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AULA TEÓRICA

(SEMANA 02/11/2020 A 06/11/2020)

Sumário breve:

O Direito Objetivo e o Direito Subjetivo.

Direitos subjetivos absolutos e direitos subjetivos relativos.

Direitos potestativos.

Caducidade e prescrição.

Sumário Desenvolvido:

O Direito Objetivo e o Direito Subjetivo


Direito Objetivo
As normas jurídicas no seu conjunto (ou o ordenamento jurídico) constituem o chamado
“direito objetivo”. Este é legitimado pela função de manter, a partir das suas regras, a paz
social, sendo baseado em critérios de justiça que o legitimam.

O direito objetivo poderá ser definido como um conjunto das normas jurídicas, regras de
conduta entre os homens, legitimado pela função de manter a paz social, baseado em
critérios de justiça e munido de coercibilidade pelo poder do Estado em que o direito tem
a sua origem. A tarefa do direito consiste em garantir uma ordenação justa das relações
(situações) de vida, sendo certo que o critério de justiça, uma questão muito difícil como
ainda veremos, é fluído e varia conforme os tempos e os lugares. Deste modo, o direito
objetivo atribui aos homens, em abstrato, os seus direitos e as suas obrigações; é ele quem
diz o que pertence a uns e o que compete a outros.

Escreve João Baptista Machado: “o Direito é uma ordem de convivência humana com um
sentido – o sentido da justiça. Informado pelo princípio da Justiça, limita-se a definir,
segundo um critério objetivo, o teu e o meu, isto é, limita-se a definir a esfera de liberdade
de cada um em face dos demais e em face da coletividade. Daí que as obrigações impostas
a cada um pelo Direito, correlativas de direitos atribuídos a outros ou à coletividade (…)
sejam dotadas da qualidade particular de juridicamente exigíveis.” Deste modo, por
exemplo, o cumprimento das obrigações de um contrato é juridicamente exigível, sendo
certo que o devedor da obrigação, como homem correto e honesto, se pode sentir ainda
moralmente compelido para efetuar a sua prestação. Ao direito objetivo – o conjunto das
normas jurídicas ou a ordem jurídica – corresponde assim o conceito “direito”.

Direito Subjetivo
Contudo, o conceito de direito não só tem este sentido de direito objetivo, mas ainda tem
um sentido subjetivo. A distinção fica bem expressa no direito anglo-saxónico. Aqui
distingue-se entre law (= o direito objetivo) e right (= o direito subjetivo).

Podemos dizer que temos um direito subjetivo quando alguém, invocando uma norma
precisa do direito objetivo em que se apoia, exige a outrem um determinado
comportamento em conformidade com o conteúdo da norma invocada. Portanto, é sempre
indispensável que haja um fundamento legal em que o pedido se apoia, uma norma
objetiva que atribui o direito subjetivo (Anspruchsnorm)1.

O homem e a sua vida de convivência social é, como referimos, ordenado e disciplinado


por regras. As regras emanam das instituições que regulam um determinado tipo de
relações sociais às quais correspondem várias ordens normativas que se situam a níveis
diferentes. Entre as ordens normativas encontra-se, em primeiro plano, a ordem jurídica.
O direito objetivo atribui ou reconhece às pessoas os seus direitos subjetivos que,
baseadas neste, podem inovar.

Em sentido amplo, “tecnicamente” definir o direito subjetivo como o poder ou a


faculdade, reconhecido ou atribuído pela ordem jurídica (= o direito objetivo) ao seu
titular, de exigir (judicialmente) ou de pretender (extrajudicialmente) de outrem um
comportamento ativo/positivo2 ou passivo/negativo3; ou, então, como o poder de produzir
unilateralmente efeitos jurídicos na esfera de outrem.

Em termos gerais (grosso modo) podemos fazer a seguinte abordagem: temos de separar
no âmbito do conceito de direito subjetivo em sentido amplo, o de direito subjetivo
propriamente dito, em que existem duas modalidades distintas do direito subjetivo, que

1
Veja-se por exemplo por exemplo, os artigos 1311.º (a acção de reivindicação em defesa da propriedade)
e 483.º (o direito de ser indemnizado pelos danos sofridos) ou 2101.º (o direito de exigir a partilha dos bens
da herança), o 1305.º (o direito do proprietário sobre coisas), 914.º (o direito do comprador de exigir do
vendedor reparação da coisa), etc.
2
Por exemplo, realizar uma prestação.
3
Por exemplo, não violar um direito absoluto.
são os direitos subjetivos absolutos (absoluto não é o mesmo que ilimitado) e os direitos
subjetivos relativos, e depois existem ainda os direitos potestativos.

