renunciar, o usufruto extingue-se mesmo.
Aqui não, em bom rigor não há uma extinção do direito de propriedade – o que acontece é a
transmissão daquele direito para a esfera jurídica do estado. Não se dá uma extinção, mas sim
uma modificação subjetiva. E, portanto, neste sentido o Estado adquire pela via derivada:
adquire o direito nos precisos termos em que lhe foi transmitido pelo titular que a ele
renunciou. Por exemplo, se eu renunciar ao meu direito de propriedade sobre um imóvel que
esteja hipotecado, a aquisição por parte do Estado opera pela via derivada e,
consequentemente, o Estado adquire com a hipoteca – coisa que não sucederia se tivesse
havido uma extinção seguida de uma aquisição originária. Portanto, dá-se no fundo uma
modificação e não um ato extintivo constitutivo.

Mas ainda assim temos a renúncia abdicativa como negócio gratuito: eu renuncio sem ser a
troco de nada.

A outra modalidade da renúncia é a renúncia liberatória, que é um negócio oneroso – ou seja,


eu renuncio ao meu direito como me forma de me libertar do cumprimento de uma obrigação.
Ou seja, conforme sabemos, existem determinado direitos reais de cujo conteúdo, para além
dos direitos, também fazem parte obrigações. Quem é que responde pelas obras de
manutenção da coisa em compropriedade? Quem for comproprietário. Quem é que responde
pelas obras de manutenção da coisa usufruída? O usufrutuário (artigo 1472º) – isto significa
que quem tem o usufruto sabe que tem o direito de usar e fruir de uma coisa que não é sua.
Mas, significa que, sobre essa coisa que não é sua, é ele que responde sobre as reparações
ordinárias indispensáveis para a conservação da coisa – é no fundo o dever que integra o
direito.

Mas, vamos ver então que estas obrigações fazem parte do conteúdo do próprio direito real
(são inerentes ao direito) e, portanto, são as chamadas obrigações reais/obrigações propter
rem – são obrigações que fazem parte do conteúdo do direito. E, por isso, o devedor é aquele
que for titular do direito no momento em que a obrigação se vence. Ou seja, é preciso fazer
obras no elevador do prédio – quem é que paga aquelas obras? Os que forem condóminos
naquela altura. Portanto, é no momento do vencimento da obrigação que se vai determinar
quem é o devedor.
Estas obrigações reais têm todas elas uma característica que é: na medida em que o devedor é
quem for titular do direito no momento do vencimento da obrigação (porque a obrigação tem
de estar vencida), então como a obrigação tem como pressuposto o direito, significa que, se o
titular do direito renunciar a esse direito, liberta-se da obrigação. E porquê? Porque se a
obrigação assenta na titularidade do direito, se eu renunciar ao direito, liberto-me da
obrigação. E por isso é que se fala na renúncia liberatória – liberatória no sentido de libertar o
devedor daquela obrigação.

E por isso é um negócio oneroso – porque ao contrário do que sucede na renuncia abdicativa,
em que o sujeito renuncia sem contrapartida, ele aqui renuncia com uma contrapartida: a
contrapartida de não ter de suportar despesa, não ter de suportar a obrigação. E por isso é que
é no fundo um negócio oneroso, ligado às obrigações propter rem.

Quando se fala na renúncia liberatória tem de se falar necessariamente numa obrigação


propter rem – só há renúncia liberatória no âmbito das obrigações reais.

Portanto, é um negócio jurídico unilateral e recetício, traduzido num comportamento material


de disposição que tem como contrapartida a libertação de uma obrigação (já vencida), que é
inerente à titularidade de certo direito real.

Ora, se aquele direito tem uma obrigação, significa que tem um devedor – o devedor é quem
for o titular do direito. Então quem é que é o credor dessa obrigação? Quem é que é o credor
da obrigação de o usufrutuário fazer as reparações ordinárias? É o proprietário que constituiu
o usufruto. Quem é que é o credor da obrigação do comproprietário contribuir com quotas
para as despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa comum (artigo 1411º)? Os
restantes comproprietários.

Portanto, significa que a renúncia é feita a favor do credor. Se A, B e C são comproprietários e


se A não quiser fazer as obras e preferir renunciar ao seu direito, a quem é que acresce a quota
dele? Ao B e C, que são os credores da obrigação.

Quem é que é então o credor? Depende. No caso dos direitos reais menores, o credor é o
titular do direito real maior, a partir do qual se constitui o direito real menor. Nos casos de
sobreposição paralela, por exemplo, da compropriedade, são os outros comproprietários.

Neste sentido, a renúncia é feita a favor do credor – e, neste sentido, produz sempre o efeito
obrigacional. Ou seja, a extinção da obrigação produz-se sempre por efeito da renúncia. A
questao que se coloca é: o que é que acontece agora ao direito real? Estamos a extinguir um
direito real (este é o objetivo), ou seja, estamos a renunciar a um direito – portanto, o efeito
obrigacional ocorre sempre: o credor não tem de concordar.

Quanto ao direito real, a questão é diferente em 2 cenários. Vamos admitir que estamos a
falar em direitos reais sobre a mesma coisa. Por exemplo, A (proprietário de uma coisa)
constitui um usufruto sobre essa coisa a favor de B – é evidente que, quando B renuncia, a
renuncia extingue a obrigação e o direito. Ou seja, quando a obrigação resulta de um direito
real e quando os direitos reais incidem sobre a mesma coisa (direito real maior e menor
incidem sobre a mesma coisa), então a renuncia implica necessariamente a extinção do direito
real. E, neste sentido, não há nenhuma diferença do ponto de vista do efeito extintivo do
direito real, entre a renuncia liberatória e a renuncia abdicativa – ambas extinguem o direito.
Ou seja, se existir a renuncia a um direito real menor, a extinção liberatória extingue a
obrigação e extingue o direito a favor do titular do direito real maior, cujo direito se
descomprime, por força da renuncia que operou a extinção do direito real menor.

Se os direitos reais incidirem sobre coisa diferente, aí a questão é diferente. O caso típico é o
do artigo 1424º, a propósito da propriedade horizontal sobre a questão das inovações. Diz-nos
o nº1 que salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das
partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos
condóminos em proporção do valor das suas frações. Isto significa que se pode colocar esta
questão: imagine-se que é preciso reparar o elevador do prédio – já vimos que esta obrigação
é uma obrigação propter rem, porque por força do artigo 1424º, quem suporta os reparos são
os todos os condóminos. E se um dos condóminos não quiser pagar a despesa da reparação do
elevador? Qual é a solução que ele tem? A única solução é renunciar ao seu direito de
propriedade que tem subjacente à obrigação real. Mas, para renunciar ao direito de
propriedade, significa que estamos a renunciar a uma coisa diferente – porque repare-se que,
quando falámos do usufruto, era um usufruto constituído sobre a mesma coisa, na qual incidia
o direito real. Aqui é uma coisa diferente – até diz respeito às partes comuns e não à fração
autónoma.

E, portanto, isto significa que, como os direitos reais aqui incidem sobre coisas diferentes – há
um direito real sobre a coisa comum (compropriedade) e depois há o direito real sobre a coisa
própria (fração autónoma – a renúncia não opera a extinção do direito real sobre a fração
autónoma. Coloca é essa possibilidade à disposição do credor.

Se o credor não aceitar, não há extinção do direito real. E se aceitar também não há, porque se
aceitou, o direito real não se extinguiu – deu-se foi um fenómeno de transmissão daquele
direito do devedor para o credor.

Assim, isto é apenas uma nuance. Já na parte em que os direitos reais dizem respeito à mesma
coisa, aqui sim, a renuncia opera a extinção da obrigação e opera também a extinção do
direito – esta é que é a parte fundamental. Até porque fora desta situação não há extinção –
não há nada ou entao o que há é a transmissão e não a extinção.

Continuando nas figuras da extinção, passamos agora para o não uso. O que é que é o não
uso? Dissemos que “renunciar não é apenas não usar” – eu posso não usar, conservando o
direito, o que significa que mantive o direito, embora não o tenha estado a usar. Isto é
diferente de ter renunciado ao direito, porque aí é mesmo um caso de extinção do direito e
não um caso de não utilização do direito.

À partida, o facto de eu não usar um direito que tenho é irrelevante – porque é um direito, não
é um dever. Ou seja, eu tenho o direito de usar – não tenho necessariamente a obrigação de
usar. E, portanto, à partida o não uso é irrelevante.

Mas, pode ser relevante em determinadas situações: se for o não uso que se mantenha
durante um determinado período de tempo. Porquê? Porque na verdade os direitos também
desempenham fundamentalmente uma função social – o direito serve para ser exercido. E,
portanto, em certas situações, o não exercício do direito pode levar à sua extinção.

O que é que acontece se o credor não exercer o seu direito de crédito durante um certo
período de tempo? Pode levar à prescrição do direito. E noutros casos pode levar à caducidade
do direito. Ou seja, eu sou credor, mas não exerço o meu direito – se esse não exercício desse
direito se mantiver durante um determinado lapso de tempo, a lei pode estabelecer a
prescrição desse direito ou a caducidade desse direito.

Quando falamos na prescrição e da caducidade, falamos basicamente de direitos de crédito.


