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UNIVERSIDADE LUSÍADA

Departamento de Direito
INTRODUÇÃO À ECONOMIA
Curso de Direito
(1.º Ano - 1.º Semestre)
Ano 2021-2022.

Sumários desenvolvidos

Regente: Guilherme d'Oliveira Martins


NOTA - Os sumários que se seguem constituem apenas e fundamentalmente um roteiro
de estudo. Não se trata de uma exposição exaustiva da matéria. São, assim, um instrumento
importante mas nunca exclusivo, designadamente para o acompanhamento tutorial. De
modo sintético, indica-se os temas, as referências fundamentais e, no final de cada capítulo,
a bibliografia. O método usado obriga, assim, a uma preparação e acompanhamento
permanentes das aulas e a um contacto constante com os elementos de estudo (sumários,
notas sobre as aulas, bibliografia fundamental, trabalhos práticos). Só considerando os
sumários como um roteiro ou guião poderemos retirar deles plena utilidade. G.O.M.

Capítulo X
Repartição do rendimento e mercado de fatores de produção
10.1 Fatores de produção e a sua remuneração.
10.2 Procura e oferta de fatores de produção. Especificidades.
10.3 Informação imperfeita e discriminação na remuneração de fatores.
10.4 Desigualdade e pobreza.
10.5 O combate à pobreza e à exclusão.

CAPÍTULO X - Repartição do rendimento e o mercado de fatores

10.1. Fatores de produção e a sua remuneração.

Como funcionam os mercados dos diferentes fatores de produção, a saber: do trabalho,


dos capitais e da terra e fatores naturais, depois de termos falado dos mercados de bens e
serviços? Em cada um deles pesam as especificidades inerentes ao objeto das trocas e à
natureza da respetiva remuneração. Lembremo-nos do que já estudámos. Relativamente ao
trabalho, consideramos o salário que o trabalhador aufere e que vai estabelecer-se num
mercado com características especiais. No caso dos capitais a remuneração faz-se através
do juro, que confere à passagem do tempo uma expressão importante, influenciando de
modo decisivo a configuração e o comportamento desse mercado - de que a bolsa de
títulos é o melhor e o mais ilustrativo dos exemplos. Nos fatores naturais, a remuneração
é feita através da renda, elemento determinante para a definição e concretização deste
mercado.

Para compreendermos o mercado de fatores de produção temos de nos reportar, em


primeiro lugar, à organização da produção e do consumo. Os produtores usam os fatores
de produção para criar bens e serviços. E essa criação tem de considerar o modo como se
abastecem os mercados. A criação terá, assim, partir do tipo de bens e de mercados que
nos importam. Devemos, por exemplo, distinguir consoante os produtos permitam ou não
a constituição de stocks. Os produtos que permitem a constituição de stocks, isto é, que
podem ser armazenados, de modo a garantir um escoamento regular, através da atividade
de distribuição - são aqueles para os quais a atividade de produção e a de consumo podem
ser separadas no tempo. Esse armazenamento pode envolver gastos mais ou menos
elevados, que influenciarão os respetivos preços de mercado - podendo ir desde o
arrendamento de armazéns até à vigilância, à energia gasta, passando pelo custo da rede de
frio, fundamental no caso dos bens alimentares ou de bens que tenham a ver com a saúde
pública. A utilização dos fatores de produção não é feita indiferentemente nas diversas
situações possíveis. Os stocks podem ser constituídos para garantir um abastecimento
regular e permanente do mercado, uma vez que os distribuidores têm dificuldade em saber
qual a procura final - ou para fins especulativos, a fim de aproveitar as variações sazonais
do mercado.

