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Sumário breve:
Os fins do Direito.
A Justiça Social.
Sumário Desenvolvido:
Os fins do Direito
A Justiça
Como podemos deduzir da definição do conceito “direito objetivo”, os fins da ordem
jurídica são a realização da justiça.
O direito cumpre as suas funções a partir de uma ideia de justiça, que o legitima, sendo
esta ideia aceite (ou, pelo menos, tolerada) pela sociedade. Está em causa a aceitação
social daquilo que se entende por justo porque uma definição objetiva de justiça, perene
e comummente aceite, não existe. O sentir em relação ao entendimento do que é justo
modifica-se no decurso da evolução social e das convicções religiosas e morais e da
realidade económica e varia nas várias sociedades. Por isso, a justiça (inclusive os direitos
subjetivos e seu exercício) deve ser sempre aferida à realidade, deve respeitar a realidade
que resulta da evolução contínua dos conhecimentos, da técnica, da ordem social, do
sentir dos homens e das suas expectativas e deve ser consentânea com elas sob pena de
se criar um desfasamento, fatal para a aceitação da ordem jurídica, entre a realidade social
e as leis. Deve haver uma ligação, uma “comunicação” (uma interação), entre quem faz
as leis e os que as devem seguir. O que significa que a aceitação das leis pelos seus
destinatários é um pilar fundamental da legitimação democrática.
Com os olhos de hoje podemos considerar muitas soluções legais, vigentes no passado,
como injustas embora, na altura, não eram entendidas desta maneira1. Ao direito cabe
realizar a justiça na vida real e social que nos é acessível. E a justiça de que falamos é a
justiça humana, moldada, em termos mais ou menos perfeitos, por leis humanas.
Elementos da justiça
Os elementos da justiça em geral são a “impessoalidade” ao estabelecer limites e medidas
gerais (sem sentimentos pessoais como amor, caridade ou amizade [sendo certo que a
própria amizade é um valor superior ao da justiça]), e a “alteridade” no sentido de a justiça
se orienta para a convivência social (a sua sujeição à evolução contínua do mundo e a sua
orientação para a vida social). Podemos aferir o exemplo da justiça penal: o direito penal
de uma sociedade secularizada e plural só pode intervir para proteger bens jurídicos
fundamentais das pessoas ou da comunidade; só merecem proteção os bens jurídicos de
eminente e superior dignidade; contudo, esta avaliação está dependente das condições da
evolução social.
Mas daí não resulta que, em termos gerais, “nós sermos responsáveis pelo ser dos outros
e os outros são responsáveis pelo nosso ser”. Esta afirmação não corresponde aos
pressupostos da responsabilidade que, em toda a regra, pressupõe atos próprios
livremente (autonomamente) assumidos com os seus riscos inerentes e com a consciência
de responder em pessoa. E neste contexto devemos reconhecer que a auto-
responsabilidade abrange até a possibilidade de um agir que os outros podem considerar
irresponsável. Ser responsável por outrem pressupõe o poder de determinar a conduta
deste (é o artigo 491.º que prevê uma situação deste tipo) o que por regra não é o caso.
1
Como por exemplo, o estatuto da mulher casada no Código Civil de 1867.
Coisa diferente é considerar e respeitar o outro como igual, ser responsável pela sua
condição de homem.
Modalidades da Justiça
Quanto às modalidades da justiça em especial, costuma distinguir-se entre a justiça
comutativa; a justiça distributiva e ainda a justiça contributiva (geral ou legal).
Justiça Comutativa
A justiça comutativa, que assenta no princípio “prestação ↔ contraprestação”, pode ser
voluntária ou involuntária. Ela é voluntária no caso do sinalagma de um contrato bilateral2
e é involuntária3 no caso da obrigação de indemnizar em consequência da prática de um
facto ilícito que destruiu um equilíbrio, que há-de ser corrigido ao restabelecer a situação
que existiria se não tivesse havido o facto danoso.
