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UNIVERSIDADE LUSÍADA

Departamento de Direito
INTRODUÇÃO À ECONOMIA
Curso de Direito.

(1.º Ano - 1.º Semestre)


Ano 2021-2022
Sumários desenvolvidos

Regente: Guilherme d'Oliveira Martins


NOTA - Os sumários que se seguem constituem apenas e fundamentalmente um roteiro
de estudo. Não se trata de uma exposição exaustiva da matéria. São, assim, um instrumento
importante mas nunca exclusivo, designadamente para o acompanhamento tutorial. De
modo sintético, indica-se os temas, as referências fundamentais e, no final de cada capítulo,
a bibliografia. O método usado obriga, assim, a uma preparação e acompanhamento
permanentes das aulas e a um contacto constante com os elementos de estudo (sumários,
notas sobre as aulas, bibliografia fundamental, trabalhos práticos). Só considerando os
sumários como um roteiro ou guião poderemos retirar deles plena utilidade. G.O.M.

Capítulo XI
Economia monetária
11.1 Noção de moeda
11.2 Moeda metálica, moeda representativa, moeda fiduciária.
11.3 Teorias sobre o valor da moeda.
11.4 Procura e oferta de moeda. A criação monetária. Moeda escritural e multiplicador de
crédito.

CAPÍTULO XI – Economia monetária

11.1. Noção de moeda.

A moeda é um elemento fundamental para o funcionamento da economia, como


instrumento geral de trocas. Depois de uma fase primitiva caracterizada pelas trocas
diretas, a humanidade sentiu necessidade de utilizar determinados bens, que pela sua
raridade fossem aceites como instrumentos gerais de trocas (como o sal, o marfim, os
metais preciosos, as tâmaras ou as conchas especialmente raras e valiosas). Depressa se
verificou a dificuldade na troca de uns bens por outros, segundo o princípio da divisão do
trabalho, mas também se revelou indispensável adotar uma medida comum de valores, para
facilitar as transações, sem estar a usar um complexo sistema de comparação entre bens
diferentes. Quanto custaria um cavalo em sacos de trigo? Qual o valor de um serviço
prestado por um ferrador traduzido em frangos de capoeira? E como fazer quando os
valores não eram certos na respetiva correspondência? Daí a necessidade de haver um
instrumento de trocas.

Etimologicamente a palavra moeda provém de moneta, substantivo ligado ao verbo latino


monere, que significa advertir quanto ao futuro. Estamos sob a inspiração da deusa Juno,
que advertia os mortais anunciando-lhes o futuro. Por exemplo, a frase latina «monet
oblectando», inscrita nalguns teatros, significa “adverte divertindo”… A moeda pressupõe a
realização de trocas na satisfação das necessidades humanas. Não se trata, porém, apenas
de um mero instrumento de trocas ou de uma unidade de cálculo. É mais do que isso. A
moeda não tem, como julgava Jean-Baptiste Say (1767-1832), uma função meramente
instrumental na vida económica. A economia monetária envolve um conjunto muito vasto
de temas - desde a oferta e a procura de moeda até à emissão, à criação de moeda pelo
sistema bancário, passando pelo valor da moeda, pela relação entre massa monetária,
rendimento, consumo, poupança e transações, pelas taxas de juro e pelas relações cambiais
entre diferentes espaços monetários…

Quais as funções da moeda?

São fundamentalmente três:

(a) instrumento geral de trocas,


(b) medida comum de valor e
(c) reserva de valores.

Sendo a moeda contrapartida da aquisição de um bem ou de um serviço permite realizar


uma troca indireta, com a vantagem da clareza e da facilidade na transação. A moeda é,
pois, um instrumento geral de trocas. Mas as unidades monetárias são usadas para
avaliação do valor dos bens, em termos absolutos e relativos e constituem um instrumento
de medida de assinalável fiabilidade. Os banqueiros da Antiguidade e da Idade Média
tinham como função primordial garantirem a fiabilidade do peso e do valor das moedas em
circulação. E nesse caso estamos perante um padrão ou medida comum de valores. Da
função de instrumento geral de trocas resulta ainda para a moeda a finalidade de reserva
de valores.

A moeda é um traço de união entre o presente e o futuro, segundo a referida simbologia


representada pela deusa Juno. Impondo-se aos sujeitos económicos prevenir o futuro, fácil
é de compreender que as poupanças constituem uma peça fundamental na estabilização
económica de uma comunidade. Ganhando crescente importância como reserva de valor, a
moeda conheceu no século XX novos progressos que conduziram à necessidade de
formulação de um conceito como o de preferência pela liquidez, com origem na escola
de Cambridge.

A preferência pela liquidez é uma tendência verificável na economia contemporânea no


sentido de manter moeda imediatamente disponível para a satisfação das necessidades
humanas. Deriva de três motivos fundamentais:

(a) o motivo transação, segundo o qual os sujeitos económicos podem adquirir com
moeda disponível os bens e os serviços que satisfaçam as suas necessidades;

(b) o motivo precaução, uma vez que a moeda é guardada para situações futuras
imprevistas; e

(c) o motivo especulação, uma vez que a moeda pode ser usada para ganhos fáceis e
imediatos geradores de excedentes potenciais, verificando-se que o entesouramento
especulativo aumenta quando a remuneração do capital diminui, ou seja, quando a taxa de
juro baixa.

Considera-se como massa monetária ou "stock monetário" o conjunto que


compreende todas as unidades monetárias de uma economia repartidas entre os diferentes
sujeitos económicos, que asseguram o financiamento das respetivas atividades.

A noção de circulação monetária corresponde à massa monetária em movimento, o que


nos conduz ao entendimento da velocidade de circulação, ou seja, o número de vezes
que uma moeda é dada em pagamento.