A produção de serviços não permite a constituição de stocks, que têm como característica
o facto de a capacidade de produção dever estar disponível no mesmo momento em que a
procura se manifesta. Por este facto, temos neste segundo tipo de criação económica a
possibilidade de encontrar insuficiente na capacidade de resposta. No guichet de um banco a
aproximação do fim do mês pode levar à formação de filas por haver um excesso na
procura do serviço. O mesmo se diga das repartições de finanças em fim de prazo para
pagamento de impostos ou de um salão de cabeleireiro em dias festivos. Já no caso do
abastecimento da energia elétrica, havendo períodos de sobrecarga de consumo, há a
tendência para aumentar as tarifas nas horas mais críticas, para obrigar o consumidor a
reduzir a sua atividade nesses momentos.

Os bens podem ainda influenciar o respetivo mercado de fatores de produção consoante


sejam duradouros ou não duradouros. No primeiro caso, o consumo não envolve de
imediato o respetivo desaparecimento. Está no segundo caso o exemplo dos produtos
frescos (legumes, frutas, produtos pecuários), cujo consumo tem de se fazer num prazo
determinado, sob pena de perderem qualidade ou de afetarem a saúde pública.

A antiguidade ou a natureza dos bens é algo de especialmente importante na organização


da produção. Há bens que se valorizam com o tempo e bens que se desatualizam ou se
destroem com o decurso do tempo. Eis porque na atividade económica a organização da
produção tem de considerar essas diferenças. É indispensável saber que tipos de bens ou de
serviços são fornecidos no mercado. E é preciso saber qual o efeito da deterioração e da
obsolescência como elementos de diferenciação dos produtos. E é fácil de compreender
que a informação sobre as condições de produção e de manutenção ou de conservação é
um elemento essencial para os consumidores.

10.2. Procura e oferta de fatores de produção. Especificidades.

Na ótica do puro dom da natureza, a oferta total relativa a um fator natural corresponde a
um montante fixo e inalterável. As alterações do preço de equilíbrio ficarão a dever-se a
modificações ocorridas no mercado, ora do lado da procura, ora do lado da oferta.
Contudo, a alteração do preço de equilíbrio dos fatores naturais não é devida, em regra, a
modificações na oferta, a não ser que haja mudança das respetivas condições naturais
(inundações e temporais, erupção vulcânica, catástrofe natural). Quanto à procura, o preço
do recurso natural vai variar com o preço do bem que a partir dele vai ser produzido.
Temos, pois, uma procura "derivada". Se o preço da terra para o cultivo do trigo é elevado,
é porque o preço do trigo é elevado - mas não é verdadeiro dizer-se que o preço do trigo é
elevado porque o preço da terra é elevado. A elevação do preço do fator terra ocorrerá se a
oferta do recurso natural for completamente inelástica e o seu uso exclusivo. O valor dos
produtos produzidos é que determina o nível da renda de um recurso natural. Os preços
não refletem, assim, em regra, os custos inerentes aos fatores naturais de produção.

Relativamente aos fatores naturais de produção há ainda a referir a incidência do conceito


de renda económica. Como sabemos, o nosso bem conhecido David Ricardo (1772-1823)
partiu da hipótese abstrata de uma época primordial indeterminada em que se teria
realizado a ocupação das terras. Os homens teriam ocupado em primeiro lugar as mais
férteis. O custo da produção nestas terras mais férteis era idêntico para todos os
proprietários. Mas, devido ao aumento da população, os homens viram-se na necessidade
de cultivar novas terras de fertilidade inferior em relação às primeiras. Nessas terras o custo
para produzir o mesmo é mais elevado. Assim, os proprietários das terras de primeira
categoria aufeririam um ganho suplementar - vendendo os seus produtos ao mesmo preço
que os produzidos nas terras de segunda categoria, independente do trabalho e do capital
consagrado à produção. Enquanto um terreno pedregoso do interior tem uma procura
muito reduzida, por não permitir culturas, um terreno fértil do litoral vai ter uma procura
maior. Recordamos o que já dissemos sobre a renda económica, e encontramos deste
modo a justificação do excedente. Enquanto na terra ou nos fatores naturais funciona a
aptidão natural para a produção de bens, no caso de outras atividades é relevante o talento
ou o prestígio de quem presta o serviço. Deste modo, o conceito de renda económica é
geral, aplicando-se a múltiplas situações.

