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Prática Processual Penal

Ordem dos Advogados

Práticas Processuais Penais

Dr. José João Torrinha

Programa:
1.ª Parte: sujeitos do processo penal
2.ª Parte: domínio do Código de Processo Penal

Bibliografia:
 Cadernos do CEJ de Processo Penal do Dr. Germano Marques da Silva
 Código de Processo Penal anotado de Pinto de Albuquerque.

Abordagem ao Código de Processo Penal


(sua estrutura e formas de maneja-lo)

O CPP tem duas partes:

1. Parte geral → aplica-se às diversas fases processuais, ou seja, tem uma aplicação
genérica a todo o processo penal. Esta parte tem os sujeitos processuais, os actos
processuais, a prova, medidas de coacção e relações com autoridades
estrangeiras.

2. Parte especial → segunda metade do CPP, que vai tratando fase a fase do
processo, ou seja, são normas específicas em cada uma das fases.
Nomeadamente, as fases preliminares, o inquérito, a instrução, o julgamento, e
também os processos especiais, recursos e as execuções. Na parte final ainda
refere as custas.

A parte geral do CPP

A parte geral do CPP vai do art. 1.º ao art. 240.º CPP. Começa por ter uma primeira
parte das “disposições preliminares”, que constam dos arts. 1.º a 7.º CPP. Estas
“disposições preliminares” estão divididas em duas partes:
1) Art. 1.º CPP – este art. é muito importante, pois trata das definições legas,
define determinados conceitos que vão aparecer ao longo do CPP, e muitas
vezes vamos ter de recorrer a este art. 1.º para resolver casos concretos.
2) Arts. 2.º a 7.º CPP – são no fundo princípios gerais do processo penal,
nomeadamente o princípio da legalidade, princípio da subsidariedade das
normas de processo penal a outros processos, princípio da integração de lacunas,
aplicação da lei processual no tempo e espaço e princípio da suficiência do
processo penal. São princípios gerais também igualmente importantes.

Esta parte geral do código está depois dividida em Livros, sendo que o primeiro livro
trata dos sujeitos do processo.

Sujeitos do processo
(arts. 8.º a 84.º do Livro I CPP)

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Principais sujeitos que intervêm no processo:


 Juiz
 Tribunal
 MP
 OPC
 Arguido
 Defensor do arguido
 Assistente
 Partes civis

Existem outros sujeitos que intervêm no processo penal, mas esporadicamente, com
pouca relevância.

 Assistente

Quem é o assistente?
Grosso modo, podemos dizer que é o ofendido, ou seja, o titular dos interesses que a
norma visa defender, pois este pode querer intervir activamente no processo. Então,
constitui-se como assistente, passa a ser uma parte processual subordinada ao MP, e,
como tal, terá poderes de acusar, requerer a abertura de instrução, recorrer.
Se o ofendido não resolver constituir-se como assistente, terá um papel essencialmente
passivo.
O assistente é então, grosso modo, o ofendido, embora possam existir outros assistentes.

 Partes civis

Por vezes o processo penal e o processo civil podem cruzar-se. Num processo penal
pode caber também um processo civil enxertado, ou seja, se houver lesados de um crime
que foi praticado, isto é, se houver danos, estes lesados podem no processo penal fazer
valer os seus direitos, daí que se enxerte uma acção civil num processo penal.

Actos processuais
(arts. 35.º a 123.º CPP, Livro II)

Nesta parte dos actos processuais existem normas muito importantes, nomeadamente as
referentes à publicidade e ao segredo de justiça. Esta matéria foi profundamente alterada
com a última revisão do CPP. A regra passou a ser a publicidade, e o segredo passou a
ser a excepção.

Normas muito importantes desta parte do Código são as respeitantes à forma dos actos e
ao tempo dos actos.

Tempo dos actos


(arts. 103. ss. CPP)

As normas dos arts. 103.º e 104.º CPP respeitam à contagem dos actos.

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É muito importante o art. 113.º CPP, referente às notificações, que está na parte das
“comunicações dos actos”, pois para contar um prazo é preciso saber quando as pessoas
são notificadas, para determinar quando se começa a contar o prazo.

Remissão: arts. 103.º e 104.º CPP → 113.º CPP

Nulidades
(arts. 118.º a 123.º CPP)

Sai sempre em exame.

Prova
(Livro III)

Existem disposições gerais relativas ao “objecto da prova”, “legalidade da prova”,


“métodos proibidos da prova” e “livre apreciação da prova”.
Depois existe uma segunda parte relativa aos vários tipos de prova que normalmente
são usados em processo penal:
 “Prova testemunhal”. É a prova rainha quer em processo penal, quer em
processo civil, mas que é no entanto a prova mais falível, pois existem sempre
contradições;
 “Declarações do arguido”. Aqui o arguido tem o direito ao silêncio, isto é um
princípio absoluto. Este princípio tem diversas facetas, ou seja o arguido quem
não só o direito de não prestar qualquer tipo de declaração, como também tem
direito de responder a algumas perguntas e não a outras;
 “Prova por acareação”. Trata-se no fundo de quando duas testemunhas entram
em contradição, o tribunal pode acarea-las, ou seja, chama-las e confronta-las. É
um meio de prova em desuso em que tem cada vez menos apoiantes.
 “Prova por reconhecimento”. Coloca-se o suspeito entre outras pessoas com
roupas similares.
 “Prova por reconstituição de facto”. Tenta-se reconstituir a factualidade tal como
ela teria acontecido. Ocorre muitas vezes nos acidentes de viação.
 “Prova pericial”.
 “Prova documental”. Traduz-se na junção de documentos aos autos.

Ainda quanto à matéria da prova, temos os “meios de obtenção de prova”. Salientam-se


aqui:
 Exames;
 Revistas;
 Buscas;
 Apreensões;
 Escutas telefónicas.

A diferença entre as revistas e as buscas é que a revista é feita a pessoas e a busca é


feita a locais.

Medidas de coacção
(arts. 191.º a 228.º CPP)

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Esta matéria tem uma parte que trata das disposições gerais das medidas de coacção,
dos diversos princípios para a aplicação de toda e qualquer medida de coacção.
Depois tem uma forte que trata individualmente de cada uma destas medidas. Aqui
vamos ver as medidas de coacção da menos grave à mais grave, ou seja, o TIR, a
caução, a obrigação de apresentação periódica, a suspensão do exercício da profissão,
definição de actividade e de direitos, a proibição e imposição de condutas, a obrigação
de permanência na habitação, e a prisão preventiva, que é a mais grave todas.

O Livro V, que é o último desta parte geral, trata das relações com autoridades
estrangeiras e entidades judiciárias internacionais (parte pouco importante).

A parte especial do CPP

A parte especial do Código inclui uma parte relativa à “fase preliminar”. Esta parte
especial vai fazer o percurso ao longo do processo, onde se pode encaixar a forma do
processo especial.
Esta lei especial também tem vários Livros.

O Livro VI trata das “fases preliminares”. Em primeiro lugar refere-se às “disposições


gerais”. Depois, ao “inquérito” (que é a primeira fase do processo penal), depois trata
ainda da fase da “instrução” (é uma fase facultativa. Tanto pode acontecer ou não, pois
só existe quando requerida por quem tem legitimidade para o fazer).

Depois temos o Livro VII, que trata do julgamento, e fala das três fases que compõem
o julgamento: os “actos preliminares”, a “audiência” e a “sentença”.

O Livro VIII trata dos processos especiais, que são três: o processo sumário, o processo
abreviado e o processo sumaríssimo.

O Livro VIX trata dos recursos (art. 399.º a 466.º CPP), e é uma matéria com alguma
complexidade. Os recursos em processo penal são muito diferentes do processo civil.

Os Livros X e seguintes falam das execuções e custas, e não tem grande interesse.

Análise genérica das fases em processo penal

Como pode começar um processo penal?


Começa com a notícia do crime, sendo que esta notícia do crime pode surgir de diversas
formas, que vão desde o conhecimento fortuito à queixa.

Existem diversos tipos de crime, e estes dividem-se em:


 Crimes públicos
 Crimes semi-públicos
 Crimes particulares

Nos crimes particulares, é necessário que as pessoas se constituam assistente e que


deduzam acusação particular.
Os crimes semi-públicos dependem da apresentação de queixa.

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Os crimes públicos podem ser conhecidos ou pode ser aberto o inquérito


oficiosamente.

Nota: no exame, sempre que aparecer um crime, é necessário classificá-lo.

O processo penal pode começar diversas formas:


 Com o conhecimento fortuito
 Com a denúncia

Após adquirir-se a notícia do crime, abre-se o inquérito pelo MP, que pode ser auxiliado
nesta função pelos órgãos de polícia criminal (OPC) – art. 1.º, al. c) CPP.

Mas quem controla o inquérito é o juiz de instrução criminal. É o JIC quem controla a
legalidade do inquérito e a quem são incumbidas prorrogativas de exclusividade quanto
a certos actos.

O inquérito decorre e quando chega ao fim, grosso modo, o inquérito pode terminar
de duas formas:
 Acusação
Ou
 Arquivamento

Quem acusa é o MP e nos casos dos crimes particulares é o assistente.

Qual a fase que se segue ao inquérito?


Depende. Se houver instrução, abre-se a instrução. Se não houver instrução, segue-se
para a fase julgamento.

Instrução

Quem pode requerer a abertura de instrução?

Pode o arguido quanto à acusação que foi proferida ou para modificar algum facto dessa
acusação, quando a acusação do MP contenha factos a mais, ou no caso de
arquivamento.

Nos casos em que o MP arquiva e é o assistente a requerer a abertura de instrução, esse


requerimento de abertura de instrução tem uma estrutura acusatória, ou seja, vai ele
próprio comprometer a acusação. O requerimento de abertura de instrução tem uma
estrutura acusatória e, se assim não for, o mais certo é que seja rejeitado pelo JIC.

Cabe ao JIC dirigir a fase da instrução. No fundo, a instrução visa decidir se vai ou não
haver julgamento, ou seja, se o arguido deve ou não ir a julgamento.
Se entender que não deve, faz um despacho de não pronúncia. Se entender que deve ir a
julgamento, é emitido um despacho de pronúncia.

Fase do julgamento

A partir d do momento em que é designado no dia para o julgamento, serve a acusação


ou pronúncia, e, a partir daí começa a correr o prazo para contestar. O arguido pode

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contestar a acusação, mas também pode não a contestar, no fazer nada quanto ao
contrário da não contestação em processo civil, em processo penal a não contestação no
implica desvantagens, aqui não importa a confissão os factos como em processo civil.

Vantagens e desvantagens da contestação crime:

A principal vantagem é que os factos contestados terão de ser debatidos pelo tribunal,
ou seja, o tribunal vai ter de se pronunciar expressamente sobre eles, e vai ter de dizer se
os considera como provados ou não provados, e porquê. Esta apreciação crítica ajuda
em sede do recurso.

Mas a contestação também entrar que vantagens, pois a parte contrária já vai munida
para julgamento, de forma a fazer a contestação, pois sabem com o que contar. Trata-se
de uma questão de estratégia.

Terminado o julgamento, temos uma sentença ou um acórdão, consoante a causa seja


julgada por um tribunal singular outro tribunal colectivo.

Havendo julgamento, ou processo termina aqui e abre-se uma nova fase, o recurso.

Recurso

Para onde se interpõe o recurso de primeira instância em processo penal?


Depende. O recurso tanto pode ser interposto para a Relação, como pode ser
directamente interposto para o STJ. Em alguns casos, é possível haver um duplo grau de
jurisdição, ou seja, Relação e STJ, mas muito raramente.

O advogado

Em processo penal, o advogado é uma figura muito importante.

Em que papeis é que um advogado pode intervir em processo penal?

Ele pode intervir em diversos papéis:

 Defensor do arguido: neste caso ele luta pela defesa dos direitos do seu cliente
arguido. Em processo penal a nossa lei impõe que todo e qualquer arguido tenha
um defensor, sem excepção. Se a parte não constituir, o tribunal nomeia-lhe um,
isto nada tem a ver com as posses.

 Advogado do assistente: o assistente tem de estar obrigatoriamente


representado por advogado. É uma condição sine qua non.

 Mandatário do requerente cível: da parte que deduz o pedido cível.

 Mandatário do requerido cível: da parte contra quem é requerido o pedido de


indemnização cível.

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 Advogado de uma testemunha: esta possibilidade foi acrescentada com a nova


revisão do CPP. No entanto, aqui o advogado não tem uma intervenção directa,
só esta lá para aconselhar a própria testemunha, não intervém directamente no
acto.

Durante um processo penal, o advogado pode ter de elaborar determinadas peças


processuais.

Como defensor do arguido, quais as principais peças processuais que tem de


elaborar?

Terá de elaborar desde logo o requerimento de abertura de instrução, por entender que a
acusação do MP ou do assistente no deve proceder.
Pode ainda de fazer a contestação e interpor o recurso da decisão final.

E como mandatário do assistente?

Poderá fazer a participação crime ao MP, e no final do inquérito pode-se fazer a


acusação particular, caso se trate de crime particular. No caso de se tratar de crime
público, pode requerer para abertura de instrução e, no final, requerer o recurso.

E se for mandatário do requerente cível?

A grande peça processual será o pedido de indemnização civil (PIC), e poderá ainda, tal
como os outros, interpor recurso da decisão que recaia sobre este pedido de
indemnização civil.

E do requerido cível?

Como advogado do requerido cível, poderá fazer a contestação do pedido civil, sendo
que a não contestação do pedido cível não tem as mesmas consequências da não
contestação em processo civil, apesar de se tratar de um processo civil enxertado num
processo penal.

São estas as grandes peças processuais que o advogado poderá ter de fazer.

Consulta forense

Quando o cliente contacta o advogado e começa a contar a sua história, qual é o


principal trabalho do advogado em processo penal?
Ele tem de pegar no caos de informação que está a receber, e tentar organiza-lo,
tentando encaminhar a pessoa para o caminho certo. Outra coisa importante diz respeito
ao dinheiro, sendo que a primeira consulta é o momento ideal para o pedir.

Dentro da consulta especificamente penal, existem algumas coisas que devemos ter em
consideração quando consultamos os clientes:

 Subsumir os factos que nos estão a ser relatados a um determinado crime. Isto
depois tem diversas consequências: cada tipo legal de crime tem uma moldura

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penal diferente. Logo, é preciso subsumir os factos a um determinado crime para


determinar a moldura penal.
A moldura penal vai ter importância para outros aspectos, por ex., sendo
advogado-estagiário, determina se tem competência para defender determinado
cliente ou não.
Por outro lado, a moldura penal permite saber qual é o tribunal competente para
aquele caso.
A moldura penal também permite saber quais as medidas de coacção aplicáveis
àquele caso.
Para além disto, a subsunção da factualidade a um determinado tipo legal de
crime tem importância para saber se estamos perante um crime particular,
público ou semi-público. Se for um crime particular devemos desde logo alertar
que tem de pagar uma taxa de justiça. Se for um crime semi-público, é preciso
saber se o cliente já se queixou ou se não tem de se queixar, e se os prazos ainda
não passaram.

 Perguntar em detalhe a informação sobre o que se passou em concreto. Isto é:


saber quando foi, em que data, etc.
A data pode ser muito importante para os prazos, nomeadamente para saber se
houve ou não prescrição. Se houve caducidade do direito de queixa, é importante
saber para a aplicação da lei no tempo.
É preciso ainda saber onde foi praticado o crime, para determinar qual o tribunal
territorialmente competente.
A natureza do crime também pode ter importância.

 Saber quando a pessoa teve conhecimento do facto. Isto releva para determinar
se houve ou não caducidade do direito de queixa.

Nota: qual a diferença entre os crimes de difamação e injúria?


O crime de difamação (art. 180.º CP) ocorre quando é feito a terceiros, quando se
dirige a um terceiro.
Já o crime de injurias (art. 181.º CP) ocorre quando feito directamente à pessoa.

Nota: qual a diferença entre furto simples e furto qualificado?


Desde logo, a moldura penal muda logo.
Depois, tratando-se de furto simples, o crime é semi-público, enquanto que, tratando-se
de furto qualificado, o crime seria público.
(Atenção – art. 207.º CP – estando em causa alguns parentes, passa a tratar-se de um
crime particular).

Requerimento

O que deve conter um requerimento escrito?

1. Cabeçalho – deve identificar para onde é dirigida aquela peça processual (qual o
tribunal a que se dirige). Depois, dependendo do tribunal a que dirigimos o
requerimento, podemos ter de indicar o juízo ou a secção, e o n.º do processo.

No processo-crime, o requerimento pode surgir em diversas fases:

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 Se for na fase de inquérito, deve ir dirigido ao tribunal competente e aos


serviços do MP, indicando a respectiva secção.
 Se for em fase de instrução, vai dirigido a um juízo criminal (ou juízo
de instrução criminal, caso exista na comarca).
 Se for em fase de recurso, deve ser dirigido ao juízo criminal – juiz de
direito.

O n.º de processo mantém-se o mesmo desde o inquérito até ao julgamento ou


recurso. É o chamado NUIPC (número único de identificação do processo criminal),
que aparece logo no início do inquérito e se mantém o mesmo durante as várias
fases do processo.

A quem dirigir o requerimento?

 Pedido de indemnização civil – normalmente é apresentado em fase de


inquérito, numa fase em que o processo está no MP. O destinatário do pedido de
indemnização civil é o juiz do julgamento (“Exmo. Sr. Juiz de Direito”).

 Participação crime – deve ser dirigido ao MP para que este abra um inquérito e
investigue.

 Acusação particular – deve ser dirigida ao juiz do julgamento.

2. Intróito – começa por dizer quem requer. O advogado em seu nome não
requer nada, que requer é o cliente por intermédio do advogado. O advogado é o
veículo do qual a parte se serve.
A identificação do requerente pode ser mais ou menos completa. Normalmente,
quando das partes já estão devidamente identificadas no processo, não há
necessidade de dizer “A, arguido, residente…”, pois já se encontra previamente
identificado.
Por norma, também se coloca a identificação dos restantes sujeitos processuais.
Ex.: “A, assistente nos autos à margem identificados, vem no processo em que é
arguido B, requerer…”.

3. Corpo do requerimento – a estrutura do requerimento varia conforme a


pessoa que o está a requerer. Deve seguir uma estrutura lógica:
 A explanação da factualidade é muito importante. Os factos devem estar
bem explanados, de forma cronologicamente ordenada, de forma lógica e
de simples compreensão. Normalmente facilita numerar o requerimento.

 Depois daí concluir-se se existe direito a aplicar, indicando as normas que


se aplicam aos factos já elencados.

 Deve terminar-se com o pedido.

 No final do requerimento, normalmente aparece o “Junta”. Aqui deve


indicar-se tudo o que se junta com o requerimento. Podem ser os
duplicados, a procuração, documentos. Tudo isto deve ser mencionado,
pois depois é controlado à entrada do tribunal.

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 Por último, segue-se a assinatura do advogado, defensor, patrono ou


advogado-estagiário.

Requerimento para junção de documentos

Proc. n.º ___


2.º Juízo

Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito de ___

X, assistente nos autos à margem identificados, em que é arguido Y, requerer o


seguinte:

– A junção de perícia médico-legal, realizada ao assistente no Hospital de S.


Marcos em Braga, em virtude das lesões provocadas pelo arguido.

Pede deferimento.

Junta: perícia médico-legal.

A advogada.

Requerimento a pedir revogação da apreensão de um bem

Proc. n.º ___


2.º Juízo

Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito de ___

X, arguido nos autos à margem identificados, em que é assistente Y, vem requerer, nos
termos do art. 178.º, n.º 6 CPP, o seguinte:

1) No dia 31 de Janeiro de 2008 foi efectuada a apreensão de um velocípede da


marca __.

2) Tal apreensão ocorreu em virtude do processo-crime que corre contra o


arguido.

3) O requerente/arguido é dono e legitimo proprietário do referido veículo.

4) Sucede que tal veículo não serviu para a prática do crime, nem constituiu seu
produto, lucro, preço ou recompensa.
Pelo que, se requer a revogação da
apreensão do veículo, nos termos do
art. 178.º, n.º 6 CPP.

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Pede deferimento.

Junta: duplicados legais.

A advogada.

Requerimentos orais

Qual a grande diferença entre um requerimento oral em audiência de julgamento e o


requerimento escrito?

Em termos formais, a grande diferença é que o requerimento oral não tem o chamado
cabeçalho e o intróito deve ser muito simples. É escusado dizer a que tribunal nos
vamos dirigir, a identificação das partes e o número do processo. Deve-se cingir ao
essencial.

Um dos requerimentos orais que se irão utilizar é o requerimento para pedir a realização
de alguma diligência de prova não prevista, a meio de um julgamento.
Sucede frequentemente que o arguido, no dia do julgamento, traz uma testemunha que
diz ter visto o que se passou. Assim, vai-se requerer tal diligência ao juiz, invocando o
art. 340.º CPP.

A primeira coisa a fazer é identificar a testemunha: nome completo, residência e estado


civil.
É essencial enumerar as razões pelas quais é essencial que o tribunal ouça aquela
testemunha.

Requerimento oral para ouvir uma testemunha

Ao abrigo do disposto no art. 340.º, n.º 1 CPP, vem-se requerer a V. Ex.ª a audição da
testemunha X, presente neste tribunal, visto ter a mesma presenciou os factos de que o
arguido vem acusado, uma vez que o arguido só agora tomou conhecimento de que a
mesma testemunha presenciou os factos/que só agora a mesma se prontificou a
comparecer neste tribunal para testemunhar, revelando-se assim este requerimento
essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.

Todos os requerimentos que se façam em audiência devem ser feitos de modo a cortar
todas as hipóteses de o juiz o indeferir.

Este requerimento pode merecer um de dois despachos:


 Deferido
 Indeferido

Se o juiz indeferir, a reacção normal seria o recurso. Só que o art. 400.º, n.º 1, al. b)
CPP diz que não é admissível recurso das decisões que ordenem actos dependentes da
livre resolução do tribunal, nos quais se integra o art. 340.º, n.º 1 CPP.

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Remissão: art. 340.º, n.º 1 CPP → art. 400.º, n.º 1, al. b) CPP.

Esta questão é contornável pela essencialidade, pela necessidade. O art. 120.º, n.º 2, al.
d) CPP diz que a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido
praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que
pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade constitui uma nulidade
dependente de arguição.

Remissão: art. 340.º, n.º 1 CPP → art. 120.º, n.º 2, al. d) CPP.

Este artigo utiliza a expressão “essenciais”, enquanto o art. 340.º utiliza a expressão
“necessárias”, quando se requer deve dizer-se desde logo essenciais, porque se houver
indeferimento desse requerimento, em vez de recorrer, podemos arguir a nulidade.

Requerimento para arguir a nulidade do indeferimento

Nos termos do art. 120.º, n.º 2, al. b) CPP, constitui nulidade sanável a omissão de
diligências que se reputam essenciais para a descoberta da verdade. Ora, a diligência
requerida, uma vez que a testemunha indicada pode testemunhar sobre os factos, reputa-
se essencial para a descoberta da verdade. Assim, cometeu-se uma nulidade, nulidade
esta que se argui e se invoca.

O juiz, em despacho, pode:


 Reconhecer a nulidade (deferimento) ou
 Indeferir a arguição da nulidade

Caso o juiz indefira a arguição da nulidade, aí já se pode recorrer.

Recurso do indeferimento da arguição da nulidade

Não se conformando com a douta decisão que indeferiu a arguição da nulidade, vem
recorrer da mesma, recurso que é …

A grande diferença entre o requerimento escrito e o requerimento oral é a supressão do


cabeçalho e intróito. De resto a estrutura é a mesma:
1. Factos
2. O direito
3. Conclusão

Tipos de crime

Existem três tipos de crime:

 Crime particular – depende da apresentação de queixa, constituição de


assistente e dedução de acusação particular.

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Nestes casos quem acusa não é o MP, mas o assistente. O assistente é que
acusa, pelo menos principalmente. O MP poderá ou não acompanhar a
acusação deduzida pelo assistente.
Ex.: injurias simples.

 Crime semi-público – depende apenas da apresentação de queixa pelo respectivo


titular do direito.
Ex.: ofensa à integridade simples.

 Crime público – ex.: violência doméstica.

Isto tem a ver com a questão de saber quem é o titular da acção penal. O titular da acção
penal é o MP.

O art. 53.º CPP define a posição e atribuições do MP no processo.


Em relação à al. c), existem muitos procuradores que levam esta competência
demasiado à letra. O MP deve sustentar a acusação, mas de acordo com critérios de
objectividade.

Ex.: se um procurador acusa, mas na fase de julgamento não se prova nada, o MP deve
pedir a absolvição, de acordo com critérios de objectividade. Não deve pedir a
condenação só porque foi ele que acusou.

Ex.: um procurador vai na rua e assiste a um indivíduo ser espancado por três outros
indivíduos. Pode o procurador dar início ao procedimento? Depende. A questão está em
saber se o crime é público ou semi-público.
Se fosse ofensa à integridade física simples, seria um crime semi-público, logo ele não
podia dar início ao procedimento.
Se fosse ofensa à integridade física grave, já seria um crime semi-público, pelo que o
procurador já poderia dar início ao processo.
Se por ex., na sequência da agressão lhe partiram um braço, isto faz com que seja um
crime de ofensa à integridade física grave. Logo, já se trataria de um crime público, já
poderíamos iniciar o procedimento criminal sem necessidade de apresentar queixa.

A este propósito regem os arts. 49.º e 50.º CPP.

Quem pode apresentar queixa? (art. 49.º CPP)

 O próprio ofendido
 O mandatário judicial. Durante muito tempo discutiu-se se para isto era
necessário o advogado estar munido de uma procuração com poderes especiais
para apresentar queixa.
 O mandatário não judicial, esse sim, munido de poderes especiais.

O art. 50.º CPP refere-se aos crimes dependentes de acusação particular.


Nestes casos são necessários três passos:
 Queixa
 Constituição de assistente
 Acusação particular – nos crimes particulares quem acusa é o
ofendido/assistente

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Nos crimes particulares, existe a queixa, a constituição de assistente, desenrolam-se as


diligências probatórias no inquérito e, findas estas diligências, o MP vai notificar o
assistente para, querendo, deduzir acusação particular.
O assistente deduz acusação particular, o processo volta para o MP, que vai decidir se
acompanha ou não o assistente. Mesmo que não acompanhe, o processo vai prosseguir.

Ex.: um casal divorciou-se, mas mantiveram sempre grande atrito. O ex marido, já


depois de se terem divorciado, resolve publicar dois artigos nos jornais da terra dizendo
“X declara não se responsabilizar por quaisquer dívidas contraídas por sua ex mulher,
Y”.
Existe aqui algum crime? Eventualmente poderá existir o crime de difamação. O ex
marido quer passar a ideia de que a ex mulher não paga as suas dívidas. No entanto, é
difícil imputar isto ao art. 180.º CPP.
No fundo, no artigo fala-se de uma imputação directa, mas o ex marido, ao fazer o
anúncio não esta a dizer que “Y é caloteira” (caso o dissesse, não existiriam dúvidas),
está a faze-lo de forma indirecta, e aqui reside a dificuldade.
Existe já jurisprudência que, em casos como este, decidiu que não havia crime, porque
não existe imputação directa.

Quem apresenta queixa em regra é o ofendido. Quem é o ofendido?


O art. 113.º, n.º 1 CP diz que é “o titular dos interesses que a lei especialmente quis
proteger com a incriminação”.
O problema aqui consiste em saber, caso a caso, qual o especial interesse que a lei quis
proteger.

Ex.: art. 143.º CP – ofensa à integridade física simples. O especial interesse é a


integridade física das pessoas. Logo, o titular do interesse é a pessoa que sofre a ofensa
à sua integridade física.

Ex.: art. 256.º CP – falsificação de assinatura. O especial interesse é a segurança no


tráfego jurídico. O ofendido é toda a comunidade.
Será neste caso admissível a constituição como assistente? É uma questão muito
discutida, embora, durante muito tempo a corrente maioritária tenha dito que não,
porque o especial interesse que a lei quis proteger não foi o do titular da assinatura
falsificada, mas a segurança no comercio jurídico e a salvaguarda da autenticidade dos
documentos e não os interesses da pessoa que é objectivamente lesada pela falsificação.
Mas começaram a surgir acórdãos a dizer que embora esse seja o principal interesse,
existem outros interesses, que também devem ser considerados relevantes. Isto deu
origem a jurisprudência contraditória. Finalmente, saiu um acórdão de uniformização de
jurisprudência do STJ (Acórdão de 16 de Janeiro de 2003) que estabeleceu que é
possível a constituição como assistente.

A mesma controvérsia surgiu acerca do crime de denúncia caluniosa – art. 365.º CP. O
que a norma visa é evitar a perda de tempo por parte dos tribunais. Também foi aqui
muito polémico saber s é ou não possível a constituição como assistente. Agora existe
um acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ (acórdão de 28 de Novembro de
2006) que diz que é possível a constituição de assistente.

14
Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

Nota: questão do exame do ano passado:


Uma questão de verdadeiro ou falso afirmava “ no crime de denegação da justiça não é
possível a constituição de assistente”. Este crime, previsto no art. 369.º CP, é um crime
público, e o interesse que a norma visa proteger é o da comunidade em geral. Mas o art.
68.º CPP determina quem se pode constituir assistente, e a al. e) do n.º 1 refere que é
qualquer pessoa nos crimes, entre outros, de denegação da justiça.

Remissão: art. 369.º CP → art. 68.º, n.º 1, al. e) CPP.

Concurso de crimes

Pode existir concurso de crimes, em que a pessoa está indiciada pela prática de vários
crimes de natureza diferente, por exemplo, um crime público e um crime semi-público.

O artigo que regula esta matéria é o art. 52.º CPP.

No caso de concurso entre um crime público e um crime semi-público, o MP pode ou


não dar logo inicio ao processo?
Se o crime pelo qual se pode prosseguir for mais grave ou de igual gravidade o outro
(isto é, se o crime mais grave não depender de queixa ou acusação particular), o MP
pode dar início ao procedimento (art. 52.º, n.º 1 CPP).

Nos termos do art. 52.º, n.º 2 CPP, se o titular do direito de que queixa ou de acusação
particular declarar que não pretende apresentar queixa, o MP promove o processo pelos
crimes que pode promover.
Se, por outro lado, pretender apresentar queixa, considera-se esta apresentada.

Desistência de queixa
(art. 116.º CP)

Nos crimes semi-públicos e particulares pode haver desistência da queixa.


O art. 116.º, n.º 2 CP determina que o queixoso pode desistir da queixa desde que não
haja oposição do arguido, até à publicação da sentença da primeira instância.

A entidade competente para se requerer a desistência da queixa está definida nos termos
do art. 51.º CPP.

Desistência durante:
 Inquérito → MP
 Instrução → juiz de instrução criminal
 Julgamento → juiz de direito.

A desistência não tem de ser motivada, mas para que haja desistência o arguido tem
de a aceitar, de modo a proteger o interesse do arguido em levar o processo até ao fim e
ser declarado inocente.

Flagrante delito
(art. 256.º CPP).

15
Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

No caso em que o procurador vai na rua e vê a agressão, temos a figura do flagrante


delito.

O flagrante delito pode assumir três modalidades:

 Flagrante delito em sentido estrito (“o crime que se está a cometer”)


 Quase flagrante delito (“crime que se acaba de cometer”)
 Flagrante delito presumido – art. 256.º, n.º 2 CPP.

A quem é que se apresenta queixa? Ao MP ou a qualquer autoridade que tenha a


obrigação legal de transmitir ao MP.

Prazo – 6 meses (art. 115.º CP). Este prazo é contado a partir:


 Do momento em que o titular tenha tido conhecimento do facto e dos seus
autores;
 Da morte do ofendido;
 Da data em que o ofendido se tenha tornado incapaz.

A lei fala do conhecimento do prazo e dos seus autores, não fala na data da prática dos
factos. O prazo só se começa a contar a partir do momento em que se tem conhecimento
quer dos factos, quer dos autores.

A lei refere que o prazo começa a contar a partir da morte do ofendido, pois o direito
transmite-se aos herdeiros.

Remissão: art. 115.º, n.º 2 CP → art. 113.º, n.º 6 CP.


Remissão: art. 113.º, n.º 6 CP → art. 113.º, n.º 4 CP.

No caso de o ofendido ser menor de 16 anos, a queixa pode ser apresentada


independentemente da data do conhecimento dos factos, subsistindo até 6 meses depois
de o ofendido perfazer 18 anos. A razão é o facto de o ofendido passar a ser maior e
ter consciência dos seus direitos (art. 113.º CP).

Ex.: X sofre agressões de B, C e D. X apresenta queixa apenas contra B. Quid iuris?


Nos termos do art. 115.º, n.º 3 CP, não se apresentando tempestivamente queixa
contra um dos agressores, isto vai aproveitar a todos. Isto aplica-se aos casos de
comparticipação.

Renúncia
(art. 116.º CP)

A denúncia é um direito renunciável. Se antes de apresentar a queixa, o ofendido disser


que renuncia ao direito de apresentar queixa contra X, não pode posteriormente haver
procedimento por esses factos.

A renúncia pode ser:


 Expressa
 Tácita (renúncia manifesta em factos de onde se possa extrair essa renúncia).

16
Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

Nos termos do art. 116.º, n.º 3 CP, a desistência ou renúncia ao direito de queixa
também aproveita a todos os comparticipantes no crime.

Diversos sujeitos processuais

1. Ministério Público

Um dos principais sujeitos processuais do nosso sistema jurídico é o MP, que


desempenha um papel particularmente importante no processo penal.

O Estatuto do MP encontra-se definido pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, ou seja, o


Estatuto do MP tem força de lei.

No art. 3.º EMP são fixadas as competências do MP. No que concerne ao processo
penal, temos de ter em atenção que é ao MP que incumbe:

 Participar na evolução da política criminal, que é definida pelos órgãos de


soberania (art. 3.º, n.º 1, al. b) EMP).

 Exercer a acção penal, orientada por um princípio da legalidade (o exercício da


acção penal é uma das principais competências do MP).

 Dirigir a investigação criminal, ainda que auxiliado por outras entidades (isto
porque o inquérito é uma fase dirigida pelo MP).

 Fiscalizar a actividade processual dos OPC (o MP é auxiliado pelos OPC e é a


ele que incumbe fiscalizar a respectiva actividade).

 Recorrer da decisão quando esta foi proferida contra lei expressa.

 Recorrer quando entenda que a acção/decisão teve por efeito o conluio das
partes no sentido de defraudar a lei, ou seja, se houver um conluio num
determinado processo que motiva aquela decisão, e as partes com isso
pretendam apenas defraudar a lei, o MP deve também recorrer dessa decisão.

Estas são as principais competências do MP no que toca ao processo penal.

Terminologia da hierarquia do MP

Temos em Portugal uma divisão judiciária que ainda se encontra em vigor mas que está
num processo de alteração, pois vai entrar em vigor o novo mapa judiciário em 2010,
que vai trazer uma nova divisão judiciária.

A divisão que ainda se encontra em vigor encontra-se plasmada na LOFTJ (Lei n.º
3/99, de 3 de Janeiro).

A LOFTJ divide o país em 3 categorias diferentes de divisão territorial:


 Comarcas (as divisões mais pequenas)

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 Círculos judiciais (agregam as comarcas)


 Distritos judiciais (agregam os círculos judiciais).

Esta divisão vai ser profundamente alterada com a Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto,
pois nesta nova organização do mapa judiciário desaparecem a existir apenas duas
categorias:
 Comarcas
 Distritos judiciais

Nesta nova divisão, as comarcas vão ser bastante maiores, maiores mesmo do que o
próprio distrito. Isto vai implicar uma alteração muito significativa da organização
judiciária.

Mas ainda se encontra em vigor o sistema anterior, no qual a ideia é a tríplice divisão
em comarcas, círculos judiciais e distritos judiciais.

Por sua vez, os Tribunais distribuem-se por estas três categorias, pois existem três
graus de jurisdição:
 1.ª Instância
 Relação
 Supremo Tribunal de Justiça

Na 1.ª Instância, temos os tribunais de comarca e os círculos judiciais.

Nos tribunais de comarca, as figuras do MP que estão no desempenho das funções são
os Procuradores Adjuntos, que é a primeira categoria do MP.

Ao nível dos círculos judiciais, temos os Procuradores da República, há aqui um


grau de superioridade hierárquica, uma vez que no MP existe hierarquia.

Ao nível da Relação, temos outra categoria, os Procuradores-Gerais Adjuntos. As


Relações são tribunais que devem, tendencialmente, corresponder aos distritos judiciais,
salvo a excepção de Guimarães. No distrito do Porto existem então dois tribunais da
Relação: o Tribunal da Relação do Porto e o Tribunal da Relação de Guimarães, que
abrange os distritos de Braga e Viana do Castelo.

No último nível temos o STJ, sendo que aqui o MP está representado pelo Procurador-
Geral da República, embora este possa delegar esse poder em Procuradores-Gerais da
República.

Existem ainda, a propósito do MP, estruturas que foram criadas e nas quais se
encontram determinados magistrados do MP, para combater e investigar determinada
criminalidade (criminalidade grave, elevada ou de extrema complexidade). São os
DIAP’s – Departamentos de Investigação e Acção Penal. De acordo com a nossa lei,
deve existir um DIAP em cada sede de distrito judicial.

A que se destinam os DIAP’s?


Destinam-se, por um lado, a investigar os crimes que são cometidos em vários círculos
no mesmo distrito judicial, ou seja, a criminalidade que se espalha pelo território e que,

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Prática Processual Penal
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para não dar origem a investigações paradas em cada uma das comarcas, DIAP tenta
agregar, centralizar essa investigação.
Por outro lado, destinam-se também a investigar a criminalidade grave e com maior ou
menor complexidade (criminalidade económica), e ainda à investigação da
criminalidade muito dispersa territorialmente.

Mas como a existência de vários DIAP’s no mesmo círculo judicial não era ainda
suficiente, criou-se uma estrutura ainda mais centralizada, o DCIAP – Departamento
Central de Investigação e Acção Penal, em Lisboa.
O DCIAP coordena e dirige a investigação da criminalidade violenta, altamente
organizada ou especialmente complexa.

A figura do MP que se encontra nos DIAP’s é a dos Procuradores-Gerais Adjuntos. Já


no DCIAP, pode ser o Procurador-Geral da República ou Procuradores-Gerais
Adjuntos.

É desta forma que o MP se distribui pela organização judiciária.

2. Arguido

O sujeito processual mais importante em processo penal é o arguido.

O art. 57.º CPP refere a qualidade de arguido.


O n.º 1 enuncia uma norma geral. A pessoa contra quem for deduzida acusação assume
a qualidade de arguido, assim como a pessoa contra quem for requerida instrução no
processo penal.

Em que casos pode ser requerida instrução?


Pode ser requerida quando há despacho de arquivamento pró parte do MP e o assistente
não se conforma e requer a abertura de instrução.
Estes são momentos processuais a partir dos quais a pessoa tem de estar constituída
como arguido.

O art. 58.º CPP refere-se à constituição de arguido. A lei enuncia neste artigo uma série
de circunstâncias que implicam obrigatoriamente a constituição como arguido.

Essas circunstâncias são:

 Normalmente, é-se constituído arguido quando se prestar declarações pela


primeira vez, para confessar os factos – al. a). A última reforma do processo
penal veio introduzir uma pequena alteração, que é a parte que diz “em relação à
qual haja suspeita fundada da prática de crime”. Anteriormente era automático, a
lei só dizia que quando alguém vai prestar declarações perante qualquer
autoridade judiciária ou OPC era constituído arguido se corresse inquérito contra
ele. Agora, a lei introduziu esta alteração da “suspeita fundada da prática de
crime”, pois em certos casos a constituição de arguido era um absurdo. Assim,
caso não haja “suspeita fundada”, não se deve constituir arguido. Mas existem
situações em que a constituição de arguido continua quase automática.

19
Prática Processual Penal
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 Se tiver de ser aplicada medida de coacção prevista no Código a


determinada pessoa, terá obrigatoriamente de ser constituída arguida – al. b).

 Quando um suspeito for detido, nos termos e para os efeitos previstos nos arts.
254.º a 261 CPP – al. c). Esta é também uma circunstância vulgar de
constituição de arguido.
Remissão: art. 58.º CPP → art. 254.º, n.º 1, als. a) e b).

 Quando for levantado auto de notícia que dê alguém como agente de um


crime, e aquele lhe for comunicado, salvo se a notícia for manifestamente
infundada – al. d). Esta última parte foi introduzida pela reforma. Com esta
reforma o legislador pretendeu evitar a constituição automática como arguido e
introduziu aqui pequenas salvaguardas da constituição de arguido em casos em
que não seja preciso, que não se justifique.

A constituição de arguido foi criada para proteger o visado, ou seja, a intenção da lei ao
criar a figura do arguido foi atribuir deveres, mas sobretudo direitos, à pessoa, para a
proteger.

Existem outros casos de constituição de arguido, previstos no art. 59.º CPP.

O n.º 1 enuncia a situação em que, durante a inquirição feita a pessoa não é arguido,
surgir fundada suspeita de crime por ela cometido. Esta é uma situação particular. Neste
caso, a entidade que está a proceder à inquirição, suspende imediatamente a inquirição e
constitui a pessoa como arguido.
Antigamente isto era um problema porque quando alguém ia prestar declarações não podia
estar assistida por advogado. A lei actualmente introduziu esta salvaguarda da possibilidade
de as testemunhas se fazerem acompanhar por advogado – art. 132.º, n.º 4 CPP.
A lei impõe que, a partir do momento em que surja fundada suspeita, se interrompam as
declarações e se constitua o suspeito como arguido.

No caso do n.º 2, é a própria pessoa sobre quem recai a suspeita que exige a
constituição como arguido, para que possa aceder a determinados direitos que a lei apenas
confere ao arguido. É uma situação que raramente acontece, mas está prevista na lei, e pode
permitir que a pessoa não fale, ou seja, se não quiser responder, pode pedir a sua
constituição como arguido.

O art. 58.º, n.º 2 CPP indica como opera a constituição de arguido: mediante
comunicação, oral ou por escrito, feita ao visado por uma autoridade judiciaria ou um OPC
de que, a partir daquele momento, aquele se deve considerar arguido num processo penal e
a indicação e, se necessário, explicação dos direitos e deveres processuais referidos no art.
61.º CPP, que por essa razão lhe passam a caber.
No fundo, existe a constituição como arguido e a informação dos direitos e deveres que
cabem ao arguido. Isto é feito através de uma folha de impresso onde constam todos os
direitos e deveres do arguido, e uma outra folha onde consta o TIR.

A lei introduziu agora, por causa da preocupação em não haver uma constituição de arguido
automática, um certo controlo à constituição como arguido, que consta do n.º 3. Sempre
que um OPC constitui alguém como arguido, tem 10 dias para remeter essa constituição à

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Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

autoridade judiciária competente para validação, e a partir desse recebimento esta tem 10
dias para validar ou não essa constituição como arguido.

Todas as alterações ao CPP são no sentido de existir um maior controlo na constituição


como arguido.

O n.º 5 diz que caso as formalidades previstas anteriormente sejam omitidas ou


violadas, as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como
prova.

O n.º 6 visa esclarecer os n.ºs anteriores, e diz que a validação da constituição de arguido
pela autoridade judiciária não prejudica as provas anteriormente obtidas, isto é, se
não houver validação da constituição como arguido, as provas não deixam de ser válidas. A
lei visa salvaguardar o que é produzido.

O art. 61.º CPP refere os direitos e deveres processuais do arguido.

Direitos do arguido

 Direito de presença do arguido nos actos processuais que directamente lhe


digam respeito – al. a).

 Direito de audição do arguido – o arguido deve ser ouvido sempre que o


tribunal deva tomar 1 decisão que o afecte – al. b).

 Direito de ser informado dos factos que lhe são imputados antes de prestar
declarações perante qualquer entidade. Esta norma foi introduzida pela
última revisão. – al. c).

 Direito ao silêncio do arguido – direito a não responder a perguntas feitas, por


qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo
das declarações que acerca deles preste – al. d). Este é um direito fundamental.
Por vezes é conveniente que o arguido fale, que esclareça determinadas coisas,
mas muitas vezes falar só o vai comprometer. Nestas situações é preciso optar.
Deve-se colocar sempre a opção no lado do cliente, dizer-lhe que a última
decisão é dele, mas que o nosso conselho vai no sentido de falar/não falar. No
caso de faltar à verdade nas declarações pode o arguido ser acusado de prestar
falsas declarações, para além do crime de quem vem a ser acusado.

 Direito de constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor – al.


e). A constituição de advogado dá-se por intermédio de procuração, que confere
poderes ao advogado para representar o arguido no processo. Caso não queira
constituir advogado, pode o arguido solicitar a nomeação de um defensor,
independentemente das capacidades económicas da pessoa. É um direito
iminente à própria qualidade de arguido.

 Direito de ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que


participar e, quando detido, comunicar, em privado, com ele – o arguido tem
sempre este direito de falar em privado com o defensor.

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Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

 Direito de intervenção no inquérito e na instrução – o arguido tem direito de


intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as
diligências que se lhe afigurem necessárias – al. g).

 Direito à informação – o arguido tem o direito de ser informado pela


autoridade judiciária ou pelos OPC perante os quais seja obrigado a comparecer,
dos direitos que lhe assistem – al. h).

 Direito de recurso – o arguido tem o direito de recorrer, nos termos da lei, das
decisões que lhe forem desfavoráveis – al. i).

Quanto às al. e), o arguido pode dizer que na quer ter defensor. Mas existem certos
casos nos quais não pode prescindir de defensor. Caso não tenha posses económicas,
deverá requerer apoio judiciário. Mas existem actos para os quais a constituição de
advogado é obrigatória (art. 64.º CPP).

Casos em que é obrigatória a constituição de defensor


(art. 64.º CPP)

 Nos interrogatórios de arguido detido ou preso – actualmente, nos


interrogatórios de arguido preso, este tem sempre de estar acompanhado de
defensor – al. a).

 No debate instrutório e na audiência – salvo tratando-se de processo que não


possa dar lugar à aplicação de pena de prisão ou de medida de internamento – al.
b).

 Em qualquer acto processual, à excepção da constituição de arguido,


sempre que o arguido for cego, surdo, mudo, analfabeto, desconhecedor da
língua portuguesa, menor de 21 anos, ou se for suscitada a questão da sua
inimputabilidade ou imputabilidade diminuída – al. c).

 Nos recursos ordinários ou extraordinários – al. d).

 No caso de declarações para memória futura – nos termos dos arts 271.º e
294.ºCPP. No art. 271.º existe uma necessidade urgente de tomar as
declarações de determinada pessoa, por no momento em que as deveria prestar
não o pode fazer, ou existe risco de já ter falecido – al. e).

 Na audiência de julgamento realizada na ausência do arguido – al. f).

O n.º 2 diz ainda que pode ser nomeado defensor do arguido, a pedido quer do tribunal,
quer do arguido, sempre que as circunstâncias do caso revelarem a necessidade ou a
conveniência de o arguido ser assistido.

Deveres do arguido
(art. 61.º, n.º 3 CPP)

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 Dever de comparecimento às diligências processuais – consiste no dever de


comparecer perante o juiz, o MP ou os OPC sempre que a lei o exigir e para tal
tenha sido devidamente convocado. Se não comparecer, a consequência imediata
é uma multa que ronda 2 UC’s. Pode ainda ser buscado à força na sua própria
residência – al. a).

