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DIREITO DO CONTENCIOSO DA UNIÃO EUROPEIA | 4º ANO

DIREITO DO CONTENCIOSO DA UNIÃO EUROPEIA

DANIEL VIEIRA LOUREÇO

2019
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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

DANIEL VIEIRA LOURENÇO


DIREITO DO CONTENCIOSO DA UNIÃO EUROPEIA | 4º ANO

1. JUSTIÇA EUROCOMUNITÁRIA E UNIÃO DE DIREITO.............................................................. 7


1.1. Noção de Justiça Eurocomunitária ...................................................................................................... 7
1.2. União Europeia de Direito – na sua dupla dimensão .......................................................................... 8
1.3. Os Fundamentos Jurídicos De Uma “União De Direito” ...................................................................... 9
1.3.1. O Princípio da Tutela Judicial da Legalidade Eurocomunitária.................................................... 9
1.3.1.1. Os Tribunais Competentes ................................................................................................ 10
1.3.1.2. Os Meios Jurisdicionais Adequados................................................................................... 10
1.3.1.2.1. Perante os Tribunais nacionais ....................................................................................... 10
2. ESTRUTURA JUDICIÁRIA DA UNIÃO EUROPEIA ................................................................... 12
2.1. O Tribunal de Justiça da União Europeia ........................................................................................... 12
2.1.1. Estrutura – uma instituição, vários tribunais ............................................................................ 12
2.1.2. Composição ............................................................................................................................... 13
2.1.3. Natureza da jurisdição ............................................................................................................... 14
2.1.4. Função Integradora da Jurisprudência eurocomunitária .......................................................... 16
2.1.5. Competências ............................................................................................................................ 16
2.1.6. Organização e Funcionamento .................................................................................................. 18
2.2. O Tribunal Geral ................................................................................................................................ 20
2.3. Tribunais Especializados .................................................................................................................... 21
2.4. Tramitação Processual e Principio da Tutela Jurisdicional Efetiva .................................................... 21
2.4.1. Igualdade ................................................................................................................................... 22
2.4.1.1. Principio do Contraditório ................................................................................................. 22
2.4.1.2. Gratuitidade do Processo e Regime de Assistência Judiciária........................................... 22
2.4.2. Efetividade ................................................................................................................................. 23
2.5. Alguns Aspetos Pertinentes ............................................................................................................... 23
2.5.1. Regime Linguístico ..................................................................................................................... 23
2.5.2. Representação das Partes ......................................................................................................... 24
2.5.3. Intervenção................................................................................................................................ 24
2.5.4. Tramitação Urgente ou Acelerada ............................................................................................ 24
2.5.5. Força Obrigatória do Acórdão ................................................................................................... 25
3. O PROCESSO DE QUESTÕES PREJUDICIAIS .......................................................................... 26
3.1. Elementos Fundamentais de Caracterização de uma Via Processual Única e Idiossincrática .......... 26
3.1.1. Direito Comparado .................................................................................................................... 27
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3.1.2. Especificidades do Processo no Sistema Eurocomunitário ....................................................... 28


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3.1.2.1. Especificidade Estrutural ................................................................................................... 28

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3.1.2.2. Especificidade Funcional.................................................................................................... 29


3.1.3. Juiz Nacional – Um Juiz cada vez mais Europeu ........................................................................ 30
3.2. Objeto do Processo das Questões Prejudiciais ................................................................................. 31
3.2.1. Noção Relevante de Questão Prejudicial .................................................................................. 31
3.2.2. Questão Prejudicial de Interpretação ....................................................................................... 31
3.2.3. Questão Prejudicial de Validade ................................................................................................ 32
3.3. Autor da Questão Prejudicial ............................................................................................................ 33
3.3.1. Noção de Órgão Jurisdicional .................................................................................................... 33
3.3.2. Categorias Especiais de Órgãos Jurisdicionais ........................................................................... 34
3.3.2.1. Tribunais Arbitrais ............................................................................................................. 34
3.3.2.2. Julgados de Paz .................................................................................................................. 35
3.3.2.3. Órgãos de Ordens Profissionais ......................................................................................... 36
3.3.2.4. Autoridades Reguladoras .................................................................................................. 36
3.3.2.5. Tribunais Constitucionais................................................................................................... 36
3.4. Natureza Jurídica da Decisão de Reenviar: pode ou deve ser colocada a questão prejudicial? ....... 37
3.5. Conteúdo e Forma Da Decisão Judicial De Colocação Da Questão Prejudicial ................................. 42
3.6. O Acórdão sobre questões prejudiciais ............................................................................................. 43
3.6.1. Tramitação Processual............................................................................................................... 43
3.7. Efeitos do Acórdão ............................................................................................................................ 45
3.7.1. Autoridade do acórdão ou efeito de precedente atípico .......................................................... 45
3.7.1.1. Acórdão sobre a interpretação .......................................................................................... 45
3.7.1.2. Acórdão sobre a validade .................................................................................................. 46
3.7.2. Efeitos no Tempo ....................................................................................................................... 47
3.7.2.1. Acórdão Sobre a Interpretação ......................................................................................... 47
3.7.2.2. Acórdão Sobre a Validade ................................................................................................. 48
4. RECURSO DE ANULAÇÃO ..................................................................................................... 49
4.1. Bases Jurídicas ................................................................................................................................... 49
4.2. Critérios Gerais de Admissibilidade do Recurso de Anulação ........................................................... 50
4.2.1. Tribunal Competente................................................................................................................. 50
4.2.2. Prazo de Impugnação ................................................................................................................ 50
4.2.3. Atos Suscetíveis de Impugnação ............................................................................................... 51
4.2.3.1. Imputação .......................................................................................................................... 51
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4.2.3.2. Conteúdo do Ato ............................................................................................................... 53


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4.3. Recorrentes ....................................................................................................................................... 54

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4.3.1. Recorrentes de Legitimidade Plena ........................................................................................... 54


4.3.2. Recorrentes de Legitimidade Condicionada .............................................................................. 54
4.3.3. Recorrentes Ordinários – em especial, a situação dos particulares.......................................... 55
4.3.3.1. Legitimidade para Impugnar atos dirigidos a outrem ....................................................... 56
4.3.3.2. Legitimidade para Impugnar atos dirigidos a todos .......................................................... 56
4.3.3.2.1. Ato individual versus ato geral ....................................................................................... 56
4.3.3.2.2. Afetação individual ......................................................................................................... 56
4.3.3.2.3. Afetação direta ............................................................................................................... 58
4.3.3.3. O caso especifico dos atos regulamentares autoexequíveis ............................................. 59
4.4. Fundamento do Recurso ................................................................................................................... 60
4.4.1. Incompetência ........................................................................................................................... 60
4.4.2. Violação de formalidades essenciais ......................................................................................... 61
4.4.3. Violação de Lei ........................................................................................................................... 61
4.4.4. Desvio de Poder ......................................................................................................................... 61
4.5. Efeitos do Acórdão ............................................................................................................................ 62
4.5.1. Que Recusa a declaração de nulidade ....................................................................................... 62
4.5.2. Que declara a nulidade .......................................................................................................... 62
5. RECURSO POR OMISSÃO ..................................................................................................... 64
5.1. Bases Jurídicas ................................................................................................................................... 64
5.2. Natureza desta Via Processual e Seu Interesse Prático..................................................................... 64
5.3. Omissão Relevante ............................................................................................................................ 65
5.3.1. Noção de Omissão ..................................................................................................................... 65
5.3.2. Responsável Institucional pela Omissão ................................................................................... 66
5.4. Recorrentes ....................................................................................................................................... 66
5.4.1. Privilegiados – Instituições e Estados-membros ....................................................................... 66
5.4.2. Ordinários – Pessoas Singulares ou Coletivas ........................................................................... 66
5.5. Procedimento Pré-Contencioso ........................................................................................................ 67
5.5.1. Convite a Agir ............................................................................................................................ 67
5.5.2. Reação ao Convite ..................................................................................................................... 67
5.6. Fundamentos do Recurso .................................................................................................................. 68
5.7. Efeitos do Acórdão declarativo de omissão ilegal ............................................................................. 69
6. EXCEÇÃO DE ILEGALIDADE .................................................................................................. 70
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6.1. Base Jurídica ...................................................................................................................................... 70


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6.2. Natureza e Relevância Prática ........................................................................................................... 70

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6.3. Atos passíveis de controlo incidental da ilegalidade ......................................................................... 70


6.4. Legitimidade Ativa: qualquer parte é mesmo qualquer parte? ........................................................ 71
6.5. Prazo de invocação da Exceção de Ilegalidade.................................................................................. 71
6.6. Enquadramento processual para a invocação da exceção de ilegalidade ........................................ 71
6.6.1. Recursos Diretos ........................................................................................................................ 71
6.6.2. Processo de questões prejudiciais............................................................................................. 72
6.7. Efeitos do acórdão que se pronuncia pela ilegalidade ...................................................................... 72
7. O CONTENCIOSO DO INCUMPRIMENTO ............................................................................. 73
7.1. Bases Jurídicas ................................................................................................................................... 73
7.2. Contencioso Típico do Incumprimento e Modalidades Especiais de Incumprimento ...................... 74
7.2.1. Procedimentos judiciais especiais ............................................................................................. 75
7.2.1.1. Procedimento simplificado no domínio do direito aplicável às ajudas de Estado (v. artigo
108.º, n.ºs 2 e 3, TFUE) .......................................................................................................................... 75
7.2.1.2. Procedimento simplificado no domínio da derrogação às medidas de harmonização do
mercado interno (v. artigo 114.º, n.9, TFUE) ........................................................................................ 75
7.2.1.3. Procedimento simplificado no domínio das derrogações justificadas por razões de
segurança nacional ................................................................................................................................ 75
7.2.1.4. Procedimentos específicos por violação das obrigações previstas no Estatuto do Banco
Europeu de Investimento (BEI) e no Estatuto do Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) ........... 76
7.2.1.5. Procedimentos simplificados no quadro do Tratado Eurátomo (CEEA) ............................ 76
7.2.2. Procedimentos não judiciais...................................................................................................... 76
7.2.2.1. Procedimento por défice orçamental excessivo ............................................................... 76
7.2.2.2. Procedimento de sanções políticas por violação dos valores fundamentais da União
Europeia 77
7.3. Tribunal Competente......................................................................................................................... 78
7.4. Noção de Incumprimento.................................................................................................................. 78
7.4.1. Pluralidade das regras paramétricas ......................................................................................... 78
7.4.2. Natureza da obrigação vinculante ............................................................................................. 80
7.4.3. Pluralidade de comportamentos tipificados de incumprimento .............................................. 80
7.4.4. Natureza objectiva do incumprimento...................................................................................... 82
7.5. lmputação do incumprimento ........................................................................................................... 83
7.6. Procedimento pré-contencioso ......................................................................................................... 86
7.6.1. Comissão c. Estado-membro ..................................................................................................... 86
7.6.1.1. Carta de notificação de incumprimento ............................................................................ 86
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7.6.1.2. Parecer fundamentado ...................................................................................................... 88

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7.6.2. Estado-membro c. Estado-membro .......................................................................................... 89


7.7. Processo de acção por incumprimento ............................................................................................. 90
7.7.1. Requisitos de admissibilidade ................................................................................................... 90
7.7.2. Exigências de prova ................................................................................................................... 93
7.7.3. Argumentação de defesa dos Estados-membros ...................................................................... 94
7.7.3.1. Precedentes pouco auspiciosos de defesa ........................................................................ 94
7.7.3.2. Excepção de ilegalidade/ Excepção por inexistência jurídica............................................ 95
7.7.3.3. Presunção de legalidade dos actos jurídicos da União...................................................... 95
7.7.3.4. Causas de força maior ....................................................................................................... 95
7.7.3.5. Impossibilidade absoluta de execução .............................................................................. 96
7.8. Efeitos do acórdão declarativo do incumprimento ........................................................................... 97
7.8.1. Do incumprimento sem sanção ao incumprimento com (pesada e expedita) sanção pecuniária
97
7.8.2. Sobre o âmbito (temporal e material) da obrigação de executar o acórdão declarativo do
incumprimento .......................................................................................................................................... 98
7.9. Incumprimento Qualificado e Sanções Pecuniárias .......................................................................... 99
7.9.1. Aspetos Gerais ........................................................................................................................... 99
7.9.2. A fase pré-contenciosa da acção por incumprimento qualificado ou ”duplo incumprimento"
100
7.9.3. Sanções pecuniárias aplicáveis: quantia fixa e/ou sanção pecuniária compulsória ............... 101
7.9.4. Âmbito da competência sancionatória do Tribunal de Justiça, com base no artigo 260º/2 TFUE
102
7.9.5. E Execução do acórdão condenatória ao pagamento de sanção pecuniária .......................... 104
7.10. Modalidades preventivas e extrajudiciais de controlo do incumprimento ................................ 105
8. O CONTENCIOSO DA RESPONSABILIDADE.............................. Error! Bookmark not defined.
9. OS MEIOS PROCESSUAIS DE TUTELA PROVISÓRIA ................. Error! Bookmark not defined. 6
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1. JUSTIÇA EUROCOMUNITÁRIA E UNIÃO DE DIREITO

1.1. Noção de Justiça Eurocomunitária


Desde a criação da primeira Comunidade – CECA - com o Tratado de Paris de 1951, o projeto de
integração europeia conta com a existência de um Tribunal Permanente, dotado de jurisdição obrigatória – o
Tribunal de Justiça. Até 2009 era conhecido como Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, desta data
em diante é conhecido como Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

O sistema de Justiça da União Europeia pode ser caracterizado a partir da consideração de três
critérios, complementares e interdependentes: critério orgânico, critério funcional e critério processual.

⎯ Critério Orgânico

O artigo 13º/1 TUE define a existência de uma Instituição da União Europeia que recebe o nome
de Tribunal de Justiça da União Europeia, a qual, nos termos do artigo 19º/1 TUE, integra o Tribunal de
Justiça, o Tribunal Geral e os Tribunais Especializados. São estes os Tribunais organicamente
eurocomunitários, os Tribunais integrados na estrutura institucional da própria União Europeia. Uma
Instituição Legal, vários Tribunais. Outra importante singularidade do sistema orgânico de Justiça da União
Europeia resulta da coexistência entre Tribunais organicamente eurocomunitários e Tribunais dos Estados-
membros. Os Tribunais nacionais são também Tribunais da União, no sentido que interpretam e aplicam
Direito da União. Estão, contudo, integrados na estrutura judiciária de cada Estado-membro e julgam de
acordo com o respetivo Direito Processual

⎯ Critério Funcional

Os Tratados são claros no mandato confiado à instituição judicial: garantir o respeito do direito na
interpretação e aplicação dos Tratados (art.19º/1 TUE). O objetivo é o de, mediante a intervenção de um
Tribunal, assegurar o respeito pela tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo Direito da
União. A imperatividade do principio da Tutela Jurisdicional efetiva é fonte de uma obrigação para todos os
Estados-membros, definida pelos Tratados no sentido de os vincular ao estabelecimento das vias de recurso
necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo Direito da União
(art.19º/1), incluindo nesta obrigação a criação de uma estrutura judiciária adequada à garantia da
efetividade plena do Direito da União.

⎯ Critério Processual

O Tribunal de Justiça da União Europeia interpreta e aplica o Direito da União no quadro das vias de
Direito expressamente previstas nos Tratados, identificadas por referência a três modalidades processuais
(art.19/3 TUE):

1. Recursos interpostos por Estados-membros, por Instituições ou por particulares (vias


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contenciosas diretas);
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2. Processo das questões prejudiciais, no qual o Tribunal de Justiça responde a questões de


interpretação ou de validade colocadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais no âmbito de
processos pendentes da sua decisão;
3. Outros casos previstos pelos Tratados.

Como qualquer instituição da União, o TJUE está limitado pelo princípio da competência de
atribuição (art.5º/1 e 2 TUE). A missão fundamental de garantir o respeito do direito orienta, em qualquer
caso, a ação do TJUE, mas não legitima o exercício ultra vires do âmbito da sua competência, mesmo que à
luz da justificação eventualmente reclamada pelo reforço da tutela judicial efetiva. Ao TJUE compete
garantir a todos e a cada um o exercício judicial do direito invocado, no quadro das vias processuais
instituídas pelos Tratados. Se não for possível accionar o TJUE, a competência residual pertence aos tribunais
nacionais e serão estes, como o prevê e bem, o artigo 274º TFUE, os guardiões da legalidade.

1.2. União Europeia de Direito – na sua dupla dimensão


O processo de integração europeia foi, desde o inicio, gizado para funcionar como uma estrutura
politica de direito: preeminência do direito, assegurada, se e quando necessário, pela intervenção dos
tribunais, atuando através das via jurisdicionais adequadas. Às Comunidades Europeias sucedeu a União
Europeia, mutação jurídica definitivamente consagrada com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa. A
União Europeia baseada nos valores de respeito pela dignidade da pessoa humana, da liberdade, da
democracia, do Estado de Direito e do respeito pelos direitos do Homem (art.2º TUE), partilhando os Estados-
membros a matriz de Estado de Direito, assume necessariamente o modelo da União Europeia.

Em termos puramente jurídicos, e é esta dimensão que ora nos interessa, a União Europeia de
Direito implica uma dupla dimensão:

⎯ Substantiva ou material

No sentido em que a União Europeia está obrigada a respeitar o Direito, sob a forma de normas
adotadas pelas instituições da União competentes, incluindo acordos internacionais bem como sob a forma
de normas e princípios resultantes dos Tratados institutivos, dos princípios gerais de direito e, em geral, do
Direito Internacional Comum. A vinculação normativa que sujeita e enquadra a ação da União, em termos
análogos ao que acontece com o Estado soberano, é garantia da limitação do poder e da prevenção de
derivas autoritárias e anti-democráticas.

⎯ Judiciária

No sentido, por um lado, orgânico-institucional da existência de Tribunais competentes e, por outro


lado, jurídico-processual de previsão de vias de direito adequadas à invocação perante o juiz competente
dos direitos reconhecidos pelas normas garantidoras. A vertente judiciária ou processual da União Europeia
é instrumental relativamente à preeminência do direito, relativamente ao primado axiológico do direito
como bloco de juridicidade. Instrumental, mas necessária, porque na ordem jurídica da União Europeia, mais
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próxima neste aspeto, da matriz estadual do que do modelo de jurisdição facultativa do Direito Internacional

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Público, a cada direito há-de corresponder uma via processual de salvaguarda – adequada e vocacionada
para garantir a realização plena da tutela jurisdicional efetiva, tal como a prevê o artigo 47º, parágrafo
primeiro, CDFUE. De modo análogo ao que se verifica na ordem jurídica dos Estados, desde o advento do
constitucionalismo, a limitação jurídica do poder no seio da União Europeia está diretamente ligada à
autonomização da função politica e da função legislativa em relação à função judicial.

O Tribunal de Justiça, no exercício da função jurisdicional da União Europeia, não tem um papel
menor de contida e estrita aplicação da norma vigente. Ao longo de décadas de jurisprudência, com
variações de intensidade, o Tribunal de Justiça tomou como rumo uma certa ideia de Europa e, ao fazê-lo,
impôs uma leitura axiológica dos Tratados, inculcada pela interpretação de base principalista do estatuto
jurídico da União Europeia. Para esta configuração substancialista do dever de julgar, foi determinante, em
particular, a perceção dos Tratados como carta constitucional de uma Comunidade de Direito e, outrossim, a
jurisprudência relativa à proteção dos direitos fundamentais que, durante um período muito longo, supriu a
ausência nos Tratados de uma cláusula especifica sobre direitos fundamentais. Jurisprudência que estaria na
origem da formulação da cláusula aberta do artigo 6º/3 TUE introduzida pelo Tratado de Lisboa. Numa visão
de síntese sobre o papel do TJ, desde os primórdios da década de sessenta até aos nossos dias, é mister
reconhecer que a decisão judicial foi – e continua sendo – um instrumento privilegiado de realização e
ampliação do paradigma da União de Direito.

1.3. Os Fundamentos Jurídicos De Uma “União De Direito”

1.3.1. O Princípio da Tutela Judicial da Legalidade Eurocomunitária


O Direito da União Europeia impõe obrigações aos Estados-membros e confere direitos diretamente
aos cidadãos. No entanto, nem umas nem outras seriam dotados de eficácia se não pudessem ser acionados
em juízo. Assim, a cada direito deve corresponder um meio jurisdicional que permita efetivá-lo.

No entanto, esses meios jurisdicionais não têm necessariamente de provir do sistema de fiscalização
judicial da UE, o qual não foi gizado para proteger diretamente os cidadãos, pois raros são os casos em que
estes têm acesso direto aos Tribunais da União Europeia. Este acesso, em sede de recurso de anulação e de
ação de omissão, sempre esteve sujeito a condições muito restritas. No entanto, tal não significa que os
cidadãos não tenham hipóteses de acionar os seus direitos em juízo. Podem fazê-lo perante os tribunais
nacionais que, por força do efeito direto, da aplicabilidade direta e do primado, participam na função judicial
da UE, aplicando o Direito por ela produzido.

Assim, o princípio da tutela judicial efetiva deve ser entendido como uma forma de compensar o
défice judiciário da UE e como um modo de contribuir para a construção de uma União de Direito e para o
aumento da democraticidade da justiça.

As primeiras formulações deste princípio remontam ao final da década de 60. No caso SPA Salgoil, o
Tribunal afirmou que os órgãos jurisdicionais nacionais deviam assegurar os interesses das pessoas sujeitar à
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sua jurisdição, que poderiam ser afetas por qualquer possível violação do Tratado, mediante a garantia de
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uma tutela direta e imediata.

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No caso Rewe Zentrale, o Tribunal baseou no atual art.4.º/3 TUE a obrigação de os órgãos
jurisdicionais nacionais assegurarem o efeito direto das normas comunitárias. No entanto, foi na década de
80, no caso Johnston, que o Tribunal qualifica, explicitamente, o princípio da tutela judicial efetiva como um
direito fundamental que se baseia nas tradições constitucionais comuns aos Estados-membros e na CEDH.

1.3.1.1. Os Tribunais Competentes


A tutela jurisdicional efetiva foi deixada, por um lado, aos tribunais nacionais em geral e, por outro
lado, ao TJUE, que é composto por TJ e TG.

Com efeito, os tribunais comuns do DUE são os tribunais nacionais, pois são eles que, em primeira
linha, aplica um número considerável de normas e de atos da União constituídos por disposições
diretamente aplicáveis ou que gozam de efeito direto nos litígios que eventualmente possam ocorrer nas
relações entre particulares ou entre particulares e Estado. Logo, os tribunais nacionais zelam pela aplicação
do DUE na ordem interna dos Estados-membros.

No entanto, é estabelecido um princípio da cooperação entre o TJUE e os tribunais estaduais, que


embora tenha sido pensada para ser uma cooperação horizontal, em que o TJ não tem competência para
anular ou declarar a nulidade ou a inexistência de uma norma estadual que contrarie uma norma da UE e
também não tem competência para rever as sentenças de tribunais dos Estados-membros.

1.3.1.2. Os Meios Jurisdicionais Adequados

1.3.1.2.1. Perante os Tribunais nacionais


Os tribunais nacionais são os órgãos comuns da justiça eurocomunitária, estes interpretam e aplicam
o DUE no quadro do respetivo direito processual. Na expressão da autonomia institucional, os Estados-
membros definem, soberanamente, a estrutura judiciária, a sua composição e natureza da relação entre as
diferentes instâncias judiciais. Na expressão da autonomia processual, o decisor determina as vias
processuais adequadas e o regime processual aplicável. Não existindo harmonização das legislações
processuais nacionais, os tribunais de cada Estado-membro aplicam os seus próprios códigos. De acordo,
com o caso Rewe II: “na falta de regulamentação comunitária na matéria, compete à ordem jurídica de cada
Estado-membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais das
ações judiciais destinadas a garantir a proteção dos direitos que decorrem, para os cidadãos, do efeito direto
do direito comunitário”.

A diversidade de legislação processual, embora corolário da expressão legitima da vontade


soberana, carrega o risco de uma aplicação desigual da norma eurocomunitária ou, mesmo, a sua
desaplicação. Com o objetivo de eliminar este risco, o TJ definiu 3 critérios limitadores do princípio da
autonomia:

⎯ Equivalência de meios
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As regras processuais relativas às ações de garantias dos direitos que resultam para os particulares
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das normas eurocomunitárias, invocáveis na medida permitida pelo efeito direto, nomeadamente as regras

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de legitimidade processual e custas de processo, não podem ser menos favoráveis do que as modalidades
relativas a ações análogas de natureza interna, em que esteja em causa a invocação de um direito
reconhecido por norma interna.

No caso Palmisani, o TJ reservou-se o direito de avaliar a legislação processual interna.

⎯ Efetividade da via processual

As condições processuais fixadas pela legislação processual nacional aplicável não podem ser
definidas de moda a, como efeito geral ou no caso concreto, tornar praticamente impossível ou
excessivamente difícil o reconhecimento do direito em causa. Saber se determinada exigência processual
dificulta ou inviabiliza o exercício do direito deve ser analisado tendo em conta a colocação da disposição em
causa no conjunto do processo, a tramitação deste e as suas particularidades nas várias instâncias nacionais.

Assim, a exigência relativa à existência de via processual idónea à garantia do direito resultante de
norma eurocomunitária depende de características próprias do sistema jurídico-processual em causa.

Assim, segundo a REGENTE, a efetividade cumpre um objetivo de neutralidade processual ou não


discriminação processual entre a garantia da norma interna e a garantia da norma eurocomunitária. Se em
causa estiver uma modalidade processual menos favorável ao exercício do direito de fonte interna prevalece
o princípio da autonomia processual, apenas suscetível de limitação se inviabilizar a tutela jurisdicional
efetiva em relação à invocação do direito de fonte comunitária.

⎯ Proteção dos direitos fundamentais

No caso Steffensen, o TJUE acrescentou o respeito pelos direitos fundamentais como um dos limites
opostos ao princípio da autonomia processual.

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DIREITO DO CONTENCIOSO DA UNIÃO EUROPEIA | 4º ANO

2. ESTRUTURA JUDICIÁRIA DA UNIÃO EUROPEIA

2.1. O Tribunal de Justiça da União Europeia

2.1.1. Estrutura – uma instituição, vários tribunais

O Tribunal de Justiça foi criado com o primeiro tratado comunitário. Desde a sua génese, o processo
de integração europeia foi concebido para funcionar como uma estrutura política de direito: preeminência
do Direito, assegurada, quando necessário, pelas vias jurisdicionais adequadas. Este princípio fundamental
de ordenação do sistema comunitário vai inspirar a convicção de que as Comunidades Europeia funcionam
como uma “Comunidade de Direito”.

A existência de um tribunal foi, do mesmo modo, considerada essencial no quadro das duas
comunidades (CEE, CECA) instituídas pelos Tratados de Roma em 1957. O primeiro Tratado de Fusão, de 25
de Março de 1957, determinou que um único Tribunal exerceria as competências que os dois Tratados
atribuíram ao órgão jurisdicional previsto em cada um deles e, por outro lado, este Tribunal iria substituir o
Tribunal criado pelo Tratado CECA.

Com entrada em vigor do TUE, foi associada ao Tribunal de Justiça uma “jurisdição encarregada de
conhecer, em primeira instância (…) certas categorias de ações determinadas”, designada por Tribunal de
Primeira Instância. Instituído em 1989, foi rebatizado pelo Tratado de Lisboa como Tribunal Geral (art. 19º,
n.º1 TUE e art. 256º TFUE). O Tratado de Nice tornou possível a criação, por decisão unanime do Conselho,
de câmaras jurisdicionais “encarregadas de conhecer em primeira instância de certas categorias de recursos
em matérias específicas”. O Tratado de Lisboa clarificou a sua natureza de órgãos judiciais ao chamar-lhes
“tribunais especializados” (art. 257º TFUE). Criado em 2004, o Tribunal da Função Pública da UE é, até ao
momento, o único tribunal especializado da UE.

O art. 13º, n.º1 TUE define a existência de uma instituição judicial chamada Tribunal de Justiça da
União Europeia (TJUE) que, nos termos do art. 19º, n.º1 inclui: Tribunal de Justiça (TJ); Tribunal Geral (TG);
tribunais especializados (a reforma importante de 2016 ditou a extinção do Tribunal da Função Pública e o
abandono da opção pela eventual criação de outros Tribunais especializados, alteração feita no Estatuto).

Uma única instituição, com três tribunais, com a possibilidade de no futuro, Parlamento e Conselho
tomarem a decisão de criar outros tribunais especializados.

À instituição judicial no seu conjunto, o TJUE, incumbe a garantia do “respeito do direito na


interpretação e aplicação dos Tratados” (art. 19º, n.º1 TUE). Sempre que os Tratados se referem ao TJUE
(art. 263 TFUE) sem qualquer outra especificação, deve entender-se que se trata de um comando aplicável à
instituição. Saber qual dos tribunais, em concreto, deve ser demandado depende da aplicação das normas
dos Tratados e do Estatuto relativas à repartição de competências entre os três. Se os Tratados se referirem
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expressamente ao Tribunal de Justiça (art. 251º TFUE) ou ao Tribunal Geral (art. 256º TFUE) são visados
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apenas um ou outros destes tribunais.

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Das decisões dos tribunais especializados cabe recurso para o TG (art. 257º, parágrafo terceiro
TFUE) e, por sua vez, das decisões do TG cabe recurso para o TJ (art. 256º, n.º1, parágrafo segundo, TFUE).
Este sistema de recursos pressupõe uma relação hierárquica entre os tribunais que integram a instituição
judicial da UE. O TJ funciona como verdadeiro tribunal supremo.

As fontes normativas de regulação da composição, funcionamento e competências do TJUE


encontram-se: nos Tratados Institutivos (art. 19º TUE e art. 251º ss TFUE); Protocolo relativo ao Estatuto do
Tribunal da UE, anexo aos Tratados, que goza do mesmo valor jurídico (art. 51º TUE); Regulamento de
Processo do Tribunal de Justiça do Tribunal Geral e do Tribunal da Função Pública; no Regulamento
Adicional; nas Instruções do Secretariado.

2.1.2. Composição
O TJ é composto por um juiz de cada Estado-membro (art. 19º, n.º2 TUE) e assistido por oito
advogados-gerais (art. 252º, parágrafo primeiro, TFUE). A prática garante um adovogado-geral por cada um
dos considerados grandes cinco (Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Espanha) e outros três são
nomeados por rotação entre os restantes Estados-membros. A declaração n.º38 prevê, se o TJ o solicitar, o
aumento para onze advogados-gerais, sendo que assim a Polónia passaria a ter um permanente.

O TG tem, pelo menos, um juiz por Estado-membro (art. 19º, n.º2, parágrafo segundo, TUE). O
Tribunal da Função Pública é composto por sete juízes, podendo o seu número aumentar a pedido do TJ.

Sempre se garantiu, mediante compromisso político, a nomeação de, pelo menos, um juiz por cada
Estado-membro. Este entendimento nunca prejudicou a vocação integracionista do Tribunal e favorece a
autoridade da sua jurisprudência ao garantir o conhecimento das particularidades do sistema jurídico e legal
de cada Estado-membro. Mais ainda, tanto permite a identificação de princípios gerais comuns aos direitos
dos Estados-membros, expressamente previstos no art. 340º TFUE como fundamento de decisão
jurisdicional.

Os juízes e os advogados-gerais são nomeados, de comum acordo, pelos Governos dos Estados-
membros, por um período de seis anos (art. 253º e 254º TFUE). A escolha deve recair sobre as
personalidades mencionadas no art. 253º TFUE. De forma geral, os membros do TJ têm sido recrutados na
esfera judicial, académica e diplomática. Em relação do TG (art. 254º TFUE) e ao Tribunal da Função Pública
(art. 257º TFUE) os requisitos curriculares são menos exigentes e apontam para um perfil mais técnico do
candidato.

A nomeação de ambos está sujeita a um parecer sobre a adequação dos candidatos ao exercício das
funções, elaborado pelo comité previsto no art. 255º TFUE. O comité é composto por sete personalidades,
escolhidas de entre antigos membros do TJ e do TG. Trata-se de uma inovação do Tratado de Lisboa.

Nos temos do art. 253º, parágrafo quinto, TFUE, é o próprio TJ (equivalente para o TG art. 254º)
que nomeia o seu secretário e estabelece o respetivo estatuto. Nomeado por 6 anos, o secretário
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desempenha funções de ordem processual e administrativa.


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Os juízes escolhem no seu seio, por três anos, um presidente, que pode ser reeleito (art. 253º,
parágrafo terceiro, TFUE e art. 254º, parágrafo terceiro, TFUE).

O estatuto assenta sobre um conjunto alargado de direitos e obrigações que visam tutelar o atributo
primordial da independência e imparcialidade. Quanto às obrigações, destacam-se: o dever de prestar
juramento em audiência pública, e durante a qual assinam uma declaração com a qual se comprometem a
respeitar os deveres inerentes ao cargo; o dever de fixar residência no Luxemburgo; proibição de exercer
qualquer função política, administrativa ou profissional, mesmo que não seja remunerada.

Entre os direitos e benefícios: imunidade de jurisdição total para qualquer ato cometido durante o
mandato; inamovibilidade do mandato, pelo que para ser afastado um membro do TJ tem de ser por
unanime decisão de todos os juízes e advogados-gerais; aplicação das regras sobre privilégios, benefícios e
imunidades previstas para os funcionários e agentes da União.

A preocupação de acautelar de modo eficaz a independência dos juízes estará na base do secretismo
das suas deliberações (art. 35º Estatuto). Só os juízes participam nas reuniões de deliberação, com exclusão
do advogado-geral e dos tradutores-intérpretes. Assim se compreende a existência de uma língua de
comunicação entre os juízes, o francês, e a ausência de declarações de voto.

Ao advogado-geral, que também é membro do TJ, cabe apresentar conclusões fundamentadas sobre
as causas que requeiram a sua intervenção (art. 252º, parágrafo segundo, TFUE). Nas conclusões que
apresenta, analisa o litígio sub judice e propõe uma determinada solução jurídica para o mesmo,
devidamente fundamentada no adquirido jurisprudencial sobre a matéria ou na interpretação divergente
que perfilha sobre a questão.

É de grande importância a função do advogado-geral: para o Tribunal de Justiça que, podendo não
acompanhar o raciocínio do seu advogado-geral, encontra, todavia, nas suas conclusões a expressão
elaborada da opinião valiosa de um perito; para os estudiosos do Direito da União Europeia que toam nas
conclusões uma excelente síntese dos problemas jurídicos em análise e uma leitura critica, ou apenas
retrospectiva, da jurisprudência proferida a propósito daquela questão ou de questões materialmente
conexas, incluindo a remissão para a opinião dos académicos mais representativos do estado da arte.

A figura do advogado geral foi inspirada nos modelos do comissário do governo que funciona junto
do Conselho de Estado francês e do Supremo Tribunal dos Países Baixos.

O desacordo de um interessado relativamente às conclusões do advogado-geral, sejam quais forem


as questões que este examina nessas conclusões, não pode constituir, em si mesmo, um fundamento
justificativo da reabertura da fase oral do processo.

2.1.3. Natureza da jurisdição


O TJ exerce os seus poderes de interpretação e aplicação do DUE no âmbito de uma jurisdição que
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podemos definir como: de atribuição (i); obrigatória (ii); exclusiva (iii); de pronúncia definitiva (iv).
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⎯ Jurisdição de Atribuição

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O TJ, o TG e os tribunais especializados atuam nos limites definidos de uma competência de


atribuição (art. 5º, n.º1 TUE). O sistema instituído pelos Tratados baseia-se num princípio de
descentralização da função jurisdicional. Os tribunais dos Estados-membros constituem a instância comum
de aplicação do DUE (art. 274º TFUE).

Do ponto de vista funcional, os tribunais nacionais convertem-se em tribunais comunitários quando


são chamados a dirimir litígios que envolvem a aplicação de normativo da UE. Já em relação ao TJ e ao TG, a
respetiva jurisdição depende sempre de uma norma do Tratado que defina o âmbito da sua competência e a
via de direito adequada ao seu exercício. Não se exige o esgotamento das vias internas.

Os Tratados definiram a relação entre o TJ e os tribunais nacionais com base no princípio da


cooperação, de que o art. 267º TFUE é manifestação por excelência. Não existe uma relação de natureza
hierárquica entre os tribunais nacionais e o TJ. Das sentenças proferidas pelo juiz nacional não cabe recurso
para o TJ nem para o TG. No âmbito de um litígio concreto que esteja a ser apreciado pelo tribunal de um
Estado-membro, e que convoque a aplicação de norma comunitária, pode o TJ ser chamado a pronunciar-se,
mas sob a forma de uma questão prejudicial suscitada pelo juiz nacional a quo.

O Juiz da UE carece em absoluto do poder de reformar as decisões dos tribunais nacionais e do


poder de anular os atos adotados pelas autoridades nacionais que sejam contrárias ao Direito da União.

⎯ Jurisdição Obrigatória

A jurisdição do TJUE é obrigatória, pelo que os Estados a ela estão submetidos em virtude da sua
condição de Estados-membros da UE. O TJ goza de competência obrigatória para dirimir conflitos entre
Estados-membros (art. 259º TFUE), entre a Comissão e Estados-Membros (art. 258º TFUE), entre
instituições da UE (art. 263º e 265º TFUE), entre Estados-membros e instituições da UE (art. 263º, 265º e
268º TFUE) e, finalmente, entre particulares e instituições da UE (art. 263º, 265º e 268º TFUE).

⎯ Jurisdição Exclusiva

Quando estão em causa litígios entre Estados-membros, ou entre Estados-membros e instituições da


União, os Tratados reconhecem ao TJUE um monopólio de jurisdição (art. 344º TFUE). Pretende-se assim
afastar o recurso aos tribunais internacionais e aos tribunais arbitrais.

A premissa que justifica o regime de exclusividade do ar.t 344 TFUE é a especificidade da UE como
modelo de associação de Estados no quadro global de relações regidas pelo DIP. Por outro lado, o
monopólio de jurisdição estende-se aos litígios de caráter interinstitucional, que opõem uma instituição a
outra.

⎯ Jurisdição de Última Instância

As decisões proferidas pelo TJ não são passiveis de recurso, ressalvadas as hipóteses de recurso
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extraordinário. Em rigor, as várias modalidades de recurso extraordinário [oposição ao acórdão proferido à


revelia (art. 41º Estatutos, 94º Regulamento de Processo), oposição de terceiros (art. 42º Estatutos, 97º
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Regulamento de Processo), recurso de interpretação dos acórdãos (art. 43º Estatuto, 102º Regulamento de

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Processo), retificação de erro material ou de omissão de pronúncia (art. 66º e 67º Regulamento de
Processo), e revisão (art. 44º Estatuto, 98º a 100º Regulamento de Processo)] não prejudicam a natureza
definitiva da jurisdição exercida pelo TJ, porquanto estes recursos são decididos por reapreciação.

2.1.4. Função Integradora da Jurisprudência eurocomunitária


Na estrutura institucional da UE, o Juiz comunitário, no exercício da sua função de intérprete
máximo dos tratados institutivos e das normas e atos adotados em sua aplicação, aderiu abertamente a uma
conceção voluntarista sobre o seu lugar no sistema institucional comunitário.

A permanente e fecunda representação de “uma certa ideia de Europa” pelo TJ levou-o a reservar a
mais empenhada prioridade interpretativa ao espírito dos Tratados em detrimento da letra dos Tratados. Foi
esta visão reconstrutiva dos textos normativos que tornou possível ao TJ extrair do silêncio dos tratados
princípios fundamentais como o do primado e do efeito direto, garantir a proteção comunitária dos Direitos
Fundamentais, impor aos Estados-membros o dever de indemnizar os prejuízos resultantes de violação do
Direito Comunitário, adaptar a extensão das competências das Comunidades ao escopo integracionista da
atuação das instituições comunitárias.