No mercado de capitais há, por um lado, a oferta de poupanças ou de títulos


representativos de participações sociais ou de créditos (obrigações e ações) e, por outro, a
procura de capitais e dos respetivos títulos. Antes do mais, temos a moeda e relativamente
a esta a atividade bancária vai definir, através dos Bancos Centrais, as taxas de referência
em relação às quais a banca comercial vai definir as taxas de juro (passivas ou ativas,
respetivamente para depósitos e para empréstimos). Estamos ainda perante movimentos
financeiros que permitem o encontro da poupança e do investimento. As ações e as
obrigações compram-se e vendem-se na Bolsa de Valores, a um preço fixado por leilão,
pelo funcionamento da lei da oferta e da procura. Estamos, assim, perante um mercado que
se aproxima bastante da concorrência perfeita, sobretudo quando tem dimensão suficiente.
As cotações da Bolsa de cada dia para cada título em circulação refletem as condições da
oferta e da procura, que se alteram com o tempo. No entanto, em determinados momentos
há uma vulnerabilidade desses mercados à especulação…

As transações sobre títulos são de dois tipos - subscrições, quando os títulos são emitidos
e entram em circulação; e circulação, quando os títulos uma vez emitidos já podem ser
transacionados. No primeiro caso temos o mercado primário, no segundo temos o
mercado secundário. Só o mercado primário alimenta as empresas, com capital social nas
ações, com créditos nas obrigações. O curso dos títulos vai ser determinado pelas opiniões
que circulam sobre a capacidade de uma empresa reembolsar o capital emprestado (no caso
das obrigações) ou sobre os dividendos esperados, resultantes dos lucros obtidos pelas
empresas. Há, no entanto, fatores aleatórios de natureza psicológica que funcionam como
decisivos para a fixação dos valores de mercado. Nesse sentido, a existência da Bolsa obriga
a que haja uma entidade reguladora que garanta o cumprimento das regras inerentes à
concorrência constantes do regime jurídico em vigor (entre nós CMVM - Comissão do
Mercado dos Valores Mobiliários). Aliás, a recente crise financeira internacional revelou a
importância fundamental de uma atividade de regulação independente, sem a qual o
interesse geral não é devidamente salvaguardada.

Diferentemente dos outros fatores, o trabalho é por natureza muito heterogéneo, pela
multiplicidade de atividades que pode envolver. A própria medida do trabalho realizado
varia muito (salário por hora, jornada diária, vencimento mensal). Também há uma grande
diferença de estatutos - desde o trabalhador independente ao trabalhador por conta de
outrem ou assalariado. A formação dos salários do trabalhador dependente faz-se, em
regra, segundo a lei da oferta e da procura, mas também segundo as negociações coletivas,
no que podemos designar como monopólio bilateral – em que temos confederações
patronais e sindicais a protagonizar a concertação.

Funcionando a lei da oferta e da procura, um excedente de mão-de-obra procurada faria


aumentar o nível do salário, enquanto um excedente de mão-de-obra oferecida tende a
fazer baixar esse valor de salário de equilíbrio. Estamos a falar não do mercado do trabalho
em geral, mas do mercado de cada profissão. Nas profissões mais duras, a curva da oferta
situa-se mais à esquerda do que no caso das profissões mais procuradas e agradáveis. Os
mercados influenciam-se entre si, uma vez que os trabalhadores podem circular procurando
diversas ocupações. Isso é particularmente evidente em situações de desemprego. A
mobilidade interprofissional é importante, sobretudo quando se nota carência de uma
determinada formação especializada. Se a mobilidade é pequena há rigidez no mercado e as
remunerações aumentam relativamente às formações especializadas mais raras.