Mas, o decurso do tempo decorrente do não exercício de um direito também pode servir para
extinguir um direito real. O legislador não lhe chama nem prescrição, nem caducidade, mas
sim não uso – no fundo vai dar ao mesmo.

O não uso é o facto extintivo de determinados direitos reais de gozo – só os direitos reais de
gozo é que se podem extinguir por não uso. Os direitos reais de garantia e de aquisição podem
extinguir-se por prescrição ou por caducidade – que no fundo são não uso, mas que o
legislador define de forma diferente (artigo 298º).

O artigo 298º diz-nos, no nº1 que estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o
lapso de tempo estabelecido na lei (o prazo de prescrição ordinária é de 20 anos), os direitos
que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.

O nº2 diz-nos que quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser
exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se
refira expressamente à prescrição.

Por fim, o nº3 diz-nos que os direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, enfiteuse,
superfície e servidão não prescrevem, mas podem extinguir-se pelo não uso nos casos
especialmente previstos na lei– portanto, é a própria lei que vem dizer quais é que são os
direitos reais que se extinguem pelo não uso. E neste caso, são aplicáveis nesses casos, na
falta de disposição em contrário, as regras da caducidade nomeadamente no que diz respeito
às contagens dos prazos.

Então o que é que temos? Temos basicamente tudo concentrado no mesmo artigo, o mesmo
problema de fundo. Ou seja, o não exercício de um direito, não o mero não exercício (porque
isso é completamente irrelevante), mas o não exercício associado a um determinado período
de tempo – aí torna-se relevante o não exercício do direito. No caso dos direitos reais,
configuram situações de extinção pelo não uso.

Portanto, no fundo, na prática, são de certa forma semelhantes aos pressupostos que
subjazem à prescrição e caducidade, mas o legislador chama-lhe especificamente “não uso”.

E, portanto, no fundo, o simples não uso pode ser relevante se lhe associarmos um
determinado prazo. Que prazo é esse? O prazo normalmente é o prazo da usucapião ao
contrário. Ou seja, são os 20 anos. Há vários exemplos de não uso no código civil: o usufruto, o
direito de superfície e as servidões prediais – os direitos reais menores. O direito real
maio/máximo não se extingue pelo não uso, embora o não uso possa ser relevante – vimos
isso a propósito da usucapião: se o proprietário não usar e houver alguém que adquira posse
formal sobre aquilo, significa que o não uso do proprietário, associado à posse formal do
possuidor, pode levar à extinção do direito de propriedade, não pelo não uso em si mesmo,
mas pelo efeito da aquisição por usucapião por parte do possuidor formal.

Portanto, ou seja, o não uso não extingue o direito de propriedade, embora possa contribuir
para a extinção: se ao não uso se associar a posse formal. Portanto, significa então que o
legislador vem dizer quais são os direitos reais que se extinguem pelo não uso.
Por exemplo, se recorrermos ao artigo 1476º, vemos que o usufruto se extingue pelo seu não
exercício durante 20 anos, qualquer se seja o motivo.

A extinção opera automaticamente decorrido o prazo – decorridos os 20 anos, opera a


extinção do usufruto por decurso do prazo. Isto porque, como acabámos de ver, são aplicáveis
as regras da caducidade e se virmos o artigo 333º, é precisamente isso que se diz – opera
automaticamente, não é necessária a invocação (coisa que já não sucede em relação à
prescrição).

E, portanto, também funcionam as regras de suspensão e interrupção dos prazos, pelo termos
gerais do artigo 328º.

Uma figura próxima do não uso, mas que dela se distingue, é a usucapio libertatis. A usucpaio
libertatis, no fundo é também o não uso. Só que o não uso é isso mesmo: eu não uso porque
não quero – por isso é que o próprio Código Civil, a propósito da extinção do usufruto, por
exemplo, por não uso diz “qualquer que seja a causa”.

Entao o que é que a usucapio tem de parecido com o não uso? Isso mesmo: o não uso. Mas, o
não uso na usucapio é uma consequência de um facto. Ou seja, é uma consequência de um
comportamento alheio, que impede o não uso. E por força de ter havido esse comportamento,
eu não consigo usar o meu direito.

Ou seja, é diferente do não uso, porque a não utilização pressupõe um comportamento


exterior/de alguém.

A situação está retratada apenas a propósito das servidões prediais. O artigo 1569º diz-nos, no
nº1 que as servidões extinguem-se:

a) Pela reunião dos dois prédios, dominante e serviente, no domínio da mesma pessoa.
b) Pelo não uso durante vinte anos, qualquer que seja o motivo.
c) Pela aquisição, por usucapião, da liberdade do prédio – isto não é o não uso, é outra
coisa: é a usucapio libertatis.
d) Pela renúncia.
e) Pelo decurso do prazo, se tiverem sido constituídas temporariamente.

A usucapio libertatis está então prevista no artigo 1574º, que diz, no nº1 que a aquisição, por
usucapião, da liberdade do prédio só pode dar-se quando haja, por parte do proprietário do
prédio serviente, oposição ao exercício da servidão – então o que é que temos? Temos um
comportamento do sujeito (que neste caos é o dono do prédio serviente), que se opõe ao
exercício da servidão.

Caso típico: o titular do prédio serviente constrói uma vedação à volta do seu terreno e essa
vedação impede o proprietário do prédio vizinho de aceder a um caminho que está no prédio
serviente. Perante a construção dessa vedação, significa que o proprietário do prédio serviente
está a impedir o exercício da servidão. Ora, se está constituída a servidão, significa que o titular
do prédio serviente não pode tapar o caminho – mas o que é certo é que tapou. Tendo tapado
o caminho, o titular da servidão tem o direito de se defender através de uma ação de
reivindicação. E até pode defender a posse através de uma ação de restituição. Ou seja, o
titular da servidão tem forma de reagir a esse ato de oposição, através de uma ação de
reivindicação ou restituição.
Agora, o que é que acontece se o proprietário do prédio serviente faz a vedação e o titular da
servidão não reage? Se não reage, significa que não está a usar o seu direito. Mas, repare-se
que este não uso do direito não é igual ao outro, porque o outro é o não uso puro e simples e
aqui é o não uso como consequência de não ter reagido pela forma que podia fazer, ao
exercício de um ato de oposição ilegal – porque obviamente que o dono do prédio serviente
não pode barrar o caminho.

Então juntam-se aqui duas coisas: o ato de oposição, ao qual se segue o não uso decorrente da
ausência de reação a este ato de oposição.

Então o que é que a usucapio libertatis tem de comum com o não uso? O não uso. O que é que
tem de diferente? O ato de oposição: na usucapio libertatis o não uso tem uma causa e a causa
é a oposição do titular do prédio serviente (artigo 1574º); o não uso em si mesmo, não tem
essa oposição, é um motivo qualquer.

Significa entao que a usucapio libertatis pressupõe o não uso, mas é um não uso que resulta da
oposição ao seu exercício por parte do titular de outro direito real conflituante sobre a mesma
coisa, que não é merecedor de reação por parte do ofendido.

E, por isso, embora a usucapio libertatis só esteja prevista especificamente a propósito das
servidões, é em todo o caso aplicável, com as devidas adaptações, a todos os direitos reais
menores. Por exemplo, se o proprietário impede o usufrutuário de exercer o seu direito, o
usufrutuário pode defender-se, no âmbito de uma ação de reivindicação ou no âmbito de uma
ação possessória – se não o fizer, está a decorrer o prazo da usucapio libertatis.

O efeito prático, em todo o caso, não é significativo, porque o prazo é todo o mesmo: segundo
o nº2 do artigo 1574º, o prazo é o mesmo prazo para a usucapião.

Então, a usucapio libertatis pressupõe a existência de dois direitos reais sobre a mesma coisa,
que se manifestam em atuações materiais sobre uma coisa. Segue o regime da usucapião e,
nesse sentido, deve ser invocada, judicial ou extrajudicialmente (o não uso já opera
automaticamente).

Os direitos reais podem se constituir com termos e condições (o direito de propriedade não,
porque é tendencialmente perpétuo).

O termo e a condição são cláusulas acessórias dos negócios jurídicos que podem produzir
efeitos suspensivos ou efeitos extintivos:

 Termo ou condição inicial/suspensiva.


 Termo ou condição final/resolutiva.

Aqui interessa-nos o termo e a condição resolutiva.

Por exemplo, A constituiu um usufruto a favor de B por 20 anos – o que é que acontece daqui
a 20 anos? Extingue-se o usufruto – e porquê? Porque se verificou o termo resolutivo pelo qual
o usufruto foi constituído.

Podem ou não podem os direitos reais menores ser constituídos mediante um termo ou uma
condição resolução? Podem, nos termos gerais – não há nada que impeça. Logo, verificado o
termo ou a condição, extingue-se o direito real menor.
A propósito do direito de propriedade, de facto há problemas, porque ele é tendencialmente
perpétuo e, portanto, não é possível à partida conceder um direito de propriedade sujeito a
um termo resolutivo ou a uma condição resolutiva – só excecionalmente.