Justiça Distributiva
A justiça distributiva, que assenta na lógica “prestação sem contraprestação”, tem como
objetivo uma correção da repartição dos bens, tida como injusta, normalmente feita por
meio de prestações sociais atribuídas por organismos públicos a favor de cidadãos
necessitados e merecedores de apoio. É certo, todavia, que ninguém sabe explicar
2
O contrato bilateral é um contrato em que há prestações de ambas as partes como sucede, por exemplo,
no contrato de compra e venda; temos aqui a lógica do “do ut des”, a chamada “Austauschgerechtigkeit”.
Temos um equilíbrio das prestações. Pelo contrário, o contrato unilateral é um contrato em que há uma
prestação de apenas uma das partes como sucede no contrato de doação.
3
Também conhecida como justiça corretiva, no alemão, korrektive” ou “ausgleichende Gerechtigkeit”.
4
Segundo o princípio do do ut des; a “Austauschgerechtigkeit”.
5
Por exemplo, a obrigação de indemnizar, prevista no artigo 483.º do Código Civil como consequência da
prática de um facto ilícito não consentido [“korrektive” ou “ausgleichende Gerechtigkeit”].
convincentemente o que é uma repartição justa dos bens; apenas se pode sustentar que
uma determinada repartição é considerada socialmente como injusta. Também ao direito
sucessório, designadamente quanto à sucessão legal, pode estar subjacente esta ideia de
uma repartição justa dos bens em relação aos herdeiros e à partilha dos bens entre eles.
Justiça contributiva
A justiça contributiva (ou geral ou legal) significa a participação de todos segundo o
critério da igualdade proporcional nos encargos comuns da sociedade. Isto é, há a
igualdade para todos na obrigação de contribuir, mas já não há uma igualdade da
prestação para todos. A prestação de cada um depende da sua capacidade económica de
contribuir6.
A Justiça Social
A tudo isto sobrepõe-se o critério, indeterminado, da chamada “justiça social”. O conceito
goza de uma conotação positiva, mas sem usufruir de um entendimento comum. F. A.
Hayek chama-o um logro. Há sintomas claros que o conceito vem a ser utilizado como
um conceito de combate (Kampfbegriff) por parte de quem pretende introduzir
melhoramentos e/ou regalias sociais em benefício de quem é considerado desfavorecido.
Ao direito cabe, como sabemos, realizar a justiça na vida real e social dos homens, isto é,
na vida real e social que nos é acessível. Esta justiça é moldada, em termos mais ou menos
perfeitos, por leis humanas em sintonia com as condições humanas correspondentes. Por
isso, só podemos falar verdadeiramente de justiça, ou da sua falta, a respeito de situações
ou relações sociais juridificadas, quer dizer, situações ou relações jurídicas sujeitas às
normas jurídicas das leis feitas por homens.
Todavia, há inúmeras situações que nos perturbam e que nos atormentam e que sentimos
como “injustas”, embora não o sejam num sentido estrito: não ocorreu nenhuma violação
de uma lei, não se verifica uma desconformidade com o direito de um Estado mas, não
obstante, resulta delas um desconforto, uma insatisfação ou mesmo uma sensação de
repulsa ou de revolta. Trata-se de circunstâncias não causadas por atos humanos –
nomeadamente por fenómenos da natureza que se verificam independentemente de
6
Por exemplo, em princípio todos devem pagar os impostos sobre os seus rendimentos [= igualdade da
obrigação] mas a taxa dos impostos sobre os rendimentos é progressiva e aumenta em função da soma dos
rendimentos [= proporcionalidade da prestação].
qualquer ação humana – e por isso seria absurdo qualificá-las como injustas embora
possam ser encaradas como tais mas “apenas” apoiadas em sentimentos de compaixão ou
em critérios morais.
Também não é injusto que a natureza distribui de forma desigual a herança genética,
favorecendo uns e prejudicando outros9.
Injusto é, todavia, não tomar medidas preventivas, por exemplo, mediante a intervenção
de serviços de saúde para evitar que nasçam crianças doentes ou diminuídas, ou não
atenuar ou mesmo eliminar os efeitos do infortúnio ou de condições desfavoráveis com
medidas assentes na justiça distributiva como também é injusto tratar situações iguais de
uma maneira arbitrária e não com os mesmos critérios.