As sociedades desenvolvidas têm movimentos sindicais fortes e os salários são fixados


em condições na prática diferentes das de concorrência perfeita, uma vez que se pretende
garantir a existência das melhores condições de justiça e equidade. Verificamos, assim, que
há uma tendência para a monopolização da representação da oferta e da procura. De um
lado, temos as confederações patronais e, de outro, as confederações sindicais. O Estado
funciona como árbitro, havendo para tal efeito instituições de concertação social - entre
nós, o Conselho Económico e Social (CES) e a sua Comissão Permanente de Concertação
Social.

Como funciona a concertação social? Os sindicatos procuram obter um salário acima do


valor de equilíbrio, com subemprego. Só o conseguirão se o Estado garantir subsídios de
desemprego de valor aceitável para os trabalhadores que não tiverem emprego em virtude
desse aumento de salários. Se há desemprego, os sindicatos poderão aumentar o salário
desde que haja medidas complementares de redução da oferta de trabalho, por ex. redução
das horas de trabalho, redução da idade de reforma, alargamento da escolaridade
obrigatória, limites à imigração…). Por fim, a ação sindical pode induzir um aumento da
procura de trabalho - facto que poderá ser alcançado através de um esforço concertado no
sentido do aumento da produtividade (mais produtos criados com as mesmas horas de
trabalho) e da melhoria das qualificações, que levarão as empresas a procurar novos
trabalhadores com as novas características.

Deve ainda acrescentar-se que no mercado do trabalho vai pesar a existência de um


sistema de segurança social, para cobertura dos diversos riscos sociais (desemprego,
saúde, velhice, morte, sobrevivência…). Há, deste modo, salários indiretos estipulados por
lei, uma vez que o jogo da concorrência não permitiria essa proteção e o Estado assume a
proteção fundamental de todos, retirando essa decisão da vontade dos agentes económicos
(estamos perante a ideia já referida de justiça como equidade de J. Rawls).

O desemprego é o maior risco das economias de mercado. O objetivo de pleno emprego


está, pois, sempre presente no Estado Social contemporâneo. Pleno emprego é a situação
do mercado de trabalho de uma determinada profissão em que todos os que desejam
trabalhar um certo número de horas, com o salário em vigor, encontram um empregador
disponível para lhes dar essa ocupação.

Assim, se o mercado de trabalho de uma certa profissão está em equilíbrio clássico,


coincidindo o salário em vigor com o cruzamento das curvas da procura e da oferta, há
pleno emprego. Se o salário em vigor está abaixo do cruzamento das curvas da procura e da
oferta, em virtude de quem procura trabalho não responder plenamente aos recursos
disponíveis, ainda há tecnicamente pleno emprego. Se o salário em vigor está acima do
cruzamento das curvas, em virtude de quem oferece trabalho não utilizar plenamente os
recursos disponíveis então há subemprego nessa profissão, o que envolve a existência de
desemprego.

Já afirmámos anteriormente que o bem-estar de uma comunidade depende, no conjunto,


da satisfação das respetivas necessidades, envolvendo a soma dos excedentes dos
produtores e dos consumidores. Uma vez feita a repartição dos rendimentos pelos
diferentes fatores temos de considerar que a melhor da satisfação das necessidades passa
pela maximização do rendimento do empresário, o que significa a maximização dos lucros
correspondentes à participação no capital.

Recapitulando o que já anteriormente se analisou, importa recordar o que já estudámos


relativamente ao excedente do produtor. Depois de termos visto em que consiste a renda
económica - um excedente devido às qualidades do fator de produção ou do produtor,
que têm a ver com características naturais, com o seu prestígio, com a sua experiência ou
com a excecional confiança de que goza - ou em que consiste a quase-renda - que existe
quando o produtor tem entrada reservada no mercado, auferindo um benefício por esse
facto - podemos compreender que o excedente é o resultado de características próprias de
cada produtor e do seu produto.