Há diversos tipos de moeda. Antes de mais, a moeda que constitui um meio imediato de
pagamento nas transações designa-se como M1, e é constituída pela moeda metálica, pelo
papel-moeda e pelos saldos dos depósitos à ordem - a moeda escritural ou bancária. Temos
ainda outro tipo de moeda onde se reflete a função de reserva de valor, que se designa
como M2, e é constituída pelos depósitos a prazo (a curto prazo superior a 180 dias ou a
médio e longo prazos) no sistema bancário. Por fim temos a quase moeda, composta por
M2 e ainda pelos títulos mobilizadores de poupança, como obrigações, bilhetes e
obrigações do tesouro - trata-se do M3…

11.2. Moeda metálica, moeda representativa, moeda fiduciária.

A divisão do trabalho e as dificuldades na troca direta conduziram à adoção da moeda


como instrumento de trocas e padrão de valor. Como dissemos, os metais preciosos (o
ouro e a prata) cedo se revelaram como amoedáveis pela sua resistência, inalterabilidade,
maior facilidade de transporte e difícil falsificação. A moeda metálica surgiu e assim se
afirmou. Houve, porém, que apor aos fragmentos de metais preciosos que funcionavam
como moeda a indicação do valor e do respetivo peso. Essa marca caracterizou a primeira
fase da amoedação, ainda na Antiguidade. A cunhagem começou por ser privada, mas o
risco de abusos e o surgimento dos Erários Públicos levou a atribuir ao poder político essa
tarefa. Também os príncipes vieram a abusar desse privilégio com constantes quebras de
moeda - o que levou as Cortes e os Parlamentos a redobrar a sua atividade permanente de
controlo e de autorização, segundo o princípio do consentimento.

Cunhar moeda era direito dos soberanos. Na segunda metade do século XVII, em
Inglaterra estabeleceu-se a liberdade de cunhagem, podendo qualquer particular detentor de
uma barra de ouro ou de prata transformá-la em moeda, cabendo, porém ao Estado
proceder, através da Casa da Moeda, a essa transformação.

Havia obrigatoriedade de aceitação pelos particulares de moeda cunhada com o valor


estabelecido pelo Príncipe. Estamos perante o conceito de curso legal, que é
complementar do direito de cunhar moeda. Trata-se de uma obrigatoriedade imposta aos
particulares, já que ninguém poderia recusar-se a aceitar em pagamento as espécies
monetárias que tinham curso declarado. Curso legal não significa, porém, poder liberatório
pleno. Há moedas com curso legal que só são aceites em pagamentos pouco significativos.
Estamos a falar das moedas divisionárias (1, 5 cêntimos, p. ex.) que servem para trocos,
mas não para fazer grandes pagamentos. Por exemplo, nos sistemas monometalistas do
ouro só as moedas cunhadas nesse metal poderiam gozar de poder liberatório pleno (isto é,
poderiam ser aceites em qualquer pagamento).

O metal em que se baseia um sistema metalista designa-se como estalão monetário. No


tocante ao estalão temos três sistemas possíveis - o monometalismo-ouro ou sistema de
estalão ouro, o monometalismo-prata ou sistema de estalão prata. e o bimetalismo ou
duplo estalão. O monometalismo implica liberdade de cunhagem apenas para as moedas
do estalão. Por outro lado, o poder liberatório pleno só ocorre nas moedas do estalão. Uma
das razões que levou os economistas a preferirem o monometalismo foi a muito conhecida
lei de Gresham (de Sir Thomas Gresham, banqueiro inglês, 1519-1579), segundo a qual a
má moeda expulsa a boa moeda… A boa moeda tende a desaparecer por possuir outras
aplicações mais vantajosas e rentáveis – daí a indispensabilidade de preservar os melhores
meios de pagamento.

Para chegarmos às origens do papel-moeda, temos de recuar no tempo e de distinguir o


seguinte:

(a) a moeda-papel surge com carácter excecional, no início do século XVIII, em resultado
dos depósitos feitos pelos detentores de metais preciosos no sistema bancário;

(b) a moeda-papel representativa circula porque está suportada por uma cobertura de
moeda metálica equivalente à circulação;

(c) a moeda fiduciária circula apenas suportada por uma parte da moeda metálica
depositada - com base na confiança (fidutia) e na capacidade que o sistema bancário tem
de criar nova moeda;
(d) o papel-moeda, com inconvertibilidade e curso forçado. - ao contrário da moeda
fiduciária, neste caso já não há ligação à moeda metálica ou aos metais preciosos em
reserva, havendo, no entanto, regras prudenciais e de confiança a cumprir.

No caso da moeda representativa, o banqueiro inglês John Law (1671-1729) utilizou


parte das reservas para investir no seu negócio. Descobriu um novo tipo de moeda, mas
abriu falência, porque os seus clientes, quando souberam do facto de o banqueiro ter
disposto de parte do seu dinheiro, correram ao banco para levantarem os seus depósitos.
Law não tinha dinheiro suficiente para lhes pagar e abriu falência sofrendo, assim,
humilhação pública.

A moeda fiduciária consolidou-se a partir desse antecedente, no entanto houve abusos.


Esqueceu-se, por exemplo, a velha regra de prudência ou do terço, que obrigava o banco
a manter um terço dos depósitos em reserva. O tempo veio, porém, a consagrar regras e
um sistema de supervisão e acompanhamento, para garantir a confiança dos sujeitos
económicos.

O papel-moeda é inconvertível e tem curso forçado. O curso forçado determina que a


moeda circule e deva ser aceite por todos. A inconvertibilidade do papel-moeda resulta
quer da tendência para a desmaterialização quer do facto de os títulos de crédito público
emitidos pelo Estado terem também deixado de ser convertíveis.

Como veremos, hoje as moedas metálicas correspondem a uma pequena parte da


circulação monetária, a maior parte da moeda disponível corresponde a moeda escritural
ou bancária, isto é, aos saldos dos depósitos à ordem. A moeda escritural resulta, assim,
da criação monetária pelo sistema bancário, correspondendo a operações de escrita, que
são lançadas em conta corrente, apenas existindo movimentos monetários em relação aos
saldos, a crédito ou a débito. Além dos depósitos à ordem temos os depósitos a prazo e
com pré-aviso. Estes não constituem moeda como vimos, ainda que os sujeitos
económicos contem com eles para os seus cálculos económicos.

Os cheques permitem a movimentação dos saldos dos depósitos à ordem. No entanto,


não constituem moeda, nem têm poder liberatório. O cheque é uma ordem de
pagamento, que constitui um título executivo, não sendo, por isso, confundível com a
moeda representativa.

Os depósitos bancários a prazo e com pré-aviso, os bilhetes do Tesouro e outros títulos


equiparáveis não constituem uma reserva líquida. Estamos perante casos de quase-
disponibilidade e de quase liquidez. O depositante ou o subscritor dispõe nesses casos de
uma reserva quase-líquida, constituída por quase-moeda - que vai influir indiretamente na
atitude do agente económico, que conta com essa disponibilidade e por isso mesmo atua
tendo em vista a sua liquidez ciente, porém, de que ainda dispõe de outra poupança não
liquida.
11.3. Teorias sobre o valor da moeda.

