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2019
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O sistema de Justiça da União Europeia pode ser caracterizado a partir da consideração de três
critérios, complementares e interdependentes: critério orgânico, critério funcional e critério processual.
⎯ Critério Orgânico
O artigo 13º/1 TUE define a existência de uma Instituição da União Europeia que recebe o nome
de Tribunal de Justiça da União Europeia, a qual, nos termos do artigo 19º/1 TUE, integra o Tribunal de
Justiça, o Tribunal Geral e os Tribunais Especializados. São estes os Tribunais organicamente
eurocomunitários, os Tribunais integrados na estrutura institucional da própria União Europeia. Uma
Instituição Legal, vários Tribunais. Outra importante singularidade do sistema orgânico de Justiça da União
Europeia resulta da coexistência entre Tribunais organicamente eurocomunitários e Tribunais dos Estados-
membros. Os Tribunais nacionais são também Tribunais da União, no sentido que interpretam e aplicam
Direito da União. Estão, contudo, integrados na estrutura judiciária de cada Estado-membro e julgam de
acordo com o respetivo Direito Processual
⎯ Critério Funcional
Os Tratados são claros no mandato confiado à instituição judicial: garantir o respeito do direito na
interpretação e aplicação dos Tratados (art.19º/1 TUE). O objetivo é o de, mediante a intervenção de um
Tribunal, assegurar o respeito pela tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo Direito da
União. A imperatividade do principio da Tutela Jurisdicional efetiva é fonte de uma obrigação para todos os
Estados-membros, definida pelos Tratados no sentido de os vincular ao estabelecimento das vias de recurso
necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo Direito da União
(art.19º/1), incluindo nesta obrigação a criação de uma estrutura judiciária adequada à garantia da
efetividade plena do Direito da União.
⎯ Critério Processual
O Tribunal de Justiça da União Europeia interpreta e aplica o Direito da União no quadro das vias de
Direito expressamente previstas nos Tratados, identificadas por referência a três modalidades processuais
(art.19/3 TUE):
contenciosas diretas);
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Como qualquer instituição da União, o TJUE está limitado pelo princípio da competência de
atribuição (art.5º/1 e 2 TUE). A missão fundamental de garantir o respeito do direito orienta, em qualquer
caso, a ação do TJUE, mas não legitima o exercício ultra vires do âmbito da sua competência, mesmo que à
luz da justificação eventualmente reclamada pelo reforço da tutela judicial efetiva. Ao TJUE compete
garantir a todos e a cada um o exercício judicial do direito invocado, no quadro das vias processuais
instituídas pelos Tratados. Se não for possível accionar o TJUE, a competência residual pertence aos tribunais
nacionais e serão estes, como o prevê e bem, o artigo 274º TFUE, os guardiões da legalidade.
Em termos puramente jurídicos, e é esta dimensão que ora nos interessa, a União Europeia de
Direito implica uma dupla dimensão:
⎯ Substantiva ou material
No sentido em que a União Europeia está obrigada a respeitar o Direito, sob a forma de normas
adotadas pelas instituições da União competentes, incluindo acordos internacionais bem como sob a forma
de normas e princípios resultantes dos Tratados institutivos, dos princípios gerais de direito e, em geral, do
Direito Internacional Comum. A vinculação normativa que sujeita e enquadra a ação da União, em termos
análogos ao que acontece com o Estado soberano, é garantia da limitação do poder e da prevenção de
derivas autoritárias e anti-democráticas.
⎯ Judiciária
próxima neste aspeto, da matriz estadual do que do modelo de jurisdição facultativa do Direito Internacional
Público, a cada direito há-de corresponder uma via processual de salvaguarda – adequada e vocacionada
para garantir a realização plena da tutela jurisdicional efetiva, tal como a prevê o artigo 47º, parágrafo
primeiro, CDFUE. De modo análogo ao que se verifica na ordem jurídica dos Estados, desde o advento do
constitucionalismo, a limitação jurídica do poder no seio da União Europeia está diretamente ligada à
autonomização da função politica e da função legislativa em relação à função judicial.
O Tribunal de Justiça, no exercício da função jurisdicional da União Europeia, não tem um papel
menor de contida e estrita aplicação da norma vigente. Ao longo de décadas de jurisprudência, com
variações de intensidade, o Tribunal de Justiça tomou como rumo uma certa ideia de Europa e, ao fazê-lo,
impôs uma leitura axiológica dos Tratados, inculcada pela interpretação de base principalista do estatuto
jurídico da União Europeia. Para esta configuração substancialista do dever de julgar, foi determinante, em
particular, a perceção dos Tratados como carta constitucional de uma Comunidade de Direito e, outrossim, a
jurisprudência relativa à proteção dos direitos fundamentais que, durante um período muito longo, supriu a
ausência nos Tratados de uma cláusula especifica sobre direitos fundamentais. Jurisprudência que estaria na
origem da formulação da cláusula aberta do artigo 6º/3 TUE introduzida pelo Tratado de Lisboa. Numa visão
de síntese sobre o papel do TJ, desde os primórdios da década de sessenta até aos nossos dias, é mister
reconhecer que a decisão judicial foi – e continua sendo – um instrumento privilegiado de realização e
ampliação do paradigma da União de Direito.
No entanto, esses meios jurisdicionais não têm necessariamente de provir do sistema de fiscalização
judicial da UE, o qual não foi gizado para proteger diretamente os cidadãos, pois raros são os casos em que
estes têm acesso direto aos Tribunais da União Europeia. Este acesso, em sede de recurso de anulação e de
ação de omissão, sempre esteve sujeito a condições muito restritas. No entanto, tal não significa que os
cidadãos não tenham hipóteses de acionar os seus direitos em juízo. Podem fazê-lo perante os tribunais
nacionais que, por força do efeito direto, da aplicabilidade direta e do primado, participam na função judicial
da UE, aplicando o Direito por ela produzido.
Assim, o princípio da tutela judicial efetiva deve ser entendido como uma forma de compensar o
défice judiciário da UE e como um modo de contribuir para a construção de uma União de Direito e para o
aumento da democraticidade da justiça.
As primeiras formulações deste princípio remontam ao final da década de 60. No caso SPA Salgoil, o
Tribunal afirmou que os órgãos jurisdicionais nacionais deviam assegurar os interesses das pessoas sujeitar à
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sua jurisdição, que poderiam ser afetas por qualquer possível violação do Tratado, mediante a garantia de
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No caso Rewe Zentrale, o Tribunal baseou no atual art.4.º/3 TUE a obrigação de os órgãos
jurisdicionais nacionais assegurarem o efeito direto das normas comunitárias. No entanto, foi na década de
80, no caso Johnston, que o Tribunal qualifica, explicitamente, o princípio da tutela judicial efetiva como um
direito fundamental que se baseia nas tradições constitucionais comuns aos Estados-membros e na CEDH.
Com efeito, os tribunais comuns do DUE são os tribunais nacionais, pois são eles que, em primeira
linha, aplica um número considerável de normas e de atos da União constituídos por disposições
diretamente aplicáveis ou que gozam de efeito direto nos litígios que eventualmente possam ocorrer nas
relações entre particulares ou entre particulares e Estado. Logo, os tribunais nacionais zelam pela aplicação
do DUE na ordem interna dos Estados-membros.
⎯ Equivalência de meios
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As regras processuais relativas às ações de garantias dos direitos que resultam para os particulares
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das normas eurocomunitárias, invocáveis na medida permitida pelo efeito direto, nomeadamente as regras
de legitimidade processual e custas de processo, não podem ser menos favoráveis do que as modalidades
relativas a ações análogas de natureza interna, em que esteja em causa a invocação de um direito
reconhecido por norma interna.
As condições processuais fixadas pela legislação processual nacional aplicável não podem ser
definidas de moda a, como efeito geral ou no caso concreto, tornar praticamente impossível ou
excessivamente difícil o reconhecimento do direito em causa. Saber se determinada exigência processual
dificulta ou inviabiliza o exercício do direito deve ser analisado tendo em conta a colocação da disposição em
causa no conjunto do processo, a tramitação deste e as suas particularidades nas várias instâncias nacionais.
Assim, a exigência relativa à existência de via processual idónea à garantia do direito resultante de
norma eurocomunitária depende de características próprias do sistema jurídico-processual em causa.
No caso Steffensen, o TJUE acrescentou o respeito pelos direitos fundamentais como um dos limites
opostos ao princípio da autonomia processual.
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O Tribunal de Justiça foi criado com o primeiro tratado comunitário. Desde a sua génese, o processo
de integração europeia foi concebido para funcionar como uma estrutura política de direito: preeminência
do Direito, assegurada, quando necessário, pelas vias jurisdicionais adequadas. Este princípio fundamental
de ordenação do sistema comunitário vai inspirar a convicção de que as Comunidades Europeia funcionam
como uma “Comunidade de Direito”.
A existência de um tribunal foi, do mesmo modo, considerada essencial no quadro das duas
comunidades (CEE, CECA) instituídas pelos Tratados de Roma em 1957. O primeiro Tratado de Fusão, de 25
de Março de 1957, determinou que um único Tribunal exerceria as competências que os dois Tratados
atribuíram ao órgão jurisdicional previsto em cada um deles e, por outro lado, este Tribunal iria substituir o
Tribunal criado pelo Tratado CECA.
Com entrada em vigor do TUE, foi associada ao Tribunal de Justiça uma “jurisdição encarregada de
conhecer, em primeira instância (…) certas categorias de ações determinadas”, designada por Tribunal de
Primeira Instância. Instituído em 1989, foi rebatizado pelo Tratado de Lisboa como Tribunal Geral (art. 19º,
n.º1 TUE e art. 256º TFUE). O Tratado de Nice tornou possível a criação, por decisão unanime do Conselho,
de câmaras jurisdicionais “encarregadas de conhecer em primeira instância de certas categorias de recursos
em matérias específicas”. O Tratado de Lisboa clarificou a sua natureza de órgãos judiciais ao chamar-lhes
“tribunais especializados” (art. 257º TFUE). Criado em 2004, o Tribunal da Função Pública da UE é, até ao
momento, o único tribunal especializado da UE.
O art. 13º, n.º1 TUE define a existência de uma instituição judicial chamada Tribunal de Justiça da
União Europeia (TJUE) que, nos termos do art. 19º, n.º1 inclui: Tribunal de Justiça (TJ); Tribunal Geral (TG);
tribunais especializados (a reforma importante de 2016 ditou a extinção do Tribunal da Função Pública e o
abandono da opção pela eventual criação de outros Tribunais especializados, alteração feita no Estatuto).
Uma única instituição, com três tribunais, com a possibilidade de no futuro, Parlamento e Conselho
tomarem a decisão de criar outros tribunais especializados.
expressamente ao Tribunal de Justiça (art. 251º TFUE) ou ao Tribunal Geral (art. 256º TFUE) são visados
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Das decisões dos tribunais especializados cabe recurso para o TG (art. 257º, parágrafo terceiro
TFUE) e, por sua vez, das decisões do TG cabe recurso para o TJ (art. 256º, n.º1, parágrafo segundo, TFUE).
Este sistema de recursos pressupõe uma relação hierárquica entre os tribunais que integram a instituição
judicial da UE. O TJ funciona como verdadeiro tribunal supremo.
2.1.2. Composição
O TJ é composto por um juiz de cada Estado-membro (art. 19º, n.º2 TUE) e assistido por oito
advogados-gerais (art. 252º, parágrafo primeiro, TFUE). A prática garante um adovogado-geral por cada um
dos considerados grandes cinco (Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Espanha) e outros três são
nomeados por rotação entre os restantes Estados-membros. A declaração n.º38 prevê, se o TJ o solicitar, o
aumento para onze advogados-gerais, sendo que assim a Polónia passaria a ter um permanente.
O TG tem, pelo menos, um juiz por Estado-membro (art. 19º, n.º2, parágrafo segundo, TUE). O
Tribunal da Função Pública é composto por sete juízes, podendo o seu número aumentar a pedido do TJ.
Sempre se garantiu, mediante compromisso político, a nomeação de, pelo menos, um juiz por cada
Estado-membro. Este entendimento nunca prejudicou a vocação integracionista do Tribunal e favorece a
autoridade da sua jurisprudência ao garantir o conhecimento das particularidades do sistema jurídico e legal
de cada Estado-membro. Mais ainda, tanto permite a identificação de princípios gerais comuns aos direitos
dos Estados-membros, expressamente previstos no art. 340º TFUE como fundamento de decisão
jurisdicional.
Os juízes e os advogados-gerais são nomeados, de comum acordo, pelos Governos dos Estados-
membros, por um período de seis anos (art. 253º e 254º TFUE). A escolha deve recair sobre as
personalidades mencionadas no art. 253º TFUE. De forma geral, os membros do TJ têm sido recrutados na
esfera judicial, académica e diplomática. Em relação do TG (art. 254º TFUE) e ao Tribunal da Função Pública
(art. 257º TFUE) os requisitos curriculares são menos exigentes e apontam para um perfil mais técnico do
candidato.
A nomeação de ambos está sujeita a um parecer sobre a adequação dos candidatos ao exercício das
funções, elaborado pelo comité previsto no art. 255º TFUE. O comité é composto por sete personalidades,
escolhidas de entre antigos membros do TJ e do TG. Trata-se de uma inovação do Tratado de Lisboa.
Nos temos do art. 253º, parágrafo quinto, TFUE, é o próprio TJ (equivalente para o TG art. 254º)
que nomeia o seu secretário e estabelece o respetivo estatuto. Nomeado por 6 anos, o secretário
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Os juízes escolhem no seu seio, por três anos, um presidente, que pode ser reeleito (art. 253º,
parágrafo terceiro, TFUE e art. 254º, parágrafo terceiro, TFUE).
O estatuto assenta sobre um conjunto alargado de direitos e obrigações que visam tutelar o atributo
primordial da independência e imparcialidade. Quanto às obrigações, destacam-se: o dever de prestar
juramento em audiência pública, e durante a qual assinam uma declaração com a qual se comprometem a
respeitar os deveres inerentes ao cargo; o dever de fixar residência no Luxemburgo; proibição de exercer
qualquer função política, administrativa ou profissional, mesmo que não seja remunerada.
Entre os direitos e benefícios: imunidade de jurisdição total para qualquer ato cometido durante o
mandato; inamovibilidade do mandato, pelo que para ser afastado um membro do TJ tem de ser por
unanime decisão de todos os juízes e advogados-gerais; aplicação das regras sobre privilégios, benefícios e
imunidades previstas para os funcionários e agentes da União.
A preocupação de acautelar de modo eficaz a independência dos juízes estará na base do secretismo
das suas deliberações (art. 35º Estatuto). Só os juízes participam nas reuniões de deliberação, com exclusão
do advogado-geral e dos tradutores-intérpretes. Assim se compreende a existência de uma língua de
comunicação entre os juízes, o francês, e a ausência de declarações de voto.
Ao advogado-geral, que também é membro do TJ, cabe apresentar conclusões fundamentadas sobre
as causas que requeiram a sua intervenção (art. 252º, parágrafo segundo, TFUE). Nas conclusões que
apresenta, analisa o litígio sub judice e propõe uma determinada solução jurídica para o mesmo,
devidamente fundamentada no adquirido jurisprudencial sobre a matéria ou na interpretação divergente
que perfilha sobre a questão.
É de grande importância a função do advogado-geral: para o Tribunal de Justiça que, podendo não
acompanhar o raciocínio do seu advogado-geral, encontra, todavia, nas suas conclusões a expressão
elaborada da opinião valiosa de um perito; para os estudiosos do Direito da União Europeia que toam nas
conclusões uma excelente síntese dos problemas jurídicos em análise e uma leitura critica, ou apenas
retrospectiva, da jurisprudência proferida a propósito daquela questão ou de questões materialmente
conexas, incluindo a remissão para a opinião dos académicos mais representativos do estado da arte.
A figura do advogado geral foi inspirada nos modelos do comissário do governo que funciona junto
do Conselho de Estado francês e do Supremo Tribunal dos Países Baixos.
podemos definir como: de atribuição (i); obrigatória (ii); exclusiva (iii); de pronúncia definitiva (iv).
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⎯ Jurisdição de Atribuição
⎯ Jurisdição Obrigatória
A jurisdição do TJUE é obrigatória, pelo que os Estados a ela estão submetidos em virtude da sua
condição de Estados-membros da UE. O TJ goza de competência obrigatória para dirimir conflitos entre
Estados-membros (art. 259º TFUE), entre a Comissão e Estados-Membros (art. 258º TFUE), entre
instituições da UE (art. 263º e 265º TFUE), entre Estados-membros e instituições da UE (art. 263º, 265º e
268º TFUE) e, finalmente, entre particulares e instituições da UE (art. 263º, 265º e 268º TFUE).
⎯ Jurisdição Exclusiva
A premissa que justifica o regime de exclusividade do ar.t 344 TFUE é a especificidade da UE como
modelo de associação de Estados no quadro global de relações regidas pelo DIP. Por outro lado, o
monopólio de jurisdição estende-se aos litígios de caráter interinstitucional, que opõem uma instituição a
outra.
As decisões proferidas pelo TJ não são passiveis de recurso, ressalvadas as hipóteses de recurso
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Regulamento de Processo), recurso de interpretação dos acórdãos (art. 43º Estatuto, 102º Regulamento de
Processo), retificação de erro material ou de omissão de pronúncia (art. 66º e 67º Regulamento de
Processo), e revisão (art. 44º Estatuto, 98º a 100º Regulamento de Processo)] não prejudicam a natureza
definitiva da jurisdição exercida pelo TJ, porquanto estes recursos são decididos por reapreciação.
A permanente e fecunda representação de “uma certa ideia de Europa” pelo TJ levou-o a reservar a
mais empenhada prioridade interpretativa ao espírito dos Tratados em detrimento da letra dos Tratados. Foi
esta visão reconstrutiva dos textos normativos que tornou possível ao TJ extrair do silêncio dos tratados
princípios fundamentais como o do primado e do efeito direto, garantir a proteção comunitária dos Direitos
Fundamentais, impor aos Estados-membros o dever de indemnizar os prejuízos resultantes de violação do
Direito Comunitário, adaptar a extensão das competências das Comunidades ao escopo integracionista da
atuação das instituições comunitárias.
2.1.5. Competências
Os Tratados atribuem ao TJUE amplas competências de controlo jurisdicional. O art. 19º, n.º3 TUE
define a jurisdição por referência a três áreas fundamentais de competência:
Vários critérios de classificação podem sustentar a construção de uma tipologia das vias processuais
eurocomunitárias. MARIA LUISA DUARTE elege dois critérios fundamentais: o primeiro atende à relação com
uma base jurídica nos Tratados e o segundo que privilegia, no essencial, a função inerente à respetiva via de
direito. Por referência a este segundo critério, cumpre distinguir a função declarativa da função contenciosa.
Ao abrigo da função declarativa, compete ao Juiz da União identificar e interpretar o Direito aplicável a um
litígio concreto pendente nos tribunais nacionais (art. 267º TFUE) ou, então, interpretar os Tratados na
perspetiva de fundamentar um juízo de (in)compatibilidade de um projeto de acordo internacional (art.
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218º, n.º11 TFUE): são intervenções distintas, mas que traduzem uma função de declaração do Direito da
União.