A partir dos finais da década de 80, o TJ moderou a sua precompreensão voluntarista; em


contrapartida, acentuou a preocupação em consolidar e desenvolver os pressupostos jurídico-institucionais
de uma “Comunidade de Direito”.

2.1.5. Competências
Os Tratados atribuem ao TJUE amplas competências de controlo jurisdicional. O art. 19º, n.º3 TUE
define a jurisdição por referência a três áreas fundamentais de competência:

⎯ Recursos interpostos por um Estados-membro, instituição ou particular;


⎯ A título prejudicial, a pedido dos órgãos jurisdicionais nacionais, sobre a interpretação do
DUE ou sobre a validade dos atos adotados pelas instituições;
⎯ Nos demais casos previstos pelos Tratados.

O objetivo primacial de assegurar uma interpretação e aplicação uniformes dos Tratados


fundamenta a extensão destes poderes.

Vários critérios de classificação podem sustentar a construção de uma tipologia das vias processuais
eurocomunitárias. MARIA LUISA DUARTE elege dois critérios fundamentais: o primeiro atende à relação com
uma base jurídica nos Tratados e o segundo que privilegia, no essencial, a função inerente à respetiva via de
direito. Por referência a este segundo critério, cumpre distinguir a função declarativa da função contenciosa.
Ao abrigo da função declarativa, compete ao Juiz da União identificar e interpretar o Direito aplicável a um
litígio concreto pendente nos tribunais nacionais (art. 267º TFUE) ou, então, interpretar os Tratados na
perspetiva de fundamentar um juízo de (in)compatibilidade de um projeto de acordo internacional (art.
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218º, n.º11 TFUE): são intervenções distintas, mas que traduzem uma função de declaração do Direito da
União.
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Ao invés, a função contenciosa abre o TJUE nos conflitos diretos de interesses e direitos, cuja tutela é
reclamada pelas partes no processo. Por sua vez, a função contenciosa foi desdobrada em quatro
modalidades diferentes de ação processual que correspondem, grosso modo, a uma classificação tributária
da natureza dos poderes exercidos pelo Juiz da União: i) o contencioso da legalidade, relativo à apreciação
da questão da legalidade dos atos ou omissões das instituições, órgãos e organismos da União; ii) o
contencioso do incumprimento, que limita a pronúncia do TJ a uma eventual declaração de incumprimento
imputável ao Estado-membro demandado, mas que se distingue do contencioso da legalidade porque estão
em apreciação comportamentos dos Estados-membros e o TJ pode aplicar sanções pecuniárias ao Estado-
membro acusado, mas, em caso algum, pode anular atos de direito nacional; iii) o contencioso de plena
jurisdição, que atribui ao Juiz da União poderes que exorbitam a pronúncia de anulação e se traduzem, por
exemplo, na condenação da União ao pagamento de indemnizações (art. 268º e 340º TFUE) ou na
possibilidade de reformar o ato que aplica uma sanção pecuniária no sentido de reduzir o montante definido
pela autoridade administrativa da União (art. 261º TFUE). Também o contencioso da função pública
resultante de litígios sobre questões pecuniárias (art. 270º TFUE) integra o campo específico da função
contenciosa de plena jurisdição; iv) por via das providências cautelares, o Juiz da União pode assegurar uma
composição provisória dos interesses em jogo, de modo a evitar a produção de efeitos irreversíveis que
esvaziariam de sentido útil a sua pronúncia final sobre o pedido. No recurso de anulação, poderá ser
decretada a suspensão da execução ou da eficácia do ato impugnado (art. 278º TFUE). Em relação a todas as
situações de litigiosidade, o art. 279º TFUE reconhece ao Juiz da União o poder de as apreciar e, se
verificados os pressupostos, as conceder.

O âmbito da competência do TJUE pode ser alargado: 1) por via da cláusula compromissória (art.
272º TFUE); 2) em virtude de um compromisso celebrado entre os Estados-membros relativo a um qualquer
diferendo que os opõe sobre matéria relacionada com o objeto dos Tratados (art. 273º TFUE); 3) através de
um ato unilateral do Conselho que aprove os estatutos de organismos da União (art. 267º, al. b) TFUE).

No exercício dos seus poderes, o TJUE constitui uma jurisdição pluri-funcional. Pode funcionar,
dependendo da natureza dos litígios a dirimir e dos atos de Direito da União a aplicar, como: 1) jurisdição
constitucional, sendo que o TJ vela pela inviolabilidade dos Tratados e dirime os litígios relativos à repartição
de competências entre a UE e os Estados-membros; 2) jurisdição administrativa, para além da sua
competência em materia de contencioso da função pública da União Europeia, o TJUE está investido de
poderes de controlo e de condenação da autoridade administrativa da União; 3) jurisdição internacional,
sendo que o TJ é competente para apreciar litígios entre Estados-membros, que não perderam a sua
qualidade de sujeitos de DIP; 4) jurisdição reguladora, o TJ concretiza um desígnio fundamental quanto à
aplicação homogénea do normativo da União nos diversos Estados-membros, no contexto de sistemas legais
que carregam tradições jurídicas e que podem ser muito diferenciadas; não se trata de uniformizar a
jurisprudência nacional, mas de estabelecer parâmetros ou critérios aferidores do grau admissível de
flutuação decisória por parte do tribunal nacional como único órgão competente para aplicar o DUE ao caso
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concreto, de modo a evitar o “risco grave de lesão da unidade ou da coerência do direito da União” (art.
256º, n.º3, parágrafo terceiro, TFUE).
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O Tratado de Maastricht exclui expressamente a competência do TJ dos domínios relativos ao II e III


Pilares da União Europeia. O Tratado de Amesterdão manteve em relação ao II Pilar a imunidade ao controlo
jurisdicional, mas no que respeita às matérias do III Pilar operou uma alteração fundamental no sentido da
sua (relativa) jurisdicionalização.

O Tratado de Lisboa suprimiu as disposições especiais do ex-artigo 68º e 35º TCE. O âmbito do
controlo jurisdicional foi alargado a domínios em que não estava previsto e reforçado em relação às
matérias do antigo III Pilar. O novo regime de competência do TJUE reflete bem esta arquitetura de “pilares
invisíveis” que resulta do Tratado de Lisboa:

→ Art. 275º TFUE – o TJUE não dispõe de competência no que respeita às disposições de Política
Externa e de Segurança Comum, mas é competente para controlar a observância do art. 40º TUE
e se pronunciar sobre os recursos de anulação instaurados pelos particulares com fundamento na
alegada violação de direitos resultante de medidas restritivas.

→ Art. 276º TFUE – no domínio das matérias que relevam do chamado espaço de liberdade,
segurança e justiça, a competência do TJUE não pode ser exercida em relação às operações
policiais nos Estados-membros, nem incidir sobre o exercício pelas autoridades nacionais das
respetivas atribuições em matéria de ordem pública e segurança interna.

2.1.6. Organização e Funcionamento


O TJ dispõe de poder de auto-organização. Para além de competência de estabelecer o Regulamento
de Processo, embora condicionada à aprovação do Conselho (art. 253º, parágrafo sexto, TFUE), o TJ nomeia
o seu secretário e estabelece, por decisão própria, o respetivo estatuto (art. 253º, parágrafo quinto, TFUE).

A organização administrativa gira em torno de três funções principais: 1) de apoio ao trabalho dos
membros do TJ; 2) da decretaria judicial, dirigida pelo secretário adjunto que depende hierarquicamente do
Secretário do Tribunal de Justiça; 3) de apoio administrativo geral, sendo de destacar os serviços da
biblioteca, investigação e documentação, informática jurídica e de direção de tradução.

O TJ reúne-se em secções ou em grande secção. Nos casos expressamente previstos no Estatuto,


reúne em tribunal pleno (art. 16º). Estão previstas secções de três e cinco juízes (art. 16º). A grande secção é
formada por treze juízes (art. 11º Regulamento de Processo) e o quórum foi fixado em nove juízes (art. 17º
Estatuto). O Tribunal Pleno é formado pelos 27 juízes e o quórum de deliberação é quinze juízes (art. 17º
Estatuto).

No funcionamento do TJ ignora-se a instituição do juiz ad hoc.


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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA

Consultiva (art.218º/11 TFUE)


Função Declarativa
Questões Prejudiciais (art.267º TFUE)

Recurso de anulação
(art.263ºTFUE)

Recurso por omissão


Ilegalidade
(art.265º TFUE)

Exceção de Ilegalidade
(art.277º TFUE)

Incumprimento (art.258.º; 259.º e 260.º TFUE)

Contencioso da
DIRETAMENTE
responsabilidade
FUNDADAS NO
(art.268º/340º TFUE)
TRATADO
Função Contenciosa
Contencioso da Função
Pública Comunitária
Plena Jurisdição
(art.270º TFUE)

Contencioso sobre atos


de conteúdo
sancionatório (art.261º
TFUE)

Suspensão da Eficácia do
Ato (art.278ºTFUE)
Providências Cautelares
Providências Cautelares
Atípicas (art.279º TFUE)

NÃO DIRETAMENTE Cláusula Compromissória de Base Contratual (art.272.º TFUE)


FUNDADAS NO
TRATADO Cláusula Compromissória de Base Convencional (art.273º TFUE)
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2.2. O Tribunal Geral


A primeira revisão de fundo dos Tratados concretizou a ideia de acrescentar um novo tribunal à
estrutura judicial das Comunidades Europeias. Nos anos oitenta, o TJ conheceu um extraordinário aumento
do número de processos. Neste contexto, a criação do novo tribunal surgiu como a saída mais apropriada
para evitar o risco sério de um bloqueio da justiça administrada pelo TJ.

O novo tribunal, designado Tribunal de Primeira Instância, foi formalmente instituído pela Decisão
88/591/CE, CECA, Euroatom, do Conselho, de 24 de Outubro de 1988. Este foi considerado oficialmente
instalado em 11 de Outubro de 1989. Com o Tratado de Lisboa, a sua designação passou a ser Tribunal Geral
(art. 19º, n.º1 TUE).

O TG é formado por vinte e sete juízes, nomeados de comum acordo pelos Governos dos Estados-
membros, podendo o número de juízes ser aumentado (art. 19º, n.º2 TUE, art. 254º, parágrafo primeir,
TFUE). O mandato é de seis anos, renovável. Os membros gozam dos mesmos direitos e deveres que os
membros do TJ. O Presidente é nomeado inter pares por três anos.

A figura do advogado-geral não está sedimentada, mas qualquer membro pode ser chamado a
desempenhar a função (art. 49º Estatuto do TJUE).

O TG funciona por secções, compostas por três ou cinco juízes. Em certos casos, especificados no
Regulamento de Processo, pode reunir em plenário ou em formação de juiz singular (art. 50º).

O TG estabelece o respetivo regulamento processual, de comum acordo com o TJ, após aprovação
pelo Conselho (art. 254º, parágrafo quinto, TFUE). O TG nomeia o seu secretário e estabelece o seu estatuto
(art. art. 254º, parágrafo quarto, TFUE).

O TG é competente, os termos do art. 256º TFUE, para conhecer em primeira instância dos seguintes
recursos: recursos de anulação (art. 263º TFUE); recursos por omissão (art. 265º TFUE); ações de
indemnização (art. 268º TFUE); recursos e ações no âmbito da cláusula compromissória (art. 272º TFUE).

Excluída da competência de primeira instância está o contencioso do incumprimento que se mantém


na esfera de jurisdição reservada do TJ.

O Tratado prevê a competência do TG para conhecer das questões prejudiciais, mas remete para o
Estatuto a determinação das matérias específicas sobre as quais poderá vir a ser solicitado pelos tribunais
nacionais (art. 256º, n.º3 TFUE). A decisão fundamental relativa à repartição de competências entre o TJ e o
TG sobre o processo das questões prejudiciais pertence ao legislador através de uma futura revisão do
Estatuto (art. 281º TFUE).

As decisões proferidas pelo TG podem ser objeto de recurso para o TJ, que incide unicamente sobre
as questões de direito (art. 256º, n.º1, parágrafo segundo, TFUE). O art. 256º TFUE estabelece critérios
especiais de intervenção do TJ sobre decisões proferidas ou a proferir pelo TG:
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→ Se existir risco de lesão da unidade ou coerência do direito da União, o TJ pode reapreciar as


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decisões;

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→ Se estiver em causa uma decisão de princípio suscetível de afetar a unidade ou a coerência do


direito da União, o TG pode remeter para o TJ os pedidos de questões prejudiciais que, no futuro,
venham a integrar o âmbito da sua competência;

→ Se existir risco grave de lesão da unidade ou da coerência do Direito da União, as decisões


proferidas poderão ser reapreciadas.

2.3. Tribunais Especializados


O aumento do contencioso gerado pela aplicação das normas comunitárias, estreitamente ligado ao
fenómeno da crescente litigiosidade em domínios específicos, esteve na origem da solução de criar, ao lado
do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral, de competência genérica, tribunais dotados de competência
especializada (art.19º/1TFUE). Através do processo legislativo ordinário, Parlamento Europeu e Conselho
podem criar Tribunais especializados adstritos ao Tribunal Geral, encarregados de conhecer em primeira
instância de certas categorias de recursos em matérias especificas (art.257ºTFUE).

Aos Tribunais especializados, salvo disposição em contrário do regulamento que os institui, são
aplicáveis as disposições dos Tratados e do Estatuto relativas ao Tribunal de Justiça da União Europeia
(art.257º TFUE); imperativas e aplicáveis a todos os Tribunais da União são as regras constantes do Titulo I
do Estatuto e artigo 64º do Estatuto.

O aumento do contencioso gerado pela aplicação das normas comunitárias esteve na origem da
solução de criar, ao lado do TJ e TG, de competência genérica, tribunais dotados de competência
especializada (art. 19º, n.º1 TFUE).

Instituído por Decisão do Conselho de 2 de Novembro de 2004, o Tribunal da Função Pública da


União Europeia foi a única modalidade de tribunal especializado.

Este exerceu em primeira instância a competência para decidir dos litígios entre a União e os seus
agentes, nos termos do art. 270º TFUE. Das decisões proferidas pelo Tribunal da Função Pública, cabe
recurso para o TG (art. 257º, parágrafo terceiro, TFUE) e, a título excecional, para o TJ (art. 256º, n.º2,
TFUE).

O Tribunal da Função Pública iniciou funções a 1 de Janeiro de 2006. Por ora abandonada a via dos
Tribunais especializados, o TFP deixou de existir como Tribunal autónomo. A competência para decidir em
primeira instância em processos relativos à função Pública da União Europeia e os lugares de sete juízes do
Tribunal da Função Pública foram transferidos para o Tribunal Geral.

2.4. Tramitação Processual e Principio da Tutela Jurisdicional Efetiva


Na União de Direito, um principio inerente e imanente é o da tutela jurisdicional efetiva, cujo
corolário principal exige: a todo o direito há-de corresponder uma via processual adequada à sua invocação
e efetivação. O direito ao direito que o TJ, amiúde, considerou como fonte legitimadora de uma
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jurisprudência que visou a garantia do funcionamento de um sistema completo e coerente de vias de direito.
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Como o Tratado de Lisboa, e o reconhecimento de força jurídica própria à CDFUE (art.6º/1 TUE), o principio
granjeou consagração expressa no artigo 47º, parágrafo primeiro, da Carta.

A tutela jurisdicional efetiva, como objetivo ultimo da função jurisdicional no Estado de Direito, tem
uma dimensão substantiva de principio constitucional e, ao mesmo tempo, uma dimensão processual que,
no caso vertente dos Regulamentos de Processo do TJUE, justifica e enquadra as soluções adotadas sobre
dois pilares, o da igualdade e o da efetividade.

2.4.1. Igualdade
Toda a pessoa tem direito a uma ação perante um tribunal, incluindo o TJUE quando os Tratados o
prevejam. A exigência da igualdade tem por destinatários os particulares, mas também as outras partes,
Estados-membros, instituições da União e até Estados terceiros.

2.4.1.1. Principio do Contraditório


A chamada igualdade de armas. Concretizando, por exemplo, nas ações e recursos diretos, pela
existência de quatro articulados na fase escrita (art.120º e 126º); na organização da audiência de modo a
garantir aos representantes das partes e interessados o exercício do direito de resposta (alegações e
contralegações); na decisão de reabertura da fase oral (art.83º RP); na fixação de prazos razoáveis para uma
preparação em tempo útil;

2.4.1.2. Gratuitidade do Processo e Regime de Assistência Judiciária


O processo no TJUE é gratuito (art.143RP), não está sujeito ao pagamento de custas ou imposto de
justiça. Existem, contudo, despensas que, se consideradas evitáveis ou excessivas , terão de ser pagas ao
Tribunal (art.143 RP). Existem, por outro lado, as despesas em que incorre a parte e as despesas realizadas
pela outra parte. O Tribunal decide sobre as despesas (art.38º ETJ), de acordo com as regras de imputação
previstas (art.138 RP). Sobre esta questão prevalecem duas regras: condenação da parte vencida no
pagamento das despesas se a parte vencedora o tiver solicitado (art.138º/1RP); Estados-membros e
instituições que participem no litigio na qualidade de intervenientes suportam as suas próprias despesas
(art.140 RP).

Em suma, podemos dizer que o processo no TJUE não tem custas, mas tem custos e estes podem ser
avultados, para contornar o obstáculo à ausência de meios financeiros no acesso à justiça, está previsto o
beneficio de assistência judiciária que poderá ser requerido por quem não tiver a possibilidade de fazer face,
total ou parcialmente, às despesas do processo (art.115/1 RP), constituindo este pedido exercício de um
direito fundamental (art.47º CDFUE). Aspeto importante: o beneficio da assistência judiciária está previsto
para as partes no processo principal, mas também pode ser solicitado pela parte no processo nacional no
âmbito de um reenvio prejudicial se no processo nacional lhe tiver sido reconhecido esse apoio e apenas em
relação às despesas não cobertas (art.115/3 RP).
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2.4.2. Efetividade
São conhecidos múltiplos entraves à realização efetiva da justiça no caso concreto. Em rigor, todos
os obstáculos que impedem ou emperram o normal funcionamento dos tribunais e o regular exercício da
função jurisdicional podem ser tratados como limitações à efetividade da tutela jurisdicional. Numa visão
mais focada, e que aqui se regista como a adequada, o problema mais sério, pelo seu impacto negativo, e o
mais resiliente, pela dificuldade de o contrariar sem pôr em causa valores fundamentais como o do principio
do contraditório e o exercício legitimo dos direitos de defesa, é o problema relativo à lentidão da justiça,
com violação do principio imperativo da decisão judicial adotada em tempo razoável.

O principio segundo o qual qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma
equitativa, no decurso de um prazo razoável, foi qualificado pelo TJ como um principio geral de Direito da UE
(Ac Eurofood). No caso Baustahlgewebe, o TJ declarou que imporá apreciar de modo casuístico o que deve
ser entendido por prazo razoável. Neste aresto foram adotados os critérios comummente aplicados pela
jurisprudência do TEDH e que a doutrina, para identificar a orientação do TJ, designa por critérios de
Baustahlgewebw: a importância do litigio para o interessado (1); a complexidade do processo (2); o
comportamento do interessado (3); o comportamento das entidades competentes (4).

Cumpre perguntar o que acontece se a alegação de violação do prazo razoável visar o próprio TJ,
cujas decisões são insuscetíveis de recurso. Nesta situação, seria adequada, por aplicação conjunta, da
Jurisprudência Baustahlgewebw e Gascogne, a instauração junto do TG de uma ação de indemnização por
prejuízos resultantes da pendência do processo por um prazo excessivo. No caso eventual de uma decisão
do TG de rejeição do pedido, com fundamentação contrária à jurisprudência conhecida do TEDH sobre a
matéria, ainda existiria para o lesado o direito de recurso para o TJ (art.256/1 TFUE). No caso de o TJ,
decidindo sobre os efeitos da sua própria demora no processo, negar provimento ao recurso, restaria ao
lesado a via, arriscada mas possível, de uma queixa junto do TEDH. A UE não é, por enquanto, parte da
CEDH, como se prevê no artigo 6º/2 TUE, mas tal não deve impedir, no quadro do que designamos por
triangulo judicial europeu, que os particulares apresentem no Tribunal de Estrasburgo uma queixa dirigida
não contra a UE, mas contra todos os Estados-membros, responsáveis pela atuação de um Tribunal, como é
o TJUE, por supostamente não respeitar os pressupostos do principio do processo equitativo de duração
razoável.

2.5. Alguns Aspetos Pertinentes

2.5.1. Regime Linguístico


A escolha da língua do processo é feita, conformemente ao principio da equivalência entre línguas
oficiais da União, no cabaz de línguas composto, atualmente por 24 línguas (art.36º RP). Nesta parte, por
força do artigo 342º TFUE, eventuais alterações do regime linguístico do processo junto do TJUE exigem o
acordo de todos os Estados-membros. A língua do processo fixa o idioma de apresentação das peças
processuais e alegações orais na audiência pública (art.38º/1 RP). Nas ações e recursos diretos, a língua do
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processo é escolhida pelo demandante (art.37/1 RP). Nos processo em que o demandado é um Estado-
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membro (ação por incumprimento), a língua do demandado é a língua oficial do Estado-membro. Nos

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processos de reenvio prejudicial, a língua do processo é a do órgão jurisdicional de reenvio. Os Estados-


membros são autorizados, independentemente da língua do processo, a utilizar a sua língua oficial, seja qual
for a modalidade ao abrigo da qual estão no processo é a do órgão jurisdicional de reenvio. Os Estados
membros são autorizados, independentemente da língua do processo, a utilizar a sua língua oficial, seja qual
for a modalidade ao abrigo da qual estão no processo, incluindo na qualidade de intervenientes ou no
quadro do processo de questões prejudiciais.

2.5.2. Representação das Partes


As partes têm, obrigatoriamente de ser representadas pelo seu advogado ou agente (art.19ETJ). Só
são admitidos a representar ou assistir uma parte os advogados autorizados a exercer junto dos órgãos
jurisdicionais dos Estados-membros e que devem fazer prova dessa qualidade através da apresentação do
adequado documento comprovativo na Secretaria do TJUE. A exceção a esta regra é a relativa ao estatuto
dos professores de direito, nacionais de Estados-membros, cuja legislação lhes reconheça o direito a pleitar.

Em Portugal, nos termos do Estatuto da Ordem dos Advogados, o exercício da advocacia está
limitado aos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados.

2.5.3. Intervenção
Prevista no artigo 40º ETJ, a intervenção tem a natureza de incidente da instância que permite ao
requerente, terceiro relativamente às partes principais no processo que decorre no TJUE, a participação no
processo em posição acessória, no sentido de apoiar a parte demandada ou a parte demandante no
processo em causa. Estados-membros e Instituições podem intervir em qualquer causa submetida ao TJ ou
ao TG. Já os órgãos e organismos da União devem demonstrar interesse na resolução da causa submetida a
decisão judicial, enquanto os particulares estão arredados da intervenção em processos que envolvam
Estados-membros e instituições da União.

O interveniente aceita o litigio no estado em que se encontra no momento da sua intervenção e


dispõe, salvo prorrogação, do prazo de um mês para apresentar um articulado de intervenção. Por força do
principio do contraditório, as partes podem, no prazo fixado pelo Tribunal, responder ao articulado de
intervenção. Ao interveniente, assiste o direito de participar na audiência pública para alegações orais. Em
nome do principio da economia processual, o TJ admite a apresentação do requerimento coletivo ou
coligação de requerentes.

2.5.4. Tramitação Urgente ou Acelerada


Prevista no artigo 23º-A do Estatuto. No caso dos pedidos de questões prejudiciais relativos ao
espaço de liberdade, segurança e justiça, pode o TJ decidir pela marcha urgente do processo. A tramitação
urgente, apenas prevista para os processos de reenvio prejudicial, permite uma decisão muito expedita com
a eventual dispensa das conclusões do advogado-geral e, situações de extrema urgência, com o
contraditório limitado a uma fase oral. A modalidade de tramitação acelerada é, por sua vez, aplicável aos
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pedidos de reenvio prejudicial que requeiram uma decisão rápida, conquanto não urgente e também ao
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processo comum das ações e recursos diretos.

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2.5.5. Força Obrigatória do Acórdão


Os acórdãos do TJ têm força obrigatória desde o dia da sua prolação, enquanto os despachos a
adquirem desde o dia da respetiva notificação. No caso das decisões do TG, a obrigatoriedade é diferida em
função do tempo de interposição de recurso para o TJ. Por não estar previsto recurso dos acórdãos e dos
despachos proferidos pelo TJ, as suas decisões gozam, imediatamente a seguir à sua prolação ou notificação,
da autoridade e força de caso julgado, os acórdãos do TJUE proferidos em processo contencioso que
envolvam a condenação de uma das partes ao pagamento de uma quantia em dinheiro têm força executiva,
nos termos do artigo 280º TFUE e do artigo 299º TFUE.

O TJUE carece de competência executória pelo que a execução das suas decisões condenatórias ao
pagamento de obrigações pecuniárias, deve ser solicitada aos tribunais nacionais, mesmo que se trate de
obrigações com força executiva. A condenação pode ter como destinatário um particular, no quadro, por
exemplo, do artigo 261º TFUE e da responsabilidade contratual do artigo 272º TFUE. A execução das
decisões do TJUE constitui um excelente exemplo do funcionamento descentralizado e cooperativo do
contencioso da União Europeia, apoiado, por um lado, no TJUE e, por outro lado, nos tribunais nacionais dos
Estados-membros.

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3. O PROCESSO DE QUESTÕES PREJUDICIAIS

3.1. Elementos Fundamentais de Caracterização de uma Via Processual Única e


Idiossincrática
O art. 267º TFUE dá corpo normativo ao mecanismo de reenvio prejudicial, instrumento basilar da
interação entre as jurisdições dos EM´s e o TJUE e, por consequência, garante da uniformidade na
interpretação e aplicação das normas europeias, ao serviço de interesses maiores de igualdade entre os
cidadãos da UE e do projeto de integração que a mesma representa. Este mecanismo pode, em alguns casos,
assumir um caráter injuntivo e constituir uma verdadeira obrigação adjetiva dos nossos tribunais. Mas, como
todas as obrigações jurídicas, a obrigação de reenvio não é insuscetível de transgressão.

O reenvio prejudicial, previsto no art. do 267º do TFUE, consiste num mecanismo de interacção
entre os tribunais de cada EM, os tribunais nacionais, e o TJUE. Os tribunais nacionais são os tribunais
comuns da ordem jurídica da UE: estando os órgãos de cada EM vinculados à obrigação de tomarem
medidas adequadas para garantir o cumprimento das imposições que decorram dos Tratados ou direito
derivado e a absterem-se de tomar medidas suscetíveis de fazerem perigar os seus objetivos, e não
dispondo a UE de um aparelho de tribunais próprios destinados a aplicar especificamente as suas normas,
aos tribunais nacionais, no exercício da função jurisdicional, cumpre a aplicação daquele acervo que, atento
os princípios do primado e da efeito direto, convive com as normas internas. No exercício deste “mandato
europeu”, são constantemente confrontados com a necessidade de o interpretar sendo compreensível o
surgimento de dúvidas relativas à aplicação do direito da UE aos casos concretos, facto a que não é alheia a
sua proficuidade e complexidade.

O legislador da UE, ciente do indesejável efeito a que o adágio popular “Cada cabeça, sua sentença”
se refere, mormente para o objetivo declarado de construção de um direito comum que o reenvio serve,
procurou evitar a prolação de soluções judiciais tão diferenciadas quanto o número de tribunais das diversas
ordens jurídicas nacionais, acerca da interpretação e validade do direito da UE, criando, para tanto, o
mecanismo do reenvio.

Convirá notar, a este propósito, que a necessidade da criação de um mecanismo que garanta a
uniformidade de decisões judiciais chamadas a aplicar o direito da UE é inarredável atento o facto da
arquitetura jurisdicional da UE não apresentar uma natureza federal, de estrutura hierarquizada. Se assim
não fosse, o TJUE poderia corrigir as decisões proferidas pelos tribunais nacionais que, eventualmente,
aplicassem o direito da UE erradamente. Não é, todavia, esta a realidade. A UE prescindiu da criação de um
sistema de tribunais próprios, destinados a aplicar exclusivamente o seu direito, pelo que os tribunais dos
EM´s são, como se referiu, os tribunais comuns da ordem jurídica da UE, existindo entre estes e o TJUE uma
relação de cooperação horizontal e não de hierarquia.

Através do reenvio, o tribunal nacional, na apreciação de um caso concreto e perante dúvidas de


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interpretação e validade de normas da UE relevantes para o julgamento da causa, pode (e, em alguns casos a
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que adiante nos referiremos, deve) solicitar a pronúncia do TJUE acerca daquelas questões8. A seu tempo,
apreciaremos a sua concretização no iter processual civil português.

Teleologicamente, o reenvio é um instrumento jurídico-processual que visa garantir da uniformidade


na aplicação e interpretação do direito da UE: o TJUE, ao responder da mesma forma às questões suscitadas,
substancialmente idênticas, permite que os tribunais nacionais dos diversos EM´s apliquem de forma
uniforme aquele direito.

Por outro lado, tendo em conta que no contexto da arquitetura do contencioso da UE os particulares
têm um papel residual – é-lhes reconhecida legitimidade ativa em casos contados - o reenvio surge como um
meio idóneo, ainda que indireto, para alcançar o reconhecimento judicial dos direitos que as normas do
acervo comunitário lhes conferem. Nas expressivas palavras de M. NOGUEIRA SERENS, o reenvio representa
uma “vereda que complementa a avenida” do recurso de anulação, “cujo acesso [aos particulares] é
sobremaneira restringida”. Desta perspectiva, o reenvio responde à necessidade de garantir a eficácia do
direito da UE.

3.1.1. Direito Comparado


O mecanismo de questões prejudiciais tem uma relevância fundamental no contencioso
eurocomunitário e, nessa medida, está identificado com a afirmação e a centralidade atípica do Tribunal de
Justiça da UE. Não constitui, porém, um mecanismo processual inovador, no sentido em que teria sido
inventado com o Tratado de Paris e depois com o Tratado de Roma. Não foi. Mas em nenhum outro sistema,
o incidente processual de questões prejudiciais se desenvolveu e tornou uma fonte primária de
jurisprudência como aconteceu com o Tribunal de Justiça.

Antecedentes nos Direitos nacionais dos Estados:

⎯ No Direito Francês, o juiz do processo civil, se confrontado com o problema relativo à


interposição ou validade de um ato administrativo não regulamentar, deve colocar a questão
à jurisdição administrativa; mais conhecida é a prática pelos Tribunais Franceses de
consultarem o Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre a interpretação de tratados
internacionais ou os Ministérios Setoriais sobre questões mais técnicas; a evolução mais
recente revela um progressivo abandono desta prática ou, pelo menos, a forte limitação dos
efeitos do parecer governamental relegado para mero elemento da informação no processo.
⎯ O controlo incidental da constitucionalidade das normas na Constituição alemã e italiana, na
lógica de um sistema de fiscalização concentrada, diferentemente do sistema de fiscalização
concreta difusa que vigora em Portugal, coloca o juiz comum a suscitar a questão prévia de
constitucionalidade ao TC sempre que tal pronuncia se afigure necessária para decidir o caso
concreto. Também em França, com a revisão constitucional de 2008, foi instaurada a
questão prioritária de constitucionalidade da competência do Conselho Constitucional,
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submetida por reenvio do Conselho de Estado ou Tribunal de Cassação, os dois tribunais


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supremos da jurisdição administrativa e da jurisdição comum, respetivamente.

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⎯ Em Portugal, o direito processual interno consagra há muito a solução das questões


prejudiciais para garantir a respetiva reserva de jurisdição material na relação entre tribunais
civis, penais e administrativos. Não se trata, contudo, de um mecanismo de cooperação
jurisdicional, como é o art.267º TFUE, porquanto a iniciativa de convocar a jurisdição
competente em função da matéria pertence às partes no litigio (art.92/2 CPC; art.15/2
CPTA). Diferente é o regime da figura da consulta prejudicial do art. 93º CPTA, muito
próxima, sob vários aspetos, do mecanismo processual do artigo 267º TFUE,
designadamente a sua natureza de instrumento de cooperação entre tribunais sobre dúvidas
em torno de questões juridicas relevantes.

3.1.2. Especificidades do Processo no Sistema Eurocomunitário

3.1.2.1. Especificidade Estrutural


O processo de questões prejudiciais não é uma via contenciosa de recurso. A sua singularidade
processual resulta de vários fatores, a saber:

⎯ Começa com um incidente de instância que interrompe, por decisão do juiz nacional, o
processo que corre no tribunal de um Estado-membro e que faça suspenso até à pronuncia
do Tribunal de Justiça;
⎯ É um processo entre as partes, no qual os atores principais são os juízes (juiz nacional que
formula a questão prejudicial e o Tribunal de Justiça), sem prejuízo da participação valiosa
de atores secundários sob a forma de observações (art.23º ETJUE);
⎯ É um processo baseado na ideia fértil da cooperação entre juízes da União Europeia, todos
competentes para garantir o respeito do direito na interpretação e aplicação do Tratados, no
âmbito de um diálogo de juiz a juiz.
⎯ A relação de cooperação, de natureza horizontal, não é incompatível com a separação de
funções e a definição de obrigações distintas: ao Tribunal de Justiça compete a interpretação
das normas ou, se for o caso, a apreciação da validade, não devendo estender a sua decisão
à aplicação do direito ao caso concreto, função esta que está reservada ao juiz nacional a
quo; em contrapartida, a decisão do TJ é vinculativa para os Tribunais nacionais que a devem
respeitar na sua inteireza doutrinária, podendo, contudo, no caso de dúvidas, interrogar de
novo o TJ sobre o alcance e sentido do acórdão;
⎯ Alguns autores defendem, em alternativa, uma visão de tipo vertical e quase hierárquica
entre TJ e juízes nacionais, com relevância prática ao considerar, por exemplo, a
imperatividade da obrigação de reenvio. Na opinião da Professora MARIA LUISA DUARTE,
não parece viável ou frutuosa uma contraposição entre a abordagem de tipo vertical e a
abordagem de tipo horizontal. O processo das questões prejudiciais conjuga várias fases,
alternando entre, primeiro, o juiz nacional, depois o juiz da União Europeia e, por último e
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de novo, o juiz nacional. Na primeira fase, compete ao juiz nacional decidir se há lugar ao
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reenvio, embora sujeito a certos deveres de apreciação leal e prudencial. Na segunda fase, a
resposta é matéria da competência exclusiva do Tribunal de Justiça, contanto que respeite a

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atribuição própria do juiz do processo no que se refere à decisão aplicativa da norma


eurocomunitária. Na terceira fase, conhecido o despacho ou o acórdão do TJ, o juiz nacional
fica vinculado à observância estrita do entendimento proferido a titulo prejudicial. Ao longo
das várias fases do processo das questões prejudiciais sucedem-se momentos de uma
relação assimétrica, ora horizontal ora vertical.

Dir-se-ia, com intuito de síntese, que o processo de questões prejudiciais continua fiel à ideia
primordial da cooperação entre tribunais, cuja autoridade se define com base no critério funcional e não
com base no critério hierárquico.

3.1.2.2. Especificidade Funcional


O processo de questões prejudiciais foi pensado para dar resposta ao problema colocado pelo risco
de divergência jurisprudencial entre os Tribunais dos Estados-membros a propósito da validade das normas
eurocomunitária. Na ausência de recurso para o TJ das decisões proferidas pelos tribunais nacionais, como
aconteceria no modelo típico de estrutura jurisdicional federal, o mecanismo das questões prejudiciais
garante, tanto quanto é possível, a uniformidade de jurisprudência relativa à interpretação e à apreciação de
validade dos atos, normativos e não normativos, da UE.

A par desta função originária, outra se afirmou com a prática judicial de décadas que fez do
mecanismo das questões prejudiciais um exemplo bem sucedido de cooperação leal e eficaz entre o Tribunal
de Justiça e os Tribunais nacionais. Podemos designar esta função derivada da praxis e da sistemática
própria das vias processuais tipificadas pelos Tratados por função supletiva: o processo de questões
prejudiciais permite suprir as deficiências e lacunas de garantia do direito e tutela jurisdicional efetiva que
resultam das limitações processuais das vias contenciosas previstas nos Tratados, consequência inevitável de
uma opção politica no que respeita ao sistema eurocomunitário de realização da justiça. Os dois exemplos
mais ilustrativos:

⎯ Um particular não pode instaurar uma ação por incumprimento (art.258º e 259º TFUE). A
vigência da norma interna contrária a Direito da União pode ser contestada no tribunal
nacional competente e levar à colocação de uma questão prejudicial sobre a norma
eurocomunitária aplicável ao caso concreto. A combinação entre a teoria do efeito direto, o
principio do primado e o caráter vinculativo da resposta do Tribunal de Justiça tornará
possível o afastamento da norma interna contrária, com um resultado equivalente ao da
ação por incumprimento, na verdade um resultado direto e imediato de desaplicação da
norma interna, logo mais favorável ao particular como titular de direitos reconhecidos pelo
Direito da União. esta função supletiva exclui, contudo, expedientes de abuso de via
processual, como ficou claro na conhecida jurisprudência Foglia c. Novello;
⎯ A apreciação a título prejudicial da validade de um ato normativo da União comporta a
vantagem de completar o controlo de legalidade via recurso direto de anulação (art.263º
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TFUE); naquelas situações em que o particular não pode impugnar diretamente o ato
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normativo, o que poe em causa o principio da tutela jurisdicional efetiva, o artigo 267º TFUE

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inviabiliza, por via incidental, mediante iniciativa do juiz nacional, o controlo da validade pelo
TJ.

Em contrapartida, a função supletiva pode acarretar algumas desvantagens para a situação jurídico-
processual do particular: o TJ invocou esta complementaridade para recusar uma interpretação mais flexível
do interesse em agir do particular na impugnação de atos normativos da União; por seu lado, o Tribunal
Geral adota uma visão restritiva do direito do particular de accionar a responsabilidade extracontratual da
União (art.268º TFUE), exigindo o esgotamento prévio das vias de recurso nacionais naqueles casos em que
exista intervenção das autoridades nacionais; se verificados os pressupostos do artigo 267º TFUE, o juiz
nacional deverá suscitar a questão prejudicial de validade sobre o ato normativo da União alegadamente
gerador do dano cuja execução foi levada pelas autoridades administrativas do Estado-membro (Ac. Danzer
c. Conselho

3.1.3. Juiz Nacional – Um Juiz cada vez mais Europeu


Ao juiz nacional impõe-se, por um lado, um conhecimento dos grandes princípios que informam a
ordem jurídica europeia, por forma a poder afastar uma disposição interna incompatível com o Direito da
União Europeu, e, por outro lado, um conhecimento das disposições de direito europeu, pois a ele cabe
determinar quais os preceitos de direito europeu aplicáveis ao caso a dirimir.

De resto, é da aplicação correcta e uniforme do Direito da União Europeia pelos juízes nacionais que
depende a eficácia do Direito Europeu e, em larga escala, o sucesso da sua própria existência e evolução.

E porque nessa aplicação, para a qual é exclusivamente competente o juiz nacional, é inevitável o
surgimento de dúvidas e de questões, quer quanto à interpretação do direito comunitário, quer quanto à
validade dos actos adoptados pelas instituições da União, com vista a assegurar a interpretação e aplicação
uniformes do Direito da União Europeia pelos tribunais nacionais e, deste modo, alcançar-se a unidade e
coerência do ordenamento jurídico europeu, instituiu-se o mecanismo do reenvio prejudicial, previsto no
art. 267.º do TFUE.

Trata-se de um processo não contencioso, estranho a qualquer iniciativa das partes e assente na
chamada cooperação jurisdicional entre o Tribunal de Justiça e os tribunais nacionais e que tem por
fundamento o respeito recíproco das competências respectivas.