O tema do valor dos bens económicos levanta tradicionais dificuldades à doutrina


económica. O conceito de valor da moeda apresenta naturais dificuldades. Há uma
primeira explicação muito simplista, quase intuitiva, que liga o valor da moeda ao custo de
produção do objeto que a representa - a peça metálica de ouro ou prata -, a este critério
chama-se metalista. Esta explicação não pode satisfazer-nos. Lembremo-nos da distinção
entre valor de uso e valor de troca. A moeda é usada para adquirir outros bens e o seu
valor de uso acaba por se confundir com o valor de troca. Ora o valor dos bens tem uma
expressão monetária. É o preço. O valor da moeda vai, por isso, ser influenciado pelo
respetivo poder de compra e pelo nível geral de preços. O valor da moeda variará na razão
inversa do nível geral de preços. Quanto mais elevado for o nível de preços mais baixo será
o valor da moeda.

Há uma outra explicação - a nominalista - segundo a qual o valor da moeda será aquele
que lhe foi aposto. Sendo certo que, com a desmaterialização da moeda, a tendência
nominalista pôde reforçar-se, a verdade é que estamos perante um critério incapaz de
explicar o fenómeno contemporâneo da moeda. Se na Antiguidade Aristóteles definiu o
valor da moeda por referência à lei, segundo a lógica nominalista, não podemos esquecer
que o primado das moedas metálicas na Idade Média e depois o surgimento da moeda
fiduciária contrariaram esse entendimento. Aliás, e com razão demonstrada pelo tempo, os
legistas Acúrsio e Bártolo defenderam que o valor real da moeda predominava sobre o
respetivo valor legal.

Desde muito cedo surgiu uma outra explicação, de índole quantitativista. Xenofonte (séc.
V e IV a.C.) foi um dos primeiros autores a defendê-la. O valor da moeda dependeria da
quantidade em circulação. Jean Bodin (1530-1596) explicou a alta de preços verificada na
Europa no século XVI através do afluxo de ouro da América. No Tratado sobre a Moeda de
Bernard Davanzati (1529-1606), de 1588, o autor estabeleceu uma relação matemática ente
a quantidade de ouro e o nível geral de preços existente. Na senda de John Locke (1632-
1704) ou de David Hume (1711-1776), os economistas clássicos ingleses, à frente dos quais
David Ricardo (1772-1823), também defenderam a teoria quantitativa da moeda, a partir de
uma relação direta e automática entre a circulação monetária e o nível de preços. Ricardo
introduziu, aliás, na sua análise o fenómeno da criação de moeda-papel e o seu efeito
quantitativo.

Na esteira de Ricardo, John Stuart Mill (1806-1873) veio a aperfeiçoar o raciocínio, dizendo
que não bastava ter em conta a moeda em circulação, uma vez que era indispensável saber
o número de vezes que a moeda era dada em pagamento. Pegando nesta ideia, Irving
Fisher (1867-1947), um dos maiores economistas matemáticos dos EUA, formulou a
equação geral de trocas - acrescentando à circulação monetária do papel-moeda e da
moeda metálica a da moeda bancária ou escritural. Para Fisher haveria que estabelecer uma
relação entre o stock monetário em circulação e o volume de transações realizadas:

MV=PQ.
M é a massa monetária imediatamente disponível, moeda metálica, papel-moeda e moeda
escritural e V a velocidade de circulação monetária. P é o nível geral de preços e Q o
volume de transações realizadas.

Em suma, as variações na quantidade de moeda determinam alterações proporcionais no


nível geral de preços, o que significa uma interpretação rigorosa do fenómeno monetário
em termos matemáticos. I. Fisher teve, no entanto, o cuidado de dizer que a sua equação
apenas se aplicaria em períodos normais e não em períodos de crise ou de transição.

Os críticos de Fisher vieram, porém, dizer que a interpretação era incompleta, uma vez que
não se levaria em consideração a moeda entesourada, imobilizada ou inativa. Haveria,
assim, demasiada rigidez na sua interpretação, por não considerar a relação dinâmica entre
o consumo e a poupança.

Por outro lado, Albert Aftalion (1874-1956) veio afirmar que as variações de preços
registavam uma muito maior sensibilidade do que a evolução dos meios de pagamento,
distinguindo comportamentos diferentes na moeda fiduciária e na moeda escritural.
Enquanto o saldo médio dos depósitos se mantém constante o total de pagamentos
realizados por movimentação das respetivas contas pode aumentar. Como veremos adiante,
para Aftalion nem só M e V podem influenciar o nível geral de preços. Tem de se
considerar outros fatores que não estão na equação geral de trocas.

Com o tempo, e perante os factos económicos, foi-se chegando à conclusão de que o


princípio quantitativo, apesar de poder ter pertinência nas análises de períodos longos, não
permite encontrar uma explicação satisfatória relativamente ao valor da moeda. Aliás, a
partir da I Grande Guerra Mundial, encontram-se claros desmentidos da teoria
quantitativa. Na Alemanha, aquando a hiperinflação de 1923, a um acréscimo de massa
monetária de 40 correspondeu uma subida do nível de preços de 400, segundo a análise de
Aftalion. Recorde-se que este processo vertiginoso de depreciação do valor da moeda
conduziu a que um bilhete de elétrico em Berlim no ano de 1923 tivesse o mesmo preço de
uma vivenda na mesma cidade três anos antes! Ora esta disparidade não teve como
contrapartida um proporcional aumento de circulação monetária.

Tendencialmente, a teoria quantitativa não pode deixar de ser considerada. Segundo


Maurice Allais (1911-2010), Prémio Nobel da Economia de 1988, insistiu numa
proporcionalidade entre circulação monetária e o volume de transações, desde que se
introduzisse o elemento tempo na análise e se considerasse a velocidade de circulação da
moeda como função da conjuntura económica. O coeficiente de proporcionalidade não
seria., assim, constante e a lógica quantitativa não seria automática.

A escola de Cambridge introduziu novas interpretações sobre o valor da moeda, partindo


da investigação quantitativa, mas superando-a. Marshall, Robertson e Keynes recusaram
sempre qualquer automatismo à equação geral de trocas, procurando introduzir-lhe fatores
explicativos ligados aos comportamentos e expectativas dos sujeitos económicos. Alfred
Marshall formulou, aliás, uma equação comparável à de Irving Fisher:

M=KPQ.

A única diferença estaria na inclusão do conceito K, algo indefinido (que seria


matematicamente o inverso da velocidade de circulação da moeda) - M:K=PQ - e que
corresponderia à preferência pela liquidez, ou seja, à percentagem de rendimento que os
sujeitos económicos desejam possuir em moeda.