Direito Subjetivo Absoluto


Por (direito subjetivo) absoluto significa que pertencem ao seu titular e excluem todos os
outros e são oponíveis a todos os outros, ou seja, têm efeitos erga omnes, correspondendo-
lhes uma obrigação passiva universal de todos os que os devem respeitar, ou seja, a
obrigação correspondente a um direito subjetivo absoluto é uma obrigação passiva,
porque impõe um comportamento negativo de nada fazer que viole ou interfira com o
exercício do direito, e é universal, porque se impõe a toda a comunidade.
Os direitos subjetivos absolutos são os direitos de domínio e os direitos de personalidade.

Direitos de Domínio
Os direitos de domínio incidem sobre uma coisa determinada, que constitui o seu objeto,
e são direitos absolutos. Serve como exemplo, a definição do conteúdo do direito da
propriedade feita pelo artigo 1305.º que refere que “o proprietário goza de modo pleno e
exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas (= o objeto sobre que incide
o direito da propriedade) que lhe pertencem …”. Estas coisas podem ser corpóreas (um
bem material) ou incorpóreas (um bem imaterial) como depreendemos dos artigos 1302.º,
n.º 1, e 1303.º do Código Civil, que determina que a propriedade intelectual, que é um
bem imaterial, está sujeita à legislação especial. Além disso, ainda podem ser objeto do
direito da propriedade os animais, conforme refere o artigo1302.º, n.º 2).

Direitos de Personalidade
Os direitos subjetivos absolutos não se esgotam nos direitos de domínio, podendo ser
também direitos de personalidade. Isto é, há direitos absolutos que, tendo o seu conteúdo,
não são direitos de domínio (porque não incidem sobre um objeto [uma coisa]), que é o
que acontece com os direitos de personalidade4 ou os direitos de família5, que a lei apenas
descreve ao indicar o seu conteúdo, uma vez que não há objeto.

Portanto, todos os direitos de domínio são direitos absolutos, ao excluir todos os outros,
mas nem todos os direitos absolutos são ao mesmo tempo direitos de domínio.

4
Por exemplo, o direito à integridade física, à vida, ao nome, etc.
5
Por exemplo, as responsabilidades parentais [antigamente designadas por poder paternal] que competem
exclusivamente aos progenitores.
Direitos Subjetivos Relativos
Os direitos subjetivos relativos, ao contrário dos direitos absolutos ou de domínio, são os
direitos de crédito, ou seja, direitos que conferem um direito a uma prestação ao
estabelecerem uma obrigação entre determinadas pessoas. O artigo 397.º diz: “Obrigação
é o vínculo por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de
uma prestação.” (lembramos o exemplo das alíneas b) e c)) do artigo 879.º que prevêem
as prestações recíprocas que vendedor e comprador devem realizar mutuamente). Pelos
direitos relativos ficam vinculadas apenas as partes e os direitos são oponíveis apenas
entre estas. Por isso são direitos relativos, quer dizer, têm apenas efeitos inter partes, ou
seja, as pessoas que celebraram livremente um contrato com base no artigo 405.º. Em
relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente
previstos na lei (artigo 406.º, n.º 2). Portanto, a regra é a de que os efeitos jurídicos
derivados da celebração de um certo contrato, apenas vincula as partes que o outorgaram,
dele resultando direitos e obrigações para as partes no contrato.

Na sua grande maioria, os direitos de crédito são direitos de curta duração (visam, como
vemos no exemplo do contrato de compra e venda, o rápido cumprimento da obrigação e
extinguem-se com ela) enquanto os direitos de domínio são geralmente direitos de longa
duração (como vemos no exemplo no direito de propriedade que não prescreve e não se
extingue com o mero decurso do tempo). Por outro lado, há direitos de crédito muito
relevantes de longa duração que conferem a utilização (o gozo) de uma coisa como, por
exemplo, os direitos que resultam de contratos de arrendamento. A lei designa este tipo
de direitos de crédito como direitos pessoais de gozo. Mas também há muitos direitos de
domínio de curta duração como sucede sempre quando incidem sobre coisas destinadas
ao consumo.

Da violação dos direitos subjetivos


Atendendo aos seus efeitos erga omnes, os direitos absolutos podem ser violados por
todos os que os deviam respeitar, enquanto os direitos relativos (salvo raras excepções),
com os seus efeitos apenas inter partes, só podem ser violadas pelas partes vinculadas.