Ou seja, numa relação de cooperação directa entre as jurisdições nacionais e o TJ que, no dizer do
Acórdão do TJCE Foglia/Novello, “comporta uma repartição de funções entre o juiz nacional e o juiz
comunitário, no interesse da boa aplicação e da interpretação uniforme do direito comunitário no conjunto
dos Estados membros”, não se verificando entre as duas jurisdições, qualquer laço de dependência
hierárquica.

É, assim, através de um “diálogo de juiz a juiz”, de «um diálogo técnico de juízes e entre juízes», que
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se apreciará a compatibilidade do direito nacional com o Direito da União Europeia, ficando, deste modo, o
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juiz nacional habilitado a interpretar o direito nacional à luz do Direito da União e autorizado a desaplicar as
normas nacionais desconformes com o Direito da União.

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3.2. Objeto do Processo das Questões Prejudiciais

3.2.1. Noção Relevante de Questão Prejudicial


No Direito Processual, uma questão prejudicial é aquela cuja resposta ou resolução é necessária e
condiciona, como etapa prévia ou antecedente, a solução do litigio concreto. A letra do parágrafo segundo
do artigo 267º TFUE tem subjacente esta noção comum de questão prejudicial.

O principio geral é o principio da presunção da pertinência: o TJ aceita como certa e suficiente a


apreciação realizada pelo juiz nacional a respeito da necessidade da questão, não abdica, todavia, do poder
de verificar os pressupostos da sua competência ao abrigo do artigo 267º TFUE.

A presunção de pertinência já foi afastada pelo TJ por considerar:

⎯ Que a questão não tinha qualquer relação com o objeto do litigio concreto;
⎯ Que a questão teria por base um litigio entre as partes no processo nacional;
⎯ Que a questão, se respondida, colocaria o TJ na situação de instância consultiva que, em
violação do art.267º TFUE, seria levado a emitir parecer e a tomar posição sobre questões
gerais ou hipotéticas;
⎯ Que a questão carecia de justificação na ausência de informação suficiente sobre as
circunstancias de facto e de direito relativas ao processo pendente no tribunal nacional;
⎯ Que a questão se refere, ou implica, a apreciação da validade de norma nacional, não
cabendo ao TJ avaliar o grau de conformidade ou compatibilidade do direito nacional com o
Direito da União.

Amparado pela presunção de pertinência, invocando o dever de contribuir de modo útil para a
administração da justiça, o TJ limita a recusa de resposta para casos manifestos e excecionais de falta de
pertinência. Verifica-se, na prática jurisprudencial mais recente, uma predisposição favorável à necessidade
de resposta, claramente demonstrada no caso Gauweilwer.

O processo das questões prejudiciais postula duas grandes contraposições fundamentais:

⎯ Quanto ao seu objeto, entre questões prejudiciais de interpretação e questões prejudiciais


de apreciação de validade do Direito da União Europeia;
⎯ Quanto à vinculação dos Tribunais nacionais à sua suscitação, entre questões prejudiciais
obrigatórias e questões prejudiciais facultativas.

3.2.2. Questão Prejudicial de Interpretação


É muito amplo o rol de atos e normas jurídicos, incluindo princípios gerais, sobre os quais o TJ pode
ser instado a pronunciar-se a titulo interpretativo:

⎯ Direito Primário – disposição dos Tratados institutivos, protocolos anexos, tratados


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complementares, tratados de revisão e atos de adesão;


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⎯ Direito Secundário – atos adotados pelas instituições, órgãos e organismos da União;

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⎯ Acordos Internacionais – celebrados pela União mediante decisão de aprovação pelo


Conselho, os acordos entre a União e Estados Terceiros ou Organizações Internacionais
vinculam tanto a União como os Estados-membros, pelo que importa garantir a sua
aplicação e, sobretudo, a sua aplicação uniforme;
⎯ Normas de Direito da União indiretamente aplicáveis – o TJ considera-se competente para
interpretar o Direito da União aplicável ao litigio concreto em virtude da exigência de
disposições legislativas ou cláusulas contratuais que para ele remetam;
⎯ Princípios Gerais de Direito da União – integrantes do bloco de juridicidade que condiciona
e enquadra, com caráter vinculativo, a ação das instituições da União e dos Estados-
membros, o TJ admite responder a questões prejudiciais sobre princípios gerais (Ac.
Kremzow);
⎯ Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia – nada impede um tribunal nacional de
recolocar a questão sobre o alcance de acórdão proferido a titulo prejudicial, gozando da
mesma prerrogativa qualquer outro órgão jurisdicional que envolva a aplicação da
jurisprudência de sentido obscuro. A questão prejudicial de interpretação pode visar
acórdãos prolactados no âmbito de vias processuais diferentes ao reenvio prejudicial, como
seja a ação por incumprimento.

3.2.3. Questão Prejudicial de Validade


O âmbito potencial de aplicação do reenvio prejudicial à apreciação de validade é mais restrito
quando o comparamos com o âmbito de aplicação da questão de interpretação, pois, desde logo, está
prejudicada a indagação sobre a validade do Direito Primário e dos princípios gerais de direito.

Resulta, assim, uma esfera de aplicação limitada aos seguintes atos normativos ou não normativos:

⎯ Atos de instituições, órgãos e organismos – além dos atos das instituições enumeradas pelo
art.13º/1 TUE, estão abrangidos, como acontece na interpretação, todos os atos imputáveis
aos órgãos e organismos, expressão que neste caso designa um conjunto muito amplo e
diferenciado de estruturas orgânicas de decisão, incluindo agências, observatórios e
institutos.
⎯ Acordos Internacionais – partindo do paralelismo entre a exceção de invalidade (art.267º
TFUE) e o recurso de anulação (art.263º TFUE) que o TJ proclama como critério adequado de
articulação entre vias processuais, um tribunal nacional poderia suscitar uma questão
prejudicial de invalidade sobre norma de acordo internacional celebrado pela União, dado
que a mesma norma poderia ser impugnada pela via direta do recurso de anulação. No caso
de o TJ declarar a invalidade da norma convencional, a UE poderia incorrer em
responsabilidade internacional, salvo se estivessem reunidos os pressupostos do art.46º da
32

Convenção de Viena de 1986 sobre o Direito dos Tratados.


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3.3. Autor da Questão Prejudicial

3.3.1. Noção de Órgão Jurisdicional


O artigo 267º TFUE refere-se a órgão jurisdicional e não a tribunal, o que não é indiferente no
momento, que cabe ao TJ, de verificar se a questão foi colocada por uma verdadeira entidade jurisdicional.
Diríamos, com base na jurisprudência existente sobre a matéria, que se formou uma presunção favorável a
considerar abrangido pelo artigo 267º TFUE qualquer órgão designado por Tribunal na estrutura judiciária
interna de cada Estado-membro, em conformidade com o principio da autonomia-processual. A designação
de tribunal não chega, contudo, para encerrar a verificação da sua natureza jurisdicional. Outras
designações, tais como comissão, conselho, órgão administrativo, serviço, organismo, constituem um véu
por detrás do qual se pode encontrar um órgão ou entidade que, naquele litigio concreto, é titular da
competência jurisdicional e, nesse sentido, um interlocutor legitimo no diálogo juiz a juiz.

O principio da autonomia institucional e processual, como expressão direta da identidade politica e


constitucional de cada Estado-membro (art.4º/2 TUE), garante aos Estados-membros a prerrogativa
soberana de gizar a estrutura judiciária e adotar a respetiva nomenclatura. Já a questão de saber se
determinado tribunal, integrado na estrutura judiciária de um Estado-membro, pode accionar o mecanismo
do reenvio coloca um problema que releva “unicamente do âmbito do Direito da União Europeia” (Ac.
Haupl).

Não será arriscado assumir que, levado pelo espirito de cooperação e pelo correlativo objetivo de
dar um conteúdo útil à solução do caso concreto no quadro da União, o TJ, na dúvida, aceita a questão
colocada, mesmo que o autor da questão não corresponda, prima facie, à qualificação de órgão jurisdicional.

Ao analisar a natureza jurisdicional do órgão, o TJ sonda a presença de vários critérios, definidos no


caso Vassen-Göbbels:

1) Origem Legal – órgão criado por lei, de forma direta (ato formalmente legislativo) ou indireto
(por ato da função regulamentar)
2) Permanência e caráter obrigatório da sua jurisdição- obrigatoriedade com um possível duplo
alcance, seja no sentido de jurisdição obrigatória (as partes são obrigadas a recorrer àquele
órgão para resolver o litigio) seja no sentido da vinculatividade das decisões proferidas pelo
órgão.
3) Processo com respeito do princípio do contraditório – as partes têm de ter a oportunidade de,
com igualdade de armas, expor e debater as respetivas pretensões processuais.
4) Independência – uma exigência que se repercute na avaliação, por um lado, do estatuto do
órgão em causa para resistir a pressões externas e, por outro lado, se prende com a garantia de
imparcialidade dos membros do órgão, nomeadamente na relação com as partes no processo
(independência externa ou institucional/independência interna ou pessoal).1
33
Página

1
Ac. H.I.D – Para o TJ, a dupla exigência de independência do órgão e imparcialidade dos membros postula a existência
de regras, designadamente no que respeita à composição da instância, à nomeação, à duração de funções, bem como

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5) Julgar segundo o Direito – a aparente tautologia do requisito de aplicar normas de direito


serviria para excluir as situações de julgamento segundo princípios de equidade; no entanto, em
virtude do principio do primado e do efeito direto, as instâncias jurisdicionais, mesmo que
habilitadas a decidir segundo critérios de equidade, estando obrigadas a respeitar o direito da
União Europeia, podem, por esta razão, accionar o mecanismo das questões prejudiciais (Ac.
Commune d´Almelo).

Da letra do art. 267º TFUE infere-se um sexto critério: deve ser um órgão jurisdicional de um dos
estados-membros, o que exclui os Tribunais internacionais e os tribunais dos países terceiros. São órgãos
jurisdicionais dos Estados-membros aqueles que se localizam no seu território para efeitos de aplicação do
Direito da União (art.355º TFUE). No caso Dior, o TJ admitiu responder a questões colocadas pelo Tribunal de
Justiça do Benelux, um tribunal internacional criado no âmbito de uma união aduaneira formado por três
países, a Bélgica, os Países Baixos e o Luxemburgo. Apesar do estatuto de instância internacional, o Tribunal
do Benelux decidia, no litigio concreto, sobre direito comunitário e as suas decisões eram aplicáveis aos três
Estados-membros da União, pelo que se justificaria uma interpretação uniforme das normas
eurocomunitária em causa.

O mecanismo das questões prejudiciais pode, contudo, ser alargado ao diálogo com juízes dos
tribunais internacionais, dependente de acordo nesse sentido. Como acontece com o chamado Acordo do
Porto, que institui o Espaço Económico Europeu, em relação aos Tribunais dos países integrantes da EFTA.

Continua por resolver a questão mais difícil, e a mais premente, da articulação entre o TJ e o TEDH.
Mais importante, porventura, que a adesão formal da UE à CEDH seria garantir, através de uma qualquer
solução processual o diálogo direto entre as duas jurisdições a propósito da interpretação e aplicação das
normas garantidoras dos direitos fundamentais, comuns ao sistema da União e ao Sistema da Convenção.

3.3.2. Categorias Especiais de Órgãos Jurisdicionais

3.3.2.1. Tribunais Arbitrais


A exigência de permanência do órgão exclui, em principio, os chamados tribunais ad hoc, enquanto a
obrigatoriedade da jurisdição seria incompatível com a extensão do mecanismo das questões prejudiciais
aos tribunais arbitrais voluntários, resultantes e dependentes do singelo acordo das partes no litigio.
Acontece que, fruto da variedade de tribunais arbitrais, a sua legitimidade como autores de questões
prejudiciais depende de fatores relacionados com o seu estatuto legal especifico.

Um tribunal arbitral, instituído por acordo entre particulares, cuja intervenção resulta da cláusula
compromissória inserida em contrato de direito privado, não preenche o requisito de obrigatoriedade.
Diferente é a situação de um tribunal arbitral do foro profissional, previsto na lei para dirimir os litígios entre
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às causa s de abstenção, de impugnação, da nomeação e de destituição dos seus membros, que permitam afastar
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qualquer dúvida legitima, no espirito dos que recorrem à justiça, quanto à impermeabilidade da referida instância em
relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto.

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as partes em convenções coletivas e cuja intervenção, se solicitada por uma parte, não pode ser impedida
pela outra parte.

No caso Merck Canada, com origem em questão prejudicial suscitada pelo Tribunal Arbitral
necessário, criado pela Lei nº62/2011, de 12 de dezembro, competente para os litígios emergentes da
invocação de direitos de propriedade industrial, o TJ não teve dificuldade em concluir pela admissibilidade
das questões submetidas por um tribunal arbitral cuja competência não resulta da vontade das partes, mas
da Lei nº62/2011, considerando ainda como verificados os demais requisitos sobre a origem legal do órgão,
a natureza contraditória do processo, a independência e a aplicação das normas de direito. O TJ refere
expressamente o artigo 209º/2 CRP que inclui os tribunais arbitrais entre as entidades que podem exercer a
função jurisdicional.

Segundo o entendimento de MARIA LUISA DUARTE, não se pode, contudo, inferir o abandono
definitivo da distinção entre tribunais arbitrais necessários e tribunais arbitrais voluntários. Com efeito, o TJ
reitera a exclusão do que identifica como arbitragem convencional na qual prevalece a vontade das partes
no momento inicial do recurso ao tribunal arbitral e no momento ulterior de observância da decisão arbitral.
Embora integrado num sistema de arbitragem como meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos
em matéria tributária, o Tribunal Arbitral Tributário participa no exercício da função jurisdicional e, aspeto
que aparentemente se tornou determinante para o TJ, as suas decisões são obrigatórias para as partes.

Em todo o caso, a distinção ainda sobrevivente entre, por um lado, tribunais de arbitragem
voluntária e, por outro lado, tribunais de arbitragem necessária ou obrigatória não prejudica o dever, e a
consequente responsabilidade em caso de incumprimento, por parte do Estado-membro de garantir a
integridade da Ordem Jurídica da União Europeia. Mesmo os tribunais arbitrais que não possam colocar
questões prejudiciais, estão obrigados a respeitar o Direito da União, incluindo a jurisprudência do TJ,
cabendo aos tribunais estaduais a fiscalização da decisão arbitral no quadro da legislação nacional aplicável.
Numa situação eventual em que não esteja previsto recurso do laudo arbitral para um tribunal estadual
poderemos admitir que se verifica aí uma violação do principio da cooperação leal (art.4º/3TUE) e da
obrigação de meios prevista no artigo 19º/1, parágrafo segundo, TUE, traduzida na criação de vias de recurso
necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo Direito da União. A
tendência, generalizada e excessiva, de privatização da justiça, confiada a tribunais arbitrais ou afins, de
âmbito interno e transnacional, aponta, por um lado, a conveniência de um entendimento menos restritivo
sobre a admissibilidade de questões colocadas por tribunais arbitrais e, por outro lado, de modo a garantir a
aplicação efetiva do Direito da União Europeia, reclama a existência de vias processuais de escrutínio das
decisões arbitrais quando possa ser posta em causa a interpretação e aplicação uniformes de normas
eurocomunitária.

3.3.2.2. Julgados de Paz


A sua previsão tem fundamento na Constituição Portuguesa expressamente definidos como uma
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categoria de Tribunais (art.209/2 CRP). Os julgados de paz são uma alternativa à justiça formal e morosa dos
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tribunais comuns. Nos termos da Lei nº78/2001, de 13 de Julho, são uma instância de natureza mista que

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envolve o mediador de conflitos e o juiz de paz. Na vertente mais importante que implica a intervenção de
um juiz de paz, nada parece impedir a sua classificação como órgão jurisdicional, salvo, porventura, a
possibilidade reconhecida pelo legislador de decidir de acordo com a lei ou a equidade. Dependendo do caso
concreto, o juiz de paz, poderá, se as partes assim o acordarem, decidir segundo critérios de equidade, e,
deste modo, dispensar critérios de legalidade estrita.

3.3.2.3. Órgãos de Ordens Profissionais


Na sequência da jurisprudência Broekmeulen, favorável à integração dos organismos profissionais
no âmbito de aplicação do reenvio, o TJ respondeu a questões prejudiciais suscitadas, por exemplo, pela
Ordem dos Arquitetos da Bélgica e pela Ordem dos Advogados de Milão. Determinante sobre a
admissibilidade das questões tem sido a existência ou não da garantia fundamental da independência do
órgão que, naquele litigio concretos e pronuncia tal qual um órgão jurisdicional. No caso Gebhard, a questão
posta por um órgão da estrutura representativa dos advogados de Milão foi admitida, mas, em
contrapartida, não o foi a questão apresentada pelo Conselho da Ordem dos Advogados de Paris (AC.
Borker). No caso Borker, o TJ objetou que o procedimento interno tinha origem no exercício de uma
competência meramente declarativa, à qual, faltava, pois, a dimensão contenciosa.

3.3.2.4. Autoridades Reguladoras


A jurisprudência do Tribunal não tem sido favorável ao diálogo com as entidades administrativas
independentes que, no âmbito do direito administrativo da regulação, proliferam nas ordens jurídicas dos
Estados-membros, investidas de poderes de regulação e supervisão. O caso paradigmático é o das
autoridades nacionais da concorrência. No já citado caso Syfait, o TJ, a respeito da autoridade da
concorrência da Grécia, com fundamento na ausência de independência, rejeitou responder às questões
colocadas. É interessante verificar que na decisão do TJ pesou o estatuto interno desta entidade, mas
também a sua dependência em relação à Comissão Europeia, imposta pela legislação eurocomunitária da
concorrência. O veredicto no caso Syfait não legitima, contudo, a certeza dobre a ausência de legitimidade
das autoridades da concorrência ao abrigo do artigo 267º TFUE, pois, dependendo da opção do Legislador
nacional, podem ter a natureza mista de entidade administrativa competente para a prática de funções
jurisdicionais.

3.3.2.5. Tribunais Constitucionais


As dúvidas que poderia pairar sobre a colocação de questões prejudiciais pelos “guardiões” das
Constituições dos Estados-membros não se prendem com a sua natureza de órgão jurisdicional nem
tampouco com a sua obrigação de garantir a aplicação do Direito da União, de acordo com as exigências do
primado e do efeito direto. A incerteza resultava antes da própria inadmissibilidade das instâncias
constitucionais, tribunais supremos e responsáveis máximos para interpretar e assegurar a inviolabilidade da
Lei Fundamental, relativamente ao mecanismo do reenvio. Nalguns Estados-membros, de fiscalização
concentrada da constitucionalidade, esta competência é exercida com caráter exclusivo. Atualmente
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podemos considerar o problema definitivamente ultrapassado. O Tribunal Constitucional Belga foi o


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primeiro a colocar uma questão prejudicial e, desde então, é o mais assíduo cliente do mecanismo do
reenvio, tendo, no total, até 2015, suscitado 62 questões prejudiciais.

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3.4. Natureza Jurídica da Decisão de Reenviar: pode ou deve ser colocada a


questão prejudicial?
É clara a letra do artigo 267º TFUE na distinção que estabelece entre, de um lado, os órgãos
jurisdicionais dos Estados-membros que podem colocar uma questão prejudicial e, por outro lado, os órgãos
jurisdicionais dos Estados-membros que são obrigados a submeter a questão ao Tribunal de Justiça. O
critério operativo desta distinção é a natureza não definitiva ou definitiva da decisão jurisdicional que o
Tribunal nacional está habilitado a tomar no litígio concreto. Assim, podem colocar a questão prejudicial os
tribunais cujas decisões são susceptíveis de recurso judicial no direito interno; devem colocar a questão
prejudicial os tribunais cujas decisões não são susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno.

Olhando para a ratio legis do artigo 267º TFUE, podemos concluir pela existência de quatro aspectos
fundamentais relacionados com o adequado entendimento do mencionado artigo:

⎯ A existência de uma verdadeira questão prejudicial (“uma questão desta natureza”), isto é,
uma dúvida pertinente de interpretação ou validade sobre norma jurídica eurocomunitária
(dúvida razoável);

⎯ Integra ainda o conceito de “questão desta natureza” o vínculo ou o nexo de


prejudicialidade entre a norma jurídica eurocomunitária em causa e o litígio concreto, no
sentido em que a norma, atendendo às circunstâncias do caso submetido a decisão judicial
interna, será aplicável, isoladamente ou em articulação com o normativo interno;

⎯ Tribunais “cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno”
devem compreender (1) todos os tribunais supremos na ordem judiciária interna (teoria
orgânica), como serão em Portugal o Tribunal Constitucional, o Supremo Tribunal de Justiça,
o Supremo Tribunal Administrativo e (2) todos os outros tribunais que, no caso concreto, em
virtude da aplicação de regras processuais de restrição da admissibilidade do direito de
recurso, julgam em última instância (teoria do litigio concreto). Embora a questão divida a
doutrina, parece-nos que, considerando o objetivo de uniformidade na interpretação e
aplicação do Direito da União, a obrigação de reenvio se alarga a todos os Tribunais cujas
decisões, sendo definitivas, potenciam o risco de divergência jurisprudencial, à margem da
intervenção uniformizadora do Tribunal de Justiça;

⎯ A natureza da obrigação de reenvio há-de ser interpretada à luz de um padrão equilibrado


do entendimento da função jurisdicional que envolve uma margem incomprimível de
apreciação e escolha da decisão mais razoável por parte do juiz; por outro lado, é a letra do
artigo 267º TFUE que reconhece ao juiz do reenvio a competência para determinar se essa
questão é necessária ao julgamento em causa; em suma, a obrigação de reenvio por parte
do órgão jurisdicional nacional existe, mas no quadro de um dever prudencial de avaliação
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sobre a necessidade e a pertinência da questão.


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A jurisprudência do TJUE tem vindo, consecutivamente, a ampliar e reforçar a obrigação de reenvio


que, nos seus corolários, chega a ter uma relação difícil com a letra do artigo 267.º TFUE; mais grave, chega
mesmo a desvirtuar a lógica horizontal (juiz a juiz/diálogo de juízes) de funcionamento do mecanismo das
questões prejudiciais:

1) Apesar do artigo 267º TFUE não distinguir entre questão de interpretação e questão de validade
quando estipula o dever de reenvio, o TJ decretou no conhecido caso Foto-Frost a obrigatoriedade
de colocar a questão no caso de o juiz nacional pretender declarar a invalidade da norma
eurocomunitária, com fundamento num suposto monopólio do TJ para declarar a invalidade, em
linha com os seus poderes no quadro do recurso de anulação (art.263º TFUE) e da exceção de
ilegalidade (art.277º TFUE). Aos Tribunais nacionais assiste o direito de apreciar a validade do ato e
concluir pela ausência de fundamento de ilegalidade. Em contrapartida, os órgãos jurisdicionais
nacionais carecem do poder para declarar inválidos os atos das Instituições da União, porque uma
tal prerrogativa, gerando divergências de jurisprudência, seria de molda a comprometer a própria
unidade da ordem jurídica eurocomunitária (…) e prejudicar a exigência fundamental da segurança
jurídica. Mais tarde, no caso Zuckerfabrik e Atlanta, o TJ clarificou o âmbito da exceção ao
reconhecer que o juiz nacional, competente para decidir sobre a solicitada suspensão da execução
do ato ou outra medida provisória, tem o direito de decretar medidas de protecção cautelar
baseadas na invalidade da norma comunitária em causa. Trata-se, contudo, de uma pronuncia
sobre a invalidade que é temporária, porquanto se exige ao juiz nacional, competente para decidir
sobre a solicitada suspensão da execução do ato ou outra medida provisória, tem o direito de
decretar medidas de proteção cautelar baseadas na invalidade da norma comunitária em causa.
Trata-se, contudo, de uma pronuncia sobre a invalidade que é temporária, porquanto se exige ao
juiz nacional, depois de deferido o pedido de proteção cautelar, que suspenda a instância e coloque
ao TJ a respectiva e necessária questão prejudicial de invalidade. Por outro lado, a decisão favorável
do juiz nacional à suspensão da eficácia do ato nacional de execução ou à adoção de outro tipo de
medida provisória estará subordinada sempre ao respeito de exigências estritas de justificação da
proteção cautelar, equivalentes às que são aplicadas pelo TJUE enquanto juiz da garantia provisória
de direitos e interesses: a proteção provisória que é assegurada aos particulares perante os órgãos
jurisdicionais nacionais pelo direito comunitário não pode variar consoante se discuta a
compatibilidade das disposições do direito nacional com o direito comunitário ou a validade de atos
comunitários de direito derivado, desde que, em ambos os casos, a impugnação se baseie no próprio
direito comunitário.

2) Na chamada jurisprudência CILFIT e seus desenvolvimentos posteriores, o TJ adota uma leitura


marcadamente restritiva da teoria do ato claro com o objetivo de condicionar a margem de
apreciação do juiz nacional sobre a existência de uma questão necessária que fundamente a
obrigação de reenvio.
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No caso CILFIT, a teoria do ato claro no sentido de dispensar o reenvio pelo juiz nacional foi sujeita à
verificação das seguintes condições:

⎯ Sobre as características próprias do direito comunitário – o juiz nacional deve proceder a uma
análise da norma em causa, atendendo ao seu enquadramento sistemático e, em particular,
aos objectivos e ao estádio de evolução do ordenamento jurídico comunitário;

⎯ Sobre as dificuldades particulares de interpretação do direito comunitário, resultantes, por


um lado, da existência de várias versões linguísticas oficiais e, por outro lado, do recurso a
terminologia e conceitos próprios do direito comunitário – o juiz nacional está obrigado a
comparar as versões linguísticas e a considerar a autonomia concetual do direito comunitário
face aos direitos nacionais;

⎯ Sobre o grau de certeza – a convicção sobre o acerto ou evidência de uma determinada


interpretação deverá ser acompanhada da convicção sobre a sua aceitação pelos tribunais dos
outros Estados-membros e pelo próprio Tribunal de Justiça, o que, na prática, implica conhecer
a jurisprudência dos outros Estados-membros, pelo menos dos seus Tribunais Supremos, e,
bem entendido, a jurisprudência do TJUE.

Em suma, a jurisprudência CILFIT identifica a relevância da teoria do ato claro, enquanto exeção à
obrigação reenvio, com uma situação de certeza, em todo o caso de ausência de dúvida razoável. Como
escreve MARIA LUISA DUARTE, exige-se ao juiz nacional o desenvolvimento de um esforço quase titânico
para chegar à conclusão que, afinal, a norma não precisa de ser interpretada pelo juiz comunitário.

Apesar das suas fragilidades lógico-jurídicas, podemos ver na jurisprudência CILFIT, uma
preocupação legitima com a tentação de aplicação abusiva da teoria do ato claro por parte dos tribunais
supremos.

Por força do principio da cooperação leal, os tribunais supremos devem pois, atuar com prudência e
evitar o abuso da teoria do ato claro. Nada impede, contudo, um tribunal supremo ou qualquer tribunal
sujeito ao dever de reenvio de colocar a questão apesar da eventual existência de uma interpretação
evidente e/ou uma jurisprudência constante sobre a matéria. A recolocação da questão é um poder do juiz
nacional. Ao TJ, no quadro do referido principio da cooperação leal, compete responder, ainda que sob a
forma remissiva de um despacho fundamentado, nos termos previstos no artigo 99º do Regulamento de
Processo. No caso Fransson, importante aresto sobre o âmbito de proteção dos direitos fundamentais com
arrimo na CDFUE, o TJ descartou a tese de o recurso obrigatório ao reenvio ficar subordinado à existência de
uma contradição clara entre a norma aplicável e o enunciado do direito fundamental, constante da Carta ou
resultante da jurisprudência relevante: uma tal prática, acabaria por recusar ao juiz nacional o poder de
apreciar plenamente, se necessário com a cooperação do Tribunal de Justiça, a compatibilidade da
disposição controvertida com o direito fundamental garantido pela Carta.
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A teoria do ato claro, nesta sua aplicação como exceção à obrigação de reenvio, está limitada às
questões de interpretação. No caso Gaston Schull, o TJ clarificou a relação entre a doutrina Foto-Frost e a

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doutrina CILFIT. Um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso não está
obrigado a colocar a questão se: (1) esta não for pertinente; (2) existe jurisprudência do TJUE que pretende
seguir; (3) a correta aplicação do direito não dá lugar a qualquer dúvida razoável. Não assiste ao órgão
jurisdicional nacional esta margem de decisão no caso de as questões relativas à validade de atos
comunitários. Mesmo que no caso de já existir um acórdão do TJ que declare a invalidade de norma análoga
à norma relevante no caso concreto, o tribunal nacional não se deve respaldar neste precedente para
dispensar o reenvio que é, portanto, obrigatório nos termos da jurisprudência Foto-Frost. Para defender o
seu monopólio de jurisdição no que respeita à declaração de invalidade, o TJ argumenta: mesmo em casos
que possam, à primeira vista, parecer semelhantes, é possível que um exame aprofundado revele que uma
disposição cuja validade está em causa não pode ser comparada a uma disposição já declarada inválida,
devido, designadamente, a um diferente contexto jurídico ou, eventualmente, factual.

Uma vez reconhecida a obrigação de reenvio, eventualmente violada pelo tribunal nacional, são
várias as possibilidades de recurso para os Tribunais – TJUE; TEDH e Tribunais internos:

⎯ A ação por incumprimento contra o Estado-membro ao qual pertence o tribunal que


estaria sujeito ao dever de reenvio, interposta pelo Comissão ou por qualquer outro
Estado-membro (art.258.º e 259.º TFUE).

Nos termos definidos por jurisprudência constante, o princípio do primado, que abrange as decisões
do próprio TJUE, vincula todos os níveis de autoridade dos Estados-membros, incluindo os seus tribunais. Em
teoria, é possível a instauração da ação por incumprimento. Na prática, uma tal possibilidade suscita várias
dificuldades, o que, decerto, explica que a Comissão nunca, até ao momento, tenha avançado para a fase
contenciosa com base neste tipo de acusação a um Estado-membro, embora tivesse tomado a iniciativa de
abrir procedimentos de pré-contencioso contra a Alemanha e contra a Suécia.

Esta solução apresenta algumas dificuldades: a primeira está relacionada com o principio da
separação de poderes, que garante a independência dos Tribunais face ao executivo. Confrontado com uma
hipotética sentença declarativa de incumprimento relativo à violação da obrigação de reenvio por parte do
Estado-membro condenado, responsável pela execução do acórdão do TJ (art.260/1 TFUE), não poderia dar
ordens à respectiva jurisdição suprema. Poderia, é certo, alterar a legislação processual interna no sentido
de explicitar e enquadrar a obrigação de reenvio, mas uma tal ação legislativa não seria garantia suficiente
de acatamento da jurisprudência do TJ sobre o alcance do dever de colocar questões prejudiciais no caso de
não existir da parte do Tribunal Supremo uma atitude cooperante. Ou seja, um acórdão condenatório não
pode ter por efeito eliminar uma característica fundamental do Estado de Direito: a liberdade de apreciação
do Juiz nacional que caracteriza a própria essência da função de julgar.

Finalmente, importa esclarecer: os particulares: os principais lesados com uma recusa de reenvio no
âmbito de um processo nacional em que são partes, não podem instaurar a ação por incumprimento,
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tampouco lhes é possível obrigar a Comissão a fazê-lo, pelo que a sua iniciativa se limitará à queixa dirigida
aos serviços da Comissão relativa à suposta violação da obrigação de reenvio pelo tribunal ou tribunais de
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um determinado Estado-membro; excluída está também a intervenção no processo por incumprimento


(art.40º ETJ).

⎯ A ação de indemnização por responsabilidade do Estado-membro em causa que reveste


uma função compensatória dos direitos dos particulares

“(…) não podendo uma violação destes direitos por uma decisão de órgão jurisdicional que se tornou
definitiva ser sanada, os particulares não podem ser privados da possibilidade de accionarem a
responsabilidade do Estado a fim de obterem por este meio uma proteção jurídica dos seus direitos.”

Ac. Köbler

A tutela indemnizatória refere-se aos direitos e interesses materialmente prejudicados pela


incorrecta aplicação da legislação eurocomunitária por parte do tribunal nacional, a qual, presume-se,
poderia ter sido evitada com a colocação em tempo de uma questão prejudicial ao TJ. Não existindo do lado
dos particulares um direito ao reenvio, embora admitindo em nome da tutela jurisdicional efetiva uma
dimensão subjectiva do processo de questões prejudiciais, sob forma de um interesse ou expectativa
processual, o direito a uma indemnização não pode repousar, unicamente, na decisão de recusa de reenvio
pelo tribunal nacional que, nos termos do artigo 267.º TFUE, estaria obrigado a suscitar a questão. Para este
caso, a consequência só pode ser a ação por incumprimento cuja instauração não depende da vontade ou
iniciativa dos particulares.

Em Portugal, a Lei nº 67/2007, que aprova o Regime da Responsabilidade Extracontratual do Estado


e demais Entidades Públicas, admite a responsabilidade por erro judiciário que, nos termos do artigo 13º/1
abrange “decisões jurisdicionais manifestamente ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação
dos respectivos pressupostos de facto”. Caberiam nesta previsão decisões arbitrárias de recusa de reenvio,
resultantes de uma aplicação abusiva da teoria do ato claro ou de uma apreciação manifestamente errónea
dos pressupostos de facto para o efeito de convocação de norma eurocomunitária aplicável. O problema
reside na solução prevista no artigo 13º/2, que condiciona a admissibilidade do pedido de indemnização à
prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.

⎯ O recurso extraordinário de revisão

Embora pensado para superar o problema da inexistência de um meio de execução no ordenamento


jurídico português das sentenças do TEDH, é, na opinião da Professora MARIA LUISA DUARTE, igualmente
aplicável à revisão de decisões judiciais proferidas por tribunais nacionais que sejam contrárias à
jurisprudência do TJUE, designadamente por violação da obrigação de reenvio do artigo 267º TFUE tal como
interpretado pelo TJ (art.696º/f) CPC).

⎯ Outra via processual nunca ensaiada, mas aberta aos particulares, é a queixa ao TEDH
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O Tribunal de Estrasburgo, competente para interpretar e aplicar a CEDH, já teve ensejo de julgar
que uma recusa de reenvio por parte de um tribunal nacional constitui violação do direito a um processo
equitativo, previsto no artigo 6º/1 CEDH, sempre que tal recusa se possa configurar como arbitrária.

3.5. Conteúdo e Forma Da Decisão Judicial De Colocação Da Questão Prejudicial


O órgão jurisdicional nacional só pode solicitar ao Tribunal de Justiça a resposta a questões de
interpretação ou de validade sobre o Direito da União. Não pode, é sabido, interroga-lo, directamente, sobre
o direito nacional. Insistimos no termo “directamente”. Na verdade, uma parte muito significativa das
respostas do TJ a pedidos prejudiciais reflete, indirectamente, um juízo de desvalor, rectius, um juízo de
desconformidade entre o Direito nacional e o Direito da União.

A resposta do TJ a questões que envolvam apreciações sobre a compatibilidade do Direito nacional


com o Direito da União Europeia depende, pois, da formulação do pedido que deve incidir sobre a norma ou
principio eurocomunitário em causa. A legislação nacional é referida mas no quadro dos pressupostos de
facto e de direito que justificam o pedido de reenvio e, outrossim, fundamentam a pertinência das questões
prejudiciais colocadas.

Segundo a jurisprudência constante, o despacho de reenvio do juiz nacional deve precisar o quadro
factual e normativo do litigio concreto com o adequado desenvolvimento para, sobretudo em áreas de
particular complexidade, como o direito da concorrência ou o direito fiscal, permitir ao TJ uma avaliação da
admissibilidade das questões e as suas implicações no litigio concreto e para o futuro, dado o efeito de
precedente atípico que está associado à autoridade do acórdão proferido a titulo prejudicial.

O TJ aprovou Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação


de processo prejudiciais que desenvolvem o previsto Regulamento do Processo, em especial o seu artigo 94º
sobre o conteúdo do pedido de decisão prejudicial. As Recomendações formulam o conselho prudente e
pragmático de seguir uma redacção simples, clara e precisa, sem elementos supérfluos”, o que, desde logo,
facilita a tarefa de traduzir o pedido de decisão prejudicial em todas as línguas oficiais da União e, assim,
contribui para uma tramitação processual mais rápida do pedido que, recorde-se, enquanto não for decidido
pelo TJ, mantém suspenso o andamento do processo na instância nacional.

Compete ao juiz nacional determinar o momento azado para proceder ao reenvio, porque é o dono
do processo nacional e decide de acordo com o conhecimento que tem da fase em que se encontra o litigio
entre as partes.

A descrição do quadro factual e legal, incluindo o direito interno, o direito da União e,


eventualmente, o direito internacional, pode ser mais sucinta no caso de questões de validade e se o litigio
concreto tiver ligação com um reenvio prejudicial anterior.

A decisão de reenvio deve reflectir tanto a posição do juiz nacional sobre a pertinência da questão e
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os argumentos que apontam no sentido de uma determinada resposta como, igualmente, referir a posição
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das partes no processo nacional. Não o fazer ou limitar-se a uma descrição excessivamente sucinta ou

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fragmentária pode levar o TJ a considerar que a questão não está devidamente fundamentada na sua ligação
prejudicial com o litigio concreto.

A decisão do órgão jurisdicional nacional de colocar questões prejudiciais ao TJ reveste a forma


prevista no direito interno para os incidentes processuais. O art.23º ETJ determina que a decisão de reenvio
tem por efeito suspender a instância e é objeto de notificação às partes no processo nacional, a todos os
Estados-membros, à Comissão e à instituição, órgão ou organismo da União que tiver adotado o ato cuja
validade ou interpretação é suscitada. Cabe ao juiz nacional, no quadro do seu direito interno, decidir se
remete todo o processo, apenas extractos com interesse para a adequada análise da questão prejudicial
suscitada ou tão somente o despacho que formula as questões e deve, para respeitar o entendimento do TJ,
apresentar uma descrição do quadro factual e legal considerado relevante. No quadro da pura autonomia
processual dos Estados-membros, a decisão pode chegar ao TJ sobre a forma de um despacho ou de um
acórdão/sentença. A legislação processual da União, incluindo o Estatuto e o Regulamento, não estabelece
directamente exigências de forma. É referido quase a titulo de mito urbano o caso antigo em que o TJ
aceitou responder a uma questão prejudicial endereçada por carta, assinada pelo presidente interino do
tribunal nacional (AC. Unger).

No Direito Português, a forma deve ser a do despacho, tal como previsto no artigo 152º/4 CPC,
aplicável como lei processual subsidiária no âmbito do processo administrativo, do processo penal, do
processo de trabalho e de outros ramos específicos do direito processual. A decisão do juiz português de
ordenar a suspensão da instância na sequência do despacho não é facultativa, é obrigatória em virtude do
artigo 23º do Estatuto do Tribunal de Justiça (art.269º/c) CPC).

Ainda que com dúvidas, a Professora MARIA LUISA DUARTE tende a considerar que o despacho de
reenvio não admite recurso interno, com base no artigo 630º/1CPC. É certo que o despacho de reenvio não
traduz o exercício de um poder discricionário do juiz, dadas as limitações decorrentes da letra do artigo 267º
TFUE e da jurisprudência desenvolvida pelo TJ em torno da ideia do dever de colocar a questão prejudicial.
Não obstante, e conformemente à visão que sustentamos sobre a competência do juiz da causa como
expressão de um dever prudencial, é razoável assumir que estamos perante um despacho através do qual o
juiz decide matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador (art.152º/4 CPC).