No caso do fator trabalho, temos a referir ainda o conceito de vencimento de


transferência, que é o valor mínimo da remuneração que o trabalhador está disposto a
aceitar. Acima desse valor haverá um efeito de renda, que terá maior expressão
relativamente a quem tenha maior prestígio e maior capacidade para seduzir ou para atrair a
procura (dois pianistas poderão ter as mesmas qualidades artísticas, mas um é mais
conhecido do que o outro e beneficia desse facto). O vencimento de transferência no
mercado do fator trabalho tem correspondência com o lucro normal próprio dos
produtores no mercado dos bens e serviços.

O mecanismo da concorrência tem, porém, por efeito reduzir sistematicamente, no longo


prazo, os lucros que as empresas procuram maximizar. E em situação limite, a concorrência
perfeita leva até a que os lucros tendam para zero (entenda-se o lucro marginal e o lucro
médio). Trata-se de um paradoxo inerente à própria concorrência, uma vez que os
diferentes agentes económicos do mercado prosseguem objetivos semelhantes, procurando
atingir a maior satisfação possível de necessidades - praticando o preço mais competitivo.

O equilíbrio final do ciclo de uma indústria é aquele pelo qual todas as empresas veem o
seu custo médio e o seu custo marginal igualar o preço de venda do produto no
mercado. A produção atinge, assim, o ponto mínimo da curva de custo médio. Ora, na
medida em que o rendimento marginal se aproxima do custo marginal o excedente fica
reduzido ou é anulado - o que exige a inovação, como forma de garantir o início de um
novo ciclo no mercado, aumentando o excedente do produtor e o bem-estar geral.

Há diversas fontes de lucro - desde os ajustamentos temporários de mercado (envolvendo


o aumento de procura ou a redução de custos, a curto prazo) até à inovação científica e
tecnológica, passando pelo risco e pela incerteza, que favorecem os fatores aleatórios do
mercado.

10.3. Informação imperfeita e discriminação na remuneração de


fatores.

Perante uma informação imperfeita, crescem os fatores imprevisíveis e aleatórios. Esses


fatores favorecem a discriminação na remuneração dos fatores de produção, o que se
torna particularmente evidente em relação ao trabalho. O exemplo do trabalho das
mulheres é especialmente evidente e ilustrativo. Mas podemos encontrar ainda as situações
de trabalhadores migrantes ou de trabalhadores clandestinos. Na sociedade americana de
antes dos anos sessenta a discriminação racial era uma marca - como o foi até há pouco
tempo na África do Sul. Ao contrário destas situações, a discriminação pode ser positiva
(fala-se então, com mais propriedade, de diferenciação positiva) se nos ativermos aos
trabalhadores mais qualificados ou àqueles que beneficiam de uma renda económica para
além do vencimento de transferência. A legislação do trabalho, a adoção de programas de
diferenciação positiva (relativamente às mulheres, no sentido da paridade, por ex.), o
funcionamento do mercado afastando práticas de exclusão, a aposta na formação, na
qualificação e na valorização do capital humano são meios de contrariar os efeitos
negativos resultantes de uma informação imperfeita no mercado.

Mas o mercado resiste à discriminação - nos Estados Unidos as empresas de transportes


recusavam-se a discriminar os negros porque a exigência de veículos separados reduziria os
seus lucros. Além disso, por exemplo, os negros começaram a boicotar algumas empresas e
carreiras, com resultados negativos para a respetiva exploração.

O conceito de capital humano, formulado por Theodore W. Schultz (1902-1998), em


1961, e também desenvolvido por Gary S. Becker (1930-2014), constitui um dos elementos
essenciais para diferenciar os rendimentos e para contrariar as discriminações ilegítimas no
mercado. Schultz obteve o Prémio Nobel da Economia em 1979 e Becker em 1992. A
educação e a formação profissional são os fatores essenciais para a valorização do capital
humano. O nível de formação e a capacidade de aprendizagem diferenciam os sujeitos
económicos, aumentando o rendimento e a integração no mercado. T. Schultz começou
por dizer que os agricultores tradicionais seriam empresários tão capazes e inovadores
como os de qualquer outra atividade - por isso a principal aposta de modernização deveria
ser o "investimento nas pessoas", até para melhor mobilizar a comunidade, no sentido da
inovação e da criatividade.