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Ao invés, a função contenciosa abre o TJUE nos conflitos diretos de interesses e direitos, cuja tutela é
reclamada pelas partes no processo. Por sua vez, a função contenciosa foi desdobrada em quatro
modalidades diferentes de ação processual que correspondem, grosso modo, a uma classificação tributária
da natureza dos poderes exercidos pelo Juiz da União: i) o contencioso da legalidade, relativo à apreciação
da questão da legalidade dos atos ou omissões das instituições, órgãos e organismos da União; ii) o
contencioso do incumprimento, que limita a pronúncia do TJ a uma eventual declaração de incumprimento
imputável ao Estado-membro demandado, mas que se distingue do contencioso da legalidade porque estão
em apreciação comportamentos dos Estados-membros e o TJ pode aplicar sanções pecuniárias ao Estado-
membro acusado, mas, em caso algum, pode anular atos de direito nacional; iii) o contencioso de plena
jurisdição, que atribui ao Juiz da União poderes que exorbitam a pronúncia de anulação e se traduzem, por
exemplo, na condenação da União ao pagamento de indemnizações (art. 268º e 340º TFUE) ou na
possibilidade de reformar o ato que aplica uma sanção pecuniária no sentido de reduzir o montante definido
pela autoridade administrativa da União (art. 261º TFUE). Também o contencioso da função pública
resultante de litígios sobre questões pecuniárias (art. 270º TFUE) integra o campo específico da função
contenciosa de plena jurisdição; iv) por via das providências cautelares, o Juiz da União pode assegurar uma
composição provisória dos interesses em jogo, de modo a evitar a produção de efeitos irreversíveis que
esvaziariam de sentido útil a sua pronúncia final sobre o pedido. No recurso de anulação, poderá ser
decretada a suspensão da execução ou da eficácia do ato impugnado (art. 278º TFUE). Em relação a todas as
situações de litigiosidade, o art. 279º TFUE reconhece ao Juiz da União o poder de as apreciar e, se
verificados os pressupostos, as conceder.
O âmbito da competência do TJUE pode ser alargado: 1) por via da cláusula compromissória (art.
272º TFUE); 2) em virtude de um compromisso celebrado entre os Estados-membros relativo a um qualquer
diferendo que os opõe sobre matéria relacionada com o objeto dos Tratados (art. 273º TFUE); 3) através de
um ato unilateral do Conselho que aprove os estatutos de organismos da União (art. 267º, al. b) TFUE).
No exercício dos seus poderes, o TJUE constitui uma jurisdição pluri-funcional. Pode funcionar,
dependendo da natureza dos litígios a dirimir e dos atos de Direito da União a aplicar, como: 1) jurisdição
constitucional, sendo que o TJ vela pela inviolabilidade dos Tratados e dirime os litígios relativos à repartição
de competências entre a UE e os Estados-membros; 2) jurisdição administrativa, para além da sua
competência em materia de contencioso da função pública da União Europeia, o TJUE está investido de
poderes de controlo e de condenação da autoridade administrativa da União; 3) jurisdição internacional,
sendo que o TJ é competente para apreciar litígios entre Estados-membros, que não perderam a sua
qualidade de sujeitos de DIP; 4) jurisdição reguladora, o TJ concretiza um desígnio fundamental quanto à
aplicação homogénea do normativo da União nos diversos Estados-membros, no contexto de sistemas legais
que carregam tradições jurídicas e que podem ser muito diferenciadas; não se trata de uniformizar a
jurisprudência nacional, mas de estabelecer parâmetros ou critérios aferidores do grau admissível de
flutuação decisória por parte do tribunal nacional como único órgão competente para aplicar o DUE ao caso
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concreto, de modo a evitar o “risco grave de lesão da unidade ou da coerência do direito da União” (art.
256º, n.º3, parágrafo terceiro, TFUE).
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O Tratado de Lisboa suprimiu as disposições especiais do ex-artigo 68º e 35º TCE. O âmbito do
controlo jurisdicional foi alargado a domínios em que não estava previsto e reforçado em relação às
matérias do antigo III Pilar. O novo regime de competência do TJUE reflete bem esta arquitetura de “pilares
invisíveis” que resulta do Tratado de Lisboa:
→ Art. 275º TFUE – o TJUE não dispõe de competência no que respeita às disposições de Política
Externa e de Segurança Comum, mas é competente para controlar a observância do art. 40º TUE
e se pronunciar sobre os recursos de anulação instaurados pelos particulares com fundamento na
alegada violação de direitos resultante de medidas restritivas.
→ Art. 276º TFUE – no domínio das matérias que relevam do chamado espaço de liberdade,
segurança e justiça, a competência do TJUE não pode ser exercida em relação às operações
policiais nos Estados-membros, nem incidir sobre o exercício pelas autoridades nacionais das
respetivas atribuições em matéria de ordem pública e segurança interna.
A organização administrativa gira em torno de três funções principais: 1) de apoio ao trabalho dos
membros do TJ; 2) da decretaria judicial, dirigida pelo secretário adjunto que depende hierarquicamente do
Secretário do Tribunal de Justiça; 3) de apoio administrativo geral, sendo de destacar os serviços da
biblioteca, investigação e documentação, informática jurídica e de direção de tradução.
Recurso de anulação
(art.263ºTFUE)
Exceção de Ilegalidade
(art.277º TFUE)
Contencioso da
DIRETAMENTE
responsabilidade
FUNDADAS NO
(art.268º/340º TFUE)
TRATADO
Função Contenciosa
Contencioso da Função
Pública Comunitária
Plena Jurisdição
(art.270º TFUE)
Suspensão da Eficácia do
Ato (art.278ºTFUE)
Providências Cautelares
Providências Cautelares
Atípicas (art.279º TFUE)
O novo tribunal, designado Tribunal de Primeira Instância, foi formalmente instituído pela Decisão
88/591/CE, CECA, Euroatom, do Conselho, de 24 de Outubro de 1988. Este foi considerado oficialmente
instalado em 11 de Outubro de 1989. Com o Tratado de Lisboa, a sua designação passou a ser Tribunal Geral
(art. 19º, n.º1 TUE).
O TG é formado por vinte e sete juízes, nomeados de comum acordo pelos Governos dos Estados-
membros, podendo o número de juízes ser aumentado (art. 19º, n.º2 TUE, art. 254º, parágrafo primeir,
TFUE). O mandato é de seis anos, renovável. Os membros gozam dos mesmos direitos e deveres que os
membros do TJ. O Presidente é nomeado inter pares por três anos.
A figura do advogado-geral não está sedimentada, mas qualquer membro pode ser chamado a
desempenhar a função (art. 49º Estatuto do TJUE).
O TG funciona por secções, compostas por três ou cinco juízes. Em certos casos, especificados no
Regulamento de Processo, pode reunir em plenário ou em formação de juiz singular (art. 50º).
O TG estabelece o respetivo regulamento processual, de comum acordo com o TJ, após aprovação
pelo Conselho (art. 254º, parágrafo quinto, TFUE). O TG nomeia o seu secretário e estabelece o seu estatuto
(art. art. 254º, parágrafo quarto, TFUE).
O TG é competente, os termos do art. 256º TFUE, para conhecer em primeira instância dos seguintes
recursos: recursos de anulação (art. 263º TFUE); recursos por omissão (art. 265º TFUE); ações de
indemnização (art. 268º TFUE); recursos e ações no âmbito da cláusula compromissória (art. 272º TFUE).
O Tratado prevê a competência do TG para conhecer das questões prejudiciais, mas remete para o
Estatuto a determinação das matérias específicas sobre as quais poderá vir a ser solicitado pelos tribunais
nacionais (art. 256º, n.º3 TFUE). A decisão fundamental relativa à repartição de competências entre o TJ e o
TG sobre o processo das questões prejudiciais pertence ao legislador através de uma futura revisão do
Estatuto (art. 281º TFUE).
As decisões proferidas pelo TG podem ser objeto de recurso para o TJ, que incide unicamente sobre
as questões de direito (art. 256º, n.º1, parágrafo segundo, TFUE). O art. 256º TFUE estabelece critérios
especiais de intervenção do TJ sobre decisões proferidas ou a proferir pelo TG:
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decisões;
Aos Tribunais especializados, salvo disposição em contrário do regulamento que os institui, são
aplicáveis as disposições dos Tratados e do Estatuto relativas ao Tribunal de Justiça da União Europeia
(art.257º TFUE); imperativas e aplicáveis a todos os Tribunais da União são as regras constantes do Titulo I
do Estatuto e artigo 64º do Estatuto.
O aumento do contencioso gerado pela aplicação das normas comunitárias esteve na origem da
solução de criar, ao lado do TJ e TG, de competência genérica, tribunais dotados de competência
especializada (art. 19º, n.º1 TFUE).
Este exerceu em primeira instância a competência para decidir dos litígios entre a União e os seus
agentes, nos termos do art. 270º TFUE. Das decisões proferidas pelo Tribunal da Função Pública, cabe
recurso para o TG (art. 257º, parágrafo terceiro, TFUE) e, a título excecional, para o TJ (art. 256º, n.º2,
TFUE).
O Tribunal da Função Pública iniciou funções a 1 de Janeiro de 2006. Por ora abandonada a via dos
Tribunais especializados, o TFP deixou de existir como Tribunal autónomo. A competência para decidir em
primeira instância em processos relativos à função Pública da União Europeia e os lugares de sete juízes do
Tribunal da Função Pública foram transferidos para o Tribunal Geral.
jurisprudência que visou a garantia do funcionamento de um sistema completo e coerente de vias de direito.
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Como o Tratado de Lisboa, e o reconhecimento de força jurídica própria à CDFUE (art.6º/1 TUE), o principio
granjeou consagração expressa no artigo 47º, parágrafo primeiro, da Carta.
A tutela jurisdicional efetiva, como objetivo ultimo da função jurisdicional no Estado de Direito, tem
uma dimensão substantiva de principio constitucional e, ao mesmo tempo, uma dimensão processual que,
no caso vertente dos Regulamentos de Processo do TJUE, justifica e enquadra as soluções adotadas sobre
dois pilares, o da igualdade e o da efetividade.
2.4.1. Igualdade
Toda a pessoa tem direito a uma ação perante um tribunal, incluindo o TJUE quando os Tratados o
prevejam. A exigência da igualdade tem por destinatários os particulares, mas também as outras partes,
Estados-membros, instituições da União e até Estados terceiros.
Em suma, podemos dizer que o processo no TJUE não tem custas, mas tem custos e estes podem ser
avultados, para contornar o obstáculo à ausência de meios financeiros no acesso à justiça, está previsto o
beneficio de assistência judiciária que poderá ser requerido por quem não tiver a possibilidade de fazer face,
total ou parcialmente, às despesas do processo (art.115/1 RP), constituindo este pedido exercício de um
direito fundamental (art.47º CDFUE). Aspeto importante: o beneficio da assistência judiciária está previsto
para as partes no processo principal, mas também pode ser solicitado pela parte no processo nacional no
âmbito de um reenvio prejudicial se no processo nacional lhe tiver sido reconhecido esse apoio e apenas em
relação às despesas não cobertas (art.115/3 RP).
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2.4.2. Efetividade
São conhecidos múltiplos entraves à realização efetiva da justiça no caso concreto. Em rigor, todos
os obstáculos que impedem ou emperram o normal funcionamento dos tribunais e o regular exercício da
função jurisdicional podem ser tratados como limitações à efetividade da tutela jurisdicional. Numa visão
mais focada, e que aqui se regista como a adequada, o problema mais sério, pelo seu impacto negativo, e o
mais resiliente, pela dificuldade de o contrariar sem pôr em causa valores fundamentais como o do principio
do contraditório e o exercício legitimo dos direitos de defesa, é o problema relativo à lentidão da justiça,
com violação do principio imperativo da decisão judicial adotada em tempo razoável.
O principio segundo o qual qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma
equitativa, no decurso de um prazo razoável, foi qualificado pelo TJ como um principio geral de Direito da UE
(Ac Eurofood). No caso Baustahlgewebe, o TJ declarou que imporá apreciar de modo casuístico o que deve
ser entendido por prazo razoável. Neste aresto foram adotados os critérios comummente aplicados pela
jurisprudência do TEDH e que a doutrina, para identificar a orientação do TJ, designa por critérios de
Baustahlgewebw: a importância do litigio para o interessado (1); a complexidade do processo (2); o
comportamento do interessado (3); o comportamento das entidades competentes (4).
Cumpre perguntar o que acontece se a alegação de violação do prazo razoável visar o próprio TJ,
cujas decisões são insuscetíveis de recurso. Nesta situação, seria adequada, por aplicação conjunta, da
Jurisprudência Baustahlgewebw e Gascogne, a instauração junto do TG de uma ação de indemnização por
prejuízos resultantes da pendência do processo por um prazo excessivo. No caso eventual de uma decisão
do TG de rejeição do pedido, com fundamentação contrária à jurisprudência conhecida do TEDH sobre a
matéria, ainda existiria para o lesado o direito de recurso para o TJ (art.256/1 TFUE). No caso de o TJ,
decidindo sobre os efeitos da sua própria demora no processo, negar provimento ao recurso, restaria ao
lesado a via, arriscada mas possível, de uma queixa junto do TEDH. A UE não é, por enquanto, parte da
CEDH, como se prevê no artigo 6º/2 TUE, mas tal não deve impedir, no quadro do que designamos por
triangulo judicial europeu, que os particulares apresentem no Tribunal de Estrasburgo uma queixa dirigida
não contra a UE, mas contra todos os Estados-membros, responsáveis pela atuação de um Tribunal, como é
o TJUE, por supostamente não respeitar os pressupostos do principio do processo equitativo de duração
razoável.
processo é escolhida pelo demandante (art.37/1 RP). Nos processo em que o demandado é um Estado-
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membro (ação por incumprimento), a língua do demandado é a língua oficial do Estado-membro. Nos
Em Portugal, nos termos do Estatuto da Ordem dos Advogados, o exercício da advocacia está
limitado aos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados.
2.5.3. Intervenção
Prevista no artigo 40º ETJ, a intervenção tem a natureza de incidente da instância que permite ao
requerente, terceiro relativamente às partes principais no processo que decorre no TJUE, a participação no
processo em posição acessória, no sentido de apoiar a parte demandada ou a parte demandante no
processo em causa. Estados-membros e Instituições podem intervir em qualquer causa submetida ao TJ ou
ao TG. Já os órgãos e organismos da União devem demonstrar interesse na resolução da causa submetida a
decisão judicial, enquanto os particulares estão arredados da intervenção em processos que envolvam
Estados-membros e instituições da União.
pedidos de reenvio prejudicial que requeiram uma decisão rápida, conquanto não urgente e também ao
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O TJUE carece de competência executória pelo que a execução das suas decisões condenatórias ao
pagamento de obrigações pecuniárias, deve ser solicitada aos tribunais nacionais, mesmo que se trate de
obrigações com força executiva. A condenação pode ter como destinatário um particular, no quadro, por
exemplo, do artigo 261º TFUE e da responsabilidade contratual do artigo 272º TFUE. A execução das
decisões do TJUE constitui um excelente exemplo do funcionamento descentralizado e cooperativo do
contencioso da União Europeia, apoiado, por um lado, no TJUE e, por outro lado, nos tribunais nacionais dos
Estados-membros.
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O reenvio prejudicial, previsto no art. do 267º do TFUE, consiste num mecanismo de interacção
entre os tribunais de cada EM, os tribunais nacionais, e o TJUE. Os tribunais nacionais são os tribunais
comuns da ordem jurídica da UE: estando os órgãos de cada EM vinculados à obrigação de tomarem
medidas adequadas para garantir o cumprimento das imposições que decorram dos Tratados ou direito
derivado e a absterem-se de tomar medidas suscetíveis de fazerem perigar os seus objetivos, e não
dispondo a UE de um aparelho de tribunais próprios destinados a aplicar especificamente as suas normas,
aos tribunais nacionais, no exercício da função jurisdicional, cumpre a aplicação daquele acervo que, atento
os princípios do primado e da efeito direto, convive com as normas internas. No exercício deste “mandato
europeu”, são constantemente confrontados com a necessidade de o interpretar sendo compreensível o
surgimento de dúvidas relativas à aplicação do direito da UE aos casos concretos, facto a que não é alheia a
sua proficuidade e complexidade.
O legislador da UE, ciente do indesejável efeito a que o adágio popular “Cada cabeça, sua sentença”
se refere, mormente para o objetivo declarado de construção de um direito comum que o reenvio serve,
procurou evitar a prolação de soluções judiciais tão diferenciadas quanto o número de tribunais das diversas
ordens jurídicas nacionais, acerca da interpretação e validade do direito da UE, criando, para tanto, o
mecanismo do reenvio.
Convirá notar, a este propósito, que a necessidade da criação de um mecanismo que garanta a
uniformidade de decisões judiciais chamadas a aplicar o direito da UE é inarredável atento o facto da
arquitetura jurisdicional da UE não apresentar uma natureza federal, de estrutura hierarquizada. Se assim
não fosse, o TJUE poderia corrigir as decisões proferidas pelos tribunais nacionais que, eventualmente,
aplicassem o direito da UE erradamente. Não é, todavia, esta a realidade. A UE prescindiu da criação de um
sistema de tribunais próprios, destinados a aplicar exclusivamente o seu direito, pelo que os tribunais dos
EM´s são, como se referiu, os tribunais comuns da ordem jurídica da UE, existindo entre estes e o TJUE uma
relação de cooperação horizontal e não de hierarquia.
interpretação e validade de normas da UE relevantes para o julgamento da causa, pode (e, em alguns casos a
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que adiante nos referiremos, deve) solicitar a pronúncia do TJUE acerca daquelas questões8. A seu tempo,
apreciaremos a sua concretização no iter processual civil português.
Por outro lado, tendo em conta que no contexto da arquitetura do contencioso da UE os particulares
têm um papel residual – é-lhes reconhecida legitimidade ativa em casos contados - o reenvio surge como um
meio idóneo, ainda que indireto, para alcançar o reconhecimento judicial dos direitos que as normas do
acervo comunitário lhes conferem. Nas expressivas palavras de M. NOGUEIRA SERENS, o reenvio representa
uma “vereda que complementa a avenida” do recurso de anulação, “cujo acesso [aos particulares] é
sobremaneira restringida”. Desta perspectiva, o reenvio responde à necessidade de garantir a eficácia do
direito da UE.
⎯ Começa com um incidente de instância que interrompe, por decisão do juiz nacional, o
processo que corre no tribunal de um Estado-membro e que faça suspenso até à pronuncia
do Tribunal de Justiça;
⎯ É um processo entre as partes, no qual os atores principais são os juízes (juiz nacional que
formula a questão prejudicial e o Tribunal de Justiça), sem prejuízo da participação valiosa
de atores secundários sob a forma de observações (art.23º ETJUE);
⎯ É um processo baseado na ideia fértil da cooperação entre juízes da União Europeia, todos
competentes para garantir o respeito do direito na interpretação e aplicação do Tratados, no
âmbito de um diálogo de juiz a juiz.
⎯ A relação de cooperação, de natureza horizontal, não é incompatível com a separação de
funções e a definição de obrigações distintas: ao Tribunal de Justiça compete a interpretação
das normas ou, se for o caso, a apreciação da validade, não devendo estender a sua decisão
à aplicação do direito ao caso concreto, função esta que está reservada ao juiz nacional a
quo; em contrapartida, a decisão do TJ é vinculativa para os Tribunais nacionais que a devem
respeitar na sua inteireza doutrinária, podendo, contudo, no caso de dúvidas, interrogar de
novo o TJ sobre o alcance e sentido do acórdão;
⎯ Alguns autores defendem, em alternativa, uma visão de tipo vertical e quase hierárquica
entre TJ e juízes nacionais, com relevância prática ao considerar, por exemplo, a
imperatividade da obrigação de reenvio. Na opinião da Professora MARIA LUISA DUARTE,
não parece viável ou frutuosa uma contraposição entre a abordagem de tipo vertical e a
abordagem de tipo horizontal. O processo das questões prejudiciais conjuga várias fases,
alternando entre, primeiro, o juiz nacional, depois o juiz da União Europeia e, por último e
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de novo, o juiz nacional. Na primeira fase, compete ao juiz nacional decidir se há lugar ao
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reenvio, embora sujeito a certos deveres de apreciação leal e prudencial. Na segunda fase, a
resposta é matéria da competência exclusiva do Tribunal de Justiça, contanto que respeite a
Dir-se-ia, com intuito de síntese, que o processo de questões prejudiciais continua fiel à ideia
primordial da cooperação entre tribunais, cuja autoridade se define com base no critério funcional e não
com base no critério hierárquico.