A violação culposa de um direito relativo tem como consequência a responsabilidade civil


contratual6, uma vez que as obrigações contratuais assumidas pelas partes não foram

6
Ver art. 798.º do Código Civil.
devidamente cumpridas; já a violação culposa de um direito absoluto, pelo contrário, onde
não há um contrato, tem como efeito a responsabilidade civil extracontratual7.

A responsabilidade obriga a parte faltosa ou o lesante a reparar o dano causado. Em


princípio deve ser reconstituída a situação que existiria se não se tivesse verificado o
evento que causou o dano8.

Em qualquer caso, a justificação primordial da responsabilidade é a culpa, um


comportamento censurável que justifica uma sanção. Todavia, sobretudo no campo da
responsabilidade extracontratual, há cada vez mais casos em que existe uma
responsabilidade independentemente de culpa. Aqui temos a chamada responsabilidade
pelo risco: quem tira proveitos de uma atividade lícita que implica riscos responde,
independentemente de culpa sua, pelos danos nos casos em que o risco se concretiza 9.
Nesta responsabilidade civil pelo risco subjaz o princípio ubi commoda, ibi incommoda.

Há ainda a acrescentar que há direitos subjetivos que têm simultaneamente características


de direitos absolutos, excluindo todos os outros, e de direitos relativos, oponíveis só entre
as partes. Isto sucede com certos direitos subjetivos no campo do direito da família.

Temos nomeadamente os direitos que envolvem as responsabilidades parentais que


pertencem exclusivamente aos progenitores10. Mas entre pais e filhos já temos direitos
relativos que os vinculam, como resulta nitidamente do artigo 1874.º, n.º 1, que diz que
pais e filhos se devem mutuamente respeito, auxílio e assistência; e, em sentido
correspondente, surge o artigo 1878.º, n.º 2, que estabelece que os filhos devem
obediência aos seus pais. Em caso algum, os filhos são objetos de domínio dos pais, pois
este entendimento é de todo incompatível com a sua condição humana.

Uma situação semelhante temos com os direitos aos quais correspondem aos deveres
conjugais11. O casamento, ou o estado de casado, tem natureza exclusiva face a
terceiros12, têm natureza absoluta face a terceiros, mas os direitos e deveres resultantes
do casamento são relativos apenas entre os cônjuges.

7
Ver art. 483.º do Código Civil.
8
Ver art. 562.º do Código Civil.
9
Por exemplo, o condutor de um automóvel que, devido a uma falha técnica, causa um acidente responde
pelos danos causados [embora, na realidade, seja o segurador que, em sua substituição, acaba por
indemnizar lesado].
10
Ver artigo 1878.º, n.º 1 do Código Civil.
11
Ver art. 1672.º do Código Civil.
12
Ver art. 1601.º, alínea c) do Código Civil.
Os direitos absolutos e os direitos relativos no seu conjunto chamam-se direitos subjetivos
propriamente ditos.

Os direitos potestativos
Além dos direitos subjetivos propriamente ditos ainda são de referir os chamados direitos
potestativos que conferem à pessoa que é o seu titular o poder de produzir unilateralmente
efeitos jurídicos na esfera de outrem, ou seja, na esfera de uma outra pessoa, sendo que
esta outra pessoa se encontra num estado de sujeição, isto é, de suportar, sem poder reagir,
na sua esfera jurídica os efeitos jurídicos que derivam do exercício deste direito pelo seu
titular.

Por via de regra, os direitos potestativos pressupõem a pré-existência de um direito


subjetivo propriamente dito (ou de uma relação jurídica que confere o direito) a partir do
qual podem vir a nascer e a ser exercidos.

Conforme os efeitos que resultam do seu exercício distinguimos entre direitos


potestativos:

a) Extintivos: Temos, como exemplo, um contrato de arrendamento com os seus


direitos e obrigações de parte à parte; caso o arrendatário não pague a renda
incorre em incumprimento e o equilíbrio contratual (= disponibilização da casa
contra o pagamento da renda) fica perturbado; com base nesta situação nasce para
o senhorio o direito potestativo extintivo no sentido de resolver (por via judicial)
unilateralmente o contrato de arrendamento; em consequência do exercício deste
direito o contrato de arrendamento fica extinto;

b) Modificativos13: Duas pessoas estão casadas e daí resultam para elas os 5 deveres
(e correspondentes direitos) conjugais enumerados no artigo 1672.º; agora, o
casamento corre mal mas os cônjuges não pretendem pôr um fim à relação,
divorciando-se, mas cada um pode pedir a separação judicial de pessoas e bens ao
exercer um direito potestativo modificativo; exercido o direito (por via judicial),
o vínculo conjugal mantém-se mas de forma afrouxada pois cessam os deveres de
coabitação e assistência [mas não o dever de fidelidade]);