3.6. O Acórdão sobre questões prejudiciais

3.6.1. Tramitação Processual


O processo de questões prejudiciais é tramitado como processo especial, enquadrado pelas
disposições especificas do artigo 267º TFUE, artigos 23º e 23º-A do ETJ e artigos 93º a 114º RP. Podemos
apresentar as seguintes fases do processo:

1) Remessa da decisão de reenvio, por iniciativa do órgão jurisdicional nacional, dirigida à


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Secretaria do Tribunal de Justiça por correio registrado (art.23º ETJ);


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2) Notificação do despacho de reenvio aos interessados (as partes no processo nacional, todos os
Estados-membros, a Comissão, a instituição, órgão ou organismo que adotou o ato cuja
interpretação ou apreciação de validade é solicitada) para a apresentação de observações
escritas, no prazo de dois meses a contar da data do ato de notificação (art.23º ETJ; 96º e 97º);

3) Retirada do pedido (art.100º RP) – o tribunal nacional pode notificar o TJ da sua decisão de
retirar o pedido; na sequencia de vicissitudes processuais que prejudicaram a necessidade do
reenvio. No quadro do espirito de diálogo e cooperação entre juiz nacional e TJ, aquele não pode
deixar de manter este informado de todos os elementos relevantes para a apreciação do pedido,
incluindo a sua reformulação à luz de novos desenvolvimentos no processo interno.

4) Pedido de esclarecimentos (art.101ºRP) – o TJ pode solicitar esclarecimentos adicionais ao


tribunal nacional, porventura necessários para suprir um défice de precisão e de fundamentação
da decisão de reenvio.

5) Resposta mediante despacho fundamentado (art.99º RP) – modalidade de decisão que permite
ao TJ, verificada a existência de jurisprudência relevante e consolidada sobre a matéria em
causa, uma resposta através de despacho fundamentado. Como aplicação concreta do diálogo
entre juízes que caracteriza o mecanismo processual do artigo 267º TFUE, o TJ pode, ainda, em
função da jurisprudência anterior que indica, solicitar ao órgão jurisdicional de reenvio se deseja
ou não manter determinada questão; também pela via mais expedita do despacho, o TJ pode
recusar a resposta por razoes de inadmissibilidade da questão.

6) Audiência para alegações orais (art.76ºRP), na qual podem participar os interessados que
submeteram observações escritas e também aqueles que, constando do rol previsto no artigo
23º ETJ, não participaram na fase escrita (art.76º/3 e art.96º/2 RP).

7) Conclusões do advogado-geral, divulgadas em data anunciada no final da audiência para


alegações orais (art.82ºRP).

8) Acórdão ou despacho, lido em audiência pública, cuja data é previamente notificada aos
interessados (art.88ºRP); contrariamente aos acórdãos e despachos sobre processos
contenciosos (art.158ºRP), os acórdãos e processos sobre processos prejudiciais não são
passiveis de interpretação pelo TJ: qualquer dúvida sobre o alcance e o sentido da jurisprudência
definida pelo TJ deve ser resolvida pelo órgão de reenvio ou, se o achar necessário, pode voltar a
solicitar ao TJ o esclarecimento de dúvidas subsistentes pela via da colocação de novas questões
prejudiciais (art.104º RP).

9) Tramitação acelerada (art.105º-106º RP) – a pedido do tribunal de reenvio ou, excecionalmente,


por decisão do próprio TJ, o processo corre com prazos encurtados quando a natureza da
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decisão pendente o justifique: o prazo de dois meses para apresentar observações escritas
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(art.23º ETJ) pode, por exemplo, ser reduzido para 15 dias, seguido da marcação imediata da
data da audiência (Gogova).

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10) Tramitação urgente (art.107º - 114º RP) – no âmbito material do chamado Espaço de Liberdade,
Segurança e Justiça (art.67 e seguintes TFUE), por iniciativa do tribunal de reenvio ou,
excecionalmente do próprio TJ, o pedido prejudicial é passível de ser apreciado em tramitação
urgente com o objetivo de alcançar uma decisão muito mais célere: em média, 2 meses por
comparação com a duração média de instância de um pedido prejudicial que foi, em 2015, de
15,3 meses. A tramitação prejudicial acelerada exige maiores sacrifícios de gestão de tempo
processual disponível, com eventual prejuízo para o cabal esclarecimento das questões em
pauta, com a redução drástica de prazos e mesmo a amputação de fases processuais, como seja
a fase escrita do processo (art.111º RP) e as conclusões do advogado-geral, substituídas pela sua
audição (art.112º RP).

3.7. Efeitos do Acórdão

3.7.1. Autoridade do acórdão ou efeito de precedente atípico

3.7.1.1. Acórdão sobre a interpretação


A posição do Tribunal de Justiça sobre a interpretação e a validade do Direito da União é sempre
vinculativa; mesmo no quadro do processo consultivo quando é solicitado um parecer (art.218/11 TFUE). O
acórdão tem força obrigatória desde o dia da sua prolação (art.91º/1 RP). Se a decisão foi adotada através
de despacho, este vincula desde o dia da sua notificação (art.91º/2 RP). No âmbito especifico do processo de
questões prejudiciais, a decisão do TJ, sob a forma de despacho ou de acórdão, é sempre vinculativa para o
caso concreto, no sentido de se impor ao juiz que colocou a questão, e ao juiz que venha, eventualmente,
em sede de recurso a julgar o mesmo litigio, obrigar a decidir em sentido que seja compatível com o
veredicto sobre a interpretação ou a validade da norma eurocomunitária aplicável.

O efeito que designamos por precedente atípico resulta da autoridade do acórdão proferido a titulo
prejudicial em relação a questões futuras materialmente idênticas. Trata-se de uma vinculatividade de raiz
funcional que exclui a relação hierárquica típica do efeito do precedente na relação entre Tribunais
Supremos e Tribunais subordinados. Não se pode falar, com propriedade, em efeito de caso julgado por não
estarmos perante um processo contencioso. Será, todavia, apropriado identificar no acórdão interpretativo a
autoridade da coisa interpretada, também no sentido da decisão definitiva insuscetível de recurso. Dado o
caráter definitivo da pronuncia do TJ, a única forma de obrigar a reexaminar a resposta constante do
acórdão será através da recolocação da questão prejudicial.

A autoridade interpretativa ou doutrinária da jurisprudência do TJ justifica-se à luz do objetivo


primordial da garantia de uniformidade da interpretação e aplicação do Direito da União Europeia no
conjunto das Ordens Jurídicas dos Estados-membros: “corresponde esta conceção à função atribuída ao
Tribunal de Justiça pelo artigo 267º e que visa assegurar a unidade de interpretação do Direito comunitário
nos (…) Estados-membros.
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A garantia da unidade na interpretação e aplicação do Direito da União Europeia associada ao


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princípio do primado, pode até justificar que um juiz nacional não siga a orientação do Tribunal Superior

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Nacional se esta for contrária à Jurisprudência do TJUE. O primado do Direito da União Europeia não é,
contudo, absoluto e incondicional. Os limites ao primado resultam, em primeiro lugar, do Direito da União
quando o artigo 4º/2 TUE, compromete a União com o respeito do principio da identidade nacional tal como
reflectido nas estruturas politicas e constitucionais dos Estados-membros; e, bem assim, quando o art.53º
CDFUE ressalva o nível mais elevado de proteção dos direitos fundamentais. No quando português, com
respaldo direto no artigo 8º/4 CRP, o juiz português, do Tribunal comum ou do Tribunal Constitucional, deve
recusar a aplicação da jurisprudência do TJ se esta colidir, de forma clara, com princípios fundamentais do
Estado de Direito Democrático. Não se trata, contudo, de uma solução que o TJ admita num contexto futuro
ou hipotético quando questionado sobre essa possibilidade (Ac. Gauweiler).

A autoridade do acórdão, vinculando o juiz do caso concreto, o juiz de recurso e os juízes que no
futuro sejam confrontados com casos materialmente idênticos, não impede, contudo, a revisitação do
processo das questões prejudiciais. O TJ poderá, de novo, ser instado a esclarecer sobre dúvidas
relacionadas com o conteúdo do acórdão interpretativo proferido: seja porque a resposta dada pelo TJ foi
insuficiente ou padece de falta de clareza (AC. Steen), seja porque o Tribunal nacional alimenta a convicção a
respeito da possibilidade de uma alteração da jurisprudência existente sobre a matéria, no quadro próprio
do diálogo juiz a juiz que mais se justifica no caso de jurisprudência antiga ou ultrapassada por
circunstâncias supervenientes, nomeadamente, jurisprudência entretanto definida pelo TEDH (AC. Roquette
Frères).

3.7.1.2. Acórdão sobre a validade


No caso de um acórdão que reconhece a invalidade do ato, o tribunal do reenvio não pode aplicar a
norma eurocomunitária considerada inválida. Em casos futuros, os Tribunais nacionais (o próprio TJ e, por
maioria de razão, o TG) estão impedidos de aplicar (dever de desaplicação). Como acontece com a resposta
interpretativa, os órgãos jurisdicionais nacionais não estão impedidos de recolocar a questão (AC. Chemical
Corporation). Se a pronuncia for no sentido da ausência de invalidade, tal não equivale a uma certificação da
validade para o futuro. A questão pode voltar ao TJ com base noutros argumentos de invalidade (AC. Milac).

A norma ou ato declarados inválidos não estão mortos, apenas em situação de coma jurídico. A sua
eliminação definitiva da ordem jurídica eurocomunitária depende de um ato de revogação que, da parte do
autor do ato, concretiza um dever cujo fundamento é o principio da cooperação leal, tal como enunciado
pelo artigo 13º/2 TUE, conjugado com o artigo 266º TFUE, aqui aplicável por analogia (AC. Van Landschoot).
Mesmo que a Comissão não seja a autora do ato declarado inválido e, se for necessário, a sua substituição
por um regime normativo compatível com as exigências de legalidade identificadas pelo Juiz da União.

O principio da cooperação leal vincula, igualmente, as autoridades nacionais a respeitar a declaração


de invalidade, eliminando ou adaptando, por exemplo, as medidas nacionais de aplicação. Dada a diferença
entre a declaração de nulidade (art.266º TFUE) e a declaração de invalidade, neste ultimo caso as
autoridades nacionais apenas estão obrigadas a adotar medidas convocadas pela inibição de efeitos do ato
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inválido no perímetro do litigio concreto. Ao autor do ato compete a sua revogação e a garantia da sua
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efectiva neutralização, daqui resultando, eventualmente, outro tipo de obrigações para as administrações
nacionais em sede de execução.

3.7.2. Efeitos no Tempo

3.7.2.1. Acórdão Sobre a Interpretação


A interpretação a titulo prejudicial retroage ao momento da entrada em vigor da norma ou ato
interpretados, neles se incorporando. Por consequência, o órgão judicial de reenvio e todos os tribunais em
casos futuros estão obrigados a aplicar a norma segundo a interpretação definida pelo TJ a qualquer
situação de vida, mesmo que a relação jurídica em causa seja anterior à data de prolação do acórdão (AC.
Denkavit).

O efeito retroactivo do acórdão interpretativo pode, de acordo com a doutrina defendida no caso
Kühne, limitar a natureza definitiva de uma decisão administrativa. Recorrendo mais uma vez à força
jurígena do principio da cooperação leal, previsto no artigo 4º/3 TUE, o TJ concluiu que a existência de
jurisprudência, ainda que posterior à decisão administrativa consolidada, gera a obrigação de a acatar,
incluindo pela via do reexame de decisão administrativa definitiva (Ac. Kempter). Duvidosa permanece a
questão de saber se a jurisprudência Kühne e Kempter se aplica também ao dever de revisão de sentenças
judiciais transitadas em julgado. No caso Kapferer, o TJ não excluiu a aplicação da jurisprudência Kühne às
decisões judiciais transitadas em julgado. No caso Lucchini, o TJ vai ainda mais longe na restrição do principio
res judicata quando esteja em causa uma decisão judicial definitiva de um órgão jurisdicional nacional que
excedeu os limites da competência desse órgão tal como decorrem do direito comunitário. Embora
reconhecendo que não é pacifica a relação entre a exigência do primado e o principio da força de caso
julgado, parece-nos que podemos extrair da jurisprudência já definida nos casos Kühne, Kapferer e,
sobretudo, Lucchini, a seguinte presunção: um órgão jurisdicional nacional, vinculado pelo principio do
primado e pela obrigação de reenvio, excede os limites da sua competência quando contraria jurisprudência
anterior do TJ ou decide, existindo dúvidas ou a obrigação de reenviar, sem colocar a questão prejudicial,
abrindo a porta a um processo de revisão da decisão judicial definitiva se esta contrariar jurisprudência
posterior do TJ.

Razões imperiosas de defesa do interesse geral podem justificar uma limitação ao principio geral da
retroatividade. No caso Defrenne, o TJ aplicou pela primeira vez esta prerrogativa, restringindo a invocação
do artigo 119º do Tratado CEE (art.157º/1 TFUE) na parte em que impõe igualdade salarial entre homens e
mulheres, às remunerações posteriores à data do acórdão. Com base no principio da confiança, impõe-se
uma exceção à exceção: a interpretação a titulo prejudicial pode ser validamente invocada em relação a
situações pretéritas pelos interessados que, anteriormente, à data do acórdão tenham introduzido recurso
judicial ou deduzido reclamação equivalente (Ac. Defrenne; Wien e Wien).

Em jurisprudência mais recente, com o objetivo de tratar esta possibilidade como uma exceção à
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qual só se recorre em circunstâncias bem precisas, o TJ clarificou dois critérios cuja verificação condiciona a
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decisão sobre a limitação da retroatividade: por um lado, a boa fé dos interessados e, por outro lado, o risco
de perturbações graves.

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3.7.2.2. Acórdão Sobre a Validade


Como se verifica com os acórdãos declarativos da nulidade, a decisão sobre a invalidade tem efeitos
retroactivos, salvo se o TJ, por analogia com o artigo 264º, TFUE, considerar necessário manter os efeitos do
ato ou alguns dos efeitos produzidos por este, Também esta limitação é entendida como uma exceção que
carece de devida justificação. Para salvaguarda dos direitos e interesses legítimos dos particulares afectados
com a retroatividade da decisão de invalidade, mesmo que o TJ o não refira expressamente, deve entender-
se, à luz do principio da tutela jurisdicional efetiva, que a invalidade não prejudica a situação daqueles que, à
data do acórdão sobre a invalidade, já instauraram recurso judicial ou reclamação equivalentes.

Outra situação paradigmática de limitação dos efeitos ex tunc da decisão sobre a invalidade do ato
jurídico da União pode acontecer, no quadro interinstitucional do contencioso da base jurídica, e mais uma
vez por analogia com a declaração de nulidade em sede de recurso de anulação, quando o TJ decida que o
ato declarado inválido continuará a produzir efeitos até à entrada em vigor do ato que o deverá substituir ou
durante o período que for determinado no acórdão – modalidade de eficácia prospectiva sob condição ou a
termo.

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4. RECURSO DE ANULAÇÃO
+ artigo 47 da CDF
4.1. Bases Jurídicas
Relativamente a esta matéria, temos a seguinte base jurídica:

Artigo 263.º (ex-artigo 230.º TCE)

O Tribunal de Justiça da União Europeia fiscaliza a legalidade dos atos legislativos, dos atos do Conselho, da Comissão e do
Banco Central Europeu, que não sejam recomendações ou pareceres, e dos atos do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu
destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros. O Tribunal fiscaliza também a legalidade dos atos dos órgãos ou
organismos da União destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros.

Para o efeito, o Tribunal é competente para conhecer dos recursos com fundamento em incompetência, violação de
formalidades essenciais, violação dos Tratados ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação, ou em desvio de poder,
interpostos por um Estado-Membro, pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho ou pela Comissão.

O Tribunal é competente, nas mesmas condições, para conhecer dos recursos interpostos pelo Tribunal de Contas, pelo
Banco Central Europeu e pelo Comité das Regiões com o objetivo de salvaguardar as respetivas prerrogativas.

Qualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor, nas condições previstas nos primeiro e segundo parágrafos, recursos
contra os atos de que seja destinatária ou que lhe digam direta e individualmente respeito, bem como contra os atos regulamentares
que lhe digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução.

Os atos que criam os órgãos e organismos da União podem prever condições e regras específicas relativas aos recursos
interpostos por pessoas singulares ou coletivas contra atos desses órgãos ou organismos destinados a produzir efeitos jurídicos em
relação a essas pessoas.

Os recursos previstos no presente artigo devem ser interpostos no prazo de dois meses a contar, conforme o caso, da
publicação do ato, da sua notificação ao recorrente ou, na falta desta, do dia em que o recorrente tenha tomado conhecimento do
ato.

Artigo 264.º (ex-artigo 231.º TCE)

Se o recurso tiver fundamento, o Tribunal de Justiça da União Europeia anulará o ato impugnado.

Todavia, o Tribunal indica, quando o considerar necessário, quais os efeitos do ato anulado que se devem considerar
subsistentes.

Artigo 266.o (ex-artigo 233.o TCE)

A instituição, o órgão ou o organismo de que emane o ato anulado, ou cuja abstenção tenha sido declarada contrária aos
Tratados, deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia.

Esta obrigação não prejudica aquela que possa decorrer da aplicação do segundo parágrafo do artigo 340.º.

+275/2º paragrafo TFUE -


controlo de legalidade por
duas vias
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4.2. Critérios Gerais de Admissibilidade do Recurso de Anulação

4.2.1. Tribunal Competente


Nos termos do artigo 256º TFUE, o TG é competente para conhecer, em primeira instância, dos
recursos de anulação, com exceção dos atribuídos a um tribunal especializado. Estão nesta situação, por
força do artigo 51º ETJ: sempre que nao seja uma instituição ou um estado membro, ou seja, um particular, é competente o tribunal gerla TG

⎯ Recursos instaurados por um Estado-membro contra ato do Parlamento Europeu ou do


Conselho ou destas duas instituições atuando conjuntamente com exclusão:

exceção EMc PE/Pe e a) Das decisões tomadas pelo Conselho ao abrigo do artigo 108º/2 TFUE (auxílios de
conselho/conselho: quando
sejam recurso interposto Estado);
por um estado membro
contra atos das intiuição, e
dentro dessa exceção tem b) Dos atos do Conselho adotados por força de um Regulamento do Conselho relativo a
exceções tambem que são:
108/2, 2007, 291/2 TFUE medidas de proteção do comércio, na aceção do artigo 207º TFUE;
todos. e volta pro TG nova
ves.
c) Dos atos do Conselho mediante os quais esta instituição exerce competência de
execução nos termos do artigo 201º/2 TFUE (comitologia).

⎯ Recursos instaurados por um Estado-membro contra um ato da Comissão no âmbito do artigo


331º/1 TFUE (procedimento de cooperação reforçada);

⎯ Recursos interpostos por uma situação da União contra um ato do Parlamento Europeu, do
Conselho ou destas duas instituições atuando conjuntamente, bem como contra um ato da
Comissão ou do Banco Central Europeu.

Curiosamente, esta reserva de competência do TJ não está prevista em relação à impugnação de


atos do Conselho Europeu que, embora impedido de adotar atos legislativos (art.15º/1 TUE), tem
competência para aprovar atos jurídicos de elevada relevância político-institucional que, obedecendo à
lógica do artigo 51º ETJ, deveriam também ser julgados pelo TJ. Em todo o caso, como acontece com todos
os recursos instaurados junto do TG, cabe recurso para o TJ das decisões proferidas pelo Tribunal de
primeira instância, embora limitado às questões de direito (art.256º/1 TFUE e 56º e seguintes do Estatuto).

4.2.2. Prazo de Impugnação


O artigo 263º, parágrafo sexto, estipula um prazo relativamente curto de impugnação, dois meses a
contar de um dos seguintes factos:

⎯ Publicação do ato, se for ato sujeito a publicação no JOUE (art.297º/1 e 2 TFUE);

⎯ Notificação ao recorrente, na qualidade de seu destinatário (art.297 TFUE);

⎯ O dia em que o recorrente tomou conhecimento do ato, e que funciona como critério
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cronológico supletivo.
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DIREITO DO CONTENCIOSO DA UNIÃO EUROPEIA | 4º ANO

No caso de um prazo de dois meses a contar da data de publicação do ato, a contagem far-se-á a
partir do fim do 14º dia subsequente à data de publicação do ato no Jornal Oficial (art.50º RP).

Ao prazo substantivo de impugnação, acresce a dilação em função da distância, fixado para todos os
Estados-membros no prazo uniforme de dez dias (art.51º RP). todos os prazos são corridos

O prazo de interposição de recurso de anulação é peremptório, insuscetível de prorrogação por


decisão do TJUE, porque, justamente, não se trata de prazo fixado pela instituição judicial (art.52 RP).
Diferente é a situação em que o TJ aceita a existência de erro desculpável na interpretação dos pressupostos
de contagem do prazo e, como aconteceu no caso Pitsiorlas, anula o despacho do TG sobre a
inadmissibilidade do recurso por interposição intempestiva.

4.2.3. Atos Suscetíveis de Impugnação

4.2.3.1. Imputação
São passiveis de recurso de anulação os atos:

⎯ Legislativos, adotados pelo Conselho ou, conjuntamente, pelo Conselho e pelo Parlamento
Europeu, de acordo com o processo legislativo ordinário e especial (art.289º TFUE e 294º
TFUE);
Acordo indissociavel, caso 344/19, vicios do acordo.

⎯ Outros atos do Conselho, da Comissão e do Banco Central Europeu que não sejam
recomendações ou pareceres;

⎯ Atos do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu destinados a produzir efeitos jurídicos


em relação a terceiros;

⎯ Atos dos órgãos e organismos da União destinados a produzir efeitos em relação a terceiros.

Com o fim do período de transição estabelecido no Protocolo nº36, a partir de 1 de Dezembro de


2014, o controlo de legalidade estende-se a todos os atos adotados pela União no domínio da cooperação
policial e da cooperação judiciária em matéria penal (art.67º TFUE). Excluídos continuam os atos da União no
âmbito da politica externa e de segurança comum, salvo controlo pressuposto pela garantia do disposto no
artigo 40º TUE e os atos que, nos termos do segundo parágrafo do artigo 275º TFUE, estabeleçam medidas
restritivas contra pessoas singulares ou coletivas (art.24º/1 TUE).

Exemplos de atos que não são recorríveis:

1) Atos adotados pelos Estados-membros, nomeadamente os atos constitutivos do chamado


Direito Primário (com ressalva das decisões do Conselho Europeu, com base no artigo 48º/6 TUE:
adotadas num quadro simplificado de revisão, constituem direito primário, mas o TJ arroga-se o
direito de sindicar a compatibilidade de tal decisão com os pressupostos de competência da
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cláusula de revisão do artigo 48º/6 TUE).


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⎯ Atos imputáveis ao decisor nacional, já que o recurso de anulação não abrange o controlo
de legalidade do direito estadual, em clara oposição com o modelo federal; com exceção
do artigo 14º/2 do Estatuto Europeu dos Bancos Centrais que prevê o recurso para o TJ da
decisão de demissão do governador de um banco central nacional, decisão esta adotada
pelas autoridades nacionais – uma solução esdruxula que, supostamente, visa garantir a
independência dos bancos centrais nacionais, representa, afinal, uma injustificada entorse
ao modelo descentralizado de aplicação da justiça da União Europeia e que, neste caso,
daria a competência aos Tribunais nacionais.

2) Atos unilaterais imputáveis aos órgãos instituídos por acordos internacionais.

⎯ Atos imputáveis a entidades jurídicas que têm na relação com a União um estatuto de
terceiros.

Pode, ser ou não passiveis de recurso de anulação, dependendo das circunstâncias concretas, os
atos:

1) Adotados pelos Estados-membros reunidos no seio do Conselho – uma prática institucional


antiga e muito variável na sua exata formalização, leva os Estados-membros, conduzidos pelo
protagonismo, a adotar decisões, resoluções, declarações através dos representantes dos
Estados-membros reunidos no seio do Conselho: do Conselho da União se estes representantes
forem os Chefes de Estado e de Governo. Na generalidade das situações, são atos sobre matérias
de competência da União ou, no mínimo, de incidência ou relevância para o Direito da União.

2) Acordos internacionais – importa distinguir entre, de uma parte, o acordo internacional


celebrado pela União nos termos do artigo 218º TFUE: ato convencional, acordo de vontades
regulado pelo Direito Internacional dos Tratados, que não é susceptível de impugnação
contenciosa junto do TJUE; e, de outra parte, o ato unilateral do Conselho de aprovação do
acordo em nome da União Europeia (art.218º/6 TFUE). Neste caso, o ato unilateral de
aprovação, sob a forma de decisão do Conselho é, nos termos da letra do artigo 263º TFUE
passível de constituir objeto de um recurso de anulação.
o acordo internacional nao pode pois é objeto de anulação por parte da UE, pois devem ter lugar e seguir as regras do Direito Internacional, nomeadamente a convenção de viena.
TEm um proedimento proprio para essa anulação no plano internacional.
Em síntese, a sindicabilidade contenciosa dos atos da União Europeia em sede de recurso de
anulação obedece, em traços largos, aos seguintes critérios:

⎯ O controlo jurisdicional da legalidade dos atos jurídicos, convocado pelo paradigma da


União de Direito, é exercido como regra, manifestação de um principio geral (AC. Os
Verdes);

⎯ São, por isso, passiveis de recurso todos os atos adotados pelas instituições, órgãos e
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organismos da União, seja com fundamento na sua forma seja com fundamento nos seus
efeitos (atos destinados a produzir efeitos jurídicos);
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⎯ Recorríveis são ainda os atos dos órgãos e organismos que, nos termos dos respectivos
estatutos, dispõem de personalidade jurídica, o que exclui outras realidades institucionais
que, independentemente do seu formato, careçam de personalidade jurídica, ficando,
nestes casos, o controlo dos seus atos dependente da imputação à instituição da União da
qual dependem, através de recurso do TJUE ou via competência residual dos tribunais
nacionais.

4.2.3.2. Conteúdo do Ato


Para além do critério da imputação (autor do ato), o art.263º TFUE explicita o critério material
relativo à natureza dos efeitos do ato: deve ser um ato vinculativo, no sentido de apto a produzir efeitos
jurídicos que se projetam na esfera de terceiros. De acordo com a orientação definida no caso AETR, a
forma, natureza e designação do ato não são, por si só, determinantes. Por ser interposto recurso de um ato
chamado recomendação ou que toma uma designação não prevista no artigo 288º TFUE, disposição que,
recorde-se, tipifica os atos do decisor da EU: carta, deliberação, notificação, conclusões, orientações, etc. Em
contrapartida, um ato típico, dotado de vinculatividade nos termos do artigo 288º TFUE, não deverá suscitar
dúvidas sobre a sua recorribilidade.

A recorribilidade do ato depende da sua aptidão para, por si, de modo auto-suficiente, reconhecer e
restringir direitos ou impor deveres. Esta exigência só é compatível com a existência de um ato definitivo, o
que exclui os atos de natureza informativa, interpretativa, opinativa ou meramente confirmativa.

Atos ditos negativos, que explicitam ou notificam uma recusa de decisão, são recorríveis, salvo se,
como acontece com a iniciativa da Comissão em sede de ação por incumprimento (art.258º TFUE), o autor
do ato beneficiar de uma competência discricionária.

No caso de o particular solicitar uma decisão ou tomada de posição, o silencio como resposta não
abre a porta do recurso, salvo se a legislação procedimental o permitir sob a forma de ato tácito de
indeferimento. Se o silêncio violar uma obrigação jurídica de decisão, a via contenciosa adequada será o
recurso por omissão do artigo 265º TFUE.

Insuscetíveis de recurso se apresentam os atos puramente internos, cujos efeitos se esgotam na


esfera jurídica interna da instituição, órgão ou organismo que os adotou, estando assim prejudicada a sua
projeção na esfera jurídica de terceiros. Já as chamadas Orientações (Guidelines) aprovadas, por exemplo,
pela Comissão no âmbito da sua competência de apreciação sobre auxílios de Estado, que explicitam os
critérios a seguir, implicando um exercício voluntário de auto-limitação, são passiveis de invocação pelos
particulares interessados.
53
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4.3. Recorrentes

4.3.1. Recorrentes de Legitimidade Plena


O artigo 263º, parágrafo segundo, TFUE, coloca no mesmo patamar os Estados-membros, o
Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão: todos partilham o estatuto de recorrentes privilegiados ou
de legitimidade plena, no sentido em que estão dispensados de demonstrar interesse em agir. A todos,
Estados-membros e instituições referidas, assiste o direito de impugnar qualquer ato jurídico, na aceção do
parágrafo primeiro do artigo 263º, com base no interesse objetivo de, por via da iniciativa processual,
garantir o controlo da legalidade e a conformidade da atuação do decisor jurídico da União com os Tratados.
Entendeu-se que uma instituição não poderá atacar um ato próprio, embora a hipótese seja puramente
académica e, como se compreende, não exista um caso de aplicação. Diferente é a situação de um Estado-
membro que votou favoravelmente no seio do Conselho a aprovação de um ato: nada impede a interposição
do recurso contra esse ato, entendendo o TJ que o exercício do direito de recurso não está condicionado
pelas posições tomadas pelos representantes do Estado no Conselho durante o processo de adoção do ato.

As entidades infraestaduais (regiões autónomas, estados federados, autarquias locais, comunidades


interlocais) são recorrentes ordinários, abrangidos pelas exigências processuais do parágrafo quarto do
artigo 263 TFUE, tal como o são os Estados ou organizações internacionais.

4.3.2. Recorrentes de Legitimidade Condicionada


Ao abrigo do parágrafo terceiro do artigo 263º TFUE, Tribunal de Contas, Banco Central Europeu e
Comité das Regiões exercem um direito de recurso limitado pelo objetivo de salvaguardar as respetivas
prerrogativas – os dois primeiros têm, por força do artigo 13º TUE, o estatuto de instituições da União,
enquanto o Comité das Regiões é um órgão da União previsto nos Tratados (art.13º/4 TUE e art.305º-307º
TFUE).

A expressão com objetivo de salvaguardar as respetivas prerrogativas foi importada da


jurisprudência do TJ no glosado caso Parlamento Europeu c. Conselho. Não figurando o Parlamento Europeu
no rol dos recorrentes institucionais, o TJ, depois de uma primeira fase ter rejeitado a legitimidade ativa do
Parlamento Europeu acabou por reconsiderar.

A finalidade é a de garantir a estes recorrentes institucionais de estatuto semi-privilegiado ou


legitimidade condicionada a possibilidade de, pela via contenciosa, defender o seu lugar nas relações
interinstitucionais, pela invocação, por exemplo, de eventuais violações ao principio do equilíbrio
institucional, bem como de eventuais transgressões aos limites de competência, resultantes nomeadamente
de uma escolha errada da base jurídica que fundamentou a adoção de um ato em causa.

A letra do artigo 263º TFUE, resultante da revisão introduzida pelo Tratado de Lisboa, não refere o
estatuto dos órgãos e organismos da União. Entre estes, destacamos o Provedor de Justiça Europeu que
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deveria ter o direito a recorrer ao TJUE para impugnar atos jurídicos da União Europeia, com fundamento na
violação de direitos fundamentais, assim defendendo a respectiva prerrogativa como órgão ao qual, nos
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termos do artigo 20º/2/d) TFUE, são dirigidas queixas pelos cidadãos da União e outras pessoas físicas ou

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coletivas. Com base no paralelismo entre legitimidade passiva e legitimidade ativa, que foi determinante na
definição da jurisprudência do TJ relativa ao estatuto processual do Parlamento Europeu, parece adequado e
equilibrado, após o Tratado de Lisboa, aplicar o mesmo raciocínio quando está em causa o direito de recurso
do Provedor de Justiça Europeu e de outros órgãos e organismos da União, o que justificaria uma
interpretação extensiva do parágrafo terceiro do artigo 263º TFUE. Já se afigura como de excluir a sua
eventual integração no rol dos recorrentes ordinários por estar em causa a defesa de prerrogativas
institucionais e não a defesa de direitos e interesses subjetivos.

4.3.3. Recorrentes Ordinários – em especial, a situação dos particulares


O artigo 263º, parágrafo quarto, TFUE, reconhece o direito de recurso a qualquer pessoa física ou
coletiva. Ou seja, devem estar em condições de interpor o recurso: personalidade jurídica e capacidade
jurídica para agir judicialmente de acordo com o reconhecimento que resulta de lei interna (p.e., na ordem
jurídica portuguesa, artigo 15º CPC que, no seu nº1, define o conceito de capacidade judiciária como a
susceptibilidade de estar, por si, em juízo) ou da lei internacional (p.e., por exemplo, para as organizações
internacionais o reconhecimento expresso ou implícito da personalidade jurídica que tem na capacidade para
estar em juízo um dos seus vectores).

Para além da capacidade judiciária, as pessoas físicas ou coletivas, enquanto recorrentes ordinários,
têm de fazer prova do interesse e agir: (a) simples ou (b) qualificado.

(a) O interesse em agir na impugnação de um ato corresponde ao objetivo de alcançar a declaração


de nulidade do ato que lhe foi formalmente dirigido e que deve, segundo jurisprudência
constante do TJUE, ter consequências jurídicas efetivas e diretas para a parte demandante: um
recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou coletiva só é admissível na medida
em que o recorrente tenha interesse em que o ato impugnado seja anulado. Este interesse
pressupõe que a anulação desse ato seja suscetível, por si só, de produzir consequências jurídicas
ou, segundo outra fórmula, que o recurso seja suscetível, pelo seu resultado, de conferir um
beneficio à parte que o interpôs (Ac. First Data). O interesse processual do demandante é
apreciado pelo TJUE por referência à data de introdução do recurso e deve, nesta data, ser
considerado atual, o que exclui a relevância de um interesse futuro e hipotético (Ac. BEUC).
(b) O interesse processual qualificado ou qualidade para agir distingue-se do mero interesse em
agir, porque reclama do recorrente, que não é formalmente destinatário do ato recorrido, a
demonstração que o ato dirigido a outra pessoa ou adotado como ato geral e abstrato, lhe diz
direta e individualmente respeito (art.263 TFUE). Nesta situação, à prova do interesse em agir
como sinónimo de beneficio decorrente da eventual anulação, acresce a dupla exigência da
afetação direta e individual que conserva a matriz da jurisprudência que coma mais de cinquenta
anos e espelha, de algum modo, os contornos de uma espécie de prova diabólica, dada a
extrema dificuldade da sua comprovação, especialmente em relação à afetação individual.
abrange também orgãos dos estados e autarquias locais, e outras OI que resultam do direito internacional.
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Pode ser autarquias de um estado terceiro, ou qualquer pessoa que seja afetada pelo direito europeu, nao
necessita ser cidadã de um estado membro, todos os afetados podem interpor recurso desde que reunidos os
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requisitos supra e infra. Quando falamos de entidades de Direito Internacional, como as Oi é o direito
internacional que regula as regras de sua capcidade e legitimidade.

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4.3.3.1. Legitimidade para Impugnar atos dirigidos a outrem


No caso de decisões dirigidas a outra pessoa ou dirigidas a um Estado-membro, o TJ admite o
recurso instaurado pelo particular que no caso da decisão dirigida a outro particular quer no caso de decisão
dirigida a um Estado-membro. A justificação encontra-se no caso Plaumann: as disposições do Tratado
relativas ao direito de ação dos particulares não podem ser interpretadas restritivamente.

Embora a dupla exigência de afetação direta e individual se aplique tanto aos recursos de atos
individuais dirigidos a outrem como aos recursos de atos dirigidos a todos, é em relação a estes últimos que
a fórmula literal do artigo 263º, parágrafo quarto, TFUE, aliada a uma jurisprudência self-restraint,
representa um verdadeiro obstáculo à imputação de atos normativos.

4.3.3.2. Legitimidade para Impugnar atos dirigidos a todos

4.3.3.2.1. Ato individual versus ato geral


O critério de distinção entre o ato individual e o ato potencialmente dirigido a todos deve ser
procurado no ato em causa, em função da sua natureza e, em especial, dos efeitos jurídicos que produz ou
visa produzir (Ac. Alusuisse). Em jurisprudência mais recente, o TJ aponta como critério determinante da
análise do caráter geral de um ato o âmbito geral e abstrato do seu domínio de aplicação, o que remete mais
para o exame do regime jurídico previsto e a respetiva fundamentação (Ac. Aerea Cova).

O critério de dissociação entre, por um lado, o âmbito geral do ato e, por outro lado, a sua possível
incidência individual que nasceu no domínio dos direitos anti-dumping, adquiriu um estatuto de critério
sistemático de apreciação pelo TJUE. A natureza normativa – ou mesmo legislativa – do ato, seja um
regulamento ou uma diretiva, não exclui, de modo automático, a verificação da sua incidência individual.
Existe nesta jurisprudência evolutiva do TJUE a preocupação de não associar à forma do ato uma presunção
iuris et iure de irrecorribilidade do ato por iniciativa dos particulares, o que potenciaria o risco de uma
escolha da forma do ato em função do objetivo de evitar a sua impugnação pelos lesados diretos (desvio de
forma ou desvio de procedimento).

4.3.3.2.2. Afetação individual


Que lhe digam direta e individualmente respeito determina o parágrafo quarto do art.263º TFUE:
uma dupla exigência, de verificação cumulativa, evidenciada pela ligação entre as duas partes da frase
através da partícula “e”. Seria de presumir que o TJUE respeitasse a ordem definida na letra do preceito:
primeiro, a afetação direta, depois a afetação individual. Não foi, todavia, esta a metodologia seguida pelo
Juiz da União. No caso Plaumann, explicou com notável pragmatismo a razão da inversão:

“Em primeiro lugar, deve examinar-se se a segunda condição de


admissibilidade está preenchida, uma vez que se torna inútil, se a decisão
não diz individualmente respeito à recorrente, procurar saber se a atinge de
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forma direta.”
isto pode ocorrer em situações em que o ato foi adotado apesar de ser dirigdo a outrem, foi adotado tendo em cotna atendendo as qualidades daquela entidade e nao de outra.
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Isso se consegue perceber e notar nas medidas de anti-dumping que são aplicação de imposto/encargo que vai nivelar o valor do produto importado com um valor referencia
definido pela UE com os valores normais de produção, no caso de algo importado seja abaixo do valor interno, e aparitr dos valores razoaveis de produção, aquela importação
vai ser colcoada um encargo para ter o valor normal de mercado. Para determianr esse valor a avaliação e feita a partir da analsie das proprias condições de produção daquela
empresa produtora e nessa medida podemos ter uma to que seja modelaod pelas consições individuais daquelas entidades.Portanto, quando o regime instituido pelo ato esta
nivelado e definido relativamente nas condições la previstas apra as proprias condições daquela entidade mesma que ela nao seja destinataria. Conseguimos perceber isso
sobre os procediemtnos dos elementos de prova, da decisão em causa. —> caso plaumann
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Importante e saber s eo reigme foi instituido pelas qualidades daquela entidade e nao so poruqe esta entidade existe
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As razoes de economia de esforço processual podem mesmo conduzir o TJUE a inverter a ordem
lógica de apreciação entre admissibilidade e procedência, como aconteceu com o TPI no caso SINAGA, em
recurso de anulação interposto por uma empresa açoriana de refinação de açúcar contra um regulamento
da Comissão relativo à fixação de quotas de produção na Região Autónoma dos Açores, arquipélago no qual
a SINAGA era a única empresa dedicada à produção de açúcar:

“Nas circunstâncias do caso vertente, o Tribunal considera que (…) há


que examinar de imediato os fundamentos invocados pela recorrente, sem
conhecer previamente da questão prévia da inadmissibilidade suscitada pela
Comissão (…), uma vez que o recurso, de qualquer forma e pelos
fundamentos a seguir expostos, é desprovido de fundamento.”