As exceções já conhecemos. A propósito do direito de superfície, se o A constituir a favor de B


um direito de superfície por 10 anos, e se o B constrói o implante, o que é que acontece daqui
a 10 anos? Não nos podemos esquecer que o direito do superficiário em relação ao implante é
um direito de propriedade. Entao, findos esses 10 anos, verifica-se o termo e extingue-se o
direito de superfície – e o implante é adquirido pelo fundeiro, através do fenómeno da
acessão. Mas isto é excecional. Outro caso é o da propriedade fiduciária – a tal regra da
substituição fideicomissária (artigo 2286º e seguintes).

Todos os outros direitos reais menores podem então ser constituídos mediante um termo ou
uma condição resolutiva – normalmente é um termo.

Por fim, uma extinção muito semelhante àquilo que conhecemos no direito das obrigações: a
consolidação.

No direito das obrigações, o que é que acontece quando o credor e o devedor são a mesma
pessoa? Diz-se que, nesse caso, a obrigação se extingue – e a causa é a chamada confusão. Ou
seja, se o credor e o devedor forem a mesma pessoa, a obrigação extingue-se por confusão.

Nos direitos reais também temos a confusão, mas não se chama confusão: chama-se
consolidação – mas vai dar ao mesmo.

A consolidação é, portanto, o mecanismo de extinção que resulta da reunião, na mesma


pessoa, da titularidade de dois ou mais direitos reais sobre a mesma coisa e, portanto, opera a
extinção do direito real menor.

Por exemplo, o A (proprietário) constitui um usufruto a favor de C, seu filho. A morre e o filho
é o único herdeiro. Quid juris? Se o filho é o único herdeiro, pela morte do pai o filho adquire a
propriedade por sucessão mortis causa – o que é que aconteceu ao usufruto? Extinguiu-se. O
B, que era usufrutuário, passou a ser obviamente o proprietário e extingue-se o direito menor,
que é o direito de usufruto.

O A é proprietário de um prédio que tem constituída uma servidão no prédio do B; o A


comprou o prédio do B – o que é que aconteceu à servidão? Extinguiu-se. E o que é que
aconteceu ao caminho que continua a ser usado? É uma serventia e não uma servidão.

Ou seja, no fundo, por via de regra, quando se juntam na mesma pessoa a titularidade de dois
ou mais direitos reais sobre a mesma coisa, extingue-se o menor – a extinção do menor dá-se
em benefício da permanência do direito real maior.

Isto, porém, pode não acontecer se a extinção prejudicar direitos de terceiros. Por exemplo, é
possível constituir uma hipoteca em relação a um usufruto. Vamos supor que A constitui um
usufruto a favor de B e B constitui uma hipoteca sobre o usufruto a favor de C. Vimos à pouco
que o usufrutuário pode renunciar ao seu direito, quer nos termos gerais (renúncia abdicativa),
quer até nos termos específicos da renúncia liberatória. O problema é que, se ele renunciar ao
seu direito, significa que vai prejudicar a hipoteca que constituiu a favor do C.
E, por isso, a questão é: pode ou não pode ele renunciar ao seu direito? Pode, mas a hipoteca
não se extingue.

Veja-se, por exemplo, a situação do artigo 699º, que no nº1 nos diz que extinguindo-se o
usufruto constituído sobre a coisa hipotecada, o direito do credor hipotecário passa a exercer-
se sobre a coisa, como se o usufruto nunca tivesse sido constituído. Depois, o nº2 diz que se a
hipoteca tiver por objeto o direito de usufruto, considera-se extinta com a extinção deste
direito. por fim, termina o nº3 a dizer que porém, se a extinção do usufruto resultar de
renúncia, ou da transferência dos direitos do usufrutuário para o proprietário (o que sucede,
por exemplo, no caso de consolidação), ou da aquisição da propriedade por parte daquele, a
hipoteca subsiste, como se a extinção do direito se não tivesse verificado. Isto significa então
que, desde logo, a renúncia liberatória é direta e a renúncia depende de a favor de quem for
feita, mas se for feita a favor do proprietário vai dar ao mesmo – não extingue a hipoteca.

E isto acontece em todos os fenómenos de oneração. Ou seja, se eu renunciar um direito


menor que esteja onerado, a renúncia não prejudica o direito de onde resulta a oneração –
neste caso da hipoteca, o direito do prédio hipotecado.

Verifica-se um fenómeno semelhante noutras situações, onde existe um interesse prático na


manutenção das titularidades separadas. Normalmente, esse interesse prático no sentido de
tutelar uma terceira pessoa. Isto é muito evidente nas situações do artigo 871º, onde o que
está em causa é o interesse de alguém, precisamente no sentido de evitar a extinção.

O nº1 do artigo 871º diz que a confusão não prejudica os direitos de terceiro. Depois temos 3
situações:

1. Nº2: Se houver, a favor de terceiro, direitos de usufruto ou de penhor sobre o crédito,


este subsiste, não obstante a confusão, na medida em que o exija o interesse do
usufrutuário ou do credor pignoratício.
2. Nº3: Se na mesma pessoa se reunirem as qualidades de devedor e de fiador, fica
extinta a fiança, exceto se o credor tiver legítimo interesse na subsistência da garantia.
3. Nº4: A reunião na mesma pessoa das qualidades de credor e de proprietário da coisa
hipotecada ou empenhada não impede que a hipoteca ou o penhor se mantenha, se o
credor nisso tiver interesse e na medida em que esse interesse se justifique.

Então o que é que isto significa? Significa que, por via de regra, a reunião na mesma pessoa da
titularidade de dois ou mais direitos sobre a mesma coisa, extingue os menores a favor dos
maiores. Porém, essa regra pode não levar à extinção de outros que incidam sobre o direito
real menor (casos de oneração – aqui opera-se a extinção do direito, mas não do ónus) ou
então quando existe mesmo interesse prático na manutenção das titularidades separadas
(aqui nem sequer se opera a extinção do direito).

Temos ainda a aquisição tabular como modo de extinção. Não esquecer que a aquisição
tabular tem como efeito um efeito aquisitivo – é, portanto, um facto constitutivo. Mas, na
medida em que a aquisição tabular, ao mesmo tempo em que opera a aquisição do direito,
implica necessariamente a extinção do direito que nele estava a conflituar, então é evidente
que a aquisição tabular (embora o nome indique aquisição – e é disso que se trata), implica
também extinção.
Na aquisição tabular, acarreta a perda forçada (para o titular substantivo) de certo direito real,
em resultado da prevalência da situação registal criada a favor de certo terceiro, nos termos
do artigo 291º.

Por fim, temos o desaparecimento da coisa como causa de extinção – o desaparecimento da


coisa implica a extinção do próprio direito. Quando não haja a transmissão ou sub-rogação que
vimos, o desaparecimento da coisa implica a extinção do direito.

O direito real implica uma relação entre a pessoa e a coisa (relação material) e, por isso, o
desaparecimento da coisa opera a extinção do direito – só assim não será, se houver o
fenómeno da modificação objetiva.

04 JANEIRO – PRÁTICA
Obrigações reais. Hipótese prática.

Caso Prático (frequência 2018):


Em Janeiro de 2000 António, proprietário do terreno x, acordou verbalmente com Bento,
proprietário do terreno contíguo y, a constituição de uma servidão de passagem na parte sul
do seu terreno x. Apesar de o terreno y ter acesso à via pública, a verdade é que Bento passou
a utilizar regularmente o aludido caminho existente no terreno x.

Em Janeiro de 2017, António vendeu o terreno x a Carlos e a Daniel. No dia seguinte, depois de
terem efetuado o registo de tal aquisição, acordaram verbalmente que Carlos utilizaria
exclusivamente a parte norte do terreno e Daniel utilizaria exclusivamente a parte sul e que
renunciariam reciprocamente ao direito de exigir a divisão até Janeiro de 2027. Decidiram
também comunicar a Bento que deveria deixar de utilizar o referido caminho. Bento opôs-se,
alegando que sempre o utilizou, na sequência do acordo firmado com António.

Em Fevereiro de 2017, Daniel doou a sua quota no terreno x a Eduardo, seu filho, que
informou Carlos que pretendia proceder à imediata divisão do terreno. Carlos discordou,
invocando o acordo de indivisibilidade celebrado com Daniel e alegou ainda a invalidade do
ato de transmissão da quota, por violação do seu direito de preferência.

Responda, de forma sucinta mas fundamentada, às seguintes questões:

1. Pronuncie-se sobre a validade do acordo celebrado entre Carlos e Daniel.


2. Diga quem tem razão no litígio que opõe Carlos e Daniel a Bento.
3. Diga quem tem razão no litígio que opõe Carlos e Eduardo, relativamente:
a. Aos efeitos do acordo de indivisibilidade;
b. À validade da transmissão da quota.

Resolução:
1.

Carlos e Daniel acordaram que acordaram verbalmente que Carlos utilizaria exclusivamente a
parte norte do terreno e Daniel utilizaria exclusivamente a parte sul (1ª parte do acordo) e que
renunciariam reciprocamente ao direito de exigir a divisão até Janeiro de 2027 (2ª parte do
acordo).

Na primeira parte do acordo, como é evidente quando se diz que o António vendeu o terreno
X ao Carlos e ao Daniel, então é evidente que o Carlos e o Daniel, em relação ao terreno, são
comproprietários.