A par desta função originária, outra se afirmou com a prática judicial de décadas que fez do
mecanismo das questões prejudiciais um exemplo bem sucedido de cooperação leal e eficaz entre o Tribunal
de Justiça e os Tribunais nacionais. Podemos designar esta função derivada da praxis e da sistemática
própria das vias processuais tipificadas pelos Tratados por função supletiva: o processo de questões
prejudiciais permite suprir as deficiências e lacunas de garantia do direito e tutela jurisdicional efetiva que
resultam das limitações processuais das vias contenciosas previstas nos Tratados, consequência inevitável de
uma opção politica no que respeita ao sistema eurocomunitário de realização da justiça. Os dois exemplos
mais ilustrativos:
⎯ Um particular não pode instaurar uma ação por incumprimento (art.258º e 259º TFUE). A
vigência da norma interna contrária a Direito da União pode ser contestada no tribunal
nacional competente e levar à colocação de uma questão prejudicial sobre a norma
eurocomunitária aplicável ao caso concreto. A combinação entre a teoria do efeito direto, o
principio do primado e o caráter vinculativo da resposta do Tribunal de Justiça tornará
possível o afastamento da norma interna contrária, com um resultado equivalente ao da
ação por incumprimento, na verdade um resultado direto e imediato de desaplicação da
norma interna, logo mais favorável ao particular como titular de direitos reconhecidos pelo
Direito da União. esta função supletiva exclui, contudo, expedientes de abuso de via
processual, como ficou claro na conhecida jurisprudência Foglia c. Novello;
⎯ A apreciação a título prejudicial da validade de um ato normativo da União comporta a
vantagem de completar o controlo de legalidade via recurso direto de anulação (art.263º
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TFUE); naquelas situações em que o particular não pode impugnar diretamente o ato
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normativo, o que poe em causa o principio da tutela jurisdicional efetiva, o artigo 267º TFUE
inviabiliza, por via incidental, mediante iniciativa do juiz nacional, o controlo da validade pelo
TJ.
Em contrapartida, a função supletiva pode acarretar algumas desvantagens para a situação jurídico-
processual do particular: o TJ invocou esta complementaridade para recusar uma interpretação mais flexível
do interesse em agir do particular na impugnação de atos normativos da União; por seu lado, o Tribunal
Geral adota uma visão restritiva do direito do particular de accionar a responsabilidade extracontratual da
União (art.268º TFUE), exigindo o esgotamento prévio das vias de recurso nacionais naqueles casos em que
exista intervenção das autoridades nacionais; se verificados os pressupostos do artigo 267º TFUE, o juiz
nacional deverá suscitar a questão prejudicial de validade sobre o ato normativo da União alegadamente
gerador do dano cuja execução foi levada pelas autoridades administrativas do Estado-membro (Ac. Danzer
c. Conselho
De resto, é da aplicação correcta e uniforme do Direito da União Europeia pelos juízes nacionais que
depende a eficácia do Direito Europeu e, em larga escala, o sucesso da sua própria existência e evolução.
E porque nessa aplicação, para a qual é exclusivamente competente o juiz nacional, é inevitável o
surgimento de dúvidas e de questões, quer quanto à interpretação do direito comunitário, quer quanto à
validade dos actos adoptados pelas instituições da União, com vista a assegurar a interpretação e aplicação
uniformes do Direito da União Europeia pelos tribunais nacionais e, deste modo, alcançar-se a unidade e
coerência do ordenamento jurídico europeu, instituiu-se o mecanismo do reenvio prejudicial, previsto no
art. 267.º do TFUE.
Trata-se de um processo não contencioso, estranho a qualquer iniciativa das partes e assente na
chamada cooperação jurisdicional entre o Tribunal de Justiça e os tribunais nacionais e que tem por
fundamento o respeito recíproco das competências respectivas.
Ou seja, numa relação de cooperação directa entre as jurisdições nacionais e o TJ que, no dizer do
Acórdão do TJCE Foglia/Novello, “comporta uma repartição de funções entre o juiz nacional e o juiz
comunitário, no interesse da boa aplicação e da interpretação uniforme do direito comunitário no conjunto
dos Estados membros”, não se verificando entre as duas jurisdições, qualquer laço de dependência
hierárquica.
É, assim, através de um “diálogo de juiz a juiz”, de «um diálogo técnico de juízes e entre juízes», que
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se apreciará a compatibilidade do direito nacional com o Direito da União Europeia, ficando, deste modo, o
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juiz nacional habilitado a interpretar o direito nacional à luz do Direito da União e autorizado a desaplicar as
normas nacionais desconformes com o Direito da União.
⎯ Que a questão não tinha qualquer relação com o objeto do litigio concreto;
⎯ Que a questão teria por base um litigio entre as partes no processo nacional;
⎯ Que a questão, se respondida, colocaria o TJ na situação de instância consultiva que, em
violação do art.267º TFUE, seria levado a emitir parecer e a tomar posição sobre questões
gerais ou hipotéticas;
⎯ Que a questão carecia de justificação na ausência de informação suficiente sobre as
circunstancias de facto e de direito relativas ao processo pendente no tribunal nacional;
⎯ Que a questão se refere, ou implica, a apreciação da validade de norma nacional, não
cabendo ao TJ avaliar o grau de conformidade ou compatibilidade do direito nacional com o
Direito da União.
Amparado pela presunção de pertinência, invocando o dever de contribuir de modo útil para a
administração da justiça, o TJ limita a recusa de resposta para casos manifestos e excecionais de falta de
pertinência. Verifica-se, na prática jurisprudencial mais recente, uma predisposição favorável à necessidade
de resposta, claramente demonstrada no caso Gauweilwer.
Resulta, assim, uma esfera de aplicação limitada aos seguintes atos normativos ou não normativos:
⎯ Atos de instituições, órgãos e organismos – além dos atos das instituições enumeradas pelo
art.13º/1 TUE, estão abrangidos, como acontece na interpretação, todos os atos imputáveis
aos órgãos e organismos, expressão que neste caso designa um conjunto muito amplo e
diferenciado de estruturas orgânicas de decisão, incluindo agências, observatórios e
institutos.
⎯ Acordos Internacionais – partindo do paralelismo entre a exceção de invalidade (art.267º
TFUE) e o recurso de anulação (art.263º TFUE) que o TJ proclama como critério adequado de
articulação entre vias processuais, um tribunal nacional poderia suscitar uma questão
prejudicial de invalidade sobre norma de acordo internacional celebrado pela União, dado
que a mesma norma poderia ser impugnada pela via direta do recurso de anulação. No caso
de o TJ declarar a invalidade da norma convencional, a UE poderia incorrer em
responsabilidade internacional, salvo se estivessem reunidos os pressupostos do art.46º da
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Não será arriscado assumir que, levado pelo espirito de cooperação e pelo correlativo objetivo de
dar um conteúdo útil à solução do caso concreto no quadro da União, o TJ, na dúvida, aceita a questão
colocada, mesmo que o autor da questão não corresponda, prima facie, à qualificação de órgão jurisdicional.
1) Origem Legal – órgão criado por lei, de forma direta (ato formalmente legislativo) ou indireto
(por ato da função regulamentar)
2) Permanência e caráter obrigatório da sua jurisdição- obrigatoriedade com um possível duplo
alcance, seja no sentido de jurisdição obrigatória (as partes são obrigadas a recorrer àquele
órgão para resolver o litigio) seja no sentido da vinculatividade das decisões proferidas pelo
órgão.
3) Processo com respeito do princípio do contraditório – as partes têm de ter a oportunidade de,
com igualdade de armas, expor e debater as respetivas pretensões processuais.
4) Independência – uma exigência que se repercute na avaliação, por um lado, do estatuto do
órgão em causa para resistir a pressões externas e, por outro lado, se prende com a garantia de
imparcialidade dos membros do órgão, nomeadamente na relação com as partes no processo
(independência externa ou institucional/independência interna ou pessoal).1
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Ac. H.I.D – Para o TJ, a dupla exigência de independência do órgão e imparcialidade dos membros postula a existência
de regras, designadamente no que respeita à composição da instância, à nomeação, à duração de funções, bem como
Da letra do art. 267º TFUE infere-se um sexto critério: deve ser um órgão jurisdicional de um dos
estados-membros, o que exclui os Tribunais internacionais e os tribunais dos países terceiros. São órgãos
jurisdicionais dos Estados-membros aqueles que se localizam no seu território para efeitos de aplicação do
Direito da União (art.355º TFUE). No caso Dior, o TJ admitiu responder a questões colocadas pelo Tribunal de
Justiça do Benelux, um tribunal internacional criado no âmbito de uma união aduaneira formado por três
países, a Bélgica, os Países Baixos e o Luxemburgo. Apesar do estatuto de instância internacional, o Tribunal
do Benelux decidia, no litigio concreto, sobre direito comunitário e as suas decisões eram aplicáveis aos três
Estados-membros da União, pelo que se justificaria uma interpretação uniforme das normas
eurocomunitária em causa.
O mecanismo das questões prejudiciais pode, contudo, ser alargado ao diálogo com juízes dos
tribunais internacionais, dependente de acordo nesse sentido. Como acontece com o chamado Acordo do
Porto, que institui o Espaço Económico Europeu, em relação aos Tribunais dos países integrantes da EFTA.
Continua por resolver a questão mais difícil, e a mais premente, da articulação entre o TJ e o TEDH.
Mais importante, porventura, que a adesão formal da UE à CEDH seria garantir, através de uma qualquer
solução processual o diálogo direto entre as duas jurisdições a propósito da interpretação e aplicação das
normas garantidoras dos direitos fundamentais, comuns ao sistema da União e ao Sistema da Convenção.
Um tribunal arbitral, instituído por acordo entre particulares, cuja intervenção resulta da cláusula
compromissória inserida em contrato de direito privado, não preenche o requisito de obrigatoriedade.
Diferente é a situação de um tribunal arbitral do foro profissional, previsto na lei para dirimir os litígios entre
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às causa s de abstenção, de impugnação, da nomeação e de destituição dos seus membros, que permitam afastar
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qualquer dúvida legitima, no espirito dos que recorrem à justiça, quanto à impermeabilidade da referida instância em
relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto.
as partes em convenções coletivas e cuja intervenção, se solicitada por uma parte, não pode ser impedida
pela outra parte.
No caso Merck Canada, com origem em questão prejudicial suscitada pelo Tribunal Arbitral
necessário, criado pela Lei nº62/2011, de 12 de dezembro, competente para os litígios emergentes da
invocação de direitos de propriedade industrial, o TJ não teve dificuldade em concluir pela admissibilidade
das questões submetidas por um tribunal arbitral cuja competência não resulta da vontade das partes, mas
da Lei nº62/2011, considerando ainda como verificados os demais requisitos sobre a origem legal do órgão,
a natureza contraditória do processo, a independência e a aplicação das normas de direito. O TJ refere
expressamente o artigo 209º/2 CRP que inclui os tribunais arbitrais entre as entidades que podem exercer a
função jurisdicional.
Segundo o entendimento de MARIA LUISA DUARTE, não se pode, contudo, inferir o abandono
definitivo da distinção entre tribunais arbitrais necessários e tribunais arbitrais voluntários. Com efeito, o TJ
reitera a exclusão do que identifica como arbitragem convencional na qual prevalece a vontade das partes
no momento inicial do recurso ao tribunal arbitral e no momento ulterior de observância da decisão arbitral.
Embora integrado num sistema de arbitragem como meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos
em matéria tributária, o Tribunal Arbitral Tributário participa no exercício da função jurisdicional e, aspeto
que aparentemente se tornou determinante para o TJ, as suas decisões são obrigatórias para as partes.
Em todo o caso, a distinção ainda sobrevivente entre, por um lado, tribunais de arbitragem
voluntária e, por outro lado, tribunais de arbitragem necessária ou obrigatória não prejudica o dever, e a
consequente responsabilidade em caso de incumprimento, por parte do Estado-membro de garantir a
integridade da Ordem Jurídica da União Europeia. Mesmo os tribunais arbitrais que não possam colocar
questões prejudiciais, estão obrigados a respeitar o Direito da União, incluindo a jurisprudência do TJ,
cabendo aos tribunais estaduais a fiscalização da decisão arbitral no quadro da legislação nacional aplicável.
Numa situação eventual em que não esteja previsto recurso do laudo arbitral para um tribunal estadual
poderemos admitir que se verifica aí uma violação do principio da cooperação leal (art.4º/3TUE) e da
obrigação de meios prevista no artigo 19º/1, parágrafo segundo, TUE, traduzida na criação de vias de recurso
necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo Direito da União. A
tendência, generalizada e excessiva, de privatização da justiça, confiada a tribunais arbitrais ou afins, de
âmbito interno e transnacional, aponta, por um lado, a conveniência de um entendimento menos restritivo
sobre a admissibilidade de questões colocadas por tribunais arbitrais e, por outro lado, de modo a garantir a
aplicação efetiva do Direito da União Europeia, reclama a existência de vias processuais de escrutínio das
decisões arbitrais quando possa ser posta em causa a interpretação e aplicação uniformes de normas
eurocomunitária.
categoria de Tribunais (art.209/2 CRP). Os julgados de paz são uma alternativa à justiça formal e morosa dos
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tribunais comuns. Nos termos da Lei nº78/2001, de 13 de Julho, são uma instância de natureza mista que
envolve o mediador de conflitos e o juiz de paz. Na vertente mais importante que implica a intervenção de
um juiz de paz, nada parece impedir a sua classificação como órgão jurisdicional, salvo, porventura, a
possibilidade reconhecida pelo legislador de decidir de acordo com a lei ou a equidade. Dependendo do caso
concreto, o juiz de paz, poderá, se as partes assim o acordarem, decidir segundo critérios de equidade, e,
deste modo, dispensar critérios de legalidade estrita.
primeiro a colocar uma questão prejudicial e, desde então, é o mais assíduo cliente do mecanismo do
reenvio, tendo, no total, até 2015, suscitado 62 questões prejudiciais.
Olhando para a ratio legis do artigo 267º TFUE, podemos concluir pela existência de quatro aspectos
fundamentais relacionados com o adequado entendimento do mencionado artigo:
⎯ A existência de uma verdadeira questão prejudicial (“uma questão desta natureza”), isto é,
uma dúvida pertinente de interpretação ou validade sobre norma jurídica eurocomunitária
(dúvida razoável);
⎯ Tribunais “cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno”
devem compreender (1) todos os tribunais supremos na ordem judiciária interna (teoria
orgânica), como serão em Portugal o Tribunal Constitucional, o Supremo Tribunal de Justiça,
o Supremo Tribunal Administrativo e (2) todos os outros tribunais que, no caso concreto, em
virtude da aplicação de regras processuais de restrição da admissibilidade do direito de
recurso, julgam em última instância (teoria do litigio concreto). Embora a questão divida a
doutrina, parece-nos que, considerando o objetivo de uniformidade na interpretação e
aplicação do Direito da União, a obrigação de reenvio se alarga a todos os Tribunais cujas
decisões, sendo definitivas, potenciam o risco de divergência jurisprudencial, à margem da
intervenção uniformizadora do Tribunal de Justiça;
1) Apesar do artigo 267º TFUE não distinguir entre questão de interpretação e questão de validade
quando estipula o dever de reenvio, o TJ decretou no conhecido caso Foto-Frost a obrigatoriedade
de colocar a questão no caso de o juiz nacional pretender declarar a invalidade da norma
eurocomunitária, com fundamento num suposto monopólio do TJ para declarar a invalidade, em
linha com os seus poderes no quadro do recurso de anulação (art.263º TFUE) e da exceção de
ilegalidade (art.277º TFUE). Aos Tribunais nacionais assiste o direito de apreciar a validade do ato e
concluir pela ausência de fundamento de ilegalidade. Em contrapartida, os órgãos jurisdicionais
nacionais carecem do poder para declarar inválidos os atos das Instituições da União, porque uma
tal prerrogativa, gerando divergências de jurisprudência, seria de molda a comprometer a própria
unidade da ordem jurídica eurocomunitária (…) e prejudicar a exigência fundamental da segurança
jurídica. Mais tarde, no caso Zuckerfabrik e Atlanta, o TJ clarificou o âmbito da exceção ao
reconhecer que o juiz nacional, competente para decidir sobre a solicitada suspensão da execução
do ato ou outra medida provisória, tem o direito de decretar medidas de protecção cautelar
baseadas na invalidade da norma comunitária em causa. Trata-se, contudo, de uma pronuncia
sobre a invalidade que é temporária, porquanto se exige ao juiz nacional, competente para decidir
sobre a solicitada suspensão da execução do ato ou outra medida provisória, tem o direito de
decretar medidas de proteção cautelar baseadas na invalidade da norma comunitária em causa.
Trata-se, contudo, de uma pronuncia sobre a invalidade que é temporária, porquanto se exige ao
juiz nacional, depois de deferido o pedido de proteção cautelar, que suspenda a instância e coloque
ao TJ a respectiva e necessária questão prejudicial de invalidade. Por outro lado, a decisão favorável
do juiz nacional à suspensão da eficácia do ato nacional de execução ou à adoção de outro tipo de
medida provisória estará subordinada sempre ao respeito de exigências estritas de justificação da
proteção cautelar, equivalentes às que são aplicadas pelo TJUE enquanto juiz da garantia provisória
de direitos e interesses: a proteção provisória que é assegurada aos particulares perante os órgãos
jurisdicionais nacionais pelo direito comunitário não pode variar consoante se discuta a
compatibilidade das disposições do direito nacional com o direito comunitário ou a validade de atos
comunitários de direito derivado, desde que, em ambos os casos, a impugnação se baseie no próprio
direito comunitário.
No caso CILFIT, a teoria do ato claro no sentido de dispensar o reenvio pelo juiz nacional foi sujeita à
verificação das seguintes condições:
⎯ Sobre as características próprias do direito comunitário – o juiz nacional deve proceder a uma
análise da norma em causa, atendendo ao seu enquadramento sistemático e, em particular,
aos objectivos e ao estádio de evolução do ordenamento jurídico comunitário;
Em suma, a jurisprudência CILFIT identifica a relevância da teoria do ato claro, enquanto exeção à
obrigação reenvio, com uma situação de certeza, em todo o caso de ausência de dúvida razoável. Como
escreve MARIA LUISA DUARTE, exige-se ao juiz nacional o desenvolvimento de um esforço quase titânico
para chegar à conclusão que, afinal, a norma não precisa de ser interpretada pelo juiz comunitário.
Apesar das suas fragilidades lógico-jurídicas, podemos ver na jurisprudência CILFIT, uma
preocupação legitima com a tentação de aplicação abusiva da teoria do ato claro por parte dos tribunais
supremos.
Por força do principio da cooperação leal, os tribunais supremos devem pois, atuar com prudência e
evitar o abuso da teoria do ato claro. Nada impede, contudo, um tribunal supremo ou qualquer tribunal
sujeito ao dever de reenvio de colocar a questão apesar da eventual existência de uma interpretação
evidente e/ou uma jurisprudência constante sobre a matéria. A recolocação da questão é um poder do juiz
nacional. Ao TJ, no quadro do referido principio da cooperação leal, compete responder, ainda que sob a
forma remissiva de um despacho fundamentado, nos termos previstos no artigo 99º do Regulamento de
Processo. No caso Fransson, importante aresto sobre o âmbito de proteção dos direitos fundamentais com
arrimo na CDFUE, o TJ descartou a tese de o recurso obrigatório ao reenvio ficar subordinado à existência de
uma contradição clara entre a norma aplicável e o enunciado do direito fundamental, constante da Carta ou
resultante da jurisprudência relevante: uma tal prática, acabaria por recusar ao juiz nacional o poder de
apreciar plenamente, se necessário com a cooperação do Tribunal de Justiça, a compatibilidade da
disposição controvertida com o direito fundamental garantido pela Carta.
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A teoria do ato claro, nesta sua aplicação como exceção à obrigação de reenvio, está limitada às
questões de interpretação. No caso Gaston Schull, o TJ clarificou a relação entre a doutrina Foto-Frost e a
doutrina CILFIT. Um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso não está
obrigado a colocar a questão se: (1) esta não for pertinente; (2) existe jurisprudência do TJUE que pretende
seguir; (3) a correta aplicação do direito não dá lugar a qualquer dúvida razoável. Não assiste ao órgão
jurisdicional nacional esta margem de decisão no caso de as questões relativas à validade de atos
comunitários. Mesmo que no caso de já existir um acórdão do TJ que declare a invalidade de norma análoga
à norma relevante no caso concreto, o tribunal nacional não se deve respaldar neste precedente para
dispensar o reenvio que é, portanto, obrigatório nos termos da jurisprudência Foto-Frost. Para defender o
seu monopólio de jurisdição no que respeita à declaração de invalidade, o TJ argumenta: mesmo em casos
que possam, à primeira vista, parecer semelhantes, é possível que um exame aprofundado revele que uma
disposição cuja validade está em causa não pode ser comparada a uma disposição já declarada inválida,
devido, designadamente, a um diferente contexto jurídico ou, eventualmente, factual.