A chamada fórmula Plaumann fixou em 1963 a orientação aplicada, desde então, pelo TJUE na
verificação da afetação individual:

“os particulares que não sejam destinatários de uma decisão só


podem afirmar que esta lhes diz individualmente respeito se os afetar devido
a certas qualidades que lhe são próprias ou a uma situação de facto que os
caracteriza em relação a qualquer outra pessoa e assim os individualiza de
maneira análoga à do destinatário.”

Com esta formulação, é exigido ao recorrente ordinário que, não sendo destinatário formal do ato,
porque este tem outro destinatário ou, pelo seu caráter geral, se dirige a todos, prove que é, afinal,
destinatário material. Estará nesta condição de destinatário material se demonstrar que o ato foi adotado
tendo em conta a sua situação de facto ou em função de características que o distinguem no conjunto dos
demais destinatários formais. Verdade se diga: a prova é extremamente difícil, mas se conseguir trepar o
muro quase inexpugnável da admissibilidade, o recorrente particular pode alimentar a expectativa de, com
elevada probabilidade, ver o TJUE a reconhecer a existência de desvio de poder, com a consequente
declaração de nulidade. Se for o intuito de atingir o recorrente em função de características
individualizadoras carrega forte indício de desvio de poder, fundamento de ilegalidade arrolado no parágrafo
segundo, do art.263º TFUE.

Com base na fórmula Plaumann, o TJUE desenvolve a sua apreciação em três andamentos:

⎯ Primeiro, avalia se é possível determinar o número e identidade dos interessados atuais e


futuros;
⎯ Segundo, se o recorrente se encontra numa situação de facto ou se apresenta certas
qualidades que lhe são próprias que o individualizaram em relação a qualquer outra pessoa;
⎯ Terceiro, verifica se estas circunstancias foram determinantes na adoção do ato ou se a sua
adoção visou, pelo contrário, enquadrar e regular uma situação objetiva de vida.
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A jurisprudência do TJUE sobre a verificação da afetação individual é hostil a uma visão de conjunto,
a uma qualquer bem intencionada tentativa de sistematização e ordenação do múltiplo. Trata-se, com

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efeito, de uma jurisprudência conduzida em função do caso concreto. O casuísmo extremo na aplicação da
fórmula Plaumann garante ao TG e ao TJ uma ampla liberdade de decisão, mas priva os recorrentes
ordinários, em especial os particulares, de uma expectativa de recurso baseada em critérios mínimos de
certeza jurídica sobre a sua condição de recorrentes, o que, decerto, afeta o principio da tutela jurisdicional
efetiva.

No grupo dos chamados recorrentes ordinários, importa referir a jurisprudência definida sobre duas
situações distintas:

⎯ Recurso instaurado por entidades territoriais autónomas, como regiões políticas. Do


conjunto da vasta jurisprudência do TJUE, resulta que o facto de estas entidades (autarquias,
municípios, regiões autónomas ou estados federados) prosseguirem interesses públicos
diretamente relacionados com o seu enquadramento jurídico-constitucional, tal não lhes
confere um estatuto processual especial ou menos exigente na aplicação da fórmula
Plaumann;
⎯ Recursos interpostos por associações representativas de interesses comerciais, categorias
profissionais ou outras: segundo uma jurisprudência constante, com antecedente num caso
de 1962, a apreciação do critério da afetação individual é feita em relação aos operadores
económicos representados pela associação, pelo que a associação constituída para garantir a
defesa dos interesses coletivos dos seus associados não pode validamente provar que o ato
impugnado a afeta de modo individual. Jurisprudência proferida a propósito de associações
representativas de operadores comerciais, permite identificar três aberturas no muro da
ilegitimidade processual: (1) se a associação for titular de um direito de participação
procedimental, com base em disposição do Direito da União; (2) se a associação representa
pessoas físicas ou coletivas que teriam, por si, o direito de interpor recurso; (3) se a
associação, enquanto tal, mormente na qualidade de negociador no procedimento de
decisão, for afetada nos seus interesses pela medida impugnada.

4.3.3.2.3. Afetação direta


Nos termos de uma jurisprudência reiterada e relativamente clara nos seus pressupostos é exigido
que a media eurocomunitária em causa produza efeitos diretos na situação jurídica do particular e que não
deixe qualquer poder de apreciação aos destinatários dessa medida encarregados da sua implementação, já
que esta não é de caráter puramente automático e decorre apenas da regulamentação comunitária sem
aplicação de regras intermediárias (Ac.Front National).

Estão assim identificados dois critérios de verificação cumulativa: em primeiro lugar, o ato
impugnado tem de projectar os seus efeitos na esfera jurídica do demandante; em segundo lugar, tais
efeitos resultam diretamente do ato, no sentido em que não são pressupostos atos de execução ou, no caso
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de ser conveniente a sua adoção, a execução é realizada no quadro estrito de uma competência vinculada.
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O objetivo é o de inviabilizar o exercício do direito de recurso pelo particular no caso de um ato


jurídico auto-suficiente que produz efeitos sem necessidade de ato subsequente de execução ou
desenvolvimento. Se, pelo contrário, a aplicação do ato jurídico em causa depender de medidas nacionais ou
eurocomunitária de execução, no quadro de uma competência com margem de apreciação, nesse caso são
estas medidas que deverão ser contenciosamente visadas, respetivamente junto dos tribunais nacionais ou
junto do TG.

O conceito de afetação direta está próximo das noções afins de aplicabilidade direta e de efeito
direto. O elemento comum é o da auto-exequibilidade do ato, capaz por si de produzir efeitos jurídicos que
se concretizam na esfera jurídica dos recorrentes sob a forma de direitos.

No caso dos regulamentos, estes são, por força do artigo 288º, parágrafo segundo, TFUE,
diretamente aplicáveis. Importa, contudo não confundir aplicabilidade direta e aplicabilidade imediata. O
regime previsto no regulamento pode não ser imediatamente aplicável se remete, por exemplo, para o
decisor interno a definição de condições específicas de aplicação. A remissão para o decisor nacional não
exclui, por si só, a afetação direta se o recorrente conseguir provar que se trata de uma mera competência
de execução, de âmbito vinculado, como acontece com os chamados regulamentos imperfeitos (Ac. Monte
Arcosu).

A situação das diretivas é diferente. Tendo como destinatários os Estados-membros (art.288º TFUE)
e exigindo sempre dos Estados-membros a aprovação de medidas internas de transposição que têm
competência própria e liberdade de escolha quanto à forma e aos meios de realizar essa transposição, as
diretivas não serão suscetíveis de afetar diretamente o particular. Existe, contudo, a possibilidade de uma
aliança virtuosa entre efeito direto das normas constantes de diretivas e afetação direta como exigência
processual: por exemplo, no já citado caso Vischim, o TPI (hoje, TG) reconhecendo que a ação de
transposição exigida aos Estados-membros tinha um caráter meramente automático que excluía qualquer
margem de apreciação, conclui pela verificação da afetação direta em relação à recorrente (Ac. Vischim).

4.3.3.3. O caso especifico dos atos regulamentares autoexequíveis


A estreiteza dos critérios de admissibilidade previstos para o recurso dos particulares, agravada nos
seus efeitos restritivos pela fórmula Plaumann, suscitou na doutrina forte crítica e dúvidas fundadas sobre a
observância do principio da tutela jurisdicional efetiva. A estatística judicial demonstra, apesar das aberturas
estrategicamente definidas pelo TJUE para domínios identificados de atividade empresarial de forte
relevância económica no funcionamento do mercado interno, que são raros os casos em que o TJ concluiu
pela admissibilidade do recurso. Caso Inuit - esquimos

Serão admitidos os recursos contra: os atos regulamentares que lhe digam diretamente respeito e
não necessitem de medidas de execução.

Como destaca MARIA LUISA DUARTE, este novo parágrafo quarto do artigo 263º TFUE, deve ser
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interpretado em conformidade com a exigência de tutela jurisdicional efetiva, tal como prevista no artigo
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47º CDFUE e no art.19º/1, parágrafo segundo, TUE: no quadro de um sistema jurisdicional descentralizado e
Não se exige a afetação individual, só a direta. Mas exlcuem-se os atos legislativos, so valendo para atos que verdadeiramente tem uma
natureza regulamentar: atos de execução normativa, nao atos de base, atos de segunda linha digamos assim

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de arquitectura subsidiária, a primeira linha de defesa por via contenciosa dos direitos dos particulares
compete aos tribunais nacionais, pelo que se espera que o legislador dos Estados-membros estabeleça as
vias de recurso necessárias que devem funcionar, de modo viável, em relação aos atos internos de execução
dos atos jurídicos da União.

A possibilidade de dispensar a demonstração da afetação individual fica dependente, no essencial,


da verificação cumulativa de dois critérios:

⎯ Atos Regulamentares – não foi definida pelos Tratados a noção de ato regulamentar, mas é
possível construir esta noção a partir da conjugação das várias disposições relativas aos atos
jurídicos da União, em articulação com a jurisprudência clássica do TJUE sobre a distinção
entre ato individual e ato de alcance geral por oposição ato de alcance individual, com
destinatário definido. Após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, os atos normativos
podem ser atos legislativos, atos delegados e atos de execução.
⎯ Não necessitam de medidas de execução – uma vez reconhecida a natureza regulamentar
do ato, basta verificar se o ato em causa afeta diretamente o recorrente, porque produz
efeitos na sua esfera jurídica e não deixa nenhuma margem de apreciação aos destinatários
da medida encarregados da sua aplicação, tendo esta caráter puramente automático e
decorrente apenas da regulamentação em causa, sem aplicação de outras normas
intermédias. O ato regulamentar é impugnável na medida da sua auto-exequibilidade que
não é prejudicada pela natureza nacional ou eurocomunitária do nível de decisão
competente para a sua aplicação, nem é afetada pela existência eventual de medidas de
aplicação desde que correspondam ao exercício de uma competência puramente automática
de execução que não envolva margem de apreciação.
Tos os atos juridicos emandados das instuições e outros orgãos e organismos da união e organismos da uniao produtores de efeitos juridicos vinculativos em relação a
terceiros paragrafo primeiro 263: Atos legislativos, Atos do Conselho, Comissão e BCE que não sejam recomendações ou parecerees, incluindo a decisão do conselho
de aprovação de acordo internacional (art 218/6 TFUE caso 344/19 - indissocialidade com o acordo.

4.4. Fundamento do Recurso


Nos termos do artigo 263º, parágrafo segundo, TFUE, são quatro os fundamentos passiveis de
alegação em sede de fundamentação do pedido de anulação: incompetência, violação de formalidades
essenciais, violação dos Tratados ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação e desvio de poder.
Não cabe ao TJUE substituir-se ao decisor da União, nem sequer na fundamentação do ato, pelo que os
critérios de oportunidade não estão sujeitos a escrutínio, embora a motivação do órgão decisor seja
relevante na determinação do desvio de poder.

4.4.1. Incompetência
O vício de incompetência pode revestir uma de duas modalidades possíveis, envolvendo graus
distintos de desvalor: por um lado, a incompetência externa ou absoluta, caso em que a União carece de
poderes jurídicos de atuação sobre a matéria, ou incompetência interna ou relativa, caso em que a União
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terá competência de decisão, mas esta foi exercida pela instituição, órgão ou organismo que, nos termos do
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Tratado, não estaria habilitada para o efeito. A incompetência externa implica a inexistência do ato.
interna: principio do equilibrio institucional, desrespeito da delegação de competencias

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4.4.2. Violação de formalidades essenciais


O que está em causa é a desconformidade com exigências de forma e de procedimento que
enquadram, de modo vinculativo, a adoção do ato: regras de votação, pareceres prévios, audição, acesso
aos processos (art.41º/2/b) CDFUE), acesso aos documentos (art.42 CDFUE), forma jurídica do ato,
procedimento de publicação, notificação e autenticação do ato. Em especial, o dever de fundamentação,
previsto no artigo 296º, parágrafo segundo, TFUE e no art.41º/2/c) CDFUE; bem como o respeito dos direitos
de defesa, principio fundamental de direito comunitário que deve ser garantido mesmo na ausência de
regulamentação especifica.

Não é mera irregularidade formal ou procedimental que, só por si, fundamenta a ilegalidade do ato.
Não é a desconformidade com uma regra sobre forma ou procedimento que basta para declarar a nulidade
do ato. A identificação do vicio relativo à violação de formalidades essenciais tem um caráter finalístico, o de
garantir a legalidade interna e de permitir o seu controlo jurisdicional. Em função do caso concreto, pode
concluir-se que a violação da exigência formal ou procedimental não teve consequências em relação ao
conteúdo ou incidência do ato, não afetou o exercício do direito de impugnação pelos destinatários nem o
exercício do dever de controlo por parte do TJUE. determinação casuistica e nao em abstrato, o tribunal via avlaiar em que medida quela
irregualridade afeta o ato de modo dererminante e por essa via pode afetar a valdiade do ato
mas se nao afetar de modo determinante o tribunal ira desconsiderar. Porém por outra via
4.4.3. Violação de Lei podem ter efeitos juridicos que podem atentar contra a validade do ato que não as
formaldiades essencias, exemplo a violação do prazo.
Na prática forense, este é o fundamento mais invocado perante o TJUE e também o mais
reconhecido pelo Juiz da União: violação dos Tratados ou de qualquer norma jurídica relativa à sua
aplicação, equivalente ao vicio de violação de lei, sinónimo de inobservância de qualquer norma jurídica
hierarquicamente superior, como acontece no caso do regulamento delegado contrariar o ato legislativo de
delegação (art.290º TFUE) ou, ainda, se um regulamento de execução inova em relação ao ato que executa
(art.291/2 e 3 TFUE).
tem fundamentos que são de conhecimento oficioso, outros precisam ser pedidos e analisar o pedido. por exemplo o fundamento em incompetencia é de conhecimento oficioso do tribunal

Em rigor, qualquer alegação de ilegalidade se reconduz à noção de violação da lei, porque, seja no
caso da incompetência, da violação de formalidades essenciais de desvio de poder, o que se pretende
demonstrar é a violação de uma norma dos Tratados ou de direito derivado, incluindo os princípios gerais de
direito. O próprio TJUE adota em certos casos, um raciocínio de aglutinação dos vícios sob o manto da
violação de lei. Em termos concetuais, este fundamento jurídico de ilegalidade ampla define-se como
residual e pela negativa, identificando quando se verifica uma ilegalidade insuscetível de qualificação como
incompetência, violação de formalidades essenciais ou desvio de poder, na exata medida em que a
desconformidade não se relaciona com a competência, a forma ou o objeto do ato recorrido.

A violação de lei pode resultar tanto de um erro de direito, uma interpretação inapropriada da
norma jurídica aplicável, o uso de um conceito juridicamente incorrecto, como de um erro sobre os
pressupostos de facto.

4.4.4. Desvio de Poder


61

O objeto do controlo é, neste caso, o fim ou objeto subjacente à adoção do ato. Existem duas
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concenções de abordagem: por um lado, a conceção objetivista, centrada no controlo a partir de indícios
identificáveis no texto do ato, em especial a relação entre a fundamentação e o regime jurídico previsto; em

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lado oposto, a conceção subjetivista que averigua, em especial, a intenção do autor do ato. No quadro do
Tratado CECA, o TJ seguiu uma orientação objetivista que tende, igualmente, a privilegiar no âmbito dos
Tratados de Roma. Existirá desvio de poder se o decisor exerceu os seus poderes para prosseguir um fim
diferente do previsto na norma de habilitação como fundamento dos poderes que lhe são conferidos.

A dificuldade de prova sobre a existência de indícios objetivos, pertinentes e concordantes relativos


à disparidade entre o fim legal e o fim determinativo explica que sejam muito raros os casos de invocação
bem sucedida do desvio de poder. Não basta demonstrar a existência de uma razão ilícita ou ilegítima de
atuação. De acordo com a conceção do TJUE, importa provar que essa razão ilícita ou injustificada foi
determinante na adoção daquele ato.

Acresce que a existência de um fim ilícito e determinante, diferente do fim legal, não se presume. O
reconhecimento do desvio do poder implica uma censura grave à atuação do decisor da União, levado a
tomar uma medida por razoes pessoais, institucionais ou politicas à margem da habilitação legal, pelo que o
TJUE, se mostra particularmente meticuloso e exigente no seu escrutínio e eventual reconhecimento.
ter outros fins paralelos nao é relevante, nao afeta a validade do ato,
só afetara se forem excluisvos ou determinantes para a adoção do
4.5. Efeitos do Acórdão ato. Caso 132/19 p, 31

4.5.1. Que Recusa a declaração de nulidade


Se o TJUE se pronunciar no sentido da improcedência do recurso, o acórdão goza de autoridade de
caso julgado, impedindo a renovação do pedido de anulação. Note-se contudo que este efeito erga omnes
só opera em relação aos vícios efetivamente apreciados pelo TJUE, pelo que não se pode confundir com uma
suposta declaração de validade ou convalidação do ato.

4.5.2. Que declara a nulidade


Nos termos do art.264º TFUE, se o recurso tiver fundamento, o TJUE anulará o ato impugnado. A
versão oficial portuguesa não foi feliz nesta tradução, juridicamente imprecisa, porque a consequência da
ilegalidade (total ou parcial) do ato recorrido não é a anulabilidade, mas a nulidade. A competência que
assiste ao TJUE é, por consequência, a declaração de nulidade, como, aliás, se consagra na versão francesa,
inglesa, italiana ou castelhana.

A declaração de nulidade produz efeitos na esfera jurídica das partes no processo (efeito inter
partes) e em relação a qualquer situação jurídica futura, com um alcance geral. Enquanto o acórdão que
recusa o pedido de declaração de nulidade tem uma autoridade relativa ao caso julgado, já o acórdão
declarativo da nulidade, ao eliminar com efeitos ex tunc o ato em causa da ordem jurídica da União,
beneficia da autoridade máxima ou absoluta de caso julgado. Para o TJUE a decisão de anulação elimina
retroactivamente o ato impugnado no que diz respeito a todos os interessados.
ex tunc, desde a entrada em vigor do ato. Como se ele nunca tivesso vigorado efetivamente

A eficácia retroativa (ex tunc) da declaração de nulidade pode, com base no artigo 264º, parágrafo
segundo, TFUE, por razões consideradas necessárias, sofrer limitação. Está em causa uma relação de
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equilíbrio difícil entre, por um lado, o principio da legalidade, que postula a eliminação retroativa dos efeitos
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produzidos pelo ato declarado nulo desde a sua entrada em vigor e, por outro lado, o respeito dos princípios

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igualmente importantes, relativos à garantia da segurança e previsibilidade das relações jurídicas, tal como
acontece com o principio da certeza jurídica, da proteção dos direitos adquiridos, da tutela da confiança
legitima, da continuidade do serviço público e da estabilidade do ordenamento jurídico europeu. O objetivo
de evitar o vazio normativo ou o sobressalto da descontinuidade pode justificar não apenas a limitação dos
efeitos à data de prolação do acórdão, mas também o seu deferimento com a manutenção no futuro
próximo dos efeitos do ato.

Sobre a instituição, órgão ou organismo de que emana o ato declarado nulo recai a obrigação de,
nos termos do art.266º, tomar as medidas necessárias à execução do acórdão. A violação desta obrigação
pode justificar a instauração de um recurso por omissão, constituindo tal violação fonte de dever de
reparação dos eventuais prejuízos causados. De salientar que, independentemente da execução completa e
atempada do acórdão declarativo de nulidade, sempre assiste ao interessado o direito de ação com
fundamento em responsabilidade extracontratual da União (art.340º TFUE), dada a natureza autónoma
desta via de direito em relação às outras vias processuais nomeadamente ao contencioso de anulação.

O desaparecimento do ato da ordem jurídica da União resulta diretamente do acórdão declarativo


da nulidade. Em contrapartida, a reposição da legalidade, como se, cumprindo uma ficção jurídica, o ato não
tivesse sido adotado e não tivesse produzido efeitos, não é automática – depende das medidas de execução
a tomar pela instituição, órgão ou organismo que adotou o ato declarado nulo. Desde logo, o decisor da
União está impedido de reaprovar o ato em causa, salvo se for possível proceder ao expurgo das ilegalidade,
por exemplo as de natureza procedimental.

Recurso por omissão - no quadro constitucional existe o recurso por omissao que permite sancionar a ausencia de decisoes por parte do legislador, nesta media o que temos auqi é um
regime paralelo também. Semelhantemente acontece no direito adm, que permite convocar, acionar, a adm publica quando ele nao pratica um ato que lhe era devido. No ambito dos
tratados temo o recurso por omissão, não é dos mais frequentes mas tem havido alguns. A censura é sobre a omissão de uma ato que deveria ter sido praticado. Os fundamentos estao
presentes no artigo 263, que devemos adaptar, o ato é devido pois esta previsto nos tratados , regulamentos, diretivas, etc. Na emdia em que le nao ºe adotado em relação com a lei, é uma
violação da lei, nao faz sentido o fundamento da incompetência. Deve ser interposto contra o orgão que é competente. oOutro fundamento, porém, mais dificil é o desvio de poder, a
omissão de um ato de certa forma estar associada a um desvio de poder, sempre deve estar presente o dever de adotar o ato. Dois requisitos devem estar presentes: 1- abstenção da
obrigação de adotar um ato, tinha a obrigação de adotar determinado ato e era resultante do Direito, obrigação legal; 2- Ilicitude: deve violar a lei, nem toda omissão é ilicita como
sabemos.
- nao pode ser uma via para obter a revogação de um ato, exceto se houver novos factos substancias.
- duas fases: admnistrativa, fase contenciosa
- a obrigação de agir determina-se na data do convite
- a omissão declara-se com reporte ao preazo no qual deveria ter sido tomada a posição- (2 meses apos o convite de agir)

Fase admnistrativa:
conite para agir - é uma notificação precisa, calra, indicanto o ato requeritdo, o seu fundamento juridico e a cominação contenciosa da omissçai. A notificação delimita o objeto do litigio
na fase contenciosa. Definidos o bojeto, as aprtes, e o fundamento esta consolidado o litigio. isso ocorre sob pena de inamdissibildiade do recutso na fase contenciosa. O prazo para o
convite desde a tomade de conehcimento do momento não deve ser excessivo, mas não há qualquer praazo fixo, contudo ja há jurisprudencia quando nao é mais razoavel fazer o convite,
que contraria a boa-fé vir nesse momento tao tardio requerer esse ato que deveria ter sido praticado hºa bastante tempo, o convite (prazo da JP 4 meses ja foi considerado excessivo, 18
emses tbm, ou seja, é um ponderação casuistica em relação aos aspectos: complexidade do caso etc… Não há uma forma para o convite (a ue tem formularios mas nao há um especifico
para o convite), oviamente precisa ser por escrito.
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5. RECURSO POR OMISSÃO

5.1. Bases Jurídicas


Artigo 265.o (ex-artigo 232.o TCE)

Se, em violação dos Tratados, o Parlamento Europeu, o Conselho Europeu, o Conselho, a Comissão ou o Banco Central
Europeu se abstiverem de pronunciar-se, os Estados-Membros e as outras instituições da União podem recorrer ao Tribunal de
Justiça da União Europeia para que declare verificada essa violação. O presente artigo é aplicável, nas mesmas condições, aos órgãos
e organismos da União que se abstenham de se pronunciar.

Este recurso só é admissível se a instituição, o órgão ou o organismo em causa tiver sido previamente convidado a agir. Se,
decorrido um prazo de dois meses a contar da data do convite, a instituição, o órgão ou o organismo não tiver tomado posição, o
recurso pode ser introduzido dentro de novo prazo de dois meses.

Qualquer pessoa singular ou coletiva pode recorrer ao Tribunal, nos termos dos parágrafos anteriores, para acusar uma
das instituições, órgãos ou organismos da União de não lhe ter dirigido um ato que não seja recomendação ou parecer.

Artigo 266.o (ex-artigo 233.o TCE)

A instituição, o órgão ou o organismo de que emane o ato anulado, ou cuja abstenção tenha sido declarada contrária aos
Tratados, deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia.

Esta obrigação não prejudica aquela que possa decorrer da aplicação do segundo parágrafo do artigo 340.º.

5.2. Natureza desta Via Processual e Seu Interesse Prático


Um sistema completo e coerente de vias jurisdicionais de garantia do Direito (e dos direitos) não
dispensa, a par do controlo de anulação, o chamado controlo por omissão que tem por objeto a inércia do
decisor normativo.

O recurso por omissão tem por base a ideia de que a abstenção do Parlamento Europeu, do
Conselho da Europa, do Conselho, da Comissão, do Banco Central Europeu ou de qualquer órgão e
organismo da União há-de permitir às outras instituições, aos Estados-membros e, em condições mais
restritivas, aos particulares recorrer ao TJUE para que declare que a abstenção é contrária ao Tratado, na
medida em que a Instituição, órgão ou organismo demandados não a tenham corrigido. Se a abstenção for
reconhecida e declarada contrária ao Tratado, o acórdão obriga o demandado condenado a tomar as
medidas necessárias à eliminação da omissão (art.266º TFUE).

Em termos práticos, o recurso por omissão opõe várias dificuldades: no caminho até ao TJUE, com a
exigência de uma fase pré-contenciosa; a seguir, já na fase da pendência do recurso, não é fácil ao
demandante, especialmente se for um particular, provar que existe omissão ilegal; finalmente, se conseguir
superar os entraves procedimentais e processuais, não é certo que obtenha o que pretendia.
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Um acórdão declarativo da omissão pode revelar-se uma encenação hodierna da vitória de Pirro.
Com efeito, a instituição, se for condenada, em sede de execução do acórdão, ficará obrigada à prática de

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um ato. Um qualquer ato interrompe a omissão. Ao particular interessa o ato que reconheça o direito que
invoca. No cenário da eliminação da omissão pela adoção de um ato de conteúdo contrário à expectativa
jurídica do particular, resta-lhe o regresso ao TJUE, agora através do recurso de anulação ou, eventualmente,
dependendo das circunstâncias, da ação de indemnização por responsabilidade extracontratual da União.

Em contrapartida, no quando do conflito entre instituições da União ou entre Estados-membros e


instituições, o recurso por omissão, sendo extremamente raro, pode proporcionar resultados de apreciável
significado institucional.

5.3. Omissão Relevante

5.3.1. Noção de Omissão


O objeto do recurso é a abstenção em violação dos Tratados. Temos, portanto, dois elementos:

⎯ A abstenção ou omissão imputável às instituições, órgãos e organismos previstos no artigo


265º, parágrafo primeiro, TFUE;
⎯ A ilegalidade da abstenção ou omissão.

Nem todas as situações de não decisão, de ausência de tomada de posição serão suscetíveis de
impugnação contenciosa ao abrigo do artigo 265º TFUE. Escapam ao controlo jurisdicional via artigo 265º
TFUE os casos em que, verificada uma omissão, não é possível provar a existência de um dever de pronúncia.
O caso, porventura, mais paradigmático será o comportamento omissivo da Comissão na sequência de uma
queixa por incumprimento apresentada pelo particular contra um Estado-membro.

Não existe, neste caso, um dever de ação, porque a Comissão não está, por força dos Tratados,
obrigada a dar sequência contenciosa à queixa por incumprimento. A sua decisão de demandar ou não
demandar o Estado-membro por alegado incumprimento é uma decisão inteiramente livre, insuscetível de
controlo jurisdicional. Por outro lado, o TJUE fundamenta a inadmissibilidade do recurso por omissão por
estar em causa um ato que não teria recorrente como destinatário, como exige o parágrafo terceiro do
artigo 265º TFUE.

Situação análoga se verifica com o Regulamento (UE) nº211/2011, do Parlamento Europeu e do


Conselho, sobre a iniciativa de cidadania: recebida a iniciativa de cidadania pela Comissão, esta está
obrigada a respeitar um conjunto de exigências procedimentais, maxime a notificação sobre os motivos por
que tenciona noa tomar medidas para concretizar o pedido de iniciativa legislativa (art.10º/1/c)), mas não
está sujeita a dar sequência à iniciativa de cidadania sob a forma de uma proposta de ato jurídico da União.

A falta de tomada de posição deve violar uma regra jurídica superior de direito, no sentido em que
esta, constante dos Tratados ou de um ato jurídico subordinante, impõe o dever de agir. O recorrente deve
identificar o ato ilegalmente omitido e, mais, deve precisar a sua natureza ou conteúdo, de modo a tornar
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possível a execução do futuro acórdão declarativo da omissão, nos termos do artigo 266º, parágrafo
primeiro TFUE.
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5.3.2. Responsável Institucional pela Omissão


O recurso por omissão pode ser instaurado contra as instituições da União identificadas no artigo
265º TFUE e ainda, nas mesmas condições, contra os órgãos e organismos da União. A petição deve designar
o responsável institucional, ou responsáveis institucionais, pela omissão, sendo motivo de rejeição por
inadmissibilidade o recurso interposto contra a União. Das sete Instituições designadas no artigo 13º TUE,
duas não estão entre as demandáveis por omissão: o Tribunal de Contas, porque carece de competência
decisória, e o TJUE, dada a sua natureza de órgão jurisdicional, incompatível com um mecanismo processual
gizado para submeter a controlo de ilegalidade a eventual inércia do decisor politico da União.

5.4. Recorrentes LEGITIMIDADE PASSIVA

5.4.1. Privilegiados – Instituições e Estados-membros


Todas as Instituições da União (art.13º TFUE) podem interpor recurso por omissão, salvo, por razões
já esclarecidas, o próprio TJUE. Por seu lado, o BCE, com a solução oferecida pelo Tratado de Lisboa, passou
a ombrear com as restantes Instituições da União, deixando de estar limitado à interposição de recursos por
omissão no domínio das suas atribuições (art.232º TCE), contrariamente à exigência de demonstração do
interesse em agir no recurso de anulação, com o objetivo de salvaguardar as respetivas prerrogativas que se
mantém no atual artigo 263º, parágrafo terceiro, TFUE.

5.4.2. Ordinários – Pessoas Singulares ou Coletivas


As pessoas físicas (cidadão da União, cidadão de país terceiro ou mesmo apátrida), bem como as
pessoas coletivas (de direito privado ou de direito público, incluindo entidades infraestaduais, Estados
terceiros ou organizações internacionais) integram o grupo dos recorrentes que estão sujeitos a uma
condição estrita de legitimidade. Só podem acusar uma Instituição, órgão ou organismo da União de inércia
se esta se referir ao comportamento de não lhe ter dirigido um ato que não seja recomendação ou parecer.

Partindo da conceção teórica que interpreta o recurso de anulação e o recurso por omissão como a
expressão de uma única e mesma via de direito, as duas faces da mesma moeda, o TJUE equipara, em sede
de estatuto processual, os recorrentes ordinários na impugnação de atos ou na contestação de omissões.
Assim, o particular pode acusar o decisor da União de não lhe ter dirigido um ato que, se tivesse sido
adotado, lhe diria direta e individualmente respeito (critério do destinatário material). Para o TJUE, a
possibilidade de os particulares fazerem valer os seus direitos não pode, com efeito, depender da ação ou da
inércia da instituição visada.

Ainda como corolário do principio do paralelismo entre recurso de anulação e recurso por omissão,
refira-se o caso Tem Kate que abre novas possibilidades aos particulares de defesa judicial dos seus direitos
através do mecanismo do reenvio.

Se, no quadro do direito processual nacional, for possível submeter ao órgão jurisdicional nacional a
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questão da omissão ilegal, o TJ parece indicar que estará disponível para o seu controlo através do
mecanismo do reenvio, num exercício de interpretação activista dos respetivos poderes de fiscalização
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Os particulares tem de provar o interesse me agir, em semelhança do 263, a omissão de uma to que deviam
ser destinatarios, mas poderão tbm interpor o recurso em relação a um ato que diretamente lhes dizem
respeito.Há um paralelismo.

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5.5. Procedimento Pré-Contencioso

5.5.1. Convite a Agir


No contencioso por omissão, à semelhança do que é exigido na ação por incumprimento (art.258º e
259º TFUE), o recurso para o TJUE é subsidiário no sentido em que, primeiro, se devem esgotar as hipóteses
de um acerto direto entre os volvidos no litigio, no quadro de um procedimento pré-contencioso.

Nos termos do parágrafo segundo do artigo 265º TFUE, a instituição, órgão ou organismo que
supostamente é responsável de omissão ilegal deve ser previamente convidada a agir. O convite terá de ser
formulado pela mesma pessoa que, mais tarde, poderá recorrer ao TJUE (principio da coincidência formal e
material entre procedimento e processo). O convite a agir não obedece a um padrão especifico de forma,
mas há-de ser formulado de modo a não deixar dúvidas que se trata de um pedido para o efeito e nos
termos do artigo 265º, parágrafo segundo, TFUE, sendo, por isso, recomendável, a citação expressa da
disposição do Tratado que lhe serve de fundamento. O convite a agir deve, nos termos da jurisprudência
consolidada do TJUE, permitir à instituição, órgão ou organismo instado que fique a conhecer de maneira
concreta o conteúdo da decisão que lhe é solicitada e que tem por objetivo a tomada de posição. Assim,
segundo a jurisprudência relevante, a regularidade procedimental do convite a agir depende da verificação
cumulativa dos seguintes requisitos:

⎯ Solicitar à instituição, órgão ou organismo que tome posição;


⎯ Que se trata de uma diligência procedimental realizada com base no artigo 265º TFUE;
⎯ Indicar, com suficiente precisão, as medidas ou atos pretendidos;
⎯ Informar, com exactidão, a identidade do requerente, porque uma eventual falta de
coincidência determina a inadmissibilidade do futuro recurso por omissão.

Embora o artigo 265º, parágrafo segundo, TFUE, não estabeleça um prazo para endereçar à
instituição, órgão ou organismo o convite para agir, entende o TJUE que a margem temporal não é ilimitada
desde o momento em que o interessado tomou conhecimento da situação de alegada omissão e o momento
em que dirige o convite. Aplicando o critério do prazo razoável, dependente, pois, das circunstâncias do caso
concreto, o Juiz da União já teve oportunidade de julgar como excessivo o prazo de 18 meses e, com o
mesmo veredicto, sobre o decurso de um prazo de 4 meses, em decisão recente. Uma circunstância decerto
atendível na apreciação do caráter razoável ou excessivo do período de tempo que o interessado esperou
para formalizar o convite será a existência de contactos ou negociações a decorrer com a instituição, órgão
ou organismo em causa.

5.5.2. Reação ao Convite


A instituição, órgão ou organismo dispõe de dois meses para tomar posição. Esgotado este prazo, se
a sua reação não for suscetível de interromper ou suprimir a omissão, o autor do convite a agir terá dois
meses para instaurar o recurso por omissão.
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De acordo com o entendimento jurisprudencial, existe uma tomada de posição quando a instituição,
órgão ou organismo em causa:

⎯ Adota o ato solicitado;


⎯ Toma medidas, ainda que não sejam as desejadas e indicadas;
⎯ Se recusa expressamente a adotar o ato ou qualquer outro ato;

Verificada uma destas reações, o recurso por omissão fica, em principio, prejudicado. Poderá,
eventualmente, o interessado seguir a via contenciosa da anulação, dependendo tal possibilidade do tipo de
ato recorrido e das condicionantes a que está sujeito como recorrente nos termos do artigo 263º TFUE. Se
for um particular, o ato adotado que interrompeu a omissão pode não ser passível de recurso porque, tendo
caráter geral, não o afeta direta e individualmente. Se for um Estado-membro ou uma Instituição, a recusa
expressa de agir, mesmo que relativa a um ato preparatório, não porá fim à omissão.

Não é, pois, isenta de hesitações a jurisprudência do TJUE sobre as implicações do ato de recusa
expressa de agir e a viabilidade da sua impugnação por meio do recurso de anulação ou, ao invés, do recurso
por omissão.

Seja qual for a solução adotada, impugnação do ato expresso de recusa ou recurso por omissão no
caso de uma recusa que não se considera suscetível de eliminar a omissão, o que importa é a garantia de
uma via processual adequada ao conhecimento da suposta ilegalidade, cometida por ação ou por inércia.

5.6. Fundamentos do Recurso


O artigo 265 TFUE não identifica os fundamentos da ilegalidade da omissão, como o faz o artigo 263º
TFUE em relação ao recurso de anulação. A referência é feita à violação dos Tratados e o artigo 266º,
parágrafo primeiro, TFUE, retoma a fórmula genérica de uma abstenção declarada contrária aos Tratados.

O principio jurisprudencial do paralelismo entre os dois recursos, como expressão de uma mesma via
de direito, conduz-nos a uma aplicação mutatis mutandis dos vícios indicados a propósito da anulação:
violação dos Tratados ou de qualquer norma relativa à sua aplicação e desvio do poder. De fora ficam as
alegações de incompetência e violação de formalidades essenciais, dada a sua incompatibilidade lógica com
o objeto do recurso.

Na prática, a alegação de ilegalidade centrar-se-á na demonstração do vicio de violação de lei, mas


no caso de a instituição, órgão ou organismo dispor de uma competência de decisão de natureza
discricionária, o recorrente terá de, para ultrapassar o obstáculo relativo à margem de livre decisão como
fundamento da inexistência do dever de agir, alegar e tentar privar que estão reunidos os pressupostos do
desvio de poder.
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5.7. Efeitos do Acórdão declarativo de omissão ilegal


O acórdão que declara verificada a violação dos Tratados em virtude da abstenção de agir é
vinculativo e tem, esgotado o prazo de recurso se for um aresto do TG, autoridade de caso julgado. Nos
termos do artigo 266º, parágrafo primeiro. TFUE, a instituição, órgão ou organismo cuja abstenção foi
declarada contrária aos Tratados está obrigada a tomar as medidas necessárias à execução do acórdão em
causa. São, contudo, limitados os efeitos práticos do acórdão, porque limitados são os poderes do Juiz da
União Europeia no âmbito desta via processual.

O TJUE não pode indicar as medidas a adotar e o acórdão não substitui, seja qual for a situação, o
ato considerado em alta. O TJUE não pode dirigir injunções ao decisor da União demandando ou, por
qualquer meio, substituir-se a este.

Esta limitação dos poderes do TJUE não invalidade, contudo, como no caso paralelo da ação por
incumprimento, o direito de o recorrente – particular ou institucional – accionar o artigo 279º TFUE e, nos
termos do regime jurídico da proteção cautelar, solicitar ao Juiz da União que imponha à Instituição
demandada a adoção de medidas pressupostas pela sua obrigação de agir na aceção do Direito da União.

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6. EXCEÇÃO DE ILEGALIDADE

6.1. Base Jurídica


Artigo 277.º (ex-artigo 241.o TCE)

Mesmo depois de decorrido o prazo previsto no sexto parágrafo do artigo 263.o, qualquer parte pode, em caso de litígio
que ponha em causa um ato de alcance geral adotado por uma instituição, um órgão ou um organismo da União, recorrer aos meios
previstos no segundo parágrafo do artigo 263.º, para arguir, no Tribunal de Justiça da União Europeia, a inaplicabilidade desse ato.

6.2. Natureza e Relevância Prática


Como acontece com as vias processuais existentes nos direitos nacionais que permitem o controlo
incidental da ilegalidade ou da inconstitucionalidade de normas e atos jurídicos, o artigo 277º TFUE institui
um mecanismo processual que torna possível a invocação da ilegalidade, por via da exceção, a título
incidental, no quadro de uma via processual principal, junto do TJUE.

Por natureza, falta autonomia processual ao controlo incidental de ilegalidade. A suposta ilegalidade
do ato de alcance geral é invocada, necessariamente, no contexto de um processo principal e com um duplo
alcance: por um lado, garantir a inaplicabilidade do ato de alcance geral em causa no caso concreto e, por
outro lado, com decorrência, apoiar o pedido na ação principal.