 Dever de responder com verdade às perguntar feitas por entidades


competentes sobre a sua identidade e, quando a lei o impuser, sobre os seus
antecedentes criminais – só sobre estas matérias é que o arguido é obrigado a
falar. Segundo a redacção actual da lei, sempre que alguém presta depoimento
na GNR ou PSP, tem a obrigação de dizer se tem antecedentes criminais. No
entanto, é possível discutir se esta lei é ou não constitucional, porque o facto de
se estar a dizer que tem antecedentes criminais, na fase de inquérito (OPC) é por
si uma declaração auto-incriminatória – al. b).

 Dever de prestar termo de identidade e residência logo que assuma a


qualidade de arguido – a aplicação do TIR pelo MP é a mais branda das
medidas de coacção – al. c).

 Dever de se sujeitar a diligências de prova, medidas de coacção e garantia


patrimonial especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por entidade
competente – esta alínea levanta problemas, pois há quem discuta se o direito ao
silêncio se deve entender num sentido estrito de não falar, não prestar
declarações sobre determinados factos, ou se deve ser entendido num sentido
amplo, como um dever de não colaboração com a investigação e com o
desenrolar do processo (e questionam se aqui conflitua com a sujeição a
diligências de prova) – al. d).

Direitos do defensor
(art. 63.º CPP)

 O defensor representa o arguido e exerce os direitos que a lei lhe reconhece.


Salvo aqueles que a lei lhe reserva pessoalmente – n.º 1.

 O arguido pode retirar eficácia ao acto realizado em seu nome pelo defensor,
mediante uma declaração expressa anterior à decisão relativa ao acto em questão
– n.º 2.

Nomeação de defensor
(art. 66.º CPP)

A nomeação de defensor é notificada ao arguido e ao defensor quando não estiverem


presentes no acto – n.º 1. Normalmente, o defensor do arguido é nomeado quando é
deduzida acusação, nos termos do art. 57.º, n.º 1.
É raro ser nomeado defensor no interrogatório, salvo nos casos em que a lei o impõe.

O defensor nomeado pode ser dispensado do patrocínio, caso alegue causa que o
tribunal considere justa – n.º 2. É necessário ter algum cuidado nos casos em que é
pedida a escusa. Os casos mais frequentes em que é pedida a escusa são os casos de
incompatibilidades de defesa.

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Prática Processual Penal
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É normal um advogado ser nomeado para mais do que um arguido e, se perceber que a
defesa de uns é incompatível com a defesa de outros, é preciso pedir escusa de um ou
mais arguidos, e ficar só com um.

O tribunal pode sempre substituir o defensor nomeado, a requerimento do


arguido, por causa justa, isto é, o próprio arguido pode dizer que não quer mais aquele
defensor – n.º 3.

Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para
os actos subsequentes do processo – n.º 4.

O exercício da função de defensor nomeado é sempre remunerado, nos termos e


quantitativos a fixar pelo tribunal, dentro dos limites constantes de tabelas aprovadas
pelo Ministério da Justiça ou, na sua falta, tendo em atenção os honorários
concretamente pagos por serviços do género e do relevo dos que foram prestados.
Pela retribuição são responsáveis, conforme o caso, o arguido, o assistente, as partes
civis ou os cofres do Ministério da Justiça – n.º 5.
Hoje em dia existe uma tabela fixa para determinado tipo de honorários. Existem as
chamadas UR’s (Unidades de Referência), que são ¼ de UC’s. Os honorários são
fixados em UR’s, cuja actualização é automática.

Substituição do defensor
(art. 67.º CPP)

Se o defensor, relativamente a um acto em que a assistência seja necessária, não


comparecer, se ausentar antes de terminada ou recusar ou abandonar a defesa, é
imediatamente nomeado outro defensor. Mas pode também, quando a nomeação
imediata se revelar impossível ou inconveniente, ser decidido interromper a
realização do acto. Isto acontece muitas vezes quando são nomeados defensores
oficiosos e faltam ao julgamento, então é necessário ver quem está de escala para que
possa ir substituir o defensor faltoso – n.º 1.

3. O assistente

O assistente é uma figura que, da forma que foi concebida no nosso sistema, não tem
paralelo em outros ordenamentos jurídico-penais.
Na sua base esteve, essencialmente, da parte do legislador, a ideia de dar mais protecção
à vítima. Isto porque, sendo o interesse do Estado perseguir e punir aqueles que
cometem crimes, não podemos pôr de lado os interesses privados dos particulares, isto
é, de quem é vítima desses crimes. Neste entendimento, criou-se a figura do assistente.

O assistente é no fundo um colaborador do MP na prossecução da acção penal.

Posição processual e atribuições do assistente


(art. 69.º CPP)

Os assistentes têm a posição de colaboradores do MP, a cuja actividade


subordinam a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei – n.º 1.

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O n.º 2 enuncia o que compete em especial aos assistentes:

 Intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as


diligências que se afiguram necessárias. Aqui temos o assistente que intervém
activamente, quer na fase do inquérito, quer na fase da instrução – al. a).

 Deduzir acusação, independente da do MP, e no caso de procedimento


dependente de acusação particular, ainda que aquele não a deduza. Se
estivermos face a um crime particular, é o assistente que tem legitimidade para
deduzir a acusação e o MP acompanhará ou não. Caso se trate de um crime de
outra natureza, o assistente pode também deduzir uma acusação independente do
MP. O que não pode é deduzir uma acusação onde constem factos que alterem
substancialmente aqueles que foram arguidos na acusação pelo MP, tem esta
limitação – al. b).

Caso existam factos que o MP tenha omitido ou simplesmente tenha


ignorado, e que o assistente entenda que deviam constar da acusação, o que
pode o assistente fazer?
Depende. Se os factos que ele quer acrescentar não alterarem substancialmente
aqueles que constam da acusação do MP, ele pode inclui-los. Por outro lado, se
os factos que o assistente quer introduzir alterem substancialmente aqueles que
constam da acusação do MP, só poderá requerer a abertura de instrução
relativamente a esses factos, para que possam ir também a julgamento.

Nos crimes particulares é o assistente que acusa e o MP acompanha ou não.


Nos crimes semi-públicos ou públicos, o assistente pode também deduzir
acusação, sempre com os limites da alteração substancial dos factos que
constam da acusação do MP. Neste caso de alteração substancial dos factos
que constam da acusação, se ele quiser intervir, terá que requerer a abertura de
instrução.

 Interpor recurso das decisões que o afectarem, mesmo que o MP não o tenha
feito – al. c). Esta alínea é uma das excepções previstas no n.º 1. A lei autoriza
que os assistentes recorram, independentemente do MP recorrer ou não. Ainda
que o MP não recorra, os assistentes têm uma oportunidade para o fazer.

Para que se possa recorrer, têm de estar preenchidos os requisitos gerais dos recursos.
Um dos requisitos para que o recurso seja admissível é que o assistente tenha interesse
em agir. Numa situação em que o assistente entenda que a medida da pena fixada pelo
legislador não deveria ser de três anos de prisão mas de cinco ou seis anos, a
jurisprudência entende que o assistente não tem interesse em agir. Só terá interesse em
agir se for para contrariar a decisão de absolvição.

Quem pode constituir-se assistente?


(art. 68.º CPP)

 Podem constituir-se assistentes, desde logo, as pessoas e entidades a quem leis


especiais conferem esse direito. Para além destes, podem ainda constituir-se assistentes

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Prática Processual Penal
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os ofendidos, ou seja, os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger
com a incriminação (art. 113.º CPP), desde que maiores de 16 anos.

Quanto a isto existem várias discussões. A lei refere ofendidos, considerando-se como
tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger. Este
“especialmente” é complicado. Será que se deve entender este “especialmente” como
uma questão de exclusividade ou não? Ou seja, se a lei quis proteger um determinado
interesse a título principal e outro a título subsidiário, ou se quis proteger ambos os
interesses a título principal, será que os titulares desses interesses ditos paralelos ao
interesse principal ou secundário se podem constituir assistente?

Ex.: falsificação de documentos – o interesse principal que a lei quis proteger foi a
segurança do tráfego jurídico, e apenas subsidiariamente os interesses das pessoas que
são prejudicadas directamente pela falsificação. Pode a pessoa cuja assinatura foi
falsificada constituir-se assistente no processo? Isto foi (e ainda é) muito discutido.
Existe um acórdão de unificação de jurisprudência (Acórdão de 16 de Janeiro de 2003)
que decidiu que no crime de falsificação de documentos era admissível a constituição
como assistente.

Ex.: denúncia caluniosa – a situação é idêntica. A denúncia caluniosa encontra-se


incluída num capítulo dos crimes contra a realização da justiça, e aqui o interesse
principal será a boa administração da justiça e apenas reflexamente, com grau
secundário, será proteger a vítima da denúncia caluniosa.
Aqui também há discussão em acórdãos, em ambos os sentidos. O Acórdão de 28 de
Novembro de 2006, que é um acórdão de fixação de jurisprudência, decidiu pela
admissibilidade da constituição como assistente.

A corrente maioritária vai no sentido de dar em grau mais amplo ou permitir em mais
casos a constituição como assistente.

 Podem também constituir-se assistentes as pessoas de cuja queixa ou acusação


particular depender o procedimento, ou seja, caso se trate de um crime que dependa
de acusação particular ou de um crime semi-público, as pessoas de quem a procedência
do processo dependa para apresentação da queixa ou acusação particular.

 Podem ainda constituir-se assistentes as pessoas previstas na al. c), no caso de


o ofendido ter morrido e não ter renunciado ao direito de queixa. Neste caso, qualquer
uma dessas pessoas se pode constituir assistente.
Com a última revisão, deu-se a possibilidade de as pessoas do mesmo sexo que vivam
em condições análogas às dos cônjuges se poderem constituir assistentes.

Temos estes sujeitos referidos em dois grupos:


1. Cônjuge sobrevivo e não separado judicialmente de pessoas e bens, ou a pessoa
de outro ou do mesmo sexo que viva em união de facto; descendentes e
adoptados; ascendentes e adoptantes.
2. Irmãos e seus descendentes – estes só intervêm no caso de nenhuma pessoa do
primeiro grupo poder intervir no processo.

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Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

 Pode ainda constituir-se assistente o representante legal e, na sua falta,


as pessoas indicadas na al. c) (pela ordem aí indicada), no caso de o ofendido ser
menor de 16 anos ou incapaz por qualquer outro motivo, salvo se alguma destas
pessoas tiver comparticipado no crime.

Ex.: um cônjuge mata outro. Não pode no processo constituir-se assistente.

Quanto aos menores de 16 anos, quem se pode constituir assistente é o seu representante
legal. Se não houver representante legal, seguem-se as pessoas aí indicadas pela ordem
prevista.

 Pode ainda constituir-se assistente qualquer pessoa nos crimes contra a paz e
a humanidade, bem como nos crimes de trafico de influência, favorecimento
pessoal praticado por funcionário, denegação da justiça, prevaricação, corrupção,
peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na
obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção.
Aqui encontramos determinados crimes que, sendo cometidos, permitem que qualquer
pessoa se constitua assistente.

O n.º 1 refere que podem existir leis especiais que permitam a constituição de assistente
em determinados casos típicos. É o caso da Lei n.º 20/96, de 6 de Julho, que diz
respeito a crimes cuja motivação verse sobre o racismo. Neste caso, permite a que
associações anti-racistas se constituam assistentes.

Prazos para a constituição como assistente

Relativamente à oportunidade da constituição como assistente, temos o art. 68.º, n.º 2


CPP. Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o
requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n.º 4
do art. 246.º CPP.

O n.º 4 do art. 246.º CPP diz que o denunciante pode declarar na denúncia que deseja
constituir-se assistente. Tratando-se de um crime cujo procedimento depende de
acusação particular, a declaração é obrigatória, devendo neste caso a autoridade
judiciária ou o OPC a quem a denúncia for feita verbalmente, advertir o
denunciante da obrigatoriedade da constituição de assistente e dos procedimentos
a observar.

O art. 68.º, n.º 2 CPP refere 10 dias, a contar da advertência, e o art. 246.º, n.º 4 CPP
diz em que casos ocorre a constituição de assistente. Esta ocorre quando existe uma
denúncia feita à autoridade judiciária ou OPC de forma verbal. Só existe a
obrigatoriedade da advertência em denúncia feita na forma verbal.
Quando a denúncia é feita verbalmente não existem problemas, pois a denúncia é feita,
a autoridade que a recebe adverte e depois existe o prazo de 10 dias para a constituição
de assistente.
Quando se trata de uma denúncia por escrito num crime particular, o requerimento deve
constar na própria denúncia. O Dr. entende isto com recurso à 1.ª parte do art. 246.º,
n.º 4 CPP. A lei aqui não é muito clara, mas se fizermos uma participação de um crime
particular, devemos desde logo requerer a constituição como assistente, na própria
altura.

27
Prática Processual Penal
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Passado o prazo de 10 dias, é ainda possível requerer a constituição como


assistente?
A resposta a esta pergunta tem divergências. Os mais formalistas entendem que a lei
impõe um prazo de 10 dias, e se este prazo for violado, o direito precludiu, ou seja, não
se pode constituir assistente.
Ultimamente, o entendimento vai no sentido de que, como o assistente tem 6 meses
para apresentar a queixa, enquanto esse prazo não decorrer, e como ele pode
sempre renovar a queixa durante esse prazo, entende-se que é possível requerer a
constituição como assistente, desde que seja feita dentro destes 6 meses, ou seja,
enquanto ainda for possível renovar a queixa – art. 115.º, n.º 1 C.Penal.

O art. 68.º, n.º 3 CPP estabelece limites temporais, e diz que os assistentes podem
intervir em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se
encontrar, desde que o requeiram ao juiz:
 Até cinco dias antes do início do debate instrutório ou da audiência de
julgamento – 1.º limite.

Ex.: pretendia-se um pedido de indemnização civil. O pedido foi feito, e estamos


à espera do julgamento. Entretanto é-se notificado de que o arguido requereu a
abertura de instrução e que passados 15 dias vai haver debate instrutório. Pode
suceder que tenhamos interesse em participar no debate para contraditar os
argumentos que o arguido vai apresentar. Tem de se ter em atenção que se
pretende participar no debate instrutório, tem de se requerer até 5 dias antes da
prática desses actos. O mesmo se aplica ao julgamento, se quisermos intervir
como assistente temos de o requerer no prazo desses 5 dias.

Ex.: recebemos a acusação, e o debate instrutório está marcado para daí a 10


dias. Passados 3 dias, requer-se a constituição de assistente. O n.º 4 do art. 68.º
CPP diz que o juiz, após dar ao MP e ao arguido a possibilidade de se
pronunciarem sobre o requerimento, decide por despacho que é logo notificado
àqueles, ou seja, antes de o juiz admitir a nossa constituição como assistente, vai
dar a possibilidade ao MP e ao arguido de se pronunciarem, o que normalmente
se faz no prazo geral de 10 dias.
Se, mesmo tendo feito o requerimento antes dos 5 dias, ainda não tivermos
despacho de admissão, o que devemos fazer?
Deve-se comparecer no debate e requerer ao juiz que, não obstante o
requerimento feito para o arguido se pronunciar, o notifique novamente, ali
pessoalmente, para se pronunciar na hora. Então o arguido pronuncia-se e há
despacho. Se admitido, constitui-se imediatamente.
No debate instrutório, são notificados num muito curto espaço de tempo.

 Nos casos dos arts. 284.º e 287.º, n.º 1, al. b) CPP, no prazo estabelecido
para a prática dos respectivos actos – 2.º limite.
Que actos são estes? São a acusação do assistente e o requerimento de abertura
de instrução.
Mas estes actos têm prazos para ser praticados. Nos termos do art. 284.º, n.º 1
CPP, até 10 dias após a notificação da acusação do MP, o assistente pode
também deduzir acusação pelos factos acusados pelo MP, por parte deles ou por

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Prática Processual Penal
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outros que não importem alteração substancial daqueles, ou seja, mesmo não
sendo assistente, ainda dentro do prazo de 10 dias é possível requerer a
constituição como assistentes e deduzir acusação. O mesmo se aplica ao
requerimento de abertura de instrução.

Ex.: participamos num determinado crime e não nos constituímos assistentes.


Chegado o fim do inquérito, foi proferido despacho de arquivamento. À partida,
como não éramos assistentes, não poderíamos reagir contra aquele despacho de
arquivamento e requerer a abertura de instrução. Mas a lei permite que o
façamos no prazo que temos para requerer a abertura da instrução. Nos 20 dias
que temos para requerer a abertura de instrução (art. 287.º, n.º 1 CPP) podemos
requerer a constituição como assistente e requerer a abertura de instrução.

Representação judiciária dos assistentes


(art. 70.º CPP)

O assistente é sempre representado por advogado. Nunca pode estar por si só em


juízo, é sempre obrigatória a representação judiciária.
Se existirem vários assistentes, nos termos da lei, devem ser representados por um só
advogado, e se divergirem quanto à escolha, esta vai caber ao juiz – n.º 1.

No caso de existirem entre os vários assistentes interesses incompatíveis, ou no caso


de serem diferentes os crimes imputados aos arguidos, cada grupo de pessoas a quem
a lei permitir a constituição como assistente por cada um dos crimes pode constituir um
advogado, não sendo todavia lícito a cada pessoa ter mais do que um representante – n.º
2.

Ou seja, regra geral, existe um único advogado para todos os assistentes. Existem no
entanto duas excepções:
 Quando existam interesses incompatíveis entre assistentes. Nestes casos, o n.º
2, 1.ª parte prevê que se possam defender pelo seu advogado.
 Quando existam vários crimes imputados ao arguido. Neste caso, a cada grupo
a quem a lei permita a constituição como assistente por cada um dos crimes
pode constituir um advogado, com a limitação de não poder haver mais de um
representante para cada pessoa.

O n.º 3 permite que os assistentes possam ser acompanhados por advogados nas
diligências em que intervirem. Este número foi acrescentado com a reforma e veio
resolver uma querela anterior. Durante muito tempo os nossos tribunais impediam os
assistentes de se fazerem acompanhar, em certas diligências, pelo seu advogado.
A lei agora estabeleceu claramente que os assistentes podem ser acompanhados pelo
advogado, mesmo antes de ser ouvido em inquérito.
Existe uma obrigação tributária que implica que para se ser assistente se tem de pagar
uma taxa de justiça – art. 519.º, n.º 1 CPP, que remete para o art. 83.º Código das
Custas Judiciais, que diz que são devidas 2 UC’s pela constituição de assistente
(aproximadamente €192,00), e se pretender requerer a abertura de instrução, paga mais
2 UC’s, ou seja, 4 UC’s no total.

A quem é dirigido o requerimento de constituição de assistente?

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Se estiver a correr inquérito ou instrução, é dirigido ao juiz de instrução criminal.


Se for na fase de julgamento, é dirigido ao juiz do julgamento.

O que é preciso juntar com o requerimento de constituição de assistente?

 Comprovativo do pagamento da taxa de justiça e/ou apoio judiciário;


 Procuração forense, salvo se já estiver junta ao processo por qualquer motivo.

Requerimento para a constituição de Assistente

Proc. n.º 1919/08.1__

Exmo. Sr. Dr.


Juiz de Direito de ___

X, solteiro, maior, residente na Rua ___, n.º ___, cidade e comarca de ___, vem
requerer a sua constituição como assistente, nos termos do art. 61.º, n.º 1, al. a) do CPP,
por ter legitimidade, ser o próprio ofendido, estar em tempo, devidamente representado
e ter pago a taxa de justiça.

Pede deferimento.

Junta: comprovativo do pagamento da taxa de justiça e procuração forense.

A advogada.

Nota: neste tipo de requerimento, nunca podemos deixar de dizer que a pessoa tem
legitimidade, que se encontra dentro do prazo para requerer a constituição de assistente,
está representada e pagou a taxa de justiça.

4. Partes civis

O processo penal admite a possibilidade de no seu seio conter também a acção civil
respectiva, ou seja, juntamente com a prossecução da acção penal pode também surgir
uma acção de cariz indemnizatório. Há aqui como que um “enxerto” civilístico no
processo penal.
Mas não existe apenas uma possibilidade, existe também esta obrigatoriedade, é aquilo
a que se chama o princípio da adesão.

Princípio da adesão – art. 71.º CPP

O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no


processo penal respectivo, só o podendo ser em separado perante o tribunal civil,
nos casos previstos na lei. Isto é, em regra, o processo civil com origem no
cumprimento de um crime deve correr no processo penal.
Nos casos em que a lei o permite, pode correr em separado, nos tribunais civis.

Pedido em separado – art. 72 CPP

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Prática Processual Penal
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Este artigo enuncia as excepções ao art. 71.º CPP. O pedido de indemnização civil
pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, quando:
 O processo penal não tiver conduzido à acusação dentro de oito meses a
contar da notícia do crime, ou estiver sem andamento durante esse lapso de
tempo – al. a). A primeira excepção verifica-se caso depois de ter sido dada a
conhecer a notícia do crime, e passados 8 meses, não houver acusação. Neste
caso, a lei permite que aquele que tem legitimidade para deduzir o pedido cível,
o possa deduzir fora do processo penal. A segunda hipótese é se o processo está
8 meses parado. Por exemplo, pode deduzir acusação nos 2 meses, mas depois o
processo fica parado durante um ano. Nestes casos, a lei abre outra excepção e
permite à parte ir para a jurisdição civil deduzir o correspondente pedido de
indemnização civil.

 O processo penal tiver sido arquivado ou suspenso provisoriamente, ou o


procedimento se tiver extinguido antes do julgamento – al. b). O
arquivamento do processo-crime não implica que não haja lugar à
responsabilidade civil e como tal é possível ir ao tribunal civil e intentar lá a
respectiva acção. A suspensão provisória do processo é uma das faculdades
que existe no final do inquérito, o processo pode ser suspenso provisoriamente.
Ora, o lesado não tem de estar à espera que a suspensão provisória do processo
decorra para ver s depois do processo vai ou não conseguir deduzir o pedido de
indemnização civil em separado. A outra hipótese é se o procedimento se
extinguiu antes do julgamento, ou seja, se houve uma qualquer causa de extinção
do processo (por exemplo, uma amnistia), já que é possível, por força da lei,
deduzir o pedido em separado.

 O procedimento depender de queixa ou de acusação particular – al. c). Se o


procedimento depende de queixa ou acusação particular, ou seja, tratando-se de
crimes semi-públicos ou particulares, a lei estabelece que o lesado pode deduzir
o pedido em separado. A este respeito, é necessário ter atenção ao n.º 2, que diz
que no caso de o procedimento depender de queixa ou de acusação
particular, a prévia dedução do pedido perante o tribunal civil pelas
pessoas com direito de queixa ou de acusação vale como renúncia a este
direito. Isto é , se intentamos uma acção civil primeiro e depois nos queremos
queixar, já não o podemos fazer, porque a lei faz presumir que quem intenta
primeiro a acção civil renunciou ao direito de recorrer aos tribunais penais, isto
é, renunciou ao direito de queixa.

Nota: Qual a diferença entre ofendido e lesado?


O ofendido é o titular dos interesses inerentes à norma jurídica incriminadora.
O lesado é aquele que sofre danos provenientes do crime.

Pode existir ofendido sem haver lesado. Por exemplo, num crime do qual não
resultaram danos, como por exemplo, um furto de um bem com recuperação da coisa,
ou uma tentativa de crime. Nestes casos não existem danos.

Pode também existir lesado sem ser ofendido. Por exemplo, um indivíduo que se
envolve numa luta dentro de um bar e destrói o bar todo. O dono do bar é lesado, mas

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Prática Processual Penal
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não é ofendido. Ou no caso em que A atira em B, mas acerta no carro de C. C é lesado,


mas não é ofendido.

O n.º 2 só faz sentido se a pessoa for simultaneamente ofendido e lesado, porque só o


lesado pode deduzir o pedido de indemnização civil, e só ao ofendido podemos aplicar a
renúncia ao direito de queixa.

 Não houver ainda danos ao tempo da acusação, estes não forem conhecidos
ou não forem conhecidos em toda a sua extensão – al. d). Esta é mais uma
excepção, pois se os danos não forem todos conhecidos, é permitido à pessoa ir
fora do tribunal criminal.

 A sentença penal não se tiver pronunciado sobre o pedido de indemnização


civil, nos termos do n.º 3 do artigo 82.º – al. e). Consta desta norma uma
possibilidade legal, pois nos termos do art. 83.º, n.º 3 CPP, o tribunal pode,
oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis
quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem
uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem
intoleravelmente o processo penal, porque o processo penal está feito com um
determinado mecanismo e tramitação que pode não se consubstanciar com as
necessidades de um processo civil.

 For deduzido contra o arguido e outras pessoas com responsabilidade


meramente civil, ou somente contra estas haja sido provocada, nessa acção,
a intervenção principal do arguido – al. f). Exemplo: um atropelamento e
fuga. Há um processo-crime, e depois há um pedido cível que será deduzido
contra a seguradora (que tem responsabilidade meramente civil). Se no âmbito
desta acção se pretender deduzir também contra o arguido, por existirem dúvidas
quanto ao seguro estar validamente ou não em vigor à data do acidente, é
possível também deduzir esta acção civil fora do âmbito do processo penal.

 O valor do pedido permitir a intervenção civil do tribunal colectivo,


devendo o processo penal correr perante tribunal singular – al. g).
Ou seja, quando foi cometido um crime cuja competência pertence ao tribunal
singular, e se intentássemos também uma acção civil, interviria o colectivo.
Assim, permite-se a dedução do pedido cível fora do processo penal respectivo.

 O processo penal correr sob a forma sumária ou sumaríssima – al. h).

 O lesado não tiver sido informado da possibilidade de deduzir o pedido civil


no processo penal ou notificado para o fazer, nos termos do n.º 1 do artigo
75.º e do n.º 2 do artigo 77.º – al. i). Nos termos do art. 75.º, n.º 1 CPP, logo
que as autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal, no decurso do
inquérito, tomarem conhecimento da existência de eventuais lesados, devem
informá-los da possibilidade de deduzirem pedido de indemnização civil em
processo penal e das formalidades a observar. Se isto não acontecer e este direito
de informação for violado, é possível deduzir o pedido em separado. Outra
hipótese é durante o inquérito ter manifestado a intenção de deduzir pedido de

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Prática Processual Penal
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indemnização civil, mas chega a acusação e não há notificação para o fazer –


art. 77.º, n.º 2 CPP.

Mesmo existindo esta possibilidade de deduzir o pedido de indemnização civil em


separado, quando há um processo-crime, a regra é que ele vai ser deduzido no
próprio processo penal (o que implica não pagar dois processos, dois advogados, etc.).

Legitimidade e poderes especiais – art. 74.º CPP.

O pedido de indemnização civil é deduzido pelo lesado, entendendo-se como tal a


pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído
ou não possa constituir-se assistente – n.º 1.
Independentemente de a pessoa se constituir ou não assistente, pode deduzir o pedido de
indemnização civil.

A intervenção processual do lesado restringe-se à sustentação e à prova do pedido


de indemnização civil, competindo-lhe, correspondentemente, os direitos que a lei
confere aos assistentes – n.º 2.

Representação – art. 76.º CPP.

Compete ao MP formular o pedido de indemnização civil em representação do


Estado e de outras pessoas e interesses cuja representação lhe seja atribuída por
lei. Ou seja, o MP também pode deduzir pedido de indemnização civil – n.º 3.
Cada vez que o Estado tem direito a um pedido de indemnização civil (ex.: no caso de
abuso de confiança fiscal), o MP representa-o. Até 1998, qualquer lesado podia requerer
ao MP que o representasse, mas hoje em dia não é assim.

O n.º 1 trata do patrocínio.


O lesado pode fazer-se representar por advogado, sendo obrigatória a representação
sempre que, sempre que, em razão do valor do pedido, se deduzido em separado, fosse
obrigatória a constituição de advogado, nos termos da lei do processo civil. A partir da
alçada para a acção sumária, o lesado tem de estar representado obrigatoriamente por
advogado. a lógica do processo penal é que em todos os patrocínios que nos termos da
legislação civil impliquem obrigatoriamente representação por advogado, no processo
penal também implicam.

Publicidade e Segredo de Justiça


(art. 86.º CPP)

Em certas matérias, a revisão operou apenas a nível pontual, mas no âmbito da


publicidade e segredo de justiça operou uma mudança a nível de paradigma.
Anteriormente, na fase de inquérito, tínhamos um paradigma que era o segredo, e o
processo apenas se tornava público após a instrução ou a partir do momento em que não
podia ser requerida. Com a nova alteração ao CPP, o paradigma passou a ser sempre
e em qualquer fase, o da publicidade – art. 86.º, n.º 1 CPP.

O n.º 1 do art. 86.º CPP diz que o processo penal é, sob pena de nulidade, público,
ressalvadas as excepções previstas na lei. Aqui está previsto o paradigma da
publicidade.

33
Prática Processual Penal
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Anteriormente não era assim, o segredo de justiça era o paradigma das primeiras fases
do procedimento. Só a partir de determinada fase é que o paradigma da publicidade
entrava em conta.

A lei ressalva logo no n.º 1 as excepções previstas na lei, e elas encontram-se plasmadas
logo nos números seguintes.

De acordo com o n.º 2, o juiz de instrução pode, mediante requerimento do arguido,


do assistente ou do ofendido, e ouvido o MP, determinar, por despacho irrecorrível,
a sujeição do processo, durante a fase do inquérito, a segredo de justiça, quando
entenda que a publicidade prejudica os direitos daqueles sujeitos ou participantes
processuais.
Esta é a primeira excepção ao paradigma da publicidade.

Temos aqui três sujeitos que podem requerer que o inquérito decorra sob segredo
de justiça:
 O arguido
 O assistente
 O ofendido.

Qualquer um destes três sujeitos pode requerer que o inquérito decorra sob segredo de
justiça. Sobre este requerimento é ouvido o MP e o juiz de instrução decidira então
se este requerimento procede ou não.

Qual é o fundamento para ser decretado o segredo de justiça quando a publicidade


prejudicar os direitos dos sujeitos processuais?
Caso se entenda que pode haver prejuízo para estes participantes processuais, a
requerimento dos próprios (arguido, assistente, ofendido), decreta ou pode decretar o
MP o segredo de justiça. Esta é a primeira excepção.

O n.º 3 prevê que sempre que o MP entender que os interesses da investigação ou os


direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, pode determinar a aplicação ao
processo, durante a fase de inquérito, do segredo de justiça, ficando essa decisão
sujeita a validação pelo juiz de instrução no prazo máximo de setenta e duas horas.
Esta é a segunda excepção ao paradigma da publicidade. Enquanto o n.º 2 refere quem
tem o impulso, no n.º 3 é o próprio MP que entende decretar o segredo de justiça.

Em que tempo e quais são os fundamentos para o fazer?


 Interesse da investigação
 Direitos dos sujeitos processuais que justifiquem a aplicação do processo do
segredo de justiça.

O MP, com um ou ambos destes fundamentos, pode entender decretar durante a fase de
inquérito, o segredo de justiça. É o próprio MP que o decreta, simplesmente isto não
fica por aqui, pois não há segredo de justiça apenas com a decisão do MP, é necessário
que esta decisão seja validada pelo juiz de instrução criminal, que tem um prazo de 72
horas para o fazer.

34
Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

Embora não exista muita jurisprudência acerca desta matéria, isto levanta dúvidas.
A primeira é saber a partir de quando começa a contar este prazo de 72 horas: será
da decisão que o MP decreta ou do momento em que este despacho do MP é
concluso ao juiz de instrução? A lei não é muito clara.
Por um lado, se damos um prazo ao JIC, é justo que se dê um prazo a partir do momento
em que tem hipótese para se pronunciar sobre o mesmo, pois se damos 72 horas ao juiz,
é justo que ele tenha estas 72 horas para se pronunciar, e não menos.
Mas, por outro lado, existem outros interesses, ou seja, é relevante que o período entre o
despacho do MP e a decisão do JIC não seja muito grande, isto é, que seja uma decisão
rápida, pois o MP pode demorar a enviar a decisão para o JIC.
No entender do Dr., o legislador quis uma pronúncia rápida, um prazo máximo de 72
horas sobre aquele requerimento do MP porque se assim não fosse, o MP após decretar
a decisão poderia levar muito tempo a enviar o requerimento para o juiz, e passavam as
72 horas. Assim, o prazo de 72 horas deve contar a partir do despacho do MP.
Como tal, assim que o MP decreta o segredo, remete imediatamente o processo ao JIC,
sob pena de passarem as 72 horas e o segredo deixar de existir.

A segunda questão é saber quantas vezes é que isto pode acontecer.


Por exemplo, se o MP decreta o segredo, o processo vai ao JIC e este não despacha nas
72 horas, pelo que passou o prazo de validação. A consequência é que deixou de existir
segredo. Poderá o MP decretar imediatamente novo segredo de justiça?
Isto é um pouco uma fraude à lei, mas não há nada que o impeça. A lei não estabelece
limite às vezes que o MP pode decretar o segredo.
O Dr. entende que podem passar as 72 horas, com a consequência da publicidade do
processo, mas nada impede que o MP decrete novo segredo.

Decretado o segredo pelo MP, pode haver o seu levantamento.

O n.º 4 do art. 86.º CPP diz que no caso de o processo ter sido sujeito, nos termos do
n.º 3, a segredo de justiça, o MP, oficiosamente ou mediante requerimento do arguido,
do assistente ou do ofendido, pode determinar o seu levantamento em qualquer
momento do inquérito. O MP pode decretar o segredo mas também o pode levantar.

É necessário ter em atenção que o n.º 4 só se aplica aos casos do n.º 3, e nunca aos
casos do n.º 2, nem tal faria sentido, porque o segredo do n.º 2 é decretado a
requerimento das partes processuais, se o segredo é pedido por uma parte não faz
sentido vir depois o MP levanta-lo. Só faz sentido o levantamento do segredo pelo MP
quando é ele próprio que o decreta.

No n.º 5 é referido que no caso de o arguido, o assistente ou o ofendido requererem o


levantamento do segredo de justiça, mas o Ministério Público não o determinar, os
autos são remetidos ao juiz de instrução para decisão, por despacho irrecorrível. Ou
seja, se forem estes sujeitos processuais a requerer o levantamento do segredo e o MP
não estiver de acordo, o requerimento vai ao JIC, que decide por despacho irrecorrível.

Esta é a nova estrutura a nível externo.

Publicidade

Temos três vertentes da publicidade do processo – art. 86.º, n.º 6 CPP:

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A publicidade do processo implica, nos termos definidos pela lei, os direitos de:
a) Assistência, pelo público em geral, à realização dos actos processuais;
b) Narração dos actos processuais, ou reprodução dos seus termos, pelos meios de
comunicação social;
c) Consulta do auto e obtenção de cópias, extractos e certidões de quaisquer partes dele.

Cada uma destas três vertentes de publicidade está regulada nos arts 67.º, 68.º e 69.º
CPP, respectivamente.

A publicidade não abrange os dados relativos à reserva da vida privada que não
constituam meios de prova. A autoridade judiciária especifica, por despacho,
oficiosamente ou a requerimento, os elementos relativamente aos quais se mantém o
segredo de justiça, ordenando, se for caso disso, a sua destruição ou que sejam
entregues à pessoa a quem disserem respeito – art. 86.º, n.º 7 CPP.
Aqui temos uma restrição à publicidade. Estamos a falar de dados relativos à reserva da
vida privada, e que não constituam meios de prova.

O n.º 8 do art. 86.º CPP já se refere ao segredo de justiça: o segredo de justiça vincula
todos os sujeitos e participantes processuais, bem como as pessoas que, por qualquer
título, tiverem tomado contacto com o processo ou conhecimento de elementos a ele
pertencentes, e implica as proibições de:
a) Assistência à prática ou tomada de conhecimento do conteúdo de acto processual a
que não tenham o direito ou o dever de assistir;
b) Divulgação da ocorrência de acto processual ou dos seus termos, independentemente
do motivo que presidir a tal divulgação.

O segredo de justiça tem esta dupla vertente: por um lado existe o impedimento de
assistência à prática ou tomada ou dever de assistir, e por outro lado, impedimento de
divulgar a ocorrência de qualquer acto processual e seus termos,
independentemente do motivo que presidir a essa divulgação.

O n.º 9 do art. 86.º CPP diz que a autoridade judiciária pode, fundamentadamente, dar
ou ordenar ou permitir que seja dado conhecimento a determinadas pessoas do conteúdo
de acto ou de documento em segredo de justiça, se tal não puser em causa a
investigação e se afigurar:
a) Conveniente ao esclarecimento da verdade; ou
b) Indispensável ao exercício de direitos pelos interessados.

Este número estabelece uma excepção à excepção, porque o segredo já é uma excepção
à regra da publicidade, e aqui temos uma excepção ao segredo.

Em que casos pode então excepcionalmente ser quebrado o segredo de justiça?


Diz a lei, através de uma decisão de autoridade judiciária, que essa decisão em de ser
fundamentada, a quebra não pode pôr em causa essa decisão, tem de ser conveniente ao
esclarecimento da verdade e por último tem de ser indispensável ao exercício dos
direitos pelos interessados.
Estes são os requisitos que a lei faz depender para excepcionar a matéria que se
encontra abrangida pelo segredo de justiça.
Esta norma só se aplica se o processo estiver sob segredo de justiça.

36
Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

As pessoas referidas no n.º 9 ficam, em todo o caso, vinculadas pelo segredo de


justiça, de acordo com o n.º 10 do art. 86.º CPP.

Se o processo estiver em segredo, pode ainda assim a autoridade judiciária


autorizar a passagem de certidão em que seja dado conhecimento do conteúdo de
acto ou de documento em segredo de justiça em 3 situações – art. 86.º, n.º 11 CPP:
 Quando seja necessária para outro processo de natureza criminal
 Para a instrução de processo disciplinar de natureza pública
 Para instruir o pedido de indemnização civil

Caso diferente é quando o processo respeitar a acidente causado por veículo de


circulação terrestre – n.º 12. Neste caso, a autoridade judiciária autoriza a passagem
de certidão:
a) Em que seja dado conhecimento de acto ou documento em segredo de justiça, para os
fins previstos na última parte do n.º 11 e perante requerimento fundamentado no
disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º;
b) Do auto de notícia do acidente levantado por entidade policial, para efeitos de
composição extrajudicial de litígio em que seja interessada entidade seguradora para a
qual esteja transferida a responsabilidade civil
Esta é uma norma específica relativa aos acidentes de viação e permite abrir excepções
aos casos que estão em segredo.

O n.º 13 permite também uma abertura aos casos em que existe o segredo de justiça.
Este número permite que a autoridade judiciária preste esclarecimento ao público
para pôr fim a especulações que corram na imprensa.
O segredo de justiça não impede a prestação de esclarecimentos públicos pela
autoridade judiciária, quando forem necessários ao restabelecimento da verdade e não
prejudicarem a investigação:
a) A pedido de pessoas publicamente postas em causa; ou
b) Para garantir a segurança de pessoas e bens ou a tranquilidade pública – n.º 13.

A norma do art. 88.º, n.º 4 CPP diz que não é permitida, sob pena de desobediência
simples, a publicação, por qualquer meio, de conversações ou comunicações
interceptadas no âmbito de um processo, salvo se não estiverem sujeitas a segredo de
justiça e os intervenientes expressamente consentirem na publicação. Isto tem a ver
com a matéria das escutas telefónicas.

Com a nova redacção desta norma, para se permitir a publicação das escutas, a lei veio
impor dois requisitos:
 Que o processo não esteja sujeito a segredo de justiça , o que tem lógica, pois
só sendo público é que se permite a transcrição
 Que os intervenientes expressamente consintam na publicação . Na maioria
das vezes as pessoas não estão interessadas em que as coisas venham cá para
fora. É aqui que reside o problema.

Por um lado temos o interesse e o bom-nome das pessoas, e por outro lado temos o
interesse público em geral.

As três vertentes da publicidade do processo

37
Prática Processual Penal
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(arts. 86.º, n.º 6, 87.º, 88.º e 89.º CPP)

1.ª vertente: Assistência do público a actos processuais


Arts. 86.º, n.º 6, al. a) e 87.º CPP.

Aos actos processuais declarados públicos pela lei, nomeadamente às audiências,


pode assistir qualquer pessoa. Oficiosamente ou a requerimento do MP, do arguido
ou do assistente pode, porém, o juiz decidir, por despacho, restringir a livre
assistência do público ou que o acto, ou parte dele, decorra com exclusão da
publicidade – art. 87.º, n.º 1 CPP.
A lei estabelece neste número a regra: abertura da audiência a qualquer pessoa.
Mas estabelece também aqui a excepção: quer oficiosamente, quer a requerimento
do MP, do arguido ou do assistente, o juiz pode restringir esta abertura.
Pode fazê-lo com base no previsto no n.º 2 do mesmo artigo.

O n.º 2 diz que o despacho referido na segunda parte do n.º 1 deve fundar-se em factos
ou circunstâncias concretas que façam presumir que a publicidade causaria grave dano à
dignidade das pessoas, à moral pública ou ao normal decurso do acto e deve ser
revogado logo que cessarem os motivos que lhe deram causa.

O juiz pode invocar três fundamentos para restringir a publicidade da audiência:


 Causar grave dano à dignidade das pessoas
 Causar grave dano à moral pública
 Causar grave dano ao normal decurso do acto.

Ex.: no caso de causar grave dano ao normal decurso do acto, pode suceder que as
pessoas estejam dentro da audiência a provocar graves distúrbios e o juiz tenha de lhes
ordenar que se retirem com fim ao normal decurso da audiência.

O n.º 3 do art. 87.º CPP diz que em caso de processo por crime de tráfico de pessoas
ou contra a liberdade e autodeterminação sexual, os actos processuais decorrem,
em regra, com exclusão da publicidade.
Este número inverte a regra do n.º 1 quando se trate de algum destes crimes.

O n.º 4 diz que decorrendo o acto com exclusão da publicidade, apenas podem assistir
as pessoas que nele tiverem de intervir, bem como outras que o juiz admitir por razões
atendíveis, nomeadamente de ordem profissional ou científica. É o caso dos advogados-
estagiários, que podem ter um interesse de ordem profissional em assistir ao acto
processual.

O n.º 5 diz que a exclusão da publicidade não abrange, em caso algum, a leitura da
sentença, ou seja, a leitura da sentença é sempre pública.

O n.º 6 diz que não implica restrição ou exclusão da publicidade, para efeito do disposto
nos números anteriores, a proibição, pelo juiz, da assistência de menor de 18 anos ou de
quem, pelo seu comportamento, puser em causa a dignidade ou a disciplina do acto. Em
determinados casos o juiz pode excluir determinadas pessoas de assistir à audiência, e
isso não implica a restrição À leitura do processo.

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Prática Processual Penal
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2.ª vertente: Meios de comunicação social


Arts. 86.º, n.º 6, al. b) e 88.º CPP

O n.º 1 do art. 88.º CPP diz que é permitida aos órgãos de comunicação social,
dentro dos limites da lei, a narração circunstanciada do teor de actos processuais
que se não encontrem cobertos por segredo de justiça ou a cujo decurso for
permitida a assistência do público em geral. Existe o direito à informação, e a
comunicação social deve dar essa publicidade.

A al. a) do n.º 2 do art. 88.º CPP salienta que não é, porém, autorizada, sob pena de
desobediência simples, a reprodução de peças processuais ou de documentos
incorporados no processo, até à sentença de 1.ª instância, salvo se tiverem sido
obtidos mediante certidão solicitada com menção do fim a que se destina, ou se
para tal tiver havido autorização expressa da autoridade judiciária que presidir à
fase do processo no momento da publicação. A regra é que até à publicação da
sentença da 1.ª instância, não é possível reproduzir peças processuais ou documentos
incorporados no processo.
A primeira excepção aplica-se caso os documentos ou peças tenham sido obtidos
mediante certidão solicitada com menção do fim a que se destina. A segunda excepção
ocorre se tiver havido autorização expressa da autoridade judiciária que presidir à fase
do processo no momento da publicação.

A al. b) do mesmo artigo diz que também não é autorizada, nos mesmos termos, a
transmissão ou registo de imagens ou de tomadas de som relativas à prática de qualquer
acto processual, nomeadamente da audiência, salvo se a autoridade judiciária referida na
alínea anterior, por despacho, a autorizar; não pode, porém, ser autorizada a transmissão
ou registo de imagens ou tomada de som relativas a pessoa que a tal se opuser.
Em regra, não é possível gravar imagens ou som. Contudo, como excepção, a
autoridade judiciária pode autorizar em alguns casos filmar apenas as imagens, noutros
casos apenas o som e, excepcionalmente, pode autorizar as duas coisas, mas as pessoas
podem-se opor a esta tomada de imagens, e neste caso a autorização não pode ser
concedida.

A al. c) igualmente não autoriza a publicação, por qualquer meio, da identidade de


vítimas de crimes de tráfico de pessoas, contra a liberdade e autodeterminação sexual, a
honra ou a reserva da vida privada, excepto se a vítima consentir expressamente na
revelação da sua identidade ou se o crime for praticado através de órgão de
comunicação social. Nestes casos, a publicação destes factos não é autorizada.

O n.º 3 do art. 88.º CPP diz que até à decisão sobre a publicidade da audiência não é
ainda autorizada, sob pena de desobediência simples, a narração de actos processuais
anteriores àquela quando o juiz, oficiosamente ou a requerimento, a tiver proibido com
fundamento nos factos ou circunstâncias referidos no n.º 2 do art. 87.º CPP.

O n.º 4 diz que não é permitida, sob pena de desobediência simples, a publicação, por
qualquer meio, de conversações ou comunicações interceptadas no âmbito de um
processo, salvo se não estiverem sujeitas a segredo de justiça e os intervenientes
expressamente consentirem na publicação. Este artigo refere-se essencialmente às
escutas telefónicas.

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3.ª vertente: Consulta de auto e obtenção de certidão e informação por sujeitos


processuais
Arts. 86.º, n.º 6, al. c) e 89.º CPP

Esta já é uma vertente interna da publicidade do processo.

O n.º 1 do art. 89.º CPP diz que durante o inquérito, o arguido, o assistente, o ofendido,
o lesado e o responsável civil podem consultar, mediante requerimento, o processo ou
elementos dele constantes, bem como obter os correspondentes extractos, cópias ou
certidões. Esta é a regra. O artigo diz ainda que isto ocorre salvo quando, tratando-se de
processo que se encontre em segredo de justiça, o MP a isso se opuser por considerar,
fundamentadamente, que pode prejudicar a investigação ou os direitos dos participantes
processuais ou das vítimas. Esta é a excepção.

O n.º 2 indica as consequências disto: se o MP se opuser à consulta ou à obtenção dos


elementos previstos no n.º 1, o requerimento é presente ao juiz, que decide por
despacho irrecorrível.
A estrutura é sempre similar: a decisão é do MP mas com o controlo jurisdicional do
JIC.
Isto só se aplica a processos em segredo de justiça.