Dennis Robertson (1890-1963) partiu da fórmula de Alfred Marshall (1842-1924),


precisando melhor o conceito K. Segundo esta equação, o nível geral de preços dependeria
da quantidade de moeda e do montante do rendimento que os sujeitos económicos
mantêm líquido, e utilizável imediatamente em moeda. Assim, P=M: (KR). O nível geral
de preços P varia na razão direta da massa monetária M e na razão inversa da reserva
líquida KR, sendo K a preferência pela liquidez e R o rendimento nacional. O nível de
preços não depende apenas da quantidade de moeda, mas também do comportamento
psicológico dos sujeitos económicos.

Os críticos de Robertson vieram, no entanto, dizer que ele apenas tinha em consideração o
rendimento e não as transações, o que não permitia aferir o real valor da moeda. Perante a
crítica, D. Robertson reformulou a sua equação para P'=M: (K'T). P é o nível geral de
preços das transações, T o volume das transações e K' a percentagem sobre o volume de
transações que os sujeitos económicos desejam manter em espécies monetárias líquidas.

John Maynard Keynes (1883-1946) foi quem melhor desenvolveu o conceito de reserva
líquida. Introduziu o conceito de unidade complexa de consumo, que corresponde ao
conjunto de artigos normalmente objeto de aquisição e consumo numa comunidade.
Tendo por centro aquele conceito, Keynes apresentou a seguinte equação:

N= P (K+RK')

N representa a moeda em circulação acrescida das reservas bancárias; P é o preço global da


unidade complexa de consumo, K é a quantidade de unidades complexas de consumo para
cuja aquisição se conserva moeda metálica ou papel-moeda, K' é a quantidade de unidades
complexas para cuja aquisição se conserva moeda escritural, R é a relação mantida entre as
reservas bancárias e os depósitos. Pressupõe-se, assim, um volume de transações constante.
O nível geral de preço varia quando a massa monetária se altera. No entanto, ainda poderia
variar, mas na razão inversa, quando K, K' ou R sofressem modificação. Enquanto K e K’
dependeriam dos hábitos da comunidade R variaria de acordo com a política bancária.

Se é verdade que o próprio J.M. Keynes reconheceu que a sua equação se limitava aos
preços de consumo, o certo é que ela nos permite compreender a interação entre os
comportamentos psicológicos dos sujeitos económicos e a política monetária. Note-se que
na sua célebre Teoria Geral do Emprego, Juro e Moeda (1936), o autor apresentou uma fórmula
muito simplificada para explicar o valor da moeda. J.M. Keynes entendia que só depois de
se alcançar uma situação de pleno emprego o aumento de moeda produziria aumento do
nível geral de preços. P= Y: O, sendo Y as despesas em moeda e O o volume de bens e
serviços produzidos. Assim, os movimentos de moeda apenas se repercutiriam nos preços
em conjunturas de pleno emprego dos recursos produtivos. Como é evidente a primeira
equação de Keynes apenas se aplicaria em situação de pleno emprego.

Knut Wicksell (1851-1926), fundador da escola sueca da economia, deu um contributo


decisivo para o apuramento do valor da moeda. No seu estudo de 1898 sobre o juro e os
preços (Geldzins und Güterpreise) demonstrou que os preços variam segundo as alterações
nos investimentos e que o nível destes depende da taxa de juro nas aplicações de capitais.
Em cada momento haveria uma taxa de juro natural, adequada ao equilíbrio entre a
poupança e o investimento. Se os bancos estipulassem um juro correspondente à taxa
natural a produção desenvolver-se-ia regularmente. Se o juro bancário fosse inferior ao juro
natural, os investimentos cresceriam, o emprego aumentaria, aproximar-nos-íamos do
pleno emprego e o nível geral de preços aumentaria. Quando o juro bancário fosse superior
ao juro natural haveria baixa de produção e desemprego. Assim, para K. Wicksell o valor
da moeda dependeria da variação dos investimentos. Tal como em Keynes, também aqui
só há aumento do nível geral de preços se houver equilíbrio e pleno emprego. Pela primeira
vez, encontramos a moeda inserida numa teoria geral de desenvolvimento económico.

F. von Wieser (1851-1926), da escola austríaca, estuda o valor da moeda em função da


teoria do valor dos bens em geral. Como marginalista entende que o valor da moeda
também depende da importância atribuída à última unidade monetária disponível. No
entanto, esta última utilidade é indireta - tem a ver com o poder de compra dessa unidade
monetária. Eis porque o rendimento assume aqui uma importância fundamental. Quando
o rendimento aumenta, os sujeitos económicos dispõem-se a dar maior número de
unidades monetárias para satisfação das suas necessidades. Logo, os preços tendem a subir
e o valor da moeda a reduzir-se. A equação de von Wieser é, pois, P = R: Q. P é o nível
geral de preços, R o rendimento nominal monetário, Q o volume de transações ou
rendimento real. Assim, as variações de preços não são determinadas automaticamente
pelas alterações da massa monetária, dependendo de apreciações subjetivas. Temos, assim,
que é determinante conhecermos qual a propensão marginal para o consumo e a propensão
marginal para a poupança por parte dos diversos agentes económicos - pode assim haver
acréscimos na massa monetária sem influência no rendimento, e variações no valor da
moeda não originados pelo crescimento da massa monetária. Em princípio segundo a
teoria do rendimento, um aumento de rendimentos traduz-se em acréscimo no volume
de transações ou na velocidade de circulação da moeda.

Albert Aftalion aperfeiçoou as conclusões a que chegou a escola marginalista. Se foi


importante o facto de von Wieser ter posto a ênfase no rendimento e na raridade, a
verdade é que a utilidade da moeda apresenta especificidades que devem ser expressamente
consideradas. Assim, para Aftalion não basta considerar a satisfação de necessidades pela
última unidade monetária, é indispensável ter em consideração a satisfação esperada pela
utilização dessa última unidade monetária. Há, pois, múltiplos fatores a influenciar o valor
da moeda, a partir dos conceitos de raridade e de utilidade - desde as emissões monetárias,
o montante de moeda escritural em curso, os câmbios, às relações com o estrangeiro, a que
acrescem desde as quantidades de bens produzidas e transacionadas ou os respetivos custos
ao clima dos negócios. O valor da moeda dependerá, no pressuposto, de haver um volume
de transações constante, não só do rendimento mas também da previsão das variações
futuras do poder de compra da moeda. As expectativas psicológicas têm um papel
fundamental - a falta de confiança, o pessimismo, as ondas de pânico podem induzir
quebras acentuadas no valor da moeda… Afinal, o valor da moeda depende de um
conjunto complexo de fatores económicos, sociais e psicológicos.