Enquanto comproprietários, significa que vão usar a coisa comum, em primeiro lugar, de
acordo com as regras que eles próprios convencionarem (artigo 1406º - quando neste artigo
diz “na falta de acordo sobre a coisa comum”, significa que ante de mais, a coisa comum vai
ser usada precisamente nesses termos em que eles acordarem) – se não acordarem, então
aplica-se o regime da segunda parte, onde diz que a qualquer dos comproprietários é licito
servirem-se da coisa comum no todo, desde que obviamente não empreguem a coisa para fim
diferente daquele a que ela se destina e não impeçam os restantes consortes do uso da coisa a
que igualmente têm direito. Ou seja, no fundo cada um deles pode usar o todo, mas na
medida em que cada um pode usar o todo, é evidente que não podem estar todos a usar o
todo ao mesmo tempo – portanto, significa que o uso dos direitos têm de ser autolimitados.
Aqui, em todo o caso, é um problema que não se coloca, na medida em que eles
estabeleceram um acordo sobre o uso da coisa comum: o Carlos utilizaria exclusivamente a
parte norte e o Daniel utilizaria exclusivamente a parte sul.

Portanto, o acordo do ponto de vista material é valido (nos termos da 1ª parte do nº1 do
artigo 1406º).

Ora, coloca-se outra questão, que é quanto à validade formal, porque no fundo diz-se que eles
acordaram verbalmente – aqui coloca-se o problema de se saber se este acordo está sujeito a
algumas regras de forma.

É verdade que, dizendo respeito a imóveis (isto é o caso), a lei estabelece exigências de forma
diferentes das que estabelece para a generalidade dos negócios respeitantes a bens móveis.
Em todo o caso, essas regras de forma não se aplicam sempre: dizem respeito
fundamentalmente aos negócios jurídicos que estabeleçam a constituição ou transmissão de
direitos reais sobre coisas imóveis – nomeadamente, por exemplo, a CV ou a doação.

Neste caos, este negócio jurídico não produz nenhum desses efeitos – é um acordo entre eles
de utilização da coisa comum, a lei, neste caso, não exige uma forma diferente e, portanto,
aplica-se aqui a regra geral do artigo 219º (princípio da liberdade de forma).

Quanto à segunda parte do acordo, eles estabeleceram no fundo o pacto de indivisibilidade –


para que é que isto serve? Qual é a importância deste acordo? É válido ou não?

Este pacto é importante porque, relativamente ao direito de exigir a divisão, o artigo 1412º
estabelece ou consagra o direito potestativo de cada comproprietário – o que significa que
cada comproprietário, em qualquer altura e por mera declaração de vontade, pode exigir a
divisão.

Conforme sabemos, quando alguém tem um direito potestativo, os obrigados não se podem
opor – ficam numa situação de sujeição. E, portanto, a questão que se coloca é a de saber
agora como é que vai ser feita a divisão, porque que vai ser dividido vai, mas como é que vai
ser feita a divisão é outra questão – e aí, das duas uma: a divisão ou é feita por acordo, ou
então é feita através da ação judicial (ação de divisão de coisa comum).

Se a divisão for feita por acordo, aqui sim, como se constituem direitos reais novos (porque se
há uma compropriedade e se a coisa comum é divida, significa que deixa de haver
compropriedade e passa a haver propriedade singular na parte dividida) significa que opera-se
aqui uma modificação e aqui sim é necessária escritura pública ou documento particular
autenticado (artigo 1413º, nº2), porque aqui estamos a modificar a própria natureza. Se não
houver acordo, então será feita pela ação judicial, relativamente à ação de divisão da coisa
comum.

No que diz respeito à relevância da clausula de indivisão: quando existe uma cláusula de
indivisibilidade significa que o direito potestativo não está a funcionar (2ª parte do nº1 do
artigo 1412º).

Significa então que, à partida, o pacto de indivisibilidade é válido – para já, em abstrato. Qual é
o problema deste pacto? No fundo, tem dois problemas:

 Por um lado, estabelece um prazo de 10 anos.


 Por outro lado, volta a ser feito verbalmente.

Quanto à duração, temos de facto um problema: a própria duração, porque a lei estabelece no
artigo 1413º, nº2 o limite máximo de 5 anos – e depois até admite a renovação do prazo uma
ou mais vezes (por limites máximos de 5 anos). Mas, nem sequer estabelece o princípio da
renovação automática, porque até seria possível – mas não é esse o caso, porque a lei diz que
o prazo pode ser renovável por nova convenção, o que significa que tem de ser feito um novo
acordo. E, portanto, é evidente que este prazo é inválido.

A questao que se coloca é a de saber qual é que é a consequência de ter sido ultrapassado este
limite máximo – porque este é um limite imperativo, que não pode ser modificado. Qual é a
consequência da ultrapassagem deste limite máximo? Qual é a regra? É que esta cláusula é
nula, por violação de preceito legal de natureza imperativa (artigo 280º, nº1)

Só que, a pergunta que se coloca é: mas, será que é sempre nula? Ou pode haver a redução do
contrato? Acrescenta-se no artigo 292º a chamada redução, que é o princípio do
aproveitamento do negócio. Portanto, seria agora uma questao de ver se as partes teriam ou
não teriam na mesma querido estabelecer a cláusula de indivisibilidade por 5 anos, se
soubessem que não podiam fazer por 10 anos. E, portanto, se se demonstrar que eles teriam
celebrado por 5 anos se soubessem que não podiam celebrar por 10, então não há nulidade do
negócio, dando-se a redução ao limite máximo legalmente estabelecido (5 anos); caso
contrário, significa que o negócio não pode ser aproveitado e, nesse caso, dar-se-á a nulidade
total do negócio, nos termos da regra geral do artigo 280º
E quanto à forma? Mais uma vez, este pacto de indivisibilidade é celebrado verbalmente. É
válido ou invalido? A regra é a liberdade de forma – portanto, este acordo é válido. Porém, não
produz efeitos em relação a terceiros, porque se infere do nº3 do artigo 1412º. Significa então
que, tratando-se de coisas imóveis, tem de haver o registo da cláusula de indivisão. Ora, como
é evidente, o conservador só registará o pacto de indivisibilidade se ele tiver cumprido a forma
legalmente estabelecida, que neste caso será a escritura pública ou o documento particular
autenticado.

Ou seja, o pacto era perfeitamente válido e eficaz em relação ao Carlos e ao Daniel – podia ser
era de difícil prova, porque se o pacto não estiver reduzido a escrito, vai ser mais difícil chegar
a tribunal e tentar alegá-lo/demonstrá-lo.

Portanto, o pacto era válido, produzia efeitos entre ambos, mas não era oponível a terceiros,
na medida em que não podia ser registado, porque não se registam acordos verbais.

Para relembrar apenas: quando se faz este acordo da utilização da coisa comum, não nos
podemos esquecer que o facto de haver um acordo sobre o uso da coisa comum, isso não
significa posse na parte que exceda a efetiva parte que corresponde a cada um deles.

Aqui também não era o caso – nenhum deles estava a usar mais do que aquilo que seria a sua
quota parte.

Mas, até admitindo que não tinha sido assim, que tinham dividido a utilização do terreno em
dois, mas as duas partes não eram iguais, qual era o problema? Nesta compropriedade (artigo
1403º, nº2), como não se definiu a participação de nenhum deles, significa que se presume
que as quotas são iguais. Mas, tendo feito um acordo em que um utilizaria mais do que o
outro, entao é evidente que aquele que está a utilizar mais está a utilizar uma parte superior à
sua – isso, em todo o caso, não lhe confere posse na parte superior à sua.

Ou seja, ele era possuidor causal na parte correspondente à sua quota (na parte dos 50%) e na
parte que excede esses 50% ele seria detentor – é o que diz o nº2 do artigo 1406º. Ele será
sempre detentor a não ser que inverta o título da posse e aí passaria a ser na mesma possuidor
causal dos 50% e possuidor formal do excedente, a partir do momento em que inverte o título.

2.

Há um litigio que opõe o Carlos e o Daniel e o Bento – qual é esse litigio? É que o António,
tinha acordado verbalmente com Bento, proprietário do terreno contíguo y, a constituição de
uma servidão de passagem na parte sul do seu terreno X. E, no âmbito desse acordo, o Bento
passou a utilizar regularmente o aludido caminho – significa que ele, no cumprimento do
acordo que celebrou com António, passou a utilizar o caminho. Entretanto, o António vendeu
o terreno ao Carlos e ao Daniel e o Carlos e o Daniel decidiram comunicar ao Bento que devia
deixar de utilizar o caminho – o Bento não concorda, alegando que sempre utilizou na
sequencia do acordo que estabeleceu com o António. Quem tem razão no litigio que opõe o
Carlos e o Daniel ao Bento?

Tudo está em saber: o que é que o Bento tem em seu favor? Quem é que tem razão? O Carlos
e o Daniel. O Bento, à partida, teria uma servidão de passagem constituída voluntariamente
pelo António – o problema é que este acordo foi verbal e, se é verbal, dizendo respeito à
constituição de direitos reais sobre imóveis, aqui não há nenhuma dúvida que a lei exige a
escritura pública. Ou seja, o acordo celebrado com o António é nulo por falta de forma.