Ao falarmos do excedente que fica depois de remunerados todos os fatores referimo-nos


ao lucro, que resulta, não de fatores momentâneos e aleatórios, mas de ações deliberadas
no sentido da inovação - designadamente quanto à melhoria de informação sobre os
mercados, quanto à expansão do conhecimento científico e técnico, que aumenta a
diferenciação e a produtividade do trabalho e quanto à discriminação no trabalho. Daí a
importância dos investimentos em formação ou em investigação científica e tecnológica, no
aumento de produtividade, na melhor organização da atividade produtiva e na análise e
prospeção de mercados.

10.4. Desigualdade e pobreza.

O mercado de fatores gera desigualdades, sobretudo se nos lembrarmos do exemplo de


David Ricardo. Quando procuramos responder à pergunta "para quem produzir",
estamos perante a necessidade de conceber políticas públicas que se preocupem com a
distribuição dos recursos e com a administração da equidade e da justiça. O cálculo
meramente racional não funciona em termos absolutos, quando nos reportamos à partilha
de recursos, devendo, por isso, ser corrigido pelos valores sociais. A pobreza e as
desigualdades chocantes têm de preocupar os decisores económicos. Que critérios
deveremos ter em consideração? É a distribuição da propriedade que gera desigualdades?
Ou será a repartição de rendimentos, uma vez que é a criação de riqueza nova que importa?

A repartição de rendimentos é o que importará, e não tanto a distribuição da


propriedade. De facto, a capacidade criadora dos agentes económicos manifesta-se
relativamente aos fatores variáveis de produção e aos rendimentos que estes geram. É a
esse propósito que devemos analisar os temas das falhas de mercado, da desigualdade de
oportunidades, do esforço para criar nova riqueza e também o da regulação económica.
Assim, temos de tomar consciência de que as disparidades, além de serem manifestações de
injustiça, são também expressão de fragmentação social - o que se repercute negativamente
na eficiência e na racionalidade económicas.

Numa sociedade em que, por hipótese, os 20% da população com menos rendimentos têm
apenas 1 ou 2% do total dos rendimentos gerados, enquanto os 20% da população com
maiores rendimentos têm 80% dos rendimentos totais, temos uma situação fortemente
desequilibrada, com uma acentuada desigualdade e uma intensa pressão social de quem tem
rendimentos menores - com efeitos muito negativos no funcionamento da economia e da
sociedade. Se existe equilíbrio, e os 20% mais pobres têm 15% dos rendimentos enquanto
os 20% mais ricos têm 22% dos rendimentos, há tendência para haver maior coesão.

Max Lorenz (1880-1962) elaborou um gráfico – a curva de Lorenz – que representa a


distribuição de rendimentos numa sociedade. Se houvesse perfeita igualdade, haveria uma
linha reta (a quaisquer 5% da população corresponderiam 5% dos rendimentos) A
representação gráfica corresponde, assim, ao conjunto de pontos que têm por coordenadas:
X corresponde à percentagem acumulada de pessoas recebendo um determinado
rendimento; e Y à percentagem acumulada de rendimento. Corrado Gini (1884-1965)
partiu desta representação para formular um Coeficiente o Índice de desigualdade
(designado como Coeficiente de Gini), elaborado a partir da comparação entre a situação
existente de desigualdade e a reta correspondente à situação de equilíbrio igualitário. Os
valores mais baixos correspondem a uma maior igualdade. Vejamos alguns exemplos: a
Suécia, apresenta um coeficiente de 28,8 (2017), a Noruega de 27 (2017), a Alemanha de
31,9 (2016), a Espanha de 34,7 (2017), a Itália de 35,9 (2017), o Reino Unido de 34 (2005),
Portugal de 31,9 (2018), a Federação Russa de 37,5 (2018), o Brasil de 46 (2018), República
Popular da China 38,5 (2016), Cabo Verde 42,4 (2015), Guiné-Bissau 50,7 (2010), Angola
51,3 (2018), Moçambique 54 (2014), Namíbia 59,1 (2015) e África do Sul 63 (2014).