11.4. Procura e oferta de moeda. A criação monetária. Moeda


escritural e multiplicador de crédito.

A procura de moeda no decurso de um determinado período corresponde às somas


adquiridas nesse mesmo período que o agente económico escolhe conservar sob a forma
líquida. Devemos recordar o circuito económico, no qual as famílias, as empresas e o
Estado se relacionam entre si… A procura de moeda está, deste modo, inserida na escolha
do consumidor, no seio das famílias, e na escolha do produtor, no que respeita à empresas.
Já vimos quais os motivos da preferência pela liquidez (transação, precaução e
especulação). Os agentes económicos definem pelos seus comportamentos a procura de
moeda e indicam os fatores económicos que fazem variar essa procura, bem como o
sentido em que atuam. A preferência pela liquidez é influenciada por dois fatores - de
um lado, a taxa de juro; de outro, o rendimento.

O nível da taxa de juro influencia negativamente a preferência pela liquidez, uma vez que
quanto mais alto ele for menor será a tendência para manter a liquidez dos meios
monetários. A taxa de juro é o custo de oportunidade referente à detenção da moeda. A
procura de moeda aparece, assim, como uma função decrescente da taxa de juro.

O nível do rendimento influencia, pelo contrário, positivamente a procura de moeda.


Quanto mais elevado for o rendimento maior será a tendência para deter moeda líquida
apta para a compra de bens e serviços. A procura de moeda surge, assim, como função do
rendimento.

Já analisámos as diferentes formas de moeda - metálica, papel-moeda, escritural - bem


como a quase moeda. Importa agora referir a criação monetária pelos bancos comerciais e
pelos bancos centrais. Como já vimos, a moeda escritural resulta da criação monetária
pelo sistema bancário, correspondendo a operações de escrita, que são lançadas em conta
corrente, apenas existindo movimentos monetários em relação aos saldos, a crédito ou a
débito. A moeda escritural reporta-se, assim, ao conjunto dos “saldos dos depósitos à
ordem no sistema bancário”.

Começando pela banca comercial, verificamos que o crédito bancário dá lugar a criação
monetária. Como é que tal fenómeno decorre? Estamos perante a criação de moeda
escritural. Suponhamos que o Banco A concede um crédito de 1000 Euros à empresa B. A
empresa B vê creditada na sua conta a referida quantia. E com ela procede a pagamentos,
através de depósitos bancários. Os bancos beneficiários desses depósitos vão dispor desses
montantes para realizarem novos empréstimos e esses empréstimos vão gerar novas
despesas, novos depósitos e novos empréstimos.

Tudo se passa de modo semelhante ao que ocorre com o multiplicador de investimentos já


estudado. No entanto, aqui em lugar de nos referirmos à propensão marginal para a
poupança, referimo-nos ao coeficiente de reserva dum banco comercial - que é a
percentagem do montante dos depósitos que deverá ficar sob a forma líquida e que não
poderá ser objeto de empréstimo. Neste caso, partamos do princípio de que o coeficiente
de reserva é de 20%. Ora, sabendo nós que o multiplicador K é igual ao acréscimo de
moeda escritural M a dividir pelo acréscimo de crédito C, e também que K é o inverso
do coeficiente de reserva, então o multiplicador será de 5. K(5)= M (5000) : C (1000)
ou K(5)= 1: 20%.

O crédito concedido pelo banco A de 1000 Euros vai gerar pelo depósito da empresa B no
Banco C a concessão, por parte deste, de créditos no valor de 800 Euros e à manutenção
de uma reserva líquida de 200 Euros… O fenómeno de criação de moeda escritural pelo
sistema bancário vai ocorrer deste modo e de forma sucessiva. A quantidade de moeda
bancária nova (M) criada pelo multiplicador de crédito é obtida multiplicando o montante
do crédito inicial (C) pelo inverso do coeficiente de reserva (5).

A criação de moeda bancária é tanto mais forte quanto o coeficiente de reserva dos bancos
comerciais for mais fraco. Se o coeficiente for apenas de 10% o multiplicador será de 10. À
semelhança do que ocorre no multiplicador de investimento também aqui o efeito só tem
consequências reais se estivermos em situação na qual não há pleno emprego de todos os
fatores de produção.

A moeda criada pelos bancos centrais reveste-se de duas formas - ou a emissão de


notas (papel-moeda) ou a inscrição de uma soma na conta corrente aberta pelo banco
central em nome da instituição de crédito comercial considerada. Assim, a moeda do banco
central é criada quer por ocasião das operações de crédito outorgadas por ele aos bancos
comerciais, quer por ocasião das operações de compra de moeda estrangeira no mercado
cambial (divisas). Assim se estabelece uma relação estreita entre a atividade do banco
central e a economia. À medida que a economia cresce e que o multiplicador de
investimento gera acréscimo de rendimento vai havendo condições para a criação
monetária sem que ela dê origem a inflação.

Os Bancos Centrais têm outras funções além da emissão monetária - a saber, a


supervisão prudencial do sistema financeiro, de modo a garantir a solidez e a confiança
nos intermediários financeiros. Garante-se, assim, por exemplo à banca comercial a
realização das provisões ou reservas indispensáveis à boa saúde financeira do sector. Os
Bancos Centrais poderão ainda ser Caixas centrais do Tesouro, terem a seu cargo a gestão
das reservas cambiais ou serem as Câmaras de Compensação que permitam aos
intermediários financeiros realizarem entre si as operações bancárias de natureza escritural.
Hoje os Bancos Centrais da União Económica e Monetária (UEM) participam no Sistema
Europeu de Bancos Centrais (SEBC), como veremos a seguir.

Para uma boa compreensão do funcionamento da moeda, importa desenvolver algumas


notas sobre a evolução dos sistemas monetários.

I. O sistema tradicional do padrão-ouro entrou em colapso na 1ª Grande Guerra, ainda


que tenha sido restabelecido de forma mitigada e fugaz entre 1925 e 1931 (na fórmula
ouro-divisas). Em 1933, porém, o Presidente Franklin D. Roosevelt (1882-1945)
nacionalizou o ouro na posse dos cidadãos americanos e revogou os contratos nos quais os
pagamentos fossem especificados em ouro. Em Julho de 1944 reuniu-se em Bretton
Woods (New Hampshire) a Conferência que lançaria o novo Sistema Monetário
Internacional (SMI) no pós-Guerra.