Uma vez reconhecida a obrigação de reenvio, eventualmente violada pelo tribunal nacional, são
várias as possibilidades de recurso para os Tribunais – TJUE; TEDH e Tribunais internos:
Nos termos definidos por jurisprudência constante, o princípio do primado, que abrange as decisões
do próprio TJUE, vincula todos os níveis de autoridade dos Estados-membros, incluindo os seus tribunais. Em
teoria, é possível a instauração da ação por incumprimento. Na prática, uma tal possibilidade suscita várias
dificuldades, o que, decerto, explica que a Comissão nunca, até ao momento, tenha avançado para a fase
contenciosa com base neste tipo de acusação a um Estado-membro, embora tivesse tomado a iniciativa de
abrir procedimentos de pré-contencioso contra a Alemanha e contra a Suécia.
Esta solução apresenta algumas dificuldades: a primeira está relacionada com o principio da
separação de poderes, que garante a independência dos Tribunais face ao executivo. Confrontado com uma
hipotética sentença declarativa de incumprimento relativo à violação da obrigação de reenvio por parte do
Estado-membro condenado, responsável pela execução do acórdão do TJ (art.260/1 TFUE), não poderia dar
ordens à respectiva jurisdição suprema. Poderia, é certo, alterar a legislação processual interna no sentido
de explicitar e enquadrar a obrigação de reenvio, mas uma tal ação legislativa não seria garantia suficiente
de acatamento da jurisprudência do TJ sobre o alcance do dever de colocar questões prejudiciais no caso de
não existir da parte do Tribunal Supremo uma atitude cooperante. Ou seja, um acórdão condenatório não
pode ter por efeito eliminar uma característica fundamental do Estado de Direito: a liberdade de apreciação
do Juiz nacional que caracteriza a própria essência da função de julgar.
Finalmente, importa esclarecer: os particulares: os principais lesados com uma recusa de reenvio no
âmbito de um processo nacional em que são partes, não podem instaurar a ação por incumprimento,
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tampouco lhes é possível obrigar a Comissão a fazê-lo, pelo que a sua iniciativa se limitará à queixa dirigida
aos serviços da Comissão relativa à suposta violação da obrigação de reenvio pelo tribunal ou tribunais de
Página
“(…) não podendo uma violação destes direitos por uma decisão de órgão jurisdicional que se tornou
definitiva ser sanada, os particulares não podem ser privados da possibilidade de accionarem a
responsabilidade do Estado a fim de obterem por este meio uma proteção jurídica dos seus direitos.”
Ac. Köbler
⎯ Outra via processual nunca ensaiada, mas aberta aos particulares, é a queixa ao TEDH
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Página
O Tribunal de Estrasburgo, competente para interpretar e aplicar a CEDH, já teve ensejo de julgar
que uma recusa de reenvio por parte de um tribunal nacional constitui violação do direito a um processo
equitativo, previsto no artigo 6º/1 CEDH, sempre que tal recusa se possa configurar como arbitrária.
Segundo a jurisprudência constante, o despacho de reenvio do juiz nacional deve precisar o quadro
factual e normativo do litigio concreto com o adequado desenvolvimento para, sobretudo em áreas de
particular complexidade, como o direito da concorrência ou o direito fiscal, permitir ao TJ uma avaliação da
admissibilidade das questões e as suas implicações no litigio concreto e para o futuro, dado o efeito de
precedente atípico que está associado à autoridade do acórdão proferido a titulo prejudicial.
Compete ao juiz nacional determinar o momento azado para proceder ao reenvio, porque é o dono
do processo nacional e decide de acordo com o conhecimento que tem da fase em que se encontra o litigio
entre as partes.
A decisão de reenvio deve reflectir tanto a posição do juiz nacional sobre a pertinência da questão e
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os argumentos que apontam no sentido de uma determinada resposta como, igualmente, referir a posição
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das partes no processo nacional. Não o fazer ou limitar-se a uma descrição excessivamente sucinta ou
fragmentária pode levar o TJ a considerar que a questão não está devidamente fundamentada na sua ligação
prejudicial com o litigio concreto.
No Direito Português, a forma deve ser a do despacho, tal como previsto no artigo 152º/4 CPC,
aplicável como lei processual subsidiária no âmbito do processo administrativo, do processo penal, do
processo de trabalho e de outros ramos específicos do direito processual. A decisão do juiz português de
ordenar a suspensão da instância na sequência do despacho não é facultativa, é obrigatória em virtude do
artigo 23º do Estatuto do Tribunal de Justiça (art.269º/c) CPC).
Ainda que com dúvidas, a Professora MARIA LUISA DUARTE tende a considerar que o despacho de
reenvio não admite recurso interno, com base no artigo 630º/1CPC. É certo que o despacho de reenvio não
traduz o exercício de um poder discricionário do juiz, dadas as limitações decorrentes da letra do artigo 267º
TFUE e da jurisprudência desenvolvida pelo TJ em torno da ideia do dever de colocar a questão prejudicial.
Não obstante, e conformemente à visão que sustentamos sobre a competência do juiz da causa como
expressão de um dever prudencial, é razoável assumir que estamos perante um despacho através do qual o
juiz decide matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador (art.152º/4 CPC).
2) Notificação do despacho de reenvio aos interessados (as partes no processo nacional, todos os
Estados-membros, a Comissão, a instituição, órgão ou organismo que adotou o ato cuja
interpretação ou apreciação de validade é solicitada) para a apresentação de observações
escritas, no prazo de dois meses a contar da data do ato de notificação (art.23º ETJ; 96º e 97º);
3) Retirada do pedido (art.100º RP) – o tribunal nacional pode notificar o TJ da sua decisão de
retirar o pedido; na sequencia de vicissitudes processuais que prejudicaram a necessidade do
reenvio. No quadro do espirito de diálogo e cooperação entre juiz nacional e TJ, aquele não pode
deixar de manter este informado de todos os elementos relevantes para a apreciação do pedido,
incluindo a sua reformulação à luz de novos desenvolvimentos no processo interno.
5) Resposta mediante despacho fundamentado (art.99º RP) – modalidade de decisão que permite
ao TJ, verificada a existência de jurisprudência relevante e consolidada sobre a matéria em
causa, uma resposta através de despacho fundamentado. Como aplicação concreta do diálogo
entre juízes que caracteriza o mecanismo processual do artigo 267º TFUE, o TJ pode, ainda, em
função da jurisprudência anterior que indica, solicitar ao órgão jurisdicional de reenvio se deseja
ou não manter determinada questão; também pela via mais expedita do despacho, o TJ pode
recusar a resposta por razoes de inadmissibilidade da questão.
6) Audiência para alegações orais (art.76ºRP), na qual podem participar os interessados que
submeteram observações escritas e também aqueles que, constando do rol previsto no artigo
23º ETJ, não participaram na fase escrita (art.76º/3 e art.96º/2 RP).
8) Acórdão ou despacho, lido em audiência pública, cuja data é previamente notificada aos
interessados (art.88ºRP); contrariamente aos acórdãos e despachos sobre processos
contenciosos (art.158ºRP), os acórdãos e processos sobre processos prejudiciais não são
passiveis de interpretação pelo TJ: qualquer dúvida sobre o alcance e o sentido da jurisprudência
definida pelo TJ deve ser resolvida pelo órgão de reenvio ou, se o achar necessário, pode voltar a
solicitar ao TJ o esclarecimento de dúvidas subsistentes pela via da colocação de novas questões
prejudiciais (art.104º RP).
decisão pendente o justifique: o prazo de dois meses para apresentar observações escritas
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(art.23º ETJ) pode, por exemplo, ser reduzido para 15 dias, seguido da marcação imediata da
data da audiência (Gogova).
10) Tramitação urgente (art.107º - 114º RP) – no âmbito material do chamado Espaço de Liberdade,
Segurança e Justiça (art.67 e seguintes TFUE), por iniciativa do tribunal de reenvio ou,
excecionalmente do próprio TJ, o pedido prejudicial é passível de ser apreciado em tramitação
urgente com o objetivo de alcançar uma decisão muito mais célere: em média, 2 meses por
comparação com a duração média de instância de um pedido prejudicial que foi, em 2015, de
15,3 meses. A tramitação prejudicial acelerada exige maiores sacrifícios de gestão de tempo
processual disponível, com eventual prejuízo para o cabal esclarecimento das questões em
pauta, com a redução drástica de prazos e mesmo a amputação de fases processuais, como seja
a fase escrita do processo (art.111º RP) e as conclusões do advogado-geral, substituídas pela sua
audição (art.112º RP).
O efeito que designamos por precedente atípico resulta da autoridade do acórdão proferido a titulo
prejudicial em relação a questões futuras materialmente idênticas. Trata-se de uma vinculatividade de raiz
funcional que exclui a relação hierárquica típica do efeito do precedente na relação entre Tribunais
Supremos e Tribunais subordinados. Não se pode falar, com propriedade, em efeito de caso julgado por não
estarmos perante um processo contencioso. Será, todavia, apropriado identificar no acórdão interpretativo a
autoridade da coisa interpretada, também no sentido da decisão definitiva insuscetível de recurso. Dado o
caráter definitivo da pronuncia do TJ, a única forma de obrigar a reexaminar a resposta constante do
acórdão será através da recolocação da questão prejudicial.
princípio do primado, pode até justificar que um juiz nacional não siga a orientação do Tribunal Superior
Nacional se esta for contrária à Jurisprudência do TJUE. O primado do Direito da União Europeia não é,
contudo, absoluto e incondicional. Os limites ao primado resultam, em primeiro lugar, do Direito da União
quando o artigo 4º/2 TUE, compromete a União com o respeito do principio da identidade nacional tal como
reflectido nas estruturas politicas e constitucionais dos Estados-membros; e, bem assim, quando o art.53º
CDFUE ressalva o nível mais elevado de proteção dos direitos fundamentais. No quando português, com
respaldo direto no artigo 8º/4 CRP, o juiz português, do Tribunal comum ou do Tribunal Constitucional, deve
recusar a aplicação da jurisprudência do TJ se esta colidir, de forma clara, com princípios fundamentais do
Estado de Direito Democrático. Não se trata, contudo, de uma solução que o TJ admita num contexto futuro
ou hipotético quando questionado sobre essa possibilidade (Ac. Gauweiler).
A autoridade do acórdão, vinculando o juiz do caso concreto, o juiz de recurso e os juízes que no
futuro sejam confrontados com casos materialmente idênticos, não impede, contudo, a revisitação do
processo das questões prejudiciais. O TJ poderá, de novo, ser instado a esclarecer sobre dúvidas
relacionadas com o conteúdo do acórdão interpretativo proferido: seja porque a resposta dada pelo TJ foi
insuficiente ou padece de falta de clareza (AC. Steen), seja porque o Tribunal nacional alimenta a convicção a
respeito da possibilidade de uma alteração da jurisprudência existente sobre a matéria, no quadro próprio
do diálogo juiz a juiz que mais se justifica no caso de jurisprudência antiga ou ultrapassada por
circunstâncias supervenientes, nomeadamente, jurisprudência entretanto definida pelo TEDH (AC. Roquette
Frères).
A norma ou ato declarados inválidos não estão mortos, apenas em situação de coma jurídico. A sua
eliminação definitiva da ordem jurídica eurocomunitária depende de um ato de revogação que, da parte do
autor do ato, concretiza um dever cujo fundamento é o principio da cooperação leal, tal como enunciado
pelo artigo 13º/2 TUE, conjugado com o artigo 266º TFUE, aqui aplicável por analogia (AC. Van Landschoot).
Mesmo que a Comissão não seja a autora do ato declarado inválido e, se for necessário, a sua substituição
por um regime normativo compatível com as exigências de legalidade identificadas pelo Juiz da União.
inválido no perímetro do litigio concreto. Ao autor do ato compete a sua revogação e a garantia da sua
Página
efectiva neutralização, daqui resultando, eventualmente, outro tipo de obrigações para as administrações
nacionais em sede de execução.
O efeito retroactivo do acórdão interpretativo pode, de acordo com a doutrina defendida no caso
Kühne, limitar a natureza definitiva de uma decisão administrativa. Recorrendo mais uma vez à força
jurígena do principio da cooperação leal, previsto no artigo 4º/3 TUE, o TJ concluiu que a existência de
jurisprudência, ainda que posterior à decisão administrativa consolidada, gera a obrigação de a acatar,
incluindo pela via do reexame de decisão administrativa definitiva (Ac. Kempter). Duvidosa permanece a
questão de saber se a jurisprudência Kühne e Kempter se aplica também ao dever de revisão de sentenças
judiciais transitadas em julgado. No caso Kapferer, o TJ não excluiu a aplicação da jurisprudência Kühne às
decisões judiciais transitadas em julgado. No caso Lucchini, o TJ vai ainda mais longe na restrição do principio
res judicata quando esteja em causa uma decisão judicial definitiva de um órgão jurisdicional nacional que
excedeu os limites da competência desse órgão tal como decorrem do direito comunitário. Embora
reconhecendo que não é pacifica a relação entre a exigência do primado e o principio da força de caso
julgado, parece-nos que podemos extrair da jurisprudência já definida nos casos Kühne, Kapferer e,
sobretudo, Lucchini, a seguinte presunção: um órgão jurisdicional nacional, vinculado pelo principio do
primado e pela obrigação de reenvio, excede os limites da sua competência quando contraria jurisprudência
anterior do TJ ou decide, existindo dúvidas ou a obrigação de reenviar, sem colocar a questão prejudicial,
abrindo a porta a um processo de revisão da decisão judicial definitiva se esta contrariar jurisprudência
posterior do TJ.
Razões imperiosas de defesa do interesse geral podem justificar uma limitação ao principio geral da
retroatividade. No caso Defrenne, o TJ aplicou pela primeira vez esta prerrogativa, restringindo a invocação
do artigo 119º do Tratado CEE (art.157º/1 TFUE) na parte em que impõe igualdade salarial entre homens e
mulheres, às remunerações posteriores à data do acórdão. Com base no principio da confiança, impõe-se
uma exceção à exceção: a interpretação a titulo prejudicial pode ser validamente invocada em relação a
situações pretéritas pelos interessados que, anteriormente, à data do acórdão tenham introduzido recurso
judicial ou deduzido reclamação equivalente (Ac. Defrenne; Wien e Wien).
Em jurisprudência mais recente, com o objetivo de tratar esta possibilidade como uma exceção à
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qual só se recorre em circunstâncias bem precisas, o TJ clarificou dois critérios cuja verificação condiciona a
Página
decisão sobre a limitação da retroatividade: por um lado, a boa fé dos interessados e, por outro lado, o risco
de perturbações graves.
Outra situação paradigmática de limitação dos efeitos ex tunc da decisão sobre a invalidade do ato
jurídico da União pode acontecer, no quadro interinstitucional do contencioso da base jurídica, e mais uma
vez por analogia com a declaração de nulidade em sede de recurso de anulação, quando o TJ decida que o
ato declarado inválido continuará a produzir efeitos até à entrada em vigor do ato que o deverá substituir ou
durante o período que for determinado no acórdão – modalidade de eficácia prospectiva sob condição ou a
termo.
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4. RECURSO DE ANULAÇÃO
+ artigo 47 da CDF
4.1. Bases Jurídicas
Relativamente a esta matéria, temos a seguinte base jurídica:
O Tribunal de Justiça da União Europeia fiscaliza a legalidade dos atos legislativos, dos atos do Conselho, da Comissão e do
Banco Central Europeu, que não sejam recomendações ou pareceres, e dos atos do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu
destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros. O Tribunal fiscaliza também a legalidade dos atos dos órgãos ou
organismos da União destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros.
Para o efeito, o Tribunal é competente para conhecer dos recursos com fundamento em incompetência, violação de
formalidades essenciais, violação dos Tratados ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação, ou em desvio de poder,
interpostos por um Estado-Membro, pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho ou pela Comissão.
O Tribunal é competente, nas mesmas condições, para conhecer dos recursos interpostos pelo Tribunal de Contas, pelo
Banco Central Europeu e pelo Comité das Regiões com o objetivo de salvaguardar as respetivas prerrogativas.
Qualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor, nas condições previstas nos primeiro e segundo parágrafos, recursos
contra os atos de que seja destinatária ou que lhe digam direta e individualmente respeito, bem como contra os atos regulamentares
que lhe digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução.
Os atos que criam os órgãos e organismos da União podem prever condições e regras específicas relativas aos recursos
interpostos por pessoas singulares ou coletivas contra atos desses órgãos ou organismos destinados a produzir efeitos jurídicos em
relação a essas pessoas.
Os recursos previstos no presente artigo devem ser interpostos no prazo de dois meses a contar, conforme o caso, da
publicação do ato, da sua notificação ao recorrente ou, na falta desta, do dia em que o recorrente tenha tomado conhecimento do
ato.
Se o recurso tiver fundamento, o Tribunal de Justiça da União Europeia anulará o ato impugnado.
Todavia, o Tribunal indica, quando o considerar necessário, quais os efeitos do ato anulado que se devem considerar
subsistentes.
A instituição, o órgão ou o organismo de que emane o ato anulado, ou cuja abstenção tenha sido declarada contrária aos
Tratados, deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Esta obrigação não prejudica aquela que possa decorrer da aplicação do segundo parágrafo do artigo 340.º.
exceção EMc PE/Pe e a) Das decisões tomadas pelo Conselho ao abrigo do artigo 108º/2 TFUE (auxílios de
conselho/conselho: quando
sejam recurso interposto Estado);
por um estado membro
contra atos das intiuição, e
dentro dessa exceção tem b) Dos atos do Conselho adotados por força de um Regulamento do Conselho relativo a
exceções tambem que são:
108/2, 2007, 291/2 TFUE medidas de proteção do comércio, na aceção do artigo 207º TFUE;
todos. e volta pro TG nova
ves.
c) Dos atos do Conselho mediante os quais esta instituição exerce competência de
execução nos termos do artigo 201º/2 TFUE (comitologia).
⎯ Recursos interpostos por uma situação da União contra um ato do Parlamento Europeu, do
Conselho ou destas duas instituições atuando conjuntamente, bem como contra um ato da
Comissão ou do Banco Central Europeu.
⎯ O dia em que o recorrente tomou conhecimento do ato, e que funciona como critério
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cronológico supletivo.
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No caso de um prazo de dois meses a contar da data de publicação do ato, a contagem far-se-á a
partir do fim do 14º dia subsequente à data de publicação do ato no Jornal Oficial (art.50º RP).
Ao prazo substantivo de impugnação, acresce a dilação em função da distância, fixado para todos os
Estados-membros no prazo uniforme de dez dias (art.51º RP). todos os prazos são corridos
4.2.3.1. Imputação
São passiveis de recurso de anulação os atos:
⎯ Legislativos, adotados pelo Conselho ou, conjuntamente, pelo Conselho e pelo Parlamento
Europeu, de acordo com o processo legislativo ordinário e especial (art.289º TFUE e 294º
TFUE);
Acordo indissociavel, caso 344/19, vicios do acordo.
⎯ Outros atos do Conselho, da Comissão e do Banco Central Europeu que não sejam
recomendações ou pareceres;
⎯ Atos dos órgãos e organismos da União destinados a produzir efeitos em relação a terceiros.
⎯ Atos imputáveis ao decisor nacional, já que o recurso de anulação não abrange o controlo
de legalidade do direito estadual, em clara oposição com o modelo federal; com exceção
do artigo 14º/2 do Estatuto Europeu dos Bancos Centrais que prevê o recurso para o TJ da
decisão de demissão do governador de um banco central nacional, decisão esta adotada
pelas autoridades nacionais – uma solução esdruxula que, supostamente, visa garantir a
independência dos bancos centrais nacionais, representa, afinal, uma injustificada entorse
ao modelo descentralizado de aplicação da justiça da União Europeia e que, neste caso,
daria a competência aos Tribunais nacionais.