7
Como por exemplo, ser fértil ou infértil; bonito ou feio; saudável ou doente; inteligente ou pouco
inteligente; etc.
8
Como por exemplo, o lugar do nascimento, género, nacionalidade, deficiências ou lesões, etc.
9
Por exemplo, ter força de vontade ou não ou condições físicas boas ou não; assim, o êxito desportivo é,
em grande parte, genética ou fisicamente pré-determinado e não só o resultado de treino e disciplina;
portanto, visto assim, o êxito desportivo é resultado de uma “injustiça” em relação àqueles que não possuem
as mesmas características genéticas.
A tendência de juridificar, isto é, sujeitar a normas jurídicas, cada vez mais relações ou
situações sociais sentidas como “injustas”, como por exemplo, um necessitado deixar de
estar dependente de atos de misericórdia ou de caridade e passar a ter um direito subjetivo
público a prestações sociais, é defendida sob o lema da justiça social e caracteriza-se por
regras jurídicas diferenciadas e sempre mais complicadas. Há quase uma obsessão de
sujeitar tudo o que é considerado socialmente inaceitável ou “injusto” ao domínio do
direito com o propósito de criar mais justiça social por meio da juridificação
(Verrechtlichung) de tais situações.
Por outro lado, com frequência nem se pergunta quando alguém está necessitado ou em
dificuldades quais as razões, a evitabilidade, a culpa própria ou as alternativas, mas
sustenta-se simplesmente que estamos perante “injustiças” (ou também discriminações)
que o direito deve resolver ou eliminar. Cria-se uma cultura de vitimização (que tem a
tendência de se manter) em vez de lutar e não se deixar vencer por infortúnio,
contrariedades e derrotas. Assim, a propensão – em princípio bem-intencionada – de
juridificar sob o lema da justiça social um número crescente de ralações sociais
desfavoráveis não está isenta de dúvidas: a ideia da auto-responsabilidade pode ficar
esvaziada; as “circunstâncias” ou as “condições” é que são “injustas”, logo o direito deve
intervir, criando justiça e proporcionando ajudas sociais.
Além disso, quanto mais relações sociais passam a ser juridificadas, ou seja, passam a ser
relações jurídicas, tanto mais aumenta o poder do Estado (de quem emanam as leis) com
os seus meios coercivos e fica diminuído o espaço para as pessoas encontrarem
livremente, de uma maneira autónoma, normas de conduta social pelas quais se
pretendem guiar. E a liberdade acaba mesmo quando o Estado se encarrega de cuidar da
felicidade dos homens.
Portanto, a aplicação estrita da norma, do ius strictum, é o caso normal (quer dizer, vale
o princípio dura lex sed lex), porque só deste modo fica assegurado que o julgador (o juiz)
se mantém vinculado ao rigor da lei, evitando-se possíveis arbitrariedades. Partindo da
lógica que as leis são concebidas em função da justiça, o recurso à equidade, ao ius
aequum, não pode deixar de ser excecional como também resulta do artigo 4.º, a) do
Código Civil que refere “os tribunais só podem resolver segundo a equidade … quando
haja disposição legal que o permita”.
Contudo, a equidade não é contraposta à justiça, mas uma forma específica da mesma:
ela visa a justiça do caso concreto particular. Nessa medida não há uma contradição entre
o ius aequum e o ius strictum. Ambos procuram obter a solução justa e correta. Mas a
respeito da equidade, o perigo da arbitrariedade e imprevisibilidade da decisão sempre
existe; daí as cautelas justificadas do artigo 4.º do Código Civil e sua limitação a casos
singulares. No entendimento tradicional dos antigos juristas, a equidade era uma espécie
de corretivo do rigor da lei, um “amaciador” que atenua com base na misericórdia e em
sentimentos benignos o princípio dura lex sed lex (com todos os riscos da
imprevisibilidade que isto implica).
10
Cfr. Art. 4.º. alínea a) do Código Civil.