Apesar do Reino Unido ter sido representado por J. M. Keynes, a conferência de Bretton
Woods foi marcada por Harry D. White (1892-1948), Subsecretário de Estado do Tesouro
dos EUA. O plano White viria a ser aprovado. Nele o valor das moedas seria definido por
um sistema de paridades fixas relativamente ao Dólar dos EUA. E não já em relação ao
ouro. Indiretamente havia, porém, uma referência ao ouro, uma vez que o Dólar era
convertível em ouro para cidadãos estrangeiros. Uma Onça de ouro fino valia, então, 35
dólares. Assim, as reservas dos bancos centrais passaram a poder ser constituídas por ouro
ou por Dólares dos EUA.

Para gerir este sistema foram criados o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o
Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Banco Mundial). O FMI
teria a seu cargo a correção dos desequilíbrios externos originados no curto prazo e o
BIRD teria a tarefa de apoiar as ações ligadas ao desenvolvimento e ao médio e longo
prazos. O plano de Keynes não foi aceite. Previa a criação de uma moeda internacional, o
Bancor, convertível nas diferentes moedas nacionais e nele se propunham medidas de
acompanhamento e estabilização quer para os países em situação excedentária quer para os
países em situação negativa no tocante aos pagamentos externos.

A evolução da economia mundial conduziu, no entanto, a que a criação monetária em


Dólares tenha ultrapassado largamente as reservas em ouro norte-americanas de Fort
Knox. Em 15 de Agosto de 1971 o Presidente Nixon decidiu, perante a crise do sistema,
unilateralmente pôr fim à convertibilidade internacional do Dólar em ouro - dando um
golpe fatal no sistema monetário. Chegava a desmonetarização do ouro e a instauração
dos câmbios flutuantes. O sistema monetário internacional de Bretton Woods deu lugar a
una lógica regional, deixando de se basear no Dólar no ouro e passando a referir-se aos
Direitos de Saque Especiais (DSE) criados em 1969 como moeda de regularização entre
autoridades monetárias.

II. A história da moeda única europeia remonta à Cimeira de Haia (Dezembro de 1969).
Na sequência do plano Barre sobre cooperação monetária (1968), o Primeiro-Ministro do
Luxemburgo Pierre Werner (1913-2002) foi encarregado, em Março de 1970 da
presidência do grupo especial de estudos para o estabelecimento de um plano por etapas
relativo à União Económica e Monetária - trabalho que culminará no relatório, apresentado
em 8 de Outubro de 1970 à Comissão Europeia e aos governos dos Estados membros.
Estavam lançadas as bases da união monetária, prevendo-se um sistema comunitário de
bancos centrais, a liberalização dos movimentos de capitais e a fixação irrevogável da
paridade entre as moedas europeias, com a transferência de importantes competências para
a Comunidade.

A realização desta união deveria ocorrer, segundo Pierre Werner, em duas etapas. Na
primeira, a começar em 1 de Junho de 1971, definir-se-iam, com reforço da cooperação
entre os bancos centrais, as orientações fundamentais de política económica e monetária.
As margens de flutuação das diferentes moedas da Comunidade seriam contidas em limites
estáveis. A segunda, após um rigoroso balanço feito até ao 31 de Dezembro de 1973, previa
que as ações prosseguidas passassem a uma disciplina mais rigorosa, criando-se um Fundo
Europeu de Cooperação Monetária (FECOM), que praticaria as intervenções necessárias
no mercado de câmbios para manter a coesão monetária dos países membros. Para Werner
seria indispensável, porém, haver um "centro de decisão", um conselho encarregado de
definir a política macroeconómica dos seis, responsável perante o Parlamento europeu,
com poderes acrescidos e eleito diretamente por sufrágio universal.

A Comissão europeia aprovou em 22 de Março de 1971 um Plano, com base no


documento. Aí se previam três etapas, que deveriam culminar na união económica e
monetária, antes do final da década - tendo a França recusado a "ideia" de um centro de
decisão. No ano seguinte (em 7 de Março de 1972) viria a ser criada a Serpente Monetária
Europeia, preparatória do Sistema Monetário Europeu, limitando a 2,25%, para mais e
para menos, a margem máxima de flutuação entre o valor da moeda mais valorizada e da
moeda menos valorizada do sistema.

A crise do Dólar da Primavera de 1971, o Smithtsonian Agreement de Dezembro de 1971 e o


choque petrolífero de 1973 comprometeriam o cumprimento dos calendários e a
concretização do plano. O sistema da serpente não teve resultados satisfatórios. Em 1979
foi inaugurado o Sistema Monetário Europeu (SME). Então foi criada a unidade de
conta europeia ou escudo europeu - o Ecu, European Currency Unit - usando-se o critério da
unidade de conta cabaz, cujo valor era definido com base no peso relativo de cada uma das
moedas dos Estados participantes no SME.

Dez anos depois, Jacques Delors (1925-) lançou um Plano (Abril de 1989) que culminaria
no Tratado de Maastricht (adotado em Dezembro de 1991 e entrado em vigor em 1 de
Novembro de 1993) e na criação da UEM e do Euro. Aí se adotaram critérios de
convergência nominal tendentes à introdução da moeda única: estabilidade do nível de
preços, aproximação das taxas de juro de longo prazo dos níveis verificados nos países com
melhores resultados em termos de inflação, estabilidade da cotação da moeda e da
disciplina das finanças públicas, avaliada em termos de grandeza do desequilíbrio do
orçamento (défice não superior a 3% do PIB) e da dívida pública (não superior a 60% do
PIB).

Em Maio de 1998 os chefes de Governo da Comunidade confirmaram que a União


Económica e Monetária (UEM) começaria a funcionar a 1 de Janeiro de 1999, ocorrendo
a introdução física do euro em 1 de Janeiro de 2002. O grupo fundador foi constituído por
11 países (Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Irlanda, Itália,
Luxemburgo e Portugal). O Reino Unido e a Dinamarca fizeram uso da faculdade que o
Tratado lhes atribuía e ficaram de fora. A Grécia e a Suécia não reuniram condições para
aderir inicialmente – vindo a Grécia a entrar posteriormente (2001). Em 1 de Janeiro de
1999 foram fixadas, definitiva e irrevogavelmente, as taxas a que as moedas nacionais
foram substituídas pelo Euro. Hoje (2020) fazem parte deste sistema de “cooperação
reforçada” 19 dos 27 Estados-membros (além dos fundadores: Grécia, Eslovénia, Chipre,
Malta, Eslováquia e Estónia, Lituânia e Letónia). Se Portugal cumpriu à partida todos os
requisitos de convergência nominal, a verdade é que quer a Bélgica, quer a Itália, quer a
Grécia não cumpriram o limite da dívida pública de 60% do PIB, que ainda ultrapassa os
100%. A posteriori veio a verificar-se que a Grécia também não cumpriu o critério
orçamental.