⎯ Atos imputáveis a entidades jurídicas que têm na relação com a União um estatuto de
terceiros.
Pode, ser ou não passiveis de recurso de anulação, dependendo das circunstâncias concretas, os
atos:
⎯ São, por isso, passiveis de recurso todos os atos adotados pelas instituições, órgãos e
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organismos da União, seja com fundamento na sua forma seja com fundamento nos seus
efeitos (atos destinados a produzir efeitos jurídicos);
Página
⎯ Recorríveis são ainda os atos dos órgãos e organismos que, nos termos dos respectivos
estatutos, dispõem de personalidade jurídica, o que exclui outras realidades institucionais
que, independentemente do seu formato, careçam de personalidade jurídica, ficando,
nestes casos, o controlo dos seus atos dependente da imputação à instituição da União da
qual dependem, através de recurso do TJUE ou via competência residual dos tribunais
nacionais.
A recorribilidade do ato depende da sua aptidão para, por si, de modo auto-suficiente, reconhecer e
restringir direitos ou impor deveres. Esta exigência só é compatível com a existência de um ato definitivo, o
que exclui os atos de natureza informativa, interpretativa, opinativa ou meramente confirmativa.
Atos ditos negativos, que explicitam ou notificam uma recusa de decisão, são recorríveis, salvo se,
como acontece com a iniciativa da Comissão em sede de ação por incumprimento (art.258º TFUE), o autor
do ato beneficiar de uma competência discricionária.
No caso de o particular solicitar uma decisão ou tomada de posição, o silencio como resposta não
abre a porta do recurso, salvo se a legislação procedimental o permitir sob a forma de ato tácito de
indeferimento. Se o silêncio violar uma obrigação jurídica de decisão, a via contenciosa adequada será o
recurso por omissão do artigo 265º TFUE.
4.3. Recorrentes
A letra do artigo 263º TFUE, resultante da revisão introduzida pelo Tratado de Lisboa, não refere o
estatuto dos órgãos e organismos da União. Entre estes, destacamos o Provedor de Justiça Europeu que
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deveria ter o direito a recorrer ao TJUE para impugnar atos jurídicos da União Europeia, com fundamento na
violação de direitos fundamentais, assim defendendo a respectiva prerrogativa como órgão ao qual, nos
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termos do artigo 20º/2/d) TFUE, são dirigidas queixas pelos cidadãos da União e outras pessoas físicas ou
coletivas. Com base no paralelismo entre legitimidade passiva e legitimidade ativa, que foi determinante na
definição da jurisprudência do TJ relativa ao estatuto processual do Parlamento Europeu, parece adequado e
equilibrado, após o Tratado de Lisboa, aplicar o mesmo raciocínio quando está em causa o direito de recurso
do Provedor de Justiça Europeu e de outros órgãos e organismos da União, o que justificaria uma
interpretação extensiva do parágrafo terceiro do artigo 263º TFUE. Já se afigura como de excluir a sua
eventual integração no rol dos recorrentes ordinários por estar em causa a defesa de prerrogativas
institucionais e não a defesa de direitos e interesses subjetivos.
Para além da capacidade judiciária, as pessoas físicas ou coletivas, enquanto recorrentes ordinários,
têm de fazer prova do interesse e agir: (a) simples ou (b) qualificado.
Pode ser autarquias de um estado terceiro, ou qualquer pessoa que seja afetada pelo direito europeu, nao
necessita ser cidadã de um estado membro, todos os afetados podem interpor recurso desde que reunidos os
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requisitos supra e infra. Quando falamos de entidades de Direito Internacional, como as Oi é o direito
internacional que regula as regras de sua capcidade e legitimidade.
Embora a dupla exigência de afetação direta e individual se aplique tanto aos recursos de atos
individuais dirigidos a outrem como aos recursos de atos dirigidos a todos, é em relação a estes últimos que
a fórmula literal do artigo 263º, parágrafo quarto, TFUE, aliada a uma jurisprudência self-restraint,
representa um verdadeiro obstáculo à imputação de atos normativos.
O critério de dissociação entre, por um lado, o âmbito geral do ato e, por outro lado, a sua possível
incidência individual que nasceu no domínio dos direitos anti-dumping, adquiriu um estatuto de critério
sistemático de apreciação pelo TJUE. A natureza normativa – ou mesmo legislativa – do ato, seja um
regulamento ou uma diretiva, não exclui, de modo automático, a verificação da sua incidência individual.
Existe nesta jurisprudência evolutiva do TJUE a preocupação de não associar à forma do ato uma presunção
iuris et iure de irrecorribilidade do ato por iniciativa dos particulares, o que potenciaria o risco de uma
escolha da forma do ato em função do objetivo de evitar a sua impugnação pelos lesados diretos (desvio de
forma ou desvio de procedimento).
forma direta.”
isto pode ocorrer em situações em que o ato foi adotado apesar de ser dirigdo a outrem, foi adotado tendo em cotna atendendo as qualidades daquela entidade e nao de outra.
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Isso se consegue perceber e notar nas medidas de anti-dumping que são aplicação de imposto/encargo que vai nivelar o valor do produto importado com um valor referencia
definido pela UE com os valores normais de produção, no caso de algo importado seja abaixo do valor interno, e aparitr dos valores razoaveis de produção, aquela importação
vai ser colcoada um encargo para ter o valor normal de mercado. Para determianr esse valor a avaliação e feita a partir da analsie das proprias condições de produção daquela
empresa produtora e nessa medida podemos ter uma to que seja modelaod pelas consições individuais daquelas entidades.Portanto, quando o regime instituido pelo ato esta
nivelado e definido relativamente nas condições la previstas apra as proprias condições daquela entidade mesma que ela nao seja destinataria. Conseguimos perceber isso
sobre os procediemtnos dos elementos de prova, da decisão em causa. —> caso plaumann
DANIEL VIEIRA LOURENÇO
Importante e saber s eo reigme foi instituido pelas qualidades daquela entidade e nao so poruqe esta entidade existe
DIREITO DO CONTENCIOSO DA UNIÃO EUROPEIA | 4º ANO
As razoes de economia de esforço processual podem mesmo conduzir o TJUE a inverter a ordem
lógica de apreciação entre admissibilidade e procedência, como aconteceu com o TPI no caso SINAGA, em
recurso de anulação interposto por uma empresa açoriana de refinação de açúcar contra um regulamento
da Comissão relativo à fixação de quotas de produção na Região Autónoma dos Açores, arquipélago no qual
a SINAGA era a única empresa dedicada à produção de açúcar:
A chamada fórmula Plaumann fixou em 1963 a orientação aplicada, desde então, pelo TJUE na
verificação da afetação individual:
Com esta formulação, é exigido ao recorrente ordinário que, não sendo destinatário formal do ato,
porque este tem outro destinatário ou, pelo seu caráter geral, se dirige a todos, prove que é, afinal,
destinatário material. Estará nesta condição de destinatário material se demonstrar que o ato foi adotado
tendo em conta a sua situação de facto ou em função de características que o distinguem no conjunto dos
demais destinatários formais. Verdade se diga: a prova é extremamente difícil, mas se conseguir trepar o
muro quase inexpugnável da admissibilidade, o recorrente particular pode alimentar a expectativa de, com
elevada probabilidade, ver o TJUE a reconhecer a existência de desvio de poder, com a consequente
declaração de nulidade. Se for o intuito de atingir o recorrente em função de características
individualizadoras carrega forte indício de desvio de poder, fundamento de ilegalidade arrolado no parágrafo
segundo, do art.263º TFUE.
Com base na fórmula Plaumann, o TJUE desenvolve a sua apreciação em três andamentos:
A jurisprudência do TJUE sobre a verificação da afetação individual é hostil a uma visão de conjunto,
a uma qualquer bem intencionada tentativa de sistematização e ordenação do múltiplo. Trata-se, com
efeito, de uma jurisprudência conduzida em função do caso concreto. O casuísmo extremo na aplicação da
fórmula Plaumann garante ao TG e ao TJ uma ampla liberdade de decisão, mas priva os recorrentes
ordinários, em especial os particulares, de uma expectativa de recurso baseada em critérios mínimos de
certeza jurídica sobre a sua condição de recorrentes, o que, decerto, afeta o principio da tutela jurisdicional
efetiva.
No grupo dos chamados recorrentes ordinários, importa referir a jurisprudência definida sobre duas
situações distintas:
Estão assim identificados dois critérios de verificação cumulativa: em primeiro lugar, o ato
impugnado tem de projectar os seus efeitos na esfera jurídica do demandante; em segundo lugar, tais
efeitos resultam diretamente do ato, no sentido em que não são pressupostos atos de execução ou, no caso
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de ser conveniente a sua adoção, a execução é realizada no quadro estrito de uma competência vinculada.
Página
O conceito de afetação direta está próximo das noções afins de aplicabilidade direta e de efeito
direto. O elemento comum é o da auto-exequibilidade do ato, capaz por si de produzir efeitos jurídicos que
se concretizam na esfera jurídica dos recorrentes sob a forma de direitos.
No caso dos regulamentos, estes são, por força do artigo 288º, parágrafo segundo, TFUE,
diretamente aplicáveis. Importa, contudo não confundir aplicabilidade direta e aplicabilidade imediata. O
regime previsto no regulamento pode não ser imediatamente aplicável se remete, por exemplo, para o
decisor interno a definição de condições específicas de aplicação. A remissão para o decisor nacional não
exclui, por si só, a afetação direta se o recorrente conseguir provar que se trata de uma mera competência
de execução, de âmbito vinculado, como acontece com os chamados regulamentos imperfeitos (Ac. Monte
Arcosu).
A situação das diretivas é diferente. Tendo como destinatários os Estados-membros (art.288º TFUE)
e exigindo sempre dos Estados-membros a aprovação de medidas internas de transposição que têm
competência própria e liberdade de escolha quanto à forma e aos meios de realizar essa transposição, as
diretivas não serão suscetíveis de afetar diretamente o particular. Existe, contudo, a possibilidade de uma
aliança virtuosa entre efeito direto das normas constantes de diretivas e afetação direta como exigência
processual: por exemplo, no já citado caso Vischim, o TPI (hoje, TG) reconhecendo que a ação de
transposição exigida aos Estados-membros tinha um caráter meramente automático que excluía qualquer
margem de apreciação, conclui pela verificação da afetação direta em relação à recorrente (Ac. Vischim).
Serão admitidos os recursos contra: os atos regulamentares que lhe digam diretamente respeito e
não necessitem de medidas de execução.
Como destaca MARIA LUISA DUARTE, este novo parágrafo quarto do artigo 263º TFUE, deve ser
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interpretado em conformidade com a exigência de tutela jurisdicional efetiva, tal como prevista no artigo
Página
47º CDFUE e no art.19º/1, parágrafo segundo, TUE: no quadro de um sistema jurisdicional descentralizado e
Não se exige a afetação individual, só a direta. Mas exlcuem-se os atos legislativos, so valendo para atos que verdadeiramente tem uma
natureza regulamentar: atos de execução normativa, nao atos de base, atos de segunda linha digamos assim
de arquitectura subsidiária, a primeira linha de defesa por via contenciosa dos direitos dos particulares
compete aos tribunais nacionais, pelo que se espera que o legislador dos Estados-membros estabeleça as
vias de recurso necessárias que devem funcionar, de modo viável, em relação aos atos internos de execução
dos atos jurídicos da União.
⎯ Atos Regulamentares – não foi definida pelos Tratados a noção de ato regulamentar, mas é
possível construir esta noção a partir da conjugação das várias disposições relativas aos atos
jurídicos da União, em articulação com a jurisprudência clássica do TJUE sobre a distinção
entre ato individual e ato de alcance geral por oposição ato de alcance individual, com
destinatário definido. Após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, os atos normativos
podem ser atos legislativos, atos delegados e atos de execução.
⎯ Não necessitam de medidas de execução – uma vez reconhecida a natureza regulamentar
do ato, basta verificar se o ato em causa afeta diretamente o recorrente, porque produz
efeitos na sua esfera jurídica e não deixa nenhuma margem de apreciação aos destinatários
da medida encarregados da sua aplicação, tendo esta caráter puramente automático e
decorrente apenas da regulamentação em causa, sem aplicação de outras normas
intermédias. O ato regulamentar é impugnável na medida da sua auto-exequibilidade que
não é prejudicada pela natureza nacional ou eurocomunitária do nível de decisão
competente para a sua aplicação, nem é afetada pela existência eventual de medidas de
aplicação desde que correspondam ao exercício de uma competência puramente automática
de execução que não envolva margem de apreciação.
Tos os atos juridicos emandados das instuições e outros orgãos e organismos da união e organismos da uniao produtores de efeitos juridicos vinculativos em relação a
terceiros paragrafo primeiro 263: Atos legislativos, Atos do Conselho, Comissão e BCE que não sejam recomendações ou parecerees, incluindo a decisão do conselho
de aprovação de acordo internacional (art 218/6 TFUE caso 344/19 - indissocialidade com o acordo.
4.4.1. Incompetência
O vício de incompetência pode revestir uma de duas modalidades possíveis, envolvendo graus
distintos de desvalor: por um lado, a incompetência externa ou absoluta, caso em que a União carece de
poderes jurídicos de atuação sobre a matéria, ou incompetência interna ou relativa, caso em que a União
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terá competência de decisão, mas esta foi exercida pela instituição, órgão ou organismo que, nos termos do
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Tratado, não estaria habilitada para o efeito. A incompetência externa implica a inexistência do ato.
interna: principio do equilibrio institucional, desrespeito da delegação de competencias
Não é mera irregularidade formal ou procedimental que, só por si, fundamenta a ilegalidade do ato.
Não é a desconformidade com uma regra sobre forma ou procedimento que basta para declarar a nulidade
do ato. A identificação do vicio relativo à violação de formalidades essenciais tem um caráter finalístico, o de
garantir a legalidade interna e de permitir o seu controlo jurisdicional. Em função do caso concreto, pode
concluir-se que a violação da exigência formal ou procedimental não teve consequências em relação ao
conteúdo ou incidência do ato, não afetou o exercício do direito de impugnação pelos destinatários nem o
exercício do dever de controlo por parte do TJUE. determinação casuistica e nao em abstrato, o tribunal via avlaiar em que medida quela
irregualridade afeta o ato de modo dererminante e por essa via pode afetar a valdiade do ato
mas se nao afetar de modo determinante o tribunal ira desconsiderar. Porém por outra via
4.4.3. Violação de Lei podem ter efeitos juridicos que podem atentar contra a validade do ato que não as
formaldiades essencias, exemplo a violação do prazo.
Na prática forense, este é o fundamento mais invocado perante o TJUE e também o mais
reconhecido pelo Juiz da União: violação dos Tratados ou de qualquer norma jurídica relativa à sua
aplicação, equivalente ao vicio de violação de lei, sinónimo de inobservância de qualquer norma jurídica
hierarquicamente superior, como acontece no caso do regulamento delegado contrariar o ato legislativo de
delegação (art.290º TFUE) ou, ainda, se um regulamento de execução inova em relação ao ato que executa
(art.291/2 e 3 TFUE).
tem fundamentos que são de conhecimento oficioso, outros precisam ser pedidos e analisar o pedido. por exemplo o fundamento em incompetencia é de conhecimento oficioso do tribunal
Em rigor, qualquer alegação de ilegalidade se reconduz à noção de violação da lei, porque, seja no
caso da incompetência, da violação de formalidades essenciais de desvio de poder, o que se pretende
demonstrar é a violação de uma norma dos Tratados ou de direito derivado, incluindo os princípios gerais de
direito. O próprio TJUE adota em certos casos, um raciocínio de aglutinação dos vícios sob o manto da
violação de lei. Em termos concetuais, este fundamento jurídico de ilegalidade ampla define-se como
residual e pela negativa, identificando quando se verifica uma ilegalidade insuscetível de qualificação como
incompetência, violação de formalidades essenciais ou desvio de poder, na exata medida em que a
desconformidade não se relaciona com a competência, a forma ou o objeto do ato recorrido.
A violação de lei pode resultar tanto de um erro de direito, uma interpretação inapropriada da
norma jurídica aplicável, o uso de um conceito juridicamente incorrecto, como de um erro sobre os
pressupostos de facto.
O objeto do controlo é, neste caso, o fim ou objeto subjacente à adoção do ato. Existem duas
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concenções de abordagem: por um lado, a conceção objetivista, centrada no controlo a partir de indícios
identificáveis no texto do ato, em especial a relação entre a fundamentação e o regime jurídico previsto; em
lado oposto, a conceção subjetivista que averigua, em especial, a intenção do autor do ato. No quadro do
Tratado CECA, o TJ seguiu uma orientação objetivista que tende, igualmente, a privilegiar no âmbito dos
Tratados de Roma. Existirá desvio de poder se o decisor exerceu os seus poderes para prosseguir um fim
diferente do previsto na norma de habilitação como fundamento dos poderes que lhe são conferidos.
Acresce que a existência de um fim ilícito e determinante, diferente do fim legal, não se presume. O
reconhecimento do desvio do poder implica uma censura grave à atuação do decisor da União, levado a
tomar uma medida por razoes pessoais, institucionais ou politicas à margem da habilitação legal, pelo que o
TJUE, se mostra particularmente meticuloso e exigente no seu escrutínio e eventual reconhecimento.
ter outros fins paralelos nao é relevante, nao afeta a validade do ato,
só afetara se forem excluisvos ou determinantes para a adoção do
4.5. Efeitos do Acórdão ato. Caso 132/19 p, 31
A declaração de nulidade produz efeitos na esfera jurídica das partes no processo (efeito inter
partes) e em relação a qualquer situação jurídica futura, com um alcance geral. Enquanto o acórdão que
recusa o pedido de declaração de nulidade tem uma autoridade relativa ao caso julgado, já o acórdão
declarativo da nulidade, ao eliminar com efeitos ex tunc o ato em causa da ordem jurídica da União,
beneficia da autoridade máxima ou absoluta de caso julgado. Para o TJUE a decisão de anulação elimina
retroactivamente o ato impugnado no que diz respeito a todos os interessados.
ex tunc, desde a entrada em vigor do ato. Como se ele nunca tivesso vigorado efetivamente
A eficácia retroativa (ex tunc) da declaração de nulidade pode, com base no artigo 264º, parágrafo
segundo, TFUE, por razões consideradas necessárias, sofrer limitação. Está em causa uma relação de
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equilíbrio difícil entre, por um lado, o principio da legalidade, que postula a eliminação retroativa dos efeitos
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produzidos pelo ato declarado nulo desde a sua entrada em vigor e, por outro lado, o respeito dos princípios
igualmente importantes, relativos à garantia da segurança e previsibilidade das relações jurídicas, tal como
acontece com o principio da certeza jurídica, da proteção dos direitos adquiridos, da tutela da confiança
legitima, da continuidade do serviço público e da estabilidade do ordenamento jurídico europeu. O objetivo
de evitar o vazio normativo ou o sobressalto da descontinuidade pode justificar não apenas a limitação dos
efeitos à data de prolação do acórdão, mas também o seu deferimento com a manutenção no futuro
próximo dos efeitos do ato.
Sobre a instituição, órgão ou organismo de que emana o ato declarado nulo recai a obrigação de,
nos termos do art.266º, tomar as medidas necessárias à execução do acórdão. A violação desta obrigação
pode justificar a instauração de um recurso por omissão, constituindo tal violação fonte de dever de
reparação dos eventuais prejuízos causados. De salientar que, independentemente da execução completa e
atempada do acórdão declarativo de nulidade, sempre assiste ao interessado o direito de ação com
fundamento em responsabilidade extracontratual da União (art.340º TFUE), dada a natureza autónoma
desta via de direito em relação às outras vias processuais nomeadamente ao contencioso de anulação.