Não constituindo, pois, um direito autónomo e independente de iniciativa processual, a exceção de


ilegalidade do artigo 277º TFUE não deixa, por isso, de ter uma relevância prática muito significativa, em
especial no que respeita à proteção jurisdicional dos direitos dos particulares, funcionando como meio
complementar ou subsidiário à tutela naquelas situações em que não seria possível, por exemplo, instaurar
o recurso de anulação. A exceção de ilegalidade não está limitada à invocação pelos particulares, mas é em
relação a estes que o controlo incidental da ilegalidade funciona de modo útil e alternativo.

No âmbito do sistema completo e coerente de vias processuais que fundamento a existência e o


funcionamento de uma verdadeira União de Direito, a exceção de ilegalidade constitui uma peça central na
estratégia de garantia do direito à tutela jurisdicional efetiva.

6.3. Atos passíveis de controlo incidental da ilegalidade


Um ato de alcance geral, na aceção do artigo 277º TFUE, abarca qualquer ato que não seja
individual, que não seja dirigido a uma pessoa: um regulamento, uma diretiva, uma decisão e, outrossim,
todos os atos que, independentemente da designação, têm alcance geral.

Em virtude do paralelismo com o recurso de anulação, explicitado pelo artigo 277º TFUE ao remeter
para o artigo 263º, segundo parágrafo, TFUE, em matéria de fundamentos de ilegalidade ou vícios, o ato de
alcance geral tem de produzir efeitos jurídicos.

O critério determinante não será o da forma ou natureza do ato atacado por via de exceção, mas
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antes a existência de um vinculo direto com o ato impugnado a titulo principal, no sentido em que este tem
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por fundamento o ato sujeito a escrutínio por via de exceção.

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6.4. Legitimidade Ativa: qualquer parte é mesmo qualquer parte?


Qualquer pessoa física ou coletiva pode invocar o artigo 277º TFUE em relação a um ato de alcance
geral, desde que exista um vinculo direto entre este ato e o ato atacado a titulo principal. Como a ideia
subjacente ao reconhecimento da legitimidade ativa desde sempre esteve relacionada com a função
processual da exceção de ilegalidade de garantir aos particulares um meio impugnatório que lhes é vedado
pelo recurso de anulação, o TJUE considera inadmissível a invocação da exceção de ilegalidade em relação
aos atos de alcance geral que, afectando de forma direta e individual o particular, poderiam ter sido objeto
de recurso.

Sobre o estatuto dos Estados-membros e das Instituições da União como excipientes, a posição da
doutrina alinhou-se em torno de duas correntes opostas: de um lado, diríamos, a teoria literal, com a qual
nos identificamos, que baseada na letra do artigo 277º TFUE que refere qualquer parte, não enxerga razão
para excluir os que são recorrentes privilegiados no recurso de anulação, para além de estimar a vantagem
de manter aberta a possibilidade de contestar um ato normativo cuja ilegalidade só, depois de esgotado o
prazo de anulação, se tornou um problema para os destinatários; de outro lado, a teoria funcionalista, que
arreda os recorrentes privilegiados, Estados-membros e instituições da União, do direito de invocar a
exceção de ilegalidade na medida em que teriam direito de impugnar o ato em causa via artigo 263º TFUE e
decidiram não o fazer.

6.5. Prazo de invocação da Exceção de Ilegalidade


O artigo 277º TFUE não estabelece prazo a respeitar para a invocação da exceção de ilegalidade,
nem seria lógico que o fizesse. Com efeito, os mecanismos de controlo incidental da ilegalidade ou da
inconstitucionalidade visam, justamente, permitir a suscitação da questão da invalidade quando esta se
torna extemporânea no quadro das vias diretas de impugnação.

No caso da exceção de ilegalidade no contencioso da União Europeia, podemos equacionar não a


existência de um prazo, mas a relevância do lapso temporal que decorreu entre a entrada em vigor do ato
de alcance geral contestado por via incidental e a aprovação do ato recorrido. Vários anos de distância
podem pôr em causa ou dificultar a prova sobre a requerida existência de um vinculo direto entre o ato
jurídico de alcance geral e o ato jurídico de alcance individual que constitui o objeto da ação principal.

6.6. Enquadramento processual para a invocação da exceção de ilegalidade


A exceção de ilegalidade, não tendo natureza processual autónoma, só pode ser deduzida pelas
partes no âmbito de um processo principal. Ainda que a titulo excecional, o TJUE admite a sua invocação,
oficiosamente, pelo próprio Juiz da União quando se trata de uma ilegalidade ordem pública).

6.6.1. Recursos Diretos


A exceção de ilegalidade é invocável pelas partes em qualquer recurso direto. Na prática, a
invocação mais frequente, e bem sucedida, ocorre no recurso de anulação.
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No recurso por omissão, a exceção de ilegalidade pode servir a defesa do demandado, que alega a
ilegalidade do ato com base na qual teria de adotar o ato em falta, ou a argumentação do demandante, que
assume como ilegal o ato que dispensaria o demandante de agir.

Na ação por incumprimento, a exceção de ilegalidade constitui um relevante meio de defesa para o
Estado-membro acusado de violar, por ação ou omissão, o ato jurídico da união em relação ao qual suscita a
questão de ilegalidade.

Também no âmbito da ação de indemnização por responsabilidade extracontratual da União (268º e


340º TFUE), se observa a potencial serventia da exceção de ilegalidade, embora seja uma serventia limitada
a um dos pressupostos da responsabilidade, o da ilegalidade.

6.6.2. Processo de questões prejudiciais


Como expressão de um principio geral de direito, a exceção de ilegalidade pode ser invocada junto
do tribunal nacional, nos termos definidos pelo direito processual de cada Estado-membro. Dependendo da
avaliação sobre a pertinência da questão da validade, cabe ao juiz nacional submeter a questão ao TJUE, no
âmbito do artigo 267º, alínea b) TFUE.

Importa, assim, distinguir no plano jurídico-processual, a exceção de ilegalidade deduzida junto do


TJUE ao abrigo do artigo 277º TFUE da exceção de ilegalidade invocada junto dos Tribunais nacionais, nos
termos previstos no respetivo direito processual interno. O objetivo é comum: o controlo da legalidade dos
atos jurídicos da União. À luz do artigo 19º/1, parágrafo segundo, TUE, diríamos mesmo que recai sobre o
legislador nacional o dever de estabelecer a via processual necessária à invocação da exceção de ilegalidade
e que, na sua ausência, sempre poderá ser invocada pelos sujeitos de direito como expressão de um
principio geral de direito. Uma vez suscitada a questão da ilegalidade, por mor da jurisprudência Foto-Frost,
o tribunal nacional transforma a exceção de ilegalidade numa exceção de invalidade, a decidir pelo TJ.

6.7. Efeitos do acórdão que se pronuncia pela ilegalidade


No caso de o TJUE se pronunciar no sentido da ilegalidade do ato de alcance geral, este é declarado
inaplicável, nos termos do artigo 277º TFUE. A inaplicabilidade do ato produz efeitos no processo em causa,
limitados às partes.

O ato declarado inaplicável mantém-se em vigor, embora ferido de morte. É expectável que no
contexto de processos futuros, o TJUE confirme o veredicto da ilegalidade/inaplicabilidade. Em nome do
principio da segurança jurídica e do principio da igualdade, igualmente por referência ao principio da
cooperação leal, como manifestação virtuosa do critério fundamental da boa fé, a instituição, órgão ou
organismo da União que tiver adotado o ato declarado inaplicável deve proceder à sua revogação.

Como se verifica em sede de recurso de anulação, a Professora MARIA LUISA DUARTE considera que
sobre a Comissão recai o dever de, nos termos do artigo 17º/1 TUE e do artigo 13º/2 TUE, accionar o
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competente processo de decisão conducente à revogação do ato, mediante apresentação da proposta


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adequada.

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7. O CONTENCIOSO DO INCUMPRIMENTO

7.1. Bases Jurídicas

Artigo 258.º

(ex-artigo 226.º TCE)

Se a Comissão considerar que um Estado-Membro não cumpriu qualquer


das obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados, formulará um parecer
fundamentado sobre o assunto, após ter dado a esse Estado oportunidade de
apresentar as suas observações. Se o Estado em causa não proceder em
conformidade com este parecer no prazo fixado pela Comissão, esta pode recorrer ao
Tribunal de Justiça da União Europeia.

Artigo 259.º

(ex-artigo 227.º TCE)

Qualquer Estado-Membro pode recorrer ao Tribunal de Justiça da União Europeia,


se considerar que outro Estado-Membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe
incumbem por força dos Tratados. Antes de qualquer Estado-Membro introduzir recurso
contra outro Estado-Membro, com fundamento em pretenso incumprimento das
obrigações que a este incumbem por força dos Tratados, deve submeter o assunto à
apreciação da Comissão. A Comissão formulará um parecer fundamentado, depois de os
Estados interessados terem tido oportunidade de apresentar, em processo contraditório, as
suas observações escritas e orais. Se a Comissão não tiver formulado parecer no prazo de
três meses a contar da data do pedido, a falta de parecer não impede o recurso ao
Tribunal.

Artigo 260.º

(ex-artigo 228.º TCE)

1. Se o Tribunal de Justiça da União Europeia declarar verificado que


um Estado-Membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem
por força dos Tratados, esse Estado deve tomar as medidas necessárias à
execução do acórdão do Tribunal.

2. Se a Comissão considerar que o Estado-Membro em causa não


tomou as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal, pode
submeter o caso a esse Tribunal, após ter dado a esse Estado a possibilidade
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de apresentar as suas observações. A Comissão indica o montante da quantia


fixa ou da sanção pecuniária compulsória, a pagar pelo Estado-Membro, que
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considerar adequado às circunstâncias.

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Se o Tribunal declarar verificado que o Estado-Membro em causa não


deu cumprimento ao seu acórdão, pode condená-lo ao pagamento de uma
quantia fixa ou progressiva correspondente a uma sanção pecuniária.

Este procedimento não prejudica o disposto no artigo 259.º

3. Quando propuser uma ação no Tribunal ao abrigo do artigo 258.o


, por considerar que o Estado-Membro em causa não cumpriu a obrigação de
comunicar as medidas de transposição de uma diretiva adotada de acordo
com um processo legislativo, a Comissão pode, se o considerar adequado,
indicar o montante da quantia fixa ou da sanção pecuniária compulsória, a
pagar por esse Estado, que considere adaptado às circunstâncias.

Se o Tribunal declarar o incumprimento, pode condenar o Estado-


Membro em causa ao pagamento de uma quantia fixa ou de uma sanção
pecuniária compulsória, no limite do montante indicado pela Comissão. A
obrigação de pagamento produz efeitos na data estabelecida pelo Tribunal
no seu acórdão.

7.2. Contencioso Típico do Incumprimento e Modalidades Especiais de


Incumprimento
Contrariamente ao paradigma clássico dos tratados internacionais de filiação intergovernamental, os
tratados institutivos das Comunidades Europeias previram, desde o inicio, uma modalidade processual de
fiscalização judicial da violação das obrigações assumidas pelos Estados-membros por força dos Tratados
(artigos 88.º e 89.º CECA; artigos 169.º a 171.° TCEE; artigos 141.° a 143.º TCEE). A revisão dos Tratados,
primeiro com o Tratado de Maastricht, depois com o Tratado de Lisboa, conduziu a um aperfeiçoamento
desta via processual do incumprimento através do estabelecimento de poderes de verificação do
cumprimento voluntário do acórdão do TJUE e, no caso de tal não acontecer, a possibilidade de, por decisão
judicial, o Estado-membro infrator sofrer a aplicação de sanções pecuniárias. No quadro do Direito das
Relações Contratuais entre Estados, o contencioso do incumprimento dos Tratados institutivos da União
Europeia é, certamente, o mecanismo mais original: o que melhor caracteriza o grau de imperatividade das
obrigações eurocomunitárias e o que melhor identifica a veia integracionista, pés-soberanista, do modelo
jurídico de construção europeia.

Para além da originalidade, uma outra característica singular do que podemos chamar em sentido
amplo, contencioso do incumprimento é a relativa à pluralidade de meios convocados para garantir a
aplicação do Direito da União: meios jurídico-processuais e também meios de natureza política (v. artigo 7.º
TUE); incumprimento imputável aos Estados-membros e também incumprimento resultante de condutas
adoptadas pelos particulares, em especial as empresas.
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Para além da ação por incumprimento, os Tratados apresentam várias possibilidades para reprimir e
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sancionar eventuais violações do Direito da União Europeia. Passaremos, então, a analisá-las.

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7.2.1. Procedimentos judiciais especiais

7.2.1.1. Procedimento simplificado no domínio do direito aplicável às ajudas


de Estado (v. artigo 108.º, n.ºs 2 e 3, TFUE)
No âmbito do sistema de exame permanente da compatibilidade das ajudas financeiras existentes
nos Estados-membros com as regras do mercado interno, a Comissão pode, na sequência de um
procedimento administrativo de avaliação do auxílio de Estado durante o qual o Estado-membro em causa é
ouvido e notificado da decisão de supressão ou modificação do auxílio de Estado pode, dizíamos, recorrer
para o TJ, directamente, com dispensa da fase pré-contenciosa prevista nos artigos 258.° e 259.º TFUE.
Qualquer Estado-membro interessado pode também accionar directamente o TJ.

Prerrogativa equivalente está prevista para o controlo dos projectos de ajudas de Estado, sujeitas a
notificação prévia à Comissão (v. artigo 108.º, n.º 3, TFUE). O TJ qualificou este procedimento do artigo 108.°
como “uma variante da acção por incumprimento, adaptada de forma especifica aos problemas específicos
que apresentam as ajudas estatais para a concorrência no seio do mercado comum” (v. acórdão de
14.02.1990, Comissão c. França, C-301/87, n.º 19).

7.2.1.2. Procedimento simplificado no domínio da derrogação às medidas de


harmonização do mercado interno (v. artigo 114.º, n.9, TFUE)
Nos termos do artigo 114, nº9 TFUE base jurídica genérica de aproximação das legislações nacionais
com vista ao estabelecimento do mercado interno, aos Estados-membros é reconhecido o direito de manter
ou adotar regras nacionais de regime jurídico diferente do previsto na legislação eurocomunitária de
harmonização, mediante a invocação de exigências do artigo 36.º TFUE e outras razões imperiosas de
interesse geral. Nestes casos, a Comissão deve ser notificada das disposições nacionais mantidas ou
aprovadas, seguindo-se um procedimento de avaliação que envolve diálogo com as autoridades nacionais.
Uma eventual utilização abusiva pelo Estado-membro desta cláusula de excepção do artigo 114.º, n.ºs 4 e 5,
TFUE, legitima a Comissão, e qualquer outro Estado-membro, a recorrer directamente para o TJ com
dispensa da fase pré-contenciosa prevista pelos artigos 258.º e 259.º TFUE.

7.2.1.3. Procedimento simplificado no domínio das derrogações justificadas


por razões de segurança nacional
Com redacção oriunda da versão originária dos Tratados, o artigo 346.°, n.° 1, alinea b), TFUE e o
artigo 347.º TFUE admitem derrogações ao regime comum em função de razões de segurança interna e
externa dos Estados-membros. Nos termos do artigo 348.° TFUE, uma eventual utilização abusiva dos
poderes cometidos aos Estados-membros no sentido do falseamento das condições de concorrência no
mercado interno legitima a iniciativa contenciosa da Comissão ou de qualquer Estado-membro junto do
Tribunal de Justiça, com dispensa da fase pré-contenciosa exigida pelos artigos 258.º e 259.° TFUE. Neste
caso, o TJUE decide à porta fechada, o que ilustra bem a natureza sigilosa e politicamente sensível do
75

conteúdo das acusações dirigidas ao Estado-membro demandado.


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7.2.1.4. Procedimentos específicos por violação das obrigações previstas no


Estatuto do Banco Europeu de Investimento (BEI) e no Estatuto do
Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC)
No caso de violação das obrigações que impendem sobre os Estados-membros com fonte nos
Estatutos do BEI, o Conselho de Administração do Banco assume os poderes atribuídos pelo artigo 258.°
TFUE à Comissão, maxime o poder de iniciativa contenciosa junto do TJUE [v. artigo 271.º, alínea a), TFUE].
Quando está em causa a execução das obrigações pelos bancos centrais nacionais, decorrentes dos Tratados
e dos Estatutos do SEBC e do BCE, o sujeito passivo não são os Estados-membros, mas, justamente, os
bancos centrais nacionais. Os poderes de guardião dos Tratados são assumidos pelo Conselho dos
Governadores do BCE e, tal como estipula o artigo 260.°, n.°1, TFUE, em caso de condenação, o banco
central nacional “deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal” [v. artigo 271.°,
alínea d), TFUE].

7.2.1.5. Procedimentos simplificados no quadro do Tratado Eurátomo (CEEA)


No exercício dos seus poderes de fiscalização sobre (1) o cumprimento das regras aplicáveis ao grau
admissível de radioactividade na atmosfera, nas águas e no solo (v. artigo 38.° TCEEA) e sobre (2) a
contabilidade dc minérios, matérias-primas e materiais cindíveis especiais (v. artigo 82.º TCEEA), a Comissão,
pode dirigir ao Estado-membro em causa uma directiva para o intimar a adoptar as medidas necessárias a
pôr fim à infracção detectada (directiva equivalente ao parecer fundamentado no quadro do artigo 258.º
TFUE). Se, no prazo fixado, o Estado-membro intimado não der cumprimento à directiva, a Comissão ou
qualquer Estado-membro interessado podem recorrer “imediatamente ao Tribunal de Justiça”, em
derrogação do disposto nos artigos 141.º e 142.° TCEEA, correspondentes aos artigos 258.° e 259.° do TFUE.

7.2.2. Procedimentos não judiciais


Por razões de recorte político, cujo acerto se questiona à luz de um modelo consolidado da União de
Direito, os Tratados prevêem duas situações de verificação e declaração de incumprimento que não
dependem do controlo jurisdicional do TJUE. Não obstante a natureza administrativa e politica deste tipo de
procedimentos de infracção, o TJUE não é definitivamente arredado do contencioso resultante da aplicação
de medidas sancionatórias. A sua intervenção, a jusante, em controlo a posteriori, representa, em rigor, a
consequência necessária e inelutável do princípio da tutela jurisdicional efectiva, nestes casos aplicável aos
Estados-membros enquanto titulares legítimos de direitos de defesa.

7.2.2.1. Procedimento por défice orçamental excessivo


A violação por um Estado-membro dos critérios de convergência orçamental coloca-o na mira da
Comissão e do Conselho e pode, no limite, culminar numa decisão do Conselho de aplicação de sanções
financeiras (art.12226º/11 TFUE). O artigo 126º/10 TFUE descarta expressamente o direito de intentar ação
previsto nos artigos 258º e 259º TFUE.
76

Em contrapartida, um Estado-membro destinatário de decisões adoptadas pelo Conselho, com base


nos nº 6, 9 e 11, eventualmente também as recomendações do n.º 7 pode impugnar a sua legalidade ao
Página

abrigo do artigo 263.º TFUE: estamos sem margem para dúvidas, perante um acto jurídico sindicável nos

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termos da jurisprudência constante do TFUE. Encontra-se pendente no TJ um recurso de anulação


instaurado pela Espanha de uma decisão do Conselho, adoptada no âmbito do quadro legislativo que regula
o procedimento por défice excessivo, relativa à aplicação de uma multa no Estado espanhol por alegada
manipulação dos dados referentes ao défice orçamental da Comunidade Autónoma de Valência (v. Comissão
c. Espanha 0521/ 15).

Curiosamente, a competência de escrutínio jurisdicional excluída pelo artigo 126.º, n.º 10, TFUE,
acabou por ser reconhecida pelo chamado Tratado Orçamental (v. Resolução da AR. n.° 84/2012, D.R., I
série, n.º127, de 03.07.2012, p. 3379). Um tratado intergovernamental sobre matéria de disciplina
orçamental na área do euro, incluindo a questão central do nível máximo dc défice orçamental e de défice
estrutural, estabelece, ao abrigo dc uma cláusula compromissória tal como prevista pelo artigo 273.º TFUE, o
direito de um Estado, enquanto Parte Contratante, demandar outra parte Contratante com fundamento em
alegado incumprimento das regras instituídas pelo artigo 3.º, n.º 2 (v. artigo 8.°, n.º1). Por analogia com o
artigo 260.º, expressamente invocado pelo artigo 8.º, n.º 2, do Tratado Orçamental, pode ser proposta uma
segunda ação por incumprimento para requerer a imposição de sanções pecuniárias. Uma solução que
coloca o TJ no papel de garante de um modelo de confinamento das competência orçamentais e económicas
dos Estados-membros cujo funcionamento depende da avaliação complexa de factores políticos e
económicos que, por regra permitem, no máximo, um exercício de controlo marginal pelos tribunais. A César
o que é de César ou os riscos esquecidos de uma excessiva jurisdicionalização da política.

7.2.2.2. Procedimento de sanções políticas por violação dos valores


fundamentais da União Europeia
Inovação carregada pelo Tratado de Amesterdão, o artigo 7.º TUE enquadra a existência de um
procedimento de verificação e constatação da “violação grave e persistente, por parte de um Estado-
membro, dos valores referidos no artigo 2º, aqueles que, agregados em torno do paradigma axiológico do
Estado de Direito, são os valores fundamentais da União. Por deliberação do Conselho Europeu e do
Conselho, o Estado-membro em causa pode ficar privado do exercício de direitos decorrentes da aplicação
dos Tratados, incluindo o direito de voto no Conselho (v. artigo 7.º, n.º 3, TUE). O mecanismo previsto no
artigo 7.° TUE foi gizado como instrumento de sanção política que, em função dessa natureza, dispensaria o
crivo jurisdicional e a respectiva garantia do respeito pelos direitos de defesa dos Estados-membros.

A única excepção é a relativa ao controlo da observância das disposições processuais, conforme


resulta do artigo 269.º TFUE. Por conseguinte, um Estado-membro destinatário de sanções políticas não
poderá contestar a legalidade das decisões do Conselho Europeu e do Conselho por razões de legalidade
substantiva (v.g. falta de proporcionalidade das medidas), mas pode impugnar tais decisões por violação de
requisitos procedimentais (v.g. o direito a ser ouvido, regras de votação). Por outro lado, e temos insistido
há muito neste ponto no nosso ensino oral, o artigo 7.° TUE, contrariamente ao artigo 126.º, n.º 10, TFUE,
não excluindo o recurso aos artigos 258.° e 259.° TFUE, não deve ser interpretado como obstáculo à
77

instauração pela Comissão de uma acção por incumprimento contra o Estado-membro que, através da sua
legislação ou prática política e administrativa, viola os valores fundamentais da União. A Comissão, enquanto
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guardiã dos Tratados, assiste o direito de avaliação sobre o caminho mais adequado, em face das

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circunstâncias do caso concreto: a proposta fundamentada para abertura do procedimento dc avaliação


política no quadro do artigo 7.º TUE ou a notificação do Estado-membro no âmbito do artigo 258.º TFUE,
com a eventual instauração da competente ação por incumprimento junto do TJ .

A multiplicação de situações altamente preocupantes em vários Estados-membros no que respeita à


independência do poder judicial, à liberdade de imprensa ou ao respeito pelos direitos dos estrangeiros,
como se tem verificado na Hungria, na República Checa e, mais recentemente na Polónia (v. Parecer da
Comissão sobre a situação do Estado de Direito na Polónia, 1 de Junho de 2016) exigiria uma resposta firme
e consistente da parte da Comissão e esta, parece-nos, só é compatível com um processo de natureza
jurisdicional como é a acção por incumprimento. Assim se evitaria a impunidade permitida pelo artigo 7.º
TUE que, ao requerer a unanimidade no seio do Conselho Europeu, excluída a participação do Estado-
membro Visado, favorece ameaças de veto por parte de qualquer outro Estado-membro. Não admira, neste
contexto, que o artigo 7.º TUE permaneça inédito, apesar das fortes ameaças que ensombram o regime
democrático em vários Estados-membros.

7.3. Tribunal Competente


Só o Tribunal de Justiça é competente para julgar as ações por incumprimento contra os Estados-
membros (v. artigo 256.° TFUE). Desde a criação de um tribunal de primeira instância, os Tratados e o
Estatuto do TJUE foram sucessivamente alterados no sentido de alargar a competência do (hoje) Tribunal
Geral. Um tabu resiste: a competência exclusiva do TJ para julgar o comportamento dos Estados-membros e
decidir pela aplicação de sanções pecuniárias. Uma solução que se apoia na convicção dos Estados-
membros, enquanto autores dos Tratados, sobre a especial importância das condenações por
incumprimento, a justificar o monopólio do tribunal supremo da instituição judicial da União. O reverso da
medalha é o carácter definitivo do acórdão, insusceptível de recurso e, consequentemente, para os Estados-
membros a privação da tradicional garantia do duplo grau de jurisdição.

7.4. Noção de Incumprimento


Dos artigos 258.º e 259.° TFUE extraímos uma noção operativa de incumprimento, relativamente
clara no seu enunciado, sinónimo de não cumprimento por um Estado-membro de qualquer uma das
obrigações que lhe incumbe por força dos tratados. Por seu lado, a jurisprudência, desenvolvida ao longo de
mais de meio século, orientou-se no sentido de conferir a este incumprimento uma natureza abrangente e
objectiva.

7.4.1. Pluralidade das regras paramétricas


O incumprimento verifica-se sempre que exista violação de uma norma ou princípio de conteúdo
vinculativo, constante dos Tratados (direito originário), das regras adoptadas pelo decisor da União (direito
derivado) e, outrossim, dos tratados internacionais que criam obrigações para a União. No grupo das
disposições de função paramétrica, encontramos também as chamadas fontes não escritas, como acontece
78

com os princípios gerais de direito e a própria jurisprudência do TJUE. Em suma, todas as obrigações directa
ou indirectamente resultantes dos Tratados, com excepção das matérias relativas à Política Externa e de
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Segurança Comum (v. artigo 24.º, n.º l, TUE). Apesar de identificada a fonte formal, nem sempre a

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parametricidade da regra enunciadora da obrigação se impõe acima de qualquer dúvida. Alguns exemplos
sobre os quais interessa reflectir:

⎯ As decisões dos representantes dos Estados-membros reunidos no seio do Conselho e outros actos
de natureza intergovernamental como a celebração de convenções internacionais entre Estados-
membros sem prejuízo das diferenças entre um tipo e outro de acto, têm em comum a sua natureza
intergovernamental e convencional que os situa no quadro do Direito Internacional, embora a
mantenha regulada esteja, ou possa estar, directamente relacionada com a execução do programa
eurocomunitário. Admitimos que para o efeito do controlo jurisdicional de legalidade, o TJUE possa
escrutinar a compatibilidade das Decisões com os Tratados na perspectiva de evitar a erosão e o
esvaziamento das competências da União [v. supra Capítulo 5, Secção [.A .§ 2º c)]. Já nos parece de
excluir a sua invocação
⎯ Em sede de incumprimento imputável aos Estados-membros. A mesma solução se impõe por maioria
de razão para as convenções internacionais celebradas entre os Estados-membros. Recorde-se o caso
Comissão c. Bélgica, no qual o TJ se declarou incompetente ao abrigo da acção por incumprimento
para julgar uma acção instaurada com base no artigo 226.º TCE (actual artigo 258.º TFUE), relativa à
suposta violação de uma convenção celebrada entre os Estados-membros: “(...) apesar de esta
Convenção apresentar ligações com a Comunidade e com o funcionamento das suas instituições,
trata-se de uma convenção internacional, concluída pelos Estadas-membros que não é parte
integrante do direito comunitário” (acórdão de 30.09.2010, C-l32/09, n.º 44) (ênfase acrescentada).

Com mandamento no artigo 273.° TFUE, os Estados-membros, na qualidade de partes contratantes,


podem atribuir competência ao Tribunal de Justiça. A natureza e extensão desta jurisdição depende da
cláusula compromissória.

⎯ Princípios gerais de direito a sua função paramétrica foi expressamente reconhecida a partir da
jurisprudência clássica em matéria de direitos fundamentais no caso Stauder (v. Proc. 29/69, nº 7).
Verifica-se, contudo, que a sua invocação como fundamento de incumprimento é complementar,
associada a uma disposição do direito originário ou derivado (v.g. acórdão de 21.06. 1988, Comissão
c. Itália, C-258/86, n.ºs 12 e 16, no qual a violação reconhecida dos princípios da segurança jurídica e
da protecção dos particulares foi confortada pela consideração de um artigo do Tratado e do
clausulado de uma directiva). O movimento de positivação dos direitos fundamentais (v. artigo 6.º,
n.º 1, TUE, e CDFUE) e de princípios gerais de direito como o da cooperação leal (v. artigo 4.°, n.° 3,
TUE) torna a questão residual ou mesmo improvável, porque, em relação a qualquer comportamento
ofensivo do “bloco de legalidade” da União, será sempre possível estabelecer uma conexão com
disposição específica dos Tratados, incluindo a CDFUE, ou do direito derivado.
⎯ Jurisprudência do TJUE uma situação tipificada no próprio Tratado é o artigo 260.°, n.º 2, TFUE,
através da acção por incumprimento por mor da inexecução de acórdão declarativo do
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incumprimento. Neste caso, está em causa um incumprimento qualificado, resultante da violação da


autoridade do acórdão declarativo do incumprimento e da violação do artigo 260.°, n.º 1, TFUE.
Página

Outra situação que interessa considerar é a da violação da autoridade de caso julgado de qualquer

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acórdão proferido pelo TJUE, por exemplo, ao abrigo do processo das questões prejudiciais. Nada
impede a Comissão de questionar um Estado-membro, no âmbito do procedimento pré-contencioso
do artigo 258.º TFUE, sobre as medidas internas adoptadas na sequência de acórdão prejudicial que
fundamenta um juízo negativo sobre a compatibilidade comunitária de legislação ou jurisprudência
nacional (v. infra sobre a relevância da jurisprudência dos tribunais nacionais Como factor
constitutivo de incumprimento).

7.4.2. Natureza da obrigação vinculante


Em primeiro lugar, não basta invocar um dever que vincula o Estado-membro. Em sede do processo
judicial de incumprimento, importa que se trate de uma obrigação cuja interpretação e tutela integra o
perímetro de jurisdição do TJUE. Ainda consequência da estrutura em pilares prevista no Tratado de
Maastricht, o Tratado de Lisboa, tendo como objectivo a despilarização e a consequente extensão da
competência do TJUE a todas as matérias reguladas pelos Tratados, manteve, contudo, a insindicabilidade
contenciosa das disposições relativas à Política Externa e de Segurança Comum (v. artigo 24.°, n.° 1, TUE; v.
artigo 275.º TFUE), bem como a imunidade dos Estados-membros em relação à validade e à
proporcionalidade das medidas conduzidas pelas suas polícias em matéria de manutenção da ordem pública
e garantia da segurança interna (v. artigo 276.º TFUE). Um outro aspecto que interessa analisar, a este
propósito, é o da dissociação entre efeito directo e incumprimento, com um duplo alcance:

⎯ A norma supostamente violada pode não ter efeito directo, por carecer de natureza clara e
precisa, o que não impede que seja vinculativa e a sua inobservância pelo Estado-membro é,
potencialmente, geradora de incumprimento;
⎯ A invocabilidade contenciosa da norma dotada de efeito directo, por iniciativa dos
particulares junto dos tribunais nacionais, não paralisa ou limita a possível actuação contra o
Estado-membro no quadro do incumprimento. O efeito directo é uma garantia mínima em
relação aos direitos dos particulares que não interfere com a obrigação objectiva que resulta
do artigo 288.º, parágrafo terceiro, TFUE, e que exige do Estado-membro a adopção das
medidas de transposição, mesmo que a directiva esteja a ser aplicada pelos tribunais (efeito
directo) ou a situação de não transposição possa servir de fundamento à tutela
indemnizatória.

7.4.3. Pluralidade de comportamentos tipificados de incumprimento


Acabamos de constatar que o TJ aproveita a relativa ambiguidade da expressão “qualquer das
obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados” para definir com a maior amplitude possível o rol de
normas paramétricas. A mesma razão, a de conferir a maior eficácia possível ao processo por
incumprimento, leva o TJ a optar por uma densificação muito aberta do conceito vago que “um Estado-
membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados”. O adquirido
jurisprudencial ampara a qualificação a título de incumprimento de qualquer comportamento, por acção ou
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por omissão, adoptado por qualquer órgão interno ou instância política de poder. A jurisprudência
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abundante e coerente sobre a matéria pode ser resumida em tomo das seguintes situações tipificadas:

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⎯ Violação por acção um Estado-membro adopta legislação contrária aos Tratados e normas
constantes de actos de direito derivado ou, o que traduz uma modalidade particularmente
censurável de incumprimento, ao invés de cumprir a obrigação de transposição de uma directiva
opta pelo caminho de sentido inverso quando decide aprovar um regime jurídico mais restritivo
ou menos garantístico do que aquele que serve de referência harmonizadora para as legislações
nacionais. Se tal acontecer, como o TJ recordou no caso Wallonie, adequadamente ancorado no
princípio da boa fé, com expressão na solução positivada pelo artigo 18.º da Convenção de Viena
sobre o Direito dos Tratados, os Estados-membros, enquanto decorre o prazo de transposição,
não estão obrigados a aprovar a legislação interna de aplicação da directiva, mas, “(...) durante
esse prazo, devem abster-se de adoptar disposições suscetíveis de comprometer seriamente o
resultado prescrito por essa diretiva" (v. acórdão de 18.12.1997, C-129/96, n.º 45). Um tal dever
de abstenção é oponível em relação ao Estado-membro mesmo que a legislação em causa não
vise, directa e expressamente, a transposição da directiva em causa, mas com ela interfira neste
sentido, o conhecido caso Mangold sobre a legislação alemã de regulação dos contratos de
trabalho a termo e a violação do princípio da não discriminação em razão da idade (v. acórdão de
22.11.2005, C-144/04, n.ºs 67-68).
A violação pode resultar ainda do exercício do poder de vinculação internacional do Estado-
membro sobre matérias que relevam do âmbito de aplicação dos Tratados, como aconteceu no
chamado contencioso “open sky” que conduziu à condenação de vários Estados-membros em
virtude da celebração com os EUA de acordos bilaterais sobre a exploração de rotas aéreas,
domínio da competência exclusiva da União (v.g. acórdão de 05.11.2002, Comissão c. Suécia, C-
468/98).
⎯ Violação por omissão cedo na sua jurisprudência, o TJ cunhou a forma canónica sobre o desvalor
da omissão: “(...) une abstention, tout autant qu'un comportement positif, est susceptible de
constituer, de la part d'un Etat membre, un manquement à une obligation lui incombant” (v.
acórdão de 17.02. 1970, Comissão c. Itália, 31/69, n.º 9).
Como acontece no incumprimento por acção, a censura do TJ pode ter por objecto
comportamentos omissivos resultantes tanto da inércia legislativa como judicial, incluindo ainda
as práticas administrativas que consubstanciam uma abstenção reiterada ou generalizada. Alguns
exemplos:
a) A ausência das medidas exigidas pela transposição das directivas, a situação mais comum
e até banal de incumprimento por omissão; com alguma frequência, perante a omissão
evidente, o Estado-membro não contesta o incumprimento, aproveitando apenas o
processo em tribunal para protelar a legislação devida e assim “ganhar tempo” (para um
dos muitos exemplos de aresto expedito, de fundamentação sumária, v. acórdão de
27.07.2011, Comissão c. Áustria, C-548/10, n.ºs 9-13). De referir que, após o Tratado de
Lisboa, com o artigo 260.°, n.º 3, TFUE, a Comissão poderá nestes casos em que o Estado-
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membro não cumpriu a obrigação de comunicar as medidas de transposição de uma


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directiva legislativa, porque não pode notificar o que não existe, solicitar ao TJ a aplicação

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de sanção pecuniária e assim retirar ao infractor o benefício da infracção em função da


procrastinação calculada;
b) A ausência de denúncia de acordos internacionais contrários ao Direito da União,
celebrados antes da criação das Comunidades Europeias ou, no caso de Portugal, antes da
adesão em 1 de Janeiro de 1986 (v. artigo 351 .° TFUE) ou celebrados depois desta data (v.
artigo 4.º, n.º 3, TUE). Duas pronúncias envolveram directamente o Estado Português (v.
Comissão c. Portugal, de 04.07.2000, C-62/98, n.ºs 42, 49, 52; Comissão c. Portugal, de
04.07.2000, C-84/98, n.ºs 40, 52, 61);
c) Ausência reiterada de um comportamento administrativo ou policial que garanta o
respeito das obrigações comunitárias, reconhecido pelo TJ em duas conhecidas decisões
proferidas contra a França: no caso da chamada “guerra dos morangos”, censurando a
inércia das autoridades francesas para impedir as manifestações e actos de violência que
visavam a importação de morangos produzidos em Espanha ( v. acórdão de 09.l2.l997,
Comissão c. França, C-265/95, n.ºs 2, 3|, 55); no caso “peixes de pequeno tamanho”, pela
insuficiência dos controlos e medidas necessárias de fiscalização das actividades dc pesca
(v. acórdão de 12.07.2005, Comissão c. França, C-304/02, n.º 51).
⎯ Violação por inobservância dos prazos de execução das obrigações o incumprimento pode ser
declarado pelo TJ em relação a um Estado-membro que já adoptou as medidas exigidas se o tiver
feito fora do prazo. A execução extemporânea das medidas é considerada contrária à exigência da
uniformidade na aplicação do Direito da União e ofensiva dos deveres de solidariedade entre os
Estados-membros (v. acórdão de 07.02.1973, Comissão c. Itália, 39/72, n.ºs 17, 25).
O rigor com que o TJ aprecia o dever de observância dos prazos estende-se à situação, aliás
frequente, de adopção das medidas já na pendência da instância, considerada pelo TJ como
irrelevante a título de inutilidade superveniente da lide. Assim, o incumprimento pode ser
declarado mesmo que as medidas tenham sido entretanto aprovadas, às vezes comunicadas pelos
agentes do Estado-membro no decurso da audiência pública para alegações orais (!). Como já foi
dito a propósito do recurso por omissão, p o TJ o veredicto do incumprimento mantém interesse
processual e mate para o efeito do apuramento de eventual responsabilidade extracontratual do
listado-membro em causa relativamente ao período durante o qual perdurou a violação (v.g.
acórdão de 10.04.2008, Comissão c. Itália, C-442 06, n.º 42). Nada a opor. Apenas apontamos a
falta de coerência do TJ que não segue a mesma bitola para o decisor da União que regulariza a
situação fora do prazo, na pendência da instância, em sede de recurso por omissão.

7.4.4. Natureza objectiva do incumprimento


Na argumentação de defesa, os Estados-membros recorrem a uma estratégia, geralmente invocada
a titulo subsidiário, que, sem negar a existência de incumprimento, procura convencer o TJ que se trata de
uma situação de meta desconformidade à qual falta a gravidade e a intencionalidade que seriam
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pressupostas por um procedimento como o previsto nos artigos 258.º e 259.° TFUE, com as consequências
potencialmente gravosas d0 artigo 260.° TFUE. Sobre este ponto, o TJ segue uma orientação límpida e
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inapelavelmente rígida que na versão truística do Senhor de La Palice poderia soar assim: o incumprimento

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existe ou não existe. Não interessa a intensidade da violação (grave / pouco grave) como não interessa saber
se os Estados-membros agiram com intenção ou mera negligência. Em qualquer caso, o incumprimento
corresponde a uma situação objectiva de violação das regras, cabendo à parte demandante (Comissão ou
Estado-membro) a produção de prova suficiente nos autos. Este entendimento favorável à garantia da
eficácia plena do primado e à aplicação uniforme do Direito da União gera, contudo, algumas dificuldades
sérias para os Estados-membros que poderiam, porventura, ser evitadas por via de uma jurisprudência de
sentido menos mecanicista ou burocrático, sensível a uma ponderação razoável dos interesses em jogo.