Se pretender consultar um processo que não está em segredo de justiça, é


necessário requerer autorização ao MP. Se o MP entender que não é possível
consulta-lo, o que deve o MP fazer? Deve decretar o segredo de justiça
imediatamente, pois enquanto o processo não está em segredo de justiça, o MP tem de
autorizar a consulta, uma vez que aqui vale a regra geral.
Assim, para não deixar consultar o processo, deve decretar imediatamente o segredo.
Que consequências advêm daqui? O processo tem de ir para validar pelo JIC em 72
horas, e quanto ao requerimento enviado para pedir a consulta do processo, vai ser
indeferido pelo MP, alegando que tal vai causar problemas à investigação.
Assim, o JIC vai ter de se pronunciar sobre duas coisas:
 Vai ter de validar o segredo decretado pelo MP, no prazo de 72 horas.
 Vai ter de se pronunciar sobre o indeferimento do MP, aqui sem prazo.

O n.º 3 diz que o auto ou as partes do auto a que o arguido, o assistente, o ofendido, o
lesado e o responsável civil devam ter acesso são depositados na secretaria, por
fotocópia e em avulso, sem prejuízo do andamento do processo, e persistindo para todos
o dever de guardar segredo de justiça.
No caso de existir segredo de justiça e haver consulta é na secretaria que ela se
processa, ficando a parte vinculada ao segredo.

O n.º 4 diz que quando, nos termos dos nºs 1, 4 e 5 do artigo 86.º, o processo se tornar
público, as pessoas mencionadas no n.º 1 do art. 89.º podem requerer à autoridade
judiciária competente o exame gratuito dos autos fora da secretaria, devendo o despacho
que o autorizar fixar o prazo para o efeito.
Aqui temos a chamada confiança do processo, ou seja, a partir do momento em que se
torna público, as partes podem requerer a confiança do processo e leva-lo para os
escritórios.

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Prática Processual Penal
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O n.º 6, em termos genéricos, diz que o inquérito, nos termos do art. 276.º CPP, tem
prazos máximos de duração, e esses prazos têm poucas consequências práticas, são
prazos ordenadores.
Mas aqui o legislador atribuiu uma consequência prática, ou seja, a partir do momento
em que termine o prazo máximo de duração do inquérito, diz o art. 276.º CPP que
o processo que se encontra em segredo de justiça passa a ser público para estas
partes.
Isto tem como consequência a obrigação de investigar o mais rápido possível.

Mas a lei estabeleceu salvaguardas para a publicidade do processo – n.º 6:


 O juiz pode estender o prazo por mais 3 meses. Chegado o fim do prazo
máximo, o MP pode pedir ao juiz para lhe dar mais 3 meses de segredo
para as partes.

 Findos os 3 meses o MP pode prorrogar o prazo mais uma vez, desde que se
trate de crimes incluídos nas als. i) a m) do art. 1.º CPP (ou seja, terrorismo,
criminalidade violenta e altamente organizada). Nestes casos, o MP pode pedir
ao juiz este novo prazo argumentando que a investigação não está concluída, que
se trata de um crime previsto nas alíneas referidas e que se afigura indispensável
à investigação estender mais o prazo para o processo estar fechado, mesmo às
partes. Aqui é fixado um prazo indispensável à conclusão da investigação.
Quando o prazo chegar ao fim, já não há mais prorrogação e o processo fica
público para as partes, isto para que os inquéritos não durem eternamente e para
que o MP acelere a investigação.

Nota: o art. 86.º, n.ºs 1 a 5 são muito importantes – publicidade e diversas vertentes, e
restrições às vertentes.

Formas dos actos e da sua documentação


Arts. 92.º e ss. CPP

Língua dos actos e nomeação de intérprete – art. 92.º CPP.

O n.º 1 diz que nos actos processuais, tanto escritos como orais, se utiliza a língua
portuguesa, sob pena de nulidade.

Já o n.º 2 refere que quando houver de intervir no processo pessoa que não
conhecer ou não dominar a língua portuguesa, é nomeado, sem encargo para ela,
intérprete idóneo, ainda que a entidade que preside ao acto ou qualquer dos
participantes processuais conheçam a língua por aquele utilizada. Isto significa que a
língua regra é a língua portuguesa, e havendo qualquer pessoa estrangeira, tem de ser
nomeado intérprete.
Por exemplo, caso se trate de um cidadão inglês, mesmo que toda a gente (advogados,
juízes) saibam a língua, tem de haver um intérprete.

O n.º 3 diz que o arguido pode escolher, sem encargo para ele, intérprete diferente do
previsto no número anterior para traduzir as conversações com o seu defensor. Ou seja,
pode haver um intérprete nomeado e o arguido pode escolher outro para traduzir as
conversas com o seu defensor.

41
Prática Processual Penal
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O n.º 4 diz que o intérprete está sujeito a segredo de justiça, nos termos gerais, e não
pode revelar as conversações entre o arguido e o seu defensor, seja qual for a fase do
processo em que ocorrerem, sob pena de violação do segredo profissional. Os n.ºs 3 e 4
visam proteger o sigilo profissional e foram acrescentados na última revisão.

Participação de surdo, deficiente auditivo ou mudo – art. 93.º CPP.

Estando em causa um surdo, deficiente auditivo ou um mudo, a lei tem regras especiais
a este respeito.

O n.º 1 deste artigo prevê que quando um surdo, um deficiente auditivo ou um mudo
devam prestar declarações, se observam as seguintes regras:
 Ao surdo ou deficiente auditivo é nomeado intérprete idóneo de língua gestual,
leitura labial ou expressão escrita, conforme mais adequado à situação do
interessado;
 Ao mudo, se souber escrever, formulam-se as perguntas oralmente, respondendo
por escrito. Em caso contrário e sempre que requerido nomeia-se intérprete
idóneo.

Forma escrita dos actos – art. 94.º CPP.

O n.º 1 refere-se aos actos processuais que tenham de ser praticados sob a forma escrita.

O n.º 2 refere que se podem utilizar máquinas de escrever ou processadores de texto,


caso em que se certifica, antes da assinatura, que o documento foi integralmente revisto
e se identifica a entidade que o elaborou. Hoje em dia, com a criação do Citius, os actos
também podem ser praticados electronicamente.

O n.º 4 prevê que em caso de manifesta ilegibilidade do documento, qualquer


participante processual interessado pode solicitar, sem encargos, a respectiva transcrição
dactilográfica, nos casos em que não é possível perceber o que está escrito num
documento, quando for redigido à mão.

Actos decisórios – art. 97.º CPP.

O n.º 1 prevê a forma que os actos decisórios dos juízes tomam:


 Sentenças, quando conhecerem a final do objecto do processo;
 Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando
puserem termo ao processo fora do caso previsto na alínea anterior.

O n.º 2 diz que os actos decisórios previstos no n.º 1 tomam a forma de acórdão
quando forem proferidos por um tribunal colegial.

O n.º 3 prevê que os actos decisórios do Ministério Público tomam a forma de


despachos.

Registo e transcrição – art. 101.º CPP.

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De acordo com o n.º 3, sempre que for realizada gravação, o funcionário entrega no
prazo de quarenta e oito horas uma cópia a qualquer sujeito processual que a requeira e
forneça ao tribunal o suporte técnico necessário.

Da comunicação dos actos e da convocação para eles


Arts. 111.º e ss. CPP

Comunicação dos actos processuais – art. 111.º CPP.


Segundo o n.º 1, a comunicação dos actos processuais destina-se a transmitir:
a) Uma ordem de comparência perante os serviços de justiça;
b) Uma convocação para participar em diligência processual;
c) O conteúdo de acto realizado ou de despacho proferido no processo.
São estas, basicamente, as finalidades das comunicações que são permitidas num
processo.

Quem efectua esta comunicação?


O n.º 2 diz que a comunicação é feita pela secretaria, oficiosamente ou precedendo
despacho da autoridade judiciária ou de polícia criminal competente, e é executada pelo
funcionário de justiça que tiver o processo a seu cargo, ou por agente policial,
administrativo ou pertencente ao serviço postal que for designado para o efeito e se
encontrar devidamente credenciado.

Convocação para acto processual – art. 112.º CPP.


Segundo o n.º 1, a convocação de uma pessoa para comparecer a acto processual pode
ser feita por qualquer meio destinado a dar-lhe conhecimento do facto,
inclusivamente por via telefónica, lavrando-se cota no auto quanto ao meio utilizado, ou
seja, existe uma liberdade de meios para convocar para o acto processual.

Quando for utilizada a via telefónica, diz o n.º 2 que a entidade que efectuar a
convocação se identifica e dá conta do cargo que desempenha, bem como dos elementos
que permitam ao chamado inteirar-se do acto para que é convocado e efectuar, caso
queira, a contraprova de que se trata de telefonema oficial e verdadeiro.

Regras gerais sobre notificações – art. 113.º CPP.


Nota: matéria muito importante. Sai no exame o prazo para contar e para isso é
necessário saber quando determinada pessoa foi notificada para esse acto.

Segundo o n.º 1, As notificações efectuam-se mediante:


a) Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado;
b) Via postal registada, por meio de carta ou aviso registados, este é o meio mais
frequente, o envio de carta com AR;
c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos;
d) Editais e anúncios, nos casos em que a lei expressamente o admitir.

É de salientar que as als. a) e b) são fixada de forma genérica, enquanto as als. c) e d)


só são admissíveis como forma de comunicação do actos nos casos expressamente
previstos na lei.

43
Prática Processual Penal
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O n.º 2 diz que quando efectuadas por via postal registada, as notificações presumem-
se feitas no 3.º dia útil posterior ao do envio, devendo a cominação aplicável constar do
acto de notificação.
Quanto a isto, existe alguma divergência, quer jurisprudencial, quer doutrinal.
Há quem entenda que a referência ao “terceiro dia útil” implica que só o terceiro dia tem
de ser útil. O Dr. não entende assim, entende que os três dias tem de ser úteis, pois se
assim não fosse e o legislador penal quisesse equiparar o regime ao regime civil, teria
redigido uma norma semelhante, ou que não é o caso.

Ex.: Se uma carta é enviada numa sexta-feira, em que dia a parte considera notificada?
Considera-se notificada na quarta-feira. Se fosse no processo civil, seria na segunda-
feira. Isto em termos práticos tem consequências sérias.

O n.º 3 prevê que quando efectuadas por via postal simples, o funcionário judicial lavra
uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para
a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio
do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do
depósito e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a
notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo
distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de
notificação.

Como é que se conta o prazo?


A partir do dia em que o carteiro deposita a correspondência e lavra uma nota onde
consta o local onde a depositou, bem como a hora e data do depósito, contam-se cinco
dias e no 5.º dia considera-se notificado. É de salientar que estes 5 dias são corridos,
contam sábados, domingos e feriados.

Ex.: O carteiro depositou a carta numa terça-feira. Em que dia a parte considera
notificada? No 5.º dia posterior ao depósito, ou seja, no domingo.

Segundo o n.º 9, as notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser
feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à
acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem
como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à
dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser
notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de
acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em
último lugar.

Regra geral, em vez de se notificar a parte é possível modificar o advogado.


No entanto, existem certas decisões respeitantes à acusação, decisão instrutória,
sentença, aplicação de medidas de coacção e dedução do pedido de indemnização civil,
cujas notificações têm de ser feitas ao arguido, ou ao assistente, ou às partes civis, só
podem ser feitas aos próprios. Mas a lei diz para além destes, devem também ser feitas
aos advogados, ou seja, têm de ser feitas as notificações aos próprios e devem também
ser feitas aos advogados.

44
Prática Processual Penal
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No caso das notificações serem feitas a ambos, o prazo para a prática do acto
processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em
último lugar.
Portanto, contam-se os prazos de ambos, verifica-se quem foi notificado em último
lugar e a partir daí é que se conta o prazo.

De acordo com o n.º 12, nos casos expressamente previstos, havendo vários arguidos
ou assistentes, quando o prazo para a prática de actos subsequentes à notificação
termine em dias diferentes, o acto pode ser praticado por todos ou por cada um deles
até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.

Existem várias coisas a reter nesta norma:


 Esta norma só se aplica quando estiver expressamente prevista no acto , ou
seja, quando no próprio acto diz que é aplicável o n.º 12 do art. 113.º CPP.
Sempre que existem vários arguidos ou assistentes e estamos perante o prazo, é
preciso verificar se existe alguma menção de que é aplicável o n.º 12 do art.
113.º CPP, porque se não houver, não se aplica.

 Só se aplica também para o caso de existirem vários arguidos ou vários


assistentes.

Ex.: Existem três arguidos e são notificados em dias diferentes. Este n.º 12 do art. 113.º
CPP vem dizer que se os prazos terminarem em dias diferentes, todos podem praticar o
acto até ao termo do prazo daquele que começou a correr em último lugar, pois o prazo
que começou a correr em último lugar aproveita os outros. Isto só se faz entre os
arguidos ou entre os assistentes.

Nota: em termos de notificações, as normas mais importantes são estas, os n.ºs 1, 2, 3, 9


e 12.

Exercício prático

Qual o dia em que a pessoa em questão se considera notificada igual ou o primeiro dia
do prazo?

Grupo 1: a pessoa é notificado por carta registada com AR em:


a) 14/12/2009
b) 09/12/2009
c) 15/12/2009
d) 16/12/2009
e) 04/12/2009

Carta registada – art. 113.º, n.º 2 CPP (3.º dia útil posterior ao envio).

a) Data: 14/12/2009.
Notificação: 17/12/2009.
Primeiro dia do prazo: 18/12/2009.

O dia 14 é uma segunda-feira, logo os dias 15,16 e 17 são três dias úteis, o primeiro dia
do prazo em 18/12/2009.

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Prática Processual Penal
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O dia do envio nunca conta, tal como o dia do depósito, pois a lei fala em três dias
posteriores.

b) Data: 09/12/2009.
Notificação: 14/12/2009.
Primeiro dia do prazo: 15/12/2009.

Os três dias da presunção são dias úteis, logo não se contam no fim-de-semana.
Mas existem em relação a esta matéria dois entendimentos. Há quem entenda que
quando a lei diz terceiro dia útil se está a referir a três dias úteis. Há também quem
entenda que só o terceiro dia é tem de ser útil.

c) Data: 15/12/2009.
Notificação: 18/12/2009.
Primeiro dia do prazo: 19/12/2009.

Em processo penal, desde a revisão de 1998, os prazos passaram a ser como os de


processo civil, ou seja, corridos. Se são corridos no seu meio, também o são no seu
início. Neste caso a notificação foi feita no dia 15, logo a pessoa considera-se notificada
na sexta-feira, dia 18, e o prazo começa a correr no sábado, dia 19.

d) Data: 16/12/2009.
Notificação: 21/12/2009.
Primeiro dia do prazo: 04/01/2010 ou 22/12/2009.

Se se tratar de um processo em que os prazos não correm em férias, o primeiro dia do


prazo seria o dia 04/01 /2010. Se se tratar de um processo em que o prazo corre em
férias, o primeiro dia do prazo é o dia 22/12/ 2009.

e) Data: 04/12/2009.
Notificação: 10/12/2009 ou 07/12/2009.
Primeiro dia do prazo: 11/12/2009 ou 08/12/2009.

Para quem perfilhar a tese de que os três dias têm de ser úteis, a notificação dá-se no dia
10/12/ 2009, porque o dia 4 é uma sexta-feira, logo os dias 5 e 6 não contam, pois são
sábado e domingo. O dia 7 é o primeiro dia, o dia 8 não conta porque é feriado, o dia 9 é
o segundo dia e o dia 10, o terceiro. O prazo da notificação é dia 10.
Para quem defende que só o terceiro dia tem de ser útil, então o primeiro dia será o dia 5
(sábado), o segundo dia será dia 6 (domingo) e o terceiro dia será o dia 7. Assim, o
primeiro dia do prazo será dia 11 para quem perfilha a tese dos três dias úteis ou no dia
8 para quem adopta a tese de que só o terceiro dia tem de ser útil.

Grupo 2: a notificação é feita através de notificação via postal simples com depósito
em:
a) 14/12/2009
b) 09/12/2009
c) 21/12/2009

46
Prática Processual Penal
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Notificação por via postal simples com depósito – art. 113.º, n.º 3 CPP (5.º dia
posterior ao depósito).

a) Data: 14/12/2009.
Notificação: 19/12/2009.
Primeiro dia do prazo: 29/12/2009.

O dia 14 é uma segunda-feira e o dia 19 é um sábado, mas a lei não exige que os cinco
dias sejam úteis.

b) Data: 09/12/2009.
Notificação: 14/12/2009.
Primeiro dia do prazo: 15/12/2009.

O facto de os cinco dias terem decorrido durante o fim-de-semana é irrelevante.

c) Data: 21/12/2009.
Notificação: 26/12/2009.
Primeiro dia do prazo: 04/01/2010 ou 27/12/2009.

O prazo da notificação dos cinco dias nada tem a ver com as férias judiciais, a
notificação presume-se feita no dia 26.
Se o prazo em questão for um prazo que corre em férias, o primeiro dia do prazo a dia
27/12/2009. Se o prazo em questão não corre em férias, o primeiro dia do prazo é o dia
04/01 /2010.

Grupo 3:

Situação I: o arguido é notificado por via postal simples com depósito a 17/12/2009 e o
seu defensor é notificado por carta registada de 18/12/2009.

Arguido:
Data: 17/12/2009.
Notificação: 22/12/2009.
Primeiro dia do prazo: 04/01/2010 ou 23/12/2009.

Advogado:
Data: 18/12/2009.
Notificação: 23/12/2009 ou 21/12/2009.
Primeiro dia do prazo: 04/01/2010 ou 22/12/2009.

Se defendermos a tese de que os três dias, no caso da notificação ao advogado, têm de


ser úteis, o advogado presume-se notificado no dia 23. Se defendermos a tese de que só
o terceiro dia é que terá de ser útil, então o dia da notificação é o dia 21.
O primeiro dia do prazo é dia 04/01/2010, se o prazo não correr em férias. Na hipótese
de o prazo do processo correr em férias, o primeiro dia do prazo será o dia 24/12/ 2009,
de acordo com o art. 113.º, n.º 9 CPP.
Logo, se defendermos a tese de que os três dias são úteis, o primeiro dia prazo é dia
04/01/2010. Se defendermos a tese de que só terceiro dia tem de ser útil e o prazo correr
em férias, o primeiro dia do prazo é um dia 23/12 / 2009, pois o primeiro dia para o

47
Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

advogado seria o dia 22. Logo, aplicando-se o art. 113.º, n.º 9 CPP, o primeiro dia do
prazo é dia 23/12 / 2009.

Situação II: o assistente é notificado por carta registada em 09/12/2009 e o seu


advogado é também notificado por carta registada a 07/12/2009.

Assistente:
Data: 09/12/2009.
Notificação: 14/12/2009.
Primeiro dia do prazo: 15/12/2009.

Advogado:
Data: 07/12/2009.
Notificação: 11/12/2009 ou 10/12/2009.
Primeiro dia do prazo: 12/12/2009 ou 11/12/2009.

Se considerarmos que os três dias têm de ser úteis, o advogado considera-se notificado
no dia 11/12/2009. Caso se considere que apenas o terceiro dia tem de ser útil, o
advogado considera-se notificado no dia 10/12/ 2009. O primeiro dia do prazo é o dia
15/12/2009, pois é a data da última notificação (art. 113.º, n.º 9 CPP).

Grupo 4: o arguido X é notificado por via postal simples com depósito a 03/12/2009, o
seu defensor é notificado por carta registada a 04 /12/2009.
O arguido Y é notificado por via postal simples como depósito a 02/12/ 2009 e o seu
defensor é notificado pessoalmente no dia 11 /12/2009. Este é um só processo.
Qual a data em que as respectivas pessoas se consideram notificadas e qual o primeiro
dia do prazo?

Arguido X:
Data: 03/12/2009.
Notificação: 08/12/2009.
Primeiro dia do prazo: 09/12/2009.

Defensor 1:
Data: 04/12/2009.
Notificação: 10/12/2009 ou 07/12/2009.
Primeiro dia do prazo: 11/12/2009 ou 08/12/2009.

Arguido Y:
Data: 02/12/2009.
Notificação: 07/12/2009.
Primeiro dia do prazo: 08/12/2009.

Defensor 2:
Data: 11/12/2009.
Notificação: 11/12/2009.
Primeiro dia do prazo: 12/12/2009.

O primeiro dia do prazo irá depender.

48
Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

O art. 113.º, n.º 12 CPP só se aplica aos casos expressamente previstos. Sendo um
prazo em que esteja prevista a aplicação do art. 113.º, n.º 12 CPP, o primeiro dia do
prazo seria dia 12/12/2009, porque o defensor 2 foi notificado pessoalmente no dia
11/12/2009, logo o primeiro dia do prazo seria o dia seguinte.
Caso se trate de um prazo para o qual não está prevista a aplicação do art. 113.º, n.º 12
CPP, teríamos de contar separadamente. Mas não nos podemos esquecer de aplicar o
art. 113.º, n.º 9 CPP, isto é, arguido X e defensor 1, e arguido Y e defensor 2. Assim,
nesta última hipótese, em relação ao arguido X defensor 1, o primeiro dia do prazo seria
o dia 11 (na hipótese de os três dias serem úteis) ou dia 9 (na hipótese de se considerar
que só o terceiro dia tem de ser útil. No segundo grupo, arguido Y e defensor 2, o
primeiro dia do prazo seria sempre o dia 12/12/2009.

O art. 114.º CPP trata de casos especiais.


Nota: este artigo saiu no último exame.

O n.º 1 deste artigo diz que a notificação de pessoa que se encontrar presa é
requisitada ao director do estabelecimento prisional respectivo e efectuada na pessoa do
notificando por funcionário para o efeito designado.
Isto aplica-se às pessoas que estejam presas, e neste caso a notificação é pessoal.

O n.º 2 diz que a notificação de funcionário ou agente administrativo pode fazer-se


mediante requisição ao respectivo serviço, mas a comparência do notificado não carece
de autorização do superior hierárquico; quando, porém, a notificação seja feita por outro
modo, o notificado deve informar imediatamente da notificação o seu superior e
apresentar-lhe documento comprovativo da comparência.

O caso que saiu no exame era um caso em que havia um preso, só que não estava preso
à ordem desse processo, mas de outro processo. O entendimento que se tem hoje é que
só corre em férias o prazo em processos nos quais o arguido esteja preso à ordem
desse mesmo processo, se o arguido estiver preso à ordem de outro processo, o prazo
não corre em férias.

Falta injustificada de comparecimento – art. 116.º CPP

O n.º 1 diz que em caso de falta injustificada de comparecimento de pessoa


regularmente convocada ou notificada, no dia, hora e local designados, o juiz condena
o faltoso ao pagamento de uma soma entre 2 UC e 10 UC. Esta é a primeira das
consequências que podem advir para alguém que seja notificado para comparecer, e não
compareça.
Nota: 1 UC = €96,00

O n.º 2 prevê, sem prejuízo do disposto no número anterior, que o juiz pode ordenar,
oficiosamente ou a requerimento, a detenção de quem tiver faltado
injustificadamente pelo tempo indispensável à realização da diligência e, bem
assim, condenar o faltoso ao pagamento das despesas ocasionadas pela sua não
comparência, nomeadamente das relacionadas com notificações, expediente e
deslocação de pessoas. Tratando-se do arguido, pode ainda ser-lhe aplicada medida
de prisão preventiva, se esta for legalmente admissível.

49
Prática Processual Penal
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Advêm daqui 3 consequências:


1. Pode ordenar-se a detenção. Esta pode ser feita ex oficio (por livre e espontânea
vontade de juiz) ou pode fazê-la a requerimento de qualquer das partes.
2. Pode ainda condenar o faltoso ao pagamento das despesas originadas pela falta.
3. Caso se trate do arguido, pode ainda, se no caso for admissível, aplicar-se a
prisão preventiva.

Justificação da falta de comparecimento – art. 117.º CPP

Se houver falta, podemos ainda justifica-la.


Diz a lei que se considera justificada a falta motivada por facto não imputável ao
faltoso que o impeça de comparecer no acto processual para que foi convocado ou
notificado – n.º 1. Esta é a noção de justificação da falta.

O que é que o faltoso deve fazer para justificar a falta?


Segundo o n.º 2, a impossibilidade de comparecimento deve ser comunicada com
cinco dias de antecedência, se for previsível, e no dia e hora designados para a
prática do acto, se for imprevisível. Da comunicação consta, sob pena de não
justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser
encontrado e da duração previsível do impedimento.

Ou seja, temos de distinguir em primeiro lugar duas situações:


 Impedimento previsível
 Impedimento imprevisível

Diz a lei que o impedimento previsível deve ser comunicado com cinco dias de
antecedência. O impedimento imprevisível deve ser comunicado no próprio acto.

Esta justificação tem de indicar três coisas:


 Motivo pelo qual a pessoa não pode comparecer
 Local onde pode ser encontrada
 Duração previsível do impedimento

São estes os três requisitos que deve conter o requerimento para justificação da falta.

Segundo o n.º 3 do art. 117.º CPP, os elementos de prova da impossibilidade de


comparecimento devem ser apresentados com a comunicação referida no n.º 2.
Esta é regra, com o requerimento de justificação da falta juntam-se os elementos de
prova. O artigo prevê no entanto uma excepção, quando se trate de impedimento
imprevisível comunicado no próprio dia e hora, caso em que, por motivo
justificado, podem ser apresentados até ao 3.º dia útil seguinte. Não podem ser
indicadas mais de três testemunhas. Portanto, caso se trate de impedimento
imprevisível, deve ser comunicado no próprio dia e hora, podendo ser requerido ao juiz
que os meios de prova sejam entregues até ao terceiro dia útil seguinte. Aqui coloca-se a
mesma questão do art. 113.º, n.º 3 CPP, o “terceiro dia útil seguinte”.

Além disso, a norma diz que não podem ser indicadas mais de três testemunhas.

50
Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

O n.º 4 trata de um caso específico, que é o impedimento derivado de doença. Se for


alegada doença, o faltoso apresenta atestado médico especificando a
impossibilidade ou grave inconveniência no comparecimento e o tempo provável
de duração do impedimento. A autoridade judiciária pode ordenar o comparecimento
do médico que subscreveu o atestado e fazer verificar por outro médico a veracidade da
alegação da doença.
Se está doente, o meio para comprovar e justificar a falta é o atestado médico, que deve
especificar a impossibilidade ou grave inconveniência no comparecimento e ainda o
tempo provável de duração do impedimento.
A norma tem ainda a previsão de uma possibilidade dada à autoridade judiciária, que é
mandar comparecer o médico para que venha explicar o que consta do atestado, ou
então mandar verificar por outro medico aquilo que consta do atestado.
São normas que servem mais para assustar, de modo a que não se passem atestados
médicos falsos.

O n.º 6 tem ainda outra prerrogativa no caso de impedimento, que é se houver


impossibilidade de comparecimento, mas não de prestação de declarações ou de
depoimento, a lei permite que esta se realize no dia, hora e local que a autoridade
judiciária designar, ouvido o médico assistente, se necessário.
Pode assim o tribunal deslocar-se ao hospital ou a casa da pessoa para que esta preste
depoimento, pois ela está capaz para depor, mas incapaz de se deslocar ao tribunal.

Por último, há um novo número que foi introduzido na última revisão, o n.º 8, que se
refere aos advogados. Este artigo diz que o disposto nos números anteriores no que se
refere aos elementos exigíveis de prova não se aplica aos advogados, podendo a
autoridade judiciária comunicar as faltas injustificadas ao organismo disciplinar da
respectiva Ordem. Se o advogado falta, é comunicada a falta à O.A. Mas se o
advogado justifica a falta, a palavra do advogado deve bastar.

Nota: relativamente à questão de saber se os três dias são ou não úteis, o Acórdão da
Relação de Guimarães de 04 de Abril de 2005 defende que os três dias devem ser
úteis.
Este acórdão considera que o que a lei diz, literalmente e linguisticamente correcta, é
que os três dias são úteis. Se o legislador quisesse optar por uma solução diferente tê-lo-
ia dito de forma diferente.
Entende-se a diferença de regimes porque em processo penal os interesses são maiores,
logo a presunção deve ser mais longa.

Requerimento de justificação de falta


(com todos os requisitos do art. 117.º CPP)

I. Impedimento previsível

Exmo. Sr. Dr.


Juiz de Direito do Tribunal de …

A, casado, residente na Rua …, n.º …, da freguesia e concelho de …, testemunha no


processo n.º …, atento à notificação que o convoca a estar presente na audiência de

51
Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

julgamento no dia 16 de Janeiro do corrente ano, pelas 9:30h, a fim de prestar


depoimento,

vem, muito respeitosamente, dizer e requerer o seguinte:

No dia e hora designados para a realização da audiência de julgamento, o requerente


encontra-se impossibilitado de comparecer, em virtude de no referido dia se encontrar
internado no Hospital Sra. das Oliveiras em Guimarães, para ser submetido a uma
operação às cataratas.
A referida operação acarretará um internamento de um dia.
Tal operação é inadiável, pelo facto de o requerente já se encontrar em lista de espera há
mais de quatro anos, e só agora ter sido chamado, e o seu adiamento implicaria nova
espera.

Pelo que se requer a V. Ex.ª a justificação da


não comparência no acto.

Pede deferimento.

O requerente.

II. Impedimento imprevisível

Exmo. Sr. Dr.


Juiz de Direito do Tribunal de …

A, casado, residente na Rua …, n.º …, da freguesia e concelho de …, testemunha no


processo n.º …, a decorrer no Tribunal Judicial de …, atento à notificação que o
convoca a estar presente na audiência de julgamento no dia 16 de Janeiro do corrente
ano, pelas 9:30h, a fim de prestar depoimento,

vem, muito respeitosamente, dizer e requerer o seguinte:

Hoje, pelas 7:30h, a esposa do requerente deu entrada da maternidade, em trabalho de


parto, no Hospital S. João do Porto, motivo que impossibilita o requerente de
comparecer no acto para que estava convocado.
Prevê-se que este impedimento dure até às 15:00h.

Pelo que se requer a V. Ex.ª a justificação da


não comparência no acto.

Pede deferimento.

O requerente.

Prazos

52
Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

O art. 103.º CPP regula quando se praticam os actos processuais. A regra geral está
contida no n.º 1 do art. 103.º CPP, que diz que os actos processuais se praticam nos
dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias
judiciais.
Temos aqui três ideias a reter:
 Nos dias úteis
 Nas horas de expediente
 Fora do período de férias judiciais

O que são as horas de expediente do serviço?


Os tribunais abrem às 9:00h, encerram para almoço às 12:30h, reabrem às 13:30h e
fecham ao público às 16:00h. Este é o horário dos tribunais.

Não obstante esta norma, será que se pode praticar um acto por fax depois das 16:00h?
Nesta matéria aplica-se subsidiariamente a matéria respectiva do processo civil, que
permite que por telecópia sejam praticados actos até às 00:00h, para cumprir um
determinado prazo. É uma excepção a esta regra do art. 103.º, n.º 1 CPP.

O art. 143.º, n.º 4 CPCivil determina que as partes podem praticar os actos processuais
por transmissão electrónica de dados ou através de telecópia, em qualquer dia e
independentemente da hora da abertura e do encerramento dos tribunais.

A propósito do correio electrónico, há muita matéria relativa aos prazos que não está
regulamentada, então temos de nos socorrer do processo civil. Ora, o processo civil
admite que se pratiquem actos por correio electrónico, mas diz no n.º 1 do art. 150.º
CPCivil que os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são
apresentados a juízo preferencialmente por transmissão electrónica de dados, nos termos
definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º–A, valendo como data da prática
do acto processual a da respectiva expedição.
A portaria aqui referida é a portaria que criou e regulamentou o CITIUS. Simplesmente
o CITIUS não se aplica ao processo penal. Ou seja, existe uma portaria que regulamenta
o envio de peças por correio electrónico, que é também a mesma portaria que cria e
regulamenta o CITIUS, mas o CITIUS não se aplica ao processo-crime. Quid iuris?
Se a lei o prevê, mas através de uma portaria que por sua vez exclui da sua aplicação o
processo penal, pode ou não enviar-se peças de processo penal por correio electrónico?
Vem-se entendendo que sim, e que para efeitos de processo penal não vigorará esta
portaria que instituiu o CITIUS, mas as anteriores continuam a valer e aplicam-se as
regras das portarias revogadas pela portaria que criou o CITIUS, valendo essas regras
para o processo penal.
Continua a ser possível praticar actos por correio electrónico, sem ser através do
CITIUS, pois em processo civil o envio por correio electrónico só se faz através do
CITIUS.

Este art. 103.º, n.º 1 CPP levanta ainda outra questão, a questão de saber o que fazer
quando há tolerância de ponto. O CPCivil mais uma vez dá-nos a resposta. Sempre
que se encontrar uma lacuna deve-se tentar resolve-la no processo civil.
O n.º 2 do art. 144.º CPCivil diz que quando o prazo para a prática do acto processual
terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo
para o primeiro dia útil seguinte, e o n.º 3 diz que para efeitos do disposto no número

53
Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

anterior, se consideram encerrados os tribunais quando for concedida tolerância de


ponto.
Portanto, se for concedida tolerância de ponto, considera-se que o tribunal está
encerrado, logo se o prazo terminar nesse dia, transfere-se para o dia útil seguinte.

Se o n.º 1 do art. 103.º CPP nos dá a regra, o n.º 2 abre logo várias excepções.
A al. a) é talvez a mais importante, e diz que se exceptuam do disposto no número
anterior os actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou
indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas. Esta é logo a primeira restrição à
aplicação da regra do n.º 1.
Esta excepção resulta directamente da lei, não tem de ser decretada pelo juiz. Existem
outras, no entanto, que têm de ser expressamente decretadas pelo juiz.

A lei fala em arguidos presos, logo não devemos equiparar a este regime aqueles que
estão a cumprir obrigação de permanência na habitação.
A lei em muitos aspectos equiparou ambos os regimes, mas aqui não o fez. Assim, esta
excepção só se aplica aos casos dos presos.

Havendo um processo, o art. 104.º, n.º 2 CPP diz que correm em férias os prazos
relativos a processos nos quais se devam praticar os actos referidos nas als. a) a e)
do n.º 2 do art. 103.º CPP. O art. 104.º, n.º2 CPP está intimamente ligado ao art.
103.º, n.º 2, als. a) a e) CPP.

Nos termos do art. 103.º, n.º 2, al. a) CPP, os prazos correm em férias não só para o
preso, mas também para os outros sujeitos processuais desse processo (ex.: outros
arguidos que não estejam presos, assistente e partes civis, etc.). Não é só para o arguido
preso que o prazo corre em férias.

A al. b) do n.º 2 do art. 103.º CPP diz-nos que ainda se praticam fora da regra do n.º 1
os actos de inquérito e de instrução, bem como os debates instrutórios e audiências
relativamente aos quais for reconhecida, por despacho de quem a elas presidir,
vantagem em que o seu início, prosseguimento ou conclusão ocorra sem aquelas
limitações.
Ao contrário da al. a), aqui já temos uma excepção que tem ser decretada pelo juiz, não
ocorre automaticamente. Enquanto que a al. a) é op legis, isto é, resulta directamente da
lei, a al. b) é op iudicis, tem de ser a própria autoridade a estabelecer que a prática de
determinado acto ocorra fora dos condicionalismos previstos no n.º 1.

A al. c) refere que se exceptuam do previsto no n.º 1 os actos relativos a processos


sumários e abreviados. Quando se tratar de um processo abreviado, o prazo corre
em férias.

A al. d) exceptua do n.º 1 os actos processuais relativos aos conflitos de competência,


requerimentos de recusa e pedidos de escusa.

A al. e) exceptua os actos relativos à concessão da liberdade condicional, quando se


encontrar cumprida a parte da pena necessária à sua aplicação.

54
Prática Processual Penal
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Por último, a al. f) exceptua os actos de mero expediente, bem como as decisões das
autoridades judiciárias, sempre que necessário.

Estas são as excepções à aplicação da regra do n.º 1 do art. 103.º CPP.

O n.º 3 introduz regras no que toca ao interrogatório. Este artigo diz que o
interrogatório do arguido não pode ser efectuado entre as 0 e as 7 horas. A lei
estabelece no entanto duas excepções: caso se trate de acto seguido à detenção (a lei
veio estabelecer aqui um limite temporal), nas seguintes situações:
a) Nos casos da al. a) do n.º 5 do artigo 174.º CPP – ou seja, crime de terrorismo,
criminalidade violenta ou extremamente organizada.
b) Quando o próprio arguido o solicite, isto é, quando o próprio arguido pretenda ser
interrogado àquelas horas.
Nestes casos, pode o interrogatório decorrer durante o período constante do n.º 3, entre
as 00:00h e as 07:00h.

Na última revisão, introduziu-se uma novidade, que é o n.º 4, relativo à duração máxima
do interrogatório.
Este n.º 4 determina que o interrogatório do arguido tem a duração máxima de
quatro horas, podendo ser retomado, em cada dia, por uma só vez e idêntico prazo
máximo, após um intervalo mínimo de sessenta minutos.
Durante um dia, o arguido só pode ser interrogado durante 8h, e entre cada 4h tem de
haver um intervalo de uma hora.

A lei no n.º 5 estabelece quais as consequências da violação destes limites. São nulas,
não podendo ser utilizadas como prova, as declarações prestadas para além dos
limites previstos nos nºs 3 e 4.
Portanto, sempre que houver violação das normas que prevêem os limites (n.ºs 3 e 4), a
lei fere estas violações com a nulidade.

Quanto os prazos, ao contrário do processo civil, no qual existem prazos dilatórios, em


processo penal só existem prazos peremptórios, ou seja, prazos em que após o seu
decurso se extingue a possibilidade da prática do acto.
Existem em processo penal apenas uns prazos ligeiramente diferentes. São os prazos
previstos para a prática dos actos das autoridades judiciárias – MP e juiz. São
prazos de natureza meramente ordenadora, ou seja, não ficam precludidos se não
cumprirem o prazo.

O art. 104.º CPP diz expressamente que se aplicam à contagem dos prazos processuais
as disposições da lei do processo civil. É uma remissão para o regime civilístico.

No processo penal, valem as seguintes regras:


 Regra da continuidade dos prazos – contam-se nos fins-de-semana e feriados.
 Os prazos suspendem-se nas férias judiciais, por regra.
 Se um prazo terminar num dia em que o tribunal esteja encerrado, o prazo
transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.

São todas regras do art. 144.º CPCivil, que também se aplicam ao processo penal
por via do art. 104.º, n.º 1 CPP.

55
Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

As normas do CPCivil também se aplicam no que diz respeito ao justo


impedimento, muito embora o justo impedimento tenha previsão no CPP, no art. 107.º,
n.º 2 CPP, que diz que os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos
estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior, a
requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso
respeitar, desde que se prove justo impedimento.
As normas constantes do art. 107.º CPP não são exaustivas, devemos também aplicar o
CPCivil, nomeadamente o art. 146.º CPCivil, relativas ao justo impedimento.

Remissão: art. 107.º CPP → art. 146.º CPCivil.

O justo impedimento tem três características essenciais:


1. Quando se invoca o justo impedimento, deve ser sempre exercido o
contraditório. A parte contrária deve ser chamada a pronunciar-se sobre o
motivo alegado pela parte que quer praticar acto fora do prazo.
2. O justo impedimento deve resultar sempre de um evento não imputável à
parte.
3. Aplicação subsidiária do art. 146.º CPCivil, em tudo o que não esteja previsto
no CPP, é aplicável o regime do CPCivil.

O art. 107.º CPP tem mais aspectos relevantes, tais como o que consta do n.º 1, que é a
possibilidade de renúncia ao decurso e prática de acto. A pessoa em benefício da
qual um prazo for estabelecido pode renunciar ao seu decurso, mediante requerimento
endereçado à autoridade judiciária que dirigir a fase do processo a que o acto respeitar, a
qual o despacha em vinte e quatro horas.
Em que circunstâncias é que isto poderá ter algum sentido e utilidade?
O fundamento é a celeridade processual.
O caso mais típico é o caso de o arguido estar preso preventivamente. Sai a
acusação e o arguido tem 20 dias para requerer a abertura de instrução. Mas o arguido
não tem interesse em requerer a abertura de instrução. Se não requerer a abertura de
instrução e se nada disser, o processo vai estar vinte e tal dias no MP à espera que entre
algum requerimento. Se não entrar, o MP remete o processo para julgamento, mas
entretanto gastaram-se vinte e tal dias e nada se fez. Se o arguido está preso, tem todo o
interesse em ser julgado o mais rapidamente possível.
Assim, pode renunciar ao decurso do prazo para requerer a abertura de instrução e
automaticamente o processo é logo distribuído e segue para julgamento, mais
rapidamente do que se nada fizesse.

O n.º 6 do art. 107.º CPP diz que quando o procedimento se revelar de excepcional
complexidade, nos termos da parte final do n.º 3 do artigo 215.º, o juiz, a
requerimento do MP, do assistente, do arguido ou das partes civis, pode prorrogar
os prazos previstos nos artigos 78.º, 287.º e 315.º e nos nºs 1 e 3 do artigo 411.º, até
ao limite máximo de 30 dias.

Existem aqui várias coisas a reter: em primeiro lugar, esta norma só se aplica a
processos que se revelem de excepcional complexidade. Por outro lado, esta
excepcional complexidade é apreciada nos termos do art. 215.º, n.º 3, parte final, que
diz que o processo se revela de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao
número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.

56
Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

Verificando-se estas circunstâncias, e decretando-se a excepcional complexidade do


processo, é possível pedir prorrogações de prazo.

Podem pedir a prorrogação os sujeitos indicados na norma: o MP, o assistente, o


arguido ou as partes civis.

Esta possibilidade não é para todo e qualquer prazo, mas apenas para os prazos
previstos na norma:
 Art. 78.º CPP (contestação ao pedido de indemnização civil)
 Art. 287.º CPP (requerimento de abertura de instrução)
 Art. 315.º CPP (contestação criminal do arguido)
 Art. 411.º, n.ºs 1 e 3 CPP (prazo para as alegações de recurso).

Só nestes quatro prazos é que poderá haver prorrogação de prazo.


Esta prorrogação tem um limite máximo de 30 dias.

Nota: no exame saiu uma questão do género: o prazo para contestar o pedido cível é
sempre de 20 dias. Verdadeiro ou falso? É falso, nos termos dos arts 68.º, n.º 1 e 107.º,
n.º 6 CPP.

Ainda relativamente aos prazos, em processo penal há um prazo geral de aplicação


subsidiária. É o que consta do art. 105.º CPP. Sempre que não se indique
directamente na lei qual é o prazo para a prática do acto, vale o prazo geral do art.
105.º, n.º 1 CPP. Salvo disposição legal em contrário, é de 10 dias o prazo para a
prática de qualquer acto processual.

Ainda no que toca ao art. 104.º, n.º 2 CPP, quanto ao prazo para a prática de actos
durante as férias, há duas notas importantes:

 Isto aplica-se nos casos do art. 103.º, n.º 2, al. a) CPP e aplica-se não só ao
próprio arguido preso, mas a todos os sujeitos processuais.

 Isto aplica-se no processo ao abrigo do qual o arguido está preso, pois o arguido
pode estar preso ao abrigo de um outro processo.

Os prazos no processo em que o arguido não está preso suspendem-se em férias,


porque o n.º 2 do art. 104.º CPP só se aplica os processos nos quais se devam praticar
os actos referidos nas als. a) a e) do n.º 2 do art. 103.º CPP.
A palavra-chave do art. 104.º, n.º 2 CPP é “processos”, não se refere ao arguido preso.

Aceleração processual – arts. 108.º a 110.º CPP

Os arts. 108.º a 110.º CPP tratam da possibilidade de requerer a aceleração processual.


O n.º 1 do art. 108.º CPP diz que quando tiverem sido excedidos os prazos previstos
na lei para a duração de cada fase do processo, podem o MP, o arguido, o assistente
ou as partes civis requerer a aceleração processual.
Para podermos aplicar este regime, primeiro temos de verificar qual a duração de cada
prazo processual.

Inquérito

57
Prática Processual Penal
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(art. 276.º CPP)

Prazo máximo de duração do inquérito


Os prazos máximos de duração do inquérito são vários, dependendo das circunstâncias.
A regra geral consta do n.º 1 do art. 276.º CPP, que diz que o MP encerra o inquérito,
arquivando-o ou deduzindo acusação, nos prazos máximos de seis meses, se houver
arguidos presos ou sob obrigação de permanência na habitação, ou de oito meses,
se os não houver.

A regra geral é que se não houver arguidos presos ou sob obrigação de


permanência na habitação, o prazo máximo de duração do inquérito é de oito
meses. Se houver arguidos presos ou sob obrigação de permanência na habitação,
o prazo máximo do inquérito é de seis meses.

A al. a) do n.º 2 do art. 276.º CPP diz ainda que o prazo de seis meses referido no
número anterior é elevado para 8 meses, quando o inquérito tiver por objecto um
dos crimes referidos no n.º 2 do artigo 215.º. O n.º 2 do art. 215.º CPP refere os
chamados crimes do catálogo. É uma norma relativa ao prazo máximo da prisão
preventiva, e estabelece um determinado prazo para um rol grande de crimes.

Remissão: art. 276.º, n.º 2, al. a) CPP → art. 215.º, n.º 2 CPP.

Assim, o prazo de oito meses pode existir em duas situações diferentes:


1. Processo sem arguido preso ou sob obrigação de permanência na habitação
2. Processo sem arguido preso ou sob obrigação de permanência na habitação, mas
tratando-se de um dos crimes do n.º 2 do art. 215.º CPP.

O prazo de seis meses é ainda elevado, nos termos da al. b) do n.º 2 do art. 276.º CPP,
para 10 meses, quando, independentemente do tipo de crime, o procedimento se
revelar de excepcional complexidade, nos termos da parte final do n.º 3 do artigo
215.º CPP.

O prazo de seis meses é ainda alargado, nos termos da al. c) do n.º 2 do art. 276.º CPP,
para 12 meses, nos casos referidos no n.º 3 do artigo 215.º CPP. O prazo pode passar
de 6 para 12 meses caso se trate não só da parte final do n.º 3 do art. 215.º CPP
(crimes de excepcional complexidade), mas ainda dos crimes do catálogo (n.º 2 do art.
215.º CPP).

Assim, recapitulando, o prazo máximo do inquérito pode ser, nos termos do n.º 1 do
art. 276.º CPP:
 6 meses – processo com arguido preso ou sob obrigação de permanência na
habitação.
 8 meses – processo sem arguido preso ou sob obrigação de permanência na
habitação.

Nos termos do n.º 2, o prazo de 6 meses pode ser elevado, em 3 circunstâncias:


1. Para 8 meses, caso se trate de um dos crimes do catálogo (art. 215.º, n.º
2 CPP).

58
Prática Processual Penal
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2. Para 10 meses, se se tratar de um processo de excepcional


complexidade.
3. Para 12 meses, se se tratar de um processo de um dos crimes do
catálogo que seja de excepcional complexidade.

Mas estes prazos são meramente ordenadores, e nem sempre são respeitados. O seu
desrespeito tem duas consequências principais:
 As partes podem pedir a aceleração processual.
 Prende-se com o segredo de justiça. O segredo à partida durará até ao prazo
máximo de duração do inquérito, podendo ser prorrogado. Se o prazo do
inquérito é prorrogado, o processo abre-se e acaba o segredo de justiça.

Instrução
(art. 306.º CPP)

Prazo máximo de instrução

A instrução também tem um prazo máximo de duração, nos termos do art. 306.º CPP.
Nos termos do n.º 1, o juiz encerra a instrução nos prazos máximos de dois meses, se
houver arguidos presos ou sob obrigação de permanência na habitação, ou de
quatro meses, se os não houver.
Segundo o n.º 2, o prazo de dois meses referido no número anterior é elevado para
três meses quando a instrução tiver por objecto um dos crimes referidos no n.º 2
do artigo 215.º CPP.