Agora, o que o Bento tem é uma situação de facto: apesar de ser nulo aquele acordo, o que é
certo é que, a partir dele, o Bento começou a utilizar o caminho. E, portanto, no fundo temos
um comportamento do Bento, que é semelhante àquele que teria, caso a servidão tivesse sido
devidamente constituída – significa então que tudo indica que o Bento seja pelo menos
possuidor formal (porque no fundo é a situação que acontece quando alguém atua por forma
correspondente ao exercício do direito de propriedade ou do direito real).

A servidão seria sempre nula – quando se diz que acordou verbalmente com o Bento, significa
que não houve nenhuma contrapartida (constituiu o direito a título gratuito), portanto,
significa que ter-lhe-ia doado a servidão. Mas, como é evidente, a doação, tratando-se de
imóveis, está sujeita a escritura pública ou a documento particular autenticado (artigo 947º,
nº2) – e, por isso, seria nula por falta de forma.

Mas, como se diz que Bento passou a utilizar regulamente o caminho, tudo indica então que o
Bento seja possuidor formal da servidão – não tem a servidão, mas tem a posse formal da
servidão.

O Carlos e o Daniel têm o direito de propriedade que adquiriram ao António – são


verdadeiramente proprietários. E, portanto, no confronto entre uns e outros, prevalece
obviamente o Carlos e o Daniel.

É verdade que o Bento pode defender a sua posse, caso haja esbulho – porque não se infere
aqui da hipótese que tenha havido esbulho, mas para já parece haver o justo receio e,
portanto, uma ação de prevenção pelo menos. Mas, são ações possessórias que obviamente
não procedem relativamente ao direito de propriedade.

Em todo o caso, não nos podemos esquecer que o Bento está a utilizar aquele caminho desde
2000 – estamos em 2017. Sendo Bento possuidor formal, tudo indica que a posse do Bento
seja de boa-fé. Porquê? Porque se aquele direito de passar foi constituído pelo proprietário do
terreno na altura (António), então é evidente que a posse formal do Bento é uma posse de
boa-fé.

É verdade que é uma posse não titulada e que, por isso, se presume de má-fé – mas,
claramente que o Bento conseguiria ilidir a presunção da má-fé da posse não titulada e,
portanto, seria uma posse de boa-fé. Também não há dúvida que é pacífica e pública.

Ora, neste caso, os prazos para a usucapião que o Bento podia invocar (não estaria então
apenas a defender a sua posse, estaria a invocar a usucapião) são 15 anos (artigo 1296º).

Portanto, Bento enquanto mero possuidor formal não prevalece a sua posição sobre Carlos e
Daniel – mesmo no âmbito de uma ação possessória, o tribunal dará sempre razão ao Carlos e
ao Daniel. Pode, no entanto, invocar a usucapião e, neste caso, por usucapião adquire o direito
de servidão.

E, neste caso, quem tem razão no litigio que opõe Carlos e Daniel a Bento? Se for no âmbito da
posse é o Carlos e o Daniel, se for no âmbito da usucapião decorrente da posse é o Bento (caso
a invoque), mas, no limite quem volta a ter razão é o Carlos e o Daniel. Porquê? Porque como a
servidão neste caso teria sido constituída por usucapião e na medida em que ela é
desnecessária, porque o terreno não está encravado, podiam o Carlos e o Daniel requerer a
extinção judicial da servidão, com fundamento na desnecessidade, pelo facto de ter sido
constituída (no caso de ter sido) por usucapião (artigo 1569º, nº2).

04 JANEIRO – OT
Acessão industrial imobiliária. Hipótese prática.

(continuação da resolução da hipótese da aula anterior)

3.

a.

Já vimos esta questão, na medida em que o acordo não foi registado – significa que não
produzia efeitos em relação a terceiros. E, portanto, é um problema que não se coloca.

Quando se diz que “Em Fevereiro de 2017, Daniel doou a sua quota no terreno x a Eduardo,
seu filho, que informou Carlos que pretendia proceder à imediata divisão do terreno. Carlos
discordou, invocando o acordo de indivisibilidade celebrado com Daniel” – é evidente que
Carlos celebrou o acordo de indivisibilidade com Daniel, mas também é verdade que nesta
altura o comproprietário já não é o Daniel, mas sim Eduardo.

E, portanto, neste sentido, não estando o acordo registado não é oponível a terceiros e,
portanto, o acordo de indivisibilidade não é oponível ao Eduardo.
b.

Carlos alegou ainda a invalidade do ato de transmissão da quota, por violação do seu direito de
preferência – no fundo, o que ele está a dizer é que alega a invalidade do ato por violação do
direito de preferência.

Qual é o problema que aqui se coloca a propósito disto? É ou não é possível transmitir a quota
parte da coisa comum, sem o consentimento dos restantes consortes? É.

Agora, o problema é que ele diz que isto é inválido por violação do direito de preferência – no
fundo há aqui dois problemas.

Por um lado, nunca seria um caso de invalidade, porque a transmissão seria sempre válida,
embora tendo sido violado o direito de preferência, o que depois acontecer era o Carlos,
alegando a violação do direito de preferência, lançar mão da ação de preferência, para com
isso sub-rogar a posição do Eduardo. Ou seja, nunca seria um caso de invalidade, seria
porventura um caso do exercício da ação de preferência (porque é um direito de preferência
com eficácia real, nos termos do artigo 1410º) – e, portanto, por sentença, o tribunal operaria
a substituição do adquirente: deixava de ser Eduardo e passava a ser o Carlos. Mas, significa
que a transmissão nunca seria inválida, porque é um caso apenas de modificação substantiva
do sujeito.

E neste caso nem sequer existia, porque se a transmissão foi feita por doação, não há lugar a
direito de preferência – o direito de preferência dos comproprietários só existe em caso de
venda ou dação em cumprimento.

Ou seja, em síntese, a transmissão da quota era perfeitamente válida, porque foi feita por
doação, não há lugar ao direito de preferência – mesmo que houvesse, nunca seria um caso de
invalidade, seria apenas uma questão do exercício do direito de preferência.

Caso Prático:
Em Junho de 2014, António vendeu a Bento, por escritura pública e pelo preço de 1.000 euros,
um terreno destinado a construção. Em Outubro de 2014, Bento, igualmente por escritura
pública, doou tal terreno a Carlos, seu filho. Ambas as transmissões foram devidamente
registadas.

Em Agosto de 2015, Carlos concluiu a construção de uma vivenda de luxo no terreno em causa,
composta por três pisos e em cujo jardim construiu duas piscinas e um campo de ténis, na qual
passou a residir com a sua família.

Em Setembro de 2017, transitou em julgado a sentença judicial proferida numa ação que havia
sido proposta e registada por António em Setembro de 2015, que declarou nulo o contrato de
compra e venda celebrado entre António e Bento.

António não gosta de nenhuma das construções efetuadas por Carlos e pretende recuperar a
plena propriedade do seu terreno.

Quid juris?
Resolução:
Neste caso, já não há nenhum problema quanto à forma – foi vendido por escritura pública.

Sendo nulo o negócio celebrado entre António e Bento, então é evidente que nulo é celebrado
o negócio entre Bento e Carlos – como é evidente, como a declaração de nulidade do contrato
de CV celebrado entre António e Bento produz efeitos retroativos (artigo 289º, nº1) e a
restituição em espécie é possível se deitar a construção toda abaixo.

Como o negócio A-B é nulo, o negócio B-C também é.

Mas, é verdade que, em determinadas situações, a declaração de nulidade do negócio A-B


pode não prejudicar a aquisição do direito subsequentemente adquirido a partir do B. O artigo
289º, que é a regra, tem uma exceção no artigo 291º, a propósito dos imóveis: este artigo 291º
pode proteger o C, mas não protege. Porquê? Porque falta o primeiro requisito de proteção do
C: o C não adquire a título oneroso (B doou a C).

O Bento doou em outubro de 2014 e a ação proposta por António é de setembro de 2015 – o
que significa que quando C adquire, não tinha nenhuma forma de conhecer a ação, porque a
ação não tinha sido proposta e também não tinha sido registada. E este é um dos requisitos de
proteção do artigo 291º.

Não há dúvida que ele está de boa-fé, mas o problema é que o artigo 291º estabelece 3
requisitos, e falta logo o primeiro: é preciso que o terceiro (C) tivesse adquirido a título
oneroso e não adquiriu.

Significa então que não há nenhuma dúvida que o artigo 291º não é aplicável nesta situação e,
por isso, temos de voltar à regra: artigo 289º. E, neste sentido, não há dúvida que o C não é
dono do terreno.

E, se não é dono do terreno, temos aqui um problema para resolver: isto pode agora dar-se
num caso de acessão. Porquê? Porque na verdade, como o terreno nunca foi do Carlos (se o
negócio A-B é nulo, significa que nunca produziu efeitos, pelo que significa que a transmissão
de B-C também é nula e por isso não produz efeitos), significa que o terreno sempre foi do
António.

Ora, se sempre foi do António, significa que quando o Carlos construiu, estava a construir num
terreno que não era seu. E, portanto, a única hipótese que temos para resolver este assunto é
eventualmente lançar mão do regime da acessão.