11
E como exemplos, temos as soluções encontradas pelos artigos 489.º, n.º 1, e 494.º do Código Civil em
que o recurso à equidade é permitida.
12
Por exemplo, o artigo 483.º do Código Civil.
Resumindo, de tudo o que foi exposto podemos concluir que a ideia geral da justiça não
é facilmente concretizável e depende sempre das realidades que o direito enfrenta.
A segurança jurídica
Além da realização da justiça também a criação de segurança jurídica e certeza constitui
uma finalidade essencial do direito.
Sabemos que, para viver livre e tranquilamente em sociedade, os homens têm de manter-
se dentro dos quadros normativos estabelecidos pelo direito, ou seja, devem respeitar
(para além das regras ordenadoras das várias instituições sociais que são as normas de
conduta social) sobretudo as leis. São unicamente as leis que contêm as regras jurídicas
plasmadas pelo direito objetivo que, por sua vez, reconhece ou atribui os direitos
subjetivos.
Em geral corresponde à convivência entre os homens que tanto as regras de conduta social
como as leis são voluntariamente respeitadas sem qualquer necessidade coerciva. Quer
dizer, as regras são aceites por serem sentidas como adequadas ou justas ou, pelo menos,
são toleradas. Aliás, sem estes pressupostos uma sociedade não pode sobreviver; por
outro lado, a sociedade também não pode dispensar da garantia assegurada pelos órgãos
estaduais13.
13
J. Baptista Machado refere que “… o próprio desenvolvimento do tráfico jurídico moderno é impossível
sem esta segurança adicional constituída pela garantia jurídica. Designadamente, os valores económicos
em circulação adquirem essa qualidade de valores contabilizáveis e transaccionáveis por força da confiança,
e esta confiança é fundamentalmente obra da garantia jurídica de que o direito se reveste. … A exigência
de segurança pode, porém, conflituar com a exigência de justiça. Justiça e segurança acham-se numa relação
de tensão dialéctica”.
b) a certeza jurídica, no sentido de nos conferir segurança quanto à previsibilidade
dos efeitos jurídicos dos nossos atos e decisões que foram praticados de acordo e
dentro dos quadros legais estabelecidos que garantem e, ao mesmo tempo,
também delimitam a liberdade das nossas decisões;
e) a segurança social14.
Há muitas razões em virtude das quais a lei considera a segurança como particularmente
relevante como sucede, por exemplo, quando estão em causa o estado civil das pessoas e
sua capacidade negocial, ou a atribuição (e o conteúdo) de direitos patrimoniais, ou a
circulação de bens onde o comércio jurídico exige confiança, estabilidade e
14
Como a exigência do direito ao trabalho ou, na sua falta, a disponibilização de meios de subsistência
condignos com base na justiça distributiva ou social.
previsibilidade das regras jurídicas, ou no que respeita à fixação de prazos. Aqui as
relações entre justiça e segurança estão em sintonia.
a) O princípio expresso no artigo 6.º do Código Civil que determina que a ignorância
ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as
pessoas das sanções nelas estabelecidas, ou seja, há segurança na aplicação da lei;
b) O caso julgado, quer dizer, quando há um litígio o processo vai a julgamento num
tribunal e termina com uma sentença transitada em julgado (= definitivo, não
recorrível)15. Esta sentença pode ser injusta, pois o tribunal decidiu, como não
pode deixar de ser, com base na “verdade processual”16 e não com base em
elementos extraprocessuais (ou difusos). Pode ser que a “verdade verdadeira” seja
outra mas acabou por não ser considerada pelo tribunal porque não chegou ao seu
conhecimento devido a insuficiências humanas17.
Contudo, havendo trânsito em julgado, o mal está feito. Com o trânsito em julgado
a lei opta, em benefício da segurança (ou da certeza), por pôr termo ao litígio –
15
A noção de trânsito em julgado consta do art. 628.º do Código de Processo Civil.
16
Quod non est in actas non est in mundo.