Portanto, aqui existem 3 hipóteses:


 2 meses – se houver arguido preso ou sob obrigação de permanência na
habitação.
 4 meses – se não houver arguido preso ou sob obrigação de permanência na
habitação.
 3 meses – excepção: se houver arguido preso e se tratar de um dos crimes do
art. 215.º, n.º 2 CPP. Pelo facto de se tratar de crimes mais complexos, entende-
se que o prazo seja maior.

Julgamento
(art. 312.º, n.º 1 CPP)

O art. 312.º, n.º 1 CPP diz que, resolvidas as questões referidas no art. 311.º CPP, o
presidente despacha designando dia, hora e local para a audiência. Esta é fixada para a
data mais próxima possível, de modo que entre ela e o dia em que os autos foram
recebidos não decorram mais de dois meses.

Pedido de aceleração – tramitação


(art. 109.º CPP)

Segundo o art. 108.º, n.º 2 CPP, o pedido é decidido:


a) Pelo Procurador-Geral da República, se o processo estiver sob a direcção do MP;
b) Pelo Conselho Superior da Magistratura, se o processo decorrer perante o tribunal
ou o juiz.

59
Prática Processual Penal
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Dirigimos o pedido ao PGR se o processo estiver em inquérito, e ao presidente do


Conselho Superior da Magistratura se o processo estiver em fase de instrução ou
julgamento.

O pedido de aceleração deve, nos termos do art. 109.º, n.º 1 CPP, ser entregue no
tribunal ou entidade a que o processo estiver afecto.

Depois, de acordo com o art. 109.º, n.º 2 CPP, o juiz ou o MP instruem o pedido com
os elementos disponíveis e relevantes para a decisão e remetem o processo assim
organizado, em três dias, ao Conselho Superior da Magistratura ou à Procuradoria-
Geral da República.
Se não remeterem o processo em três dias, quid iuris? Mais uma vez trata-se de um
prazo meramente ordenador, não preclude nada. O que se pode fazer é mais uma vez
participar à entidade competente.

Segundo o n.º 3, o Procurador-Geral da República profere despacho no prazo de


cinco dias.
Nos termos do n.º 4, se a decisão competir ao Conselho Superior da Magistratura, uma
vez distribuído o processo vai à primeira sessão ordinária ou a sessão extraordinária se
nisso houver conveniência, e nela o relator faz uma breve exposição, em que conclui por
proposta de deliberação. Não há lugar a vistos, mas a deliberação pode ser adiada até
dois dias para análise do processo.
Os órgãos colegiais têm uma forma de funcionar mais burocrática do que o PGR.
Assim, o processo tem de ir à próxima sessão ordinária ou extraordinária, se se entender
conveniente. O relator apresenta a proposta de deliberação e o Conselho decide.
Quando se diz que não há visto significa que não há necessidade de o processo ir a visto
aos restantes membros do Conselho para eles depois se poderem pronunciar sobre a
decisão.

Como diz o n.º 5 do art. 109.º CPP, a decisão é tomada, sem outras formalidades
especiais, no sentido de:
a) Indeferir o pedido por falta de fundamento bastante ou por os atrasos verificados se
encontrarem justificados – o PGR ou o Conselho podem decidir que não foi violado
nenhum prazo, ou então que o excesso do prazo está devidamente justificado pelo MP
ou pelo juiz.
b) Requisitar informações complementares, a serem fornecidas no prazo máximo de
cinco dias – pode acontecer que o PGR ou o Conselho não tenham elementos suficientes
para decidir, e então requerem mais informações a quem de direito.
c) Mandar proceder a inquérito, em prazo que não pode exceder 15 dias, sobre os
atrasos e as condições em que se verificaram, suspendendo a decisão até à realização do
inquérito.
d) Propor ou determinar as medidas disciplinares, de gestão, de organização ou de
racionalização de métodos que a situação justificar – pode determinar medidas
disciplinares ao magistrado encarregue do processo, pode alterar a orgânica de
funcionamento do próprio tribunal, pode reorganizar os serviços ou métodos de
trabalho.

60
Prática Processual Penal
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Se o pedido de aceleração for manifestamente infundado, de acordo com o art.


110.º CPP, o requerente poderá ser condenado ao pagamento de uma soma que
pode variar entre 6 e 20 UC’s.

Exercício prático

Quatro indivíduos maiores de 21 anos, A, B e C portugueses, e D ucraniano


(desconhecedor da língua portuguesa), combinaram vingar-se de E, seu patrão, por
este não lhes pagar o salário devido pelo seu trabalho.
Assim, em Fevereiro de 2008, todos escreveram e enviaram anonimamente uma carta a
E, onde lhe chamaram vigarista e gatuno.
Em Setembro de 2008, C e D vêem E a passar na rua e, em comunhão de esforços,
agridem-no a soco e pontapé, ao mesmo tempo que lhe diziam que eram os autores do
referido escrito, aproveitando ainda para lhe subtraírem a carteira, com a quantia de
€200,00. Foram detidos imediatamente pela PSP e apresentados ao MP para primeiro
interrogatório.
Logo nesse dia, E apresentou queixa não só pelos factos que tinham acabado de
acontecer, como pelos factos de Fevereiro. Requereu a constituição como assistente, a
qual veio a ser admitida.
No dito interrogatório, em que C e D prescindiram de defensor, confessaram
integralmente a prática do crime de roubo.
O MP apresentou-os ao JIC para o competente interrogatório, tendo aí os mesmos
optado pelo silêncio.
Findos os interrogatórios, o JIC aplicou a C a medida de prisão preventiva.
Mais tarde, findo o inquérito, o MP notificou o assistente e seu mandatário por carta
registada de 19 de Dezembro de 2008, para deduzir acusação (arts. 285.º e 284.º CPP).
Porém, porque o assistente e seu advogado passaram pelo tribunal no dia 22 de
Dezembro, o funcionário aproveitou para notificar para os sobreditos fins, o que
aconteceu.

1). Até quando podia o assistente apresentar a acusação particular quando o crime
particular?

A, B, C e D, praticaram em co-autoria o crime de injúrias, p. e p. no art. 181.º C.Penal.


Trata-se de um crime particular, nos termos do art. 188.º C.Penal, pelo que depende da
apresentação de queixa, constituição como assistente e de acusação particular.
Sendo um crime particular, tem legitimidade para apresentar a queixa o ofendido, no
caso concreto, E, uma vez que este é titular dos interesses que a lei especialmente visa
proteger com a incriminação (art. 113.º, n.º 1 C.Penal).
Tendo E sido notificado para deduzir acusação por carta registada no dia 19 de
Dezembro, o assistente dispõe de 10 dias para deduzir acusação particular, nos termos
do art. 285.º CPP.
Tendo a notificação ocorrido por contacto pessoal a 22 de Dezembro, o assistente e seu
mandatário consideram-se notificados no próprio dia (art. 113.º, n.º 1, al. a) CPP).
Existe um arguido preso à ordem do processo em causa, o que faz com que o prazo
corra em férias – arts. 114.º, n.º 2 e 103.º, n.º 2, al. a) CPP. Logo, o primeiro dia do
prazo é o dia 23 de Dezembro.
Desta forma, o prazo termina no dia 1 de Janeiro de 2009. Mas, não sendo o dia 1 de
Janeiro um dia útil, uma vez que é feriado, e os tribunais se encontram encerrados, o

61
Prática Processual Penal
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termo do prazo transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, dia 2 de Janeiro de 2009,
sexta-feira, nos termos do art. 144.º, n.º 2 CPCivil ex vi art. 104.º CPP.
Assim, o último dia do prazo para a dedução da acusação particular, sem multa, é o dia
2 de Janeiro de 2009.
Porem, o acto pode ainda ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes
ao termo do prazo, mediante o pagamento de uma multa, nos termos do art. 145.º, n.º 5
CPCivil ex vi art. 104, n.º 1 CPP. Assim, o acto poderá ainda ser praticado, com
multa, nos dias 5, 6 e 7 de Janeiro, pelo que o último dia será o dia 7 de Janeiro de 2009.

Apreciação crítica:
É preciso:
1. Saber se os prazos correm ou não em férias, e o respectivo fundamento legal.
2. Dizer sempre qual é o primeiro dia do prazo.
3. Dizer sempre quando é que as pessoas se consideram notificadas, e justificar
legalmente.
4. Quando se perguntar até quando se pode praticar determinado acto, é preciso
sempre dizer que quando termina o prazo, a pessoa pode ainda praticar o acto
nos 3 dias úteis posteriores, com multa, nos termos do art. 145.º, n.º 5 CPCivil,
ex vi art. 104.º, n.º 1 CPP.
5. Se perguntar qual o último dia do prazo, não é necessário referir os 3 dias úteis
posteriores com multa.

Nota: se o prazo correr em férias, os 3 dias de multa também se contam em férias.

2). Se D requeresse a abertura de instrução quanto à acusação pelo roubo, que


vício poderia invocar em sua defesa?

De acordo com o art. 61.º, n.º 1, al. e) CPP, o arguido goza do direito de constituir
advogado ou solicitar a nomeação de um defensor.
No entanto, no caso concreto, o arguido D prescindiu de defensor.
Contudo, nos termos do art. 64.º, n.º 1, al. a) e e) CPP, existe a obrigatoriedade de o
arguido se fazer acompanhar de defensor, pelo facto de ter havido um interrogatório no
qual D se encontrava detido e ainda por ser D um desconhecedor da língua portuguesa.
Como no caso concreto D prescindiu de defensor, deveria ter sido nomeado um
defensor oficioso. Não tendo ocorrido tal, gerou-se uma nulidade insanável, nos termos
do art. 119.º, al. c) CPP.
Assim, D, ao requerer a abertura de instrução, poderá arguir esta nulidade, apesar de
este dever ser oficiosamente declarado em qualquer fase do procedimento (art. 119.º
CPP).
Ao arguir a nulidade, esta terá como efeito a invalidade do acto, bem como dos actos
que dele dependerem (art. 122.º CPP).

Apreciação crítica:
É necessário dizer sempre todas as invalidades existentes, pois nunca existe uma só
invalidade.

62
Prática Processual Penal
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3). Recebidas as acusações contra os quatro arguidos, E, na véspera do


julgamento, desistiu da queixa apresentada contra A e B, que aceitaram essa
desistência. Como advogado de C e D, como procederia face a tal desistência?

Nos termos do art. 116.º C.Penal, o direito de queixa não pode ser exercido se o titular
a ele expressamente tiver renunciado, o que no caso concreto não ocorreu.
O direito de desistência de queixa pode ser exercido até à publicação da sentença da 1.ª
instância, desde que não haja oposição do arguido. Ora, no caso concreto, o assistente
quer desistir da queixa antes do julgamento, pelo que ainda está a tempo de o fazer.
Neste caso, o assistente quer desistir da queixa relativamente aos arguidos A e B, os
quais aceitaram essa desistência.
Contudo, nos termos do n.º 3 do art. 116.º CPP, a desistência de queixa relativamente a
um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, ou seja, E, ao desistir da
queixa em relação a A e B, está automaticamente a desistir em relação a C e D. No
entanto, só em relação ao crime de injurias, pois este depende de queixa.
O crime público (roubo) não depende de queixa, e como tal prossegue sem qualquer
interferência da desistência, tal como o crime semi-público (ofensas à integridade física
simples), que apesar de depender de queixa, foi apenas praticado por C e D. Assim, pelo
facto de o crime de injurias se tratar de um crime particular, E pode desistir da queixa.
A desistência da queixa em relação a A e B apenas releva para o crime de injúrias
cometido pelos 4 arguidos.

Apreciação crítica:
O que se deveria fazer era um requerimento dirigido ao tribunal:
“Exmo. Sr. Dr. Juiz, E desistiu da queixa relativamente a A e B, pelo que, nos termos do
art. 116.º, n.º 2 CPP, essa queixa, em caso de comparticipação, é extensível aos
restantes, isto é, aos meus clientes. Logo, julgue também a desistência da queixa
relativamente aos meus clientes.”

Nulidades

As invalidades podem consubstanciar várias coisas:


 Nulidade
Mera irregularidade

Dentro das nulidades, podemos encontrar dois tipos:


 Nulidade insanável
 Nulidade sanável ou dependente de arguição

Há quem entenda que pode existir outro tipo de vícios, um vício tão grave que gera, não
uma nulidade mas uma inexistência.

Devemos começar por reter que a regra é a irregularidade. Quando há um desvio ao


processo, a regra é que estamos perante uma irregularidade.
A excepção é que esse desvio pode ser tão grave que a lei lhe atribua a qualidade de
nulidade.
Estamos aqui a falar de vícios de forma, que devem ser arguidos no próprio
processo.

63
Prática Processual Penal
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Mesmo as nulidades insanáveis, ou seja, as que não são dependentes de arguição,


devem ser sempre arguidas, pois pode suceder que o juiz não dê por ela, muito embora o
juiz as deva conhecer oficiosamente.
As irregularidades também devem ser arguidas nos autos.

Aqui estamos a falar de vícios de forma, porque se fossem vícios de substância, essas
irregularidades são invocadas por via de recurso. Se há uma sentença com a qual não
concordamos, deve ser impugnada por via de recurso.

Princípio da legalidade – art. 118.º, n.º 1 CPP.

O n.º 1 determina que a violação ou a inobservância das disposições da lei do


processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente
cominada na lei.
Temos aqui o princípio da legalidade relativamente às nulidades. Havendo uma violação
do processo, só há nulidade quando a lei assim o cominar. Quando a lei nada disser,
estamos à partida perante uma mera irregularidade. O mesmo está disposto no n.º 2 do
art. 118.º CPP, que diz que nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto
ilegal é irregular.

Embora a lei não se refira expressamente quanto à figura da inexistência, ela existe,
porque às vezes temos violações do processo tão grosseiras, tão fortes, que chocava se
lhes atribuíssemos o regime da nulidade.

A nulidade, mesmo a insanável, pode ser convalidada pelo trânsito em julgado, ou


seja, quando a decisão transita em julgado, é convalidada, mesmo a nulidade insanável.
A inexistência não pode. Mesmo após o trânsito em julgado, pode ainda ser
invocada. A figura da inexistência é uma construção meramente doutrinal e
jurisprudencial, e existe para os casos de vícios muito graves.
Ex.: uma sentença proferida por alguém que não é juiz.

A nulidade divide-se então em dois tipos:


 Nulidades sanáveis
 Nulidades insanáveis

As nulidades sanáveis devem ser arguidas pelos interessados. Caso não o sejam, a
invalidade é sanada.
Já as nulidades insanáveis devem ser conhecidas oficiosamente logo que verificadas.
Podem ser conhecidas em qualquer fase do processo.
No caso das nulidades sanáveis, existe um prazo para a sua arguição. Passado este
prazo, estas nulidades convalidam-se.

Nulidades insanáveis – art. 119.º CPP.

Este artigo descreve os casos em que podem ocorrer as nulidades insanáveis (ver
artigo).

64
Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

No CPP, para além dos casos referidos neste artigo, só existem mais dois. O artigo
refere que podem existir outras nulidades insanáveis cominadas em outras disposições
legais, que são:
 Art. 321.º, n.º 1 CPP – referente à publicidade da audiência.
 Art. 330.º, n.º 1 CPP – respeitante à falta do MP ou do defensor. Esta nulidade
pode ser incluída na al. c) do art. 119.º CPP, bem como na al. b). Mesmo sendo
uma nulidade insanável prevista fora do art. 119.º CPP, caso ela não estivesse
prevista no art. 330.º CPP, já chegaríamos a esta cominação por força das als. b)
ou c) do art. 119.º CPP.

Remissão: art. 119.º CPP → arts. 321.º, n.º 1 e 330.º, n.º 1 CPP.
Remissão: art. 330.º, n.º 1 CPP → art. 119.º, als. b) e c) CPP.

Nota: Quando a lei não disser nada, o vício é a irregularidade.


Quando a lei disser que há uma nulidade, está a falar da nulidade sanável ou dependente
de arguição – art. 120.º CPP. Só quando a lei falar expressamente em nulidade
insanável é que se está a referir às nulidades do art. 119.º CPP.

Nulidades insanáveis – análise do art. 119.º CPP:

 A falta do número de juízes ou de jurados que devam constituir o tribunal,


ou a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva
composição – al. a).

 A falta de promoção do processo pelo MP, nos termos do artigo 48.º, bem
como a sua ausência a actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva
comparência – al. b).
Ex.: A participou ao MP um determinado crime e constitui-se assistente, por
entender que se tratava de um crime particular. O inquérito decorreu e no final
do inquérito o MP notifica A para deduzir acusação particular, o que A fez.
Quando chegou à fase de julgamento, o juiz considerou que não era aquele o
crime que estava em causa, porque havia agravação, e como tal o crime não era
particular, mas semi-público. Logo, aqui gerou-se uma nulidade insanável, pois
quem tinha de promover o processo era o MP. Não o fazendo, cometeu-se uma
nulidade insanável e o processo teve de voltar ao inquérito para que o MP
deduzisse acusação e o assistente, querendo, o acompanhasse ou deduzisse
acusação própria com base nos mesmos factos ou outros, desde que isso não
importasse uma alteração substancial dos factos. O que estava aqui em causa era
a qualificação do crime.

 A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a


respectiva comparência – al. c). Isto aplica-se nos casos em que existe um
defensor que tinha de estar presente, nos termos do art. 64.º CPP, e não esteve.

 A falta de inquérito ou de instrução, nos casos em que a lei determinar a


sua obrigatoriedade – al. d). Deve-se ter em atenção que aqui estamos a falar
de falta e não de insuficiência. Se houver insuficiência do inquérito ou da
instrução, o vício não é este, mas o do art. 120.º, n.º 2, al. d) CPP, é uma
nulidade sanável, dependente de arguição. A al. d)

65
Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

Quando é que a instrução é obrigatória, sendo esta uma fase facultativa do


processo penal? A instrução nunca é obrigatória. A lei refere-se aos casos em
que a instrução é requerida, por quem tem legitimidade e está em tempo, e
depois não se realiza. Nestes casos, ela é obrigatória, isto é, apesar de facultativa
tem de se fazer.

Num exame saiu o seguinte caso: havia um determinado processo, com dois
arguidos, que no julgamento confessaram determinados factos que não estavam
incluídos na acusação daquele processo. Levantava-se aqui a questão da
alteração ou não alteração substancial dos factos vertidos na acusação. Aqui era
evidente uma alteração substancial dos factos, logo estes factos não podiam ser
julgados neste processo. Mas como eram factos que se podiam autonomizar, sair
daquele processo, foi extraída certidão e foi aberto um novo inquérito. Nesse
inquérito, o MP pegou na certidão das declarações dos arguidos no julgamento
em que confessavam, e deduziu acusação. A questão era saber que tipo de
nulidade está aqui. Aqui houve inquérito e o MP deduziu acusação, mas não
praticou nenhum acto. Houve aqui uma insuficiência do inquérito, pois o
arguido devia ter sido ouvido naquele processo. Muito embora houvesse
confissão dos factos, isso foi num outro processo, logo gerou-se uma nulidade
sanável, nos termos do art. 120.º, n.º 2, al. c) CPP.

 A violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto


no n.º 2 do artigo 32.º – al. e). A violação das regras de competência também
dá lugar a uma nulidade insanável.

 O emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei –


al. f). Aqui estamos a falar de um caso em que se aplica a forma de processo
especial (processo sumário, sumaríssimo ou abreviado) fora dos casos em que a
lei o admite – isto também dá lugar a uma nulidade insanável. A aplicação do
processo comum num caso em que se justifica a aplicação de um processo
especial, já não gera uma nulidade insanável, mas uma nulidade sanável,
nos termos do art. 120.º, n.º 2, al. a) CPP.

Nulidades sanáveis ou dependentes de arguição – art. 120.º CPP.

Segundo o n.º 1, qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior (referente às
nulidades insanáveis) deve ser arguida pelos interessados.
Aqui está prevista a subsidariedade. Quando se refira uma nulidade que não seja uma
nulidade insanável, é uma nulidade dependente de arguição.

O n.º 2 diz quais as nulidades dependentes de arguição, para além das que forem
cominadas noutras disposições legais, e refere:

 O emprego de uma forma de processo quando a lei determinar a utilização


de outra, sem prejuízo do disposto na alínea f) do artigo anterior – al. a). É
o caso de aplicar a forma de processo comum quando se deveria ter aplicado a
forma de processo especial.

66
Prática Processual Penal
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 A ausência, por falta de notificação, do assistente e das partes civis, nos


casos em que a lei exigir a respectiva comparência – al. b). Relativamente às
partes civis, há um regime mais permissivo do que em relação ao MP, pois aqui
a nulidade é sanável.

 A falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a considerar


obrigatória – al. c). Uma coisa é não ter defensor, que consubstancia uma
nulidade insanável, outra coisa é não ter intérprete, que se afigura como uma
nulidade sanável dependente de arguição.

 A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados


actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que
pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade – al. d).
Temos de dividir isto em duas partes:
1. Insuficiência do inquérito ou da instrução
2. Omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para
a descoberta da verdade – esta já é uma fase a seguir à instrução, isto é, à
fase do julgamento.

O segmento “por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios” foi
introduzido na última revisão para terminar com uma querela jurisprudencial que
existia. Discutia-se muito quando é que o inquérito é insuficiente ao ponto de isto
consubstanciar uma nulidade. A lei agora vem dizer, com aquela expressão, que só
existe nulidade quando há um acto de inquérito que é obrigatório e não foi praticado –
ex.: interrogatório do arguido. Sendo a inquirição do arguido um acto obrigatório do
inquérito, gera uma nulidade sanável dependente de arguição.

No último exame, numa das questões constava que o MP extraiu certidão e sem mais,
deduziu acusação. Há aqui uma nulidade, pois não se ouviu o arguido.

Prazos de arguição das nulidades – art. 120.º, n.º 3 CPP.

Segundo este artigo, as nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas:
a) Tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, antes que o acto
esteja terminado. Se o arguido ou o defensor estão presentes no momento em que se
pratica a nulidade, ela tem de ser arguida até ao final desse acto.

b) Tratando-se da nulidade referida na alínea b) do art. 120.º, n.º 2, até cinco dias
após a notificação do despacho que designar dia para a audiência. Esta alínea tem
uma falha, pois não é à al. b) que o artigo se refere, mas à al. c), e assim já faz sentido.
Isto porque a al. b) se refere à ausência, por falta de notificação do assistente e partes
civis, nos actos em que a lei exige a sua comparência. Por exemplo, existe inquérito,
instrução e é designado dia para julgamento. Diz a lei que tem 5 dias após a notificação
de despacho para arguir a nulidade, mas depois o processo continua, e se houver um
acto qualquer para o qual não se é convocado, qual o prazo? Isto não faz sentido na al.
b), a lei devia referir-se à al. a), pois houve um lapso do legislador.

c) Tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, até ao


encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco

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dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito. Se se tratar de


nulidade do inquérito ou instrução, existem limites temporais. Se se tratar da nulidade
do inquérito, temos até 5 dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o
inquérito.
Se for uma nulidade respeitante à instrução, até ao encerramento do debate instrutório
ou, quando não há instrução, até 5 dias após a notificação do despacho que tiver
encerrado o inquérito.

d) Logo no início da audiência nas formas de processo especiais.

Nos outros casos não previstos aqui, temos o prazo geral de 10 dias, nos termos do
art. 105.º, n.º 1 CPP, que diz que salvo disposição legal em contrário, é de 10 dias o
prazo para a prática de qualquer acto processual.
Este prazo de 10 dias começa a contar, no entender do Professor Germano Marques
da Silva, a partir das mesmas circunstâncias do art. 123.º CPP, que diz respeito às
irregularidades, ou seja, o prazo de 10 dias começa a contar no dia seguinte àquele
em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo
em algum acto nele praticado.

Sanação das nulidades – art. 121.º CPP.

O n.º 1 diz que salvo nos casos em que a lei dispuser de modo diferente, as nulidades
ficam sanadas se os participantes processuais interessados:

a) Renunciarem expressamente a arguí-las – assim, se houver renúncia à arguição da


nulidade, esta fica sanada, desde que essa renúncia seja expressa. As renúncias tácitas
aqui não são aceites.

b) Tiverem aceite expressamente os efeitos do acto anulável – a aceitação expressa


dos efeitos do acto anulável sana a nulidade.

c) Se tiverem prevalecido de faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia –


está aqui a consagração do venire contra factum proprium.

Quanto ao n.º 2, refere que as nulidades respeitantes a falta ou a vício de notificação


ou de convocação para acto processual ficam sanadas se a pessoa interessada
comparecer ou renunciar a comparecer ao acto.

O n.º 3 prevê uma excepção: ressalvam-se do disposto no número anterior os casos


em que o interessado comparecer apenas com a intenção de arguir a nulidade.

Efeitos da declaração de nulidade – art. 122.º CPP.

Segundo o n.º 1, as nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem


como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar.
Em primeiro lugar, a declaração de nulidade torna inválido o próprio acto e também
torna inválidos os actos que dependam daquele acto nulo e que os possam afectar.

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O n.º 2 prevê que a declaração de nulidade determina quais os actos que passam a
considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição,
pondo as despesas respectivas a cargo do arguido, do assistente ou das partes civis que
tenham dado causa, culposamente, à nulidade. O juiz, quando decreta a nulidade, vai
definir quais os actos que vão ser anulados e os que, em virtude dessa declaração de
nulidade, vão ser também anulados. Normalmente o juiz diz “são anulados os actos x, y
e z”, como pode dizer que “são anulados todos os actos posteriores ao despacho”.

O n.º 3 impõe que ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que
ainda puderem ser salvos do efeito daquela. Este número fala do aproveitamento em
benefício do princípio da economia processual. Tudo o que o juiz pudera aproveitar,
deve fazê-lo, embora nem sempre o faça.

Irregularidades – art. 123.º CPP.

Quando não se disser que determinada invalidade consubstancia uma nulidade, temos
uma irregularidade.
O n.º 1 do art. 123.º CPP afirma que qualquer irregularidade do processo só
determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que
possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a
este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem
sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto
nele praticado.

Daqui temos de retirar as seguintes ideias:


 Arguição pelos interessados
 No próprio acto, caso se trate de acto a que a pessoa esteja a assistir.
 Não tendo assistido, nos 3 dias subsequentes a uma de duas coisas:
1. Notificação para qualquer termo do processo
2. Intervenção em algum acto relacionado com o processo.

O n.º 2 diz que se pode ordenar oficiosamente a reparação de qualquer


irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela
puder afectar o valor do acto praticado.
Sempre que se verificar uma irregularidade nos autos pode o juiz, oficiosamente, sanar
essa mera irregularidade.

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 42/2007, de 23 de Janeiro – neste acórdão


levantou-se a questão de considerar inconstitucional esta norma, se interpretada no
sentido de que nos processos de especial complexidade não é possível a prática do acto
fora do prazo de 3 dias.

Inexistência

A inexistência é uma figura que a jurisprudência tem vindo a dar forma.


O Dr. Maio Gonçalves dá uma definição de inexistência: “verifica-se quando ao
acto faltam elementos que são essenciais à sua própria substância, de modo a que
em caso algum possam produzir efeitos jurídicos”. Faltam elementos essenciais à
própria substancia do acto, e esta falta leva a que o acto não possa, em caso algum,
produzir efeitos jurídicos.

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Prática Processual Penal
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Exemplos de casos onde se recorreu à figura da inexistência:


 Sentença proferida por um não juiz
 Processo desencadeado sem MP
 Decisão final contra quem não está acusado nos autos
 Separação de processos ordenada pelo MP

Existe inexistência pois existe uma invalidade de tal forma grave que afecta a
substância do acto, pelo que não pode produzir efeitos jurídicos em caso algum.
Não se convalida com o trânsito em julgado, ao contrário das nulidades insanáveis.

A quem se deve dirigir o requerimento da inexistência?


Na fase de inquérito, deve dirigir-se ao JIC ou ao MP, conforme a competência de
cada um para o caso específico.
Na fase de instrução, deve dirigir-se ao JIC.
Na fase de julgamento, deve dirigir-se ao Juiz de Direito.

Efeitos da arguição da inexistência

Os efeitos são casuísticos e devem ser analisados caso a caso, verificando quais os actos
que devem ou não ser anulados.
Ex.: sentença proferida por um não juiz. Se o processo decorreu normalmente até à fase
dee julgamento, não há necessidade de anular todo o processo.

Perante quem se argúem as nulidades?

Se estivermos na fase de instrução, arguímos perante o JIC; se estivermos na fase de


julgamento, dirigimo-nos ao juiz do julgamento.
Em relação à fase de inquérito, existem vários entendimentos. Há quem entenda que
se deve invocar sempre perante o MP, existem autores que entendem que entendem que
se deve invocar perante o JIC, e existem autores que entendem que se deve invocar,
consoante os casos, perante o MP ou o JIC.

Qual a argumentação para invocar a nulidade perante o MP?


O MP é o detentor do inquérito, logo é a ele que devemos dirigir qualquer arguição de
nulidade.

E perante o JIC?
O JIC tem uma função híbrida, pois existem actos no inquérito que são da competência
do JIC. Se ocorrer algum problema relacionado com esses actos, devemos agir perante o
JIC.

Em todos os outros casos devemos invocar a nulidade perante o MP, que é quem tem a
direcção do inquérito.
Existem decisões nos dois sentidos, sendo que a posição híbrida é a que apresenta a
posição mais acertada, no entendimento do professor e do Dr. Pinto de Albuquerque.

Momento de arguição das nulidades:


Quando se tratar de uma nulidade insanável, ela pode ser arguida a todo o tempo.

70
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Sendo uma nulidade sanável, esta deve ser arguida conforme o disposto no art. 120.º,
nº3 CPP.
Se for uma mera irregularidade, deve ser arguida nos termos do art. 123.º CPP.
Uma das nulidades sanáveis mais importantes é a do art. 120.º, n.º 2, al. d) CPP – “a
insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos
legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se
essenciais para a descoberta da verdade”. Este artigo é fundamental na medida em
que permite reagir contra despachos ou decisões relativamente às quais não seja
possível apresentar recurso. Encontramos aqui uma forma de contornar as decisões
relativamente às quais não é possível recorrer.

O art. 340.º CPP, refere que “o Tribunal ordena oficiosamente ou a requerimento a


produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à
descoberta da verdade e à boa decisão da causa”. Este artigo está incluído na parte
relativa à audiência, é um artigo que os advogados usam quando pretendem que se
produza determinado meio de prova que não estava ainda previsto no processo. Sempre
que se pretende um meio adicional de prova, no decorrer da audiência, recorre-se ao
art. 340.º CPP.

Este artigo tem alguns pontos essenciais a reter:

1- “Cujo conhecimento se lhe afigure necessário” – Este segmento da norma


significa que estamos a falar de um acto abrangido pela disponibilidade própria de uma
decisão judicial, um acto que cabe na livre resolução do tribunal, isto é, cabe ao juiz
entender que o acto é necessário, dentro da margem de discricionariedade que tem para
decidir.
De acordo com o art. 400.º, n.º1, al. b) CPP, não é admissível o recurso “de decisões
que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal”, logo a decisão que
vier a recair sobre o requerimento é irrecorrível. Ou seja, se se requer a audiência de
uma testemunha ou algum meio de prova, o advogado não pode recorrer da decisão que
o juiz proferir, ao abrigo do disposto nos arts. 400.º, n.º1, al. b) e 340.º CPP, pois esta
decisão é irrecorrível.

2- “Cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa


decisão da causa”. A palavra “necessário” é aqui a palavra-chave.
O art. 120.º, nº.2, al. d) CPP refere que constitui nulidade dependente de arguição, a
omissão de diligências, sobretudo em fase de julgamento, que sejam essenciais para
a descoberta de verdade.

Nota: enquanto o art. 340º CPP fala em “necessário”, o art. 120.º, n.º2, al. d) CPP
fala em “essenciais”. Estamos perante uma diferença de grau, uma vez que essencial é
mais que necessário. Necessário é algo que pode ser útil e ajudar, mas essencial é quase
imprescindível. Assim quando requeremos alguma diligência de prova ao abrigo do
art. 340.º CPP, devemos alegar que essa diligência é essencial para a descoberta da
verdade. Isto porque, se o juiz indeferir, temos a possibilidade de arguir a nulidade do
despacho, nos termos do art. 120.º n.º2, al. d) CPP. Da decisão que recaia sobre esta
arguição da nulidade já é possível recorrer.

Requerimento de produção de prova

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Art. 340.º CPP

Exmo. Sr. Doutor Juiz de Direito, queria ditar para acta um requerimento:

Nos termos do art. 340.º n.º1 do CPP, vem-se requerer a Vª. Ex.ª. se digne ouvir a
testemunha Alberto João Silva, residente na Rua das Fontainhas da freguesia …, cidade
e Comarca de Fafe, presente neste Tribunal.
A inquirição da testemunha mostra-se essencial à descoberta da verdade e à boa decisão
da causa, uma vez que a mesma presenciou os factos de que o arguido vem a ser
acusado e que só agora se prontificou a comparecer neste Tribunal.

Tendo o juiz indeferido o requerimento oral, como reagir?


Reage-se com um novo requerimento oral.

Exmo. Sr. Doutor Juiz de Direito, quero ditar um requerimento para a acta, nos termos
do art. 340.º n.º1 CPP:

As diligências requeridas, uma vez que a testemunha presenciou os factos, reputam-se


essenciais para a descoberta da verdade.
Ora, nos termos do art. 120.º n.º2 d) do CPP, constitui nulidade sanável dependente de
arguição, a omissão de diligências que se reputem essenciais para a descoberta da
verdade. Deste modo, ao indeferir o requerimento, cometeu-se uma nulidade, nulidade
esta que agora se invoca.

Tendo sido novamente indeferido o requerimento, já é possível recorrer.

Exmo. Sr. Juiz de Direito, peço novamente a palavra:

Tendo sido indeferido o requerimento que invoca a nulidade, e não se conformando com
a decisão, vem-se recorrer da mesma, nos termos dos arts. 399.º e 400.º, a contrario, do
CPP, recurso este que sobe a final e em separado, nos termos dos arts. 406.º, n.º 2 e
407.º, n.º 3 CPP e tem efeito meramente devolutivo (art. 408, a contrario, CPP).
O presente recurso deverá ser julgado pelo Tribunal da Relação de Guimarães, nos
termos dos arts. 427.º e 432.º, a contrario, CPP.

Ainda quanto à matéria das nulidades, falta referir uma norma, o art. 118.º, n.º 3 CPP.

Princípio da legalidade – art. 118.º CPP

O n.º 3 prevê que “as disposições do presente título não prejudicam as normas deste
Código relativas a proibições de prova.”
Isto significa que, não obstante estar previsto o regime das nulidades, existe outra coisa
à qual a lei quis atribuir natureza similar, mas ao mesmo tempo distinta, que é o regime
das proibições de prova.

Métodos proibidos de prova – art. 126.º CPP

72
Prática Processual Penal
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O n.º 1 diz que “são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante
tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.”
O n.º2 exemplifica, dando casos de ofensas da integridade física simples ou moral das
pessoas, para efeito da matéria das proibições de prova
O n.º 3 diz que “ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não
podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no
domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do
respectivo titular.”

Por um lado, temos o art. 118.º, n.º3 CPP, que nos diz que as disposições deste capítulo
não prejudicam as normas relativas às proibições de prova, por outro lado, existe um
artigo respeitante às proibições de prova, que nos diz que as provas descritas nos n.ºs 1
e 3 do art. 126.º CPP são nulas. Ou seja, há aqui uma certa confusão de conceitos, o
que dificulta a quem interpreta a lei.

Será ou não aplicável o regime das nulidades às proibições de prova?


Não, por força do art. 118.º, n.º3 CPP. Mesmo sendo mencionado no art. 126.º CPP
que as provas são nulas, estamos a falar de uma nulidade sui generis ou especial.
Quanto a isto há consenso.
Mas será que todas as proibições de prova previstas no art. 126.º CPP, devem ter o
mesmo tratamento? As proibições de prova do n.º 1 do art. 126.º devem ter o mesmo
tratamento que as proibições de prova do n.º 3?
Relativamente a esta questão há várias posições. Há quem entenda que sim, que tudo
isto são proibições de prova, e como tal devem ter o mesmo regime. A lei veio
consagrar um total banimento das provas proibidas, sejam elas do n.º 1 ou do n.º 3. Isto
porque o n.º 3 tem uma estrutura ligeiramente diferente.

Quais as diferenças?
Em primeiro lugar, o n.º 3 diz logo “ressalvados os casos previstos na lei”. Em segundo
lugar, diz na parte final “sem o consentimento do respectivo titular”, o que vem
introduzir uma diferença substancial no que toca às primeiras provas, pois o
consentimento não tem um mínimo relevo no n.º 1. Mesmo que a pessoa consinta em
ser torturada, a prova há-de ser sempre proibida, enquanto que no n.º 3 não é assim.

Esta diferença de regime levou a que se distinguissem duas situações:

 Provas absolutamente proibidas – as do n.º 1.


 Provas relativamente proibidas – as do n.º 3.

Há quem faça uma interpretação forte destas proibições de prova.


Não obstante as proibições de prova terem natureza diferente, que resulta da lei, o seu
regime ou as consequências da sua violação devem ser as mesmas.
O Professor Germano Marques da Silva defende esta interpretação. Assim, para
efeitos de regime não devemos distinguir uma da outra.
Há quem entenda, pelo contrário, que devemos distinguir as duas, como é o caso do Dr.
Pinto de Albuquerque, que entende que devemos distinguir as duas coisas. Isto porque
entende que as proibições do n.º 3 têm uma consequência mais fraca, pelo facto de o
consentimento ser relevante, o regime deve ser similar ao regime dependente de
arguição.

73
Prática Processual Penal
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(O código anotado do Dr. Pinto de Albuquerque refere as duas posições).

A última revisão do código veio introduzir uma pequena mudança no n.º 3, uma
expressão que já constava do n.º 1, que diz respeito à expressão “não podendo ser
utilizadas”, ou seja, houve uma importação de um conceito que já constava no n.º 1,
para o n.º 3.
O Professor entende que as modificações legislativas não são feitas por acaso, logo esta
novidade do n.º 3 é um ponto a favor da tese forte, pois veio, em termos de redacção,
aproximar o n.º 3 do n.º 1.
Para quem defende a tese forte, no sentido de que o regime deve ser idêntico para todas
as proibições de prova previstas no art. 126.º, essa equiparação de regimes é um
argumento a favor.

Há quem chame a esta nulidade uma nulidade constitucional, porque a própria


Constituição prevê este banimento destas provas – art. 32.º CRP –, no entender do
Dr. Silva Leal.

Uma das grandes questões que se coloca a propósito das proibições de prova é
saber se os seus efeitos se limitam à invalidade do próprio meio de prova, ou se os
efeitos se entendem para além dele, isto é, se se propagam a outros meios de prova.
Quais as consequências de um meio de prova ser julgado proibido?
Quanto a isto também há entendimentos mais restritos e outros mais latos.
Há um entendimento razoável, que é o que vem a ser seguido pela nossa jurisprudência.
Este entendimento vai no sentido de que nem todas as provas produzidas, para além
daquela que foi proibida e que com ela têm uma relação, são ou têm de ser
necessariamente banidas. Depende casuisticamente de cada caso em concreto. Temos
de ver caso a caso a ligação que existe entre a prova válida e a prova que foi conseguida
ilicitamente ou através de um método proibido. Temos que ver a relação que existe
entre uma e outra.
O entendimento que o Professor considera mais razoável vai no sentido de saber se
existe um nexo causal entre uma e outra, ou seja, se chegarmos à conclusão que
uma prova só foi obtida em consequência de uma outra que é uma prova proibida,
então os efeitos de uma devem repercutir-se na outra. Mas se considerarmos que
apesar daquela prova proibida ter facilitado a obtenção da outra, esta outra
sempre seria obtida por uma outra via que não aquela, ou poderia lógica ou
razoavelmente ser obtida por um outro método, então já não devemos propagar o
efeito da prova proibida, e essa outra prova fica válida.
Temos sempre de ver se existe nexo causal, e se o nexo causal for forte ou muito forte,
então devemos fazer propagar o efeito da proibição da prova. Se o nexo causal for fraco,
então não devemos fazer propagar esse efeito. Isto porque existe em processo penal o
princípio de que as provas devem ser obtidas pelos meios legais e não através de
meios proibidos, e o princípio da prossecução da justiça, do processo penal e da
investigação. Logo, não devemos anular toda e qualquer prova que tenha tido contacto
com a prova proibida.

Ex.: caso “Leonor Cipriano”. Leonor Cipriano acusou agentes da PSP e PJ de tortura,
mas no processo isso nunca ficou demonstrado. Supondo que ela tenha sido torturada, e
que com base nas informações recolhidas nessa tortura se fez uma diligência de prova,
onde se encontra o cadáver? Quid iuris? A diligência de busca e apreensão seria ou não

74
Prática Processual Penal
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seria válida? Não sendo através da tortura, de que outra forma se poderia encontrar o
cadáver?

A questão do nexo causal é complicada.


O Professor entende que quando existe probabilidade de se encontrar o cadáver de outra
forma, tem de ser através de factos constantes no processo. Neste já tinham de constar
os elementos X, Y, Z, que mais tarde ou mais cedo conduziriam ao objectivo. Não é
nada que se especule.

A este propósito ver o livro do Dr. Costa de Andrade, os métodos proibidos de prova e
sua valoração.

Há quem entenda também que não devemos fazer propagar os efeitos das provas
proibidas nos casos em que os direitos do arguido não saiam minimamente
prejudicados com isso. Isto relaciona-se com a conjugação de princípios, de um lado o
princípio do respeito pelos direitos do arguido (direito a um processo penal justo), e
por outro lado o princípio da prossecução da acção penal, ou seja, não saindo
beliscados os direitos do arguido, o princípio da prossecução da acção penal deve
sobrepor-se, logo a prova não deve ser invalidada.

Da prova
(art. 124.º SS. CPP)

Objecto da prova – art. 124.º CPP

O n.º 1 determina que “constituem objecto da prova todos os factos juridicamente


relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não
punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança
aplicáveis.”

A prova tem assim um objecto tripartido:


1. Facto que confirma ou não a existência de um ilícito/crime;
2. Factos relativos à punibilidade ou não punibilidade do arguido;
3. Determinação da pena e da medida de segurança.

Exemplo de um facto juridicamente relevante para a existência ou inexistência de um


ilícito: A deu um murro a B; A disparou um tiro e atingiu mortalmente B – são factos
que constam da acusação.

Exemplo de um facto relevante para a punibilidade ou não punibilidade do arguido:


causa de justificação, o dolo pode ser relevante no caso em que o crime só é punido se
tiver havido dolo.

Exemplo de um facto relevante para a determinação da pena e da medida de segurança:


reincidência, personalidade, confissão dos factos, e tudo o que for atenuante ou
agravante, são factos que podem caber aqui.

O n.º 2 diz que “se tiver lugar pedido civil, constituem igualmente objecto da prova
os factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil.”

75
Prática Processual Penal
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A lei fixa nos arts. 128.º SS.CPP, dois tipos de institutos:

 Temos por um lado os meios de prova – tratados na lei (prova testemunhal,


declarações do arguido, do assistente e das partes civis; acareação,
reconhecimento para reconstituição do facto, prova pericial e documental).
 Por outro lado, temos uma coisa diferente que são os meios de obtenção de
prova (exames, revistas, buscas, apreensões, escutas telefónicas).

Ainda no art. 125.º CPP, temos um princípio muito importante, o princípio da


legalidade: Legalidade da prova. “São admissíveis as provas que não forem
proibidas por lei”. Mesmo provas que não estão previstas no código serão permitidas, a
não ser que a lei as proíba. Não é o facto de um determinado meio probatório não
constar do CPP que o torna inválido ou proibido, só será proibido se assim a lei o
cominar.

Ex.: temos na lei de combate à criminalidade organizada, económica e financeira – Lei


n.º 5/2002 de 11 de Setembro – um meio de prova não previsto no CPP, que é o
reconhecimento de voz ou imagem. Apesar de não estar no CPP, é um meio de prova
permitido.

Livre apreciação da prova – Art. 127.º CPP

“Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da


experiência e a livre convicção da entidade competente.”
O princípio da livre apreciação da prova vale para todos os meios de prova, e é o
maior “pesadelo” para os advogados, sobretudo no âmbito do processo penal, pois ao
nível do processo civil está mais restringido.

Que métodos proibidos estão descritos no art. 126.º CPP?

A tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
“São exemplos de ofensas à integridade física ou moral das pessoas, as provas obtidas,
mesmo com o consentimento delas, as previstas no n.º 2 do art. 126.º CPP, sendo
totalmente banidos os meios de prova ofensivos da integridade das pessoas, os obtidos
mediante:
a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas
corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios
cruéis ou enganosos;
b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação;
c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;
d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou
condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;
e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível”.

Ex.: a narco-análise, a administração de determinado fármaco que leva a que a pessoa


esteja mais predisposta para dizer a verdade. Quid iuris?
Por outro lado é uma perturbação da liberdade da vontade, a pessoa está a dizer aquilo
que não quer dizer (al. a)), por outro lado também está a perturbar a capacidade de

76
Prática Processual Penal
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avaliação da pessoa, pois esta não está a avaliar bem aquilo que está a dizer (al. b)).
Estes meios, mesmo com o consentimento da pessoa são proibidos.

Ex.: detector de mentiras. Caberá em alguma alínea do 126.º CPP?


Este é um meio do qual não há tradição em Portugal, por questões de fiabilidade que
levam à sua não utilização. Mas poderíamos encaixá-lo na al. a), por ser um meio
enganoso.

Ex.: Ciência privada do Juiz. O juiz é uma pessoa normal e sabe coisas como todos nós.
Suponhamos que ele usa a informação privada que tem para dar como provado
determinado facto. O juiz sabe de algo, não porque está no processo, mas devido à sua
ciência privada (conhecimentos que tem ou porque viu algo).
Pode dar como provado o facto? De que forma o pode justificar? Pode usar a ciência
privada para fundamentar uma resposta à matéria de facto?
O que não está no processo não existe – “quo non est in actis non est in mundi”.
Ao abrigo deste princípio, o juiz nunca poderá usar a sua ciência privada para provar o
que quer que seja no processo.
A prova que vale é a prova produzida em Tribunal em audiência de julgamento. Mesmo
que o inquérito esteja cheio de provas, se não forem produzidas em julgamento não
valem.

Meios de prova
(art. 128.º SS. CPP)

Prova testemunhal
(arts. 128.º a 139.º CPP)

A prova testemunhal é a prova rainha prevista no CPP.

Regras da inquirição – art. 138.º CPP

O n.º 1 determina que “o depoimento é um acto pessoal que não pode, em caso
algum, ser feito por intermédio de procurador.”

Não é possível passar uma procuração para outrem ir prestar declarações num dado
processo. Temos aqui o carácter pessoal do testemunho – só a própria testemunha é
que o pode fazer, ninguém o pode fazer por ela.