Aqui não é manifestamente um caso de benfeitorias, porque com a imponência da construção


que lá foi feita desaparece o caráter acessório do terreno (porque a benfeitoria é acessória à
coisa em causa).

Nós tínhamos várias soluções para o Carlos. O primeiro caminho era invocar a posse formal do
Carlos – porque obviamente se o negócio B-C é nulo, não obstante esse facto, o que é certo é
que Carlos atuou como se fosse verdadeiro proprietário. E, portanto, o Carlos seria sempre
possuidor formal do terreno – como possuidor formal que era, poderia no limite adquirir o
terreno por usucapião, mas o problema é que não dá. Porque repare-se que não tem prazo
suficiente – mesmo de boa fé, para a aquisição do terreno por usucapião precisava de 15 anos
e ainda que com o registo pudesse ser reduzido esse prazo, nunca temos aqui sequer 10 anos
e, portanto, não dava. Portanto, que o Carlos através do negócio nulo que celebrou com o
Bento adquiriu a posse formal do terreno, isso é indiscutível – mas também não vai servir de
nada porque ele como possuidor formal do terreno não tem nenhum direito em relação às
construções que lá fez.

Isto não resolvia o problema de António: recuperar o terreno como ele estava.

E, portanto, a única hipótese que tínhamos era o recurso à regra da acessão industrial e
mobiliária. E aqui temos de distinguir qual é que é o regime: estamos na situação em que
alguém, com materiais seus, constrói num terreno que não é seu – isto conduz-nos para o
confronto entre o artigo 1340º e o artigo 1341º, em que o critério de distinção assenta na boa
ou má fé do sujeito que incorpora/constrói.

Neste caso, não seria um caso do artigo 1339º, porque aí é o sujeito que no seu terreno
incorpora materiais que não são seus, o que não é o caso.

Voltando ao nosso caso, o que é que é a boa e má fé? Está no artigo 1340º, nº4 o que é que é a
boa-fé. Quanto à questão da autorização expressa, não nos podemos esquecer que não pode
funcionar a autorização expressa, porque se for uma autorização expressa, das duas uma: ou é
formalmente válida e gera um direito de superfície, ou é formalmente inválida e gera posse
formal do direito de superfície – nunca gera acessão. Quando aqui se diz autorização, é no
sentido da não oposição – o sujeito é o dono do terreno que está a ver o que se lá está a
passar, e se não reage, significa que se deduz dessa não reação o seu consentimento tácito.

Parece que não há nenhuma dúvida que o Carlos não sabia nem tinha maneira de saber que o
terreno era alheio – de resto, quando adquire, não existia sequer indícios da existência de
invalidade, até porque a ação ainda não tinha dado entrada.

E, portanto, não há nenhuma dúvida que, quando ele constrói, constrói de boa fé. Ora, se
constrói de boa fé, há uma coisa já garantida: a solução não passa pela demolição – porque
não faz sentido nenhum: estaríamos a destruir sem nenhum fundamento. Porque se faz
sentido que o dono do terreno exija a demolição ou que fique com a coisa (artigo 1341º)
quando a construção foi feita de má fé (a opção é sempre do dono do terreno: ele é que vai
decidir o que é que vai fazer), se a construção for feita de boa fé nunca há demolição (a não
ser que as partes estejam de acordo com isso).

A lei não impõe a demolição no artigo 1340º e, portanto, das duas uma: ou fica com a
construção o dono do terreno, ou fica com o terreno o autor da construção – alguém vai ter de
ficar com o todo e aqui há acessão. Repare-se que no artigo 1341º, se houver demolição, não
há acessão – haverá acessão apenas se o dono do terreno quiser ficar com a obra – no artigo
1340º haverá sempre acessão, porque vai ficar com um deles a propriedade do todo.

Portanto, neste sentido, como é que o legislador vai estabelecer o critério? Em função do valor
económico que as coisas tinham: se o valor que a obra trouxe ao terreno (visto no seu todo)
for maior que o valor que o terreno tinha antes da construção, o autor da construção fica com
a propriedade do terreno (caso queira) e, nesse caso, paga o valor que o terreno tinha antes
das obras; se o valor acrescentado for menor, as obras pertencem ao dono do terreno, com
obrigação de indemnizar o autor delas no valor que tinha ao tempo da incorporação; se o valor
for igual, abre-se licitação e ficará com o todo aquele que der o maior valor.
Na nossa hipótese, tudo indica que Carlos vai ficar com o terreno (caso queira).

05 JANEIRO – TEÓRICA
Conteúdo 1. Taxatividade 2. Taxatividade aberta 3. Conteúdo positivo e negativo 3.2. Conteúdo negativo 3.2.1.
Limites 3.2.2. Obrigações propter rem 3.2.3. Ónus reais.

Vamos começar com o conteúdo.

Não se podem constituir direitos reais de conteúdo diferente daqueles que a lei descreve – ou
seja, há um elenco fechado de modelos legais (artigo 1306º, nº1).

Temos a:

 Restrição (limitação): só as limitações negociais admitidas por lei têm caráter real.
 Figura parcelar (direito real menor): só os direitos menores previstos na lei com
natureza real têm tal natureza real.

Sabemos que, muitas vezes faz parte do conteúdo do próprio direito a existência de
obrigações.

Quando falamos em direitos reais, normalmente o que vem à ideia é o chamado conteúdo
positivo, no sentido da tal atribuição, dos poderes ou faculdades sobre determinada coisa, que
variam em função da natureza do direito.
Mas, não podemos esquecer o conteúdo negativo – ou seja, determinadas situações em que o
titular do direito, pelo facto de o ser, está sujeito ao cumprimento desses
encargos/obrigações/ónus, dos quais vamos falar no fim.

No que diz respeito ao conteúdo positivo – ou seja, à atribuição dos poderes ou de


determinado tipo de faculdades sobre a coisa, importa perceber que eles diferem em função
do direito real e depois também dentro de cada uma das modalidades dos próprios direitos
reais. Isto porque, conforme vimos logo no princípio, os direitos reais podem ser vistos numa
perspetiva tripla:

 Direitos reais de gozo.


 Direitos reais de garantia.
 Direitos reais de aquisição.

Ou seja, todos eles dizem respeito à atribuição de determinado tipo de poderes sobre certas
coisas.

Mas, como é evidente, o conteúdo varia precisamente em função de cada uma dessas 3
divisões em que é possível distinguir os direitos reais.

Nos direitos reais de gozo, estamos no fundo a falar de poderes, normalmente de uso e, em
alguns casos, de fruição e, o caso típico do direito de propriedade, de disposição. Ou seja,
quando falamos nos direitos reais de gozo, isto traduz-se basicamente no direito de usar a
coisa – típico: direito de superfície, usufruto e o próprio direito de propriedade. Mas, muitas
vezes também temos, para além do mero poder de uso, o poder de fruição (por exemplo, o
usufruto). E, muitas vezes, os três poderes, que se centram no direito real maior, que é o
poder de dispor – que é típico do direito de propriedade e não só, porque o próprio direito de
superfície também pode ser transmissível (porque a relação que se estabelece entre o
superficiário e o implante é um direito de propriedade). E, portanto, pode funcionar aqui como
poder de disposição da própria coisa.

Portanto, ou seja, os direitos reais de gozo implicam necessariamente poderes de uso, de


fruição ou poderes de disposição sobre a coisa – a forma como estes poderes são depois
estabelecidos depende da natureza o direito.

Quando nós falamos nos direitos reais de garantia, é evidente que o titular do direito real
garantia não pode nem usar, nem fruir, nem dispor da coisa – agora, não há dúvida que a coisa
está a ser utilizada, atribuindo ao sujeito determinados poderes. Não são poderes de usar, fruir
ou dispor, mas são poderes de, no limite, proceder à alienação forçada da coisa.

Por exemplo, o caso típico da hipoteca, que é composto pelo credor e pelo hipotecário – o que
é que pode fazer se a dívida que a hipoteca está a garantir não for paga? Pode promover a
venda judicial da coisa. E, portanto, faz-se pagar através do produto da venda dessa coisa.
Portanto, é evidente que ele não está a usar, a fruir ou a dispor da coisa (não pode porque isso
é típico dos direitos reais de gozo e não dos de garantia), mas o direito real de garantia atribui
certos poderes – agora, no limite, o poder de poder impor a alienação forçada da coisa.

Este é entao o conteúdo positivo que integra o poder de natureza potestativa – ou seja,
mesmo que o proprietário da coisa hipotecada se oponha ou se pretenda opor, nada pode
fazer, a não ser que pague: se ele pagar a dívida, extingue a hipoteca. Mas, se não pagar, corre
o risco de o credor executar a hipoteca e, portanto, consegue promover judicialmente a
alienação.

Portanto, no fundo, o conteúdo positivo dos direitos reais de garantia são, no limite, o poder
de proceder à alienação forçada da coisa.

E também existem poderes conteúdo positivo no chamado direito real de aquisição.


Obviamente não o de usar, fruir e dispor, não o de proceder à alienação forçada da coisa, mas
de promover a própria aquisição da coisa.