Recurso por omissão - no quadro constitucional existe o recurso por omissao que permite sancionar a ausencia de decisoes por parte do legislador, nesta media o que temos auqi é um
regime paralelo também. Semelhantemente acontece no direito adm, que permite convocar, acionar, a adm publica quando ele nao pratica um ato que lhe era devido. No ambito dos
tratados temo o recurso por omissão, não é dos mais frequentes mas tem havido alguns. A censura é sobre a omissão de uma ato que deveria ter sido praticado. Os fundamentos estao
presentes no artigo 263, que devemos adaptar, o ato é devido pois esta previsto nos tratados , regulamentos, diretivas, etc. Na emdia em que le nao ºe adotado em relação com a lei, é uma
violação da lei, nao faz sentido o fundamento da incompetência. Deve ser interposto contra o orgão que é competente. oOutro fundamento, porém, mais dificil é o desvio de poder, a
omissão de um ato de certa forma estar associada a um desvio de poder, sempre deve estar presente o dever de adotar o ato. Dois requisitos devem estar presentes: 1- abstenção da
obrigação de adotar um ato, tinha a obrigação de adotar determinado ato e era resultante do Direito, obrigação legal; 2- Ilicitude: deve violar a lei, nem toda omissão é ilicita como
sabemos.
- nao pode ser uma via para obter a revogação de um ato, exceto se houver novos factos substancias.
- duas fases: admnistrativa, fase contenciosa
- a obrigação de agir determina-se na data do convite
- a omissão declara-se com reporte ao preazo no qual deveria ter sido tomada a posição- (2 meses apos o convite de agir)
Fase admnistrativa:
conite para agir - é uma notificação precisa, calra, indicanto o ato requeritdo, o seu fundamento juridico e a cominação contenciosa da omissçai. A notificação delimita o objeto do litigio
na fase contenciosa. Definidos o bojeto, as aprtes, e o fundamento esta consolidado o litigio. isso ocorre sob pena de inamdissibildiade do recutso na fase contenciosa. O prazo para o
convite desde a tomade de conehcimento do momento não deve ser excessivo, mas não há qualquer praazo fixo, contudo ja há jurisprudencia quando nao é mais razoavel fazer o convite,
que contraria a boa-fé vir nesse momento tao tardio requerer esse ato que deveria ter sido praticado hºa bastante tempo, o convite (prazo da JP 4 meses ja foi considerado excessivo, 18
emses tbm, ou seja, é um ponderação casuistica em relação aos aspectos: complexidade do caso etc… Não há uma forma para o convite (a ue tem formularios mas nao há um especifico
para o convite), oviamente precisa ser por escrito.
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Se, em violação dos Tratados, o Parlamento Europeu, o Conselho Europeu, o Conselho, a Comissão ou o Banco Central
Europeu se abstiverem de pronunciar-se, os Estados-Membros e as outras instituições da União podem recorrer ao Tribunal de
Justiça da União Europeia para que declare verificada essa violação. O presente artigo é aplicável, nas mesmas condições, aos órgãos
e organismos da União que se abstenham de se pronunciar.
Este recurso só é admissível se a instituição, o órgão ou o organismo em causa tiver sido previamente convidado a agir. Se,
decorrido um prazo de dois meses a contar da data do convite, a instituição, o órgão ou o organismo não tiver tomado posição, o
recurso pode ser introduzido dentro de novo prazo de dois meses.
Qualquer pessoa singular ou coletiva pode recorrer ao Tribunal, nos termos dos parágrafos anteriores, para acusar uma
das instituições, órgãos ou organismos da União de não lhe ter dirigido um ato que não seja recomendação ou parecer.
A instituição, o órgão ou o organismo de que emane o ato anulado, ou cuja abstenção tenha sido declarada contrária aos
Tratados, deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Esta obrigação não prejudica aquela que possa decorrer da aplicação do segundo parágrafo do artigo 340.º.
O recurso por omissão tem por base a ideia de que a abstenção do Parlamento Europeu, do
Conselho da Europa, do Conselho, da Comissão, do Banco Central Europeu ou de qualquer órgão e
organismo da União há-de permitir às outras instituições, aos Estados-membros e, em condições mais
restritivas, aos particulares recorrer ao TJUE para que declare que a abstenção é contrária ao Tratado, na
medida em que a Instituição, órgão ou organismo demandados não a tenham corrigido. Se a abstenção for
reconhecida e declarada contrária ao Tratado, o acórdão obriga o demandado condenado a tomar as
medidas necessárias à eliminação da omissão (art.266º TFUE).
Em termos práticos, o recurso por omissão opõe várias dificuldades: no caminho até ao TJUE, com a
exigência de uma fase pré-contenciosa; a seguir, já na fase da pendência do recurso, não é fácil ao
demandante, especialmente se for um particular, provar que existe omissão ilegal; finalmente, se conseguir
superar os entraves procedimentais e processuais, não é certo que obtenha o que pretendia.
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Um acórdão declarativo da omissão pode revelar-se uma encenação hodierna da vitória de Pirro.
Com efeito, a instituição, se for condenada, em sede de execução do acórdão, ficará obrigada à prática de
um ato. Um qualquer ato interrompe a omissão. Ao particular interessa o ato que reconheça o direito que
invoca. No cenário da eliminação da omissão pela adoção de um ato de conteúdo contrário à expectativa
jurídica do particular, resta-lhe o regresso ao TJUE, agora através do recurso de anulação ou, eventualmente,
dependendo das circunstâncias, da ação de indemnização por responsabilidade extracontratual da União.
Nem todas as situações de não decisão, de ausência de tomada de posição serão suscetíveis de
impugnação contenciosa ao abrigo do artigo 265º TFUE. Escapam ao controlo jurisdicional via artigo 265º
TFUE os casos em que, verificada uma omissão, não é possível provar a existência de um dever de pronúncia.
O caso, porventura, mais paradigmático será o comportamento omissivo da Comissão na sequência de uma
queixa por incumprimento apresentada pelo particular contra um Estado-membro.
Não existe, neste caso, um dever de ação, porque a Comissão não está, por força dos Tratados,
obrigada a dar sequência contenciosa à queixa por incumprimento. A sua decisão de demandar ou não
demandar o Estado-membro por alegado incumprimento é uma decisão inteiramente livre, insuscetível de
controlo jurisdicional. Por outro lado, o TJUE fundamenta a inadmissibilidade do recurso por omissão por
estar em causa um ato que não teria recorrente como destinatário, como exige o parágrafo terceiro do
artigo 265º TFUE.
A falta de tomada de posição deve violar uma regra jurídica superior de direito, no sentido em que
esta, constante dos Tratados ou de um ato jurídico subordinante, impõe o dever de agir. O recorrente deve
identificar o ato ilegalmente omitido e, mais, deve precisar a sua natureza ou conteúdo, de modo a tornar
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possível a execução do futuro acórdão declarativo da omissão, nos termos do artigo 266º, parágrafo
primeiro TFUE.
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Partindo da conceção teórica que interpreta o recurso de anulação e o recurso por omissão como a
expressão de uma única e mesma via de direito, as duas faces da mesma moeda, o TJUE equipara, em sede
de estatuto processual, os recorrentes ordinários na impugnação de atos ou na contestação de omissões.
Assim, o particular pode acusar o decisor da União de não lhe ter dirigido um ato que, se tivesse sido
adotado, lhe diria direta e individualmente respeito (critério do destinatário material). Para o TJUE, a
possibilidade de os particulares fazerem valer os seus direitos não pode, com efeito, depender da ação ou da
inércia da instituição visada.
Ainda como corolário do principio do paralelismo entre recurso de anulação e recurso por omissão,
refira-se o caso Tem Kate que abre novas possibilidades aos particulares de defesa judicial dos seus direitos
através do mecanismo do reenvio.
Se, no quadro do direito processual nacional, for possível submeter ao órgão jurisdicional nacional a
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questão da omissão ilegal, o TJ parece indicar que estará disponível para o seu controlo através do
mecanismo do reenvio, num exercício de interpretação activista dos respetivos poderes de fiscalização
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Os particulares tem de provar o interesse me agir, em semelhança do 263, a omissão de uma to que deviam
ser destinatarios, mas poderão tbm interpor o recurso em relação a um ato que diretamente lhes dizem
respeito.Há um paralelismo.
Nos termos do parágrafo segundo do artigo 265º TFUE, a instituição, órgão ou organismo que
supostamente é responsável de omissão ilegal deve ser previamente convidada a agir. O convite terá de ser
formulado pela mesma pessoa que, mais tarde, poderá recorrer ao TJUE (principio da coincidência formal e
material entre procedimento e processo). O convite a agir não obedece a um padrão especifico de forma,
mas há-de ser formulado de modo a não deixar dúvidas que se trata de um pedido para o efeito e nos
termos do artigo 265º, parágrafo segundo, TFUE, sendo, por isso, recomendável, a citação expressa da
disposição do Tratado que lhe serve de fundamento. O convite a agir deve, nos termos da jurisprudência
consolidada do TJUE, permitir à instituição, órgão ou organismo instado que fique a conhecer de maneira
concreta o conteúdo da decisão que lhe é solicitada e que tem por objetivo a tomada de posição. Assim,
segundo a jurisprudência relevante, a regularidade procedimental do convite a agir depende da verificação
cumulativa dos seguintes requisitos:
Embora o artigo 265º, parágrafo segundo, TFUE, não estabeleça um prazo para endereçar à
instituição, órgão ou organismo o convite para agir, entende o TJUE que a margem temporal não é ilimitada
desde o momento em que o interessado tomou conhecimento da situação de alegada omissão e o momento
em que dirige o convite. Aplicando o critério do prazo razoável, dependente, pois, das circunstâncias do caso
concreto, o Juiz da União já teve oportunidade de julgar como excessivo o prazo de 18 meses e, com o
mesmo veredicto, sobre o decurso de um prazo de 4 meses, em decisão recente. Uma circunstância decerto
atendível na apreciação do caráter razoável ou excessivo do período de tempo que o interessado esperou
para formalizar o convite será a existência de contactos ou negociações a decorrer com a instituição, órgão
ou organismo em causa.
De acordo com o entendimento jurisprudencial, existe uma tomada de posição quando a instituição,
órgão ou organismo em causa:
Verificada uma destas reações, o recurso por omissão fica, em principio, prejudicado. Poderá,
eventualmente, o interessado seguir a via contenciosa da anulação, dependendo tal possibilidade do tipo de
ato recorrido e das condicionantes a que está sujeito como recorrente nos termos do artigo 263º TFUE. Se
for um particular, o ato adotado que interrompeu a omissão pode não ser passível de recurso porque, tendo
caráter geral, não o afeta direta e individualmente. Se for um Estado-membro ou uma Instituição, a recusa
expressa de agir, mesmo que relativa a um ato preparatório, não porá fim à omissão.
Não é, pois, isenta de hesitações a jurisprudência do TJUE sobre as implicações do ato de recusa
expressa de agir e a viabilidade da sua impugnação por meio do recurso de anulação ou, ao invés, do recurso
por omissão.
Seja qual for a solução adotada, impugnação do ato expresso de recusa ou recurso por omissão no
caso de uma recusa que não se considera suscetível de eliminar a omissão, o que importa é a garantia de
uma via processual adequada ao conhecimento da suposta ilegalidade, cometida por ação ou por inércia.
O principio jurisprudencial do paralelismo entre os dois recursos, como expressão de uma mesma via
de direito, conduz-nos a uma aplicação mutatis mutandis dos vícios indicados a propósito da anulação:
violação dos Tratados ou de qualquer norma relativa à sua aplicação e desvio do poder. De fora ficam as
alegações de incompetência e violação de formalidades essenciais, dada a sua incompatibilidade lógica com
o objeto do recurso.
O TJUE não pode indicar as medidas a adotar e o acórdão não substitui, seja qual for a situação, o
ato considerado em alta. O TJUE não pode dirigir injunções ao decisor da União demandando ou, por
qualquer meio, substituir-se a este.
Esta limitação dos poderes do TJUE não invalidade, contudo, como no caso paralelo da ação por
incumprimento, o direito de o recorrente – particular ou institucional – accionar o artigo 279º TFUE e, nos
termos do regime jurídico da proteção cautelar, solicitar ao Juiz da União que imponha à Instituição
demandada a adoção de medidas pressupostas pela sua obrigação de agir na aceção do Direito da União.
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6. EXCEÇÃO DE ILEGALIDADE
Mesmo depois de decorrido o prazo previsto no sexto parágrafo do artigo 263.o, qualquer parte pode, em caso de litígio
que ponha em causa um ato de alcance geral adotado por uma instituição, um órgão ou um organismo da União, recorrer aos meios
previstos no segundo parágrafo do artigo 263.º, para arguir, no Tribunal de Justiça da União Europeia, a inaplicabilidade desse ato.
Por natureza, falta autonomia processual ao controlo incidental de ilegalidade. A suposta ilegalidade
do ato de alcance geral é invocada, necessariamente, no contexto de um processo principal e com um duplo
alcance: por um lado, garantir a inaplicabilidade do ato de alcance geral em causa no caso concreto e, por
outro lado, com decorrência, apoiar o pedido na ação principal.
Em virtude do paralelismo com o recurso de anulação, explicitado pelo artigo 277º TFUE ao remeter
para o artigo 263º, segundo parágrafo, TFUE, em matéria de fundamentos de ilegalidade ou vícios, o ato de
alcance geral tem de produzir efeitos jurídicos.
O critério determinante não será o da forma ou natureza do ato atacado por via de exceção, mas
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antes a existência de um vinculo direto com o ato impugnado a titulo principal, no sentido em que este tem
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Sobre o estatuto dos Estados-membros e das Instituições da União como excipientes, a posição da
doutrina alinhou-se em torno de duas correntes opostas: de um lado, diríamos, a teoria literal, com a qual
nos identificamos, que baseada na letra do artigo 277º TFUE que refere qualquer parte, não enxerga razão
para excluir os que são recorrentes privilegiados no recurso de anulação, para além de estimar a vantagem
de manter aberta a possibilidade de contestar um ato normativo cuja ilegalidade só, depois de esgotado o
prazo de anulação, se tornou um problema para os destinatários; de outro lado, a teoria funcionalista, que
arreda os recorrentes privilegiados, Estados-membros e instituições da União, do direito de invocar a
exceção de ilegalidade na medida em que teriam direito de impugnar o ato em causa via artigo 263º TFUE e
decidiram não o fazer.
No recurso por omissão, a exceção de ilegalidade pode servir a defesa do demandado, que alega a
ilegalidade do ato com base na qual teria de adotar o ato em falta, ou a argumentação do demandante, que
assume como ilegal o ato que dispensaria o demandante de agir.
Na ação por incumprimento, a exceção de ilegalidade constitui um relevante meio de defesa para o
Estado-membro acusado de violar, por ação ou omissão, o ato jurídico da união em relação ao qual suscita a
questão de ilegalidade.
O ato declarado inaplicável mantém-se em vigor, embora ferido de morte. É expectável que no
contexto de processos futuros, o TJUE confirme o veredicto da ilegalidade/inaplicabilidade. Em nome do
principio da segurança jurídica e do principio da igualdade, igualmente por referência ao principio da
cooperação leal, como manifestação virtuosa do critério fundamental da boa fé, a instituição, órgão ou
organismo da União que tiver adotado o ato declarado inaplicável deve proceder à sua revogação.
Como se verifica em sede de recurso de anulação, a Professora MARIA LUISA DUARTE considera que
sobre a Comissão recai o dever de, nos termos do artigo 17º/1 TUE e do artigo 13º/2 TUE, accionar o
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adequada.
7. O CONTENCIOSO DO INCUMPRIMENTO
Artigo 258.º
Artigo 259.º
Artigo 260.º
Para além da originalidade, uma outra característica singular do que podemos chamar em sentido
amplo, contencioso do incumprimento é a relativa à pluralidade de meios convocados para garantir a
aplicação do Direito da União: meios jurídico-processuais e também meios de natureza política (v. artigo 7.º
TUE); incumprimento imputável aos Estados-membros e também incumprimento resultante de condutas
adoptadas pelos particulares, em especial as empresas.
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Para além da ação por incumprimento, os Tratados apresentam várias possibilidades para reprimir e
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Prerrogativa equivalente está prevista para o controlo dos projectos de ajudas de Estado, sujeitas a
notificação prévia à Comissão (v. artigo 108.º, n.º 3, TFUE). O TJ qualificou este procedimento do artigo 108.°
como “uma variante da acção por incumprimento, adaptada de forma especifica aos problemas específicos
que apresentam as ajudas estatais para a concorrência no seio do mercado comum” (v. acórdão de
14.02.1990, Comissão c. França, C-301/87, n.º 19).
abrigo do artigo 263.º TFUE: estamos sem margem para dúvidas, perante um acto jurídico sindicável nos
Curiosamente, a competência de escrutínio jurisdicional excluída pelo artigo 126.º, n.º 10, TFUE,
acabou por ser reconhecida pelo chamado Tratado Orçamental (v. Resolução da AR. n.° 84/2012, D.R., I
série, n.º127, de 03.07.2012, p. 3379). Um tratado intergovernamental sobre matéria de disciplina
orçamental na área do euro, incluindo a questão central do nível máximo dc défice orçamental e de défice
estrutural, estabelece, ao abrigo dc uma cláusula compromissória tal como prevista pelo artigo 273.º TFUE, o
direito de um Estado, enquanto Parte Contratante, demandar outra parte Contratante com fundamento em
alegado incumprimento das regras instituídas pelo artigo 3.º, n.º 2 (v. artigo 8.°, n.º1). Por analogia com o
artigo 260.º, expressamente invocado pelo artigo 8.º, n.º 2, do Tratado Orçamental, pode ser proposta uma
segunda ação por incumprimento para requerer a imposição de sanções pecuniárias. Uma solução que
coloca o TJ no papel de garante de um modelo de confinamento das competência orçamentais e económicas
dos Estados-membros cujo funcionamento depende da avaliação complexa de factores políticos e
económicos que, por regra permitem, no máximo, um exercício de controlo marginal pelos tribunais. A César
o que é de César ou os riscos esquecidos de uma excessiva jurisdicionalização da política.
instauração pela Comissão de uma acção por incumprimento contra o Estado-membro que, através da sua
legislação ou prática política e administrativa, viola os valores fundamentais da União. A Comissão, enquanto
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guardiã dos Tratados, assiste o direito de avaliação sobre o caminho mais adequado, em face das
com os princípios gerais de direito e a própria jurisprudência do TJUE. Em suma, todas as obrigações directa
ou indirectamente resultantes dos Tratados, com excepção das matérias relativas à Política Externa e de
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Segurança Comum (v. artigo 24.º, n.º l, TUE). Apesar de identificada a fonte formal, nem sempre a
parametricidade da regra enunciadora da obrigação se impõe acima de qualquer dúvida. Alguns exemplos
sobre os quais interessa reflectir:
⎯ As decisões dos representantes dos Estados-membros reunidos no seio do Conselho e outros actos
de natureza intergovernamental como a celebração de convenções internacionais entre Estados-
membros sem prejuízo das diferenças entre um tipo e outro de acto, têm em comum a sua natureza
intergovernamental e convencional que os situa no quadro do Direito Internacional, embora a
mantenha regulada esteja, ou possa estar, directamente relacionada com a execução do programa
eurocomunitário. Admitimos que para o efeito do controlo jurisdicional de legalidade, o TJUE possa
escrutinar a compatibilidade das Decisões com os Tratados na perspectiva de evitar a erosão e o
esvaziamento das competências da União [v. supra Capítulo 5, Secção [.A .§ 2º c)]. Já nos parece de
excluir a sua invocação
⎯ Em sede de incumprimento imputável aos Estados-membros. A mesma solução se impõe por maioria
de razão para as convenções internacionais celebradas entre os Estados-membros. Recorde-se o caso
Comissão c. Bélgica, no qual o TJ se declarou incompetente ao abrigo da acção por incumprimento
para julgar uma acção instaurada com base no artigo 226.º TCE (actual artigo 258.º TFUE), relativa à
suposta violação de uma convenção celebrada entre os Estados-membros: “(...) apesar de esta
Convenção apresentar ligações com a Comunidade e com o funcionamento das suas instituições,
trata-se de uma convenção internacional, concluída pelos Estadas-membros que não é parte
integrante do direito comunitário” (acórdão de 30.09.2010, C-l32/09, n.º 44) (ênfase acrescentada).
⎯ Princípios gerais de direito a sua função paramétrica foi expressamente reconhecida a partir da
jurisprudência clássica em matéria de direitos fundamentais no caso Stauder (v. Proc. 29/69, nº 7).