13
Pertencem aos direitos potestativos modificativos os poderes de direcção (com grande relevância no
direito do trabalho e aos quais alude o artigo 1152.º “sob a direcção”) que são direitos ligados ao exercício
de uma função.
c) Constitutivos: Podemos aduzir como pressuposto para o exercício de um direito
potestativo constitutivo a existência de uma relação de vizinhança entre prédios,
sendo um deles encravado; aqui, o proprietário do prédio encravado tem a
faculdade de exercer o direito potestativo de constituir uma servidão de passagem
sobre um terreno vizinho; a servidão de passagem é um direito subjetivo novo que
nasceu por efeito do exercício de um direito potestativo constitutivo.

Com o seu exercício, e com os seus efeitos produzidos em virtude deste, ou seja, com a
extinção ou modificação de um direito existente ou com a constituição de um direito novo,
os direitos potestativos extinguem-se, a sua razão de ser acabou e, com isso, o seu fim
ficou esgotado.

Da caducidade e da prescrição de direitos


A caducidade e a prescrição são, como adiante veremos, efeitos jurídicos que ocorrem
devido a um facto jurídico involuntário, o decurso do tempo.

Juridicamente têm significados diferentes.

No que diz respeito ao exercício de direitos, a lei pode prever um período de tempo dentro
do qual os mesmos têm de ser exercidos pelos seus titulares.

Há casos em que a lei sujeita o exercício de um direito potestativo a um prazo e, se dentro


desse prazo, o mesmo não é exercido, ele extingue-se por caducidade.

Por outro lado, a nova situação jurídica criada por efeito do exercício de um direito
potestativo mantém-se, quer isto dizer que um direito ficou extinto, modificado ou
constituído.

No que concerne aos direitos subjetivos relativos, para que o seu titular possa exigir o
cumprimento da obrigação que lhes corresponde judicialmente, deve ser exercido dentro
de certo período de tempo, caso contrário, esse poder de exigir o cumprimento deixa de
ser tutelado (protegido) pelo direito.

Melhor concretizando, a cada direito relativo corresponde uma obrigação como vem
referido no artigo 397.º e o seu cumprimento pode, se for necessário, ser exigido em
tribunal. Falamos aqui de uma “obrigação civil”, que corresponde aos casos normais. Mas
não pode ser assim. Vejamos.
Há direitos relativos aos quais corresponde apenas uma “obrigação natural”. Estes são
“direitos subjetivos mais fracos”. Aqui, o seu cumprimento não pode ser exigido judicial
e coercivamente porque lhes falta a tutela judicial. Quer dizer, o credor apenas pode
“pretender” o cumprimento por parte do devedor, mas não lhe pode “exigir”, sendo certo,
todavia que o seu direito existe e que lhe corresponde uma obrigação – só que natural14.
Por isso, o devedor pode sempre cumprir voluntariamente a sua obrigação15.

Do abuso de direito
Todos os direitos subjetivos conferem ao seu titular sempre um poder, que lhe pertence,
e que o exerce de acordo com a sua vontade. Contudo, o exercício de quaisquer poderes
é sempre (quase por natureza) suscetível de ser abusado ou exercido de forma arbitrária.
Esta constatação é importante se consideramos que todas as relações sociais ou jurídicas
apresentam estruturas de poder em que, muitas vezes, também existe um equilíbrio dos
poderes em causa. A ordem jurídica, porém, não pode confiar que o poder é geralmente
exercido de um modo moderado. Não se pode confiar numa moderação geral do exercício
de um poder. Daí que a ordem jurídica contenha regras contra o exercício abusivo dos
poderes que são inerentes aos direitos subjetivos.

A este propósito, veja-se o art. 334.º do Código Civil.

Páginas a ler: Ángel Latorre, pp. 19-22; J. Baptista Machado, pp. (32-36), 64, 88-90.

14
Ver artigos 402.º a 404.º do Código Civil.
15
Como sucede, por exemplo, quando paga um crédito cujo direito de exigir já prescreveu porque sente o
dever moral e jurídico de cumprir a sua obrigação.

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