Por exemplo, se ao comproprietário não for dado o direito de preferência na venda da quota,
ele pode lançar mão da ação de preferência e substitui-se na posição o adquirente da quota,
através da decisão judicial (artigo 1410º).

Entao, no fundo, é o poder de conteúdo positivo que resulta do direito real de aquisição. É
composto pelo poder de promover a aquisição (pelo titular do direito real de aquisição) de
outro direito real, verificados determinados pressupostos – é um poder de natureza
potestativa.

Isto é entao o chamado conteúdo positivo dos direitos reais, que obviamente varia em função
da natureza dos direitos. Pressupõem sempre o exercício de certos poderes sobre a coisa e
obviamente que a natureza dos poderes sobre a coisa variam em função dos direitos reais que
estamos perante.

Quando ao conteúdo negativo, é composto por elementos de natureza passiva, em que são
impostos ao titular do direito já não vantagens e poderes, mas, pelo contrário, determinadas
situações de obrigações ou de determinadas limitações.

Portanto, quando se fala no conteúdo negativo, a ideia é basicamente esta: pelo facto de se
ser titular de determinado direito, está sujeito a determinado tipo de situações negativas.
Essas situações negativas são, no fundo, ligadas ao conteúdo do direito real e podem
distinguir-se em 3 grandes grupos:

1. Limitações.
2. Obrigações propter rem.
3. Ónus reais.

Quanto às limitações, a lógica é esta: no fundo são restrições ao exercício do direto real.
Quando se fala das restrições no artigo 1306º, no fundo o que estamos a falar são em
limitações. Ou seja, são restrições que estipulam que o sujeito titular do direito não pode
exercê-lo por força de determinada disposição legal. Conforme resulta da norma: se as
restrições não estiverem previstas na lei, elas são válidas, mas apenas entre as próprias partes.

Portanto, quando se fala em restrições/limitações, das duas uma:

 Ou elas ocorrem segundo a lei e têm natureza real. Se resultar da lei, não tem
destinatário específico – ou seja, não tem nenhum sujeito ativo especifico: são todos
aqueles que possam estar na situação prevista na lei.
 Ou elas resultam do contrato e têm natureza meramente obrigacional – portanto,
continuam a ser restrições, mas o âmbito de aplicação é diferente. E, por outro lado,
se resultam de um negocio jurídico, significa que a restrição diz respeito à outra parte
no contrato.

Portanto, no fundo, as restrições são impedimentos/limites ao exercício de um certo direito


real num determinado sentido. E estas restrições das duas uma:

1. Ou resultam de razões de interesse público – dizem respeito a situações de


contitularidade: por exemplo, o comproprietário pode usar a coisa no seu todo,
contando que não prive os outros de igual faculdade – no fundo, o que a lei está a
estabelecer é que se os comproprietário não estabelecerem acordo quanto à utilização
da coisa comum, então cada um deles pode servir-se do todo; mas, na medida em que
cada um pode servir-se do todo, então significa que a utilização de cada um deles do
todo deve fazer-se em cumprimento de igual direito que os outros também têm.
Neste caso, o que está em causa é então a tutela de interesses fundamentalmente
públicos, que podem levar à expropriação, ou então à requisição civil.
Assentam então em interesses da própria comunidade – não são interesses
individuais: assentam por exemplo, a preservação do ambiente ou a planificação
urbanística.
2. Ou resultam de razões de interesse privado – as razões que assentam em restrições de
interesse privado resultam das chamadas relações de vizinhança, de que são muito
típicas todas as que vimos a propósito da propriedade horizontal (artigo 1422º),
porque por regra têm a ver com a tutela dos restantes condóminos.
Então, significa que os limites assentes em razões de interesse privado, à partida,
pretendem compatibilizar o exercício do diversos direitos reais sobre a mesma coisa,
dos casos de contitularidade, ou então sobre coisas fisicamente próximas.
Dizem então respeito à ideia de relativizar o exercício de diversos direitos reais sobre a
mesma coisa, mas também compatibilizar o exercício de poderes sobre coisas
fisicamente próximas.

E o código, a partido do artigo 1344º fala-nos dos limites. Temos então aqui várias limitações,
que se podem fundamentalmente agrupar em 4 grupos:

1. Limitações relacionadas com distância: por exemplo, o artigo 1360º.


2. Limitações resultantes de emissões – quando aqui se fala de emissões, estamos a falar
fundamentalmente em ruídos ou fumos: por exemplo, o artigo 1346º.
3. Regras de prevenção do perigo – no âmbito da construção: por exemplo, o artigo
1347º e 1348º. São limitações que tem a ver com regras destinadas a prevenir o
perigo, no sentido de limitarem o exercício do direito.
4. Exceções ao direito de exclusão: por exemplo, o artigo 1349º e 1350º. São limitações
ao conteúdo do direito, que resultam da lei – não têm de resultar da lei, podem
resultar de negócio jurídico, sendo certo que se resultarem de negócio jurídico, o
efeito é apenas entre as partes; resultando da lei, diz respeito a todos, nos termos que
a própria lei estabelecer.

Todas estas situações assentam então em rezões fundadas na salvaguarda das regras de
vizinhança – têm a ver com a maior proximidade dos prédios.
E, no caso da propriedade horizontal, porque a proximidade é ainda maior, então aí aplicam-se
todas estas regras (1 a 4) aplicáveis à propriedade em geral, a que acrescem depois as
limitações específicas da propriedade horizontal, que estão previstas no artigo 1422º.

No que diz respeito às obrigações propter rem, são obrigações que integram/fazem parte do
conteúdo de certos direitos reais. E, neste sentido, o devedor (sujeito passivo) afere-se pela
titularidade do direito. ou seja, o devedor é quem for o titular do direito real de que a
obrigação faz parte.

É uma obrigação conexa que diz respeito ao conteúdo de certo direito real, que é imposta a
quem seja titular desse direito. Ora, como é uma obrigação que é conexa com o direito, então
da mesma maneira que os direitos estão sujeitos ao princípio da taxatividade, como é evidente
as obrigações reais também. Ou seja, as obrigações reais só existem com caráter real, nos
termos que a própria lei estabelece.

Nada impede que as partes estabeleçam obrigações entre elas, mas nesse caso seguem o
regime das obrigações geral artigo 405º). Portanto, significa neste caso que o contrato segue
as regras gerais das obrigações em geral – segue o regime daquilo que as próprias partes
estabeleceram no âmbito da sua plena autonomia da vontade.

Ou seja, no fundo, as obrigações propter rem são aquelas que o próprio legislador estabelece.
Significa então que a obrigação propter rem é uma obrigação como as outras (mas resulta da
lei): pressupõe uma relação jurídica entre (pelo menos) duas pessoas, por força da qual fica
adstrita para com a outra à realização de uma prestação (artigo 397º) – o sujeito ativo e
passivo são determinados por referência ao conteúdo do direito real: o devedor é quem for
titular do direito real cujo conteúdo a obrigação faz parte.

No fundo, olhando para a obrigação propter rem, significa entao que é possível identificar a
existência de uma obrigação não autónoma: esta obrigação não existe por acaso, existe
porque existe o direito – logo é uma obrigação que não tem autonomia, ela faz parte do
conteúdo do direito (integra-o). Portanto, significa que só existirá na medida em que o
legislador entenda que aquele direito a comporta. São no fundo vínculos obrigacionais, mas
não autónomos.

Por outro lado, são funcionais – no fundo, há uma lógica que está subjacente à ideia destas
obrigações. E normalmente a lógica está subjacente à ideia da conservação da coisa. Ou seja, o
legislador entende que a coisa, podendo ser conservada e sendo necessário realizar obras para
a conservação da coisa, entende atribuir este encargo a determinados sujeitos.

Ou seja, a obrigação propter rem não resulta do acaso – tem uma razão de ser, ela está ligada
a esta ideia da essencialidade relativamente à coisa. Por isso é que normalmente diz respeito a
despesas ligadas à conservação ou à fruição da própria coisa – no usufruto, por exemplo, é isso
que acontece.

Ou seja, a razão de ser da obrigação é funcional, ela não surge por acaso – surge ligada a esta
ideia da conservação da coisa. E, por isso, o conteúdo é sempre um conteúdo positivo: fazer
alguma coisa ou dar/prestar alguma coisa (realizar a obra, entregar a coisa) – não há um ato de
omissão.
Onde por vezes surgem dúvidas maiores é na ideia de ambulatoriedade – se a obrigação é ou
não é ambulatória neste sentido. Ou seja, a lógica é esta: se a obrigação faz parte do conteúdo
do direito, então se eu transmito o direito, também estou a transmitir a obrigação. No fundo é:
a obrigação é inerente ao direito, o devedor é determinado propter rem – ou seja, o devedor é
quem for titular do direito real de cujo conteúdo a obrigação faz parte. Logo, se eu transmito o
direito, também transmito a obrigação. E, neste sentido, a obrigação propter rem é
ambulatória, acompanha o direito.

É verdade que poderá ser assim, mas pode não ser assim – por isso é que se diz que são
tendencialmente ambulatórias. O que é que isto significa? Significa que depende da obrigação.

Em regra, as obrigações vencidas em determinada titularidade não acompanham a


transmissão do direito a que estao associadas, a não ser que sejam aparentem no momento
da transmissão.