Direitos e deveres da testemunha – art. 132.º CPP

O n.º 4 diz que “sempre que deva prestar depoimento, ainda que no decurso de acto
vedado ao público, a testemunha pode fazer-se acompanhar de advogado, que a
informa, quando entender necessário, dos direitos que lhe assistem, sem intervir na
inquirição.” Esta é uma norma que surgiu com a nova reforma e vem permitir à
testemunha fazer-se acompanhar de advogado. É um direito que alguns autores
consideravam já existir, mesmo sem esta norma expressa, e que retiravam do art. 20.º,
n.º2 CRP.

Objecto e limites do depoimento – art. 128.º CPP

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Prática Processual Penal
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Segundo o n.º 1, “a testemunha é inquirida sobre factos de que possua


conhecimento directo e que constituam objecto da prova” nos termos do art. 124.º
CPP.

Depoimento indirecto – art. 129.º CPP

De acordo com o n.º 1, “se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas
determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido
não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas
indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou
impossibilidade de serem encontradas.”
Estamos aqui perante o chamado depoimento indirecto.
A regra é que o depoimento é directo, sobre factos de que a pessoa tenha
conhecimento. À partida a pessoa não pode produzir um depoimento indirecto, só o
poderá fazer se disser a pessoa concreta que lhe prestou essa informação e se o juiz
chamar essa pessoa a depor. A excepção é que isto não valerá se a inquirição da pessoa
não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser
encontrada.

É ou não possível um depoimento duplamente indirecto?


Ex.: uma pessoa que ouviu dizer a determinada pessoa que ouviu dizer a determinada
pessoa. Sucedeu num caso de homicídio em que A apareceu morto em casa. Não se
conseguiu apurar quem cometera o homicídio.
Passados 5 anos apareceu uma carta no processo, que veio trazer uma luz ao processo.
Na carta dizia-se que quem matou A foram 4 pessoas, mas duas delas já estariam
mortas. Uma das pessoas que já tinha morrido tinha contado tudo a um extra-homicida,
e essa pessoa contou à namorada. Entretanto os assassinos vieram a saber que o
individuo já sabia e mataram-no.
A namorada tinha assim um depoimento duplamente indirecto, ou seja, o falecido tinha-
lhe comunicado uma coisa que outro falecido lhe tinha comunicado.

Ao abrigo do art. 129.º CPP, é ou não um depoimento válido?


Apesar de ser um depoimento duplamente indirecto, não há nada na lei que o proíba.
Quando o que se ouviu dizer é o objecto do crime, o depoimento duplamente indirecto é
permitido, pois tem de se poder relatar e dar o testemunho, ou seja, quando o objecto do
crime é aquilo que é dito (isto é, quando o que é dito não é um mero meio de prova),
não tem de respeitar as regras do art. 129.º CPP.

Vozes públicas e convicções pessoais – art. 130.º CPP

O n.º 1 diz que “não é admissível como depoimento a reprodução de vozes ou rumores
públicos.” Ou seja, o “diz-se que” e “consta que”, não valem como meios de prova.

O n.º 2 diz que “a manifestação de meras convicções pessoais sobre factos ou a sua
interpretação só é admissível nos casos seguintes e na estrita medida neles indicada:
a) Quando for impossível cindi-la do depoimento sobre factos concretos;
b) Quando tiver lugar em função de qualquer ciência, técnica ou arte;
c) Quando ocorrer no estádio de determinação da sanção.”

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Prática Processual Penal
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Em primeiro lugar, nos termos do n.º 1, as vozes ou rumores públicos não valem nada,
não é admissível, ou seja, dizer-se que “lá na aldeia consta que” ou “ouviu-se dizer
que”, nada vale, tal como as convicções pessoais – “eu acho que” ou “na minha
opinião”.
A excepção está prevista no n.º 2, ou seja, quando é impossível cindir a convicção
pessoal do depoimento sobre determinado facto, quando a convicção é fundada na
ciência, sua técnica ou arte (pois se vai um perito a tribunal, vai dar um depoimento
baseado em princípios científicos que já é admissível); ou quando ocorreu no estádio de
determinação da sanção, ou seja, dizer que é “boa pessoa”, “é um fulano incapaz de…”,
neste caso, já é possível valerem estas convicções pessoais de quem as prestar.

Capacidade e dever de testemunhar – art. 131.º CPP

Segundo o n.º 1, “qualquer pessoa que se não encontrar interdita por anomalia psíquica
tem capacidade para ser testemunha e só pode recusar-se nos casos previstos na lei”.
O n.º 2 determina que “a autoridade judiciária verifica a aptidão física ou mental de
qualquer pessoa para prestar testemunho, quando isso for necessário para avaliar da sua
credibilidade e puder ser feito sem retardamento da marcha normal do processo”.
O n.º 3 refere que “tratando-se de depoimento de menor de 18 anos em crimes contra a
liberdade e autodeterminação sexual de menores, pode ter lugar perícia sobre a
personalidade.”

A regra é que só a pessoa que não está interdita por anomalia psíquica é que tem
capacidade para testemunhar.
A família pode ser testemunha? Pode.

Todos têm capacidade para ser testemunha. Não é verdade que só as pessoas que derem
o seu acordo são as que podem ser testemunhas. O advogado pode indicar testemunhas,
o tribunal notifica, e estas têm que comparecer.

Direitos e deveres da testemunha – art. 132.º CPP

Segundo o n.º 1, “salvo quando a lei dispuser de forma diferente, incumbem à


testemunha os deveres de:
a) Se apresentar, no tempo e no lugar devidos, à autoridade por quem tiver sido
legitimamente convocada ou notificada, mantendo-se à sua disposição até ser por ela
desobrigada; (Todas as testemunhas são obrigadas a comparecer, se não comparecerem
são condenadas em 2 UC’s).
b) Prestar juramento, quando ouvida por autoridade judiciária;
c) Obedecer às indicações que legitimamente lhe forem dadas quanto à forma de prestar
depoimento;
d) Responder com verdade às perguntas que lhe forem dirigidas.”

Juramento e compromisso – art. 91.º CPP

O não cumprimento do juramento gera uma mera irregularidade arguida no acto.


Diz o n.º 6 que: “não prestam o juramento e o compromisso referidos nos números
anteriores:

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a) Os menores de 16 anos;
b) Os peritos e os intérpretes que forem funcionários públicos e intervierem no exercício
das suas funções.”
No caso de menores de 16 anos, o juiz deve ter em conta a idade e fazer as perguntas de
uma forma adequada à idade.
Quem falta à verdade, comete um crime de falsas declarações.

Nos termos do art. 116.º CPP, a falta de comparência da testemunha não tem só a
consequência da multa: a pessoa pode ser obrigada a comparecer através de detenção –
conforme o previsto no art. 116.º, n.º 2 CPP.

Impedimentos – art. 133.º CPP

O n.º 1 indica quem está impedido de depor como testemunha.

 O arguido e os co-arguidos no mesmo processo ou em processos conexos,


enquanto mantiverem aquela qualidade – os arguidos, em regra, prestam
depoimento na qualidade de arguidos, e não como testemunhas.

 As pessoas que se tiverem constituído assistentes, a partir do momento da


constituição. Os assistentes também prestam declarações como assistentes e não
como testemunhas.

 As partes civis.

 Os peritos, em relação às perícias que tiverem realizado – os peritos não


depõem como testemunha.

O n.º 2 dispõe que “em caso de separação de processos, os arguidos de um mesmo


crime ou de um crime conexo, mesmo que já condenados por sentença transitada
em julgado, só podem depor como testemunhas se nisso expressamente
consentirem.”

Em primeiro lugar, estamos a falar de um caso que já pertenceu a outros processos, e


que depois foi separado. Havia uma conexão, o que levou a haver um só processo, mas
depois houve separação de processos.
A lei diz que se existirem arguidos no mesmo processo que foi separado, se disser
respeito a um mesmo crime ou crime conexo, mesmo havendo separação de processos,
eles podem depor no processo como testemunhas se nisso consentirem. Não podem ser
obrigados a depor como testemunhas. Tudo isto foi alvo de discussões, algo que a lei
tentou resolver.
O arguido já não tem a qualidade de arguido no outro processo, pois já transitou em
julgado por ter sido condenado. Será que ainda goza desta prerrogativa?
Mesmo que o arguido tenha sido condenado por sentença transitada em julgado, ele
continua a gozar da prerrogativa de não depor.
E se tiver sido absolvido? Se ele foi absolvido é porque não tinha que ter estado ali, ou
seja, foi provada a sua inocência, pois o que motivou a conexão afinal não existia e o
arguido é uma pessoa normal como outra qualquer, pois foi absolvido. Os factos que
existiam contra ele não se provaram.

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Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

Existe no entanto um argumento contra: o facto de ter sido absolvido, não quer dizer
que não pudesse haver na altura conexão. Estavam lá todos os motivos para existir
conexão, e o facto de ter sido absolvido não significa que seja inocente, apenas não se
provaram os factos que vinha a ser acusado.

Se tiver sido requerida a sua inquirição como testemunha, mas relativamente a factos
que não determinaram a conexão?
Pode haver um processo conexão e dois arguidos, e o arguido A ter cometido o crime X,
Y e Z, e o arguido B só ter cometido o crime X, e os processos terem sido separados.
Relativamente aos factos que não determinaram a conexão, deve ou não gozar da
prerrogativa?
A lei existe para salvaguardar os direitos do arguido relativamente a factos, factos estes
em que tenha havido conexão, logo não faz sentido, no entender do Professor, gozar da
prerrogativa prevista no n.º 2.

Recusa de depoimento – art. 134.º CPP

O n.º 1 diz que se podem recusar a depor como testemunhas:


 Os descendentes, os ascendentes, os irmãos, os afins até ao 2.º grau, os
adoptantes, os adoptados e o cônjuge do arguido.

 Quem tiver sido cônjuge do arguido ou quem, sendo de outro ou do mesmo


sexo, com ele conviver ou tiver convivido em condições análogas às dos
cônjuges, relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação.

Segundo o n.º 2, “a entidade competente para receber o depoimento adverte, sob pena
de nulidade, as pessoas referidas no número anterior da faculdade que lhes assiste de
recusarem o depoimento.”
Esta é uma nulidade sanável, pois não há indicação que seja insanável.

Ex.: a pessoa, quando indicada como testemunha, não tinha nenhuma relação com o
arguido, mas dois dias antes do julgamento casou-se. Pode ou não recusar-se a depor?
Pode, pois no momento que vai depor é casada com o arguido e é esse o momento que
importa aqui. Isto é um direito e não um dever.

A recusa é incondicional, ou seja, a pessoa não tem de motivar a recusa. Não tem de
indicar as razões.
Se a testemunha começar a falar, não exercendo o direito, depois também não o
pode exercer. A partir do momento em que não exerce o direito de recusa, é uma
testemunha como outra qualquer.
A testemunha pode ainda, em determinados casos, recusar-se a depor quanto a
determinadas perguntas.
Segundo o n.º 2 do art. 132.º CPP, “a testemunha não é obrigada a responder a
perguntas quando alegar que das respostas resulta a sua responsabilização penal”,
sendo certo que, em virtude desta recusa o MP pode mandar abrir o inquérito – art.
59.º n.º1 do CPP.
Este artigo diz que “se, durante qualquer inquirição feita a pessoa que não é arguido,
surgir fundada suspeita de crime por ela cometido, a entidade que procede ao acto

81
Prática Processual Penal
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suspende-o imediatamente e procede à comunicação e à indicação referidas no n.º 2 do


art. anterior”. O MP pode desde logo constituí-la como arguido.

Remissão: art. 132.º, n.º 2 CPP → art. 59.º, n.º 1 CPP

O n.º 2 do art. 138.º CPP diz que “às testemunhas não devem ser feitas perguntas
sugestivas ou impertinentes, nem quaisquer outras que possam prejudicar a
espontaneidade e a sinceridade das respostas”. As perguntas devem ser feitas de forma
clara e sem nenhum tipo de pressão, de modo a que o depoimento seja sincero e
espontâneo.

Podemos distinguir dois tipos de testemunhas:


 Factuais;
 Abonatórias.

O art. 128.º, n.º 2 CPP refere as testemunhas abonatórias: “salvo quando a lei
dispuser diferentemente, antes do momento de o tribunal proceder à determinação da
pena ou da medida de segurança aplicáveis, a inquirição sobre factos relativos à
personalidade e ao carácter do arguido, bem como às suas condições pessoais e à
sua conduta anterior, só é permitida na medida estritamente indispensável para a
prova de elementos constitutivos do crime, nomeadamente da culpa do agente, ou para a
aplicação de medida de coacção ou de garantia patrimonial”.
Segundo o art. 283, n.º 3, al. d) CPP, no rol devem discriminar-se as testemunhas que
devam depor só sobre os aspectos referidos no n.º 2 do art. 128.º CPP, ou seja, quando
a acusação contém testemunhas deste género deve justificá-las.

Também o art. 291.º, n.º 4 CPP se refere a estas testemunhas na instrução, diz
expressamente que não são inquiridas este tipo de testemunhas, pois a instrução não visa
determinar a pena ou doseá-la, visa apenas saber se foi ou não cometido o crime.
Deve ainda referir-se o art. 315.º, n.º 4 CPP, que diz respeito à contestação e ao rol de
testemunhas, na medida em que também se deve especificar quais as testemunhas que
devem depor em relação àqueles factos constantes no art. 128.º, n.º 2 CPP.

Declaração do arguido e das partes civis – art. 145.º CPP

O n.º 1 diz que “ao assistente e às partes civis podem ser tomadas declarações a
requerimento seu ou do arguido ou sempre que a autoridade judiciária o entender
conveniente”. Quanto ao arguido e das partes civis, prestam declarações nesta
qualidade e não na qualidade de testemunhas.

As suas declarações podem surgir de 3 formas, que vêm descritas no art. 145.º, n.º 1
CPP:
 A requerimento do arguido;
 Oficiosamente, pela autoridade judiciária;
 Requerimento seu (do assistente ou parte civil).

O n.º 4 prevê que a prestação de declarações destes sujeitos processuais não é precedida
de juramento. No entanto, nos termos do n.º 2, ficam na mesma sujeitos a dever de
verdade e incorrem em responsabilidade criminal caso faltem à verdade nas suas

82
Prática Processual Penal
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declarações. Não obstante não haver prestação de juramento, a lei prevê


especificamente a punibilidade criminal no caso de falta à verdade e dever de falar com
verdade aquando da prestação destas declarações.

O regime das declarações do arguido, assistente e partes civis, nos termos do n.º 3, é o
mesmo da prova testemunhal.

Prova por acareação


(art. 146.º CPP)

Pressupostos e procedimento – art. 146.º CPP

O n.º 1 determina que “é admissível acareação entre co-arguidos, entre o arguido e o


assistente, entre testemunhas ou entre estas, o arguido e o assistente sempre que houver
contradição entre as suas declarações e a diligência se afigurar útil à descoberta da
verdade.”

O n.º 2 dispõe que tal é correspondentemente aplicável às partes civis.

O n.º 3 indica que “a acareação tem lugar oficiosamente ou a requerimento”.

A acareação é uma diligência processual que ocorre quando há um depoimento


contraditório entre as pessoas previstas no n.º 1 (co-arguidos, entre arguido e assistente
ou testemunha, entre testemunhas).
Parte do juiz oficiosamente ou de requerimento de algumas das partes poder proceder à
acareação.

Em que consiste a acareação?

Segundo o n.º 4, “a entidade que presidir à diligência, após reproduzir as declarações,


pede às pessoas acareadas que as confirmem ou modifiquem e, quando necessário, que
contestem as das outras pessoas, formulando-lhes em seguida as perguntas que entender
convenientes para o esclarecimento da verdade”. Ambas as partes são confrontadas com
as declarações umas das outras e são questionadas se, face às declarações da outra
pessoa, se mantém ou se modifica as declarações prestadas anteriormente. Pode,
eventualmente, se se mostrar necessário, pôr as testemunhas a contestar o depoimento
da outra parte.
A utilidade deste meio de prova pode resultar do dialogo que por vezes se estabelece
entre as partes, deste confronto.

Os peritos estão excluídos deste tipo de diligência. Não pode haver acareação entre
um perito e uma testemunha, arguido ou parte civil.

Uma questão que se levanta relativamente à acareação prende-se com a sua


obrigatoriedade.
Se, por exemplo, as testemunhas prestaram declarações, podem-se recusar à acareação?
Se a testemunha tem o dever de testemunhar, também tem o dever de ser acareada.

E se for o arguido, será obrigado a acarear-se com outra das partes?

83
Prática Processual Penal
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Se o arguido tem o direito ao silêncio, de responder só às questões que entende que deve
responder, por maioria de razão, só é acareado se o consentir, podendo assim não
prestar qualquer declaração.

Nesta diligência, tal como nos demais meios de prova, vale o princípio da livre
apreciação da prova e o juiz retirará desta diligência as consequências que ao abrigo
deste princípio entender relevantes.

Há um incidente típico do processo civil: a contradita. Na contradita, há a


possibilidade de face a um determinado meio de prova produzida (por ex., prova
testemunhal), ser produzida outra prova. Este é um incidente previsto nos arts. 640.º e
641.º CPC. Porém, este meio de prova não está previsto no CPP.

Será que a podemos usar no processo penal? Sim. Por um lado, aplicam-se
subsidiariamente ao processo penal as regras de processo civil, nos termos do art. 4.º
CPP. Por outro lado, ao abrigo do princípio da legalidade – art. 125.º CPP – pode-se
produzir qualquer prova que não seja proibida por lei. Então deve entender-se que o
incidente da contradita também pode ser suscitado em processo penal.

Prova documental
(art. 164.º SS. CPP)

O art. 164.º CPP trata da admissibilidade da prova testemunhal.


A definição de documento consta do art. 164.º, n.º 1 CPP: “é admissível prova por
documento, entendendo-se por tal a declaração, sinal ou notação corporizada em
escrito ou qualquer outro meio técnico, nos termos da lei penal.”

Segundo o n.º 2, “a junção da prova documental é feita oficiosamente ou a


requerimento, não podendo juntar-se documento que contiver declaração
anónima, salvo se for, ele mesmo, objecto ou elemento do crime”. Se o crime
começou com uma declaração anónima, o processo prosseguiu e chegou à descoberta
do autor das declarações, é óbvio que, neste caso, a declaração anónima tem que constar
dos autos.

Quando podem juntar-se documentos – art. 165.º CPP

Segundo o n.º 1, “o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da


instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência”.
A nível da oportunidade da junção, manda a lei como regra que o documento seja junto
no decurso do inquérito ou no decurso da instrução, e nos casos em que isso não seja
possível, deve ser junto até ao encerramento da audiência.
Se tivermos um documento fundamental para a descoberta da verdade, mesmo que só o
vamos juntar na fase do julgamento, embora o pudéssemos ter junto antes, devemos
juntá-lo, uma vez que ao abrigo do art. 340.º CPP, o mesmo se deve admitir, desde que
fique demonstrando que é essencial para a descoberta da verdade material. Não
obstante a lei fixar aqui um limite temporal nas fases processuais, e mesmo dizendo que
numa fase posterior apenas deve ser junto quando foi impossível juntá-lo anteriormente,
o certo é que nos termos do art. 340.º CPP, podemos requerer a sua junção aos autos

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Prática Processual Penal
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desde que devidamente fundamentado que o facto em si seja essencial para a descoberta
da verdade, para que, na eventualidade de o juiz não admitir a junção do documento, se
possa arguir a nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2, al. d) CPP, podendo-se
posteriormente recorrer do despacho que indefere a arguição dessa nulidade.

Nota: se no processo civil podemos sempre juntar um documento, mesmo que sem o
articulado, apesar de se pagar a respectiva multa, no processo penal, por maioria de
razão, é óbvio que o princípio da descoberta da verdade material é mais amplo, logo, a
junção de documentos, mesmo que tardia deve ser admitida.

Depois da junção, temos um prazo do contraditório, previsto no n.º 2 do art. 165.º


CPP, prazo este que não deve ser superior a 8 dias.

Declarações do arguido
(art. 140.º CPP)

Segundo o n.º 1, “sempre que o arguido prestar declarações, e ainda que se encontre
detido ou preso, deve encontrar-se livre na sua pessoa, salvo se forem necessárias
cautelas para prevenir o perigo de fuga ou actos de violência.”
A regra é a liberdade do arguido quando presta declarações. Obviamente, isto tem como
limites a salvaguarda do perigo de fuga e de quaisquer actos de violência que possam
ocorrer.

Na maioria das vezes, as primeiras declarações do arguido no processo são em sede de


primeiro interrogatório judicial de arguido detido. A este propósito refere o art. 141.º,
n.º 1 CPP que “o arguido detido que não deva ser de imediato julgado é
interrogado pelo juiz de instrução, no prazo máximo de quarenta e oito horas após
a detenção, logo que lhe for presente com a indicação circunstanciada dos motivos
da detenção e das provas que a fundamentam”.

Esta norma suscita algumas interrogações: após a detenção há um prazo máximo fixado
em 48h. Se o interrogatório começou passadas algumas horas, ainda antes das 48h, mas
terminou já depois das 48h, quid iuris?
O entendimento correcto é que em muitos casos os interrogatórios se prolongam durante
muito tempo, eles têm limites temporais. Pode acontecer que tenha início no período das
48h, mas que vá para além deste. O interrogatório deve começar até as 48h. Se
terminar depois, já não tem relevância nenhuma para este prazo.

Se o interrogatório não se iniciar no prazo das 48h, o arguido deve ser solto. Para
tal devemos recorrer ao habeas corpus, de acordo com o art. 220.º, n.º 1 CPP.
Existem dois tipos de habeas corpus:
 Habeas corpus de detenção ilegal
 Habeas corpus em virtude de prisão ilegal.

Neste caso seria um habeas corpus em virtude de detenção ilegal.


Apesar de se chamarem ambos habeas corpus, são completamente distintos, quer nos
fundamentos, quer no que toca ao próprio procedimento.

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Prática Processual Penal
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Se o arguido é libertado, pode ser novamente detido? Sim. Caso se verifiquem os


pressupostos da detenção, pode ser novamente detido.

No que toca a este primeiro interrogatório de arguido detido, diz ainda o n.º 2 do art.
141.º CPP que “o interrogatório é feito exclusivamente pelo juiz, com assistência do
MP e do defensor e estando presente o funcionário de justiça. Não é admitida a presença
de qualquer outra pessoa, a não ser que, por motivo de segurança, o detido deva ser
guardado à vista.”

Acrescenta o n.º 3 que são feitas ao arguido as perguntas normais referentes à sua
identificação.
De seguida, o juiz vai informá-lo, nos termos do n.º 4, de vários aspectos,
nomeadamente:
a) Dos direitos referidos no n.º 1 do art. 61.º CPP, explicando-lhos se isso for
necessário;
b) Dos motivos da detenção;
c) Dos factos que lhe são concretamente imputados, incluindo, sempre que forem
conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo;
d) Dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua
comunicação não puser em causa a investigação, não dificultar a descoberta da verdade
nem criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos
participantes processuais ou das vítimas do crime;
ficando todas as informações, à excepção das previstas na alínea a), a constar do auto de
interrogatório.

Devem também ser comunicados ao arguido quais os meios de prova constantes do


processo que consubstanciam os factos que lhe são imputados.
Todas estas informações, à excepção das previstas na al. a), ficam a constar do auto.

O n.º 5 indica que “prestando declarações, o arguido pode confessar ou negar os


factos ou a sua participação neles e indicar as causas que possam excluir a ilicitude
ou a culpa, bem como quaisquer circunstâncias que possam relevar para a determinação
da sua responsabilidade ou da medida da sanção”. São direitos inerentes à qualidade de
arguido.

Segundo o n.º 6, “durante o interrogatório, o MP e o defensor, sem prejuízo do direito


de arguir nulidades, abstêm-se de qualquer interferência, podendo o juiz permitir que
suscitem pedidos de esclarecimento das respostas dadas pelo arguido. Findo o
interrogatório, podem requerer ao juiz que formule àquele as perguntas que entenderem
relevantes para a descoberta da verdade. O juiz decide, por despacho irrecorrível, se o
requerimento há-de ser feito na presença do arguido e sobre a relevância das perguntas”.
No primeiro interrogatório, tão importantes como as questões relativas ao cometimento
do crime, são as questões relativas aos pressupostos das medidas de coação a aplicar.
Assim, se existirem determinados factos que sejam úteis para justificar a não aplicação
de uma determinada medida de coação, mas de uma medida de coação mais leve, devem
ser suscitadas essas questões para que fiquem a constar.
O juiz, relativamente às perguntas que se podem fazer ao arguido, detém todo o poder.
O defensor pode suscitar que lhe seja colocada determinada questão, mas ele pode

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Prática Processual Penal
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decidir sobre a relevância dessa questão por despacho irrecorrível. Em todo o caso,
podemos invocar a insuficiência do inquérito – art. 120.º, n.º 1, al. d) CPP.

No que toca à duração do inquérito, em regra, nos termos do art. 103.º, n.ºs 3 e 4 CPP,
o interrogatório não pode ser efectuado entre as 0.00h e 7h, salvo nos casos
previstos nas als. a) e b) do n.º 3 do art. 103.º CPP.
Relativamente ao limite temporal, de acordo com o n.º 4 do mesmo artigo , o
interrogatório tem uma duração máxima de 4h, podendo haver mais uma fase de
4h, com uma hora de intervalo, ou seja, no máximo, por dia, pode ser interrogado por
8h.

Quais as consequências da violação destes limites? Segundo o art. 103.º, n.º 5 CPP,
“são nulas, não podendo ser utilizadas como prova, as declarações prestadas para além
dos limites previstos nos n.º s 3 e 4”. É uma nulidade sanável.

Nota: de acordo com o art. 141.º, n.º 6 CPP, uma das prerrogativas que o advogado
tem é a arguição de nulidades no decurso do interrogatório. Se ocorrer algum
fundamento para arguir uma nulidade, deve-se interromper, pedir a acta e arguir a
nulidade.

Se por ventura o arguido decidiu falar e o juiz lhe começa a fazer perguntas às
quais entendemos que ele não deve responder, o que deve o advogado fazer?
O arguido tem o direito ao silêncio, por um lado pode não responder a nada, por outro
pode só responder a determinadas perguntas. Para todos os efeitos, e conforme o
disposto nos arts. 61.º, n.º 1, al. d) e 63.º, n.º 1, CPP, o defensor exerce os mesmos
direitos que a lei reconhece ao arguido. Nada impede que o defensor interrompa o
inquérito e peça para conferenciar com o arguido e o aconselhar, nos termos dos arts.
61.º, n.º1, al. d) e 63.º, n.º1 CPP.

Meios de obtenção de prova


(arts. 171.º SS. CPP)

 Exames
 Revistas e buscas
 Apreensões
 Escutas telefónicas

Exames
(Arts. 171.º a 173.º CPP)

Pressupostos – art. 171.º CPP

O n.º 1 determina que “por meio de exames das pessoas, dos lugares e das coisas,
inspeccionam-se os vestígios que possa ter deixado o crime e todos os indícios relativos
ao modo como e ao lugar onde foi praticado, às pessoas que o cometeram ou sobre as
quais foi cometido”. Há um exame feito num local, pode seguir-se a perícia que é um
meio de prova.

Segundo o n.º 2, “logo que houver notícia da prática de crime, providencia-se para
evitar, quando possível, que os seus vestígios se apaguem ou alterem antes de

87
Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

serem examinados, proibindo-se, se necessário, a entrada ou o trânsito de pessoas


estranhas no local do crime ou quaisquer outros actos que possam prejudicar a
descoberta da verdade”. Este artigo refere-se à forma como se verificam e fazem os
exames.

Sujeição a exame – art. 172.º CPP

O n.º 1 determina que “se alguém pretender eximir-se ou obstar a qualquer exame
devido ou a facultar coisa que deva ser examinada, pode ser compelido por decisão
da autoridade judiciária competente”. Se é necessário fazer exame a alguém e esse
alguém se recusa, a lei prevê a possibilidade de ser compelido por decisão da autoridade
judiciária competente.

Caso se trate do arguido, entre os seus deveres consta o dever de se sujeitar a meios de
prova, nos termos do art. 61.º, n.º 3, al. d) CPP. Mas estará ele obrigado por este facto?
Esta é uma matéria controversa e o problema pode suscitar-se quando é preciso ofender
a saúde do arguido para fazer o exame. Isto não é mais que uma ponderação de direitos:
a prossecução do processo penal e a descoberta da verdade por um lado, e por outro
lado o direito à saúde do arguido e à sua privacidade. Portanto, a ponderação de direitos
faz-se caso a caso, não havendo uma resposta única.
No último exame saiu uma pergunta acerca de se o arguido estava obrigado a sujeitar-se
a prova datiloscópica, isto é, se é obrigado a fornecer as impressões digitais. Neste caso
parece que sim, ponderando os interesses em causa, não parece que ofenda muito os
direitos do arguido.

Revistas e buscas
(Arts. 174.º a 177.º CPP)

As revistas aplicam-se às pessoas, as buscas a coisas e locais.

Pressupostos – art. 174.º CPP

Segundo o n.º 1, “quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer
objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada
revista”.

O n.º 2 refere-se às buscas: “quando houver indícios de que os objectos referidos no


número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em
lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca”.

A revista só é válida, se a detenção que a precedeu, também ela for válida. A


sindicância da detenção pode levar a sindicar também a revista.

O n.º 3 determina que “as revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas por
despacho pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que
possível, presidir à diligência”.

88
Prática Processual Penal
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Segundo o n.º 4, “o despacho previsto no número anterior tem um prazo de validade


máxima de 30 dias, sob pena de nulidade”. Esta norma é recente, a lei determina um
prazo que, uma vez findo, acarreta a caducidade do despacho que autorizou essa mesma
diligência.

O n.º 5 introduz excepções à regra do n.º 3. Exceptuam-se do n.º 3 os casos:

 De terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando existam


fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida
ou a integridade de qualquer pessoa – ver art. 1.º CPP, do qual constam as
definições. Nestes casos os OPC’s podem efectuar a revista ou a busca sem
qualquer autorização prévia.

Temos que verificar 3 coisas (não são cumulativas):


1 – O tipo de crime;
2 - Se esse crime em questão está para ser praticado de imediato;
3 – Se isso vai pôr em risco ou não a integridade de alguma pessoa.

Verificado um destes requisitos, os OPC’s podem proceder à revista ou busca


sem prévia autorização do juiz.
Ainda relativamente a esta alínea deve ter-se em atenção o n.º 6 do mesmo
artigo, ou seja, a realização da diligência deve ser comunicada
imediatamente (logo que estejam reunidos todos os pressupostos da diligência)
ao JIC, para que ele aprecie a diligência para a validar ou não, sob pena de
nulidade.

 Em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por


qualquer forma, documentado.

 Aquando de detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de


prisão.

No último exame colocava-se a questão de saber se determinada busca era legal ou não.
A justificação era que sim, ao abrigo desta norma.
Não basta dizer que a busca é legal nos termos do art. 174.º, n.º5, al. c) CPP. É preciso
verificar se todos os pressupostos estão preenchidos.

Busca domiciliária – art. 177.º CPP

Segundo o n.º 1, “a busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode
ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de
nulidade”.

O n.º 2 determina que “entre as 21 e as 7 horas, a busca domiciliária só pode ser


realizada nos casos de:
a) Terrorismo ou criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada;
b) Consentimento do visado, documentado por qualquer forma;
c) Flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior, no seu
máximo, a 3 anos”.

89
Prática Processual Penal
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Este n.º 2 é a excepção ao n.º 1.

O n.º 3 ainda nos diz algo mais: “as buscas domiciliárias podem também ser ordenadas
pelo MP ou ser efectuadas por órgão de polícia criminal:
a) Nos casos referidos no n.º 5 do art. 174.º, entre as 7 e as 21 horas;
b) Nos casos referidos nas alíneas b) e c) do número anterior, entre as 21 e a 7 horas”.

Temos 2 regimes:

 7h às 21h
Ordenada/ autorizada pelo JIC (n.º 2)

Ordenada pelo MP/ efectuada pelos OPC:


- Terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada;
- Consentimento documentado do visado;
- Flagrante delito com pena de prisão.

 21h às 7h
Ordenada pelo JIC:
- Terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada;
- Consentimento documentado do visado;
- Flagrante delito com pena de prisão superior a 3 anos.

Ordenada pelo MP/ OPC:


- Consentimento documentado do visado;
- Flagrante delito com pena de prisão superior a 3 anos.

Qual é a grande diferença entre ambos os regimes?


O MP e os OPC não podem proceder às buscas sem autorização do juiz entre as
21h e as 7h nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente
organizada.

Segundo o n.º 4 do art. 177.º CPP, “é correspondentemente aplicável o disposto no n.º


6 do art. 174.º nos casos em que a busca domiciliária for efectuada por órgão de polícia
criminal sem consentimento do visado e fora de flagrante delito” – validação imediata
da diligência pelo JIC.
Assim, nos casos de busca domiciliária efectuada pelos OPC, fora do flagrante
delito e sem consentimento do visado, verificados os quatro requisitos, temos de ter
validação nos termos do n.º 6 do 174.º CPP.

Os requisitos são:
 Busca domiciliária
 Realizada pelos OPC
 Sem ser em flagrante delito
 Sem consentimento do visado.

O n.º 5 do art. 177.º CPP diz que “tratando-se de busca em escritório de advogado ou
em consultório médico, ela é, sob pena de nulidade, presidida pessoalmente pelo juiz,

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Prática Processual Penal
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o qual avisa previamente o presidente do conselho local da Ordem dos Advogados ou da


Ordem dos Médicos, para que o mesmo, ou um seu delegado, possa estar presente”.

Este artigo enuncia três requisitos adicionais:


 Presidida pelo juiz
 Com prévia comunicação ao presidente da OA ou Ordem dos Médicos
 Para que o mesmo ou o seu delegado possa estar presente.

Apreensões
(Arts. 178.º a 186.º CPP)

Objectos susceptíveis de apreensão e pressupostos desta – art. 178.º CPP

Segundo o n.º 1, “são apreendidos os objectos que tiverem servido ou estivessem


destinados a servir a prática de um crime (ex.: uma faca, uma arma de fogo), os que
constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa (ex.: o dinheiro, o cartão de
multibanco, o auto rádio), e bem assim todos os objectos que tiverem sido deixados
pelo agente no local do crime (ex.: as luvas, o carro) ou quaisquer outros
susceptíveis de servir a prova (esta é uma cláusula geral que serve para os objectos
que não caibam nas outras 3 hipóteses)”.

O n.º 3 determina que “as apreensões são autorizadas, ordenadas ou validadas por
despacho da autoridade judiciária”.

Segundo o n.º 4, “os órgãos de polícia criminal podem efectuar apreensões no decurso
de revistas ou de buscas ou quando haja urgência ou perigo na demora, nos termos
previstos na alínea c) do n.º 2 do art. 249.º”.

O n.º 5 diz que “as apreensões efectuadas por órgão de polícia criminal são sujeitas
a validação pela autoridade judiciária, no prazo máximo de setenta e duas horas”.

O n.º 6 diz que “os titulares de bens ou direitos objecto de apreensão podem requerer ao
juiz de instrução a modificação ou revogação da medida. É correspondentemente
aplicável o disposto no n.º 5 do art. 68.º”, ou seja, podem quaisquer titulares destes bens
que foram apreendidos, invocando que não se encontram em nenhum dos casos do n.º 1
do art. 178.º CPP, requerer que seja revogada a medida de apreensão. Este
requerimento deve ser dirigido ao JIC.

Restituição de objectos apreendidos – art. 186.º n.ºs 1 e 2 CPP

n.º 1: “Logo que se tornar desnecessário manter a apreensão para efeito de prova, os
objectos apreendidos são restituídos a quem de direito”.
n.º 2: “Logo que transitar em julgado a sentença, os objectos apreendidos são restituídos
a quem de direito, salvo se tiverem sido declarados perdidos a favor do Estado”.

Os n.ºs 3 e 4 deste artigo foram introduzidos na última alteração efectuada ao CPP.

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Prática Processual Penal
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n.º 3: “As pessoas a quem devam ser restituídos os objectos são notificadas para
procederem ao seu levantamento no prazo máximo de 90 dias, findo o qual passam a
suportar os custos resultantes do seu depósito”.
n.º 4: “Se as pessoas referidas no número anterior não procederem ao levantamento no
prazo de um ano a contar da notificação referida no número anterior, os objectos
consideram-se perdidos a favor do Estado”.

Estas duas normas foram introduzidas por forma a evitar que os objectos ficassem
eternamente nos tribunais à espera de serem reclamados pelos respectivos donos.
Assim, as pessoas têm prazos para cumprir, se os prazos não forem cumpridos o objecto
acaba por ser decretado perdido a favor do Estado.
Temos que ter também em atenção as normas específicas no que toca a apreensões a
efectuar em determinados locais.

Apreensão de correspondência – art. 179.º CPP

n.º 1: “Sob pena de nulidade, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a
apreensão, mesmo nas estações de correios e de telecomunicações, de cartas,
encomendas, valores, telegramas ou qualquer outra correspondência, quando tiver
fundadas razões para crer que: (estamos a falar de três requisitos cumulativos para
que o juiz autorize a apreensão de correspondência, é necessário que se verifiquem estas
três condições):
a) A correspondência foi expedida pelo suspeito ou lhe é dirigida, mesmo que sob nome
diverso ou através de pessoa diversa;
b) Está em causa crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos; e
c) A diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a
prova”.

Estes requisitos adicionais relativos às apreensões normais justificam-se pelo facto de a


correspondência ser normalmente uma matéria do círculo íntimo das pessoas, que
requer cuidados acrescidos quando se há-de proceder à respectiva apreensão, pois está a
ser violado o direito à privacidade da pessoa. Daí a necessidade de autorização e
dos requisitos adicionais para que se proceda a esta apreensão.

n.º 2: “É proibida, sob pena de nulidade, a apreensão e qualquer outra forma de


controlo da correspondência entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver
fundadas razões para crer que aquela constitui objecto ou elemento de um crime”.
Aqui entra outro direito fundamental: o sigilo profissional, que tem que ser respeitado.
A única excepção que a lei admite para que se possa proceder à apreensão da
correspondência entre arguido e defensor é ser essa correspondência objecto de crime.
Em todos os outros casos é absolutamente proibida, sob pena de nulidade.

O n.º 3 do art. 186.º CPP regula a forma como as coisas se processam após a
apreensão: “o juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência é a primeira pessoa a
tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida. Se a considerar
relevante para a prova, fá-la juntar ao processo; caso contrário, restitui-a a quem de
direito, não podendo ela ser utilizada como meio de prova, e fica ligado por dever de
segredo relativamente àquilo de que tiver tomado conhecimento e não tiver interesse
para a prova”.

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Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

Caso se trate de correspondência entre o arguido e um seu familiar que goze da


prerrogativa de não testemunhar, quid iuris?
Poderá ser apreendida esta correspondência. A testemunha goza de prerrogativa de não
testemunhar, mas pode estar nos autos uma carta como prova do crime.
A questão que aqui se coloca é se, partindo deste pressuposto de que o que justifica esta
norma é a protecção daquela pessoa ou a salvaguarda daquela pessoa de não incriminar
o arguido, ao admitirmos a apreensão de correspondência trocada entre essas mesmas
pessoas, não estaremos a fazer a mesma coisa, não estaremos a permitir que uma
determinada pessoa esteja a incriminar outra pessoa do seu círculo. Não estamos só a
falar de forma, mas também de conteúdo. Esta é a questão.

A recusa visa salvaguardar outra coisa, a colaboração, visa evitar que a pessoa
conscientemente seja forçada a incriminar alguém que lhe é próxima. No entanto, se a
carta for apreendida no meio do processo, já não se verifica aquele conflito interno na
pessoa, pois esta não sabia que a carta ia ser apreendida.
Para o Professor, apesar de ambas as coisas terem pontos de contacto, são coisas
diferentes. O intuito da recusa subsiste, mas a apreensão da correspondência deve ser
admitida.

Os arts. 180.º e 181.º CPP relacionam-se com a apreensão em escritórios médicos e


de advogados e em estabelecimentos bancários. Estes são casos em que, o dever de
sigilo impõe que haja também um certo cuidado na forma como são feitas estas
diligências.

Apreensão em escritório de advogado ou em consultório médico – art. 180.º CPP

n.º 1: “À apreensão operada em escritório de advogado ou em consultório médico é


correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 5 e 6 do art. 177.º”. O art. 177.º CPP
refere-se à busca, que quando realizada em escritórios médicos ou de advogados, impõe
que seja presidida pelo juiz e comunicada ao presidente da respectiva ordem
profissional. Nas apreensões há um regime igual ao das buscas.

Escutas telefónicas

(Arts. 187.º a 190.º CPP)

Admissibilidade – art. 187.º CPP

n.º 1: “A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só


podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a
diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de
outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do
juiz de instrução e mediante requerimento do MP” (ou a diligencia é indispensável à
descoberta da verdade ou então, não sendo indispensável, é necessário que a prova que
as escutas vão fazer seja muito difícil ou mesmo impossível de obter por outro dos
meios de prova à disposição. A autorização é concedida por despacho fundamentado. O
juiz, cada vez que ordena que se proceda às escutas telefónicas, tem de fundamentar
porque é que esta ordem vai ser dada. Designadamente, tem o juiz de explicar porque é
que as escutas são indispensáveis à descoberta da verdade, ou então porque se vão

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Prática Processual Penal
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utilizar, porque é que de outra forma seria muito difícil obter a prova). Isto tem de ser
fundamentado em concreto no despacho. Além disso, tem de ser “mediante
requerimento do MP”. Quem requer a obtenção e efectivação deste meio de prova é o
MP, que é quem dirige o inquérito.

O n.º 1 indica ainda quais os crimes que admitem, no caso de se verificarem todos
os requisitos previstos, a realização de escutas telefónicas. São os crimes:
a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos;
b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;
c) De detenção de arma proibida e de tráfico de armas;
d) De contrabando;
e) De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e
do sossego, quando cometidos através de telefone;
f) De ameaça com prática de crime ou de abuso e simulação de sinais de perigo; ou
g) De evasão, quando o arguido haja sido condenado por algum dos crimes previstos
nas alíneas anteriores.

É este o catalogo de crimes que admite a efectivação das escutas telefónicas.

Nota: neste meio de obtenção de prova só há uma pessoa com legitimidade para
ordenar uma escuta telefónica – o JIC – sem excepções.

n.º 2: “A autorização a que alude o número anterior pode ser solicitada ao juiz dos
lugares onde eventualmente se puder efectivar a conversação ou comunicação
telefónica ou da sede da entidade competente para a investigação criminal,
tratando-se dos seguintes crimes:
a) Terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada;
b) Sequestro, rapto e tomada de reféns;
c) Contra a identidade cultural e integridade pessoal, previsto no título iii do livro ii do
Código Penal e previsto na Lei Penal Relativa às Violações do Direito Internacional
Humanitário;
d) Contra a segurança do Estado previstos no capítulo i do título v do livro ii do Código
Penal;
e) Falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda prevista nos arts. 262.º, 264.º,
na parte em que remete para o art. 262.º, e 267.º, na parte em que remete para os arts.
262.º e 264.º, do Código Penal;
f) Abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima”.

Este artigo aplica-se única e exclusivamente aos casos em que a autoridade que procede
às escutas solicita, não ao juiz do processo, que seria à partida a pessoa com
legitimidade para ordenar as escutas, mas a um juiz de instrução dos lugares onde se
pode efectivar a conversação, ou então, da sede da entidade que está a proceder à
investigação. Às vezes, por uma questão de celeridade, a lei pode permitir que as
autoridades que procedem às escutas requeiram a autorização, em vez de ser ao JIC do
processo, a um juiz que esteja mais próximo. No entanto, isto só é admitido nos crimes
referidos nas alíneas do n.º 2.

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Prática Processual Penal
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NOTA: não se deve confundir o catálogo de crimes do n.º 1 com os do n.º 2. Os crimes
do n.º 1 são os crimes que admitem que a autorização para a realização das escutas
seja feita extra processo, num JIC que não o titular dos autos.

n.º 3: “Nos casos previstos no número anterior, a autorização é levada, no prazo


máximo de setenta e duas horas, ao conhecimento do juiz do processo, a quem cabe
praticar os actos jurisdicionais subsequentes”.

n.º 4: “A intercepção e a gravação previstas nos números anteriores só podem ser


autorizadas, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado,
contra:
(estes são os sujeitos que podem ser alvo de escutas telefónicas)
a) Suspeito ou arguido;
b) Pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para
crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou
arguido; ou
c) Vítima de crime, mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido”.

n.º 6: “A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações são


autorizadas pelo prazo máximo de três meses, (anteriormente isto não se verificava,
podendo as escutas prolongar-se no tempo) renovável por períodos sujeitos ao mesmo
limite, desde que se verifiquem os respectivos requisitos de admissibilidade”. O
juiz, quando procede ao despacho de autorização das escutas, fundamenta a respectiva
necessidade das mesmas, e deve fixar o prazo de validade desse seu despacho com o
prazo máximo de 3 meses.

n.º 7: “Sem prejuízo do disposto no art. 248.º, a gravação de conversações ou


comunicações só pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar, se
tiver resultado de intercepção de meio de comunicação utilizado por pessoa
referida no n.º 4 e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto
no n.º 1”.

A lei veio agora admitir que as informações obtidas no âmbito de uma escuta telefónica
num determinado processo possam ser utilizadas fora desse processo, nomeadamente
para abrir outro processo, ou para outro que já esteja a decorrer. Veio para isso fixar
dois requisitos:
 Quem tenha sido interceptado seja um dos sujeitos previstos no n.º 4.
 Que o crime em questão caiba no catalogo do n.º 1.
Verificados estes dois requisitos cumulativos, podem ser usadas as escutas noutros
processos.

O professor entende, de acordo com a nova redacção deste artigo, que não podem ser
usadas escutas obtidas num processo-crime para um processo disciplinar, pois o
segundo requisito não de encontra preenchido, uma vez que nem sequer se trata de um
crime.
Mas por outro lado, fará algum sentido que se possam utilizar as escutas de um
processo-crime e depois não se possam retirar disciplinarmente consequências disto? Se
permite o mais (processo-crime) não é chocante que num processo mais pequeno
(disciplinar) não se possa retirar as devidas consequências disto?

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Prática Processual Penal
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Assim, há quem entenda que possam ser utilizadas essas escutas. Para o Professor, com
a nova redacção, é muito difícil entender que possam ser usadas as escutas de um
processo-crime para dar início a um processo disciplinar.

Formalidades das operações das escutas telefónicas – art. 188.º CPP

n.º 1: “O órgão de polícia criminal que efectuar a intercepção e a gravação a que se


refere o artigo anterior lavra o correspondente auto e elabora relatório no qual indica as
passagens relevantes para a prova, descreve de modo sucinto o respectivo conteúdo e
explica o seu alcance para a descoberta da verdade”.
Em primeiro lugar, o relatório relativo as escutas tem de conter três coisas:
 Indicar as passagens relevantes para a prova, o que permite um maior controlo
das escutas;
 Descrição, ainda que sucinta, do conteúdo das escutas;
 Explicar qual o alcance que essas escutas terão para a descoberta da verdade.

n.º 3: “O órgão de polícia criminal referido no n.º 1 leva ao conhecimento do MP, de 15


em 15 dias a partir do início da primeira intercepção efectuada no processo, os
correspondentes suportes técnicos, bem como os respectivos autos e relatórios (referidos
no n.º 1)”. O prazo dos 15 dias não começa a correr da autorização, mas da primeira
intercepção.