Verifica-se, contudo, que a sua invocação como fundamento de incumprimento é complementar,
associada a uma disposição do direito originário ou derivado (v.g. acórdão de 21.06. 1988, Comissão
c. Itália, C-258/86, n.ºs 12 e 16, no qual a violação reconhecida dos princípios da segurança jurídica e
da protecção dos particulares foi confortada pela consideração de um artigo do Tratado e do
clausulado de uma directiva). O movimento de positivação dos direitos fundamentais (v. artigo 6.º,
n.º 1, TUE, e CDFUE) e de princípios gerais de direito como o da cooperação leal (v. artigo 4.°, n.° 3,
TUE) torna a questão residual ou mesmo improvável, porque, em relação a qualquer comportamento
ofensivo do “bloco de legalidade” da União, será sempre possível estabelecer uma conexão com
disposição específica dos Tratados, incluindo a CDFUE, ou do direito derivado.
⎯ Jurisprudência do TJUE uma situação tipificada no próprio Tratado é o artigo 260.°, n.º 2, TFUE,
através da acção por incumprimento por mor da inexecução de acórdão declarativo do
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Outra situação que interessa considerar é a da violação da autoridade de caso julgado de qualquer
acórdão proferido pelo TJUE, por exemplo, ao abrigo do processo das questões prejudiciais. Nada
impede a Comissão de questionar um Estado-membro, no âmbito do procedimento pré-contencioso
do artigo 258.º TFUE, sobre as medidas internas adoptadas na sequência de acórdão prejudicial que
fundamenta um juízo negativo sobre a compatibilidade comunitária de legislação ou jurisprudência
nacional (v. infra sobre a relevância da jurisprudência dos tribunais nacionais Como factor
constitutivo de incumprimento).
⎯ A norma supostamente violada pode não ter efeito directo, por carecer de natureza clara e
precisa, o que não impede que seja vinculativa e a sua inobservância pelo Estado-membro é,
potencialmente, geradora de incumprimento;
⎯ A invocabilidade contenciosa da norma dotada de efeito directo, por iniciativa dos
particulares junto dos tribunais nacionais, não paralisa ou limita a possível actuação contra o
Estado-membro no quadro do incumprimento. O efeito directo é uma garantia mínima em
relação aos direitos dos particulares que não interfere com a obrigação objectiva que resulta
do artigo 288.º, parágrafo terceiro, TFUE, e que exige do Estado-membro a adopção das
medidas de transposição, mesmo que a directiva esteja a ser aplicada pelos tribunais (efeito
directo) ou a situação de não transposição possa servir de fundamento à tutela
indemnizatória.
por omissão, adoptado por qualquer órgão interno ou instância política de poder. A jurisprudência
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abundante e coerente sobre a matéria pode ser resumida em tomo das seguintes situações tipificadas:
⎯ Violação por acção um Estado-membro adopta legislação contrária aos Tratados e normas
constantes de actos de direito derivado ou, o que traduz uma modalidade particularmente
censurável de incumprimento, ao invés de cumprir a obrigação de transposição de uma directiva
opta pelo caminho de sentido inverso quando decide aprovar um regime jurídico mais restritivo
ou menos garantístico do que aquele que serve de referência harmonizadora para as legislações
nacionais. Se tal acontecer, como o TJ recordou no caso Wallonie, adequadamente ancorado no
princípio da boa fé, com expressão na solução positivada pelo artigo 18.º da Convenção de Viena
sobre o Direito dos Tratados, os Estados-membros, enquanto decorre o prazo de transposição,
não estão obrigados a aprovar a legislação interna de aplicação da directiva, mas, “(...) durante
esse prazo, devem abster-se de adoptar disposições suscetíveis de comprometer seriamente o
resultado prescrito por essa diretiva" (v. acórdão de 18.12.1997, C-129/96, n.º 45). Um tal dever
de abstenção é oponível em relação ao Estado-membro mesmo que a legislação em causa não
vise, directa e expressamente, a transposição da directiva em causa, mas com ela interfira neste
sentido, o conhecido caso Mangold sobre a legislação alemã de regulação dos contratos de
trabalho a termo e a violação do princípio da não discriminação em razão da idade (v. acórdão de
22.11.2005, C-144/04, n.ºs 67-68).
A violação pode resultar ainda do exercício do poder de vinculação internacional do Estado-
membro sobre matérias que relevam do âmbito de aplicação dos Tratados, como aconteceu no
chamado contencioso “open sky” que conduziu à condenação de vários Estados-membros em
virtude da celebração com os EUA de acordos bilaterais sobre a exploração de rotas aéreas,
domínio da competência exclusiva da União (v.g. acórdão de 05.11.2002, Comissão c. Suécia, C-
468/98).
⎯ Violação por omissão cedo na sua jurisprudência, o TJ cunhou a forma canónica sobre o desvalor
da omissão: “(...) une abstention, tout autant qu'un comportement positif, est susceptible de
constituer, de la part d'un Etat membre, un manquement à une obligation lui incombant” (v.
acórdão de 17.02. 1970, Comissão c. Itália, 31/69, n.º 9).
Como acontece no incumprimento por acção, a censura do TJ pode ter por objecto
comportamentos omissivos resultantes tanto da inércia legislativa como judicial, incluindo ainda
as práticas administrativas que consubstanciam uma abstenção reiterada ou generalizada. Alguns
exemplos:
a) A ausência das medidas exigidas pela transposição das directivas, a situação mais comum
e até banal de incumprimento por omissão; com alguma frequência, perante a omissão
evidente, o Estado-membro não contesta o incumprimento, aproveitando apenas o
processo em tribunal para protelar a legislação devida e assim “ganhar tempo” (para um
dos muitos exemplos de aresto expedito, de fundamentação sumária, v. acórdão de
27.07.2011, Comissão c. Áustria, C-548/10, n.ºs 9-13). De referir que, após o Tratado de
Lisboa, com o artigo 260.°, n.º 3, TFUE, a Comissão poderá nestes casos em que o Estado-
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directiva legislativa, porque não pode notificar o que não existe, solicitar ao TJ a aplicação
pressupostas por um procedimento como o previsto nos artigos 258.º e 259.° TFUE, com as consequências
potencialmente gravosas d0 artigo 260.° TFUE. Sobre este ponto, o TJ segue uma orientação límpida e
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inapelavelmente rígida que na versão truística do Senhor de La Palice poderia soar assim: o incumprimento
existe ou não existe. Não interessa a intensidade da violação (grave / pouco grave) como não interessa saber
se os Estados-membros agiram com intenção ou mera negligência. Em qualquer caso, o incumprimento
corresponde a uma situação objectiva de violação das regras, cabendo à parte demandante (Comissão ou
Estado-membro) a produção de prova suficiente nos autos. Este entendimento favorável à garantia da
eficácia plena do primado e à aplicação uniforme do Direito da União gera, contudo, algumas dificuldades
sérias para os Estados-membros que poderiam, porventura, ser evitadas por via de uma jurisprudência de
sentido menos mecanicista ou burocrático, sensível a uma ponderação razoável dos interesses em jogo.
Esta posição do TJ que pode parecer algo excessiva, inconveniente por não atender às limitações
constitucionais dos Governos para adoptar as medidas necessárias à execução do acórdão declarativo do
incumprimento (v. artigo 260.º, n.º 1, TFUE), constitui, em rigor, a única posição compatível com a exigência
elementar da igualdade entre os Estados-membros perante os Tratados e, ainda, com o principio da
identidade constitucional, introduzido pelo Tratado de Lisboa. O artigo 4.º, n.º 2, TUE impõe à União o dever
de respeitar a identidade nacional dos Estados-membros, “reflectida nas estruturas políticas e
constitucionais fundamentais de cada um deles, incluindo no que se refere à autonomia local e regional”.
Este dever fundamental vincula o próprio TJ que, se tivesse de verificar o grau de autonomia de entidades
infraestaduais em relação ao Governo do Estado-membro, correria o risco de interferir com o
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princípio da autonomia institucional dos Estados-membros, o TJ deixou clara a relação entre os deveres do
Estado-membro e as suas prerrogativas de soberania:
Se a violação do direito da União foi cometida r um órgão jurisdicional, nada impede, com apoio na
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doutrina expressa do TJ, o recurso à acção por incumprimento, nos termos das disposições dos artigos 258.º
TFUE e 260.º TFUE (v. acórdão de 09.12.2003, Comissão c. Itália, n.º 29; v. Parecer 1/09, de 08.03.2011, n.º
Página
87).
O TJ foi, contudo, mais longe ao configurar a existência de imputação mesmo nos casos em que o
particular actua com independência em relação ao Estado e aos demais poderes públicos. O precedente
jurisprudencial aconteceu no caso conhecido, e por nós já citado, de “guerra dos morangos" (v. acórdão de
09.12.1997, Comissão c. França, 0265/95) e depois retomado no caso Schmidberger (v. acórdão de
12.06.2003, C-112/00). Estava em causa a identificação de entraves à livre circulação de mercadorias: no
primeiro processo provocados pelas manifestações e actos de vandalismo dos agricultores franceses contra
a importação de morangos espanhóis; no segundo caso, um bloqueio da auto-estrada de Brenner que durou
mais de trinta horas como forma de protesto por causa ambiental. Num e noutro caso, sendo a acção
material gizada e conduzida pelos particulares, sem qualquer ligação ou incentivo por parte das autoridades
públicas, o TJ entendeu, porém, que o nexo de imputação não estava prejudicado. O Estado-membro incorre
em incumprimento por omitir a adopção das medidas necessárias ao cumprimento das regras
eurocomunitárias, em concreto a garantia da livre circulação de mercadorias:
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A conclusão pode, no limite, tomar o Estado-membro responsável por qualquer actuação dos
particulares empresas, indivíduos, sindicatos, movimentos cívicos que viole ou susceptível de violar as regras
de funcionamento do mercado interno, com o argumento que falhou no exercício das suas competências de
imposição da lei eurocomunitária. Neste sentido, poderá um Estado-membro ser acionado por omissão de
deveres de vigilância no caso da megafraude cometida pela Volkswagen sobre a emissão de poluentes pelos
veículos automóveis? Ou, outro exemplo, pela omissão dos deveres de regulação e controlo prudencial em
relação à actuação dos bancos e sociedades financeiras, seja em relação à venda de certos produtos
financeiros seja em relação à “apresentação criativa” da respectiva contabilidade? São apenas dois exemplos
entre muitos de violação grave e manifesta de legislação eurocomunitária pelas entidades privadas em
domínios nos quais as autoridades públicas, nacionais e eurocomunitárias, estão investidas de poderes
específicos de controlo e regulação.
Se a resposta das autoridades nacionais competentes não for considerada satisfatória e elucidativa,
a Comissão pode optar pelo procedimento formal que se inicia, então, com a carta de notificação de
incumprimento, cuja natureza deve ser inequívoca, com citação expressa da base jurídica que é o artigo
258.º TFUE. A carta de notificação de incumprimento dará ao Estado-membro a "oportunidade de
apresentar as suas observações” (v. artigo 258.º, parágrafo primeiro, TFUE) e tem de respeitar as seguintes
principais exigências:
Como se trata de uma formalidade essencial, a carta de notificação de incumprimento não pode ser
dispensada, mesmo que a Comissão tenha conhecimento do desinteresse do Estado-membro em apresentar
observações e fazer a sua defesa (v. acórdãos de 17.02.1970, Comissão c. Itália. 31/69, n.º 13; e de
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08.02.1983, Comissão c. Reino Unido, 124 81, n.º6). Para o Estado-membro é uma garantia fundamental e,
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sublinhe-se, à luz do princípio da cooperação leal (v. artigo 4.º, n.º 3, TUE), o Estado-membro não deve
refugiar-se no silêncio, embora esteja no direito de fornecer as respostas tidas como mais adequadas à
defesa, no momento e no contexto, dos seus interesses, respostas que serão susceptíveis, obviamente, de
não oferecer à Comissão toda a informação que esta instituição desejaria obter.
Duas notas importantes: 1) à luz do princípio da cooperação leal, em articulação virtuosa com uma
estratégia política, intencional e legítima, de procrastinação, um Estado-membro deve sempre preparar,
com cuidado e desenvolvimento, as suas respostas à Comissão, sejam cartas administrativas, carta de
notificação de incumprimento ou, na etapa derradeira, o parecer fundamentado; 2) nada limita, no plano
jurídico e também no plano ético das relações institucionais, o direito de um Estado-membro não
reconhecer formalmente a acusação de incumprimento, ainda que esta seja patente (por regra, o que
acontece com a não transposição de uma directiva), e de esperar pelo veredicto do TJ na conclusão do
processo judicial que, previsivelmente, lhe será instaurado pela Comissão.
É muito importante esta avaliação do custo/benefício de uma decisão de não acatamento voluntário
da decisão da Comissão sob a forma do parecer fundamentado. Ao não se conformar com o parecer
fundamentado, o Estado-membro pode estar convencido que se trata de uma questão controvertida sobre a
qual vale a pena ouvir o TJ ou, o que amiúde se verifica, o Estado-membro entende que é importante ganhar
tempo. Tendo em conta a duração média da pendência judicial das acções por incumprimento (em 2015,
segundos os dados divulgados pelo TJUE, estaria esta duração em 17,6 meses), o Estado-membro consegue,
assim, adiar a implementação interna das medidas necessárias. Deve, contudo, aproveitar este tempo para
se preparar para a aprovação das medidas no caso de vir a ser declarado em situação de incumprimento. A
seguir à condenação, terá um prazo razoável para tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do
Tribunal (v. artigo 260.º, n.º 1, TFUE). Decorrido este prazo, a Comissão pode avançar com uma segunda
acção por incumprimento para solicitar a condenação ao pagamento de sanções pecuniárias. A seguir à
prolação do primeiro acórdão declarativo do incumprimento, e no caso especial do artigo 260.º, n.º 3, TFUE,
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o decurso do tempo deixa de funcionar como uma estratégia de defesa dos interesses do Estado-membro
em causa para se tornar uma aventura perigosa que pode acabar com uma condenação pesada ao
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pagamento de uma quantia avultada e de acréscimo diário. Existe, por outro lado, em relação a um
incumprimento ostensivo que foi mantido por longo período, com grave prejuízo para os direitos e
interesses dos particulares, o risco de acções de indemnização instaurada junto dos tribunais nacionais por
iniciativa dos lesados.
A Comissão pode concretizar as medidas a adoptar pelo Estado-membro, mas, de acordo com
jurisprudência discutível do TJ , não está obrigada a fazê-lo: “(...) o parecer fundamentado deve conter uma
exposição coerente e pormenorizada das razões que criaram na Comissão a convicção que o Estado-membro
interessado não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado. A Comissão não é, porém,
obrigada a indicar no parecer fundamentado as medidas que permitiriam eliminar o incumprimento
imputado” (v. acórdão de 11.07.1991, Comissão 0. Portugal, C-247/ 89, n.º 22). A Comissão só terá o dever
de especificar as medidas se a acusação versar, justamente, sobre a falta de adopção de medidas que
permitiriam remediar o incumprimento imputado (v. acórdão de 02.06.2005, Comissão c. Grécia, C-394/02,
n.° 23). Por uma questão de certeza jurídica, aqui associada ao princípio da cooperação leal, seria de esperar
que a Comissão, ao mesmo tempo que formula a acusação e delimita o objecto do litígio, esclarecesse o
Estado-membro sobre o tipo de medidas adequadas para eliminar o incumprimento. Existem situações
complexas, nomeadamente relacionadas com as relações entre os Estados-membros e os operadores
económicos no domínio do direito da concorrência, em que persistem mudadas dúvidas sobre o que deveria
ser feito em termos de medidas jurídicas para repor e garantir a legalidade eurocomunitária. A sua
especificação na fase do parecer fundamentado seria decisiva para evitar o recurso ao TJ cumprindo assim o
objectivo principal da fase de pré-contencioso. Teria, por outro lado, a vantagem de, se proferido o acórdão
declarativo do incumprimento; evitar as dúvidas sobre o tipo de medidas a adoptar para respeitar a
obrigação de execução do acórdão (v. artigo 260.º, n.º 1, TFUE) e que, não raras vezes está na origem de um
contencioso ulterior sobre a existência ou não de incumprimento do aresto.
oneram por força dos Tratados, tem de submeter a questão à apreciação da Comissão. Os Estados-membros
interessados, isto é, o Estado-membro denunciante e o Estado-membro denunciado, são notificados pela
Página
Comissão para a apresentação de observações escritas e orais, em regime de processo contraditório. Aos
Estados-membros deve ser dada a oportunidade para fazer o contraditório relativamente a cada um dos
argumentos aduzidos pelo Estado-membro oponente no procedimento.
A Comissão dispõe de três meses, a contar da data do pedido do Estado denunciante, para elaborar
o parecer fundamentado. Esgotado este prazo, o Estado-membro denunciante pode avançar para o recurso
judicial. Proferido o parecer fundamentado pela Comissão no prazo estabelecido dos três meses, o Estado-
membro denunciante decide, livremente, se instaura ou não a acção por incumprimento, não estando
sujeito a um prazo para o fazer. O parecer fundamentado é uma formalidade essencial, mas o seu teor não é
determinante para o apuramento da existência de incumprimento. A lógica subjacente ao funcionamento do
processo por incumprimento, seja no quadro do artigo 258.° TFUE seja no quadro do artigo 259.° TFUE,
reside no reconhecimento ao TJ do monopólio de determinação e consequente declaração do
incumprimento. Neste sentido, mesmo que o parecer fundamentado da Comissão conclua que não há
incumprimento, tal não impede o Estado-membro denunciante de recorrer para o TJ que, por sua vez, não
está minimamente vinculado pela decisão da Comissão. Por outro lado, é possível o funcionamento de uma
espécie de veio de transmissão entre o artigo 259.º TFUE e o artigo 258.º TFUE: a partir do impulso
transmitido pela queixa de um Estado-membro, a Comissão pode decidir, após emissão do parecer
fundamentado, instaurar a acção por incumprimento, no exercício da sua legitimidade processual própria.
Uma tal decisão serviria, sobretudo, para evitar o litígio directo entre Estados-membros, sem prejuízo do
direito por parte do Estado-membro denunciante de interpor a sua própria acção por incumprimento. Um
cenário improvável, mas não impossível, de um Estado-membro duplamente demandado no TJ, pela
Comissão e por outro ou outros Estados-membros.
Não será difícil entender este acesso tão parcimonioso ao artigo 259.º TFUE. Por razões de ordem
politica, um Estado-membro evita o cenário de litigância directa com outro Estado-membro em processo
judicial, confiando na Comissão o exercício da iniciativa contenciosa. Se a Comissão der sequência à queixa
submetida pelo Governo de um Estado-membro, este tem ainda a oportunidade de participar no processo
como parte interveniente em apoio da Comissão com menor exposição e menor risco que teria na qualidade
de parte demandante. De notar que das quatro acções por incumprimento Estado-membro c. Estado-
membro que foram julgadas pelo TJ , apenas uma foi declarada procedente. Resultado que não é, pelo
menos em termos estatísticos, encorajador para futuras acções contenciosas ao abrigo do artigo 259.° TFUE.
delimitar de modo preciso o objecto do litígio, sob pena de o recurso da Comissão soçobrar por decisão de
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inadmissibilidade. Nas palavras do Tribunal de Justiça: “A regularidade da fase pré-contenciosa constitui uma
garantia essencial consagrada pelo Tratado, não apenas para a protecção dos direitos do Estado-membro em
causa, mas igualmente para assegurar que a eventual fase contenciosa tenha por objecto um litígio
claramente definido”. E conclui: “(...) é apenas a partir de uma fase pré-contenciosa regular que o processo
contraditório no Tribunal de Justiça permitirá a este decidir se o Estado-membro não cumpriu efectivamente
as obrigações precisas, cuja violação é invocada pela Comissão” (v. Despacho de 11.07.1995, Comissão c.
Espanha, C-226/94, n.ºs 17-18).