No caso português, 1 Euro correspondeu a 200,482 escudos. Para servir de base à União
monetária foi criada uma estrutura de base federal constituída pelo Banco Central
Europeu (com sede em Francoforte no Meno) e pelos Bancos Centrais nacionais dos
Estados membros da União - o Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC). As
vantagens da moeda única são de dois tipos: eliminação dos custos de conversão de umas
moedas nas outras para realizar transações internacionais (câmbios); a eliminação dos
custos de incerteza quanto aos câmbios futuros. Há também mais transparência e
concorrência nos mercados.

A desvantagem da moeda única resulta de os Estados não poderem manipular os


instrumentos monetários - taxas de juro de curto prazo e taxa de câmbio da moeda, para
favorecer a competitividade das exportações. Como disse Pierre Werner, "o Euro constitui
uma grande novidade nos mercados financeiros internacionais. Tornar-se-á, sem dúvida,
uma moeda de reserva, sem aspirar necessariamente a um monopólio. A moeda única no
limiar do terceiro milénio é um grande resultado do entendimento entre os homens"
(1998).

III. Em Portugal, de 1977 a 1990, a política monetária obedeceu a uma política cambial de
desvalorização deslizante. A partir de 1986 a taxa de depreciação foi definida abaixo do
diferencial de inflação entre Portugal e os principais parceiros comerciais, a fim de reduzir
esse diferencial. A partir de 1990 e até Março de 1992 a desvalorização deslizante foi
abandonada, vigorando um índice composto pelas principais moedas europeias. Em Abril
de 1992 o Escudo aderiu ao Mecanismo de Taxas de Câmbio do SME, obedecendo à
banda de flutuação de mais ou menos 6%. Em Novembro de 1992, em virtude de um
ambiente de grande turbulência monetária, que determinou o abandono do mecanismo
pela lira e pela libra, o Escudo desvaloriza 6%. E em Maio de 1993 há um realinhamento
adicional de -6,5%, em virtude da situação internacional dos mercados. Em Agosto de
1993, seria definido no âmbito do SME um alargamento das bandas de flutuação do
Mecanismo de Taxas de Câmbio para mais ou menos 15%. O Escudo conheceu, porém,
uma grande estabilidade a partir de então, havendo apenas em Março de 1995 um último
ajustamento de 3,5%.

IV. O impropriamente designado Pacto de Estabilidade e Crescimento foi adotado, no


âmbito da aplicação do artigo 104º do TUE, para garantir a credibilidade do Euro e
consta de dois Regulamentos do Conselho da União Europeia relativos ao reforço da
supervisão das situações orçamentais e à clarificação da aplicação do procedimento sobre
os défices excessivos, bem como de uma Resolução do Conselho, adotada no Conselho
Europeu de Amesterdão de 17 de junho de 1997. Não se trata de um Pacto
intergovernamental, mas de uma Resolução política e de dois instrumentos técnicos
(Regulamentos CE nºs 1466/97 e 1467/97), que podem ser objeto de alteração.

Estamos perante meios de salvaguardar a solidez das finanças públicas na terceira fase da
União Económica e Monetária, de forma a reforçar as condições para a estabilidade de
preços e a garantir um crescimento sustentável conducente à criação de emprego. O
objetivo visado de médio prazo é, assim, o de alcançar posições orçamentais próximas do
equilíbrio (“close to balance”) ou excedentárias, que permitirão aos Estados membros
enfrentar as flutuações cíclicas normais, mantendo o défice público abaixo do valor de
referência de 3% do PIB. No caso de persistência de défice superior a 3% do PIB, não
sendo a situação considerada excecional e temporária, o país fica sujeito a sanções
pecuniárias, que podem assumir a forma de uma multa de montante até 0,5% do PIB.

De acordo com os regulamentos, os países do Euro apresentarão programas de


estabilidade, enquanto os países não participantes na UEM continuarão a apresentar
programas de convergência. Em 1997 falou-se inicialmente apenas de um Pacto de
Estabilidade, tendo, porém, prevalecido o ponto de vista segundo o qual o Crescimento
económico não poderia ficar arredado ou esquecido. Nesse sentido, ainda que timidamente,
foi incluída a referência ao crescimento e à criação de emprego.

V. Em finais de 2002, a Comissão Europeia, perante os sinais de abrandamento e de


recessão económicos, veio a considerar a necessidade de os regulamentos serem
interpretados com inteligência e flexibilidade, tendo em consideração as necessidades de
combate à recessão, de investimento e de criação de emprego, sem prejuízo do
prosseguimento de um esforço de médio prazo para a redução sustentada da despesa
corrente. A violação em 2003 do limite de 3 por cento para o défice orçamental pela França
e pela Alemanha determinou uma proposta da Comissão de aplicação das sanções
previstas, que o Conselho rejeitou. Perante este facto a Comissão suscitou junto do
Tribunal de Justiça a apreciação da conformidade da decisão do Conselho relativamente
aos Tratados da União Europeia. A nova Comissão europeia, investida no Outono de 2004
apresentou ao Conselho Europeu uma revisão dos regulamentos de 1997.
Em 23 de março de 2005 foram alterados os regulamentos de 1997 (através dos
Regulamentos CE nºs 1055/2005 e 1056/2005, publicados a 27 de junho de 2005), no
sentido de um maior realismo e flexibilidade, pondo a tónica no controlo do
endividamento público. Nenhum procedimento será levantado contra um Estado em caso
de haver crescimento negativo ou de se estar num período prolongado de muito fraco
crescimento, enquanto antes se exigia uma quebra de produto de pelo menos 2%. Por
outro lado, um Estado que registe um défice excessivo temporário, próximo do valor de
referência de 3% poderá invocar uma série de “fatores pertinentes”, que evitam o
desencadear do procedimento, ligados ao crescimento potencial, ao ciclo económico, à
concretização de reformas económicas (aposentação, segurança social), às políticas de
investigação e desenvolvimento, aos esforços orçamentais com efeito a médio prazo…