Os OPC têm de levar ao MP:


 Os suportes técnicos, isto é, as gravações em si mesmas;
 Os respectivos autos;
 Os relatórios referidos no n.º 1.

n.º 4: “O MP leva ao conhecimento do juiz os elementos referidos no número anterior


no prazo máximo de quarenta e oito horas”.

De seguida, caso se verifique algum dos requisitos do n.º 6, als. a) a c), o juiz
determina a destruição imediata desses suportes técnicos, ficando todos os
intervenientes vinculados ao dever de sigilo.
n.º 6: “Sem prejuízo do disposto no n.º 7 do artigo anterior, o juiz determina a
destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao
processo:
a) Que disserem respeito a conversações em que não intervenham pessoas referidas no
n.º 4 do art. anterior;
b) Que abranjam matérias cobertas pelo segredo profissional, de funcionário ou de
Estado; ou
c) Cuja divulgação possa afectar gravemente direitos, liberdades e garantias; ficando
todos os intervenientes vinculados ao dever de segredo relativamente às conversações
de que tenham tomado conhecimento”.

n.º 7: “Durante o inquérito, o juiz determina, a requerimento do MP, a transcrição


e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para
fundamentar a aplicação de medidas de coacção ou de garantia patrimonial, à
excepção do termo de identidade e residência.” Pode suceder que as escutas e sejam
um meio de prova essencial para ser aplicada determinada medida de coação.

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Prática Processual Penal
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Nesses casos, o MP requer ao JIC que proceda ou ordene a transcrição e junção aos
autos das conversações que vão fundamentar a aplicação de determinada medida de
coacção.

n.º 8: “A partir do encerramento do inquérito, o assistente e o arguido podem examinar


os suportes técnicos das conversações ou comunicações e obter, à sua custa, cópia das
partes que pretendam transcrever para juntar ao processo, bem como dos relatórios
previstos no n.º 1, até ao termo dos prazos previstos para requerer a abertura da
instrução ou apresentar a contestação, respectivamente”.
A importância disto reside no facto de o arguido poder assim fixar quais as escutas que
depois vão ter relevância processual.

n.º 9: “Só podem valer como prova as conversações ou comunicações que:


a) O MP mandar transcrever ao órgão de polícia criminal que tiver efectuado a
intercepção e a gravação e indicar como meio de prova na acusação – estas vão ser as
que terão relevância final no julgamento.
b) O arguido transcrever a partir das cópias previstas no número anterior e juntar ao
requerimento de abertura da instrução ou à contestação; ou
c) O assistente transcrever a partir das cópias previstas no número anterior e juntar ao
processo no prazo previsto para requerer a abertura da instrução, ainda que não a
requeira ou não tenha legitimidade para o efeito”.
Vão-se fixar, entre todas as escutas que foram produzidas durante aquele processo,
quais as que vão ter relevância final no julgamento. De acordo com a al. a), são as que o
MP mandar transcrever e indicar como meio de prova na acusação. De acordo com a al.
b), são as que o arguido transcrever e juntar ao RAI e à contestação. Finalmente, de
acordo com a al. c), são as que o assistente transcrever e juntar ao processo no prazo
previsto para requerer RAI, ainda que o não requeira ou que não tenha legitimidade para
o efeito.

n.º 10: “O tribunal pode proceder à audição das gravações para determinar a correcção
das transcrições já efectuadas ou a junção aos autos de novas transcrições, sempre que o
entender necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”.
Este número veio estabelecer uma espécie de válvula de escape para o caso de alguma
coisa ter escapado. Por exemplo, pode dar-se o caso de haver uma escuta que não tenha
sido transcrita, por nenhum destes sujeitos referidos no n.º 9 que o tribunal entenda que
é essencial à descoberta da verdade, e então pode ordenar a transcrição dessa escuta. Ou
então, pode verificar se existe um erro na transcrição da escuta, e mandar corrigir essa
transcrição.

n.º 11: “As pessoas cujas conversações ou comunicações tiverem sido escutadas e
transcritas podem examinar os respectivos suportes técnicos até ao encerramento da
audiência de julgamento”.

Os n.ºs 12 e 13 vieram dizer o que se deve fazer com as escutas após a conclusão
daquele processo.
n.º 12: “Os suportes técnicos referentes a conversações ou comunicações que não forem
transcritas para servirem como meio de prova são guardados em envelope lacrado, à
ordem do tribunal, e destruídos após o trânsito em julgado da decisão que puser termo
ao processo”.

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Prática Processual Penal
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n.º 13: “Após o trânsito em julgado previsto no número anterior, os suportes técnicos
que não forem destruídos são guardados em envelope lacrado, junto ao processo, e só
podem ser utilizados em caso de interposição de recurso extraordinário”.

Percebe-se de todas estas regras que o paradigma mudou. Tínhamos um paradigma em


que as escutas eram um meio de prova muito importante e que devia ser usado sempre
que se sentisse necessidade disso, muitas vezes como meio de prova principal, e agora a
ideia que está por detrás de tudo vai no sentido de que as escutas são algo mau, pois
constituem a violação da privacidade de quem esta á a ser escutado, consequentemente
regulamentou-se isto de modo a minimizar os efeitos nocivos destas escutas.

Notas:
 O art. 189.º CPP estende o regime das escutas a outros tipos de comunicações e
intercepções:
n.º 1: “O disposto nos arts. 187.º e 188.º é correspondentemente aplicável às
conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente
do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão
de dados por via telemática, mesmo que se encontrem guardadas em suporte
digital, e à intercepção das comunicações entre presentes”. É possível proceder à
gravação de conversas que pessoas estejam a ter através de meios diferentes do
telefone.

 O art. 190.º CPP fixa a consequência da violação dos requisitos exigidos


pelas normas anteriores: “os requisitos e condições referidos nos arts. 187.º,
188.º e 189.º são estabelecidos sob pena de nulidade”.

Medidas de coacção
(Arts. 191.º a 224.º CPP)

Primeiro, temos que ter em conta alguns princípios.

Princípio da legalidade – art. 191.º CPP


n.º 1: “A liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função
de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia
patrimonial previstas na lei”. Só podem ser aplicadas medidas de coacção previstas
na lei.

Princípio da necessidade
As medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser
necessárias. Só devemos aplicar uma medida de coação se houver necessidade dessa
aplicação. Se se tratar de uma medida que não é necessária para aquele caso em
concreto, simplesmente não deve ser aplicada.

Corolários do princípio da necessidade:


 Art. 192.º, n.º 2 CPP: “Nenhuma medida de coacção ou de garantia
patrimonial é aplicada quando houver fundados motivos para crer na
existência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do

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Prática Processual Penal
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procedimento criminal”. Se verificarmos que o crime em questão já está


prescrito, não devemos aplicar uma medida de coacção.

 Art. 193.º, n.º 4 CPP: “A execução das medidas de coacção e de garantia


patrimonial não deve prejudicar o exercício de direitos fundamentais que não
forem incompatíveis com as exigências cautelares que o caso requerer”.

Princípio da adequação e proporcionalidade – art. 193.º CPP


n.º 1: “As medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto
devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e
proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser
aplicadas”.
Se podemos obter o mesmo efeito com uma medida de coação menos grave, é essa que
deve ser aplicada e não a mais grave. Deve ser adequada às necessidades e proporcional.

O n.º 2 do art. 193.º CPP, a este respeito concretiza ainda mais e fala de duas medidas
de coação em concreto: “A prisão preventiva e a obrigação de permanência na
habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou
insuficientes as outras medidas de coacção”. Este artigo é corolário do princípio da
adequação e proporcionalidade.

É o juiz que aplica as medidas de coacção.


Há apenas uma excepção a esta regra que é o TIR, que é uma medida de coação
inerente à qualidade de arguido, e que não necessita ser decretada pelo juiz – art.
194.º, n.º 1 CPP: “à excepção do termo de identidade e residência, as medidas de
coacção e de garantia patrimonial são aplicadas por despacho do juiz, durante o
inquérito a requerimento do MP e depois do inquérito mesmo oficiosamente,
ouvido o MP”.
Relativamente a todas as outras, só há uma figura que pode decretar a medida de
coação, o juiz. Se estivermos em fase de inquérito ou instrução, é o JIC, se estivermos
em fase de julgamento é o juiz de julgamento que decreta.

Na fase de inquérito, quem requer a medida é o MP, já numa fase posterior ao


inquérito, pode ser oficiosamente o juiz, embora tenha que ouvir o arguido e o MP.

Art. 194.º, n.º 2 CPP: “Durante o inquérito, o juiz não pode aplicar medida de
coacção ou de garantia patrimonial mais grave que a requerida pelo MP, sob pena
de nulidade”.
Quem dirige o inquérito é o MP, que é quem está por dentro das necessidades cautelares
que o processo implica. Aquilo que o MP decide deve constituir um tecto para que o
juiz decida. Mas por outro lado, é o juiz quem aplica as medidas de coação, e ele não
deve estar limitado pelo requerimento do MP, visto que é ele quem tem o controlo da
legalidade. A lei veio então estabelecer que durante o inquérito o juiz não pode decretar
uma medida de coacção mais grave do que a que foi promovida pelo MP.

Art. 194.º, n.º 3 CPP: “A aplicação referida no n.º 1 é precedida de audição do arguido,
ressalvados os casos de impossibilidade devidamente fundamentada, e pode ter lugar no
acto de primeiro interrogatório judicial, aplicando-se sempre à audição o disposto no n.º
4 do art. 141.º”. Esta norma prende-se com o primeiro interrogatório judicial do
arguido detido, logo aqui o princípio do contraditório é fundamental no processo

99
Prática Processual Penal
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penal, e o arguido tem de ser ouvido antes da aplicação de qualquer medida de coacção.
A lei aqui ressalva apenas os casos de impossibilidade e não a dificuldade.

O n.º 4 do art. 194.º CPP veio estabelecer regras para o despacho que aplica a medida
de coação. É importante para aqueles casos em que temos que reagir a alguma destas
medidas.
“A fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coacção ou de garantia
patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, contém, sob pena de
nulidade:
a) A descrição dos factos concretamente imputados ao arguido incluindo, sempre que
forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo;
b) A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre
que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a
descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a
liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime;
c) A qualificação jurídica dos factos imputados (é essencial para se verificar a
legalidade da aplicação daquela medida de coação);
d) A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da
medida, incluindo os previstos nos arts. 193.º e 204.º” (preenchimento de requisitos
específicos da prisão preventiva, bem como dos requisitos gerais).
Ex.: não basta dizer que no caso se verifica perigo de fuga. O juiz vai ter de indicar em
que factos é que se baseia para dizer que há perigo de fuga. Por exemplo, que tem dupla
nacionalidade, e que esse facto leva a crer que poderá fugir para o outro país, de onde
não poderá ser extraditado.

n.º 5: “Sem prejuízo do disposto na alínea b) do número anterior, não podem ser
considerados para fundamentar a aplicação ao arguido de medida de coacção ou de
garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, quaisquer factos
ou elementos do processo que lhe não tenham sido comunicados durante a audição a
que se refere o n.º 3”.
O juiz não pode aplicar uma medida de coação baseada em factos que não comunicou
ao arguido.

n.º 6: “Sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 4, o arguido e o seu defensor podem
consultar os elementos do processo determinantes da aplicação da medida de coacção
ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, durante o
interrogatório judicial e no prazo previsto para a interposição de recurso”. Se se
pretender reagir contra a aplicação de uma medida de coação, é possível consultar os
elementos que estiveram na base da aplicação da medida.

Que medidas de coacção existem?

 Termo de identidade e residência – art. 196.º CPP


 Caução – art. 197.º CPP
 Obrigação de apresentação periódica – art. 198.º CPP
 Suspensão do exercício de funções, de profissões e de direitos – art. 199.º
CPP
 Proibição e imposição de condutas – art. 200.º CPP

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 Obrigação de permanência na habitação – art. 201.º CPP (prisão


domiciliária)
 Prisão preventiva – arts. 202.º e SS. CPP (a mais grave)

Estas apresentam-se no CPP por ordem gradativa da sua gravidade.

Nota: não devemos confundir a caução do art. 197.º CPP, com a caução do art. 227.º
CPP. São coisas diferentes, a do art. 197.º CPP é uma medida de coacção, e a do art.
227.º CPP é uma caução económica, garantia patrimonial. Para distinguir as duas, há
quem chame à caução do art. 197.º CPP, caução carcerária, e à outra, caução
económica.

Para a aplicação destas medidas de coacção, à excepção do TIR, temos requisitos


gerais, que estão previstos no art. 204.º CPP.
“Nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no art. 196.º (TIR), pode ser
aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida:
a) Fuga ou perigo de fuga – aqui temos de verificar se nas circunstâncias concretas do
caso, atendendo ao arguido em concreto, há perigo de fuga. Assim, é necessário colher
elementos que indiciem que o arguido vá fugir.
Existe fuga quando esta já está efectivada, e existe perigo de fuga quando existem forte
possibilidades de a pessoa fugir.
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e,
nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova –
estes perigos poderão consubstanciar nomeadamente perigo para a aquisição,
conservação ou veracidade da prova. Por exemplo, se se desconfiar que o arguido,
estando em liberdade, vai ocultar provas.
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade
do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a
ordem e a tranquilidade públicas” – para avaliarmos a personalidade do arguido e a
sua tendência para o crime temos em atenção os seus antecedentes criminais.

Verificando-se qualquer um destes requisitos gerais do art. 204.º CPP é possível


aplicar uma medida de coacção no caso concreto. Os requisitos não são
cumulativos, para se aplicar a medida de coacção basta que se verifique um dos
requisitos. Existem casos em que se verifica mais do que um requisito.

Note-se que, além destes requisitos, nunca podem os esquecer a constituição de


arguido, pois as medidas de coacção só são aplicadas a arguidos.

Termo de identidade e residência


(art. 196.º CPP)

É a medida mais branda, destaca-se das outras medidas desde logo no que diz respeito à
legitimidade para a sua aplicação.
É cumulável com qualquer outra das medidas de coacção.

Qual é a função do TIR? Definir processualmente a residência do arguido, fixando o


sítio onde o arguido possa ser sempre contactado.

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Se não for contactado nesse sítio, já não será responsabilidade do tribunal, pois cabe ao
arguido comunicar qualquer alteração de residência ou ausência superior a 5 dias.

Art. 196.º, n.º 3 CPP: “Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:
a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à
disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias
sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada
indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento
entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a
correr nesse momento;
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua
representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o
dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos
termos do artigo 333.º”.

O ónus de comunicar a alteração de residência ou ausência superior a 5 dias recai sobre


o arguido, caso contrário, o tribunal fica ilibado de qualquer responsabilidade.
Caso o arguido não compareça nos actos processuais pelos quais foi convocado,
nomeadamente o julgamento, tal poderá acarretar que seja julgado como ausente.

Nota: nos processos antigos, devemos ver qual o TIR que deles consta, uma vez que ao
longo de 10 anos existiram vários tipos de TIR, só este TIR mais recente é que tem a
advertência de que se o arguido não comparecer é julgado na ausência. Se o arguido
prestou TIR dos antigos, em que não conste esta advertência, ele não pode ser julgado
na ausência, a solução é declará-lo contumaz.

Caução
(art. 197.º CPP)

n.º 1: “Se o crime imputado for punível com pena de prisão, o juiz pode impor ao
arguido a obrigação de prestar caução”.
Todas as medidas de coação têm requisitos específicos. Assim, para se verificar se
determinada medida de coacção é ou não aplicável ao caso, tem não só de se tomar em
consideração os requisitos gerais do art. 204.º CPP, mas também temos que
preencher os requisitos específicos da medida de coacção.
Para a caução ser aplicada, em termos teóricos, o crime em questão tem que ser
punido com pena de prisão.

No final a caução é devolvida. A caução visa assegurar que o arguido esteja


presente nos actos processuais para os quais é notificado. O arguido, ao prestar a
caução fica ciente de que se a quebrar/violar, não comparecendo para o acto para o qual
foi convocado, a caução pode ser quebrada e ele pode perder esse montante que estava
caucionado. Funciona como um estímulo ao comparecimento dos actos processuais para
os quais é notificado.

Prestação da caução – art. 206.º CPP

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A caução é prestada por meio de depósito, penhor, hipoteca, fiança bancária ou fiança,
nos termos que o juiz o admitir – n.º 1. estes são os conceitos civilísticos, e são estes os
meios que o arguido pode usar para prestar a caução.

O n.º 2 admite que, mediante autorização do juiz, o arguido que tenha prestado caução
por determinado meio, possa substitui-lo por outro meio previsto na lei.

Que critérios é que o juiz deve seguir quando fixa o montante da caução?
Temos 4 critérios pelos quais o juiz se deve reger quando decretar o montante da
caução: art. 197.º, n.º 3 CPP
 Fins de natureza cautelar a que se destina (montante que faça supor que essa
medida de coacção vai ser adequada para o fim a que se destina, ou seja,
estimular a presença do arguido nos actos processuais para os quais é
convocado. Não pode ser um montante que, atendendo às circunstâncias do caso,
faça prever que não vá acautelar esse fim)
 A gravidade do crime imputado (isto também influenciará o montante, poderá
ser maior ou menor consoante o crime seja mais ou menos grave)
 O dano por este causado
 Condição socioeconómica do arguido (este último está muito ligado ao
primeiro, se estivermos na presença de um arguido com muitas posses e
fixarmos uma caução baixa, o fim da caução não fica acautelado, logo, tem que
ser um montante que pese na opção que o arguido tomar em comparecer ou
não).

Art. 197.º, n.º 2 CPP – “Se o arguido estiver impossibilitado de prestar caução ou
tiver graves dificuldades ou inconvenientes em prestá-la, pode o juiz, oficiosamente
ou a requerimento, substituí-la por qualquer ou quaisquer outras medidas de
coacção, à excepção da prisão preventiva ou de obrigação de permanência na
habitação, legalmente cabidas ao caso, as quais acrescerão a outras que já tenham sido
impostas”.
Pode acontecer que, fixado o montante da caução, o arguido alegue, ou o tribunal
conheça oficiosamente, que o arguido não tem capacidade para prestar aquela caução.
Nestes casos, a lei concede ao tribunal uma prorrogativa, que consiste em substituir a
medida de coacção por outra medida prevista no CPP, adequada ao caso, exceptuando a
prisão preventiva ou a obrigação de permanência na habitação.
A lei está aqui a exceptuar os casos em que o arguido vá alegar que não pode prestar a
caução, e com esse fundamento da impossibilidade de prestar caução, o tribunal não lhe
pode aplicar a prisão preventiva ou a obrigatoriedade de permanência na habitação, a
não ser que existam outros fundamentos.

Cumulação com a caução – art. 205.º CPP

“A aplicação de qualquer medida de coacção, à excepção da prisão preventiva ou


da obrigação de permanência na habitação, pode sempre ser cumulada com a
obrigação de prestar caução”.

Esta norma estabelece que a caução pode ser cumulada com qualquer das outras
medidas de coacção, exceptuando-se a obrigação de permanência na habitação e a
prisão preventiva.

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Porque é que não se pode cumular com a prisão preventiva ou com a obrigação de
permanência na habitação? A finalidade de ambas é a mesma. Se a pessoa estiver presa
preventivamente, não faz sentido aplicar caução, pois a finalidade da caução já foi
atingida com a prisão preventiva.

No que toca às outras medidas de coacção, a caução pode ser cumulada com as demais.

Reforço da caução – art. 207.º CPP

Refere-se ao reforço da caução por causas supervenientes. São, por exemplo, os casos
em que o arguido ganha o EuroMilhões, em que há uma alteração súbita das condições
socio-económicas do arguido. Pode este facto justificar que o montante da caução
previamente definido deixe de ser eficaz ou adequado.

n.º 1: “Se, posteriormente a ter sido prestada caução, forem conhecidas circunstâncias
que a tornem insuficiente ou impliquem a modificação da modalidade de prestação,
pode o juiz impor o seu reforço ou modificação”.

n.º 2: “É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 2 do art. 197.º e no art.


203.º” – alteração súbita das condições socio-económicas do arguido.

Se o tribunal fixa caução e o prazo para ela ser prestada, e o arguido não presta caução,
quid iuris?

Violação das obrigações impostas – art. 203.º CPP

n.º 1: “Em caso de violação das obrigações impostas por aplicação de uma medida
de coacção, o juiz, tendo em conta a gravidade do crime imputado e os motivos da
violação, pode impor outra ou outras medidas de coacção previstas neste Código e
admissíveis no caso”.
n.º 2: “O juiz pode impor a prisão preventiva nos termos do número anterior, quando
o arguido não cumpra a obrigação de permanência na habitação, mesmo que ao
crime caiba pena de prisão de máximo igual ou inferior a 5 e superior a 3 anos”.

Nota: não se deve confundir o art. 203.º, n.º 1 CPP com o art. 197.º, n.º 2 CPP, pois
uma coisa é a impossibilidade de prestar caução – art. 197.º, n.º 2 CPP, e outra coisa é a
violação da medida imposta (situação em que pode prestar caução, mas não a presta) –
art. 203.º CPP.

Quebra da caução – art. 208.º CPP


Coisa diferente é prestar caução, ser convocado para um acto processual e não
comparecer. Neste caso, temos a figura da quebra da caução.

n.º 1: “A caução considera-se quebrada quando se verificar falta injustificada do


arguido a acto processual a que deva comparecer ou incumprimento de obrigações
derivadas de medida de coacção que lhe tiver sido imposta”.
n.º 2: “Quebrada a caução, o seu valor reverte para o Estado”.

104
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O valor da caução, no caso de quebra da caução, reverte a favor do Estado.

No caso de o arguido não prestar a caução que lhe foi determinada, pode o arguido
ficar sujeito a outra consequência, prevista no art. 206.º, n.º 4 CPP, que remete para o
art. 228.º CPP, ou seja, pode ser-lhe decretado o arresto preventivo dos seus bens.
Neste caso, da violação de uma medida de coacção pode decorrer a aplicação imediata
de uma medida de garantia patrimonial.

Portanto, existem três realidades diferentes:


 Impossibilidade de prestar caução;
 Incumprimento da caução ordenada;
 Quebra da caução.

Obrigação de apresentação periódica


(art. 198.º CPP)

n.º 1: “Se o crime imputado for punível com pena de prisão de máximo superior a 6
meses, o juiz pode impor ao arguido a obrigação de se apresentar a uma entidade
judiciária ou a um certo órgão de polícia criminal em dias e horas preestabelecidas,
tomando em conta as exigências profissionais do arguido e o local em que habita”.

Aqui exige-se que se trate de um crime punível com pena de prisão de máximo superior
a 6 meses.
Tendo em conta os princípios da adequação e da proporcionalidade, o tribunal deve
acautelar que se fixem as apresentações de forma a não perturbar a vida profissional do
arguido.

n.º 2: “A obrigação de apresentação periódica pode ser cumulada com qualquer


outra medida de coacção, com a excepção da obrigação de permanência na
habitação e da prisão preventiva”.

Esta medida de coacção pode ser cumulada com as demais medidas de coacção, à
excepção da prisão preventiva e da obrigatoriedade de permanência na habitação.

Suspensão do exercício de funções, de profissões e de direitos


(art. 199.º CPP)

O requisito da moldura penal do crime em questão mais uma vez aumenta.

n.º 1: “Se o crime imputado for punível com pena de prisão de máximo superior a 2
anos, o juiz pode impor ao arguido, cumulativamente, se disso for caso, com qualquer
outra medida de coacção, a suspensão do exercício:
a) De profissão, função ou actividade, públicas ou privadas (questão delicada
relativamente aos autarcas. Não há unanimidade. Uma vez que deriva de eleição, em
que medida teria o juiz legitimidade para decretar esta medida? O Professor é da opinião
da aplicabilidade, pois se no âmbito da lei penal estiver prevista uma sanção decorrente
da prática de determinado crime, por maioria de razão a perda de mandato de um
dirigente autárquico deve ser admitida, uma vez que da leitura do artigo parece que
todos os requisitos estão salvaguardados e preenchidos);

105
Prática Processual Penal
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b) Do poder paternal, da tutela, da curatela, da administração de bens ou da emissão de


títulos de crédito
sempre que a interdição do respectivo exercício possa vir a ser decretada como efeito do
crime imputado”.

n.º 2: “Quando se referir a função pública, a profissão ou actividade cujo exercício


dependa de um título público ou de uma autorização ou homologação da autoridade
pública, ou ao exercício dos direitos previstos na alínea b) do número anterior, a
suspensão é comunicada à autoridade administrativa, civil ou judiciária normalmente
competente para decretar a suspensão ou a interdição respectivas”.

Esta medida de coação é cumulável com qualquer outra medida.

Remissão: art. 199.º, n.º 1 CPP → arts 66.º, 67.º e 68.º C.Penal.

Estas são normas que estão intimamente ligadas com esta medida de coacção, porque
estas normas do C.Penal regem a proibição do exercício de funções, no âmbito de penas
acessórias previstas no C.Penal.

Proibição e imposição de condutas


(art. 200.º CPP)

n.º 1: “Se houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de
prisão de máximo superior a 3 anos, o juiz pode impor ao arguido, cumulativa ou
separadamente, as obrigações de:

a) Não permanecer, ou não permanecer sem autorização, na área de uma determinada


povoação, freguesia ou concelho ou na residência onde o crime tenha sido cometido ou
onde habitem os ofendidos seus familiares ou outras pessoas sobre as quais possam ser
cometidos novos crimes;

b) Não se ausentar para o estrangeiro, ou não se ausentar sem autorização;

c) Não se ausentar da povoação, freguesia ou concelho do seu domicílio, ou não se


ausentar sem autorização, salvo para lugares predeterminados, nomeadamente para o
lugar do trabalho;

d) Não contactar, por qualquer meio, com determinadas pessoas ou não frequentar
certos lugares ou certos meios;

e) Não adquirir, não usar ou, no prazo que lhe for fixado, entregar armas ou outros
objectos e utensílios que detiver, capazes de facilitar a prática de outro crime;

f) Se sujeitar, mediante prévio consentimento, a tratamento de dependência de que


padeça e haja favorecido a prática do crime, em instituição adequada”.

Um requisito adicional, que não constava das medidas anteriores, é que o crime tem de
ser doloso. Se o crime em questão for punido a título de negligência, ainda que tenha
uma moldura penal superior a 3 anos, esta medida não é aplicável.

106
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Aqui já se fala em fortes indícios da prática de crime doloso com pena máxima
superior a 3 anos. Assim, os indícios têm de ser fortes e o crime doloso.

As medidas podem ser impostas cumulativa ou separadamente.

Obrigação de permanência na habitação


(art. 201.º CPP)

n.º 1: “Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos


artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a obrigação de não se ausentar, ou de
não se ausentar sem autorização, da habitação própria ou de outra em que de
momento resida ou, nomeadamente, quando tal se justifique, em instituição adequada a
prestar-lhe apoio social e de saúde, se houver fortes indícios de prática de crime
doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos”.

A lei faz questão de reforçar o princípio da adequação e da proporcionalidade, na


medida em que só se deve aplicar a obrigação de permanência na habitação se se
considerarem inadequadas ou insuficientes as referidas nos artigos anteriores.
Esta é também uma inovação da última reforma, deixando bem claro que o juiz, quando
decide aplicar esta medida, tem de justificar porque é que nenhuma das outras preenche
as necessidades para que a mesma está prevista.

Esta medida de coacção funciona com meios de controlo à distância, e está regulada na
Lei n.º 122/99, de 20 de Agosto – pulseira electrónica.

n.º 2: “A obrigação de permanência na habitação é cumulável com a obrigação de não


contactar, por qualquer meio, com determinadas pessoas”.

Esta é uma medida que, regra geral, tem um regime que anda a par do da prisão
preventiva. Têm um âmbito similar e um regime bastante idêntico.

Prisão preventiva
(arts. 202.º e SS. CPP)

Nos termos do n.º 1 do art. 202.º CPP, “se se considerar inadequadas ou insuficientes
no caso concreto as medidas referidas nos arts. anteriores, o juiz pode aplicar a prisão
preventiva quando: (requisitos específicos da prisão preventiva)
a) Houver fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de
máximo superior a 5 anos. (Assim, se o crime for punível com pena de prisão até 5
anos, ainda que este seja doloso, não se aplica a prisão preventiva pois o crime tem que
ser punível abstractamente com pena de prisão superior a 5 anos) – Fixa uma moldura
genérica para todo e qualquer crime;
b) Houver fortes indícios da prática de crime doloso de terrorismo, criminalidade
violenta ou altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior
a 3 anos – diz respeito a determinados e específicos tipos de crime.
c) Se se tratar de pessoa que tenha entrado ou permanece irregularmente em
território nacional, ou contra qual estiver em curso processo extradição ou de
expulsão”.

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Prática Processual Penal
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São estes os requisitos específicos para a prisão preventiva.

Desde logo se faz a advertência de que o juiz deve justificar quando aplica a prisão
preventiva, justificando porque é que não aplica a obrigação de permanência na
habitação ou outra qualquer medida de coacção.

No último exame saiu o seguinte caso: X estava indiciado de ter cometido um crime de
homicídio privilegiado, porque num momento de compreensiva emoção violenta deu
um tiro em Y. Pergunta-se se é ou não possível aplicar-se a prisão preventiva.
Temos de recorrer ao art. 192.º CPP, ver se estão reunidos os requisitos gerais. Depois
temos de ir ao crime, art. 133.º C.Penal, que tem uma moldura de 1 a 5 anos. Logo,
pela al. a) do 202.º, n.º 1 CPP, não se podia aplicar a prisão preventiva.
Para se aplicar a al. b) temos de recorrer o art. 1.º, al. j) CPP, que define
“criminalidade violenta”, e a definição enquadra-se no crime de homicídio privilegiado.
Logo, podia-se aplicar a prisão preventiva, nos termos da al. b) do art. 202.º, n.º 1
CPP.
O crime de homicídio privilegiado é um crime doloso, não podíamos justificar a não
aplicação dizendo que não era um crime doloso. Assim, tínhamos de citar os arts. 202.º,
n.º 1, als. a) e b) CPP, art. 133.º C.Penal e art. 1.º, al. j) CPP.
A resposta é que era legalmente admissível a prisão preventiva.

O art. 211.º CPP prevê a possibilidade de se suspender a execução da prisão


preventiva.

Art. 211.º, n.º 1: “No despacho que aplicar a prisão preventiva ou durante a execução
desta o juiz pode estabelecer a suspensão da execução da medida, se tal for exigido por
razão de doença grave do arguido, de gravidez ou de puerpério. A suspensão cessa logo
que deixarem de verificar-se as circunstâncias que a determinaram e de todo o modo, no
caso de puerpério, quando se esgotar o 3.º mês posterior ao parto”.

Inêxito das diligências para aplicação da prisão preventiva – art. 210.º CPP
“Se o juiz tiver elementos para supor que uma pessoa pretende subtrair-se à aplicação
ou execução da prisão preventiva, pode aplicar-lhe imediatamente, até que a execução
da medida se efective, as medidas previstas nos arts. 198.º a 201.º, inclusive, ou alguma
ou algumas delas”.

Suspensão da execução da prisão preventiva – art. 211.º CPP

n.º 1: “No despacho que aplicar a prisão preventiva ou durante a execução desta o juiz
pode estabelecer a suspensão da execução da medida, se tal for exigido por razão de
doença grave do arguido, de gravidez ou de puerpério. A suspensão cessa logo que
deixarem de verificar-se as circunstâncias que a determinaram e de todo o modo, no
caso de puerpério, quando se esgotar o 3.º mês posterior ao parto”.

Os casos em que pode haver suspensão da execução da prisão preventiva são 3:


 Doença grave;
 Gravidez; ou

108
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 Puerpério.

n.º 2: “Durante o período de suspensão da execução da prisão preventiva o arguido


fica sujeito à medida prevista no art. 201.º e a quaisquer outras que se revelarem
adequadas ao seu estado e compatíveis com ele, nomeadamente a de internamento
hospitalar”.

A prisão preventiva tem prazos máximos de duração. Se estes forem excedidos,


pode ser substituída por qualquer outra medida, à excepção de obrigação de
permanência na habitação – art. 217.º, n.º 2 CPP.

Pode dar-se o caso de ser aplicada determinada medida de coacção e ela ser violada por
parte do arguido. Neste aspecto, rege o art. 203.º CPP que em caso de violação, o juiz
pode, tendo em conta a gravidade do crime, impor outras medidas de coacção
admissíveis ao caso.

Art. 203.º, n.º 2 CPP: “O juiz pode impor a prisão preventiva nos termos do
número anterior, quando o arguido não cumpra a obrigação de permanência na
habitação, mesmo que ao crime caiba pena de prisão de máximo igual ou inferior a
5 e superior a 3 anos”.
Se se verificar o incumprimento da obrigação de permanência na habitação, pode esta
medida ser substituída pela prisão preventiva, mesmo nos casos em que à partida não o
poderia ser.
Pode neste caso, excepcionalmente, aplicar-se a prisão preventiva a um caso que por
observância dos requisitos do art. 202.º CPP, à partida poderia não ser aplicável. A
moldura como que recua para permitir a aplicação da prisão preventiva. Isto funciona
como excepção à regra do n.º 1.

Revogação, alteração e extinção das medidas de coacção:


(art. 212.º CPP)

Nos termos do n.º 1, “as medidas de coacção são imediatamente revogadas por
despacho do juiz, sempre que se verificar:
a) Terem sido aplicadas fora das hipóteses ou das condições previstas na lei;
b) Terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação”.

n.º 2: “As medidas revogadas podem de novo ser aplicadas, sem prejuízo dos
prazos que a lei estabelece, se sobreviverem motivos que legalmente justifiquem a
sua aplicação”. Ou seja, nada impede que se aplique uma medida, que ela seja
revogada e que volte depois a ser aplicada, desde que resultem novos motivos que
justifiquem a aplicação daquela medida.

Se o arguido está preso preventivamente, e já cumpriu determinado prazo e entretanto a


medida é revogada, se for decretada novamente a prisão preventiva, quid iuris
quanto ao prazo e seu excesso?
Aqui, o que se entende é que os prazos se somam e a própria lei vem ressalvar estes
casos ao referir que é “sem prejuízo da unidade dos prazos que a lei estabelecer” (n.º 2).

n.º 4: “A revogação e a substituição previstas neste artigo têm lugar oficiosamente ou


a requerimento do MP ou do arguido, devendo estes ser ouvidos, salvo nos casos de

109
Prática Processual Penal
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impossibilidade devidamente fundamentada. Se, porém, o juiz julgar o requerimento do


arguido manifestamente infundado, condena-o ao pagamento de uma soma entre 6 UC e
20 UC”.

A primeira parte deste artigo vem explicar que a revogação ou substituição tanto pode
ser pedida a requerimento como oficiosamente, nomeadamente por não subsistirem as
causas que deram origem à medida.
Se se entender que os factos que estiveram na base do decretamento da medida se
alteraram, deve-se requerer a revogação ou substituição da medida.
Este requerimento deve ser feito com cuidado, devido à cominação prevista na parte
final do n.º 4.

Esta norma não existe para pôr em causa a decisão que decretou a medida.
Se se discordar da aplicação de certa medida, porque não preenche os requisitos ou
porque viola os princípios de adequação ou proporcionalidade, deve-se recorrer da
decisão que decretou a medida.
O art. 212.º CPP existe para alterações das medidas, e não para pôr em causa em
concreto aquela decisão que decretou a medida.

Aqui o contraditório também é fundamental, nos termos do n.º 4. a lei excepciona só


os casos de impossibilidade devidamente fundamentada. Por regra, sempre que o juiz
queira revogar ou substituir uma medida de coacção, deve previamente ouvir o arguido
e o MP, para que possam exercer o contraditório.

Esta norma também foi alterada na última revisão, e veio reforçar as garantias das
partes, porque passou a ser uma obrigação. A lei apenas admite que o MP ou o arguido
não sejam ouvidos antes de revogar ou substituir a medida em casos de impossibilidade.

Reexame dos pressupostos da prisão preventiva e da obrigação de permanência na


habitação – art. 213.º CPP

Trata dos casos em que é aplicada a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na


habitação. O juiz deve periodicamente proceder a um reexame destas medidas de
coacção.

n.º 1: “O juiz procede oficiosamente ao reexame dos pressupostos da prisão


preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, decidindo se elas são de
manter ou devem ser substituídas ou revogadas:
a) No prazo máximo de três meses a contar da data da sua aplicação ou reexame
(Nunca se pode estar mais de três meses sem que a medida de coacção da prisão
preventiva ou da obrigação de permanência na habitação seja revista. Estes 3 meses
contam-se desde a data da sua aplicação ou do último reexame. O prazo deve ser sempre
contado desde o último reexame, quer esse reexame tenha ocorrido por virtude do
decurso do prazo, quer em virtude de ter ocorrido um dos momentos chave do processo.
Assim, por vezes o juiz terá de fazer reexames em prazos curtos.)

b) Quanto no processo forem proferidos despachos de acusação ou de pronúncia


ou decisão que conheça, a final, do objecto do processo e não determine a extinção
da medida aplicada (por um lado temos um prazo limite de 3 meses, por outro lado

110
Prática Processual Penal
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temos momentos chave do processo. em determinados momentos chave do processo, a


lei manda que o juiz proceda a um reexame.
Esses momentos são:
 Despacho de acusação
 Despacho de pronuncia
 Decisão que conhece a final do objecto do processo e não determine a extinção
da medida aplicada.
São estes os três momentos chave em que o juiz reexamina a medida).

Se o juiz não fizer o reexame dentro do prazo, quid iuris?


Deve-se fazer um requerimento, invocando uma nulidade, nos termos do art. 120.º, n.º 2
CPP, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios.

Art. 213.º, n.º 2 CPP: “Na decisão a que se refere o número anterior, ou sempre que
necessário, o juiz verifica os fundamentos da elevação dos prazos da prisão preventiva
ou da obrigação de permanência na habitação, nos termos e para os efeitos do disposto
nos nºs 2, 3 e 5 do artigo 215.º e no n.º 3 do artigo 218.º”.

O art. 218.º CPP trata dos prazos máximos da prisão preventiva.


O n.º 2 refere-se ainda à duração máxima de outras medidas.

Art. 213.º, n.º 3 CPP: “Sempre que necessário, o juiz ouve o Ministério Público e o
arguido”.

Enquanto no artigo anterior a norma foi reforçada, foi imposta a obrigatoriedade da


audição do arguido e do MP nos casos de revogação ou substituição da medida. No caso
de reexame, esqueceu-se de reforçar, manter a expressão “sempre que necessário, ouve-
se o MP e o arguido”.

Art. 213.º, n.º 4 CPP: “A fim de fundamentar as decisões sobre a manutenção,


substituição ou revogação da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na
habitação, o juiz, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do arguido,
pode solicitar a elaboração de perícia sobre a personalidade e de relatório social ou de
informação dos serviços de reinserção social, desde que o arguido consinta na sua
realização”.
Aqui o juiz socorre-se dos meios legais para poder reexaminar, para verificar se se
mantêm ou não os pressupostos que estiveram na base da aplicação daquela medida de
coacção.

Art. 213.º, n.º 5 CPP: “A decisão que mantenha a prisão preventiva ou a obrigação de
permanência na habitação é susceptível de recurso nos termos gerais, mas não
determina a inutilidade superveniente de recurso interposto de decisão prévia que haja
aplicado ou mantido a medida em causa”.
É também uma norma nova, introduzida pela reforma.
O legislador veio clarificar, dizendo que a decisão é recorrível, e não determina a
inutilidade superveniente do recurso interposto da decisão prévia que haja aplicado ou
mantido a medida em causa.

Extinção das medidas – art. 214.º CPP

111
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n.º 1: “As medidas de coacção extinguem-se de imediato:


a) Com o arquivamento do inquérito (se não for requerida a abertura da instrução.
Havendo despacho de arquivamento do inquérito, extingue-se imediatamente a medida
de coacção)
b) Com a prolação do despacho de não pronúncia (Não se está a falar de trânsito em
julgado mas de prolação. Basta a emissão do despacho de não pronuncia para que
se extinga de imediato a medida de coacção.)
c) Com a prolação do despacho que rejeitar a acusação, nos termos da al. a) do n.º 2 do
artigo 311.º (se houver despacho de rejeição da acusação, também ocorre a extinção
imediata das medidas de coacção);
d) Com a sentença absolutória, mesmo que dela tenha sido interposto recurso
e) Com o trânsito em julgado da sentença condenatória”

Estas são as circunstâncias que acarretam a imediata extinção das medidas de coacção.
n.º 2: “As medidas de prisão preventiva e de obrigação de permanência na habitação
extinguem-se igualmente de imediato quando for proferida sentença condenatória, ainda
que dela tenha sido interposto recurso, se a pena aplicada não for superior à prisão ou à
obrigação de permanência já sofridas” – regras específicas quanto à extinção da
prisão preventiva.
Pode suceder que o arguido, com a absolvição, veja extinta a medida de coacção.
Pode também extinguir-se a medida de coacção quando haja condenação, e esta
condene numa pena de prisão de tempo inferior àquele que já foi cumprido. Neste caso,
não se justificaria que continuasse o arguido em prisão preventiva ou obrigação de
permanência na habitação. O mesmo se passa ainda que tenha sido interposto recurso.
A justificação para isto é que, se aplicada uma determinada pena, e se o arguido já
cumpriu essa pena em prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação, não
há necessidade de continuar a manter a medida de coacção, apesar de não haver trânsito
em julgado.

n.º 3: “Se, no caso da alínea d) do n.º 1, o arguido vier a ser posteriormente condenado
no mesmo processo, pode, enquanto a sentença condenatória não transitar em julgado,
ser sujeito a medidas de coacção previstas neste Código e admissíveis no caso”.

Esta norma aplica-se nos casos em que o arguido é absolvido logo, de acordo com a al.
d) do n.º 1, extingue-se a medida de coacção. Se, por exemplo, o MP recorre, o recurso
é julgado e ele é condenado, a lei diz que a sentença condenatória, enquanto não estiver
transitada, pode até ao trânsito ser aplicada novamente uma medida de coacção.

Esquema:

Julgamento → Absolvição → Recurso → Condenação (medida de coacção enquanto a


sentença não transita em julgado).

Prazos de duração máxima da prisão preventiva – art. 215.º CPP

n.º 1: “A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:
a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação;
b) Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão
instrutória;

112
Prática Processual Penal
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c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância;
d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em
julgado”.

Este é o regime geral. Seguem-se as excepções.

n.º 2: “Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para
6 meses, 10 meses, 1 ano e 6 meses e 2 anos, em casos de terrorismo, criminalidade
violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com
pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou por crime:
a) Previsto no artigo 299.º, no n.º 1 do artigo 312.º, no n.º 2 do artigo 315.º, no n.º 1 do
artigo 318.º, nos artigos 319.º, 326.º e 331.º ou no n.º 1 do artigo 333.º do Código Penal;
b) De furto de veículos ou de falsificação de documentos a eles respeitantes ou de
elementos identificadores de veículos;
c) De falsificação de moeda, títulos de crédito, valores selados, selos e equiparados ou
da respectiva passagem;
d) De burla, insolvência dolosa, administração danosa do sector público ou cooperativo,
falsificação, corrupção, peculato ou de participação económica em negócio;
e) De branqueamento de vantagens de proveniência ilícita;
f) De fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito;
g) Abrangido por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima”.

Nestes casos, quer pelo critério geral, quer por crime punível com máximo superior a 8
anos, ou em qualquer um dos crimes previstos nas alíneas a) a g), os prazos aumentam
todos.
O prazo de 4 meses passa para 6 meses, o de 8 passa para 10, o de 1 ano e 2 meses para
1 ano e 6 meses, e o de 1 ano e 6 meses para 2 anos.

n.º 3: “Os prazos referidos no n.º 1 são elevados, respectivamente, para um ano,
um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o
procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de
excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de
ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.

Esta excepcional complexidade pode derivar de dois factos:


 número de arguidos ou ofendidos
 carácter altamente organizado do crime.
Verificado este requisito, os prazos são mais uma vez elevados.

n.º 4: “A excepcional complexidade a que se refere o presente artigo apenas pode ser
declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a
requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente”.

n.º 5: “Os prazos referidos nas alíneas c) e d) do n.º 1, bem como os


correspondentemente referidos nos nºs 2 e 3, são acrescentados de seis meses se
tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional ou se o processo penal tiver
sido suspenso para julgamento em outro tribunal de questão prejudicial”.
Isto quer dizer que, no limite, o arguido pode estar em prisão preventiva durante 3 anos
e 10 meses. É o limite do n.º 3 acrescentando os 6 meses do n.º 5.

113
Prática Processual Penal
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n.º 6: “No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e
a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo
máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada”.
Isto significa que o prazo máximo de prisão preventiva pode, em certos casos,
ultrapassar os 3 anos e 10 meses, dependendo da pena concretamente aplicada.

n.º 7: “A existência de vários processos contra o arguido por crimes praticados


antes de lhe ter sido aplicada a prisão preventiva não permite exceder os prazos
previstos nos números anteriores”.

n.º 8: “Na contagem dos prazos de duração máxima da prisão preventiva são
incluídos os períodos em que o arguido tiver estado sujeito a obrigação de
permanência na habitação”.

Se for ultrapassado o prazo máximo de prisão preventiva? Pode ser decretada


novamente?
A questão não é simples, o entendimento que tem sido seguido, vai no sentido de que se
estivermos numa fase processual posterior, mediante a qual implique que já não esteja
em causa o prazo máximo da prisão preventiva e se verificarem todos os outros
pressupostos quanto à aplicação da medida, não há nada que impeça a aplicação da
medida de coacção prisão preventiva.

O que acontece se o juiz não proceder ao reexame dos fundamentos da prisão


preventiva, nos prazos legalmente previstos?
Isto consubstancia uma mera irregularidade. No caso não se pode pedir um habeas
corpus, pois o habeas corpus aplica-se apenas se se tratar de prisão ilegal.
A questão é que não há nenhuma norma no CPP que nos indique que a prisão
preventiva, ao não ser reexaminada, se extingue. Portanto, o habeas corpus em
virtude de prisão ilegal, deve ser invocado quando existe prisão ilegal, ou seja, quando
existe uma prisão que já não se justifica por alguma razão. Por exemplo, no caso do
prazo máximo de prisão preventiva tiver sido excedida. Neste caso, a prisão preventiva
extingue-se automaticamente, e o arguido deve ser libertado, e caso não o seja, aí pode-
se requerer o habeas corpus.
Aqui apenas se violou uma norma procedimental / processual, que obriga a um reexame
da prisão preventiva.
Mas o não reexame atempado da medida não implica que a mesma se extinga. Ela só se
extinguirá quando o seu prazo máximo ocorrer, ou nos outros casos de extinção.
Estamos então perante uma mera irregularidade – art. 123.º CPP.

Requerimento de arguição de irregularidade

Tribunal Judicial de Guimarães


1.º Juízo
Instrução n.º…

Exmo. Senhor Juiz de Instrução Criminal

114
Prática Processual Penal
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José Silva, arguido nos autos à margem referenciados, vem expor e requerer o seguinte:

1.
Aos X dias, aquando da dedução da douta acusação pelo MP, procedeu-se ao reexame
da prisão preventiva, medida que havia sido aplicada ao arguido.