17
Como por exemplo, erradas interpretações e aplicações das leis por parte do julgador, ou mentiras
proferidas que não se conseguiram desmascarar, a não apresentação de provas ou a sua apreciação errada
ou a não admissão das provas que foram apresentadas fora de prazo ou que foram erroneamente
consideradas como irrelevantes.
que se arrastou ao longo do processo – e chegar a um fim para haver paz (embora
para a parte vencida a paz possa se amarga). Mas o caso julgado nem sempre
significa o fim definitivo: há casos excecionais em que a lei, precisamente para
fazer justiça, permite a revisão de uma decisão transitada em julgado18;
c) A não retroatividade da lei19, sendo a retroatividade uma anomalia que pode ser
um atentado às pessoas atingidas; a não retroatividade da aplicação de uma lei
satisfaz a exigência da segurança e corresponde normalmente também à
preservação da justiça;
18
Sobre o carácter excecional do recurso de Revisão e situações em que o mesmo é admissível, veja-se o
art. 696.º e seguintes do Código de Processo Civil.
19
Cfr. artigos 5.º, n.º 1, e 12.º, n.º 1, do Código Civil e art. 29.º da Constituição da República Portuguesa.
20
A caducidade extingue o direito.
21
A prescrição enfraquece o direito, não o extingue.
22
Refere-se este conceito jurídico à possibilidade de se adquirir um direito por “prescrição aquisitiva”.
23
Cfr. Artigos 298.º e 333.º do Código Civil.
24
Cfr. Artigos 298.º, 301.º, 303.º e 304.º do Código Civil.
25
Cfr. Artigos 1287.º e 1292.º do Código Civil.
26
Falamos aqui de registo civil, registo predial, registo comercial, registo automóvel, registo de navios ou
registo de aeronaves.
aproveita disso e dispõe de novo a favor de um segundo comprador que confia na
inscrição do registo, que mantém a aparência da propriedade em nome do
vendedor, e o segundo comprador, sendo uma pessoa diligente, regista o seu
próprio contrato de aquisição em primeiro lugar, ele adquire a propriedade (à custa
do comprador que não registou). Desta forma, a lei penaliza (castiga) a
negligência de quem não registou e, com a ameaça desta penalização, quer
incentivar a efetivação do registo.
O facto é que não se pode afirmar que a segurança prevalece sobre a justiça, mas antes
que existe uma complementaridade entre ambas.
Mas muitas vezes, a lei recorre a conceitos jurídicos indeterminados ou a cláusulas gerais,
o que sucede em inúmeros preceitos legais, e então parece que a lei quer desmentir a
necessidade da clareza no que respeita à finalidade da norma e que desconsidera a
exigência da precisão quanto ao conteúdo das suas formulações, parecendo deste modo
minar ou subverter a segurança jurídica que deve garantir em primeiro lugar.
Neste contexto temos que ter em conta que as palavras usadas pelas leis estão sujeitas à
evolução linguística que acaba por influir no seu sentido e também no conteúdo dos
conceitos. Basta ler um texto antigo para nos apercebermos como o uso linguístico
entretanto mudou, como o sentido de um conceito é agora diferente. Mas já não temos a
mesma situação quando a lei utiliza, logo à partida, conceitos jurídicos sem um conteúdo
preciso, recorrendo a conceitos jurídicos indeterminados ou a cláusulas gerais.
As cláusulas gerais
Diferente são as cláusulas gerais. Cláusulas gerais incluem conceções ou reflexões que
têm uma conotação valorativa. Por exemplo: as “injúrias graves” (que o artigo 4.º da Lei
do Divórcio de 1910 contava entre as causas do divórcio), a “violação culposa dos deveres
conjugais” (que pela sua gravidade ou reiteração comprometia a vida em comum, assim
o artigo 1779.º do Código Civil, na redação de 1977, entretanto revogado), os “bons
costumes” (artigos 280.º e 281.º, em que a lei, excecionalmente, juridifica a moral, ou
seja, os valores morais positivos gerais, vigentes na sociedade), a “justa causa” (artigo
1170.º, n.º 2), a “violação culposa dos deveres para com os filhos” (artigo 1915.º, n.º 1),
a “boa fé”, um conceito que perpassa todo o articulado do Código Civil, entendida como
padrão ou critério de conduta num sentido objetivo (ver nomeadamente os artigos 227.º,
334.º, 762.º), etc. Aqui a lei estabelece diretrizes gerais a aplicar aos casos concretos que
o juiz decide.