Um quinto da população mundial vive com um rendimento igual ou inferior de cerca de 1


Euro por dia. Um quarto da população mundial vive com menos de 2 Euros por dia. Em
Portugal, com números de 1995, 2% da população ainda vivia com o correspondente a 2
Euros por dia, enquanto em Moçambique 78,4% da população vivia com esse rendimento.
Apesar dos grandes progressos registados, os últimos anos têm conhecido um agravamento
das desigualdades no mundo. Se considerarmos o rendimento por cabeça, nos últimos 40
anos, verificou-se um grande agravamento das desigualdades. O rendimento médio por
pessoa dos 20 países mais ricos do mundo é hoje de cerca de 40 vezes superior ao
rendimento médio dos 20 países mais pobres. Há 40 anos essa distância era de menos de
20 vezes.

10.5. O combate à pobreza e à exclusão.

A pobreza é uma situação de privação por falta de recursos, enquanto a privação em geral
corresponde a não estarem as necessidades básicas garantidas, por falta de recursos ou
outra razão – desde a dependência de um vício ou de uma doença até à falta de capacidade
para administrar os seus bens. Para cada um dos casos as soluções são muito diferentes. Na
pobreza é preciso ajudar as pessoas a ter os meios necessários, na privação é indispensável
apoiá-las a fim de que a gestão dos recursos seja melhor assegurada. A pobreza apenas se
resolve com autonomia. A pobreza é uma das formas de exclusão social, mas não a única,
há outras – como o isolamento dos idosos, que podem ter recursos materiais e a
discriminação social de imigrantes ou deficientes etc..

Também o desemprego é um fenómeno diferente do da pobreza, sem dúvida muito grave,


mas diverso. Cerca de 40% dos membros das famílias pobres têm emprego e outros 30%
recebem pensões de reforma. Ora, quando temos 40% de pobres ativos verifica-se que o
problema não é apenas de distribuição, mas de repartição primária de rendimentos. A
pobreza é um flagelo que exige políticas económicas – que corrijam as desigualdades.
Muitas vezes pergunta-se se devemos ter primeiro crescimento económico para distribuir
depois ou se das várias maneiras de crescer e criar riqueza devemos escolher a que assegura
à partida uma melhor distribuição.

O combate à desigualdade e à pobreza depende dos objetivos políticos e do contexto


social. Assim, equidade e igualdade de oportunidades estão em confronto com o
igualitarismo. O mercado pressupõe a existência de diferenças e complementaridades. Mas
há um limiar de pobreza, abaixo do qual, de acordo com critérios de justiça e de coesão
social é desejável que ninguém se encontre. A economia precisa de encontrar um
equilíbrio entre a preservação da coesão social e a salvaguarda do dinamismo e do espírito
de risco – e que a igualdade não prejudique a liberdade, de modo que a equidade não
prejudique a eficiência, de modo que a riqueza não se baseie na injustiça. Justiça, utilidade e
liberdade devem estar permanentemente presentes nas decisões públicas a adotar
relativamente à economia.