2.
Desde essa data e até ao dia de hoje, não se procedeu a qualquer outro reexame da
referida medida.

3.
Ora, nos termos do art. 213.º n.º 1 a) do CPP, a prisão preventiva é revista no prazo
máximo de 3 meses a contar do último reexame.

4.
Verifica-se, pois, que o reexame deveria ter sido efectuado até ao dia …, o que não
sucedeu.

5.
Essa omissão, nos termos dos arts. 213.º n.º 1 a) e 123.º CPP, consubstancia uma
irregularidade,

6.
A qual expressamente se argui, devendo proceder-se, em conformidade, ao aludido
reexame da citada medida de coacção.

A Advogada.

Impugnação das medidas de coacção


(arts. 219.º SS. CPP)

Modos de impugnação:

O primeiro meio descrito é o recurso – art. 219.º CPP. Este permite recorrer do
despacho que aplica determinada medida de coacção.

De acordo com o n.º 1 do art. 219.º CPP, “só o arguido e o Ministério Público em
benefício do arguido podem interpor recurso da decisão que aplicar, mantiver ou
substituir medidas previstas no presente título”.
Em termos de legitimidade, estamos a falar do arguido e do MP em benefício do
arguido, o que exclui o assistente e exclui também o MP nos casos em que não é em
benefício do arguido.
São os casos em que o MP quiser recorrer da medida de coacção, por entender que a
mesma é demasiado leve, mas não pode recorrer, pois não é em benefício do arguido. Se
o MP entender que não deveria ter sido aplicada medida de coacção e o juiz aplicar,
como está a agir em benefício do arguido, o MP já pode recorrer.

115
Prática Processual Penal
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O n.º 2 estabelece que “não existe relação de litispendência ou de caso julgado entre o
recurso previsto no número anterior e a providência de habeas corpus,
independentemente dos respectivos fundamentos”.

n.º 3: “A decisão que indeferir a aplicação, revogar ou declarar extintas as medidas


previstas no presente título é irrecorrível”. Há uma limitação quanto ao objecto do
recurso das medidas de coacção: o n.º 1 prevê uma limitação quanto aos sujeitos, o n.º 3
prevê uma limitação no próprio objecto.

n.º 4: “O recurso é julgado no prazo máximo de 30 dias a partir do momento em


que os autos forem recebidos”. Fixa um prazo máximo para que o recurso seja
julgado: prazo de 30 dias. Este prazo é meramente ordenaror.

Este recurso interposto sobre a aplicação de medidas de coação não tem efeito
suspensivo, nos termos do art. 408.º CPP a contrário.

Habeas Corpus
(arts 220.º SS. CPP)

Existem dois tipos de habeas corpus:


 Habeas corpus em virtude de detenção ilegal – arts. 220.º e 221.º CPP
 Habeas corpus em virtude de prisão ilegal – arts. 222.º a 224.º CPP

Habeas corpus em virtude de detenção ilegal – arts. 220.º e 221.º CPP

Art. 220.º, n.º 1 CPP: “Os detidos à ordem de qualquer autoridade podem requerer ao
juiz de instrução da área onde se encontrarem que ordene a sua imediata apresentação
judicial, com algum dos seguintes fundamentos:
a) Estar excedido o prazo para entrega ao poder judicial;
b) Manter-se a detenção fora dos locais legalmente permitidos;
c) Ter sido a detenção efectuada ou ordenada por entidade incompetente;
d) Ser a detenção motivada por facto pelo qual a lei a não permite”.

Estes são os 4 fundamentos para requerer o habeas corpus em virtude de detenção


ilegal.
Quando falamos do primeiro interrogatório judicial, há o prazo máximo de 48h para que
o arguido seja apresentado ao juiz.
No Comentário ao Código de Processo Penal, do Dr. Paulo Pinto de Albuquerque,
refere-se que não é admissível o habeas corpus se houver excesso desse prazo.
O Professor entende que isto está mal, porque ele fundamenta a sua posição com base
em acórdãos, mas esses acórdãos refere-se todos ao art. 222.º CPP – habeas corpus em
virtude de prisão ilegal, mas o que está em questão é o art. 220.º CPP.

Procedimento do habeas corpus em virtude de detenção ilegal – art. 221.ºCPP

É dirigido ao JIC.

116
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Art. 221.º, n.º 1: “Recebido o requerimento, o juiz, se o não considerar manifestamente


infundado, ordena, por via telefónica, se necessário, a apresentação imediata do detido,
sob pena de desobediência qualificada”.
n.º 2: “Conjuntamente com a ordem referida no número anterior, o juiz manda notificar
a entidade que tiver o detido à sua guarda, ou quem puder representá-la, para se
apresentar no mesmo acto munida das informações e esclarecimentos necessários à
decisão sobre o requerimento”.
n.º 3: “O juiz decide, ouvidos o Ministério Público e o defensor constituído ou nomeado
para o efeito”.

É um procedimento muito rápido. Estes casos exigem que o procedimento se efectue


rapidamente.

O requerimento é dirigido ao juiz, e este convoca o detido para se apresentar, tal como
convoca a entidade que tiver procedido a detenção. Ouve-se o arguido e decide-se.

Habeas corpus em virtude de prisão ilegal – arts. 222.º e 223.º CPP

Art. 222.º, n.º 1: “A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo
Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus”.

n.º 2: “A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus
direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve
fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:
a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;
b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou
c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial”.

A al. b) é a mais complicada. O STJ em regra tem uma interpretação muito restritiva
desta alínea.

O procedimento do habeas corpus em virtude de detenção ilegal está previsto no art.


223.º CPP.

Medidas de garantia patrimonial:


(art. 227.º e SS. CPP)

Existem duas medidas de garantia patrimonial:


 Caução económica (art. 227.º CPP): esta é diferente da caução prevista no art.
197.º CPP. Assim, não se deve confundir caução económica com caução
carcerária. Ora, a caução económica destina-se a averiguar que, no fim, vai
haver património.
 Arresto preventivo – art. 228.º CPP.

Caução económica – art. 227.º CPP

n.º 1: “Havendo fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as


garantias de pagamento da pena pecuniária, das custas do processo ou de qualquer

117
Prática Processual Penal
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outra dívida para com o Estado relacionada com o crime, o MP requer que o
arguido preste caução económica. O requerimento indica os termos e modalidades
em que deve ser prestada”.
À partida, esta medida de garantia patrimonial existe para salvaguardar os interesses do
Estado.

O n.º 2 vem estender isto um pouco mais. “Havendo fundado receio de que faltem ou
diminuam substancialmente as garantias de pagamento da indemnização ou de outras
obrigações civis derivadas do crime, o lesado pode requerer que o arguido ou o
civilmente responsável prestem caução económica, nos termos do número anterior”.

Também o lesado pode requerer a prestação desta medida de garantia patrimonial, mas
no seu caso, para garantia do pagamento da indemnização ou outras indemnizações
civis que decorram do crime.

O n.º 3 vem dar uma benesse ao lesado. Determina que se o lesado não requerer nada
mas o MP requerer para os fins do n.º 1, a prestação de caução também aproveitará ao
lesado.

A caução económica, nos termos do n.º 4, mantém-se distinta e autónoma relativamente


à caução do art. 197.º CPP (medida de coacção) e subsiste até à decisão final
absolutória ou até à extinção das obrigações. Em caso de condenação, são pagas pelo
seu valor, sucessivamente, a multa, a taxa de justiça, as custas do processo e a
indemnização e outras obrigações civis.
A caução pode não chegar para pagar todos estes itens, mas o pagamento faz-se pela
ordem referida no n.º 4, parte final.

No caso em que o MP requer a medida de garantia patrimonial, a aplicação do n.º 4,


parte final, é evidente. Nos termos dos n.ºs 3 e 4, a caução vai servir para pagar
sucessivamente cada um daqueles itens.

Não existe nenhuma norma paralela ao n.º 3 em sentido contrário. Não há nenhuma
norma que diga que a caução económica requerida pelo lesado aproveita ao MP.
O Professor entende que a hierarquia prevista no n.º 4 só se aplica no caso de a caução
ter sido requerida pelo MP, uma vez que não existe nenhuma norma paralela ao n.º 3 em
sentido contrário.

Quando não é fixado o prazo para prestar caução entende-se, por força do art.
105.º CPP, que é de 10 dias.

Arresto preventivo – art. 228.º CPP

n.º 1: “A requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o


arresto, nos termos da lei do processo civil; se tiver sido previamente fixada e não
prestada caução económica, fica o requerente dispensado da prova do fundado receio de
perda da garantia patrimonial”.
Um dos procedimentos cautelares previsto no CPC é o arresto. O arresto está também
previsto no CPP (arresto preventivo) como medida de garantia patrimonial.
A lei manda atender ao regime previsto no CPC, mas com algumas nuances.

118
Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

Se tiver sido previamente fixada e não prestada caução económica, fica o requerente
dispensado da prova do fundado receio de perda da garantia patrimonial. O requerente
terá apenas de alegar e provar os restantes requisitos do arresto previstos no CPC.

n.º 3: “A oposição ao despacho que tiver decretado arresto não possui efeito
suspensivo”.

De acordo com o n.º 4, pode dar-se o caso de quando se vai efectuar o arresto, haver
discussão acerca da propriedade dos bens que estão a ser arrestados, e neste caso o juiz
remete a questão para o tribunal civil, mantendo-se entretanto o arresto decretado.

n.º 4: “Em caso de controvérsia sobre a propriedade dos bens arrestados, pode o juiz
remeter a decisão para tribunal civil, mantendo-se entretanto o arresto decretado”.

Qual o meio legal para reagir contra o arresto?


Embargo de terceiro.

n.º 5: “O arresto é revogado a todo o tempo em que o arguido ou o civilmente


responsável prestem a caução económica imposta”.
Se o arguido prestar a caução económica, o arresto extingue-se imediatamente.

Requerimento a pedir a revogação ou a substituição de uma medida de coacção


aplicada nos autos.

Proc. n.º
Juízo n.º

Exmo. Sr. Dr.


Juiz de Direito do Tribunal de Fafe

António Silva, arguido nos autos à margem melhor identificados, vem nos termos do
art. 212.º, n.ºs 3 e 4 CPP, requerer e dizer o seguinte:

Substituição da medida de coacção

1.
Ao arguido foi aplicada, como medida de coacção, a prisão preventiva.

2.
A medida foi justificada pelo facto de o arguido ter sido apanhado em flagrante delito,
ter antecedentes criminais, pelo risco de continuação da actividade criminosa e demais
requisitos do art. 202.º.

3.
Porém, actualmente já não se justifica a aplicação de uma medida tão gravosa, visto que
o arguido recebeu uma proposta de emprego, e está inscrito num centro de reabilitação.

4.

119
Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

A alteração destas circunstâncias conjugadas com o princípio da adequação,


proporcionalidade e necessidade acarreta a necessidade da substituição da medida de
coacção aplicada.

5.
Além disso, de acordo como art. 27.º CRP, a liberdade das pessoas só pode ser limitada
em última instância, quando não haja nenhuma outra medida de coacção que se revele
suficiente para satisfazer as necessidades/exigências cautelares.

6.
Face a tais factos, actualmente esta medida encontra-se desadequada, devendo esta ser
substituída por outra, nomeadamente a obrigação de permanência na habitação, visto
que lhe permitirá trabalhar e dar seguimento ao seu plano de reabilitação, assim como
manter o contacto com a sociedade.

Pelo que se requer a V. Ex.ª a


substituição da referida medida de
coacção e a aplicação da medida de
obrigação na permanência na
habitação.

P.D.

A Advogada.
Detenção
(arts. 254.º SS. CPP)

Finalidades – art. 254.º CPP

n.º 1: “A detenção a que se referem os artigos seguintes é efectuada:


a) Para, no prazo máximo de quarenta e oito horas, o detido ser apresentado a
julgamento sob forma sumária ou ser presente ao juiz competente para primeiro
interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de uma medida de coacção;
b) Para assegurar a presença imediata ou, não sendo possível, no mais curto prazo,
mas sem nunca exceder vinte e quatro horas, do detido perante a autoridade
judiciária em acto processual.

São estas as duas finalidades de detenção.

O regime da detenção vai variar consoante a mesma seja efectuada em flagrante


delito ou fora de flagrante delito. Tudo isto se encontra regulamentado nos arts. 255.º,
256.º e 257.º CPP.

Flagrante delito – art. 256.º CPP

n.º 1: “É flagrante delito todo o crime que se está cometendo ou se acabou de


cometer”.

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n.º 2: “Reputa-se também flagrante delito o caso em que o agente for, logo após o
crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que
mostrem claramente que acabou de o cometer ou nele participar”. Este número
proporciona um alargamento à regra do n.º 1.

Flagrante delito estrito sensu – crime que se está cometendo.


Quase flagrante delito – crime que se acabou de cometer.
Flagrante delito presumido – quando o agente for, logo após o crime, perseguido por
qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que
acabou de participar nele ou de o cometer.

Qualquer uma destas 3 formas consubstancia, nos termos do art. 256.º CPP, flagrante
delito.
O n.º 3 enuncia o caso específico dos crimes permanentes: “Em caso de crime
permanente, o estado de flagrante delito só persiste enquanto se mantiverem sinais que
mostrem claramente que o crime está a ser cometido e o agente está nele a participar”.
Persiste sempre flagrante delito, só cessa o flagrante delito quando terminarem os factos
mencionados no n.º 3, ou seja, quando se evidencia que o crime já não está a ser
cometido, ou o agente já não está a participar nele.

Detenção em flagrante delito – art. 255.º CPP

n.º 1: “Em caso de flagrante delito, por crime punível com pena de prisão:
a) Qualquer autoridade judiciária ou entidade policial procede à detenção;
b) Qualquer pessoa pode proceder à detenção, se uma das entidades referidas na alínea
anterior não estiver presente nem puder ser chamada em tempo útil”.

n.º 2: “No caso previsto na alínea b) do número anterior, a pessoa que tiver procedido à
detenção entrega imediatamente o detido a uma das entidades referidas na alínea a), a
qual redige auto sumário da entrega e procede de acordo com o estabelecido no artigo
259.º”.

O regime do flagrante delito pode variar conforme o tipo de crime que esteja em causa:

 Se estivermos a falar de um crime público, não há qualquer especificidade no


regime de detenção em flagrante delito.
 Tratando-se de um crime com um crime semi–público, a detenção só se
mantém quando o titular do direito respectivo o exercer – n.º 3.

n.º 3: “Tratando-se de crime cujo procedimento dependa de queixa, a detenção


só se mantém quando, em acto a ela seguido, o titular do direito respectivo o
exercer. Neste caso, a autoridade judiciária ou a entidade policial levantam ou
mandam levantar auto em que a queixa fique registada”.

 Se se tratar de um crime particular não se procede à detenção mas apenas à


identificação do infractor – n.º 4.

n.º 4: “Tratando-se de crime cujo procedimento dependa de acusação particular, não há


lugar a detenção em flagrante delito, mas apenas à identificação do infractor”.

121
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Portanto, o regime de detenção em flagrante delito varia conforme a natureza do crime.

Detenção fora de flagrante delito – Art. 257.º CPP

n.º 1: “Fora de flagrante delito, a detenção só pode ser efectuada, por mandado do
juiz ou, nos casos em que for admissível prisão preventiva, do Ministério Público,
quando houver fundadas razões para considerar que o visado se não apresentaria
espontaneamente perante autoridade judiciária no prazo que lhe fosse fixado”.
Esta corresponde à regra geral.

n.º 2: “As autoridades de polícia criminal podem também ordenar a detenção fora de
flagrante delito, por iniciativa própria, quando:
a) Se tratar de caso em que é admissível a prisão preventiva;
b) Existirem elementos que tornem fundado o receio de fuga; e
c) Não for possível, dada a situação de urgência e de perigo na demora, esperar pela
intervenção da autoridade judiciária.
Estas alíneas correspondem a 3 requisitos cumulativos.

No exame, em caso de uma questão relativa à detenção, devemos fazer o seguinte:


Passo 1 – verificar se estamos perante um caso de flagrante delito, ou fora de flagrante
delito. Se for flagrante delito, passamos directamente para o art. 255.º CPP, e
verificamos se os requisitos estão preenchidos.
Passo 2 – ter em atenção a natureza do crime: se se tratar de flagrante delito aplica-se o
art. 257.º CPP e verificam-se as hipóteses aí previstas. Se a detenção for ordenada por
OPC, temos de ver se todos os requisitos do n.º 2 estão preenchidos.

Se forem violados estes requisitos de detenção, que podemos fazer?


Requerer o habeas corpus, nos termos do art. 220.º, n.º 1, als. c) ou b);
Existem meios mais céleres que o habeas corpus, nomeadamente através de um
requerimento suscitando a ilegalidade da detenção.

Caso do último exame:

Um indivíduo pediu dinheiro à companheira com quem vivia em condições análogas às


dos cônjuges, dizendo que este se destinava a pagar um tratamento de saúde da irmã.
Mais tarde, a companheira veio a descobrir que esse dinheiro tinha sido usado para
pagar as despesas de um fim-de-semana que ele tinha passado com outra.
O valor do empréstimo era de €4.500,00.
A companheira apresentou queixa. Porém, na queixa enganou-se, e em vez de indicar
€4.500, indicou €45.000.
Passados x dias, requereu a sua constituição como assistente.
Entretanto, o MP notificou o arguido para prestar declarações e este faltou. O MP
ordenou então a sua detenção, de modo a ser presente ao juiz para ser interrogado. Foi
interrogado perante o MP.
No interrogatório prescindiu de defensor e corrigiu a história dizendo que não foram
€45.000, mas €4.500, confirmando tudo o restante. Além disso, recusou-se a entregar o
estrato bancário onde constava o referido fim-de-semana. O indivíduo era vidente.

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O MP, perante isto, deu ordem de apreensão de busca ao local onde ele dava as suas
consultas de vidência, para apreensão do estrato bancário.
Essa ordem foi dada a 16 de Outubro e foi executada a 17 ou 18 de Novembro.

1ª Questão – tempestividade da constituição como assistente, de acordo com as datas


que ali constavam.

2ª Questão – legalidade da detenção e interrogatório.

3.ª Questão – Legalidade da busca.

Que crime está em causa?

O sujeito enganou a companheira quanto ao fim para que o dinheiro ia ser usado, o que
consubstancia um crime de burla – arts 217.º SS. C.Penal.

Art. 218.º, n.º 1 C.Penal


50 UC= 4800€. No caso, trata-se de uma burla simples, pois estamos abaixo do limite –
4800€.

Qual a natureza do crime?


De acordo com o art. 217.º, n.º 3 C.Penal, o procedimento depende de queixa.
Porém, o n.º 4 remete para os arts. 206.º e 207.º C.Penal.

Art. 207.º, al. a) – No caso do artigo 203.º e do n.º 1 do artigo 205.º, o procedimento
criminal depende de acusação particular se:
a) O agente for cônjuge, ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim
até ao 2.º grau da vítima, ou com ela viver em condições análogas às dos cônjuges; ou
b) A coisa furtada ou ilegitimamente apropriada for de valor diminuto e destinada a
utilização imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade do agente ou de
outra pessoa mencionada na alínea a).

O facto de o arguido viver com a vítima em condições análogas às dos cônjuges, faz
depender o procedimento criminal de acusação particular.
Neste caso, transformou-se, por força desta remissão, um crime semi-público em crime
particular.

Relativamente à detenção, esta foi legal?


Foi uma detenção fora de flagrante delito. O MP ordenou a detenção. Mas para que
fosse o MP a ordenar a detenção, tinha que se tratar de um crime que admitisse a prisão
preventiva.
Quando o MP procedeu à detenção, tinha uma queixa por 45.00€, logo tratava-se de
uma queixa por burla qualificada, consequentemente tinha competência para proceder à
prisão preventiva. Além disso, ele foi notificado para comparecer e não compareceu,
estando assim preenchido o segundo requisito para que o MP proceda à detenção.
Logo, todos os requisitos estão preenchidos.

E o interrogatório?
O arguido prescindiu de defensor, mas não o podia fazer nos termos do art. 64.º, n.º 1,
al. a) CPP. Ele estava detido, logo tinha obrigatoriamente de ser assistido por advogado.

123
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Esta falha consubstancia uma nulidade insanável, nos termos do art. 119.º, n.º 1, al. c)
CPP.

E a busca?
O mandado que ordenou a busca já tinha caducado, nos termos do art. 174.º, n.º 4 CPP,
logo a busca efectuada é nula.

O MP podia ordenar a busca ab initio?


Art. 174.º, n.ºs 2 e 3 CPP.
À partida, todos os requisitos estão preenchidos, pois o MP é a autoridade competente,
uma vez que é quem dirige o inquérito. O único prazo é mesmo a caducidade do
mandado que ordenou a busca.

A companheira apresentou queixa a 25 de Julho e requereu a constituição como


assistente no dia 3 de Setembro.
Aprecie da validade da constituição como assistente.

A resposta que consta da grelha de correcção é que o prazo suspende-se em férias e a


constituição foi legal.

Mas quando começa a contar o prazo dos 10 dias?

Art. 68.º, n.º 2 CPP – começa-se a contar da advertência do n.º 4 do 246.º. Se ela
apresentou queixa por escrito, não há advertência.

Art. 246.º, n.º 4 CPP – “O denunciante pode declarar, na denúncia, que se deseja
constituir assistente. Tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação
particular, a declaração é obrigatória, devendo, neste caso, a autoridade judiciária ou o
órgão de polícia criminal a quem a denúncia for feita, verbalmente advertir o
denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a
observar”.
Esta advertência só está prevista para quando a queixa for apresentada verbalmente.
Não está prevista na lei a situação de que quando a queixa for apresentada por escrito,
seja exigida advertência.
Todavia, há sempre a possibilidade de renovar a queixa e constituir-se assistente,
mesmo que se tenha violado o prazo de constituição como assistente.

O mandado de detenção
(arts. 258.º SS. CPP)

Mandado de detenção – art. 258.º CPP

n.º 1: “Os mandados de detenção são passados em triplicado e contêm, sob pena de
nulidade:
a) A data da emissão e a assinatura da autoridade judiciária ou de polícia criminal
competentes;
b) A identificação da pessoa a deter; e
c) A indicação do facto que motivou a detenção e das circunstâncias que legalmente a
fundamentam.

124
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Todos estes elementos têm que constar do mandado.

n.º 2: “Em caso de urgência e de perigo na demora é admissível a requisição da


detenção por qualquer meio de telecomunicação, seguindo-se-lhe imediatamente
confirmação por mandado, nos termos do número anterior”.

n.º 3: “Ao detido é exibido o mandado de detenção e entregue uma das cópias. No caso
do número anterior, é-lhe exibida a ordem de detenção donde conste a requisição, a
indicação da autoridade judiciária ou de polícia criminal que a fez e os demais requisitos
referidos no n.º 1 e entregue a respectiva cópia”.

A parte final do n.º 3 diz respeito à hipótese de urgência, em que não é exibido o
mandado, mas a requisição desse mandado.

Quando se refere qualquer meio de telecomunicação está-se também a referir ao


telefone, sendo que neste caso é lavrado um auto.

Dever de comunicação – art. 259.º CPP

“Sempre que qualquer entidade policial proceder a uma detenção, comunica-a de


imediato:
a) Ao juiz do qual dimanar o mandado de detenção, se esta tiver a finalidade referida na
alínea b) do artigo 254.º;
b) Ao Ministério Público, nos casos restantes”.

Há um dever de comunicação por parte da entidade policial.

A quem se destina esse dever de comunicação? Depende.


 Se se tratar de uma detenção para os fins da b) do 254.º, e essa ordem tiver
sido emanada de um juiz, é ao juiz que deve ser imediatamente
comunicada.
 Nos restantes casos, a comunicação deve ser feita ao MP.

Quando alguém é detido, que lhe pode acontecer de imediato?


 No prazo de 48h pode ser apresentado ao juiz para ser julgado de forma sumária;
 Pode ser também apresentado ao juiz no prazo de 48h para o primeiro
interrogatório judicial – art. 141.º CPP;
 Pode ser presente ao MP para ser interrogada nos termos do art. 143.º CPP, e o
MP poderá ou não ouvi-lo sumariamente antes de se proceder ao interrogatório
judicial;
 Pode ser-lhe aplicada uma medida de coacção pelo juiz;
 Num prazo de 24h, pode ser presente a qualquer autoridade judiciária
competente para determinado acto processual.

Fases do processo

1. O inquérito

O art. 262.º CPP diz-nos quais são as finalidades do inquérito.

125
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n.º 1: “O inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a


existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e
descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação”.
São portanto 4 finalidades.

A primeira questão é: houve ou não crime? Se não houver crime, nem há razão para se
abrir um inquérito.
A segunda questão é: quem foram os seus agentes?
A terceira questão é: esses agentes podem ser responsabilizados?
A quarta questão é: quais as provas que vão sustentar a acusação que se vai dirigir
contra esses agentes daquele crime?

n.º 2: “Ressalvadas as excepções previstas neste Código, a notícia de um crime dá


sempre lugar à abertura de inquérito”.

Quando é que a notícia de um crime pode não dar lugar à abertura do inquérito?
Quando o crime depender de queixa e o titular do direito de queixa não apresentar
queixa, ou seja, nos crimes semi-públicos e particulares.

Direcção do inquérito – art. 263.º CPP

Quem dirige o inquérito é o MP, assistido pelos órgãos de polícia criminal, que
actuam sobre as ordens do MP, e na sua dependência funcional.

Temos que ter em atenção a intervenção de um sujeito processual muito importante: o


JIC – juiz de Instrução Criminal. A lei preceitua que determinados actos durante o
inquérito têm de ser praticados pelo próprio JIC – art. 268.º CPP

Actos a praticar pelo juiz de instrução – art. 268.º CPP

A primeira questão que se coloca, é que este artigo diz que “compete exclusivamente ao
JIC”. Isto significa que se trata de uma atribuição insusceptível de ser delegada.

Uma segunda nota refere-se aos actos que constam das als. a) a e) do n.º 1 do art. 268.º
CPP, em que convém ter a noção que nos termos da al. f) se trata de uma enumeração
exemplificativa, ou seja, podem existir outros actos que devam ser praticados pelo
JIC, mas que não estão neste artigo, estão dispersos pelo código.

As medidas de coacção são aplicadas pelo JIC, à excepção do TIR, nos termos do art.
196.º CPP, que pode não ser aplicado pelo JIC.

Quanto à al. f) do n.º 1 do art. 268.º, diz que compete exclusivamente ao JIC “praticar
quaisquer outros actos que a lei expressamente reservar ao juiz de instrução”.
Aqui convém referir:
 Art. 30.º CPP – ordenar a separação do processo;
 Art. 68.º, n.º 4 CPP – dar despacho de admissão como assistente;
 Art. 116.º, n.ºs 1 e 2 CPP – condenar por faltas injustificadas;
 Art. 217.º CPP – proceder à inquirição para memória futura;

126
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 Arts. 280.º e 281.º CPP – dar a sua anuência em casos de dispensa de pena e
suspensão provisória do processo;
 Art. 215.º, n.º 4 CPP – despacho de especial complexidade.

Actos a ordenar ou autorizar pelo juiz de instrução – art. 269.º CPP

n.º 1: “Durante o inquérito compete exclusivamente ao juiz de instrução ordenar ou


autorizar:
a) A efectivação de perícias, nos termos do n.º 2 do artigo 154.º (não é toda e qualquer
perícia, mas apenas a que aqui vem referida, a do n.º 2 do art. 154.º CPP. Refere-se
apenas a perícias a características físicas psíquicas em que não haja sido prestado o
consentimento. Neste caso, o despacho que ordene a perícia te, de ser feito pelo JIC);
b) A efectivação de exames, nos termos do n.º 2 do artigo 172.º (aplica-se apenas aos
exames do n.º 2 do art. 172.º CPP. Trata-se de uma norma que remete para o art. 154.º,
n.º 2 CPP, e tem a ver com a sujeição a exame por quem não o consente, e neste caso, o
despacho que ordene o exame tem de ser emitido pelo JIC);
c) Buscas domiciliárias, nos termos e com os limites do artigo 177.º; (para isto tem que
se saber qual o conceito de domicílio. Ora, domicílio é o local onde se faz as refeições,
se recebe a correspondência, se dorme, etc. Se for ordenada uma busca domiciliária ela
só se pode realizar entre as 7h e as 21h.)
d) Apreensões de correspondência, nos termos do n.º 1 do artigo 179.º;
e) Intercepção, gravação ou registo de conversações ou comunicações, nos termos dos
artigos 187.º e 190.º; (refere-se às escutas)
f) A prática de quaisquer outros actos que a lei expressamente fizer depender de ordem
ou autorização do juiz de instrução (cláusula geral que permite acrescentar outras
situações que estejam previstas no CPP).

O inquérito compreende estes actos. Quem dirige o inquérito é o MP.


Todavia, existem actos cuja competência é atribuída ao JIC: uns ele tem que praticar,
outros autorizar ou ordenar.

Existem actos obrigatórios no inquérito, como por exemplo o interrogatório do


arguido nos termos do art. 272.º CPP.
n.º 1: “Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita
fundada da prática de crime é obrigatório interrogá-la como arguido, salvo se não for
possível notificá-la”. A lei só exceptua esta obrigatoriedade em casos de
impossibilidade.

O que sucede se no inquérito, sem que se tenha demonstrado que foi impossível
notificar o arguido, o MP não ouve o arguido?
Isto corresponde a uma nulidade sanável, nos termos do art. 120.º, n.º 2, al. d) CPP:
“por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios”.

Uma vez praticados estes actos de inquérito, chegamos ao fim do inquérito. O que
pode suceder nesta fase?
 Despacho de arquivamento;
 Despacho de acusação.

O arquivamento pode surgir acompanhado por outras figuras jurídicas.

127
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Quando o inquérito chega ao fim, o procurador vai tomar uma decisão.


Com as provas produzidas, consegue-se que em julgamento o arguido seja
condenado?
Se o MP considerar que sim, que os elementos de prova produzidos durante o inquérito
são suficientes para a condenação, deve acusar – juízo de prognose positivo.
Se o MP entender que não tem elementos de prova capazes de levar à condenação do
arguido, se o juízo de prognose postum for negativo, então o MP deve arquivar. É o que
diz o art. 283.º CPP.

n.º 1: “Se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter
verificado crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, no prazo de 10 dias,
deduz acusação contra aquele”.
O prazo de 10 dias é um prazo meramente ordenador.

n.º 2: “Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma


possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento,
uma pena ou uma medida de segurança”.

De qualquer forma, mesmo que o MP entenda que existe matéria para levar o
arguido a julgamento, para acusar essa pessoa, pode o MP optar por uma outra
figura:

Suspensão provisória do processo – art. 281.º CPP

n.º 1: “Se o crime for punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou com
sanção diferente da prisão, o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento
do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, a
suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de
conduta, sempre que se verificarem os seguintes pressupostos:
a) Concordância do arguido e do assistente;
b) Ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza;
c) Ausência de aplicação anterior de suspensão provisória de processo por crime da
mesma natureza;
d) Não haver lugar a medida de segurança de internamento;
e) Ausência de um grau de culpa elevado; e
f) Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda
suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir”.

São muitos os requisitos para que se possa aplicar a suspensão provisória do processo:
 A moldura do crime em questão – tem de se tratar de crime punível com pena de
prisão superior a 5 anos. Se a moldura penal for superior a 5 anos, está desde
logo afastada a possibilidade de se optar pela suspensão provisória do processo.
 Legitimidade para suscitar esta figura. Diz a lei que pode ser oficiosamente o
MP a requerer ou sugerir a aplicação da suspensão provisória do processo, ou
pode ser a requerimento do arguido ou assistente
 “com a concordância do JIC”, ou seja, proposta a suspensão provisória do
processo pelo MP ou a requerimento do arguido ou assistente, ela só poderá ser
decretada se o JIC der o seu consentimento.

128
Prática Processual Penal
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 Al. a) – A concordância do arguido e do assistente. O próprio arguido tem que


aceitar submeter-se a esta medida, o que implica sempre por parte do arguido a
assunção de uma certa culpa, pois a suspensão provisória do processo só faz
sentido quando existem indícios de culpa, uma vez que quando estes não
existem, o MP manda arquivar.
 Al. b)
 Al. c)
 Al. d)
 Al. e)
 Al. f)

Estes requisitos são cumulativos, pois têm que se verificar todos para que se possa
aplicar a suspensão provisória do processo.

Porém temos ainda o art. 281.º, n.º 2 CPP, que corresponde a injunções e regras de
conduta a que o arguido fica sujeito.

n.º 2: “São oponíveis ao arguido, cumulativa ou separadamente, as seguintes


injunções e regras de conduta:
a) Indemnizar o lesado;
b) Dar ao lesado satisfação moral adequada;
c) Entregar ao Estado ou a instituições privadas de solidariedade social certa quantia ou
efectuar prestação de serviço de interesse público;
d) Residir em determinado lugar;
e) Frequentar certos programas ou actividades;
f) Não exercer determinadas profissões;
g) Não frequentar certos meios ou lugares;
h) Não residir em certos lugares ou regiões;
i) Não acompanhar, alojar ou receber certas pessoas;
j) Não frequentar certas associações ou participar em determinadas reuniões;
l) Não ter em seu poder determinados objectos capazes de facilitar a prática de outro
crime;
m) Qualquer outro comportamento especialmente exigido pelo caso”.

A al. b) refere-se por exemplo ao caso de o arguido pedir desculpas.

n.º 3: “Não são oponíveis injunções e regras de conduta que possam ofender a
dignidade do arguido”.

n.º 5: “A decisão de suspensão, em conformidade com o n.º 1, não é susceptível de


impugnação” – casos em que se encontram preenchidos os pressupostos. Se se
verificarem os pressupostos de que a lei faz depender a suspensão provisória do
processo, a suspensão não é susceptível de impugnação.

Se a suspensão provisória do processo foi aplicada contra a lei, entende-se que a decisão
violou algum dos requisitos que aí estão previstos, é possível neste caso, como a decisão
é do MP, recorrer hierarquicamente.

n.º 6: “Em processos por crime de violência doméstica não agravado pelo resultado,
o Ministério Público, mediante requerimento livre e esclarecido da vítima, determina a

129
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suspensão provisória do processo, com a concordância do juiz de instrução e do


arguido, desde que se verifiquem os pressupostos das alíneas b) e c) do n.º 1”.

A vítima tem de estar consciente das consequências da suspensão provisória do


processo. Aqui é mais uma vez necessária a concordância do JIC e do arguido. Além
disso, têm de estar preenchidos os requisitos das als. b) e c) do n.º 1.
É necessário um requerimento livre e esclarecido da vítima.

Se o arguido requerer a suspensão provisória do processo, e estão verificados todos os


pressupostos, mas o MP não a decreta, quid iuris?
É uma questão polémica. Existe jurisprudência em ambos os sentidos.

n.º 7: “ Em processos por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de


menor não agravado pelo resultado, o Ministério Público, tendo em conta o interesse
da vítima, determina a suspensão provisória do processo, com a concordância do juiz de
instrução e do arguido, desde que se verifiquem os pressupostos das alíneas b) e c) do
n.º 1”.
É mais uma circunstância em que estamos a falar de um caso específico de crime.
O que motiva a que seja possível neste caso aplicar-se a suspensão provisória do
processo é o interesse da vítima a não ser exposta num processo.

Duração e efeitos da suspensão – art. 282.º CPP

n.º 1: “A suspensão do processo pode ir até dois anos, com excepção do disposto no
n.º 5”.

O n.º 5 refere-se aos casos de crimes de violência doméstica e de crime contra a


liberdade e autodeterminação sexual de menor. No caso destes crimes, a suspensão pode
ir até aos 5 anos, enquanto nos casos do n.º 1, pode apenas ir até aos 2 anos.

n.º 5: “Nos casos previstos nos nºs 6 e 7 do artigo anterior, a duração da suspensão
pode ir até 5 anos”.

n.º 2: “A prescrição não corre no decurso do prazo de suspensão do processo”. Se


se trata de uma medida a requerimento do arguido, não faria sentido que corresse o
prazo de prescrição, portanto suspende-se este prazo de prescrição no momento em que
é decretada a suspensão provisória do processo.

n.º 3: “Se o arguido cumprir as injunções e regras de conduta, o Ministério Público


arquiva o processo, não podendo ser reaberto”.

n.º 4: “O processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas:


a) Se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta; ou
b) Se, durante o prazo de suspensão do processo, o arguido cometer crime da mesma
natureza pelo qual venha a ser condenado”.

Se houver violação das regras de conduta ou injunções impostas o processo prossegue.


Neste caso, o MP deve acusar, pois se promoveu a suspensão provisória do processo é
porque entendia que existiam fortes indícios, caso contrário não a teria promovido,

130
Prática Processual Penal
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tendo em vez disso arquivado o processo. Neste caso, será então normal que o MP acuse
e ordene o seguimento dos autos.

Os n.ºs 1 e 5 do art. 282.º CPP prevêem um prazo máximo para a duração da


suspensão. Será que existe um prazo mínimo?
A lei não nos ajuda. A suspensão provisória do processo implica sempre um período de
prova, no qual o arguido, enquanto durar a suspensão, sabe que se voltar a cometer um
ilícito da mesma natureza, o processo vai prosseguir nos autos.
Há aqui uma razoabilidade no sentido de as suspensões terem uma duração que permita
fazer esse controlo.

Arquivamento em caso de dispensa da pena – art. 280.º CPP

n.º 1: “Se o processo for por crime relativamente ao qual se encontre expressamente
prevista na lei penal a possibilidade de dispensa da pena, o Ministério Público, com
a concordância do juiz de instrução, pode decidir-se pelo arquivamento do processo, se
se verificarem os pressupostos daquela dispensa”.
Existem determinados tipos de crime que permitem a dispensa da pena. Nestes casos, e
só nestes casos, o MP, com a concordância do JIC, pode optar por arquivar o processo
se se verificarem todos os pressupstos de que está dependente a dispensa da pena.

n.º 2: “Se a acusação tiver sido já deduzida, pode o juiz de instrução, enquanto esta
decorrer, arquivar o processo com a concordância do Ministério Público e do arguido,
se se verificarem os pressupostos da dispensa da pena”.
Este artigo permite que esta dispensa de pena ocorra no âmbito da instrução e já não no
âmbito do inquérito, tendo como requisito a concordância do MP e do arguido.
O MP não promoveu o arquivamento no decurso do inquérito, mas entende que no
âmbito da instrução já seria de se aplicar e então dá o seu consentimento para que se
proceda ao arquivamento.

n.º 3: “A decisão de arquivamento, em conformidade com o disposto nos números


anteriores, não é susceptível de impugnação”.
Muitas vezes, o MP chega ao fim do inquérito, e fazendo um juízo prognose postum,
este não é favorável, não tem fortes indícios de que àquela pessoa, sendo submetida a
julgamento, vá ser aplicada uma pena ou medida de segurança. Nestes casos o MP deve
arquivar o processo.

Arquivamento do inquérito – art. 277.º CPP

n.º 1: “O Ministério Público procede, por despacho, ao arquivamento do inquérito,


logo que tiver recolhido prova bastante de se não ter verificado crime, de o arguido
não o ter praticado a qualquer título ou de ser legalmente inadmissível o
procedimento”.

n.º 2: “O inquérito é igualmente arquivado se não tiver sido possível ao Ministério


Público obter indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os
agentes”.

O MP encerra o inquérito quando:


 Houver prova bastante de não se ter verificado o crime;

131
Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

 O arguido não o tiver praticado;


 O procedimento seja legalmente inadmissível (por exemplo, quando já
prescreveu).
 Não obteve indícios suficientes;
 Não sabe quem foram os agentes do crime.

n.º 3: “O despacho de arquivamento é comunicado ao arguido, ao assistente, ao


denunciante com faculdade de se constituir assistente e a quem tenha manifestado o
propósito de deduzir pedido de indemnização civil nos termos do artigo 75.º, bem como
ao respectivo defensor ou advogado”.
O arquivamento dá-se nestes casos regra, mas também se dá em caos especiais:
arquivamento em caso de dispensa da pena e arquivamento subsequente a uma
suspensão provisória do processo.

n.º 5: “Nos casos previstos no n.º 1, sempre que se verificar que existiu por parte de
quem denunciou ou exerceu um alegado direito de queixa, uma utilização abusiva do
processo, o tribunal condena-o no pagamento de uma soma entre 6 UC e 20 UC, sem
prejuízo do apuramento de responsabilidade penal”.

Quais os modos de reacção contra o despacho de arquivamento?


O primeiro modo de reacção é a intervenção hierárquica.
Intervenção hierárquica – art. 278.º CPP

n.º 1: “No prazo de 20 dias a contar da data em que a abertura de instrução já não
puder ser requerida, o imediato superior hierárquico do magistrado do Ministério
Público pode, por sua iniciativa ou a requerimento do assistente ou do denunciante com
a faculdade de se constituir assistente, determinar que seja formulada acusação ou que
as investigações prossigam, indicando, neste caso, as diligências a efectuar e o prazo
para o seu cumprimento”.

n.º 2: “O assistente e o denunciante com a faculdade de se constituir assistente


podem, se optarem por não requerer a abertura da instrução, suscitar a intervenção
hierárquica, ao abrigo do número anterior, no prazo previsto para aquele requerimento”.
Esta é uma solução diferente, pois se a pessoa não tem intenção de requerer o RAI, não
há necessidade de ter de esperar 20 dias depois requerer a intervenção hierárquica. Pode
desde logo, no prazo para o RAI, suscitar a intervenção hierárquica.

Quanto ao n.º 1, em termos de legitimidade temos duas hipóteses:


 O superior hierárquico, pode ele próprio oficiosamente tomar determinadas
medidas. Deve faze-lo nos 20 dias após o término do prazo para o RAI. Neste
caso, já não se aplica o n.º 2, que só se aplica se for o assistente ou denunciante
com faculdade de se constituir assistente.
 Se for o assistente ou denunciante com faculdade de se constituir assistente,
pode fazê-lo no prazo do n.º 1 ou do n.º 2.

A intervenção hierárquica vem dizer que, face aos elementos que constam do inquérito,
às provas produzidas no âmbito do inquérito, a decisão deveria ter sido outra que não o
arquivamento, mas uma decisão de acusação.

132
Prática Processual Penal
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Nota: não se deve confundir o art. 278.º CPP com a reabertura de inquérito do art.
279.º CPP, pois são figuras diferentes.

Reabertura do inquérito – art. 279.º CPP

n.º 1: “Esgotado o prazo a que se refere o artigo anterior, o inquérito só pode ser
reaberto se surgirem novos elementos de prova que invalidem os fundamentos
invocados pelo Ministério Público no despacho de arquivamento”.
n.º 2: “Do despacho do Ministério Público que deferir ou recusar a reabertura do
inquérito há reclamação para o superior hierárquico imediato”.

Quem pode suscitar ou requerer a reabertura do inquérito?


 O assistente;
 O ofendido;
 O lesado;
 Partes civis.

O artigo não refere a legitimidade para fazer o requerimento.


Se chegarmos ao fim do inquérito e houver juízo de prognose postum positivo, o MP
deve acusar.

Conforme o art. 283.º CPP, o MP tem um prazo de 10 dias para deduzir acusação.
Este prazo é meramente ordenador.

O que deve conter a acusação?

Art. 283.º, n.º 3 CPP: “A acusação contém, sob pena de nulidade:

a) As indicações tendentes à identificação do arguido;


b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido
de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e
a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer
circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
c) A indicação das disposições legais aplicáveis;
d) O rol com o máximo de 20 testemunhas, com a respectiva identificação,
discriminando-se as que só devam depor sobre os aspectos referidos no n.º 2 do artigo
128.º, as quais não podem exceder o número de cinco;
e) A indicação dos peritos e consultores técnicos a serem ouvidos em julgamento, com a
respectiva identificação;
f) A indicação de outras provas a produzir ou a requerer;
g) A data e assinatura.

Estes são os requisitos que devem constar da acusação. Estes, não são só importantes
para o MP, mas também para o arguido, pois se não se verificar um destes requisitos,
a acusação é nula.

Porque é que é fundamental esta narração dos factos? Devido ao objecto do processo e
às alterações substanciais ou não deste objecto do processo.

133
Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

Quanto à comunicação da acusação, vale o mesmo quanto ao arquivamento do


inquérito.
n.º 5: “É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 277.º,
prosseguindo o processo quando os procedimentos de notificação se tenham revelado
ineficazes”.
Caso não se consiga notificar alguém, o processo prossegue na mesma, não se suspende.

Em que casos é que o MP pode acusar?

Se se tratar de um crime público ou semi-público, é o MP que tem legitimidade para


deduzir acusação. Se houver nestes casos assistente constituído nos autos, o assistente
pode também deduzir a sua acusação, nos termos do art. 284.º, n.º 1 CPP.

Acusação pelo assistente – art. 284.º CPP

n.º 1: “Até 10 dias após a notificação da acusação do Ministério Público, o


assistente pode também deduzir acusação pelos factos acusados pelo Ministério
Público, por parte deles ou por outros que não importem alteração substancial
daqueles”.

Como se vê se há ou não uma alteração substancial dos factos?


Art. 1.º, al. f) CPP: «Alteração substancial dos factos» é aquela que tiver por efeito a
imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das
sanções aplicáveis”.

O assistente tem este limite, só pode acusar por factos diferentes se esses não
implicarem uma alteração substancial.
Se se tratar de factos que impliquem uma alteração substancial, mas que ele pretenda
que sejam prosseguidos naqueles autos, deve requerer a abertura de instrução para esses
factos, nos termos do art. 287.º, n.º 1, al. b) CPP.

Como funciona se for um crime particular?


É notificado o assistente para deduzir acusação particular nos termos do art. 285.º
CPP.
Os crimes de natureza particular dependem de queixa, constituição como
assistente e de acusação particular.

n.º 1: “Findo o inquérito, quando o procedimento depender de acusação particular, o


Ministério Público notifica o assistente para que este deduza em 10 dias, querendo,
acusação particular”.

n.º 2: “O Ministério Público indica, na notificação prevista no número anterior, se foram


recolhidos indícios suficientes da verificação do crime e de quem foram os seus
agentes”.
Ou seja, o MP não tem legitimidade para arquivar o processo, mas pode, quando faz a
notificação, dizer para o assistente deduzir acusação particular. Se o assistente não
quiser deduzir acusação particular, isto vai dar origem ao arquivamento do
inquérito e processo.

134
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Se o assistente entender que deve deduzir acusação particular, o “Ministério


Público pode, nos cinco dias posteriores à apresentação da acusação particular,
acusar pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importem uma
alteração substancial daqueles” – n.º 4.

Os arts 284.º, n.º 2 e 285.º, n.º 3 CPP remetem para as normas da acusação do MP.

Acusação particular

Proc. n.º …
Secção....

Exmo. Senhor Juiz de Direito


do Tribunal da Comarca de Fafe

José Serafim, assistente nos autos acima identificados, vem deduzir acusação particular
contra:
Ana Silva, arguida no inquérito supra mencionado, nos termos e com os seguintes
fundamentos:

ACUSAÇÃO PARTICULAR

1.º
No dia 22 de Maio de 2009, cerca das 17h45, no café Esplanada, a arguida dirigiu-se ao
assistente, após uma discussão a propósito da educação dos filhos, proferindo as
seguintes expressões “filho da puta”, “cabrão”, “cornudo”.