7.5. lmputação do incumprimento


Nos termos do artigo 258.º TFUE, o interlocutor da Comissão no procedimento administrative pré-
contencioso, o demandado na fase contenciosa, é o Estado-membro. Um Estado-membro por cada iniciativa
pré-contenciosa ou acção judicial, ainda que sejam vários os Estados-membros visados (v. o caso das
legislações nacionais sobre o exercício da profissão de notário em que foram instauradas acções por
incumprimento contra sete Estados-membros incluindo Portugal v. acórdão de 24.05.2011, C-52/08).

O representante do Estado-membro, na fase pré-contenciosa e na fase contenciosa, é, por força do


Direito Internacional, aplicável no silêncio dos Tratados a este respeito, o Governo do respectivo Estado-
membro. Com muita frequência, a responsabilidade pela violação do Direito da União não resulta de uma
acção / omissão directa do Governo. A questão da imputação coloca-se em relação à actuação do poder
judicial, à actuação das entidades infraestaduais e mesmo em relação à actuação dos particulares. Tendo por
base uma noção ampla de Estado, de inspiração jusinternacionalista, o TJ definiu um princípio que se limita a
aplicar sempre que um Estado-membro procura explorar o caminho da ausência ou impossibilidade do nexo
de imputação:

“(...) la responsabilité d'un État membre au regard de l'article 169


(actual artigo 258. º T F UE) est engagée, quel que soit l’organe de I'État dont
I’action ou l’inaction est à l'origz'ne du manquement, même s’il s’agit d’une
institution constitutionnellement indépendante” (v. Comissão c. Bélgica, de
05.05.1970, 77/69, n.º 15) (ênfase acrescentada).

Esta posição do TJ que pode parecer algo excessiva, inconveniente por não atender às limitações
constitucionais dos Governos para adoptar as medidas necessárias à execução do acórdão declarativo do
incumprimento (v. artigo 260.º, n.º 1, TFUE), constitui, em rigor, a única posição compatível com a exigência
elementar da igualdade entre os Estados-membros perante os Tratados e, ainda, com o principio da
identidade constitucional, introduzido pelo Tratado de Lisboa. O artigo 4.º, n.º 2, TUE impõe à União o dever
de respeitar a identidade nacional dos Estados-membros, “reflectida nas estruturas políticas e
constitucionais fundamentais de cada um deles, incluindo no que se refere à autonomia local e regional”.
Este dever fundamental vincula o próprio TJ que, se tivesse de verificar o grau de autonomia de entidades
infraestaduais em relação ao Governo do Estado-membro, correria o risco de interferir com o
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funcionamento das estruturas constitucionais internas. Já antes do Tratado de Lisboa, no âmbito do


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princípio da autonomia institucional dos Estados-membros, o TJ deixou clara a relação entre os deveres do
Estado-membro e as suas prerrogativas de soberania:

“(...) incumbe a todas as autoridades dos Estados-membros, quer se


trate de autoridades do poder central do Estado, de autoridades de um
estado federado ou de outras autoridades territoriais, assegurar o respeito
das normas de direito comunitário no âmbito das suas competências
respectivas. Em contrapartida, não compete à Comissão pronunciar-se sobre
a repartição de competências decorrente das normas institucionais de cada
Estado-membro e sobre as obrigações que, respectivamente, podem
incumbir às autoridades da República Federal e às dos estados federados” (v.
acórdão de 12.06.1990, Alemanha c. Comissão, C-8/88, n.º 13).

Em relação ao quadro específico da repartição de competências prevista numa Constituição de base


federal ou resultante de organização descentralizada por unidades regionais e municipais, o princípio é
sempre o mesmo, indiferente ao grau concreto de autonomia que beneficia as entidades infraestaduais: ao
Estado-membro compete assegurar a plena eficácia das normas eurocomunitárias e, no caso de falha, às
autoridades estaduais cabe responder pelas consequências, em sede de incumprimento ou de
responsabilidade civil (v. acórdão de 04.07.2000, Haim, C-424/97, n.ºs 30-3 1).

A garantia necessária da independência do poder judicial face ao Executivo, exigência fundamental


do Estado de Direito, suscitou na doutrina alguma controvérsia, ultrapassada pela tomada de posição do TJ
sobre a vinculação dos tribunais superiores no reenvio prejudicial e, outrossim, sobre a responsabilidade do
Estado-membro por violação do Direito da União com fundamento em decisão judicial. O incumprimento
imputável aos tribunais pode, para além da questão mais versada da violação da obrigação de reenvio,
envolver uma interpretação reiteradamente errada do Direito da União, em desconformidade com a
jurisprudência do TJ. No caso Köbler, a invocação do princípio jusinternacionalista da responsabilidade
abrangente do Estado serviu, com remissão para a natureza específica da ordem jurídica da União em
termos de integração dos poderes de definição do direito, para reforçar a responsabilidade do Estado pelos
comportamentos imputáveis aos órgãos jurisdicionais:

“Se, na ordem internacional, o Estado, cuja responsabilidade está em


causa em virtude da violação de um compromisso internacional, é
considerado na sua unidade, independentemente da violação que está na
origem do prejuízo ser imputável no poder legislativo, judicial ou executivo,
tanto mais deve ser assim na ordem jurídica comunitária” (v. acórdão de
30.09.2003, C-224/01, n.º 32).

Se a violação do direito da União foi cometida r um órgão jurisdicional, nada impede, com apoio na
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doutrina expressa do TJ, o recurso à acção por incumprimento, nos termos das disposições dos artigos 258.º
TFUE e 260.º TFUE (v. acórdão de 09.12.2003, Comissão c. Itália, n.º 29; v. Parecer 1/09, de 08.03.2011, n.º
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87).

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Embora a Comissão já tenha na fase pré-contenciosa suscitado o problema de infracções resultantes


de decisões judiciais, mantém-se inédita a iniciativa contenciosa com este fundamento. Não é improvável
que aconteça, na sequência da jurisprudência específica do TJ sobre os deveres dos juízes nacionais, maxime
no quadro do artigo 267.º TFUE e da responsabilidade extracontratual do Estado-membro. O tabu judicial foi
ultrapassado. No caso futuro de uma ação por incumprimento que culmine no reconhecimento de violação
imputável ao Estado por acção ou omissão dos seus tribunais, caberá ao Estado-membro tomar as medidas
necessárias à execução do acórdão do TJ (v. artigo 260.º, nº1, TFUE), com respeito pelo princípio da
independência dos juízes. No limite, terá o Governo do Estado-membro condenado de, no exercício do
poder legislativo, nos termos definidos pela respectiva Constituição, de alterar a legislação material e/ou
processual que alimenta a jurisprudência “dissidente” dos tribunais nacionais.

Já se afigura mais problemático e incerto juízo de imputação do incumprimento nas situações em


que o comportamento censurado ao Estado-membro está directa ou indirectamente relacionado com a
actuação de entidades privadas, pessoas físicas ou colectivas. No caso de organismos de direito privado, de
algum modo ligados ou controlados pelo Estado ou outras autoridades públicas, não custa aceitar a doutrina
jurisprudencial baseada no critério fundamental do controlo, independentemente da forma jurídica que
reveste a entidade em causa. No precedente clássico “Buy Irish”, o organismo irlandês responsável pela
campanha de promoção dos produtos gaélicos, embora com estatuto de direito privado, aplicava as
orientações definidas pelo Executivo e era por este financiado (v. acórdão de 24.11.1982, Comissão c.
Irlanda, 249/81, n.º 15). Neste caso, o TJ limitou-se a assumir o corolário da responsabilidade internacional
do Estado, aceite como direito costumeiro, vertido no artigo 8.º do já citado Projecto de Artigos sobre a
Responsabilidade dos Estados por Actos Ilícitos Internacionais (2001): “A conduta de uma pessoa ou grupo
de pessoas é considerada um acto de um Estado nos termos do Direito Internacional, se a pessoa ou grupo
de pessoas estiverem, de facto, a agir sob instruções ou sob a direcção ou controlo desse Estado ao
desenvolverem essa conduta”.

O TJ foi, contudo, mais longe ao configurar a existência de imputação mesmo nos casos em que o
particular actua com independência em relação ao Estado e aos demais poderes públicos. O precedente
jurisprudencial aconteceu no caso conhecido, e por nós já citado, de “guerra dos morangos" (v. acórdão de
09.12.1997, Comissão c. França, 0265/95) e depois retomado no caso Schmidberger (v. acórdão de
12.06.2003, C-112/00). Estava em causa a identificação de entraves à livre circulação de mercadorias: no
primeiro processo provocados pelas manifestações e actos de vandalismo dos agricultores franceses contra
a importação de morangos espanhóis; no segundo caso, um bloqueio da auto-estrada de Brenner que durou
mais de trinta horas como forma de protesto por causa ambiental. Num e noutro caso, sendo a acção
material gizada e conduzida pelos particulares, sem qualquer ligação ou incentivo por parte das autoridades
públicas, o TJ entendeu, porém, que o nexo de imputação não estava prejudicado. O Estado-membro incorre
em incumprimento por omitir a adopção das medidas necessárias ao cumprimento das regras
eurocomunitárias, em concreto a garantia da livre circulação de mercadorias:
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“(...) o facto de um Estado-membro se abster de agir ou,


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eventualmente, de não adaptar as medidas suficientes para impedir que

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sejam criados obstáculos à livre circulação de mercadorias, nomeadamente


por acção dos particulares no seu território contra produtos originários de
outros Estados-membros, é de natureza a entravar as trocas comerciais
intracomunitárias na mesma medida que uma acção desse Estado” (v. caso
“guerra dos morangos”, n.º 30).

A conclusão pode, no limite, tomar o Estado-membro responsável por qualquer actuação dos
particulares empresas, indivíduos, sindicatos, movimentos cívicos que viole ou susceptível de violar as regras
de funcionamento do mercado interno, com o argumento que falhou no exercício das suas competências de
imposição da lei eurocomunitária. Neste sentido, poderá um Estado-membro ser acionado por omissão de
deveres de vigilância no caso da megafraude cometida pela Volkswagen sobre a emissão de poluentes pelos
veículos automóveis? Ou, outro exemplo, pela omissão dos deveres de regulação e controlo prudencial em
relação à actuação dos bancos e sociedades financeiras, seja em relação à venda de certos produtos
financeiros seja em relação à “apresentação criativa” da respectiva contabilidade? São apenas dois exemplos
entre muitos de violação grave e manifesta de legislação eurocomunitária pelas entidades privadas em
domínios nos quais as autoridades públicas, nacionais e eurocomunitárias, estão investidas de poderes
específicos de controlo e regulação.

7.6. Procedimento pré-contencioso

7.6.1. Comissão c. Estado-membro


Como acontece no recurso por omissão, a existência de uma fase administrativa que antecede, como
requisito necessário, o recurso para o TJ visa dar oportunidade, neste caso ao Estado-membro em causa,
para esclarecer as dúvidas em tomo do seu alegado incumprimento ou, confirmada a existência de violação
do Direito da União, para adoptar as medidas necessárias à reposição da legalidade“, Ou seja, a fase pré-
contenciosa tem uma natureza subsidiária e também preambular, na medida em que, como veremos, a
admissibilidade e mesmo a procedência do recurso judicial depende da forma como forem observadas pela
Comissão as exigências de fundamentação e de respeito pelo princípio da leal cooperação na fase
procedimental, em especial os direitos de defesa dos Estados-membros.

7.6.1.1. Carta de notificação de incumprimento


A abertura da fase pré-contenciosa é decidida pela Comissão no uso de poderes discricionários de
apreciação, tendo na sua origem uma informação obtida oficiosamente ou recolhida através de queixa,
apresentada por particulares ou por qualquer outra entidade, incluindo Estados-membros e Estados
terceiros. Por regra, apenas excepcionada em casos de reconhecida urgência, a Comissão começa por
estabelecer contacto informal (v.g. cartas administrativas) com as autoridades nacionais através dos canais
normais de comunicação, solicitando informação e esclarecimento sobre questões concretas. Em Portugal,
uma vez recebida a notificação através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, cabe à Direcção-Geral dos
Assuntos Europeus a tarefa de preparar a resposta à Comissão, em coordenação com os ministérios e
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organismos de competência sectorial.


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Se a resposta das autoridades nacionais competentes não for considerada satisfatória e elucidativa,
a Comissão pode optar pelo procedimento formal que se inicia, então, com a carta de notificação de
incumprimento, cuja natureza deve ser inequívoca, com citação expressa da base jurídica que é o artigo
258.º TFUE. A carta de notificação de incumprimento dará ao Estado-membro a "oportunidade de
apresentar as suas observações” (v. artigo 258.º, parágrafo primeiro, TFUE) e tem de respeitar as seguintes
principais exigências:

⎯ Delimitação clara da alegada situação de incumprimento, com a referência a toda a informação


considerada relevante e necessária para a resposta/defesa do Estado-membro (v. acórdão de
15.11.1988, Comissão c. Grécia, 229/87, n.º 13). Uma carta de conteúdo vago e impreciso pode
ser completada com o envio de uma segunda carta de notificação de incumprimento, dando ao
Estado-membro mais elementos de informação e mais tempo para se defender. Com este alcance
funcional, a carta de notificação de incumprimento tem natureza análoga à nota de culpa no
processo disciplinar;
⎯ Enunciação completa do âmbito e teor da alegada situação de incumprimento, de modo que
circunscreva o objecto do litígio, não podendo a Comissão alargar ou alterar a acusação e a sua
fundamentação na fase seguinte do parecer fundamentado; considera o TJ que existe violação dos
direitos de defesa do Estado-membro se, por exemplo, o parecer fundamentado e a petição se
referem a normas paramétricas diferentes das que foram identificadas na carta de notificação de
incumprimento (v. acórdão de 05.06.2003, Comissão c. Itália, C-145/01, n.ºs 17-18).
⎯ Definição de um prazo suficiente de resposta. Às autoridades nacionais deve ser dado um prazo
que lhe permita reunir os elementos necessários à elaboração da resposta. Na ausência de um
prazo previsto nos Tratados, aplica-se o conceito de prazo razoável, variável em função das
circunstâncias do caso concreto, nomeadamente a complexidade da matéria, o necessário
envolvimento de vários ministérios ou, no caso de Estados Federais e Regionais, de vários níveis
de organização territorial, a coincidência com período de férias ou celebrações festivas, como o
Natal e o fim de ano. O prazo é administrativo e passível de prorrogação, a pedido do Estado-
membro, devidamente fundamentado. Por regra, em casos não urgentes, a Comissão define um a
dois meses para a resposta. Prazos mais curtos são considerados justificados quando é urgente
encontrar solução para o alegado incumprimento ou quando o Estado-membro em causa tem
pleno conhecimento da posição da Comissão muito antes de se iniciar o procedimento (v. acórdão
de 28.10.1999, Comissão c. Áustria, C-328/96, n.º 51). Um prazo muito curto pode, todavia,
comprometer, a jusante, a admissibilidade do pedido em tribunal por violação dos direitos de
defesa do Estado-membro.

Como se trata de uma formalidade essencial, a carta de notificação de incumprimento não pode ser
dispensada, mesmo que a Comissão tenha conhecimento do desinteresse do Estado-membro em apresentar
observações e fazer a sua defesa (v. acórdãos de 17.02.1970, Comissão c. Itália. 31/69, n.º 13; e de
87

08.02.1983, Comissão c. Reino Unido, 124 81, n.º6). Para o Estado-membro é uma garantia fundamental e,
Página

sublinhe-se, à luz do princípio da cooperação leal (v. artigo 4.º, n.º 3, TUE), o Estado-membro não deve

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refugiar-se no silêncio, embora esteja no direito de fornecer as respostas tidas como mais adequadas à
defesa, no momento e no contexto, dos seus interesses, respostas que serão susceptíveis, obviamente, de
não oferecer à Comissão toda a informação que esta instituição desejaria obter.

7.6.1.2. Parecer fundamentado


No caso de a Comissão acreditar que um Estado-membro violou as suas obrigações de fonte
eurocomunitária, adopta o parecer fundamentado que deve conter uma descrição detalhada da acusação e
seus fundamentos, de facto e de direito. Ao Estado-membro notificado é dado um prazo para pôr em prática
as medidas pressupostas pelo dever de conformação com o Direito da União. O prazo, como acontece na
fase anterior da notificação de incumprimento, é variável em função de critérios de razoabilidade e
susceptível de prorrogação. O Estado-membro destinatário pode aproveitar o prazo para adoptar as medidas
apontadas pela Comissão ou, não o querendo ou não o podendo fazer (v.g. transposição legislativa de uma
directiva ou revogação de legislação contrária dependentes de lei parlamentar e de procedimento moroso),
está no direito de optar por preparar uma resposta à Comissão. Neste caso, e fazendo apelo ao princípio da
cooperação leal, pode estabelecer contactos com os serviços competentes da Comissão, com a eventual
realização de reuniões de peritos.

Duas notas importantes: 1) à luz do princípio da cooperação leal, em articulação virtuosa com uma
estratégia política, intencional e legítima, de procrastinação, um Estado-membro deve sempre preparar,
com cuidado e desenvolvimento, as suas respostas à Comissão, sejam cartas administrativas, carta de
notificação de incumprimento ou, na etapa derradeira, o parecer fundamentado; 2) nada limita, no plano
jurídico e também no plano ético das relações institucionais, o direito de um Estado-membro não
reconhecer formalmente a acusação de incumprimento, ainda que esta seja patente (por regra, o que
acontece com a não transposição de uma directiva), e de esperar pelo veredicto do TJ na conclusão do
processo judicial que, previsivelmente, lhe será instaurado pela Comissão.

É muito importante esta avaliação do custo/benefício de uma decisão de não acatamento voluntário
da decisão da Comissão sob a forma do parecer fundamentado. Ao não se conformar com o parecer
fundamentado, o Estado-membro pode estar convencido que se trata de uma questão controvertida sobre a
qual vale a pena ouvir o TJ ou, o que amiúde se verifica, o Estado-membro entende que é importante ganhar
tempo. Tendo em conta a duração média da pendência judicial das acções por incumprimento (em 2015,
segundos os dados divulgados pelo TJUE, estaria esta duração em 17,6 meses), o Estado-membro consegue,
assim, adiar a implementação interna das medidas necessárias. Deve, contudo, aproveitar este tempo para
se preparar para a aprovação das medidas no caso de vir a ser declarado em situação de incumprimento. A
seguir à condenação, terá um prazo razoável para tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do
Tribunal (v. artigo 260.º, n.º 1, TFUE). Decorrido este prazo, a Comissão pode avançar com uma segunda
acção por incumprimento para solicitar a condenação ao pagamento de sanções pecuniárias. A seguir à
prolação do primeiro acórdão declarativo do incumprimento, e no caso especial do artigo 260.º, n.º 3, TFUE,
88

o decurso do tempo deixa de funcionar como uma estratégia de defesa dos interesses do Estado-membro
em causa para se tornar uma aventura perigosa que pode acabar com uma condenação pesada ao
Página

pagamento de uma quantia avultada e de acréscimo diário. Existe, por outro lado, em relação a um

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incumprimento ostensivo que foi mantido por longo período, com grave prejuízo para os direitos e
interesses dos particulares, o risco de acções de indemnização instaurada junto dos tribunais nacionais por
iniciativa dos lesados.

A expressão “parecer fundamentado” descreve com propriedade a natureza da tomada de posição


da Comissão: exprime o parecer jurídico dos serviços da Comissão, condiciona a iniciativa contenciosa,
circunscrever o objecto do litígio, mas carece de força jurídica para definir os direitos e obrigações dos
Estados-membros, atributo de autoridade reservado às decisões do TJ. Assim, mesmo que o parecer
fundamentado conclua no sentido da conformidade do direito ou comportamento do Estado-membro com
as suas obrigações eurocomunitárias, nada impede que a questão seja submetida ao TJ por iniciativa de
outro Estado-membro (v. artigo 259.º TFUE) ou suscitada perante os tribunais nacionais como órgãos
comuns de aplicação do Direito da União, no quadro, por exemplo, da tutela indemnizatória.

A Comissão pode concretizar as medidas a adoptar pelo Estado-membro, mas, de acordo com
jurisprudência discutível do TJ , não está obrigada a fazê-lo: “(...) o parecer fundamentado deve conter uma
exposição coerente e pormenorizada das razões que criaram na Comissão a convicção que o Estado-membro
interessado não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado. A Comissão não é, porém,
obrigada a indicar no parecer fundamentado as medidas que permitiriam eliminar o incumprimento
imputado” (v. acórdão de 11.07.1991, Comissão 0. Portugal, C-247/ 89, n.º 22). A Comissão só terá o dever
de especificar as medidas se a acusação versar, justamente, sobre a falta de adopção de medidas que
permitiriam remediar o incumprimento imputado (v. acórdão de 02.06.2005, Comissão c. Grécia, C-394/02,
n.° 23). Por uma questão de certeza jurídica, aqui associada ao princípio da cooperação leal, seria de esperar
que a Comissão, ao mesmo tempo que formula a acusação e delimita o objecto do litígio, esclarecesse o
Estado-membro sobre o tipo de medidas adequadas para eliminar o incumprimento. Existem situações
complexas, nomeadamente relacionadas com as relações entre os Estados-membros e os operadores
económicos no domínio do direito da concorrência, em que persistem mudadas dúvidas sobre o que deveria
ser feito em termos de medidas jurídicas para repor e garantir a legalidade eurocomunitária. A sua
especificação na fase do parecer fundamentado seria decisiva para evitar o recurso ao TJ cumprindo assim o
objectivo principal da fase de pré-contencioso. Teria, por outro lado, a vantagem de, se proferido o acórdão
declarativo do incumprimento; evitar as dúvidas sobre o tipo de medidas a adoptar para respeitar a
obrigação de execução do acórdão (v. artigo 260.º, n.º 1, TFUE) e que, não raras vezes está na origem de um
contencioso ulterior sobre a existência ou não de incumprimento do aresto.

7.6.2. Estado-membro c. Estado-membro


A legitimidade processual activa de um Estado-membro na acção por incumprimento está, nos
termos do artigo 259.º TFUE, dependente de uma tramitação pré-contenciosa, equivalente na sua função e
na intervenção da Comissão à tramitação prevista pelo artigo 258.º TFUE. Assim, um Estado-membro que
pretenda accionar outro Estado-membro, convencido que este não cumpriu qualquer das obrigações que o
89

oneram por força dos Tratados, tem de submeter a questão à apreciação da Comissão. Os Estados-membros
interessados, isto é, o Estado-membro denunciante e o Estado-membro denunciado, são notificados pela
Página

Comissão para a apresentação de observações escritas e orais, em regime de processo contraditório. Aos

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Estados-membros deve ser dada a oportunidade para fazer o contraditório relativamente a cada um dos
argumentos aduzidos pelo Estado-membro oponente no procedimento.

A Comissão dispõe de três meses, a contar da data do pedido do Estado denunciante, para elaborar
o parecer fundamentado. Esgotado este prazo, o Estado-membro denunciante pode avançar para o recurso
judicial. Proferido o parecer fundamentado pela Comissão no prazo estabelecido dos três meses, o Estado-
membro denunciante decide, livremente, se instaura ou não a acção por incumprimento, não estando
sujeito a um prazo para o fazer. O parecer fundamentado é uma formalidade essencial, mas o seu teor não é
determinante para o apuramento da existência de incumprimento. A lógica subjacente ao funcionamento do
processo por incumprimento, seja no quadro do artigo 258.° TFUE seja no quadro do artigo 259.° TFUE,
reside no reconhecimento ao TJ do monopólio de determinação e consequente declaração do
incumprimento. Neste sentido, mesmo que o parecer fundamentado da Comissão conclua que não há
incumprimento, tal não impede o Estado-membro denunciante de recorrer para o TJ que, por sua vez, não
está minimamente vinculado pela decisão da Comissão. Por outro lado, é possível o funcionamento de uma
espécie de veio de transmissão entre o artigo 259.º TFUE e o artigo 258.º TFUE: a partir do impulso
transmitido pela queixa de um Estado-membro, a Comissão pode decidir, após emissão do parecer
fundamentado, instaurar a acção por incumprimento, no exercício da sua legitimidade processual própria.
Uma tal decisão serviria, sobretudo, para evitar o litígio directo entre Estados-membros, sem prejuízo do
direito por parte do Estado-membro denunciante de interpor a sua própria acção por incumprimento. Um
cenário improvável, mas não impossível, de um Estado-membro duplamente demandado no TJ, pela
Comissão e por outro ou outros Estados-membros.

O saldo de acções por incumprimento instauradas por Estados-membros é, deveras, modesto.


Apenas quatro processos por incumprimento chegaram à fase de julgamento e acórdão.

Não será difícil entender este acesso tão parcimonioso ao artigo 259.º TFUE. Por razões de ordem
politica, um Estado-membro evita o cenário de litigância directa com outro Estado-membro em processo
judicial, confiando na Comissão o exercício da iniciativa contenciosa. Se a Comissão der sequência à queixa
submetida pelo Governo de um Estado-membro, este tem ainda a oportunidade de participar no processo
como parte interveniente em apoio da Comissão com menor exposição e menor risco que teria na qualidade
de parte demandante. De notar que das quatro acções por incumprimento Estado-membro c. Estado-
membro que foram julgadas pelo TJ , apenas uma foi declarada procedente. Resultado que não é, pelo
menos em termos estatísticos, encorajador para futuras acções contenciosas ao abrigo do artigo 259.° TFUE.

7.7. Processo de acção por incumprimento

7.7.1. Requisitos de admissibilidade


Como já foi salientado, a boa tramitação da fase pré-contenciosa pela Comissão revela-se
fundamental na avaliação das probabilidades de ganho da causa. Em especial, o parecer fundamentado deve
90

delimitar de modo preciso o objecto do litígio, sob pena de o recurso da Comissão soçobrar por decisão de
Página

inadmissibilidade. Nas palavras do Tribunal de Justiça: “A regularidade da fase pré-contenciosa constitui uma
garantia essencial consagrada pelo Tratado, não apenas para a protecção dos direitos do Estado-membro em

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causa, mas igualmente para assegurar que a eventual fase contenciosa tenha por objecto um litígio
claramente definido”. E conclui: “(...) é apenas a partir de uma fase pré-contenciosa regular que o processo
contraditório no Tribunal de Justiça permitirá a este decidir se o Estado-membro não cumpriu efectivamente
as obrigações precisas, cuja violação é invocada pela Comissão” (v. Despacho de 11.07.1995, Comissão c.
Espanha, C-226/94, n.ºs 17-18).

Outros requisitos específicos se deduzem do vasto adquirido jurisprudencial sobre a acção por
incumprimento:

1) Identidade ou coerência entre o parecer fundamentado e a petição a Comissão deve cuidar


que haja coincidência entre o objecto do pedido e os fundamentos, porque o TJ se considera
apenas vinculado pelo conteúdo do pedido para não correr o risco de uma decisão ultra petita
(v. acórdão de 15.06.2006, Comissão c. França, 0255/04, n.ºs 24-26). A Comissão não pode na
petição ampliar o objecto da acusação ou o rol de argumentos que a suportam. O parecer
fundamentado e a petição devem basear-se em fundamentos e pedidos idênticos (v. acórdão de
23.11.1992, Comissão c. Alemanha, C-237/90, n.ºs 20-22). A única flexibilização admitida pelo TJ
relaciona-se com argumentos complementares e não inovadores, relativos, por exemplo, a
elementos de prova obtidos posteriormente à fase pré-contenciosa-
2) A legislação nacional ou eurocomunitária - a modificação da legislação nacional em momento
ulterior ao do prazo dado no parecer fundamentado para cumprir não afecta a admissibilidade
da acção por incumprimento que se refere ao período em que vigorou a legislação considerada
pela Comissão contrária às obrigações do Estado-membro que resultam dos Tratados (v.g.
acórdão de 10.09.1996, (Comissão c. Bélgica) Embora o TJ não adira à tese da inutilidade
superveniente da lide, não deixa de considerar o significado para o processo de uma alteração
das circunstâncias. No caso do as disposições nacionais pertinentes sofrerem alteração
substancial, “esta evolução pode privar o acórdão a proferir de uma parte da sua utilidade”
(v.acórdão de 10.09.1996, Comissão c. França, dc 10.09.1996, C-177/03, n.º 21). Se tal
acontecer, conclui o TJ, “poderia ser preferível que a Comissão não intentasse uma acção, mas
formulasse um novo parecer fundamentado, precisando as acusações que pretendia manter
dadas as alterações de circunstâncias” (Ibidem). Por seu lado, uma alteração da legislação
paramétrica da União também não prejudica, em princípio, a admissibilidade do pedido,
temporalmente relativo à data definida no parecer fundamentado (v.g. acórdão de 09.1 1.1999,
Comissão c. Itália, C-365/97, n.º 36).
3) Incumprimentos posteriores à extinção do prazo fixado no parecer fundamentado segundo
jurisprudência assente, a data de referência para apreciar a existência de incumprimento
relevante na primeira acção por incumprimento de natureza declarativa, igualmente
determinante para a consideração da duração do incumprimento na segunda acção intentada ao
abrigo do artigo 260.º, n.º 2, TFUE, com o objectivo de conduzir à aplicação de sanções
91

pecuniárias ao Estado-membro que não garantiu a execução do primeiro acórdão situa-se no


Página

momento da extinção do prazo fixado no parecer fundamentado e não no momento da sua


notificação ao Estado-membro (v.g. acórdão de 18.07.2006, Comissão c. Itália, C-119/04. n.º 27).

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O TJ admite, contudo, a consideração para efeitos de declaração de incumprimento de factos


posteriores ao parecer fundamentado se for manifesto que são factos da mesma natureza, isto
é, a continuação da actividade contrária aos Tratados que foi identificada no parecer
fundamentado e sobre a qual o Estado-membro teve oportunidade de se pronunciar e de,
conformemente ao parecer fundamentado, arrepiar caminho (v. acórdão de 22.03.1983,
Comissão c. França, 42/82, n.º 20).
Pela mesma razão, relativa à exigência de identidade entre o objecto da fase pré-contenciosa e o
objecto da acção por incumprimento instaurado contra o Estado-membro, o pedido será
declarado inadmissível pelo TJ se se referir a um comportamento de incumprimento que ocorreu
no quadro das diligências adoptadas pelo Estado-membro para, de boa fé ou nem tanto, cumprir
o parecer fundamentado (v. acórdão de 10.03.1970, Comissão c. Itália, 7/69, n.ºs 4-5). Seria o
caso de, face a uma acusação de não transposição de directiva, adoptar uma legislação que, após
análise, se revela, afinal, contrária ou insuficiente ao definido pela directiva como objectivo de
harmonização das legislações nacionais. A legislação adoptada constituirá um incumprimento
diferente que reclama da Comissão a abertura de um novo procedimento pré-contencioso.
Se confrontada com uma decisão de inadmissibilidade do pedido por falta de identidade entre o
procedimento pré-contencioso e a petição, a Comissão pode optar pela repropositura da acção,
com dispensa da fase pré-contenciosa, se reformular o teor das acusações e conclusões no
sentido de garantir a sua coincidência com o parecer fundamentado (v. acórdão de 18.05.1995,
Comissão c. Itália, C-57/94, n.º 14).
4) Cumprimento posterior à extinção do prazo fixado no parecer fundamentado - a jurisprudência
do TJ também é sobre este ponto clara e reiterada: cumprimento, total ou parcial, posterior à
data fixada no parecer fundamentado, adoptado no período anterior à propositura da acção ou
já na sua pendência, é irrelevante como argumento de inadmissibilidade da acção por
incumprimento (v.g. acórdão de 03.06.2010, Comissão c. Espanha, C-487/08, n.ºs 35-36). A
existência do incumprimento deve ser apreciada em função da situação factual e normativa em
que o Estado-membro se encontrava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado. Para
o TJ, não existe inutilidade superveniente da lide dado o interesse, público e privado, no
apuramento exacto dos factos e das suas consequências jurídicas, nomeadamente no que
respeita a eventuais iniciativas contenciosas dos particulares em sede de acção de indemnização
por responsabilidade extracontratual do Estado-membro infractor. Por outro lado, não assiste ao
Estado-membro, autor do comportamento tardio, o direito a uma suspensão da instância na
expectativa de uma hipotética desistência da Comissão, na qualidade de demandante (v.
acórdão de 12.02.2002, Comissão c. Luxemburgo, C-366/00, n.º 12). Nos termos do artigo 148.º
RP, a desistência é uma prerrogativa, e não um dever, a exercer de acordo com critérios de
oportunidade pela parte demandante.
5) Prazo para a instauração da acção por incumprimento - a Comissão não está sujeita ao respeito
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de um prazo, seja para o início do procedimento por incumprimento seja para a instauração da
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acção por incumprimento, a contar do termo do prazo fixado pelo parecer fundamentado. Os
Tratados e a legislação processual não fixam qualquer prazo. A jurisprudência não invoca, neste

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caso, o critério subsidiário do prazo razoável que constituiria um limite ao poder discricionário
da Comissão que o TJ entende como o mais adequado à natureza da função que lhe está
reservada nesta via processual. Um período tão dilatado como sete anos entre a recepção da
resposta do Estado-membro ao parecer fundamentado e a propositura da acção não afecta a
admissibilidade do pedido, com o TJ a descartar a relevância de considerações ligadas ao
princípio de certeza jurídica, da confiança legítima ou da boa administração (v. acórdão de
01.02.2001, Comissão c. França, C-333/99, n.º 25). Importa, contudo, ressalvar que a demora na
instauração da acção pode fundamentar um veredicto de inadmissibilidade se 0 TJ concluir que o
decurso do tempo não lhe permite apreciar com clareza a alegada situação de incumprimento (v.
acórdão de 07.02.2013, Comissão c. Bélgica, C-122/11, n.º 50-51).

7.7.2. Exigências de prova


Sobre a parte demandante - a Comissão ou o Estado-membro no quadro do artigo 259.º TFUE - recai
o ónus de prova sobre a existência do incumprimento (v.g. acórdão de 15.07.2004, Comissão c. França, C-
419/03, n.ºs 7-8). Para tanto, não basta a citação singela das disposições supostamente contrariadas,
desprovida na sua invocação de carácter demonstrativo (v. acórdão de 29.1 1 .2001, Comissão c. Itália, C-
202/99, n.º 21). A argumentação desenvolvida na fase escrita e oral deve demonstrar, com grau suficiente
de evidência, a existência efectiva da situação de incumprimento (v.g. acórdão de 28.01.1986, Comissão c.
França, 188/84, n.ºs 38-39). Assim, a Comissão não se pode basear em meras presunções legais (v. acórdão
dc 05.10.1989, Comissão c. Países Baixos, 290/87, n.º l I). No caso de a legislação nacional em causa permitir
várias interpretações, a Comissão terá de provar que os tribunais nacionais ou as autoridades
administrativas seguem a interpretação contrária às obrigações eurocomunitárias (v. acórdão de 12.05.2005,
Comissão 0. Bélgica, C-287/03, n.ºs 28-30).

Por força do princípio da cooperação leal do artigo 4.º, n.º 3, TUE, ou de disposições específicas
previstas nas directivas, os Estados-membros estão obrigados a prestar à Comissão as informações
solicitadas, de forma precisa, clara e completa, sem comprometer, contudo, a estratégia de tutela legítima
dos interesses relevantes do Estado-membro sobre a matéria em causa. A recusa seca de fornecer os
elementos de informação especificados ou a sua prestação tardia são comportamentos passíveis de
fundamentar, de modo autónomo, uma acusação de incumprimento (v. acórdão de 16.06.2005, Comissão 0.
Itália, C-456/03, n.º 27). Em nossa opinião, importa, todavia, reconhecer que o princípio da cooperação leal
pressupõe um comportamento recíproco e nem sempre os serviços competentes da Comissão actuam da
forma mais objectiva e adequada na relação com as administrações dos Estados-membros. Por outro lado, a
cooperação leal não pode ser interpretada no sentido de exigir do Estado-membro a revelação de factos que
comprometam valores fundamentais, relacionados, por exemplo, com a segurança nacional ou direitos e
interesses legítimos de terceiros, como será o caso do segredo comercial de empresas.
93
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7.7.3. Argumentação de defesa dos Estados-membros

7.7.3.1. Precedentes pouco auspiciosos de defesa


São muito raros os exemplos que podemos citar de Estados-membros que admitem nos autos a
existência de incumprimento, mesmo nos processos relativos ao atraso na observância do dever de
transposição das directivas. Uma excepção terá sido a Alemanha ao apresentar, com comovente candura (!),
desculpas pela demora na transposição de uma directiva (v. acórdão de 13.11.1997, Comissão c. Alemanha,
C-236/96, n.º 5). A manifestação de mea culpa não é sequer uma boa estratégia de defesa, porquanto não
evita o juízo de incumprimento nem atenua as suas consequências. Num outro processo que envolveu a
Alemanha, o TJ não se coibiu de recorrer a um tom de censura ao declarar: “(...) um Estado-membro não
poderá exonerar-se de um incumprimento que lhe é imputado pelo simples reconhecimento da existência
desse incumprimento” (v. acórdão de 20.03.1986, Comissão c. Alemanha, Proc. 303/84, n.º 11).

São, igualmente, raros os exemplos de argumentos de defesa considerados procedentes.


Solidamente firmado sobre a concepção do incumprimento como situação objectiva, totalmente
independente da questão de saber se o comportamento foi doloso, meramente culposo ou apenas
negligente, o TJ, de modo consistente e implacável, reduz à irrelevância a estratégia de defesa do Estado-
membro baseada na invocação de dificuldades de ordem interna, designadamente relacionadas com a
organização territorial do Estado prevista na Constituição (v.g. acórdãos de 16.12.2004, Comissão c. Áustria,
C-358/03, n.ºs 12-13; de 26.05.2011, Comissão c. Espanha, C-306/08, n.º 84). Meios de defesa que são
comuns no quadro do Direito Internacional, como a chamada excepção de não cumprimento do tratado (v.
artigo 60.o CVDT-I) ou mesmo a alteração fundamental de circunstâncias (v. artigo 62.º CVDT-I), não são
susceptíveis de justificar o incumprimento quando este ocorre no seio de uma ordem jurídica autónoma que
não depende da natureza recíproca das obrigações assumidas pelos Estados-membros através dos Tratados
institutivos (v. acórdãos de 13.11.1964, Comissão c. Luxemburgo e Bélgica, Proc. 90/63, n.ºs 4-5; e de
29.03.2001, Portugal c. Comissão, C-163/99, n.º 22).

Por ser incompatível com a concepção objectivista da situação de incumprimento, não são
procedentes argumentos desenvolvidos em torno da ideia de ausência de prejuízo para a União, para outros
Estados-membros ou para os particulares.

Interpretando de forma correcta a orientação jurisprudencial que encolhe drasticamente as


hipóteses de defesa de um Estado-membro quando são invocadas razões de ordem substantiva ou política,
os representantes dos Estados-membros demandados (agentes ou advogados) optam - e bem - por explorar
a argumentação baseada nas falhas eventualmente cometidas pela Comissão no que toca às exigências de
natureza procedimental. A análise das estatísticas é concludente: é mais fácil obter do TJ um veredicto de
inadmissibilidade do que uma decisão absolutória de improcedência do pedido. Uma decisão de
inadmissibilidade carrega, contudo, o inconveniente de ser apenas uma meia vitória, porque a Comissão
pode, depois de suprir as deficiências procedimentais, voltar a instaurar a acção por incumprimento. Ainda
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com o recurso à estatística, verifica-se que a taxa de decisões favoráveis à Comissão que envolvem um
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veredicto de condenação do Estado-membro é muito elevada, tendo sido em 2015 superior a 80% dos

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pedidos julgados pelo TJ (v. Relatório da Comissão sobre o controlo de aplicação do Direito da União
Europeia. Relatório Anual de 2015, de 15.07.2016, p. 27).

Para além da defesa de base procedimental, vejamos, de seguida, outras possibilidades que,
verificado certo condicionalismo, têm merecido alguma abertura da parte do TJ.