VI. Na sequência do crash de setembro de 2008, as repercussões da crise financeira


conduziram a graves desequilíbrios das finanças públicas nos países europeus – uma vez
que através dos Orçamentos de Estado houve que responder à crise bancária, para evitar
falências em série e o aumento do desemprego. Países que apresentavam superávides
orçamentais passaram a registar desequilíbrios e níveis de endividamento antes
impensáveis, de que é exemplo mais flagrante o da Irlanda, a atingir um défice de 32% em
2010.
Perante a nova situação, em 7 de setembro de 2010, o Conselho dos Ministros da
Economia e Finanças da União Europeia (Ecofin) criou um mecanismo de coordenação
designado como “semestre europeu”. Trata-se de um período de seis meses em cada ano
durante o qual serão analisadas as políticas orçamentais e estruturais dos Estados-Membros
a fim de detetar eventuais incoerências e desequilíbrios emergentes. Tem como objetivo
reforçar a coordenação na fase de preparação das decisões orçamentais fundamentais.
Assim, o Conselho Europeu identifica, em Março de cada ano, os principais desafios
económicos com que se defronta a UE e presta aconselhamento estratégico sobre as
políticas nesta matéria. Tendo em conta estas orientações, os Estados-Membros
apresentam as suas estratégias orçamentais de médio prazo nos respetivos programas de
estabilidade e convergência. Simultaneamente, elaboram programas nacionais de reforma,
que estabelecem as medidas de reforço das políticas públicas em domínios como o
emprego e a inclusão social. Todos estes programas são apresentados em abril. Em julho,
baseando-se nos programas apresentados em abril, o Conselho Europeu e o Conselho da
União prestam aconselhamento político antes de os Estados-Membros ultimarem os seus
orçamentos para o ano seguinte. Estamos perante uma iniciativa do grupo de trabalho
presidido pelo então Presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, tendo em
vista reforçar as disposições europeias em matéria de governação económica.

VII. O Conselho Europeu de dezembro de 2011 adotou um tratado de natureza


intergovernamental (do qual ficariam de fora o Reino Unido e a República Checa) que
permitia reforçar a integração, a disciplina e a convergência no espaço do Euro. O novo
Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica Monetária
(Tratado Orçamental), assinado em 2 de março de 2012, obriga à inscrição na
Constituição, ou lei equivalente, da obrigação de cumprir limites máximos quanto ao défice
orçamental (deve o saldo estrutural anual das administrações públicas atingir o objetivo de
médio prazo específico desse país, tal como definido no Pacto de Estabilidade e
Crescimento revisto, com um limite de défice estrutural de 0,5 % do PIB a preços de
mercado) e quanto à dívida pública (60% do PIB), sob pena da aplicação de sanções. O
tratado entrou em vigor a 1 de janeiro de 2013. Portugal foi o primeiro a ratificar, tendo
alterado a Lei de Enquadramento Orçamental (como lei reforçada) para incorporar a
chamada «regra de ouro» constante do Tratado.

Em dezembro de 2012 houve um acordo entre os membros da União Europeia visando a


criação de uma União Bancária, Mecanismo Europeu de Supervisão Bancária, que
consiste num sistema único, distinto da questão da dívida soberana. Em março de 2014,
verificou-se um acordo político entre o Parlamento Europeu e o Conselho sobre a criação
do segundo pilar da União Bancária, o Mecanismo Único de Resolução (MUR). O
principal objetivo do MUR é garantir que eventuais futuras insolvências de bancos na
União Bancária sejam geridas eficientemente, com custos mínimos para os contribuintes e a
economia real. O MUR é diretamente responsável pelos grandes bancos e por processos
transfronteiriços. Ainda que as regras que regem a União Bancária visem garantir que
qualquer resolução seja financiada, em primeiro lugar, pelo banco e pelos seus acionistas e,
sempre que necessário, parcialmente pelos credores do banco, estará igualmente disponível
outra fonte de financiamento que poderá intervir caso as contribuições dos acionistas ou
dos credores do banco sejam insuficientes. Para fazer face a esta situação, foi criado o
Fundo Único de Resolução (FUR), através de um acordo intergovernamental, que
regerá também as disposições relativas à transferência de contribuições e à mutualização do
FUR.

Foi ainda alcançado um acordo político entre o Parlamento Europeu e o Conselho relativo
à Diretiva sistemas de garantia de depósitos (SGD), que contribui, com o FUR e o
Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), para o terceiro pilar da União Bancária.
Basicamente, a Diretiva SGD fixa em 100 mil euros o limite de proteção dos depositantes.

VIII. No início do ano 2020, a Europa foi confrontada com o desafio de saúde pública
ditado pela pandemia da COVID-19, que rapidamente se tornou na mais violenta crise
económica do pós-guerra. A União Europeia e os seus Estados-Membros foram obrigados
a tomar medidas para ajudar a minorar os danos económicos e sociais, impulsionar a
recuperação europeia, proteger e criar postos de trabalho. A UE apoiou os esforços
nacionais para fazer face à crise sanitária: mobilizou dinheiro disponível do seu orçamento
para lutar contra o vírus; utilizou toda a flexibilidade das regras em matéria de orçamento e
de auxílios estatais e propôs a criação do instrumento temporário SURE, para ajudar a
manter os empregos. Em 27 de maio de 2020, a Comissão Europeia, presidida por Ursula
von der Leyen, apresentou a proposta de um Plano de Recuperação Económica
sustentável, equitativo, inclusivo e justo para todos os países membros. O Conselho
Europeu Extraordinário, presidido pelo belga Charles Michel, de 17 a 21 de julho de 2020
adotou conclusões para a concretização do Plano, que assenta em dois instrumentos de
apoio financeiro principais: o Próxima Geração UE (750 mil milhões de euros para o
período 2021-2024) e o Quadro Financeiro Plurianual (1 074,3 mil milhões de euros
para o período 2021-2027). A este esforço financeiro sem precedentes, acresce o SURE
(100 mil milhões de euros para o período 2020-2022), o Programa de Compras de
Emergência Pandémica do Banco Central Europeu e o Fundo de Garantia Pan-Europeu
do Banco Europeu de Investimento. O Plano começou por ter a resistência dos Países
Baixos, Áustria, Dinamarca e Suécia e sofre também entraves da Polónia e Hungria em
virtude do juízo negativo dos órgãos da EU sobre o desrespeito das regras de Estado de
Direito nestes países.

BIBLIOGRAFIA:

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