2.º
Estas expressões ofenderam a honra e a consideração do arguido.

3.º
A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito de ofender o
assistente na sua honra e consideração, bem sabendo que a sua conduta era proibida.

4.º
Os factos praticados pela arguida consubstanciam a prática do crime de injúrias, p. e p.
pelo art. 181.º C.Penal.

Termos em que deve o arguido ser


submetido a julgamento e a final ser
condenado pelo crime de que vem
acusado.

PROVA:

Testemunhal:
António das Neves, residente na Rua.......
Maria dos Santos, residente na Rua.........

135
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Junta: Duplicados legais

A advogada

Pedido de indemnização civil

O processo penal contem em si mesmo a possibilidade de nele serem dirimidas as


questões civis conexionadas com a prática do crime, ou resultantes da prática do crime.
Pelo que o legislador permitiu que duas questões se resolvessem em simultâneo, no
mesmo processo, daí o princípio da adesão, consagrado no art. 71.º CPP.

Nos termos do art. 72.º CPP, existe uma série de excepções a este princípio, no
sentido de permitir em alguns casos, para evitar que quem queira deduzir PIC esteja
muito tempo à espera do processo penal, podendo neste caso deduzir-se PIC em
separado do processo penal. Outras têm a ver com as decisões processuais penais que
são tomadas no âmbito do processo penal, tal como o arquivamento que permitem que
se deduza o PIC em separado.
A própria natureza do crime pode permitir que o PIC seja deduzido em separado.
As causas que permitem deduzir o PIC em separado constam do art. 72.º, n.º 1 CPP e
sempre que se verifica uma destas situações, há a possibilidade de o PIC ser intentado
na jurisdição civil.

Quem tem legitimidade para deduzir o PIC é o lesado, que é a pessoa que sofreu
danos decorrentes do crime – art. 74.º CPP.
Não se deve confundir o lesado com o ofendido, pois são conceitos que podem coincidir
na mesma pessoa, mas não são conceitos em si coincidentes.

Lesado: pessoa que sofreu os danos.


Ofendido: titular do bem jurídico protegido pela norma incriminatória.

Os poderes processuais quer do lesado, quer dos responsáveis civis estão definidos nos
n.ºs 2 e 3 do art. 74.º CPP – esta é uma colagem à figura do assistente e do arguido.

n.º 2: “A intervenção processual do lesado restringe-se à sustentação e à prova do


pedido de indemnização civil, competindo-lhe, correspondentemente, os direitos que a
lei confere aos assistentes”.
n.º 3: “Os demandados e os intervenientes têm posição processual idêntica à do
arguido quanto à sustentação e à prova das questões civis julgadas no processo, sendo
independente cada uma das defesas”.

Dever de informação – art. 75.º CPP

n.º 1: “Logo que, no decurso do inquérito, tomarem conhecimento da existência de


eventuais lesados, as autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal devem
informá-los da possibilidade de deduzirem pedido de indemnização civil em processo
penal e das formalidades a observar”. Normalmente é fornecido um formulário onde se
presta esta informação.

136
Prática Processual Penal
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n.º 2: “Quem tiver sido informado de que pode deduzir pedido de indemnização civil
nos termos do número anterior, ou, não o tendo sido, se considere lesado, pode
manifestar no processo, até ao encerramento do inquérito, o propósito de o fazer”.

Se se tratar de um crime particular, além deste papel com o dever de informação, é


entregue outro papel ao denunciante, que o informa da obrigatoriedade de constituir
assistente e o prazo que tem para o fazer.
Na sequência deste aviso, ou não, a lei prevê a possibilidade de o lesado vir dizer ou
manifestar a intenção de deduzir PIC.

Isto vai ter consequências sobretudo ao nível dos prazos para deduzir o PIC.

Como é que o lesado é representado?

Representação – art. 76.º CPP

n.º 1: “O lesado pode fazer-se representar por advogado, sendo obrigatória a


representação sempre que, em razão do valor do pedido, se deduzido em separado,
fosse obrigatória a constituição de advogado, nos termos da lei do processo civil”.

n.º 2: “Os demandados e os intervenientes devem fazer-se representar por advogado”.


n.º 3: “Compete ao Ministério Público formular o pedido de indemnização civil em
representação do Estado e de outras pessoas e interesses cuja representação lhe seja
atribuída por lei”.

O lesado apenas tem de estar representado por advogado quando nos termos da lei civil
a representação for obrigatória.
Aqui apela-se às normas constantes do CPC relativas à representação. Ou seja, nas
causas superiores à alçada da 1.ª instância (€5.000,00) é preciso constituir advogado.

O MP pode deduzir PIC em representação do Estado. Acontece frequentemente nos


crimes de abuso de confiança fiscal.

Prazo

O art. 77.º CPP tem uma espécie de graduação dos prazos, ou seja, perante uma
situação e para sabermos em que prazo temos que deduzir o PIC, devemos começar
sempre pelo n.º 1 e devemos averiguar se estamos perante uma situação aí prevista ou
não.

n.º 1: “Quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido é


deduzido na acusação ou, em requerimento articulado, no prazo em que esta deve
ser formulada”.
A primeira questão a analisar é verificar se se trata do assistente ou não.
Se for assistente, aplica-se o n.º 1, se não for temos que passar para o n.º 2 ou n.º 3.
No caso de ser assistente a regra é que deve deduzir o PIC junto com a acusação. Se
não o fizer, deve deduzir-se o PIC no prazo que tínhamos para deduzir a acusação –
arts. 284.º e 285.ºCPP.

137
Prática Processual Penal
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Se não for assistente, o n.º 2 do art. 77.º CPP diz que “o lesado que tiver manifestado
o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do n.º 2 do artigo 75.º,
é notificado do despacho de acusação, ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se
a ele houver lugar, para, querendo, deduzir o pedido, em requerimento articulado, no
prazo de 20 dias”.
Se o lesado, durante o inquérito, manifestar a intenção de deduzir PIC quando é
proferido um despacho de acusação ou se não houver um despacho de pronúncia, é
notificado de que tem 20 dias para deduzir o PIC.

Se o lesado não tiver manifestado o propósito, ou tendo manifestado, não tiver sido
notificado nos termos do n.º 2, então aí aplica-se o n.º 3: “Se não tiver manifestado o
propósito de deduzir pedido de indemnização ou se não tiver sido notificado nos termos
do número anterior, o lesado pode deduzir o pedido até 20 dias depois de ao arguido
ser notificado o despacho de acusação ou, se o não houver, o despacho de
pronúncia”. Este prazo conta desde a notificação ao arguido.

Recapitulando:
Sendo assistente:
 N.º 1 – com a acusação ou no prazo desta.
Não sendo assistente:
 Se manifestou o propósito de deduzir PIC, sendo notificado da acusação tem 20
dias após essa notificação.
 Se não manifestou o propósito ou se o manifestou mas não foi notificado, tem 20
dias a contar da notificação ao arguido do despacho de acusação.

Art. 77.º, n.º 4 CPP: “Quando, em razão do valor do pedido, se deduzido em separado,
não fosse obrigatória a constituição de advogado, o lesado, nos prazos estabelecidos
nos números anteriores, pode requerer que lhe seja arbitrada a indemnização civil.
O requerimento não está sujeito a formalidades especiais e pode consistir em declaração
em auto, com indicação do prejuízo sofrido e das provas”.

Estes prazos dizem respeito ao processo ordinário.


Se o processo for sumário, temos que ter em atenção o art. 388.º CPP – pode o PIC
ser deduzido mesmo que verbalmente no início da audiência.
No que respeita ao processo sumaríssimo, rege o art. 393.º CPP que não são admitidas
no processo partes civis.

Qual a tramitação da dedução do PIC em processo penal?


O pedido é deduzido nos termos do art. 77.º CPP, e este deve ser feito em requerimento
articulado. Segue-se a contestação prevista no art. 78.º CPP.

Contestação – art. 78.º CPP

n.º 1: “A pessoa contra quem for deduzido pedido de indemnização civil é notificada
para, querendo, contestar no prazo de 20 dias”.

n.º 2: “A contestação é deduzida por artigos”.


n.º 3: “A falta de contestação não implica confissão dos factos”.

138
Prática Processual Penal
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Não tem efeito cominatório, o facto de não contestar não significa que esteja a aceitar
os factos constantes do PIC.

A contestação deve ser articulada e deve ser apresentada no prazo de 20 dias a contar
da notificação da dedução do PIC.

Nota: o art. 107.º, n.º 6 CPP permite que em determinados casos haja uma
prorrogação dos prazos, referindo-se expressamente aos prazos do art. 78.º CPP,
podendo este prazo ser prorrogado até ao máximo de 30 dias nos caso de especial
complexidade.

Questão de exame: o prazo para contestar o PIC é sempre de 20 dias? Não – art. 107.º,
n.º 6 CPP.

Nota: no PIC em processo penal, não há a possibilidade de se deduzir reconvenção.


Esta é uma faculdade prevista no processo civil, mas não tem cabimento no processo
penal. Sempre que exista uma lacuna em matéria relativa ao PIC, deve resolver-se com
auxílio do processo civil, mas tal não quer dizer que todo e qualquer instituto do
processo civil possa encaixar no processo penal.

Provas – art. 79.º CPP

n.º 1: “As provas são requeridas com os articulados”.


n.º 2: “Cada requerente, demandado ou interveniente pode arrolar testemunhas em
número não superior a 10 ou a 5, consoante o valor do pedido exceda ou não a alçada da
relação em matéria cível”.

Sempre que se deduzir o PIC, ao contrário do processo civil, o lesado ou assistente não
é notificado para juntar prova. As provas têm que ir logo com o PIC.

Nota: na fase de saneamento do processo (art. 311.º CPP), quando o processo vai ao
juiz de julgamento, ele vai ter que dar um despacho nos termos do art. 311.ºCPP, e é
nesta altura que se pronuncia sobre o PIC que está deduzido nos autos, designadamente
admitindo-o ou não. Por isso, quando se deduz o PIC, deve ser dirigido ao Juiz de
Direito.

Julgamento – art. 80.º CPP

“O lesado, os demandados e os intervenientes são obrigados a comparecer no


julgamento apenas quando tiverem de prestar declarações a que não puderem recusar-
se”.

Não há obrigação de comparência dos lesados, demandados ou intervenientes a não ser


que tenham de depor, prestar declarações.

O lesado e as partes civis não podem depor como testemunhas, nos termos do art. 133.º
CPP, podendo, ainda assim prestar declarações.

Reparação da vítima em casos especiais – art. 82.º-A CPP

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n.º 1: “Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou
em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação,
pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando
particulares exigências de protecção da vítima o imponham”.
n.º 2: “No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo
contraditório”.
n.º 3: “A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a
conhecer de pedido civil de indemnização”.

Quais são os requisitos para ser aplicada?


 Não ter sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou
em separado, embora resulte do n.º 3 que pode ser deduzido PIC
posteriormente, mas nesse caso terá de se ter em conta que já foi arbitrado, nos
termos deste artigo.
 Quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham . Tem
de se justificar esta decisão dizendo que existe esta necessidade de
particularidade de protecção da vítima que impõe esta reparação.

Requerimento de pedido de indemnização civil

Inquérito: …
Secção … do MP

Exmo. Senhor Juiz De Direito


Do Tribunal de Fafe

X, casado, residente na Rua das Flores, n.º 15, freguesia …, cidade e comarca de Fafe,
vem intentar contra

Y, solteira, residente na Rua das Flores, n.º 13, freguesia …, cidade e comarca de Fafe e
M, solteiro, residente na Rua das Flores, n.º 11, freguesia …, cidade e comarca de Fafe

PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL

nos termos e com os seguintes fundamentos:

1.
No dia 20 de Janeiro de 2009, pelas 15:00h, os demandados dirigiram-se ao logradouro
da residência do demandante.

2.
Em comunhão de esforços, bem como com a ajuda de um serrote, cortaram e
arrancaram todas as videiras, num total não inferior a 10.

3.
Os demandados agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua
conduta era reprovável e punida por lei.

140
Prática Processual Penal
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4.
Bem sabiam ainda que estas referidas videiras eram muito antigas e tinham muito valor
para o demandante, bem como davam cerca de meia pipa de vinho.

5.
Pelo que, o demandante sofreu graves prejuízos, quer a nível moral, quer a nível
patrimonial.

6.
O demandante auferia o valor de €500,00 por ano pela venda do vinho produzido pelas
videiras.

7.
Sucede que com o corte destas, o demandante será obrigado a plantar outras no seu
lugar e esperar que estas voltem a produzir a mesma quantidade, num período nunca
inferior a 5 anos.

8.
Pelo que, consubstanciam-se tais factos num dano patrimonial, quantificável num valor
nunca inferior a €3.000,00 (€500,00 x 5 + €500,00 da compra de novas videiras).

9.
Além disso, o demandante tinha grande préstimo pelas videiras, sofrendo um grande e
profundo desgosto pelo corte das mesmas.

10.
Contabilizando-se tais danos não patrimoniais num valor não inferior a €750,00.

Termos em que
Deve o presente pedido ser julgado
provado e procedente, e em
consequência serem os demandados
condenados ao pagamento da quantia
peticionada, no valor de €3.750,00,
acrescida dos competentes juros legais,
contados da data da respectiva
notificação.

Valor: €3.750,00

Prova testemunhal:
-1
-2

Junta: 1 documento, duplicados legais.

A advogada,

141
Prática Processual Penal
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Exercício prático:
Situação prática que combina as regras relativas aos prazos com os prazos relativos ao
PIC.

Até quando podem os interessados deduzir PIC?

1. A manifestou no processo, intenção de deduzir PIC, não se tendo contudo


constituído assistente. No final do inquérito não foi notificado para deduzir o
pedido. B, arguido, foi notificado da acusação por via postal simples com
depósito de 26/03/09. O defensor de B foi notificado por carta registada
enviada a 27/03/09.

Neste caso, aplica-se o art. 73.º, n.º 3 CPP, pois apesar de A ter manifestado a
intenção de deduzir PIC, não foi notificado, logo aplica-se o art. 77.º, n.º 3 CPP.
O arguido foi notificado por via postal simples a 31/03, de acordo com o art. 113.º,
n.º 3 CPP, sendo os 5 dias corridos.
De acordo com o art. 77.º, n.º 3 CPP, A tem 20 dias a contar da notificação do
arguido para deduzir PIC, ou seja, tem até dia 29/04 para deduzir PIC.
O 77.º, n.º 3 diz “depois de ao arguido ser notificado o despacho”. A norma
invocada para contar o prazo da não notificação ao arguido, mas da notificação ao
defensor, que é o art. 113.º, n.º 9 CPP, no entender do Professor não se deve aplicar
ao caso, pois este artigo diz que as notificações processuais podem ser feitas na
pessoa do defensor, mas existem algumas que têm de ser feitas na pessoa do próprio,
embora devam ser feitas também ao seu mandatário e nos casos em que é aos dois, o
prazo conta-se daquele que foi notificado em último lugar.
Ora, no art. 73.º, n.º 3 CPP não se está a falar disso, mas de quando conta o prazo e a
norma diz que conta desde a notificação ao arguido.

2. C, assistente no processo-crime de injúrias e ameaças, foi notificado nos termos


do art. 285.º CPP, por carta registada, a 02/04/09. O seu mandatário foi
notificado pessoalmente a 03/04/09. D, igualmente assistente no mesmo
processo e pelos mesmos crimes, foi notificado, bem como o seu mandatário,
por carta registada a 31/03/09. Mais tarde foram ambos notificados (C e D),
por carta registada de 23/04/09 da acusação do MP pelo crime de ameaças. O
arguido foi notificado da acusação por prova de depósito a 22/04/09.

Relativamente a C (crime particular):


C considera-se notificado para deduzir acusação particular e PIC, de acordo com o art.
77.º, n.º 1 CPP, conjugado com o art. 285.º CPP, a 07/04 – art. 113.º, n.º 2 CPP (3 dias
úteis).
O mandatário de C foi notificado pessoalmente a 03/04, logo considera-se notificado
nesse mesmo dia (art. 113.º, n.º 1, al. a)), ou seja, no dia 03/04.
Assim, aplica-se o art. 113.º, n.º 9 CPP, pelo que o prazo só começa a contar da última
notificação, ou seja, a do assistente C, do dia 07/04.
Deste modo, C podia deduzir PIC até 23/04.

Relativamente a D (crime particular):


Quer D, quer o seu mandatário foram notificados pró carta registada, datada de
31/03/09. Logo, de acordo com o art. 113.º, n.º 2 CPP, consideram-se notificados a

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Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

03/04.
De acordo com os arts. 285.º e 77.º, n.º 1 CPP, D poderá deduzir PIC até 22/04.
Neste caso, cada um dos assistentes tem o seu prazo para deduzir PIC, não se aplica
aqui o art. 113.º, n.º 12 CPP, pois não é um caso expressamente previsto.

Quanto ao crime de ameaças:


C e D foram notificados da acusação do MP por carta registada datada de 23/04. Logo,
de acordo com o art. 113.º, n.º 2 CPP, presumem-se notificados no dia 28/04, ou seja,
nos 3 dias úteis seguintes.
Assim, de acordo com o art. 77.º, n.º 1 CPP, conjugado com o art. 284.º, n.º 1 CPP, C e
D têm 10 dias para deduzir PIC, podendo deste modo faze-lo até ao dia 08/05/09.

Neste caso, deviam ser deduzidos dois PIC’s, um relativo ao cri me particular e outro
relativo ao crime público.

3. F manifestou a intenção de deduzir PIC no processo. Apesar de ter denunciado


crimes particulares e públicos, não chegou a constituir-se assistente. Foi
notificado por outra carta registada de 04/04/09 de que os autos haviam sido
arquivados quanto ao crime particular e de que tinha 20 dias para deduzir PIC
quanto aos restantes crimes. O seu mandatário foi notificado pessoalmente no
dia 14/04/09.

F foi notificado a 04/04 por carta registada de que tinha 20 dias para deduzir PIC – art.
77.º, n.º 2 CPP.
Assim, de acordo com o art. 113.º, n.º 2 CPP, presume-se notificado no dia 08/04.
O seu mandatário foi notificado pessoalmente no dia 14/04, considerando-se nesse
mesmo dia notificado, nos termos do art. 113.º, n.º 1, al. a) CPP.
Aplica-se ao caso o art. 113.º, n.º 9 CPP, logo, o prazo de 20 dias para F deduzir PIC
conta-se da última notificação, ou seja, ao mandatário – 14/04.
Mesmo que assim não fosse, o prazo terminaria sempre no dia 04/05, devido ao último
dia do prazo ter de ser útil.
No caso aplica-se o art. 77.º, n.º 2 CPP, pois F manifestou a intenção de deduzir PIC e
foi notificado.

4. G constitui-se assistente num processo por crime de ofensa à integridade


simples. No final do inquérito, o MP arquivou o mesmo, tendo notificado G e
seu mandatário por carta registada remetida a 01/04/09. G requereu o RAI,
tendo vindo a ser proferido despacho de pronúncia notificado às partes
pessoalmente no dia 28/07/09.

O prazo do art. 77.º, n.º 1 CPP manda que o assistente deduza PIC com a acusação, ou
no prazo em que esta deva ser deduzida. Neste caso, ele não tem propriamente um prazo
para acusar, pois o MP arquivou. Mas como requereu abertura de instrução, no
processo-crime subsequente a um arquivamento, este RAI é que vai ser a base
acusatória. Logo, fazendo aqui uma analogia do art. 77.º, n.º 1 CPP, dir-se-ia que o
prazo que tem é o prazo de 20 dias para requerer a abertura de instrução e deduzir PIC
em simultâneo.
Se assim for, G é notificado a 06/04 (art. 113.º, n.º 2 CPP), tem 20 dias para requerer
RAI e em simultâneo PIC (art. 77.º, n.º 1 CPP, por analogia), logo poderia faze-lo até ao
dia 04/05.

143
Prática Processual Penal
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Mas, por outro lado, também é defensável, visto que por muito que se diga que o RAI
tem uma estrutura acusatória, não é uma acusação, e o art. 77.º, n.º 1 CPP diz
expressamente acusação. Assim, não cabendo a situação no n.º 1 do art. 77.º CPP, só
podemos enquadra-la nos n.ºs 2 ou 3. Neste caso, mais precisamente no n.º 3, devendo o
prazo para deduzir PIC contar a partir da notificação do despacho de pronúncia, prazo
este de 20 dias.
Qualquer uma destas teses é defensável.

A instrução

O art. 275.º, n.º 3 CPP diz o seguinte: “concluído o inquérito, o auto fica à guarda do
Ministério Público ou é remetido ao tribunal competente para a instrução ou para o
julgamento”.
Portanto, findo o inquérito, o processo pode seguir um de vários caminhos:
 Instrução;
 Julgamento.
(isto se não for arquivado)

Finalidade e âmbito da instrução – art. 286.º CPP

De acordo com o disposto no n.º 1, “a instrução visa a comprovação judicial da


decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou
não a causa a julgamento”. A mesma tem, por isso, carácter facultativo.

O JIC vai comprovar ou verificar o acervo da decisão de acusar ou arquivar, para que no
fim da instrução se decida se o arguido deve ou não ir a julgamento.
Não se pode deduzir RAI contra incertos, o RAI não serve para investigar quem foi o
agente do crime.

A instrução é uma fase que apenas cabe na forma de processo comum.

A instrução está dividida em duas grandes fases:


 Tem uma primeira fase também ela facultativa que diz respeito aos actos
instrutórios ou actos de instrução.
 Tem depois uma segunda fase, esta já obrigatória que consiste num debate
instrutório.

Os actos de instrução dizem respeito a um conjunto de actos que o juiz entende levar a
cabo, requeridos ou não pelas partes.
O debate instrutório consiste num debate oral e contraditório acerca dos meios de
prova que foram produzidos.

Requerimento para abertura da instrução – art. 287.º CPP

Prazo para requerer a instrução:

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Prática Processual Penal
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n.º 1: “A abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da


notificação da acusação ou do arquivamento:
a) Pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente,
em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido
acusação; ou
b) Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular,
relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação”.

O acto a partir do qual se conta o prazo de 20 dias depende do que estamos a falar. Se
for o arguido a requerer a instrução, os 20 dias contam-se da notificação da acusação, se
for o assistente, o prazo de 20 dias conta-se da notificação da decisão de arquivamento.

O MP pode requerer a abertura de instrução? Não. Em termos teóricos, o MP


eventualmente poderia deduzir RAI relativamente aos crimes particulares, mas o nosso
regime não o prevê.

O objecto sobre que versa a instrução depende daquilo de que estivermos a falar. Pode
ser:
 A acusação
 Os factos vertidos no RAI feito pelo assistente.

Se o MP deduz acusação, e o assistente deduz acusação nos termos do art. 284.º CPP, e
introduz na sua acusação factos que importam uma alteração não substancial, será que o
arguido pode requerer RAI, só em relação a esses factos?
O entendimento que vem sido seguido vai no sentido de defender que não o pode fazer,
porque não cabe no preceito legal do art. 287.º, n.º 1., al. a) CPP. Mas, se requerer a
instrução relativamente a factos constantes da acusação do MP, não há nada que impeça
que discuta também os factos que constam da acusação do assistente. Ou seja, só não o
poderá fazer se isoladamente deduzir RAI sobre os factos da acusação do assistente.

Questão de exame: era um crime semi-público, o MP arquivou mas o assistente deduziu


acusação. Perguntava-se qual o meio adequado para o arguido requerer esta acusação.
O arguido deveria invocar uma nulidade insanável nos termos do art. 119.º, al. b) CPP.
O assistente, em vez de ter acusado, devia ter requerido a abertura de instrução.

O RAI, no caso de deduzido pelo assistente, tem de ter fórmula acusatória.

n.º 2: “O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter,
em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação
ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de
instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que
não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de
outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o
disposto no art. 283.º, n.º 3, alíneas b) e c) CPP. Não podem ser indicadas mais de
20 testemunhas”.

O RAI não tem formalidades especiais, não tem de ser articulado, mas em regra é
articulado.

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Prática Processual Penal
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Os meios produzidos no inquérito podem ser repetidos, a requerimento do requerente


desde que a repetição se revele indispensável à realização das finalidades do inquérito
(art. 229.º, n.º 3 CPP).

Relativamente às testemunhas, há um limite máximo de 20 testemunhas – art. 287.º, n.º


2, parte final.

n.º 3: “O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do


juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução” – enumeração taxativa. A rejeição do
RAI tem de ter por fundamento uma destas 3 causas:
 Extemporaneidade, ou seja, ser o RAI entregue fora de tempo.
 Incompetência do juiz – nestes casos dá-se a remessa ao tribunal competente.
 Inadmissibilidade legal da instrução – não ser possível no caso da instrução.

Se o juiz verificar que a conduta descrita no RAI é atípica, ou seja, que não
consubstancia a prática de um crime, não pode recusar o recebimento do RAI, marca o
debate instrutório e dá despacho de não pronúncia.

n.º 4: “No despacho de abertura de instrução o juiz nomeia defensor ao arguido que não
tenha advogado constituído nem defensor nomeado”.

n.º 5: “O despacho de abertura de instrução é notificado ao Ministério Público, ao


assistente, ao arguido e ao seu defensor”.

n.º 6: “É aplicável o disposto no n.º 12 do artigo 113.º” – Se se tratar de RAI e se


existirem vários arguidos ou assistentes, o prazo conta-se a partir da notificação do
último.

Quem dirige a instrução?

O JIC (art. 288.º, n.º 1 CPP), que pode ser auxiliado pelos OPC’s, salvo a excepção
do art. 290.º, n.º 2 CPP, que diz respeito a actos que o JIC não pode delegar nos
OPC’s.

Art. 290.º, n.º 2 CPP: “O juiz pode, todavia, conferir a órgãos de polícia criminal o
encargo de procederem a quaisquer diligências e investigações relativas à instrução,
salvo tratando-se do interrogatório do arguido, da inquirição de testemunhas, de
actos que por lei sejam cometidos em exclusivo à competência do juiz e,
nomeadamente, os referidos no n.º 1 do artigo 268.º e no n.º 2 do artigo 270.º”. Estes
são actos insusceptíveis de delegação.

Direcção e natureza da instrução – art. 288.º CPP

Estará o juiz vinculado aos actos instrutórios requeridos pelas partes no RAI?
O JIC não está limitado aos actos requeridos pelas partes, pois tem direito a uma
investigação autónoma sobre o caso que lhe é submetido – art. 288.º, n.º 4 CPP.

Art. 291.º, n.º 1 CPP: “Os actos de instrução efectuam-se pela ordem que o juiz reputar
mais conveniente para o apuramento da verdade. O juiz indefere os actos requeridos

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Prática Processual Penal
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que entenda não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o


andamento do processo e pratica ou ordena oficiosamente aqueles que considerar úteis”.

Art. 290.º, n.º 2 CPP: “O juiz pode, todavia, conferir a órgãos de polícia criminal o
encargo de procederem a quaisquer diligências e investigações relativas à instrução,
salvo tratando-se do interrogatório do arguido, da inquirição de testemunhas, de actos
que por lei sejam cometidos em exclusivo à competência do juiz e, nomeadamente, os
referidos no n.º 1 do artigo 268.º e no n.º 2 do artigo 270.º”.

Se se requer a prática de determinado acto de instrução e o juiz indefere, qual a nulidade


que se deve invocar? A nulidade do art. 120.º, n.º 2, al. d) CPP, “insuficiência da
instrução”. O despacho que recair sobre a arguição da nulidade é irrecorrível.

O juiz pode indeferir todos os actos instrutórios requeridos pelas partes.

A parte pode requerer o RAI sem arrolar qualquer tipo de prova, se se tratar de uma
questão de direito.

Se o JIC delegar a prática de um acto aos OPC’s que estava impedido de fazer,
gera uma mera irregularidade, na medida em que não está prevista no art. 119.º CPP,
não é nenhum dos casos do art. 120.º CPP e a norma não prevê a nulidade, pelo que só
resta a mera irregularidade – art. 123.º CPP.

Que provas são admitidas na instrução?


Vigora o princípio da legalidade – art. 292.º, n.º 1 CPP. “São admissíveis na
instrução todas as provas que não forem proibidas por lei”.

Será que na instrução se podem indicar testemunhas abonatórias?


Não, uma vez que a instrução só existe para comprovar se determinada pessoa deve ser
levada a julgamento, é uma questão que não tem a ver com a aplicação de uma pena, e
por outro lado, a lei proíbe-o – art. 291.º, n.º 4 CPP.

Actos de instrução

Os actos de instrução estão dependentes de um poder discricionário por parte do JIC,


mas o art. 292.º, n.º 2 CPP prevê que “o juiz de instrução interroga o arguido quando o
julgar necessário e sempre que este o solicitar”.

Deve haver sempre um fundamento da decisão.

O art. 296.º CPP regula o auto de instrução.

Debate instrutório

Designação da data para o debate – art. 297.º CPP

n.º 1: “Quando considerar que não há lugar à prática de actos de instrução,


nomeadamente nos casos em que estes não tiverem sido requeridos, ou em cinco dias
a partir da prática do último acto, o juiz designa dia, hora e local para o debate

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instrutório. Este é fixado para a data mais próxima possível, de modo que o prazo
máximo de duração da instrução possa em qualquer caso ser respeitado”.

Finalidade do debate – art. 298.º CPP

“O debate instrutório visa permitir uma discussão perante o juiz, por forma oral e
contraditória, sobre se, do decurso do inquérito e da instrução, resultam indícios de
facto e elementos de direito suficientes para justificar a submissão do arguido a
julgamento”.

Quem participa no debate instrutório?

Conteúdo da instrução – art. 289.º CPP

n.º 1: “A instrução é formada pelo conjunto dos actos de instrução que o juiz entenda
dever levar a cabo e, obrigatoriamente, por um debate instrutório, oral e contraditório,
no qual podem participar o Ministério Público, o arguido, o defensor, o assistente e
o seu advogado, mas não as partes civis”.

No debate podem participar:


 MP;
 Defensor;
 Assistente;
 Advogado do assistente.

Note-se que as partes civis nunca podem participar.

Fora do debate, os intervenientes apenas têm direito a participar nos casos em que a lei
expressamente confere direito de intervir – arts. 42.º a 84.º CPP (parte geral).

Art. 289.º, n.º 2 CPP: “O Ministério Público, o arguido, o defensor, o assistente e o seu
advogado podem assistir aos actos de instrução por qualquer deles requeridos e suscitar
pedidos de esclarecimento ou requerer que sejam formuladas as perguntas que
entenderem relevantes para a descoberta da verdade”.

Se uma parte civil souber que daí a uma semana vai acontecer o debate instrutório e ela
quiser participar, o que pode ela fazer? Pode requerer a sua constituição como
assistente, e pode constitui-se assistente até 5 dias antes do debate instrutório, art. 68.º,
n.º 3, al. a) CPP. Neste caso, as partes contrárias (MP e arguido) são notificados para se
pronunciarem.
Se chegar ao dia do debate sem despacho, quid iuris?
Deve-se comparecer, e requerer-se que as partes contrárias sejam notificadas no acto e
que possa ser admitido no acto.
Isto também vale para o julgamento.

Art. 297.º, n.º 3 CPP: “A designação de data para o debate instrutório é notificada ao
Ministério Público, ao arguido e ao assistente pelo menos cinco dias antes de aquele ter
lugar. Em caso de conexão de processos nos termos das alíneas c), d) e e) do n.º 1 do

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artigo 24.º, a designação da data para o debate instrutório é notificada aos arguidos que
não tenham requerido a instrução”.

E se na instrução não houve debate instrutório?


Estamos perante uma nulidade sanável, nos termos do art. 120.º, n.º 2, al. d) CPP.
Porém a doutrina não é unânime, há quem entenda tratar-se de uma nulidade insanável,
pela essencialidade do debate que consubstancia a inexistência da instrução – art. 119.º,
al. b) CPP. O Dr. Cima Santos é desta opinião.

Adiamento do debate – art. 300.º CPP

n.º 1: “O debate só pode ser adiado por absoluta impossibilidade de ter lugar,
nomeadamente por grave e legítimo impedimento de o arguido estar presente”.
n.º 2: “Em caso de adiamento, o juiz designa imediatamente nova data, a qual não pode
exceder em 10 dias a anteriormente fixada. A nova data é comunicada aos presentes,
mandando o juiz proceder à notificação dos ausentes cuja presença seja necessária”.
n.º 3: “Se o arguido renunciar ao direito de estar presente, o debate não é adiado
com fundamento na sua falta, sendo ele representado pelo defensor constituído ou
nomeado”.
n.º 4: “O debate só pode ser adiado uma vez. Se o arguido faltar na segunda data
marcada, é representado pelo defensor constituído ou nomeado”.

Tem-se entendido que, num crime particular em que quem promove o processo é o
assistente, embora não venha expressamente previsto (art. 300.º, n.º 1 CPP), o debate
também pode ser adiado se faltar o assistente.

Art. 301.º, n.º 1 CPP: “A disciplina do debate, a sua direcção e organização


competem ao juiz, detendo este, no necessário, poderes correspondentes aos conferidos
por este Código ao presidente, na audiência”. É uma competência do JIC.

Os poderes que essencialmente se encontram previstos para o presidente do tribunal na


audiência de julgamento são os mesmos que o JIC tem em relação à direcção do debate
instrutório, que funciona como uma espécie de julgamento.

Estrutura básica do debate instrutório:


O primeiro acto que acontece no debate instrutório é a abertura e exposição sumária por
parte do JIC.

Art. 302.º, n.º 1 CPP: “O juiz abre o debate com uma exposição sumária sobre os
actos de instrução a que tiver procedido e sobre as questões de prova relevantes
para a decisão instrutória e que, em sua opinião, apresentem carácter controverso”.
O JIC vai dizer quais os actos que foram realizados no âmbito da instrução, e quais as
questões de prova que ainda se encontram controversas. Nisto consiste o primeiro acto.

Depois dá-se a palavra ao MP, em seguida, ao advogado do assistente, e por último,


ao defensor do arguido – arts. 301.º, n.º 2 e 302.º, n.º 2 CPP.

Art. 301.º, n.º 2 CPP: “O debate decorre sem sujeição a formalidades especiais. O juiz
assegura, todavia, a contraditoriedade na produção da prova e a possibilidade de o
arguido ou o seu defensor se pronunciarem sobre ela em último lugar”.

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Art. 302.º, n.º 2 CPP: “Em seguida concede a palavra ao Ministério Público, ao
advogado do assistente e ao defensor para que estes, querendo, requeiram a produção
de provas indiciárias suplementares que se proponham apresentar, durante o
debate, sobre questões concretas controversas”. No uso da palavra, estes podem
requerer a produção de meios de prova relativos às questões que o juiz considerou
controversas na sua exposição inicial, propondo-se produzi-las durante o debate.
Este requerimento de prova deve ser deduzido neste momento do debate.

Se o juiz indeferir este requerimento de prova, quid iuris? Alguns autores, tais como o
Dr. Germano Marques da Silva, entendem que a decisão que recai sobre os meios de
prova requeridos no debate instrutório deve ser recorrível. Isto porque já não estamos
perante a discricionaridade dos actos instrutórios que o JIC possuía na fase anterior,
uma vez que, se foi o próprio juiz que considerou que determinado facto é controverso,
seria um contra-senso indeferir sem controlo as provas que se propõe produzir quanto a
essa mesma questão controversa.

Em seguida, se foram requeridos meios de prova e os mesmos foram deferidos, segue-


se a produção dessa prova, que é dirigida pelo JIC.

Art. 302.º, n.º 3 CPP: “Segue-se a produção da prova sob a directa orientação do juiz, o
qual decide, sem formalidades, quaisquer questões que a propósito se suscitarem. O juiz
pode dirigir-se directamente aos presentes, formulando-lhes as perguntas que
entender necessárias à realização das finalidades do debate”.

Pode no entanto suceder que, dada a palavra, nenhum dos sujeitos processuais requeira
nada, e então não existe a fase da prova.

Alegações

Depois é novamente dada a palavra ao MP, ao advogado do assistente e ao defensor do


arguido, para alegar.

Art. 302.º, n.º 4 CPP: “Antes de encerrar o debate, o juiz concede de novo a palavra ao
Ministério Público, ao advogado do assistente e ao defensor, para que estes, querendo,
formulem em síntese as suas conclusões sobre a suficiência ou insuficiência dos
indícios recolhidos e sobre questões de direito de que dependa o sentido da decisão
instrutória”.

À partida, as alegações devem comportar duas fases:


 uma análise da prova produzida no âmbito da instrução. Esta fase pode não
existir se, por exemplo, se levantarem apenas questões de direito.
 uma abordagem das questões de direito.

O art. 304.º, n.º 1 CPP define a regra da continuidade do debate. Este artigo remete
para o art. 328.º CPP, que se refere já à fase do julgamento, e disciplina que uma das
regras da audiência de julgamento, que se aplica também ao debate, é a regra da
continuidade.

150
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Art. 328.º CPP, n.ºs 1 e 2: “1 – A audiência é contínua, decorrendo sem qualquer


interrupção ou adiamento até ao seu encerramento.
2 – São admissíveis, na mesma audiência, as interrupções estritamente necessárias, em
especial para alimentação e repouso dos participantes. Se a audiência não puder ser
concluída no dia em que se tiver iniciado, é interrompida, para continuar no dia útil
imediatamente posterior”.

Art. 304.º, n.º 2 CPP: “O juiz interrompe o debate sempre que, no decurso dele, se
aperceber de que é indispensável a prática de novos actos de instrução que não possam
ser levados a cabo no próprio debate”. Por exemplo, no caso de questões controversas
que originem um requerimento de prova por uma das partes, e essa prova não possa ser
produzida imediatamente o juiz pode interromper o debate, com vista à sua produção.

Alteração substancial ou não substancial dos factos

O art. 303.º CPP aborda novamente a questão da alteração substancial ou não


substancial dos factos. O regime que a lei presentemente consagra pôs termo a uma
divisão muito grande na doutrina e jurisprudência.
O regime acordado é relativamente lato.

Art. 303.º, n.º 1 CPP: “Se dos actos de instrução ou do debate instrutório resultar
alteração não substancial dos factos descritos na acusação do Ministério Público ou
do assistente, ou no requerimento para abertura da instrução, o juiz, oficiosamente
ou a requerimento, comunica a alteração ao defensor, interroga o arguido sobre ela
sempre que possível e concede-lhe, a requerimento, um prazo para preparação da defesa
não superior a oito dias, com o consequente adiamento do debate, se necessário”.

Existem aqui diversos aspectos a ter em conta:


 O n.º 1 só trata da alteração não substancial, que resulte dos actos de instrução
(primeira fase da instrução) ou debate instrutório.
 Só é aplicável se num destes dois momentos houver uma alteração não
substancial em relação a uma de 3 coisas:
- À acusação do MP;
- À acusação do assistente;
- Ao RAI deduzido pelo assistente.

Nos casos de arquivamento pelo MP, é o RAI que vai funcionar como acusação,
é o RAI que vai fixar o objecto do processo.

Pode acontecer que esta alteração não substancial se reporte ao próprio RAI
deduzido pelo assistente.

Se houver uma alteração não substancial dos factos (art. 1.º, al. f) CPP), o juiz
oficiosamente ou a requerimento:
 comunica a alteração ao defensor do arguido;
 interroga o arguido sempre que possível, sobre a mesma;
 concede-lhe, a requerimento, um prazo para preparação da defesa, não
superior a 8 dias, com consequente adiamento do debate, se necessário.

151
Prática Processual Penal
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Este prazo não superior a 8 dias só existe quando é requerido, o arguido pode não o
requerer.
Entende a doutrina maioritária que isto só se aplica quando os factos novos não são
trazidos para o processo pelo próprio arguido. Se foi o próprio arguido a trazer esses
factos novos para o processo, não é necessário prazo para preparar a defesa, uma
vez que ele é que os suscitou.
Este é um regime paralelo/similar ao regime previsto para a audiência de julgamento.

Art. 303.º, n.ºs 3 e 4 CPP: “3 – Uma alteração substancial dos factos descritos na
acusação ou no requerimento para abertura da instrução não pode ser tomada em conta
pelo tribunal para o efeito de pronúncia no processo em curso, nem implica a extinção
da instância.
4 – A comunicação da alteração substancial dos factos ao Ministério Público vale como
denúncia para que ele proceda pelos novos factos, se estes forem autonomizáveis em
relação ao objecto do processo”.

Existem diversos aspectos a salientar aqui. A lei diz que uma alteração substancial não
pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de pronuncia no processo em
curso.
O Dr. Paulo Pinto de Albuquerque defende uma posição que não tem muita
consonância com o que diz a lei. Entende que o regime que está previsto para a
alteração substancial dos factos no julgamento, no art. 359.º CPP, se deve aplicar
analogicamente à instrução.
Os n.ºs 1 e 2 do art. 359.º CPP são equivalentes aos n.ºs 3 e 4 do art. 303.º CPP.
Mas o legislador alterou quer o regime do julgamento, quer o regime da instrução, e no
entanto não introduziu um n.º similar ao n.º 3 do art. 359.º CPP no âmbito da
instrução. O autor defende que o espírito da lei é o mesmo e que, com o acordo das
partes, nada impede que o processo abranja também esta nova factualidade.

O último segmento do n.º 3 do art. 303.º CPP, que diz que “nem implica a extinção da
instância”, é um segmento muito importante, pois veio contrariar o que a maioria da
doutrina defendia, que é que em alguns casos a descoberta de uma alteração substancial
poderia extinguir aquele processo e dar origem a outro. Outros autores defendiam que o
processo deveria voltar à fase de inquérito, para serem apreciados os novos factos.
O legislador agora é muito claro: as alterações substanciais não podem ser tidas em
conta no processo.

Se forem autonomizáveis em relação aos factos que já constam do processo, aí sim,


comunica-se ao MP para este proceder pelos novos factos. Se não forem
autonomizáveis, aqueles factos morrem ali, porque não se pode abrir novo processo,
uma vez que não são autonomizáveis dos factos que já constam do processo, e porque
não podem ser considerados no processo em curso.
É uma solução que, em homenagem ao princípio do respeito pelo objecto do processo, e
para que não existam alterações abruptas no objecto do processo, sacrifica um pouco a
descoberta da verdade material.

Temos então sempre que distinguir se os factos são ou não autonomizáveis.

152
Prática Processual Penal
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O art. 303.º, n.º 5 CPP prevê uma solução que já era aplicada antes da revisão, mas que
agora ficou especificamente consagrada.

Art. 303.º, n.º 5 CPP: “O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o


juiz alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou no requerimento
para a abertura da instrução”. O que aqui se encontra previsto é diferente da alteração
dos factos. O n.º 1 refere-se à alteração não substancial, e os n.ºs 3 e 4 referem-se à
alteração substancial dos factos. Já o n.º 5 refere-se à alteração, com os mesmos factos:
a alteração da qualificação jurídica. Neste caso, diz-se que face a estes factos, não
estamos perante o crime A, mas o crime B, sem que se alterem quaisquer factos.

No exame, temos de verificar se existem factos novos, ou se os factos são os mesmos.


Se se trata de uma mera alteração da qualificação jurídica, aplica-se o n.º 5, que remete
para o n.º 1 do art. 303.º CPP, ou seja, inclusivamente pode ser concedido um prazo
para preparar a defesa face àquela alteração, a requerimento do arguido.
Esta alteração pode consubstanciar um crime mais grave, mas como os factos são
os mesmos, aplica-se sempre o art. 303.º, n.º 5 CPP, que manda aplicar as regras da
alteração não substancial do n.º 1.
A lei equiparou uma mera alteração da qualificação jurídica a uma alteração não
substancial dos factos, muito embora sejam coisas diferentes.

Esta norma do n.º 5 já era aplicada antes da reforma. Existia uma norma idêntica para o
julgamento, e entendia-se que essa norma deveria ser aplicada analogicamente à
instrução.

Prazos máximos da instrução

São os prazos previstos no art. 306.º CPP, e podem ser de 2, 3 ou 4 meses.


(já vimos esta matéria anteriormente, ver pág. 78)

Resumindo:
 2 meses – se houver arguido preso ou sob obrigação de permanência na
habitação.
 3 meses – excepção: se houver arguido preso e se tratar de um dos crimes do art.
215.º, n.º 2 CPP.
 4 meses – se não houver arguido preso ou sob obrigação de permanência na
habitação.

Estes prazos são meramente reguladores, a única importância que têm prende-se com a
possibilidade de recorrer à aceleração processual.

Discute-se o momento a partir do qual estes prazos contam.


A lei, no n.º 3 do art. 306.º CPP fala em recebimento. Que recebimento é este? É o
recebimento do processo na secção, quando ele sai do MP e é distribuído nos juízos
criminais, ou é o recebimento do despacho de abertura de instrução?
O Dr. entende que é o recebimento do processo nos serviços, caso contrário, estaríamos
a pôr na mão do JIC estes prazos.

No final da instrução temos o despacho, que pode ser um de dois:

153
Prática Processual Penal
Ordem dos Advogados

1. despacho de pronúncia, se o juiz concluir que existem indícios para levar o


arguido a julgamento;
2. despacho de não pronúncia (art. 307.º CPP).

Art. 307.º CPP.: “1 - Encerrado o debate instrutório, o juiz profere despacho de


pronúncia ou de não pronúncia, que é logo ditado para a acta, considerando-se
notificado aos presentes, podendo fundamentar por remissão para as razões de facto e de
direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura da instrução.
2 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 281.º, obtida a concordância
do Ministério Público”.

Este art. 281.º CPP diz respeito à suspensão provisória do processo. O n.º 2 do art.
307.º CPP permite que a suspensão provisória do processo, que é uma figura prevista
no inquérito, exista também na instrução.

O JIC, na altura de decidir, pode também, havendo concordância do MP, optar pela
suspensão provisória do processo. Aqui quem decide é o JIC, com concordância do
MP, enquanto que no inquérito é o MP quem decide. Invertem-se aqui os papéis, pois já
estamos numa fase judicial.

Muitas vezes requer-se artificialmente o RAI, só para conseguir a suspensão provisória


do processo.

Em regra a decisão é proferida a seguir aos actos e ditada para acta. No entanto, o art.
307.º, n.º 3 CPP dá ao juiz a prorrogativa de proceder à leitura da sentença em
momento posterior. Portanto, se a causa for simples, a sentença é ditada para acta, se for
complexa, recorre-se ao n.º 3 do art. 307.º CPP.

Art. 307.º, n.º 3 CPP.: “Quando a complexidade da causa em instrução o aconselhar, o


juiz, no acto de encerramento do debate instrutório, ordena que os autos lhe sejam feitos
conclusos a fim de proferir, no prazo máximo de 10 dias, o despacho de pronúncia ou de
não pronúncia. Neste caso, o juiz comunica de imediato aos presentes a data em que o
despacho será lido, sendo correspondentemente aplicável o disposto na segunda parte do
n.º 1”.

O juiz não fica vinculado, quer de cato, quer de direito, pelo despacho de pronúncia.

O despacho de não pronúncia pode assentar numa de duas coisas, ou inclusivamente em


ambas:
1. não existem indícios suficientemente fortes para levar o arguido a julgamento;
2. Razões de direito, por exemplo: os indícios que foram demonstrados no âmbito
da instrução não preenchem nenhum tipo legal de crime.

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