7.7.3.2. Excepção de ilegalidade/ Excepção por inexistência jurídica


A invocação da ilegalidade do acto cuja violação fundamenta a acusação de incumprimento já foi
admitida pelo TJ como meio legítimo de defesa, embora concluísse, nos casos decididos, pela não verificação
dos pressupostos. Uma jurisprudência definida, no quadro da redacção anterior do (actual) artigo 277.° TFUE
e, por isso, limitada a actos regulamentares. Por outro lado, a sua invocação pelos Estados-membros só foi
considerada em casos excepcionais de ilegalidade grave e manifesta que afectaria a própria existência
jurídica do acto comunitário em causa (v. acórdãos de 10.12.1969, Comissão c. França, Procs. 6/69 e 11/69,
n.º 11-13; de 30.06.1988, Comissão c. Grécia. Proc. 226/87, n.ºs 15-16; de 27.06.2000, Comissão c. Portugal,
C404/97, n.º 35). Nestes casos, por se tratar, dada a abordagem jurisprudencial, de uma exceção por
inexistência jurídica do acto, entendemos que, em abstracto, a sua invocação é possível fora do âmbito de
aplicação do artigo 277.º TFUE, em relação a qualquer acto jurídico, normativo ou não normativo, ao qual,
por violação de requisitos fundamentais relativos à forma e ao conteúdo, falta a necessária base jurídica na
ordem comunitária. Em aresto posterior à entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o TJ continuou a distinção
funcional e processual entre, por um lado, a excepção de ilegalidade e, por outro lado, a excepção por
inexistência jurídica do acto. No caso Comissão c. República Checa, o acto em causa era uma decisão dirigida
ao Estado-membro que se defendeu com a ilegalidade da mesma, assim tentando colher justificação para o
incumprimento. Depois de recordar o sistema das vias de recurso instituídas pelo Tratado, o TJ rejeitou a
invocação da excepção de ilegalidade de uma decisão, porque não existe uma disposição do Tratado que o
permita (v. artigo 277.º TFUE que limita o controlo incidental de ilegalidade aos actos de alcance geral). Em
contrapartida, concede em abstracto, que “só assim não seria se o acto em causa estivesse afectado por
vícios particularmente evidentes a ponto de poder ser qualificado de acto inexistente".

7.7.3.3. Presunção de legalidade dos actos jurídicos da União


Acusado de violar uma norma do Tratado, um Estado-membro pode justificar-se com o dever de
aplicar um acto derivado, designadamente um regulamento ou directiva. O TJ já reconheceu, em virtude do
princípio da presunção de legalidade, que os actos jurídicos da União são obrigatórios enquanto não forem
revogados ou declarados ilegais, pelo que o Estado-membro estará vinculado ao dever de os aplicar na
ordem jurídica interna, ainda que um tal comportamento envolva violação de regras superiores do Tratado.
No caso Ouzo, o TJ acolheu a argumentação da Grécia em relação a uma directiva sobre tributação de
bebidas alcoólicas e declarou a acção improcedente (v. acórdão de 05.10.2004, Comissão c. Grécia, C-
475/01, n.ºs 18-26; no mesmo sentido, v. acórdão de 15.07.2010, Comissão c. Reino Unido, C-582/08. n.º 47-
48).
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7.7.3.4. Causas de força maior


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Se um Estado-membro recorrer ao argumento de motivos ponderosos de força maior que o


impediram ou impedem de cumprir as suas obrigações, deve estar preparado para demonstrar nos autos

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que são circunstâncias anormais, inevitáveis e que escapam ao seu controlo. De acordo com a jurisprudência
constante:

“O conceito de força maior deve ser entendido no sentido de circunstâncias


alheias a quem o invoca, anormais e imprevisíveis, cujas consequências não
poderiam ter sido evitadas, apesar de todas as diligências desenvolvidas” (v. acórdão
de 08.07.2000, Comissão c. Itália, C-334/08, n.º 46).

lnfere-se do histórico jurisprudencial que, na prática, se toma impossível aos Estados-membros fazer
a prova da existência de uma circunstância de recorte inexorável e objectivamente impeditivo da execução
da obrigação (v.g. acórdãos de 06.07.2000, Comissão c. Bélgica, C-236/99, n.ºs 21-22; de 05.10.2006,
Comissão c. Alemanha, C-105/02, n.º 89; de 04.03.2010, Comissão C. Itália, C-297/08, n.ºs 85-96).

7.7.3.5. Impossibilidade absoluta de execução


Apesar do pendor restritivo da prática aplicativa dos motivos de força maior, o TJ não deixa de seguir
o entendimento clássico que distingue força maior de impossibilidade absoluta de execução, ao conceder
que a força maior não tem de envolver a impossibilidade absoluta de cumprimento da obrigação (v.
Comissão c. Itália, de 04.03.2010, C-297/08, n.º 85). Nos processos por incumprimento em matéria de ajudas
de Estado (v. artigo 108.º, n.º 2, TFUE), é frequente a alegação sobre a impossibilidade absoluta de proceder
à recuperação do auxílio concedido, porque, por exemplo, a empresa beneficiária já não existe ou se
encontra insolvente. Note-se que, mantendo constante a trajectória, o TJ estima que a recuperação do
auxilio é exigível e possível mesmo que tenha por consequência a liquidação por insolvência da empresa
beneficiária (V. acórdãos de 15.01.1986, Comissão e. Bélgica, Proc. 52/84, n.º 14; de 05.05.2011, Comissão C.
Itália, C-305/O9, n.ºs 32-33). Como forma de evitar as consequências drásticas desta variante pretoriana do
adágio “dura lex, sed lex”, o TJ convida os Estados-membros a explorar as possibilidades de diálogo com a
Comissão:

“(...) ao executar uma decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado,


se um Estado-membro depara com dificuldades imprevistas e imprevisíveis ou toma
consciência de consequências não previstas pela Comissão deve submeter estes
problemas à apreciação desta última, propondo modificações adequadas à decisão
em causa. Neste caso, o Estado-membro e a Comissão devem por força da regras
que impõe aos Estados-membros e às instituições da União deveres recíprocos de
cooperação leal, que inspira, nomeadamente, artigo 10.º CE (actual artigo 4.º, n.º 3,
TUE), colaborar de boa fé com vista a superar as dificuldades, respeitando
plenamente as disposições dos Tratados nomeadamente as relativas aos auxílios (v.
acórdão de 05.05.2011, Comissão c: Itália, C-305/09, n.º 34).
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7.8. Efeitos do acórdão declarativo do incumprimento

7.8.1. Do incumprimento sem sanção ao incumprimento com (pesada e expedita)


sanção pecuniária
O acórdão que declara verificado o incumprimento goza da autoridade de caso julgado: é definitivo e
obrigatório para o Estado-membro condenado. Já em relação à Comissão não existirá fundamento para
afirmar um suposto dever de actuação em função do acórdão condenatório. Com efeito, o artigo 260.º, n.º
2, TFUE, relativo à segunda acção por incumprimento no caso de inexecução do primeiro acórdão
declarativo do incumprimento, reproduz ipsis verbis a formulação do artigo 258.º, parágrafo primeiro, TFUE,
interpretada reiteradamente pelo TJ como alicerce de uma competência discricionária de apreciação em
relação ao exercício pela Comissão da iniciativa contenciosa. Brevitatis causa, a Comissão não estará
obrigada, à luz do artigo 260.º, n.º 2, TFUE, a instaurar a segunda acção por incumprimento, pelo que a
autoridade de caso julgado do acórdão declarativo do incumprimento tem unicamente o Estado-membro
como destinatário. Até ao Tratado de Maastricht, a condenação equivalia a uma constatação do
incumprimento, limitado por uma eficácia apenas declarativa. O actual artigo 260.º, n.º 1, TFUE, reproduz a
versão originária da disposição, na formulação do Tratado de Roma: “Se o Tribunal de Justiça (da União
Europeia) declarar verificado que um Estado-membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe
incumbem por força dos Tratados, esse Estado deve tomar todas as medidas necessárias à execução do
acórdão d0 Tribunal” (ênfase acrescentada).

Uma obrigação sem sanção: se o Estado-membro condenado não adoptasse as medidas ou o fizesse
de modo tardio e incorrecto, a solução seria a instauração de uma segunda acção por incumprimento pela
Comissão, sob a acusação de violação do Tratado por inexecução do acórdão. Uma segunda condenação
poderia não ser suficiente para sanar o problema no caso de o Estado-membro persistir na situação de
incumprimento. Nos finais dos anos 80, em parte devido à intensificação da actividade harmonizadora das
Comunidades Europeias, aumentaram de modo preocupante os atrasos prolongados e, nalguns casos, de
assumida recalcitrância no que se refere ao dever de executar o acórdão declarativo do incumprimento.
Segundo dados fornecidos pela Comissão nos relatórios anuais submetidos ao Parlamento Europeu sobre “o
controlo de aplicação do direito comunitária”, em Julho de 1991, o TJ proferira 24 acórdãos de
incumprimento sobre incumprimento e sete processos aguardavam execução, em flagrante contraste com a
situação registada até 1980, com apenas duas decisões deste tipo. No espaço de uma década, a evolução
alarmou as instituições, em especial, a Comissão. Os Estados-membros reconheceram a necessidade de
conter o problema, com a introdução no Tratado de Maastricht da segunda acção por incumprimento,
destinada a obter do TJ a condenação do Estado-membro recalcitrante ao pagamento de sanções
pecuniárias (v. actual artigo 260.º, n.º 2). A gravidade do problema quanto à demora na execução do
acórdão está bem patente nos primeiros casos decididos pelo TJ sobre sanções pecuniárias: no primeiro
acórdão, Comissão c. Grécia (de 04.07.2000, C-387/97), o atraso foi de 8 anos; no caso Comissão c. França
(de 12.07.2005, C-304/02), estava em causa um acórdão proferido 14 anos antes, em Junho de 1991.
97

Por sua vez, o Tratado de Lisboa contribuiu para aperfeiçoar o mecanismo jurisdicional de aplicação
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das sanções pecuniárias no sentido de uma maior celeridade ao permitir, a montante, a simplificação da fase

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procedimental e a dispensa da primeira acção por incumprimento: 1) o artigo 260.º, n.º 2, TFUE, deixa de
exigir o parecer fundamentado; se a Comissão considerar que um Estado-membro não tomou as medidas
necessárias à execução do acórdão, pode submeter o caso ao TJ depois de ter dado ao Estado em causa à
possibilidade de apresentar as suas observações (carta de notificação de incumprimento, por analogia com o
artigo 258.°, parágrafo primeiro, TFUE); a experiência de funcionamento da segunda acção por
incumprimento, decalcada sobre o formato procedimental da primeira acção por incumprimento,
demonstrou que eram necessários vários anos, após a declaração de incumprimento, para obter a
condenação do Estado-membro relapso ao pagamento da sanção pecuniária; 2) aditamento do n.º 3,
parágrafo primeiro, TFUE, que, em relação à inobservância do dever de comunicar à Comissão as medidas de
transposição de uma directiva adoptada em processo legislativo, autoriza a Comissão, se o considerar
necessário, a submeter a0 TJ o pedido de declaração de incumprimento, desde logo acompanhado da
indicação do montante a pagar pelo Estado-membro a titulo de sanção pecuniária.

7.8.2. Sobre o âmbito (temporal e material) da obrigação de executar o acórdão


declarativo do incumprimento
Nos termos do artigo 260.º, n.º 1, TFUE, de acordo com a jurisprudência definida ao longo de mais
de cinco décadas de aplicação do mecanismo do incumprimento, o TJ exerce uma competência que, se se
verificarem os pressupostos do incumprimento, é meramente declarativa. Principais corolários desta
reconhecida limitação dos poderes judicativos: o TJ não pode determinar ou impor medidas específicas,
embora possa elaborar sobre o tipo e a extensão das possibilidades de regularização existentes no caso
concreto ou indicar medidas que avalia como necessárias e adequadas à eliminação do incumprimento (v.
Conclusões do Advogado-Geral V. Trsteujak, de 28.03.2007, Proc. C-503/04. n.º 41); do mesmo passo, o TJ
não pode fixar o prazo para a adopção das medidas pelo Estado-membro. Por outro lado, e dada a natureza
não federal do modelo eurocomunitário de aplicação judicial do Direito da União, o acórdão declarativo do
incumprimento veicula um juízo de desconformidade do Direito Nacional com o Direito da União, mas dele
não resulta a consequência de invalidade ou de inaplicabilidade da norma interna declarada contrária. Essa é
uma competência exclusiva dos tribunais nacionais, a exercer no quadro definido pelo Direito Interno, em
especial pela Lei Fundamental.

É reconhecidamente diferente a natureza do acórdão proferido sobre o incumprimento, que se


apresenta como processo declarativo, quando comparada com a natureza ou função do acórdão relativo à
verificação da inexecução do primeiro acórdão, que o TJ caracteriza como “processo judicial especial de
execução de acórdãos do Tribunal de Justiça, ou seja, um processo executivo”.

Na ausência de prazo definido pelo Tratado, o TJ tem considerado que a execução do acórdão deve
ser iniciada e completada o mais rapidamente possível (v.g. acórdão de 12.02.1987, Comissão c. Itália, Proc.
69/86, n.º 8). Confrontado com o pedido da concessão de um prazo mais dilatado para dar cumprimento às
exigências comunitárias, dada a necessidade de proceder a grandes reformas constitucionais e legislativas, o
TJ foi peremptório no sentido de lhe não ser possível conceder ou determinar prazos específicos (V. acórdão
98

de 02.07.1996, Comissão c. Luxemburgo, C-473/93, n.ºs 51-52).


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Questão diferente é a da competência do TJ para, por razões de segurança jurídica ou grave


repercussão económica, e sempre a titulo excepcional, limitar no tempo os efeitos da sentença condenatória
(v. acórdão de 15.12.2009, Comissão c. Itália, C-3 87/05, n.º 59). São particularmente estritos os critérios de
justificação da limitação temporal, incluindo a circunstância de os particulares e as autoridades do Estado
terem sido incitados a adoptar certo comportamento contrário à regulamentação eurocomunitária, com a
eventual participação de outros Estados-membros e da própria Comissão (v. Comissão c. Itália, cit., n.º 58).

O efeito obrigatório de caso julgado vincula o Estado-membro no âmbito de qualquer uma das
funções comummente associadas ao exercício do poder estadual, designadamente a função legislativa, a
função executiva e a função judicial. Saber qual o órgão interno ou qual a entidade estadual que deve
adoptar as medidas necessárias é uma questão a resolver à luz da Constituição e das leis internas.

Embora o acórdão declarativo do incumprimento tenha por destinatário o Estado-membro em


causa, os particulares beneficiam, de modo reflexo, dos efeitos da decisão proferida pelo TJ ao abrigo do
artigo 260.°, n.º 1, TFUE. A invocação do acórdão pelos particulares será possível e potencialmente favorável
em três situações: 1) em relação às disposições dotadas de efeito directo, solicitando a sua aplicação em
detrimento da legislação interna julgada contrária ao Direito da União (v. acórdão de 14.12.1986,
Waterkeyn, Proc. 314 a 316/81 e 83/82, n.ºs 15-16); 2) no quadro de uma acção de indemnização por
responsabilidade extracontratual do Estado-membro, instaurada junto dos tribunais nacionais; importa,
contudo, clarificar que a existência do acórdão condenatório não é condição necessária, tão-pouco
suficiente, para o reconhecimento do direito à indemnização, dependente da verificação de uma violação
suficientemente caracterizada do Direito da União; de acordo com o definido no caso Brasserie du Pêcheur, a
existência de um acórdão anterior em que o TJ reconhece o incumprimento é um elemento certamente
determinante, mas não indispensável, para verificar se a condição da violação qualificada da legalidade
comunitária se encontra satisfeita ; 3) no direito processual português, com base no artigo 696º, alínea f),
CPC, uma decisão transitada em julgado pode ser objeto de recurso extraordinário de revisão quando seja
inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado
Português, disposição que, embora oblíqua no traçado do seu exato âmbito de aplicação, circunscrita pela
maioria da doutrina à jurisprudência proferida pelo TEDH, nos parece invocável em relação a um acórdão
declarativo de incumprimento imputável ao Estado Português, proferido pelo TJ.

7.9. Incumprimento Qualificado e Sanções Pecuniárias

7.9.1. Aspetos Gerais


Nos termos do artigo 260.º/2 TFUE, compete à Comissão, na qualidade de guardiã dos Tratados que
vela pela aplicação dos Tratados (art.17º/1 TUE), verificar se o Estado-membro adotou as medidas
necessárias à execução do acórdão. Sobre a Comissão recai um dever de diligência em relação a qualquer
acórdão declarativo do incumprimento, nos termos do artigo 260.º, nº1 TFUE. O incumprimento de um
acórdão proferido em acção Estado-membro c. Estado-membro, com fundamento no artigo 259.º TFUE,
99

pode, assim, por iniciativa da Comissão, e apenas desta, dar lugar à aplicação de sanções pecuniárias.
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Quando outras disposições do Tratado remetem para o artigo 258.º TFUE, como acontece com o artigo 271º

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alínea a) e alínea d), neste caso, tendo os bancos centrais nacionais como demandados e destinatários da
obrigação de execução do acórdão, não cabe no âmbito da remissão o regime específico do artigo 260.º, n.º
2, TFUE, limitado no seu perímetro de aplicação às decisões proferidas no quadro do artigo 260.º, n.º 1,
TFUE, que Em os efeitos do acórdão na acção por incumprimento de regime comum.

Pertence à Comissão a decisão sobre o momento adequado de iniciar o procedimento pré-


contencioso contra o Estado-membro, desde que o faça nos limites temporais condizentes com a noção
jurídica de “prazo razoável” que o Estado-membro dispõe para providenciar a execução do acórdão
declarativo do incumprimento. Se em relação à verificação do estádio de execução do acórdão admitimos a
existência de um dever de diligência por parte da Comissão, susceptível, em caso de violação, de justificar
um recurso por omissão contra a Comissão, já no que se refere à instauração da segunda acção por
incumprimento, reiterando o que dissemos a este propósito, a Comissão goza de uma competência de livre
apreciação sobre a oportunidade e a conveniência de o fazer.

O artigo 260.º, n.º 3, TFUE, disposição enxertada pelo Tratado de Lisboa, dispensa a fase pré-
contenciosa, permitindo à Comissão que na acção proposta ao abrigo do artigo 258.º TFUE solicite ao
Tribunal, a par da declaração de incumprimento, a condenação do Estado demandado ao pagamento de
quantia fixa ou sanção pecuniária compulsória. Esta hipótese mais expedita de 2 em 1 (declaração de
incumprimento + condenação ao pagamento de sanção pecuniária) está, contudo, limitada a uma ocorrência
padrão de incumprimento: a não comunicação pelo Estado-membro das medidas de transposição de uma
directiva que, por ter sido adoptada no quadro do processo legislativo (v. artigo 289.º TFUE), é uma directiva
legislativa. De acordo com a Comunicação da Comissão sobre a aplicação do artigo 260.º, n.º 3, TFUE, esta
disposição especial “abrange tanto a ausência total de comunicação de medidas de transposição de uma
directiva como o caso de comunicação parcial de medidas de transposição. Se o Estado-membro fornecer
todas as explicações necessárias sobre a forma como entende que deu cumprimento à obrigação de
transposição, não se aplica o artigo 260.º, n.º 3, TFUE, reservado para a violação do dever procedimental de
comunicação pelo Estado-membro à Comissão das medidas de transposição de uma directiva legislativa.
Qualquer eventual dissidio sobre o carácter suficiente ou adequado das medidas de transposição terá de ser
enquadrado pelo mecanismo-regra do artigo 258.° TFUE e do artigo 260.°, n.º2, TFUE.

7.9.2. A fase pré-contenciosa da acção por incumprimento qualificado ou ”duplo


incumprimento"
O artigo 260.º, n.º 2, TFUE, é caracterizado pelo TJ como um processo judicial especial de execução
dos acórdãos declarativos do incumprimento, pelo que só podem ser considerados os incumprimentos como
tal declarados no primeiro acórdão (v. acórdão de 10.09.2009, Comissão c. Portugal, C-457/07, n.º 46). Um
dos aspectos mais controvertidos é, justamente, o de saber se o Estado-membro deu ou não deu execução
ao acórdão, o que implica, designadamente, a necessidade por parte do TJ de interpretar o alcance da sua
primeira decisão. Não pode, contudo, reabrir o debate em tomo das obrigações que foram declaradas
100

violadas, cuja definição está protegida pelo princípio do caso julgado. O TJ reconhece, por outro lado,
importância especial aos direitos de defesa do Estado-membro que não devem ser negligenciados na fase
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pré-contenciosa (v. Comissão c. Portugal, cit., n.º 54).

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O artigo 260.º, n.º 2, TFUE, foi decalcado da fase pré-contenciosa do artigo 258.º TFUE, encurtada
com o Tratado de Lisboa que dispensa a emissão de parecer fundamentado. A Comissão tem de respeitar
um princípio de simetria funcional entre a fase pré-contenciosa da primeira acção por incumprimento e a
fase pré-contenciosa, ainda que abreviada e reduzida à carta para cumprir, da segunda acção por
incumprimento. Assim, a Comissão não pode, com base no artigo 260.º, n.º 2, TFUE, ampliar ou de algum
modo alterar o objecto do litigio, alegando novas acusações na petição relativamente ao que foi dito na
carta dirigida ao Estado-membro na fase pré-contenciosa. Pode, eventualmente fazê-lo apenas no caso
identificado de ter ocorrido uma alteração legislativa interna posterior à carta de notificação para cumprir se
directamente relacionada com o objecto da acusação. No quadro do artigo 260.º, n.º 2, TFUE, a Comissão é
obrigada a especificar com clareza os pontos cm que o Estado-membro não deu execução ao acórdão sob
pena de o pedido ser declarado inadmissível.

No primeiro caso proferido após a vigência da nova redacção do artigo 260.°, n.º 2, TFUE, o TJ
adaptou o sentido da sua jurisprudência: a data de referência para a consideração do incumprimento
relativo à inexecução do acórdão passou a ser o prazo previsto na carta de notificação para cumprir (v.
acórdão de 11.12.2012, Comissão c. Espanha, C-610/ 10, n.º 66-67). Não tendo a questão sido versada neste
primeiro aresto, parece-nos que, em nome dos direitos de defesa dos Estados-membros e da razão de ser de
uma fase pré-contenciosa, se devem agora considerar aplicáveis à carta de notificação de incumprimento as
exigências outrora elaboradas sobre o parecer fundamentado (v. Comissão c. Portugal, cit., n.º 54 e segs.).

7.9.3. Sanções pecuniárias aplicáveis: quantia fixa e/ou sanção pecuniária


compulsória
O artigo 260.º, n.º 2, T F UE autoriza a aplicação de dois tipos de sanção pecuniária a pagar pelo
Estado-membro demandado em sede de incumprimento sobre incumprimento:

⎯ Quantia fixa (em inglês, lump sum; em francês, somme forfaitaire): condenação ao
pagamento de uma multa de montante fixo, sob a modalidade de quantia fixa mínima ou,
nos casos de demora persistente e especialmente lesiva dos interesses dos outros Estados-
membros e dos particulares, sob a modalidade de quantia fixa agravada. A sua função é,
basicamente, a de sancionar o incumprimento consumado.
⎯ Sanção pecuniária compulsória ou periódica (em inglês, penalty payment; em francês,
astreinte): soma variável, calculada, em princípio, por dia de atraso ou em função de outros
períodos temporais, como trimestre, semestre, ano, a contar do dia seguinte ao dia de
prolação do acórdão condenatório ao pagamento da sanção até ao dia em que se considere
que o Estado-membro esgotou as suas obrigações de execução do acórdão. A função
primordial da sanção pecuniária periódica é a de persuadir o Estado-membro recalcitrante a
pôr fim, de modo rápido e completo, ao incumprimento (no direito português, encontramos
figuras dc recorte processual e função análogos no artigo 829.º A do Código Civil e artigo
101

169.° do CPTA).
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7.9.4. Âmbito da competência sancionatória do Tribunal de Justiça, com base no


artigo 260º/2 TFUE
A letra do artigo 260º/2 é clara sobre a repartição de competências entra a Comissão e o TJ: a
Comissão propõe o montante da sanção pecuniária, o TJ decide. Ao fazê-lo, o TJ dispõe de uma ampla
margem de decisão cuja liberdade se reflete sobre vários aspetos fundamentais: 1) se há ou não
incumprimento do primeiro acórdão, proferido ao abrigo do artigo 258º TFUE; 2) mesmo no caso afirmativo,
se há ou não lugar à aplicação de sanção pecuniária, já que o artigo 260.º, n.º 2, parágrafo segundo, TFUE,
caracteriza esta competência como o exercício de uma faculdade (“pode”) e não em termos de consequência
automática que resultaria da verificação do incumprimento; 3) determinação do montante da quantia fixa e
dos critérios de quantificação da sanção pecuniária compulsória, liberdade que, no quadro do artigo 260.º,
n.º 3, TFUE, é mais restrita, porquanto o TJ está condicionado pelo limite do montante indicado pela
Comissão, entendido no sentido de não poder ultrapassar o montante máximo proposto, sem prejuízo de
uma decisão que aplique um valor inferior ao indicado pela Comissão; 4) aplicação de sanção mesmo na
ausência de proposta da Comissão nesse sentido (v. Comissão c. Alemanha, de 18.07.2007, C-503/04, n.º
22).

Uma primeira e muito eloquente manifestação da liberdade decisória que o TJ se permite exercer foi
a interpretação sobre o carácter alternativo ou cumulativo da sanção fixa e da sanção variável. A letra do
preceito não suscitaria prima facie dúvidas: condenação do Estado-membro “ao pagamento de uma quantia
fixa ou progressiva correspondente a uma sanção pecuniária” (ênfase acrescentada). Num exercício
audacioso de hermenêutica jurídica, o Juiz da União não se deixou pear pelo sentido comummente
associado à conjunção “ou”, tida como sinónimo de alternativa entre duas possibilidades, concluindo, por
apelo a uma interpretação teleológica e funcionalista, que poderia aplicar uma dupla sanção:

A aplicação de uma ou outra das duas medidas depende da adequação de cada uma
delas para alcançar o objectivo prosseguido, em função de circunstâncias do caso. Se a
aplicação de uma sanção de montante progressivo se afigura especialmente adaptada para
incitar um Estado-membro a pôr termo, o mais rapidamente possível, a um incumprimento
que, na falta de tal medida, tem tendência para persistir, uma sanção de montante fixo
resulta sobretudo da apreciação das consequências da não execução das obrigações do
Estado-membro em causa para os interesses privados e públicos, designadamente quando o
incumprimento tiver persistido por um longo período desde o acórdão que inicialmente o
declarou. Nestas condições, não está excluído o recurso aos dois tipos de sanções previstas
no artigo 228. º, n.º 2, CE.

O caso Comissão c. França deu lugar a uma jurisprudência iterativa de aplicação cumulativa dos dois
tipos de sanções, cujo exemplo mais recente, e justificadamente comentado na comunicação social
portuguesa, foi o processo contra Portugal sobre o atraso na transposição da directiva relativa ao
102

tratamento de águas residuais urbanas, com a condenação ao pagamento de três milhões de euros a titulo
de quantia fixa e 8000 euros por dia, a contar da data do acórdão até à execução integral do primeiro
Página

acórdão (v. C-557/04, de 22.06.2016). Uma pesada sanção que poderá atingir valores muito avultados se as

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autoridades portuguesas insistirem que, por falta de verba, e como já foi argumentado nos autos, só em
2019 terão condições para concluir as infraestruturas necessárias ao tratamento secundário das águas
residuais urbanas. O valor diário da sanção periódica visa, justamente, obrigar as autoridades portuguesas a
fazer contas para concluir que fica mais barato, passados sete anos sobre o acórdão de 2009, avançar com as
obras exigidas, aplicando em investimento fundamental para a qualidade de vida nas cidades o que se poupa
no montante que cresce todos os dias e acaba nos cofres da União.

O propósito declarado do TJ é, através da sanção pecuniária, de preferência na modalidade de dupla


sanção, exercer sobre o Estado-membro recalcitrante pressão económica como factor efectivo de persuasão
no sentido de pôr fim ao incumprimento.

A aplicação da sanção pecuniária compulsória só terá lugar se o incumprimento se mantiver na


pendência da segunda acção por incumprimento. Em contrapartida, mesmo que o Estado-membro adopte
as medidas necessárias à execução do acórdão inicial durante o período que medeia entre a instauração da
segunda acção por incumprimento e a decisão do TJ , tal pode não ser suficiente para evitar a quantia fixa
com a qual visa punir o comportamento passado, ainda que corrigido no decurso do processo executivo. A
decisão sobre a necessidade da multa neste contexto depende de uma apreciação que compete, sem limites
ao TJ . É certo que a redacção do parágrafo segundo do n.º 2 do artigo 260º TFUE, na parte em que prevê
que o TJ “pode” condenar o Estado-membro ao pagamento da multa ou da sanção pecuniária compulsória,
não distingue a natureza dos poderes de apreciação do TJ consoante o tipo de sanção. Não obstante,
considerando a função prosseguida pela aplicação da multa, distinta da função subjacente à imposição da
sanção periódica, como foi expressamente reconhecido pelo TJ, entendemos que, em relação ao futuro e ao
objectivo premente de incitar o Estado-membro a executar o acórdão, o TJ não goza de uma margem
equivalente de livre decisão.

De acordo com jurisprudência fixada pelo TJ, a aplicação da sanção pecuniária compulsória, em
função da sua natureza coerciva que visa a aplicação uniforme e efectiva do Direito da União, depende da
apreciação dos seguintes critérios:

⎯ A duração da infracção;
⎯ O grau de gravidade;
⎯ A capacidade de pagamento do Estado-membro em causa;
⎯ Complementarmente, a consideração das consequências do não cumprimento para os
interesses privados e públicos e a urgência em levar o Estado-membro a cumprir as suas
obrigações.

No caso de o Estado-membro já ter adoptado algumas das medidas integradas no perímetro de


execução do acórdão, a sanção pecuniária deve reflectir o reconhecimento dos progressos alcançados (v.
acórdão de 23.11.2003, Comissão c. Espanha, C-278/01, n.º50), podendo mesmo o TJ diferir o início dos
103

efeitos da sanção pecuniária compulsória (v. acórdão de 07.07.2009, Comissão c. Grécia, C-369/O7, n.º 125).
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No caso Comissão c. Itália, relativo à recuperação de ajudas de Estado, o TJ admitiu que o princípio da

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sanção pecuniária degressiva se justifica, em especial, nos casos de reconhecida dificuldade em garantir uma
execução rápida e completa do acórdão (v. C-496/06, de 17.11.2011, n.º 32).

7.9.5. E Execução do acórdão condenatória ao pagamento de sanção pecuniária


Quando o TJ condena o Estado-membro ao pagamento de sanções pecuniárias, ao abrigo do artigo
260.º, n.º 2, TFUE, ou do n.º 3 do mesmo preceito, o Estado-membro condenado deve pagar a quantia fixa
imediatamente e continuar a pagar a sanção pecuniária compulsória até dar execução completa às
obrigações previstas nos acórdãos condenatórios.

Acontece que os Tratados não definem regras próprias sobre o procedimento de execução da
sentença condenatória. De acordo com o procedimento geral, a sanção pecuniária, fixa ou compulsória,
deve ser paga à Comissão por depósito na conta “recursos próprios da União Europeia”. É a Comissão que,
nos termos do artigo 317.º TFUE, executa o orçamento da União e, por isso, lhe incumbe a obrigação de
cobrar os montantes devidos ao orçamento da União, em conformidade com as disposições dos
regulamentos financeiros adoptados com base no artigo 322.º TFUE. O que acontece se o Estado-membro se
recusa ou procrastina o pagamento? Mais uma vez, temos de nos socorrer das regras gerais: o artigo 280.º
TFUE determina que os acórdãos do TJ “têm força executiva nos termos do artigo 299.º” que, por sua vez,
exclui o mecanismo da execução forçada contra Estados-membros. Assim sendo, ao recusar-se a pagar, o
Estado-membro viola uma obrigação que o vincula por força do Tratado e, neste caso hipotético e já
extremado de violação reiterada, a Comissão teria de recorrer ao procedimento de incumprimento do artigo
258.º TFUE. Não deixará de causar estranheza a circularidade que pode tomar este eventual contencioso
entre Comissão e Estado-membro, mas a solução é a expressão directa da recepção pelos Tratados do
princípio basilar do Direito Internacional Público sobre a soberania dos Estados-membros e o seu corolário
em matéria de imunidade jurisdicional. Podem, contudo, a montante, surgir dúvidas sobre a quantia a pagar
a titulo de sanção variável em função, designadamente, do período relevante de contabilização e da questão
de saber se foram ou não cumpridas pelo Estado-membro as obrigações cuja inobservância está na base da
aplicação da sanção periódica. Divergências entre a Comissão e o Estado-membro sobre estas questões
relativas à execução do segundo acórdão condenatório estão na origem da já chamada fase pós-contenciosa
enquadrada, até agora, por dois precedentes jurisprudenciais.

No caso Portugal c. Comissão, de 29.03.2011 (T-33/09), o TG pronunciou-se sobre um recurso de


anulação interposto pelo Governo Português da decisão da Comissão relativa ao pagamento da sanção
pecuniária compulsória devida em execução do acórdão de 10 de Janeiro de 2008 (Comissão c. Portugal C-
70/06). Embora reconhecendo que a Comissão é competente para proceder à recuperação das somas a
pagar a título de sanção pecuniária, o TG estimou que a determinação dos direitos e obrigações dos Estados-
membros deve resultar sempre de um acórdão do TJ. Se for possível inferir com clareza o âmbito de tais
direitos e obrigações, o Estado-membro deve conformar-se com a decisão aplicativa da Comissão; se dela
discordar, tem acesso à impugnação da legalidade da decisão da Comissão, via artigo 263.º, TFUE, que não
104

pode, contudo, decidir sobre a questão do incumprimento. Está em causa o monopólio de jurisdição do TJ
em matéria de incumprimento. Se a decisão executiva da Comissão for declarada nula, nos termos e para os
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efeitos do artigo 264.º TFUE, por aresto do TG, eventualmente confirmado pelo TJ em caso de recurso,

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subsistindo a divergência sobre a persistência ou não de incumprimento, a Comissão será obrigada a


desencadear o procedimento do incumprimento, nos termos do artigo 258.º TFUE. No caso Portugal c.
Comissão, o TG acabou por reconhecer que a Comissão ultrapassou os respectivos poderes de execução,
quando se pronunciou sobre a legislação portuguesa que alterou o regime da responsabilidade
extracontratual do Estado e a subsistência do incumprimento e, por conseguinte, declarou a nulidade da
decisão da Comissão. O entendimento definido pelo TG mereceu pleno acolhimento no TJ que negou
provimento ao recurso interposto pela Comissão (v. acórdão de 15.01.2014, Comissão c. Portugal, C-292/11
P) e, do mesmo passo, contribuiu para consolidar os critérios relevantes de delimitação de competências
entre, por um lado, o TJ , que define o âmbito do incumprimento, e, por outro lado, a Comissão que garante
a execução da sanção aplicada. Oito Estados-membros participaram neste processo perante o TJ como
partes intervenientes em apoio da República Portuguesa, o que é elucidativo da importância da questão.

No caso França c. Comissão, o segundo caso sobre esta problemática, proferido alguns meses
depois, o TG confirmou a orientação seguida no caso português, mas, em função de circunstâncias concretas
do processo, concluiu pela improcedência do pedido de anulação da decisão da Comissão, rejeitando a tese
sobre a competência da Comissão ou do TG para reduzir o montante da sanção pecuniária compulsória por
se tratar de competência exclusiva do TJ. Em suma, sem prejuízo dos direitos processuais de activação desta
fase pós-contenciosa, TG e TJ fixaram uma jurisprudência que clarifica a delimitação de competências entre,
por um lado, o próprio TJ, titular exclusivo do poder de declaração do incumprimento e de determinação do
seu âmbito e, por outro lado, a Comissão à qual incumbe garantir a execução do acórdão condenatório. Ao
fazê-lo nos dois casos citados, TG e TJ preveniram a indesejável multiplicação de recursos de anulação em
tomo da execução do acórdão condenatório.

7.10. Modalidades preventivas e extrajudiciais de controlo do incumprimento


A lógica de funcionamento subjacente à existência nos artigos 258.º TFUE e 259.º TFUE de uma fase
pré-contenciosa aperfeiçoada e consolidada ao longo de décadas pela prática institucional, enquadrada pelo
princípio da cooperação leal é a de, sempre que possível, evitar o recurso ao tribunal. A montante da fase
pré-contenciosa prevista pelo Tratado, Comissão e Estados-membros desenvolveram mecanismos expeditos
de prevenção e resolução extrajudicial de conflitos gerados por uma alegada violação dos Tratados e da
legislação eurocomunitária pelas autoridades nacionais competentes. No seu formato e nos objectivos que
os orientam, estes mecanismos replicam uma conhecida estratégia do paradigma da justiça pós-estadual no
sentido de favorecer a solução dos litígios entre o Estado e os cidadãos fora dos tribunais:

⎯ Centros SOLVIT - modelo proposto pela Comunicação da Comissão ao Conselho, ao


Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões, relativa a um
sistema eficaz de resolução de problemas no mercado interno, funciona desde 2002. O
objectivo é o de conseguir no prazo máximo de dez semanas uma resposta para um
problema identificado pelos cidadãos e pelas empresas de violação das regras do mercado
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interno pelas administrações nacionais. O sistema SOLVIT é constituído por uma rede de
centros de coordenação existentes em cada Estado-membro (todos os Estados-membros e
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também, no quadro do Espaço Económico Europeu, a Noruega, Islândia e Liechtenstein) e

DANIEL VIEIRA LOURENÇO


DIREITO DO CONTENCIOSO DA UNIÃO EUROPEIA | 4º ANO

aos quais se podem dirigir os cidadãos e as empresas, de preferência através da internet. Do


seu campo de aplicação, estão excluídos: 1) situações puramente internas a um Estado-
membro; 2) casos relacionados com a não transposição das directivas; 3) litígios pendentes
de decisão judicial no quadro do TJUE ou dos tribunais nacionais; 4) conflitos entre
particulares, designadamente Empresas. A intervenção dos centros SOLVIT revela particular
eficácia na resolução de conflitos transfronteiriços relativos à existência de entraves por
parte das administrações nacionais nos domínios do acesso aos mercados, direito à saúde,
segurança social e ensino. Em Portugal, o centro SOLVIT está sediado no Ministério dos
Negócios Estrangeiros.
⎯ Sistema EU-Pilot - lançado por iniciativa da Comissão em 2008, arrancou com 15 Estados-
membros, incluindo Portugal, e a partir de Julho de 2013 passou a integrar todos os
Estados-membros. Funciona como uma plataforma electrónica que é accionada pela
Comissão e pelos Estados-membros para comunicar e esclarecer questões, legais ou
materiais, relacionadas com a (des)conformidade do direito nacional com o Direito da
União, garantida a observância de prazos de tramitação. O sistema tem a vantagem da
rapidez e da confidencialidade na relação entre os serviços da Comissão e as autoridades
nacionais, tendo como objectivo, numa fase precoce do problema, encontrar, por via
informal, a solução mais adequada que, se resultar, tornará desnecessária a abertura do
procedimento pré-contencioso. Não se aplica à situação tipificada da não transposição de
uma directiva, o que não impede que possa ser utilizado nos casos de transposição parcial
ou incorrecta, se a Comissão assim o entender.

Os dois sistemas SOLVIT e EU-Pilot são de natureza informal e facultativa no que respeita à
participação e colaboração das autoridades nacionais.

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DANIEL VIEIRA LOURENÇO

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