O tema da justiça na vida económica pode ser analisado na perspetiva dos fins ou dos
resultados. Ou se adota uma abordagem utilitarista ou se assume uma posição centrada na
"justiça como equidade", na linha de John Rawls (1921-2002) ou se recorre ao conceito de
«justiça complexa» de Michael Walzer (1935-). No primeiro caso, faz-se uma comparação
entre as utilidades marginais decrescentes. Para realizar uma repartição equitativa
deveríamos tirar uma parte dos bens a quem dispõe de mais doses de bens - o que implica
uma perda das utilidades menos significativas - para os atribuir a quem dispõe de poucas
doses, auferindo, assim, utilidades marginais maiores. Nesta hipótese, não se tem em
consideração o grau de esforço ou o mérito para obter determinado bem e satisfazer uma
necessidade económica. Na segunda perspetiva concentramo-nos na obtenção de maior
coesão possível, através da diminuição das perdas máximas que advenham do facto de uma
pessoa se encontrar no grupo mais desfavorecido da sociedade. Trata-se, no fundo de
proteger a sociedade contra os resultados mais desfavoráveis que afetam o grupo dos mais
pobres. Adotam-se medidas cirúrgicas na erradicação das formas mais extremas de riqueza
- sem pôr em causa a liberdade económica. A situação pode ser mais inigualitária, mas o
critério da justiça como equidade cumpre-se desde que quem está em posição mais
desfavorável não sai prejudicado ou tenha novos benefícios.

Além do critério dos resultados, temos ainda o critério dos meios e do procedimento -
numa lógica eminentemente individualista. A justiça seria preservada se fosse justo o
processo através do qual as pessoas enriquecem. A ideia de igualdade deixa, nessa
perspetiva, de estar nos resultados e passa para as oportunidades. Nesta perspetiva, bastaria
criar condições de igualdade de oportunidades - como na prova de atletismo em que todos
os atletas partem da mesma linha. No entanto, não poderá esquecer-se ainda a correção das
desigualdades concretas, para além da mera consideração das oportunidades.

Como se faz o combate à pobreza?

(a) pela tributação progressiva ou proporcional dos rendimentos, discriminando assim


os que têm maiores e menores rendimentos;
(b) pelo estabelecimento de medidas de combate direto à pobreza – através da
segurança social, dos subsídios de desemprego, e os incentivos à criação de empregos);
(c) pela prestação de serviços subsidiados pelo Estado a favor dos mais pobres (por ex.
rendimento mínimo de inserção).

Importa, porém, contrariar o que se designa como "armadilha da pobreza", que leva o
pobre a subtrair-se ao mercado de trabalho, preferindo viver na dependência do subsídio.
O modo de contrariar essa tendência está em substituir os instrumentos visando a
equidade, por mecanismos de eficiência, sendo um desses instrumentos o "imposto
negativo". Nesse caso, todos os indivíduos são formalmente tributados, não havendo
isenção de um mínimo de existência, todavia, a todos é concedido um crédito de imposto
que, deduzido do imposto devido, corresponderia a um apoio aos mais pobres, permitindo
uma transição das situações de benefício para as situações de tributação. O rendimento
mínimo de inserção seria assim conseguido não através de um subsídio mas de um crédito
de imposto. No entanto, no sentido da diferenciação positiva haveria a necessidade
fundamental de adotar políticas ativas de emprego e de formação, centradas na valorização
do "capital humano" - segundo o velho princípio segundo o qual mais importante do que
dar o peixe é fornecer a cana de pesca. A cana de pesca é importante, mas pode valer
pouco, se não prepararmos as pessoas, se não as formarmos, se não as acompanharmos.
Eis por que razão impõe-se haver políticas públicas articuladas no sentido do combate à
pobreza, à privação e à exclusão.
BIBLIOGRAFIA:

PEDRO SOARES MARTÍNEZ, Economia Política, Almedina, 1996 (pp. 402-464; 747-753).
PAUL SAMUELSON E WILLIAM NORDHAUS, Economia, Mac Graw Hill, Queluz, 2005 (pp
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JOÃO CÉSAR DAS NEVES, Introdução à Economia, Verbo, Lisboa, 2004 (pp. 217-240).
FERNANDO ARAÚJO, Introdução à Economia, Almedina, Coimbra, 2005 (pp. 421-506).
MANUEL L. PORTO, Economia - Um Texto Introdutório, Almedina, Coimbra, 2002 (pp. 201-
226; 255-277).

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