Outros requisitos específicos se deduzem do vasto adquirido jurisprudencial sobre a acção por
incumprimento:
de um prazo, seja para o início do procedimento por incumprimento seja para a instauração da
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acção por incumprimento, a contar do termo do prazo fixado pelo parecer fundamentado. Os
Tratados e a legislação processual não fixam qualquer prazo. A jurisprudência não invoca, neste
caso, o critério subsidiário do prazo razoável que constituiria um limite ao poder discricionário
da Comissão que o TJ entende como o mais adequado à natureza da função que lhe está
reservada nesta via processual. Um período tão dilatado como sete anos entre a recepção da
resposta do Estado-membro ao parecer fundamentado e a propositura da acção não afecta a
admissibilidade do pedido, com o TJ a descartar a relevância de considerações ligadas ao
princípio de certeza jurídica, da confiança legítima ou da boa administração (v. acórdão de
01.02.2001, Comissão c. França, C-333/99, n.º 25). Importa, contudo, ressalvar que a demora na
instauração da acção pode fundamentar um veredicto de inadmissibilidade se 0 TJ concluir que o
decurso do tempo não lhe permite apreciar com clareza a alegada situação de incumprimento (v.
acórdão de 07.02.2013, Comissão c. Bélgica, C-122/11, n.º 50-51).
Por força do princípio da cooperação leal do artigo 4.º, n.º 3, TUE, ou de disposições específicas
previstas nas directivas, os Estados-membros estão obrigados a prestar à Comissão as informações
solicitadas, de forma precisa, clara e completa, sem comprometer, contudo, a estratégia de tutela legítima
dos interesses relevantes do Estado-membro sobre a matéria em causa. A recusa seca de fornecer os
elementos de informação especificados ou a sua prestação tardia são comportamentos passíveis de
fundamentar, de modo autónomo, uma acusação de incumprimento (v. acórdão de 16.06.2005, Comissão 0.
Itália, C-456/03, n.º 27). Em nossa opinião, importa, todavia, reconhecer que o princípio da cooperação leal
pressupõe um comportamento recíproco e nem sempre os serviços competentes da Comissão actuam da
forma mais objectiva e adequada na relação com as administrações dos Estados-membros. Por outro lado, a
cooperação leal não pode ser interpretada no sentido de exigir do Estado-membro a revelação de factos que
comprometam valores fundamentais, relacionados, por exemplo, com a segurança nacional ou direitos e
interesses legítimos de terceiros, como será o caso do segredo comercial de empresas.
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Por ser incompatível com a concepção objectivista da situação de incumprimento, não são
procedentes argumentos desenvolvidos em torno da ideia de ausência de prejuízo para a União, para outros
Estados-membros ou para os particulares.
com o recurso à estatística, verifica-se que a taxa de decisões favoráveis à Comissão que envolvem um
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veredicto de condenação do Estado-membro é muito elevada, tendo sido em 2015 superior a 80% dos
pedidos julgados pelo TJ (v. Relatório da Comissão sobre o controlo de aplicação do Direito da União
Europeia. Relatório Anual de 2015, de 15.07.2016, p. 27).
Para além da defesa de base procedimental, vejamos, de seguida, outras possibilidades que,
verificado certo condicionalismo, têm merecido alguma abertura da parte do TJ.
que são circunstâncias anormais, inevitáveis e que escapam ao seu controlo. De acordo com a jurisprudência
constante:
lnfere-se do histórico jurisprudencial que, na prática, se toma impossível aos Estados-membros fazer
a prova da existência de uma circunstância de recorte inexorável e objectivamente impeditivo da execução
da obrigação (v.g. acórdãos de 06.07.2000, Comissão c. Bélgica, C-236/99, n.ºs 21-22; de 05.10.2006,
Comissão c. Alemanha, C-105/02, n.º 89; de 04.03.2010, Comissão C. Itália, C-297/08, n.ºs 85-96).
Uma obrigação sem sanção: se o Estado-membro condenado não adoptasse as medidas ou o fizesse
de modo tardio e incorrecto, a solução seria a instauração de uma segunda acção por incumprimento pela
Comissão, sob a acusação de violação do Tratado por inexecução do acórdão. Uma segunda condenação
poderia não ser suficiente para sanar o problema no caso de o Estado-membro persistir na situação de
incumprimento. Nos finais dos anos 80, em parte devido à intensificação da actividade harmonizadora das
Comunidades Europeias, aumentaram de modo preocupante os atrasos prolongados e, nalguns casos, de
assumida recalcitrância no que se refere ao dever de executar o acórdão declarativo do incumprimento.
Segundo dados fornecidos pela Comissão nos relatórios anuais submetidos ao Parlamento Europeu sobre “o
controlo de aplicação do direito comunitária”, em Julho de 1991, o TJ proferira 24 acórdãos de
incumprimento sobre incumprimento e sete processos aguardavam execução, em flagrante contraste com a
situação registada até 1980, com apenas duas decisões deste tipo. No espaço de uma década, a evolução
alarmou as instituições, em especial, a Comissão. Os Estados-membros reconheceram a necessidade de
conter o problema, com a introdução no Tratado de Maastricht da segunda acção por incumprimento,
destinada a obter do TJ a condenação do Estado-membro recalcitrante ao pagamento de sanções
pecuniárias (v. actual artigo 260.º, n.º 2). A gravidade do problema quanto à demora na execução do
acórdão está bem patente nos primeiros casos decididos pelo TJ sobre sanções pecuniárias: no primeiro
acórdão, Comissão c. Grécia (de 04.07.2000, C-387/97), o atraso foi de 8 anos; no caso Comissão c. França
(de 12.07.2005, C-304/02), estava em causa um acórdão proferido 14 anos antes, em Junho de 1991.
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Por sua vez, o Tratado de Lisboa contribuiu para aperfeiçoar o mecanismo jurisdicional de aplicação
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das sanções pecuniárias no sentido de uma maior celeridade ao permitir, a montante, a simplificação da fase
procedimental e a dispensa da primeira acção por incumprimento: 1) o artigo 260.º, n.º 2, TFUE, deixa de
exigir o parecer fundamentado; se a Comissão considerar que um Estado-membro não tomou as medidas
necessárias à execução do acórdão, pode submeter o caso ao TJ depois de ter dado ao Estado em causa à
possibilidade de apresentar as suas observações (carta de notificação de incumprimento, por analogia com o
artigo 258.°, parágrafo primeiro, TFUE); a experiência de funcionamento da segunda acção por
incumprimento, decalcada sobre o formato procedimental da primeira acção por incumprimento,
demonstrou que eram necessários vários anos, após a declaração de incumprimento, para obter a
condenação do Estado-membro relapso ao pagamento da sanção pecuniária; 2) aditamento do n.º 3,
parágrafo primeiro, TFUE, que, em relação à inobservância do dever de comunicar à Comissão as medidas de
transposição de uma directiva adoptada em processo legislativo, autoriza a Comissão, se o considerar
necessário, a submeter a0 TJ o pedido de declaração de incumprimento, desde logo acompanhado da
indicação do montante a pagar pelo Estado-membro a titulo de sanção pecuniária.
Na ausência de prazo definido pelo Tratado, o TJ tem considerado que a execução do acórdão deve
ser iniciada e completada o mais rapidamente possível (v.g. acórdão de 12.02.1987, Comissão c. Itália, Proc.
69/86, n.º 8). Confrontado com o pedido da concessão de um prazo mais dilatado para dar cumprimento às
exigências comunitárias, dada a necessidade de proceder a grandes reformas constitucionais e legislativas, o
TJ foi peremptório no sentido de lhe não ser possível conceder ou determinar prazos específicos (V. acórdão
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O efeito obrigatório de caso julgado vincula o Estado-membro no âmbito de qualquer uma das
funções comummente associadas ao exercício do poder estadual, designadamente a função legislativa, a
função executiva e a função judicial. Saber qual o órgão interno ou qual a entidade estadual que deve
adoptar as medidas necessárias é uma questão a resolver à luz da Constituição e das leis internas.
pode, assim, por iniciativa da Comissão, e apenas desta, dar lugar à aplicação de sanções pecuniárias.
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Quando outras disposições do Tratado remetem para o artigo 258.º TFUE, como acontece com o artigo 271º
alínea a) e alínea d), neste caso, tendo os bancos centrais nacionais como demandados e destinatários da
obrigação de execução do acórdão, não cabe no âmbito da remissão o regime específico do artigo 260.º, n.º
2, TFUE, limitado no seu perímetro de aplicação às decisões proferidas no quadro do artigo 260.º, n.º 1,
TFUE, que Em os efeitos do acórdão na acção por incumprimento de regime comum.
O artigo 260.º, n.º 3, TFUE, disposição enxertada pelo Tratado de Lisboa, dispensa a fase pré-
contenciosa, permitindo à Comissão que na acção proposta ao abrigo do artigo 258.º TFUE solicite ao
Tribunal, a par da declaração de incumprimento, a condenação do Estado demandado ao pagamento de
quantia fixa ou sanção pecuniária compulsória. Esta hipótese mais expedita de 2 em 1 (declaração de
incumprimento + condenação ao pagamento de sanção pecuniária) está, contudo, limitada a uma ocorrência
padrão de incumprimento: a não comunicação pelo Estado-membro das medidas de transposição de uma
directiva que, por ter sido adoptada no quadro do processo legislativo (v. artigo 289.º TFUE), é uma directiva
legislativa. De acordo com a Comunicação da Comissão sobre a aplicação do artigo 260.º, n.º 3, TFUE, esta
disposição especial “abrange tanto a ausência total de comunicação de medidas de transposição de uma
directiva como o caso de comunicação parcial de medidas de transposição. Se o Estado-membro fornecer
todas as explicações necessárias sobre a forma como entende que deu cumprimento à obrigação de
transposição, não se aplica o artigo 260.º, n.º 3, TFUE, reservado para a violação do dever procedimental de
comunicação pelo Estado-membro à Comissão das medidas de transposição de uma directiva legislativa.
Qualquer eventual dissidio sobre o carácter suficiente ou adequado das medidas de transposição terá de ser
enquadrado pelo mecanismo-regra do artigo 258.° TFUE e do artigo 260.°, n.º2, TFUE.
violadas, cuja definição está protegida pelo princípio do caso julgado. O TJ reconhece, por outro lado,
importância especial aos direitos de defesa do Estado-membro que não devem ser negligenciados na fase
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O artigo 260.º, n.º 2, TFUE, foi decalcado da fase pré-contenciosa do artigo 258.º TFUE, encurtada
com o Tratado de Lisboa que dispensa a emissão de parecer fundamentado. A Comissão tem de respeitar
um princípio de simetria funcional entre a fase pré-contenciosa da primeira acção por incumprimento e a
fase pré-contenciosa, ainda que abreviada e reduzida à carta para cumprir, da segunda acção por
incumprimento. Assim, a Comissão não pode, com base no artigo 260.º, n.º 2, TFUE, ampliar ou de algum
modo alterar o objecto do litigio, alegando novas acusações na petição relativamente ao que foi dito na
carta dirigida ao Estado-membro na fase pré-contenciosa. Pode, eventualmente fazê-lo apenas no caso
identificado de ter ocorrido uma alteração legislativa interna posterior à carta de notificação para cumprir se
directamente relacionada com o objecto da acusação. No quadro do artigo 260.º, n.º 2, TFUE, a Comissão é
obrigada a especificar com clareza os pontos cm que o Estado-membro não deu execução ao acórdão sob
pena de o pedido ser declarado inadmissível.
No primeiro caso proferido após a vigência da nova redacção do artigo 260.°, n.º 2, TFUE, o TJ
adaptou o sentido da sua jurisprudência: a data de referência para a consideração do incumprimento
relativo à inexecução do acórdão passou a ser o prazo previsto na carta de notificação para cumprir (v.
acórdão de 11.12.2012, Comissão c. Espanha, C-610/ 10, n.º 66-67). Não tendo a questão sido versada neste
primeiro aresto, parece-nos que, em nome dos direitos de defesa dos Estados-membros e da razão de ser de
uma fase pré-contenciosa, se devem agora considerar aplicáveis à carta de notificação de incumprimento as
exigências outrora elaboradas sobre o parecer fundamentado (v. Comissão c. Portugal, cit., n.º 54 e segs.).
⎯ Quantia fixa (em inglês, lump sum; em francês, somme forfaitaire): condenação ao
pagamento de uma multa de montante fixo, sob a modalidade de quantia fixa mínima ou,
nos casos de demora persistente e especialmente lesiva dos interesses dos outros Estados-
membros e dos particulares, sob a modalidade de quantia fixa agravada. A sua função é,
basicamente, a de sancionar o incumprimento consumado.
⎯ Sanção pecuniária compulsória ou periódica (em inglês, penalty payment; em francês,
astreinte): soma variável, calculada, em princípio, por dia de atraso ou em função de outros
períodos temporais, como trimestre, semestre, ano, a contar do dia seguinte ao dia de
prolação do acórdão condenatório ao pagamento da sanção até ao dia em que se considere
que o Estado-membro esgotou as suas obrigações de execução do acórdão. A função
primordial da sanção pecuniária periódica é a de persuadir o Estado-membro recalcitrante a
pôr fim, de modo rápido e completo, ao incumprimento (no direito português, encontramos
figuras dc recorte processual e função análogos no artigo 829.º A do Código Civil e artigo
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169.° do CPTA).
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Uma primeira e muito eloquente manifestação da liberdade decisória que o TJ se permite exercer foi
a interpretação sobre o carácter alternativo ou cumulativo da sanção fixa e da sanção variável. A letra do
preceito não suscitaria prima facie dúvidas: condenação do Estado-membro “ao pagamento de uma quantia
fixa ou progressiva correspondente a uma sanção pecuniária” (ênfase acrescentada). Num exercício
audacioso de hermenêutica jurídica, o Juiz da União não se deixou pear pelo sentido comummente
associado à conjunção “ou”, tida como sinónimo de alternativa entre duas possibilidades, concluindo, por
apelo a uma interpretação teleológica e funcionalista, que poderia aplicar uma dupla sanção:
A aplicação de uma ou outra das duas medidas depende da adequação de cada uma
delas para alcançar o objectivo prosseguido, em função de circunstâncias do caso. Se a
aplicação de uma sanção de montante progressivo se afigura especialmente adaptada para
incitar um Estado-membro a pôr termo, o mais rapidamente possível, a um incumprimento
que, na falta de tal medida, tem tendência para persistir, uma sanção de montante fixo
resulta sobretudo da apreciação das consequências da não execução das obrigações do
Estado-membro em causa para os interesses privados e públicos, designadamente quando o
incumprimento tiver persistido por um longo período desde o acórdão que inicialmente o
declarou. Nestas condições, não está excluído o recurso aos dois tipos de sanções previstas
no artigo 228. º, n.º 2, CE.
O caso Comissão c. França deu lugar a uma jurisprudência iterativa de aplicação cumulativa dos dois
tipos de sanções, cujo exemplo mais recente, e justificadamente comentado na comunicação social
portuguesa, foi o processo contra Portugal sobre o atraso na transposição da directiva relativa ao
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tratamento de águas residuais urbanas, com a condenação ao pagamento de três milhões de euros a titulo
de quantia fixa e 8000 euros por dia, a contar da data do acórdão até à execução integral do primeiro
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acórdão (v. C-557/04, de 22.06.2016). Uma pesada sanção que poderá atingir valores muito avultados se as
autoridades portuguesas insistirem que, por falta de verba, e como já foi argumentado nos autos, só em
2019 terão condições para concluir as infraestruturas necessárias ao tratamento secundário das águas
residuais urbanas. O valor diário da sanção periódica visa, justamente, obrigar as autoridades portuguesas a
fazer contas para concluir que fica mais barato, passados sete anos sobre o acórdão de 2009, avançar com as
obras exigidas, aplicando em investimento fundamental para a qualidade de vida nas cidades o que se poupa
no montante que cresce todos os dias e acaba nos cofres da União.
De acordo com jurisprudência fixada pelo TJ, a aplicação da sanção pecuniária compulsória, em
função da sua natureza coerciva que visa a aplicação uniforme e efectiva do Direito da União, depende da
apreciação dos seguintes critérios:
⎯ A duração da infracção;
⎯ O grau de gravidade;
⎯ A capacidade de pagamento do Estado-membro em causa;
⎯ Complementarmente, a consideração das consequências do não cumprimento para os
interesses privados e públicos e a urgência em levar o Estado-membro a cumprir as suas
obrigações.
efeitos da sanção pecuniária compulsória (v. acórdão de 07.07.2009, Comissão c. Grécia, C-369/O7, n.º 125).
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No caso Comissão c. Itália, relativo à recuperação de ajudas de Estado, o TJ admitiu que o princípio da
sanção pecuniária degressiva se justifica, em especial, nos casos de reconhecida dificuldade em garantir uma
execução rápida e completa do acórdão (v. C-496/06, de 17.11.2011, n.º 32).
Acontece que os Tratados não definem regras próprias sobre o procedimento de execução da
sentença condenatória. De acordo com o procedimento geral, a sanção pecuniária, fixa ou compulsória,
deve ser paga à Comissão por depósito na conta “recursos próprios da União Europeia”. É a Comissão que,
nos termos do artigo 317.º TFUE, executa o orçamento da União e, por isso, lhe incumbe a obrigação de
cobrar os montantes devidos ao orçamento da União, em conformidade com as disposições dos
regulamentos financeiros adoptados com base no artigo 322.º TFUE. O que acontece se o Estado-membro se
recusa ou procrastina o pagamento? Mais uma vez, temos de nos socorrer das regras gerais: o artigo 280.º
TFUE determina que os acórdãos do TJ “têm força executiva nos termos do artigo 299.º” que, por sua vez,
exclui o mecanismo da execução forçada contra Estados-membros. Assim sendo, ao recusar-se a pagar, o
Estado-membro viola uma obrigação que o vincula por força do Tratado e, neste caso hipotético e já
extremado de violação reiterada, a Comissão teria de recorrer ao procedimento de incumprimento do artigo
258.º TFUE. Não deixará de causar estranheza a circularidade que pode tomar este eventual contencioso
entre Comissão e Estado-membro, mas a solução é a expressão directa da recepção pelos Tratados do
princípio basilar do Direito Internacional Público sobre a soberania dos Estados-membros e o seu corolário
em matéria de imunidade jurisdicional. Podem, contudo, a montante, surgir dúvidas sobre a quantia a pagar
a titulo de sanção variável em função, designadamente, do período relevante de contabilização e da questão
de saber se foram ou não cumpridas pelo Estado-membro as obrigações cuja inobservância está na base da
aplicação da sanção periódica. Divergências entre a Comissão e o Estado-membro sobre estas questões
relativas à execução do segundo acórdão condenatório estão na origem da já chamada fase pós-contenciosa
enquadrada, até agora, por dois precedentes jurisprudenciais.
pode, contudo, decidir sobre a questão do incumprimento. Está em causa o monopólio de jurisdição do TJ
em matéria de incumprimento. Se a decisão executiva da Comissão for declarada nula, nos termos e para os
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efeitos do artigo 264.º TFUE, por aresto do TG, eventualmente confirmado pelo TJ em caso de recurso,
No caso França c. Comissão, o segundo caso sobre esta problemática, proferido alguns meses
depois, o TG confirmou a orientação seguida no caso português, mas, em função de circunstâncias concretas
do processo, concluiu pela improcedência do pedido de anulação da decisão da Comissão, rejeitando a tese
sobre a competência da Comissão ou do TG para reduzir o montante da sanção pecuniária compulsória por
se tratar de competência exclusiva do TJ. Em suma, sem prejuízo dos direitos processuais de activação desta
fase pós-contenciosa, TG e TJ fixaram uma jurisprudência que clarifica a delimitação de competências entre,
por um lado, o próprio TJ, titular exclusivo do poder de declaração do incumprimento e de determinação do
seu âmbito e, por outro lado, a Comissão à qual incumbe garantir a execução do acórdão condenatório. Ao
fazê-lo nos dois casos citados, TG e TJ preveniram a indesejável multiplicação de recursos de anulação em
tomo da execução do acórdão condenatório.
interno pelas administrações nacionais. O sistema SOLVIT é constituído por uma rede de
centros de coordenação existentes em cada Estado-membro (todos os Estados-membros e
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Os dois sistemas SOLVIT e EU-Pilot são de natureza informal e facultativa no que respeita à
participação e colaboração das autoridades nacionais.
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