O conceito da boa fé, aqui referida e entendida como um padrão de conduta, uma atitude
que as pessoas devem assumir, é uma regra ou norma de comportamento (Treu und
Glauben) e como tal um critério normativo. Falamos da boa fé objetiva.
Contudo, o conceito da boa fé tem ainda um sentido subjetivo, e aqui falamos da boa fé
subjetiva que corresponde a um estado de espírito como saber ou ignorar, ter ou não ter
conhecimento, confiar ou acreditar (gutgläubig ou bösgläubig). No caso da boa fé em
sentido subjetivo a lei não deixa para todos os casos o conteúdo da cláusula geral
completamente em aberto para ele ser concretizado depois ao resolver um caso concreto,
mas sente a necessidade de o elucidar de acordo com os contextos e a atitude subjetiva e
mental em que o ato a avaliar é praticado como podemos ver nos exemplos seguintes:
artigo 892.º (a lei não define), artigo 291.º, n.º 3 (a lei define), artigo 243.º, n.º 2 (a lei
define, embora num sentido diferente do artigo 291.º, n.º 3) e o artigo 119.º, n.º 3, onde a
lei a define pela negativa, ou seja, pela má fé)27.
27
Pode ler-se a este respeito, Raúl GUICHARD, À volta do princípio da boa fé, Revista de Ciências
Empresariais e Jurídicas, N.º 26, 2015, pp. 33-87.
em critérios políticos e ideológicos e não de justiça (como, aliás, no passado já sucedeu
em larga escala).
Sendo fundamental que as normas jurídicas aceitam e protegem a liberdade, cada homem
tem direito a um máximo da liberdade (pessoal e económica) que é conciliável com a
idêntica liberdade dos outros.
Cada homem tem em relação a qualquer outro homem com que vive em sociedade o
direito de ser respeitado quanto à sua dignidade pessoal e quanto à sua vida, saúde e
integridade física e mental.
Conclusões
Atendendo aos elementos da justiça, deve haver procedimentos criteriosos e equilibrados
na aquisição (atribuição) e protecção dos bens. Quer dizer, a distribuição legítima dos
bens em resultado da justiça comutativa (do ut des) é de aceitar. Os direitos adquiridos
legitimamente (isto é, de acordo com a ordem jurídica) devem ser acatados. Neste sentido,
a ordem jurídica protege o adquirido, havendo naturalmente quem adquiriu mais e quem
adquiriu menos.
Por fim, é de respeitar e cumprir o princípio da justiça distributiva a favor dos realmente
necessitados.
De acordo com as exigências da justiça distributiva (e justiça social) a cada homem deve
ser garantido o mínimo de existência (todos – e isto vale desde já para deficientes, vítimas
de guerras, pessoas com origens desfavorecidas, espécies desconsideradas, etc. – têm o
direito a uma vida humana digna, simplesmente devido à sua condição de ser humano).
Portanto, é preciso criar quadros legais que abarquem estas situações de desfavor para
que a justiça possa funcionar. Os desfavorecidos devem beneficiar, atendendo ao seu grau
de necessidade, de uma redistribuição diferenciada dos bens. Por outro lado, sempre que
possível devem existir, e devem ser estimuladas (!), oportunidades para que os
desfavorecidos possam libertar-se da sua condição.
Por fim acrescenta-se ainda um aspeto, não jurídico: as leis devem também ter em conta
a eficiência económica das suas normas com o objetivo de uma alocação otimizada dos
recursos para evitar o desperdício de meios, sendo certo, todavia, que a eficiência
económica não é um critério de justiça e ainda menos equivale à justiça nem a garante.
Não se pode reduzir o homem a raciocínios económicos.
Páginas a Ler: J. Baptista Machado, pp. 55-59 (59-62); Ángel Latorre, pp. 46-65.