Para perceber isto, imagine-se o seguinte exemplo: quem é que responde pelas despesas de
conservação das partes comuns? Todos os condóminos, na medida das suas frações (artigo
1424º, nº1) . esta é a regra. Mas, normalmente o que eles fazem é estabelecer o pagamento
da quota de condomínio – por exemplo, para reparar o elevador pode ser preciso muito
dinheiro, e para evitar surpresas, é frequente que no condomínio seja estabelecida uma quota
mensal paga por todos os condóminos a título de prestação de condomínio. Esta quota serve
para que seja constituído um fundo comum e agora, quando for preciso fazer a obra, o embate
não seja tão grande. O que é que acontece se, por exemplo, o A proprietário de uma fração
autónoma a vende ao B, mas estava a dever quotas de condomínio, por exemplo, há 4 anos –
ele transmitiu a fração ao B e não há nenhuma dúvida que a partir do momento que o B
adquire passa a ser responsável pelo pagamento das quotas de condomínio a partir do
momento em que comprou. E também é responsável pelas quotas de condomínio dos 4 anos
anteriores que não foram pagas por A? Se a obrigação propter rem fosse plenamente
ambulatória era isso que acontecia. Mas, como é evidente, isto não faz sentido, porque no
momento da transmissão já havia obrigações vencidas.

E, portanto, a lógica da transmissibilidade é esta: transmite-se as obrigações que fizerem parte


do conteúdo do direito que ainda não estiverem vencidas – as que já estiverem vendias não se
transmitem. E, portanto, o que é que acontece? O A que transmitiu deixa de ser responsável a
partir do momento em que transmite, pelas novas prestações do condomínio – a partir do
momento da transmissão, o responsável pelas prestações do condomínio é o B, que é o novo
condómino e a quota de condomínio faz parte do conteúdo daquele direito. Em relação às
quotas de condomínio vencidas antes da transmissão, obviamente que não se transmitiram ao
B (a não ser que as partes tenham acordado nesses termos, mas nesse caso é necessário a
ratificação do credor, caso contrário não é oponível) – e, portanto, significa que o A continua
responsável pelo pagamento das obrigações que se venceram no momento que ele ainda era
condómino e é isto que faz sentido.

Portanto, à partida, as obrigações vencidas em determinada titularidade não acompanham a


transmissão do direito a que estão associadas, a não ser que sejam aparentem no momento
da transmissão.

Voltando ao mesmo exemplo, A compra uma fração autónoma e visita a fração antes de
comprar e verifica que o elevador está avariado, mas compra a fração. Quem é que agora é
responsável pelo pagamento da reparação do elevador? Repare-se que o elevador já estava
avariado antes de o A comprar e a reparação vai ser feita depois de comprar – mas diz respeito
a uma avaria anterior. Quem é que responde? O A, porque embora a despesa fosse anterior ao
momento da aquisição, é aparente e, na medida em que A não estabeleceu com o vendedor
nada em contrário, significa que comprou com aquela avaria, logo é responsável, porque
assumiu a obrigação decorrente da aquisição do direito.

Portanto, a lógica é:

 A transmissão do direito implica a constituição de obrigações, mas apenas das que se


vencerem a partir do momento da aquisição do direito – as que se venceram
anteriormente não se transmitem.

Relativamente a despesas anteriores, que sejam necessárias realizar em momento posterior à


aquisição do direito, na medida em que sejam aparentes, transmitem-se.

Portanto, esta é a ideia da ambulatoriedade.

Entao, qual é que é a diferença entre as obrigações propter rem e as meras obrigações (sendo
certo que, no fundo, são obrigações a que acresce algo mais)?

1. Surge sempre ligada ao conteúdo de um direito real – é inerente. E, neste sentido, o


sujeito passivo é determinado em função da qualidade de titular do direito real, do
qual a obrigação faz parte. Deste modo, quem for titular do direito real, fica por esse
facto adstrito à referida obrigação – caráter não autónomo da obrigação.
2. Tem sempre o tal conteúdo positivo: fazer ou prestar sempre alguma coisa. Portanto,
significa que não funcionam de uma forma ao nível da mera abstenção de um
determinado comportamento.
3. Podem extinguir-se por mera renúncia liberatória – as obrigações não se extinguem
por vontade do devedor. A mera obrigação não se distingue pela mera vontade do
devedor – extingue-se pelo cumprimento e pode extinguir-se por outras razões. Aqui a
renúncia liberatória implica a extinção da obrigação – isto é uma característica típica
das obrigações reais, porque nas obrigações em geral o devedor não pode
unilateralmente desvincular-se.
Significa então que a obrigação propter rem pode extinguir-se por meio da renuncia
liberatória: renuncia ao direito real, cujo conteúdo a obrigação faz parte.

E, por fim, passamos à figura do ónus real. Para isto, temos de recorrer à legislação que melhor
identifica isto.

No fundo, qual é a ideia? Como ónus real que é, e por ser real, significa que também faz parte
de um conteúdo de um certo direito real. Aqui é no fundo idêntica à obrigação real: quer a
obrigação real quer o ónus real dizem respeito à titularidade de um certo direito.

No fundo é uma situação obrigacional da qual deriva a vinculação do titular de certo direito
real, à realização de certas prestações a favor de um determinado sujeito. E, tal como sucede
em relação às obrigações reais, a razão é exatamente a mesma: se está ligado ao direito real,
então também está sujeita ao princípio da taxatividade.

Neste sentido, tal como as obrigações reais, são também vínculos obrigacionais não
autónomos – ou seja, estão dependentes do direito do qual fazem parte.
E também, tal como sucede em relação às obrigações reais, têm também um conteúdo
positivo.

Portanto, até aqui não há nenhuma diferença: a diferença surge agora a seguir, porque nós
vimos que as obrigações reais são funcionais – ou seja, aquelas obrigações fazem sentido
(nomeadamente as que dizem respeito aos encargos para a conservação da própria coisa).
Aqui não: esta ideia de funcionalidade está ausente – existem porque o legislador diz que
existem, porque podia não ter dito. Ou seja, não há nenhuma razão funcional a ligar este ónus
à coisa de forma diferente daquela que há em relação à obrigação real.

E a outra diferença é que, ao contrário do que sucede em relação às obrigações reais, se o


devedor de uma obrigação real não cumprir, o credor pode executar o quê? O seu património
– nos termos gerais do incumprimento das obrigações. Aqui não: o ónus real está sempre
assegurado por uma garantia real implícita – ou seja, o incumprimento do ónus real sujeita ao
devedor à execução do seu património em geral nos mesmos termos, mas preferencialmente
sujeita-o à execução da coisa de cujo direito faz parte o ónus (=a própria coisa objeto do ónus).

Veja-se Regime do Direito Real de Habitação Periódica – como é evidente, para alguém
adquirir este direito tem de pagar – associado a este direito está também a ideia de encargos
de conservação do próprio edifício e da própria unidade de alojamento. Funciona aqui um
princípio parecido ao do condomínio: significa que o proprietário de cada unidade de
alojamento, anualmente paga uma quota para as despesas de conservação e de inutilização
destas unidades de alojamento.

Ora, o que é que acontece se, porventura, o sujeito não pagar? Entra em incumprimento e,
pelo cumprimento da sua obrigação responde todo o património nos termos gerais.

Mas, veja-se o artigo 23º, nº1 deste regime, que diz que o crédito por prestações ou
indemnizações devidas pelo titular do direito real de habitação periódica e respetivos juros
moratórios goza do privilégio creditório imobiliário sobre este direito, graduável após os
mencionados nos artigos 746.º e 748.º do Código Civil e os previstos em legislação especial em
vigor nesta data – isto significa que, neste caso, responde em primeiro lugar o próprio DRHP
pelo pagamento destas dívidas. Significa então que o credor desta obrigação pode executar
em primeiro lugar o próprio DRHP – sem prejuízo de executar o património do devedor nos
termos gerais.

Agora, o que é certo é que este DRHP pode ser executado em primeiro lugar – ou seja, como
privilégio. Então, se houverem vários credores deste devedor a quererem executar o DRHP
este é graduado à frente dos credores comuns, pelas dívidas deste sujeito relacionadas com
prestações ou indemnizações devidas pelo titular do direito real de habitação periódica (e não
por quaisquer dívidas do sujeito). Por isso é que isto não acontece nas obrigações propter rem
– não existe esta garantia real implícita.

Ou seja, aquele direito responde preferencialmente por aquela dívida inerente ao conteúdo do
direito da qual faz parte. Porque é que o legislador consignou esta garantia real aqui? Porque
quis consignar – isto não tem nada a ver com o próprio funcionamento do direito.

No fundo, as grandes diferenças entre o ónus real e as obrigações reais são estas:

1. Ideia da funcionalidade que está presente na obrigação real e ausente no ónus real.
2. Ideia da garantia real implícita, que assegura o ónus real e não a obrigação real.
Do ponto de vista da determinação, aqui é semelhante:

 O sujeito passivo é determinado propter rem – é quem for titular do direito real.
 O sujeito ativo ´´e aquele que for titular de créditos relativamente à coisa que é a sua
fonte.

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